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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ... - UFRJ

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<strong>UNIVERSIDA<strong>DE</strong></strong> <strong>FE<strong>DE</strong>RAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>RIO</strong> <strong>DE</strong> <strong>JANEIRO</strong><br />

INSTITUTO <strong>DE</strong> FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS<br />

FLORESTA, AGRICULTURA E CIDA<strong>DE</strong>:<br />

TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA NO<br />

SÉCULO XIX.<br />

SUSANA CESCO<br />

2009


2<br />

FLORESTA, AGRICULTURA E CIDA<strong>DE</strong>:<br />

TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA<br />

ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA NO SÉCULO XIX.<br />

Susana Cesco<br />

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em<br />

História Social, da Universidade Federal do Rio de<br />

Janeiro, como parte dos requisitos necessários à<br />

obtenção do título de Doutora em História Social.<br />

Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua<br />

Rio de Janeiro<br />

2009


3<br />

FLORESTA, AGRICULTURA E CIDA<strong>DE</strong>:<br />

TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA NO<br />

SÉCULO XIX.<br />

Susana Cesco<br />

Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua<br />

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, da<br />

Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos necessários à<br />

obtenção do título de Doutora em História Social.<br />

Aprovada por:<br />

Presidente: Prof. Dr. José Augusto Pádua - <strong>UFRJ</strong><br />

Profª. Dra. Fania Fridman - <strong>UFRJ</strong><br />

Prof. Dr. Marcos Bretas da Fonseca - <strong>UFRJ</strong><br />

Profª. Dra. Eunice Sueli Nodari - UFSC<br />

Prof. Dr. Rogério Ribeiro de Oliveira - PUC/RJ<br />

Suplente: Profª. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza - <strong>UFRJ</strong><br />

Suplente: Profª Dra. María Verónica Secreto de Ferreras - UFF<br />

Rio de Janeiro<br />

2009


Cesco, Susana.<br />

Floresta, Agricultura e Cidade: Transformações ambientais e sociais na<br />

Ilha de Santa Catarina no século XIX / Susana Cesco - Rio de Janeiro:<br />

<strong>UFRJ</strong>/PPGHIS-IFCS, 2009.<br />

xvii, 258f.: il.; 31cm.<br />

Orientador: José Augusto Pádua<br />

Tese (Doutorado) - <strong>UFRJ</strong>/IFCS/Programa de Pós-graduação em<br />

História Social, 2009.<br />

Referências Bibliográficas: f. 236 -258.<br />

1. História Ambiental. 2. Agricultura e desenvolvimento urbano. I.<br />

Pádua, José Augusto. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto<br />

de Filosofia e Ciências Sociais. III. Floresta, Agricultura e Cidade:<br />

Transformações ambientais e sociais na Ilha de Santa Catarina no século<br />

XIX.<br />

4


5<br />

FLORESTA, AGRICULTURA E CIDA<strong>DE</strong>:<br />

TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA NO<br />

SÉCULO XIX.<br />

Susana Cesco<br />

Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua<br />

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História<br />

Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos<br />

necessários à obtenção do título de Doutora em História Social.<br />

O século XIX marcou um processo de intensas transformações na Ilha de Santa<br />

Catarina, onde se localizava a cidade de Nossa Senhora do Desterro, capital de Santa Catarina, ao<br />

sul do Brasil. Momento de reconhecimento das potencialidades econômicas e ambientais locais,<br />

de ocupação e consolidação da colonização européia iniciada meio século antes, é nesse período<br />

que a população da Ilha redesenha seus espaços sociais e culturais e também impõe um novo<br />

ritmo nas transformações ambientais.<br />

A partir daí ocorre uma redefinição nos “usos” dados à floresta, ao mar e à terra da Ilha.<br />

O que até então era uma vila distante, passa a ser um ponto estratégico na ocupação das fronteiras<br />

do Brasil. Esse território insular, com fronteiras naturais definidas, tem no século XIX intensas<br />

mudanças que vão da derrubada da floresta para uso local, passando por um crescimento agrícola<br />

significativo com exportação de excedentes para outras regiões do Brasil, ponto mais importante<br />

para uso da Real Armada portuguesa, a um grande crescimento urbano.<br />

Fazendo uso de um amplo acervo documental do período em questão, buscou-se analisar<br />

esse processo de transformação da Ilha de Santa Catarina dando ênfase a três aspectos


6<br />

considerados basilares da questão ambiental local: A floresta, a agricultura e o crescimento<br />

urbano. Esse trabalho de análise das transformações da natureza e de suas influências na vida de<br />

uma sociedade em um espaço em constante transformação permite uma leitura de novos ângulos<br />

da história local, considerando a questão ambiental como elemento essencial.<br />

Palavras-chave: transformação ambiental, insularidade e crescimento urbano.<br />

Rio de Janeiro<br />

2009


7<br />

FOREST, AGRICULTURE AND CITY:<br />

AMBIENT AND SOCIAL TRANSFORMATIONS IN THE ISLAND OF SANTA CATARINA<br />

IN CENTURY XIX.<br />

Susana Cesco<br />

Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua<br />

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História<br />

Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos<br />

necessários à obtenção do título de Doutora em História Social.<br />

The nineteenth century marked a process of intensive changes in the Saint Catharine’s<br />

island, where it was located the city of Nossa Senhora do Desterro, the capital of Santa Catarina,<br />

in southern Brazil. Period of recognition of the economic and environmental potentialities sites,<br />

the occupation and consolidation of European colonization started a half century before, it is also<br />

in this period that the island’s population redesigns their social and cultural spaces and imposed a<br />

new rhythm in environmental changes.<br />

From this moment a shift occurs in the "usage" given to the forest, to the sea and to the<br />

land of the island. What was so far just a distant village, started to become a strategic point in the<br />

occupation of Brazil’s border. This island territory, which has a defined natural’s boundaries, had<br />

in the nineteenth century severe changes ranging from felling of forests for local use and, more<br />

importantly, for the Portuguese Royal Navy use, a significant agricultural growth with surpluses<br />

exportation to others Brazil’s regions and a large urban growth.<br />

Using a great deal of documents from the period at issue, sought to examine this<br />

transformation process of Saint Catharine’s island emphasing three basal points about the local


8<br />

environmental issue: The forest, the agriculture and the urban growth. This analytic work of the<br />

changes in the nature and of their influences on the life of a society in a space in constant<br />

transformation allows a reading from new angles of the local history, considering the<br />

environmental issue as an essential element.<br />

Keywords: environmental change, island and urban growth.<br />

Rio de Janeiro<br />

2009


AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />

9<br />

Definitivamente escrever uma tese não é fácil. A ilusão inicial de trabalhar apenas com<br />

o tema que gostamos sede lugar ao trabalho árduo e, acima de tudo, solitário. São quatro anos de<br />

pesquisa, de rascunhos e dúvidas que muitas vezes me fizeram questionar minha capacidade de<br />

realizar o trabalho. Agora, com tudo pronto, agradeço as muitas pessoas e instituições que<br />

durante esses quatro anos contribuíram para que esse doutorado fosse concluído com êxito.<br />

Inicialmente gostaria de agradecer aos professores e funcionários do Programa de Pósgraduação<br />

em História Social da <strong>UFRJ</strong> com quem tive a oportunidade de conviver e aprender<br />

muito, especialmente aos professores: Professor Dr. Manolo Florentino, professor Dr. João Luiz<br />

Fragoso, Professor Dr. Marcos Bretãs da Fonseca, a então Professora Drª. Beatriz Catão Cruz<br />

Santos e do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano a professora Drª. Fania<br />

Fridman. Estendo meus agradecimentos a muitos funcionários da <strong>UFRJ</strong> como as secretárias do<br />

PPGHIS, os responsáveis pelas bibliotecas do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, do<br />

Departamento de Geografia e do Planejamento Urbano onde passei tantas horas. O mesmo sobre<br />

a Biblioteca Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo Histórico do Exército,<br />

Arquivo Nacional, Real Gabinete Português de Leitura, Arquivo Público do Estado de Santa<br />

Catarina, Arquivo Municipal de Florianópolis, Fundação Franklin Cascaes e Biblioteca<br />

Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina.<br />

Durante os dois últimos anos de doutorado contei com o apoio financeiro da FAPERJ<br />

através de uma bolsa de estudos a quem agradeço. Agradeço também à CAPES pela concessão da<br />

bolsa P<strong>DE</strong>E e a Università degli Studi di Firenze que me recebeu para a realização desse estágio,<br />

aos funcionais do Departamento de Ciência e Tecnologia Ambiental Florestal e especialmente ao<br />

professor Mauro Agnoletti, pela receptividade e auxílio durante os meses em que estive em<br />

Firenze.


10<br />

Ao Professor José Augusto Pádua, pela orientação e pela liberdade e segurança que<br />

me deu para escrever a tese.<br />

Aos amigos da Universidade Federal de Santa Catarina de quem recebi o apoio<br />

indispensável quando da elaboração do projeto de doutorado que me trouxe ao Rio de Janeiro. À<br />

professora Eunice Nodari que plantou a semente dessa tese e que além de idéias sempre ajudou<br />

com sua amizade.<br />

À Helenice Andrade, amiga de todas as horas, paciente e comprometida com meus<br />

projetos. Sempre disposta a ler e dar sua contribuição.<br />

À Diogo Cabral, amigo e colega de pesquisas, estudos e conversas.<br />

À “minha nova e grande família” no Rio de Janeiro, sempre me apoiando e<br />

incentivando, agradeço especialmente à Hortensia Monteiro Corrêa que com sua força e<br />

generosidade me acolheu em sua vida.<br />

À Geni e Darlan, minha família de sangue, de amor e de lutas, meu porto seguro e com<br />

quem compartilho os sonhos e as conquistas.<br />

À Yuri Corrêa Araújo por sua ajuda lendo e dando sugestões desde a pesquisa até as<br />

considerações finais dessa tese. Pelos momentos alegres que me proporcionou e por seu ombro<br />

amigo que secou tantas lágrimas. Obrigada por seu companheirismo e por seu amor.


SUMÁ<strong>RIO</strong><br />

11<br />

LISTA <strong>DE</strong> ILUSTRAÇÕES ................................................................................................<br />

xiii<br />

LISTA <strong>DE</strong> QUADROS .........................................................................................................<br />

xv<br />

LEGENDA ...........................................................................................................................<br />

xvii<br />

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 18<br />

Capítulo I<br />

FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA .......................... 29<br />

1.1 Açorianos e Madeirenses em uma nova ilha ........................................................................ 29<br />

1.2 Colonização Programada e Insularidade .............................................................................. 44<br />

1.3 Imigração e Povoamento ...................................................................................................... 47<br />

1.4 Uma Ilha e seus elos com o Continente ................................................................................ 51<br />

1.5 Importação e Exportação ...................................................................................................... 57<br />

1.6 Conceitos e Instrumentos da História Ambiental Ilhoa ........................................................ 61<br />

Capítulo II<br />

A QUESTÃO FLORESTAL ..................................................................................................... 79<br />

2.1 Leis para o Brasil: entre o legal e o usual ............................................................................. 79<br />

2.2 Uma história da floresta na Ilha de Santa Catarina: os fundamentos ................................... 91<br />

2.3 Olhares sobre a floresta da Ilha de Santa Catarina no século XIX ..................................... 108<br />

2.4 Usos e Abusos: a transformação florestal da Ilha de Santa Catarina no século XIX<br />

.................................................................................................................................................... 118


Capítulo III<br />

12<br />

A QUESTÃO AGRÍCOLA ...................................................................................................... 123<br />

3.1 Legislação no século XIX: permanências, rupturas e contradições ................................... 123<br />

3.2 A propriedade de terras durante o século XIX .................................................................. 132<br />

3.3 Evolução da agricultura no século XIX .............................................................................. 138<br />

3.4 Agricultura e “Progresso” na Ilha ........................................................................................ 154<br />

3.5 Do campo para a cidade: resultados da agricultura na Ilha de Santa Catarina .................. 173<br />

Capítulo IV<br />

A QUESTÃO URBANA .......................................................................................................... 177<br />

4.1 Meio Ambiente e Saúde Pública no Processo de Urbanização de Desterro ....................... 177<br />

4.2 Do Global ao Local: questões de salubridade no Brasil ..................................................... 186<br />

4.3 O Desenho Urbano ............................................................................................................. 192<br />

4.4 O Mapeamento da Insalubridade em Desterro ................................................................... 204<br />

4.5 Espaço e Sociabilidade no processo de urbanização de Nossa Senhora do Desterro ......... 215<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 228<br />

REFERÊNCIAS E FONTES ................................................................................................... 235


13<br />

LISTA <strong>DE</strong> ILUSTRAÇÕES<br />

(Ilustração 01) Planta da Costa da ilha de Santa Catarina, anexo ao ofício relatando a situação das<br />

defesas da Ilha de Santa Catarina de autoria de Roberto Soares, escrevendo a bordo da Nau Sto<br />

Antonio, no momento na costa catarinense. 21 de novembro de1776. Acervo: Arquivo Nacional.<br />

Diversos códices 1612-195 (cód.798) ................. ........................................................... p. 39<br />

(Ilustração 02) Vida Comercial nas proximidades do antigo Mercado Público de Desterro,<br />

fronteiro à praça. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina ...................... p. 55<br />

(Ilustração 03) Planta Topográfica da Cidade do Desterro, levantada por ordem e na presidência<br />

da Província de Santa Catarina, por Alfredo D’Escragnolle Taunay, pelo engenheiro major<br />

Antonio Floriano Pereira do Lago e Carlos Othom Schlappal, 1876. Detalhe referente ao centro<br />

de Nossa Senhora do Desterro. Acervo Arquivo Histórico do Exército, setor de cartografia<br />

.................................................................................................................................................. p. 56<br />

(Ilustração 04) Vue de la cöte du Brèsil vis à vis de l`Ile de Stª Catherine (Brèsil). Desenho de<br />

Louis Choris – (21,8 cm x 26,8 cm) In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />

CATARINA. Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX.<br />

Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Assessoria Cultural, 1979. Prancha V p. 248<br />

................................................................................................................................................ p. 115<br />

(Ilustração 05) Foto de satélite da Ilha de Santa Catarina. Consultado em 06/01/2009<br />

http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br/sc/htm ...................................................................... p. 191<br />

(Ilustração 06) Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada por Ordem e na<br />

Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle<br />

Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom<br />

Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército). Observação: A<br />

planta compreende somente a parte edificada e sujeita à décima urbana<br />

............................................................................................................................................... p. 192<br />

(Ilustração 07) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do Desterro<br />

Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor.<br />

Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago<br />

e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército)<br />

VEIGA, Eliane Veras da. Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de<br />

Florianópolis: 1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História – UFSC; ALMEIDA,<br />

Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do


14<br />

Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis. Monografia<br />

em História. Universidade do Estado de Santa Catarina .................................................. p. 205<br />

(Ilustração 08) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do Desterro<br />

Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor.<br />

Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago<br />

e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército).<br />

VEIGA, Eliane Veras da. Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de<br />

Florianópolis: 1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História – UFSC; ALMEIDA,<br />

Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do<br />

Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis. Monografia<br />

em História. Universidade do Estado de Santa Catarina ..................................................... p. 211


15<br />

LISTA <strong>DE</strong> QUADROS<br />

(Quadro 01) Rezumo Geral de toda a população pertencente ao Governo da Ilha de Santa<br />

Catharina, formado pelos mapas que derão os officios de cada hum dos Distritos do mesmo<br />

Governo. Em 1º de janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto<br />

documental 3,3,17 ............................................................................................................p. 41-42<br />

(Quadro 02) Mapa das Embarcações que entrarão, e sahirão do porto da Capitania de Santa<br />

Catharina no anno de 1815. Autoria: Luiz Mauricio da Silveira. Santa Catharina, 7 de janeiro de<br />

1817. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto documental I, 31,29,18<br />

................................................................................................................................................... p. 54<br />

(Quadro 03) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina Antero José<br />

Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008<br />

.................................................................................................................................................. p. 58<br />

(Quadro 04) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina Antero José<br />

Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008<br />

.................................................................................................................................................. p. 59<br />

(Quadro 05) Tabela retirada da “Relação das qualidades de Madeiras da Ilha de Santa Catharina,<br />

que podem servir para construção de Imbarcações grandes e pequenas” elaborada por Joaquim<br />

Correa dos Santos no Rio de Janeiro 3 de setembro de 1798 ...................................... p. 102-103<br />

(Quadro 06) Mappa da quantidade de gêneros e efeitos que se exportão anualmente na Ilha de<br />

Santa Catharina, 1796. Acervo BN (códice 3,3,17) ............................................................. p. 156<br />

(Quadro 07) Tabela anexa ao Ofício de João Alberto de Miranda Ribeiro ao Conde de Resende,<br />

apresentando relatório sobre a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com<br />

dados estatísticos. Desterro, 17 de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc.<br />

130p. (códice 3,3,17) ............................................................................................................ p. 157<br />

(Quadro 08) Produção de Santa Catarina em 1808. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila<br />

Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa do seu litoral,<br />

de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819. Acervo: BN,<br />

Códice (II - 35,32,18 nº39) ................................................................................................... p. 158<br />

(Quadro 09) Produção de Santa Catarina em 1819. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila<br />

Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa do seu litoral,


16<br />

de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819. Acervo: BN,<br />

Códice (II - 35,32,18 nº39) ............................................................................................ p. 158-159<br />

(Quadro 10) Brasil Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 1860.<br />

Relatório da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.<br />

http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/agricultura.html.consultado em 12-03-08 .................. p. 162<br />

(Quadro 11) Informações contidas no Relatório do Presidente da Província, Falla dirigida à<br />

Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina em 25 de março de 1874 pelo Exmo. Sr.<br />

Presidente da província, dr. João Thomé da Silva. Cidade de Desterro, typ. De JJ Lopes, 1874<br />

................................................................................................................................................ p. 164<br />

(Quadro 12) Ocupação dos escravos na Ilha de Santa Catarina no ano de 1872. Fonte:<br />

CAR<strong>DO</strong>SO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.<br />

Insular: Florianópolis, 2000 .................................................................................................. p. 172


17<br />

LEGENDA<br />

Quintaes: Antiga medida brasileira de massa, equivalente a quatro arrobas (cerca de 60 kg).<br />

Arroba: Antiga unidade de peso usada em Portugal, Espanha e países da América do Sul,<br />

equivalente a um quarto de quintal, ou seja, 14,688 kg. Atualmente, quando referida, é em geral<br />

arredondada para 15 kg.<br />

Braças: Medida de comprimento correspondente a dois braços abertos ou 2,2 metros.<br />

Litros: Antiga medida equivalentae a doze onças que era uma medida de peso que representa a<br />

décima sexta parte da libra e cujo valor é 30,549 g.<br />

Alqueires: Antiga medida para secos equivalente a quatro quartas ou 36,27 litros (em Lisboa<br />

13,8 litros, no Brasil entre 12,5 e 13,8 litros).<br />

Léguas: Essa medida pode variar de acordo com o período ou o local de seu emprego. Para esse<br />

texto consideramos a medida de légua de sesmaria, que equivale, aproximadamente, a 6,6<br />

quilometros.<br />

Datas: Porção de terras. Do latin, feminino de datus, de dare, dar.


INTRODUÇÃO<br />

18<br />

Originalmente, o presente trabalho pretendia ser uma analisa da Lei de Terras de 1850 e<br />

suas conseqüências para Ilha de Santa Catarina, especialmente de que forma a propriedade da<br />

terra, que passou a ser uma mercadoria de compra e venda, influenciou a devastação florestal e as<br />

práticas agrícolas na segunda metade do século XIX. Com o decorrer da pesquisa percebi, no<br />

entanto, o quanto as questões envolvendo terras, matas e agricultura eram mais amplas e<br />

envolviam também a porção urbana da Ilha.<br />

A partir dessa constatação o recorte temporal ampliou-se e recuou, procurando inserir-se<br />

no período designado pela historiografia como “Brasil Império” e um pouco antes, os últimos<br />

anos do “Período Colonial”. Isso basicamente circunscreveu a análise a um período de pouco<br />

menos de um século - últimos anos do século XVIII até o final do Império, no século XIX. Tal<br />

ampliação foi uma necessidade, pois, para entender as mudanças da Ilha de Santa Catarina, a<br />

partir da Lei de Terras, foi fundamental uma análise do período anterior a essa lei, elencando<br />

problemas e motivos que podem ter levado a elaboração da mesma e de outros textos legais sobre<br />

o tema.<br />

Esse caminho de retorno foi direcionado pelos próprios documentos encontrados no<br />

decorrer da pesquisa e se deu em todos os ângulos da análise, uma vez que a sincronia da relação<br />

floresta, agricultura e cidade é uma constante no texto, especialmente pelo objeto de estudo ser<br />

uma ilha. Conseqüentemente, delimita-se fronteiras físicas e, ao mesmo tempo, hibridiza-se<br />

fronteiras sociais e culturais dentro do território em questão.<br />

Usando o espaço restrito de uma ilha e os limites “naturais” impostos pela insularidade,<br />

podemos perceber com mais clareza pontos que em outros lugares ficariam mais dispersos ou<br />

diluídos e, talvez de forma ainda mais contundente, o entrelaçamento de questões que<br />

normalmente são tratadas de forma isolada pela história. No caso da Ilha de Santa Catarina as três


19<br />

questões que são tratadas no decorrer desse texto como as bases formadoras das feições<br />

sociais, culturais, econômicas e ambientais do local, durante e após o século XIX, são a floresta, a<br />

agricultura e a cidade, em todos os seus aspectos e transformações. A divisão da abordagem foi<br />

uma opção para podermos aprofundar mais cada uma das questões, porém a idéia central do<br />

trabalho é de que o mesmo seja um prisma, em que se observe, um de cada vez, os três ângulos –<br />

floresta, agricultura e cidade – de um mesmo objeto - a Ilha no século XIX.<br />

Em síntese, é um estudo regional, no qual grandes temas históricos foram examinados<br />

pelo prisma da história local. Neste, importantes questões, como a indústria madeireira ou a<br />

produção e aclimatação de espécies exóticas, que geraram paisagens altamente devastadoras e<br />

lucrativas como os canaviais e os cafezais aqui mesmo no Brasil, são considerados, mesmo que<br />

indiretamente, em sua relação com a história da Ilha. Essa realidade desencadeou ações locais<br />

como a maior ou menor produção de farinha de mandioca para exportação ou a extração de<br />

madeira.<br />

Esse, que para muitos historiadores é um período de análise longo, foi primordial para o<br />

desenvolvimento do trabalho, pois a proposta é a de ser um estudo das transformações ambientais<br />

e suas conseqüências sociais em uma região e a relação com seus habitantes. Trabalhar com um<br />

período de longa duração – ponto bastante comum em trabalhos de história ambiental –<br />

possibilita a ampliação do ângulo de visão em que se pode ver um ato isolado, como uma lei ou<br />

decreto, sair do papel, transformar-se, adaptar-se a uma realidade local e influenciar, de<br />

determinadas maneiras, a vida em sociedade ou o desequilíbrio causado pela exploração<br />

descontrolada de uma planta ou animal.<br />

A pesquisa de momentos políticos distintos, estratégias de colonização “inovadoras” - no<br />

caso da Ilha de Santa Catarina foi inovadora para os padrões portugueses - e visões diferentes dos<br />

atributos da natureza permitiram que se reconstituísse uma linha temporal do período proposto,<br />

analisando questões sociais e ambientais locais da Ilha, nosso “objeto de estudo”.


20<br />

Considerando que os grandes sistemas sociais e culturais elaborados no curso da<br />

história terminaram, inevitavelmente, por promover amplas conseqüências sobre o ambiente<br />

vivido, não menos do que sobre os homens, verificamos que os modelos de colonização e<br />

ocupação do território brasileiro seguiram essa máxima. A política portuguesa para o sul do<br />

Brasil, especificamente, poderia ter gerado modelos mais amenos de ocupação da terra, pois<br />

estimulava a pequena propriedade, ao contrário dos grandes latifúndios monocultores, que<br />

transformavam grandes áreas antes cobertas de uma fauna e flora diversificada em “tapetes” de<br />

um mesmo produto exótico. O resultado, no entanto, ao menos no que tange a devastação<br />

florestal, não diferiu muito.<br />

As várias etapas da devastação da Mata Atlântica, que cobria praticamente todo o litoral<br />

do Brasil, inclusive a Ilha de Santa Catarina, foram mudanças ambientais causadas basicamente<br />

em cinco séculos de ocupação. Elas manifestaram efeitos, muitas vezes inconscientes,<br />

provenientes de escolhas e de visões políticas que buscavam outros fins que não a devastação<br />

pura e simples. Essa inconsciência foi fruto do desconhecimento da floresta que se estava<br />

ocupando e transformando e de como ela reagiria a uma intervenção tão repentina. Não podemos<br />

esquecer que a Mata Atlântica é muito diferente das conhecidas florestas européias dos<br />

colonizadores. A devastação desenfreada não era vista como um problema, pois se desconhecia a<br />

dificuldade e demora da regeneração da mata. Quando as madeiras nobres começaram a rarear é<br />

que soou o sinal de alerta. A situação é similar a uma analogia que Maquiavel descreve em O<br />

Príncipe 1 ao dizer que o mal é fácil de curar e difícil de reconhecer no princípio, mas com o<br />

passar do tempo, não sendo no início conhecida e medicada a doença, torna-se fácil de<br />

reconhecê-la e difícil de curá-la. O mal causado à Mata Atlântica foi tardiamente reconhecido.<br />

Seguindo a premissa de que em história ambiental é necessário ampliar o período de<br />

análise para compreender mais profundamente causas e efeitos, nos propomos aqui a questionar<br />

1 MACHIAVELLI, Nicolò. O Príncipe. 31 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999., p 33.


21<br />

alguns pontos da história tradicional já escrita sobre a Ilha. Essa ampliação do foco vai ao<br />

encontro das palavras de John McNeill, ao se referir às grandes mudanças ecológicas do final do<br />

século XIX e XX:<br />

em termos ecológicos, a situação atual se diferencia enormemente de qualquer<br />

status duradouro e mais “normal” que tenha caracterizado o mundo no curso da<br />

história do homem; para não dizer no curso da história da Terra. Se pudéssemos<br />

viver 700 ou 7000 anos entenderíamos simplesmente na base da experiência e<br />

da memória. Mas para seres que vivem uns 70 anos ou pouco mais é necessário<br />

o estudo do passado, recente e remoto para chegar a conhecer aquilo que entra<br />

no campo das possibilidades e do que é possível ser duradouro. 2<br />

O trabalho também discute e justifica a insatisfação com a historiografia tradicional que<br />

através de relatos grandiosos sobre “heróis” colonizadores passa uma idéia incompleta da história<br />

local. Uma das lacunas está na ausência do fator ambiental e sua devida importância na<br />

constituição econômica, social e política da Ilha.<br />

Sendo assim, a proposta deste texto é reconstruir e analisar a história da Ilha de Santa<br />

Catarina no século XIX, explorando o papel da natureza na tomada de atitudes, nas mudanças<br />

sociais e culturais, na agricultura e no desenvolvimento urbano. Tal abordagem da história,<br />

designada como história ambiental, nada mais é que uma análise da relação do homem com a<br />

natureza nos locais por ele habitados e modificados. Considera-se que as enormes mudanças<br />

ecológicas verificadas desde o século XIX, e especialmente no XX, indicam que a história<br />

também é o estudo do ambiente, uma vez que o homem é parte da natureza que ele transforma.<br />

As questões globais analisadas em âmbito regional, proposta deste trabalho como<br />

assinalado acima, possibilitam a identificação, entre permanências e rupturas, de uma<br />

continuidade; por exemplo, nos métodos de extração da madeira, na preparação dos terrenos para<br />

a agricultura, na secagem dos pântanos e na derrubada das árvores ou nas queimadas. Por outro<br />

lado, verificamos, entre outras especificidades de viver em uma ilha, uma relação nova com o<br />

2 McNEILL, John R. Something New Under the Sun. An Environmental History of the Twentieth-<br />

Century World. New York: Norton, 2000., p. 461.


22<br />

mar e com as praias, especialmente na segunda metade do século XIX. Esses tópicos, quando<br />

unidos e questionados como fazendo parte de um universo maior de transformações, trazem à<br />

tona a estreita ligação entre homem e meio ambiente e a idéia de progresso da época.<br />

Isso nos permite perceber a dicotomia problemática entre o campo e a cidade em um<br />

espaço em que tais elementos convivem diariamente, sendo estreito o percurso dos alimentos<br />

produzidos no campo e consumidos na cidade. As distâncias são pequenas e confundem-se a<br />

ponto de estarem “diluídas” no dia-a-dia das pessoas, por vezes tornam-se elementos<br />

imperceptíveis. Também pode ser entendida como uma insatisfação com os limites, que no caso<br />

da Ilha de Santa Catarina é mais de ordem política que geográfica ou cultural, uma vez que esses<br />

estão em interação constante, especialmente na primeira metade do século XIX. Essa formação<br />

híbrida da atual “cara” da Ilha, que consegue conciliar em um mesmo espaço a floresta, a cidade<br />

e a agricultura também é um dos focos dessa análise.<br />

O marco inicial da última década do século XVIII, dentro do critério explicitado acima,<br />

referiu-se à publicação da carta régia assinada pela rainha Dona Maria I no ano de 1797, na qual<br />

indicava uma preocupação maior com o mapeamento das riquezas vegetais da então colônia. De<br />

acordo com o texto, a Coroa requisitava a propriedade total, não só das espécies de “madeiras de<br />

lei”, mas de todas as árvores existentes na faixa de 10 léguas (aproximadamente 66 quilômetros)<br />

da costa e das margens de “rios que desemboquem imediatamente no mar, e por onde em<br />

jangadas se possam conduzir as madeiras cortadas até as praias”. 3<br />

Essa medida afetava<br />

diretamente a Ilha de Santa Catarina, menos por sua aplicação real, que se seguida literalmente,<br />

transformaria a Ilha em propriedade exclusiva da Coroa; porém por uma maior observação do<br />

desflorestamento, tanto por parte dos políticos locais como de viajantes estrangeiros ou dos<br />

próprios ocupantes das terras.<br />

3 Carta Régia de 13 de março de 1797, Apud. SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação Florestal. Rio de<br />

Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934., p.20-21.


23<br />

Esses últimos anos do século XVIII foram prolíficos em matéria de leis para a<br />

conservação das matas do Brasil. O enfoque continuava sendo preponderantemente utilitarista,<br />

mas novas idéias de preservação já começavam a surgir. Aliado à isso, o crescimento comercial e<br />

a redefinição dos espaços urbanos e rurais na Ilha, principalmente em meados do século XIX,<br />

foram desencadeadores de uma grande metamorfose em hábitos e costumes dos homens, no<br />

meio-ambiente e nas práticas cotidianas. A própria noção de progresso deixou de estar associada<br />

unicamente à necessidade de “limpar” a terra de suas matas para o povoamento e para o<br />

desenvolvimento agrícola e urbano. Passaram por debates políticos ou pela imprensa local<br />

questões como o controle da poluição, potabilidade de água e necessidade de espaços<br />

arborizados, esses sim os novos sinônimos de progresso de grandes cidades da Europa e dos<br />

Estados Unidos no século XIX.<br />

Para essa análise procurou-se coligir as principais fontes de história catarinense, muitas<br />

delas já longamente citadas em trabalhos anteriores de autores tradicionais e outras, novas<br />

referências e documentos que, através da história ambiental, podem ser lidos como peças<br />

fundamentais no “quebra-cabeça” da história local. Legislação colonial e imperial, manuais<br />

agrícolas, falas e relatórios de governadores e presidentes de província, cartas e tabelas de<br />

exportação e importação aliaram-se à mapas urbanos e rurais da Ilha, mapas de cobrança da<br />

décima urbana, documentos referentes à indústria madeireira e construção naval, além de dados<br />

sobre vegetação, solo e clima dão a dimensão das informações que foram analisadas e cujo<br />

resultado está sendo apresentado.<br />

A proposta de desenvolvimento do texto opta por “separar” a floresta das áreas agrícolas e<br />

da cidade. A floresta é colocada como uma questão a ser analisada, bem como a agricultura e a<br />

urbanização, porém não está de modo temporal, geográfico e social isolado na história da Ilha de<br />

Santa Catarina. Também, não acreditamos que a floresta como “floresta” e como “reserva de<br />

recursos” tenha tido um único momento de exploração que quando encerrado deu lugar à


24<br />

agricultura ou à áreas urbanas, apenas a “separamos” de outros dois pontos considerados<br />

balizas da história ambiental local: agricultura e urbanização, por questões metodológicas.<br />

O texto inicia com a apresentação do objeto e a análise teórica do tema e da área em que<br />

ela se insere, ou seja, a história ambiental. Os conceitos mais importantes usados no decorrer do<br />

trabalho - muitas vezes adaptados a cada uma das disciplinas que os utilizam -são analisados do<br />

ponto de vista da história e da temporalidade em questão, o século XIX. Também buscamos tratar<br />

da formação das características sociais e ambientais da Ilha de Santa Catarina no início desse<br />

século e como essas mesmas características foram adquirindo novos contornos nas décadas<br />

seguintes. Partindo da imigração açoriana e madeirense e do processo de instalação dessas<br />

pessoas em uma porção do território brasileiro afastado da sede administrativa, observamos a<br />

constante interação dessa nova população com a natureza local e as conseqüências desse modelo<br />

de ocupação baseado na pequena propriedade agrícola familiar.<br />

Quem eram essas pessoas, a faixa etária e como foi o contato com a natureza local<br />

também são pontos abordados na tentativa de compreender suas futuras ações de transformação<br />

ambiental e seu relacionamento com o continente fronteiro e com locais mais distantes através do<br />

porto e da entrada e saída de produtos, embarcações e pessoas. Compreendidos os fatores da<br />

formação da nova sociedade da Ilha e formado esse “cenário” entramos na análise específica do<br />

que foi designado no decorrer da pesquisa como “vetores de transformação da Ilha de Santa<br />

Catarina”: a floresta, a agricultura e a cidade.<br />

A Ilha de Santa Catarina, povoada escassamente até meados do século XVIII, longe,<br />

praticamente isolada da capital da colônia, era coberta de florestas que sofreram, como toda a<br />

faixa de Mata Atlântica brasileira, com o desmatamento desordenado. O Brasil demorou a<br />

elaborar e aplicar uma legislação específica sobre o tema das florestas, tanto sobre sua exploração<br />

como sua preservação, e quando o fez foi uma tentativa, se não de corrigir ao menos amenizar, o<br />

problema da escassez de madeiras para a manutenção da frota naval portuguesa.


25<br />

Porém, é importante não generalizar a dinâmica desse processo de transformação, que<br />

passa pelos usos atribuídos à madeira nesses diferentes períodos da história e no grau de<br />

ocupação humana nas áreas de Mata Atlântica e na Ilha de Santa Catarina em especial. A riqueza<br />

madeirável local e a maneira como foi utilizada está diretamente relacionada à forma como foi<br />

percebida. A madeira, o componente dessa paisagem entendido como recurso rentável, não era o<br />

objetivo principal dos colonizadores da Ilha e por isso sua derrubada era apenas um passo a mais<br />

para chegar a uma roça de mandioca ou de milho, ou outro qualquer produto agrícola. Essa era a<br />

função para a qual a maioria desses habitantes estava destinada desde a chegada ao local como<br />

imigrantes. Tais madeiras, quando extraídas, se dessem lucro seria muito bom, mas essas pessoas<br />

não eram madeireiros.<br />

A legislação sobre o tema proporcionou certo controle, ao menos na teoria, na exploração<br />

das matas. Estava definido o uso atribuído às melhores peças de madeira e, conseqüentemente, do<br />

que os habitantes locais poderiam dispor. Esse fato, aliado à facilidade da derrubada, provocou<br />

uma grande devastação nos mangues da Ilha, especialmente nos localizados próximos à vila e<br />

depois cidade de Nossa Senhora do Desterro, para uso nas caieiras e engenhos. A derrubada era<br />

fato nas proximidades da maioria das vilas e cidades do Brasil. O segundo capítulo dedica-se a<br />

analisar esse vetor do processo de transformação da local desde os anos finais do século XVIII e<br />

o século XIX. Somando a isso, a releitura de correspondências entre políticos locais e o Vice Rei,<br />

leis, decretos, mapas e livros de receita e despesas entre outros documentos, contribuíram para<br />

agregar a natureza à história da região. Essa tarefa de rever documentos e obras tem a importante<br />

função de lançar mais luz a um processo peculiar de transformação da paisagem e da vida social<br />

desse ponto do Brasil que foi uma parcela pequena de uma indústria madeireira insipiente em<br />

todo o território brasileiro nos séculos XVIII e XIX, mas que é, certamente, uma parcela da<br />

história da devastação da Mata Atlântica brasileira baseada na noção de progresso vigente.


26<br />

Outro vetor desse processo de transformação é a agricultura. Longamente analisada,<br />

estudada e possivelmente, uma das áreas de maior interesse de políticos e intelectuais do Império.<br />

Essa área produziu textos, livros e cartilhas com orientações para preservação e melhor<br />

aproveitamento das matas, rios e, especialmente, da terra para fins agrícolas.<br />

Buscando analisar esses documentos, associando-os a textos e correspondências oficiais,<br />

mapas de produção, exportação e importação da Ilha, o terceiro capítulo apresenta um panorama<br />

das técnicas agrícolas, produtos e produtores dessa área do Brasil, tida muitas vezes como<br />

laboratório de novos cultivos. Também se aborda a terra do ponto de vista político e econômico,<br />

a questão das sesmarias no início do século e dos lotes comprados na segunda metade do XIX. A<br />

terra como substrato natural, rica em nutrientes e apta a produzir determinados grãos e como os<br />

agricultores locais lidaram com isso, são outros aspectos também analisados.<br />

Por fim, o quarto capítulo trata da ordenação do espaço urbano iniciado com o século<br />

XIX, mas que teve um desenvolvimento mais significativo em sua segunda metade. Nas colônias<br />

portuguesas como nas espanholas ou inglesas esse ordenamento seguiu regras de desenho e<br />

disposição de prédios e praças. No mundo lusitano, especificamente, essas normas eram as<br />

Ordenações do Reino. A princípio as Ordenações Afonsinas, depois as Manuelinas e, a partir de<br />

1603 as Filipinas, promulgadas durante a união das coroas portuguesa e castelhana. Essas<br />

permaneceram em vigor por mais tempo, mantendo alguns de seus aspectos durante o Império<br />

até princípios da República.<br />

Porém, no que tange as questões de ordenamento físico citadino nas cidades brasileiras,<br />

essas ordenações, segundo Marx, tiveram um caráter lacônico e até dispersivo, em muitos casos<br />

pode-se dizer que eram genéricos 4 , não consideravam peculiaridades geográficas ou ambientais<br />

de cada local e por isso eram muitas vezes adaptadas. Coube mais diretamente às Posturas<br />

Municipais o desenho das diversas facetas da paisagem urbana brasileira, em especial nos dois<br />

4 MARX, Murilo. Cidade no Brasil terra de quem São Paulo: Nobel; Edusp, 1991., p. 35.


27<br />

primeiros séculos de colonização. Posteriormente, e em especial com a elevação de freguesias<br />

a vilas, os cuidados mudaram. É difícil, no entanto, não considerar as feições “espontaneamente”<br />

adquiridas pela vizinhança com capelas, irmandades, foreiros, e outros elementos dos<br />

aglomerados populacionais coloniais.<br />

A Igreja, porém, que centraliza a vida citadina, funciona também como órgão<br />

de descentralização. Quando a competição por espaços na vizinhança da matriz<br />

se extrema, e a cidade cresce, é sempre ao pé da nova capela que se inicia o<br />

desdobramento de novas áreas. A cidade então se divide em paróquias ou<br />

freguesias, designações eclesiásticas que definem a dominância na Igreja na<br />

vida colonial. 5<br />

Esses elementos e a relação dos “novos” aglomerados urbanos, em especial a vila e depois<br />

cidade de Nossa Senhora do Desterro, com a natureza local são o objetivo desse capítulo. Onde a<br />

cidade instalou-se, como e com que custos para homens e meio ambiente. O que se transformou e<br />

o que foi destruído para a criação desse novo elemento que é o homem da cidade, percebido em<br />

construções, documentos, monumentos e comportamentos.<br />

Esses elementos, somados às novidades em termos arquitetônicos, que chegaram em<br />

Desterro no século XIX, como os sobrados, que antes eram raros, ou as latrinas nas propriedades<br />

mais ricas, demonstram os primeiros passos mais palpáveis do processo de urbanização da<br />

cidade. Outras questões como a iluminação pública com lampiões no terceiro quartel do século e<br />

o abastecimento de água potável com carroças, também no mesmo período, dão a dimensão da<br />

metamorfose urbana sofrida por Desterro ao adquirir contornos de cidade, mesmo que minúscula,<br />

e deixa sua faceta de vila agrícola para trás.<br />

Levando em conta essas abordagens, tenta-se explorar como, no caso da Ilha de Santa<br />

Catarina, a natureza é colocada a “serviço” de projetos sociais, econômicos e políticos, fazendo<br />

uma análise das relações que esses projetos estabelecem com esse espaço, aqui entendidos ao<br />

5 MARX, Murilo. Cidade no Brasil terra de quem São Paulo: Nobel; Edusp, 1991., p. 35.


28<br />

mesmo tempo como realidade biofísica e produção cultural da ação humana. 6 Essa abordagem<br />

permitirá entender a ocupação da Ilha pela agricultura e pela cidade e suas conseqüências não só<br />

ambientais, mas no que diz respeito às práticas sociais e às culturas locais.<br />

Esses vetores, quando bem separados e explicados permitem uma compreensão unificada<br />

e profunda – a observação e compreensão de diferentes ângulos de um mesmo prisma - do<br />

conjunto que é a sociedade e a natureza da e na Ilha de Santa Catarina no século XIX, que oscilou<br />

entre devastação e progresso, mas que foi, na verdade, um constante processo de transformação.<br />

6 ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões. Bauru: EDUSC, 2000., p. 136.


I<br />

FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA ILHA <strong>DE</strong> SANTA<br />

CATARINA<br />

Praticamente, os homens só conhecem o<br />

ambiente em função do proveito que dele<br />

tiram, e nele vêem apenas o que nele<br />

procuram. 1<br />

1.1 Açorianos e Madeirenses em uma nova ilha.<br />

O século XIX foi um período de intensas mudanças para o Brasil e não menos para<br />

a Ilha de Santa Catarina. O pequeno povoado, colonizado por açorianos e madeirenses, que<br />

iniciou o século cercado de matas e com algumas roças para a produção de bens de primeira<br />

necessidade foi mudando gradativamente. Ainda no período colonial doaram-se diversas<br />

sesmarias na Ilha e com a proibição dessa prática após a independência, muitas foram as<br />

posses de terrenos. O conseqüente processo de transformação ambiental foi percebido pela<br />

derrubada das matas locais, o surgimento de novas freguesias no interior da Ilha e também<br />

pelo crescimento da cidade de Nossa Senhora do Desterro.<br />

Antes disso, essa porção do território brasileiro era habitada originalmente por<br />

índios tupi-guaranis, porém, esses indígenas não são mencionados como habitando a Ilha<br />

desde o final do século XVII, a não ser pelos índios que vieram com Dias Velho quando o<br />

povoado de Nossa Senhora do Desterro foi fundado oficialmente. Em relato de Henrique da<br />

Silva Fontes isso ocorreu quando esse paulista chegou, por volta de 1673, acompanhado de<br />

1<br />

BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.<br />

Enciclopédia Einaudi. Ambiente. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989. v. 8.,<br />

p. 22.


30<br />

“cento e tantos homens de sua administração para fazer povoação onde melhor sítio<br />

descobrisse (...) e descobriu as excelentes terras da Ilha de Santa Catarina”. 2<br />

Pontualmente, no que diz respeito à Ilha, a Floresta Ombrófila Densa (FOD) 3 era a<br />

formação vegetacional original. Dentro dessa formação que inclui manguezais, praias,<br />

dunas e restingas, cerca de ¾ da cobertura vegetal eram de florestas. Mais especificamente,<br />

o território da Ilha de Santa Catarina de 423 km² tinha, originalmente,<br />

90% de sua área coberta por vegetação nativa, sendo 74% desta<br />

vegetação composta de Mata Atlântica, 9% de manguezais e 7% de<br />

vegetação de praia, duna e restinga. O restante era ocupado por dunas<br />

sem vegetação (4%) e por lagoas (6%). 4<br />

Quanto à sua ocupação, até por volta de 1711, Nossa Senhora do Desterro possuía<br />

147 moradores, em sua maioria pescadores de origem lusa – número que não inclui<br />

escravos e índios. 5 Nesse período o território do Brasil estava dividido em sesmarias 6 e<br />

freguesias 7 , essas eram ligadas à jurisdição de vilas maiores. Após 1726, a então Freguesia<br />

2 FONTES, Henrique da Silva.(1965). In: PEREIRA, Nereu do Vale (org.). Memória Histórica da<br />

Irmandade do Senhor Jesus dos Passos. 1997., p. 25, v. 1. OBS: Segundo Lucas Boiteux arrolou,<br />

baseado em inventário de Dias Velho, vieram com ele 142 índios e 25 escravos negros. In:<br />

BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História de Santa Catarina. Florianópolis: Livraria<br />

Moderna, 1912.<br />

3 Mata Atlântica stricto sensu, localizada no litoral até a Serra Geral, do Mar e do Espigão.<br />

GUERRA, Miguel P. et. al. “Exploração, manejo e conservação da araucária (Araucaria<br />

angustifolia). In: SIMÕES, Luciana L., LINO, Clayton F. (Org.) Sustentável Mata Atlântica: a<br />

exploração de seus recursos florestais. São Paulo: Ed. SENAC, 2002. p. 86.<br />

4 Centro de Estudos Cultura e Cidadania. Uma cidade numa Ilha: relatório sobre os problemas<br />

sócio ambientais da Ilha de Santa Catarina – CECA – Florianópolis: Insular, 1996., p. 42.<br />

5 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Memória histórica, authentica, sincera, pictoresca e<br />

sentimental da Villa, depois cidade de Nossa Senhora do Desterro da ilha de Sancta<br />

Catharina, dos casos raros alcunhada: memória. Florianópolis: UFSC, 1971. 2v.<br />

6 Sesmaria é um pedaço de terra devoluta ou cuja cultura foi abandonada e que era doada a um<br />

sesmeiro sob condição de que ela fosse aproveitada com construção de benfeitorias e produção<br />

agrícola. Era propriedade do rei de Portugal e doada em nome da Ordem de Cristo, sua origem<br />

remonta a uma tradição medieval e era regida pelas Ordenações Manuelinas e, posteriormente,<br />

Filipinas. Vigorou no Brasil até 1823 quando foi extinta para, depois de 27 anos, em 1850, dar lugar<br />

à posse de terra por compra e venda.<br />

7 Freguesia era o distrito de uma paróquia. No caso da Ilha de Santa Catarina freguesias eram<br />

comunidades que surgiram em torno de igrejas ou capelas no interior da Ilha, o equivalente<br />

aproximado aos atuais bairros do município de Desterro.


31<br />

de Nossa Senhora do Desterro é elevada à vila e Capital da Capitania de Santa Catarina,<br />

separando-se da jurisdição da Vila de Laguna que até aquele momento era a vila mais<br />

importante da Capitania. Nesse período inicia-se, por parte de Portugal, uma maior<br />

preocupação com a colonização da área, que devido a sua distância do Rio de Janeiro,<br />

capital da colônia, estava mais distante também das leis e sujeita a invasões inimigas. Nesse<br />

caso a ameaça vinha da Espanha, profundamente interessada no local por ser ponto<br />

estratégico ao sul das Américas. Uma vez que as terras fossem colonizadas seriam mais<br />

dificilmente invadidas.<br />

A fundação de vilas no período colonial era autorizada por cartas régias, as mesmas<br />

que impunham algumas obrigações às novas Câmaras Municipais, dentre elas a obrigação<br />

de cercá-las e de definir os planos urbanísticos a serem adotados. Em 1738 chegou à Ilha o<br />

Brigadeiro José da Silva Paes e deu-se a construção da Casa de Governo e de quatro<br />

fortalezas, além da promoção de um alistamento de açorianos que quisessem emigrar para<br />

essa parte do Brasil.<br />

É preciso lembrar que os séculos XIV, XV e XVI, naquele arquipélago, foram<br />

seguidamente sujeitos a todo tipo de desastres naturais como vulcanismo, terremotos e<br />

maremotos, além de surtos de peste bubônica e outras epidemias. Já no final do século XVI,<br />

mais especificamente no ano de 1593, a agricultura foi grandemente prejudicada por<br />

questões climáticas. Poderia ter sido esse o ponto culminante nos problemas locais do<br />

século, porém, em 1599 e 1600 houve um surto de peste bubônica que dizimou o<br />

arquipélago, especialmente a ilha Terceira que teve mais de sete mil mortos. Os séculos<br />

XVII e XVIII não foram diferentes no que tange às bruscas transformações ambientais que<br />

forçosamente colocaram em eminência um reordenamento social. Em 1744, um ciclone<br />

tropical causou grandes estragos que culminaram, no ano de 1745-46, com um mau ano<br />

agrícola, provocando fome generalizada. A emigração passou a ser condição de


32<br />

sobrevivência e o alvará régio oferecendo benefícios para quem o fizesse foi<br />

providencial. O alistamento efetivou-se em 31 de agosto de 1746 quando D. João V<br />

determinou que se afixassem nas Ilhas dos Açores e da Madeira o edital que abria as<br />

inscrições para quem quisesse emigrar. De acordo com o texto,<br />

atendendo as representações dos moradores das Ilhas dos Açores, que<br />

tem pedido mandar tirar de lá o número de casais que for servido, e<br />

transportá-los à América, donde resultará às ditas Ilhas grande alívio em<br />

não ver padecer os seus moradores, reduzidos aos males em que trás<br />

consigo a indigência em que vivem. 8<br />

Além disso, o edital ressaltava o grande benefício que resultaria ao Brasil, já que os<br />

imigrantes iriam cultivar terras ainda não exploradas. 9 Pobres, miseráveis, subempregadas<br />

nas mais variadas funções, muitas vezes pouco ou nada relacionadas à agricultura<br />

compunham as famílias que vieram para a Ilha de Santa Catarina. Entre 1748 e 1756<br />

chegam quase cinco mil açorianos e madeirenses à Desterro. 10 Esses deveriam cumprir a<br />

obrigação de ter, os homens não mais de 40 anos e as mulheres não mais de 30. Outro<br />

procedimento seguido durante a inscrição desses futuros emigrantes foi, segundo Piazza, a<br />

anotação, “além dos nomes, a naturalidade, a idade, a profissão, a estatura, a cor do cabelo,<br />

a cor da pele, o formato do rosto, a cor dos olhos, a forma do nariz e da boca, a forma da<br />

barba, e estado civil e se casado o nome da mulher e a filiação desta”. 11<br />

A instalação na Ilha se daria em lotes previamente demarcados e, de acordo com os<br />

editais de convocação, os novos habitantes receberiam<br />

uma espingarda, duas enxadas, um enxó, um martelo, um facão, duas<br />

facas, duas tesouras, duas verrumas e uma serra com sua lima e<br />

8 CABRAL, Oswaldo R. Os açorianos. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa<br />

Catarina, 1950., p. 15<br />

9 Edital de 31 de agosto de 1746 de autoria de D. João V. In: CABRAL, Oswaldo. História de<br />

Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987.,p. 72.<br />

10 Ibid., p.73.<br />

11 PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açorico-Madeirense. Florianópolis: Lunardelli, 1992., p. 22.


33<br />

travadeira, dois alqueires de sementes, duas vacas e uma égua, e no<br />

primeiro ano farinha para o sustento, assim dos homens como das<br />

mulheres, mas não as crianças que não tiverem 7 anos e, aos que tiverem<br />

até os 14, se lhes dará quarta e meia de alqueire para cada mês. Se dará a<br />

cada casal um quarto de légua em quadro para principiar as suas culturas,<br />

sem que se lhes levem direitos nem salários algum por esta sesmaria. E<br />

quando, pelo tempo adiante tiverem família com que possam cultivar<br />

mais terra, o poderão pedir ao governador do distrito. 12<br />

Quase um ano depois, em 9 de agosto de 1747, uma provisão régia determinava os<br />

cuidados que o governador da Ilha, o Brigadeiro José da Silva Paes, deveria ter com os<br />

colonos. Mesmo afirmando, no Edital de 1746, que na Ilha de Santa Catarina “a fertilidade<br />

da terra, a abundância de gados e a grande quantidade de peixes conduzem muito para a<br />

comodidade e fartura desses novos habitantes”, 13 a autoridade real ressaltava a importância<br />

de tratar bem os colonos. Foi destacada a necessidade de acolhê-los e agasalhá-los, além de<br />

instalá-los “na Ilha como terras adjacentes, desde o Rio São Francisco do Sul até o Serro de<br />

São Miguel, nos altos da Serra do Mar, e no sertão correspondente a este distrito, com<br />

atenção porém que se não dê a justa razão de queixa aos espanhóis confinantes”. 14<br />

Dificilmente podemos averiguar hoje o cumprimento de todas essas incumbências<br />

por parte da Fazenda Real, mas podemos ter uma idéia ao analisarmos as reclamações da<br />

Câmara referentes à falta de dinheiro para contratar pessoas capazes para efetuar as<br />

demarcações dos lotes e o quanto isso foi feito de maneira irregular. Muitas vezes, a<br />

legitimação da posse, através de uma carta de sesmaria, só ocorria muitos anos após a<br />

ocupação da terra, gerando alguns conflitos de limites com vizinhos.<br />

O povoamento “programado” por açorianos e madeirenses com o objetivo de<br />

ocupar a Ilha de Santa Catarina e afastar possíveis investidas de outros Impérios sobre esse<br />

12 Edital de 31 de agosto de 1746 de autoria de D. João V. In: CABRAL, Oswaldo. História de<br />

Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987., p.73.<br />

13 Ibid., p 74.<br />

14 PORTUGAL. Provisão Régia do Rei D. João V, de 9 de agosto de 1747. Cópia da Provisão Régia<br />

In: www.buratto.net/sc-gen/acorianos.html. Consultado em 22/01/2009.


34<br />

porto estratégico, foi reforçado pela tradição portuguesa de sesmarias. Tradição que<br />

remonta ao período medieval, no qual as terras estavam sob o domínio da Coroa, do rei, da<br />

nobreza, do clero, ou outras ordens monásticas; eram propriedades alodiais ou eram terras<br />

comunais administradas pelos conselhos locais. 15<br />

É na distribuição das terras dos<br />

Conselhos que está a origem do sistema sesmarial que aliado à uma variante da Enfiteuse 16<br />

grego-romana tentava coibir excessos nas apropriações de terras. 17 Das sesmarias no Brasil<br />

exigia-se o cultivo da terra em um tempo determinado, sendo que, o não cumprimento<br />

dessa condição poderia tornar o domínio da gleba novamente comunal. “A origem do nome<br />

sesmaria está ligada à organização territorial dos Conselhos. Para melhor distribuir os<br />

casais, passou-se a dividir as terras dos Conselhos em ‘sesmos’, ou sextas partes”. 18<br />

No caso do Brasil, as sesmarias eram doadas através das donatarias e capitanias<br />

hereditárias desde 1534 19 , sendo que as glebas só eram distribuídas à cristãos e que<br />

“possuíssem condições de aproveitá-las e de pagar o dízimo as ordens religiosas, aos<br />

‘amigos’ do Rei e funcionários da Câmara”. 20<br />

15 ABREU, Maurício. A Apropriação do território no Brasil Colonial. In: CASTRO, I. E.; GOMES,<br />

P. C. C. & CORREA, R. L. (orgs). Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,<br />

1997. pp. 197-245.<br />

16 A enfiteuse (ou aforamento) é um contrato de alienação territorial que divide a propriedade de um<br />

imóvel em dois tipos de domínio: o domínio eminente, ou direto, e o domínio útil, ou indireto. Ao<br />

utilizar um contrato enfitêutico o proprietário de pleno direito de um bem não o transfere<br />

integralmente a terceiros. Apenas cede seu domínio útil, isto é, o direito de utilizar o imóvel e de<br />

nele fazer benfeitorias, retendo, entretanto, para si o domínio direto, a propriedade em última<br />

instância. Em troca do domínio indireto que lhe é repassado, o outorgado aceita uma série de<br />

condições que lhe são impostas, e obriga-se também a pagar uma pensão anual (ou foro) ao<br />

proprietário do domínio direto, razão pela qual transformava-se em foreiro deste último. Não<br />

cumprindo o foreiro as condições do contrato, o domínio útil reverte ao detentor do domínio direto.<br />

In: ABREU, Maurício. A Apropriação do território no Brasil Colonial. Op.cit., p.201.<br />

17 Ibid., p. 200.<br />

18 Ibid., p. 202.<br />

19 FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio<br />

de Janeiro. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed.: Garamond, 1999.,p.125.<br />

20 Ibid., p. 125-126.


35<br />

Com relação à Ilha de Santa Catarina, as doações de sesmarias ainda se davam no<br />

início do século XIX, muitas vezes em resposta a pedidos antigos que ficaram perdidos nos<br />

meandros burocráticos da época. Em registro na Diretoria de Geografia e Terras de 16 de<br />

maio de 1806 o Tenente de Infantaria e Secretário do Governo local, Thomé Francisco de<br />

Souza Coutinho, descrevia uma sesmaria no norte da Ilha:<br />

Faço saber aos que esta minha carta de sismaria virem que atendendo a<br />

representar-me Manoel Espindola de Veiga, cazado morador da vargem<br />

pequena do Rio Ratones Distrito da Freguesia de Nossa Senhora das<br />

Necessidades que elle se achava de posse de duzentas braças de terras de<br />

frente em hum triângulo que acabava em um ponto agudo com duzentas e<br />

cincoenta de fundo na sua maior extensão, as quaes depois se verificou<br />

pela medição achar-se cento, e setenta, e cinco braças em quadro; cujas<br />

terras lhe foram dadas por conta da data que lhe pertencia como cazal<br />

donvivo das Ilhas dos Assores, que se achavam devolutas no lugar<br />

denominado o Moquém da dita margem, confrontando a sua frente com<br />

terras de Manoel Antonio Santiago, correndo os fundos atte as vertentes<br />

do Morro, Extremando pela parte Leste com Manoel de Espindola,<br />

espelha do Oeste com Francisco dos Santos, correndo a Linha da Frente a<br />

Nordeste quarta de Leste, como tudo constava da Certidão do<br />

Demarcador de 8 de maio do corrente anno. 21<br />

Essa, como as outras sesmarias concedidas na Ilha de Santa Catarina, continha em<br />

sua carta de registro, condições de “uso” da terra e do que havia sobre ela, tais como<br />

promover o cultivo, construir benfeitorias, caminhos nas testadas de pontes e servidão<br />

pública, não podendo suceder na posse dessa data de terra pessoa eclesiástica ou religião. 22<br />

Além dessas obrigações, não faziam parte de qualquer data minas ou qualquer metal que<br />

por acaso se descobrisse, sendo reservados à Coroa também os “paus reais” existentes nas<br />

terras. 23<br />

21 Registro de hua Sismaria de Manoel Espindola da Veiga. De folhas 189 a 190v. do livro<br />

“Registro de Sesmarias”, de 1753 a 1806, n.201. vol. 1º - Diretoria de Geografia e Terras. In:<br />

RIHGB, 1º Semestre 1943, p. 149.<br />

22 FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei. Op.cit., p.126.<br />

23 Ibid., 149.


36<br />

A concessão de sesmarias nesse período podia ser feita apenas pelos<br />

governadores e capitães-generais. Tal disposição impedia que os capitães mores e os<br />

governadores subalternos fizessem doações, exceto por disposição especial que lhes<br />

conferisse tal poder. Foi o que ocorreu com o governador de Santa Catarina que fez<br />

concessões de terras com tamanho equivalente a um quarto de léguas em quadro autorizado<br />

por provisão de 9 de agosto de 1747. 24<br />

Segundo o autor, “a extensão da sesmaria, por seu turno, não havia de exceder, no<br />

máximo, de três léguas, e nalgumas capitânias era, até, fixada em uma légua, e noutras,<br />

ainda, somente em meia légua”. 25 Foi o que aconteceu em Santa Catarina e deveu-se à idéia<br />

da implantação de pequenas propriedades. A terra correspondente a um quarto de légua em<br />

quadro era concedida a cada casal açoriano ou madeirense para principiar sua cultura. De<br />

acordo com as indicações da Fazenda Real as terras deveriam ser distribuídas em locais<br />

próprios para fundar novas freguesias com uma média de 60 casais. 26 Essa indicação dos<br />

locais de sertão para as doações foi, em casos como o do Rio de Janeiro, ordenada ao<br />

Capitão-General pela carta Régia de 23 de fevereiro de 1713 que declarava que as<br />

sesmarias na cidade deviam ser concedidas pela Câmara. 27 Isso ocorria devido à cobrança<br />

da décima urbana. Esse imposto incidia sobre os terrenos circunscritos ao que a Câmara<br />

Municipal definia como área urbana e era ela que demarcava e fiscalizava as concessões e<br />

que cobrava o tributo.<br />

As primeiras descrições do desenho urbano de Desterro mostram certo<br />

“acanhamento” de proporções, mas seus autores, geralmente viajantes e naturalistas<br />

24 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil – sesmarias e terras devolutas. Fac-<br />

Símile da 4ª edição, 1990., p. 43.<br />

25 Ibid., p.45.<br />

26 CABRAL: Os Açorianos., Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina, 1950., p.<br />

15.<br />

27 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil. Op.cit. p. 43.


37<br />

estrangeiros, apontam as potencialidades locais para o progresso, apesar de alguns<br />

possíveis empecilhos (esse tema será abordado mais detalhadamente no capítulo IV). Nessa<br />

linha de observações, Cabral diz que<br />

Dom Pernetty, acompanhante de Bougainville, contou, em 1763, quinze<br />

anos após o início do transporte dos povoadores, e a sete do seu término,<br />

150 casas no Desterro, das quais duas eram de sobrado. Já havia uma<br />

botica e uma ferraria, embora ainda não tivessem surgido as de comércio.<br />

Vinte anos depois, La Perouse calculou em 400 as moradias da vila 28 .<br />

Com a efetivação dessa colonização da Ilha de Santa Catarina, com imigrantes de<br />

origem lusa, o estado português ficou mais tranqüilo no que diz respeito ao perigo<br />

estrangeiro. Na tentativa de reforçar as defesas, foram construídas fortalezas. Como observa<br />

Soares em relatório de 1776, o estado das defesas da Ilha impossibilita qualquer tentativa<br />

de invasão bem sucedida. Devido à importância estratégica como último ponto de defesa<br />

do sul do Brasil<br />

fortificou-se, e fechou o dito Porto da parte do Norte, e Entrada dele com<br />

quatro Fortalezas: A primeira he a de São Jose na Ponta Groça: A segunda<br />

a de Santa Cruz na Ilha de Anhatomirim: A terceira a de Santo Antonio na<br />

Ilha Grande dos Ratones: E a quarta a da Ilha dos Ratones Pequena. Na<br />

parte mais estreita do dito porto projetou o Brigadeiro José Custódio a<br />

Construção de uma Fortaleza na Terra Firme fronteira da Vila; e outra na<br />

Ponta da mesma Vila para também fechar por esta parte o referido Porto às<br />

Embarcações Pequenas armadas em Guerra, que podião entrar pela Barra<br />

do Sul [...] na parte sul se fortificou baterias com o número de noventa<br />

peças e mais duas fortalezas. 29<br />

Esse excesso de zelo por parte da Coroa portuguesa não impediu que, poucos meses<br />

depois que esse relato foi expedido, se desse uma invasão espanhola – a conhecida invasão<br />

de 1777. Porém, é suficiente para percebermos a crescente importância atribuída à Ilha de<br />

28 CABRAL. Os Açorianos. Op.cit. p. 15.<br />

29 SOARES, Roberto. Ofício relatando a situação das defesas da Ilha de Santa Catarina, escrito<br />

a bordo da Nau Sto Antonio, na costa catarinense em 1776. Acervo: Biblioteca Nacional.


38<br />

Santa Catarina, muito mais como um local estratégico e fronteira nesse momento, e<br />

posteriormente, no início do século XIX, como cidade e centro produtor e consumidor.<br />

No que se refere à população, podemos ter uma idéia mais precisa da situação a<br />

partir de um relatório minucioso com os dados estatísticos da Ilha e demais distritos de sua<br />

jurisdição, datado de 20 de dezembro do ano em 1796, apresentado por João Alberto de<br />

Miranda Ribeiro, então Governador, em resposta a pedidos oficiais do Vice Rei, o Conde<br />

de Rezende. Principiando por uma descrição geográfica o texto menciona as freguesias e<br />

suas localizações:<br />

A extensão da Ilha de Santa Catarina, cituada a altura de 27 graus e 40<br />

min de Latitude Sul, e em 37 graus de Longitude, segundo a mais geral<br />

opinião he de 10 legoas de Norte a Sul, que o seu maior cumprimento.<br />

(...) No meio da Ilha de Santa Catharina, está cituada a Villa Capital de<br />

Nossa Senhora do Desterro, ficando-lhe para o Norte a freguesia de<br />

Nossa Senhora das Necessidades, e para a parte leste a freguesia de<br />

Nossa Senhora da Conceição da Lagoa. 30<br />

Ao Sul da Ilha ainda encontrava-se o Ribeirão, sendo essas as freguesias locais,<br />

composta por uma população de 10.038 pessoas contando-se homens e mulheres brancos,<br />

escravos e foros pardos e pretos e os militares então lotados na Ilha. Somando-se a esse<br />

número a população dos demais distritos que estavam sob a administração da Ilha de Santa<br />

Catarina e de seu então Governador João Alberto de Miranda Ribeiro, a saber: Freguesia de<br />

São Miguel, Freguesia de São José, Freguesia de Enseada do Brito, Villa de Laguna, Villa<br />

30 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, apresentando relatório sobre<br />

a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17<br />

de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Seção de Manuscritos, conjunto documental<br />

7,4,31.


Nova e Villa do Rio São Francisco, a população total no ano de 1796 era de 24.892. 31<br />

39<br />

(Ilustração 01) Planta da Costa da ilha de Santa Catarina, anexo ao ofício relatando a situação<br />

das defesas da Ilha de Santa Catarina de autoria de Roberto Soares, escrevendo a bordo da<br />

Nau Sto Antonio, no momento na costa catarinense. 21 de novembro de1776. Acervo Arquivo<br />

Nacional.<br />

São João Batista do Rio Vermelho<br />

Nossa Senhora do Desterro<br />

Ribeirão<br />

São José da Terra Firme<br />

Lagoa da Conceição<br />

São Francisco de Paula de Canavieiras<br />

Santíssima Trindade<br />

Santo Antônio das Necessidades<br />

31 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Rezumo Geral de Toda a População Pertencente ao<br />

Governo da Ilha de Santa Catharina, Formado pelos mappas que derão os officios de cada<br />

hum dos Distritos do mesmo Governo. 1º de Janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacional: Seção<br />

de Manuscritos, conjunto documental 7,4,31.


40<br />

Anexo ao citado documento, o quadro número 01 apresenta em detalhes a<br />

quantidade de pessoas de acordo com cada faixa etária, condição social e sua distribuição<br />

na Ilha. A partir desses dados verificamos que o número de foros era substancialmente<br />

pequeno frente aos escravos e que esses eram, em sua grande maioria, pretos e não pardos.<br />

Também fica clara a maioria de escravos do sexo masculino, aproximadamente o dobro que<br />

do sexo feminino. Aliás, esses eram designados como “maxos ou fêmeas”, tal qual animais<br />

ou objetos e não masculino ou feminino como os homens e mulheres brancos.<br />

Quanto aos números da população economicamente ativa, percebemos uma<br />

equivalência entre homens e mulheres, o que pode indicar a forte presença de casais com<br />

um número pequeno de filhos - as crianças de até sete anos somavam 718 apenas em Nossa<br />

Senhora do Desterro, seguido por 605 entre 7 e 15 anos. Considerando que o número de<br />

fogos registrado na vila era de 666 temos aproximadamente duas crianças com idade<br />

inferior a 15 anos por cada um dos fogos da capital, quantidade baixa para a época. Não<br />

podemos esquecer o fato de que nesse período crianças com idade superior a 7 anos já eram<br />

economicamente ativas para a família, apenas variando a escala de contribuição.<br />

Os números de homens e mulheres são parecidos em todas as freguesias da Ilha<br />

nesse momento, o mesmo ocorrendo com o número de filhos por fogos. Fato semelhante<br />

ocorre com os pardos (homens e mulheres) e pretos (homens e mulheres), cujos números<br />

são parecidos. É importante ressaltar que quando se refere aos negros ou pardos, escravos<br />

ou não, o Governador não faz referência às crianças ou qualquer outra faixa etária, são<br />

simplesmente escravos. A maior discrepância se observa no número de escravos pretos. Os<br />

homens são maioria em todas as freguesias da Ilha, alcançando mais que o dobro do<br />

número de escravas nas freguesias da Lagoa, Necessidades e São José. Já na freguesia de<br />

São Miguel a quantidade de escravos pretos homens superava em mais de quatro vezes o<br />

número de mulheres e na freguesia do Ribeirão era três vezes maior.


41<br />

As informações desse relatório foram requisitadas pelo Ministro Souza Coutinho<br />

ao Vice Rei, que as devia repassar ao Governador, e eram as seguintes: a descrição física do<br />

território, aspectos demográficos como a composição racial da população e o número de<br />

nascimentos, casamentos e mortes; a relação quali-quantitativa da produção econômica,<br />

especificando-se o que era exportado e importado; a relação de impostos pagos e a<br />

arrecadação real nos últimos três anos; a relação dos gastos efetuados pelo governo com a<br />

especificação das despesas com Exército e Marinha, administração da Justiça e Fazenda; o<br />

estado da tropa regular e auxiliar, a qualidade e quantidade de oficiais, soldados e<br />

armamentos; propostas para as promoções militares e, por fim, observações quanto à<br />

introdução de possíveis novas culturas e melhoramentos da Fazenda Real. O quadro 01 traz<br />

os números populacionais apresentados pelo Governador João Alberto de Miranda Ribeiro<br />

ao Vice Rei, juntamente como o relatório solicitando informações detalhadas sobre a Ilha e<br />

demais distritos de sua jurisdição. Através dele podemos observar de forma mais global -<br />

apesar dos eventuais erros de cifras que podem ter ocorrido por parte dos informantes do<br />

Governador - a distribuição da população pelas freguesias e as diferenças quantitativas<br />

entre brancos e negros.<br />

Classes<br />

Fogos<br />

Sexo Masculino Sexo Feminino Fôrros Escravos Notícias das alterações<br />

que sucederam no anno<br />

de 1795.<br />

1ª 2ª 3ª 4ª 1ª 2ª 3ª 4ª Pardos Pretos<br />

De 1 até 7 annos<br />

De 7 até 15 annos<br />

De 15 até 6 0 annos<br />

De 60 annos p/ cima<br />

Somão<br />

De 1 até 7 annos<br />

De 7 até 14 annos<br />

De 14 até 40 annos<br />

De40 annos p/ cima<br />

Somão<br />

Somão todas as classes<br />

Pardos<br />

Pardas<br />

Pretos<br />

Pretas<br />

Maxos<br />

Fêmeas<br />

Maxos<br />

Fêmeas<br />

Total existente nos Distritos<br />

Nascidos<br />

Mortos<br />

Cazados<br />

Vindos para o Distrito<br />

Auzentes<br />

Vª Capital<br />

de N. S. do<br />

Desterro<br />

666<br />

365<br />

308<br />

404<br />

79<br />

1156<br />

353<br />

297<br />

583<br />

253<br />

1496<br />

2652<br />

32<br />

43<br />

15<br />

20<br />

119<br />

87<br />

433<br />

356<br />

3757<br />

237<br />

201<br />

49<br />

-<br />

30


42<br />

Distrito do<br />

Ribeirão<br />

160<br />

108<br />

84<br />

149<br />

26<br />

367<br />

77<br />

75<br />

138<br />

56<br />

366<br />

733<br />

-<br />

-<br />

3<br />

1<br />

12<br />

7<br />

217<br />

67<br />

1040<br />

-<br />

-<br />

-<br />

7<br />

18<br />

Freguesia<br />

da Lagoa<br />

329<br />

234<br />

179<br />

287<br />

55<br />

755<br />

210<br />

153<br />

308<br />

123<br />

794<br />

1549<br />

4<br />

5<br />

4<br />

7<br />

5<br />

5<br />

236<br />

101<br />

1916<br />

90<br />

41<br />

17<br />

2<br />

46<br />

Freguesia<br />

das<br />

Necessidad<br />

es<br />

439<br />

287<br />

253<br />

373<br />

60<br />

973<br />

310<br />

236<br />

356<br />

173<br />

1073<br />

2048<br />

8<br />

13<br />

4<br />

2<br />

11<br />

4<br />

248<br />

109<br />

2447<br />

109<br />

28<br />

14<br />

7<br />

76<br />

Freguesia<br />

de São<br />

Miguel<br />

450<br />

282<br />

239<br />

383<br />

77<br />

981<br />

263<br />

186<br />

354<br />

164<br />

967<br />

1948<br />

5<br />

1<br />

3<br />

13<br />

24<br />

19<br />

598<br />

147<br />

2758<br />

119<br />

57<br />

25<br />

9<br />

29<br />

Freguesia<br />

de São José<br />

389<br />

236<br />

165<br />

355<br />

68<br />

824<br />

221<br />

148<br />

328<br />

146<br />

843<br />

1667<br />

2<br />

3<br />

4<br />

3<br />

12<br />

12<br />

268<br />

120<br />

2091<br />

108<br />

45<br />

13<br />

-<br />

18<br />

Freguesia<br />

da Enseada<br />

do Brito<br />

196<br />

105<br />

102<br />

169<br />

22<br />

398<br />

98<br />

90<br />

163<br />

83<br />

434<br />

832<br />

-<br />

-<br />

5<br />

-<br />

7<br />

5<br />

199<br />

43<br />

1091<br />

40<br />

25<br />

3<br />

-<br />

42<br />

Freguesia<br />

da Laguna<br />

369<br />

310<br />

274<br />

406<br />

83<br />

1073<br />

283<br />

257<br />

478<br />

224<br />

1242<br />

2315<br />

38<br />

49<br />

13<br />

12<br />

46<br />

60<br />

441<br />

229<br />

3203<br />

186<br />

69<br />

18<br />

113<br />

102<br />

Villa Nova<br />

242<br />

111<br />

80<br />

185<br />

38<br />

414<br />

143<br />

82<br />

180<br />

96<br />

501<br />

915<br />

2<br />

1<br />

7<br />

7<br />

4<br />

6<br />

117<br />

50<br />

1109<br />

54<br />

12<br />

8<br />

33<br />

27<br />

Villa do<br />

Rio S.<br />

Francisco<br />

776<br />

497<br />

391<br />

733<br />

92<br />

1713<br />

431<br />

355<br />

786<br />

275<br />

1847<br />

3560<br />

60<br />

59<br />

3<br />

4<br />

116<br />

115<br />

310<br />

226<br />

4453<br />

158<br />

68<br />

40<br />

29<br />

41<br />

Somão<br />

4216<br />

2535<br />

2075<br />

3444<br />

600<br />

8654<br />

2389<br />

1879<br />

3696<br />

1603<br />

9565<br />

18.219<br />

151<br />

174<br />

61<br />

69<br />

356<br />

320<br />

3067<br />

1448<br />

23.865<br />

1101<br />

546<br />

187<br />

200<br />

436<br />

(Quadro 01) Rezumo Geral de toda a população pertencente ao Governo da Ilha de Santa<br />

Catharina, formado pelos mapas que derão os officios de cada hum dos Distritos do mesmo<br />

Governo. Em 1º de janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacioanl, Seção de Manuscritos,<br />

conjunto documental 3,3,17.<br />

As atividades de assentamento e ocupação territorial realizaram-se em grande parte<br />

por colonos livres. Mas a participação de escravos africanos não foi irrelevante, apesar de<br />

ter sido menor do que se observou em várias outras regiões do país. Os dados oficiais,<br />

contidos no quadro do governador João Alberto de Miranda Ribeiro mostram isso. Por<br />

outro lado, a presença escrava era importante, pois não se pode ignorar que, em um<br />

território restrito como a Ilha de Santa Catarina, cuja população e sistema de distribuição de<br />

terras privilegiavam a pequena propriedade e o trabalho familiar, um quinto de sua


43<br />

população, estimada em 1820 em 12.000 indivíduos oficialmente ou 14.000 pelos<br />

cálculos locais, era de escravos. Vinte anos depois, a fala do Presidente da Província A. J.<br />

Ferreira de Brito em 1º de março de 1841, registra, só para a Ilha de Santa Catarina, 19.368<br />

indivíduos, sendo 15.032 livres e 4.336 escravos. 32<br />

A reavaliação da tão enraizada idéia de que o sul do Brasil teve uma escravidão<br />

praticamente insignificante abre um precedente para que, junto dela, outras teorias sejam<br />

questionadas e analisadas por novos ângulos. A exploração madeireira e a agricultura que,<br />

mesmo periférica, foi importante para a manutenção de regiões monocultoras que não<br />

produziam o suficiente para seu próprio consumo pode ser tomada como exemplo. Isso<br />

considerando o fato de estarmos falando de uma ilha de pequenas proporções se comparada<br />

a esses aglomerados de grandes fazendas monocultoras.<br />

1.2 Colonização Programada e Insularidade.<br />

Para analisar a relação do homem com as ilhas e mares é necessário, segundo<br />

Diegues, “uma boa dose de pluralismo metodológico”. 33<br />

É importante perceber a<br />

construção da idéia de insularidade e as relações de troca com o mar do ponto de vista do<br />

imaginário popular e científico na antiguidade, até as grandes navegações no século XV.<br />

Além disso, a comparação com o período posterior possibilita uma melhor apreensão da<br />

relação dos homens com as ilhas e os mares e, com isso, possivelmente, tem-se uma idéia<br />

mais clara dos mitos e símbolos ligados a elas.<br />

32 FERREIRA <strong>DE</strong> BRITO, A. J. Falla do presidente da Província de Santa Catharina em 1º de<br />

março de 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008.<br />

33 DIEGUES, Antônio Carlos. Ilhas e Mares – simbolismo e imaginário. São Paulo: Hucitec,<br />

1998., p. 18.


44<br />

O estudo das ilhas sempre foi uma recorrente dos trabalhos da etnologia e,<br />

segundo Augé, está relacionado à idéia de espaço insular como lugar por excelência, onde<br />

cultura, sociedade e espaço coincidem. 34 As ilhas são um mundo em miniatura onde os<br />

contornos são bem definidos e as fronteiras entre a cultura de ilhéus e não ilheis<br />

igualmente. 35 Essas características de espaço e recursos limitados atuam diretamente na<br />

produção e reprodução de recursos econômicos, sociais e simbólicos e certamente<br />

influenciaram as idéias portuguesas de transferir populações entre ilhas – dos Açores e<br />

Madeira para a Ilha de Santa Catarina. O mesmo já havia sido feito antes no Maranhão,<br />

que em 1647, recebeu cinqüenta famílias açorianas de Santa Maria. Dois anos depois<br />

chegaram mais cem famílias. Todos se instalaram em São Luís, também uma ilha. 36<br />

Tais considerações também são importantes ao estudarmos a imigração açóricomadeirense<br />

para o sul do Brasil, que se deu por volta da metade do século XVIII e foi<br />

resultado de um projeto de Portugal para desafogar aquelas ilhas da superpopulação e da<br />

fome que as estavam assolando. Essa imigração e as diferenças de ilhas oceânicas para<br />

ilhas costeiras e, especialmente, o desenvolvimento ou não de práticas sociais e simbólicas<br />

ligadas à maritimidade, também são relevantes para uma melhor análise das<br />

transformações ambientais e sociais de nosso objeto de estudo no decorrer do século XIX.<br />

A ocupação da Ilha de Santa Catarina tem semelhanças com outras ilhas no<br />

Atlântico e costa oeste da África, especialmente no que tange às questões ambientais,<br />

apesar dos séculos que separam a colonização das mesmas. Segundo Grove, tais ocupações<br />

foram parte de um novo tipo de expansão européia que teve início com as grandes<br />

34 AUGÉ, M. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas:<br />

Papirus, 1992., p. 47.<br />

35 DIEGUES, Antônio Carlos. Ilhas e Mares – simbolismo e imaginário. Op. cit., p.27.<br />

36 CORREA, Silvio Marcus de Souza e BUBLITZ, Juliana. Terra de Promissão: Uma Introdução à<br />

Eco-História da Colonização do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo<br />

Fundo; Santa Cruz do Sul: Ed. Universidade Santa Cruz do Sul, 2006.,p. 48.


45<br />

navegações. Esse modelo deveu-se em muito as novas tecnologias de navegação e<br />

puderam ser percebidos no Arquipélago dos Açores, nas Ilhas Canárias e na Madeira,<br />

colonizadas por espanhóis e portugueses. Os resultados foram radicais, florestas e povos<br />

indígenas foram dizimados. 37 Ainda segundo Grove, essas ilhas tiveram as conseqüências<br />

trágicas da ocupação européia mais rapidamente percebidas por seu território ser restrito e<br />

a pior conseqüência foi a escassez de água. Um dos causadores desse problema ambiental<br />

foi a lavoura de cana-de-açúcar, em especial nas Ilhas Canárias. Outro ponto observado<br />

nessas ilhas após o desflorestamento foi a queda na precipitação de chuvas. Isso permitiu,<br />

desde o final do século XV, de acordo com Grove, uma associação perigosa entre a<br />

vulnerabilidade dos territórios colonizados com a intervenção estrangeira. 38<br />

O novo mundo, apesar desses conhecimentos climáticos e ambientais já<br />

adquiridos, ainda era associado ao paraíso terrestre ou à Arcádia, e nesse mesmo campo do<br />

imaginário estavam as Ilhas. O homem do Renascimento ligou as ilhas à idéia de mundos<br />

em miniatura, como o purgatório de Dante Alighieri na obra Divina Comédia, na qual uma<br />

ilha no oceano meridional era lugar onde havia a possibilidade de redenção. 39<br />

Outro<br />

exemplo disso foi a designação de “ilhas afortunadas” atribuída, a principio, às Canárias e<br />

à Madeira.<br />

No caso específico das ilhas dos Açores e da Madeira, possessões Portuguesas<br />

ocupadas e colonizadas desde o início do século XV, as práticas e costumes construídos<br />

em relação ao mar e a terra ilhoa dão a medida do grau de tensão dessa população com<br />

fenômenos naturais como maremotos, terremotos e erupções vulcânicas. Observa-se<br />

também a preocupação em relação à superpopulação decorrente do território restrito e da<br />

37 GROVE, Richard H. Green Imperialism: Colonial Expansion, Tropical Edens and the<br />

origins of Environmentalism, 1600-1860. New York: Cambridge University Press, 1996. p., 29.<br />

38 GROVE, R. Green Imperialism. Op.cit., p. 30-31.<br />

39 Ibid., p.33.


46<br />

instabilidade do mar para o comércio e abastecimento de alimentos e como esses fatores<br />

influenciaram a decisão de emigrar para o “novo mundo”.<br />

Certamente há, em alguma medida, a noção de identidade ilhoa nessas<br />

populações, essa identidade não quer dizer, no entanto, isolamento social e não determina<br />

a persistência ou diferença em práticas e organizações sociais em ilhas 40 . Por outro lado, o<br />

isolamento insular tem grande influência sobre os mecanismos biológicos não humanos e,<br />

de acordo com o tamanho do território emerso, resultam no empobrecimento ou maior<br />

fragilidade das associações vegetais e animais e maiores riscos de extinções. O<br />

conhecimento desses fatos e a vivência deles por parte de populações ilhoas como os<br />

açorianos e os madeirenses, teriam, teoricamente, construído uma noção de preservação da<br />

fauna e da flora insulares para “uso futuro”, já que vivenciaram as conseqüências do<br />

desequilíbrio. Porém, não foi o que se percebeu na Ilha de Santa Catarina com a chegada<br />

desses imigrantes no século XVIII.<br />

São dessas ilhas que, depois de anos sucessivos de intempéries, maremotos e<br />

terremotos, saíram os primeiros colonizadores “organizados” para o sul do Brasil. Eram<br />

conhecedores dos problemas de sua terra natal, mas não os associaram à nova terra que,<br />

apesar de ser também uma ilha, estava longe das situações extremas de carência de terras<br />

para agricultura, como o exaurimento dessas mesmas terras e, conseqüentemente, de<br />

espécies vegetais importantes para a nutrição da população. Essa escassez de terras e<br />

alimentos em decorrência da superpopulação que não permitiu um tratamento mais<br />

racional da terra, através do descanso ou rotação de culturas, poderia ter agido como um<br />

alerta às pessoas. No entanto o que se viu foi um tratamento da terra, da fauna e da flora<br />

que seguiu a mesma linha de “aproveitamento” que gerou a fome nos Açores e Madeira.<br />

40 DIEGUES, A. Ilhas e Mares. Op.cit., p. 62.


47<br />

Se nos questionarmos sobre os motivos disso podemos levantar diversas<br />

hipóteses como: o estímulo da própria Coroa para a derrubada da mata que seria usada<br />

para construção naval – as melhores madeiras – e para o uso dos próprios imigrantes, uma<br />

vez que a madeira era a base para quase tudo, desde casas, móveis, carroças, até a lenha<br />

para os alimentos e aquecimento. Outro ponto era o estímulo de Portugal – obrigação<br />

imposta aos colonos na maioria das vezes – para o desenvolvimento da agricultura a partir<br />

da aclimatação de plantas exóticas e da produção de plantas locais como a mandioca. Esse,<br />

aliás, foi, certamente, um dos principais motivos para a derrubada da mata que na verdade<br />

estava associada à “limpeza” da terra para fins agrícolas ou a fundação de vilas e cidades.<br />

Por fim, outro ponto importante é o mito da natureza inesgotável, baseado na<br />

fronteira natural sempre aberta para o avanço da exploração econômica. Segundo Pádua,<br />

“os colonizadores portugueses, acostumados às limitações ecológicas de sua região de<br />

origem, viam a Mata Atlântica como um universo que jamais se consumiria”. 41 Essa<br />

também era a realidade da Ilha de Santa Catarina que por sua extensão de 423 km² e por<br />

ser coberta de mata era vista como um grande território disponível para o avanço da<br />

produção e da urbanização, minimizando a importância do cuidado ambiental.<br />

1.3 Imigração e Povoamento<br />

Um mesmo local pode ser tantas vezes retratado, descrito e analisado que às vezes<br />

pensamos estar diante de histórias de locais completamente distintos, quando na verdade<br />

estamos apenas conhecendo a mesma história de outros pontos de vista. Algo parecido com<br />

o que Chartier descreve na obra Formas e Sentido. Cultura Escrita: entre distinção e<br />

41 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de Destruição - pensamento político e crítica ambiental no<br />

Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002., p.73.


48<br />

apropriação, ao analisar a representação, em 1668 na França, de “Le mari confondu” de<br />

George Dandin, pelo grupo de teatro de Molière. O espetáculo em questão foi encenado<br />

duas vezes. A primeira para a corte de Luiz XIV, no palácio de Versalhes, a segunda para o<br />

povo, na festa de Santo Humberto. As impressões e relatos parecem apontar para dois<br />

enredos totalmente diversos, mas encontrava-se a diferença nos olhos que a assistiram e a<br />

interpretaram. Enquanto para a corte o texto era uma comédia de costumes leve,<br />

entremeada de dança e música, para o povo era uma crítica social forte e instigante. 42<br />

Enfim, a história de Santa Catarina passa, muitas vezes, por essa dicotomia. O que<br />

predominou, especialmente na historiografia que aqui chamaremos de tradicional e que se<br />

estendeu do início do século XX até a década de 1970, são os relatos grandiosos e<br />

enaltecedores da terra e da gente que a ocupou e desbravou. Eram pessoas de origem<br />

européia, primeiro os açorianos na Ilha e outros pontos da costa, posteriormente italianos,<br />

alemães e poloneses no interior do Estado. A história tradicional relata muitas vezes sem<br />

questionar ou analisar mais profundamente quem era essa gente e o que fez dessa terra, ou<br />

mais, por que saíram de seus países de origem; em quais condições e sob quais promessas<br />

do governo português.<br />

Títulos grandiosos como A Epopéia Açórico-madeirense ou Memória histórica,<br />

authentica, sincera, pictoresca e sentimental da Villa, depois cidade de Nossa Senhora do<br />

Desterro da ilha de Sancta Catharina, dos casos raros alcunhada: memória, o primeiro de<br />

Walter Piazza e o segundo de Oswaldo Rodrigues Cabral, foram durante muitos anos as<br />

referências únicas da história catarinense. Ainda hoje são importantes, especialmente no<br />

que se refere aos documentos usados como fontes e muitas vezes citados na íntegra por<br />

seus autores, documentos que já se perderam em muitos casos. Por isso, a partir da releitura<br />

desses livros podemos identificar até novas variáveis da história local, como a floresta, o<br />

42 CHARTIER, Roger. Formas e Sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação.<br />

Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003., p. 97-98.


49<br />

mar, o mangue e outros elementos que foram tão importantes na definição do que a Ilha<br />

de Santa Catarina tornou-se no decorrer do século XIX. A natureza foi por muito tempo<br />

tratada apenas como cenário onde se encenava a construção de uma província próspera por<br />

homens fortes e muitas vezes de imagem ilibada, sem considerar a influência que esse<br />

“cenário” teve na tomada de decisões políticas, nas práticas sociais e culturais e no rumo do<br />

progresso almejado.<br />

Nesses exemplos, assim como outros que facilmente poderíamos citar, está<br />

sempre presente uma forte carga de heroísmo, grandiosidade dos personagens - humanos ou<br />

não - e de progresso, algo como a imagem de vencedores. Mas, se olharmos mais<br />

profundamente, percebemos que o que esses colonizadores venceram foram, basicamente,<br />

as dificuldades impostas por uma floresta diferente das européias e por isso era vista como<br />

ameaçadora, além de seu potencial ainda ser desconhecido. Porém, essas pessoas foram<br />

orientadas a “domar” a mata e transformá-la, dando lugar à ordem e a criação de um ethos<br />

mais próximo do modelo europeu, familiar a todos.<br />

O “heroísmo” estava em sair de sua terra natal e instalar-se em um local<br />

desconhecido, diferente e, frente a tudo isso, progredir. Agravado pelo fato de que essas<br />

pessoas, especialmente os açorianos e madeirenses que chegaram à Ilha em meados do<br />

século XVIII, dificilmente terem consciência ou terem sido informados das dificuldades<br />

que encontrariam. Aliás, essa é uma característica das colonizações programadas, em<br />

especial no Brasil. Isso também ocorreu com os colonos livres que emigraram para as<br />

fazendas de café de São Paulo e para o interior no Rio Grande do Sul, no século XIX, e<br />

para os migrantes do próprio oeste de Santa Catarina no início do século XX. 43 Essas<br />

43 Para conhecer mais sobre esse tema ler: NODARI, Eunice; CESCO, Susana; WERLE, Márcio;<br />

CARVALHO, Miguel M.X. As Florestas do Sul do Brasil na Imprensa Alemã e a Atração de<br />

Imigrantes. In: DREHER, Martin N.; RAMBO, Arthur B.; TRAMONTINI, Marcos J. (org.).<br />

Imigração e Imprensa. São Leopoldo: Instituto Histórico de São Leopoldo/EST Edições, 2003;<br />

CESCO, Susana. Migração e desmatamento no Alto Uruguai Catarinense: uma releitura da


50<br />

pessoas vinham com promessas de um lote de terra já demarcado, ferramentas de<br />

trabalho para iniciar sua lavoura, animais como bois, cavalos, galinhas, cabras, etc. e<br />

mantimentos para os primeiros períodos após a instalação, em especial farinha de<br />

mandioca. Nesse ponto as reclamações sempre foram muitas e iam desde a falta de<br />

legalização dos lotes até o total abandono e descaso das autoridades locais para com os<br />

imigrantes. Descaso que se refletia no não cumprimento das promessas acima listadas, o<br />

que deixava essas pessoas à mercê da própria sorte em uma terra desconhecida e com<br />

recursos ignorados, cuja experimentação foi a base do conhecimento adquirido. Essa<br />

inexistência de uma preocupação ambiental no campo político deve-se em parte, segundo<br />

Correa e Bublitz, à necessidade de alterações ambientais quando a colonização era<br />

entendida como “a domesticação da natureza local pela colonização européia”. 44 Sobre o<br />

sul do Brasil, especificamente, “o insignificante contingente de colonos europeus e o baixo<br />

nível tecnológico disponível durante os séculos XVII e XVIII promoveram alterações<br />

ecológicas de baixa intensidade”. 45<br />

As obras acima citadas, e outras dessa dita história tradicional, trataram, em sua<br />

maioria, o imigrante como um herói desbravador que simplesmente saiu da Europa,<br />

enfrentou dificuldades na viagem e sofreu com as promessas falsas dos agentes de<br />

imigração que mantinham essas pessoas presas por contratos rigorosos. Os imigrantes<br />

ficavam com altas dívidas de transporte e instalação e na maioria das vezes eram obrigados<br />

a trabalhar para quitar o débito o que impedia que, ao menos nos primeiros anos, o dinheiro<br />

ganho com o trabalho agrícola fosse empregado em melhorias para o próprio colono e sua<br />

relação homem x floresta no início do século XX. Florianópolis, 2003. Monografia História -<br />

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC; <strong>DE</strong>AN, Warren. Rio Claro um Sistema<br />

Brasileiro de Grande Lavoura 1820-1920. São Paulo: Paz e Terra, 1977.<br />

44 CORREA, Silvio Marcus de Souza e BUBLITZ, Juliana. Terra de Promissão: Uma Introdução à<br />

Eco-História da Colonização do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo<br />

Fundo; Santa Cruz do Sul: Ed. Universidade Santa Cruz do Sul, 2006.,p. 35.<br />

45 Ibid.,p. 44.


51<br />

família. No entanto, tais obras raramente mencionam que essas pessoas, ao menos no<br />

quesito dificuldades de sobrevivência, já eram experientes. A Europa da qual eles saíram<br />

não era tão próspera como podemos eventualmente imaginar e essas pessoas não saíram de<br />

lá como desbravadores corajosos e destemidos. Na realidade eram pessoas pobres,<br />

desempregadas, vítimas da superpopulação e da baixa produção agrícola, algumas ainda<br />

podiam ser prostitutas, mendigos ou criminosos. Enfim, a maioria era sim composta de<br />

famílias, outros não, porém a totalidade era de pessoas em busca de condições de vida<br />

melhores do que as que tinham em seu país de origem. Raros foram os ricos que vieram<br />

para colonizar a Ilha de Santa Catarina.<br />

1.4 Uma Ilha e seus elos com o Continente<br />

De acordo com Florentino e Fragoso “de 1799 a 1822, os registros manuscritos de<br />

entradas de embarcações no porto do Rio de Janeiro indicam que o abastecimento de<br />

farinha de mandioca provinha do sul da Bahia, de zonas do litoral fluminense como Cabo<br />

Frio e Itaguaí e, majoritariamente de Santa Catarina”. 46 Assim pode-se dizer que, em fins<br />

do século XVIII e na primeira metade do século XIX, as saídas de produtos de Santa<br />

Catarina, e em especial do porto de Desterro, no caso de embarcações de menor tonelagem,<br />

representavam uma quantidade considerável.<br />

Tal fato é também relatado por Laura Machado Hübener, além de apontar as escalas<br />

de oscilações de entrada e saída de produtos do porto de Desterro, explicando que a<br />

importância deste porto estava relacionada com o desempenho de sua função de escoadouro<br />

46 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto: Mercado Atlântico,<br />

Sociedade Agrária e Elite Mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro:<br />

Diadorim, 1993., p. 62.


52<br />

da maior parte da produção da Província, em especial da litorânea. Estas relações o<br />

tornaram intermediário mais do comércio do litoral médio-sul da Província do que do<br />

litoral norte. Para Desterro convergiam as embarcações que faziam o comércio de pequena<br />

cabotagem. 47 Esse pequeno comércio pode ser percebido também se consultando registros<br />

iconográficos da época, que retratam o grande movimento que a praça do mercado tinha em<br />

dias de feira, quando canoas, pessoas e mercadorias de todas as freguesias se misturavam,<br />

muitas delas vindas para descarregar produtos destinados à exportação, outras para<br />

abastecer o comércio local. 48 No final do século, entre 1880 e 1885, Desterro era o porto<br />

mais importante na Província, com 36% do total de exportações. 49<br />

Segundo Hübener, o número de pessoas envolvidas em atividades marítimas chegou<br />

a 16% da população de Desterro. Ainda em 1874, nada menos do que 1.125 pessoas eram<br />

registradas como “empregados na vida do mar”. Dentre esses, chama a atenção o número<br />

de “patrões de hiates” que era de 125. 50 Eram eles os responsáveis pelo transporte de<br />

materiais entre os portos da Ilha, como Sambaqui, Ribeirão ou São José da Terra Firme,<br />

com Desterro ou até viagens mais longas entre outros portos do litoral. Transportavam<br />

desde vegetais produzidos por moradores das freguesias do interior da Ilha até carne<br />

provinda do continente. Eram verdadeiros atravessadores que ajudavam a abastecer o<br />

mercado de Desterro.<br />

47 HÜBENER, Laura Machado. O comércio na cidade de Desterro no século XIX. Florianópolis:<br />

Ed. da UFSC, 1981., p. 77.<br />

48 LIMA, Débora da Rosa Rodríguez. A abordagem ambiental no processo de desenvolvimento<br />

urbano de Florianópolis. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado) - FAUUSP., p. 76.<br />

49 ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa<br />

Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). Florianópolis, 2003.<br />

Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis - U<strong>DE</strong>SC., p. 46-<br />

47.<br />

50 SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa da Província de Santa<br />

Catharina em 21 de março de 1875 pelo exm. Sr, Presidente da Província. Cidade do Desterro: Typ.<br />

De J.J. Lopes, 1875.


53<br />

Essas pessoas trabalhavam no carregamento e descarregamento de dezenas de<br />

embarcações anualmente. Toda a produção destinada à exportação deixava o porto de<br />

Desterro em embarcações cujos nomes variavam de acordo com seu modelo e capacidade:<br />

galeras – barcos de guerra movidos à remo e velas; bergantins ou fragatins – embarcações<br />

ligeiras de dois mastros cada; sumacas - pequenas embarcações de dois metros e dois<br />

mastros cada; escunas – embarcações velozes com dois mastros e velas cada; hiates –<br />

barcos pouco maiores que canoas que eram usado no transporte de cargas pequenas e<br />

médias; lanxas e charruas - grandes navios para transporte.<br />

O movimento de entrada e saída do porto era considerável e mostra o quão estreito<br />

era o contato da Ilha e sua população com o continente. O fato de estarmos falando de uma<br />

ilha nesse caso não apresenta o “isolamento” que poderíamos esperar. Os habitantes locais<br />

conviviam com os do continente e com eles efetuavam trocas, o “isolamento” imposto pela<br />

insularidade é mais efetivo quando diz respeito a terras e a possibilidade de ampliação das<br />

fronteiras físicas da Ilha. O quadro 02, retirado do relatório do Governador Luiz Mauricio<br />

da Silveira em 1815 indica a quantidade de cada uma dessas embarcações que entraram e<br />

saíram do porto de Desterro naquele ano, dando uma idéia do movimento no início do<br />

século XIX.


Galeras Bergantins Sumacas Escunas Hiates Lanxas Somão<br />

54<br />

Entrarão em<br />

6 32 45 10 5 71 169<br />

todo o anno<br />

Sahirão 6 28 55 5 6 70 170<br />

Ficarão no porto - 4 - 5 - 1 10<br />

(Quadro 02) Mapa das Embarcações que entrarão, e sahirão do porto da Capitania de Santa<br />

Catharina no anno de 1815. Autoria: Luiz Mauricio da Silveira. Santa Catharina, 7 de janeiro<br />

de 1817. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto documental I, 31,29,18.<br />

Em Relatório de 1837, o Presidente da Província indicava um aumento significativo<br />

na entrada e saída de embarcações no porto local. “Entraram na cidade 265 embarcações, e<br />

sahiram 263, sendo destas 226 Nacionais, e 9 de portos estrangeiros, 109 para portos do<br />

Império, e 108 para os da Província, e 40 para estrangeiros”. 51<br />

O mercado fronteiro ao porto, ou onde esse foi construído, era o centro de<br />

convergência de canoas e carroças de vendedores dos mais variados produtos, desde<br />

alimentos até escravos, animais ou serviços. O que a princípio eram tabuleiros dispostos ao<br />

ar livre pelas ruas centrais em volta da praça que por ordem governamental teve que ser<br />

transferido e aglomerado em um espaço construído e delimitado. Essas medidas de<br />

“ordenação e embelezamento” da porta de entrada da capital da Província de Santa Catarina<br />

ocorreram com certa agilidade em função da visita do Imperador e da Imperatriz à Ilha em<br />

1845.<br />

O novo prédio, onde o até então comércio ambulante instalou-se, foi concluído em<br />

1851 e funcionou por 45 anos quando foi demolido para a construção do atual prédio do<br />

Mercado nos anos de 1896 a 1898. 52 Na ilustração 02 o prédio construído em meados do<br />

século XIX encontra-se no lado direito da foto e a partir dele podemos observar a intensa<br />

51 Relatório do Presidente da Província José Mariano de Albuquerque Cavalcante, 1837., p. 16. In:<br />

www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008.<br />

52 CABRAL, O. R. História de Santa Catarina. Op.cit., p. 126.


55<br />

circulação de pessoas e como funcionava a chegada das carregados hiates e canoas com<br />

mercadorias em frente à praça.<br />

(Ilustração 02) Vida Comercial nas proximidades do antigo Mercado Público de Desterro,<br />

fronteiro à praça. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.<br />

Na lateral direita do Mercado, ao lado da Praça central da capital, ficava a<br />

Alfândega, prédio onde se dava o registro da entrada e saída de mercadorias e escravos e<br />

por onde a economia de Desterro pode ser medida. Esse prédio explodiu em 24 de abril de<br />

1866. Até essa data toda a entrada e saída de produtos da Ilha ocorriam em frete à praça,<br />

local por onde passavam todos os habitantes.<br />

Isso transformou a área em ponto de encontro de escravos, vendedores e<br />

trabalhadores pobres, “poluindo” o local fisicamente e figuradamente, segundo algumas<br />

autoridades e a imprensa local. Nesse momento os espaços de convívio das pessoas ditas<br />

“de bem” estavam sendo demarcados socialmente e o fato de na praça da cidade<br />

encontrarem-se escravos e trabalhadores do porto era um mau que deveria ser corrigido.<br />

Apenas oito anos depois da explosão de 1866 se iniciou a construção do novo<br />

prédio em local mais afastado do centro, no prolongamento da Rua do Príncipe. Essa rua,<br />

“em alguns pontos, não possuía a dupla fileira de casas, havendo apenas uma, de frente para


56<br />

a praia. Assim, depois da primeira quadra (...) eram baldios os terrenos onde se construiu<br />

a nova Alfândega e o novo Mercado”, 53 à direita daquela, posteriormente, em 1896.<br />

A ilustração 03 corresponde ao centro urbano de Desterro de 1876.<br />

(Ilustração 03) Planta Topográfica da Cidade do Desterro, levantada por ordem e na<br />

presidência da Província de Santa Catarina, por Alfredo D’Escragnolle Taunay, pelo<br />

engenheiro major Antonio Floriano Pereira do Lago e Carlos Othom Schlappal, 1876.<br />

Detalhe referente ao centro de Nossa Senhora do Desterro. Acervo Arquivo<br />

Histórico do Exército, setor de cartografia.<br />

Legenda:<br />

J Alfândega<br />

J’ Trapiche da Alfândega<br />

9 Rua do Príncipe<br />

i Trapiche público<br />

K Mercado<br />

t’ Terreno próprio geral<br />

16 Rua do Ouvidor<br />

17 Rua da Paz<br />

b+ Igreja de São Francisco.<br />

As quadras bem definidas e ocupadas por construções são um demonstrativo de que<br />

Desterro já tinha novas e relevantes proporções como cidade. As igrejas, e prédios públicos<br />

administrativos misturavam-se à sobrados residenciais e lojas. O dia-a-dia dessa nova vida<br />

53 CABRAL, O. R. História de Santa Catarina. Op.cit., p. 127.


57<br />

urbana já podia ser acompanhado, inclusive, pela imprensa escrita, que deu os primeiros<br />

passos na década de 1830, e nesse período já tinha uma circulação importante.<br />

1.5 Importação e Exportação<br />

O século XIX foi um período de oportunidades comerciais em escala global. Não<br />

que elas não ocorressem antes, mas a expansão econômica européia do período possibilitou<br />

a ampliação dos mercados tanto para matérias-primas quanto para alimentos. Para uma<br />

Europa muito povoada, com solos desgastados por séculos pela agricultura, nada mais<br />

interessante que importar produtos tropicais do Brasil. Somando-se ao açúcar já exportado<br />

pelo Brasil anteriormente, o café e outros produtos entraram fartamente na Europa. Dentre<br />

esses produtos também estava a madeira.<br />

Com sua economia baseada quase totalmente na agricultura, grandes regiões<br />

agrícolas com produtos que visavam o mercado externo desenvolveram-se no Brasil. A<br />

cana-de-açúcar e depois o café, em especial, foram as molas propulsoras do<br />

desenvolvimento do nordeste açucareiro - Pernambuco e Recôncavo baiano - e do sudeste<br />

cafeicultor - Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo - respectivamente.<br />

Conseqüentemente o abastecimento de bens de consumo para essas regiões era<br />

complementado por outras, uma vez que não era economicamente inteligente desviar<br />

braços escravos dessas lavouras altamente lucrativas para produzir alimentos variados para<br />

o consumo dos próprios escravos e dos patrões. Segundo Mariléia Caruso, ecoando as<br />

palavras de Taunay em seu livro Manual do Agricultor Brasileiro, era aconselhado que os<br />

alimentos para consumo fossem produzidos nas próprias fazendas para evitar desperdício<br />

de verbas com a compra dos mesmos. Com essa prática, os excedentes poderiam ser


58<br />

dirigidos para os mercados urbanos. 54 Apenas posteriormente, já na segunda metade do<br />

século XIX, é que a prática de comércio interprovincial se efetivou e cresceu.<br />

Isso possibilitou um relativo desenvolvimento do comércio interno com fins de<br />

abastecimento de determinadas regiões por outras que eram monocultoras e exportadoras.<br />

No caso de Santa Catarina, o comércio ocorria basicamente com o porto do Rio de Janeiro<br />

devido às restrições que determinavam isso, posteriormente, o porto da capital poderia<br />

repassar mercadorias para outros portos do Brasil ou do exterior. Essa restrição retardou o<br />

crescimento comercial de Desterro.<br />

Já na década de 1830 havia um comércio exportador e importador entre Desterro e<br />

portos estrangeiros e do império, sendo que o montante movimentado entre Desterro e<br />

portos do Império era consideravelmente superior, como indicado no quadro 03:<br />

Importação<br />

Em 1837 –<br />

1838<br />

Em 1838 –<br />

1839<br />

Em 1839 –<br />

1840<br />

Gêneros de produção<br />

nacional vindos dos<br />

portos do Império<br />

Mercadorias<br />

estrangeiras importadas<br />

dos portos do Império<br />

Mercadorias<br />

estrangeiras<br />

importadas de portos<br />

de fora do Império<br />

Total<br />

69:332$350 404:936$811 56:314$323 530:583$484<br />

41:107$620 373:272$260 54:349$975 468:729$855<br />

67:970$107 359:328$257 63:795$498 491:093$862<br />

Exportação Para portos do Império Para portos Estrangeiros Total<br />

Em 1837 –<br />

1838<br />

Em 1838 –<br />

1839<br />

Em 1839 –<br />

1840<br />

141:554$663 73:583$108 215:137$771<br />

210:669$479 82:583$489 293:252$968<br />

190:903$491 49:633$711 240:537$202<br />

(Quadro 03) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina<br />

Antero José Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm<br />

Consultado em 02/08/2008.<br />

54 CARUSO, M.M.L. O desmatamento da Ilha de Santa Catarina de 1500 aos dias atuais.<br />

Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983., p.12.


59<br />

Os valores acima se referem aos preços dos produtos e sobre alguns desses ainda<br />

incidiam os impostos sobre exportação que eram chamados de dízimos e variavam em<br />

porcentagem se o destino fosse um porto nacional ou estrangeiro. Esses produtos eram:<br />

Produtos exportados para portos do Império Quanto paga %<br />

Peixe salgado 5%<br />

Madeira e lenha 10%<br />

Cal 10%<br />

Couro 20%<br />

Produtos exportados para portos Estrangeiros Quanto paga %<br />

Couro 13%<br />

Madeira e lenha 3%<br />

Aguardente 3%<br />

Cal 3%<br />

(Quadro 04) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina<br />

Antero José Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm<br />

Consultado em 02/08/2008.<br />

De acordo com Débora Lima, o porto de Desterro teve uma descontinuidade em<br />

suas atividades e uma queda de importância inversamente proporcional ao aumento dos<br />

calados dos navios. Isso se deu<br />

em virtude de suas condições físicas, pois, à medida que se afasta do<br />

estreito em direção ao norte, justamente no canal de navegação, verificase<br />

uma acentuada diminuição de profundidade, sendo este baixio<br />

denominado Tabuleiro. Este Tabuleiro era, um verdadeiro impasse, nas<br />

marés baixas, aos navios que demandavam aquele porto, tornando assim<br />

secundária a posição hidrográfica da capital catarinense em relação aos<br />

outros portos salientes da costa sul, como Santos, Paranaguá, São<br />

Francisco e Rio Grande. 55<br />

Essas condições obrigaram, com o passar das décadas durante o século XIX, navios<br />

de grande porte a transportar suas cargas para embarcações menores para que suas<br />

mercadorias chegassem ao porto para serem vendidas. Tal processo de transporte encarecia<br />

55 LIMA. Débora da Rosa Rodrigues. A abordagem ambiental no processo de desenvolvimento<br />

urbano de Florianópolis. Op.cit., p. 76.


60<br />

o produto. As embarcações pequenas circulavam em grande número e remavam ou<br />

velejavam diariamente entre as praias de Desterro e os grandes navios mercantes ou de<br />

guerra, nacionais ou estrangeiros, ali fundeados. O calado desses navios não lhes permitia<br />

chegar ao porto de Desterro e freqüentemente ficavam nos ancoradouros de Santa Cruz e<br />

Sambaqui. 56<br />

Esses dados sobre o porto, o mercado e especialmente o que era comerciado nele<br />

são indicativos da importância das características do ambiente local para a definição do<br />

desenho social e econômico da Ilha. Solo, clima e vegetação dimensionaram as<br />

possibilidades de aclimatação de plantas, crescimento urbano e riqueza madeirável,<br />

características próprias de uma área de Mata Atlântica, predominante na região. Por<br />

conseguinte, a análise da história local passa, obrigatoriamente, pelo encontro do homem<br />

com esse mundo natural e o resultado de tal contato, que provocou destruição e criação,<br />

mas, sobretudo transformação durante todo o período analisado.<br />

Restringindo a análise para o recorte geográfico ilhéu devemos considerar, além da<br />

cobertura vegetal, do solo e do clima, o fato de ser uma ilha e todas as implicações sociais e<br />

ambientais que dele advêm. A constituição dessa paisagem e as mudanças impostas a ela<br />

passam pelo questionamento do próprio conceito de “paisagem” e de outros termos que<br />

constantemente são usados em textos de geógrafos, historiadores ambientais, biólogos e<br />

outros profissionais que, justamente por conta disso, podem cair em uma superficialidade<br />

e/ou homogeneidade de entendimento.<br />

56 Ibid., p.76.


1.6 Conceitos e Instrumentos da História Ambiental Ilhoa<br />

61<br />

Segundo Donald Worster, a história ambiental faz parte de um processo de<br />

ampliação de investigação histórica que vem ocorrendo desde o século XIX. A história dos<br />

grandes homens e dos Estados tem dado espaço à história econômica, social, cultural e do<br />

cotidiano. A história ambiental propõe outra ampliação, incorporando a presença da<br />

natureza aos estudos sobre as sociedades de modo geral, a partir da relação entre suas<br />

estruturas biofísicas, modos de produção e formas culturais. 57 A história ambiental é um<br />

novo elo nessa corrente investigativa, um elo que procura ir mais fundo em sua análise,<br />

chegando à própria natureza,<br />

rejeita a premissa convencional de que a experiência humana se<br />

desenvolveu sem restrições naturais (...) [e] é parte de um esforço<br />

revisionista para tornar a disciplina da história muito mais inclusiva em<br />

suas narrativas do que ela tem tradicionalmente sido. 58<br />

Seu objetivo não é de cunho puramente biológico, ecológico ou geográfico, ao<br />

contrário, sempre foi “aprofundar o nosso entendimento de como os seres humanos foram,<br />

através dos tempos, afetados pelo seu ambiente natural e, inversamente, como eles afetaram<br />

esse ambiente e com que resultados”. 59 Enfim, a história ambiental trata, basicamente, do<br />

papel e do lugar da natureza na vida humana e de como os humanos reagem a determinadas<br />

características da natureza.<br />

Quando definimos a inserção desse trabalho no campo da história ambiental e,<br />

especificamente, ao designarmos dessa forma o tipo de abordagem, não estamos propondo<br />

um estudo de ecologia ou de geografia. A proposta é de um estudo da interação das práticas<br />

57 WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 4. n. 8,<br />

1991., p. 198.<br />

58 Ibid., p. 198.<br />

59 Ibid., p. 200.


62<br />

culturais de uma sociedade situada no tempo e no espaço - o século XIX e a Ilha de Santa<br />

Catarina – com a natureza local, onde as relações sociais se expressam concretamente,<br />

modificando o espaço vivido. Por conta disso, a interdisciplinaridade é importante uma vez<br />

que o próprio objeto requer um enfrentamento de temas que vão da história florestal e das<br />

paisagens à agricultura e urbanização, inseridas em um amplo quadro de história social e<br />

ambiental.<br />

De fato, quando delimitamos uma área geográfica para estudar sob a ótica da<br />

história ambiental, mesmo sendo uma analise histórica stritu sensu, trabalhamos com um<br />

recorte territorial mais circunscrito, pois, se considerarmos que uma grande extensão abarca<br />

diversos ecossistemas e por sua vez diferentes formas de relação homem-ambiente,<br />

conseqüentemente as respostas dos homens para as situações ambientais encontradas serão<br />

também muito diversas. É nesse contexto que analisamos as questões humanas em sua<br />

relação com o meio.<br />

Associado a isso, a constante transformação do ambiente, muitas vezes de forma<br />

destruidora, está diretamente ligada à necessidade de consumo das comunidades humanas.<br />

A percepção do que é eleito como recurso por uma sociedade pode dar a medida e o foco da<br />

devastação. Em função disso, o próprio conceito de “recursos naturais” precisa de uma<br />

análise que determine o que se depreende dele, uma vez que sofreu profundas mudanças ao<br />

longo de diferentes tempos e lugares. Refinar os conhecimentos disponíveis sobre florestas,<br />

rios e outros elementos biofísicos em sua interação necessária com as populações humanas<br />

também possibilita um entendimento mais amplo das transformações históricas de uma<br />

área, aproximando as variáveis sociais, econômicas, culturais e ambientais.<br />

É isso que Martin Melosi fez quando, ao analisar a cidade industrial do início do<br />

século XX, a definiu como um reflexo da revolução econômica do século XIX,


especialmente na Europa e nos Estados Unidos. 60<br />

63<br />

Essa revolução propiciou um<br />

desenvolvimento significativo no abastecimento e no desperdício de água além da<br />

disposição do lixo. Isso associou a transformação econômica à transformação física das<br />

cidades.<br />

É no século XIX que as grandes cidades conhecem a eletricidade e com isso há uma<br />

melhoria espetacular nas comunicações e no transporte. Ato contínuo, essas mesmas<br />

cidades se expandem. Essas novas ferramentas e tecnologias propiciaram mudanças<br />

urbanas que não foram mais freadas por barreiras geográficas ou ambientais. Também<br />

influenciaram os novos desenhos urbanos no que tange a instalação de zonas comerciais,<br />

industriais e residenciais nas cidades. 61 Ainda segundo Melosi essas questões aceleraram<br />

problemas sanitários urbanos que só pioraram com as alterações nos cursos dos rios ou<br />

novos contornos em baias - casos esses que em certo grau podem ser percebidos no<br />

processo de urbanização de Nossa Senhora do Desterro no século XIX . 62 Tal crescimento,<br />

especialmente de grandes áreas urbanas, atingiu as esferas física, tecnológica, comercial e<br />

industrial e redimensionou o impacto desses aglomerados urbanos sobre o meio ambiente,<br />

principalmente sobre a poluição do ar, água e solo.<br />

Essa percepção das questões ambientais, especialmente urbanas, estreitamente<br />

ligadas às questões políticas e econômicas possibilita uma melhor observação de pontos<br />

relevantes para trabalhos de história ambiental, muitas vezes “diluídos” em leis, manuais<br />

agrícolas, posturas municipais e outros documentos históricos, lançando mais luz sobre o<br />

tema.<br />

60 MELOSI, Martin V. Cities, Tecnical Systems and the Environment. In: Environment History<br />

Review. V. 14, n. 1-2, Spring/summer 1990., p.45.<br />

61 Ibid., p. 47.<br />

62 Ibid., p. 48.


64<br />

No caso da Ilha de Santa Catarina, como o restante do atual território brasileiro, o<br />

desmatamento já vinha acontecendo há muito tempo, bem antes da colonização européia.<br />

Extração de madeira, queimadas, enfim, muito se perdeu da riqueza natural da Mata<br />

Atlântica e pouco ficamos sabendo de muitas espécies que já não existem. “Através do<br />

saber vagamente rememorado dos indígenas, transmitido com dificuldade a caboclos e<br />

africanos fugidos do período colonial, algumas espécies da Mata Atlântica haviam<br />

adquirido nomes e alguns deles tinham se associado a usos”. 63 Porém, com a colonização<br />

portuguesa a intensidade dessa transformação aumenta. A princípio, com a extração do paubrasil<br />

e depois com os engenhos de cana, as grandes fazendas de café, as áreas de<br />

mineração e pastagem, a agricultura e, finalmente, as cidades. Todo esse processo se deu na<br />

maioria das vezes em meio à ignorância quanto ao que se estava destruindo. Relativamente<br />

poucas eram as espécies vegetais e animais estudadas até o final do século XVIII. Além<br />

disso, segundo Dean,<br />

esses fragmentos de conhecimento empírico quase não tiveram aplicação<br />

comercial. (...) Toda essa complexidade estava sendo destruída antes que<br />

a inteligência humana pudesse compreendê-la. No fim do século XVIII,<br />

contudo, o interesse científico europeu estava começando a se voltar mais<br />

sistematicamente para o mundo natural, além de suas fronteiras. 64<br />

O interesse português mais efetivo verificado em fins do século XVIII se deve, em<br />

parte, a baixa arrecadação do quinto real sobre ouro e diamantes nessa época e a<br />

necessidade de ampliar seus mercados ultramarinos que estavam sendo assediados pela<br />

produção das colônias tropicais de outras potências européias. Essa “ressurreição da<br />

economia imperial exigia frota ampliada, produção colonial mais eficiente e diversificada,<br />

melhor infra-estrutura colonial e talvez maior integração econômica no interior das próprias<br />

63 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São<br />

Paulo: Companhia das Letras, 1996., p. 134.<br />

64 Ibid.,p. 134.


65<br />

colônias, pelo menos naqueles setores que sustentavam o comércio exportador”. 65 Isso só<br />

se daria com a abertura de caminhos, pesquisas sobre qualidade das plantas e<br />

principalmente ocupação e exploração efetiva justamente da área de Mata Atlântica.<br />

Tal processo de transformação ia ao encontro da idéia de progresso presente no<br />

discurso de políticos e pensadores do Brasil do século XIX. A referência a progresso estava<br />

vinculada a um modelo rural modernizado, com máquinas, tecnologias e produtos químicos<br />

que pudessem contribuir para um crescimento agrícola ordenado. De acordo com Pádua,<br />

“essa agricultura modernizada não era vista como fonte de destruição ambiental, mas sim<br />

como o caminho mais direto para a salvação do território e para a construção de um país<br />

efetivamente civilizado”. 66 Essa noção de progresso “supunha conservação e uso correto do<br />

mundo natural que, por sua vez, só fazia sentido no contexto desse progresso. A natureza<br />

[passa] a ser vista como um objeto político, um recurso essencial para o avanço social e<br />

econômico do país”. 67<br />

Os princípios do período no que se refere às florestas,<br />

especificamente, eram semelhantes à idéia de Braudel ao dizer que<br />

só há riqueza florestal se incorporada na economia, na presença de uma<br />

multidão de intermediários, pastores que conduzem os seus rebanhos, [...]<br />

lenhadores, carvoeiros, carreteiros, todo um povo selvagem [...] com o<br />

ofício de explorar, utilizar, destruir. A floresta só vale se for utilizada 68 .<br />

Nesse sentido, a duplicidade da idéia de progresso é palpável e implica, por um lado<br />

um objetivo ou, pelo menos, uma direção e, por outro, um juízo de valor. É essencial<br />

definirmos quais os critérios e valores em que se assentou a idéia de progresso nesse<br />

período da história da Ilha de Santa Catarina, para com isso compreendermos os usos<br />

65 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />

Op.cit., p. 135.<br />

66 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição. Op.cit., p. 19.<br />

67 Ibid., p. 28.<br />

68 BRAU<strong>DE</strong>L, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII. As<br />

estruturas do cotidiano: o possível e o impossível. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.331.


66<br />

atribuídos à natureza local sob a ótica positiva dos homens que a realizaram. Podemos<br />

afirmar, no entanto, sem o risco de um equívoco, que uma das coisas associada à idéia de<br />

‘progresso’, nesse momento, é o progresso científico e tecnológico, especialmente na área<br />

agrícola.<br />

Praticamente na origem de todas as acelerações da ideologia do<br />

progresso há um salto das ciências e das técnicas. Isto aconteceu no<br />

século XVII, no XVIII e no século XX. A segunda é a ligação entre o<br />

progresso material e a idéia de progresso. É a experiência do progresso<br />

que leva a acreditar nele, a sua estagnação é em geral seguida de uma<br />

crise de tal idéia. 69<br />

Esse domínio de novas técnicas e tecnologias estava diretamente ligado à idéia de<br />

controle da natureza. O caminho que levava ao progresso passava necessariamente pela<br />

transformação da natureza ou pela presença perceptível e modificadora do homem. Isso<br />

pode ser observado nas palavras de José Augusto Drummond, quando mostra que<br />

quase todas as paisagens elogiadas pelos escritores clássicos e<br />

contemporâneos amantes da natureza são na verdade jardins, áreas rurais<br />

criadas e manejadas pelos humanos e como o homem ocidental ama as<br />

paisagens que ele mesmo controla e constrói, forma nada sutil de gostar de<br />

si mesmo. Quanto à natureza selvagem, intocada, incontrolável, ele tem<br />

pavor ou um apetite insaciável de controlar, domesticar, civilizar. 70<br />

Nesse ponto da análise das transformações da Ilha de Santa Catarina outro conceito<br />

entra em debate: a paisagem. Seu significado é entendido de formas muito diversas pela<br />

geografia, pela história, pela biologia e por tantas outras disciplinas que usam esse conceito.<br />

A começar pelo próprio uso quase “indiscriminado” do termo que cobre desde espaços<br />

urbanos até rurais ou selvagens. A falsa unanimidade em torno de paisagem, de acordo com<br />

Blanc-Pamard e Raison, deve-se à liberdade de uso sem contestação, sem ao menos a<br />

69 LE GOFF, Jacques. Progresso. In: Einaudi. Região. Portugal: Imprensa Nacional, Casa da<br />

Moeda, 1986.v.1, p.341.<br />

70 DRUMOND, José Augusto. A História Ambiental: temas fontes e linhas de pesquisa. In: Revista<br />

de Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.4, n.8, p, 190., p.190.


67<br />

interrogativa: “você está vendo o que eu estou vendo”. Basicamente, os autores indicam<br />

que o essencial sobre a paisagem não reside no seu aspecto exterior, mas em reduzir a<br />

problema o que se vê. 71<br />

Para Dubost, a dimensão do termo paisagem passa pela compreensão e apropriação<br />

de elementos como território, sítio, espaço, natureza/campanha. Todos esses elementos, no<br />

entanto, devem ser somados ao ponto de vista do observador, pois a paisagem comporta um<br />

filtro e deve-se considerar o risco de ver a paisagem não como um reflexo do conteúdo real<br />

de um determinado espaço, mas como a realidade por si só. 72 Por isso, é importante ver na<br />

paisagem os elementos concretos que permitem decifrar a relação da sociedade local com a<br />

natureza. Essa percepção deve considerar os elementos pertencentes realmente a uma<br />

paisagem, seja ela florestal, rural ou urbana. Talvez em função dessa dúvida em definir ou<br />

delimitar sobre o que abrange, o termo paisagem tem sido aplicado acompanhado de um<br />

qualificativo como ‘paisagem agrária’, ‘paisagem urbana’, ‘paisagem florestal’. O que não<br />

facilita sobremaneira sua compreensão.<br />

A maioria das definições relaciona paisagem com organização ou arranjo do espaço,<br />

porém, de acordo com Paul Claval a paisagem não pode ser entendida simplesmente como<br />

a interação do homem com a natureza em um determinado lugar, ela é sim uma forma<br />

intelectual na qual diferentes grupos culturais a percebem e a interpretam, construindo os<br />

seus marcos e significados nela. 73<br />

O termo paisagem já aparecia em algumas obras importantes como Cosmos de<br />

Alexander von Humboldt, Geografia Comparada de Carl Ritter ou ainda Antropogeografia<br />

71 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: CAR<strong>DO</strong>SO, Ciro Flamarion;<br />

VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro. Campus, 1997., p.147.<br />

72 DUBOST, Françoise. La Problématique du Paysage.In: État des Lieux.Études Rurales. N. 121-<br />

124, Paris, IHESS, Janvier-décembre, 1991., p, 222.<br />

73 CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Florianópolis: UFSC, 1999.,p. 420.


68<br />

de Friedrich Ratzel. O termo foi empregado com algumas variantes interpretativas para<br />

transcrever dados sobre áreas distintas do planeta e, segundo Schier, não são independentes.<br />

Paisagens são, em quase todas as abordagens dos séculos XIX e XX,<br />

entidades espaciais que dependem da história econômica, cultural e<br />

ideológica de cada grupo regional e de cada sociedade e, se<br />

compreendidas como portadoras de funções sociais, não são produtos,<br />

mas processos de conferir ao espaço significados ideológicos ou<br />

finalidades sociais com base nos padrões econômicos, políticos e<br />

culturais vigentes. 74<br />

Entre tantas definições de paisagem, a maioria delas da geografia, e considerando as<br />

variáveis indicadas por Schier, Carl Sauer apresenta uma que contempla um universo maior<br />

de análises, extrapolando o campo da geografia. Em seu artigo A morfologia da paisagem,<br />

Sauer conceitua a paisagem<br />

como um organismo complexo, resultado da associação de formas que<br />

podem ser analisadas. Constitui-se de elementos materiais e de recursos<br />

naturais disponíveis em um lugar, combinados às obras humanas<br />

resultantes do uso que aquele grupo cultural fez da terra. Não se trata<br />

apenas de adição de elementos, mas de uma interdependência, sujeita<br />

também à ação do tempo. 75<br />

Ainda de acordo com Carl Sauer “a paisagem tem uma forma, uma estrutura, um<br />

funcionamento e uma posição dentro de um sistema, e este sistema está sujeito a<br />

desenvolvimento, transformação, aperfeiçoamento”. 76 Por isso, ao tratarmos especialmente<br />

de questões florestais é temerário referirmo-nos ao processo de derrubada de uma área de<br />

floresta simplesmente como destruição uma vez que é necessário que ocorra uma abertura<br />

das áreas de mata para que haja adaptação humana, vida em sociedade nos padrões atuais.<br />

Sociedades não se formam em meio à floresta, mas sim em clareiras, pequenas, grandes ou<br />

74 SCHIER, R. A. Trajetórias do conceito de paisagem na geografia. In: R. RA’E GA, Curitiba, n.<br />

7, p. 79-85: Editora UFPR, 2003.<br />

75 SAUER, O. A morfologia da paisagem. In: MAXIMIANO, L. A. Considerações sobre o conceito<br />

de paisagem. In: R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 83-91: Editora UFPR, 2004.<br />

76 SAUER, O. A morfologia da paisagem. Op.cit., p.83.


69<br />

gigantescas. Ao estudarmos esses espaços que definimos como parte de uma mesma<br />

paisagem, é essencial considerar as dimensões social, econômica e cultural, além de seu<br />

aspecto visual, entendido como um cenário onde aparecem os resultados dos eventos<br />

naturais e sociais.<br />

A idéia de paisagem nas sociedades contemporâneas, efetivamente, é permeada pela<br />

presença humana, uma vez que, de acordo com Leo Waibel, nós sempre enxergamos a<br />

paisagem em perspectiva, 77 como conceito qualitativo para o caráter conjunto de lugares<br />

semelhantes, com ênfase à fisionomia e à fisiologia de determinada área. 78 Ou seja, é o<br />

olhar do observador que qualifica a paisagem. Soma-se a isso o fato de que a maioria das<br />

paisagens é percebida por seus ângulos utilitários, sejam eles ligados a habitat, alimentos e<br />

toda uma gama de recursos cujas possibilidades de apropriação e transformação em um<br />

determinado território passam pelos conhecimentos do homem. Esses recursos só são<br />

efetivados quando se juntam ao saber fazer - transformação de uma substancia bruta/natural<br />

em um bem material cuja utilidade é reconhecida por um grupo social.<br />

A natureza foi por muito tempo pensada em oposição ao homem ou à cultura.<br />

Segundo Francisco Carlos Teixeira da Silva isso tem origem no final do século XVIII e<br />

fortalece-se no século XIX com o idealismo e o romantismo alemães, que distanciaram<br />

Natur de Kultur. 79<br />

Essa transformação do enfoque sobre a paisagem cede espaço ao<br />

entendimento de que a natureza não mais é um dado externo e imóvel, mas como um<br />

produto de uma prolongada atividade humana. 80<br />

77 ETGES, Virgínia Elizabeta. Geografia Agrária – a contribuição de Leo Waibel. Santa Cruz do<br />

Sul: EDUNISC, 2000., p. 89.<br />

78 Ibid., 91.<br />

79 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: História. Ed Campus: Rio de<br />

Janeiro, 1997., p. 204.<br />

80 Ibid., p. 204


70<br />

O diferencial importante que devemos reter na história da paisagem é a<br />

noção de conjunto, sistêmica, marcada por padrões possíveis de<br />

comparação. Não se trata de uma história econômica de uma região ou seu<br />

retrato – como na geografia -, nem tampouco de um processo de<br />

urbanização ou de esvaziamento de uma cidade, embora esses elementos<br />

devam estar presentes. Trata-se de uma visão de conjunto, do enlace de<br />

múltiplas variáveis, em uma duração sempre longa. 81<br />

Desse ponto de vista, procuraremos abordar as questões de imigração,<br />

desmatamento e urbanização na área assinalada de acordo com o contexto de temporalidade<br />

e sociedade em que foram promovidas, para compreender as apropriações e construções de<br />

conceitos e termos usados quando se faz referência à região em questão e as transformações<br />

impingidas à sua natureza. Natureza aqui entendida como o conhecimento cultural da terra<br />

e das criaturas vivas existentes nela, num nível de observação a olho nu.<br />

Era o que as pessoas observavam sem o uso de telescópios ou<br />

microscópios, sentiam, cheiravam e fixavam na memória, pensando nelas<br />

como experiências diretas com o mundo ao redor delas. A existência de<br />

um ‘mundo natural’, separado da sociedade, as idéias de ‘experiência<br />

direta’ e observações a olho nu, e a construção mental que delas<br />

resultavam são assentadas e teorizadas como qualquer coisa produzida<br />

pelos filósofos, mesmo que as hipóteses não sejam tão claramente<br />

articuladas. 82<br />

Nesse sentido o conceito de “natureza” aproxima-se do de “ambiente”, porém, um<br />

conceito fechado é muito difícil e certamente encontrará barreiras de definição de uma<br />

disciplina à outra que o use, no entanto concordamos que<br />

81 Ibid., p. 205.<br />

o determinismo do ambiente não é linear: esta ou aquela sua<br />

característica não implica necessariamente esta ou aquela instituição ou<br />

prática social. Por um lado, o fenômeno social pelo qual uma<br />

comunidade actua sobre o ambiente ou se lhe adapta não é apenas uma<br />

simples resposta a um problema ecológico; faz também parte integrante<br />

do conjunto de um sistema social. Em especial, o fato de um grupo social<br />

82 DUNLAP, Thomas R. Nature and the English diaspora: environment and history in the United<br />

States, Canada, Australia, and New Zeland. In: NODARI, Eunice; CESCO, Susana; WERLE,<br />

Márcio; CARVALHO, Miguel M.X. As Florestas do Sul do Brasil na Imprensa Alemã e a Atração<br />

de Imigrantes. In: DREHER, M. N.; RAMBO, A.B.; TRAMONTINI, M. J. (org.) Imigração e<br />

Imprensa. São Leopoldo: EST Edições, 2003. p. 164.


71<br />

assumir um fenômeno ecológico deve ser compatível com a própria<br />

organização desse mesmo grupo. Por outro lado, o processo estabelecido<br />

entre uma comunidade humana e o seu ambiente é dialético: toda a<br />

prática social tende a modificar (ou adaptar-se a) um ecossistema do qual<br />

faz parte o grupo que a exprime. As relações homem-ambiente são<br />

recíprocas, e os fenômenos de feedback são a regra, e não a exceção. 83<br />

Essa adaptação/modificação é resultado de pressões sofridas pelas comunidades<br />

humanas em seu esforço de ocupação de novos e distintos espaços e variam de acordo com<br />

as possibilidades oferecidas pelo ambiente que estão ocupando naquele momento. Além de<br />

serem mais ou menos impactantes de acordo com seu grau de desenvolvimento tecnológico<br />

e econômico. As comunidades que migram, como foi o caso de alguns grupos que<br />

ocuparam a Ilha de Santa Catarina, levam consigo a lembrança de seu local de origem e<br />

tentam recriá-lo, ao menos os itens que a memória os leva a crer serem bons. “As diversas<br />

implicações sociais das relações com o ambiente são muito claras quando se consideram as<br />

respostas que as várias comunidades dão a um mesmo tipo de problema”. 84<br />

Isso pode ser<br />

percebido na imigração entre ilhas que, a princípio, parecia ideal e resolvia boa parte dos<br />

problemas de adaptação dessas comunidades. No entanto, independente de serem ilhas,<br />

eram espaços totalmente diferentes. Solo, plantas, animais e clima eram diversos,<br />

independentes de estarem cercados pelo mar.<br />

Com o povoamento programado do sul do Brasil, tópico da política pombalina de<br />

ocupação da fronteira, e no caso específico da Ilha de Santa Catarina, ponto estratégico e de<br />

longa disputa com a Espanha, a natureza foi “usada” da forma que os então novos<br />

habitantes entendiam como mais apropriada, qual seja, com o que eles traziam da Europa<br />

em termos de saberes e práticas, desconsiderando ou desconhecendo as particularidades de<br />

83<br />

BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.<br />

Enciclopédia Einaudi. Ambiente. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989. v. 8.,<br />

p. 21.<br />

84<br />

BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.<br />

Enciclopédia Einaudi. Op. Cit., p. 25.


72<br />

uma floresta totalmente diferente da européia. Como conseqüência, novos usos foram<br />

aplicados à “natureza” local e essas novas ações provocaram reações diversas que se<br />

converteram em profundas alterações geopolíticas e também ecológicas.<br />

Os limites impostos pela insularidade criaram uma fronteira “definitiva” no que diz<br />

respeito à exploração de recursos naturais, à transformação de áreas de mata em áreas<br />

agricultáveis ou à ocupação humana. Esse fator teve influência nos usos dados às terras da<br />

Ilha e, aliado a outras características geográficas locais, foram importantes no que diz<br />

respeito à dinâmica das alterações ambientais, especialmente as decorrentes das práticas<br />

agrícolas. Também influenciaram a maneira como os habitantes locais viveram esse<br />

processo e adaptaram ou readaptaram seus costumes e práticas.<br />

Apesar dessa estreita relação entre homem e meio ambiente devemos atribuir o peso<br />

devido a cada uma dessas transformações e, como Fredrik Barth sugeriu, devemos assumir<br />

[...] um ponto de vista que não confunda os efeitos das circunstâncias<br />

ecológicas sobre o comportamento com os efeitos da tradição cultural,<br />

tornando possível a separação desses fatores e a investigação dos<br />

componentes culturais e sociais não-ecológicos que agem no sentido da<br />

criação de diversidade. 85<br />

Ainda de acordo com Barth, é ingênuo acreditar que cada tribo e cada povo mantêm<br />

sua cultura através de uma indiferença hostil com relação a seus vizinhos. Isolamento social<br />

e geográfico não são fatores que mantêm a diversidade cultural. 86 Barth também defende<br />

que as formas culturais aparentes exibem efeitos da ecologia.<br />

Não me refiro ao fato de que elas refletem uma história de adaptação ao<br />

meio ambiente; em um sentido mais imediato, elas também refletem as<br />

circunstancias externas às quais os atores têm que se acomodar. Será que<br />

as mesmas pessoas, com os mesmos valores e idéias, não adotariam<br />

diferentes padrões de vida e institucionalizariam diferentes formas de<br />

85 BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro:<br />

Contra Capa Livraria, 2000., p. 31.<br />

86 BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Op.cit., p. 26.


73<br />

comportamento, se postas diante de oportunidades diferentes<br />

oferecidas por ambientes distintos 87<br />

A busca de um entendimento para esse processo de resignificação de espaços passa,<br />

necessariamente, pelos próprios conceitos de espaço que os colonizadores traziam consigo,<br />

em especial os açorianos e demais colonizadores de origem européia. É importante ressaltar<br />

que seus objetivos eram ocupar lotes em uma colonização planejada e torná-los produtivos<br />

no menor tempo possível. Essa, aliás, era a regra dos contratos de concessão de terras até<br />

1822, ano de sua suspensão. Terras sem produção e benfeitorias em dois anos voltariam a<br />

ser devolutas, logo percebemos certa urgência em limpar a terra e mostrar ocupação. Esses<br />

fatores podem ter direcionado a maneira de tratar a terra e sua cobertura vegetal. Se a<br />

floresta não era importante para a Coroa – entenda-se que essa falta de interesse ocorria<br />

pela floresta enquanto floresta e não enquanto madeira – a ponto de sua derrubada e a<br />

transformação do terreno em solo agricultável ser uma regra, seria anacrônico cobrar dos<br />

imigrantes uma “consciência ecológica”.<br />

Claro está que esses imigrantes trouxeram em sua bagagem cultural práticas já bem<br />

definidas de exploração florestal – limpar a terra para agricultura, construção, vestuário,<br />

alimentação. Tais práticas eram corriqueiras, sejam eles agricultores emigrados ou<br />

estreantes no ramo que, pelas más condições da terra natal, chegaram à então colônia em<br />

resposta aos interesses da Coroa. A idéia de implantar um modelo de ocupação baseado em<br />

pequenas propriedades de agricultura familiar foi bem aceita, pois um dos problemas mais<br />

palpáveis enfrentados por essas pessoas, especialmente os oriundos das ilhas oceânicas de<br />

Portugal, era a falta de terra, especialmente de terra fértil.<br />

Vindo também de uma realidade insular acreditou-se, talvez, em uma adaptação<br />

mais simples. Porém, paravam aí as semelhanças. Ilhas sim, mas o arquipélago dos Açores<br />

87 Ibid., p. 30.


74<br />

tinha uma considerável distância do continente – eram ilhas oceânicas – ao passo que a<br />

Ilha de Santa Catarina era costeira e o contato de seus habitantes com o continente fronteiro<br />

era praticamente diário. O isolamento só se dava no âmbito da terra e da possibilidade de<br />

expansão. A Ilha não era uma fronteira aberta. Aliás, o conceito de fronteira é muito<br />

importante para o desenvolvimento dessa analise. A idéia, universalmente difundida, de<br />

fronteira como linha que separa duas regiões diferentes pode ser questionada, pois as<br />

constantes idas e vindas dos moradores de uma ou várias regiões os coloca em contato<br />

cultural e social entre si, tornando a fronteira uma abstração que não tem existência real<br />

fora do mapa geográfico. Como afirma Diegues,<br />

a fronteira tem, portanto, no fim de contas, pressupostos sociais e não<br />

geográficos, é muito mais o contorno político de uma área natural. Ela<br />

depende da consciência do grupo que tende a isolar-se, e é tanto mais<br />

sólida quanto mais profundas são as diferenças entre esse grupo e o seu<br />

vizinho. 88<br />

O entendimento desse ponto lança luz sobre os três vetores de transformação que<br />

iremos abordar nesse trabalho. A floresta, a agricultura e a cidade não são separadas no<br />

tempo e no espaço em parte alguma do Brasil do século XIX, tampouco na Ilha de Santa<br />

Catarina. Sem grandes propriedades rurais, a apropriação de áreas de floresta de acordo<br />

com a necessidade de expansão – áreas que em momentos anteriores eram tidas como<br />

inóspitas ou improdutivas – era corriqueira. A Ilha era composta pela pequena cidade de<br />

Nossa Senhora do Desterro, como núcleo urbano único do local durante todo o século XIX,<br />

além das minúsculas sedes de freguesias que dividiam a noção de aglomerado urbano, rural<br />

e selvagem - representados aqui pela cidade, pela propriedade rural e pela mata. Muitas<br />

vezes esses espaços não tinham limites definidos, outras, “apropriavam-se” de<br />

características não suas como as chácaras e sítios que pagavam décima urbana por estarem<br />

88 DIEGUES. Ilhas e mares. Op.cit., p. 27.


75<br />

na área doada pela coroa à Câmara Municipal, ou casas de “veraneio” em pontos tidos<br />

como rurais. Também não podemos desconsiderar as indicações da necessidade de plantar<br />

árvores no núcleo urbano, feitas por viajantes estrangeiros como Saint-Hilaire, 89 ato de<br />

remediação da anterior devastação – recomendação concretizada nas praças, nos passeios<br />

públicos e jardins botânicos.<br />

A historiografia ambiental brasileira tem explorado bastante os relatos de viajantes e<br />

naturalistas de um modo geral, algo compreensível se considerarmos que através desses<br />

relatos, muitos em formato de crônica, 90 chegaram até nós as primeiras informações sobre a<br />

cobertura vegetal do Brasil. Esse conjunto de transformações desenha e redesenha as<br />

fronteiras políticas e econômicas de uma determinada região. O tema da fronteira, nesse<br />

sentido, é importante para processos de construção territorial através de migração e<br />

colonização. Como afirma David Arnold,<br />

a idéia de fronteira que avança é uma das principais formas na qual os<br />

historiadores se propuseram a conceituar o processo de interação e<br />

conflito entre dois conjuntos de pessoas culturalmente distintos e as<br />

idéias e as práticas ambientais que representam. 91<br />

Não se trata, por certo, de replicar as idéias de Frederick Jackson Turner 92 quando<br />

escreveu sobre o avanço da fronteira norte-americana para o Oeste. Com uma posição<br />

influenciada pelo darwinismo social, o autor trata o “avanço” dessa fronteira e a<br />

transformação radical desse ambiente como um processo homogêneo e uma “conseqüência<br />

natural” da superioridade dos colonizadores de origem européia. Uma visão mais<br />

89 SAINT-HILAIRE, Auguste de – Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo Horizonte; Ed.<br />

Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978., p. 175.<br />

90 Ver, entre outros, ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário: história Natural, viagens<br />

científicas e relatos sobre a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Tese de doutoramento<br />

inédita. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.<br />

91 ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: el medio, la cultura y la expanción<br />

de Europa. México: Fondo de Cultura Económica, 2000., p. 95.<br />

92 TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American History, New York, 1953, p. 01.


76<br />

diferenciada e refinada do tema das fronteiras, inclusive no caso dos Estados Unidos,<br />

deveria incluir a produção de uma variedade de “fronteiras ecológicas”, pois os<br />

colonizadores trazem consigo novas tecnologias, novas espécies e novos usos para a<br />

“natureza” local, provocando profundas alterações geopolíticas e mudanças ambientais. A<br />

própria lógica desse avanço se funda na desqualificação das paisagens culturais locais,<br />

culminando na idéia de “terra livre”, um espaço “vazio” para a ocupação e o uso da terra<br />

nos moldes da Europa. 93<br />

Segundo Schama, os fundadores do moderno ambientalismo, Henry David Thoreau<br />

e John Muir, acreditavam que<br />

a natureza selvagem estava em algum lugar no coração do Oeste<br />

americano, esperando que a descobrissem, e que seria o antídoto para os<br />

venenos da sociedade industrial. Os “ermos bravios”, contudo, eram,<br />

naturalmente, produto do desejo da cultura e da elaboração da cultura,<br />

tanto quanto qualquer outro jardim imaginado. 94<br />

Esse amplo universo de conceitos, cujos significados muitas vezes se cruzam ou, em<br />

determinadas disciplinas, se confundem, não devem ser vistos separadamente, pois no caso<br />

dessa tese eles são elementos que compõem as três faces – floresta, agricultura e cidade -<br />

do objeto de estudo; como um prisma. Também são os instrumentos que usamos para<br />

enfocar de maneira conjunta esses três ângulos. A separação dos mesmos em capítulos é<br />

puramente analítica e não um “fatiamento” delas, pois entendemos que essas variáveis<br />

precisam ser analisadas em conjunto para alcançarmos a real dimensão do problema.<br />

Outro ponto importante é que a proposta vai além de uma história florestal ou de<br />

uma história agrária, pontos que muitas vezes são taxados como “pertencentes ao campo da<br />

história ambiental”. A cidade, sua construção, seu sítio, seu dia-a-dia, as maneiras com que<br />

93 ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico. Op. cit., p. 98.<br />

94 SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia da Letras, 1996., p. 17.


77<br />

os recursos do ambiente são utilizados, os valores atribuídos a determinados lugares e o<br />

próprio desenho urbano são áreas de interesse da história ambiental, especialmente em uma<br />

Ilha onde os limites impostos pela insularidade são mais palpáveis que outros limites<br />

naturais como uma montanha ou um mangue.<br />

Não é uma afirmação de isolamento, uma vez que as pessoas, mesmo vivendo em<br />

uma ilha, em especial uma ilha costeira, têm constante contato com o continente, os limites<br />

entre terra e mar são fronteiras definitivas, basicamente, no que se refere, por exemplo, à<br />

ampliação de terras para além dos limites da ilha. Não estamos considerando os aterros que<br />

podem ampliar as áreas emersas, pois, apesar do primeiro plano de aterro para a Ilha ser de<br />

1846 e constar nos arquivos do Exército, esses só começam no final século XIX.<br />

Estamos falando sim da história gerada a partir desse fato muito relacionado à<br />

insularidade e pensamos que essa história é integrada (floresta, agricultura e cidade). Em<br />

outros ambientes pode ser “confundida” uma vez que os limites possíveis de aumento de<br />

áreas agrícolas ou urbanas são maiores. Em uma ilha esses elementos necessariamente<br />

interagem mais e, muitas vezes, os limites se confundem ou deixam de existir. É o caso, por<br />

exemplo, quando o morador de uma área tida como rural não é um agricultor e se desloca<br />

para a cidade para trabalhar.<br />

Desse ponto de vista não podemos simplesmente tratar da derrubada da floresta<br />

primária que cobria a Ilha de Santa Catarina como degradação. Como já foi considerado<br />

anteriormente, uma sociedade não se constitui em meio a mata e quando o espaço é mais<br />

restrito percebe-se isso com mais clareza. Uma mesma área foi adaptada para dar lugar a<br />

uma comunidade, para isso suas matas foram derrubadas de acordo com as necessidades<br />

dessas pessoas, sejam eles moradores ou seus administradores em nome da Coroa lusa.<br />

Nessas áreas, agora despidas de suas matas, formaram-se campos agrícolas e áreas<br />

urbanizadas. Para as circunstâncias do período em que a produção de alimentos era


78<br />

necessária para a manutenção dos novos moradores essa foi a melhor solução, ou seja,<br />

não foi uma destruição. Provavelmente apenas podemos questionar se poderia ter sido<br />

menos agressiva.<br />

Como resultando dessa mistura de natureza, tempo histórico, pessoas, política e<br />

economia, o que temos efetivamente são, muito mais que destruição ou construção,<br />

transformações de espaço, paisagem, fronteiras e da própria noção de insularidade.


II<br />

A QUESTÃO FLORESTAL<br />

Com a colonização açorita e madeirense a<br />

Ilha de Santa Catarina e o continente<br />

fronteiriço começaram a florescer<br />

vantajosamente e as encostas dos montes e<br />

os vales humosos a cobrirem-se de pomares<br />

e hortas. Por toda a parte ouviam-se as<br />

pancadas fortes dos machados ferindo o rijo<br />

cerne das árvores collossaes, o ruído<br />

metálico das enxadas limpando a terra<br />

virgem. 1<br />

2.1 Leis para o Brasil: entre o legal e o usual.<br />

O Brasil enquanto colônia de Portugal foi regido por leis, decretos, alvarás e<br />

ordenações elaborados no reino e aqui aplicados. Até a transferência do governo português<br />

para o Brasil em 1808, as decisões sobre a colônia, ao menos ao nível formal, tinham<br />

Lisboa como centro. Órgãos como o Desembargo do Paço e a Casa de Suplicação ou o<br />

Conselho de Fazenda e a Mesa de Consciência e Ordens Portuguesas elaboravam as regras<br />

na então colônia, além de fazerem cumprir os tratados e decretos reais. Durante esse<br />

período, a legislação voltada para a questão florestal no Brasil ganhou contornos mais<br />

definidos. O cunho dessas leis não era, certamente, preservacionista, o interesse era<br />

econômico e o objetivo do controle na extração de algumas espécies era a manutenção das<br />

mesmas para exploração futura.<br />

1 BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História Catharinense. Typ. a vapor da Livraria<br />

Moderna. Florianópolis, 1912., p. 226-227.


80<br />

Observando a história da legislação colonial, notamos períodos de variação nas<br />

atividades legislativas, o mesmo acontece com os esforços para colocar essas leis em<br />

prática. Podemos identificar desde o início da colonização portuguesa três períodos<br />

importantes nesse emaranhado campo da elaboração e aplicação de leis:<br />

entre o começo da ocupação efetiva do território, em 1532, quando as<br />

cartas de sesmarias já interditavam o acesso dos concessionários ao paubrasil,<br />

até a incorporação da coroa portuguesa pela dinastia espanhola,<br />

em 1580; da restauração até o final do século XVII, período marcado por<br />

um esforço normativo numa etapa de consolidação do poder dos<br />

Bragança; e, finalmente, as últimas três décadas do período colonial,<br />

quando, num contexto de decadência imperial e crise financeira pós-ciclo<br />

da mineração, tenta-se arrochar o pacto colonial, o que se expressa no<br />

plano florestal pela tentativa de monopolização régia de todas as matas à<br />

borda do mar e de todos os rios navegáveis (1797). 2<br />

O regimento do pau-brasil, de 1605, é considerado a primeira lei específica desse<br />

gênero. No Brasil, é uma espécie de primeiro vislumbre de política ambiental aplicada à<br />

colônia. Foi a primeira vez, em cem anos de ocupação, que a natureza era percebida como<br />

esgotável e passível de extinção. Possivelmente algumas espécies haviam sido degradadas<br />

ou até extintas nesse mesmo período, mas é apenas quando o atingido é o produto que mais<br />

gerava renda ao reino, até aquele momento, que medidas de controle passaram a fazer parte<br />

do horizonte desses legisladores portugueses.<br />

O tratamento dado ao Brasil no que tange a leis, decretos e regulamentações<br />

assume outras características após a morte de D. José, em 1777, quando D. Maria assume o<br />

trono e o Marquês de Pombal abdica do cargo. A rainha permanece no posto até 1792<br />

quando é declarada mentalmente instável e dá lugar na administração dos negócios do<br />

Estado a seu segundo filho, D. João. É em parte de sua administração como príncipe<br />

regente que Rodrigo de Souza Coutinho atuou como Secretário de Estado da Marinha e<br />

2 CABRAL, D. C.; CESCO, Susana. Árvores do rei, florestas do povo: A instituição das 'madeirasde-lei'<br />

no Rio de Janeiro e na Ilha de Santa Catarina no século XVIII. Luso-Brazilian Review.<br />

v.44, n. 2. 2007., p. 51.


81<br />

Domínios Ultramarinos de Portugal e com ele, ou sob sua influência, alguns decretos<br />

sobre território e recursos naturais do Brasil foram promulgados.<br />

Entre eles, a carta régia de 1797 foi uma medida mais efetiva no que tange<br />

classificação, avaliação e mapeamento da flora brasileira. Até então, relatos e desenhos<br />

“eram esforços amadores que não contradizem a suposição de que as autoridades<br />

portuguesas, pelo menos em dois séculos e meio, não se preocuparam muito com a<br />

impressionante biota da esplêndida colônia que havia caído em suas mãos”. 3<br />

Durante a atuação de Souza Coutinho como ministro, desencadeou-se uma série<br />

de medidas de estímulo à pesquisas de naturalistas luso-brasileiros sobre a fauna e flora da<br />

colônia. Ordens como a compilação de uma flora do Império inteiro e a criação de uma<br />

editora especializada em traduzir e editar textos sobre agricultura tropical fizeram de Souza<br />

Coutinho um dos nomes importantes na tradição brasileira de pensamento e crítica<br />

ambiental. 4<br />

O documento tratado aqui como carta régia de 1797, que foi promulgado em 13<br />

de março desse ano, é uma carta em que a rainha D. Maria I declarava ser propriedade de<br />

sua “Real Coroa todas as matas e arvoredos que estão à borda da costa, ou de rios<br />

navegáveis”. 5 Por meio desse instrumento legal, a Coroa requisitava a propriedade total,<br />

não só das espécies de “madeiras de lei”, mas de todas as árvores existentes na faixa de 10<br />

léguas (aproximadamente 66 quilômetros) da costa e das margens de “rios que<br />

desemboquem imediatamente no mar, e por onde em jangadas se possam conduzir as<br />

3 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São<br />

Paulo: Companhia das Letras,1996., p. 101.<br />

4 Para saber mais sobre esse tema, ver PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição -<br />

pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro, Jorge<br />

Zahar Editor, 2002.<br />

5 Carta Régia de 13 de março de 1797 apud SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação florestal. Rio<br />

de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934, p.20-21.


82<br />

madeiras cortadas até as praias”. 6 Essa medida vinha em resposta à escassez de madeira<br />

adequada para construção naval ou, mais especificamente, pela atividade de extração das<br />

madeiras abundantes e de alta qualidade da costa brasileira ter sido mal administrada. Isso<br />

só poderia ser explicado, de acordo com Warren Dean, pelo atraso nos métodos de extração<br />

e pela indústria naval portuguesa estar concentrada em Portugal, pouco ou nada sendo<br />

construído na costa brasileira, uma vez que, “por mais de dois séculos, a maior parte da<br />

madeira própria para navios oceânicos era enviada aos estaleiros reais de Lisboa. Embora a<br />

construção de barcos fosse comum por toda a costa brasileira, existe pouco registro de<br />

navios oceânicos antes do século XVIII”. 7 Aliás, um dos aspectos mais significativos do<br />

recurso à floresta no universo europeu foi a construção naval, e com a expansão européia a<br />

partir do século XV, só intensificou o processo. Segundo Vieira, “até 1862, altura em que<br />

se atingiu a idade do ferro, a madeira foi a matéria prima da construção naval”. 8<br />

Esses últimos anos do século XVIII foram prolíficos em matéria de leis para a<br />

conservação das matas do Brasil. O enfoque continuava sendo preponderantemente<br />

utilitarista, mas novas idéias de preservação já começavam a surgir. É nesse período que se<br />

cria o cargo de Juiz Conservador, que era o aplicador das penas previstas em lei. Ainda no<br />

ano de 1797 surgiram advertências governamentais sobre a necessidade de tomar todas as<br />

preocupações para a conservação das matas do Brasil para evitar que fossem destruídas. 9<br />

O problema da terra e da natureza no Brasil nunca deixou de ser discutido. Foi no<br />

século XIX, porém, que recebeu maior atenção. A chegada da família Real em 1808 teve<br />

conseqüências diretas sobre a questão das terras e das matas do Brasil. Foram tomadas<br />

6 Carta Régia de 13 de março de 1797 apud SOUZA, Paulo Ferreira de. Op.cit., p. 21.<br />

7 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira., Op.cit.,<br />

p. 150.<br />

8 VIEIRA, Alberto. História e Eco-História. Repensar e Reescrever a História Econômica da<br />

Madeira. In: História e Meio Ambiente. O impacto da Expansão Européia. Funchal: Centro de<br />

Estudos da História do Atlântico/Secretaria Regional do turismo e Cultura, 1999., p.90.<br />

9 Regimento do Pau-brasil, 12 de dezembro de 1605.


83<br />

medidas administrativas como a datada de 9 de abril de 1809 que prometia liberdade aos<br />

escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil ou urbanísticas, como o decreto<br />

de 3 de agosto de 1817 que proibia o corte de árvores nas áreas que circundavam o rio da<br />

Carioca e no trajeto do aqueduto de Santa Teresa no Rio de Janeiro para preservar a água<br />

da cidade. Essas foram algumas das intervenções diretas na preservação florestal do<br />

Império, mesmo que tais atitudes viessem ao encontro apenas de uma necessidade de criar<br />

reservas para exploração futura e não de um objetivo preservacionista. Essa preocupação<br />

não material - ligada diretamente à importância financeira da fibra lenhosa - não foi uma<br />

determinação única para a preservação das matas, mas serviu como estímulo.<br />

A preocupação existia devido à madeira ter sido, por muito tempo, matéria-prima<br />

e combustível para grande parte das atividades humanas. Leis e decretos de proteção desse<br />

importante produto justificavam-se por ele ser indispensável e até insubstituível no<br />

processo de produção de muitos bens de primeira necessidade. Madeira era necessária para<br />

gerar o fogo que aquecia e cozinhava alimentos, para a construção de moradias, para o<br />

fabrico de telhas, tijolos, cimento, ferro, chumbo e vidro. Somando-se a isso sua<br />

importância como árvore, na cobertura e fertilização natural do solo a ser usado para<br />

agricultura e, também, como matéria prima para a construção de carros, carroças, pontes,<br />

curtir couros e tantos outros préstimos.<br />

As leis de proteção das florestas - que eram na verdade protetoras da madeira, um<br />

produto de alto valor e que não tinha substituto à altura nesse momento - não foram<br />

privilégios dos monarcas portugueses. No início do seu reinado Elizabeth I (1533 - 1603)<br />

tentou, através de um decreto, proibir a venda de navios fabricados na Inglaterra a<br />

estrangeiros. No mesmo ano o Parlamento também promulgou uma lei para proteger a


84<br />

madeira usada na construção naval, evitando seu uso como combustível. 10 Semelhante à<br />

legislação portuguesa aplicada ao Brasil, essa lei proibia a venda e o corte da madeira para<br />

combustível de áreas até 22 km da margem do mar ou dos rios Tamisa, Severn, Wye,<br />

Humber, Tyne, Tees, Trent, ou qualquer outro rio, arroio ou curso d’água, usados<br />

comumente por barcos. 11<br />

O valor da fibra lenhosa é inquestionável e foi, como já citado, insubstituível até o<br />

início do século XX para muitos fins. Outro fato importante era o esgotamento das reservas<br />

européias desse material, cuja escassez já era percebida em alguns locais ainda no século<br />

XV e início do XVI. Por isso, quando, em 1420, a Ilha da Madeira começou a ser<br />

colonizada pelos portugueses ocorreu um desmatamento descontrolado que gerou sérios<br />

problemas ambientais em algumas décadas. Posterior ao inicial desmatamento e semelhante<br />

ao que ocorreu com a Ilha de Santa Catarina, deu-se a implementação da agricultura, sendo<br />

que lá o produto de interesse português plantado foi a cana-de-açúcar. Antes da cana, em<br />

especial nos Açores, cultivou-se plantas corantes e depois culturas tradicionais como o<br />

milho, o trigo e vinhedos. De todos esses, no entanto, a cana-de-açúcar foi a que mais<br />

consumiu madeira, seja pela derrubada das matas para seu plantio ou pela lenha necessária<br />

ao cozimento.<br />

Em 1494, a indústria açucareira de Madeira precisava de cerca de sessenta<br />

mil toneladas de madeira apenas para ferver cana. Quatro dos dezesseis<br />

engenhos que funcionavam na Ilha consumiam oitenta mil cargas de<br />

madeira por ano, transportadas por animais. Os proprietários dos engenhos<br />

transportavam a maior parte do seu combustível pelos rios durante a<br />

estação das chuvas. Na época seca, os lenhadores subiam os morros e<br />

montanhas para cortar as árvores. Quando as chuvas começavam, eles<br />

retornavam aos locais onde as haviam cortado e rolavam as toras, que<br />

desciam pelo principal rio da Madeira. O rio ficava atravancado de troncos.<br />

12<br />

10 PERLIN, John. História das Florestas - a importância da madeira na história da civilização.<br />

Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1992., p. 193.<br />

11 Ibid., p. 193.<br />

12 Ibid., p. 266.


85<br />

As características climáticas da Ilha da Madeira eram semelhantes às do Brasil,<br />

especialmente as condições de cultivo da própria cana-de-açúcar. A conseqüência dessa<br />

produção agrícola descontrolada foi o desflorestamento. De acordo com Richard Ligon, em<br />

passagem pela Ilha da Madeira, a mesma estava tão “queimada pelo sol que não se pode ver<br />

nada verde”. 13 Essa devastação ocorreu em apenas 240 anos de ocupação portuguesa. A<br />

devastação florestal naquela ilha não teve como conseqüência apenas o “fim” de uma<br />

reserva de matéria prima; as conseqüências foram muito mais graves, como o assoreamento<br />

do rio mais importante da Ilha que era usado para transportar madeira no século XV e era<br />

considerado insignificante por viajantes que por lá passavam em meados do XIX. Antes de<br />

chegar a esse extremo, ainda em meados do século XVIII, a falência dos recursos naturais<br />

e, conseqüentemente, a falência agrícola e a alimentar provocaram preocupação à Coroa<br />

portuguesa que estimulou a emigração para sua outra colônia, o Brasil, 14 rica em terras e<br />

matas virgens e carente de braços para transformar e “civilizar”.<br />

No entanto, a dimensão dessa floresta e as implicações de sua derrubada<br />

desenfreada e sem planejamento não foram postas em questão por muito tempo e o mesmo<br />

pode-se dizer sobre os estudos a respeito da mesma. No caso do Brasil, a floresta mantevese<br />

à parte da historiografia por muito tempo. Era o cenário e mesmo quando a história era<br />

sobre a destruição do cenário ela nunca passou de uma coadjuvante. Segundo Warren Dean,<br />

“a história florestal corretamente entendida é, em todo o planeta, uma história de<br />

exploração e destruição. O homem reduz o mundo natural à paisagem”. 15 Porém esse autor,<br />

estudioso contumaz da Mata Atlântica, não dimensiona algo que, de nosso ponto de vista, é<br />

13 LIGON, Richard apud PERLIN, John. História das Florestas - a importância da madeira na<br />

história da civilização. Op.cit., p. 272.<br />

14 PIAZZA. A Epopéia Açórico-Madeirense. Co-Edição: Editora da UFSC, Editora Lunardelli,<br />

Florianópolis, 1992.<br />

15 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />

Op.cit., p. 23.


86<br />

fundamental: o homem não vive no meio da floresta, na melhor das hipóteses vive em<br />

clareiras na mata.<br />

A formação e fixação de grupos humanos, mesmo que pequenos, acarreta para a<br />

sua instalação em determinado local a adaptação do mesmo. Isso se dá com a “limpeza” do<br />

terreno, livrando-o de árvores e outras plantas, possibilitando a construção de moradias e a<br />

produção de alimentos, sejam eles provenientes da agricultura em pequena escala ou da<br />

criação de animais domésticos. Essas atividades aumentam em escala de acordo com o<br />

tamanho ou crescimento desse grupo de pessoas e, conseqüentemente, a área a ser<br />

transformada expande-se. A conservação total de uma floresta como a Mata Atlântica fica<br />

inviabilizada com a presença humana. O próprio Dean admite que: mesmo habitada por<br />

populações humanas tribais, ou mesmo desconhecedoras do ferro, a Mata Atlântica sofreu<br />

destruição por fogo, extinções de animais e transferências de plantas que jamais saberemos<br />

em sua totalidade, isso antes da chegada dos Europeus. Posteriormente, os portugueses,<br />

imprevidentemente, “destruíram uma considerável realização cultural: [...] a capacidade dos<br />

habitantes nativos de sobreviver em seu meio”. 16 E com essa destruição destruíram também<br />

um incalculável “estoque” de conhecimento sobre a Mata Atlântica, acumulado por esses<br />

mesmos nativos durante centenas de anos<br />

No entanto, aborda-se a devastação da Mata Atlântica como transformação e não<br />

como pura destruição, uma vez que o processo de derrubada da floresta foi um aspecto<br />

necessário da história da ocupação. Não se contesta o fato de que houve excessos, erros,<br />

enfim, um claro uso desordenado e destrutivo dos recursos naturais do bioma da Mata<br />

Atlântica, mas o enfoque de transformação possibilita uma abordagem menos<br />

“preconceituosa” dessa relação homem versus mundo natural.<br />

16 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />

Op.cit., p. 83.


87<br />

A Mata Atlântica, em si mesma, só foi percebida como riqueza pela coroa<br />

portuguesa no final do século XVIII, no contexto do declínio das rendas com a extração do<br />

ouro nas Minas Gerais. E também pela preocupação iluminista com conhecimento e uso<br />

racional do mundo natural, que em Portugal teve como marco a obra de Vandelli e seus<br />

discípulos, como Souza Coutinho. Essa nova dimensão que a natureza alcança para o olhar<br />

português se reflete na vontade de alguns membros da elite de conhecer a colônia para<br />

melhor explorá-la e ocupá-la. Na esteira desse conhecimento estavam a busca de novas<br />

fontes de renda, a avaliação acerca das doenças tropicais e os melhores locais para a<br />

fundação de cidades.<br />

Os nomes que nesse período contribuíram para o conhecimento e uso racional da<br />

natureza brasileira também são os “responsáveis pela construção de um modelo<br />

interpretativo da paisagem nacional”, 17 sem, no entanto ter um caráter preservacionista,<br />

uma vez que intelectuais e autoridades no período viam no Brasil uma potência que poderia<br />

exportar uma variada gama de produtos, tendo para isso que expandir a transformação de<br />

suas terras cobertas de florestas em áreas agrícolas, pecuaristas ou urbanizadas. Mesmo<br />

considerando que a devastação tenha sido intensa desde a chegada européia, ainda no<br />

século XIX grande parte do território era florestal ou de campos, enfim, áreas desocupadas<br />

ou devolutas.<br />

Essa civilização emergente em formação era diferente em cada ponto do grande<br />

território e essas diferenças eram, em grande medida, influenciadas pelo mundo natural,<br />

desde seus hábitos alimentares até as atribuições e usos dados à natureza. Isso pode ser<br />

percebido ao analisarmos a própria constituição das florestas tropicais do “novo mundo”<br />

que, diferente das do “velho mundo”, carecem de dominância. Lá, as florestas são<br />

17 VALLE, Cid Prado. Natureza tropical e imagem nacional no Império Brasileiro. Rio de<br />

Janeiro, 2001. Doutorado em História IFCS-PPGHIS. Universidade Federal do Rio de Janeiro., p.<br />

53.


88<br />

uniformes, “vastas formações com umas vinte árvores diferentes, ou uma dúzia, ou<br />

apenas espécie única”. 18 O mesmo não se pode dizer das florestas tropicais, cuja variedade<br />

de espécies vegetais e animais cria um ecossistema tão complexo que se torna difícil<br />

compreendê-lo e catalogá-lo. Segundo Dean, esse inventário está além de nossos recursos<br />

atuais ou do futuro próximo. Aqui as árvores do dossel não são encontradas em arvoredos<br />

puros, em muitos casos como estratégia de preservação, evitando a proliferação de<br />

parasitas. Em vez disso são dispersas, cada hectare não contendo mais que umas poucas<br />

dúzias ou até espécies isoladas. Por isso, quando a floresta tropical é destruída, as perdas<br />

em termos de diversidade, complexidade e originalidade são incalculáveis. 19<br />

Essa característica é ponto importante quando o tema são as madeiras reservadas<br />

pela Coroa para construção naval. Em cada área da costa do Brasil as madeiras que tinham<br />

préstimos do interesse de Portugal só eram reconhecidas pela experiência. Talvez em<br />

função disso Shawn Miller chama a atenção para a vacuidade da legislação madeireira, que<br />

não explicitava quais espécies eram reservadas à Coroa de fato, no entanto, esse autor<br />

parece acreditar no cumprimento da legislação por parte da população e autoridades, fato<br />

até certo ponto risível em se tratando do Brasil. Aliás, essa legislação brasileira sobre o<br />

tema sempre foi muito esparsa e composta de documentos desconexos e muitas vezes<br />

contraditórios. Podemos inclusive comprovar tal fato pelos decretos diferenciados dirigidos<br />

às diferentes capitanias e posteriores províncias, ponto que reforça o argumento de não<br />

existir uma lista de madeiras ditas de lei aplicável para todo o Brasil. O que existia eram<br />

qualidades arbóreas de caráter local-regional, isto é, cada capitania ou mesmo cada distrito<br />

tinha a sua lista particular de espécies cuja exploração era interditada à iniciativa privada. A<br />

origem do termo “madeiras-de-lei”, que remonta aos reclamos de exclusividade da Coroa<br />

18 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />

Op.cit., p. 22.<br />

19 Ibid., p. 23-30.


89<br />

portuguesa sobre algumas essências nobres, em meados do século XVII, foi mudando de<br />

significado ao longo do tempo, deslocando-se de sua acepção puramente jurídica para<br />

outra, mais ampla, ligada à qualidade da madeira. 20 Na verdade,<br />

fiéis à velha tradição colonial lusa da confusão e verborragia jurídica, os<br />

reclamos estatais por madeira eram realizados à base de cartas régias e<br />

alvarás que, volta e meia, aportavam à mesa dos vice-reis interditando o<br />

acesso dos particulares a essa ou aquela árvore. O conjunto desses<br />

documentos esparsos, desconectados e, muitas vezes, contraditórios, era<br />

o que, na verdade, constituía a legislação florestal portuguesa. 21<br />

Além disso, o alcance jurídico das leis e decretos que visavam preservar algumas<br />

espécies arbóreas tidas como preferenciais para a construção naval da real armada<br />

portuguesa era bem menor do que Miller acreditava e a política de implementação desses<br />

dispositivos legais muito mais flexível do que supôs o historiador norte-americano.<br />

Entendemos, portanto, que o que deve ser analisado nesse ponto é muito mais a relação<br />

entre os textos legais e as práticas de gerenciamento florestal, as quais se consubstanciavam<br />

nas operações madeireiras, direta ou indiretamente, administradas pela Coroa, que o texto<br />

legal em si. Em um território tão extenso e tão distante dos olhos governamentais como o<br />

Brasil as relações e negociações cotidianas devem necessariamente ser levadas em conta<br />

em detrimento das fontes legislativas privilegiadas por Miller. 22 É preciso considerar que<br />

ordens reais esparsas sobre a conservação das madeiras de valor naval eram editadas desde<br />

meados do século XVII, quando foram proibidas sesmarias em áreas de reserva dessa<br />

matéria-prima. Desde então o corte de madeira tornou-se uma indústria real e formalmente<br />

supervisionada por guardas-mores e administradores que, no entanto, pouco ou nada<br />

fizeram para controlar a devastação. Apenas entre 1795 e 1799, o então Ministro Rodrigo<br />

20 CABRAL, D. C.; CESCO, Susana. Árvores do rei, florestas do povo... Op.cit., p. 51-52.<br />

21 Ibid., p. 69.<br />

22 MILLER, Shawn W. Fruitless Trees: Portuguese conservation and Brazil’s colonial timber.<br />

Stanford: Stanford UP, 2000, p. 9.


90<br />

de Souza Coutinho emitiu ordens mais específicas no sentido de preservar essas<br />

madeiras tão importantes para a Real Armada Portuguesa.<br />

A autorização para cortar madeiras boas para a construção naval,<br />

denominadas como pau real ou madeira de lei, estava reservada aos<br />

governadores, que eram auxiliados por “juízes conservadores”,<br />

exclusivamente encarregados da fiscalização, regulamentação e<br />

autorização. As sesmarias em área de reserva naval deveriam ser<br />

canceladas e indenizadas por concessões de terras em outros lugares.<br />

Essas espécies de madeira de maior valor na construção naval deveriam<br />

ser vendidas exclusivamente para os estaleiros reais a preços fixados pelo<br />

governador. 23<br />

A importante relação entre o legal - o texto oficial das leis e decretos - e o usual -<br />

o que se praticava realmente como sendo costume - também deve ser observado na análise<br />

de outros documentos, ainda mais quando o objeto é a natureza e o lugar que essa natureza<br />

ocupa na vida humana. No caso específico deste estudo da Ilha de Santa Catarina, procurase<br />

dar conta da construção de um ambiente novo, que nada mais é que a transformação do<br />

que ali havia, e que comumente entende-se como algo “dado” pela natureza, em um espaço<br />

habitado e civilizado e com a mesma natureza já domesticada. Isso, segundo Worster,<br />

expressa cultura e é nesse ponto que a analise das transformações ambientais da Ilha<br />

expressam também mudanças culturais. 24<br />

Por isso é possível fazer uma analise histórica a partir da variável ambiental. Em<br />

um espaço geográfico definido, em um determinado recorte temporal, as ações e reações de<br />

comunidades humanas ali instaladas, para com o ambiente ocupado, são resultados de<br />

experiências e características sócio-culturais. Esse é o caso da ilha da Santa Catarina no<br />

século XIX.<br />

23 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />

Op.cit., p. 151.<br />

24 WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Revista de Estudos Históricos, Rio de<br />

Janeiro, vol. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.


2.2 Uma história da floresta na Ilha de Santa Catarina: os fundamentos.<br />

91<br />

A Ilha de Santa Catarina, povoada escassamente até meados do século XVIII,<br />

longe, praticamente isolada da capital da colônia e com uma extensão territorial de 423<br />

km², tinha a Floresta Ombrófila Densa como formação vegetacional original. Os<br />

ecossistemas presentes na Ilha de Santa Catarina são<br />

a vegetação de restinga que ocorre quase exclusivamente nas planícies<br />

costeiras, em solos formados por sedimentos marinhos (areia); (...) a<br />

floresta das planícies quaternárias ocorrem em um solo de transição entre<br />

as áreas de restinga e a Floresta Ombrófila Densa, possuindo muito mais<br />

semelhança com essa última, apesar de apresentar menor número de<br />

espécies. Essa floresta foi a mais destruída pela agricultura. 25<br />

Esse local, pouco explorado, com portos naturais protegidos e uma vila de<br />

pequenas proporções “apta” para a ocupação, colonização e aproveitamento, ficou mais<br />

conhecido quando, nos anos finais do século XVIII e início do XIX, sob a administração do<br />

Governador João Alberto de Miranda Ribeiro, 26 sofreu um escrutínio no que tange às suas<br />

potencialidades econômicas e naturais, ou melhor, às possibilidades de transformar as<br />

potencialidades naturais em econômicas. Nesse período, através da rica correspondência do<br />

governador com o então Vice Rei, Dom José Luiz de Castro, o Conde de Rezende, que<br />

esteve à frente do governo do Brasil de 1790 a 1801, pode-se mapear e analisar o processo<br />

de desmatamento na Ilha, as práticas agrícolas implantadas e o desenho populacional local.<br />

Essas informações fazem parte do conjunto documental que engloba a carta régia de 1797 e<br />

o relatório elaborado por João Alberto de Miranda Ribeiro no mesmo ano, em resposta ao<br />

25 WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Op.cit., p. 85-86.<br />

26 João Alberto de Miranda Ribeiro nasceu em Olivença, Portugal e foi governador da Capitania de<br />

Santa Catarina de 08 de julho de 1793 a 18 de janeiro de 1800, quando faleceu em domínio do<br />

cargo. Depois de alguns curtos governos militares o cargo foi ocupado pelo Coronel Joaquim<br />

Xavier Curado, vindo de Goiás.


92<br />

Vice Rei, que solicitava notícias sobre as potencialidades do território sob sua<br />

administração e um plano para uma melhor utilização desses recursos, em especial a<br />

madeira e os produtos agrícolas.<br />

As informações fornecidas através de correspondência oficial dessas autoridades,<br />

entre vários pontos, enfatizam a variedade e a qualidade das madeiras existentes nessa<br />

porção do território brasileiro. Aliado a isso, estava a facilidade de exploração da mesma,<br />

tendo em vista a acessibilidade de portos para seu escoamento e transporte e o fato de os<br />

habitantes locais, fixados em terras sob a forma de sesmarias, já terem por contrato a<br />

incumbência de reservar as melhores madeiras para a Coroa Portuguesa. Essa prática era<br />

comum e foi encontrada em muitas cartas de doações de terras, sob o título de sesmarias, na<br />

Ilha de Santa Catarina no século XIX, mais precisamente até 1823. Exemplo disso é a<br />

concessão feita pelo Governador Joaquim Xavier Curado a Manuel Dutra Garcia de<br />

uma data de terras de duzentas e vinte braças de frente e quatrocentas e<br />

sessenta e uma de fundos, pelo lado Oeste, e pelo Leste com quatrocentas<br />

e trinta e uma, fechando a linha de fundo da parte Norte com duzentas e<br />

cinqüenta braças de extensão [...] no lugar vulgarmente chamado<br />

Costeira do Ribeirão. [...] e não compreenderá desta Data Vieiro * ou<br />

Minas de qualquer gênero de Metal que nelas se descobrir, reservando<br />

também os Paus Reais e faltando quaisquer das ditas clausulam por<br />

serem conformes as reais ordens e as que dispõem a lei e foral da<br />

Sesmaria, ficará privado desta. 27<br />

Efetivamente, as transformações ambientais destrutivas foram aceleradas com a<br />

chegada “repentina” de muitas pessoas provindas do Arquipélago dos Açores e da Ilha da<br />

Madeira, porém um interesse mais concreto na preservação ou separação das matas que<br />

poderiam ou não ser usadas livremente se deu pela carência de madeiras nobres para a<br />

* Veio de ouro.<br />

27 CURA<strong>DO</strong>, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria de Manoel Dutra Garcia, Funriel da<br />

Cavalaria de milícias e actual Tesoureiro dos Rendimentos da nova igreja de Nossa Senhora da<br />

Lapa do Distrito do Ribeirão. Nossa Senhora do Desterro, 28 de abril de 1804. Acervo APESC.


93<br />

construção naval, atividade que se ficasse ameaçada por falta de matéria-prima colocaria<br />

em risco a própria soberania portuguesa. É nesse momento, já no apagar das luzes do<br />

século XVIII que a legislação portuguesa que ordenava o corte de madeiras em terras<br />

brasileiras promoveu uma eleição de qualidade dentro das florestas que ainda cobriam o<br />

Brasil e, entre elas, a Ilha de Santa Catarina. Nessa eleição, os grandes prêmios – as<br />

madeiras reservadas ou, posteriormente designadas como “madeiras de lei” – não mais<br />

poderiam ser usadas pela população local para suas caieiras, engenhos, habitação ou<br />

qualquer outra utilidade a que estavam vinculados, deveriam sim ser destinados a fins mais<br />

nobres como a construção de navios de guerra para a Real Armada Portuguesa.<br />

Embora as disposições legais de ordenação do território fossem freqüentemente<br />

burladas e os relatórios que deveriam ser produzidos pelos governadores para atender as<br />

exigências da carta régia de 1797 nem sempre fossem feitos ou feitos com correção, as<br />

instruções quanto ao escrutínio das potencialidades econômicas da natureza e da sociedade<br />

locais foram diligentemente cumpridas, particularmente pelo governador de Santa Catarina,<br />

resultando na produção de documentos sobre a quantidade, qualidade, localização e<br />

disponibilidade das principais madeiras locais, juntamente com tabelas de exportação desse<br />

e de outros produtos agrícolas implantados nos locais que ocuparam as áreas de floresta<br />

desmatada. Aliás, a Carta Régia só serviu como indicativo de complementações a serem<br />

feitas pelo dito governador, uma vez que o Conde de Rezende, em carta ao Ministro<br />

Rodrigo de Souza Coutinho em três de dezembro de 1797, afirma já estar de posse de<br />

algumas relações que lhe foram dirigidas pelo governador da Ilha de Santa Catarina e<br />

outros oficiais incumbidos de, a seu pedido, fazer uma visita aos territórios da dita capitania<br />

e produzir um relatório, muito antes da Carta Régia ser editada. 28<br />

28 CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da<br />

invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004., p. 257.


94<br />

O projeto oficial de extração de madeiras na Ilha de Santa Catarina apenas<br />

acentua-se quando o Conde de Rezende, seguindo as disposições da já citada carta régia,<br />

solicita ao Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua Jurisdição, um relatório sobre a<br />

qualidade e quantidade de madeiras de construção e viabilidade de tal empreendimento. O<br />

primeiro ofício registrado sobre o tema partiu do Vice Rei na data de 16 de maio de 1797 e<br />

solicitava ao governador informações na forma de relações e mapas de oito itens, a saber:<br />

1º Descrição geográfica e topográfica, limites e confins com outras Capitanias, estradas de<br />

comunicação já existentes e dos mapas em seu poder; 2º Estado da população,<br />

quantificando brancos, negros e pardos em cada cidade ou lugar, além de falecimentos,<br />

nascimentos e casamentos; 3º Relação exata, na medida do possível, dos produtos<br />

exportados e importados pela Capitania; 4º Relação circunstanciada do que os povos pagam<br />

ao Soberano, Igreja, culto público, etc.; 5º Mapas e relações das despesas da Capitania,<br />

estado das tropas regular e auxiliar, qualidade e quantidade de oficiais e soldados e estado<br />

das fortalezas e munições; 7º Anualmente mandar para a Secretaria de Estado a renovação<br />

das propostas de promoções militares e 8º Remeter anualmente as observações sobre novas<br />

culturas e possibilidades de expansão do comércio. 29<br />

Esses pedidos de informações que, possivelmente, foram encaminhados a todos os<br />

governadores foram seguidos de outros ainda no ano de 1797, como o ofício datado de 18<br />

de setembro em que era solicitado ao governador, de forma sigilosa, “hum Mapa da<br />

extração de todos os gêneros que no ano de 1792 sahirão dessa Ilha”, 30 com declaração da<br />

quantidade, nomes dos portos para onde foram enviados, preço médio e valor total. O Vice<br />

Rei prevenia que seriam necessárias as mesmas informações para os anos posteriores, de<br />

29 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 16/05/1797.<br />

Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

30 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 18/09/1797.<br />

Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.


95<br />

1793 a 1796 e do ano em curso 1797, por fim, solicitava o envio mensal de uma relação<br />

da farinha e demais gêneros de primeira necessidade existentes nos domínios do<br />

governador.<br />

Existia aqui uma dificuldade no cumprimento das ordens, especialmente a última<br />

delas, uma vez que a correspondência entre o Rio de Janeiro e as demais Capitanias era<br />

feita por navios que estivessem de passagem entre ambos os portos e cujos capitães fossem<br />

considerados de confiança. Isso geralmente demorava alguns meses para acontecer como<br />

acusam as respostas do governador com alusão as datas de recebimento.<br />

No que tange às madeiras, o primeiro ofício do Vice Rei para o governador com<br />

conteúdo específico data de 27 de outubro de 1797 e inicia com a sugestiva afirmação de<br />

que o “corte e prontificação das madeiras chamadas de construção” era tema que, em<br />

função da conjectura atual, merecia mais atenção.” 31<br />

O tom desse documento está na<br />

recomendação de envio<br />

não só nas avultadas remessas de taboados de Tapiunhoam, Peroba e<br />

Vinhático, mas também hu’a exata informação dos lugares em que há<br />

matas e arvoredos da quella qualidade; de modo de as conservar e<br />

promover a sua cultura; e dos sítios mais aptos para se estabelecerem os<br />

cortes das que forem precisas para a referida marinha. 32<br />

A importância do tema se reflete nas providências que o Vice Rei se propõe a<br />

tomar, certamente guiado por instruções da Coroa e do Ministro de Assuntos Ultramarinos.<br />

O Conde de Rezende se propunha a enviar uma verba anual para estabelecer cortes de<br />

madeira na Ilha e demais domínios de Santa Catarina. Para tal, solicitava uma relação<br />

individual dos lugares mais cômodos para o estabelecimento dos cortes baseados na<br />

abundância de madeiras e facilidade de sua exportação. Outro dado solicitado era se existia<br />

31 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 27/10/1797.<br />

Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

32 Ibid.


96<br />

a possibilidade de, nos portos locais, se construírem embarcações capazes de transportar<br />

essas madeiras para Lisboa ou se, do contrário, poder-se-iam carregar os ditos taboados<br />

fora da barra. Aliado a isso questionava sobre a existência na cidade de alguns construtores,<br />

aos quais seriam pagos soldos para tal. 33<br />

O tema das madeiras estava tão em alta que pelo visto o próprio Vice Rei estava<br />

sendo cobrado para obter informações sobre o mesmo. Também o fato de até então não ter<br />

recebido respostas do governador fizeram-no reforçar o pedido em 03 de dezembro de<br />

1797. Nesse novo ofício ele ordena que o governador “ponha em prática o reconhecimento<br />

das matas em que logo se deve estabelecer serrarias, apenando para este fim todos aqueles<br />

trabalhadores que forem precisos”. 34 O conde ressaltava a economia que se deveria fazer<br />

em tal empreendimento, sugerindo inclusive o uso dos soldados que não fossem necessários<br />

para o serviço diário, para esse trabalho com as madeiras. Esses soldados receberiam<br />

pagamento por isso além do seu soldo regular. Para viabilizar os trabalhos o conde<br />

mandaria todas as ferramentas que se fizessem necessárias.<br />

Para finalizar o ofício o Vice Rei lembrava que ainda aguardava as informações<br />

solicitadas no ofício de 27 de outubro de 1797 e não poderiam ser deixadas de lado em<br />

função do presente ofício. Ambas eram prioridades. Essas cobranças do Vice-Rei para com<br />

o governador possivelmente eram reflexos das cobranças do Rei e ministros para com ele<br />

próprio. Uma rede de homens que, no desempenho de suas funções políticas e diante da<br />

necessidade de apresentar resultados, deparava-se com questões que seriam mais facilmente<br />

resolvidas pela experiência de roceiros ou bandeirantes. Esses conhecimentos e<br />

reconhecimentos de árvores, caminhos e gêneros agrícolas careciam da opinião de<br />

33 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 27/10/1797.<br />

Op. cit.<br />

34 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 03/12/1797.<br />

Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.


97<br />

“assessores locais”, dos mais rudes e simples, que eram consultados antes da elaboração<br />

de relações de madeiras ou de produção agrícola. Aliado a isso encontrava-se a<br />

instabilidade do cargo de governador que muitas vezes durava um ou dois anos, algumas<br />

vezes meses, período não suficiente para se inteirar dos assuntos dos predecessores e para<br />

conhecer as potencialidades de seus domínios, o que poderia ser um desestímulo para a<br />

realização desses levantamentos que não eram simples, pois dependiam de uma rede de<br />

funcionário e informantes.<br />

A primeira informação diretamente ligada a esse tópico se dá em fevereiro de 1798,<br />

quando, a pedido do governador, Valentim Antonio Vilela envia a relação da farinha e da<br />

lenha consumida pelos armazéns reais, fortalezas, prisões, praças avulsas e reformadas e<br />

índios a serviço da Ribeira. A farinha totalizou um consumo de 5.658 alqueires por ano e a<br />

lenha 5.448 feixes por ano. É importante lembrar que há dois anos, de acordo com tabela do<br />

governador, exportou-se 28.333 alqueires de farinha de mandioca. Já o custo do consumo<br />

de lenha alcançava 280$000 mensal e 3.360$000 anual para a Fazenda Real. 35<br />

Se<br />

analisarmos esses dados comparativamente, percebemos que apenas o consumo de farinha<br />

por parte dos homens da ribeira, fortalezas, prisões, enfim, sob responsabilidade do<br />

governo, era superior a 1/6 das exportações desse produto pela Capitania. Essa cota de<br />

manutenção era uma obrigação dos agricultores locais, que deveriam receber do governo<br />

por esses produtos, o que muitas vezes não acontecia. Daí compreende-se a redução na<br />

própria produção de farinha na região, já que a quantidade destinada às tropas era uma<br />

porcentagem da produção total. Menos produção, menor a parcela dada à manutenção das<br />

tropas. O mesmo ocorria com a lenha. 36<br />

35 VILELA, Valentim Antônio. Ofício do Capitão da Fragata Cisne ao Governador João Alberto de<br />

Miranda Ribeiro com Relação de consumo em 26/02/1798. Acervo: APESC.<br />

36 RIBEIRO João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, apresentando relatório sobre a<br />

Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17 de<br />

novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc. 130p. (códice 3,3,17).


98<br />

Em 20 de março de 1798, o governador de Santa Catarina enviou as primeiras<br />

providências tomadas em resposta aos ofícios do Vice Rei. O mesmo se mostrou satisfeito e<br />

enviou novas solicitações, especialmente no que se refere aos jornais pagos aos artífices,<br />

carpinteiros e toda a sorte de trabalhadores a serem envolvidos nos trabalhos. A regra era<br />

sempre pagar o mínimo possível.<br />

que<br />

Em outra resposta, em oficio datado de 22 de março de 1798, o Governador afirma<br />

depois de bastantes, averiguações tenho podido alcançar, que talvez seja<br />

quanto baste, para dar inicio aos bem fundados projetos de V. Exª, não só<br />

sobre o corte das Madeiras, que pretende mandar estabelecer nesta Ilha,<br />

mas ainda para a construção de algumas embarcações que na mesma se<br />

fabriquem proporcionadas para as conduzirem deste porto para o de<br />

Lisbôa. Posso segurar a V. Exª, que tenho encontrado bastantes lugares,<br />

com todas as comodidades, e circunstancias necessárias para se<br />

construírem as referidas embarcações de onde estas ao depois de feitas<br />

sem que se possa temer o menor prejuízo, se podem lançar do estaleiro<br />

ao Mar, e da mesma forma serem carregadas pela Barra a fora sem<br />

embaraço algum. Pelo que diz respeito ao corte e condução das madeiras<br />

para o Estaleiro (segundo as informações que se me tem dado) não será<br />

muito dificultoso. 37<br />

O Conde de Rezende enfatiza em ofício de 03 de setembro de 1798 que o<br />

governador deve coibir o que chama de liberdades dos moradores, que dispunham<br />

livremente das madeiras das áreas de mata em suas posses. Essa prática deveria ser<br />

totalmente vetada não só no que se refere às madeiras “proibidas” como todas as que se<br />

julgarem próprias para a construção de embarcações e para aduelas ou qualquer outro<br />

destino importante à Fazenda Real.<br />

Por ser ponto estratégico nas rotas de navegação sul-americanas dos séculos XVIII e<br />

XIX e ponto intermediário entre Buenos Aires e Rio de Janeiro, a Ilha também possuía<br />

portos acessíveis para o escoamento da madeira, aliado aos baixos preços da extração e o<br />

alto lucro obtido na chegada tanto no Rio de Janeiro como em Lisboa. A madeira era um<br />

37 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de<br />

Mar e Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro 22 de março de 1798. Acervo: APESC.


99<br />

grande negócio para a Fazenda Real Portuguesa e na costa catarinense era encontrada<br />

em seu litoral pouco desbravado, diferente do Sudeste e Nordeste cujas porções litorâneas<br />

já estavam de muito tomadas por grandes plantações e a madeira e lenha para o<br />

abastecimento já vinha muito do interior, dificultando o escoamento.<br />

Além dessa facilidade, poder-se-ia construir embarcações para o transporte dessa<br />

madeira na própria Ilha. Em carta de 12 de agosto de 1800, o Engenheiro Intendente da<br />

Marinha José Caetano de Lima reafirma ao Vice Rei Conde de Rezende informações que o<br />

Governador João Alberto de Miranda Ribeiro havia fornecido há um ano. O engenheiro<br />

relata a existência de lugares com todas as comodidades para se construírem as ditas<br />

embarcações, 38<br />

outro facilitador do empreendimento, uma vez que tudo se resolveria<br />

localmente: matéria-prima, mão-de-obra e transporte.<br />

A construção das embarcações para a Fazenda Real ficaria a cargo do Construtor<br />

Agostinho Francisco que estava atuando na Ilha em construções particulares. Se essa idéia<br />

fosse aprovada, seria necessário que o Vice Rei enviasse planos e riscos de embarcações<br />

vindos de Lisboa, reafirmação que era um empreendimento real e cuja responsabilidade<br />

sobre tal era da Coroa, materiais locais só a madeira e a mão-de-obra. O restante do<br />

material necessário à construção, como ferragens, também viriam de Lisboa ou do Rio de<br />

Janeiro. De posse dos tais desenhos, o construtor faria as alterações necessárias e indicadas<br />

pelo Vice Rei no que se refere ao aumento ou diminuição dos tamanhos das embarcações.<br />

Em outro ofício, de 11 de abril de 1798, o governador relata que<br />

Hoje mesmo mandei oito machados para o mato deitar abaixo todas as<br />

perobas for possível enquanto favorecer este corte o minguante da lûa em<br />

que estamos: e para a semana que vem mando as serras para serrarem a<br />

taboa de como no referido officio nº 17 digo a V. Exª. Aqui não há<br />

tapinhõas, nem vilnhoties ou para melhor dizer são todos raros esses<br />

38 LIMA, José Caetano de, Engenheiro Intendente da Marinha. Carta ao Senhor Dom Rodrigo de<br />

Souza Coutinho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios<br />

Ultramarinos. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1800. Acervo: APESC.


100<br />

paos, que com muita dificuldade se encontra hum, ou dous, depois de<br />

se ter caminhado pelo mato hum grande espaço de terreno. O mestre<br />

construtor de quem eu falei a V. Exªa no meu officio nº 11, me afirma,<br />

que as melhores madeiras que há nesta Ilha para a construção dos navios,<br />

são a Massaranduba, a Canela burra, e ainda a preta, e havendo destas<br />

três qualidades e quantidade suficiente, me parece que se deviam<br />

aproveitar, porque ainda que não excedão a Peroba, e as outras que não<br />

há como diz o referido construtor, basta só igualarem para ficarem<br />

admiraveis. 39<br />

No início do século XIX, a extração de madeira na Ilha de Santa Catarina,<br />

especialmente louro preto, cedro vermelho, óleo vermelho, canela preta, ipê, peroba<br />

vermelha, canela burra e massaranduba, já eram destinados exclusivamente à construção<br />

naval da frota da Real Armada Portuguesa. Essas madeiras foram indicadas em 1798 como<br />

preferenciais por Agostinho Francisco da Silva e Simplício Jozé Rodrigues, mestres<br />

construtores da Ribeira, no Rio de Janeiro, consultados sobre o tema pelo Vice Rei o Conde<br />

de Rezende.<br />

Essa nascente “indústria madeireira” na Ilha de Santa Catarina tinha outra vantagem<br />

para a Fazenda Real. As espécies acima indicadas não faziam parte das ditas madeiras<br />

reservadas, posteriormente chamadas “madeiras de lei” e seria lucrativo retirá-las das terras<br />

concedidas em sesmaria em que a obrigatoriedade de produzir e construir benfeitorias em<br />

prazo de dois anos não se tivesse cumprido. O interesse da coroa não era desalojar de todo<br />

esses “proprietários”, já que quanto mais ocupado o território menor o risco de invasão e<br />

ocupação estrangeira, porém, poder-se-ia tirar proveito das eventuais irregularidades, uma<br />

vez que as madeiras não reconhecidas como reservadas ou de lei, deveriam ser pagas aos<br />

ocupantes legais do terreno em caso de extração por parte do governo. De acordo com João<br />

Alberto de Miranda Ribeiro<br />

39 RIBEIRO, João Alberto de Miranda, Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua Jurisdição.<br />

Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do<br />

Brasil. Villa do Desterro 11 de abril de 1798. Acervo: APESC.


101<br />

Estas ultimas madeiras sabe V. Exª muito bem que não são<br />

reservadas: por isso elas podem ser logue que V. Exª assim o ordene, ou<br />

pelos menos elas se podem cortar sem que se paguem aos donos das<br />

terras que as produzem: porque Sua Magestade lhes deo gratuitamente as<br />

terras, com a condição de as cultivarem dentro de certo tempo limitado, e<br />

claro está, que tendo faltado a esta condição, até parece que a posse não<br />

deve ter validade alguma. Finalmente eu me persuado que logo que Sua<br />

Magestade caresa de Madeiras de qualquer qualidade que elas sejão, as<br />

deve mandar cortar, sem que pela sua Real Fazenda as mande pagar<br />

áqueles mesmos vassalos, a quem concedeo as terras. 40<br />

Outra vantagem era que os próprios ranchos e seleiros construídos para a estocagem<br />

da madeira, próximos aos embarcadouros, “todos se fazem com hua grande economia, de<br />

sorte que a maior despeza será a da telha, que custa 8000$000 réis o milheiro”. 41<br />

A ausência de algumas espécies e a presença de outras não descritas, mas indicadas<br />

por madeireiros e mestres construtores locais, serviu, na Ilha de Santa Catarina, para que o<br />

governador chamasse a atenção do Vice Rei para o quão vantajoso seria explorar essas<br />

madeiras localizadas em sesmarias cujos proprietários não tivessem cumprido o prazo legal<br />

de dois anos para construção de benfeitorias e cultivo da terra. Sendo essas madeiras de alto<br />

valor naval e estando os sesmeiros na ilegalidade, não seria necessário pagar-lhes por essas<br />

madeiras, sob a ameaça de desapropriação das terras que voltariam a ser devolutas,<br />

possibilitando mais lucros à Fazenda Real. As madeiras apontadas pelo governador nesse<br />

caso eram a massaranduba (Mimusops elata), a canela burra (Ocotea urbaniana) e a canela<br />

preta (Laurinia atra). 42<br />

De acordo com as inspeções de engenheiros navais, relatórios de juízes<br />

conservadores ou simplesmente por indicação de qualidade feita por mestres construtores<br />

escolhidos pela Coroa, designavam-se as espécies mais apropriadas para a construção<br />

40 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey em 11 de<br />

abril de 1798. Op.cit.<br />

41 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de<br />

Mar e Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro a 5 de junho de 1798. Acervo BN.<br />

42 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, datado de nº 17 de 11 de abril<br />

de 1798. Op.cit.


102<br />

naval. Em âmbito nacional as madeiras mais importantes eram: sucupira (Pterodon<br />

amarginaturs), canela (Ocotea catarinensis Mez), canjarana (Cabralea canjerana),<br />

jacarandá (Nissolia legalis), araribá (Centrolobium robustum), pequi (Caryocar<br />

braisiliensis Camb), jenipaparana (Gustavia Augusta L.), peroba (Aspidosperma<br />

ramiflorum), urucurana (Hyeronima Alchorneoides Fr. All.) e vinhático (Plathymenia<br />

reticulata). 43 Essa lista, que não era oficial e nem apontava todas as madeiras boas para<br />

construção naval, era um apontamento geral de algumas das árvores, sendo que os nomes<br />

poderiam mudar de acordo com as especificidades regionais. Uma lista produzida com base<br />

nas indicações de mestres construtores da Ilha de Santa Catarina foi enviada ao Vice Rei<br />

pelo governador em sua correspondência oficial. Nela, indicava-se, entre as de maior valor<br />

local, a tapinhoã (Mezilaurus navalium), que era classificada em primeiro lugar porque<br />

resistia aos parasitas marinhos.<br />

Além dessa, de acordo com Joaquim Correa dos Santos, mestre construtor do Rio de<br />

Janeiro, as madeiras da Ilha de Santa Catarina que poderiam servir para construção de<br />

embarcações grandes e pequenas e para quais pontos dessas embarcações, eram as<br />

seguintes:<br />

Louro Preto:<br />

Sedro<br />

Vermelho:<br />

He especial Madeira para taboados de costado, alcaixas e convêz para<br />

toda a qualidade de Embarcações; assim como tambem serve para<br />

taboado de forro, e aduélas para túneis e Pipas: esta Madeira, he com<br />

preferência ás mais para este efeito.<br />

Pode servir para taboados de costado, alcaixas e convêz. E tambem se<br />

pode fazer alguns toros grossos para as Figuras das Naus, como tambem<br />

para as obras mortas da Popa e da Prôa.<br />

Óleo Vermelho: Póde muito bem servir para mastriações, e taboado da mesma forma<br />

43 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, datado de nº 17 de 11 de abril<br />

de 1798. Acervo BN. Obs: as referências usadas para obtenção dos nomes científicos das plantas<br />

são: LORENZI, Henri. Árvores Brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas<br />

arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa, São Paulo: Editora Plantarum, 1992., e<br />

www.umbuzeiro.cnip.org.br. Consultado em 08/09/06.


Arribá:<br />

Canela Preta:<br />

Caboré:<br />

Cabriûna:<br />

Ipê:<br />

Alicurana:<br />

Peroba<br />

Vermelha:<br />

Canela Burra:<br />

Massaranduba:<br />

Guaraparim:<br />

103<br />

asima.<br />

Hé hûa excelente Madeira para taboado de costado, alcaixas e convêz, e<br />

para cavernas, brasos, Aporturas, curvas, busardos, vãos, e latas.<br />

Hé boa qualidade de Madeira, serve muito bem para cavernas, brasos,<br />

aporturas, curvas, busardas, Latas, vãos; e taboado de costado e forro.<br />

Pode muito bem servir para cavernas, brasos, aporturas, curvas, busardos;<br />

e maôns de sintas.<br />

Pode muito bem servir da mesma forma asima.<br />

Hé superior a todas as mais: serve para toda a Madeira de construção;<br />

assim como taboado para as obras de terra, e tambem se pode fazer<br />

taboado de costado para o fundo das Naus, e mais em barcasoens.<br />

Serve muito bem para cavernas, brasos, curvas, e busardas: a saber, que<br />

há de ser vermelha.<br />

Hé hua excelente Madeira, serve para toda a Construção de embarcações<br />

grandes, e pequenas,assim como tambem serve para taboado de costado.<br />

Pode servir para taboado de forro, costado, alcaixa, e convêz.<br />

Pode servir para Cavernas, brasos, curvas, maons de sinta, e busardas.<br />

Serve muito bem para Cavernas, curvas e brasos.<br />

(Quadro 05) Tabela retirada da “Relação das qualidades de Madeiras da Ilha de Santa<br />

Catharina, que podem servir para construção de Imbarcações grandes e pequenas” elaborada<br />

por Joaquim Correa dos Santos no Rio de Janeiro 3 de setembro de 1798.<br />

Já sob o governo de Joaquim Xavier Curado, que assumiu após a morte de João<br />

Alberto de Miranda Ribeiro em 1800, o Conde de Rezende reforça as disposições sobre a<br />

madeira e manda embarcar tudo o que estiver pronto desse material e também aquele que<br />

possa servir para reparos. 44 O mesmo se repete no ano seguinte já com D. Fernando José de<br />

Portugal como Vice Rei. É também nesse ano que o novo Vice Rei pede que o Governador<br />

siga as orientações enviadas por ele e mande construir uma embarcação. A lista dessas<br />

madeiras e seus cortes tinha 74 itens, ou seja, 74 tipos de cortes de madeira em quantidade<br />

diferentes para a construção de uma Nao. A observação final indicava que os paus não<br />

deveriam ser de morarema devido a pouca duração e também usar pouca madeira amarela.<br />

Quanto à extração de madeira das propriedades privadas, empreiteiros eram<br />

enviados pelo governo com tal função. Dificilmente as madeiras não selecionadas eram<br />

44 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>, Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil. Ofício<br />

ao governador da Capitania de Santa Catarina Joaquim Xavier Curado. Rio de Janeiro a 14 de junho<br />

de 1801. Acervo BN.


104<br />

poupadas de danos, pois não existia uma preocupação real com isso, o mesmo pode-se<br />

dizer das árvores de menor porte que muitas vezes eram derrubadas na esteira das maiores e<br />

ficavam pelo chão como lixo. No caso de derrubada das “madeiras reservadas” por parte<br />

dos proprietários, era necessária uma autorização prévia. 45<br />

Em Santa Catarina essa informação sobre construção naval ainda fazia parte do<br />

relatório do presidente da Província João Carlos Pardal, em 1838, quando afirmava no<br />

tópico ‘indústria fabril’ “a construção de poucos navios de mais de cem toneladas, e de<br />

outros de menor porte”. 46 Ainda de acordo com o mesmo presidente da Província, as<br />

madeiras, abundantes nas matas catarinenses, não concorriam para o aumento da indústria<br />

comercial por falta de uma inspeção mais rigorosa e presidida por “homens científicos”,<br />

apesar de que, de acordo com Pardal, este ramo de comércio ainda seguia algum<br />

desenvolvimento.<br />

Essas indicações de uso, qualidade e proibições sobre as madeiras seguem noções e<br />

juízos de valor totalmente ligados à época em que estão sendo elaborados. Por isso, a<br />

dinâmica desse processo de transformação passa pelos usos atribuídos à madeira nesses<br />

diferentes períodos da história e o grau de ocupação humana em cada local, no caso na Ilha<br />

de Santa Catarina. Tal riqueza madeirável local e a forma como foi utilizada está<br />

diretamente relacionada à forma como foi percebida. Uma paisagem tem um variado<br />

número de componentes e, dentre eles, cada cultura entende por “recurso” algo diferente.<br />

Depreende-se que “a paisagem natural é, portanto, o sistema de orientação simbólica de um<br />

povo e a sua projeção simbólica na sociedade”. 47 Para a população média da Ilha de Santa<br />

Catarina do início do século XIX essas madeiras eram recursos, mas de uso restrito para<br />

45 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Op.<br />

cit., p.153.<br />

46 PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de 1838.,p. 16.<br />

47 CENCINI, Carlo. Il Paesaggio come Patrimônio: I Valori Naturali. In: Bolletino della Società<br />

Geografica Italiana. Roma – Serie XII, vol. IV (1999), p. 290.


105<br />

eles como agricultores – função para a qual a maioria desses habitantes estava destinada<br />

desde a chegada ao local como imigrantes. Essas madeiras, quando extraídas, se dessem<br />

lucro seria muito bom, mas era a agricultura que ocuparia seu lugar, seu objetivo maior. Por<br />

isso o fim dado à floresta não era tão importante. A idéia de desenvolver, planejadamente,<br />

uma indústria madeireira fazia parte do universo dos administradores portugueses, para os<br />

habitantes locais a madeira e sua derrubada eram fases do processo de transformação da<br />

terra em solo agricultável.<br />

Enfim, a Ilha de Santa Catarina entra no século XIX com certo controle, ao menos<br />

na teoria, da exploração de suas matas. Estava definido o uso atribuído às melhores peças<br />

de madeira e, conseqüentemente, do que os habitantes locais poderiam dispor. Nesse<br />

ínterim entram as especificidades locais e a experiência empírica que situa a floresta como<br />

importante em pontos que só o dia-a-dia pode delimitar. Surgem então ferramentas, como<br />

os textos legais para criar novas fronteiras de uso desses elementos. Em Desterro<br />

identificou-se, possivelmente depois de muitas experiências e erros, que essas mesmas<br />

matas tinham outra função importante que não estava sendo respeitada. Por conta disso, o<br />

capítulo sétimo do código de posturas do município de 1845 dá conta de questões ligadas<br />

ao desmatamento e sua estreita relação com o abastecimento de água. O texto do capítulo I<br />

desse código declarava que<br />

os que derrubarem mattas nos lugares onde passem nascentes de agoa<br />

para as fontes publicas, ou ahi fazerem roçadas incorrerão na pena de 15$<br />

reis de condemnação. Os que lançarem immundicies nas sobreditas<br />

nascentes incorrerão nas mesmas penas, e no dobro reincidindo. Não<br />

tendo, porem com que pagar, sofrerão por cada mil reis um dia de<br />

prizão. 48<br />

48 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.<br />

Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Artigo 71., p. 226.


106<br />

Outros artigos desse mesmo código de posturas referem-se à punições aplicadas<br />

a crimes que envolvessem a floresta. Dentre eles destacam-se o artigo 131 que proibia o<br />

corte de madeiras na beira das estradas e caminhos, exceto nos lugares úmidos, não só para<br />

maior conforto dos viajantes como para evitar que as derrubadas danificassem os caminhos.<br />

Já o artigo 53 definia multa de 8$000 réis aos que queimassem matas ou retirasse madeiras<br />

em campos baldios ou logradouros públicos abertos. 49<br />

Paralelo à extração de madeiras consideradas nobres e cujo destino primeiro era a<br />

construção naval e, posteriormente, habitações, móveis, pontes e carros, um outro<br />

ecossistema sofreu grande degradação na Ilha de Santa Catarina e no Brasil, de modo geral:<br />

os mangues. Compostos de árvores de menor porte e mais fácil extração, cuja casca era rica<br />

em tanino e, geralmente, localizados próximos dos centros urbanos, uma vez que esses se<br />

concentravam na costa, os mangues eram uma “reserva” acessível e rica e sua exploração,<br />

até a segunda metade do século XIX, ainda era vista como altamente benéfica, uma vez que<br />

mangue era sinônimo de doenças e miasmas para as populações em suas proximidades.<br />

Segundo Arthur Soffiati, a reação inicial dos europeus quanto aos mangues foi de<br />

desprezo e afastamento por este apresentar semelhanças com os pântanos de seu continente,<br />

considerados insalubres e povoados de entes malignos. Progressivamente, porém, as<br />

camadas sociais dominantes descobrem o seu valor como excelente fornecedor de madeira,<br />

lenha e tanino. 50 A percepção da utilidade dos mangues vem do saber indígena e popular,<br />

repassado aos europeus e consolidado desde os primeiros anos de colonização. Esse saber,<br />

se não levava ao reconhecimento dos mangues como ecossistema e com ele todas as suas<br />

49 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.<br />

Op.cit., artigos 53 e 131.<br />

50 SOFFIATI NETTO, A. Manguezais e conflitos sociais no Brasil Colônia. In: II Encontro da<br />

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2004, Indaiatuba.<br />

Anais do II Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e<br />

Sociedade. Indaiatuba: ANPPAS, 2004., p. 10.


107<br />

peculiaridades, sua flora e fauna e a importância de preservar, ao menos ampliava a<br />

percepção de suas possibilidades e indicava sua diversidade, como pode ser constatado<br />

quando André João Antonil, ao falar dos mangues, os classifica como brancos e vermelhos,<br />

sendo o carvão obtido com a lenha do mangue branco, dos cajueiros, das aroeiras e das<br />

gameleiras o melhor para fazer decoada “porque os paus fortes fazem mais carvão do que<br />

cinza, e a lenha miúda dá pouca cinza e sem força”. 51 Assinala ainda que o mangue é um<br />

bom fornecedor de barro para olarias.<br />

Tal utilidade e importância somada à manutenção da produtividade pesqueira do<br />

litoral, como berçário de inúmeras espécies de peixes, na estabilidade geomorfológica<br />

costeira, limitando a erosão marinha e a morfogênese, demandou legislação apropriada,<br />

especialmente no que se refere ao mangue vermelho.<br />

Contrariamente às disposições de preservação dos mangues, o código de Posturas<br />

do Município de Desterro de 1845, em seu capítulo 1, artigo 74 fala do uso dos mangues e<br />

indica que<br />

todo aquele que embaraçar a tirada de lenha dos mangues onde o povo<br />

deste Município está em uso de tiral-a, sem que tenha mostrado, à<br />

Autoridade competente, que taes mangues lhe pertencem por afforamento<br />

ou qualquer outro titulo, sera multado em 12$000 reis, para despesas do<br />

conselho, e no duplo em caso de reincidência, alem da pena de<br />

desobediente. 52<br />

Esse fato, aliado à facilidade da derrubada provocou uma grande devastação<br />

também nos mangues da Ilha, especialmente os localizados próximos à Desterro, para uso<br />

nas caieiras e engenhos. Essa derrubada era fato nas proximidades da maioria das vilas e<br />

cidades do Brasil. Relatórios governamentais indicavam que “não existia mais madeira<br />

adequada por muitas léguas nas proximidades das vilas maiores [...] em Campos, as toras<br />

51 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. São Paulo:<br />

Melhoramentos/Brasília: INL, 1976., p. 117.<br />

52 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa<br />

Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Capítulo 1, artigo 74.


108<br />

tinham de ser arrastadas de três a nove quilômetros até a costa”. 53 Na Ilha os mangues<br />

do Itacorubi e Ressacada foram reduzidos consideravelmente. Sua utilidade não era<br />

percebida como extrapolando a extração das cascas ricas em tanino e das madeiras baixas e<br />

de fácil exploração. Além do mais, a eles eram atribuídos boa parte dos miasmas da vila e a<br />

derrubada de sua vegetação os exporia ao sol e, ato contínuo, secaria seus lodaçais e<br />

eliminaria os mosquitos e o mau cheiro. Mais uma vez o legal passou à margem do usual.<br />

2.3 Olhares sobre a floresta da Ilha de Santa Catarina no século XIX.<br />

Relatos de viajantes eram uma forma de literatura largamente difundida e<br />

apreciada na Europa. Essa Europa, calcada no cientificismo, respeitava e acreditava nas<br />

informações fornecidas por essas pessoas que eram, em sua grande maioria, cientistas nas<br />

áreas de botânica, zoologia e medicina, entre outras, vinculados a fundações ou Jardins<br />

Botânicos europeus e já conhecidos por outros estudos de ciência natural. Tais textos eram<br />

comuns no período em questão e traziam aos olhos europeus as imagens da longínqua<br />

América, já oficialmente ocupada e administrada por nações européias. As viagens,<br />

patrocinadas por reis, políticos e outros nobres eram compostas por cientistas, desenhistas,<br />

que ajudavam na composição das obras com suas imagens detalhadas e exuberantes da<br />

flora e fauna locais; por guias que eram muitas vezes índios “mansos” ou caboclos e<br />

colonos conhecedores dos caminhos e mistérios das matas.<br />

Essas pessoas, comumente chamados de naturalistas, eram uma resposta aos<br />

novos interesses europeus por informações sobre o novo mundo, aliado ao interesse político<br />

em mapear o novo continente, ampliar conhecimentos e apropriar-se de novos recursos<br />

53 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />

Op.cit., p. 152.


109<br />

econômicos. Esses interesses, presentes nas pesquisas de tais naturalistas, podem ser<br />

ilustrados pelas palavras de August de Saint-Hilaire ao justificar sua expedição ao Brasil:<br />

“prestar à ciência e a seu país informações importantes sobre a flora e a fauna do Brasil,<br />

contribuindo para enriquecer o herbário do Museu de Paris e descobrir plantas próprias à<br />

tintura para serem introduzidas na Guiana Francesa”. 54<br />

Eram esses homens os responsáveis pelos diversos olhares lançados sobre a Ilha<br />

de Santa Catarina. E é preciso que, ao lermos e analisarmos seus textos, retenhamos na<br />

memória que suas concepções são as concepções da época, influenciadas por obras<br />

científicas de autores como Lineu e Buffon, mas também pela estupefação com a<br />

exuberância de uma natureza diferente, de uma terra rica e em nada parecida com os solos<br />

europeus, revolvidos já por tantos séculos. E, acima de tudo, pela reação ao contato com<br />

essa natureza. Contato visual, táctil, sonoro e olfativo. Tudo era diferente, os pássaros, os<br />

insetos, seus sons e sabores, e para descobrir a “utilidade” disso tudo - seja ela uma<br />

utilidade econômica, cultural ou científica - precisou, necessariamente, passar pela<br />

experimentação. Basicamente, essas viagens foram grandes laboratórios de como esses<br />

homens europeus reagiram à natureza do novo mundo, e seus textos devem ser lidos como<br />

tal e analisados da mesma forma.<br />

A partir dessas considerações, podemos ampliar a percepção sobre os relatos dos<br />

muitos viajantes que estiveram na Ilha de Santa Catarina no século XIX, a começar por<br />

Adam Johann von Krusenstern, que aportou em 1803. Chefe de uma expedição russa<br />

composta por dois navios comprados na Inglaterra pelo Czar Alexandre I em 1802, o grupo<br />

era composto também por cientistas alemães como o astrônomo Horner e os naturalistas<br />

54 SAINT-HILAIRE apud OLIVEIRA, Paulo Rogério Melo de. O Naturalista e os Selvagens: a<br />

visão de Saint-Hilaire sobre os índios Guarani no Rio Grande do Sul. Florianópolis: Dissertação<br />

de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. CFH/UFSC. 1996. p. 25.


110<br />

Tilesius e Langsdorff. A estada em Santa Catarina estendeu-se por cinco semanas em<br />

decorrência de avarias no mastro de um dos navios. No período, o governador de Santa<br />

Catarina era o Coronel Joaquim Xavier Curado, que se prontificou a ajudar a expedição<br />

russa de todas as formas possíveis. Além de abastecer os navios de água e comida e trocar o<br />

mastro por “uma das excelentes madeiras locais” - cuja única dificuldade de obter, segundo<br />

o próprio Krusenstern, era o transporte da mesma para fora da mata - fizeram-se<br />

experiências astronômicas, desenhos e pinturas da Ilha e um relato do próprio capitão.<br />

A opinião do autor era que a Ilha de Santa Catarina, apesar de sua posição<br />

estratégica, tinha suas vantagens subestimadas por Portugal, sendo “talvez aquela que<br />

menos tem atraído atenção do governo português”. 55<br />

Segundo Luciana Rossato, os<br />

viajantes que vinham para a América já tinham um conhecimento prévio da fauna e da flora<br />

adquirido pela leitura de outros autores, além de debates que empreendiam sobre a natureza<br />

e os homens americanos, o que era “enriquecido” com a própria imaginação desses<br />

visitantes. 56 As informações de Krusenstern, que não conhecia todo o Brasil para balizar e<br />

comparar suas informações, corroboram o fato de que esse tipo de relato de viagem era<br />

muito difundido na Europa e lido pelos próprios viajantes - talvez como material<br />

informativo - antes de suas viagens. Ele cita as informações fornecidas por Frezier como as<br />

primeiras sobre a Ilha e as reforça. Também menciona Anson, Lazier de Bouvet, que esteve<br />

na Ilha em 1738, e La Perouse - citado como infortunado - em 1785.<br />

O capitão do segundo navio da expedição de Krusenstern, Urey Lisiansky,<br />

também fez um relato sobre sua passagem pela Ilha de Santa Catarina. Em um texto<br />

55<br />

KRUSENSTERN, Adam Johann von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />

CATARINA. Ilha de Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e<br />

XIX. Assessoria Cultural, 1979. , p. 149.<br />

56 ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário: História Natural, viagens científicas e relatos sobre<br />

a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade<br />

Federal do Rio Grande do Sul, 2005., p. 114.


111<br />

bastante técnico no que diz respeito à navegações e questões náuticas, sobressaem<br />

pontos pertinentes a nossa análise. A princípio Lisiansky diz estar seguindo as orientações<br />

de Anson, apesar de não as considerar inspiradoras de total confiança. O navio comandado<br />

por ele, que teve o mastro trocado, contou com a madeira da Ilha para tal e a usada<br />

era uma de cor vermelha, cujo tronco muito alto e resistente, forneceunos<br />

um mastro da melhor qualidade, servindo até para um navio de<br />

guerra. Essa madeira, apesar de não ser tão clara e flexível como o pinho,<br />

é bastante resistente. Para compensar a inconveniência de seu peso,<br />

mandei encurtar esse mastro, passando a ter quatro pés de altura. Existem<br />

duas outras espécies dessa madeira, uma branca e outra preta, mas<br />

nenhuma delas se presta para mastro, por ser uma pesada demais e a<br />

outra muito frágil. 57<br />

Essas madeiras possivelmente eram canelas e faziam parte do leque de produtos<br />

“cultivados” nessa parte do Brasil, segundo o autor. Além de outras madeiras de construção<br />

havia também algodão, café e arroz na Ilha. O porto era bom, mas as exportações, segundo<br />

o capitão, eram restritas, proibidas de serem feitas para outro lugar que não o Rio de<br />

Janeiro. O motivo alegado em correspondências do Vice-Rei para o governador era a<br />

necessidade de abastecer a maior cidade do Império, prioritariamente.<br />

O médico Georg von Langsdorff esteve em Santa Catarina em 1803 com a mesma<br />

expedição russa de Krusenstern. Permaneceu mais tempo que o restante da tripulação, até<br />

fevereiro de 1804, dedicou-se a estudos botânicos e se iniciou como colecionador da fauna<br />

e flora brasílica. Quando, em 1813, chegou ao Rio de Janeiro como Cônsul Geral da Rússia<br />

seus estudos cresceram e suas coleções também, como a de borboletas que era de,<br />

aproximadamente, 1600 espécies. Durante sua vida publicou alguns títulos sobre história<br />

natural e organizou, em 1825, uma expedição ao interior do Brasil. No momento dessa<br />

viagem à Santa Catarina os domínios de seu Governador estendiam-se do Rio Grande à São<br />

57 LISIANSKY, Urey. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha de<br />

Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p. 161.


112<br />

Paulo. Por outro lado o comércio do porto era restrito ao Rio de Janeiro, como já<br />

citado.Langsdorff registrou que, antes de iniciar as explorações, estava<br />

excitado por tão belas imagens de minha fantasia, mal podia aguardar o<br />

retorno do sol para visitar a região paradisíaca. Confesso que minhas<br />

idéias eram exageradas e tensas, mas apesar disto, quanto mais eu me<br />

aproximava da terra, a realidade excedia minha expectativa. 58<br />

A imagem corrente era de um Novo Mundo no sentido literal das palavras. Um<br />

lugar diferente da já cansada Europa, um local de natureza exuberante e bela, pródiga no<br />

que se refere às ofertas de alimento, terras e riquezas minerais. Esse lugar exigia muito<br />

menos trabalho para resultados agrícolas iguais ou superiores aos europeus e criaram o<br />

“pré-conceito” de habitantes ociosos e lascivos, que não desenvolveram a cultura do<br />

trabalho enobrecedor. No entanto, lugares diferentes visitados por esses viajantes e<br />

naturalistas, criavam impressões também diferentes. Os relatos da Ilha de Santa Catarina<br />

parecem indicar que ela é mais admirada, pois é menos solitária, vê-se o céu e, na pior das<br />

hipóteses, existe, no mar e nos navios atracados na baia próxima, um elo com outras<br />

pessoas, com outras civilizações. Isso se diferencia, por exemplo, dos relatos de Tschudi<br />

sobre o interior de Minas Gerais, indicado como assustador, onde “o olhar que se dirige<br />

para o alto não encontra o azul do céu [...] não há caminhos em seus entrelaçamentos<br />

intransponíveis [...] a exuberância da floresta e suas paisagens encantadoramente belas<br />

enganam com quadros de uma fantasia ilusório olhar que se regala com elas”. 59 Tschudi<br />

ainda diz que apesar de deslumbrante a floresta não era compatível com a vida humana. 60<br />

Ambas as áreas eram cobertas de Mata Atlântica, a Ilha certamente mais ocupada que o<br />

58<br />

LANGS<strong>DO</strong>RFF, Georg Heinrich von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />

CATARINA. Ilha de Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e<br />

XIX. Op.cit., p. 162.<br />

59 DUARTE, Regina Horta.Olhares Estrangeiros. Viajantes no vale do rio Mucuri. In: Revista<br />

Brasileira de História. Viagens e Viajantes. Nº 44, vol. 22., p. 281.<br />

60 Ibid., p. 283.


113<br />

interior de Minas Gerais, mesmo assim pode-se comparar as reações dos autores dos<br />

relatos e estimar as possibilidades de desenvolvimento das mesmas.<br />

Já na Ilha, Langsdorff ressalta a importância e abundância de muitas frutas como<br />

laranjas, limões, limas, bananas, abacaxis, pêssegos, melões doces, melancias, figos, cocos,<br />

raízes comestíveis como batatas e principalmente mandioca, além de amendoim. 61<br />

Os<br />

animais domésticos também são apontados como relevantes para a economia doméstica,<br />

uma vez que todos os moradores os possuíam. Bois, vacas, porcos, cavalos, marrecos,<br />

gansos e galinhas espalhavam-se por propriedades, sítios e quintais e eram parte da dieta<br />

local muito mais que peixes, os quais tinham períodos determinados de pesca e dificuldade<br />

para serem pescados em grande quantidade e para serem comercializados devido à<br />

dificuldade de armazenamento, especialmente nos meses quentes.<br />

Muitos foram os viajantes europeus que estiveram na Ilha de Santa Catarina, antes<br />

e durante o século XIX. Dentre eles Frézier (1712), Shelvocke (1719), Betagh (1719),<br />

Anson (1740), Pernetty (1763), La Peróuse (1788), Simple Lisle (1797), John Mawe<br />

(1807), Golovnin (1808), Porter (1812), Kotzebue (1815), Chamisso (1815), Choris (1815),<br />

Duperrey (1822), Lesson (1822), Seidler (1825), Trachsler (1828), além de Sanit Hilaire em<br />

1822. 62 Os textos seguem uma linha descritiva como esse de René Primeverè Lesson, que<br />

descreve a Ilha como:<br />

Florestas espessas, frondosas, impenetráveis muitas vezes, atapetam as<br />

montanhas; [...] o naturalista que visita este litoral com os olhos<br />

exclusivamente habituados à criação das zonas temperadas da Europa<br />

[...]. Somente algum tempo depois é que ele se habitua a este luxo de<br />

vegetação e ao brilhante adorno dos pássaros ou dos répteis que pululam<br />

sobre este solo fecundo. 63<br />

61<br />

LANGS<strong>DO</strong>RFF, Georg Heinrich von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />

CATARINA. Ilha de Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e<br />

XIX. Op.cit., p. 174.<br />

62 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha de Santa Catarina. Relato de<br />

viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit.<br />

63 LESSON, Renè P. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha de Santa<br />

Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op. cit. p. 271.


114<br />

Os comentários dos viajantes sobre a Ilha de Santa Catarina, em especial,<br />

versavam sobre seus dois extremos - o bem e o mal. Palavras como as de Pernetty que<br />

afirmava ser o ar insalubre e a terra repleta de bosques onde o sol não penetrava serem os<br />

causadores da palidez dos habitantes brancos da Ilha 64 , contrapunham-se ao outro extremo,<br />

onde estavam os mesmos bosques ricos em madeiras nobres, repletos de plantas aromáticas,<br />

cujo perfume era levado pelo vento por léguas mar adentro 65 . Certamente esses relatos<br />

contribuíram para levar ao conhecimento português o potencial madeireiro das florestas de<br />

sua colônia. Também partiram desses cientistas sugestões como a drenagem de pântanos e<br />

mangues para amenizar um dos maiores males dos trópicos, os insetos.<br />

Adalbert von Chamisso e Louis Choris estiveram na Ilha em 1815 com a<br />

expedição de Kotzebue, que ali já estivera doze anos antes com Krusenstern. O primeiro,<br />

literato e filósofo, dedicou-se às ciências naturais e quando de sua estada nessa parte do<br />

Brasil escreveu um relato com suas impressões de viagem. Dizia-se assustado pela<br />

gigantesca e copiosa abundância da natureza orgânica e “quando se navega pelo canal que<br />

separa a Ilha de Santa Catarina da terra firme, crê-se estar entrando no país da natureza<br />

livre”. 66 Ao descrever uma caminhada pela Ilha, afastando-se da área urbanizada, fala de<br />

um chão inteiramente coberto por uma vegetação selvagem. Caso queira<br />

penetrar lateralmente na espessa escuridão da floresta, abandonado o<br />

caminho estreito, encontra-se uma frente intransponível, tornando<br />

impossível o acesso ao cume da montanha. Quase todas as formas<br />

64 PERNETTY, Antoine Joseph. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA.<br />

Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p.<br />

86.<br />

65<br />

LANGS<strong>DO</strong>RF, Georg Heinrich von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />

CATARINA. Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e<br />

XIX. Op.cit., p 173.<br />

66 CHAMISSO, Adalbert von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha<br />

de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p.249.


115<br />

arquitetônicas da botânica estão comprimidas na floresta em rica<br />

variação. 67<br />

Semelhante ao relato de seu colega, Choris fala da sensação de se “estar sendo<br />

levado ao meio de uma natureza ainda selvagem”, onde “somente aos pés das montanhas<br />

percebemos o trabalho dos homens recentemente estabelecidos ali”. 68 Junto desse relato, o<br />

desenhista Choris apresenta algumas pranchas onde a natureza local foi registrada com<br />

todas as suas cores e exuberância, como na imagem abaixo. Que é assim descrita:<br />

A costa meridional do Brasil é muito alta; as montanhas erguem-se em<br />

anfiteatro além da beira do mar, sem chegar a um ponto onde cesse a<br />

vegetação; de maneira que, revestidas de um verde muito rico, sob um<br />

clima temperado e de uma suavidade extrema, elas oferecem, em todas as<br />

estações, um panorama deslumbrante. 69<br />

(Ilustração 04) Vue de la cöte du Brèsil vis à vis de l`Ile de Stª Catherine (Brèsil). Desenho<br />

de Louis Choris – (21,8 cm x 26,8 cm) In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />

67 Ibid. p. 250<br />

68 CHORIS, Louis. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha de Santa<br />

Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit.,. p. 259.<br />

69 Ibid., p. 261


116<br />

CATARINA. Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII<br />

e XIX. Prancha V. Op.cit., p. 248.<br />

O século XIX é, nesse sentido, o período de relativo rompimento com a tradição<br />

romântica que projetava na natureza características humanas e criava seres e plantas<br />

fantásticos. Inicia-se um maior domínio, adquirido pelo conhecimento, pela prática<br />

taxionômica como as sucessivas visitas desses viajantes e naturalistas, que publicavam suas<br />

memórias e desenhos.<br />

De acordo com Rossato, o interesse predominante das expedições científicas ao<br />

Novo Mundo era, basicamente, científico no período por ela analisado<br />

A motivação para sair da Europa não era o interesse comercial ou a busca<br />

de riquezas materiais, como muitos dos viajantes que os antecederam ou<br />

mesmo contemporâneos seus. Enquanto os viajantes dos primeiros<br />

séculos da colonização da América estavam presos às narrativas<br />

maravilhosas e à exacerbada religiosidade do período, os cientistas<br />

viajantes do final do século XVIII e do século XIX estavam imbuídos de<br />

um espírito mais científico e investigativo. 70<br />

Contrariamente, consideramos que os custos dessas expedições eram elevados<br />

demais para serem justificados apenas pelo interesse científico. Pensamos, porém, que no<br />

período analisado pela autora sobre a Ilha de Santa Catarina - final do século XVIII e início<br />

do XIX - por mais que o ideal cientificista estivesse presente nesses homens e até em seus<br />

financiadores, a própria idéia de natureza ainda era muito ligada à noção de utilidade. Em<br />

uma Europa já desgastada, de solos revolvidos há séculos, de embates entre cercamentos e<br />

terras comunais, a possibilidade de encontrar um éden, um laboratório a céu aberto,<br />

diferente, sim, da natureza já conhecida e domesticada do Velho Mundo, mas, acima de<br />

tudo, “totalmente à disposição” desse Velho Mundo, era uma riqueza. Se viagens de<br />

estudos e reconhecimentos de novas espécies da fauna e da flora possibilitassem a criação<br />

70 ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário: História Natural, viagens científicas e relatos sobre<br />

a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Op.cit., p. 17.


117<br />

de novas fontes de alimento, madeiras - lembremos que a madeira era a principal<br />

matéria prima de embarcações e fonte de energia calórica - ou até “reservatórios” para um<br />

futuro incerto de população em constante crescimento, tanto melhor. A natureza não tinha<br />

porque ser estudada se não para ser usada, e esse uso poderia dividir-se em várias áreas,<br />

desde jardins para o deleite dos nobres, ou madeiras novas para a construção de navios até<br />

para jardins botânicos como o Jardin des Plantes de Paris, cujo objetivo era a adaptação de<br />

plantas tropicais em situações climáticas diversas das suas originais, visando o<br />

desenvolvimento agrícola europeu e das colônias européias.<br />

Além desse sentido de utilidade, a noção de civilização é aqui entendida como<br />

uma característica européia do período, que se tentava aplicar às novas regiões coloniais e<br />

pós-coloniais. Vale ressaltar que a idéia de natureza não é um conceito fechado, apesar de<br />

haver, segundo Worster, um consenso de que “natureza” designa o mundo não-humano, o<br />

mundo que nós não criamos originalmente. 71 Por outro lado o “ambiente social” ou, como é<br />

mais comumente conhecido, o “cenário” no qual os humanos interagem na ausência da<br />

natureza, e os próprios humanos, não são percebidos como “parte da natureza”. Essa<br />

dicotomia entre homens e natureza serviu também como ponto enaltecedor do Brasil<br />

oitocentista, pois,<br />

eleita a natureza como signo da nação, apoiada em nossos padrões<br />

românticos, tornava-se também um elemento central da inserção do<br />

Brasil entre as nações civilizadas, não apenas pela sua grandeza<br />

distintiva, relacionada às matas virgens, selvagens e tropicais, mas<br />

também pela sua preservação e domesticação, o que conferia um outro<br />

atributo à natureza, o da civilização. 72<br />

71 WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Revista de Estudos Históricos. Op.cit., p.<br />

201.<br />

72 Relatório do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typografia<br />

Perseverança, 1864., p.97. In: HEYNEMANN, Cláudia. Floresta da Tijuca. Natureza e<br />

civilização. Coleção Biblioteca Carioca. Rio de Janeiro, 1995., p. 44.


118<br />

Por fim, podemos ler nos textos desses viajantes naturalistas, e agora de forma<br />

literal, informações relevantes que descrevem, ainda nas primeiras décadas do século XIX,<br />

uma floresta exuberante e com muito a oferecer aos portugueses e aos novos “brasileiros”.<br />

Indicavam, também de forma literal, uma necessidade premente de “cuidar” dessa riqueza<br />

natural, pois um dia poderia, se não acabar, ao menos se tornar mais pobre em dádivas aos<br />

humanos.<br />

2.4 Usos e Abusos: a transformação florestal da Ilha de Santa Catarina no<br />

século XIX.<br />

Em contraste com os europeus que haviam colonizado a América temperada – os<br />

quais, com efeito, haviam encontrado florestas e árvores que eram bastante semelhantes<br />

àquelas que eles haviam deixado para trás – os portugueses depararam-se, no processo de<br />

ocupação do território, com uma flora que lhes era nova em grande medida. Transformar<br />

esses elementos em recursos úteis à economia e à sociedade luso-brasileira foi um processo<br />

extremamente lento. A seleção de madeiras para qualquer aplicação requeria a consideração<br />

de muitos fatores e demoravam-se algumas décadas no método de tentativa e erro até que a<br />

espécie certa para um determinado emprego fosse encontrada, além disso, a variedade de<br />

espécies vegetais e o pequeno número de indivíduos de uma mesma espécie em uma<br />

determinada área constituem os aspectos mais notáveis das florestas pluviais tropicais.<br />

As madeiras da Ilha de Santa Catarina, reservadas ou não, foram largamente<br />

utilizadas para os mais diversos fins. Não se diferenciando da Europa no que diz respeito<br />

aos usos básicos da população. Desterro usava madeiras para construção de habitações,<br />

igrejas, pontes, móveis, veículos e tantos outros usos corriqueiros que não poderiam ter<br />

substitutos a altura. Mesmo as construções de alvenaria ou pau-a-pique demandavam


119<br />

madeiras, pois os tijolos e telhas eram feitos em fornos abastecidos de lenha. Evidente<br />

que as espécies usadas para esses diferentes objetivos variavam de acordo com o poder<br />

aquisitivo das pessoas e com os préstimos e qualidades atribuídas à madeira.<br />

Os préstimos das madeiras variavam muito. Massarandubas e canelas ornavam<br />

casas mais abastadas como a casa do Governador e quem sabe de outros ricos locais. O<br />

mangue branco era uma melhor matéria-prima para o carvão. O mangue vermelho era a<br />

base - mais especificamente as cascas das árvores desse mangue - de fornecimento de<br />

tanino para curtumes. Motivo pelo qual como indicado anteriormente gerou uma legislação<br />

voltada à sua preservação, legislação essa que não chegou especificamente à Santa Catarina<br />

nesse período, possibilitando que os ricos mangues que, em sua maioria localizavam-se ao<br />

norte e ao sul da vila de Desterro, fossem também explorados para fins de combustível de<br />

engenhos de farinha. Aliás, esse foi o fim de muita madeira da Ilha de Santa Catarina.<br />

Por conta disso consideramos que efetivamente existiu uma indústria madeireira<br />

na Ilha de Santa Catarina, porém é preciso dimensionar seu tamanho e importância em<br />

relação às restrições de tamanho da própria Ilha que, conseqüentemente, restringia também<br />

a disponibilidade de madeira sobre seu território.<br />

Podemos concluir que, com o passar das décadas do século XIX, muita<br />

experiência foi adquirida, especialmente pelos moradores da Ilha. A lei de terras de 1850<br />

encarregara-se, em nível formal, de normatizar a ocupação territorial no Brasil e, na Ilha,<br />

local já delimitado pelo mar, a necessidade de “aproveitar melhor” a terra passou a ser mais<br />

palpável. A agricultura tão estimulada no inicio do século e uma das grandes responsáveis<br />

pela transformação de áreas de floresta - que davam lugar à campos cultivados e<br />

domesticados pelo homem - passa a dividir essa função com a expansão urbana. Desterro<br />

não é mais o único aglomerado urbano significativo da Ilha, as freguesias do interior<br />

também crescem no ritmo do crescimento populacional. Nesse compasso, crescem as casas,


120<br />

ampliam-se áreas construídas e, para se fazer isso, continua-se a utilizar a matéria-prima<br />

florestal. Floresta essa que não era mais a mesma de 60 ou 70 anos atrás. Pontos antes tidos<br />

como de difícil acesso, desvalorizados para a agricultura por serem íngremes ou<br />

pantanosos, já abriam os braços para casas comerciais e sobrados residenciais. O morro do<br />

Antão nas costas do hospital de caridade, a praia de fora, um pouco afastada do centro,<br />

todos já haviam sido ocupados pela nova vida urbana florescente em diferentes graus.<br />

Uma nova percepção, surgida talvez da experiência, indicava novos atributos à<br />

floresta e um ponto que passou a ser também constantemente destacado pela imprensa e por<br />

autoridades locais era o bom uso da água e sua necessária ligação com a preservação de<br />

áreas de mata. Exemplo disso deu-se em 1860, quando a Câmara pedia que se tomassem<br />

providências para diminuir o desmatamento do morro que envolve a cidade, pois ele seria a<br />

causa da crescente escassez de água que afligia a população. Foi nesse mesmo ano que se<br />

iniciou o comércio de água em Desterro. 73<br />

O código de posturas de Desterro do final do século XIX, mais precisamente<br />

1888, também destinava ações objetivando a preservação florestal. Acreditamos que essas<br />

atitudes se deram em resposta aos problemas observados nas últimas décadas, que<br />

testemunharam uma queda preocupante na área verde da Ilha. Esse Código Municipal de<br />

Posturas, elaborado pouco mais de 40 anos depois do anterior, que era de 1845, tinha um<br />

capítulo dedicado á “Hygiene e saúde pública” e um sub-capítulo que versava sobre as<br />

“mattas e vallas”. Independente do cumprimento ou não das disposições do código – aliás,<br />

pouco realmente se fez, haja vista a cobertura florestal atual da Ilha de Santa Catarina -<br />

proibiu-se o corte do mangue nos terrenos pantanosos ou alagadiços, exceto os existentes<br />

nas margens dos rios navegáveis, para desobstruí-los - essa foi uma mudança importante se<br />

73 ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa<br />

Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). Florianópolis, 2003.<br />

Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis - U<strong>DE</strong>SC., p. 69.


121<br />

compararmos esse código ao anterior. A proibição da derrubada das matas e capoeirões<br />

no morro à leste da cidade estendia-se para uma área de 50 braças para o lado da cidade e<br />

20 braças para o lado oposto. O não cumprimento dessas normas implicava em uma multa<br />

de 20$000 a 30$000 réis. Também era proibido extrair madeira ou lenha de qualquer<br />

qualidade na mata fronteira à cidade. 74<br />

Claro está que, no último quartel do século XIX, já havia problemas de falta de<br />

lenha e madeira no entorno da cidade de Desterro e eram necessárias leis e punições para<br />

normatizar a continuidade na exploração desse material. O código de posturas também<br />

proibia o corte de árvores, a fabricação de carvão e queimadas às margens de rios até a<br />

distância de 40 metros, 75 outro indicativo da necessidade de preservar a cobertura florestal<br />

das margens ou o que sobrou dessa cobertura foi reiterada depois de, aproximadamente,<br />

100 anos. Por outro lado, Vieira da Rosa indica, em 1905, a existência, ainda, de matas<br />

virgens em morros e várzeas da Ilha, 76 já o centro da cidade, segundo João Ribeiro de<br />

Almeida, em 1864, era totalmente desarborizado, e isso, se remediado, poderia evitar<br />

muitos males<br />

nem ao menos uma alameda se depara em Desterro [...] o que custaria o<br />

plantio e conservação de algumas dezenas de árvores frondosas, nas<br />

praias e praça [...] E entretanto que somma de benefícios de que se deixa<br />

de tirar proveito! Seria lindo e utilíssimo. As plantações na opinião do<br />

illustre Mr. Chevreud constituem um meio de tornar salubre e purificar o<br />

solo, pois que as árvores não podem crescer sem que neles sorvão os<br />

materiais alteráveis, causa próxima ou remota da infecção. 77<br />

74 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa<br />

Senhora do Desterro, 22 de outubro de 1888. Título 3º, capítulo 1; arts.: 49, 50, 51 e 52.<br />

75 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa<br />

Senhora do Desterro, 22 de outubro de 1888. Título 3º, capítulo 3, artigo132, parágrafo 1º.<br />

76 VIEIRA DA ROSA. Chorografia de Santa Catharina. Florianópolis,: Typ. Da livraria Moderna.<br />

Paschoal Simone, 1905., p. 182. Acervo IHGB.<br />

77 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina e em particular da cidade de Desterro. Desterro: Typ. de JJ. Lopes, 1864., p.<br />

77. Acervo IHGB.


122<br />

A Ilha de Santa Catarina, apresentada não mais um tapete verde de matas<br />

intransponíveis, já aparecia em descrições no final do século XIX e início do século XX,<br />

como nas palavras do padre Vicenzi, que dizia que, ainda da baia, já se podia ver as colinas<br />

matizadas de verde mas “notava-se, aqui e acolá, nas alturas menos íngremes, e não as mais<br />

elevadas, bonitos pedaços de terras, cuidadosamente cultivada”. 78 Essas palavras reforçam<br />

a imagem de uma Ilha diferente da encontrada pelos naturalistas estrangeiros no início do<br />

século XIX, mas também indicam que essas mudanças ainda estavam em andamento. Os<br />

problemas que no início do período imperial iam da exploração madeireira e da<br />

“necessidade” de ampliação da área urbana alcançando chácaras e sítios nos arrabaldes de<br />

Desterro, agora estavam concentrados na emergência do controle do desmatamento nos<br />

morros do entorno da cidade para evitar problemas de abastecimento de água e no controle<br />

do desmatamento e da coleta de lenha, novamente em áreas próximas à cidade, devido à<br />

escassez. Aquela floresta imensa, apesar das proporções geográficas da ilha serem<br />

limitadas, já estava reduzida e localizada nos morros mais elevados e em pontos de mais<br />

difícil acesso, alguns desses locais eram no interior da Ilha, graças às ruas e caminhos<br />

precários.<br />

Desterro já era uma importante cidade, palco de embates políticos e cujas lutas<br />

anteriormente travadas para domesticar as matas e extrair riquezas do solo por elas coberto<br />

já eram temas do passado, apesar de um passado não tão distante. A extração de madeira<br />

para a Real Armada Portuguesa, que rendeu tantos documentos, cartas e relatos, aliados ao<br />

desenvolvimento da agricultura com seus manuais e estímulos para a aclimatação de<br />

plantas exóticas, já cedia espaço à questões de caráter político-administrativo, essa sim a<br />

nova “vocação” de Desterro, logo depois Florianópolis.<br />

78 VICENZI, Jacomo. Uma viagem ao Estado de Santa Catharina em 1902. Nictheroy: Tip.<br />

Amerino, 1904., p. 14. Acervo IHGB.


III<br />

A QUESTÃO AGRÍCOLA<br />

3.1 Legislação no século XIX: permanências, rupturas e contradições.<br />

É a partir de 18 de setembro de 1850, com a lei nº 601, conhecida como “Lei de<br />

Terras”, que parte do território do Império do Brasil passa a figurar como mercadoria. Com<br />

a sugestiva designação de dispor “sobre as terras devolutas do Império, e acerca das que<br />

são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como<br />

por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as<br />

primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como<br />

para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a<br />

promover a colonização estrangeira na forma que se declara” 1 , pretendia-se mudar uma<br />

arraigada tradição de posse e doação, cujo critério era, basicamente, a vontade do doador.<br />

Poder-se-ia argumentar que a lei proporcionaria uma distribuição maior de terra,<br />

uma vez que não mais precisaria comprovar posses e escravos para cultivá-la, bastava<br />

apresentar o dinheiro. O que se viu, porém, foi a repetida concentração de terras nas mãos<br />

dos antigos grandes donos de sesmaria. Quem já muito tinha, ainda mais poderia comprar.<br />

O dispositivo de designar terras para empresas particulares ou para<br />

estabelecimento de colônias, também dividiu com mãos particulares uma incumbência que<br />

até então era do Governo do Estado. Antes da Lei de Terras, que abria o leque para<br />

1 Título da Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de<br />

Janeiro, Tomo 11, parte 1ª, secção 44. Brasil.


124<br />

particulares colonizarem áreas adquiridas por título oneroso, isso era feito através de<br />

leis provinciais ou, mais raramente, por particulares em suas sesmarias. Um dos primeiros<br />

casos desse tipo em Santa Catarina foi autorizado pela lei de 05 de maio de 1833, que<br />

determinava o estabelecimento de duas colônias nos rios Itajahy Grande e Mirim. De<br />

acordo com o relatório do presidente da Província de 1851, essas colônias já possuíam<br />

então, entre estrangeiros e nacionais, “72 fogos com 347 pessoas [...] 62 cazas de moradia,<br />

21 engenhos de mandioca e 11 de canna”. 2<br />

Na Ilha também se estabeleceram colônias ao norte da barra da capital, como a da<br />

Piedade, com 150 colonos e, de acordo com informações que foram remetidas ao Governo<br />

Imperial, 129 pessoas no fim de abril de 1848. Hoje a população se acha reduzida a 105. 3<br />

Segundo o presidente da Província, a colônia estava em decadência e pouco produzia<br />

devido à má qualidade do terreno, e ele considerava o empreendimento um erro,<br />

especialmente pela escolha desse terreno, tido como árido e cansado.<br />

No que se refere à legislação brasileira anterior a essa lei que passaremos a<br />

designar apenas como ‘Lei de Terras’,<br />

a primeira forma que assumiu o ordenamento jurídico das terras<br />

brasileiras foi a do regime de concessão de sesmarias. As concessões de<br />

sesmarias, entretanto, não representaram o resultado de um processo<br />

interno de evolução de formas anteriores de apropriação. Resultaram da<br />

transposição para as terras descobertas de um instituto jurídico existente<br />

em Portugal. 4<br />

O solo era distribuído gratuitamente somente àqueles que possuíssem condições de<br />

aproveitá-lo e pagar os foros pelo mesmo. Essas condições eram verificadas de acordo com<br />

2 COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa de<br />

Santa Catarina, 1º de março de 1851., p. 9. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

3 Ibid., p. 10.<br />

4 SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio – efeitos da lei de 1850. Campinas/São<br />

Paulo: Ed. da Unicamp, 1996., p.21.


125<br />

o número de escravos possuídos e capacitados para a produção. 5 Tal determinação, que<br />

significava uma estreita relação entre disponibilidade da terra e mão-de-obra, estendeu-se a<br />

todos que solicitavam sesmarias, gerando uma considerável concentração de terras nas<br />

mãos de poucos. 6 Em contrapartida, pequenos colonos ficavam impedidos de ter acesso à<br />

terra e tinham que trabalhar como meeiros ou arrendatários. 7 Essa observação feita por<br />

Fleiuss tem um caráter crítico por ir contra suas idéias de aproveitamento das terras do<br />

Brasil. Essa prática perpetuava as grandes propriedades e limitava as possibilidades de<br />

pequenos colonos tornarem-se proprietários/possuidores de uma porção de terras.<br />

As cláusulas que estipulavam obrigações às pessoas que recebiam terras tinham,<br />

entre seus itens principais, a obrigação de, mesmo antes de tomar posse, medir e demarcar<br />

as ditas terras e notificar os confrontantes. Esses vizinhos eram avisados para que no futuro<br />

não houvesse contestação de limites por parte dos mesmos. Outros pontos importantes eram<br />

conservar nas matas as árvores tapinhoans e perobas, que só poderiam ser cortadas para a<br />

construção de naus para o Rei, além de construir caminhos e pontes e reservar meia légua<br />

nas margens dos rios para logradouro público. 8<br />

As informações sobre as posses de terras e o ordenamento das mesmas dão um<br />

salto quali-quantitativo a partir da Lei de Terras. O registro das posses gera um número de<br />

dados e uma riqueza de informações que, literalmente, criaram um retrato de boa parte da<br />

ocupação e divisão dos terrenos do Brasil. Essa lei, no entanto, só foi regulamentada por<br />

um decreto quatro anos depois de sua publicação.<br />

5 FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio<br />

de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: Garamond, 1999., p. 126.<br />

6 Ibid., p. 126.<br />

7 FLEIUSS, Max. História Administrativa do Brasil. 2ª ed. São Paulo, Caieiras, Rio de Janeiro e<br />

Recife: Cia Melhoramentos de São Paulo, 1925., p. 17.<br />

8 FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio<br />

de Janeiro. Op. cit., p. 126


126<br />

Nesse sentido, o Decreto de número 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que<br />

regulamentou a Lei de Terras foi muito importante. Em seus artigos 14, 15 e 16, definia que<br />

Art. 14. O Inspetor é o responsável pela exatidão das medições; o<br />

trabalho dos Agrimensores lhes será, portanto submetido; sendo por ele<br />

aprovado, procederá a formação dos mapas de cada um dos territórios<br />

medidos. Art. 15. Destes mapas fará extrair três cópias, uma para a<br />

Repartição Geral das Terras Públicas, outra para o Delegado da Província<br />

respectiva e outra que deve permanecer em seu poder: formando afinal<br />

um mapa geral do seu distrito. Art. 16. Estes mapas serão acompanhados<br />

de memoriais, contendo as notas descritivas do terreno medido e todas as<br />

outras indicações, que deverão ser feitas em conformidade do<br />

Regulamento Especial das medições. 9<br />

Também é nesse momento que se estimula a fixação de pessoas de origem<br />

nacional, especialmente em áreas de fronteira, para atuarem como “marcos” do território,<br />

sinais de ocupação das terras por nacionais ou portugueses. No artigo 1º, a lei define que<br />

“ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de<br />

compra. Excetuam-se as terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em<br />

uma zona de 10 léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente”, 10 a princípio, para<br />

esses nacionais, com o objetivo de ocupar o território.<br />

Eram consideradas terras devolutas, de acordo com a Lei de Terras, em seu artigo<br />

3º, parágrafos 1, 2, 3 e 4s:<br />

§1. As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional,<br />

provincial, ou municipal. § 2. As que não se acharem no domínio<br />

particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias<br />

e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em<br />

comisso por falta do cumprimento das condições de medição,<br />

9 BRASIL, Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Manda Executar a lei 601 de 1850. Coleção de<br />

Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, Tomo 17, parte 2ª, secção 6. Artigos 14, 15 e 16.<br />

10 BRASIL, Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império, e<br />

acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem<br />

como por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as<br />

primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para o<br />

estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a<br />

colonização estrangeira na forma que se declara. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de<br />

Janeiro, Tomo 11, parte 1ª, secção 44. Brasil. Artigo 1.


127<br />

confirmação e cultura. § 3. As que não se acharem dadas por<br />

sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em<br />

comisso, forem revalidadas por esta Lei. § 4. As que não se acharem<br />

ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título legal,<br />

forem legitimadas por esta Lei. 11<br />

Para cumprir esse trecho da lei referente às terras públicas a própria Lei de Terras<br />

estabeleceu a criação da Repartição Geral das Terras Públicas, cujas atribuições foram<br />

regulamentadas pelo decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854, em seu artigo 3:<br />

§ 1. Dirigir a medição, divisão, e descrição das terras devolutas, e prover<br />

sobre a sua conservação. § 2. Organizar um Regulamento especial para as<br />

medições, no qual indique o modo prático de proceder a elas, e quais as<br />

informações, que devem conter os memorais, de que trata o Art. 16 deste<br />

Regulamento. § 3. Propor ao Governo as terras devolutas, que deverão ser<br />

reservadas: 1., para a colonização dos indígenas; 2., para a fundação de<br />

Povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras servidões, e assento de<br />

Estabelecimentos Públicos. § 4. Fornecer ao Ministro da Marinha todas as<br />

informações, que tiver acerca das terras devolutas, que em razão de sua<br />

situação, e abundância de madeiras próprias para a construção naval,<br />

convenha reservar para o dito fim. § 5. Propor a porção de terras medidas,<br />

que anualmente deverão ser vendidas. § 6. Fiscalizar a distribuição das<br />

terras devolutas, e a regularidade das operações da venda. § 7. Promover a<br />

colonização nacional e estrangeira. § 8. Promover o registro das terras<br />

possuídas. § 9. Propor ao Governo a fórmula, que devem ter os títulos de<br />

revalidação e de legitimação de terra. 12<br />

Não aceitar as disposições dessa comissão implicava, de acordo com a lei, penas<br />

de prisão até três meses e multa de até 200$000 réis.<br />

Quem já era ocupante quando da promulgação da Lei de Terras tinha sua situação,<br />

na maioria das vezes, legalizada. Isso se deu especialmente em função da suspensão da<br />

doação de sesmarias em julho de 1822, tornando a posse o único modo de aquisição de<br />

terras até 1850. Nesse intervalo de tempo muitas terras foram simplesmente ocupadas e<br />

cultivadas, fazendo com que, com a nova lei, essas pessoas as requeressem como sendo<br />

11 Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., artigo 3.<br />

12 Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., artigo 3.


128<br />

suas quase trinta anos depois. A justificativa usada era os longos anos de ocupação e a<br />

produtividade dessas terras.<br />

No artigo 5, § 4. da mesma lei, define-se, no entanto, que “os campos de uso<br />

comum dos moradores de uma ou mais freguesias, municípios ou comarcas [rossio] 13 serão<br />

conservados em toda a extensão de suas divisas, e continuarão a prestar o mesmo uso,<br />

conforme a prática atual, enquanto por lei não se dispuser o contrário”. 14 Essa disposição só<br />

vinha reforçar longas tradições como o pasto de animais em terrenos públicos e vazios,<br />

caça e coleta de frutos em terrenos que não eram privados ou retirada de lenha e madeira,<br />

especialmente de mangues e áreas próximas à vilas e cidades. Tal indefinição constante na<br />

própria Lei de Terras explica, em parte, as dúvidas e práticas ilegais que persistiram por<br />

tantos anos na distribuição de terras no Brasil, tanto que “a solicitação de datas e a sua<br />

concessão prossegue até fins do Império. O aforamento de glebas continua penetrando<br />

mesmo a república, que vai praticamente extingui-lo com o Código Civil de 1917”. 15<br />

Não é difícil constatar que essas práticas pesaram muito na devastação ambiental,<br />

em especial no caso dos mangues vizinhos às áreas urbanas, que foram, em grande parte,<br />

destruídos antes da metade do século XIX. A prática de derrubada de mangues para fins<br />

domésticos - lenha para fogões, caieiras, etc - ou para curtumes e secagem de áreas tidas<br />

como produtoras de umidade e doenças era amparada por lei - na Ilha de Santa Catarina<br />

fazia parte do código de posturas do município - e, associada à indefinição das fronteiras,<br />

13 Ao se criar uma vila seguiam-se algumas exigências, como a de estipular localizações de prédios<br />

como casa de câmara e cadeia e pelourinho. Era a partir destes que se definia o termo da vila, que<br />

não era, de forma alguma, claro ou bem demarcado no que se refere a logradouros públicos, áreas<br />

comuns da vila ou mesmo de seu rossio. Essa área servia a distintos propósitos, que poderiam<br />

resumir-se em sua utilização por parte de todos os moradores para pasto de animais, para coleta de<br />

madeira ou de lenha, para algum plantio, bem como constituía uma reserva para a expansão da vila,<br />

seja prevendo novas sessões de terra, seja a abertura dos correspondentes caminhos e estradas, ruas<br />

ou praças. In: MARX. Murillo. Cidade no Brasil Terra de Quem São Paulo: Studio Nobel,<br />

1991., p. 69.<br />

14 Lei 601 de 18 de setembro de 1850. Op.cit., artigo 5.<br />

15 MARX, Murillo. Cidade no Brasil: Terra de Quem São Paulo: Edusp/Studio Nobel, 1991., p.<br />

118.


129<br />

tornou-se ainda mais desmedida. A doação de novas terras para agricultura, por sua vez,<br />

sem critérios de preservação de matas teve como conseqüência um avanço para terras<br />

virgens e o abandono de terras cansadas pelo uso exaustivo ou mau uso dos recursos do<br />

solo.<br />

A lei 601, mesmo depois de aprovada e considerado seu impacto no campo, não<br />

teve como seu efeito “a distribuição mais ampla das mesmas [terras], quiçá almejada pelo<br />

poder central, porém, e muito ao contrário, redundou num reforço das características de alta<br />

concentração delas nas mãos de muito poucos”. 16 Um exemplo dessa “transgressão” foram<br />

os lotes de tamanho superior a mil hectares, definidos pelo governo para a venda e que<br />

indicavam que o destino não era a pequena propriedade, em muitos casos isso comprovouse<br />

no final do século XIX e início do XX, quando algumas dessas terras foram repassadas<br />

para empresas colonizadoras com o objetivo de as retalhar e vendê-las para imigrantes, 17<br />

prática percebida no oeste de Santa Catarina, sudoeste do Paraná e noroeste do Rio Grande<br />

do Sul. 18<br />

Para efetivar essa divisão do terreno em lotes a mata era devastada e suas<br />

madeiras aproveitadas, ficando o solo livre para os novos colonizadores, o que transformou<br />

a paisagem em um grande “mosaico” de culturas.<br />

Tal fato chocava-se com o disposto no artigo 12 do decreto 1.318 de 30 de janeiro<br />

de 1854, em que se definia que<br />

as medições serão feitas por territórios, que regularmente formarão<br />

quadrados de seis mil braças de lado, subdivididos em lotes, ou<br />

quadrados de quinhentas braças de lado, conforme a regra indicada no<br />

16 MARX, Murillo. Cidade no Brasil: Terra de Quem Op. cit., p. 119.<br />

17 Ibid., p. 109.<br />

18 Para mais detalhes sobre o tema ver: CESCO, Susana. Migração e Desmatamento no Alto Vale<br />

do Uruguai:uma releitura da relação homem x florestas no início do século XX. Florianópolis,<br />

2003. Conclusão de Curso Graduação em História. Universidade Federal de Santa Catarina;<br />

NODARI, Eunice S. A Renegociação da Etnicidade no Oeste de Santa Catarina (1917-1954).<br />

Porto Alegre, 1999. Doutorado em História PUC-RS; CESCO, Susana. Desmatamento e Migração<br />

no Alto Vale do Rio do Peixe: discussões sobre “progresso” e transformação ambiental.<br />

Florianópolis, 2005. Mestrado em História. Universidade Federal de Santa Catarina.


130<br />

art. 14. da Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, e segundo o modo<br />

prático prescrito no Regulamento Especial, que for organizado pela<br />

Repartição Geral das Terras Públicas. 19<br />

A política de legalização da propriedade de terras pós 1850 abria a possibilidade<br />

de modificar o sistema de agricultura do país, que até então era pautado pela “fronteira<br />

aberta”, móvel e predatória. Teoricamente, a partir do momento em que a terra passava a ter<br />

um valor monetário, a ampliação das propriedades restringia-se e a necessidade de<br />

aproveitar melhor o solo aumentava. Esse aproveitamento já era discutido em muitos<br />

manuais agrícolas e em discursos e artigos de membros da Sociedade Auxiliadora da<br />

Indústria Nacional e iam desde a adubação do solo, passando pela rotação de culturas e o<br />

pousio, até outras técnicas. Tudo isso não seria viável se o objeto fossem as grandes<br />

monoculturas, mas tornava-se uma boa idéia quando se tratava de pequenas propriedades<br />

familiares, ideal de colonização do sul do Brasil.<br />

Quando da promulgação da Lei de Terras, os posseiros ficaram obrigados, de<br />

acordo com o artigo 11<br />

a tirar títulos dos terrenos que lhes ficarem pertencendo por efeito desta<br />

lei, e sem eles não poderão hipotecar os mesmos terrenos, nem aliená-los<br />

por qualquer modo. Estes títulos serão passados pelas Repartições<br />

provinciais que o Governo designar, pagando-se 3$000 de direitos de<br />

Chancelaria pelo terreno que não exceder de um quadrado de 300 braças<br />

por lado, e outro tanto por cada igual quadrado que de mais contiver a<br />

posse; e além disso 4$000 de feitio, sem mais emolumentos ou selo. 20<br />

Os proprietários de terras ficavam obrigados também, após a nomeação dos Juízes<br />

Conservadores que coordenariam as demarcações e após o prazo estipulado pelo presidente<br />

da Província, a medir as terras adquiridas por posses sujeitas à legitimação, ou por<br />

sesmarias, ou outras concessões que estejam por medir e sujeitas à revalidação, marcando<br />

maior ou menor prazo, segundo as circunstâncias do Município, e o maior ou menor<br />

19 Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., artigo 12.<br />

20 Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Op. cit., artigo 11.


131<br />

número de posses, e sesmarias sujeitas à legitimação, e revalidação, que aí<br />

existirem. No artigo 33 ficava definido que os prazos marcados poderiam ser prorrogados<br />

pelos mesmos presidentes, se assim o julgarem conveniente, e neste caso a prorrogação<br />

seria válida a todos os possuidores do município em mesma situação. 21<br />

Ainda segundo o texto da lei, o artigo 12 estipulava que o Governo podia reservar<br />

terras devolutas que julgasse necessárias, desde que seu “uso” fosse: 1., para a colonização<br />

dos indígenas; 2., para a fundação de povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras<br />

servidões, e assento de estabelecimentos públicos e 3., para a construção naval. Esse último<br />

item refere-se às terras possuidoras de florestas ricas em madeiras próprias para a<br />

construção naval, que já eram “controladas” por outros dispositivos legais. No artigo 13 o<br />

mesmo Governo assumia a responsabilidade de “organizar por freguesias o registro das<br />

terras possuídas, sobre as declarações feitas pelos respectivos possuidores, impondo multas<br />

e penas àqueles que deixarem de fazer nos prazos marcados as ditas declarações, ou as<br />

fizerem inexatas”. 22<br />

Posterior à Lei de Terras, o regulamento 1.318, de 1854, determinava que os<br />

possuidores de terras deveriam registrá-las em um prazo fixado por lei. E para facilitar esse<br />

processo o mesmo deveria ser feito nas paróquias onde essas terras estavam localizadas.<br />

Tais registros ficaram conhecidos como “Registros de Vigários” e eram muito simples,<br />

relatavam, na forma de declaração, o nome da terra possuída; designação da freguesia em<br />

que estava situada; o nome particular da situação, se o tiver; sua extensão, se for conhecida,<br />

e seus limites”. 23<br />

21 Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., art. 32 e 33.<br />

22 Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Op. cit., artigos 12 e 13.<br />

23 MOTTA, Márcia M. M. Nas Fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do<br />

século XIX. Rio de Janeiro. Arquivo Público do Rio de Janeiro, 1998., p. 161.


132<br />

Posteriormente, o órgão criado pelo governo Imperial para reger esse processo<br />

de medição e legalização foi a “Repartição Geral das Terras Públicas”, subordinada ao<br />

Ministério da Agricultura do Império. Cada província teve nomeado um juiz comissário de<br />

medição e, depois, criaram-se cargos e funções como: diretor, fiscal tesoureiro, oficiais,<br />

amanuenses e porteiros-arquivistas. A atribuição do juiz comissário era autorizar as<br />

medições e as demarcações das terras já registradas nas paróquias. Os juízes só poderiam<br />

realizar esse serviço caso esse fosse requisitado pelo ocupante da terra. 24<br />

A Repartição Geral de Terras Públicas e as demais repartições provinciais foram<br />

extintas em 1861, quando foi criado o Ministério de Agricultura, Comércio e Obras que<br />

absorveu as funções da repartição. Outro órgão com funções parecidas foi criado em 1874<br />

sob o nome de Registro Geral e Estatística das Terras Públicas, que pouco ou nada fez para<br />

justificar seu nome e logo foi extinto. Apenas em 1876 um órgão foi criado e perdurou até o<br />

final do Império: a Inspetoria de Terras e Colonização.<br />

Enfim, a Lei de Terras foi, em âmbito oficial, uma importante iniciativa para<br />

regulamentar a propriedade de terras no Brasil, que há muito tempo estava sendo baseada<br />

em relações de amizades e interesses. No entanto, não foi de imediato que as novas regras<br />

regaras saíram do papel e entraram no dia-a-dia das pessoas de um território tão vasto e<br />

com cantos tão afastados dos olhos da justiça. Para entender melhor essas dificuldades de<br />

aplicação da lei é preciso analisar o processo que levou a ela e a situação da propriedade da<br />

terra antes dela.<br />

3.2 A propriedade de terras durante o século XIX.<br />

Até 1822, a doação de sesmarias na Ilha e no continente se dava,<br />

preferencialmente, para lotes agrícolas nas diferentes freguesias. No ano de 1822, com a<br />

24 CAVALCANTE, José Luiz. A Lei de Terras de 1850 e a reafirmação do poder básico do Estado<br />

sobre a terra. Histórica - Revista Eletrônica do Estado de São Paulo. N.2, junho 2005.


133<br />

proibição da doação de terras sob designação de sesmarias, muitos habitantes da Ilha de<br />

Santa Catarina ficaram sem opção de posse de terras. Em 1841, o presidente da Província<br />

Antero José Ferreira de Brito ainda apontava os transtornos causados por essa lei que<br />

prejudicava, ainda naquele momento, famílias de lavradores. Nas palavras de Brito, tanto<br />

“na Ilha como em todo o litoral do continente, vêem-se apinhados centenas de homens<br />

trabalhando a terço, e consumindo-se para tirarem a custo sua subsistência de terras já a<br />

muito esterilizadas”. 25 Isso ao mesmo tempo que avistavam-se vastos terrenos férteis que<br />

não podiam ser roteados pela incerteza da posse legal no futuro. Essas incertezas, causadas<br />

pela proibição legal dessa prática no ano de 1822, não impediram que ocorressem<br />

ocupações, legalizadas posteriormente, e expansões de sesmarias já tidas por direito.<br />

No entanto, a presidência da Província tinha, baseada na Legislação Provincial e<br />

na lei nº 11 de 1835 especificamente, ampla faculdade de conceder a empreendedores terras<br />

para a fundação de colônias, sendo também autorizada a fundação por conta do Governo da<br />

Província. As primeiras colônias da Província, criadas por essa lei, foram as das margens<br />

do Rio Itajay-mirim e do Rio Tijucas Grande no continente e os empreendedores<br />

responsáveis por elas eram Wels Pedrick & Gonçalves e Demaria & Schutel,<br />

respectivamente. Segundo a Presidência da Província, em 1841, depois desses últimos não<br />

houve mais interessados nesse tipo de empreendimento. Curiosamente, essa lei provincial,<br />

13 anos após a proibição das sesmarias, atuava com regras muito semelhantes. As doações<br />

eram feitas na forma de grandes porções de terras a pessoas chamadas de empreendedores<br />

que, por sua vez, as dividiam em lotes para serem entregues às famílias de imigrantes com<br />

finalidade agrícola. As regras eram tão semelhantes ao sistema sesmarial que os lotes não<br />

distribuídos aos colonos, em um prazo de 4 anos, seriam considerados devolutos. Ainda<br />

referente a esse tema, em 1840 em seu relatório anual, o presidente da Província sugeria<br />

25 BRITO, Antero Jozé Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em<br />

1841., p. 9 e 10. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.


134<br />

que a colônia deveria ter sempre terras medidas e demarcadas para serem dadas aos<br />

colonos que se apresentassem, sendo condição primordial para isso a exclusão absoluta de<br />

escravos. Até um cálculo foi feito para tal, supondo uma comissão permanente medindo e<br />

demarcando terras, com 10 ou 15 homens empregados, e um oficial, seriam necessários até<br />

3:000$000 réis anuais para as despesas. 26<br />

Mesmo com essa lei, que de certo modo passava por cima da resolução 76 de 17<br />

de julho de 1822, que extinguia a doação de sesmarias no território do Brasil, a formação de<br />

colônias não foi tão significativa até a metade do século XIX. Para agravar a situação e<br />

desestimular empreendedores, algumas colônias não prosperavam e sua população inicial<br />

diminuía. Além disso, os primeiros anos de criação não eram acompanhados por nenhum<br />

“fiscal”, o que só agravava as coisas, ainda de acordo com o presidente da Província. 27<br />

Antes disso podem ser encontrados os registros de sesmarias dos mais diversos na<br />

Ilha de Santa Catarina. No Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC - foram<br />

consultados registros de 1796 a 1823, ou seja, um ano depois da proibição das doações.<br />

Anterior ao Período Imperial, os pedidos eram feitos ao Governador da Ilha que, em<br />

resposta, se positiva, redigia uma “carta de sesmaria”. É o caso de uma, datada de<br />

18/04/1805, que estabelecia as marcações de uma nova sesmaria solicitada pelo Capitão<br />

Miguel Francisco da Costa, morador da Lagoa da Conceição. Segundo a carta, o capitão já<br />

estava de posse de 41 braças de terras de frente e 200 de fundo em um lugar chamado Rio<br />

Tavares, o qual solicitava legalização de posse; essas terras eram oficialmente devolutas.<br />

De acordo com o texto do Governador, o requerente queria que lhe concedessem “as<br />

26 ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província de Santa<br />

Catarina em 1840., p. 34. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

27 BRITO, Antero Jozé Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em<br />

1841., p. 9 e 10. Op. cit. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.


135<br />

mencionadas terras que se achavam devolutas nas frentes de outras que já poçuhia por<br />

compra”. 28 O requerente era apontado como apto para cultivar as terras.<br />

Outra concessão atendida foi feita pelo Governador Dom Luiz Maurício da<br />

Silveira ao Capitão de Cavalaria Miliciana do Distrito da Freguesia da Lagoa que<br />

para seu melhor estabelecimento e suplemento de sua numerosa família<br />

me pedia que (...) lhe concedesse sessenta e quatro braças de terras de<br />

frente com sessenta e oito de fundo, pello lado Norte e sessenta pello Sul<br />

que se achavam devolutas no lugar denominado Caxoeira do Rio<br />

Tavares. 29<br />

Todas essas concessões faziam referência à lei portuguesa de sesmarias do ano de<br />

1747, que obrigava ao solicitante atendido a construção de caminhos e testada de pontes e<br />

estivas onde se fizesse necessário, além da proibição de repasse dessas terras para pessoa<br />

eclesiástica ou Religião – resquício, talvez, do acúmulo de bens dos jesuítas, verificado<br />

quando de sua expulsão, bens dos quais foram espoliados – e reservar qualquer mina ou<br />

viveiro de qualquer metal e os paus reais para a Coroa.<br />

As duas doações acima citadas referem-se aos moradores de freguesias do interior<br />

da Ilha que queriam aumentar ou oficializar suas posses. Já a solicitação de Domingos José<br />

no ano de 1808 é diferente. O mesmo era um morador urbano da Vila de Desterro que<br />

alegava, na solicitação, não ser possuidor de uma légua sequer para sustentar sua numerosa<br />

família por meio da agricultura. Seu pedido de terras referia-se a 17 braças de terras de<br />

frente e 3/9 de fundo na Costeira do Ribeirão, solicitação que, segundo ele, não prejudicaria<br />

terceiros. 30 Os termos da doação são idênticos aos anteriores, o que diferencia essa sesmaria<br />

é que ela seria a propriedade agrícola de uma família da cidade e que, provavelmente, seria<br />

28 CURA<strong>DO</strong>, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria do Capitão Miguel Francisco da<br />

Costa. Acervo n. 1, Estante n. 8E. APESC., fl 145v. 18/04/1805.<br />

29 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria do Capitão de Cavalaria<br />

Miliciana Miguel Francisco da Costa. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 50 e 51, 1807.<br />

30 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria de Domingos José, cazado,<br />

morador nesta Vila. Desterro, 1808. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 152-153.


136<br />

cultivada por agregados ou meeiros, repassando ao proprietário uma parte dos produtos<br />

ou lucros da colheita.<br />

Outro pedido de sesmaria, que parece objetivar a construção de uma “casa de<br />

praia”, é o de Bernardo Francisco Tavares, anspeçado 31 do Regimento de Linha da Praça de<br />

Desterro. A área solicitada era de duas braças de terras devolutas nas marinhas da Praia de<br />

Fora. 32<br />

A lei de 1747, especificamente para Santa Catarina, foi importante quando da<br />

vinda dos casais açorianos em meados do século XVIII. Como todos esses casais tinham a<br />

promessa de ganhar um lote para instalarem-se, teoricamente, a lei das sesmarias<br />

oficializaria com mais praticidade essa posse, porém não foi o que aconteceu. Exemplo<br />

disso é uma solicitação de sesmaria do ano de 1810, feita por Francisco da Roxa Cota,<br />

morador da Vila de Desterro, em que o solicitante afirma que o pedido nada mais era que a<br />

oficialização do lote ganho por seus pais, casal açoriano que chegou à ilha em 1753, e cuja<br />

posse ainda não era oficial. Segundo Francisco, seu falecido pai Antonio Cota Vieira foi um<br />

dos açorianos vindos para povoar a região e a ele foi concedido, pelo então governador<br />

Manoel Escudeiro Ferreira de Souza, o equivalente a ¼ de légua de terra em quadro para<br />

seu estabelecimento na Serraria da Freguesia de São José, tal lote havia sido “medido e<br />

demarcado em hum retângulo de trezentas braças de frente com mil oito centos setenta e<br />

cinco de fundo, pelo demarcador Antonio Gonçalves Pereira”. 33<br />

A primeira concessão foi datada de 02/11/1753, a segunda de 08/11/1753, não<br />

havendo contestação pelos vizinhos. A posse foi ratificada em 1780, confirmada a primeira<br />

31 Antigo posto militar acima do soldado e sob ordens do cabo.<br />

32 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Concessão de Bernardo Francisco<br />

Tavares, 1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 128 verso.<br />

33 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de Sesmaria de Francisco da Roxa Cotta,<br />

morador nesta Vila de Desterro, 04/01/1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 129.


137<br />

medição. A carta de sesmaria oficial ainda não havia sido redigida em 1810. Nesse ano,<br />

o presidente da Província, Dom Maurício da Silveira, concedeu<br />

por Sesmaria, em nome de Sua Alteza Real, como o herdeiro de Antonio<br />

Cotta Vieira cazal do numero vindo para povoar esta ilha em observância<br />

da Real Ordem de nove de agosto de mil setecentos e quarenta e sete e do<br />

Real Decreto de vinte e dois de junho de mil oitocentos e oito ao<br />

mencionado Francisco da Roxa Cotta as contempladas trezentas braças<br />

de terra de frente com mil oitocentas setenta e cinco de fundo. 34<br />

Porém não eram apenas lotes de terras na Ilha de Santa Catarina, ou em terra<br />

firme, que eram dados em sesmaria. Em 30/04/181, o presidente da Província, respondendo<br />

ao pedido do provedor da Fazenda, concede em sesmaria a Ilha do Arvoredo, ilha costeira<br />

vizinha à Ilha de Santa Catarina. Essa porção de terra no litoral catarinense era reclamada<br />

para, segundo o solicitante, instalar uma fazenda. A ilha possuía meia légua de<br />

comprimento e ¼ de légua de largo. 35<br />

Por tudo isso se percebe a dimensão dos problemas oficiais no que se refere à<br />

posse de terras no Brasil e a importância da Lei de Terras. Não parece exagero dizer que<br />

muitos pontos do Brasil eram terras de ninguém, ou pior, de vários proprietários que não se<br />

entendiam quanto aos limites. Em um território tão vasto, com tantos proprietários,<br />

posseiros, imigrantes e tantas categorias de ocupantes, ficava difícil fiscalizar e cobrar<br />

impostos ou mesmo criar políticas de incentivo à agricultura ou preservação da floresta,<br />

além, é claro, das questões ligadas à mão-de-obra livre ou escrava.<br />

Todos esses conflitos relacionados à posse de terras e ao seu aproveitamento, bem<br />

como de seus recursos, no Brasil e na Ilha de Santa Catarina especificamente, merecem<br />

34 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de Sesmaria de Francisco da Roxa Cotta. Op.<br />

cit.<br />

35 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício. Doação de sesmaria à João Prestes Barreto da Fontoura.<br />

30/04/1811. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 161.


138<br />

uma observação mais detalhada que possa lançar luz sobre pontos por tanto tempo<br />

turvos e ampliar as possibilidades de compreensão de suas causas e conseqüências.<br />

3.3 Evolução da agricultura no século XIX.<br />

Considerando toda a legislação que, de certa forma, estava ligada à questão da<br />

terra e da agricultura, assim como outros documentos que podem pautar o tema, esta análise<br />

sobre agricultura na Ilha de Santa Catarina propõe uma abordagem diferente da de tantos<br />

textos já produzidos. Procuramos acrescentar outro elemento à questão, ampliando o leque<br />

de “fatores condicionantes” da agricultura no século XIX - não deixando de olhar para<br />

momentos anteriores, como o século XVIII, que amalgamaram o “cenário”. Esse novo<br />

elemento, que vem somar-se à falta de crédito, à mão-de-obra escrava, à inserção de<br />

imigrantes e à monocultura, é a floresta e a necessidade de derrubá-la. A agricultura exigia<br />

terra limpa e esse é um fator importante do processo de derrubada das matas para receber as<br />

sementes, nem tampouco o trabalho que isso significou, além dos custos de animais,<br />

equipamentos e mão-de-obra.<br />

Como em tantos estudos sobre a agricultura, os documentos aqui analisados são<br />

leis e decretos relacionados ao tema, manuais agrícolas e dados econômicos de produção,<br />

exportação e importação. Além desses, foram pesquisados e relacionados à atividade<br />

agrícola os relatórios sobre extração de madeira, análises geográficas sobre qualidade do<br />

solo e relevo, questões como vegetação predominante, animais locais e domesticados e<br />

idéias de viajantes estrangeiros sobre o tema agricultura em um país tropical, onde, a<br />

princípio, acreditava-se que plantando tudo dava.<br />

Esses documentos, no âmbito do Brasil, permitem um entendimento mais<br />

profundo de temas já tão analisados, como os canaviais no nordeste, os cafezais no sudeste,


139<br />

o ouro e mais tarde a pecuária em Minas Gerais, além de experiências de pequenas<br />

propriedades produtoras de bens de primeira necessidade no sul. Somando-se ao fator<br />

econômico, aos mercados estrangeiros, ao fator político, seus barões do café e senhores de<br />

engenho, existe a questão do meio ambiente, do clima, da vegetação e da qualidade do solo.<br />

No caso do sul do Brasil, especificamente da Ilha de Santa Catarina, algumas<br />

características, especialmente o clima, foram um estímulo para o tipo de ocupação que se<br />

concentrou em lotes e agricultura familiar, visando o abastecimento de alimentos.<br />

O desenvolvimento de atividades agrícolas iniciou-se com a derrubada da densa<br />

floresta que cobria a área, passando pela limpeza do terreno, secagem de áreas pantanosas,<br />

adaptação de culturas ao clima e ao terreno acidentado, em muitos casos, abertura de<br />

estradas e, talvez um dos mais relevantes, conviver e negociar com a condição natural de<br />

ser agricultor em uma ilha. Isso tinha ligação direta com suas relações de exportação e<br />

importação, com o continente fronteiro e com locais distantes, via oceano.<br />

É importante ressaltar o papel da lavoura de subsistência no Brasil agro-exportador<br />

de cana ou de café. O prestígio e o dinheiro agregado aos grandes monocultores faziam<br />

com que, segundo Dean, esses agissem com imprudência e desviassem a maior parte do<br />

trabalho de seus escravos para essa tarefa, “forçando-os a comprar colheitas de subsistência<br />

de vizinhos. Na verdade, os preços de gêneros alimentícios se elevaram mais depressa que<br />

os dos exportáveis”. 36 Essa compra por vezes era feita em locais mais distantes que se<br />

“especializaram” nesse tipo de lavoura, como no caso de Desterro com sua farinha de<br />

mandioca.<br />

Um olhar menos romântico dos imigrantes e colonizadores da Ilha, que por tantos<br />

anos foram descritos pela historiografia como desbravadores e heróis, também é<br />

fundamental para compreender porque muitas tentativas redundaram em erro. Essa área de<br />

36 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São<br />

Paulo: Companhia das Letras,1996., p. 209.


140<br />

colonização programada, com pequenas propriedades e agricultura familiar - sem<br />

esquecer-se do braço escravo a ser analisado posteriormente - recebeu sua primeira leva de<br />

imigrantes em meados do século XVIII e tentou espalhá-los pela Ilha com o intuito de<br />

fundar freguesias caracteristicamente agrícolas. Visando a produção de alimentos que<br />

abasteceriam toda a Ilha e seus excedentes exportados, contou com muitas pessoas que não<br />

eram agricultores em seu país de origem ou que estavam em uma espécie de fuga de sua<br />

terra natal devido à superpopulação e a falta de alimentos. Aliado a isso estava o fato de<br />

que essas pessoas receberam muitas promessas por parte do governo de facilidades de<br />

instalação na nova terra, e muitas dessas promessas não foram cumpridas. Outro ponto de<br />

extrema importância e que não foi considerado por imigrantes e governantes era a diferença<br />

gigantesca do local de origem para o novo lar. Terra, cobertura vegetal, animais, clima. O<br />

exemplo desses primeiros imigrantes provenientes do Arquipélago dos Açores e da Ilha da<br />

Madeira é claro, vinham de ilhas sim, mas oceânicas, e instalaram-se em uma ilha costeira.<br />

Sua terra de origem estava superpovoada, assolada por vulcanismo, maremotos e cansada<br />

por séculos - porém nem tantos séculos assim - de uma agricultura que apenas tirava da<br />

terra e não devolvia nada em forma de técnicas e tecnologias de melhoria do solo. Aqui,<br />

deparam-se também com o quase isolamento, a distância de vizinhos e a longuíssima<br />

distância da corte, o que gerava um isolamento político administrativo ainda maior.<br />

Realmente foram desbravadores, mas certamente sem o “glamour” tantas vezes retratado<br />

pela historiografia tradicional. Essa imagem de força e heroísmo também foi atribuída a<br />

alguns políticos como o Brigadeiro José da Silva Paes, o governador no período da<br />

chegada dos açorianos e madeirenses. Piazza o retrata como homem que “a tudo, enquanto<br />

esteve à frente da capitania da Ilha de Santa Catarina, deu a melhor atenção”. 37 Difícil crer<br />

que as providências tomadas pelo governo tenham sido tão eficientes, haja vista as<br />

37 PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açoriana (1748/1756). Cópia Mimeografada. Acervo Biblioteca<br />

Central - Universidade Federal de Santa Catarina, 1992., p. 13.


141<br />

reclamações feitas justamente sobre a falta dos itens prometidos e a própria demarcação<br />

dos lotes. Por conta disso, a afirmação de Piazza, possivelmente embasada, sem<br />

questionamentos, em documentos ou relatos, de que houve problemas já na distribuição das<br />

terras, “como o de se contentarem com muito menos, por quererem ficar mais pertos huns<br />

dos outros, o que não conseguiram se o tivessem de tomar cada um o que vossa majestade<br />

lhe mandar”, 38 é dúbia. Para pessoas que emigraram justamente pela falta de terras para<br />

cultivar e pela fome, tal atitude seria, no mínimo, controversa. Talvez o que tenha ocorrido<br />

tenha sido que o povoado da vila de Desterro era tão pouco servido de infraestrutura que os<br />

imigrantes preferiam ficar em lotes mais próximos do centro da vila a pontos isolados, sem<br />

estradas, de difíceis acessos e ainda mais distantes dos olhos do Estado. Quando da<br />

indicação de formar novas freguesias no interior da Ilha, as dificuldades enfrentadas pelos<br />

novos moradores eram bem palpáveis. Muitas vezes era mais prático o deslocamento de<br />

pessoas, mercadorias e animais até o centro da Vila por mar que por terra.<br />

Do ponto de vista agrícola, a ocupação e transformação da paisagem local foi bem<br />

característica, tendo esse, relativamente, pequeno território sido palco de variadas culturas<br />

agrícolas, algumas puramente experimentais. Por ser uma ilha e, conseqüentemente, possuir<br />

uma fronteira territorial definida - sem considerarmos aterros, por exemplo - as noções de<br />

controle de território e de sua ocupação pareceram mais fáceis para os governantes. Porém,<br />

a divisão da Ilha de Santa Catarina em lotes privilegiou alguns em detrimento de outros<br />

tantos, e a distribuição e o desenho geográfico local foram adquirindo contornos pela<br />

experiência do dia-a-dia, plantando, colhendo, desmatando, muito mais que por<br />

determinações oficiais. A “estrada” foi sendo construída com o caminhar.<br />

Ao invés de receber um lote demarcado, muitas vezes ocupava-se uma porção de<br />

terras por anos ou décadas e só depois essa era regularizada. O mesmo quando nos<br />

38 PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açoriana (1748/1756). Op. cit., p. 13.


142<br />

referimos ao recebimento de grãos e animais para iniciar a cultura, promessas do<br />

governo que demoraram ou sequer foram cumpridas. Tudo isso passava por um processo de<br />

“negociação” com o ambiente local, na maioria das vezes, optando-se por produzir<br />

mandioca e outros produtos da terra cuja experiência já indicava sucesso ao aventurar-se<br />

em novidades cuja praticidade de produção ainda era duvidosa. A agricultura da Ilha<br />

emprestou características das grandes lavouras e as associou ao cotidiano e às necessidades<br />

locais, criando feições próprias e diferenciando-se, em muitos pontos, do que Sérgio<br />

Buarque de Holanda entendia ser o padrão brasileiro. De acordo com esse autor, existe uma<br />

diferença entre “agrícola” e “rural”. A primeira estaria associada às atividades diretas, à<br />

pequena propriedade e ao trabalho familiar; diferente da segunda, cuja preocupação e<br />

cuidado com a terra inexistiam. Era uma associação direta ao latifúndio e ao trabalho<br />

escravo. Para Holanda, os portugueses instalaram no Brasil uma “civilização de raízes<br />

rurais” e não “agrícola”. 39<br />

Essas observações, baseadas nas técnicas de produção e equipamentos empregados<br />

na lavoura, somaram-se a muitos textos que, por longos anos, descreveram o atraso dos<br />

métodos agrícolas, a rusticidade e o despreparo daqueles que eram os responsáveis pelo<br />

progresso do Brasil. Aliás, o próprio conceito de progresso entra em xeque aqui. Não usar<br />

arado, praticar a coivara, avançar e devastar a floresta a cada poucos anos, com a<br />

justificativa de esgotamento do solo, foram constantes por vários séculos no Brasil,<br />

especialmente nas áreas dedicadas à agricultura. Podemos nos questionar se faltavam<br />

conhecimentos científicos ou faltava a idéia de que fosse necessário ou possível um<br />

aprimoramento técnico.<br />

39 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995., p. 49.


143<br />

Fazendo uma analogia ao tema, ao analisar as condições para o avanço da<br />

ciência na Idade Média, Febvre 40<br />

enfatiza que, sem deixar de marcar a carência dos<br />

“instrumentos” mentais necessários, faltava aos homens da época os instrumentos materiais<br />

e a linguagem necessária para expressar os resultados observados, os instrumentos e a<br />

linguagem científica.<br />

Para observar, nada mais tinham que os dois olhos (...) feita a<br />

observação, como medí-la (...) como a ciência não tem ferramentas,<br />

também não tem linguagem. (...)As técnicas, aliás, os métodos de<br />

cálculo estavam longe ainda de estar uniformizados. (...) Métodos<br />

oscilantes, símbolos insuficientes. 41<br />

Ato contínuo dessa realidade é a experimentação, tentativas e erros até o acerto. A<br />

referência à idade Média de Febvre pode ser adaptada à colonização das terras do Brasil e a<br />

sua utilidade e transformação nesses séculos de ocupação européia. O que acreditava-se ser<br />

permanentemente fértil a princípio, posteriormente descobre-se que se esgota se não for<br />

bem utilizado. A realidade do esgotamento do solo tão conhecida da Europa desse período<br />

não era impossível no Brasil, o que diferenciava esse processo eram o tempo de fertilidade<br />

do solo, as técnicas aqui empregadas e as culturas. A fertilidade inesgotável não existia e o<br />

Brasil não era o paraíso terreal. Continuava sendo necessário trabalhar, e muito, para<br />

produzir por muito tempo.<br />

Considerando que era na agricultura que se obtinha alimento, dinheiro, poder,<br />

enfim, era na agricultura que se baseavam as relações sociais, em especial nos lugares mais<br />

isolados do Brasil, característica da Ilha de Santa Catarina, era preciso transformar o local<br />

em área agrícola. Essa era a indicação dada aos habitantes locais, especialmente por<br />

políticos e intelectuais.<br />

40 FEBVRE, Lucien. Os apoios da irreligião: as ciências In: O problema da descrença no século<br />

XVI - A religião de Rabelais. Lisboa, Editorial-Inicio, s.d.<br />

41 MENASCHE, Renata. O guia de Friedric von Weech - Impressões de um imigrante alemão<br />

no Brasil do século XIX. In: Estudos Sociedade e Agricultura. 5, novembro 1995. pp. 132 - 140.


144<br />

As idéias da fertilidade do solo nasceram, em parte, pela observação da<br />

floresta que os portugueses encontraram ao chegar no Brasil. As árvores enormes, das mais<br />

variadas espécies e espalhadas por todos os lugares eram interpretadas como um indicativo<br />

da qualidade do solo. Aliás, segundo Sérgio Buarque de Holanda, para os teólogos da Idade<br />

Média o mundo ideal, o paraíso terreal não era uma fábula, já fazia parte dos primeiros<br />

estudos cartográficos e da busca de peregrinos. Para esses homens europeus,<br />

Enquanto no Velho Mundo a natureza avaramente regateava suas dádivas<br />

repartindo-as por estações e só beneficiando os previdentes, os diligentes,<br />

os pacientes, no paraíso americano ela se entregava de imediato em sua<br />

plenitude, sem a dura necessidade - sinal de imperfeição - de ter de apelar<br />

para o trabalho dos homens. Como nos primeiros dias de criação, tudo<br />

aqui era dom de Deus não era obra do arador, do ceifador ou do<br />

moleiro. 42<br />

A terra brasileira vista como tão fértil, e aos poucos percebida como gigantesca,<br />

era uma possível fonte para abastecer uma Europa cansada. As florestas por si só<br />

revelavam-se ricas fontes de madeira, corantes e frutos. Derrubando-as, aproveitar-se-iam<br />

as terras que, se até então abrigavam e forneciam nutrientes para árvores tão grandes,<br />

fariam maravilhar a agricultura.<br />

Com o objetivo de instruir esses ocupantes de terras novas, muitos textos foram<br />

elaborados e circularam em jornais ou revistas. Manuais agrícolas, discursos sobre as<br />

vantagens de determinadas plantas ou relatórios de produtividade, eram comuns no século<br />

XIX. Estímulos para novas propostas de implantação de produtos também existiram e<br />

configuraram-se com premiações, que em alguns casos eram oferecidas, ou com a<br />

oportunidade da divulgação de experiências produtoras, que chegaram a freqüentar<br />

exposições agrícolas internacionais.<br />

42 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo, Brasiliense; Publifolha, 2000., p.<br />

Prefácio X e XI.


145<br />

Um desses exemplos é o Manual do Agricultor Brasileiro de Carlos Augusto<br />

Taunay, que o inicia deixando claro que seu objetivo é traçar uma linha de trabalho e<br />

práticas agrícolas para o Brasil, e não elaborar um completo guia de técnicas e produtos<br />

para um território tão extenso e diversificado.<br />

Taunay aponta os três princípios básicos para uma produção agrícola satisfatória.<br />

Os pontos a serem considerados são “a escolha do local e qualidade dos terrenos. O local<br />

deve ser sadio, regado de águas, e ter comunicações fáceis, por mar ou por terra, com o<br />

mercado onde os produtos acham extração”. 43 Depois, outra característica fundamental para<br />

aquele que quer ser um produtor agrícola é a qualidade dos terrenos e sua conseqüente<br />

fertilidade para a lavoura. O autor, também um proprietário de terras e produtor de café em<br />

um sítio no Rio de Janeiro, acreditava que na ausência de algum desses itens era fácil não<br />

haver lucros para o agricultor, sendo a primeira condição a ser levada em conta a do “local,<br />

uma vez que o solo brasileiro era todo fértil”. 44<br />

No quarto capítulo do manual do agricultor brasileiro o autor versa sobre a<br />

administração de uma propriedade e o que deve e pode ser nela produzido, levando-se em<br />

conta as condições de localização e solo, além de fazer um levantamento da adequação de<br />

determinados produtos para locais específicos:<br />

Somente um grande capitalista pode adquirir um engenho; que a lavoura<br />

dos mantimentos e do café ocupa a classe mediana e pobre dos<br />

lavradores de beira-mar e das serras; que o algodão e fumo são culturas<br />

mais próprias aos sertanejos, bem como a criação dos gados; que os<br />

cereais convêm às províncias meridionais; que o cacau é cultura por<br />

agora limitada a província do Pará; que a cultura do anil, do chá,<br />

cochonilha, ópio, canela, pimenta, cravo e outras muitas, achando-se<br />

abandonadas, ou, tendo sido praticadas, formam novos ramos da<br />

indústria, que o geral dos agricultores não estão em posição de ensaiar. 45<br />

43 TAUNAY, Carlos Augusto. Manual do Agricultor Brasileiro. Org. MARQUESE, Rafael de<br />

Bivar. São Paulo: Cia das Letras, 2001., p. 42-43.<br />

44 Ibid., p. 43.<br />

45 Ibid., p. 83-84.


146<br />

Inclusive, esses últimos produtos eram indicados em vários relatórios de<br />

presidentes de Província como ideais para serem produzidos na Ilha de Santa Catarina. O<br />

local foi muitas vezes tido como um “laboratório” para a produção de novas plantas e em<br />

alguns casos como o do anil, o governo forneceria as sementes e se responsabilizaria pela<br />

compra das primeiras safras, estimulando a produção e garantindo o lucro do produtor até<br />

que ele se auto-sustentasse.<br />

Outros textos seguiam a mesma linha de raciocínio, indicando a necessidade de<br />

aprimorar a indústria agrícola, como o relatório do presidente da Província de Santa<br />

Catarina em 1840. Nesse, o administrador dizia que não existia uma indústria agrícola na<br />

Província, que “cada um faz o que seu pai já fazia, e planta o que tem visto plantar, e<br />

ajuntando a isso alguma indolência, fica completo o quadro”. 46 A sugestão de Andrea são<br />

prêmios do governo para os agricultores que mais produziam e que usavam técnicas<br />

inovadoras. 47<br />

Outro texto de conteúdo semelhante é o do Chanceller da relação do Maranhão,<br />

conselheiro Antônio Rodrigues Velloso de Oliveira, escrito em meados do século XIX. Um<br />

pequeno livro, em resposta a um ofício de Sua Alteza Real, clamando por mais obras desse<br />

gênero, intitulado Memória sobre a Agricultura no Brasil, no qual se propunha fornecer<br />

informações sobre o “requerimento junto aos lavradores, rendeiros do Brasil”. 48<br />

Essa Memória teve cópia oferecida ao IHGB pelo sócio Cezar Augusto Marques e<br />

foi publicada em 1873 na revista do Instituto. Nela o Conselheiro desenvolve idéias sobre<br />

tamanho de lotes e sesmarias, mão-de-obra e culturas que obteriam sucesso no Brasil.<br />

Implícito no texto está um projeto de “progresso” e desenvolvimento da nação, baseado em<br />

46 ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província em 1840.,<br />

p. 27. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

47 Ibid., p.27.<br />

48 OLIVEIRA, Antonio Rodrigues Veloso de. Memória sobre a Agricultura no Brasil. In: RIHGB,<br />

1873., p. 93.


147<br />

pequenos lotes arrendados a terceiros por grandes fazendeiros proprietários de<br />

sesmarias, em trabalho livre familiar e estímulo, por parte do Estado, para a cultura de<br />

produtos como linho, cânhamo, trigo e outros. Segundo Oliveira a primeira questão que se<br />

apresenta quando da colonização de um país<br />

é sem duvida a divisão das terras, que formam a sua integridade, ou a<br />

quarta parte, que se deseja habitar, e cultivar: esta divisão serve de<br />

origem e fundamento à posse pacífica, e ao domínio, que os tranqüiliza,<br />

excita neles o amor ao trabalho e recompensa: faltando uma e outra<br />

cousa, os mesmos colonos se julgam estrangeiros na própria terra. 49<br />

Seguindo esse raciocínio, o autor defendia a manutenção das grandes sesmarias de<br />

terras, pois, “com o tempo se hão de dividir em glebas, já por vendas parciaes, já por morte<br />

dos possuidores, á proporção de seus respectivos herdeiros”. 50 Porém, essa divisão através<br />

das parcerias seria muito mais interessante a todos, pois atenderia uma demanda imediata<br />

que era a de ocupar e cultivar terras livres e, com esse cultivo, pagar tributos ao Estado.<br />

Além do sistema de parcerias não significar perda de propriedade para os fazendeiros.<br />

Como exemplo do sucesso desse sistema de cultivo é apresentado o caso das Ilhas dos<br />

Açores e Madeira, conhecidas do autor. Nesse caso, de acordo com Oliveira, a povoação, a<br />

cultura e a indústria se teriam avantajado muito se as terras não estivessem monopolizadas<br />

por grandes morgados 51 sem que nem as emphyteuses pudessem aumentar o número de<br />

proprietários. Essa idéia é semelhante ao sistema de pequenos lotes coloniais desenvolvido<br />

em Santa Catarina no que se refere à cultura e ocupação, excetuando-se a questão da<br />

propriedade oficial das terras.<br />

49 OLIVEIRA, Antonio Rodrigues Veloso de. Memória sobre a Agricultura no Brasil. Op. cit., p.<br />

93.<br />

50 Ibid., p. 93.<br />

51 O termo morgado define o caráter de sucessão de uma propriedade de terra, em que esta só pode<br />

ser deixada em herança ao filho mais velho e não pode se dividida ou alienada.


148<br />

Por outro lado, na própria Ilha da Madeira existiam exemplos opostos, em que<br />

pequenos terrenos de baixo valor quando entregues a pobres caseiros, fornecendo-lhes os<br />

meios para sobreviver e investir nos primeiros anos, logo tornavam-se produtivos e<br />

passíveis de cobrança da meação ou outro qualquer sistema de parceria. Aliás, tal idéia de<br />

isenção de pagamento dos tributos sobre produção nos primeiros anos da fixação do<br />

agricultor em determinado lote era uma das bandeiras do Conselheiro, que acreditava ser<br />

esse o estímulo decisivo para o apego dos arrendatários a terra e a dedicação necessária<br />

para muito produzir. O valor de um lote de terra era grande, menos financeiramente do que<br />

como local de subsistência. Importante também era a ocupação de áreas e a legalização<br />

delas, especialmente depois da Lei de Terras, momento em que o tema voltou a estar sob os<br />

holofotes. Isso pode ser percebido em Aviso do Governo de 10 de abril de 1858, no qual se<br />

estabelecia que a posse de terra por pessoa pobre fosse legitimada por conta do Governo.<br />

Porém, baseados no próprio edital real que estimulava a saída dos excedentes de população<br />

pobre dos Açores e Madeira podemos concluir que poucos foram os casos, como o exemplo<br />

citado pelo Conselheiro Oliveira, em que pequenos lotes eram dados a caseiros pobres<br />

nessas ilhas.<br />

Como o tema das posses ficou em pauta por longos anos, já no final do período<br />

imperial ainda havia “preocupação” governamental com isso. Em 1886 o então ministro da<br />

agricultura Antônio da Silva Prado apresentou à Câmara<br />

um projeto que previa que ‘as posses mansas e pacíficas adquiridas por<br />

ocupação primária ou havidas do primeiro ocupante, que se achem<br />

cultivadas ou com princípio de cultura ou morada habitual’ devem ser<br />

legitimadas, porém, não se entenderá por principio de cultura o simples<br />

roçado, derrubadas ou queimadas de matas. 52<br />

52 PETRONE, Maria Tereza Schorer. Aspectos da rede fundiária em São Paulo no século XIX. O<br />

problema das posses., p. 17 - 18. In: Anais da Semana de Estudos de História Agrária.<br />

Universidade Estadual Paulista, 1982.


149<br />

Essa teoria tinha razão de ser. Também houve outra em que o autor falava da<br />

ociosidade dos soldados e da necessidade desses soldados desenvolverem a atividade de<br />

lavradores, sendo para tanto destinado a cada regimento de tropa de linha um terreno<br />

conveniente, o autor indicava uma légua quadrada.<br />

Esta última idéia ressalta uma realidade preocupante, que no caso das tropas da<br />

Ilha de Santa Catarina já se estendia por décadas, desencadeando também um problema de<br />

produção percebido ainda em finais do século XVIII. O fato de os soldados, que eram em<br />

número considerável na Ilha desde então, dedicarem-se exclusivamente a defesa e serem<br />

apenas consumidores, aliado ao atraso dos soldos da tropa, prática aparentemente<br />

corriqueira em muitos períodos - um exemplo é o ano de 1797, quando o atraso chegou a 82<br />

meses -, transformou-se em uma das causas indicadas pelo então governador local da<br />

decadência da agricultura da Ilha e também de problemas no comércio. Como conseqüência<br />

desse problema que persistiu por longos anos, ainda está no relatório do governador,<br />

naquele mesmo ano, a falta de dinheiro da Fazenda Real para o pagamento aos lavradores<br />

pelas farinhas que todos os anos lhes tomavam, para o sustento da tropa, provocando temor<br />

nesses produtores,<br />

eles estão geralmente tão possuídos deste receio, pela experiência da que<br />

se lhe deve, dos annos antecedentes, que já vão plantando muita pouca,<br />

além daquela que lhe é necessário para o seu gasto: Eu tenho disto<br />

mesmo uma prova convincente, sempre que mando fazer a arrolação das<br />

sobreditas farinhas; a qual não se consegue nunca, sem muitas<br />

dificuldades, ameasas, e as vezes castigos. 53<br />

Isso fez com que os lavradores deixassem de aumentar suas plantações, à medida<br />

do que cada um deles faria se pudesse exportar livremente. Somando-se a isso, a instituição<br />

53 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Resende, apresentando relatório sobre<br />

a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17<br />

de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc. 130p. (códice 3,3,17).


150<br />

do dízimo, 54 que era um ônus sobre dez por cento da produção da terra, tirava mais uma<br />

fatia do bolo dos agricultores, que não precisavam ser os proprietários dessa terra para<br />

pagar o tributo, uma vez que ele incidia sobre a produção e não sobre a terra. 55<br />

Além da questão dos tributos e do que era necessário para que o terreno fosse<br />

considerado ocupado (construção de benfeitorias, limpeza do terreno, e culturas), outro<br />

ponto que demandava preocupação tanto por parte do governo como dos proprietários das<br />

terras era também um dos grandes problemas do Brasil no século XIX: a mão-de-obra, livre<br />

e escrava. Uma solução para o problema era, claramente, a imigração de colonos livres<br />

europeus, experiência concretizada com sucesso em alguns pontos do Rio Grande e do<br />

litoral de Santa Catarina. Isso queria dizer também a possibilidade de estimular a pequena<br />

propriedade, freando as imensas plantations do nordeste e sudeste.<br />

Na capital do Brasil, ainda durante o século XIX, inclusive antes da proibição do<br />

tráfico escravo em 1850, muitas eram as pessoas favoráveis à criação de núcleos coloniais.<br />

Porém, de acordo com Emília Viotti da Costa, isso estava fadado ao insucesso,<br />

basicamente, em função do trabalho escravo, enraizado na nossa sociedade, e da raridade da<br />

emigração espontânea para o Brasil, os emigrantes geralmente preferiam os Estados<br />

Unidos. 56 Uma das primeiras tentativas de trazer imigrantes foi feita pelo governo paulista,<br />

ainda em 1827, com alemães instalados no Rio Negro, hoje Paraná. Já pautadas por<br />

contratos essas pessoas somaram-se a outras nos anos seguintes. E além de se instalarem<br />

54 O Rei português exercia tanto o domínio temporal como o espiritual sobre terras conquistadas.<br />

Isso explica porque as terras brasileiras eram isentas de foro, por não pertencerem à senhorios e<br />

sujeitas ao pagamento de dízimos a Deus, ou seja, à Ordem de Cristo, o que equivale dizer a Coroa.<br />

55 ABREU, Maurício. A apropriação do território no Brasil colonial. In: Castro, I. E.; CORRÊA, R.<br />

L.; GOMES, Paulo César C.. (Org.). Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,<br />

1997, v., p. 197-245., p. 210.<br />

56 COSTA, Emília Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Liv. Ciências Humanas, 1982<br />

(1966)., p. 70.


151<br />

em colônias deveriam, segundo o contrato, trabalhar na estrada de ferro de Santos. 57<br />

Sem resultados significativos a idéia pereceu e só ressurgiu anos depois com um dos<br />

precursores de uma das idéias mais interessantes de substituição da mão de obra escrava<br />

nesse período: o senador Vergueiro, que, tendo como laboratório suas próprias fazendas e a<br />

principio por sua conta e depois com recursos do governo, trouxe os primeiros colonos para<br />

trabalhar no interior paulista.<br />

O sistema de parceria do senador Vergueiro 58 foi uma iniciativa particular que<br />

promoveu a primeira experiência de parceria no Brasil que visava à fixação de colonos nas<br />

fazendas em substituição ao trabalho escravo. A experiência iniciou ainda antes do fim do<br />

tráfico quando veio o primeiro grupo de colonos portugueses em 1840. A tentativa não deu<br />

certo, mas, anos depois, o mesmo Vergueiro fez nova tentativa, agora com suíços e alemães<br />

e subvencionado pelo governo. A idéia chamou a atenção de muitos, porém não era viável<br />

em longo prazo para os colonos que deveriam pagar o custo de sua vinda e da família com<br />

as rendas do trabalho em parceria. No entanto, o sistema não rendia tanto quanto o<br />

planejado e, aliado aos juros, tornava-se quase impossível a quitação da dívida. 59<br />

Referindo-se especificamente à Santa Catarina, o mais conhecido texto em forma<br />

de “guia” para imigrantes é o Guia de instruções aos imigrantes para a província de Santa<br />

Catarina sul do Brasil escrito por Hermann Bruno Otto Blumenau, antes da vinda dos<br />

primeiros imigrantes para sua colônia em Santa Catarina em 1850. O guia, direcionado a<br />

todos os possíveis emigrantes, tinha um foco mais definido nos agricultores, objetivo maior<br />

da colônia.<br />

57 COSTA, Emília Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. Op. cit., p. 67.<br />

58 A parceria buscava encontrar um regime de transição entre escravidão e trabalho livre. In:<br />

SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio – efeitos da lei de 1850. Op.cit., p. 106.<br />

59 Ibid.,p. 79 - 80.


152<br />

De acordo com o Dr. Blumenau, a emigração seria mais favorável aos<br />

agricultores, pois naquela região ainda desocupada – interior de Santa Catarina – as terras<br />

teriam baixo custo e eram aptas a produção de diversas espécies. 60 Com um texto mais<br />

realista quanto às condições locais e procurando apresentar prós e contras da emigração<br />

para seus conterrâneos, o Dr. Blumenau indicava que<br />

inicialmente, a agricultura serviria apenas como subsistência.<br />

Posteriormente, o excedente poderia ser investido nas melhorias da<br />

propriedade. As riquezas dos agricultores estariam na sua propriedade, nas<br />

suas plantações, no seu gado e nas madeiras de lei. Por esse motivo seria<br />

difícil garantir uma grande reserva de capitais. 61<br />

Mesmo sendo um guia específico para a colônia Blumenau, distante<br />

aproximadamente 140 km da Ilha de Santa Catarina, usamo-lo como referência<br />

especialmente em função das características semelhantes da colonização do sul do Brasil,<br />

baseada nas pequenas propriedades rurais. Somando-se a isso, há as semelhanças<br />

ambientais, que nos dão uma idéia mais clara do processo de instalação de agricultores e<br />

como a terra era inicialmente trabalhada. De acordo com o Guia, o primeiro passo seria a<br />

derrubada e queimada da mata para o plantio inicial que seria de milho, cana-de-açúcar e<br />

feijão. Após um período de três ou quatro anos os tocos e raízes remanescentes poderiam<br />

ser removidos, pois já estariam podres, podendo então ser trabalhada com arado, reduzindo<br />

a força empregada pelo colono e sua família. 62<br />

Posterior a isso, deveria plantar-se batata, arroz, criar-se porcos e gado bovino.<br />

Todos dariam lucro, mas dificilmente tornariam o colono rico em curto prazo. Mais<br />

conselhos vinham na forma de uma lista de ferramentas indispensáveis e que deveriam ser<br />

60 TEIXEIRA <strong>DO</strong>S SANTOS, Manoel Pereira Rego. Textos do Dr. Blumenau: o papel do agricultor<br />

no Guia de instruções aos futuros imigrantes para a província de Santa Catarina sul do Brasil., PP<br />

350 – 356. In: DREHER, M. N.; RAMBO, A. B; TRAMONTINI, M. J. (org.) Imigração e<br />

Imprensa. São Leopoldo – RS: EST Edições/Instituto Histórico de São Leopoldo, 2004.<br />

61 Ibid., p. 353.<br />

62 Ibid., p. 353.


153<br />

trazidas da Europa, pois as fornecidas no Brasil eram de baixa qualidade, o mesmo no<br />

que se refere às sementes, essas, porém, devido aos preços mais elevados no Brasil. 63<br />

Aparato semelhante e passos semelhantes foram comuns a todos os novos<br />

habitantes das colônias de Santa Catarina e do interior da Ilha. Por fim, e com<br />

características próximas aos outros autores, em especial a Taunay, André Rebouças escreve<br />

uma obra em 1883, também dedicada à agricultura, porém uma agricultura já mais<br />

mecanizada, do final do século XIX. O autor apresenta sugestões de técnicas, culturas,<br />

solos e clima para cada Província do Império. A obra reforça a idéia, já largamente<br />

exemplificada aqui, de que o que faltava para a agricultura do Brasil eram novas técnicas e<br />

tecnologias e o que ainda mantinha o atraso e rusticidade eram latifúndios e a escravidão.<br />

Para Santa Catarina, André Rebouças indica a produção de seda por seu vasto mercado e<br />

alto preço. Em 1873, calculou-se a seda em 40 a 50 francos, 14$ a 16$, a libra, ou seja, 40<br />

vezes maior que o do café, ao alto preço de 11$200 por arroba. 64 Além dessa cultura que<br />

poderia ser feita por meninos, mulheres e inválidos sem dificuldades, indicava também a<br />

criação de gado no planalto de Lages. No que se refere à cana-de-açúcar Rebouças encontra<br />

nela a maior manifestação da crise agrícola do momento (1874) e aconselha a restrição de<br />

sua cultura às áreas onde melhor se adapta. Diferente do café que aconselhava a expansão.<br />

Ainda em relação à cana, dizia ser necessário o aperfeiçoamento de todos os detalhes de sua<br />

produção. 65<br />

Esses exemplos de textos sobre agricultura, escritos em momentos diferentes do<br />

século XIX e aplicáveis a pontos distintos do território brasileiro, têm uma mesma linha de<br />

raciocínio que indica um lugar comum no setor agrícola do Brasil: atraso, tanto de técnicas<br />

63 TEIXEIRA <strong>DO</strong>S SANTOS, Manoel Pereira Rego. Textos do Dr. Blumenau. Op. cit., p. 354.<br />

64 REBOUÇAS, André. Agricultura Nacional. 2 ed. Recife:Fundação Joaquim Nabuco, 1988., p.<br />

92.<br />

65 Ibid., p. 93 – 147.


154<br />

e tecnologias quanto de mão-de-obra. As indicações para a solução desses problemas,<br />

especialmente na Ilha de Santa Catarina, não parecem, a princípio, de difícil aplicação, no<br />

entanto sempre esbarraram na burocracia e em costumes já de muito enraizados.<br />

O primeiro passo rumo ao “progresso” já havia sido dado com o desenvolvimento<br />

da idéia de pequenas propriedades agrícolas e familiares, os próprios limites físicos da Ilha<br />

impediam grandes porções de terra a um único senhor, freando o modelo de grandes<br />

plantations exportadoras. Outro ponto relevante foi o evidente estímulo governamental para<br />

a ocupação e transformação desse território em uma área agrícola, marco de uma fronteira<br />

importante não só no início como no decorrer de todo o século XIX. Somando a isso seu<br />

porto e seu reduzido número de escravos, se comparado ao das regiões sudeste e nordeste<br />

do Brasil, indicavam que esse poderia ser um local “mágico”, um exemplo que deu certo no<br />

aproveitamento do rico solo brasileiro.<br />

Se olharmos atentamente o desenvolvimento da agricultura na Ilha, penso ser<br />

possível um vislumbre desse “sucesso”. As matas foram derrubadas e aproveitadas, sim, e a<br />

agricultura foi fundamental durante todo o século XIX, com uma evidente decadência<br />

durante sua segunda metade, especialmente seu último quartel, reação quase inconsciente<br />

do desenvolvimento agrícola do continente fronteiro e do processo de urbanização que<br />

ocupou muitas áreas antes dedicadas ao cultivo. No entanto, essas transformações e<br />

substituições também podem ser entendidas no âmbito desse processo, uma vez que esse foi<br />

o “progresso” que se almejava.<br />

3.4 Agricultura e “Progresso” na Ilha.<br />

Apesar de sua extensão ser de 423 Km², ou seja, pequena se comparada à extensão<br />

do Brasil, ou mesmo às posses de algumas famílias do nordeste e sudeste quando das


155<br />

maiores doações de sesmarias nos séculos XVII e XVIII, a ocupação total da Ilha de<br />

Santa Catarina e sua transformação em local habitado e produtivo - leia-se desmatada, com<br />

plantações agrícolas e núcleos urbanos como Desterro e demais freguesias - intensifica-se<br />

no século XIX. Até o início do XIX, a Ilha era um pequeno porto ao sul do território, ainda<br />

colonial, do Brasil. Nas décadas seguintes, com o desmatamento e o aproveitamento das<br />

madeiras ilhoas para a real armada portuguesa e com o estímulo à produção agrícola por<br />

parte dos imigrantes que lá se instalaram algumas décadas antes, as feições da Ilha mudam.<br />

Um núcleo urbano que inicia um claro processo de crescimento como capital da Capitania e<br />

um porto com uma movimentada navegação de cabotagem, ligando, a ainda pequena,<br />

Nossa Senhora do Desterro com o resto do Brasil são alguns dos elementos que<br />

contribuíram para as grandes transformações da Ilha nesse período.<br />

A noção de progresso era a de transformar da maneira mais rápida possível essa<br />

terra dadivosa, presente de Deus. Talvez outra forma de definir progresso para o período<br />

esteja nas palavras de Boiteux ao descrever o choque positivo provocado pela vinda dos<br />

imigrantes açorianos e madeirenses ainda em meados do século XVIII:<br />

Com a colonização açorita e madeirense a Ilha de Santa Catarina e o<br />

continente fronteiriço começaram a florescer vantajosamente e as<br />

encostas dos montes e os vales humosos a cobrirem-se de pomares e<br />

hortas. Por toda a parte ouviam-se as pancadas fortes dos machados<br />

ferindo o rijo cerne das árvores collossaes, o ruído metálico das enxadas<br />

limpando a terra virgem. Apareceram as primeiras attafonas, os engenhos<br />

de assucar e farinha. As vargens cobriam-se de canaviaes, e roças de<br />

milho; largos trechos de terra iam sendo aproveitados carinhosamente na<br />

cultura de legumes e frutas. (...) Fundaram-se teares e os primeiros<br />

tecidos de linho e algodão começaram a ser usados pela totalidade dos<br />

habitantes, chegando mesmo a serem exportados para o Rio de Janeiro e<br />

Rio Grande do Sul. 66<br />

Essa descrição produz na mente uma imagem forte da ocupação e transformação<br />

da paisagem da Ilha de Santa Catarina. Era a idéia de que a “civilização” e o “progresso”,<br />

66 BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História Catharinense. Florianópolis: Typ. a vapor<br />

da Livraria Moderna, 1912., p. 226-227.


156<br />

conceitos que na época eram sinônimos de “limpar” a terra, construir benfeitorias para<br />

beneficiar a produção agrícola e lucro financeiro, já era realidade. A “dominação” e<br />

transformação das áreas de florestas, incultas do ponto de vista agrícola e mercantil, era um<br />

sinal que o tão almejado progresso estava chegando e que a Ilha tornar-se-ia um local<br />

próspero e desenvolvido.<br />

Esse processo é percebido, no âmbito oficial, em relatórios e falas de políticos<br />

locais apresentando os resultados agrícolas da Ilha. Desde os últimos anos do século XVIII<br />

essas informações são comuns. De acordo com relatório do Governador local de 1797,<br />

produzia-se na Ilha, no ano anterior, com vista à exportação, os seguintes produtos e<br />

quantidades:<br />

Exportação<br />

Farinha de mandioca<br />

Arroz com casca<br />

Arroz pilado<br />

Milho<br />

Feijão<br />

Favas<br />

Trigo<br />

Água Ardente<br />

Pipas<br />

Barris<br />

Potes<br />

Arrobas<br />

Caixas<br />

Teixos<br />

Gravatá<br />

Barba de Baleia<br />

Taboado<br />

Grandes<br />

Pequenas<br />

centos<br />

Milheiros<br />

Centos<br />

Azeite de Peixe<br />

Cebolas<br />

Cola de Baleia<br />

Alqueires<br />

Pipas<br />

Melado<br />

Assucar<br />

Arrobas<br />

Quintais<br />

Duzias<br />

Betas de<br />

Imbé<br />

Peixe<br />

Seco<br />

Pipas<br />

Restias<br />

Caixões<br />

Da própria<br />

Ilha de<br />

Santa<br />

Catarina e<br />

Freguesias<br />

mais<br />

próximas da<br />

terra firme<br />

28.333<br />

2725<br />

1090<br />

1822<br />

1585<br />

30<br />

-<br />

35<br />

1<br />

30<br />

41<br />

662<br />

10<br />

34<br />

-<br />

820<br />

127<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

2888<br />

-<br />

8<br />

(Quadro 06) Mappa da quantidade de gêneros e efeitos que se exportão anualmente na Ilha de<br />

Santa Catharina, 1796. Acervo BN (códice 3,3,17).<br />

Esses mesmos produtos já tinham, ainda em finais do século XVIII e inicio do<br />

XIX, boas possibilidades de beneficiamento na própria Ilha ou no continente fronteiro. O<br />

número de estabelecimentos como engenhos e fábricas já era grande mesmo nessa época, se


157<br />

levarmos em conta a distância de Desterro dos maiores centro consumidores, ou<br />

justamente em função dessa característica, que obrigava os habitantes locais a se autosustentarem<br />

também nessa área. De acordo com o quadro 07, apenas na Ilha de Santa<br />

Catarina e na freguesia de São Miguel da Terra Firme, fronteira a Ilha, existiam 540<br />

engenhos de mandioca e 117 de aguardente.<br />

Engenho de<br />

assucar<br />

Fabrica de<br />

Assucar<br />

Engenho de<br />

Aguardente<br />

Engenho de<br />

Mandioca<br />

Engenho de<br />

Pilar Arroz<br />

Atafona de<br />

moer trigo<br />

Cortume de<br />

couros<br />

Vila Capital N. S. Desterro - 12 23 87 - 17 9<br />

Distrito do Ribeirão 1 11 29 51 2 7 -<br />

Freguesia da Lagoa - 10 28 101 - 32 5<br />

Freguesia das Necessidades - 5 22 111 - 11 2<br />

Freguesia de São Miguel 1 5 15 190 2 44 6<br />

(Quadro 07) Tabela anexa ao Ofício de João Alberto de Miranda Ribeiro ao Conde de<br />

Resende, apresentando relatório sobre a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua<br />

jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17 de novembro 1797. Acervo Biblioteca<br />

Nacional: Original, 2 doc. 130p. (códice 3,3,17).<br />

Novos dados sobre a produção e exportação de Santa Catarina, já das décadas de<br />

10 e 20 do século XIX, também são encontrados em nota atribuída a Tomás Antonio de<br />

Vilanova Portugal, Governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa de<br />

seu litoral. Esse livreto, datado de 1819, apresenta os números comparativos para os anos<br />

de 1808 e 1819, ano da redação do citado texto. Os primeiros são dados de produção e<br />

exportação e seus respectivos valores referentes aos principais produtos, sendo que as<br />

informações para 1819 são mais extensas, citando inclusive produtos de pequena<br />

relevância.


158<br />

Produção de Santa Catarina em 1808:<br />

Farinha<br />

Feijão<br />

Trigo<br />

Milho<br />

Algodão<br />

Arroz<br />

Assucar<br />

Linho ordinario<br />

Melaço<br />

Aguardente<br />

Couros<br />

[ilegível]<br />

Alhos<br />

Peixe Salgado<br />

Peixe Seco<br />

Cebolas<br />

Alqueires<br />

Quintas<br />

Medidas<br />

Centos<br />

Duzias<br />

Milhar<br />

Restias<br />

Produzido<br />

196389<br />

8692<br />

3529<br />

8853<br />

1018<br />

4153<br />

813<br />

258<br />

7272<br />

70824<br />

1486<br />

960<br />

10751<br />

1264<br />

22158<br />

9468<br />

Exportado<br />

89606<br />

1710<br />

1893<br />

2030<br />

144<br />

3447<br />

560<br />

52<br />

6368<br />

70289<br />

1131<br />

457<br />

6907<br />

1085<br />

12184<br />

6255<br />

* E outros gêneros pequenos como: [ilegível], gravatá, amendoim, anil, linho cânhamo.<br />

(Quadro 08) Produção de Santa Catarina em 1808. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila<br />

Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um planode defesa do seu<br />

litoral, de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819.<br />

Acervo: BN, Códice (II - 35,32,18 nº39).<br />

A produção da Ilha de S. Catarina vale........................................ 185:320$852<br />

O consumo vale ........................................................................... 70:286$856<br />

A exportação vale ........................................................................ 108:342$096<br />

Produção de Santa Catarina em 1819:<br />

Produção Consumo Exportação<br />

Algodão 884,16 res** 824,16 res 60,00 res<br />

Assucar 1319,2 arrobas 128 arrobas 898,2 arrobas<br />

Tabaco 21 17 4<br />

Salgados 81,85 78 3,85<br />

Arroz 8:694 arrobas 1:859,3 arrobas 6:834,1 arrobas<br />

Goma 115 77 38<br />

Madeira 1.322 dúzias 303 dúzias 1.019 dúzias<br />

Couros 2.541 centos 38 centos 2.503 centos


159<br />

Caffé 451 res 218 res 233 res<br />

Tanados 4002,10 centos 801,10 centos 3201 centos<br />

Linho ordinário 168 res 138 res 30 res<br />

Aguardente 82:020 medidas 33:260 medidas 48:760 medidas<br />

Avaliação 210$722 72$925 137$797<br />

aproximada em<br />

cruzados<br />

Farinha 222:211 alqueires 115: 327 alqueires 106:389 alqueires<br />

Feijão 9:798 alq. 6:619 alq. 3:179 alq.<br />

Milho 18:331 alq. 8:212 alq. 10:119 alq.<br />

Favas 3:216 alq. 729 alq. 2:487 alq.<br />

Trigo 1:542 alq. 1:112 alq. 430 alq.<br />

Sevada 70 alq. 30 alq. 40 alq.<br />

Mendoim 2:372 alq. 963 alq. 1:409 alq.<br />

Melaço 13240 medidas 1358 medidas 11888 medidas<br />

Gravatá* 214 res 154 res 60 res<br />

Betas de Imbé 24 dúzias 1 dúzia 23 dúzias<br />

grandes<br />

Betas de Imbé 170 dúzias 2 dúzias 168 dúzias<br />

pequenas<br />

Cebolas 15:628 restias 5:443 restias 9:985 restias<br />

Alhos 10:334 restias 5:377 restias 4:954 restias<br />

Peixe Salgado 1035 res 814 res 221 res<br />

P. Salgado 70572 milheiros 17116 milheiros 53456 milheiros<br />

Avaliação em<br />

Cruzados<br />

354:998 197:154 154:817<br />

* Nome comum de várias plantas da família das Bromeliáceas, que dão frutos ácidos em<br />

cachos.<br />

** A designação “res”, atribuída ao café, algodão, gravatá, peixe salgado e linho ordinário<br />

refere-se à quintaes.<br />

(Quadro 09) Produção de Santa Catarina em 1819. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila<br />

Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa do seu<br />

litoral, de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819.<br />

Acervo: BN, Códice (II - 35,32,18 nº39).<br />

Não temos os dados totais de produção para 1796/97, apenas os de exportação que,<br />

relativamente à farinha de mandioca, principal produto da Ilha e freguesias próximas, é de<br />

28.333 alqueires. Considerando que a produção em 1808 foi de 196.389 alqueires e a<br />

exportação de 89.606, ou seja, 45%; em 1819 a produção foi de 222.211 alqueires e a<br />

exportação de 106.389, ou seja, 48%, podemos calcular, seguindo os índices dos anos


160<br />

posteriores como média para o ano de 1796/97, uma produção em torno de 43.000<br />

alqueires.<br />

Essa exportação que rivalizava em quantidade com o consumo interno, ficando em<br />

uma média de 50% no caso da farinha de mandioca, não se repete em outros produtos de<br />

consumo como o feijão, o trigo e o milho cuja produção no ano de 1808 foi de: Feijão<br />

8.692 alqueires; trigo 3.529 alqueires e milho 8.853 alqueires. Em 1819 foi de: Feijão 9.798<br />

alqueires; trigo1.542 alqueires e milho 18.331 alqueires. Esses números são uma tendência<br />

na Ilha, sendo expressivo o crescimento do milho e a queda do trigo também, aliás, o trigo<br />

deixará de estar presente na região poucos anos depois.<br />

Outro produto que visou claramente o mercado exportador foi o couro com 76% do<br />

produzido sendo exportado em 1808 e 98% em 1819. As madeiras, 77% do que foi<br />

oficialmente produzido foi exportado, indicando que as demandas da Europa e da própria<br />

corte no Rio de Janeiro ainda predominavam, restando para os moradores locais pouco mais<br />

de 20% do total produzido oficialmente.<br />

As décadas seguintes, mais especificamente entre os anos de 1830 e 1850, Laura<br />

Hübener descreve, no contexto nacional, como um momento de definição do café como<br />

grande produto exportador brasileiro, gerando um crescimento mais palpável no comércio<br />

interno. “A partir daí, a produção de gêneros passa a se beneficiar indiretamente com a<br />

expansão das exportações. Encontrando dentro do Império um mercado capaz de absorver<br />

seus excedentes de produção, alguns setores da economia de subsistência expandiram suas<br />

atividades”. 67<br />

No que tange à Santa Catarina, as exportações nesse período tiveram uma<br />

tendência de aumento e no ano financeiro de 1849-50 a Província exportou em torno de<br />

67<br />

HUBENER, Laura Machado. O Comércio na Cidade de Desterro no século XIX.<br />

Florianópolis. Ed. da UFSC, 1981., p. 12.


161<br />

504.000 alqueires de farinha, seu principal produto na balança comercial. Desses,<br />

Desterro foi a responsável por 59,06%, ou seja, 297.160 alqueires do total da província.<br />

Esses números indicam a forte tendência de alta na exportação desse produto que trinta<br />

anos antes era de pouco mais de 100.000 alqueires. Ainda sobre a mandioca, a maior<br />

produção deu-se devido, principalmente, à facilidade de seu cultivo que não demandava<br />

grande cuidado e se adaptava bem à maioria dos terrenos. Soma-se a isso o fato da<br />

mandioca não estar vinculada a nenhum tipo de sazonalidade, como a cana-de-açúcar e o<br />

café. 68 Segundo Hebe Mattos, a mandioca<br />

apesar de não se constituir em uma cultura permanente, possui a<br />

característica de poder ficar até dois anos sem ser colhida após o seu<br />

amadurecimento, podendo portanto, ser literalmente armazenada na<br />

própria terra, colhida em função das necessidades do produtor. Seu<br />

plantio e sua conservação durante o período de amadurecimento são<br />

extremamente simples. As covas podem ser abertas até com um pau,<br />

plantando-se em estacas de 15 a 20 centímetros com dois ou três olhos de<br />

broto. A primeira capina só é feita quando começam a brotar os novos<br />

pés, repetindo-se a operação duas ou três vezes após o crescimento.<br />

Depois que cresce, pouco sofre com a vegetação estranha. Seu<br />

amadurecimento leva oito a 18 meses. 69<br />

O trabalho com a farinha de mandioca era, na Ilha, basicamente familiar. Segundo<br />

Penna, “pela análise de alguns inventários observamos que os proprietários de engenhos<br />

utilizavam uma quantidade diminuta de escravos na produção da farinha. O engenho era um<br />

bem de família e grande parte do trabalho era efetuado pela própria família do produtor”. 70<br />

Laura Machado Hübener fala de um considerável aumento na produção desse produto entre<br />

os anos de 1860 e 1879, devido à Guerra do Paraguai e à necessidade de abastecer as<br />

68 BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano – açúcar, fumo, mandioca e escravidão no<br />

Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 91.<br />

69 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao sul da história. Lavradores pobres na crise do trabalho<br />

escravo. São Paulo: Brasiliense, 1987., p. 84.<br />

70 PENNA, Clemente Gentil. Escravidão, Liberdade e os arranjos de trabalho na Ilha de Santa<br />

Catarina nas últimas décadas de escravidão (1850-1888). Florianópolis, 2003. Mestrado em<br />

História Universidade Federal de Santa Catarina., p. 45.


162<br />

tropas. O período chamado pela autora de “miniboom” estendeu-se até os anos de 1880,<br />

beneficiado pela grande lavoura cafeeira paulista que sufocou a produção de bens de<br />

consumo para usar a terra para o café, tendo que importar produtos de primeira<br />

necessidade, entre eles a farinha de mandioca, cuja produção também aumentou na Ilha<br />

para suprir a demanda local. 71<br />

Os números de produção da década de 1850, feitos por Francisco Carlos de Araújo<br />

Brusque, presidente da província, em relatório apresentado no ano de 1860, indica as<br />

diferenças quantitativas no quadro de exportação durante toda a década claramente. A<br />

farinha de mandioca supera em mais de 90% a exportação do milho, segundo produto na<br />

lista de exportação local.<br />

Exportação da Província de Santa Catarina na década de 1850.<br />

Annos<br />

Farinha de<br />

mandioca<br />

Gomma<br />

Feijão<br />

Favas<br />

Milho<br />

Farinha de milho<br />

Arroz<br />

Amendoin<br />

Batatas Inglesas<br />

Açucar<br />

1850-1851<br />

1851-1852<br />

1852-1853<br />

1853-1854<br />

1854-1855<br />

1855-1856<br />

1856-1857<br />

1857-1858<br />

1858-1859<br />

Total dos<br />

204.166<br />

397.835<br />

295.875<br />

383.166<br />

406.594<br />

396.289<br />

487.224<br />

485.310<br />

533.309<br />

1.951<br />

2.998<br />

3.285<br />

3.923<br />

3.948<br />

9.330<br />

9.731<br />

9.700<br />

4.828<br />

8.800<br />

15.768<br />

12.288<br />

17.379<br />

24.816<br />

16.771<br />

27.731<br />

34.964<br />

11.541<br />

Alqueires Sacc. Alqueires Arroba<br />

s<br />

8.818 19.550 38 14.651 9.582 2.908 852<br />

7.916 9.244 148 8.194 7.231 3.974 5.792<br />

4.651 23.177 12 4.980 10.286 2.160 6.960<br />

5.040<br />

14.420<br />

7.980<br />

9.955<br />

10.387<br />

24858<br />

13.365<br />

28.637<br />

26.811<br />

25.744<br />

49.758<br />

73.694<br />

16<br />

79<br />

-<br />

103<br />

144<br />

60<br />

8.648<br />

6.873<br />

11.455<br />

6.115<br />

12.908<br />

7.882<br />

12.907<br />

13.752<br />

11.837<br />

6.296<br />

11.668<br />

15.429<br />

1.250<br />

1.423<br />

-<br />

3.589.766 49.694 170.058 94.025 271.980 600 81.706 98.988 11.74<br />

5<br />

-<br />

30<br />

-<br />

1.056<br />

872<br />

1.092<br />

25<br />

299<br />

2.426<br />

19.374<br />

9 annos<br />

Termo<br />

médio por<br />

triênio<br />

1° Triênio 299.292 2.744 12.285 7.128 17.990 66 9.275 9.033 3.014 13.604<br />

2° Triênio 395.349 5.733 19.633 9.146 22.937 32 8.992 12.832 891 3.020<br />

3° Triênio 501.947 8.086 24.745 15.066 49.732 102 8.968 11.131 10 2.750<br />

Somma 1.195.588 16.563 56.695 31.340 90.659 200 27.253 32.996 3.915 6.458<br />

(Quadro 10) Brasil Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas,<br />

1860. Relatório da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.<br />

http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/agricultura.html.consultado em 12-03-08<br />

71 HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX. Op. Cit., p.<br />

94.


163<br />

Essa tabela indica que a alta nas exportações realmente foi significativa do início<br />

para a metade do século XIX, em especial na farinha de mandioca, mas também no milho<br />

(com alta de aproximadamente 1.000%) e no feijão, cuja exportação cresceu mais de 600%.<br />

O trigo sumiu das tabelas de exportação e, ainda de acordo com o presidente, não existia<br />

mais cultura de trigo na província em 1860. Nesse mesmo relatório, o presidente da<br />

Província qualifica como baixa a produção de derivados da cana-de-açúcar como<br />

aguardente e melaço, assinalando um declínio preocupante.<br />

Em tempo remoto consta que existiam 286 fábricas de assucar, entre<br />

grandes e pequenas, tendo começado essa indústria em 1779. Já em 1797<br />

esse número tinha diminuído e não ia além de 256. Em 1810 apenas<br />

houve a produção de 8.115 medidas de melaço, em 1812 fabricarão-se<br />

63.241 medidas de aguardente e 7.118 de melaço, nada constando<br />

oficialmente acerca da produção de assucar. De 1839 em diante<br />

encontrão-se dados que revelarão o renascimento desta indústria, mas<br />

sempre em estado de oscilação. 72<br />

Quatorze anos depois os registros do então presidente João Thomé da Silva<br />

apontam como produtos locais apenas mandioca, milho, feijão, arroz, amendoim, fava,<br />

araruta, batata inglesa, café, fumo, cana, gravatá, erva mate, anil, gengibre, algodão e<br />

linho. 73 Desses, o produto que continuou representando a maior renda da Província foi a<br />

mandioca, cuja exportação oscilou nesse período entre 12.305.942,03 e 29:060.503,29 litros<br />

anuais. Não podemos esquecer que os anos anteriores a que o presidente da Província<br />

refere-se são os da Guerra do Paraguai, momento em que Santa Catarina mais vendeu<br />

farinha.<br />

72 BRUSQUE, Francisco Carlos de Araújo. Relatório do Presidente da Província, 1860., p. 27.<br />

Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

73 SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina<br />

em 25 de março de 1874. Cidade de Desterro: Typ. De JJ Lopes, 1874.


164<br />

Ainda em relatório de 1874 a exportação de farinha de mandioca e de outros<br />

dos mais importantes produtos da Ilha nos cinco últimos triênios, de acordo com o<br />

presidente foi de:<br />

Exportação da Província entre os anos de 1858 a 1873<br />

Annos<br />

Mandioca<br />

Milho<br />

Feijão<br />

Arroz<br />

Amendoim<br />

Fava<br />

Araruta (kilos)<br />

Batata Inglesa<br />

Café (kilos)<br />

Fumo<br />

(quantidade)<br />

Cana (assucar)<br />

Aguardente<br />

kilos litros kilos<br />

1858–61<br />

1° triênio<br />

59:512.214,97<br />

2:454.654,79<br />

776.054,62<br />

659.823,84<br />

507.562,38<br />

755.903,07<br />

190,9024<br />

17.191,98<br />

14.360,6800<br />

451,313<br />

charutos<br />

15.756,7904<br />

8.294,792<br />

1861-64<br />

2° triênio<br />

46:223.757,45<br />

2:875.231,71<br />

1:028.508,39<br />

628.123,86<br />

416.597,22<br />

511.261,92<br />

2.232,0896<br />

362,70<br />

16.256,0736<br />

32,766<br />

51.719,8655<br />

41.324,882<br />

1864-67<br />

3° triênio<br />

69:993.138,83<br />

4:516.993,26<br />

938.159,82<br />

827.753,94<br />

436.575,68<br />

695.948,76<br />

4.126,4288<br />

435,24<br />

4.713,8208<br />

148.533<br />

99.909,7920<br />

18.735,156<br />

1867-70<br />

4° triênio<br />

72:591.249,07<br />

5:497.190,01<br />

539.008,47<br />

1:212.215,94<br />

268.107,84<br />

669.471,66<br />

4.552,2880<br />

834,21<br />

5.827,8656<br />

666,602<br />

130.621,2960<br />

47.458,136<br />

1870-73<br />

5° triênio<br />

48:995.003,07<br />

3:872.294,01<br />

547.604,46<br />

2:759.494,04<br />

310.725,09<br />

434.006,82<br />

14.816,9632<br />

1.414,53<br />

14,6848<br />

451,315<br />

212.591,8496<br />

184.050,620<br />

(Quadro 11) Informações contidas no Relatório do Presidente da Província, Falla dirigida à<br />

Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina em 25 de março de 1874 pelo Exmo. Sr.<br />

Presidente da província, dr. João Thomé da Silva. Cidade de Desterro, typ. De JJ Lopes, 1874.


165<br />

Fica claro através dos números que houve um significativo crescimento no que<br />

se refere, especialmente, à farinha de mandioca no período da Guerra do Paraguai – final da<br />

década de 1860 – e isso se estendeu até o início da década de 1880. O período foi de<br />

aumento do consumo de alimentos no sul do Brasil e como conseqüência os preços<br />

subiram. Dados coletados por Hübener indicam que “do ano financeiro de 1866-67 para<br />

1867-68, a exportação catarinense cresceu 65%, havendo nesse último exercício quase que<br />

um equilíbrio na balança comercial”. 74 Já no ano de 1885, final do período imperial, o<br />

presidente da Província Francisco José da Rocha apontava como produtos predominantes a<br />

farinha de mandioca, a erva mate e o arroz, além da madeira. 75 Uma taxa alta de exportação<br />

não ficou restrita apenas aos anos da Guerra do Paraguai, apesar deste ter sido o ápice, em<br />

outros momentos de crises regionais do Brasil, Santa Catarina serviu como abastecedora,<br />

como<br />

em 1884-85 encontramos outro grande momento da exportação de<br />

farinha chegando a quantia de 1.017,776 alqueires. O fenômeno repetiuse;<br />

uma seca acompanhada da peste que assolou novamente o nordeste do<br />

país exigiu a maior demanda do produto. O montante exportado nesse<br />

exercício provocou escassez do gênero para o próprio consumo local. (...)<br />

Fenômeno igual e pelo mesmo motivo ocorreu no exercício de 1878-79,<br />

de 448.487 alqueires em 1874-75 para 1.206,458 alqueires, isto é<br />

251,09% de aumento. 76<br />

Quanto à produção da farinha na Ilha, nunca houve um investimento significativo<br />

na melhoria da produção, o que manteve os custos em um mesmo patamar. O processo era<br />

muito simples, sendo dividido em etapas. Primeiro a colheita e transporte das raízes para o<br />

engenho, que era um galpão na maioria das vezes de pau-a-pique, onde ficavam os cochos<br />

para armazenamento da mandioca ralada e cevada; prensas nas quais era extraído o ácido<br />

74 HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX. Op. cit., p.<br />

47.<br />

75 ROCHA, Francisco José da. Relatório do Presidente da Província à Assembléia Legislativa,<br />

1885. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

76 HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX. Op.cit., p.<br />

84.


166<br />

cianídrico, tachos de cobre, peneiras e fornos, onde, sobre fogo controlado, a farinha era<br />

torrada. O trabalho de descascar, ralar e cevar a mandioca em geral cabia às mulheres.<br />

Depois a polpa era prensada e a prensa era movida por tração animal ou pela força dos<br />

escravos. Por fim, era torrada e peneirada. 77<br />

Antes desse aumento importante da produção e exportação da farinha, o produto já<br />

era de suma importância para os habitantes locais, sendo um dos primeiros alimentos<br />

consumidos pelos imigrantes, além de também abastecer os soldados lotados nas fortalezas<br />

da Ilha. Os produtores de farinha eram obrigados legalmente a passar para as tropas uma<br />

porcentagem de suas farinhas, as quais seriam pagas através dos soldos desses soldados.<br />

Outro produto que foi ganhando espaço no cenário agrícola de Santa Catarina é o café, que<br />

sequer aparecia nas estatísticas de produção de 1797 e 1808. Em 1819 surge com uma<br />

produção de 451 quintaes e no ano de 1838 é elogiado pelo presidente da Província como<br />

sendo um gênero que em poucos anos saiu do desconhecimento para uma boa produção,<br />

com esperança de tornar-se um dos principais ramos da agricultura catarinense. 78<br />

Na contramão desse crescimento estava a indústria têxtil - basicamente algodão e<br />

linho. Essa produção, que em épocas de maior isolamento comercial da Ilha era importante,<br />

pois produzia boa parte dos tecidos consumidos localmente para os mais variados fins,<br />

desde vestuário a usos domésticos, estava quase desaparecendo “por não poder concorrer<br />

com os tecidos estrangeiros que chegam ao mercado com preços incomparavelmente<br />

inferiores”. 79<br />

Como solução para tal problema, o presidente, no ano de 1840, sugeria<br />

77 VÁRZEA, Virgílio. Santa Catarina – A Ilha. Florianópolis: Lunardelli, 1985 (1900)., p. 183 -<br />

190.<br />

78 PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em 1838., p.<br />

11. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

79 Ibid., p. 16.


167<br />

protecionismo por parte do governo, o que aumentaria o valor de revenda dos<br />

produtos. 80 Segundo o próprio presidente da Província, em 1841, a lista dos gêneros e<br />

mercadorias que mais avultavam as importações já contava com tecidos de algodão, lã,<br />

linho e seda, além de “carnes salgadas e secas, ferragens, farinha de trigo, louças e<br />

quinquilharias”. 81<br />

Paralelo às atividades comerciais, desenvolveu-se também em Desterro a atividade<br />

artesanal, que supria as necessidades locais. Na segunda metade do século XIX, por volta<br />

de 1860, algumas oficinas já se atribuíam o nome de “fabricas” e publicavam anúncios em<br />

jornais locais. A intensificação da atividade artesanal se deve ao aumento da população da<br />

cidade de Desterro nesse período e, conseqüentemente, ao crescimento da área urbana,<br />

criando certas necessidades de consumo que puderam ser satisfeitas através da exploração<br />

dos recursos econômicos locais.<br />

Outro ponto em que a Ilha precisou se adaptar foi na questão do gado e da carne.<br />

No caso de Desterro, a carne que abastecia a cidade vinha das freguesias do interior da Ilha,<br />

de áreas no entorno da cidade e também do continente fronteiro. O gado, em 1838, também<br />

vinha de mais distante, de acordo com fala do governador, vinha de Lages pela nova<br />

estrada do Trombudo. 82 Outro dado relevante é o registro de nove curtumes instalados<br />

apenas na vila de Desterro, número que demonstra a entrada significativa de gado vacum na<br />

Ilha, além do criado localmente. Além desses, havia mais sete curtumes para o<br />

beneficiamento de couros em freguesias do interior da Ilha, dos quais cinco na Lagoa e dois<br />

nas Necessidades. No cenário nacional, por exemplo, o beneficiamento e exportação do<br />

couro ocorriam de forma significativa desde o início do século XVIII, como demonstram as<br />

80 ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província de Santa<br />

Catarina em 1838., p. 27. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

81 BRITO, Antero José Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em<br />

1841., p. 18. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

82 PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província em 1838, Op. cit., p. 11.


168<br />

exportações do produto no ano de 1709 em que o Brasil embarcou 110 mil peles para<br />

Lisboa. 83 Além disso, o gado era usado para transporte e os proprietários eram obrigados<br />

por lei a ceder alguns de seus animais para o transporte de madeira das proximidades de<br />

suas terras ao porto ou aos galpões de estocagem. Muitos proprietários se dirigiam ao<br />

governador ou ao Vice-Rei para conseguir isenção dessa obrigação que lhes custava tempo<br />

e dinheiro e não tinha retorno financeiro algum.<br />

Essa questão da entrada de gado na Ilha sempre foi tema de debates calorosos. O<br />

fato de a Ilha não ter um abatedouro público se devia às dificuldades na entrada de gado do<br />

continente na Ilha, o que sempre gerou reclamações. O abatedouro público foi construído<br />

no continente fronteiro à Ilha, no lugar conhecido como Estreito. Do ponto de vista do<br />

presidente da Província, que em 1838 já havia consultado engenheiros e estava em busca de<br />

mais sugestões para resolver o problema, a travessia do estreito de águas que separava a<br />

Ilha do continente em pequenas canoas, como era praticado, colocava a vida dos<br />

passageiros em risco eminente em ocasiões de ventos fortes e mar cevado, o mesmo<br />

ocorrendo aos animais cavalares e ao gado para consumo, que sofria toda sorte de maus<br />

tratos e chegava ao matadouro cansado, o que, ainda segundo o presidente, era danoso à<br />

carne. 84 Tanto a produção de gado quanto diversos outros trabalhos na Ilha estiveram<br />

relacionados ao projeto de pequenas propriedades familiares, o que, em tese, coibia o<br />

trabalho escravo e a própria contratação de trabalhadores brancos livres, uma vez que se<br />

baseava no trabalho dos próprios membros da família ocupante da terra. No entanto, o<br />

trabalho escravo foi relevante para Santa Catarina, e mesmo não sendo predominante deve<br />

83 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo. Op. cit., p. 92.<br />

84 PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em 1838.<br />

Op.cit., p. 38.


169<br />

ser analisado como tal e não como insignificante ou inexistente, como já foi tratado pela<br />

historiografia.<br />

Quantitativamente, o setor agrícola da economia foi o que mais absorveu a mãode-obra<br />

escrava, o mesmo pode-se dizer da exploração madeireira que estava diretamente<br />

ligada a isso, uma vez que o trabalho na lavoura iniciava com a derrubada da mata e<br />

limpeza do terreno para plantar. Apesar da característica da Ilha ser de pequenas<br />

propriedades rurais cultivadas por trabalhadores livres, em geral o próprio dono do lote e<br />

sua família ou arrendatários, as plantações de mandioca e de cana-de-açúcar, quando<br />

efetuadas em propriedades de porte médio, utilizavam mão-de-obra escrava e, mesmo<br />

pequenos proprietários, quando podiam, compravam escravos. Langsdorff escreve que “no<br />

início do século XIX, [...] a riqueza dos agricultores da Ilha contava-se pelo número de<br />

escravos que eles possuíssem e que aos escravos cabia o amanho do solo e toda a sorte dos<br />

mais rudes trabalhos”. 85 Mas é provável que no fim da primeira e início da segunda metade do<br />

século tenha aumentado o número de escravos ocupados na agricultura.<br />

Com a intensificação da exploração da cana-de-acçúcar, os agricultores<br />

médios, que possuíam mais escravos, puderam prosperar em suas<br />

empresas agrícolas. 86<br />

É nesse período também que ocorre a Guerra do Paraguai e que a Ilha intensifica<br />

sua produção de farinha para abastecer os grandes centros nacionais e a região em guerra.<br />

É preciso, então, saber quais os tipos de trabalho foram desenvolvidos na Ilha e<br />

quais as influências destes trabalhos no regime escravista local. Se por um lado não<br />

produzia açúcar para exportação, sabemos que, por outro, a Ilha estava integrada ao<br />

mercado de abastecimento interno e produzia farinha de mandioca, aguardente e gêneros<br />

85 CAR<strong>DO</strong>SO, Fernando Henrique e IANNI, Octávio. Cor e Mobilidade Social em Florianópolis:<br />

Aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil Meridional. São<br />

Paulo: Cia Editora Nacional, 1960., p. 67.<br />

86 Ibid., p. 70.


170<br />

alimentícios. Era característica da região a presença de pequenas e médias propriedades<br />

fundiárias, parte delas empregando pequenos plantéis de escravos, a maior parte de 1 a 5.<br />

Além disso, percebe-se também o emprego de escravos em uma série de atividades<br />

urbanas, de caráter doméstico ou mais especializado.<br />

Uma análise comparativa de dois períodos da Ilha e suas mudanças populacionais<br />

e ligadas a trabalho e mão-de-obra podem melhor dimensionar isso. Em 1797 o número de<br />

fogos na Ilha de Santa Catarina, que contava com apenas quatro núcleos populacionais -<br />

Vila de Nossa Senhora do Desterro, Distrito do Ribeirão, Freguesia da Lagoa e Freguesia<br />

de Santo Antônio das Necessidades - era de 1.594. Sessenta e nove anos depois as<br />

Freguesias aumentam, decorrência da subdivisão das primeiras. Em 1866 o cenário já era<br />

bem diferente. São João Batista do Rio Vermelho desmembra-se de Santo Antônio das<br />

Necessidades em 1832 ou 1833, São Francisco de Paula de Canasvieiras, também um<br />

desmembramento de Santo Antônio das Necessidades, em 1834 e Santíssima Trindade<br />

desmembrada de Nossa Senhora do Desterro em 1838. Nesses 69 anos, o número de fogos<br />

aumentou para 4.326, sendo que apenas Desterro pulou de 666 para 1.356 fogos. Isso<br />

significa um aumento populacional de 6.982 brancos livres para 16.016. O número de<br />

escravos pardos e pretos subiu de 2.017 para 3.416, apesar da proibição do tráfico já vigorar<br />

há 16 anos. A população total da Ilha (brancos, pardos e pretos) subiu de 9.160 para 21.399<br />

pessoas. Em Desterro o número subiu de 3.757 para 6.474. O aumento populacional foi<br />

mais significativo no interior da Ilha, onde as Freguesias da Lagoa, do Ribeirão e das<br />

Necessidades aumentaram sua população de 1.916 para 3.025, 1.040 para 2.712 e 2.447<br />

para 2666, respectivamente. Esses números devem considerar os desmembramentos


171<br />

sofridos que deram origem às freguesias do Rio Vermelho, Canasvieiras e Trindade,<br />

que no ano de 1866 contavam com 1.656, 2.641 e 1.925 pessoas respectivamente. 87<br />

Os registros de 1797 não dão conta do número de pessoas envolvidas em<br />

atividades específicas, apenas enumerando os estabelecimentos. Os dados de 1866 dão<br />

conta da existência de 108 empregados públicos, dos quais 100 apenas em Desterro, 204<br />

comerciantes, 27 proprietários - todos em Desterro - , 2.733 lavradores e 334 artistas.<br />

Apesar do mapa que inclui a porção considerada urbana de Desterro e que consta do<br />

imposto chamado de “Décima Urbana” incluir áreas de chácaras e sítios ainda no ano de<br />

1876, aparentemente esses locais eram quase exclusivos de lazer, uma vez que o número de<br />

lavradores registrados em Desterro no ano de 1866 era de apenas 9. Diferente das<br />

freguesias do interior da Ilha como Lagoa e Canavieiras que tinham mais de 600 lavradores<br />

cada uma e as demais registravam mais de 300 cada. Seguindo a tendência de uma cidade<br />

em expansão, Desterro possuía a grande maioria dos comerciantes, 141 de um total de 204,<br />

e de artistas - aqui incluídos sapateiros, ferreiros, etc - 262 de um total de 334. Outro fator<br />

diferenciador do campo e da cidade na Ilha de Santa Catarina em 1866 é a declaração de<br />

renda dos moradores. Na capital a renda se concentra entre os que ganham de 100 a<br />

500$000 e de 500 a 1.000$000, havendo alguns com renda superior a isso, chegando a<br />

20.000$000, enquanto nas freguesias do interior a renda, em sua grande maioria, ficava<br />

entre 100 e 500$000, com raros recebendo mais que isso. 88<br />

Segundo dados de Cardoso para o ano de 1872, o número de escravos na Ilha de<br />

Santa Catarina era de 2.934, cifra que representava uma queda de aproximadamente 15%<br />

em relação a 1866. Desse número nenhum escravo estava ocupado com a lavoura na cidade<br />

87 BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Mappa da população da Província de Santa<br />

Catharina (1886). Col. Tavares Bastos. Secretaria da Policia de Santa Catharina, 4 de<br />

Abril de 1867. Acervo: BN. I - 3,34,13 (Manuscritos).<br />

88 BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Mappa da população da Província de Santa Catharina<br />

(1886). Op.cit.


172<br />

de Desterro, porém é de 725 o número de escravos lavradores espalhados pelas<br />

freguesias da Ilha. 89<br />

No quadro 12, a seguir, aparecem as ocupações declaradas dos escravos na Ilha de<br />

Santa Catarina no ano de 1872.<br />

SEXO <strong>DO</strong> ESCRAVO<br />

OCUPAÇÃO MASCULINO FEMININO TOTAL<br />

Artistas 21 0 21<br />

Marítimos 35 0 35<br />

Pescadores 25 0 25<br />

Comerciantes 2 0 2<br />

Operários em madeiras 40 0 40<br />

Operários em edificações 56 0 56<br />

Operários em Vestuário 3 0 3<br />

Operários em Chapéus 6 0 6<br />

Operários em Calçados 17 0 17<br />

Canteiros 15 0 15<br />

Operários em tecidos 0 46 46<br />

Costureiras 0 57 57<br />

Criados e Jornaleiros 82 25 107<br />

Domésticos 161 915 1.076<br />

Lavradores 699 26 725<br />

Sem profissão 381 322 703<br />

Total 1.543 1.391 2.934<br />

(Quadro 12) Ocupação dos escravos na Ilha de Santa Catarina no ano de 1872. Fonte:<br />

CAR<strong>DO</strong>SO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.<br />

Insular: Florianópolis, 2000.<br />

Podemos observar a partir do quadro 12 que a cidade absorveu grande parte da<br />

mão-de-obra escrava de Desterro. Além dos lavradores que provavelmente localizavam-se<br />

nas franjas da cidade e em áreas mais afastadas, os operários em madeira, pescadores e<br />

marítimos, um número significativo de escravos já se dedicava a trabalhos notadamente<br />

89 CAR<strong>DO</strong>SO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.<br />

Insular: Florianópolis, 2000.


173<br />

urbanos envolvendo comércio, vestuário e edificações, esse, a propósito, um setor em<br />

franco desenvolvimento. Novos espaços e novos trabalhos configuram-se e a tendência de<br />

aumento consolida-se. A Ilha vai cedendo espaço aos novos costumes urbanos, entre eles a<br />

compra de produtos agrícolas de outros locais, especialmente do continente fronteiro.<br />

3.5 Do campo para a cidade: resultados da agricultura na Ilha de Santa<br />

Catarina<br />

Fato é que o progresso da agricultura significou devastação florestal, primeiro<br />

porque as terras do Brasil eram, em sua maioria, cobertas de floresta e nenhuma civilização<br />

e se desenvolvem em meio à mata cerrada, é necessário abrir clareiras. Essas clareiras<br />

avançaram Brasil adentro e deram lugar não só a aglomerados populacionais, mas a grandes<br />

plantações.<br />

Desde o principio a floresta foi percebida como um empecilho ao desenvolvimento<br />

agrícola e, para tanto, era mister derrubá-la. Empregaram-se as mais variadas técnicas até<br />

que a prática ensinou a esses homens como desmatar de forma mais eficiente. Da derrubada<br />

das árvores ao fogo que limpava o terreno, chegando aos grandes canaviais e cafezais,<br />

muitos capítulos da história do Brasil foram escritos. Além dos manuais agrícolas e outras<br />

idéias de estímulo à produção analisadas anteriormente, é interessante notar que as opiniões<br />

políticas da primeira metade do século XIX sobre a agricultura na Ilha de Santa Catarina e<br />

restante da Província são muito mais dados baseados em observações de terceiros que<br />

balizadas por parâmetros de análise mais consistentes adquiridos através da prática. Cada<br />

presidente da Província, naturalista, ou visitante dava sua opinião. Já em 1840, o presidente<br />

Francisco José de Souza Soares de Andréa fazia uma forte crítica à indústria agrícola local


174<br />

que afirmava não existir propriamente, dois anos depois a agricultura é considerada<br />

estacionária em relatório de outro presidente.<br />

Certo é que houve altos e baixos na produção agrícola e culturas foram sendo<br />

substituídas por outras de acordo com a demanda ou o próprio reconhecimento das<br />

potencialidades do solo e do clima. No entanto, a Ilha de Santa Catarina entra em uma<br />

curva descendente de produção mais perceptível no último quartel do século XIX,<br />

semelhante ao que se deu no cenário nacional. O início do declínio da agricultura em<br />

termos nacionais, ou mais precisamente, o momento da identificação de uma crise na<br />

produção, ocorreu em meados da década de 70 do século XIX, quando,<br />

após um período razoavelmente longo do crescimento contínuo da grande<br />

lavoura de exportação, que se confundiu com a expansão do café<br />

começaram a aparecer sinais evidentes de uma crise.(...) Uma atmosfera<br />

de temor quanto ao futuro disseminou-se entre políticos, proprietários e<br />

publicistas, pois o edifício social e político da monarquia erguia-se sobre<br />

aquela atividade econômica. 90<br />

Segundo Pádua, é nesse momento que o Ministério de Estado dos Negócios da<br />

Agricultura, Comércio e Obras Públicas decidiu convocar um "Congresso Agrícola", cujo<br />

objetivo era "obter informações seguras, esclarecimentos indispensáveis para firmar<br />

opinião que seja o móvel de suas deliberações". 91 Deveriam participar e opinar sobre<br />

melhoramentos e problemas os próprios agricultores.<br />

Na realidade, os problemas na agricultura do Brasil eram tão claros que já faziam<br />

parte das propostas de debate do Congresso Agrícola antes dele começar e antes de se ouvir<br />

os participantes. O tema base era a falta de braços e capitais para o trabalho agrícola,<br />

90 PÁDUA, José Augusto. "Cultura esgotadora": agricultura e destruição ambiental nas últimas<br />

décadas do Brasill Império. In: Estudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro 1998: 134-163.<br />

91 Ibid., p. 134.


175<br />

intensificado sobremaneira com a lei do Ventre Livre em 1871 e a visível<br />

insustentabilidade da escravidão.<br />

Não podemos descrever a queda da produção agrícola da Ilha de Santa Catarina<br />

como um “movimento natural”, porém esse fenômeno de retração parece consistente com o<br />

processo de transformação ilhéu. No caso da Ilha de Santa Catarina o final do século XIX<br />

trás uma queda ainda maior das atividades agrícolas, pois o continente fronteiro cresce em<br />

população e produção a ponto de tornar mais barato e vantajoso a compra de produtos<br />

dessas novas colônias. Por outro lado a população urbana de Desterro cresce e ocupa áreas<br />

que antes eram da agricultura. Nossa Senhora do Desterro, capital da Província, adquire<br />

ares, se não mais cosmopolitas, ao menos mais urbanos e de centro administrativo, que<br />

compra produtos agrícolas de fora, deixando para as freguesias do interior da Ilha uma face<br />

mais rural e de subsistência.<br />

Sem considerar a atual, e tão propalada, “vocação turística” da Ilha, a posição de<br />

capital política e administrativa da Província já garantia um relativo crescimento urbano por<br />

conta dos funcionários que ali se instalavam, especialmente a partir da segunda metade do<br />

século XIX. As pequenas propriedades familiares também não poderiam produzir em<br />

grande escala para uma população em constante aumento. Os limites com o mar em um<br />

momento de crescimento do transporte ferroviário e rodoviário, que se intensificou no final<br />

daquele século, também devem ser computados como fatores. Enfim, muito mais do que<br />

uma fase que se finalizava e dava lugar à outra, essa urbana e com mais longevidade, as<br />

atividades agrícolas da Ilha cederam lugar a novos costumes, novos usos e a uma nova


176<br />

importância atribuída à vida rural, como refúgio da vida urbana. O rural na Ilha não<br />

deixou necessariamente de existir, ele foi, sim, resignificado e deixou de ser puramente o<br />

trabalho na terra.


IV<br />

A QUESTÃO URBANA<br />

V<br />

No tempo em que seu solo ainda se achava<br />

coberto de florestas sombrias, um denso nevoeiro<br />

envolvia a Ilha de Santa Catarina. Emanações<br />

insalubres elevavam-se da terra humida em que<br />

apodreciam montões de detritos e inúmeros<br />

vegetais. Nuvens de mosquitos obscureciam o ar e<br />

os navegantes que aportavam a essa Ilha<br />

arriscavam-se a contrair febres e dysenterias 1<br />

Quando de minha viagem, o clima de Santa<br />

Catharina era bem saudável e deverá sel-o agora<br />

muito mais, desde que restos de baleias (Pizarro,<br />

Memória Histórica IX) não apodrecem, como<br />

outrora, nas angras que recortam o litoral da<br />

ilha. Não exaggeremos, entretanto, a salubridade<br />

do clima de Santa Catharina; as dysenterias<br />

grassam ali com freqüência e parece que não são<br />

raros os casos de morphéia. 2<br />

4.1 Meio Ambiente e Saúde Pública no processo de urbanização de Desterro<br />

Desde o século XIX a história urbana vem se formando com contribuições das<br />

mais variadas áreas como a arquitetura, a geografia, a economia, a sociologia e outras.<br />

Desse leque de produções textuais e teorias passamos por autores importantes como<br />

Szrmrecsanyi, que lançou um debate importante para a análise do urbano no Brasil,<br />

questionando: já que a polaridade rural-urbano era totalmente separada, quem construiu o<br />

rural e o urbano no Brasil Segundo Fridman, Szrmrecsanyi analisa e “atribui o impulso de<br />

constituição inaugural do país a uma classe urbana, a burguesia comercial lusitana que<br />

1 ANSON. Apud. SAINT-HILAIRE, Auguste de – Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo<br />

Horizonte; Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978., p. 176.<br />

2 Ibid., p. 176.


178<br />

‘volta-se para o campo’, ao invés de ‘volta ao campo’, pois essa burguesia não se<br />

ruralizou”. 3 Outros como Oliveira Viana com sua teoria ferrenha do anti-urbano colonial,<br />

do homem amante da solidão e da degeneração das cidades, 4 e Aroldo de Azevedo com sua<br />

classificação dos diferentes tipos de povoados, passando pelas aldeias indígenas e vilas<br />

fortificadas e reconhecendo nelas um “plano”, além de reconhecer nos engenhos cidades<br />

em miniatura, a importância das fazendas de gado e de café em serem pontos de<br />

convergência que geraram centros urbanos, assim como o que ele chamou de “bairro rural”,<br />

decorrente de um caminho ao longo do qual se instalam sítios. 5 Esses são alguns entre os<br />

que abordaram e analisaram o tema da construção das cidades no Brasil colonial e imperial.<br />

Para além dessa análise está a discussão acerca do formato, de um planejamento<br />

ou não do espaço urbano português comparativamente ao espanhol. O modelo espanhol<br />

tinha por base um código chamado “Leyes de las Índias” de 1573, que estipulava desenhos<br />

geométricos para as cidades, como, por exemplo, Buenos Aires. O caso português parece<br />

não ter seguido essas normas, ao menos na maioria das vezes. As cidades formaram-se a<br />

partir de vilas que, em geral, surgiram no entorno de igrejas e capelas. Por conta desse<br />

planejamento inicialmente inexistente, em muitos casos, as cidades tomaram formas que<br />

passavam ao largo dos ideais de urbanismo, em geral seguindo os contornos geográficos.<br />

No entanto, não objetivando analisar pontualmente o tema entendemos que alguns textos<br />

são importantes para percebermos a dimensão e o lugar das vilas e cidades do Brasil para os<br />

3 SZRMRECSANYI. Apud. GOMES, M. A. F. ; Pineiro, E.P. ; FRIDMAN, F. ; Andrade, C.R.M. ;<br />

TEIXEIRA, M. ; Almandoz, A. ; SILVA, L. O. ; SUTCLIFFE, A. ; Zucconi, G. ; Brandão, C.A.L. .<br />

Breve história do debate sobre a cidade colonial brasileira. In: Pinheiro, Eloisa Petti; Gomes, Marco<br />

Aurelio A. de Filgueiras. (Org.). A cidade como história. 1 ed. Salvador: Editora da Universidade<br />

Federal da Bahia, 2005, v. 1, p. 43-72.<br />

4 OLIVEIRA VIANA. Evolução do Povo brasileiro. Rio de Janeiro, J. Olímpio, 1956.<br />

5 AZEVE<strong>DO</strong>, Aroldo de. Vilas e cidades do Brasil colonial: ensaio de geografia urbana<br />

retrospectiva. São Paulo: EDUSP, 1965.


179<br />

portugueses. Uma dessas obras é A cidade Colonial, de 1961, onde Nelson Omegna<br />

afirma que a função da cidade colonial portuguesa era a de<br />

assegurar, tanto do ponto de vista estratégico quanto da política<br />

econômica ou eclesiástica, os interesses mercantilistas dos senhores da<br />

metrópole. A vila era dotada de uma vasta interlândia ou zona rural para<br />

garantir-lhe o sustento, possuía nomes de santos para ‘cristianizar a<br />

paisagem’. 6<br />

Também contribuinte dessa discussão está Nestor Goulart Reis Filho,<br />

especialmente em Evolução do Brasil (1500/1720), no qual busca evidenciar através de<br />

mapas e desenhos um planejamento regular lusitano. 7<br />

As últimas duas décadas têm<br />

apresentado discussões atuais, releituras de obras clássicas e novas teorias sobre o projeto<br />

urbanístico português dos séculos XVI, XVII e XVIII. Autores como Fania Fridman,<br />

Murilo Marx, Beatriz Siqueira Bueno, Maurício de Almeida Abreu, Roberta Dalson e<br />

Maria Helena Flexor entre outros, ampliaram o leque de questionamentos, e trouxeram à<br />

luz, tópicos até então esquecidos ou tratados isoladamente, fazendo o esforço de<br />

correlacioná-los. Pontos como as grandes parcelas de solo urbano em mãos de ordens<br />

religiosas (majoritariamente adquiridas por doações) entraram em debate, além do quanto<br />

isso desviou ou direcionou o surgimento de novos bairros e o “espalhamento” dos núcleos<br />

urbanos. Tudo isso possibilitou uma revisão em idéias que não davam margem para um<br />

estudo dos pontos positivos e inteligentes do urbanismo português, uma vez que se<br />

solidificaram e permaneceram por muito tempo como verdades. Exemplo disso são idéias<br />

como as de Sérgio Buarque de Holanda ao referir-se aos portugueses e aos espanhóis:<br />

As cidades que os portugueses construíram na América não são produto<br />

mental, não chegam a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se<br />

enlaça à linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma<br />

providência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra<br />

6 OMEGNA, Nelson. A cidade Colonial. São Paulo: Ebrasa, 1961.<br />

7 GOULART REIS Filho, Nestor. Evolução do Brasil (1500/1720). São Paulo: Pioneira/EDUSP,<br />

1968.


180<br />

‘desleixo’ palavra que o escritor Aubrey Belle considerou tão<br />

tipicamente portuguesa como ‘saudade’ e que, no seu entender, implica<br />

menos falta de energia do que uma íntima convicção de que ‘não vale a<br />

pena...’ 8<br />

Palavras como essas criaram na imaginação do leitor desavisado a imagem de um<br />

espanhol norteado pela razão, seguindo um plano régio e “ladrilhando” cidades por toda a<br />

porção espanhola da América, ao passo que o português, de forma totalmente aleatória,<br />

semeava pontos de urbanização por sua imensa e desorganizada colônia. Nem tanto ao mar,<br />

nem tanto a terra. Nem os espanhóis eram tão retilíneos que não cediam às imposições<br />

geográficas, nem os portugueses eram tão desleixados que deixavam seus domínios ao léu.<br />

E alguns textos do século XIX já indicavam que o fato de as ruas de Desterro terem<br />

direções irregulares não só era devido ao desleixo da fundação como também à ondulação<br />

do terreno. 9 Como já vimos, autores durante todo o século XX, e especialmente nos últimos<br />

anos, têm analisado a lógica portuguesa de urbanização. Se forem pontos de vista já<br />

superados ou tentativas de reinterpretar e encontrar a lógica das vilas e cidades portuguesas,<br />

certo é que Holanda e os outros autores com preocupações na história urbana do Brasil são<br />

nossa conexão para um questionamento acerca da dinâmica ambiental que influenciou ou<br />

não o desenho e os posteriores planos das vilas portuguesas, em especial Nossa Senhora do<br />

Desterro.<br />

Esses planos urbanísticos eram importantes, pois além da distribuição de prédios<br />

públicos, praças e a própria localização do núcleo urbano como estratégia de defesa contra<br />

possíveis inimigos, visavam controlar um problema que cresceu junto com as cidades no<br />

8 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. (1936) 19º ed. Rio de Janeiro: José Olympio,<br />

1987., p. 76.<br />

9 TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada por<br />

Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Taunay Alfredo<br />

D’Escragnolle pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom<br />

Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército).


181<br />

século XIX em todo o Brasil: a falta de saneamento básico. A instalação das cidades, na<br />

maioria das vezes, procurou considerar os ambientes tidos como saudáveis e propícios ao<br />

seu desenvolvimento em todo o mundo. As preocupações com a saúde pública e sua relação<br />

com o meio ambiente já vinham de longa data e podem ser vistos em textos como o de<br />

Gaspar Casal, médico do rei espanhol Fernando VI, em 1762, referindo-se às epidemias que<br />

afetaram as Astúrias nos anos de 1719 e 1749,<br />

haciendo memoria de las diversas causas, que los autores asignan a la<br />

ictericia (ya descubiertas por observaciones, y ya por disecciones<br />

anatómicas) tengo por verosímil que, así en una, como en otra epidemia,<br />

tuvieron mucho influjo los ábregos, que en ambas constituciones del<br />

tiempo persistieron sobre los demás vientos (...). 10<br />

Tal afirmação é um exemplo da importância atribuída ao clima, ao solo, às águas,<br />

enfim, ao meio ambiente, recorrente nos trabalhos da área médica nos século XVIII e XIX.<br />

Sob o título de Geografias e Topografias Médicas, realizou-se, desde o final do século<br />

XVIII, uma série de estudos em que foram discutidas a origem e a proliferação de<br />

epidemias e sobre causas de mortalidade. Esses textos tinham como base determinadas<br />

concepções médicas que consideravam a gênese e a evolução das enfermidades como<br />

fortemente definidas pelo clima e pelo meio local. 11<br />

Dado que entre os higienistas dos séculos XVIII e XIX era generalizada uma<br />

concepção da enfermidade como produto social, nos estudos de tipo epidemiológico é<br />

muito freqüente encontrar informações abundantes sobre o meio geográfico, econômico e<br />

social em que se desenvolveram as doenças estudadas. 12 É também no fim do século XVIII<br />

que o médico aproxima-se do político, desempenhando um papel importante no<br />

10<br />

CASAL, G. 1762, 235-236. In: URTEAGA, Luis. Miseria, Miasmas y Microbios. Las<br />

Topografías Médicas y el Estudio del Medio Ambiente en el siglo XIX. Barcelona: Revista Geo<br />

Critica, n.29, set. 1980.<br />

11 Ibid., p. 235 – 236.<br />

12 Ibid., p. 235 – 236.


182<br />

ordenamento das cidades e de vários locais públicos e influenciando comportamentos<br />

coletivos como a lavagem das ruas ou o traçado de certos bairros. Junto com essas<br />

mudanças surgiram novas instituições como as comissões de salubridade encarregadas de<br />

inspecionar manufaturas, oficinas e estabelecimentos tidos como produtores de miasmas. 13<br />

Essas idéias se evidenciam com a medicina européia do século XVIII, que renovou<br />

a tradição de Hipócrates inaugurada com o livro Dos ares, das águas e dos lugares, dando<br />

origem a uma corrente higienista que prestou especial atenção ao meio natural e sua<br />

possível relação com os problemas patológicos. As idéias de Hipócrates sobre a relação das<br />

questões ambientais com a saúde pública serviram como uma base que justificou e orientou<br />

os primeiros trabalhos que determinaram um novo desenho dos espaços urbanos. “Foram<br />

esses princípios que orientaram os higienistas do século XVIII ao início do século XIX e<br />

que foram responsáveis por mudanças tanto na estrutura física dos espaços da cidade como<br />

nas habitações e nos costumes dos indivíduos”. 14 Também é decorrente dessa teoria a<br />

valorização do consumo de água pura para ingestão e para banhos, o que originou os<br />

sistemas de abastecimento nas cidades por meio de aquedutos e o valor terapêutico dos<br />

banhos de mar. De acordo com Vigarello, a maior parte das topografias médicas do final<br />

do século XVIII em diante associa saúde à mobilização da água, escorrendo pelas cidades,<br />

por valas e canais e limpando-a, bem como promovendo a correção do ar. 15<br />

Versuch einer allgemeinen medicinish-praktischen Geographie, de Ludwig Finke,<br />

escrita em 1792, é considerado o marco inicial dos estudos de geografia médica na era<br />

13 VIGARELLO, Georges. O limpo e o Sujo: a higiene do corpo desde a idade Média. Ed.<br />

Fragmentos: Lisboa, 1985., p. 134.<br />

14 EDUAR<strong>DO</strong>, A. R. B. ; FERREIRA, A. L. A. . As Topografias Médicas no Brasil do início do<br />

século XX. Aportes históricos ao estudo da relação meio ambiente e sociedade (o caso de Natal-<br />

RN). In: Angela Ferreira, George Dantas. (Org.). Surge et Ambula. A construção de uma cidade<br />

moderna (Natal, 1980-1940). Natal: EDUFRN, 2006, v. 1, p. 137-151.<br />

15 VIGARELLO, Georges. O Limpo e o Sujo... Op. cit., p.121.


183<br />

moderna. 16 Primeiramente, acreditando em uma causa única para as doenças, o grupo<br />

de médicos encabeçados por Finke e conhecidos como “sistematizadores” passam, já no<br />

final do século XVIII,<br />

a afirmar que a busca da causa única não respondia mais à complexidade<br />

do mundo, retomando assim a leitura dos gregos de uma nova<br />

perspectiva, no que começou a se denominar empirismo neo-hipocrático.<br />

Acreditavam estes cientistas que só uma rigorosa observação do mundo<br />

poderia levar ao entendimento das causas das doenças. 17<br />

Esse redirecionamento das concepções das causas das doenças é perfeitamente<br />

compreensível neste período da história européia, em que a expansão colonialista abre<br />

portas para novas observações quanto à adaptação dos europeus em outras terras.<br />

Com um caráter marcadamente determinista, as idéias de saúde desse período<br />

estavam ligadas às idéias de geografia, espaço e território. Nessa época de expansão<br />

colonialista, em que novas doenças eram identificadas à medida que lugares com diferentes<br />

climas, solos, relevos, paisagens botânicas e zoogeográficas, hidrografias eram ocupados,<br />

teorias e pesquisas de médicos e higienistas eram associadas ao discurso do determinismo<br />

geográfico. Tal teoria é sintetizada por Bousquat e Conh da seguinte forma:<br />

o espaço, como sinônimo de meio ambiente físico, determina as<br />

possibilidades de construção da sociedade humana. Por outro lado, na<br />

medicina, o mesmo período consolidou a afirmação dos agentes<br />

biológicos (oriundos do meio físico) como explicativos das doenças. E<br />

foi exatamente a junção dessas duas afirmações em uma só que pode ser<br />

sintetizada como espaço/meio físico, que, com seus agentes biológicos,<br />

levaria à existência das doenças em uma determinada sociedade. 18<br />

16 BOUSQUAT, Aylene; COHN, Amélia. A dimensão espacial nos estudos sobre saúde: uma<br />

trajetória histórica. In: História, Ciências, Saúde - Manguinhos. v.11 n.3. Rio de<br />

Janeiro set./dez. 2004. p. 4.<br />

17 Ibid., p. 4.<br />

18 Ibid., p. 7.


184<br />

Tal síntese, que possui analogia com a clássica tríade ecológica de Leavell &<br />

Clarck 19 , em que o meio é percebido como um recipiente que facilita ou não o contato entre<br />

pessoas, ou hospedeiros, e agentes etiológicos, evoca uma melhor definição de “espaço”<br />

que abrange essas questões. Para tanto, a idéia de Czeresni e Ribeiro, que escrevem sobre a<br />

relação lugar versus epidemia, amplia nossa apreensão do tema. Para os autores:<br />

o lugar pode ser compreendido como topos em que se dá um<br />

acontecimento. Nessa perspectiva, o espaço constitui-se e distingue-se<br />

dos corpos no momento da vivência concreta dos fenômenos, através de<br />

uma interface que se configura no decorrer da própria experiência. O<br />

vínculo entre corpo e espaço não se apresenta claramente, pois o<br />

processo de emergência das ciências foi também o de fragmentação do<br />

modo de pensar o homem e as suas relações. No contexto da elaboração<br />

dos conceitos científicos, o espaço foi concebido, segundo os mais<br />

diferentes pontos de vista, como algo anterior, que existe independente<br />

da constituição dos seres que o habitam. 20<br />

Esses ramos da história natural, ligados ao conhecimento médico, agregaram<br />

informações de estudos anteriores, relacionados ao clima e aos fenômenos meteorológicos,<br />

desenvolvidos especialmente na Inglaterra em fins do século XVII, por Robert Boyle e<br />

John Locke 21 . Posteriormente, já em fins do século XVIII, aquelas que ficaram conhecidas<br />

como ciências ambientais (climatologia, meteorologia, geologia e topografia) associam-se<br />

profundamente à medicina, pois, teoricamente, se bem aplicadas, permitem controlar<br />

epidemias. Apesar de haver um pretenso respeito pelas “leis da natureza”, essa mesma<br />

natureza quando se tornava ameaçadora poderia e deveria ser controlada. A secagem de<br />

pântanos, o desmatamento, o represamento de rios, tudo isso eram formas de “ordenar” o<br />

ambiente que, apesar de ser bom, era desconhecido.<br />

19 LEAVELL, S. & CLARCK, E. G. Medicina Preventiva. São Paulo: McGraw-Hill, 1976.<br />

20 CZERESNIA, Dina; RIBEIRO, Adriana Maria. O conceito de espaço em epidemiologia: uma<br />

interpretação histórica e epistemológica. In: Cadernos de Saúde Pública. v.16 n.3. Rio de<br />

Janeiro jul./set. 2000. p. 3.<br />

21 EDLER, Flávio C. De olho no Brasil: A geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu. In:<br />

História, Ciência, Saúde – Manguinhos, V. VIII (suplemento), 925-43, 2001.


185<br />

De acordo com Maria Stella Bresciani, “a intervenção técnica na cidade<br />

participa de um movimento de conhecimento que partiu da circulação da doença e da<br />

observação dos corpos doentes para a modificação do meio físico em que a doença<br />

aparece”. 22 Essas propostas e intervenções surgem no início do século XIX e voltam-se,<br />

quase exclusivamente, à questão das doenças e à promoção de maneiras para evitá-las,<br />

especialmente as epidemiológicas. Os novos saberes decorrentes desses estudos<br />

materializaram-se em aparelhos e técnicas para verificação da pureza das águas e do ar,<br />

entre outras, além de propostas intervencionistas como a do médico francês Parent<br />

Duchatelet que, por volta de 1840, propunha regulamentar práticas nocivas como:<br />

[...] assegurar a captação de águas usadas de maneira a evitar o acúmulo<br />

de águas estagnadas e os córregos poluídos pelos detritos industriais e<br />

humanos, destruir o costume de amontoar homens e animais num mesmo<br />

cômodo, bem como o hábito promíscuo de pais e filhas, irmãos e irmãs<br />

dormindo num mesmo quarto ou cama, e, enfim, evitar tudo o que<br />

pudesse exalar miasmas contaminadores da saúde e degradar pela má<br />

moral o comportamento das pessoas. 23<br />

Tais estratégias de controle da natureza eram vistas também como avanços na área<br />

médica, uma vez que as teorias médicas e os próprios médicos que estavam falando do<br />

Brasil nessa época eram europeus ou formados pelas escolas européias. Isso está de acordo<br />

com o momento que é de um “amplo intercâmbio comercial, aliado à política colonialista<br />

européia, [que] fez emergir o problema, ao mesmo tempo prático e teórico, de se<br />

compreender porque certas doenças estariam circunscritas a determinadas regiões do globo,<br />

enquanto outras tinham ali um impacto diferenciado e um padrão de endemicidade<br />

22 BRESCIANI, Maria Stella. Permanência e Ruptura no estudo das cidades. In: FERNAN<strong>DE</strong>S,<br />

Ana; GOMES Marco Aurélio A. F. (orgs). Cidade e História – Modernização das Cidades<br />

Brasileiras nos séculos XIX e XX., p. 14.<br />

23 Ibid., p. 16.


186<br />

distinto”. 24 Essas observações eram comprovadas ou refutadas em análises diretas dos<br />

locais em estudo, ou seja, viagens científicas de pesquisa ou ainda por meio de autoridades<br />

médicas locais. 25<br />

Também é nesse momento que a palavra higiene ocupa espaço nos<br />

manuais de saúde. Higiene torna-se um ramo específico do saber médico e qualifica não<br />

mais “saúde (hygeinos significa em grego o que é são), mas o conjunto dos dispositivos e<br />

dos saberes que favorecem a sua conservação”. 26 A mudança de status da medicina no que<br />

tange a higiene, pode ser percebida pelo aparecimento de novas instituições “como as<br />

comissões de salubridade, criadas no tempo do Império e encarregadas de inspecionar<br />

localmente manufaturas, oficinas, estabelecimentos produtores de miasmas diversos”. 27<br />

4.2 Do Global ao Local: questões de salubridade no Brasil<br />

Textos relacionados a esse tema surgiram no Brasil desde fins do século XVIII e,<br />

especialmente, ao longo do século XIX, da pena de viajantes e naturalistas. Além de<br />

escrever sobre os tipos humanos da terra, da flora e da fauna, esses textos e desenhos<br />

continham descrições e comentários sobre doenças e relacionavam possíveis formas de cura<br />

ou motivos de agravamento das mesmas. Tal conexão entre viagens e idéias médicas do<br />

período é uma importante fonte para analisarmos a construção das cidades, das habitações<br />

e, mais diretamente, as questões de saúde, saneamento básico e meio ambiente.<br />

Se considerarmos que as cidades brasileiras tiveram muitos elementos de sua<br />

construção inspirados em cidades européias, ou ao menos idealizados dessa forma (praças,<br />

24 EDLER, Flávio C. De olho no Brasil: A geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu.<br />

Op.cit., p. 7.<br />

25 EDLER, Flávio C. De olho no Brasil... Op. cit., p. 9.<br />

26 VIGARELLO. O limpo e o Sujo... Op. cit., p. 134.<br />

27 Ibid., p. 134.


187<br />

prédios públicos, igrejas, entre outros) entende-se a preocupação médica existente, fato<br />

comum na Europa nesse período. Um dos principais focos da atenção de políticos e<br />

urbanistas no Brasil do século XIX estava voltado a uma “adaptação” do meio ambiente em<br />

caso de necessidade, para uma melhor adaptação social dos habitantes, muitos vindos da<br />

própria Europa.<br />

No Brasil, o surgimento da ideologia da higiene ocorre, de acordo com Sidney<br />

Chalhoub, paralelamente à idéia de controle das “classes perigosas”, que, grosso modo,<br />

eram compostas por pessoas que “claramente optaram” por “ganhar a vida” através de<br />

meios escusos ou que, mesmo trabalhando não conseguiam acumular capital, vivendo na<br />

pobreza, o que pressupunha um mal trabalhador. 28 Uma vez definido isso, é feita por parte<br />

dos políticos e higienistas do período, 29 uma associação imediata de “classes perigosas”<br />

com “doenças contagiosas”. Essa associação de idéias só fez agravar os possíveis<br />

problemas provocados por tais indivíduos. O que até então era problema para organização<br />

do trabalho e manutenção da ordem pública passa a ser também problema de saúde<br />

pública. 30 Os intelectuais-médicos da época voltaram-se com vigor ao problema produzindo<br />

muitos textos e indicando muitas soluções para a questão. Um ponto comum à maioria,<br />

senão a todos, foi o “diagnóstico de que os hábitos de moradia dos pobres eram nocivos à<br />

sociedade, e isto porque as habitações coletivas seriam focos de irradiação de epidemias,<br />

além de, naturalmente, terrenos férteis para a propagação de vícios de todos os tipos”. 31<br />

28 CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia<br />

das Letras, 1996., p. 22.<br />

29 Ibid., p. 22. Especialmente o período pós-abolição que provocou uma onda de preocupação por<br />

parte das autoridades no que se refere às moradias e ao trabalho dessa nova classe de livres pobres e<br />

moradores da cidade, mas que já acontecia há algumas décadas.<br />

30 Ibid., p. 29.<br />

31 Ibid., p. 29.


188<br />

No caso do Rio de Janeiro, os cortiços são vistos como uma ameaça às<br />

condições higiênicas da cidade e para controlá-los e a seus moradores, são tomadas<br />

medidas que envolvem a vigilância policial, o controle de entrada e saída dos<br />

freqüentadores e regras com relação ao despejo do lixo e das matérias fecais 32 . Esses<br />

expedientes não só não tiveram o efeito esperado, muito em função da impossibilidade de<br />

controlar sua aplicação, como geraram um sério problema que passou da forma das<br />

moradias para o espaço, o local das habitações populares. Na Bahia, um grupo de médicos<br />

que se organizou e criou um periódico, em 1866, a Gazeta Médica da Bahia (1866-1915), à<br />

margem da Faculdade de Medicina existente na antiga capital do Brasil colônia, discutiu e<br />

desenvolveu idéias em torno da incidência e propagação das patologias vistas por eles<br />

como nativas, típicas de uma região tropical. Jaime Larry Benchimol, em artigo intitulado<br />

A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no Brasil, aborda o tema,<br />

ressaltando as diferenças nas pesquisas desse grupo de médicos aos do Rio de Janeiro,<br />

especialmente:<br />

Enquanto estes encaravam o progresso como imitação da ciência e das<br />

instituições européias, os tropicalistas baianos investigavam a<br />

singularidade das doenças nos trópicos, a influência do clima sobre as<br />

raças e sobre a geração ou multiplicação de miasmas e germes. Queriam<br />

saber se os europeus podiam se aclimatar nesse ambiente adverso e se era<br />

possível neutralizá-lo com políticas sociais progressistas e condutas<br />

médicas e higiênicas racionais. A busca de patologias e, por<br />

conseqüência, de uma medicina nacional implicava a refutação da crença<br />

de que os trópicos eram irremediavelmente malsãos, degenerativos,<br />

impermeáveis à civilização européia. 33<br />

Essa suposta diferença e irredutibilidade de modelos teóricos, questionada por<br />

Edler 34 ao afirmar que os médicos do Rio de Janeiro também estavam imbuídos da mesma<br />

32 CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril... Op. cit., p. 30-31.<br />

33 BENCHIMOL, Jaime Larry. A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no<br />

Brasil. In: Ciência e saúde coletiva. vol.5 no.2 Rio de Janeiro 2000.<br />

34 EDLER, F.C. A constituição da medicina tropical no Brasil oitocentista: da climatologia à<br />

parasitologia médica. Tese de doutorado. Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do<br />

Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (mimeo), 1999.


189<br />

preocupação em criar um conhecimento original sobre as doenças tropicais, aumenta os<br />

questionamentos que fazemos sobre as influencias do meio para a propagação das doenças<br />

e confirma a grande atenção prestada pelo pensamento médico ao meio ambiente. Partindo<br />

dessa consideração da grande influência do entorno ambiental e do meio social no<br />

desenvolvimento das enfermidades, procurou-se explorar o tema em sua aplicabilidade ao<br />

caso da Ilha de Santa Catarina, especialmente relacionando-o aos problemas do espaço<br />

urbano da cidade de Nossa Senhora do Desterro como a limpeza e a salubridade.<br />

Se no Rio de Janeiro, capital do Império e depois da República, os problemas<br />

relacionados à ocupação/trabalho das classes pobres e perigosas desenvolveu-se pari passu<br />

às preocupações médicas e saneadoras, em Desterro não foi diferente. Considerando o<br />

desenho da cidade e sua dinâmica de crescimento, os pontos críticos no que se refere à<br />

habitação dos pobres e focos de doenças eram muito próximos ao centro da cidade e,<br />

conseqüentemente, da habitação dos mais ricos. A identificação desse problema já vinha do<br />

início do século XIX e foi motivadora das primeiras leis municipais sobre o tema<br />

salubridade, mesmo que a idéia de salubridade não fosse a mais apropriada de acordo com<br />

os preceitos atuais de higiene. Prova disso é que, em 1830 a Câmara Municipal aprovou a<br />

lei que determinava que o lixo urbano fosse depositado na praia, nos rios e no mar junto<br />

com os esgotos, para evitar que os detritos se acumulassem nas ruas. Leis semelhantes<br />

destinadas a resolver o mesmo problema também foram promulgadas no Recife e no Rio de<br />

Janeiro, onde o destino das águas servidas era assunto espinhoso e de difícil solução. A<br />

questão, que afetava a todos, era tratada de maneira semelhante em todas as casas de<br />

Desterro, do Rio de Janeiro ou de Recife. As fezes e dejetos eram acumulados em barris em<br />

algum canto das casas e, quando estavam cheios, eram recolhidos por escravos que os<br />

transportavam e os despejavam no mar ou em rios e pântanos no entorno da cidade. Era na


190<br />

cabeça que os escravos conduziam essa mal cheirosa carga e, segundo Manuela Arruda<br />

dos Santos,<br />

esses barris eram chamados de “tigres” e os seus condutores, de<br />

“tigreiros”. Talvez o nome fosse uma alusão à coragem dos carregadores<br />

ou, quem sabe, à imagem desagradável das barricas que, ao transbordar,<br />

espalhavam fezes nos corpos dos escravos e dos negros de ganho, numa<br />

combinação que lembrava a pelagem dos tigres. Existem versões que<br />

afirmam que o apelido foi dado porque, ao avistar os negros levando<br />

barris de dejetos, os transeuntes, com medo de ficarem sujos, afastavamse<br />

rapidamente, como se fugissem de um animal selvagem. 35<br />

Essas figuras tentaram ser controladas por uma legislação sem muito efeito por<br />

longos anos. Horários e locais de despejo eram recomendados, lançamentos desses<br />

materiais pelas janelas dos sobrados eram proibidos porém, apenas em 1877 houve o<br />

primeiro pedido de concessão para um serviço de remoção de lixo, águas servidas e<br />

matérias fecais em Desterro. A atividade seria desempenhada por particulares e paga pela<br />

Câmara Municipal que não tinha funcionários para tal função. O serviço, que seria<br />

desempenhado quase que totalmente por escravos, ficava a cargo de um particular que se<br />

responsabilizaria por recolher em carroças os ditos dejetos, conduzindo-os a locais mais<br />

distantes do centro da cidade, poupando, se não as narinas, ao menos os olhos dos<br />

transeuntes desse desagradável transporte. Nesse período algumas novas casas já tinham em<br />

seu espaço construído uma latrina, sendo que essa poderia ser edificada em qualquer ponto<br />

do terreno, desde que não promovesse prejuízo aos vizinhos com mau cheiro ou despejos. 36<br />

Esses problemas quanto ao fim dado aos dejetos urbanos estendeu-se por todo o<br />

século XIX, em várias cidades do Brasil. Mesmo o rudimentar transporte em carroças não<br />

resolveu o problema que antes circulava pelas ruas nos horríveis “tigres” e em Desterro<br />

35 SANTOS, Manuela Arruda dos. Cuidado com o tigre! In: Revista de História da Biblioteca<br />

Nacional. Edição 31, abril de 2008. Consultado em http://www.revistadehistoria.com.br<br />

36 MOURA, Antonio Ribeiro. Manual do Edificante do proprietário e do inquilino ou novo<br />

tratado dos direitos e obrigações. Rio de Janeiro, 1858. Acervo: Biblioteca Particular de Cândido<br />

Mendes de Almeida.


191<br />

mesmo essa tentativa de melhoria demorou a se efetivar e somente em 1884 o primeiro<br />

serviço de coleta de lixo e matérias fecais, através de direito concedido a coletores<br />

particulares que faziam uso de carroças puxadas por burros, aconteceu. O destino desses<br />

materiais continuava sendo o mar. Somente muito mais tarde, já em princípios do século<br />

XX, em 1910, sob governo republicano, é dada concessão para implantação de uma rede de<br />

esgotos na Capital de Santa Catarina. As obras são iniciadas em 1913 e inauguradas no dia<br />

07 de setembro de 1916. Basicamente constava de um sistema composto por três bacias (do<br />

Centro, da Praça São Sebastião e da Praça São Luiz) e estação de tratamento próxima ao<br />

Forte Santana. Para a demanda de energia foi construída a Usina de Maruim com chegada<br />

de força elétrica por cabos submarinos. 37<br />

Ou seja, o saneamento básico, ou a falta dele, em Desterro assemelhou-se a tantas<br />

outras cidades brasileiras, inclusive maiores e, teoricamente, mais estruturadas para<br />

resolver o problema. Parece ter sido difícil no século XIX cobrar tributos das pessoas com a<br />

justificativa de construir obras de saneamento que, além de estarem invisíveis aos olhares<br />

cotidianos, precisavam transpor a sólida barreira do costume. No entanto, o crescimento<br />

populacional mais intenso é fato, na segunda metade do XIX, em todo o Brasil. Talvez em<br />

cidades menores como Desterro isso se torna mais palpável no último quartel desse século<br />

mas é um fenômeno que não pôde ser ignorado por políticos e higienistas da época. Esse<br />

aumento refletiu-se em uma saturação dos métodos tradicionais de despejo e os “modernos”<br />

sistemas de esgoto, com canos e descargas, tornaram-se questão de saúde pública e bem<br />

estar social.<br />

37 RAMOS, Àtila. O Abastecimento de água de Florianópolis. Consultado em 18/10/2005.<br />

http://www.casan.com.br/comp_hist_saneamento.htm.


4.3 O Desenho Urbano<br />

192<br />

A Ilha de Santa Catarina possui uma forma alongada que acompanha o litoral.<br />

Com comprimento médio de 54 km e largura de 18 km. Seu litoral é bastante recortado e<br />

seu relevo montanhoso e descontínuo. A imagem abaixo é uma foto de satélite atual e<br />

apresenta a localização da Ilha em relação ao continente fronteiro e o núcleo urbano de<br />

Desterro.<br />

(Ilustração 05) Foto de satélite da Ilha de Santa Catarina. Consultado em 06/01/2009<br />

http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br/sc/htm


193<br />

O ponto circulado em amarelo na imagem acima corresponde a cidade de<br />

Nossa Senhora do Desterro na segunda metade do século XIX e aparece em detalhe na<br />

imagem abaixo. Os contornos diferenciam-se em função dos aterros que ampliaram a faixa<br />

de terra da Ilha.<br />

(Ilustração 06) Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada por Ordem e na<br />

Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle<br />

Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom<br />

Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército). Observação: A<br />

planta compreende somente a parte edificada e sujeita à décima urbana.<br />

No que se refere ao desenho urbano, a cidade de Desterro, capital da Província de<br />

Santa Catarina, com sua posição insular, segue o desenho das cidades e vilas portuguesas<br />

que foram instaladas no Brasil desde o século XVI. Uma praça central de onde saiam as<br />

ruas que formavam quadras regulares eram alteradas apenas por acidentes geográficos que<br />

não pudessem ser adaptados.


194<br />

Característico também eram os fortes que cercavam essas cidades e vilas e<br />

serviam como limites e defesas contra invasões de estrangeiros ou, no princípio da<br />

colonização, de ataques indígenas. Isso pode ser constatado ao analisarmos um documento<br />

de 1776 em que o autor revela, em forma de relatório, o estado das defesas da Ilha e, em<br />

decorrência disso, a impossibilidade de qualquer tentativa de uma invasão estrangeira ser<br />

bem sucedida. Devido à importância estratégica como último ponto de defesa do sul do<br />

Brasil, edificou-se, ao norte da Ilha, quatro fortalezas; na parte mais estreita entre a Ilha e o<br />

continente construiu-se uma fortaleza em cada margem; na parte sul foram fortificadas<br />

baterias com o número de noventa peças e mais duas fortalezas. 38<br />

Embora esse excesso de zelo por parte da Coroa portuguesa não viesse a impedir<br />

que, poucos meses depois desse ofício ser expedido, se desse a conhecida invasão de<br />

fevereiro de 1777, em que a força naval espanhola invadiu com sucesso a Ilha de Santa<br />

Catarina e as autoridades locais e parte das tropas fugiram para o continente. A questão foi<br />

resolvida ainda no mesmo ano, quando, em outubro, foi assinado o Tratado de Santo<br />

Ildefonso e a Ilha volta ao domínio português. 39 Sua mera existência é suficiente para<br />

percebermos a estrutura programada de construção de uma cidade em local estratégico<br />

como foi o caso de Desterro. A “construção” da cidade dentro da área doada à comarca<br />

municipal pela Coroa contou com o dispositivo de doação das sesmarias de chão, que se<br />

constituíam de um lote no núcleo urbano para se construir casa e quintal. Essas doações de<br />

chão não estavam sujeitas ao pagamento de dízimos, pois os mesmos incidiam sobre<br />

produção e não sobre terra. 40<br />

38 SOARES, Roberto. Ofício relatando a situação das defesas da Ilha de Santa Catarina, escrito<br />

a bordo da Nau Sto Antonio, na costa catarinense em 1776. Acervo: Biblioteca Nacional.<br />

39 História de Santa Catarina – Invasão Espanhola. Consultado em 25/01/2009.<br />

http://www.sc.gov.br/conteudo/santacatarina/historia/paginas/07espanhois.html.<br />

40 ABREU, Maurício. A apropriação da terra... Op.cit., p. 218-219.


195<br />

A Ilha de Santa Catarina entra no século XIX com uma população aproximada<br />

de 10.036 pessoas de acordo com o último relatório sobre o tema feito no século XVIII,<br />

mais especificamente no ano de 1796. Dessas, 3.759 residiam na Vila e Capital de Nossa<br />

Senhora do Desterro; 1.040 no Ribeirão; 1.916 na Freguesia da Lagoa; 2.447 na Freguesia<br />

das Necessidades e os restantes eram soldados do Regimento da Ilha. Desse total 2.017<br />

eram escravos pardos e pretos.<br />

No que tange ao processo de urbanização, Desterro cresce a partir de quadras<br />

demarcadas tendo como centro a praça e a catedral. Essa dinâmica sofreu interrupção<br />

quando o crescimento deparou-se com as chácaras maiores, situadas em localidades como<br />

Trindade e Saco dos Limões, 41 assim como outras regiões de agricultura. 42 Essa área,<br />

representada pela ilustração nº 06, correspondia à Décima Urbana de Nossa Senhora do<br />

Desterro. A Décima era uma taxa equivalente ao percentual de 10% sobre todas as formas<br />

de rendimento dos súditos reais e era imposta, geralmente, quando Portugal estava<br />

ameaçado ou em guerra. No Brasil essa cobrança<br />

só veio a ocorrer após a chegada da Corte, quando o Príncipe Regente D.<br />

João, três meses após instalação da família real no Rio de Janeiro, e<br />

estabeleceu por meio do alvará de 27 de junho de 1808. [...] Restringiu-a,<br />

no entanto, aos imóveis situados no perímetro urbano das ‘cidades, vilas<br />

e lugares notáveis situados à beira-mar’. 43<br />

41 Segundo Cavalcanti e baseado nos levantamentos feitos pelos lançadores da décima urbana no<br />

Rio de Janeiro, o Imóvel rotulado como chácara possuía testada que ultrapassava a de um terreno<br />

urbano e, via de regra, além da ‘casa da vivenda’, possuía outros prédios para senzala, cocheira,<br />

estrebaria, telheiro, depósito e outras construções como curral, ou olaria, ou engenho de farinha, ou<br />

fabrica de anil, etc. In: CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a<br />

construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.,<br />

p. 264.<br />

42 ROSA, Vieira da Rosa. Chorografia de Santa Catarina. Typ. da Livraria Moderna. Paschoal<br />

Simone: Florianópolis, 1905.<br />

43 CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista. Op.cit., p. 259.


196<br />

Saint-Hilaire, ao escrever Viagem a Província de Santa Catharina (1820),<br />

quando retornou à Europa em finais da década de 1840, faz descrições que mais parecem<br />

uma pintura renascentista ao invés do duro dia-a-dia de pequenos agricultores ou moradores<br />

de uma Província distante da capital do Império do Brasil. Talvez o fato de ter passado<br />

pouco tempo em terras catarinenses contribuiu para uma visão romantizada do lugar, visto<br />

como um paraíso pouco explorado com nesse texto:<br />

Num raio de cerca de uma légua ao redor da cidade, os caminhos são<br />

largos, e quase todos planos e cobertos de areia. No campo tudo é<br />

animado; a todo instante encontram-se lavradores, como nos arredores das<br />

cidades européias, e os aspectos variam a cada momento. Ora, avistam-se,<br />

através dos ramos das árvores, as águas do canal e os morros que se elevam<br />

ao longe; ora, a cidade, ou a capella do menino Deos, ou os morros que<br />

orlam as margens da baia; aqui, uma chácara serve de perspectiva; mais<br />

além, apparece um sítio pitoresco contornado de bananeiras e laranjeiras<br />

cobertas de frutas. As plantações são feitas com menos symetria ainda que<br />

em outras regiões do Brasil; não encontram-se duas laranjas ou dois pés de<br />

mandioca plantados na mesma linha. Mas, essa desordem, que, aliás attesta<br />

o desleixo dos lavradores, produz na paisagem effeitos agradáveis,<br />

podendo-se comparar a Ilha de Santa Catharina a um vasto jardim<br />

inglês. 44<br />

Relatos semelhantes também partiram de Krusenstern e Langsdorff ao escreveram<br />

sobre a Ilha no início do XIX, como visto anteriormente, e outros, como Fleiuss, sobre<br />

Minas Gerais, que retratam o extremo oposto dessa paisagem bucólica, em que a mata é<br />

intransponível e seria impossível viver em paisagens tão selvagens. Com uma leitura que<br />

considere essas variáveis e indique a dose de cautela que devemos ter ao interpretar obras<br />

semelhantes, textos como esses são de uma riqueza de informações relevantes para esse<br />

trabalho.<br />

A partir dessas observações, configura-se que foi em meados do século XIX que<br />

se presenciou um novo e significativo surto de “progresso” na Ilha de Santa Catarina, onde<br />

se localizava a cidade de Nossa Senhora do Desterro. Momento de crescimento do<br />

44 SAINT-HILAIRE. Viagem á Província de Santa Catharina. Op.cit., p. 159-161. (grifo meu).


197<br />

continente fronteiro com a instalação de colônias agrícolas de origem européia, 45 é<br />

nesse período que Desterro apresentou um representativo crescimento populacional,<br />

agrícola e urbano e, com esse, um expressivo desenvolvimento comercial. Também é por<br />

volta de meados do século XIX que a administração municipal de Desterro dá forma a<br />

outras preocupações relacionadas à ordem pública, como as ruas que, até 1843, não traziam<br />

indicação de seus nomes. Nesse ano a presidência da Província mandou demarcá-las com<br />

letras pintadas diretamente nas paredes. O mesmo se fez com a numeração das casas, porém<br />

não surtiu o efeito esperado. Em 1866 o governo instituiu o sistema de placas numeradas e<br />

o número de casas computado no centro de Desterro foi de 1.350. Essa medida de<br />

demarcação por placas foi revogada pelo presidente da Província sob o argumento de que<br />

seria menos eficiente que o método anterior. 46 Tais questões de urbanização e desenho<br />

urbano, além das analises do mundo natural e do grau de desenvolvimento local, foram<br />

pontos em que os viajantes estrangeiros deixaram suas observações. Essas memórias de<br />

viagens, interessantes sim, mas muitas vezes extravagantes e deturpadas, servem mais<br />

como “ponte” para conhecermos a “idéia” que os europeus aqui de passagem tinham do<br />

Brasil do que propriamente da “realidade” urbana.<br />

É a partir daí que entendemos que também ocorreram redefinições nos atributos de<br />

lugares públicos, como nos “usos” dados ao mar e às praias da Ilha de Santa Catarina, por<br />

exemplo. O que até então era local de pesca e ponto de despejo do lixo urbano, passa a ter<br />

um caráter de saúde e lazer. O crescimento urbano e o “enclausuramento” da cidade que<br />

voltava suas casas para a rua e restringia o acesso à natureza, transformam as praias e<br />

outros tantos pontos tidos como naturais em refúgios dessa nova vida urbana.<br />

45 Foi em meados do século XIX que se fundam colônias com imigrantes de origem européia em<br />

alguns pontos da Província de Santa Catarina, como Blumenau em 1850.<br />

46 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli,<br />

1987., p. 140.


198<br />

As praias passam a figurar como locais de passeio e reabilitação, desde que<br />

devidamente saneadas e tratadas. Por esse e outros exemplos percebe-se que o crescimento<br />

do núcleo urbano levou muito em conta a “dominação” do que era entendido como natureza<br />

selvagem. Isso poderia ser feito com a contenção de miasmas, o aplainamento de morros e<br />

a drenagem de charcos, canalização de rios e a limpeza das praias. Tentativa de manter o<br />

que há de “bom” na natureza por perto, mas com uma fronteira definida.<br />

O valor terapêutico do mar tem, segundo Corbin, sua pré-história na Europa do<br />

setecentos. Na “lógica de uma medicina dos contrários, fazia parte da tradição mergulhar<br />

brutalmente nas ondas as vítimas de hidrofobia; nas praias, ouvia-se de vez em quando o<br />

grito de raivosos contidos pelos braços vigorosos de banhistas benévolos”. 47 Essa visão<br />

terapêutica do mar será desenvolvida pelos médicos do século XIX, que, no máximo, irão<br />

restringir os horários de sol a pino ou locais próximos a encontros de água doce com água<br />

salgada, para que essa não perdesse suas propriedades curativas. Tudo isso, afirma Corbin,<br />

se dá porque “a invenção da praia acompanha a descoberta das virtudes da água do mar. A<br />

climatologia neo-hipocrática inspira os médicos tanto quanto a antiga balneoterapia. A<br />

figura da praia salubre constitui desde então um volumoso capítulo da topografia médica<br />

que se forma no Ocidente”. 48 Essa importância do mar também pode ser observada no<br />

século XIX no Nordeste brasileiro. Os rios que antes cortavam os ricos e férteis solos da<br />

região e eram locais de lazer das famílias abastadas da região, por onde canoas circulavam<br />

com mercadorias e pessoas também cedeu lugar aos encantos do mar. Segundo Gilberto<br />

Freire,<br />

Pouca gente acredita que o passado dos rios do nordeste tenha sido tão<br />

bonito e tão ligado á nossa vida sentimental. Mas foi. A água nobre é<br />

hoje a do mar - esse mar nuns lugares tão azul e noutros tão verde que<br />

banha as areias do Nordeste. Yemanjá mesma já não é adorada pelos<br />

47 CORBIN, Alan. O Território do Vazio: a praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Cia da<br />

Letras, 1989., p. 77.<br />

48 Ibid., p. 82.


199<br />

pretos de xangô na água dos rios mas principalmente na água do mar.<br />

E entretanto faz pouco mais de um século que essas praias illustres não<br />

eram sinão immundicie. Faz pouco mais de um século que nellas só se<br />

fazia atirar o lixo e o escremento das casas; se enterar negro pagão; se<br />

deixar bicho morto;se abandonar esteira de bexiguento ou lençol de<br />

doente da peste. 49<br />

Em Desterro, especialmente na primeira metade do século XIX, as praias ainda<br />

eram locais exclusivos de despejos, o que não era visto como um problema por autoridades<br />

e moradores, desde que fossem seguidas algumas regras, uma vez que a praia até então não<br />

havia sido associada à saúde, era sim um ponto limiar entre terra e mar, uma fronteira entre<br />

o habitável e o desconhecido, pendendo mais para este. Prova disso é o Código de Posturas<br />

Municipal que, ainda em 1830 cuida de promulgar leis sobre o modo de dispor das<br />

“immundicies”, indicando que “as águas sujas que pudessem exhalar miasmas pútridos e<br />

infectar o ar não fossem lançados à rua, mas, juntamente com os detritos dos cortumes, para<br />

não infectar a atmosfera, jogados no mar”. 50<br />

Muito lentamente essas práticas vão se<br />

alterando. Em fala de 1849, o então presidente da Província Severo Amorim do Valle<br />

justifica a necessidade imediata de transferir a<br />

sujíssima cadeia que ficava nos térreos da Câmara, da praça que<br />

ostentava as mais importantes edificações da cidade, sendo rodeada das<br />

mais belas propriedades [e que] dela saem diariamente despejos que são<br />

lançados na mesma praia que faz frente esse edifício [o novo Mercado] e<br />

onde aporta o peixe, a carne e todos os generos comestíveis. 51<br />

Aliado a isso, o código de posturas de 1845 já indicava algumas proibições e<br />

multas relacionadas à higiene. Como o artigo 15, capítulo 2º que estipula multa de 4$ réis<br />

49 FREYRE. Gilberto. Nordeste: aspectos da influencia da canna sobre a vida e a paizagem do<br />

Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1937., p.67.<br />

50 CABRAL, O.R. Memória histórica, authentica, sincera, pictoresca e sentimental da Villa,<br />

depois cidade de Nossa Senhora do Desterro da ilha de Sancta Catharina, dos casos raros<br />

alcunhada: memória. Florianópolis: UFSC, 1971. v. 1., p. 169.<br />

51 VALLE, Severo Amorin. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa de<br />

Santa Catarina, 1º de março de 1849. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.


200<br />

para os que prejudicarem, de qualquer forma, as fontes públicas. Em caso de<br />

reincidência a multa seria dobrada. Outro artigo com termos semelhantes era o número 20,<br />

capítulo 2º, que proibia qualquer curtume nos limites da cidade. 52<br />

Mais tarde, em 1864, João Ribeiro de Almeida em seu Ensaio sobre a<br />

salubridade, estatística e pathologia da ilha de Santa Catarina..., já associava, diretamente,<br />

questões de saúde ou doença com saneamento e higiene. Um dos pontos mais debatidos<br />

pelo autor é a associação da água poluída de riachos e fontes com as doenças da<br />

população. 53 Nos anos seguintes novas regras surgiram para “controlar” a insalubridade de<br />

Desterro e algumas delas vem no Código de Posturas municipal de 1888. Em seu 54,<br />

capítulo 2º, “permitia lançar a praia [o lixo] a qualquer hora; as águas servidas e as fezes, só<br />

a noite, das 10 horas até o alvorecer, as 5”. 54 Essas medidas tinham função muito mais de<br />

poupar os olhos que, propriamente, amenizar ou resolver o problema da poluição. Quando<br />

se restringia os horários noturnos do despejo de matérias fecais preservam-se as pessoas<br />

(não os escravos, pois eles eram os responsáveis pelos despejos) de ver o fato ocorrendo e<br />

não as praias e o mar desses dejetos. Outro ponto importante diz respeito ao cheiro, pois se<br />

acreditava muito mais em contaminação por odores que por contato, os tão propagados<br />

miasmas.<br />

A segunda metade do século XIX é um período em que novas teorias sobre<br />

contaminação e doenças começam a tomar corpo. Os miasmas ainda são temidos, mas<br />

surgem também as preocupações com a contaminação pelo contato físico. Desterro foi<br />

profícua em críticas sobre o saneamento básico e os problemas de um processo de<br />

52 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.<br />

Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Artigos 15 e 20, capítulo 2º., p. 212-213.<br />

53 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina e em particular da cidade de Desterro. Desterro: Typ. de JJ. Lopes, 1864., p.<br />

41<br />

54 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.<br />

Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Artigos 54, capítulo 2º., p. 14.


201<br />

urbanização sem controle ou sem preocupação com a natureza. O jornal O Argos em<br />

matéria de 09 de janeiro de 1862 faz uma crítica veemente às autoridades desterrenses<br />

sobre o estado da praia do Mercado; lamentando-se por saber que está a “clamar no<br />

deserto”, o jornal questiona a Polícia Municipal na pessoa do Fiscal da capital sobre o<br />

porquê de não tomar providências no caso da citada praia, “onde o público transita desde o<br />

romper do dia até quase o escurecer (em abundância as matérias fecais) de mistura com<br />

arêa; as exalações fétidas que ali se respiram são excessivamente incomodas”. 55 Até que<br />

ponto as críticas do jornal eram dirigidas ao problema da poluição ou, ao invés disso, à<br />

pessoa do Fiscal da capital não podemos saber, mas o fato de uma questão sócio-ambiental,<br />

ligada ao saneamento básico, ser tema de reportagens é significativo para percebermos as<br />

mudanças de mentalidade que vinham ocorrendo, ao menos em alguns segmentos da<br />

sociedade.<br />

Essa “nova” qualidade atribuída às praias traz à tona uma característica da cidade<br />

de Desterro e de muitas outras cidades litorâneas do Brasil nesse período. Os problemas<br />

ligados à falta de são motivo de preocupação para muitos habitantes locais e visitantes<br />

ocasionais especialmente a partir da segunda metade do século XIX. Essa preocupação<br />

tomou a forma de um ensaio escrito por João Ribeiro e Almeida, Primeiro Cirurgião da<br />

Armada, baseado em relatório sobre o estado sanitário da província, de 30 de setembro de<br />

1863 e publicado em 1864. Sob o título de Ensaio sobre a salubridade, estatística e<br />

pathologia da Ilha de Santa Catharina e em particular da cidade de Desterro, o autor<br />

demonstra uma bem fundada preocupação acerca das conseqüências das práticas antihigiênicas<br />

tão comuns à população da cidade de Nossa Senhora do Desterro.<br />

Atribuindo às “condições naturais” de uma ilha muitos dos problemas de<br />

insalubridade, o autor reconhece certo grau de verdade nas palavras um tanto quanto<br />

55 CABRAL. O. R. Memória histórica..., Op.cit. p. 174.


202<br />

exageradas do então presidente da Província de Santa Catarina, Dr. João José Coutinho,<br />

quando, em sua fala de 1854, dizia que “a cidade de Desterro é inteiramente imprópria para<br />

habitação humana”. 56<br />

Diferente da maioria dos autores desse período, João Ribeiro de Almeida contraria<br />

a idéia de que os miasmas são os responsáveis maiores pelas doenças. Usando como base<br />

os obituários de 01 de julho de 1862 até 30 de junho de 1863 e uma lista de doenças que<br />

causaram mortes nesse ano, elaborou uma ligação entre a sujeira espalhada pela cidade,<br />

resultado do hábito comum de ver a rua como ponto de descarte do que não tem mais uso –<br />

de móveis velhos à restos de comida e águas sujas - com as doenças.<br />

Segundo o autor, o contágio se dava pelo contato desses dejetos com a água usada<br />

para beber, cozinhar, lavar roupas e limpar as casas, do próprio contato das pessoas com a<br />

sujeira, aliada a maus hábitos de higiene pessoal, muito mais que pelo mau cheiro da<br />

cidade, que já nem era percebido pela população, tão acostumada esta estava. Somando-se a<br />

isso, questionava se a quantidade e a qualidade dos alimentos consumidos em Desterro era<br />

suficiente e apropriada, além de um levantamento do consumo de pão e carne – únicos<br />

possíveis de serem controlados devido aos registros de entrada e saída do Mercado Público<br />

e do abatedouro municipal - e uma crítica à impossibilidade de saber da circulação de<br />

outros bens de consumo locais em virtude da fiscalização efêmera sobre as carroças e<br />

canoas que rodavam entre a cidade e o campo e entre os portos próximos.<br />

Porém, o texto não descarta algumas pré-condições geográficas e climáticas como<br />

sendo um “estímulo” à proliferação de alguns males. O fato de se tratar de uma ilha traz<br />

56 COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa de<br />

Santa Catarina, 1º de março de 1854. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.


203<br />

consigo o que o autor chama de “qualidade da athmosfera marítima”. 57 De acordo com<br />

Ribeiro de Almeida,<br />

é devido em grande parte, a isso, que a humidade é tão considerável na<br />

Ilha e particularmente na cidade de Desterro, a ponto de impregnar tudo,<br />

objetos inanimados ou seres vivos, em lugar recluso ou ao ar livre.<br />

Semelhante estado hygrometrico não pode deixar de contribuir<br />

poderosamente para a produção de moléstias. 58<br />

Além da “atmosfera”, os solos da Ilha, por sua propriedade “argilosa e por uma<br />

camada pouco considerável de terra vegetal; o sub-solo é sempre granítico (...) devendo-se<br />

assim prestar-se bem mal a infiltração das águas, as quaes por isso mesmo estagnarão”. 59<br />

Essa constatação por parte do autor serve como justificativa para o grande número<br />

de “affecções palustres” registradas nos moradores da Lagoa da Conceição. Outra<br />

conseqüência dos malefícios causados pela água estagnada está no artigo 16, capítulo 2º, do<br />

Código de Postura da Câmara Municipal de Desterro de 1845, que “determina aos<br />

proprietários o prompto dessecamento dos pântanos, que existião em seus terrenos...”, 60 do<br />

contrário poderiam ocorrer também acidentes com animais como os já registrados entre a<br />

rua do Passeio e a do Matto Grosso onde existia um imenso pântano.<br />

Essa instrução aos proprietários também foi adotada, gradativamente, pelas<br />

autoridades locais no que se refere aos pântanos e charcos da cidade. A facilidade da<br />

extração de madeiras desses locais pela proximidade do centro urbano e o transporte para<br />

os cortumes e engenhos da área, contribuíram par a expansão da cidade – caso da região da<br />

Praia de Fora e da Praia do Menino Deus, respectivamente ao norte e ao sul da cidade,<br />

originalmente locais pantanosos. No caso dos aterros, tão comuns em áreas urbanas<br />

57 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina ... Op. cit., p. 34.<br />

58 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina ... Op. cit., p. 34.<br />

59 Ibid., p. 38.<br />

60 Ibid., p. 39.


204<br />

litorâneas como o Rio de Janeiro, Desterro tem seu primeiro plano de aterro registrado<br />

em mapas do Exército em 1846 e referia-se a área que ia da praça central rumo ao sul, até a<br />

altura da praia do menino Deus, já demonstrando, apesar de o projeto não ter se<br />

concretizado até a última década do século, as “necessidades” de expansão urbana.<br />

4.4 O Mapeamento da Insalubridade em Desterro<br />

Paralelamente ao desenvolvimento de uma “consciência higienista” sobre o meio,<br />

práticas de higiene relacionadas ao corpo também se aprimoraram e se modificaram.<br />

Anteriormente, durante os séculos XVI e XVII, a limpeza corporal de imersão estava<br />

associada ao perigo. Isso se deu em função da crença de que a pele era permeável e a água<br />

seria um facilitador da penetração dos ares infecciosos e com eles de doenças,<br />

especialmente a peste que assolava a Europa nesse período.<br />

É que, além do temor dos contatos, há muitos outros medos em jogo –<br />

entre outros, os medos de uma fraqueza dos invólucros corporais. Tratase<br />

de denunciar a porosidade da pele – como se inúmeras aberturas se<br />

tornassem possíveis, as superfícies sendo frágeis e as fronteiras<br />

duvidosas. Além da simples recusa das contigüidades, impõe-se uma<br />

imagem muito específica do corpo: o calor e a água apenas engendrariam<br />

fissuras, e a peste, enfim, bastaria introduzir-se por elas. 61<br />

Apenas no final do século XVII, o banho começa a ser indicado como tratamento<br />

medicinal em alguns casos. Segundo Vigarello, foi durante o século XVIII que,<br />

vagarosamente, a água foi reintroduzida na limpeza corporal, que até então era baseada na<br />

esfregação e no uso de pós. A imersão também passou a ser aplicada, porém, o novo<br />

costume se restringia à elite. Era uma novidade. A nova prática tinha funções variadas,<br />

61 VIGARELLO. O limpo e o Sujo... Op. cit., p. 110.


205<br />

enquanto o banho quente teria efeito relaxante, a água fria reforçaria os músculos e os<br />

vigores físicos. 62<br />

Enquanto o banho frio começa a ser visto como terapêutico, as águas doces e<br />

salgadas eram encaradas de formas diferentes. Textos como de Gilberto Freyre já<br />

indicavam tal variação: “o banho salgado é costume recente da fidalguia e da burguesia<br />

brasileira que, nos tempos coloniais e nos primeiros tempos da independência, deu<br />

preferência ao banho de rio. ‘Praia’ queria dizer então imundície. O rio é que era nobre”. 63<br />

Porém, mesmo a água doce apresentava problemas. Em Desterro, a água usada<br />

pela população provinha de três fontes: Fonte do Campo do Manejo, Fonte da Carioca e<br />

Fonte da Palhoça. A água utilizada para beber, cozinhar, limpeza de casas e corpos vinha<br />

dessas fontes. Muitas das doenças contraídas pelos moradores da Ilha também provinham<br />

delas. A poluição das águas era uma realidade, apesar de algumas tentativas legais de<br />

prevenção como o artigo 86 do Código de Posturas Municipal de 1845, em que eram<br />

proibidos banhos nas praias e nas fontes, sob pena de multa aos livres e encarceramento aos<br />

escravos que assim o fizessem. As fontes localizavam-se da seguinte forma: fonte da<br />

Carioca nos fundos da cidade, à 6 (seis) braças da Rua da Carioca; fonte do Campo do<br />

Manejo, localizada à oeste dos pés do Morro do Antão e a fonte da Palhoça que localizavase<br />

detrás do bairro da Figueira.<br />

As três fontes eram formadas por olhos d’água que davam origem a rios e córregos<br />

da Vila, como o Riacho da Pedreira e o Rio da Fonte Grande. Eram os primeiros pontos de<br />

coleta de água que, seguindo seu curso, era usada para lavagem de roupas, construção de<br />

chafarizes, limpeza das casas, o trato dos animais e demais necessidades da população.<br />

62 ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa<br />

Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis.<br />

Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina.<br />

63 FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. 12ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 224.


206<br />

(Ilustração 07) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do<br />

Desterro Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do<br />

Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor.<br />

Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876<br />

(08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército); VEIGA, Eliane Veras da.<br />

Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de Florianópolis:<br />

1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História – UFSC; ALMEIDA, Luciana<br />

Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do<br />

Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis.<br />

Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina.<br />

Obs: A linha pontilhada que acompanha o litoral corresponde ao atual contorno da Ilha<br />

devido aos aterros.<br />

Localização aproximada da Fonte do Campo do Manejo.<br />

Localização aproximada da Fonte da Palhoça.<br />

Localização aproximada da Fonte da Carioca.<br />

Linha aproximada do primeiro projeto de aterro de Desterro em 1846.<br />

Informação retirada da “Planta do Litoral da cidade de Desterro desde Rita Maria até a<br />

Fonte do Menino Deos”.(Acervo: AHEx)


207<br />

Em artigo do jornal O Conciliador Catarinense de 17 de novembro de 1849, é<br />

transcrito o relatório apresentado ao Presidente da Província pelo Capitão de engenheiros<br />

João de Souza Mello e Alvin sobre as fontes públicas de Desterro. Mello e Alvin,<br />

encarregado de executar um processo de nivelamento e ordenação dos cursos e olhos<br />

d’água que abasteciam as fontes, fez uma descrição do estado em que encontrou tais fontes<br />

e realizou testes de pureza de água. Os testes eram três: prova de dissolução de sabão,<br />

cozimento de legumes em tempo considerado hábil e chapa de cobre em que se analisavam<br />

as manchas produzidas por pingos de água das fontes.<br />

A situação de cada fonte descrita por Mello Alvin era a seguinte:<br />

(...) Fonte do Campo do Manejo: esta fonte, que foi construída pelo<br />

engenheiro civil Carpineti no anno de 1844, he provida por três veios<br />

d’água que correm doze palmos pouco mais ou menos abaixo, do nível<br />

do [mutilado] tendo origem no sobredito morro do signal. A agoa he<br />

tirada por meio de uma bomba de roda, que exige não pequeno esforço;<br />

na atualidade, porém, creio que por falta de torneiras, ou por outro<br />

qualquer desconcerto, ninguém se serve dela. (...) Fonte da Carioca: Foi<br />

edificada essa pelo referido Carpineti no anno de 1842,em uma baixada<br />

nos fundos da cidade, e he alimentada por uma grande porção de olhos<br />

d’agoa que estão pouco abaixo da superfície do terreno. A fonte está<br />

situada a 6 braças ao norte da Rua da Carioca, que he a ultima que corre<br />

na direção paralela a da praia que lhe fica ao sul. A sua arquitetura he<br />

muito semelhante a do campo do manejo, e assim também as dimensões,<br />

e como naquela, há um pantano que a cerca e um riacho que a atravessa<br />

(...) Ainda como na outra quem faz subir a agoa he uma bomba de roda,<br />

cuja manivela esta da parte de fora entre duas torneiras, que, tendo<br />

desaparecido, a actual Câmara mandou substituir por duas calhas de<br />

madeira que igualmente já não existem. (...) a operação da chapa de<br />

cobre foi favorável a pureza da agoa porquanto as gotas nella derramadas<br />

deixaram leves indícios da sua existência. (...) Fonte da Palhoça: Por<br />

detrás do bairro da Figueira, no lugar chamado – Palhoça – foi construída<br />

essa fonte no anno de 1831, pelo cidadão Floriano José Vilella. Está<br />

situada 40 braças ao Norte da rua do Senado, e consta de duas peças.<br />

Depósito d’agoa e caixa de distribuição. [obras mal feitas segundo Mello<br />

Alvim](...) Pela experiência que procedi tanto na agoa da caixa como na<br />

do deposito, que he de nascente, conclui como sendo a agoa desta e<br />

daquella, péssima (...). 64<br />

64 MELLO ALVIN, João de Souza. Relatório apresentado ao Sr. Presidente de Província pelo Sr.<br />

Capitão de engenheiros João de Souza Mello Alvin sobre as fontes públicas desta Capital. Jornal O<br />

Conciliador Catarinense. 17 de novembro de 1849, pág. 02,03 e 04 – col:01. Acervo Biblioteca<br />

Nacional.


208<br />

A conclusão do dito engenheiro foi de que “as agoas das três fontes publicas de<br />

que se servem os habitantes desta capital, não são rigorosamente potáveis; e faltando-lhe<br />

essa qualidade essencial, fácil hé reconhecer, o quanto devem ser prejudiciais a saúde”. 65<br />

A questão da água é longamente discutida também por Ribeiro de Almeida. E um<br />

dos tópicos que mais merecem destaque é o referente aos rios do centro da cidade. São três<br />

os rios que correm no perímetro urbano de Desterro, dois deságuam na Praia de Fora, na<br />

Baía Norte e um deságua na praia do ‘Menino Deos’, na Baía Sul. Este, chamado Fonte<br />

Grande, em todo o seu curso serve de lavadouro publico. Tal fato é o causador de boa parte<br />

da poluição do riacho e dos miasmas e doenças relacionadas à água contaminada na cidade<br />

de Desterro. Para usar as águas do riacho em suas lavagens de roupas,<br />

se torna preciso represar suas águas minguadas (...) fazendo-se um sem<br />

número de pequenos charcos, em cuja superfície existe uma crosta (com<br />

reflexos metálicos as vezes) proveniente da enorme quantidade de<br />

materiais de toda a espécie, resultante da lavagem e dos despejos que se<br />

fazem nas margens ou no próprio riacho. Essas matérias ficão em<br />

suspensão ou em dissolução, o que torna as águas escuras e asquerosas. 66<br />

Essas represas feitas pelas lavadeiras eram rompidas e as águas se renovavam<br />

apenas em dias de enxurradas, “quando o mar remonta o curso do riacho” da Pedreira, o<br />

que, segundo o autor, era tão ruim quanto a estagnação, haja vista a crença corrente de que<br />

a mistura de água doce e salgada não era bom ou higiênico. Esse mesmo riacho foi<br />

canalizado em seu trecho final pouco antes da ponte do Vinagre, para<br />

“evitar inundações quando ele se assoberba com as chuvas; são essas águas<br />

negras, lodosos e nauseabundas (...) vem desaguar na praia do Menino<br />

Deos, praia que na vazante fica descoberta em grande extensão,<br />

65 MELLO ALVIN, João de Souza. Relatório apresentado ao Sr. Presidente de Província pelo Sr.<br />

Capitão de engenheiros João de Souza Mello Alvin sobre as fontes públicas desta Capital. Jornal O<br />

Conciliador Catarinense. Op. cit., p. 2, 3 e 4.<br />

66 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina ... Op. cit., p. 41.


209<br />

apresentando um fundo lodoso e infecto (...) [provocando]<br />

decomposição dos sulfatos alcalinos da água do mar existente no lodo pelas<br />

matérias orgânicas e formação do acido hydro-sulfurico, bem caracterizado<br />

por seu fétido particular. 67<br />

Essa realidade de rios urbanos responsáveis pelo abastecimento da cidade era<br />

grave em Desterro, pois toda a porção central à oeste da Ilha, ponto onde se fundou a vila,<br />

era banhada por rios de pequena vazão, dificultando a renovação das águas – exceto em<br />

dias de chuvas fortes. Existiam alguns rios e a Lagoa do Peri que apesar de serem<br />

importantes fontes de água doce estavam localizadas em pontos mais afastados da Ilha e<br />

nunca foram usados para suprir a escassez em função da ausência de obras de canalização<br />

para tal. Em Desterro no século XIX usava-se apenas a água que estava próxima, se doce<br />

para beber ou lavar roupas – águas provenientes dos rios e córregos, - se salgada para<br />

despejo de materiais inservíveis - água do mar , poluída ou não.<br />

Os problemas de saneamento e falta de condições para a habitação são reforçados<br />

ao se constatar de onde vem a água para o abastecimento da cidade. Os três chafarizes<br />

públicos eram vistos como depósitos de água estagnada e, conseqüentemente, focos de<br />

muitas enfermidades. Em relatório à Assembléia Provincial, na abertura de seus trabalhos<br />

em 26 de março de 1871, o presidente da Província apresenta os mesmos chafarizes como<br />

um dos grandes problemas da cidade:<br />

é bem sensível a falta de boa água potável nesta Capital (...) Ainda<br />

recentemente demonstraste a consideração em que tendes o bem estar de<br />

vossos concidadãos a respeito de parte de suas necessidades, adotando a<br />

lei nº 632 de 10 de maio de 1870, pela qual ficava a Presidência da<br />

Província autorizada a conceber privilégio, a quem melhores condições<br />

oferecesse para a construção de chafarizes. Apesar disso nada se há feito;<br />

apenas se apresentou o Doutor Otaviano da Rocha, solicitando de meu<br />

antecessor o privilégio, pretensão que foi logo retirada pelo mesmo, não<br />

tendo até hoje nada solicitado. Em tal conjuntura, pois, julgo que deveis<br />

autorizar a presidência a conceder esta empresa a outro que a isso se<br />

proponha, pela maneira que mais convier aos interesses públicos, porém<br />

67 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina ... Op. cit., p. 41.


210<br />

sem prejuízo do empresário; podendo conceder-se-lhe faculdade para<br />

introduzir pennas d’água em casas particulares, repartições públicas, nos<br />

chafarizes ou pilastras, mediante uma taxa correspondente à porção<br />

d’água consumida, não sendo sujeita a taxa as pessoas indigentes. 68<br />

Para piorar a situação, já em 1860, se indicava o perigo de falta de água até para<br />

abastecer os chafarizes já existentes e novas idéias de melhorias foram lançadas nos anos<br />

posteriores, ao menos no campo teórico. Naquele ano a Câmara solicitou a tomada de<br />

medidas<br />

para diminuir o desmatamento do morro que envolve a cidade, pois ele<br />

seria a causa da crescente escassez de água que afligia a população. Foi<br />

nesse mesmo ano que o comércio de água se iniciou em Desterro. O<br />

líquido era recolhido bem cedinho, em fontes particulares. Era coletado<br />

por uma ou duas pessoas sem que o fundo da fonte fosse muito revolvido<br />

e os sedimentos contidos no fundo sujassem a água. Somente em 1880 é<br />

que se falou pela primeira vez em canalizar a distribuição de água.<br />

Entretanto, a proposta de encanamento não foi levada adiante e, em 1887<br />

ainda se vendia água pelas ruas. 69<br />

Depois desse processo de coleta da água, ela era colocada em barris e transportada<br />

em carroças pela cidade, sendo entregue de porta em porta aos interessados. O problema da<br />

falta d’água preocupava os governantes há vários anos, como mostra o relatório do<br />

presidente da Província em 1849 que relata uma seca no ano anterior que atingiu todas as<br />

fontes da cidade, inclusive poços particulares e o manancial do morro do Antão que<br />

abastecia as carroças que vendiam água pelas ruas. Para prevenir o problema e impedir que<br />

ele se repetisse foram solicitadas mais verbas para a construção de nova fonte. 70<br />

68 GOUVÊA, Joaquim Bandeira de. Relatório que o Exmo. Sr. Presidente da Província de Santa<br />

Catharina Dr. Joaquim Bandeira de Gouvêa dirige a Assembléia Legislativa Provincial no acto de<br />

abertura de sua cessão ordinária de 26 de março de 1871. Jornal A Província: Folha Politica e<br />

Noticiosa. Nº 37, anno 01 - pág. 01, col. 01 e 02. Acervo: Biblioteca Nacional.<br />

69 ALMEIDA, L. C. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do<br />

Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). Op.cit., p. 69-70.<br />

70 VALLE, Severo Amorim do. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa<br />

de Santa Catarina, 6 de março de 1849., p. 46-47. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd.<br />

08/03/07.


211<br />

Não só a falta de água causava preocupações, mas também sua drenagem<br />

quando as chuvas caiam com mais força pela cidade. Charcos podiam ser vistos nas ruas de<br />

Desterro, pessimamente empedradas e que serviam como embaraço para curso das águas<br />

pluviais. Até meados do século XIX, poucas ruas eram calçadas como o Beco do Quartel, A<br />

Ponte do Vinagre e a Rua Áurea. Tal questão é repetidamente abordada por jornais locais<br />

como O Despertador que, em matéria intitulada Reparos urgentes em Ruas, de 20 de<br />

fevereiro de 1863, aludindo ao “dever de velar pelo bem público”, chama a atenção da<br />

Câmara Municipal para o mau estado das ruas e pontes da cidade. Além de referências aos<br />

problemas causados pelos espinhos das cercas estarem muito altos e dificultarem a<br />

passagem, especialmente de transeuntes a cavalo, ou ao “desbarrancamento da estrada que<br />

vai ter na freguesia de SS da Trindade (...) feito pelas últimas chuvas, o qual obstruindo a<br />

vala lateral represa as agoas, e faz com que transbordem e deteriorem o transito”. 71 Essas<br />

“observações” dirigidas pela imprensa à Câmara Municipal tinham por vezes um tom<br />

irônico, como o parágrafo final da citada matéria que dizia achar conveniente a pronta<br />

execução desses reparos caso contrário as ruínas irão aumentar e a Câmara terá despesas<br />

maiores. Tais observações e críticas do jornal poderiam e talvez quisessem levar os leitores<br />

a pensar que o descaso por parte dos administradores era tanto que a Câmara Municipal não<br />

promoveu as obras de reparo da dita rua por desconhecimento sobre a possibilidade de o<br />

problema aumentar.<br />

Essa situação só consegue ser pior em três bairros da cidade, a Toca, a Pedreira e<br />

a Figueira, locais onde eram encontradas casas que, segundo Almeida, “eram inferiores as<br />

senzalas dos pretos de certas fazendas”. 72 Indicados n a ilustração nº 08, esses bairros<br />

71 Reparos urgentes nas Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de 1863, nº11, p. 01.<br />

Acervo: Biblioteca Nacional.<br />

72 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina ... Op. cit., p. 71


212<br />

estavam localizados na parte sul, norte e leste de Desterro, ou seja, o centro da cidade<br />

era cercado por pontos críticos no que se refere a focos de doença e problemas sociais, uma<br />

vez que seus moradores eram desempregados ou subempregados, escravos de ganho,<br />

negros forros e com toda sorte de pessoas pobres.<br />

(Ilustração 08) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do<br />

Desterro Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do<br />

Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor.<br />

Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876<br />

(08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército). VEIGA, Eliane Veras da.<br />

Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de Florianópolis:<br />

1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História – UFSC; ALMEIDA, Luciana<br />

Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do<br />

Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis.<br />

Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina.<br />

A Toca, assinalada no mapa acima por um círculo vermelho, estava situada na<br />

encosta da montanha do Menino Deos e na praia que a circundava e era formada por<br />

pescadores em sua maioria, o que agravava a situação, pois


213<br />

na praia vê-se a cada passo immundicies, como nos outros dois bairros,<br />

acrescendo detritos de peixes e de plantas marinhas, que vêm presas às<br />

redes e atiradas depois à praia. Este bairro habitado por gente dada ao<br />

trabalho, mas pouco amiga do aceio, é dizimado por todas as epidemias<br />

que aqui apparecem. 73<br />

A situação se agravava pela existência de uma vala ou canal que cortava o bairro e<br />

tinha seu nascedouro no alto da montanha, sendo águas imundas e fétidas. 74<br />

O caso do bairro da Pedreira é semelhante, porém pior, segundo o mesmo autor.<br />

Circundado em azul na ilustração nº 08, era cortado pelo arroio da Fonte-grande e atingia o<br />

ápice da sujeira a partir da Rua do Vigário até o mar.<br />

O que ahi se vê é realmente inaudito; por toda a parte montes de lixo já<br />

estratificado; lagos de ourina podre em alguns pontos (na beira de um<br />

riacho!); aqui e ali cadáveres dispersos de cães, gatos, ratos, galinhas e<br />

em períodos mais ou menos avançados de putrefação; restos de tudo,<br />

objetos putrescíveis ou não, tudo ahi se encontra (...). 75<br />

Tal característica ou costume de jogar animais mortos por locais tidos como<br />

isolados ou, no caso acima, em locais habitados por pessoas miseráveis, é corroborado pelo<br />

trecho final do capítulo sobre águas de João Ribeiro de Almeida, quando o autor diz não ter<br />

visto cadáveres de cavalos no bairro da Pedreira, mas tal fato era verificado “no caminho<br />

que a Fortaleza de Sant’Anna, conduz à Praia de Fora; [onde] nuvens de urubus<br />

esvoaçavam em torno, quando algum viandante aproximando-se os fazia largar a presa.” 76<br />

O terceiro bairro citado por esse autor como sendo crítico em termos de higiene é a<br />

Figueira, assinalado em amarelo na ilustração 08, que além de ser passagem das águas que<br />

73 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina ... Op. cit., p. 72 – 73.<br />

74 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina ... Op. cit., p. 73.<br />

75 Ibid., p. 74.<br />

76 Ibid., p. 74.


214<br />

vem da fonte da Palhoça é o ponto de “habitação de grande parte das meretrizes da mais<br />

baixa classe” 77<br />

de Desterro, fazendo do riacho depositário de todas as imundices<br />

provenientes dessa vizinhança.<br />

Conseqüência dessas práticas de higiene pública eram as epidemias e moléstias<br />

que se registravam na população local. Apenas no ano de estudo dos obituários citados pelo<br />

autor, verificaram-se mortes por anemia, tétano, asma, tuberculose, sífilis, varíola, gripe,<br />

coqueluche, meningite cérebro-espinhal e disenteria, esta última já havia sido a causadora<br />

de uma onda de mortes há alguns anos em Desterro. 78 E todas essas doenças tinham relação<br />

direta ou indireta com a salubridade dos locais de moradia dessa população.<br />

Que a situação, em meados do século XIX, era, no mínimo, instável quanto à<br />

saúde pública, especialmente quanto à epidemias, era claro para o autor como para<br />

jornalistas e viajantes estrangeiros, porém, o que não era aceito era o descaso e, muitas<br />

vezes, desleixo por parte da administração da cidade. Exemplo disso são os<br />

questionamentos do mesmo Ribeiro de Almeida sobre a inexistência de uma alameda de<br />

árvores sequer em toda a cidade de Desterro. O fato de ser uma prática de baixo custo e<br />

manutenção apenas deixa o autor mais indignado, pois “o que custaria o plantio e<br />

conservação de algumas dezenas de árvores frondosas nas praias e praças”. 79<br />

Para<br />

corroborar essa afirmação o autor se remete à Mr. Chevreud, cuja tese é de que “as<br />

plantações (...) constituem um meio de tornar salubre e purificar o solo, pois que as árvores<br />

não podem crescer sem que neles sorvão os materiais alteráveis, causa próxima ou remota<br />

da infecção”. 80 Essa observação do autor já é uma referência aos passeios públicos e<br />

jardinas botânicos existentes em muitas cidades européias e também no Rio de Janeiro, que<br />

77 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />

de Santa Catarina ... Op. cit., p.. 75.<br />

78 Ibid., p. 40.<br />

79 Ibid., p. 77.<br />

80 Ibid., p. 77.


215<br />

seriam uma espécie de “pulmão” para essas cidades já devastadas e urbanizadas ao<br />

extremo e que só perceberam a necessidade de algum contato com a natureza em sua forma<br />

mais primitiva quando já a tinham destruído, tendo que se valer de meios artificiais para<br />

obtê-la.<br />

Só muito mais tarde, por volta de 1896, quando o Mercado é retirado da Praça e<br />

transferido para um local mais afastado, é que a vista da praia fronteira fica aberta e o local<br />

recebe menos despejos. Aliado aos melhoramentos feitos no trapiche de desembarque do<br />

porto que havia sido construído em 1874 e de um primeiro aterro nessa área frontal, o local<br />

passou a ser área de recreio para famílias da cidade. 81<br />

4.5 Espaço e Sociabilidade no processo de urbanização de Nossa Senhora do<br />

Desterro.<br />

É na segunda metade do século XIX que a cidade de Nossa Senhora do Desterro<br />

passa por um processo de redefinição nos “usos” dados ao mar e às praias da Ilha de Santa<br />

Catarina. Até então,<br />

homens iam e vinham da pescaria e mulheres extraíam os moluscos e<br />

crustáceos necessários à alimentação da família. O mar era, portanto,<br />

lugar de trabalho. Ia-se à praia em busca da alimentação necessária à<br />

sobrevivência, não para fins de banho de mar. 82<br />

Esse novo caráter de saúde e lazer seguia o exemplo do que já vinha ocorrendo na<br />

Europa, vagarosamente desde o início do século XVIII. Uma grande mudança após um<br />

longo período de medos e precauções relacionados à água que surgiram ainda no século<br />

XVI, quando a peste assolou o continente e costumes como o dos banhos públicos foram<br />

81 CABRAL. Memória histórica..., Op.cit. p. 176-177.<br />

82 FERREIRA, Sérgio L. O Banho de Mar na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. das<br />

Águas, 1998. p. 20.


216<br />

suprimidos. Com o crescimento urbano e o “enclausuramento” das cidades as casas<br />

voltavam-se para a rua, criando muros imaginários ou não, que as isolavam das áreas ainda<br />

“não dominadas” da natureza. Porém, isso despertou nessas populações urbanas a busca por<br />

refúgios bucólicos, afastados dos odores e da “opressão” da cidade. As praias e outros<br />

tantos pontos tidos como naturais tornaram-se, gradativamente, refúgios da nova vida<br />

urbana, além de prováveis fontes de cura.<br />

As mudanças no século XIX fizeram com que a idéia de que locais hoje<br />

habitualmente vistos como “públicos” e com fins conhecidos, tivessem seus conceitos e<br />

atribuições definidos e ressignificados pela população de Desterro de um modo geral.<br />

Jornais, Posturas Municipais, leis e decretos impulsionaram essas mudanças sociais, além<br />

de agirem como mecanismos de controle e definição do que se podia ou não fazer em<br />

determinados locais. Criou-se a idéia de cidade e capital de Província, centro convergente<br />

de pessoas, idéias e novos costumes, e com isso normas que as pessoas e a cidade deveriam<br />

seguir.<br />

Para tanto, entende-se que houve um processo de redefinição de usos de locais<br />

como praças, ruas e praias. Freqüentar a praça em horas tardias, circular pelas ruas sem<br />

destino definido, ir às praias, não eram hábitos das pessoas ricas ou senhoras de família,<br />

mais do que isso, não era um hábito “nobre”, como conseqüência, ao menos em parte, as<br />

ruas eram precárias para os pedestres, a praça mal cuidada e escura e as praias locais de<br />

despejos. Segundo Maria Alexandre Louzada, é importante considerar que “não se está<br />

perante qualidades intrínsecas do espaço, pois que essas qualidades são o resultado de<br />

construções sociais e o produto de usos sociais”. 83 A idéia de “socialização” desses espaços<br />

públicos estimulou algumas medidas tomadas em Desterro, especialmente após a metade do<br />

83 LOUZADA, Maria Alexandre. “A rua a taberna e o salão: elementos para uma geografia histórica<br />

das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. In: VENTURA, Maria da Graça A.<br />

Mateus (coord) Os espaços de sociabilidade na Ibero-América (séc. XVI-XIX). Lisboa: Edições<br />

Colibri, 2004. p. 96.


217<br />

século XIX, no que concerne a infraestrutura e dinamização dos possíveis locais de<br />

encontro de “pessoas de bem” que viviam em uma cidade em crescimento e em contato<br />

com as novidades do mundo. Esse contato, essa circulação de pessoas também era<br />

considerado, segundo o médico Lima Santos em texto abordando o tema publicado no<br />

Diário de Pernambuco em 1855, um hábito de higiene em vários pontos do Brasil.<br />

Enaltecendo os hábitos dos Pernambucanos, comparativamente, o médico chamava a<br />

atenção dos moradores da Bahia do Rio de Janeiro, especialmente os homens ricos, que os<br />

sinais de distinção estavam no pouco se expor, ou no raro sair de casa. Isso era, ainda<br />

segundo o autor, ruim para o corpo e para suas energias e contrário ao seu enrijecimento, já<br />

difícil em um clima tão quente e úmido. 84<br />

Sennet considera que a palavra “público” adquiriu o seu significado moderno no<br />

século XVIII: “a vida pública passou a designar a vida social passada fora da família e dos<br />

amigos chegados, o domínio público de contato entre conhecidos e estranhos”. 85 Isso foi<br />

muito influenciado por novos códigos de civilidade e pelo impacto de instituições como a<br />

polícia e a Igreja. 86 Essa afirmação de novas regras de comportamento foi moldada no<br />

Brasil no século XIX para a vinda da família real com o crescimento urbano em torno da<br />

corte. A nova regra de civilidade da sociedade patriarcal foi transferir o engenho para a<br />

cidade na forma de sobrados suntuosos de frente para a rua. As regras do convívio elegante<br />

passaram a incluir idas ao teatro, caminhadas nos novos passeios públicos – inclusive das<br />

mulheres – ou tomar a fresca na praia em horários apropriados em que o sol não castigasse.<br />

84 LIMA SANTOS. Apud. FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. 9 ed. Rio de Janeiro:<br />

Record, 1996., p. 39, 40.<br />

85 SENNETT, Richard. Carne e Pedra: O corpo e a cidade na civilização ocidental. Ed. Record,<br />

RJ - SP, 1997.<br />

86 LOUZADA, Maria Alexandre. “A rua a taberna e o salão: elementos para uma geografia<br />

histórica das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. Op.cit., p. 96.


218<br />

As praias que até então recebiam os despejos de lixo e águas sujas, além dos<br />

corpos de animais, passam a figurar como locais de passeio e reabilitação, desde que<br />

saneadas e tratadas. O crescimento da cidade levou muito em conta a “dominação” da<br />

natureza selvagem com a contenção de miasmas, o aplainamento de morros, a drenagem de<br />

charcos, a canalização de rios e a limpeza das praias. Os ambientes suburbanos, tais como<br />

sítios e chácaras, já eram usados largamente como refúgios para a pressão das grandes<br />

cidades na Europa e, no caso do Brasil, isso também já ocorria no Rio de Janeiro. A praia<br />

veio somar-se a esses locais e passa a ser também em Desterro, em fins do século XIX,<br />

como nessas outras cidades, um local de contato com a natureza em estado mais puro.<br />

Pode-se comprovar isso com o surgimento das casas de praia ou, na própria cidade, das<br />

casas com a frente voltada para o mar. Essas casas com caráter predominantemente urbano<br />

localizavam-se especialmente na Praia de Fora, local distante do centro de Desterro, ligado<br />

a esse pela Rua Esteves Júnior. Essa praia era ponto de encontro de famílias que além de<br />

uma casa no centro da cidade possuíam propriedades na área que, geralmente, eram<br />

compostas por chácaras ou sítios. As residências voltadas para o mar eram freqüentadas,<br />

principalmente, no verão.<br />

A iluminação da praça central, atual Praça XV de Novembro, e de ruas adjacentes<br />

por lampiões, também na segunda metade do século XIX, foi outra medida tomada com o<br />

intuito de “melhorar” locais da cidade, numa tentativa de ressignificar espaços. Tal medida<br />

foi defendida na Câmara e em alguns veículos de imprensa como necessária para a melhor<br />

circulação de pessoas e mercadorias e possíveis contatos e conversas entre elas, não<br />

necessitando para isso esperar pelas noites de lua cheia. Aliás, a questão da iluminação<br />

pública foi largamente discutida pela Imprensa, especialmente no que se refere ao<br />

cumprimento ou não dos contratos de arrendamento. Esses contratos eram oferecidos em<br />

editais públicos e arrematados geralmente por comerciantes locais que usavam escravos


219<br />

para executar os serviços e os mantinham com verbas que a Câmara destinava para esse<br />

fim. Geralmente, os arrematantes reclamavam das baixas verbas destinadas aos serviços.<br />

Em 1853, a iluminação pública de Desterro ficou a cargo de Manoel Alves da Costa e teve<br />

algumas alterações designadas pela Câmara com o intuito de abarcar um novo item da lista<br />

de problemas urbanos que se tornava primordial: segurança. De acordo com o jornal<br />

“Correio Catharinense” de 09/02/1853, a Iluminação Pública passou a compor-se de “65<br />

lampiões, colocados nas esquinas ou nos lugares, onde prestando mais claridade facilitão o<br />

trânzito do povo e da polícia”. 87 Dois anos depois o presidente da Província assinava<br />

a contratação do Serviço de Iluminação a gaz com Vicente Nery por três<br />

annos pela quantia de 5:600$000 reis annual, sendo os primeiros quatro<br />

meses feita com azeite. A illuminação a gaz é por sem duvida mais<br />

acceiada; não dão porem os lampiões atuaes tanta luz, como os antigos de<br />

azeite, e se mais clara se acha hoje a illuminação he isso devida a limpeza<br />

dos vidros, que se não embação como os antigos com o fumo do azeite. 88<br />

O mesmo processo de melhoramento se deu com a praia fronteira ao Mercado que,<br />

além de ponto de comércio, era o porto de entrada da cidade, como tal fazia-se necessário,<br />

ao menos, torná-lo transitável. Para tanto, quando o Mercado foi reconstruído em um ponto<br />

mais afastado da praça, em 1896, a vista da praia fronteira ficou aberta e a raia passou a<br />

receber menos despejos, isso, aliado aos melhoramentos feitos no trapiche de desembarque<br />

do porto que havia sido construído em 1874 e de um primeiro aterro nessa área frontal,<br />

“capacitaram” o local a ser área de recreio para famílias da cidade. 89<br />

Essas obras executadas eram apenas uma pequena parte da relação de obras<br />

apontadas como necessárias para a cidade no que se refere ao estado sanitário e asseio. O<br />

jornal Correio Catharinense listou esses problemas e os divulgou em seu nº 14 de<br />

87 Iluminação Pública. Correio Catharinense – jornal commercial, noticioso e literário, Nossa<br />

Senhora do Desterro, 09 de fevereiro de 1853. Nº 13, p. 01, colunas 2 e 3. Acervo BN.<br />

88 Falla do Presidente de Província. O Conservador, Nossa Senhora do Desterro, 08 de maio de<br />

1855. Nº321, p. 03, coluna 03.<br />

89 CABRAL, O.R. Memória histórica... Op.cit., v. 1.,p. 176-177.


220<br />

16/02/1853, baseado no ofício de 24/02/1852 do presidente da Província. Entre as obras<br />

estavam melhoramentos nas fontes da Palhoça, da Carioca e do Campo do Manejo com o<br />

escoamento das águas que sobravam dessas fontes e se estagnavam em alguns locais da<br />

cidade; encanamento das águas do Rio Fonte Grande e terrenos lactantes em toda a sua<br />

extensão; encanamento por meio de valas das águas que nascem no fundo das chácaras e<br />

que fazem frente à Rua do Passeio; desaguamento dos charcos localizados em terrenos<br />

particulares do centro da cidade – nominados no ofício -; dessecamento por meio de aterro,<br />

em toda sua extensão da marinha, desde Sta Bárbara até a Rua da Toca e multiplicação dos<br />

depósitos de água. Nesse ponto o ofício ressalta que a Câmara só pode conseguir isso<br />

fazendo<br />

grandes depósitos ou tanques na falda do Morro do Antão, de sorte que<br />

deságüem seguindo um curso, por meio de encanamento sólido até tocar<br />

perto da Rua do Vigário, onde facilmente se pode construir um<br />

receptáculo, que sirva para chafariz, e se aproveitem as sobras das águas<br />

para um lavadouro público. 90<br />

Ainda faziam parte da lista o cercamento de terrenos não ocupados por muros<br />

para evitar o acúmulo de lixo e imundices; mudança para local mais afastado da cidade do<br />

hospital militar de Sta Bárbara; remoção do cemitério público para o lado sul da cidade ou<br />

para leste; construção de uma cadeia ou remoção da atual, sendo indicado próximo ao<br />

Campo do Manejo como local ideal e construção de alguns pequenos cais para despejos das<br />

imundices, que eram jogadas nas ruas pelas janelas de algumas casas muitas vezes, como<br />

alude reportagem de 1865<br />

Despejos - A pedido da respectiva vizinhança, chamamos a atenção do<br />

Sr. Fiscal desta cidade para que faça cessar o despejo de águas fedorentas<br />

que se faz no largo do Palácio. Essas águas, segundo se diz, são deitadas<br />

fora de um grande barril ou pipa que o morador da casa a que se alude,<br />

90 Relação das obras mais necessárias n’esta cidade para melhorar seu estado sanitário, acceio, etc. a<br />

que se refere o ofício da presidência de 24/02/1853. Correio Catharinense – jornal commercial,<br />

noticioso e litterario, Desterro, 16/02/1853. Nº 14, p. 01, colunas 1, 2 e 3. Acervo: BN.


221<br />

conserva no pátio. Contra abusos semelhantes praticados em outros<br />

largos e ruas temos tido muitos pedidos e reclamações 91 .<br />

Isso continuava acontecendo, apesar de dez anos antes, quando de uma epidemia<br />

de cólera que assustou a cidade, a Câmara ter construído três trapiches de madeira para que<br />

os tigres fossem despejados o mais distante possível mar adentro; e, por fim, a reportagem<br />

indicava a necessidade urgente do melhoramento das estradas do município. 92<br />

Com relação ao último item da lista acima, o problema perdurou por longo tempo<br />

e era quase um problema generalizado em Desterro. Vez ou outra, jornais noticiavam o fato<br />

e reclamavam da falta de providências da Câmara. O Despertador, dez anos depois de o<br />

problema ser oficialmente identificado e terem-se apontado soluções em documento oficial,<br />

apresentou uma reportagem sob o título “Reparos Urgentes nas Ruas”, em que<br />

chamou a tenção da Câmara Municipal desta cidade para o mal estado em<br />

que se achão duas pontes na rua da Imperatriz, por cujo motivo está ella<br />

quase intransitável. Os espinhos das cercas lateraes por muito altos,<br />

tombam para a rua, e embaraçam o trânsito em diferentes lugares, A ponte<br />

da rua do Mato –Grosso, na descida da aldeia do Dutra – em frente dos<br />

terrenos do falecido Caminha, e do Servita muito necessita de reparo pelo<br />

estado ruinoso em que está. As cercas se conservam de modo que os galhos<br />

dos espinhos se cruzam, e sem grande precaução dos transeuntes a cavalo,<br />

não conseguem passar sem arranhões na cara ou rasgões no facto. Em<br />

frente dos terrenos de Freitas Gomes, na estrada que vai ter na freguesia de<br />

SS Trindade tem um desbarrancamento feito pelas últimas chuvas, o qual<br />

obstruindo a vala lateral, repreza as agoas, e faz com que transbordem e<br />

deteriorem o transito. 93<br />

Sobre o cemitério, até 1841 o convencional era os sepultamentos no corpo das<br />

igrejas ou o emparedamento nas mesmas por se tratar de edifício sagrado construído em<br />

91 O MERCANTIL, Desterro, 18/06/1865. Apud MORGA, A . E. Práticas Afetivas Femininas em<br />

nossa Senhora do Desterro no Século XIX. São Paulo, 1995. 186p. Dissertação (Mestrado em<br />

História Social) - Universidade de São Paulo, SP., p. 70.<br />

92 Relação das obras mais necessárias n’esta cidade para melhorar seu estado sanitário, acceio, etc. a<br />

que se refere o ofício da presidência de 24/02/1853. Correio Catharinense – jornal commercial,<br />

noticioso e litterario, Desterro, 16/02/1853. Nº 14, p. 01, colunas 1, 2 e 3. Acervo: BN. op.cit.<br />

93 LOPES J. R.. Reparos Urgentes em Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de 1863. Nº<br />

11, Editorial, p. 01, coluna 01. Acervo: Biblioteca Nacional.


222<br />

solo que também tinha esse caráter, daí a importância de ter a última morada nesse<br />

local. Porém, nesse ano ocorreu uma epidemia que foi chamada de “febre cerebral” e cuja<br />

causa foi atribuída aos miasmas provenientes dos corpos enterrados nas igrejas e que eram<br />

aspirados pela população. O presidente da Província proibiu, em junho daquele ano, os<br />

enterros de cadáveres no corpo das igrejas ou em catacumbas, sendo que os mesmos<br />

deveriam ser sepultados no cemitério público, instalado no Morro do Vieira. 94 A cadeia<br />

também era vista como um disseminador em potencial de odores e miasmas que poderiam<br />

prejudicar os moradores locais e provocar epidemias, ainda mais por que muitas de suas<br />

janelas haviam sido fechadas para aumentar a segurança e, conseqüentemente, impediu a<br />

renovação eficiente dos ares de seu interior. 95<br />

Esse argumento de transformar o centro da cidade em local “freqüentável” por<br />

pessoas ditas “de bem” foi critério para influenciar a mudança de local da construção do<br />

novo prédio da Alfândega que explodiu em 24 de abril de 1866. As discussões atrasaram o<br />

início das obras da nova Alfândega em oito anos. 96 Esse ponto de entrada e saída de<br />

produtos na Ilha e de sua fiscalização era local de trabalho de escravos e de toda a sorte de<br />

“homens brutos”, portanto, era interessante que fossem afastados do centro e da praça para<br />

que, desta forma, tais locais pudessem ser “melhorados”.<br />

Essa constante construção e reconstrução da cidade como “urbes” e como<br />

“Civita”, como espaço e como política, é um ponto importante das “práticas” sociais de<br />

Desterro, pois, de acordo com Omegna, isso se inscreve na própria idéia de cidade, que<br />

não seriam as casas, as cabanas, os armazéns. É um espaço para as casas,<br />

as famílias, mas é mais ainda, é a área para o ajuntamento civil, para os<br />

comícios populares, para os câmbios da riqueza, para as decisões dos<br />

94 ALMEIDA, L. C. Nossa Senhora do Despejo... Op.cit., p. 69-70.<br />

95 Ibid., p. 70.<br />

96 CABRAL. O.R. Memória histórica... Op.cit., p. 176-177.


223<br />

órgãos do poder público, para os convívios humanos. A polis para a<br />

vida política. 97<br />

Quando nos referimos a essa cidade (urbes) e locais específicos na mesma, como<br />

praças e ruas, estamos analisando a construção da idéia de espaço público, que não é uma<br />

qualidade intrínseca do espaço. 98<br />

Esse controle dos espaços era uma atuação que restringia os direitos tradicionais<br />

de presença e de uso para formar e limitar a sua apropriação privada, transformando-as de<br />

acordo com a nova noção de espaço público urbano. 99 Tal ordenação dos espaços públicos<br />

passa pela definição do que são e para quem são destinados, como<br />

órgãos essenciais à vida urbana [que] são a rua, a praça, o templo, o<br />

mercado, o foro, o circo, o theatron (literalmente, “o logar em que se<br />

olha... e se é olhado”), isto é, a cidade são os canais que levam o homem<br />

à presença dos outros homens, e os recintos para todas as formas de<br />

convivências que aplacam a angústia de ser só, a estreiteza de ser<br />

particular e curam a sensação da insuficiência da casa, do círculo<br />

doméstico e dão a oportunidade a que cada homem faça de sua vida uma<br />

tangente de outras vidas. 100<br />

Outra qualidade do espaço, segundo Simmel, “consiste em dividi-lo em partes para<br />

o aproveitamento prático, partes que se consideram como unidades e – tanto por causa<br />

como por efeito disso – estão rodeados de limites”. 101 Sempre concebemos o espaço que<br />

um grupo social ocupa, seja ele um bairro, um Passeio Público ou praça como uma unidade<br />

expressa e sustentada por tal grupo, é o grupo que faz o lugar e é feito por ele. Quando nos<br />

referimos aos motivos da iluminação da Praça de Desterro estamos confirmando a idéia<br />

97 OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. 2 ed. EBRESA, Brasília, 1971. p. 08.<br />

98 LOUZADA, Maria Alexandre. “A rua a taberna e o salão: elementos para uma geografia<br />

histórica das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. Op. cit., p. 96.<br />

99 Ibid., p. 105.<br />

100 OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. Op.cit., p. 80.<br />

101 SIMMEL, Georg. Sociologia: Estúdios sobre lãs formas de socialización. V.II. Madri: Biblioteca<br />

de la Revista de Occidente, 1977. p. 649-650.


224<br />

corrente da época que, ainda de acordo com Simmel, esse espaço, se freqüentado por<br />

“pessoas de bem”, tornar-se-ia bom e bem visto por todos, portanto, seria freqüentável por<br />

todos que não ferissem as novas normas de conduta, ou seja, esse novo local estava vetado<br />

para trabalhadores e escravos. 102<br />

O princípio “público” designa algo que é de todos ou ao menos que pode ser<br />

usufruído por todos. Quando se cerceia a freqüência de escravos ou, mais ainda, de<br />

trabalhadores do porto na Praça de Desterro ou a cerca com grades como ocorreu em fins<br />

do século XIX, se está separando a idéia de cidadãos, se está atribuindo valores a pessoas e<br />

com isso, designando o que umas e outras podem fazer. Isso é uma clara forma de, no<br />

âmbito social, exercer um tipo de função policial. Essa criação de limites é,<br />

comparado con la naturaleza, [...] arbitrario, aun en el caso de las islas;<br />

pues en principio, el mar puede ser también objeto de posesión.<br />

Precisamente, el no depender del espacio natural pone de relieve el poder<br />

formal de la cohesión social y la necesidad interna que satisface por la<br />

determinación precisa del límite físico, una vez puesto. Por esa razón,<br />

acaso sea mayor la conciencia de la delimitación, no frente a los llamados<br />

límites naturales (montañas, ríos, mares, desiertos), sino justamente<br />

frente a los límites meramente políticos, que no hacen sino trazar una<br />

línea geométrica entre los vecinos. 103<br />

Esses limites que Simmel classifica como “acontecimentos espirituais ou<br />

sociológicos”, quando transformados em linhas do espaço, sua relação mutua adquire<br />

claridade. Isso pode ser algo negativo ou positivo, mas nunca deixa de ser rígido. Tal<br />

claridade, segurança e rigidez “no les son dadas cuando la coincidencia o separación de las<br />

fuerzas y derechos no se ha proyectado aún en forma sensible, y se halla, por tanto, por<br />

decirlo así, en estado naciente”. 104<br />

102 SIMMEL, Georg. Sociologia. Op. cit., p. 650.<br />

103 Ibid., p. 650<br />

104 Ibid., p. 654.


225<br />

Esses limites também podem ser observados através de normas, regras de<br />

conduta ou normatização do espaço urbano. Além da ordenação das ruas com nomes que<br />

designavam atividades e que, segundo Gilberto Freyre, tinham um caráter sindicalista ou<br />

medievalista, indicando negócios como “Rua dos Ourives” ou “Rua da Quitanda” ou<br />

procedências como “Rua dos Judeus” ou “Rua dos Ciganos”. A numeração das casas<br />

também é um exemplo dessa normatização e, de acordo com Simmel,<br />

significa la fijación espacial, propiamente dicha, de los individuos,<br />

haciendo que estos puedan encontrarse con un procedimiento<br />

mecânico.” 105 Essa ordenação espacial, que remonta da tradição medieval<br />

de dar nomes próprios às casas, “produce una sensación de<br />

individualidad local, evoca la idea de su pertenencia a un mundo espacial<br />

‘cualitativamente’ determinado. 106<br />

Ainda referindo-se a Desterro, podemos analisar a redefinição de usos ou hábitos<br />

locais ao observarmos as mudanças nas posturas municipais no que se refere aos despejos.<br />

A própria palavra postura que, de acordo com Murillo Marx, sempre foi usada, no âmbito<br />

das cidades, como sinônimo de ordenação do espaço e das pessoas, defina horários para tal<br />

prática.<br />

Tal decisão respondia as críticas da imprensa local sobre o saneamento básico e os<br />

problemas de um processo de urbanização sem controle ou sem preocupação com a<br />

natureza. O jornal O Argos, em matéria de 09 de janeiro de 1862, fez uma crítica veemente<br />

às autoridades desterrenses sobre o estado da praia do Mercado. O jornal questiona a<br />

polícia municipal na pessoa do Fiscal da capital sobre o porquê de não tomar providências<br />

no caso da citada praia. 107<br />

105 SIMMEL, Georg. Sociologia. Op. cit., p. 667.<br />

106 Ibid., p. 666.<br />

107 CABRAL. Memória histórica... Op.cit., p. 174.


226<br />

Essas constantes separações e entrelaçamentos da cidade como espaço físico e<br />

da cidade como “teatro” social observado em Desterro, em especial em sua área central que<br />

definia o centro da capital da Província de Santa Catarina, é um reflexo das construções do<br />

espaço público urbano que, no Brasil, e mais especificamente em Santa Catarina, ocorre no<br />

século XIX. Diferente das cidades européias ou mesmo do Rio de Janeiro, que já tinham<br />

conceitos definidos, e redefinidos corriqueiramente, sobre espaços físicos e suas funções<br />

sociais no âmbito do urbano.<br />

A antes rural e praticamente isolada cidade passa a ter um porto mais<br />

movimentado e com isso um comércio em crescimento. Exportações de café, amendoim,<br />

açúcar e, principalmente, farinha de mandioca para o Rio de Janeiro e Províncias do Prata<br />

traziam, além de dinheiro, informações e novos costumes. Surgiram sobrados na Rua<br />

Augusta (atual João Pinto), na Rua do Príncipe (atual Conselheiro Mafra) e na Praça<br />

Central. A Desterro do último quartel do século XIX tinha seu centro assobradado, sua<br />

praça arborizada e harmoniosa, convidativa para passeios. Outros espaços de lazer foram<br />

sendo construídos como o Teatro Santa Isabel em 1875, a Biblioteca Pública, o Atheneo<br />

Provincial, além de cafés e confeitarias que eram pontos de encontros e conversas. Os<br />

limites urbanos de Desterro contavam, já em 1876, com oito igrejas, seis sobrados<br />

particulares e sete edifícios térreos também particulares, sete edifícios provinciais e<br />

municipais (um desses era o cemitério católico), sendo dois deles sobrados, dois hospitais,<br />

um cemitério evangélico, duas lojas maçônicas e 1.751 prédios urbanos, sendo desses 126<br />

sobrados e 1.625 térreos. 108<br />

Nesse mesmo mapa o autor enumerou setenta ruas, becos,<br />

108 TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada<br />

por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo<br />

D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos<br />

Othom Sehleppal. Anno de 1876. Op. cit.


227<br />

travessas e largos no perímetro urbano de Desterro, além de oito chácaras, um engenho,<br />

uma fábrica de sabão e um estaleiro. 109<br />

Somando-se a isso havia os avanços industriais e mecânicos que levaram<br />

iluminação para as ruas e praça e um comércio que atraia pessoas, muitas delas senhoras de<br />

“boa família” que passaram a andar pelas ruas. Enfim, os espaços urbanos passaram a ser<br />

espaços de socialização. A vida saiu de dentro das casas e foi para a rua e para a praça.<br />

Uma grande “rua de mão dupla”, em que pessoas moldavam os espaços e eram moldadas<br />

por eles, os ressignificando e sendo por eles ressignificadas.<br />

109 Ibid.


228<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

Esta tese buscou analisar, sob a ótica da história ambiental, o surgimento de práticas<br />

e experiências vinculadas ao desenvolvimento de novas relações entre humanos e não<br />

humanos, trabalhados muitas vezes e por longo tempo como elementos opostos e<br />

separados. Não raro, e por muitos anos foi assim, os historiadores não perceberam ou não<br />

desenvolveram seus trabalhos considerando a presença do meio ambiente na construção dos<br />

espaços urbanos, no desenvolvimento da agricultura e em muitos hábitos sociais. Essa<br />

ampliação nas investigações históricas designada de “história ambiental”, segundo Worster,<br />

incorpora a presença da natureza na vida das sociedades, estudando a interação entre<br />

estruturas biofísicas, modos de produção e formas culturais. 110<br />

A natureza ou tudo que não é produto direto da ação humana também tem<br />

influência nas decisões tomadas, uma vez que o solo, o clima ou o fornecimento de água<br />

são alguns dos alicerces de uma sociedade e ela só se forma em locais onde esses itens são<br />

favoráveis ou em contrário, quando existe tecnologia para adaptá-los.<br />

Essa também foi uma característica da formação da sociedade na Ilha de Santa<br />

Catarina. O local de instalação da vila e depois cidade de Nossa Senhora do Desterro era<br />

um ponto estratégico de defesa portuguesa ao sul do Brasil e essa condição geográfica<br />

privilegiada foi o primeiro passo para a criação de uma comunidade. Foram considerados<br />

também outros elementos como o melhor local da Ilha para a instalação da vila, qual seja o<br />

mais próximo do continente, com fácil abastecimento de água potável, de lenha e madeira,<br />

além de ser plano e aprazível na medida do possível. Diferente de algumas opiniões que<br />

indicavam o local como um paraíso, a Ilha também tinha características consideradas<br />

110 WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos. Op. cit., p. 198.


229<br />

problemáticas para o “florescimento” de uma cidade como os mangues próximos que,<br />

apesar das madeiras fáceis de serem derrubadas e utilizadas, também eram focos do que era<br />

considerado o grande mal do período: os miasmas causadores de doenças. Essa e outras<br />

características entendidas como negativas demandou um longo processo de adaptação e<br />

transformação da natureza local com a adequação de muitas áreas para os padrões tidos<br />

como ideais ou minimamente aceitáveis para a sobrevivência e progresso de uma sociedade<br />

civilizada.<br />

Ao considerarmos as limitações e influências ambientais impostas pela<br />

insularidade percebemos com mais clareza a relação mantida entre o homem e o meio<br />

natural nessa constante adaptação e readaptação, sendo essa a linha que procuramos seguir<br />

no desenvolvimento do trabalho. A própria divisão do texto em três grandes temas que,<br />

apesar de fazerem parte de um mesmo conjunto analítico, foram estudados e apresentados<br />

de forma separada na tentativa de lançar vários focos de luz sobre um mesmo objeto,<br />

trazendo a tona novos ângulos de observação.<br />

A partir disso consideramos o desmatamento, o aproveitamento das madeiras<br />

extraídas, a terra limpa e a produção agrícola e os núcleos urbanos em constante<br />

crescimento, como partes de um grupo de projetos e idéias de civilização que ultrapassaram<br />

as questões econômicas ou políticas que visavam a ocupação estratégica do território e a<br />

extração de recursos desse mesmo território. A amplitude da questão do desmatamento em<br />

primeiro lugar, reside no fato de compreendermos a riqueza cultural da Mata Atlântica que<br />

estava sendo devastada. Muito mais do que espécies vegetais e animais, a Mata Atlântica<br />

era permeada de símbolos e utilidades que lhe foram atribuídos durante séculos por<br />

diversas populações indígenas que nela viveram e dela tiraram muitas de suas referências<br />

culturais. Além da destruição da flora e da fauna, o impacto da instalação de vilas e cidades<br />

nas clareiras obrigatoriamente abertas na mata para recebê-las, implicou na destruição de


230<br />

muitas informações sobre espécies, clima, solo e a própria sobrevivência dos grupos<br />

humanos que já a habitavam. Porém, muito mais que aquilo que foi destruído para<br />

produção de açúcar, café ou farinha de mandioca, no caso específico da Ilha de Santa<br />

Catarina, para a urbanização ou mesmo para o próprio aproveitamento da madeira,<br />

procurou-se analisar o que foi construído a partir desse processo que, creio deva ser mais<br />

corretamente entendido como uma transformação. Hábitos, alimentos, arquitetura, animais,<br />

enfim, o dia-a-dia foi permeado pelas reações do ambiente frente à ocupação humana e essa<br />

dinâmica, esse caminho de mão dupla é que nos leva à história da Ilha de Santa Catarina.<br />

Penso que o entendimento dessas transformações ambientais locais como fazendo<br />

parte de um processo social e cultural, além de econômico e/ou político, amplia o<br />

entendimento da historia ilhoa. Certo é que tais transformações foram parte das causas e<br />

das conseqüências da colonização e dos ideais de progresso do período.<br />

Esse “processo civilizador” tinha a Europa como horizonte almejado, no entanto,<br />

a “modernidade” não suplantou os recursos naturais brasileiros, ainda considerados nossa<br />

maior riqueza e dos quais se deveria dispor com mais sabedoria, idéia recorrente entre<br />

intelectuais brasileiros desde o século XVIII, segundo Pádua. Isso vinha associado em<br />

textos, leis e à críticas ao mau aproveitamento dos recursos naturais brasileiros, prática que<br />

parecia ser uma “repetição” do exemplo europeu que, em decorrência do “apenas tirar da<br />

terra sem nada devolver”, provocou o que entendia-se ser o esgotamento do solo e a<br />

carência de novas áreas virgens.<br />

O paradigma de progresso passava, necessariamente, por transformações<br />

econômicas e sociais, aliás, era um progresso seletivo e voltava-se muito mais para a<br />

modernização do campo que da cidade ou da indústria. Nesse sentido, as questões<br />

ambientais raramente foram debatidas de forma individual, ao contrário, faziam parte de<br />

análises mais amplas, em que a agricultura, a política e as conseqüências econômicas destas


231<br />

davam o tom. Ainda segundo Pádua, “os problemas ambientais estavam inseridos no<br />

conjunto dos problemas estruturais que afetavam o país”. 111<br />

O fato de trabalharmos com o espaço restrito de uma ilha e considerarmos os<br />

limites “naturais” no que tange à expansão de área cultivável ou urbanizada e de cobertura<br />

florestal, deixou mais definidos os pontos de analise e seu entrelaçamento, mostrando que<br />

nenhum deles esteve isolado no tempo e no espaço. Considerando esses pontos, passamos<br />

por questões como a fortificação da Ilha contra invasões estrangeiras e a colonização<br />

programada por emigrantes europeus no primeiro capítulo, a real ocupação do território e<br />

sua divisão em lotes coloniais no segundo, o desenvolvimento da agricultura e o<br />

crescimento urbano e comercial nos capítulos três e quatro respectivamente, separando<br />

esses elementos e realizando uma reavaliação de alguns conceitos a muito repetidos da<br />

colonização local.<br />

Não é propriamente um modelo para a análise dos acontecimentos, mas a intenção<br />

durante toda a pesquisa foi ressaltar alguns elementos que creio, devem, necessariamente,<br />

fazer parte dos estudos sobre a história local e que não constaram das opções metodológicas<br />

dos historiadores por muito tempo. Entre eles o papel das florestas no processo de<br />

transformação social e cultural de uma região, além dos valores atribuídos aos recursos<br />

naturais, qual o grau das intervenções humanas na natureza local e as influências dessa<br />

natureza na sociedade.<br />

Observando novos ângulos de um mesmo prisma espero ter conseguido<br />

dimensionar melhor a natureza ilhoa e o processo de transformação dela durante o período<br />

em questão. Esses ângulos analisados separadamente são em verdade a mesma coisa: “a<br />

história da Ilha de Santa Catarina no século XIX”. Porém, vistos individualmente,<br />

111 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição - pensamento político e crítica ambiental no<br />

Brasil escravista (1786-1888). Op.cit., p. 283.


232<br />

permitiram uma analise mais ampla e, justamente por isso, pode-se chegar a conclusão<br />

que floresta, agricultura e cidade são facetas do mesmo objeto.<br />

Ainda falando da natureza local, os próprios usos que lhe foram atribuídos<br />

esclarecem muito das necessidades da época e dos conceitos de progresso, paisagem e<br />

cultura. Podemos observar essas novas práticas analisando as primeiras tentativas de<br />

povoamento, o edital de convocação de imigrantes no arquipélago dos Açores e na Ilha da<br />

Madeira e a instalação de imigrantes de origem européia. Essas pessoas, vindas com o<br />

objetivo de ocupar e transformar a terra em uma nova e “controlada” porção do território do<br />

Brasil, fonte de renda e recurso para a coroa portuguesa adaptaram o novo ambiente a suas<br />

necessidades e se adaptaram a muitas características desse mesmo ambiente. A partir disso<br />

percebemos que o corte indiscriminado da floresta, o dessecamento e a derrubada de<br />

mangues - cujo objetivo era controlar focos de mosquitos e doenças além de facilitar a<br />

extração de madeiras nessas áreas -, a agricultura e a urbanização local não podem ser<br />

vistos somente sob seu aspecto político/econômico, como a ocupação e aproveitamento de<br />

um território português, uma “reserva” a ser administrada e da qual se deveria retirar o<br />

máximo possível em termos ambientais e político-estratégicos.<br />

O resultado dessa pesquisa também evidencia que ainda há muito que ser dito<br />

sobre essa região e, especialmente sobre a natureza local e a relação dos homens com ela.<br />

Mais que encerrar um debate, minha intenção foi mostrar que a história da Ilha de Santa<br />

Catarina, como “outras histórias”, careceram, durante muito tempo, de aspectos como as<br />

florestas, e de uma análise das relações dos “antigos” (índios e primeiros colonizadores) e<br />

dos “novos” (colonizadores açorianos e madeirenses e de novas moradores vindos do<br />

sudeste do Brasil) habitantes da região com essa floresta. Essas respostas dos novos<br />

habitantes do Brasil frente à natureza encontraram variáveis em cada ponto da colônia na


233<br />

medida em que estas dependem da forma como a cultura desses novos imigrantes foi<br />

ajustada.<br />

O resultado desse processo interagiu com os ideais de colonização do reino<br />

português para a colônia, estritamente relacionado com a idéia de ocupação do território e<br />

crescimento, em busca do progresso almejado. A dinâmica relacional não pendeu<br />

totalmente para o ponto objetivado apesar de quase naturalmente ter ido nessa direção. O<br />

choque normal entre cultura e natureza - quando essas são tão diferentes como os<br />

imigrantes europeus e sua nova terra - não inibiu o avanço da primeira sobre a segunda e<br />

em algumas décadas transformou a paisagem da Ilha de Santa Catarina.<br />

Para que esse novo código cultural/ambiental em comum (imigrantes europeus e<br />

natureza americana) fosse construído foi necessária a elaboração de estratégias de<br />

dominação da natureza, essa dominação incluía várias etapas que iam desde a derrubada da<br />

floresta até a implementação da agricultura e a urbanização da vila de Desterro. Foram<br />

esses pontos que, abordados no decorrer do texto, mostraram que em nenhum momento a<br />

floresta, a agricultura e a cidade estiveram isolados ou atuaram de forma independente, ao<br />

contrário, foram se construindo e transformando durante todo o século XIX em um mesmo<br />

e restrito espaço ilheo.<br />

Portanto, pelo desenvolvimento da indústria madeireira, da agricultura, o<br />

crescimento urbano, enfim, este novo modo de vida em uma nova terra resultou em uma<br />

nova paisagem, fruto do processo de ocupação, dos novos hábitos, estilos, gostos e práticas<br />

de convivência social. E tudo isso pôde ser percebido revendo e acrescentando opiniões a<br />

alguns tão “usados” e citados documentos históricos como leis, ilustrações, balanços<br />

comerciais, mapas, correspondências e relatórios e olhando para o objeto sempre<br />

considerando a natureza e sua influencia direta e indireta na vida dos homens. Isso permitiu<br />

que fossem reconhecidas as diferentes respostas sociais e culturais em termos de adaptação


234<br />

e mudança ambiental na Ilha de Santa Catarina. Ficando aqui atestada uma dinâmica<br />

sócio-ambiental muito mais complexa do que uma simples colonização e aproveitamento<br />

de recursos naturais, onde elementos humanos e naturais se interpenetram e se<br />

transformaram ao invés de se excluírem, possibilitando o surgimento de uma cultura local<br />

com novos hábitos, novas necessidades e novos lugares, perfeitamente integrados no tempo<br />

e no espaço.


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ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província de<br />

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de Janeiro, Tomo 11, parte 1ª, secção 44. Brasil. Artigo 1.<br />

BRITO, Antero Jozé Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina<br />

em 1841., p. 9 e 10. Op. cit. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

Carta Régia de 13 de março de 1797, apud SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação<br />

florestal. Rio de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934.<br />

Carta Régia de 13 de março de 1797, Apud. SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação<br />

Florestal. Rio de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934., p.20-21.<br />

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Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845.<br />

Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa<br />

Senhora do Desterro, 22 de outubro de 1888. Título 3º, capítulo 1; arts.: 49, 50, 51 e 52.


255<br />

CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>, Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do<br />

Brasil. Ofício ao governador da Capitania de Santa Catarina Joaquim Xavier Curado. Rio<br />

de Janeiro a 14 de junho de 1801. Acervo BN.<br />

CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />

16/05/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />

18/09/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />

27/10/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />

03/12/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa<br />

de Santa Catarina, 1º de março de 1851., p. 9. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd.<br />

08/03/07.<br />

COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa<br />

de Santa Catarina, 1º de março de 1854. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd.<br />

08/03/07.<br />

CURA<strong>DO</strong>, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria de Manoel Dutra Garcia, Funriel<br />

da Cavalaria de milícias e actual Tesoureiro dos Rendimentos da nova igreja de Nossa<br />

Senhora da Lapa do Distrito do Ribeirão. Nossa Senhora do Desterro, 28 de abril de 1804.<br />

Acervo APESC.<br />

CURA<strong>DO</strong>, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria do Capitão Miguel Francisco da<br />

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1838., p. 11. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

PORTUGAL, Tomás Antonio de Vilanova Portugal, Governador de Santa Catarina, Nota<br />

acompanhada de um plano de defesa de seu litoral, de autoria de Félix José de matos,<br />

durante a Guerra da Cisplatina. Desterro, 1819.


256<br />

PORTUGAL, D. Fernando José de. Oficio do Vice Rei ao Governador de Santa<br />

Catarina Joaquim Jose Curado. 7-09-1802. APESC<br />

PORTUGAL, D. Fernando José de. Oficio do Vice Rei ao Governador de Santa Catarina<br />

Joaquim Jose Curado. 23-12-1802. APESC<br />

PORTUGAL. Provisão Régia do Rei D. João V, de 9 de agosto de 1747. Cópia da Provisão<br />

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In: RIHGB, 1º Semestre 1943, p. 149.<br />

REI D. JOÃO V. Provisão Régia de 9 de agosto de 1747. Comunicou aos habitantes das<br />

ilhas dos Açores que a Coroa oferecia uma série de vantagens aos casais ilhéus que<br />

decidissem emigrar para o litoral do sul do Brasil.<br />

Relatório do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro:<br />

Typografia Perseverança, 1864., p. 8.<br />

Relatório do Presidente da Província José Mariano de Albuquerque Cavalcante, 1837., p.<br />

16. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008.<br />

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16/05/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />

18/09/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />

27/10/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />

03/12/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />

REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro. Acervo:<br />

Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. APESC. 16/12/1798.<br />

REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />

22/12/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. APESC.<br />

REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil<br />

Ofício ao governador da Capitania de Santa Catarina Joaquim Xavier Curado. Rio de<br />

Janeiro a 14 de junho de 1801.


257<br />

RIBEIRO João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, apresentando<br />

relatório sobre a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados<br />

estatísticos. Desterro, 17 de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc.<br />

130p. (códice 3,3,17).<br />

RIBEIRO, João Alberto de Miranda, Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua<br />

Jurisdição. Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de Mar e<br />

Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro 11 de abril de 1798. Acervo: APESC.<br />

RIBEIRO, João Alberto de Miranda, Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua<br />

Jurisdição. Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de Mar e<br />

Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro 22 de março de 1798. Acervo: APESC.<br />

RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende Vice Rey e Capitão<br />

General de Mar e Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro a 5 de junho de 1798.<br />

Acervo BN.<br />

RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Rezumo Geral de Toda a População Pertencente<br />

ao Governo da Ilha de Santa Catharina, Formado pelos mappas que derão os officios<br />

de cada hum dos Distritos do mesmo Governo. 1º de Janeiro de 1796. Acervo Biblioteca<br />

Nacional: Seção de Manuscritos, conjunto documental 7,4,31.<br />

ROCHA, Francisco José da. Relatório do Presidente da Província à Assembléia<br />

Legislativa, 1885. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa da Província de Santa<br />

Catharina em 21 de março de 1875 pelo exm. Sr, Presidente da Província. Cidade do<br />

Desterro: Typ. De J.J. Lopes, 1875.<br />

SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Santa<br />

Catarina em 25 de março de 1874. Cidade de Desterro: Typ. De JJ Lopes, 1874.<br />

SILVA, João Thomé. FALLA dirigida à Assembléia Legislativa da Província de Santa<br />

Catharina em 21 de março de 1875. Cidade do Desterro Typ. De J.J. Lopes, 1875.<br />

SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Concessão de Bernardo<br />

Francisco Tavares, 1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 128 verso.<br />

SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria de Domingos José,<br />

cazado, morador nesta Vila. Desterro, 1808. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 152-153.<br />

SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria do Capitão de<br />

Cavalaria Miliciana Miguel Francisco da Costa. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 50<br />

e 51, 1807.<br />

SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de Sesmaria de Francisco da Roxa Cotta,<br />

morador nesta Vila de Desterro, 04/01/1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 129.<br />

SILVEIRA, Dom Luiz Maurício. Doação de sesmaria à João Prestes Barreto da<br />

Fontoura. 30/04/1811. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 161.


258<br />

SOARES, Roberto. Ofício relatando a situação das defesas da Ilha de Santa Catarina de<br />

autoria de Roberto Soares, escrevendo a bordo da Nau Sto Antonio, no momento na costa<br />

catarinense. 21 de novembro de1776. Acervo: Arquivo Nacional.<br />

TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Planta Topographica da Cidade do Desterro<br />

Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo.<br />

Snr. Dor. Taunay Alfredo D’Escragnolle pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio<br />

Pereira do Lago e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo<br />

Histórico do Exército).<br />

VALLE, Severo Amorim do. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia<br />

Legislativa de Santa Catarina, 6 de março de 1849., p. 46-47. Pesquisado em<br />

http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />

VILELA, Valentim Antônio. Ofício do Capitão da Fragata Cisne ao Governador João<br />

Alberto de Miranda Ribeiro com Relação de consumo em 26/02/1798. Acervo: APESC.<br />

www.umbuzeiro.cnip.org.br. Consultado em 08/09/06.<br />

Relatos de jornais:<br />

FALLA do Presidente de Província. O Conservador, Nossa Senhora do Desterro, 08 de<br />

maio de 1855. Nº321, p. 03, coluna 03.<br />

GOUVÊA, Joaquim Bandeira de. Relatório que o Exmo. Sr. Presidente da Província de<br />

Santa Catharina Dr. Joaquim Bandeira de Gouvêa dirige a Assembléia Legislativa<br />

Provincial no acto de abertura de sua cessão ordinária de 26 de março de 1871. Jornal A<br />

Província: Folha Politica e Noticiosa. Nº 37, anno 01 - pág. 01, col. 01 e 02. Acervo:<br />

Biblioteca Nacional.<br />

Iluminação Pública. Correio Catharinense – jornal commercial, noticioso e literário,<br />

Nossa Senhora do Desterro, 09 de fevereiro de 1853. Nº 13, p. 01, colunas 2 e 3. Acervo<br />

BN.<br />

LOPES, José R. Reparos Urgentes em Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de<br />

1863. Nº 11, Editorial, p. 01, coluna 01. Acervo: Biblioteca Nacional.<br />

MELLO ALVIN, João de Souza. Relatório apresentado ao Sr. Presidente de Província pelo<br />

Sr. Capitão de engenheiros João de Souza Mello Alvin sobre as fontes públicas desta<br />

Capital. Jornal O Conciliador Catarinense. 17 de novembro de 1849, pág. 02,03 e 04 –<br />

col:01. Acervo Biblioteca Nacional.<br />

Relação das obras mais necessárias n’esta cidade para melhorar seu estado sanitário, acceio,<br />

etc. a que se refere o ofício da presidência de 24/02/1853. Correio Catharinense – jornal<br />

commercial, noticioso e litterario, Desterro, 16/02/1853. Nº 14, p. 01, colunas 1, 2 e 3.<br />

Acervo: BN.<br />

Reparos urgentes nas Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de 1863, nº11, p. 01.<br />

Acervo: Biblioteca Nacional.

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