UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ... - UFRJ
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<strong>UNIVERSIDA<strong>DE</strong></strong> <strong>FE<strong>DE</strong>RAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>RIO</strong> <strong>DE</strong> <strong>JANEIRO</strong><br />
INSTITUTO <strong>DE</strong> FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
FLORESTA, AGRICULTURA E CIDA<strong>DE</strong>:<br />
TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA NO<br />
SÉCULO XIX.<br />
SUSANA CESCO<br />
2009
2<br />
FLORESTA, AGRICULTURA E CIDA<strong>DE</strong>:<br />
TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA<br />
ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA NO SÉCULO XIX.<br />
Susana Cesco<br />
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em<br />
História Social, da Universidade Federal do Rio de<br />
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à<br />
obtenção do título de Doutora em História Social.<br />
Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua<br />
Rio de Janeiro<br />
2009
3<br />
FLORESTA, AGRICULTURA E CIDA<strong>DE</strong>:<br />
TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA NO<br />
SÉCULO XIX.<br />
Susana Cesco<br />
Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua<br />
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, da<br />
Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos necessários à<br />
obtenção do título de Doutora em História Social.<br />
Aprovada por:<br />
Presidente: Prof. Dr. José Augusto Pádua - <strong>UFRJ</strong><br />
Profª. Dra. Fania Fridman - <strong>UFRJ</strong><br />
Prof. Dr. Marcos Bretas da Fonseca - <strong>UFRJ</strong><br />
Profª. Dra. Eunice Sueli Nodari - UFSC<br />
Prof. Dr. Rogério Ribeiro de Oliveira - PUC/RJ<br />
Suplente: Profª. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza - <strong>UFRJ</strong><br />
Suplente: Profª Dra. María Verónica Secreto de Ferreras - UFF<br />
Rio de Janeiro<br />
2009
Cesco, Susana.<br />
Floresta, Agricultura e Cidade: Transformações ambientais e sociais na<br />
Ilha de Santa Catarina no século XIX / Susana Cesco - Rio de Janeiro:<br />
<strong>UFRJ</strong>/PPGHIS-IFCS, 2009.<br />
xvii, 258f.: il.; 31cm.<br />
Orientador: José Augusto Pádua<br />
Tese (Doutorado) - <strong>UFRJ</strong>/IFCS/Programa de Pós-graduação em<br />
História Social, 2009.<br />
Referências Bibliográficas: f. 236 -258.<br />
1. História Ambiental. 2. Agricultura e desenvolvimento urbano. I.<br />
Pádua, José Augusto. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto<br />
de Filosofia e Ciências Sociais. III. Floresta, Agricultura e Cidade:<br />
Transformações ambientais e sociais na Ilha de Santa Catarina no século<br />
XIX.<br />
4
5<br />
FLORESTA, AGRICULTURA E CIDA<strong>DE</strong>:<br />
TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA NO<br />
SÉCULO XIX.<br />
Susana Cesco<br />
Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua<br />
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História<br />
Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos<br />
necessários à obtenção do título de Doutora em História Social.<br />
O século XIX marcou um processo de intensas transformações na Ilha de Santa<br />
Catarina, onde se localizava a cidade de Nossa Senhora do Desterro, capital de Santa Catarina, ao<br />
sul do Brasil. Momento de reconhecimento das potencialidades econômicas e ambientais locais,<br />
de ocupação e consolidação da colonização européia iniciada meio século antes, é nesse período<br />
que a população da Ilha redesenha seus espaços sociais e culturais e também impõe um novo<br />
ritmo nas transformações ambientais.<br />
A partir daí ocorre uma redefinição nos “usos” dados à floresta, ao mar e à terra da Ilha.<br />
O que até então era uma vila distante, passa a ser um ponto estratégico na ocupação das fronteiras<br />
do Brasil. Esse território insular, com fronteiras naturais definidas, tem no século XIX intensas<br />
mudanças que vão da derrubada da floresta para uso local, passando por um crescimento agrícola<br />
significativo com exportação de excedentes para outras regiões do Brasil, ponto mais importante<br />
para uso da Real Armada portuguesa, a um grande crescimento urbano.<br />
Fazendo uso de um amplo acervo documental do período em questão, buscou-se analisar<br />
esse processo de transformação da Ilha de Santa Catarina dando ênfase a três aspectos
6<br />
considerados basilares da questão ambiental local: A floresta, a agricultura e o crescimento<br />
urbano. Esse trabalho de análise das transformações da natureza e de suas influências na vida de<br />
uma sociedade em um espaço em constante transformação permite uma leitura de novos ângulos<br />
da história local, considerando a questão ambiental como elemento essencial.<br />
Palavras-chave: transformação ambiental, insularidade e crescimento urbano.<br />
Rio de Janeiro<br />
2009
7<br />
FOREST, AGRICULTURE AND CITY:<br />
AMBIENT AND SOCIAL TRANSFORMATIONS IN THE ISLAND OF SANTA CATARINA<br />
IN CENTURY XIX.<br />
Susana Cesco<br />
Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua<br />
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História<br />
Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos<br />
necessários à obtenção do título de Doutora em História Social.<br />
The nineteenth century marked a process of intensive changes in the Saint Catharine’s<br />
island, where it was located the city of Nossa Senhora do Desterro, the capital of Santa Catarina,<br />
in southern Brazil. Period of recognition of the economic and environmental potentialities sites,<br />
the occupation and consolidation of European colonization started a half century before, it is also<br />
in this period that the island’s population redesigns their social and cultural spaces and imposed a<br />
new rhythm in environmental changes.<br />
From this moment a shift occurs in the "usage" given to the forest, to the sea and to the<br />
land of the island. What was so far just a distant village, started to become a strategic point in the<br />
occupation of Brazil’s border. This island territory, which has a defined natural’s boundaries, had<br />
in the nineteenth century severe changes ranging from felling of forests for local use and, more<br />
importantly, for the Portuguese Royal Navy use, a significant agricultural growth with surpluses<br />
exportation to others Brazil’s regions and a large urban growth.<br />
Using a great deal of documents from the period at issue, sought to examine this<br />
transformation process of Saint Catharine’s island emphasing three basal points about the local
8<br />
environmental issue: The forest, the agriculture and the urban growth. This analytic work of the<br />
changes in the nature and of their influences on the life of a society in a space in constant<br />
transformation allows a reading from new angles of the local history, considering the<br />
environmental issue as an essential element.<br />
Keywords: environmental change, island and urban growth.<br />
Rio de Janeiro<br />
2009
AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />
9<br />
Definitivamente escrever uma tese não é fácil. A ilusão inicial de trabalhar apenas com<br />
o tema que gostamos sede lugar ao trabalho árduo e, acima de tudo, solitário. São quatro anos de<br />
pesquisa, de rascunhos e dúvidas que muitas vezes me fizeram questionar minha capacidade de<br />
realizar o trabalho. Agora, com tudo pronto, agradeço as muitas pessoas e instituições que<br />
durante esses quatro anos contribuíram para que esse doutorado fosse concluído com êxito.<br />
Inicialmente gostaria de agradecer aos professores e funcionários do Programa de Pósgraduação<br />
em História Social da <strong>UFRJ</strong> com quem tive a oportunidade de conviver e aprender<br />
muito, especialmente aos professores: Professor Dr. Manolo Florentino, professor Dr. João Luiz<br />
Fragoso, Professor Dr. Marcos Bretãs da Fonseca, a então Professora Drª. Beatriz Catão Cruz<br />
Santos e do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano a professora Drª. Fania<br />
Fridman. Estendo meus agradecimentos a muitos funcionários da <strong>UFRJ</strong> como as secretárias do<br />
PPGHIS, os responsáveis pelas bibliotecas do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, do<br />
Departamento de Geografia e do Planejamento Urbano onde passei tantas horas. O mesmo sobre<br />
a Biblioteca Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo Histórico do Exército,<br />
Arquivo Nacional, Real Gabinete Português de Leitura, Arquivo Público do Estado de Santa<br />
Catarina, Arquivo Municipal de Florianópolis, Fundação Franklin Cascaes e Biblioteca<br />
Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina.<br />
Durante os dois últimos anos de doutorado contei com o apoio financeiro da FAPERJ<br />
através de uma bolsa de estudos a quem agradeço. Agradeço também à CAPES pela concessão da<br />
bolsa P<strong>DE</strong>E e a Università degli Studi di Firenze que me recebeu para a realização desse estágio,<br />
aos funcionais do Departamento de Ciência e Tecnologia Ambiental Florestal e especialmente ao<br />
professor Mauro Agnoletti, pela receptividade e auxílio durante os meses em que estive em<br />
Firenze.
10<br />
Ao Professor José Augusto Pádua, pela orientação e pela liberdade e segurança que<br />
me deu para escrever a tese.<br />
Aos amigos da Universidade Federal de Santa Catarina de quem recebi o apoio<br />
indispensável quando da elaboração do projeto de doutorado que me trouxe ao Rio de Janeiro. À<br />
professora Eunice Nodari que plantou a semente dessa tese e que além de idéias sempre ajudou<br />
com sua amizade.<br />
À Helenice Andrade, amiga de todas as horas, paciente e comprometida com meus<br />
projetos. Sempre disposta a ler e dar sua contribuição.<br />
À Diogo Cabral, amigo e colega de pesquisas, estudos e conversas.<br />
À “minha nova e grande família” no Rio de Janeiro, sempre me apoiando e<br />
incentivando, agradeço especialmente à Hortensia Monteiro Corrêa que com sua força e<br />
generosidade me acolheu em sua vida.<br />
À Geni e Darlan, minha família de sangue, de amor e de lutas, meu porto seguro e com<br />
quem compartilho os sonhos e as conquistas.<br />
À Yuri Corrêa Araújo por sua ajuda lendo e dando sugestões desde a pesquisa até as<br />
considerações finais dessa tese. Pelos momentos alegres que me proporcionou e por seu ombro<br />
amigo que secou tantas lágrimas. Obrigada por seu companheirismo e por seu amor.
SUMÁ<strong>RIO</strong><br />
11<br />
LISTA <strong>DE</strong> ILUSTRAÇÕES ................................................................................................<br />
xiii<br />
LISTA <strong>DE</strong> QUADROS .........................................................................................................<br />
xv<br />
LEGENDA ...........................................................................................................................<br />
xvii<br />
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 18<br />
Capítulo I<br />
FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA ILHA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA .......................... 29<br />
1.1 Açorianos e Madeirenses em uma nova ilha ........................................................................ 29<br />
1.2 Colonização Programada e Insularidade .............................................................................. 44<br />
1.3 Imigração e Povoamento ...................................................................................................... 47<br />
1.4 Uma Ilha e seus elos com o Continente ................................................................................ 51<br />
1.5 Importação e Exportação ...................................................................................................... 57<br />
1.6 Conceitos e Instrumentos da História Ambiental Ilhoa ........................................................ 61<br />
Capítulo II<br />
A QUESTÃO FLORESTAL ..................................................................................................... 79<br />
2.1 Leis para o Brasil: entre o legal e o usual ............................................................................. 79<br />
2.2 Uma história da floresta na Ilha de Santa Catarina: os fundamentos ................................... 91<br />
2.3 Olhares sobre a floresta da Ilha de Santa Catarina no século XIX ..................................... 108<br />
2.4 Usos e Abusos: a transformação florestal da Ilha de Santa Catarina no século XIX<br />
.................................................................................................................................................... 118
Capítulo III<br />
12<br />
A QUESTÃO AGRÍCOLA ...................................................................................................... 123<br />
3.1 Legislação no século XIX: permanências, rupturas e contradições ................................... 123<br />
3.2 A propriedade de terras durante o século XIX .................................................................. 132<br />
3.3 Evolução da agricultura no século XIX .............................................................................. 138<br />
3.4 Agricultura e “Progresso” na Ilha ........................................................................................ 154<br />
3.5 Do campo para a cidade: resultados da agricultura na Ilha de Santa Catarina .................. 173<br />
Capítulo IV<br />
A QUESTÃO URBANA .......................................................................................................... 177<br />
4.1 Meio Ambiente e Saúde Pública no Processo de Urbanização de Desterro ....................... 177<br />
4.2 Do Global ao Local: questões de salubridade no Brasil ..................................................... 186<br />
4.3 O Desenho Urbano ............................................................................................................. 192<br />
4.4 O Mapeamento da Insalubridade em Desterro ................................................................... 204<br />
4.5 Espaço e Sociabilidade no processo de urbanização de Nossa Senhora do Desterro ......... 215<br />
CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 228<br />
REFERÊNCIAS E FONTES ................................................................................................... 235
13<br />
LISTA <strong>DE</strong> ILUSTRAÇÕES<br />
(Ilustração 01) Planta da Costa da ilha de Santa Catarina, anexo ao ofício relatando a situação das<br />
defesas da Ilha de Santa Catarina de autoria de Roberto Soares, escrevendo a bordo da Nau Sto<br />
Antonio, no momento na costa catarinense. 21 de novembro de1776. Acervo: Arquivo Nacional.<br />
Diversos códices 1612-195 (cód.798) ................. ........................................................... p. 39<br />
(Ilustração 02) Vida Comercial nas proximidades do antigo Mercado Público de Desterro,<br />
fronteiro à praça. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina ...................... p. 55<br />
(Ilustração 03) Planta Topográfica da Cidade do Desterro, levantada por ordem e na presidência<br />
da Província de Santa Catarina, por Alfredo D’Escragnolle Taunay, pelo engenheiro major<br />
Antonio Floriano Pereira do Lago e Carlos Othom Schlappal, 1876. Detalhe referente ao centro<br />
de Nossa Senhora do Desterro. Acervo Arquivo Histórico do Exército, setor de cartografia<br />
.................................................................................................................................................. p. 56<br />
(Ilustração 04) Vue de la cöte du Brèsil vis à vis de l`Ile de Stª Catherine (Brèsil). Desenho de<br />
Louis Choris – (21,8 cm x 26,8 cm) In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />
CATARINA. Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX.<br />
Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Assessoria Cultural, 1979. Prancha V p. 248<br />
................................................................................................................................................ p. 115<br />
(Ilustração 05) Foto de satélite da Ilha de Santa Catarina. Consultado em 06/01/2009<br />
http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br/sc/htm ...................................................................... p. 191<br />
(Ilustração 06) Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada por Ordem e na<br />
Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle<br />
Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom<br />
Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército). Observação: A<br />
planta compreende somente a parte edificada e sujeita à décima urbana<br />
............................................................................................................................................... p. 192<br />
(Ilustração 07) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do Desterro<br />
Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor.<br />
Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago<br />
e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército)<br />
VEIGA, Eliane Veras da. Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de<br />
Florianópolis: 1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História – UFSC; ALMEIDA,<br />
Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do
14<br />
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis. Monografia<br />
em História. Universidade do Estado de Santa Catarina .................................................. p. 205<br />
(Ilustração 08) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do Desterro<br />
Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor.<br />
Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago<br />
e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército).<br />
VEIGA, Eliane Veras da. Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de<br />
Florianópolis: 1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História – UFSC; ALMEIDA,<br />
Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do<br />
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis. Monografia<br />
em História. Universidade do Estado de Santa Catarina ..................................................... p. 211
15<br />
LISTA <strong>DE</strong> QUADROS<br />
(Quadro 01) Rezumo Geral de toda a população pertencente ao Governo da Ilha de Santa<br />
Catharina, formado pelos mapas que derão os officios de cada hum dos Distritos do mesmo<br />
Governo. Em 1º de janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto<br />
documental 3,3,17 ............................................................................................................p. 41-42<br />
(Quadro 02) Mapa das Embarcações que entrarão, e sahirão do porto da Capitania de Santa<br />
Catharina no anno de 1815. Autoria: Luiz Mauricio da Silveira. Santa Catharina, 7 de janeiro de<br />
1817. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto documental I, 31,29,18<br />
................................................................................................................................................... p. 54<br />
(Quadro 03) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina Antero José<br />
Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008<br />
.................................................................................................................................................. p. 58<br />
(Quadro 04) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina Antero José<br />
Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008<br />
.................................................................................................................................................. p. 59<br />
(Quadro 05) Tabela retirada da “Relação das qualidades de Madeiras da Ilha de Santa Catharina,<br />
que podem servir para construção de Imbarcações grandes e pequenas” elaborada por Joaquim<br />
Correa dos Santos no Rio de Janeiro 3 de setembro de 1798 ...................................... p. 102-103<br />
(Quadro 06) Mappa da quantidade de gêneros e efeitos que se exportão anualmente na Ilha de<br />
Santa Catharina, 1796. Acervo BN (códice 3,3,17) ............................................................. p. 156<br />
(Quadro 07) Tabela anexa ao Ofício de João Alberto de Miranda Ribeiro ao Conde de Resende,<br />
apresentando relatório sobre a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com<br />
dados estatísticos. Desterro, 17 de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc.<br />
130p. (códice 3,3,17) ............................................................................................................ p. 157<br />
(Quadro 08) Produção de Santa Catarina em 1808. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila<br />
Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa do seu litoral,<br />
de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819. Acervo: BN,<br />
Códice (II - 35,32,18 nº39) ................................................................................................... p. 158<br />
(Quadro 09) Produção de Santa Catarina em 1819. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila<br />
Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa do seu litoral,
16<br />
de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819. Acervo: BN,<br />
Códice (II - 35,32,18 nº39) ............................................................................................ p. 158-159<br />
(Quadro 10) Brasil Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 1860.<br />
Relatório da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.<br />
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/agricultura.html.consultado em 12-03-08 .................. p. 162<br />
(Quadro 11) Informações contidas no Relatório do Presidente da Província, Falla dirigida à<br />
Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina em 25 de março de 1874 pelo Exmo. Sr.<br />
Presidente da província, dr. João Thomé da Silva. Cidade de Desterro, typ. De JJ Lopes, 1874<br />
................................................................................................................................................ p. 164<br />
(Quadro 12) Ocupação dos escravos na Ilha de Santa Catarina no ano de 1872. Fonte:<br />
CAR<strong>DO</strong>SO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.<br />
Insular: Florianópolis, 2000 .................................................................................................. p. 172
17<br />
LEGENDA<br />
Quintaes: Antiga medida brasileira de massa, equivalente a quatro arrobas (cerca de 60 kg).<br />
Arroba: Antiga unidade de peso usada em Portugal, Espanha e países da América do Sul,<br />
equivalente a um quarto de quintal, ou seja, 14,688 kg. Atualmente, quando referida, é em geral<br />
arredondada para 15 kg.<br />
Braças: Medida de comprimento correspondente a dois braços abertos ou 2,2 metros.<br />
Litros: Antiga medida equivalentae a doze onças que era uma medida de peso que representa a<br />
décima sexta parte da libra e cujo valor é 30,549 g.<br />
Alqueires: Antiga medida para secos equivalente a quatro quartas ou 36,27 litros (em Lisboa<br />
13,8 litros, no Brasil entre 12,5 e 13,8 litros).<br />
Léguas: Essa medida pode variar de acordo com o período ou o local de seu emprego. Para esse<br />
texto consideramos a medida de légua de sesmaria, que equivale, aproximadamente, a 6,6<br />
quilometros.<br />
Datas: Porção de terras. Do latin, feminino de datus, de dare, dar.
INTRODUÇÃO<br />
18<br />
Originalmente, o presente trabalho pretendia ser uma analisa da Lei de Terras de 1850 e<br />
suas conseqüências para Ilha de Santa Catarina, especialmente de que forma a propriedade da<br />
terra, que passou a ser uma mercadoria de compra e venda, influenciou a devastação florestal e as<br />
práticas agrícolas na segunda metade do século XIX. Com o decorrer da pesquisa percebi, no<br />
entanto, o quanto as questões envolvendo terras, matas e agricultura eram mais amplas e<br />
envolviam também a porção urbana da Ilha.<br />
A partir dessa constatação o recorte temporal ampliou-se e recuou, procurando inserir-se<br />
no período designado pela historiografia como “Brasil Império” e um pouco antes, os últimos<br />
anos do “Período Colonial”. Isso basicamente circunscreveu a análise a um período de pouco<br />
menos de um século - últimos anos do século XVIII até o final do Império, no século XIX. Tal<br />
ampliação foi uma necessidade, pois, para entender as mudanças da Ilha de Santa Catarina, a<br />
partir da Lei de Terras, foi fundamental uma análise do período anterior a essa lei, elencando<br />
problemas e motivos que podem ter levado a elaboração da mesma e de outros textos legais sobre<br />
o tema.<br />
Esse caminho de retorno foi direcionado pelos próprios documentos encontrados no<br />
decorrer da pesquisa e se deu em todos os ângulos da análise, uma vez que a sincronia da relação<br />
floresta, agricultura e cidade é uma constante no texto, especialmente pelo objeto de estudo ser<br />
uma ilha. Conseqüentemente, delimita-se fronteiras físicas e, ao mesmo tempo, hibridiza-se<br />
fronteiras sociais e culturais dentro do território em questão.<br />
Usando o espaço restrito de uma ilha e os limites “naturais” impostos pela insularidade,<br />
podemos perceber com mais clareza pontos que em outros lugares ficariam mais dispersos ou<br />
diluídos e, talvez de forma ainda mais contundente, o entrelaçamento de questões que<br />
normalmente são tratadas de forma isolada pela história. No caso da Ilha de Santa Catarina as três
19<br />
questões que são tratadas no decorrer desse texto como as bases formadoras das feições<br />
sociais, culturais, econômicas e ambientais do local, durante e após o século XIX, são a floresta, a<br />
agricultura e a cidade, em todos os seus aspectos e transformações. A divisão da abordagem foi<br />
uma opção para podermos aprofundar mais cada uma das questões, porém a idéia central do<br />
trabalho é de que o mesmo seja um prisma, em que se observe, um de cada vez, os três ângulos –<br />
floresta, agricultura e cidade – de um mesmo objeto - a Ilha no século XIX.<br />
Em síntese, é um estudo regional, no qual grandes temas históricos foram examinados<br />
pelo prisma da história local. Neste, importantes questões, como a indústria madeireira ou a<br />
produção e aclimatação de espécies exóticas, que geraram paisagens altamente devastadoras e<br />
lucrativas como os canaviais e os cafezais aqui mesmo no Brasil, são considerados, mesmo que<br />
indiretamente, em sua relação com a história da Ilha. Essa realidade desencadeou ações locais<br />
como a maior ou menor produção de farinha de mandioca para exportação ou a extração de<br />
madeira.<br />
Esse, que para muitos historiadores é um período de análise longo, foi primordial para o<br />
desenvolvimento do trabalho, pois a proposta é a de ser um estudo das transformações ambientais<br />
e suas conseqüências sociais em uma região e a relação com seus habitantes. Trabalhar com um<br />
período de longa duração – ponto bastante comum em trabalhos de história ambiental –<br />
possibilita a ampliação do ângulo de visão em que se pode ver um ato isolado, como uma lei ou<br />
decreto, sair do papel, transformar-se, adaptar-se a uma realidade local e influenciar, de<br />
determinadas maneiras, a vida em sociedade ou o desequilíbrio causado pela exploração<br />
descontrolada de uma planta ou animal.<br />
A pesquisa de momentos políticos distintos, estratégias de colonização “inovadoras” - no<br />
caso da Ilha de Santa Catarina foi inovadora para os padrões portugueses - e visões diferentes dos<br />
atributos da natureza permitiram que se reconstituísse uma linha temporal do período proposto,<br />
analisando questões sociais e ambientais locais da Ilha, nosso “objeto de estudo”.
20<br />
Considerando que os grandes sistemas sociais e culturais elaborados no curso da<br />
história terminaram, inevitavelmente, por promover amplas conseqüências sobre o ambiente<br />
vivido, não menos do que sobre os homens, verificamos que os modelos de colonização e<br />
ocupação do território brasileiro seguiram essa máxima. A política portuguesa para o sul do<br />
Brasil, especificamente, poderia ter gerado modelos mais amenos de ocupação da terra, pois<br />
estimulava a pequena propriedade, ao contrário dos grandes latifúndios monocultores, que<br />
transformavam grandes áreas antes cobertas de uma fauna e flora diversificada em “tapetes” de<br />
um mesmo produto exótico. O resultado, no entanto, ao menos no que tange a devastação<br />
florestal, não diferiu muito.<br />
As várias etapas da devastação da Mata Atlântica, que cobria praticamente todo o litoral<br />
do Brasil, inclusive a Ilha de Santa Catarina, foram mudanças ambientais causadas basicamente<br />
em cinco séculos de ocupação. Elas manifestaram efeitos, muitas vezes inconscientes,<br />
provenientes de escolhas e de visões políticas que buscavam outros fins que não a devastação<br />
pura e simples. Essa inconsciência foi fruto do desconhecimento da floresta que se estava<br />
ocupando e transformando e de como ela reagiria a uma intervenção tão repentina. Não podemos<br />
esquecer que a Mata Atlântica é muito diferente das conhecidas florestas européias dos<br />
colonizadores. A devastação desenfreada não era vista como um problema, pois se desconhecia a<br />
dificuldade e demora da regeneração da mata. Quando as madeiras nobres começaram a rarear é<br />
que soou o sinal de alerta. A situação é similar a uma analogia que Maquiavel descreve em O<br />
Príncipe 1 ao dizer que o mal é fácil de curar e difícil de reconhecer no princípio, mas com o<br />
passar do tempo, não sendo no início conhecida e medicada a doença, torna-se fácil de<br />
reconhecê-la e difícil de curá-la. O mal causado à Mata Atlântica foi tardiamente reconhecido.<br />
Seguindo a premissa de que em história ambiental é necessário ampliar o período de<br />
análise para compreender mais profundamente causas e efeitos, nos propomos aqui a questionar<br />
1 MACHIAVELLI, Nicolò. O Príncipe. 31 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999., p 33.
21<br />
alguns pontos da história tradicional já escrita sobre a Ilha. Essa ampliação do foco vai ao<br />
encontro das palavras de John McNeill, ao se referir às grandes mudanças ecológicas do final do<br />
século XIX e XX:<br />
em termos ecológicos, a situação atual se diferencia enormemente de qualquer<br />
status duradouro e mais “normal” que tenha caracterizado o mundo no curso da<br />
história do homem; para não dizer no curso da história da Terra. Se pudéssemos<br />
viver 700 ou 7000 anos entenderíamos simplesmente na base da experiência e<br />
da memória. Mas para seres que vivem uns 70 anos ou pouco mais é necessário<br />
o estudo do passado, recente e remoto para chegar a conhecer aquilo que entra<br />
no campo das possibilidades e do que é possível ser duradouro. 2<br />
O trabalho também discute e justifica a insatisfação com a historiografia tradicional que<br />
através de relatos grandiosos sobre “heróis” colonizadores passa uma idéia incompleta da história<br />
local. Uma das lacunas está na ausência do fator ambiental e sua devida importância na<br />
constituição econômica, social e política da Ilha.<br />
Sendo assim, a proposta deste texto é reconstruir e analisar a história da Ilha de Santa<br />
Catarina no século XIX, explorando o papel da natureza na tomada de atitudes, nas mudanças<br />
sociais e culturais, na agricultura e no desenvolvimento urbano. Tal abordagem da história,<br />
designada como história ambiental, nada mais é que uma análise da relação do homem com a<br />
natureza nos locais por ele habitados e modificados. Considera-se que as enormes mudanças<br />
ecológicas verificadas desde o século XIX, e especialmente no XX, indicam que a história<br />
também é o estudo do ambiente, uma vez que o homem é parte da natureza que ele transforma.<br />
As questões globais analisadas em âmbito regional, proposta deste trabalho como<br />
assinalado acima, possibilitam a identificação, entre permanências e rupturas, de uma<br />
continuidade; por exemplo, nos métodos de extração da madeira, na preparação dos terrenos para<br />
a agricultura, na secagem dos pântanos e na derrubada das árvores ou nas queimadas. Por outro<br />
lado, verificamos, entre outras especificidades de viver em uma ilha, uma relação nova com o<br />
2 McNEILL, John R. Something New Under the Sun. An Environmental History of the Twentieth-<br />
Century World. New York: Norton, 2000., p. 461.
22<br />
mar e com as praias, especialmente na segunda metade do século XIX. Esses tópicos, quando<br />
unidos e questionados como fazendo parte de um universo maior de transformações, trazem à<br />
tona a estreita ligação entre homem e meio ambiente e a idéia de progresso da época.<br />
Isso nos permite perceber a dicotomia problemática entre o campo e a cidade em um<br />
espaço em que tais elementos convivem diariamente, sendo estreito o percurso dos alimentos<br />
produzidos no campo e consumidos na cidade. As distâncias são pequenas e confundem-se a<br />
ponto de estarem “diluídas” no dia-a-dia das pessoas, por vezes tornam-se elementos<br />
imperceptíveis. Também pode ser entendida como uma insatisfação com os limites, que no caso<br />
da Ilha de Santa Catarina é mais de ordem política que geográfica ou cultural, uma vez que esses<br />
estão em interação constante, especialmente na primeira metade do século XIX. Essa formação<br />
híbrida da atual “cara” da Ilha, que consegue conciliar em um mesmo espaço a floresta, a cidade<br />
e a agricultura também é um dos focos dessa análise.<br />
O marco inicial da última década do século XVIII, dentro do critério explicitado acima,<br />
referiu-se à publicação da carta régia assinada pela rainha Dona Maria I no ano de 1797, na qual<br />
indicava uma preocupação maior com o mapeamento das riquezas vegetais da então colônia. De<br />
acordo com o texto, a Coroa requisitava a propriedade total, não só das espécies de “madeiras de<br />
lei”, mas de todas as árvores existentes na faixa de 10 léguas (aproximadamente 66 quilômetros)<br />
da costa e das margens de “rios que desemboquem imediatamente no mar, e por onde em<br />
jangadas se possam conduzir as madeiras cortadas até as praias”. 3<br />
Essa medida afetava<br />
diretamente a Ilha de Santa Catarina, menos por sua aplicação real, que se seguida literalmente,<br />
transformaria a Ilha em propriedade exclusiva da Coroa; porém por uma maior observação do<br />
desflorestamento, tanto por parte dos políticos locais como de viajantes estrangeiros ou dos<br />
próprios ocupantes das terras.<br />
3 Carta Régia de 13 de março de 1797, Apud. SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação Florestal. Rio de<br />
Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934., p.20-21.
23<br />
Esses últimos anos do século XVIII foram prolíficos em matéria de leis para a<br />
conservação das matas do Brasil. O enfoque continuava sendo preponderantemente utilitarista,<br />
mas novas idéias de preservação já começavam a surgir. Aliado à isso, o crescimento comercial e<br />
a redefinição dos espaços urbanos e rurais na Ilha, principalmente em meados do século XIX,<br />
foram desencadeadores de uma grande metamorfose em hábitos e costumes dos homens, no<br />
meio-ambiente e nas práticas cotidianas. A própria noção de progresso deixou de estar associada<br />
unicamente à necessidade de “limpar” a terra de suas matas para o povoamento e para o<br />
desenvolvimento agrícola e urbano. Passaram por debates políticos ou pela imprensa local<br />
questões como o controle da poluição, potabilidade de água e necessidade de espaços<br />
arborizados, esses sim os novos sinônimos de progresso de grandes cidades da Europa e dos<br />
Estados Unidos no século XIX.<br />
Para essa análise procurou-se coligir as principais fontes de história catarinense, muitas<br />
delas já longamente citadas em trabalhos anteriores de autores tradicionais e outras, novas<br />
referências e documentos que, através da história ambiental, podem ser lidos como peças<br />
fundamentais no “quebra-cabeça” da história local. Legislação colonial e imperial, manuais<br />
agrícolas, falas e relatórios de governadores e presidentes de província, cartas e tabelas de<br />
exportação e importação aliaram-se à mapas urbanos e rurais da Ilha, mapas de cobrança da<br />
décima urbana, documentos referentes à indústria madeireira e construção naval, além de dados<br />
sobre vegetação, solo e clima dão a dimensão das informações que foram analisadas e cujo<br />
resultado está sendo apresentado.<br />
A proposta de desenvolvimento do texto opta por “separar” a floresta das áreas agrícolas e<br />
da cidade. A floresta é colocada como uma questão a ser analisada, bem como a agricultura e a<br />
urbanização, porém não está de modo temporal, geográfico e social isolado na história da Ilha de<br />
Santa Catarina. Também, não acreditamos que a floresta como “floresta” e como “reserva de<br />
recursos” tenha tido um único momento de exploração que quando encerrado deu lugar à
24<br />
agricultura ou à áreas urbanas, apenas a “separamos” de outros dois pontos considerados<br />
balizas da história ambiental local: agricultura e urbanização, por questões metodológicas.<br />
O texto inicia com a apresentação do objeto e a análise teórica do tema e da área em que<br />
ela se insere, ou seja, a história ambiental. Os conceitos mais importantes usados no decorrer do<br />
trabalho - muitas vezes adaptados a cada uma das disciplinas que os utilizam -são analisados do<br />
ponto de vista da história e da temporalidade em questão, o século XIX. Também buscamos tratar<br />
da formação das características sociais e ambientais da Ilha de Santa Catarina no início desse<br />
século e como essas mesmas características foram adquirindo novos contornos nas décadas<br />
seguintes. Partindo da imigração açoriana e madeirense e do processo de instalação dessas<br />
pessoas em uma porção do território brasileiro afastado da sede administrativa, observamos a<br />
constante interação dessa nova população com a natureza local e as conseqüências desse modelo<br />
de ocupação baseado na pequena propriedade agrícola familiar.<br />
Quem eram essas pessoas, a faixa etária e como foi o contato com a natureza local<br />
também são pontos abordados na tentativa de compreender suas futuras ações de transformação<br />
ambiental e seu relacionamento com o continente fronteiro e com locais mais distantes através do<br />
porto e da entrada e saída de produtos, embarcações e pessoas. Compreendidos os fatores da<br />
formação da nova sociedade da Ilha e formado esse “cenário” entramos na análise específica do<br />
que foi designado no decorrer da pesquisa como “vetores de transformação da Ilha de Santa<br />
Catarina”: a floresta, a agricultura e a cidade.<br />
A Ilha de Santa Catarina, povoada escassamente até meados do século XVIII, longe,<br />
praticamente isolada da capital da colônia, era coberta de florestas que sofreram, como toda a<br />
faixa de Mata Atlântica brasileira, com o desmatamento desordenado. O Brasil demorou a<br />
elaborar e aplicar uma legislação específica sobre o tema das florestas, tanto sobre sua exploração<br />
como sua preservação, e quando o fez foi uma tentativa, se não de corrigir ao menos amenizar, o<br />
problema da escassez de madeiras para a manutenção da frota naval portuguesa.
25<br />
Porém, é importante não generalizar a dinâmica desse processo de transformação, que<br />
passa pelos usos atribuídos à madeira nesses diferentes períodos da história e no grau de<br />
ocupação humana nas áreas de Mata Atlântica e na Ilha de Santa Catarina em especial. A riqueza<br />
madeirável local e a maneira como foi utilizada está diretamente relacionada à forma como foi<br />
percebida. A madeira, o componente dessa paisagem entendido como recurso rentável, não era o<br />
objetivo principal dos colonizadores da Ilha e por isso sua derrubada era apenas um passo a mais<br />
para chegar a uma roça de mandioca ou de milho, ou outro qualquer produto agrícola. Essa era a<br />
função para a qual a maioria desses habitantes estava destinada desde a chegada ao local como<br />
imigrantes. Tais madeiras, quando extraídas, se dessem lucro seria muito bom, mas essas pessoas<br />
não eram madeireiros.<br />
A legislação sobre o tema proporcionou certo controle, ao menos na teoria, na exploração<br />
das matas. Estava definido o uso atribuído às melhores peças de madeira e, conseqüentemente, do<br />
que os habitantes locais poderiam dispor. Esse fato, aliado à facilidade da derrubada, provocou<br />
uma grande devastação nos mangues da Ilha, especialmente nos localizados próximos à vila e<br />
depois cidade de Nossa Senhora do Desterro, para uso nas caieiras e engenhos. A derrubada era<br />
fato nas proximidades da maioria das vilas e cidades do Brasil. O segundo capítulo dedica-se a<br />
analisar esse vetor do processo de transformação da local desde os anos finais do século XVIII e<br />
o século XIX. Somando a isso, a releitura de correspondências entre políticos locais e o Vice Rei,<br />
leis, decretos, mapas e livros de receita e despesas entre outros documentos, contribuíram para<br />
agregar a natureza à história da região. Essa tarefa de rever documentos e obras tem a importante<br />
função de lançar mais luz a um processo peculiar de transformação da paisagem e da vida social<br />
desse ponto do Brasil que foi uma parcela pequena de uma indústria madeireira insipiente em<br />
todo o território brasileiro nos séculos XVIII e XIX, mas que é, certamente, uma parcela da<br />
história da devastação da Mata Atlântica brasileira baseada na noção de progresso vigente.
26<br />
Outro vetor desse processo de transformação é a agricultura. Longamente analisada,<br />
estudada e possivelmente, uma das áreas de maior interesse de políticos e intelectuais do Império.<br />
Essa área produziu textos, livros e cartilhas com orientações para preservação e melhor<br />
aproveitamento das matas, rios e, especialmente, da terra para fins agrícolas.<br />
Buscando analisar esses documentos, associando-os a textos e correspondências oficiais,<br />
mapas de produção, exportação e importação da Ilha, o terceiro capítulo apresenta um panorama<br />
das técnicas agrícolas, produtos e produtores dessa área do Brasil, tida muitas vezes como<br />
laboratório de novos cultivos. Também se aborda a terra do ponto de vista político e econômico,<br />
a questão das sesmarias no início do século e dos lotes comprados na segunda metade do XIX. A<br />
terra como substrato natural, rica em nutrientes e apta a produzir determinados grãos e como os<br />
agricultores locais lidaram com isso, são outros aspectos também analisados.<br />
Por fim, o quarto capítulo trata da ordenação do espaço urbano iniciado com o século<br />
XIX, mas que teve um desenvolvimento mais significativo em sua segunda metade. Nas colônias<br />
portuguesas como nas espanholas ou inglesas esse ordenamento seguiu regras de desenho e<br />
disposição de prédios e praças. No mundo lusitano, especificamente, essas normas eram as<br />
Ordenações do Reino. A princípio as Ordenações Afonsinas, depois as Manuelinas e, a partir de<br />
1603 as Filipinas, promulgadas durante a união das coroas portuguesa e castelhana. Essas<br />
permaneceram em vigor por mais tempo, mantendo alguns de seus aspectos durante o Império<br />
até princípios da República.<br />
Porém, no que tange as questões de ordenamento físico citadino nas cidades brasileiras,<br />
essas ordenações, segundo Marx, tiveram um caráter lacônico e até dispersivo, em muitos casos<br />
pode-se dizer que eram genéricos 4 , não consideravam peculiaridades geográficas ou ambientais<br />
de cada local e por isso eram muitas vezes adaptadas. Coube mais diretamente às Posturas<br />
Municipais o desenho das diversas facetas da paisagem urbana brasileira, em especial nos dois<br />
4 MARX, Murilo. Cidade no Brasil terra de quem São Paulo: Nobel; Edusp, 1991., p. 35.
27<br />
primeiros séculos de colonização. Posteriormente, e em especial com a elevação de freguesias<br />
a vilas, os cuidados mudaram. É difícil, no entanto, não considerar as feições “espontaneamente”<br />
adquiridas pela vizinhança com capelas, irmandades, foreiros, e outros elementos dos<br />
aglomerados populacionais coloniais.<br />
A Igreja, porém, que centraliza a vida citadina, funciona também como órgão<br />
de descentralização. Quando a competição por espaços na vizinhança da matriz<br />
se extrema, e a cidade cresce, é sempre ao pé da nova capela que se inicia o<br />
desdobramento de novas áreas. A cidade então se divide em paróquias ou<br />
freguesias, designações eclesiásticas que definem a dominância na Igreja na<br />
vida colonial. 5<br />
Esses elementos e a relação dos “novos” aglomerados urbanos, em especial a vila e depois<br />
cidade de Nossa Senhora do Desterro, com a natureza local são o objetivo desse capítulo. Onde a<br />
cidade instalou-se, como e com que custos para homens e meio ambiente. O que se transformou e<br />
o que foi destruído para a criação desse novo elemento que é o homem da cidade, percebido em<br />
construções, documentos, monumentos e comportamentos.<br />
Esses elementos, somados às novidades em termos arquitetônicos, que chegaram em<br />
Desterro no século XIX, como os sobrados, que antes eram raros, ou as latrinas nas propriedades<br />
mais ricas, demonstram os primeiros passos mais palpáveis do processo de urbanização da<br />
cidade. Outras questões como a iluminação pública com lampiões no terceiro quartel do século e<br />
o abastecimento de água potável com carroças, também no mesmo período, dão a dimensão da<br />
metamorfose urbana sofrida por Desterro ao adquirir contornos de cidade, mesmo que minúscula,<br />
e deixa sua faceta de vila agrícola para trás.<br />
Levando em conta essas abordagens, tenta-se explorar como, no caso da Ilha de Santa<br />
Catarina, a natureza é colocada a “serviço” de projetos sociais, econômicos e políticos, fazendo<br />
uma análise das relações que esses projetos estabelecem com esse espaço, aqui entendidos ao<br />
5 MARX, Murilo. Cidade no Brasil terra de quem São Paulo: Nobel; Edusp, 1991., p. 35.
28<br />
mesmo tempo como realidade biofísica e produção cultural da ação humana. 6 Essa abordagem<br />
permitirá entender a ocupação da Ilha pela agricultura e pela cidade e suas conseqüências não só<br />
ambientais, mas no que diz respeito às práticas sociais e às culturas locais.<br />
Esses vetores, quando bem separados e explicados permitem uma compreensão unificada<br />
e profunda – a observação e compreensão de diferentes ângulos de um mesmo prisma - do<br />
conjunto que é a sociedade e a natureza da e na Ilha de Santa Catarina no século XIX, que oscilou<br />
entre devastação e progresso, mas que foi, na verdade, um constante processo de transformação.<br />
6 ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões. Bauru: EDUSC, 2000., p. 136.
I<br />
FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA ILHA <strong>DE</strong> SANTA<br />
CATARINA<br />
Praticamente, os homens só conhecem o<br />
ambiente em função do proveito que dele<br />
tiram, e nele vêem apenas o que nele<br />
procuram. 1<br />
1.1 Açorianos e Madeirenses em uma nova ilha.<br />
O século XIX foi um período de intensas mudanças para o Brasil e não menos para<br />
a Ilha de Santa Catarina. O pequeno povoado, colonizado por açorianos e madeirenses, que<br />
iniciou o século cercado de matas e com algumas roças para a produção de bens de primeira<br />
necessidade foi mudando gradativamente. Ainda no período colonial doaram-se diversas<br />
sesmarias na Ilha e com a proibição dessa prática após a independência, muitas foram as<br />
posses de terrenos. O conseqüente processo de transformação ambiental foi percebido pela<br />
derrubada das matas locais, o surgimento de novas freguesias no interior da Ilha e também<br />
pelo crescimento da cidade de Nossa Senhora do Desterro.<br />
Antes disso, essa porção do território brasileiro era habitada originalmente por<br />
índios tupi-guaranis, porém, esses indígenas não são mencionados como habitando a Ilha<br />
desde o final do século XVII, a não ser pelos índios que vieram com Dias Velho quando o<br />
povoado de Nossa Senhora do Desterro foi fundado oficialmente. Em relato de Henrique da<br />
Silva Fontes isso ocorreu quando esse paulista chegou, por volta de 1673, acompanhado de<br />
1<br />
BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.<br />
Enciclopédia Einaudi. Ambiente. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989. v. 8.,<br />
p. 22.
30<br />
“cento e tantos homens de sua administração para fazer povoação onde melhor sítio<br />
descobrisse (...) e descobriu as excelentes terras da Ilha de Santa Catarina”. 2<br />
Pontualmente, no que diz respeito à Ilha, a Floresta Ombrófila Densa (FOD) 3 era a<br />
formação vegetacional original. Dentro dessa formação que inclui manguezais, praias,<br />
dunas e restingas, cerca de ¾ da cobertura vegetal eram de florestas. Mais especificamente,<br />
o território da Ilha de Santa Catarina de 423 km² tinha, originalmente,<br />
90% de sua área coberta por vegetação nativa, sendo 74% desta<br />
vegetação composta de Mata Atlântica, 9% de manguezais e 7% de<br />
vegetação de praia, duna e restinga. O restante era ocupado por dunas<br />
sem vegetação (4%) e por lagoas (6%). 4<br />
Quanto à sua ocupação, até por volta de 1711, Nossa Senhora do Desterro possuía<br />
147 moradores, em sua maioria pescadores de origem lusa – número que não inclui<br />
escravos e índios. 5 Nesse período o território do Brasil estava dividido em sesmarias 6 e<br />
freguesias 7 , essas eram ligadas à jurisdição de vilas maiores. Após 1726, a então Freguesia<br />
2 FONTES, Henrique da Silva.(1965). In: PEREIRA, Nereu do Vale (org.). Memória Histórica da<br />
Irmandade do Senhor Jesus dos Passos. 1997., p. 25, v. 1. OBS: Segundo Lucas Boiteux arrolou,<br />
baseado em inventário de Dias Velho, vieram com ele 142 índios e 25 escravos negros. In:<br />
BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História de Santa Catarina. Florianópolis: Livraria<br />
Moderna, 1912.<br />
3 Mata Atlântica stricto sensu, localizada no litoral até a Serra Geral, do Mar e do Espigão.<br />
GUERRA, Miguel P. et. al. “Exploração, manejo e conservação da araucária (Araucaria<br />
angustifolia). In: SIMÕES, Luciana L., LINO, Clayton F. (Org.) Sustentável Mata Atlântica: a<br />
exploração de seus recursos florestais. São Paulo: Ed. SENAC, 2002. p. 86.<br />
4 Centro de Estudos Cultura e Cidadania. Uma cidade numa Ilha: relatório sobre os problemas<br />
sócio ambientais da Ilha de Santa Catarina – CECA – Florianópolis: Insular, 1996., p. 42.<br />
5 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Memória histórica, authentica, sincera, pictoresca e<br />
sentimental da Villa, depois cidade de Nossa Senhora do Desterro da ilha de Sancta<br />
Catharina, dos casos raros alcunhada: memória. Florianópolis: UFSC, 1971. 2v.<br />
6 Sesmaria é um pedaço de terra devoluta ou cuja cultura foi abandonada e que era doada a um<br />
sesmeiro sob condição de que ela fosse aproveitada com construção de benfeitorias e produção<br />
agrícola. Era propriedade do rei de Portugal e doada em nome da Ordem de Cristo, sua origem<br />
remonta a uma tradição medieval e era regida pelas Ordenações Manuelinas e, posteriormente,<br />
Filipinas. Vigorou no Brasil até 1823 quando foi extinta para, depois de 27 anos, em 1850, dar lugar<br />
à posse de terra por compra e venda.<br />
7 Freguesia era o distrito de uma paróquia. No caso da Ilha de Santa Catarina freguesias eram<br />
comunidades que surgiram em torno de igrejas ou capelas no interior da Ilha, o equivalente<br />
aproximado aos atuais bairros do município de Desterro.
31<br />
de Nossa Senhora do Desterro é elevada à vila e Capital da Capitania de Santa Catarina,<br />
separando-se da jurisdição da Vila de Laguna que até aquele momento era a vila mais<br />
importante da Capitania. Nesse período inicia-se, por parte de Portugal, uma maior<br />
preocupação com a colonização da área, que devido a sua distância do Rio de Janeiro,<br />
capital da colônia, estava mais distante também das leis e sujeita a invasões inimigas. Nesse<br />
caso a ameaça vinha da Espanha, profundamente interessada no local por ser ponto<br />
estratégico ao sul das Américas. Uma vez que as terras fossem colonizadas seriam mais<br />
dificilmente invadidas.<br />
A fundação de vilas no período colonial era autorizada por cartas régias, as mesmas<br />
que impunham algumas obrigações às novas Câmaras Municipais, dentre elas a obrigação<br />
de cercá-las e de definir os planos urbanísticos a serem adotados. Em 1738 chegou à Ilha o<br />
Brigadeiro José da Silva Paes e deu-se a construção da Casa de Governo e de quatro<br />
fortalezas, além da promoção de um alistamento de açorianos que quisessem emigrar para<br />
essa parte do Brasil.<br />
É preciso lembrar que os séculos XIV, XV e XVI, naquele arquipélago, foram<br />
seguidamente sujeitos a todo tipo de desastres naturais como vulcanismo, terremotos e<br />
maremotos, além de surtos de peste bubônica e outras epidemias. Já no final do século XVI,<br />
mais especificamente no ano de 1593, a agricultura foi grandemente prejudicada por<br />
questões climáticas. Poderia ter sido esse o ponto culminante nos problemas locais do<br />
século, porém, em 1599 e 1600 houve um surto de peste bubônica que dizimou o<br />
arquipélago, especialmente a ilha Terceira que teve mais de sete mil mortos. Os séculos<br />
XVII e XVIII não foram diferentes no que tange às bruscas transformações ambientais que<br />
forçosamente colocaram em eminência um reordenamento social. Em 1744, um ciclone<br />
tropical causou grandes estragos que culminaram, no ano de 1745-46, com um mau ano<br />
agrícola, provocando fome generalizada. A emigração passou a ser condição de
32<br />
sobrevivência e o alvará régio oferecendo benefícios para quem o fizesse foi<br />
providencial. O alistamento efetivou-se em 31 de agosto de 1746 quando D. João V<br />
determinou que se afixassem nas Ilhas dos Açores e da Madeira o edital que abria as<br />
inscrições para quem quisesse emigrar. De acordo com o texto,<br />
atendendo as representações dos moradores das Ilhas dos Açores, que<br />
tem pedido mandar tirar de lá o número de casais que for servido, e<br />
transportá-los à América, donde resultará às ditas Ilhas grande alívio em<br />
não ver padecer os seus moradores, reduzidos aos males em que trás<br />
consigo a indigência em que vivem. 8<br />
Além disso, o edital ressaltava o grande benefício que resultaria ao Brasil, já que os<br />
imigrantes iriam cultivar terras ainda não exploradas. 9 Pobres, miseráveis, subempregadas<br />
nas mais variadas funções, muitas vezes pouco ou nada relacionadas à agricultura<br />
compunham as famílias que vieram para a Ilha de Santa Catarina. Entre 1748 e 1756<br />
chegam quase cinco mil açorianos e madeirenses à Desterro. 10 Esses deveriam cumprir a<br />
obrigação de ter, os homens não mais de 40 anos e as mulheres não mais de 30. Outro<br />
procedimento seguido durante a inscrição desses futuros emigrantes foi, segundo Piazza, a<br />
anotação, “além dos nomes, a naturalidade, a idade, a profissão, a estatura, a cor do cabelo,<br />
a cor da pele, o formato do rosto, a cor dos olhos, a forma do nariz e da boca, a forma da<br />
barba, e estado civil e se casado o nome da mulher e a filiação desta”. 11<br />
A instalação na Ilha se daria em lotes previamente demarcados e, de acordo com os<br />
editais de convocação, os novos habitantes receberiam<br />
uma espingarda, duas enxadas, um enxó, um martelo, um facão, duas<br />
facas, duas tesouras, duas verrumas e uma serra com sua lima e<br />
8 CABRAL, Oswaldo R. Os açorianos. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa<br />
Catarina, 1950., p. 15<br />
9 Edital de 31 de agosto de 1746 de autoria de D. João V. In: CABRAL, Oswaldo. História de<br />
Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987.,p. 72.<br />
10 Ibid., p.73.<br />
11 PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açorico-Madeirense. Florianópolis: Lunardelli, 1992., p. 22.
33<br />
travadeira, dois alqueires de sementes, duas vacas e uma égua, e no<br />
primeiro ano farinha para o sustento, assim dos homens como das<br />
mulheres, mas não as crianças que não tiverem 7 anos e, aos que tiverem<br />
até os 14, se lhes dará quarta e meia de alqueire para cada mês. Se dará a<br />
cada casal um quarto de légua em quadro para principiar as suas culturas,<br />
sem que se lhes levem direitos nem salários algum por esta sesmaria. E<br />
quando, pelo tempo adiante tiverem família com que possam cultivar<br />
mais terra, o poderão pedir ao governador do distrito. 12<br />
Quase um ano depois, em 9 de agosto de 1747, uma provisão régia determinava os<br />
cuidados que o governador da Ilha, o Brigadeiro José da Silva Paes, deveria ter com os<br />
colonos. Mesmo afirmando, no Edital de 1746, que na Ilha de Santa Catarina “a fertilidade<br />
da terra, a abundância de gados e a grande quantidade de peixes conduzem muito para a<br />
comodidade e fartura desses novos habitantes”, 13 a autoridade real ressaltava a importância<br />
de tratar bem os colonos. Foi destacada a necessidade de acolhê-los e agasalhá-los, além de<br />
instalá-los “na Ilha como terras adjacentes, desde o Rio São Francisco do Sul até o Serro de<br />
São Miguel, nos altos da Serra do Mar, e no sertão correspondente a este distrito, com<br />
atenção porém que se não dê a justa razão de queixa aos espanhóis confinantes”. 14<br />
Dificilmente podemos averiguar hoje o cumprimento de todas essas incumbências<br />
por parte da Fazenda Real, mas podemos ter uma idéia ao analisarmos as reclamações da<br />
Câmara referentes à falta de dinheiro para contratar pessoas capazes para efetuar as<br />
demarcações dos lotes e o quanto isso foi feito de maneira irregular. Muitas vezes, a<br />
legitimação da posse, através de uma carta de sesmaria, só ocorria muitos anos após a<br />
ocupação da terra, gerando alguns conflitos de limites com vizinhos.<br />
O povoamento “programado” por açorianos e madeirenses com o objetivo de<br />
ocupar a Ilha de Santa Catarina e afastar possíveis investidas de outros Impérios sobre esse<br />
12 Edital de 31 de agosto de 1746 de autoria de D. João V. In: CABRAL, Oswaldo. História de<br />
Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987., p.73.<br />
13 Ibid., p 74.<br />
14 PORTUGAL. Provisão Régia do Rei D. João V, de 9 de agosto de 1747. Cópia da Provisão Régia<br />
In: www.buratto.net/sc-gen/acorianos.html. Consultado em 22/01/2009.
34<br />
porto estratégico, foi reforçado pela tradição portuguesa de sesmarias. Tradição que<br />
remonta ao período medieval, no qual as terras estavam sob o domínio da Coroa, do rei, da<br />
nobreza, do clero, ou outras ordens monásticas; eram propriedades alodiais ou eram terras<br />
comunais administradas pelos conselhos locais. 15<br />
É na distribuição das terras dos<br />
Conselhos que está a origem do sistema sesmarial que aliado à uma variante da Enfiteuse 16<br />
grego-romana tentava coibir excessos nas apropriações de terras. 17 Das sesmarias no Brasil<br />
exigia-se o cultivo da terra em um tempo determinado, sendo que, o não cumprimento<br />
dessa condição poderia tornar o domínio da gleba novamente comunal. “A origem do nome<br />
sesmaria está ligada à organização territorial dos Conselhos. Para melhor distribuir os<br />
casais, passou-se a dividir as terras dos Conselhos em ‘sesmos’, ou sextas partes”. 18<br />
No caso do Brasil, as sesmarias eram doadas através das donatarias e capitanias<br />
hereditárias desde 1534 19 , sendo que as glebas só eram distribuídas à cristãos e que<br />
“possuíssem condições de aproveitá-las e de pagar o dízimo as ordens religiosas, aos<br />
‘amigos’ do Rei e funcionários da Câmara”. 20<br />
15 ABREU, Maurício. A Apropriação do território no Brasil Colonial. In: CASTRO, I. E.; GOMES,<br />
P. C. C. & CORREA, R. L. (orgs). Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,<br />
1997. pp. 197-245.<br />
16 A enfiteuse (ou aforamento) é um contrato de alienação territorial que divide a propriedade de um<br />
imóvel em dois tipos de domínio: o domínio eminente, ou direto, e o domínio útil, ou indireto. Ao<br />
utilizar um contrato enfitêutico o proprietário de pleno direito de um bem não o transfere<br />
integralmente a terceiros. Apenas cede seu domínio útil, isto é, o direito de utilizar o imóvel e de<br />
nele fazer benfeitorias, retendo, entretanto, para si o domínio direto, a propriedade em última<br />
instância. Em troca do domínio indireto que lhe é repassado, o outorgado aceita uma série de<br />
condições que lhe são impostas, e obriga-se também a pagar uma pensão anual (ou foro) ao<br />
proprietário do domínio direto, razão pela qual transformava-se em foreiro deste último. Não<br />
cumprindo o foreiro as condições do contrato, o domínio útil reverte ao detentor do domínio direto.<br />
In: ABREU, Maurício. A Apropriação do território no Brasil Colonial. Op.cit., p.201.<br />
17 Ibid., p. 200.<br />
18 Ibid., p. 202.<br />
19 FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio<br />
de Janeiro. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed.: Garamond, 1999.,p.125.<br />
20 Ibid., p. 125-126.
35<br />
Com relação à Ilha de Santa Catarina, as doações de sesmarias ainda se davam no<br />
início do século XIX, muitas vezes em resposta a pedidos antigos que ficaram perdidos nos<br />
meandros burocráticos da época. Em registro na Diretoria de Geografia e Terras de 16 de<br />
maio de 1806 o Tenente de Infantaria e Secretário do Governo local, Thomé Francisco de<br />
Souza Coutinho, descrevia uma sesmaria no norte da Ilha:<br />
Faço saber aos que esta minha carta de sismaria virem que atendendo a<br />
representar-me Manoel Espindola de Veiga, cazado morador da vargem<br />
pequena do Rio Ratones Distrito da Freguesia de Nossa Senhora das<br />
Necessidades que elle se achava de posse de duzentas braças de terras de<br />
frente em hum triângulo que acabava em um ponto agudo com duzentas e<br />
cincoenta de fundo na sua maior extensão, as quaes depois se verificou<br />
pela medição achar-se cento, e setenta, e cinco braças em quadro; cujas<br />
terras lhe foram dadas por conta da data que lhe pertencia como cazal<br />
donvivo das Ilhas dos Assores, que se achavam devolutas no lugar<br />
denominado o Moquém da dita margem, confrontando a sua frente com<br />
terras de Manoel Antonio Santiago, correndo os fundos atte as vertentes<br />
do Morro, Extremando pela parte Leste com Manoel de Espindola,<br />
espelha do Oeste com Francisco dos Santos, correndo a Linha da Frente a<br />
Nordeste quarta de Leste, como tudo constava da Certidão do<br />
Demarcador de 8 de maio do corrente anno. 21<br />
Essa, como as outras sesmarias concedidas na Ilha de Santa Catarina, continha em<br />
sua carta de registro, condições de “uso” da terra e do que havia sobre ela, tais como<br />
promover o cultivo, construir benfeitorias, caminhos nas testadas de pontes e servidão<br />
pública, não podendo suceder na posse dessa data de terra pessoa eclesiástica ou religião. 22<br />
Além dessas obrigações, não faziam parte de qualquer data minas ou qualquer metal que<br />
por acaso se descobrisse, sendo reservados à Coroa também os “paus reais” existentes nas<br />
terras. 23<br />
21 Registro de hua Sismaria de Manoel Espindola da Veiga. De folhas 189 a 190v. do livro<br />
“Registro de Sesmarias”, de 1753 a 1806, n.201. vol. 1º - Diretoria de Geografia e Terras. In:<br />
RIHGB, 1º Semestre 1943, p. 149.<br />
22 FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei. Op.cit., p.126.<br />
23 Ibid., 149.
36<br />
A concessão de sesmarias nesse período podia ser feita apenas pelos<br />
governadores e capitães-generais. Tal disposição impedia que os capitães mores e os<br />
governadores subalternos fizessem doações, exceto por disposição especial que lhes<br />
conferisse tal poder. Foi o que ocorreu com o governador de Santa Catarina que fez<br />
concessões de terras com tamanho equivalente a um quarto de léguas em quadro autorizado<br />
por provisão de 9 de agosto de 1747. 24<br />
Segundo o autor, “a extensão da sesmaria, por seu turno, não havia de exceder, no<br />
máximo, de três léguas, e nalgumas capitânias era, até, fixada em uma légua, e noutras,<br />
ainda, somente em meia légua”. 25 Foi o que aconteceu em Santa Catarina e deveu-se à idéia<br />
da implantação de pequenas propriedades. A terra correspondente a um quarto de légua em<br />
quadro era concedida a cada casal açoriano ou madeirense para principiar sua cultura. De<br />
acordo com as indicações da Fazenda Real as terras deveriam ser distribuídas em locais<br />
próprios para fundar novas freguesias com uma média de 60 casais. 26 Essa indicação dos<br />
locais de sertão para as doações foi, em casos como o do Rio de Janeiro, ordenada ao<br />
Capitão-General pela carta Régia de 23 de fevereiro de 1713 que declarava que as<br />
sesmarias na cidade deviam ser concedidas pela Câmara. 27 Isso ocorria devido à cobrança<br />
da décima urbana. Esse imposto incidia sobre os terrenos circunscritos ao que a Câmara<br />
Municipal definia como área urbana e era ela que demarcava e fiscalizava as concessões e<br />
que cobrava o tributo.<br />
As primeiras descrições do desenho urbano de Desterro mostram certo<br />
“acanhamento” de proporções, mas seus autores, geralmente viajantes e naturalistas<br />
24 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil – sesmarias e terras devolutas. Fac-<br />
Símile da 4ª edição, 1990., p. 43.<br />
25 Ibid., p.45.<br />
26 CABRAL: Os Açorianos., Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina, 1950., p.<br />
15.<br />
27 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil. Op.cit. p. 43.
37<br />
estrangeiros, apontam as potencialidades locais para o progresso, apesar de alguns<br />
possíveis empecilhos (esse tema será abordado mais detalhadamente no capítulo IV). Nessa<br />
linha de observações, Cabral diz que<br />
Dom Pernetty, acompanhante de Bougainville, contou, em 1763, quinze<br />
anos após o início do transporte dos povoadores, e a sete do seu término,<br />
150 casas no Desterro, das quais duas eram de sobrado. Já havia uma<br />
botica e uma ferraria, embora ainda não tivessem surgido as de comércio.<br />
Vinte anos depois, La Perouse calculou em 400 as moradias da vila 28 .<br />
Com a efetivação dessa colonização da Ilha de Santa Catarina, com imigrantes de<br />
origem lusa, o estado português ficou mais tranqüilo no que diz respeito ao perigo<br />
estrangeiro. Na tentativa de reforçar as defesas, foram construídas fortalezas. Como observa<br />
Soares em relatório de 1776, o estado das defesas da Ilha impossibilita qualquer tentativa<br />
de invasão bem sucedida. Devido à importância estratégica como último ponto de defesa<br />
do sul do Brasil<br />
fortificou-se, e fechou o dito Porto da parte do Norte, e Entrada dele com<br />
quatro Fortalezas: A primeira he a de São Jose na Ponta Groça: A segunda<br />
a de Santa Cruz na Ilha de Anhatomirim: A terceira a de Santo Antonio na<br />
Ilha Grande dos Ratones: E a quarta a da Ilha dos Ratones Pequena. Na<br />
parte mais estreita do dito porto projetou o Brigadeiro José Custódio a<br />
Construção de uma Fortaleza na Terra Firme fronteira da Vila; e outra na<br />
Ponta da mesma Vila para também fechar por esta parte o referido Porto às<br />
Embarcações Pequenas armadas em Guerra, que podião entrar pela Barra<br />
do Sul [...] na parte sul se fortificou baterias com o número de noventa<br />
peças e mais duas fortalezas. 29<br />
Esse excesso de zelo por parte da Coroa portuguesa não impediu que, poucos meses<br />
depois que esse relato foi expedido, se desse uma invasão espanhola – a conhecida invasão<br />
de 1777. Porém, é suficiente para percebermos a crescente importância atribuída à Ilha de<br />
28 CABRAL. Os Açorianos. Op.cit. p. 15.<br />
29 SOARES, Roberto. Ofício relatando a situação das defesas da Ilha de Santa Catarina, escrito<br />
a bordo da Nau Sto Antonio, na costa catarinense em 1776. Acervo: Biblioteca Nacional.
38<br />
Santa Catarina, muito mais como um local estratégico e fronteira nesse momento, e<br />
posteriormente, no início do século XIX, como cidade e centro produtor e consumidor.<br />
No que se refere à população, podemos ter uma idéia mais precisa da situação a<br />
partir de um relatório minucioso com os dados estatísticos da Ilha e demais distritos de sua<br />
jurisdição, datado de 20 de dezembro do ano em 1796, apresentado por João Alberto de<br />
Miranda Ribeiro, então Governador, em resposta a pedidos oficiais do Vice Rei, o Conde<br />
de Rezende. Principiando por uma descrição geográfica o texto menciona as freguesias e<br />
suas localizações:<br />
A extensão da Ilha de Santa Catarina, cituada a altura de 27 graus e 40<br />
min de Latitude Sul, e em 37 graus de Longitude, segundo a mais geral<br />
opinião he de 10 legoas de Norte a Sul, que o seu maior cumprimento.<br />
(...) No meio da Ilha de Santa Catharina, está cituada a Villa Capital de<br />
Nossa Senhora do Desterro, ficando-lhe para o Norte a freguesia de<br />
Nossa Senhora das Necessidades, e para a parte leste a freguesia de<br />
Nossa Senhora da Conceição da Lagoa. 30<br />
Ao Sul da Ilha ainda encontrava-se o Ribeirão, sendo essas as freguesias locais,<br />
composta por uma população de 10.038 pessoas contando-se homens e mulheres brancos,<br />
escravos e foros pardos e pretos e os militares então lotados na Ilha. Somando-se a esse<br />
número a população dos demais distritos que estavam sob a administração da Ilha de Santa<br />
Catarina e de seu então Governador João Alberto de Miranda Ribeiro, a saber: Freguesia de<br />
São Miguel, Freguesia de São José, Freguesia de Enseada do Brito, Villa de Laguna, Villa<br />
30 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, apresentando relatório sobre<br />
a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17<br />
de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Seção de Manuscritos, conjunto documental<br />
7,4,31.
Nova e Villa do Rio São Francisco, a população total no ano de 1796 era de 24.892. 31<br />
39<br />
(Ilustração 01) Planta da Costa da ilha de Santa Catarina, anexo ao ofício relatando a situação<br />
das defesas da Ilha de Santa Catarina de autoria de Roberto Soares, escrevendo a bordo da<br />
Nau Sto Antonio, no momento na costa catarinense. 21 de novembro de1776. Acervo Arquivo<br />
Nacional.<br />
São João Batista do Rio Vermelho<br />
Nossa Senhora do Desterro<br />
Ribeirão<br />
São José da Terra Firme<br />
Lagoa da Conceição<br />
São Francisco de Paula de Canavieiras<br />
Santíssima Trindade<br />
Santo Antônio das Necessidades<br />
31 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Rezumo Geral de Toda a População Pertencente ao<br />
Governo da Ilha de Santa Catharina, Formado pelos mappas que derão os officios de cada<br />
hum dos Distritos do mesmo Governo. 1º de Janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacional: Seção<br />
de Manuscritos, conjunto documental 7,4,31.
40<br />
Anexo ao citado documento, o quadro número 01 apresenta em detalhes a<br />
quantidade de pessoas de acordo com cada faixa etária, condição social e sua distribuição<br />
na Ilha. A partir desses dados verificamos que o número de foros era substancialmente<br />
pequeno frente aos escravos e que esses eram, em sua grande maioria, pretos e não pardos.<br />
Também fica clara a maioria de escravos do sexo masculino, aproximadamente o dobro que<br />
do sexo feminino. Aliás, esses eram designados como “maxos ou fêmeas”, tal qual animais<br />
ou objetos e não masculino ou feminino como os homens e mulheres brancos.<br />
Quanto aos números da população economicamente ativa, percebemos uma<br />
equivalência entre homens e mulheres, o que pode indicar a forte presença de casais com<br />
um número pequeno de filhos - as crianças de até sete anos somavam 718 apenas em Nossa<br />
Senhora do Desterro, seguido por 605 entre 7 e 15 anos. Considerando que o número de<br />
fogos registrado na vila era de 666 temos aproximadamente duas crianças com idade<br />
inferior a 15 anos por cada um dos fogos da capital, quantidade baixa para a época. Não<br />
podemos esquecer o fato de que nesse período crianças com idade superior a 7 anos já eram<br />
economicamente ativas para a família, apenas variando a escala de contribuição.<br />
Os números de homens e mulheres são parecidos em todas as freguesias da Ilha<br />
nesse momento, o mesmo ocorrendo com o número de filhos por fogos. Fato semelhante<br />
ocorre com os pardos (homens e mulheres) e pretos (homens e mulheres), cujos números<br />
são parecidos. É importante ressaltar que quando se refere aos negros ou pardos, escravos<br />
ou não, o Governador não faz referência às crianças ou qualquer outra faixa etária, são<br />
simplesmente escravos. A maior discrepância se observa no número de escravos pretos. Os<br />
homens são maioria em todas as freguesias da Ilha, alcançando mais que o dobro do<br />
número de escravas nas freguesias da Lagoa, Necessidades e São José. Já na freguesia de<br />
São Miguel a quantidade de escravos pretos homens superava em mais de quatro vezes o<br />
número de mulheres e na freguesia do Ribeirão era três vezes maior.
41<br />
As informações desse relatório foram requisitadas pelo Ministro Souza Coutinho<br />
ao Vice Rei, que as devia repassar ao Governador, e eram as seguintes: a descrição física do<br />
território, aspectos demográficos como a composição racial da população e o número de<br />
nascimentos, casamentos e mortes; a relação quali-quantitativa da produção econômica,<br />
especificando-se o que era exportado e importado; a relação de impostos pagos e a<br />
arrecadação real nos últimos três anos; a relação dos gastos efetuados pelo governo com a<br />
especificação das despesas com Exército e Marinha, administração da Justiça e Fazenda; o<br />
estado da tropa regular e auxiliar, a qualidade e quantidade de oficiais, soldados e<br />
armamentos; propostas para as promoções militares e, por fim, observações quanto à<br />
introdução de possíveis novas culturas e melhoramentos da Fazenda Real. O quadro 01 traz<br />
os números populacionais apresentados pelo Governador João Alberto de Miranda Ribeiro<br />
ao Vice Rei, juntamente como o relatório solicitando informações detalhadas sobre a Ilha e<br />
demais distritos de sua jurisdição. Através dele podemos observar de forma mais global -<br />
apesar dos eventuais erros de cifras que podem ter ocorrido por parte dos informantes do<br />
Governador - a distribuição da população pelas freguesias e as diferenças quantitativas<br />
entre brancos e negros.<br />
Classes<br />
Fogos<br />
Sexo Masculino Sexo Feminino Fôrros Escravos Notícias das alterações<br />
que sucederam no anno<br />
de 1795.<br />
1ª 2ª 3ª 4ª 1ª 2ª 3ª 4ª Pardos Pretos<br />
De 1 até 7 annos<br />
De 7 até 15 annos<br />
De 15 até 6 0 annos<br />
De 60 annos p/ cima<br />
Somão<br />
De 1 até 7 annos<br />
De 7 até 14 annos<br />
De 14 até 40 annos<br />
De40 annos p/ cima<br />
Somão<br />
Somão todas as classes<br />
Pardos<br />
Pardas<br />
Pretos<br />
Pretas<br />
Maxos<br />
Fêmeas<br />
Maxos<br />
Fêmeas<br />
Total existente nos Distritos<br />
Nascidos<br />
Mortos<br />
Cazados<br />
Vindos para o Distrito<br />
Auzentes<br />
Vª Capital<br />
de N. S. do<br />
Desterro<br />
666<br />
365<br />
308<br />
404<br />
79<br />
1156<br />
353<br />
297<br />
583<br />
253<br />
1496<br />
2652<br />
32<br />
43<br />
15<br />
20<br />
119<br />
87<br />
433<br />
356<br />
3757<br />
237<br />
201<br />
49<br />
-<br />
30
42<br />
Distrito do<br />
Ribeirão<br />
160<br />
108<br />
84<br />
149<br />
26<br />
367<br />
77<br />
75<br />
138<br />
56<br />
366<br />
733<br />
-<br />
-<br />
3<br />
1<br />
12<br />
7<br />
217<br />
67<br />
1040<br />
-<br />
-<br />
-<br />
7<br />
18<br />
Freguesia<br />
da Lagoa<br />
329<br />
234<br />
179<br />
287<br />
55<br />
755<br />
210<br />
153<br />
308<br />
123<br />
794<br />
1549<br />
4<br />
5<br />
4<br />
7<br />
5<br />
5<br />
236<br />
101<br />
1916<br />
90<br />
41<br />
17<br />
2<br />
46<br />
Freguesia<br />
das<br />
Necessidad<br />
es<br />
439<br />
287<br />
253<br />
373<br />
60<br />
973<br />
310<br />
236<br />
356<br />
173<br />
1073<br />
2048<br />
8<br />
13<br />
4<br />
2<br />
11<br />
4<br />
248<br />
109<br />
2447<br />
109<br />
28<br />
14<br />
7<br />
76<br />
Freguesia<br />
de São<br />
Miguel<br />
450<br />
282<br />
239<br />
383<br />
77<br />
981<br />
263<br />
186<br />
354<br />
164<br />
967<br />
1948<br />
5<br />
1<br />
3<br />
13<br />
24<br />
19<br />
598<br />
147<br />
2758<br />
119<br />
57<br />
25<br />
9<br />
29<br />
Freguesia<br />
de São José<br />
389<br />
236<br />
165<br />
355<br />
68<br />
824<br />
221<br />
148<br />
328<br />
146<br />
843<br />
1667<br />
2<br />
3<br />
4<br />
3<br />
12<br />
12<br />
268<br />
120<br />
2091<br />
108<br />
45<br />
13<br />
-<br />
18<br />
Freguesia<br />
da Enseada<br />
do Brito<br />
196<br />
105<br />
102<br />
169<br />
22<br />
398<br />
98<br />
90<br />
163<br />
83<br />
434<br />
832<br />
-<br />
-<br />
5<br />
-<br />
7<br />
5<br />
199<br />
43<br />
1091<br />
40<br />
25<br />
3<br />
-<br />
42<br />
Freguesia<br />
da Laguna<br />
369<br />
310<br />
274<br />
406<br />
83<br />
1073<br />
283<br />
257<br />
478<br />
224<br />
1242<br />
2315<br />
38<br />
49<br />
13<br />
12<br />
46<br />
60<br />
441<br />
229<br />
3203<br />
186<br />
69<br />
18<br />
113<br />
102<br />
Villa Nova<br />
242<br />
111<br />
80<br />
185<br />
38<br />
414<br />
143<br />
82<br />
180<br />
96<br />
501<br />
915<br />
2<br />
1<br />
7<br />
7<br />
4<br />
6<br />
117<br />
50<br />
1109<br />
54<br />
12<br />
8<br />
33<br />
27<br />
Villa do<br />
Rio S.<br />
Francisco<br />
776<br />
497<br />
391<br />
733<br />
92<br />
1713<br />
431<br />
355<br />
786<br />
275<br />
1847<br />
3560<br />
60<br />
59<br />
3<br />
4<br />
116<br />
115<br />
310<br />
226<br />
4453<br />
158<br />
68<br />
40<br />
29<br />
41<br />
Somão<br />
4216<br />
2535<br />
2075<br />
3444<br />
600<br />
8654<br />
2389<br />
1879<br />
3696<br />
1603<br />
9565<br />
18.219<br />
151<br />
174<br />
61<br />
69<br />
356<br />
320<br />
3067<br />
1448<br />
23.865<br />
1101<br />
546<br />
187<br />
200<br />
436<br />
(Quadro 01) Rezumo Geral de toda a população pertencente ao Governo da Ilha de Santa<br />
Catharina, formado pelos mapas que derão os officios de cada hum dos Distritos do mesmo<br />
Governo. Em 1º de janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacioanl, Seção de Manuscritos,<br />
conjunto documental 3,3,17.<br />
As atividades de assentamento e ocupação territorial realizaram-se em grande parte<br />
por colonos livres. Mas a participação de escravos africanos não foi irrelevante, apesar de<br />
ter sido menor do que se observou em várias outras regiões do país. Os dados oficiais,<br />
contidos no quadro do governador João Alberto de Miranda Ribeiro mostram isso. Por<br />
outro lado, a presença escrava era importante, pois não se pode ignorar que, em um<br />
território restrito como a Ilha de Santa Catarina, cuja população e sistema de distribuição de<br />
terras privilegiavam a pequena propriedade e o trabalho familiar, um quinto de sua
43<br />
população, estimada em 1820 em 12.000 indivíduos oficialmente ou 14.000 pelos<br />
cálculos locais, era de escravos. Vinte anos depois, a fala do Presidente da Província A. J.<br />
Ferreira de Brito em 1º de março de 1841, registra, só para a Ilha de Santa Catarina, 19.368<br />
indivíduos, sendo 15.032 livres e 4.336 escravos. 32<br />
A reavaliação da tão enraizada idéia de que o sul do Brasil teve uma escravidão<br />
praticamente insignificante abre um precedente para que, junto dela, outras teorias sejam<br />
questionadas e analisadas por novos ângulos. A exploração madeireira e a agricultura que,<br />
mesmo periférica, foi importante para a manutenção de regiões monocultoras que não<br />
produziam o suficiente para seu próprio consumo pode ser tomada como exemplo. Isso<br />
considerando o fato de estarmos falando de uma ilha de pequenas proporções se comparada<br />
a esses aglomerados de grandes fazendas monocultoras.<br />
1.2 Colonização Programada e Insularidade.<br />
Para analisar a relação do homem com as ilhas e mares é necessário, segundo<br />
Diegues, “uma boa dose de pluralismo metodológico”. 33<br />
É importante perceber a<br />
construção da idéia de insularidade e as relações de troca com o mar do ponto de vista do<br />
imaginário popular e científico na antiguidade, até as grandes navegações no século XV.<br />
Além disso, a comparação com o período posterior possibilita uma melhor apreensão da<br />
relação dos homens com as ilhas e os mares e, com isso, possivelmente, tem-se uma idéia<br />
mais clara dos mitos e símbolos ligados a elas.<br />
32 FERREIRA <strong>DE</strong> BRITO, A. J. Falla do presidente da Província de Santa Catharina em 1º de<br />
março de 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008.<br />
33 DIEGUES, Antônio Carlos. Ilhas e Mares – simbolismo e imaginário. São Paulo: Hucitec,<br />
1998., p. 18.
44<br />
O estudo das ilhas sempre foi uma recorrente dos trabalhos da etnologia e,<br />
segundo Augé, está relacionado à idéia de espaço insular como lugar por excelência, onde<br />
cultura, sociedade e espaço coincidem. 34 As ilhas são um mundo em miniatura onde os<br />
contornos são bem definidos e as fronteiras entre a cultura de ilhéus e não ilheis<br />
igualmente. 35 Essas características de espaço e recursos limitados atuam diretamente na<br />
produção e reprodução de recursos econômicos, sociais e simbólicos e certamente<br />
influenciaram as idéias portuguesas de transferir populações entre ilhas – dos Açores e<br />
Madeira para a Ilha de Santa Catarina. O mesmo já havia sido feito antes no Maranhão,<br />
que em 1647, recebeu cinqüenta famílias açorianas de Santa Maria. Dois anos depois<br />
chegaram mais cem famílias. Todos se instalaram em São Luís, também uma ilha. 36<br />
Tais considerações também são importantes ao estudarmos a imigração açóricomadeirense<br />
para o sul do Brasil, que se deu por volta da metade do século XVIII e foi<br />
resultado de um projeto de Portugal para desafogar aquelas ilhas da superpopulação e da<br />
fome que as estavam assolando. Essa imigração e as diferenças de ilhas oceânicas para<br />
ilhas costeiras e, especialmente, o desenvolvimento ou não de práticas sociais e simbólicas<br />
ligadas à maritimidade, também são relevantes para uma melhor análise das<br />
transformações ambientais e sociais de nosso objeto de estudo no decorrer do século XIX.<br />
A ocupação da Ilha de Santa Catarina tem semelhanças com outras ilhas no<br />
Atlântico e costa oeste da África, especialmente no que tange às questões ambientais,<br />
apesar dos séculos que separam a colonização das mesmas. Segundo Grove, tais ocupações<br />
foram parte de um novo tipo de expansão européia que teve início com as grandes<br />
34 AUGÉ, M. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas:<br />
Papirus, 1992., p. 47.<br />
35 DIEGUES, Antônio Carlos. Ilhas e Mares – simbolismo e imaginário. Op. cit., p.27.<br />
36 CORREA, Silvio Marcus de Souza e BUBLITZ, Juliana. Terra de Promissão: Uma Introdução à<br />
Eco-História da Colonização do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo<br />
Fundo; Santa Cruz do Sul: Ed. Universidade Santa Cruz do Sul, 2006.,p. 48.
45<br />
navegações. Esse modelo deveu-se em muito as novas tecnologias de navegação e<br />
puderam ser percebidos no Arquipélago dos Açores, nas Ilhas Canárias e na Madeira,<br />
colonizadas por espanhóis e portugueses. Os resultados foram radicais, florestas e povos<br />
indígenas foram dizimados. 37 Ainda segundo Grove, essas ilhas tiveram as conseqüências<br />
trágicas da ocupação européia mais rapidamente percebidas por seu território ser restrito e<br />
a pior conseqüência foi a escassez de água. Um dos causadores desse problema ambiental<br />
foi a lavoura de cana-de-açúcar, em especial nas Ilhas Canárias. Outro ponto observado<br />
nessas ilhas após o desflorestamento foi a queda na precipitação de chuvas. Isso permitiu,<br />
desde o final do século XV, de acordo com Grove, uma associação perigosa entre a<br />
vulnerabilidade dos territórios colonizados com a intervenção estrangeira. 38<br />
O novo mundo, apesar desses conhecimentos climáticos e ambientais já<br />
adquiridos, ainda era associado ao paraíso terrestre ou à Arcádia, e nesse mesmo campo do<br />
imaginário estavam as Ilhas. O homem do Renascimento ligou as ilhas à idéia de mundos<br />
em miniatura, como o purgatório de Dante Alighieri na obra Divina Comédia, na qual uma<br />
ilha no oceano meridional era lugar onde havia a possibilidade de redenção. 39<br />
Outro<br />
exemplo disso foi a designação de “ilhas afortunadas” atribuída, a principio, às Canárias e<br />
à Madeira.<br />
No caso específico das ilhas dos Açores e da Madeira, possessões Portuguesas<br />
ocupadas e colonizadas desde o início do século XV, as práticas e costumes construídos<br />
em relação ao mar e a terra ilhoa dão a medida do grau de tensão dessa população com<br />
fenômenos naturais como maremotos, terremotos e erupções vulcânicas. Observa-se<br />
também a preocupação em relação à superpopulação decorrente do território restrito e da<br />
37 GROVE, Richard H. Green Imperialism: Colonial Expansion, Tropical Edens and the<br />
origins of Environmentalism, 1600-1860. New York: Cambridge University Press, 1996. p., 29.<br />
38 GROVE, R. Green Imperialism. Op.cit., p. 30-31.<br />
39 Ibid., p.33.
46<br />
instabilidade do mar para o comércio e abastecimento de alimentos e como esses fatores<br />
influenciaram a decisão de emigrar para o “novo mundo”.<br />
Certamente há, em alguma medida, a noção de identidade ilhoa nessas<br />
populações, essa identidade não quer dizer, no entanto, isolamento social e não determina<br />
a persistência ou diferença em práticas e organizações sociais em ilhas 40 . Por outro lado, o<br />
isolamento insular tem grande influência sobre os mecanismos biológicos não humanos e,<br />
de acordo com o tamanho do território emerso, resultam no empobrecimento ou maior<br />
fragilidade das associações vegetais e animais e maiores riscos de extinções. O<br />
conhecimento desses fatos e a vivência deles por parte de populações ilhoas como os<br />
açorianos e os madeirenses, teriam, teoricamente, construído uma noção de preservação da<br />
fauna e da flora insulares para “uso futuro”, já que vivenciaram as conseqüências do<br />
desequilíbrio. Porém, não foi o que se percebeu na Ilha de Santa Catarina com a chegada<br />
desses imigrantes no século XVIII.<br />
São dessas ilhas que, depois de anos sucessivos de intempéries, maremotos e<br />
terremotos, saíram os primeiros colonizadores “organizados” para o sul do Brasil. Eram<br />
conhecedores dos problemas de sua terra natal, mas não os associaram à nova terra que,<br />
apesar de ser também uma ilha, estava longe das situações extremas de carência de terras<br />
para agricultura, como o exaurimento dessas mesmas terras e, conseqüentemente, de<br />
espécies vegetais importantes para a nutrição da população. Essa escassez de terras e<br />
alimentos em decorrência da superpopulação que não permitiu um tratamento mais<br />
racional da terra, através do descanso ou rotação de culturas, poderia ter agido como um<br />
alerta às pessoas. No entanto o que se viu foi um tratamento da terra, da fauna e da flora<br />
que seguiu a mesma linha de “aproveitamento” que gerou a fome nos Açores e Madeira.<br />
40 DIEGUES, A. Ilhas e Mares. Op.cit., p. 62.
47<br />
Se nos questionarmos sobre os motivos disso podemos levantar diversas<br />
hipóteses como: o estímulo da própria Coroa para a derrubada da mata que seria usada<br />
para construção naval – as melhores madeiras – e para o uso dos próprios imigrantes, uma<br />
vez que a madeira era a base para quase tudo, desde casas, móveis, carroças, até a lenha<br />
para os alimentos e aquecimento. Outro ponto era o estímulo de Portugal – obrigação<br />
imposta aos colonos na maioria das vezes – para o desenvolvimento da agricultura a partir<br />
da aclimatação de plantas exóticas e da produção de plantas locais como a mandioca. Esse,<br />
aliás, foi, certamente, um dos principais motivos para a derrubada da mata que na verdade<br />
estava associada à “limpeza” da terra para fins agrícolas ou a fundação de vilas e cidades.<br />
Por fim, outro ponto importante é o mito da natureza inesgotável, baseado na<br />
fronteira natural sempre aberta para o avanço da exploração econômica. Segundo Pádua,<br />
“os colonizadores portugueses, acostumados às limitações ecológicas de sua região de<br />
origem, viam a Mata Atlântica como um universo que jamais se consumiria”. 41 Essa<br />
também era a realidade da Ilha de Santa Catarina que por sua extensão de 423 km² e por<br />
ser coberta de mata era vista como um grande território disponível para o avanço da<br />
produção e da urbanização, minimizando a importância do cuidado ambiental.<br />
1.3 Imigração e Povoamento<br />
Um mesmo local pode ser tantas vezes retratado, descrito e analisado que às vezes<br />
pensamos estar diante de histórias de locais completamente distintos, quando na verdade<br />
estamos apenas conhecendo a mesma história de outros pontos de vista. Algo parecido com<br />
o que Chartier descreve na obra Formas e Sentido. Cultura Escrita: entre distinção e<br />
41 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de Destruição - pensamento político e crítica ambiental no<br />
Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002., p.73.
48<br />
apropriação, ao analisar a representação, em 1668 na França, de “Le mari confondu” de<br />
George Dandin, pelo grupo de teatro de Molière. O espetáculo em questão foi encenado<br />
duas vezes. A primeira para a corte de Luiz XIV, no palácio de Versalhes, a segunda para o<br />
povo, na festa de Santo Humberto. As impressões e relatos parecem apontar para dois<br />
enredos totalmente diversos, mas encontrava-se a diferença nos olhos que a assistiram e a<br />
interpretaram. Enquanto para a corte o texto era uma comédia de costumes leve,<br />
entremeada de dança e música, para o povo era uma crítica social forte e instigante. 42<br />
Enfim, a história de Santa Catarina passa, muitas vezes, por essa dicotomia. O que<br />
predominou, especialmente na historiografia que aqui chamaremos de tradicional e que se<br />
estendeu do início do século XX até a década de 1970, são os relatos grandiosos e<br />
enaltecedores da terra e da gente que a ocupou e desbravou. Eram pessoas de origem<br />
européia, primeiro os açorianos na Ilha e outros pontos da costa, posteriormente italianos,<br />
alemães e poloneses no interior do Estado. A história tradicional relata muitas vezes sem<br />
questionar ou analisar mais profundamente quem era essa gente e o que fez dessa terra, ou<br />
mais, por que saíram de seus países de origem; em quais condições e sob quais promessas<br />
do governo português.<br />
Títulos grandiosos como A Epopéia Açórico-madeirense ou Memória histórica,<br />
authentica, sincera, pictoresca e sentimental da Villa, depois cidade de Nossa Senhora do<br />
Desterro da ilha de Sancta Catharina, dos casos raros alcunhada: memória, o primeiro de<br />
Walter Piazza e o segundo de Oswaldo Rodrigues Cabral, foram durante muitos anos as<br />
referências únicas da história catarinense. Ainda hoje são importantes, especialmente no<br />
que se refere aos documentos usados como fontes e muitas vezes citados na íntegra por<br />
seus autores, documentos que já se perderam em muitos casos. Por isso, a partir da releitura<br />
desses livros podemos identificar até novas variáveis da história local, como a floresta, o<br />
42 CHARTIER, Roger. Formas e Sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação.<br />
Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003., p. 97-98.
49<br />
mar, o mangue e outros elementos que foram tão importantes na definição do que a Ilha<br />
de Santa Catarina tornou-se no decorrer do século XIX. A natureza foi por muito tempo<br />
tratada apenas como cenário onde se encenava a construção de uma província próspera por<br />
homens fortes e muitas vezes de imagem ilibada, sem considerar a influência que esse<br />
“cenário” teve na tomada de decisões políticas, nas práticas sociais e culturais e no rumo do<br />
progresso almejado.<br />
Nesses exemplos, assim como outros que facilmente poderíamos citar, está<br />
sempre presente uma forte carga de heroísmo, grandiosidade dos personagens - humanos ou<br />
não - e de progresso, algo como a imagem de vencedores. Mas, se olharmos mais<br />
profundamente, percebemos que o que esses colonizadores venceram foram, basicamente,<br />
as dificuldades impostas por uma floresta diferente das européias e por isso era vista como<br />
ameaçadora, além de seu potencial ainda ser desconhecido. Porém, essas pessoas foram<br />
orientadas a “domar” a mata e transformá-la, dando lugar à ordem e a criação de um ethos<br />
mais próximo do modelo europeu, familiar a todos.<br />
O “heroísmo” estava em sair de sua terra natal e instalar-se em um local<br />
desconhecido, diferente e, frente a tudo isso, progredir. Agravado pelo fato de que essas<br />
pessoas, especialmente os açorianos e madeirenses que chegaram à Ilha em meados do<br />
século XVIII, dificilmente terem consciência ou terem sido informados das dificuldades<br />
que encontrariam. Aliás, essa é uma característica das colonizações programadas, em<br />
especial no Brasil. Isso também ocorreu com os colonos livres que emigraram para as<br />
fazendas de café de São Paulo e para o interior no Rio Grande do Sul, no século XIX, e<br />
para os migrantes do próprio oeste de Santa Catarina no início do século XX. 43 Essas<br />
43 Para conhecer mais sobre esse tema ler: NODARI, Eunice; CESCO, Susana; WERLE, Márcio;<br />
CARVALHO, Miguel M.X. As Florestas do Sul do Brasil na Imprensa Alemã e a Atração de<br />
Imigrantes. In: DREHER, Martin N.; RAMBO, Arthur B.; TRAMONTINI, Marcos J. (org.).<br />
Imigração e Imprensa. São Leopoldo: Instituto Histórico de São Leopoldo/EST Edições, 2003;<br />
CESCO, Susana. Migração e desmatamento no Alto Uruguai Catarinense: uma releitura da
50<br />
pessoas vinham com promessas de um lote de terra já demarcado, ferramentas de<br />
trabalho para iniciar sua lavoura, animais como bois, cavalos, galinhas, cabras, etc. e<br />
mantimentos para os primeiros períodos após a instalação, em especial farinha de<br />
mandioca. Nesse ponto as reclamações sempre foram muitas e iam desde a falta de<br />
legalização dos lotes até o total abandono e descaso das autoridades locais para com os<br />
imigrantes. Descaso que se refletia no não cumprimento das promessas acima listadas, o<br />
que deixava essas pessoas à mercê da própria sorte em uma terra desconhecida e com<br />
recursos ignorados, cuja experimentação foi a base do conhecimento adquirido. Essa<br />
inexistência de uma preocupação ambiental no campo político deve-se em parte, segundo<br />
Correa e Bublitz, à necessidade de alterações ambientais quando a colonização era<br />
entendida como “a domesticação da natureza local pela colonização européia”. 44 Sobre o<br />
sul do Brasil, especificamente, “o insignificante contingente de colonos europeus e o baixo<br />
nível tecnológico disponível durante os séculos XVII e XVIII promoveram alterações<br />
ecológicas de baixa intensidade”. 45<br />
As obras acima citadas, e outras dessa dita história tradicional, trataram, em sua<br />
maioria, o imigrante como um herói desbravador que simplesmente saiu da Europa,<br />
enfrentou dificuldades na viagem e sofreu com as promessas falsas dos agentes de<br />
imigração que mantinham essas pessoas presas por contratos rigorosos. Os imigrantes<br />
ficavam com altas dívidas de transporte e instalação e na maioria das vezes eram obrigados<br />
a trabalhar para quitar o débito o que impedia que, ao menos nos primeiros anos, o dinheiro<br />
ganho com o trabalho agrícola fosse empregado em melhorias para o próprio colono e sua<br />
relação homem x floresta no início do século XX. Florianópolis, 2003. Monografia História -<br />
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC; <strong>DE</strong>AN, Warren. Rio Claro um Sistema<br />
Brasileiro de Grande Lavoura 1820-1920. São Paulo: Paz e Terra, 1977.<br />
44 CORREA, Silvio Marcus de Souza e BUBLITZ, Juliana. Terra de Promissão: Uma Introdução à<br />
Eco-História da Colonização do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo<br />
Fundo; Santa Cruz do Sul: Ed. Universidade Santa Cruz do Sul, 2006.,p. 35.<br />
45 Ibid.,p. 44.
51<br />
família. No entanto, tais obras raramente mencionam que essas pessoas, ao menos no<br />
quesito dificuldades de sobrevivência, já eram experientes. A Europa da qual eles saíram<br />
não era tão próspera como podemos eventualmente imaginar e essas pessoas não saíram de<br />
lá como desbravadores corajosos e destemidos. Na realidade eram pessoas pobres,<br />
desempregadas, vítimas da superpopulação e da baixa produção agrícola, algumas ainda<br />
podiam ser prostitutas, mendigos ou criminosos. Enfim, a maioria era sim composta de<br />
famílias, outros não, porém a totalidade era de pessoas em busca de condições de vida<br />
melhores do que as que tinham em seu país de origem. Raros foram os ricos que vieram<br />
para colonizar a Ilha de Santa Catarina.<br />
1.4 Uma Ilha e seus elos com o Continente<br />
De acordo com Florentino e Fragoso “de 1799 a 1822, os registros manuscritos de<br />
entradas de embarcações no porto do Rio de Janeiro indicam que o abastecimento de<br />
farinha de mandioca provinha do sul da Bahia, de zonas do litoral fluminense como Cabo<br />
Frio e Itaguaí e, majoritariamente de Santa Catarina”. 46 Assim pode-se dizer que, em fins<br />
do século XVIII e na primeira metade do século XIX, as saídas de produtos de Santa<br />
Catarina, e em especial do porto de Desterro, no caso de embarcações de menor tonelagem,<br />
representavam uma quantidade considerável.<br />
Tal fato é também relatado por Laura Machado Hübener, além de apontar as escalas<br />
de oscilações de entrada e saída de produtos do porto de Desterro, explicando que a<br />
importância deste porto estava relacionada com o desempenho de sua função de escoadouro<br />
46 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto: Mercado Atlântico,<br />
Sociedade Agrária e Elite Mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro:<br />
Diadorim, 1993., p. 62.
52<br />
da maior parte da produção da Província, em especial da litorânea. Estas relações o<br />
tornaram intermediário mais do comércio do litoral médio-sul da Província do que do<br />
litoral norte. Para Desterro convergiam as embarcações que faziam o comércio de pequena<br />
cabotagem. 47 Esse pequeno comércio pode ser percebido também se consultando registros<br />
iconográficos da época, que retratam o grande movimento que a praça do mercado tinha em<br />
dias de feira, quando canoas, pessoas e mercadorias de todas as freguesias se misturavam,<br />
muitas delas vindas para descarregar produtos destinados à exportação, outras para<br />
abastecer o comércio local. 48 No final do século, entre 1880 e 1885, Desterro era o porto<br />
mais importante na Província, com 36% do total de exportações. 49<br />
Segundo Hübener, o número de pessoas envolvidas em atividades marítimas chegou<br />
a 16% da população de Desterro. Ainda em 1874, nada menos do que 1.125 pessoas eram<br />
registradas como “empregados na vida do mar”. Dentre esses, chama a atenção o número<br />
de “patrões de hiates” que era de 125. 50 Eram eles os responsáveis pelo transporte de<br />
materiais entre os portos da Ilha, como Sambaqui, Ribeirão ou São José da Terra Firme,<br />
com Desterro ou até viagens mais longas entre outros portos do litoral. Transportavam<br />
desde vegetais produzidos por moradores das freguesias do interior da Ilha até carne<br />
provinda do continente. Eram verdadeiros atravessadores que ajudavam a abastecer o<br />
mercado de Desterro.<br />
47 HÜBENER, Laura Machado. O comércio na cidade de Desterro no século XIX. Florianópolis:<br />
Ed. da UFSC, 1981., p. 77.<br />
48 LIMA, Débora da Rosa Rodríguez. A abordagem ambiental no processo de desenvolvimento<br />
urbano de Florianópolis. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado) - FAUUSP., p. 76.<br />
49 ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa<br />
Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). Florianópolis, 2003.<br />
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis - U<strong>DE</strong>SC., p. 46-<br />
47.<br />
50 SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa da Província de Santa<br />
Catharina em 21 de março de 1875 pelo exm. Sr, Presidente da Província. Cidade do Desterro: Typ.<br />
De J.J. Lopes, 1875.
53<br />
Essas pessoas trabalhavam no carregamento e descarregamento de dezenas de<br />
embarcações anualmente. Toda a produção destinada à exportação deixava o porto de<br />
Desterro em embarcações cujos nomes variavam de acordo com seu modelo e capacidade:<br />
galeras – barcos de guerra movidos à remo e velas; bergantins ou fragatins – embarcações<br />
ligeiras de dois mastros cada; sumacas - pequenas embarcações de dois metros e dois<br />
mastros cada; escunas – embarcações velozes com dois mastros e velas cada; hiates –<br />
barcos pouco maiores que canoas que eram usado no transporte de cargas pequenas e<br />
médias; lanxas e charruas - grandes navios para transporte.<br />
O movimento de entrada e saída do porto era considerável e mostra o quão estreito<br />
era o contato da Ilha e sua população com o continente. O fato de estarmos falando de uma<br />
ilha nesse caso não apresenta o “isolamento” que poderíamos esperar. Os habitantes locais<br />
conviviam com os do continente e com eles efetuavam trocas, o “isolamento” imposto pela<br />
insularidade é mais efetivo quando diz respeito a terras e a possibilidade de ampliação das<br />
fronteiras físicas da Ilha. O quadro 02, retirado do relatório do Governador Luiz Mauricio<br />
da Silveira em 1815 indica a quantidade de cada uma dessas embarcações que entraram e<br />
saíram do porto de Desterro naquele ano, dando uma idéia do movimento no início do<br />
século XIX.
Galeras Bergantins Sumacas Escunas Hiates Lanxas Somão<br />
54<br />
Entrarão em<br />
6 32 45 10 5 71 169<br />
todo o anno<br />
Sahirão 6 28 55 5 6 70 170<br />
Ficarão no porto - 4 - 5 - 1 10<br />
(Quadro 02) Mapa das Embarcações que entrarão, e sahirão do porto da Capitania de Santa<br />
Catharina no anno de 1815. Autoria: Luiz Mauricio da Silveira. Santa Catharina, 7 de janeiro<br />
de 1817. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto documental I, 31,29,18.<br />
Em Relatório de 1837, o Presidente da Província indicava um aumento significativo<br />
na entrada e saída de embarcações no porto local. “Entraram na cidade 265 embarcações, e<br />
sahiram 263, sendo destas 226 Nacionais, e 9 de portos estrangeiros, 109 para portos do<br />
Império, e 108 para os da Província, e 40 para estrangeiros”. 51<br />
O mercado fronteiro ao porto, ou onde esse foi construído, era o centro de<br />
convergência de canoas e carroças de vendedores dos mais variados produtos, desde<br />
alimentos até escravos, animais ou serviços. O que a princípio eram tabuleiros dispostos ao<br />
ar livre pelas ruas centrais em volta da praça que por ordem governamental teve que ser<br />
transferido e aglomerado em um espaço construído e delimitado. Essas medidas de<br />
“ordenação e embelezamento” da porta de entrada da capital da Província de Santa Catarina<br />
ocorreram com certa agilidade em função da visita do Imperador e da Imperatriz à Ilha em<br />
1845.<br />
O novo prédio, onde o até então comércio ambulante instalou-se, foi concluído em<br />
1851 e funcionou por 45 anos quando foi demolido para a construção do atual prédio do<br />
Mercado nos anos de 1896 a 1898. 52 Na ilustração 02 o prédio construído em meados do<br />
século XIX encontra-se no lado direito da foto e a partir dele podemos observar a intensa<br />
51 Relatório do Presidente da Província José Mariano de Albuquerque Cavalcante, 1837., p. 16. In:<br />
www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008.<br />
52 CABRAL, O. R. História de Santa Catarina. Op.cit., p. 126.
55<br />
circulação de pessoas e como funcionava a chegada das carregados hiates e canoas com<br />
mercadorias em frente à praça.<br />
(Ilustração 02) Vida Comercial nas proximidades do antigo Mercado Público de Desterro,<br />
fronteiro à praça. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.<br />
Na lateral direita do Mercado, ao lado da Praça central da capital, ficava a<br />
Alfândega, prédio onde se dava o registro da entrada e saída de mercadorias e escravos e<br />
por onde a economia de Desterro pode ser medida. Esse prédio explodiu em 24 de abril de<br />
1866. Até essa data toda a entrada e saída de produtos da Ilha ocorriam em frete à praça,<br />
local por onde passavam todos os habitantes.<br />
Isso transformou a área em ponto de encontro de escravos, vendedores e<br />
trabalhadores pobres, “poluindo” o local fisicamente e figuradamente, segundo algumas<br />
autoridades e a imprensa local. Nesse momento os espaços de convívio das pessoas ditas<br />
“de bem” estavam sendo demarcados socialmente e o fato de na praça da cidade<br />
encontrarem-se escravos e trabalhadores do porto era um mau que deveria ser corrigido.<br />
Apenas oito anos depois da explosão de 1866 se iniciou a construção do novo<br />
prédio em local mais afastado do centro, no prolongamento da Rua do Príncipe. Essa rua,<br />
“em alguns pontos, não possuía a dupla fileira de casas, havendo apenas uma, de frente para
56<br />
a praia. Assim, depois da primeira quadra (...) eram baldios os terrenos onde se construiu<br />
a nova Alfândega e o novo Mercado”, 53 à direita daquela, posteriormente, em 1896.<br />
A ilustração 03 corresponde ao centro urbano de Desterro de 1876.<br />
(Ilustração 03) Planta Topográfica da Cidade do Desterro, levantada por ordem e na<br />
presidência da Província de Santa Catarina, por Alfredo D’Escragnolle Taunay, pelo<br />
engenheiro major Antonio Floriano Pereira do Lago e Carlos Othom Schlappal, 1876.<br />
Detalhe referente ao centro de Nossa Senhora do Desterro. Acervo Arquivo<br />
Histórico do Exército, setor de cartografia.<br />
Legenda:<br />
J Alfândega<br />
J’ Trapiche da Alfândega<br />
9 Rua do Príncipe<br />
i Trapiche público<br />
K Mercado<br />
t’ Terreno próprio geral<br />
16 Rua do Ouvidor<br />
17 Rua da Paz<br />
b+ Igreja de São Francisco.<br />
As quadras bem definidas e ocupadas por construções são um demonstrativo de que<br />
Desterro já tinha novas e relevantes proporções como cidade. As igrejas, e prédios públicos<br />
administrativos misturavam-se à sobrados residenciais e lojas. O dia-a-dia dessa nova vida<br />
53 CABRAL, O. R. História de Santa Catarina. Op.cit., p. 127.
57<br />
urbana já podia ser acompanhado, inclusive, pela imprensa escrita, que deu os primeiros<br />
passos na década de 1830, e nesse período já tinha uma circulação importante.<br />
1.5 Importação e Exportação<br />
O século XIX foi um período de oportunidades comerciais em escala global. Não<br />
que elas não ocorressem antes, mas a expansão econômica européia do período possibilitou<br />
a ampliação dos mercados tanto para matérias-primas quanto para alimentos. Para uma<br />
Europa muito povoada, com solos desgastados por séculos pela agricultura, nada mais<br />
interessante que importar produtos tropicais do Brasil. Somando-se ao açúcar já exportado<br />
pelo Brasil anteriormente, o café e outros produtos entraram fartamente na Europa. Dentre<br />
esses produtos também estava a madeira.<br />
Com sua economia baseada quase totalmente na agricultura, grandes regiões<br />
agrícolas com produtos que visavam o mercado externo desenvolveram-se no Brasil. A<br />
cana-de-açúcar e depois o café, em especial, foram as molas propulsoras do<br />
desenvolvimento do nordeste açucareiro - Pernambuco e Recôncavo baiano - e do sudeste<br />
cafeicultor - Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo - respectivamente.<br />
Conseqüentemente o abastecimento de bens de consumo para essas regiões era<br />
complementado por outras, uma vez que não era economicamente inteligente desviar<br />
braços escravos dessas lavouras altamente lucrativas para produzir alimentos variados para<br />
o consumo dos próprios escravos e dos patrões. Segundo Mariléia Caruso, ecoando as<br />
palavras de Taunay em seu livro Manual do Agricultor Brasileiro, era aconselhado que os<br />
alimentos para consumo fossem produzidos nas próprias fazendas para evitar desperdício<br />
de verbas com a compra dos mesmos. Com essa prática, os excedentes poderiam ser
58<br />
dirigidos para os mercados urbanos. 54 Apenas posteriormente, já na segunda metade do<br />
século XIX, é que a prática de comércio interprovincial se efetivou e cresceu.<br />
Isso possibilitou um relativo desenvolvimento do comércio interno com fins de<br />
abastecimento de determinadas regiões por outras que eram monocultoras e exportadoras.<br />
No caso de Santa Catarina, o comércio ocorria basicamente com o porto do Rio de Janeiro<br />
devido às restrições que determinavam isso, posteriormente, o porto da capital poderia<br />
repassar mercadorias para outros portos do Brasil ou do exterior. Essa restrição retardou o<br />
crescimento comercial de Desterro.<br />
Já na década de 1830 havia um comércio exportador e importador entre Desterro e<br />
portos estrangeiros e do império, sendo que o montante movimentado entre Desterro e<br />
portos do Império era consideravelmente superior, como indicado no quadro 03:<br />
Importação<br />
Em 1837 –<br />
1838<br />
Em 1838 –<br />
1839<br />
Em 1839 –<br />
1840<br />
Gêneros de produção<br />
nacional vindos dos<br />
portos do Império<br />
Mercadorias<br />
estrangeiras importadas<br />
dos portos do Império<br />
Mercadorias<br />
estrangeiras<br />
importadas de portos<br />
de fora do Império<br />
Total<br />
69:332$350 404:936$811 56:314$323 530:583$484<br />
41:107$620 373:272$260 54:349$975 468:729$855<br />
67:970$107 359:328$257 63:795$498 491:093$862<br />
Exportação Para portos do Império Para portos Estrangeiros Total<br />
Em 1837 –<br />
1838<br />
Em 1838 –<br />
1839<br />
Em 1839 –<br />
1840<br />
141:554$663 73:583$108 215:137$771<br />
210:669$479 82:583$489 293:252$968<br />
190:903$491 49:633$711 240:537$202<br />
(Quadro 03) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina<br />
Antero José Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm<br />
Consultado em 02/08/2008.<br />
54 CARUSO, M.M.L. O desmatamento da Ilha de Santa Catarina de 1500 aos dias atuais.<br />
Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983., p.12.
59<br />
Os valores acima se referem aos preços dos produtos e sobre alguns desses ainda<br />
incidiam os impostos sobre exportação que eram chamados de dízimos e variavam em<br />
porcentagem se o destino fosse um porto nacional ou estrangeiro. Esses produtos eram:<br />
Produtos exportados para portos do Império Quanto paga %<br />
Peixe salgado 5%<br />
Madeira e lenha 10%<br />
Cal 10%<br />
Couro 20%<br />
Produtos exportados para portos Estrangeiros Quanto paga %<br />
Couro 13%<br />
Madeira e lenha 3%<br />
Aguardente 3%<br />
Cal 3%<br />
(Quadro 04) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina<br />
Antero José Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm<br />
Consultado em 02/08/2008.<br />
De acordo com Débora Lima, o porto de Desterro teve uma descontinuidade em<br />
suas atividades e uma queda de importância inversamente proporcional ao aumento dos<br />
calados dos navios. Isso se deu<br />
em virtude de suas condições físicas, pois, à medida que se afasta do<br />
estreito em direção ao norte, justamente no canal de navegação, verificase<br />
uma acentuada diminuição de profundidade, sendo este baixio<br />
denominado Tabuleiro. Este Tabuleiro era, um verdadeiro impasse, nas<br />
marés baixas, aos navios que demandavam aquele porto, tornando assim<br />
secundária a posição hidrográfica da capital catarinense em relação aos<br />
outros portos salientes da costa sul, como Santos, Paranaguá, São<br />
Francisco e Rio Grande. 55<br />
Essas condições obrigaram, com o passar das décadas durante o século XIX, navios<br />
de grande porte a transportar suas cargas para embarcações menores para que suas<br />
mercadorias chegassem ao porto para serem vendidas. Tal processo de transporte encarecia<br />
55 LIMA. Débora da Rosa Rodrigues. A abordagem ambiental no processo de desenvolvimento<br />
urbano de Florianópolis. Op.cit., p. 76.
60<br />
o produto. As embarcações pequenas circulavam em grande número e remavam ou<br />
velejavam diariamente entre as praias de Desterro e os grandes navios mercantes ou de<br />
guerra, nacionais ou estrangeiros, ali fundeados. O calado desses navios não lhes permitia<br />
chegar ao porto de Desterro e freqüentemente ficavam nos ancoradouros de Santa Cruz e<br />
Sambaqui. 56<br />
Esses dados sobre o porto, o mercado e especialmente o que era comerciado nele<br />
são indicativos da importância das características do ambiente local para a definição do<br />
desenho social e econômico da Ilha. Solo, clima e vegetação dimensionaram as<br />
possibilidades de aclimatação de plantas, crescimento urbano e riqueza madeirável,<br />
características próprias de uma área de Mata Atlântica, predominante na região. Por<br />
conseguinte, a análise da história local passa, obrigatoriamente, pelo encontro do homem<br />
com esse mundo natural e o resultado de tal contato, que provocou destruição e criação,<br />
mas, sobretudo transformação durante todo o período analisado.<br />
Restringindo a análise para o recorte geográfico ilhéu devemos considerar, além da<br />
cobertura vegetal, do solo e do clima, o fato de ser uma ilha e todas as implicações sociais e<br />
ambientais que dele advêm. A constituição dessa paisagem e as mudanças impostas a ela<br />
passam pelo questionamento do próprio conceito de “paisagem” e de outros termos que<br />
constantemente são usados em textos de geógrafos, historiadores ambientais, biólogos e<br />
outros profissionais que, justamente por conta disso, podem cair em uma superficialidade<br />
e/ou homogeneidade de entendimento.<br />
56 Ibid., p.76.
1.6 Conceitos e Instrumentos da História Ambiental Ilhoa<br />
61<br />
Segundo Donald Worster, a história ambiental faz parte de um processo de<br />
ampliação de investigação histórica que vem ocorrendo desde o século XIX. A história dos<br />
grandes homens e dos Estados tem dado espaço à história econômica, social, cultural e do<br />
cotidiano. A história ambiental propõe outra ampliação, incorporando a presença da<br />
natureza aos estudos sobre as sociedades de modo geral, a partir da relação entre suas<br />
estruturas biofísicas, modos de produção e formas culturais. 57 A história ambiental é um<br />
novo elo nessa corrente investigativa, um elo que procura ir mais fundo em sua análise,<br />
chegando à própria natureza,<br />
rejeita a premissa convencional de que a experiência humana se<br />
desenvolveu sem restrições naturais (...) [e] é parte de um esforço<br />
revisionista para tornar a disciplina da história muito mais inclusiva em<br />
suas narrativas do que ela tem tradicionalmente sido. 58<br />
Seu objetivo não é de cunho puramente biológico, ecológico ou geográfico, ao<br />
contrário, sempre foi “aprofundar o nosso entendimento de como os seres humanos foram,<br />
através dos tempos, afetados pelo seu ambiente natural e, inversamente, como eles afetaram<br />
esse ambiente e com que resultados”. 59 Enfim, a história ambiental trata, basicamente, do<br />
papel e do lugar da natureza na vida humana e de como os humanos reagem a determinadas<br />
características da natureza.<br />
Quando definimos a inserção desse trabalho no campo da história ambiental e,<br />
especificamente, ao designarmos dessa forma o tipo de abordagem, não estamos propondo<br />
um estudo de ecologia ou de geografia. A proposta é de um estudo da interação das práticas<br />
57 WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 4. n. 8,<br />
1991., p. 198.<br />
58 Ibid., p. 198.<br />
59 Ibid., p. 200.
62<br />
culturais de uma sociedade situada no tempo e no espaço - o século XIX e a Ilha de Santa<br />
Catarina – com a natureza local, onde as relações sociais se expressam concretamente,<br />
modificando o espaço vivido. Por conta disso, a interdisciplinaridade é importante uma vez<br />
que o próprio objeto requer um enfrentamento de temas que vão da história florestal e das<br />
paisagens à agricultura e urbanização, inseridas em um amplo quadro de história social e<br />
ambiental.<br />
De fato, quando delimitamos uma área geográfica para estudar sob a ótica da<br />
história ambiental, mesmo sendo uma analise histórica stritu sensu, trabalhamos com um<br />
recorte territorial mais circunscrito, pois, se considerarmos que uma grande extensão abarca<br />
diversos ecossistemas e por sua vez diferentes formas de relação homem-ambiente,<br />
conseqüentemente as respostas dos homens para as situações ambientais encontradas serão<br />
também muito diversas. É nesse contexto que analisamos as questões humanas em sua<br />
relação com o meio.<br />
Associado a isso, a constante transformação do ambiente, muitas vezes de forma<br />
destruidora, está diretamente ligada à necessidade de consumo das comunidades humanas.<br />
A percepção do que é eleito como recurso por uma sociedade pode dar a medida e o foco da<br />
devastação. Em função disso, o próprio conceito de “recursos naturais” precisa de uma<br />
análise que determine o que se depreende dele, uma vez que sofreu profundas mudanças ao<br />
longo de diferentes tempos e lugares. Refinar os conhecimentos disponíveis sobre florestas,<br />
rios e outros elementos biofísicos em sua interação necessária com as populações humanas<br />
também possibilita um entendimento mais amplo das transformações históricas de uma<br />
área, aproximando as variáveis sociais, econômicas, culturais e ambientais.<br />
É isso que Martin Melosi fez quando, ao analisar a cidade industrial do início do<br />
século XX, a definiu como um reflexo da revolução econômica do século XIX,
especialmente na Europa e nos Estados Unidos. 60<br />
63<br />
Essa revolução propiciou um<br />
desenvolvimento significativo no abastecimento e no desperdício de água além da<br />
disposição do lixo. Isso associou a transformação econômica à transformação física das<br />
cidades.<br />
É no século XIX que as grandes cidades conhecem a eletricidade e com isso há uma<br />
melhoria espetacular nas comunicações e no transporte. Ato contínuo, essas mesmas<br />
cidades se expandem. Essas novas ferramentas e tecnologias propiciaram mudanças<br />
urbanas que não foram mais freadas por barreiras geográficas ou ambientais. Também<br />
influenciaram os novos desenhos urbanos no que tange a instalação de zonas comerciais,<br />
industriais e residenciais nas cidades. 61 Ainda segundo Melosi essas questões aceleraram<br />
problemas sanitários urbanos que só pioraram com as alterações nos cursos dos rios ou<br />
novos contornos em baias - casos esses que em certo grau podem ser percebidos no<br />
processo de urbanização de Nossa Senhora do Desterro no século XIX . 62 Tal crescimento,<br />
especialmente de grandes áreas urbanas, atingiu as esferas física, tecnológica, comercial e<br />
industrial e redimensionou o impacto desses aglomerados urbanos sobre o meio ambiente,<br />
principalmente sobre a poluição do ar, água e solo.<br />
Essa percepção das questões ambientais, especialmente urbanas, estreitamente<br />
ligadas às questões políticas e econômicas possibilita uma melhor observação de pontos<br />
relevantes para trabalhos de história ambiental, muitas vezes “diluídos” em leis, manuais<br />
agrícolas, posturas municipais e outros documentos históricos, lançando mais luz sobre o<br />
tema.<br />
60 MELOSI, Martin V. Cities, Tecnical Systems and the Environment. In: Environment History<br />
Review. V. 14, n. 1-2, Spring/summer 1990., p.45.<br />
61 Ibid., p. 47.<br />
62 Ibid., p. 48.
64<br />
No caso da Ilha de Santa Catarina, como o restante do atual território brasileiro, o<br />
desmatamento já vinha acontecendo há muito tempo, bem antes da colonização européia.<br />
Extração de madeira, queimadas, enfim, muito se perdeu da riqueza natural da Mata<br />
Atlântica e pouco ficamos sabendo de muitas espécies que já não existem. “Através do<br />
saber vagamente rememorado dos indígenas, transmitido com dificuldade a caboclos e<br />
africanos fugidos do período colonial, algumas espécies da Mata Atlântica haviam<br />
adquirido nomes e alguns deles tinham se associado a usos”. 63 Porém, com a colonização<br />
portuguesa a intensidade dessa transformação aumenta. A princípio, com a extração do paubrasil<br />
e depois com os engenhos de cana, as grandes fazendas de café, as áreas de<br />
mineração e pastagem, a agricultura e, finalmente, as cidades. Todo esse processo se deu na<br />
maioria das vezes em meio à ignorância quanto ao que se estava destruindo. Relativamente<br />
poucas eram as espécies vegetais e animais estudadas até o final do século XVIII. Além<br />
disso, segundo Dean,<br />
esses fragmentos de conhecimento empírico quase não tiveram aplicação<br />
comercial. (...) Toda essa complexidade estava sendo destruída antes que<br />
a inteligência humana pudesse compreendê-la. No fim do século XVIII,<br />
contudo, o interesse científico europeu estava começando a se voltar mais<br />
sistematicamente para o mundo natural, além de suas fronteiras. 64<br />
O interesse português mais efetivo verificado em fins do século XVIII se deve, em<br />
parte, a baixa arrecadação do quinto real sobre ouro e diamantes nessa época e a<br />
necessidade de ampliar seus mercados ultramarinos que estavam sendo assediados pela<br />
produção das colônias tropicais de outras potências européias. Essa “ressurreição da<br />
economia imperial exigia frota ampliada, produção colonial mais eficiente e diversificada,<br />
melhor infra-estrutura colonial e talvez maior integração econômica no interior das próprias<br />
63 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São<br />
Paulo: Companhia das Letras, 1996., p. 134.<br />
64 Ibid.,p. 134.
65<br />
colônias, pelo menos naqueles setores que sustentavam o comércio exportador”. 65 Isso só<br />
se daria com a abertura de caminhos, pesquisas sobre qualidade das plantas e<br />
principalmente ocupação e exploração efetiva justamente da área de Mata Atlântica.<br />
Tal processo de transformação ia ao encontro da idéia de progresso presente no<br />
discurso de políticos e pensadores do Brasil do século XIX. A referência a progresso estava<br />
vinculada a um modelo rural modernizado, com máquinas, tecnologias e produtos químicos<br />
que pudessem contribuir para um crescimento agrícola ordenado. De acordo com Pádua,<br />
“essa agricultura modernizada não era vista como fonte de destruição ambiental, mas sim<br />
como o caminho mais direto para a salvação do território e para a construção de um país<br />
efetivamente civilizado”. 66 Essa noção de progresso “supunha conservação e uso correto do<br />
mundo natural que, por sua vez, só fazia sentido no contexto desse progresso. A natureza<br />
[passa] a ser vista como um objeto político, um recurso essencial para o avanço social e<br />
econômico do país”. 67<br />
Os princípios do período no que se refere às florestas,<br />
especificamente, eram semelhantes à idéia de Braudel ao dizer que<br />
só há riqueza florestal se incorporada na economia, na presença de uma<br />
multidão de intermediários, pastores que conduzem os seus rebanhos, [...]<br />
lenhadores, carvoeiros, carreteiros, todo um povo selvagem [...] com o<br />
ofício de explorar, utilizar, destruir. A floresta só vale se for utilizada 68 .<br />
Nesse sentido, a duplicidade da idéia de progresso é palpável e implica, por um lado<br />
um objetivo ou, pelo menos, uma direção e, por outro, um juízo de valor. É essencial<br />
definirmos quais os critérios e valores em que se assentou a idéia de progresso nesse<br />
período da história da Ilha de Santa Catarina, para com isso compreendermos os usos<br />
65 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />
Op.cit., p. 135.<br />
66 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição. Op.cit., p. 19.<br />
67 Ibid., p. 28.<br />
68 BRAU<strong>DE</strong>L, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII. As<br />
estruturas do cotidiano: o possível e o impossível. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.331.
66<br />
atribuídos à natureza local sob a ótica positiva dos homens que a realizaram. Podemos<br />
afirmar, no entanto, sem o risco de um equívoco, que uma das coisas associada à idéia de<br />
‘progresso’, nesse momento, é o progresso científico e tecnológico, especialmente na área<br />
agrícola.<br />
Praticamente na origem de todas as acelerações da ideologia do<br />
progresso há um salto das ciências e das técnicas. Isto aconteceu no<br />
século XVII, no XVIII e no século XX. A segunda é a ligação entre o<br />
progresso material e a idéia de progresso. É a experiência do progresso<br />
que leva a acreditar nele, a sua estagnação é em geral seguida de uma<br />
crise de tal idéia. 69<br />
Esse domínio de novas técnicas e tecnologias estava diretamente ligado à idéia de<br />
controle da natureza. O caminho que levava ao progresso passava necessariamente pela<br />
transformação da natureza ou pela presença perceptível e modificadora do homem. Isso<br />
pode ser observado nas palavras de José Augusto Drummond, quando mostra que<br />
quase todas as paisagens elogiadas pelos escritores clássicos e<br />
contemporâneos amantes da natureza são na verdade jardins, áreas rurais<br />
criadas e manejadas pelos humanos e como o homem ocidental ama as<br />
paisagens que ele mesmo controla e constrói, forma nada sutil de gostar de<br />
si mesmo. Quanto à natureza selvagem, intocada, incontrolável, ele tem<br />
pavor ou um apetite insaciável de controlar, domesticar, civilizar. 70<br />
Nesse ponto da análise das transformações da Ilha de Santa Catarina outro conceito<br />
entra em debate: a paisagem. Seu significado é entendido de formas muito diversas pela<br />
geografia, pela história, pela biologia e por tantas outras disciplinas que usam esse conceito.<br />
A começar pelo próprio uso quase “indiscriminado” do termo que cobre desde espaços<br />
urbanos até rurais ou selvagens. A falsa unanimidade em torno de paisagem, de acordo com<br />
Blanc-Pamard e Raison, deve-se à liberdade de uso sem contestação, sem ao menos a<br />
69 LE GOFF, Jacques. Progresso. In: Einaudi. Região. Portugal: Imprensa Nacional, Casa da<br />
Moeda, 1986.v.1, p.341.<br />
70 DRUMOND, José Augusto. A História Ambiental: temas fontes e linhas de pesquisa. In: Revista<br />
de Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.4, n.8, p, 190., p.190.
67<br />
interrogativa: “você está vendo o que eu estou vendo”. Basicamente, os autores indicam<br />
que o essencial sobre a paisagem não reside no seu aspecto exterior, mas em reduzir a<br />
problema o que se vê. 71<br />
Para Dubost, a dimensão do termo paisagem passa pela compreensão e apropriação<br />
de elementos como território, sítio, espaço, natureza/campanha. Todos esses elementos, no<br />
entanto, devem ser somados ao ponto de vista do observador, pois a paisagem comporta um<br />
filtro e deve-se considerar o risco de ver a paisagem não como um reflexo do conteúdo real<br />
de um determinado espaço, mas como a realidade por si só. 72 Por isso, é importante ver na<br />
paisagem os elementos concretos que permitem decifrar a relação da sociedade local com a<br />
natureza. Essa percepção deve considerar os elementos pertencentes realmente a uma<br />
paisagem, seja ela florestal, rural ou urbana. Talvez em função dessa dúvida em definir ou<br />
delimitar sobre o que abrange, o termo paisagem tem sido aplicado acompanhado de um<br />
qualificativo como ‘paisagem agrária’, ‘paisagem urbana’, ‘paisagem florestal’. O que não<br />
facilita sobremaneira sua compreensão.<br />
A maioria das definições relaciona paisagem com organização ou arranjo do espaço,<br />
porém, de acordo com Paul Claval a paisagem não pode ser entendida simplesmente como<br />
a interação do homem com a natureza em um determinado lugar, ela é sim uma forma<br />
intelectual na qual diferentes grupos culturais a percebem e a interpretam, construindo os<br />
seus marcos e significados nela. 73<br />
O termo paisagem já aparecia em algumas obras importantes como Cosmos de<br />
Alexander von Humboldt, Geografia Comparada de Carl Ritter ou ainda Antropogeografia<br />
71 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: CAR<strong>DO</strong>SO, Ciro Flamarion;<br />
VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro. Campus, 1997., p.147.<br />
72 DUBOST, Françoise. La Problématique du Paysage.In: État des Lieux.Études Rurales. N. 121-<br />
124, Paris, IHESS, Janvier-décembre, 1991., p, 222.<br />
73 CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Florianópolis: UFSC, 1999.,p. 420.
68<br />
de Friedrich Ratzel. O termo foi empregado com algumas variantes interpretativas para<br />
transcrever dados sobre áreas distintas do planeta e, segundo Schier, não são independentes.<br />
Paisagens são, em quase todas as abordagens dos séculos XIX e XX,<br />
entidades espaciais que dependem da história econômica, cultural e<br />
ideológica de cada grupo regional e de cada sociedade e, se<br />
compreendidas como portadoras de funções sociais, não são produtos,<br />
mas processos de conferir ao espaço significados ideológicos ou<br />
finalidades sociais com base nos padrões econômicos, políticos e<br />
culturais vigentes. 74<br />
Entre tantas definições de paisagem, a maioria delas da geografia, e considerando as<br />
variáveis indicadas por Schier, Carl Sauer apresenta uma que contempla um universo maior<br />
de análises, extrapolando o campo da geografia. Em seu artigo A morfologia da paisagem,<br />
Sauer conceitua a paisagem<br />
como um organismo complexo, resultado da associação de formas que<br />
podem ser analisadas. Constitui-se de elementos materiais e de recursos<br />
naturais disponíveis em um lugar, combinados às obras humanas<br />
resultantes do uso que aquele grupo cultural fez da terra. Não se trata<br />
apenas de adição de elementos, mas de uma interdependência, sujeita<br />
também à ação do tempo. 75<br />
Ainda de acordo com Carl Sauer “a paisagem tem uma forma, uma estrutura, um<br />
funcionamento e uma posição dentro de um sistema, e este sistema está sujeito a<br />
desenvolvimento, transformação, aperfeiçoamento”. 76 Por isso, ao tratarmos especialmente<br />
de questões florestais é temerário referirmo-nos ao processo de derrubada de uma área de<br />
floresta simplesmente como destruição uma vez que é necessário que ocorra uma abertura<br />
das áreas de mata para que haja adaptação humana, vida em sociedade nos padrões atuais.<br />
Sociedades não se formam em meio à floresta, mas sim em clareiras, pequenas, grandes ou<br />
74 SCHIER, R. A. Trajetórias do conceito de paisagem na geografia. In: R. RA’E GA, Curitiba, n.<br />
7, p. 79-85: Editora UFPR, 2003.<br />
75 SAUER, O. A morfologia da paisagem. In: MAXIMIANO, L. A. Considerações sobre o conceito<br />
de paisagem. In: R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 83-91: Editora UFPR, 2004.<br />
76 SAUER, O. A morfologia da paisagem. Op.cit., p.83.
69<br />
gigantescas. Ao estudarmos esses espaços que definimos como parte de uma mesma<br />
paisagem, é essencial considerar as dimensões social, econômica e cultural, além de seu<br />
aspecto visual, entendido como um cenário onde aparecem os resultados dos eventos<br />
naturais e sociais.<br />
A idéia de paisagem nas sociedades contemporâneas, efetivamente, é permeada pela<br />
presença humana, uma vez que, de acordo com Leo Waibel, nós sempre enxergamos a<br />
paisagem em perspectiva, 77 como conceito qualitativo para o caráter conjunto de lugares<br />
semelhantes, com ênfase à fisionomia e à fisiologia de determinada área. 78 Ou seja, é o<br />
olhar do observador que qualifica a paisagem. Soma-se a isso o fato de que a maioria das<br />
paisagens é percebida por seus ângulos utilitários, sejam eles ligados a habitat, alimentos e<br />
toda uma gama de recursos cujas possibilidades de apropriação e transformação em um<br />
determinado território passam pelos conhecimentos do homem. Esses recursos só são<br />
efetivados quando se juntam ao saber fazer - transformação de uma substancia bruta/natural<br />
em um bem material cuja utilidade é reconhecida por um grupo social.<br />
A natureza foi por muito tempo pensada em oposição ao homem ou à cultura.<br />
Segundo Francisco Carlos Teixeira da Silva isso tem origem no final do século XVIII e<br />
fortalece-se no século XIX com o idealismo e o romantismo alemães, que distanciaram<br />
Natur de Kultur. 79<br />
Essa transformação do enfoque sobre a paisagem cede espaço ao<br />
entendimento de que a natureza não mais é um dado externo e imóvel, mas como um<br />
produto de uma prolongada atividade humana. 80<br />
77 ETGES, Virgínia Elizabeta. Geografia Agrária – a contribuição de Leo Waibel. Santa Cruz do<br />
Sul: EDUNISC, 2000., p. 89.<br />
78 Ibid., 91.<br />
79 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: História. Ed Campus: Rio de<br />
Janeiro, 1997., p. 204.<br />
80 Ibid., p. 204
70<br />
O diferencial importante que devemos reter na história da paisagem é a<br />
noção de conjunto, sistêmica, marcada por padrões possíveis de<br />
comparação. Não se trata de uma história econômica de uma região ou seu<br />
retrato – como na geografia -, nem tampouco de um processo de<br />
urbanização ou de esvaziamento de uma cidade, embora esses elementos<br />
devam estar presentes. Trata-se de uma visão de conjunto, do enlace de<br />
múltiplas variáveis, em uma duração sempre longa. 81<br />
Desse ponto de vista, procuraremos abordar as questões de imigração,<br />
desmatamento e urbanização na área assinalada de acordo com o contexto de temporalidade<br />
e sociedade em que foram promovidas, para compreender as apropriações e construções de<br />
conceitos e termos usados quando se faz referência à região em questão e as transformações<br />
impingidas à sua natureza. Natureza aqui entendida como o conhecimento cultural da terra<br />
e das criaturas vivas existentes nela, num nível de observação a olho nu.<br />
Era o que as pessoas observavam sem o uso de telescópios ou<br />
microscópios, sentiam, cheiravam e fixavam na memória, pensando nelas<br />
como experiências diretas com o mundo ao redor delas. A existência de<br />
um ‘mundo natural’, separado da sociedade, as idéias de ‘experiência<br />
direta’ e observações a olho nu, e a construção mental que delas<br />
resultavam são assentadas e teorizadas como qualquer coisa produzida<br />
pelos filósofos, mesmo que as hipóteses não sejam tão claramente<br />
articuladas. 82<br />
Nesse sentido o conceito de “natureza” aproxima-se do de “ambiente”, porém, um<br />
conceito fechado é muito difícil e certamente encontrará barreiras de definição de uma<br />
disciplina à outra que o use, no entanto concordamos que<br />
81 Ibid., p. 205.<br />
o determinismo do ambiente não é linear: esta ou aquela sua<br />
característica não implica necessariamente esta ou aquela instituição ou<br />
prática social. Por um lado, o fenômeno social pelo qual uma<br />
comunidade actua sobre o ambiente ou se lhe adapta não é apenas uma<br />
simples resposta a um problema ecológico; faz também parte integrante<br />
do conjunto de um sistema social. Em especial, o fato de um grupo social<br />
82 DUNLAP, Thomas R. Nature and the English diaspora: environment and history in the United<br />
States, Canada, Australia, and New Zeland. In: NODARI, Eunice; CESCO, Susana; WERLE,<br />
Márcio; CARVALHO, Miguel M.X. As Florestas do Sul do Brasil na Imprensa Alemã e a Atração<br />
de Imigrantes. In: DREHER, M. N.; RAMBO, A.B.; TRAMONTINI, M. J. (org.) Imigração e<br />
Imprensa. São Leopoldo: EST Edições, 2003. p. 164.
71<br />
assumir um fenômeno ecológico deve ser compatível com a própria<br />
organização desse mesmo grupo. Por outro lado, o processo estabelecido<br />
entre uma comunidade humana e o seu ambiente é dialético: toda a<br />
prática social tende a modificar (ou adaptar-se a) um ecossistema do qual<br />
faz parte o grupo que a exprime. As relações homem-ambiente são<br />
recíprocas, e os fenômenos de feedback são a regra, e não a exceção. 83<br />
Essa adaptação/modificação é resultado de pressões sofridas pelas comunidades<br />
humanas em seu esforço de ocupação de novos e distintos espaços e variam de acordo com<br />
as possibilidades oferecidas pelo ambiente que estão ocupando naquele momento. Além de<br />
serem mais ou menos impactantes de acordo com seu grau de desenvolvimento tecnológico<br />
e econômico. As comunidades que migram, como foi o caso de alguns grupos que<br />
ocuparam a Ilha de Santa Catarina, levam consigo a lembrança de seu local de origem e<br />
tentam recriá-lo, ao menos os itens que a memória os leva a crer serem bons. “As diversas<br />
implicações sociais das relações com o ambiente são muito claras quando se consideram as<br />
respostas que as várias comunidades dão a um mesmo tipo de problema”. 84<br />
Isso pode ser<br />
percebido na imigração entre ilhas que, a princípio, parecia ideal e resolvia boa parte dos<br />
problemas de adaptação dessas comunidades. No entanto, independente de serem ilhas,<br />
eram espaços totalmente diferentes. Solo, plantas, animais e clima eram diversos,<br />
independentes de estarem cercados pelo mar.<br />
Com o povoamento programado do sul do Brasil, tópico da política pombalina de<br />
ocupação da fronteira, e no caso específico da Ilha de Santa Catarina, ponto estratégico e de<br />
longa disputa com a Espanha, a natureza foi “usada” da forma que os então novos<br />
habitantes entendiam como mais apropriada, qual seja, com o que eles traziam da Europa<br />
em termos de saberes e práticas, desconsiderando ou desconhecendo as particularidades de<br />
83<br />
BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.<br />
Enciclopédia Einaudi. Ambiente. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989. v. 8.,<br />
p. 21.<br />
84<br />
BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.<br />
Enciclopédia Einaudi. Op. Cit., p. 25.
72<br />
uma floresta totalmente diferente da européia. Como conseqüência, novos usos foram<br />
aplicados à “natureza” local e essas novas ações provocaram reações diversas que se<br />
converteram em profundas alterações geopolíticas e também ecológicas.<br />
Os limites impostos pela insularidade criaram uma fronteira “definitiva” no que diz<br />
respeito à exploração de recursos naturais, à transformação de áreas de mata em áreas<br />
agricultáveis ou à ocupação humana. Esse fator teve influência nos usos dados às terras da<br />
Ilha e, aliado a outras características geográficas locais, foram importantes no que diz<br />
respeito à dinâmica das alterações ambientais, especialmente as decorrentes das práticas<br />
agrícolas. Também influenciaram a maneira como os habitantes locais viveram esse<br />
processo e adaptaram ou readaptaram seus costumes e práticas.<br />
Apesar dessa estreita relação entre homem e meio ambiente devemos atribuir o peso<br />
devido a cada uma dessas transformações e, como Fredrik Barth sugeriu, devemos assumir<br />
[...] um ponto de vista que não confunda os efeitos das circunstâncias<br />
ecológicas sobre o comportamento com os efeitos da tradição cultural,<br />
tornando possível a separação desses fatores e a investigação dos<br />
componentes culturais e sociais não-ecológicos que agem no sentido da<br />
criação de diversidade. 85<br />
Ainda de acordo com Barth, é ingênuo acreditar que cada tribo e cada povo mantêm<br />
sua cultura através de uma indiferença hostil com relação a seus vizinhos. Isolamento social<br />
e geográfico não são fatores que mantêm a diversidade cultural. 86 Barth também defende<br />
que as formas culturais aparentes exibem efeitos da ecologia.<br />
Não me refiro ao fato de que elas refletem uma história de adaptação ao<br />
meio ambiente; em um sentido mais imediato, elas também refletem as<br />
circunstancias externas às quais os atores têm que se acomodar. Será que<br />
as mesmas pessoas, com os mesmos valores e idéias, não adotariam<br />
diferentes padrões de vida e institucionalizariam diferentes formas de<br />
85 BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro:<br />
Contra Capa Livraria, 2000., p. 31.<br />
86 BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Op.cit., p. 26.
73<br />
comportamento, se postas diante de oportunidades diferentes<br />
oferecidas por ambientes distintos 87<br />
A busca de um entendimento para esse processo de resignificação de espaços passa,<br />
necessariamente, pelos próprios conceitos de espaço que os colonizadores traziam consigo,<br />
em especial os açorianos e demais colonizadores de origem européia. É importante ressaltar<br />
que seus objetivos eram ocupar lotes em uma colonização planejada e torná-los produtivos<br />
no menor tempo possível. Essa, aliás, era a regra dos contratos de concessão de terras até<br />
1822, ano de sua suspensão. Terras sem produção e benfeitorias em dois anos voltariam a<br />
ser devolutas, logo percebemos certa urgência em limpar a terra e mostrar ocupação. Esses<br />
fatores podem ter direcionado a maneira de tratar a terra e sua cobertura vegetal. Se a<br />
floresta não era importante para a Coroa – entenda-se que essa falta de interesse ocorria<br />
pela floresta enquanto floresta e não enquanto madeira – a ponto de sua derrubada e a<br />
transformação do terreno em solo agricultável ser uma regra, seria anacrônico cobrar dos<br />
imigrantes uma “consciência ecológica”.<br />
Claro está que esses imigrantes trouxeram em sua bagagem cultural práticas já bem<br />
definidas de exploração florestal – limpar a terra para agricultura, construção, vestuário,<br />
alimentação. Tais práticas eram corriqueiras, sejam eles agricultores emigrados ou<br />
estreantes no ramo que, pelas más condições da terra natal, chegaram à então colônia em<br />
resposta aos interesses da Coroa. A idéia de implantar um modelo de ocupação baseado em<br />
pequenas propriedades de agricultura familiar foi bem aceita, pois um dos problemas mais<br />
palpáveis enfrentados por essas pessoas, especialmente os oriundos das ilhas oceânicas de<br />
Portugal, era a falta de terra, especialmente de terra fértil.<br />
Vindo também de uma realidade insular acreditou-se, talvez, em uma adaptação<br />
mais simples. Porém, paravam aí as semelhanças. Ilhas sim, mas o arquipélago dos Açores<br />
87 Ibid., p. 30.
74<br />
tinha uma considerável distância do continente – eram ilhas oceânicas – ao passo que a<br />
Ilha de Santa Catarina era costeira e o contato de seus habitantes com o continente fronteiro<br />
era praticamente diário. O isolamento só se dava no âmbito da terra e da possibilidade de<br />
expansão. A Ilha não era uma fronteira aberta. Aliás, o conceito de fronteira é muito<br />
importante para o desenvolvimento dessa analise. A idéia, universalmente difundida, de<br />
fronteira como linha que separa duas regiões diferentes pode ser questionada, pois as<br />
constantes idas e vindas dos moradores de uma ou várias regiões os coloca em contato<br />
cultural e social entre si, tornando a fronteira uma abstração que não tem existência real<br />
fora do mapa geográfico. Como afirma Diegues,<br />
a fronteira tem, portanto, no fim de contas, pressupostos sociais e não<br />
geográficos, é muito mais o contorno político de uma área natural. Ela<br />
depende da consciência do grupo que tende a isolar-se, e é tanto mais<br />
sólida quanto mais profundas são as diferenças entre esse grupo e o seu<br />
vizinho. 88<br />
O entendimento desse ponto lança luz sobre os três vetores de transformação que<br />
iremos abordar nesse trabalho. A floresta, a agricultura e a cidade não são separadas no<br />
tempo e no espaço em parte alguma do Brasil do século XIX, tampouco na Ilha de Santa<br />
Catarina. Sem grandes propriedades rurais, a apropriação de áreas de floresta de acordo<br />
com a necessidade de expansão – áreas que em momentos anteriores eram tidas como<br />
inóspitas ou improdutivas – era corriqueira. A Ilha era composta pela pequena cidade de<br />
Nossa Senhora do Desterro, como núcleo urbano único do local durante todo o século XIX,<br />
além das minúsculas sedes de freguesias que dividiam a noção de aglomerado urbano, rural<br />
e selvagem - representados aqui pela cidade, pela propriedade rural e pela mata. Muitas<br />
vezes esses espaços não tinham limites definidos, outras, “apropriavam-se” de<br />
características não suas como as chácaras e sítios que pagavam décima urbana por estarem<br />
88 DIEGUES. Ilhas e mares. Op.cit., p. 27.
75<br />
na área doada pela coroa à Câmara Municipal, ou casas de “veraneio” em pontos tidos<br />
como rurais. Também não podemos desconsiderar as indicações da necessidade de plantar<br />
árvores no núcleo urbano, feitas por viajantes estrangeiros como Saint-Hilaire, 89 ato de<br />
remediação da anterior devastação – recomendação concretizada nas praças, nos passeios<br />
públicos e jardins botânicos.<br />
A historiografia ambiental brasileira tem explorado bastante os relatos de viajantes e<br />
naturalistas de um modo geral, algo compreensível se considerarmos que através desses<br />
relatos, muitos em formato de crônica, 90 chegaram até nós as primeiras informações sobre a<br />
cobertura vegetal do Brasil. Esse conjunto de transformações desenha e redesenha as<br />
fronteiras políticas e econômicas de uma determinada região. O tema da fronteira, nesse<br />
sentido, é importante para processos de construção territorial através de migração e<br />
colonização. Como afirma David Arnold,<br />
a idéia de fronteira que avança é uma das principais formas na qual os<br />
historiadores se propuseram a conceituar o processo de interação e<br />
conflito entre dois conjuntos de pessoas culturalmente distintos e as<br />
idéias e as práticas ambientais que representam. 91<br />
Não se trata, por certo, de replicar as idéias de Frederick Jackson Turner 92 quando<br />
escreveu sobre o avanço da fronteira norte-americana para o Oeste. Com uma posição<br />
influenciada pelo darwinismo social, o autor trata o “avanço” dessa fronteira e a<br />
transformação radical desse ambiente como um processo homogêneo e uma “conseqüência<br />
natural” da superioridade dos colonizadores de origem européia. Uma visão mais<br />
89 SAINT-HILAIRE, Auguste de – Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo Horizonte; Ed.<br />
Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978., p. 175.<br />
90 Ver, entre outros, ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário: história Natural, viagens<br />
científicas e relatos sobre a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Tese de doutoramento<br />
inédita. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.<br />
91 ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: el medio, la cultura y la expanción<br />
de Europa. México: Fondo de Cultura Económica, 2000., p. 95.<br />
92 TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American History, New York, 1953, p. 01.
76<br />
diferenciada e refinada do tema das fronteiras, inclusive no caso dos Estados Unidos,<br />
deveria incluir a produção de uma variedade de “fronteiras ecológicas”, pois os<br />
colonizadores trazem consigo novas tecnologias, novas espécies e novos usos para a<br />
“natureza” local, provocando profundas alterações geopolíticas e mudanças ambientais. A<br />
própria lógica desse avanço se funda na desqualificação das paisagens culturais locais,<br />
culminando na idéia de “terra livre”, um espaço “vazio” para a ocupação e o uso da terra<br />
nos moldes da Europa. 93<br />
Segundo Schama, os fundadores do moderno ambientalismo, Henry David Thoreau<br />
e John Muir, acreditavam que<br />
a natureza selvagem estava em algum lugar no coração do Oeste<br />
americano, esperando que a descobrissem, e que seria o antídoto para os<br />
venenos da sociedade industrial. Os “ermos bravios”, contudo, eram,<br />
naturalmente, produto do desejo da cultura e da elaboração da cultura,<br />
tanto quanto qualquer outro jardim imaginado. 94<br />
Esse amplo universo de conceitos, cujos significados muitas vezes se cruzam ou, em<br />
determinadas disciplinas, se confundem, não devem ser vistos separadamente, pois no caso<br />
dessa tese eles são elementos que compõem as três faces – floresta, agricultura e cidade -<br />
do objeto de estudo; como um prisma. Também são os instrumentos que usamos para<br />
enfocar de maneira conjunta esses três ângulos. A separação dos mesmos em capítulos é<br />
puramente analítica e não um “fatiamento” delas, pois entendemos que essas variáveis<br />
precisam ser analisadas em conjunto para alcançarmos a real dimensão do problema.<br />
Outro ponto importante é que a proposta vai além de uma história florestal ou de<br />
uma história agrária, pontos que muitas vezes são taxados como “pertencentes ao campo da<br />
história ambiental”. A cidade, sua construção, seu sítio, seu dia-a-dia, as maneiras com que<br />
93 ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico. Op. cit., p. 98.<br />
94 SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia da Letras, 1996., p. 17.
77<br />
os recursos do ambiente são utilizados, os valores atribuídos a determinados lugares e o<br />
próprio desenho urbano são áreas de interesse da história ambiental, especialmente em uma<br />
Ilha onde os limites impostos pela insularidade são mais palpáveis que outros limites<br />
naturais como uma montanha ou um mangue.<br />
Não é uma afirmação de isolamento, uma vez que as pessoas, mesmo vivendo em<br />
uma ilha, em especial uma ilha costeira, têm constante contato com o continente, os limites<br />
entre terra e mar são fronteiras definitivas, basicamente, no que se refere, por exemplo, à<br />
ampliação de terras para além dos limites da ilha. Não estamos considerando os aterros que<br />
podem ampliar as áreas emersas, pois, apesar do primeiro plano de aterro para a Ilha ser de<br />
1846 e constar nos arquivos do Exército, esses só começam no final século XIX.<br />
Estamos falando sim da história gerada a partir desse fato muito relacionado à<br />
insularidade e pensamos que essa história é integrada (floresta, agricultura e cidade). Em<br />
outros ambientes pode ser “confundida” uma vez que os limites possíveis de aumento de<br />
áreas agrícolas ou urbanas são maiores. Em uma ilha esses elementos necessariamente<br />
interagem mais e, muitas vezes, os limites se confundem ou deixam de existir. É o caso, por<br />
exemplo, quando o morador de uma área tida como rural não é um agricultor e se desloca<br />
para a cidade para trabalhar.<br />
Desse ponto de vista não podemos simplesmente tratar da derrubada da floresta<br />
primária que cobria a Ilha de Santa Catarina como degradação. Como já foi considerado<br />
anteriormente, uma sociedade não se constitui em meio a mata e quando o espaço é mais<br />
restrito percebe-se isso com mais clareza. Uma mesma área foi adaptada para dar lugar a<br />
uma comunidade, para isso suas matas foram derrubadas de acordo com as necessidades<br />
dessas pessoas, sejam eles moradores ou seus administradores em nome da Coroa lusa.<br />
Nessas áreas, agora despidas de suas matas, formaram-se campos agrícolas e áreas<br />
urbanizadas. Para as circunstâncias do período em que a produção de alimentos era
78<br />
necessária para a manutenção dos novos moradores essa foi a melhor solução, ou seja,<br />
não foi uma destruição. Provavelmente apenas podemos questionar se poderia ter sido<br />
menos agressiva.<br />
Como resultando dessa mistura de natureza, tempo histórico, pessoas, política e<br />
economia, o que temos efetivamente são, muito mais que destruição ou construção,<br />
transformações de espaço, paisagem, fronteiras e da própria noção de insularidade.
II<br />
A QUESTÃO FLORESTAL<br />
Com a colonização açorita e madeirense a<br />
Ilha de Santa Catarina e o continente<br />
fronteiriço começaram a florescer<br />
vantajosamente e as encostas dos montes e<br />
os vales humosos a cobrirem-se de pomares<br />
e hortas. Por toda a parte ouviam-se as<br />
pancadas fortes dos machados ferindo o rijo<br />
cerne das árvores collossaes, o ruído<br />
metálico das enxadas limpando a terra<br />
virgem. 1<br />
2.1 Leis para o Brasil: entre o legal e o usual.<br />
O Brasil enquanto colônia de Portugal foi regido por leis, decretos, alvarás e<br />
ordenações elaborados no reino e aqui aplicados. Até a transferência do governo português<br />
para o Brasil em 1808, as decisões sobre a colônia, ao menos ao nível formal, tinham<br />
Lisboa como centro. Órgãos como o Desembargo do Paço e a Casa de Suplicação ou o<br />
Conselho de Fazenda e a Mesa de Consciência e Ordens Portuguesas elaboravam as regras<br />
na então colônia, além de fazerem cumprir os tratados e decretos reais. Durante esse<br />
período, a legislação voltada para a questão florestal no Brasil ganhou contornos mais<br />
definidos. O cunho dessas leis não era, certamente, preservacionista, o interesse era<br />
econômico e o objetivo do controle na extração de algumas espécies era a manutenção das<br />
mesmas para exploração futura.<br />
1 BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História Catharinense. Typ. a vapor da Livraria<br />
Moderna. Florianópolis, 1912., p. 226-227.
80<br />
Observando a história da legislação colonial, notamos períodos de variação nas<br />
atividades legislativas, o mesmo acontece com os esforços para colocar essas leis em<br />
prática. Podemos identificar desde o início da colonização portuguesa três períodos<br />
importantes nesse emaranhado campo da elaboração e aplicação de leis:<br />
entre o começo da ocupação efetiva do território, em 1532, quando as<br />
cartas de sesmarias já interditavam o acesso dos concessionários ao paubrasil,<br />
até a incorporação da coroa portuguesa pela dinastia espanhola,<br />
em 1580; da restauração até o final do século XVII, período marcado por<br />
um esforço normativo numa etapa de consolidação do poder dos<br />
Bragança; e, finalmente, as últimas três décadas do período colonial,<br />
quando, num contexto de decadência imperial e crise financeira pós-ciclo<br />
da mineração, tenta-se arrochar o pacto colonial, o que se expressa no<br />
plano florestal pela tentativa de monopolização régia de todas as matas à<br />
borda do mar e de todos os rios navegáveis (1797). 2<br />
O regimento do pau-brasil, de 1605, é considerado a primeira lei específica desse<br />
gênero. No Brasil, é uma espécie de primeiro vislumbre de política ambiental aplicada à<br />
colônia. Foi a primeira vez, em cem anos de ocupação, que a natureza era percebida como<br />
esgotável e passível de extinção. Possivelmente algumas espécies haviam sido degradadas<br />
ou até extintas nesse mesmo período, mas é apenas quando o atingido é o produto que mais<br />
gerava renda ao reino, até aquele momento, que medidas de controle passaram a fazer parte<br />
do horizonte desses legisladores portugueses.<br />
O tratamento dado ao Brasil no que tange a leis, decretos e regulamentações<br />
assume outras características após a morte de D. José, em 1777, quando D. Maria assume o<br />
trono e o Marquês de Pombal abdica do cargo. A rainha permanece no posto até 1792<br />
quando é declarada mentalmente instável e dá lugar na administração dos negócios do<br />
Estado a seu segundo filho, D. João. É em parte de sua administração como príncipe<br />
regente que Rodrigo de Souza Coutinho atuou como Secretário de Estado da Marinha e<br />
2 CABRAL, D. C.; CESCO, Susana. Árvores do rei, florestas do povo: A instituição das 'madeirasde-lei'<br />
no Rio de Janeiro e na Ilha de Santa Catarina no século XVIII. Luso-Brazilian Review.<br />
v.44, n. 2. 2007., p. 51.
81<br />
Domínios Ultramarinos de Portugal e com ele, ou sob sua influência, alguns decretos<br />
sobre território e recursos naturais do Brasil foram promulgados.<br />
Entre eles, a carta régia de 1797 foi uma medida mais efetiva no que tange<br />
classificação, avaliação e mapeamento da flora brasileira. Até então, relatos e desenhos<br />
“eram esforços amadores que não contradizem a suposição de que as autoridades<br />
portuguesas, pelo menos em dois séculos e meio, não se preocuparam muito com a<br />
impressionante biota da esplêndida colônia que havia caído em suas mãos”. 3<br />
Durante a atuação de Souza Coutinho como ministro, desencadeou-se uma série<br />
de medidas de estímulo à pesquisas de naturalistas luso-brasileiros sobre a fauna e flora da<br />
colônia. Ordens como a compilação de uma flora do Império inteiro e a criação de uma<br />
editora especializada em traduzir e editar textos sobre agricultura tropical fizeram de Souza<br />
Coutinho um dos nomes importantes na tradição brasileira de pensamento e crítica<br />
ambiental. 4<br />
O documento tratado aqui como carta régia de 1797, que foi promulgado em 13<br />
de março desse ano, é uma carta em que a rainha D. Maria I declarava ser propriedade de<br />
sua “Real Coroa todas as matas e arvoredos que estão à borda da costa, ou de rios<br />
navegáveis”. 5 Por meio desse instrumento legal, a Coroa requisitava a propriedade total,<br />
não só das espécies de “madeiras de lei”, mas de todas as árvores existentes na faixa de 10<br />
léguas (aproximadamente 66 quilômetros) da costa e das margens de “rios que<br />
desemboquem imediatamente no mar, e por onde em jangadas se possam conduzir as<br />
3 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São<br />
Paulo: Companhia das Letras,1996., p. 101.<br />
4 Para saber mais sobre esse tema, ver PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição -<br />
pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro, Jorge<br />
Zahar Editor, 2002.<br />
5 Carta Régia de 13 de março de 1797 apud SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação florestal. Rio<br />
de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934, p.20-21.
82<br />
madeiras cortadas até as praias”. 6 Essa medida vinha em resposta à escassez de madeira<br />
adequada para construção naval ou, mais especificamente, pela atividade de extração das<br />
madeiras abundantes e de alta qualidade da costa brasileira ter sido mal administrada. Isso<br />
só poderia ser explicado, de acordo com Warren Dean, pelo atraso nos métodos de extração<br />
e pela indústria naval portuguesa estar concentrada em Portugal, pouco ou nada sendo<br />
construído na costa brasileira, uma vez que, “por mais de dois séculos, a maior parte da<br />
madeira própria para navios oceânicos era enviada aos estaleiros reais de Lisboa. Embora a<br />
construção de barcos fosse comum por toda a costa brasileira, existe pouco registro de<br />
navios oceânicos antes do século XVIII”. 7 Aliás, um dos aspectos mais significativos do<br />
recurso à floresta no universo europeu foi a construção naval, e com a expansão européia a<br />
partir do século XV, só intensificou o processo. Segundo Vieira, “até 1862, altura em que<br />
se atingiu a idade do ferro, a madeira foi a matéria prima da construção naval”. 8<br />
Esses últimos anos do século XVIII foram prolíficos em matéria de leis para a<br />
conservação das matas do Brasil. O enfoque continuava sendo preponderantemente<br />
utilitarista, mas novas idéias de preservação já começavam a surgir. É nesse período que se<br />
cria o cargo de Juiz Conservador, que era o aplicador das penas previstas em lei. Ainda no<br />
ano de 1797 surgiram advertências governamentais sobre a necessidade de tomar todas as<br />
preocupações para a conservação das matas do Brasil para evitar que fossem destruídas. 9<br />
O problema da terra e da natureza no Brasil nunca deixou de ser discutido. Foi no<br />
século XIX, porém, que recebeu maior atenção. A chegada da família Real em 1808 teve<br />
conseqüências diretas sobre a questão das terras e das matas do Brasil. Foram tomadas<br />
6 Carta Régia de 13 de março de 1797 apud SOUZA, Paulo Ferreira de. Op.cit., p. 21.<br />
7 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira., Op.cit.,<br />
p. 150.<br />
8 VIEIRA, Alberto. História e Eco-História. Repensar e Reescrever a História Econômica da<br />
Madeira. In: História e Meio Ambiente. O impacto da Expansão Européia. Funchal: Centro de<br />
Estudos da História do Atlântico/Secretaria Regional do turismo e Cultura, 1999., p.90.<br />
9 Regimento do Pau-brasil, 12 de dezembro de 1605.
83<br />
medidas administrativas como a datada de 9 de abril de 1809 que prometia liberdade aos<br />
escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil ou urbanísticas, como o decreto<br />
de 3 de agosto de 1817 que proibia o corte de árvores nas áreas que circundavam o rio da<br />
Carioca e no trajeto do aqueduto de Santa Teresa no Rio de Janeiro para preservar a água<br />
da cidade. Essas foram algumas das intervenções diretas na preservação florestal do<br />
Império, mesmo que tais atitudes viessem ao encontro apenas de uma necessidade de criar<br />
reservas para exploração futura e não de um objetivo preservacionista. Essa preocupação<br />
não material - ligada diretamente à importância financeira da fibra lenhosa - não foi uma<br />
determinação única para a preservação das matas, mas serviu como estímulo.<br />
A preocupação existia devido à madeira ter sido, por muito tempo, matéria-prima<br />
e combustível para grande parte das atividades humanas. Leis e decretos de proteção desse<br />
importante produto justificavam-se por ele ser indispensável e até insubstituível no<br />
processo de produção de muitos bens de primeira necessidade. Madeira era necessária para<br />
gerar o fogo que aquecia e cozinhava alimentos, para a construção de moradias, para o<br />
fabrico de telhas, tijolos, cimento, ferro, chumbo e vidro. Somando-se a isso sua<br />
importância como árvore, na cobertura e fertilização natural do solo a ser usado para<br />
agricultura e, também, como matéria prima para a construção de carros, carroças, pontes,<br />
curtir couros e tantos outros préstimos.<br />
As leis de proteção das florestas - que eram na verdade protetoras da madeira, um<br />
produto de alto valor e que não tinha substituto à altura nesse momento - não foram<br />
privilégios dos monarcas portugueses. No início do seu reinado Elizabeth I (1533 - 1603)<br />
tentou, através de um decreto, proibir a venda de navios fabricados na Inglaterra a<br />
estrangeiros. No mesmo ano o Parlamento também promulgou uma lei para proteger a
84<br />
madeira usada na construção naval, evitando seu uso como combustível. 10 Semelhante à<br />
legislação portuguesa aplicada ao Brasil, essa lei proibia a venda e o corte da madeira para<br />
combustível de áreas até 22 km da margem do mar ou dos rios Tamisa, Severn, Wye,<br />
Humber, Tyne, Tees, Trent, ou qualquer outro rio, arroio ou curso d’água, usados<br />
comumente por barcos. 11<br />
O valor da fibra lenhosa é inquestionável e foi, como já citado, insubstituível até o<br />
início do século XX para muitos fins. Outro fato importante era o esgotamento das reservas<br />
européias desse material, cuja escassez já era percebida em alguns locais ainda no século<br />
XV e início do XVI. Por isso, quando, em 1420, a Ilha da Madeira começou a ser<br />
colonizada pelos portugueses ocorreu um desmatamento descontrolado que gerou sérios<br />
problemas ambientais em algumas décadas. Posterior ao inicial desmatamento e semelhante<br />
ao que ocorreu com a Ilha de Santa Catarina, deu-se a implementação da agricultura, sendo<br />
que lá o produto de interesse português plantado foi a cana-de-açúcar. Antes da cana, em<br />
especial nos Açores, cultivou-se plantas corantes e depois culturas tradicionais como o<br />
milho, o trigo e vinhedos. De todos esses, no entanto, a cana-de-açúcar foi a que mais<br />
consumiu madeira, seja pela derrubada das matas para seu plantio ou pela lenha necessária<br />
ao cozimento.<br />
Em 1494, a indústria açucareira de Madeira precisava de cerca de sessenta<br />
mil toneladas de madeira apenas para ferver cana. Quatro dos dezesseis<br />
engenhos que funcionavam na Ilha consumiam oitenta mil cargas de<br />
madeira por ano, transportadas por animais. Os proprietários dos engenhos<br />
transportavam a maior parte do seu combustível pelos rios durante a<br />
estação das chuvas. Na época seca, os lenhadores subiam os morros e<br />
montanhas para cortar as árvores. Quando as chuvas começavam, eles<br />
retornavam aos locais onde as haviam cortado e rolavam as toras, que<br />
desciam pelo principal rio da Madeira. O rio ficava atravancado de troncos.<br />
12<br />
10 PERLIN, John. História das Florestas - a importância da madeira na história da civilização.<br />
Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1992., p. 193.<br />
11 Ibid., p. 193.<br />
12 Ibid., p. 266.
85<br />
As características climáticas da Ilha da Madeira eram semelhantes às do Brasil,<br />
especialmente as condições de cultivo da própria cana-de-açúcar. A conseqüência dessa<br />
produção agrícola descontrolada foi o desflorestamento. De acordo com Richard Ligon, em<br />
passagem pela Ilha da Madeira, a mesma estava tão “queimada pelo sol que não se pode ver<br />
nada verde”. 13 Essa devastação ocorreu em apenas 240 anos de ocupação portuguesa. A<br />
devastação florestal naquela ilha não teve como conseqüência apenas o “fim” de uma<br />
reserva de matéria prima; as conseqüências foram muito mais graves, como o assoreamento<br />
do rio mais importante da Ilha que era usado para transportar madeira no século XV e era<br />
considerado insignificante por viajantes que por lá passavam em meados do XIX. Antes de<br />
chegar a esse extremo, ainda em meados do século XVIII, a falência dos recursos naturais<br />
e, conseqüentemente, a falência agrícola e a alimentar provocaram preocupação à Coroa<br />
portuguesa que estimulou a emigração para sua outra colônia, o Brasil, 14 rica em terras e<br />
matas virgens e carente de braços para transformar e “civilizar”.<br />
No entanto, a dimensão dessa floresta e as implicações de sua derrubada<br />
desenfreada e sem planejamento não foram postas em questão por muito tempo e o mesmo<br />
pode-se dizer sobre os estudos a respeito da mesma. No caso do Brasil, a floresta mantevese<br />
à parte da historiografia por muito tempo. Era o cenário e mesmo quando a história era<br />
sobre a destruição do cenário ela nunca passou de uma coadjuvante. Segundo Warren Dean,<br />
“a história florestal corretamente entendida é, em todo o planeta, uma história de<br />
exploração e destruição. O homem reduz o mundo natural à paisagem”. 15 Porém esse autor,<br />
estudioso contumaz da Mata Atlântica, não dimensiona algo que, de nosso ponto de vista, é<br />
13 LIGON, Richard apud PERLIN, John. História das Florestas - a importância da madeira na<br />
história da civilização. Op.cit., p. 272.<br />
14 PIAZZA. A Epopéia Açórico-Madeirense. Co-Edição: Editora da UFSC, Editora Lunardelli,<br />
Florianópolis, 1992.<br />
15 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />
Op.cit., p. 23.
86<br />
fundamental: o homem não vive no meio da floresta, na melhor das hipóteses vive em<br />
clareiras na mata.<br />
A formação e fixação de grupos humanos, mesmo que pequenos, acarreta para a<br />
sua instalação em determinado local a adaptação do mesmo. Isso se dá com a “limpeza” do<br />
terreno, livrando-o de árvores e outras plantas, possibilitando a construção de moradias e a<br />
produção de alimentos, sejam eles provenientes da agricultura em pequena escala ou da<br />
criação de animais domésticos. Essas atividades aumentam em escala de acordo com o<br />
tamanho ou crescimento desse grupo de pessoas e, conseqüentemente, a área a ser<br />
transformada expande-se. A conservação total de uma floresta como a Mata Atlântica fica<br />
inviabilizada com a presença humana. O próprio Dean admite que: mesmo habitada por<br />
populações humanas tribais, ou mesmo desconhecedoras do ferro, a Mata Atlântica sofreu<br />
destruição por fogo, extinções de animais e transferências de plantas que jamais saberemos<br />
em sua totalidade, isso antes da chegada dos Europeus. Posteriormente, os portugueses,<br />
imprevidentemente, “destruíram uma considerável realização cultural: [...] a capacidade dos<br />
habitantes nativos de sobreviver em seu meio”. 16 E com essa destruição destruíram também<br />
um incalculável “estoque” de conhecimento sobre a Mata Atlântica, acumulado por esses<br />
mesmos nativos durante centenas de anos<br />
No entanto, aborda-se a devastação da Mata Atlântica como transformação e não<br />
como pura destruição, uma vez que o processo de derrubada da floresta foi um aspecto<br />
necessário da história da ocupação. Não se contesta o fato de que houve excessos, erros,<br />
enfim, um claro uso desordenado e destrutivo dos recursos naturais do bioma da Mata<br />
Atlântica, mas o enfoque de transformação possibilita uma abordagem menos<br />
“preconceituosa” dessa relação homem versus mundo natural.<br />
16 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />
Op.cit., p. 83.
87<br />
A Mata Atlântica, em si mesma, só foi percebida como riqueza pela coroa<br />
portuguesa no final do século XVIII, no contexto do declínio das rendas com a extração do<br />
ouro nas Minas Gerais. E também pela preocupação iluminista com conhecimento e uso<br />
racional do mundo natural, que em Portugal teve como marco a obra de Vandelli e seus<br />
discípulos, como Souza Coutinho. Essa nova dimensão que a natureza alcança para o olhar<br />
português se reflete na vontade de alguns membros da elite de conhecer a colônia para<br />
melhor explorá-la e ocupá-la. Na esteira desse conhecimento estavam a busca de novas<br />
fontes de renda, a avaliação acerca das doenças tropicais e os melhores locais para a<br />
fundação de cidades.<br />
Os nomes que nesse período contribuíram para o conhecimento e uso racional da<br />
natureza brasileira também são os “responsáveis pela construção de um modelo<br />
interpretativo da paisagem nacional”, 17 sem, no entanto ter um caráter preservacionista,<br />
uma vez que intelectuais e autoridades no período viam no Brasil uma potência que poderia<br />
exportar uma variada gama de produtos, tendo para isso que expandir a transformação de<br />
suas terras cobertas de florestas em áreas agrícolas, pecuaristas ou urbanizadas. Mesmo<br />
considerando que a devastação tenha sido intensa desde a chegada européia, ainda no<br />
século XIX grande parte do território era florestal ou de campos, enfim, áreas desocupadas<br />
ou devolutas.<br />
Essa civilização emergente em formação era diferente em cada ponto do grande<br />
território e essas diferenças eram, em grande medida, influenciadas pelo mundo natural,<br />
desde seus hábitos alimentares até as atribuições e usos dados à natureza. Isso pode ser<br />
percebido ao analisarmos a própria constituição das florestas tropicais do “novo mundo”<br />
que, diferente das do “velho mundo”, carecem de dominância. Lá, as florestas são<br />
17 VALLE, Cid Prado. Natureza tropical e imagem nacional no Império Brasileiro. Rio de<br />
Janeiro, 2001. Doutorado em História IFCS-PPGHIS. Universidade Federal do Rio de Janeiro., p.<br />
53.
88<br />
uniformes, “vastas formações com umas vinte árvores diferentes, ou uma dúzia, ou<br />
apenas espécie única”. 18 O mesmo não se pode dizer das florestas tropicais, cuja variedade<br />
de espécies vegetais e animais cria um ecossistema tão complexo que se torna difícil<br />
compreendê-lo e catalogá-lo. Segundo Dean, esse inventário está além de nossos recursos<br />
atuais ou do futuro próximo. Aqui as árvores do dossel não são encontradas em arvoredos<br />
puros, em muitos casos como estratégia de preservação, evitando a proliferação de<br />
parasitas. Em vez disso são dispersas, cada hectare não contendo mais que umas poucas<br />
dúzias ou até espécies isoladas. Por isso, quando a floresta tropical é destruída, as perdas<br />
em termos de diversidade, complexidade e originalidade são incalculáveis. 19<br />
Essa característica é ponto importante quando o tema são as madeiras reservadas<br />
pela Coroa para construção naval. Em cada área da costa do Brasil as madeiras que tinham<br />
préstimos do interesse de Portugal só eram reconhecidas pela experiência. Talvez em<br />
função disso Shawn Miller chama a atenção para a vacuidade da legislação madeireira, que<br />
não explicitava quais espécies eram reservadas à Coroa de fato, no entanto, esse autor<br />
parece acreditar no cumprimento da legislação por parte da população e autoridades, fato<br />
até certo ponto risível em se tratando do Brasil. Aliás, essa legislação brasileira sobre o<br />
tema sempre foi muito esparsa e composta de documentos desconexos e muitas vezes<br />
contraditórios. Podemos inclusive comprovar tal fato pelos decretos diferenciados dirigidos<br />
às diferentes capitanias e posteriores províncias, ponto que reforça o argumento de não<br />
existir uma lista de madeiras ditas de lei aplicável para todo o Brasil. O que existia eram<br />
qualidades arbóreas de caráter local-regional, isto é, cada capitania ou mesmo cada distrito<br />
tinha a sua lista particular de espécies cuja exploração era interditada à iniciativa privada. A<br />
origem do termo “madeiras-de-lei”, que remonta aos reclamos de exclusividade da Coroa<br />
18 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />
Op.cit., p. 22.<br />
19 Ibid., p. 23-30.
89<br />
portuguesa sobre algumas essências nobres, em meados do século XVII, foi mudando de<br />
significado ao longo do tempo, deslocando-se de sua acepção puramente jurídica para<br />
outra, mais ampla, ligada à qualidade da madeira. 20 Na verdade,<br />
fiéis à velha tradição colonial lusa da confusão e verborragia jurídica, os<br />
reclamos estatais por madeira eram realizados à base de cartas régias e<br />
alvarás que, volta e meia, aportavam à mesa dos vice-reis interditando o<br />
acesso dos particulares a essa ou aquela árvore. O conjunto desses<br />
documentos esparsos, desconectados e, muitas vezes, contraditórios, era<br />
o que, na verdade, constituía a legislação florestal portuguesa. 21<br />
Além disso, o alcance jurídico das leis e decretos que visavam preservar algumas<br />
espécies arbóreas tidas como preferenciais para a construção naval da real armada<br />
portuguesa era bem menor do que Miller acreditava e a política de implementação desses<br />
dispositivos legais muito mais flexível do que supôs o historiador norte-americano.<br />
Entendemos, portanto, que o que deve ser analisado nesse ponto é muito mais a relação<br />
entre os textos legais e as práticas de gerenciamento florestal, as quais se consubstanciavam<br />
nas operações madeireiras, direta ou indiretamente, administradas pela Coroa, que o texto<br />
legal em si. Em um território tão extenso e tão distante dos olhos governamentais como o<br />
Brasil as relações e negociações cotidianas devem necessariamente ser levadas em conta<br />
em detrimento das fontes legislativas privilegiadas por Miller. 22 É preciso considerar que<br />
ordens reais esparsas sobre a conservação das madeiras de valor naval eram editadas desde<br />
meados do século XVII, quando foram proibidas sesmarias em áreas de reserva dessa<br />
matéria-prima. Desde então o corte de madeira tornou-se uma indústria real e formalmente<br />
supervisionada por guardas-mores e administradores que, no entanto, pouco ou nada<br />
fizeram para controlar a devastação. Apenas entre 1795 e 1799, o então Ministro Rodrigo<br />
20 CABRAL, D. C.; CESCO, Susana. Árvores do rei, florestas do povo... Op.cit., p. 51-52.<br />
21 Ibid., p. 69.<br />
22 MILLER, Shawn W. Fruitless Trees: Portuguese conservation and Brazil’s colonial timber.<br />
Stanford: Stanford UP, 2000, p. 9.
90<br />
de Souza Coutinho emitiu ordens mais específicas no sentido de preservar essas<br />
madeiras tão importantes para a Real Armada Portuguesa.<br />
A autorização para cortar madeiras boas para a construção naval,<br />
denominadas como pau real ou madeira de lei, estava reservada aos<br />
governadores, que eram auxiliados por “juízes conservadores”,<br />
exclusivamente encarregados da fiscalização, regulamentação e<br />
autorização. As sesmarias em área de reserva naval deveriam ser<br />
canceladas e indenizadas por concessões de terras em outros lugares.<br />
Essas espécies de madeira de maior valor na construção naval deveriam<br />
ser vendidas exclusivamente para os estaleiros reais a preços fixados pelo<br />
governador. 23<br />
A importante relação entre o legal - o texto oficial das leis e decretos - e o usual -<br />
o que se praticava realmente como sendo costume - também deve ser observado na análise<br />
de outros documentos, ainda mais quando o objeto é a natureza e o lugar que essa natureza<br />
ocupa na vida humana. No caso específico deste estudo da Ilha de Santa Catarina, procurase<br />
dar conta da construção de um ambiente novo, que nada mais é que a transformação do<br />
que ali havia, e que comumente entende-se como algo “dado” pela natureza, em um espaço<br />
habitado e civilizado e com a mesma natureza já domesticada. Isso, segundo Worster,<br />
expressa cultura e é nesse ponto que a analise das transformações ambientais da Ilha<br />
expressam também mudanças culturais. 24<br />
Por isso é possível fazer uma analise histórica a partir da variável ambiental. Em<br />
um espaço geográfico definido, em um determinado recorte temporal, as ações e reações de<br />
comunidades humanas ali instaladas, para com o ambiente ocupado, são resultados de<br />
experiências e características sócio-culturais. Esse é o caso da ilha da Santa Catarina no<br />
século XIX.<br />
23 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />
Op.cit., p. 151.<br />
24 WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Revista de Estudos Históricos, Rio de<br />
Janeiro, vol. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.
2.2 Uma história da floresta na Ilha de Santa Catarina: os fundamentos.<br />
91<br />
A Ilha de Santa Catarina, povoada escassamente até meados do século XVIII,<br />
longe, praticamente isolada da capital da colônia e com uma extensão territorial de 423<br />
km², tinha a Floresta Ombrófila Densa como formação vegetacional original. Os<br />
ecossistemas presentes na Ilha de Santa Catarina são<br />
a vegetação de restinga que ocorre quase exclusivamente nas planícies<br />
costeiras, em solos formados por sedimentos marinhos (areia); (...) a<br />
floresta das planícies quaternárias ocorrem em um solo de transição entre<br />
as áreas de restinga e a Floresta Ombrófila Densa, possuindo muito mais<br />
semelhança com essa última, apesar de apresentar menor número de<br />
espécies. Essa floresta foi a mais destruída pela agricultura. 25<br />
Esse local, pouco explorado, com portos naturais protegidos e uma vila de<br />
pequenas proporções “apta” para a ocupação, colonização e aproveitamento, ficou mais<br />
conhecido quando, nos anos finais do século XVIII e início do XIX, sob a administração do<br />
Governador João Alberto de Miranda Ribeiro, 26 sofreu um escrutínio no que tange às suas<br />
potencialidades econômicas e naturais, ou melhor, às possibilidades de transformar as<br />
potencialidades naturais em econômicas. Nesse período, através da rica correspondência do<br />
governador com o então Vice Rei, Dom José Luiz de Castro, o Conde de Rezende, que<br />
esteve à frente do governo do Brasil de 1790 a 1801, pode-se mapear e analisar o processo<br />
de desmatamento na Ilha, as práticas agrícolas implantadas e o desenho populacional local.<br />
Essas informações fazem parte do conjunto documental que engloba a carta régia de 1797 e<br />
o relatório elaborado por João Alberto de Miranda Ribeiro no mesmo ano, em resposta ao<br />
25 WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Op.cit., p. 85-86.<br />
26 João Alberto de Miranda Ribeiro nasceu em Olivença, Portugal e foi governador da Capitania de<br />
Santa Catarina de 08 de julho de 1793 a 18 de janeiro de 1800, quando faleceu em domínio do<br />
cargo. Depois de alguns curtos governos militares o cargo foi ocupado pelo Coronel Joaquim<br />
Xavier Curado, vindo de Goiás.
92<br />
Vice Rei, que solicitava notícias sobre as potencialidades do território sob sua<br />
administração e um plano para uma melhor utilização desses recursos, em especial a<br />
madeira e os produtos agrícolas.<br />
As informações fornecidas através de correspondência oficial dessas autoridades,<br />
entre vários pontos, enfatizam a variedade e a qualidade das madeiras existentes nessa<br />
porção do território brasileiro. Aliado a isso, estava a facilidade de exploração da mesma,<br />
tendo em vista a acessibilidade de portos para seu escoamento e transporte e o fato de os<br />
habitantes locais, fixados em terras sob a forma de sesmarias, já terem por contrato a<br />
incumbência de reservar as melhores madeiras para a Coroa Portuguesa. Essa prática era<br />
comum e foi encontrada em muitas cartas de doações de terras, sob o título de sesmarias, na<br />
Ilha de Santa Catarina no século XIX, mais precisamente até 1823. Exemplo disso é a<br />
concessão feita pelo Governador Joaquim Xavier Curado a Manuel Dutra Garcia de<br />
uma data de terras de duzentas e vinte braças de frente e quatrocentas e<br />
sessenta e uma de fundos, pelo lado Oeste, e pelo Leste com quatrocentas<br />
e trinta e uma, fechando a linha de fundo da parte Norte com duzentas e<br />
cinqüenta braças de extensão [...] no lugar vulgarmente chamado<br />
Costeira do Ribeirão. [...] e não compreenderá desta Data Vieiro * ou<br />
Minas de qualquer gênero de Metal que nelas se descobrir, reservando<br />
também os Paus Reais e faltando quaisquer das ditas clausulam por<br />
serem conformes as reais ordens e as que dispõem a lei e foral da<br />
Sesmaria, ficará privado desta. 27<br />
Efetivamente, as transformações ambientais destrutivas foram aceleradas com a<br />
chegada “repentina” de muitas pessoas provindas do Arquipélago dos Açores e da Ilha da<br />
Madeira, porém um interesse mais concreto na preservação ou separação das matas que<br />
poderiam ou não ser usadas livremente se deu pela carência de madeiras nobres para a<br />
* Veio de ouro.<br />
27 CURA<strong>DO</strong>, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria de Manoel Dutra Garcia, Funriel da<br />
Cavalaria de milícias e actual Tesoureiro dos Rendimentos da nova igreja de Nossa Senhora da<br />
Lapa do Distrito do Ribeirão. Nossa Senhora do Desterro, 28 de abril de 1804. Acervo APESC.
93<br />
construção naval, atividade que se ficasse ameaçada por falta de matéria-prima colocaria<br />
em risco a própria soberania portuguesa. É nesse momento, já no apagar das luzes do<br />
século XVIII que a legislação portuguesa que ordenava o corte de madeiras em terras<br />
brasileiras promoveu uma eleição de qualidade dentro das florestas que ainda cobriam o<br />
Brasil e, entre elas, a Ilha de Santa Catarina. Nessa eleição, os grandes prêmios – as<br />
madeiras reservadas ou, posteriormente designadas como “madeiras de lei” – não mais<br />
poderiam ser usadas pela população local para suas caieiras, engenhos, habitação ou<br />
qualquer outra utilidade a que estavam vinculados, deveriam sim ser destinados a fins mais<br />
nobres como a construção de navios de guerra para a Real Armada Portuguesa.<br />
Embora as disposições legais de ordenação do território fossem freqüentemente<br />
burladas e os relatórios que deveriam ser produzidos pelos governadores para atender as<br />
exigências da carta régia de 1797 nem sempre fossem feitos ou feitos com correção, as<br />
instruções quanto ao escrutínio das potencialidades econômicas da natureza e da sociedade<br />
locais foram diligentemente cumpridas, particularmente pelo governador de Santa Catarina,<br />
resultando na produção de documentos sobre a quantidade, qualidade, localização e<br />
disponibilidade das principais madeiras locais, juntamente com tabelas de exportação desse<br />
e de outros produtos agrícolas implantados nos locais que ocuparam as áreas de floresta<br />
desmatada. Aliás, a Carta Régia só serviu como indicativo de complementações a serem<br />
feitas pelo dito governador, uma vez que o Conde de Rezende, em carta ao Ministro<br />
Rodrigo de Souza Coutinho em três de dezembro de 1797, afirma já estar de posse de<br />
algumas relações que lhe foram dirigidas pelo governador da Ilha de Santa Catarina e<br />
outros oficiais incumbidos de, a seu pedido, fazer uma visita aos territórios da dita capitania<br />
e produzir um relatório, muito antes da Carta Régia ser editada. 28<br />
28 CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da<br />
invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004., p. 257.
94<br />
O projeto oficial de extração de madeiras na Ilha de Santa Catarina apenas<br />
acentua-se quando o Conde de Rezende, seguindo as disposições da já citada carta régia,<br />
solicita ao Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua Jurisdição, um relatório sobre a<br />
qualidade e quantidade de madeiras de construção e viabilidade de tal empreendimento. O<br />
primeiro ofício registrado sobre o tema partiu do Vice Rei na data de 16 de maio de 1797 e<br />
solicitava ao governador informações na forma de relações e mapas de oito itens, a saber:<br />
1º Descrição geográfica e topográfica, limites e confins com outras Capitanias, estradas de<br />
comunicação já existentes e dos mapas em seu poder; 2º Estado da população,<br />
quantificando brancos, negros e pardos em cada cidade ou lugar, além de falecimentos,<br />
nascimentos e casamentos; 3º Relação exata, na medida do possível, dos produtos<br />
exportados e importados pela Capitania; 4º Relação circunstanciada do que os povos pagam<br />
ao Soberano, Igreja, culto público, etc.; 5º Mapas e relações das despesas da Capitania,<br />
estado das tropas regular e auxiliar, qualidade e quantidade de oficiais e soldados e estado<br />
das fortalezas e munições; 7º Anualmente mandar para a Secretaria de Estado a renovação<br />
das propostas de promoções militares e 8º Remeter anualmente as observações sobre novas<br />
culturas e possibilidades de expansão do comércio. 29<br />
Esses pedidos de informações que, possivelmente, foram encaminhados a todos os<br />
governadores foram seguidos de outros ainda no ano de 1797, como o ofício datado de 18<br />
de setembro em que era solicitado ao governador, de forma sigilosa, “hum Mapa da<br />
extração de todos os gêneros que no ano de 1792 sahirão dessa Ilha”, 30 com declaração da<br />
quantidade, nomes dos portos para onde foram enviados, preço médio e valor total. O Vice<br />
Rei prevenia que seriam necessárias as mesmas informações para os anos posteriores, de<br />
29 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 16/05/1797.<br />
Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
30 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 18/09/1797.<br />
Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
95<br />
1793 a 1796 e do ano em curso 1797, por fim, solicitava o envio mensal de uma relação<br />
da farinha e demais gêneros de primeira necessidade existentes nos domínios do<br />
governador.<br />
Existia aqui uma dificuldade no cumprimento das ordens, especialmente a última<br />
delas, uma vez que a correspondência entre o Rio de Janeiro e as demais Capitanias era<br />
feita por navios que estivessem de passagem entre ambos os portos e cujos capitães fossem<br />
considerados de confiança. Isso geralmente demorava alguns meses para acontecer como<br />
acusam as respostas do governador com alusão as datas de recebimento.<br />
No que tange às madeiras, o primeiro ofício do Vice Rei para o governador com<br />
conteúdo específico data de 27 de outubro de 1797 e inicia com a sugestiva afirmação de<br />
que o “corte e prontificação das madeiras chamadas de construção” era tema que, em<br />
função da conjectura atual, merecia mais atenção.” 31<br />
O tom desse documento está na<br />
recomendação de envio<br />
não só nas avultadas remessas de taboados de Tapiunhoam, Peroba e<br />
Vinhático, mas também hu’a exata informação dos lugares em que há<br />
matas e arvoredos da quella qualidade; de modo de as conservar e<br />
promover a sua cultura; e dos sítios mais aptos para se estabelecerem os<br />
cortes das que forem precisas para a referida marinha. 32<br />
A importância do tema se reflete nas providências que o Vice Rei se propõe a<br />
tomar, certamente guiado por instruções da Coroa e do Ministro de Assuntos Ultramarinos.<br />
O Conde de Rezende se propunha a enviar uma verba anual para estabelecer cortes de<br />
madeira na Ilha e demais domínios de Santa Catarina. Para tal, solicitava uma relação<br />
individual dos lugares mais cômodos para o estabelecimento dos cortes baseados na<br />
abundância de madeiras e facilidade de sua exportação. Outro dado solicitado era se existia<br />
31 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 27/10/1797.<br />
Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
32 Ibid.
96<br />
a possibilidade de, nos portos locais, se construírem embarcações capazes de transportar<br />
essas madeiras para Lisboa ou se, do contrário, poder-se-iam carregar os ditos taboados<br />
fora da barra. Aliado a isso questionava sobre a existência na cidade de alguns construtores,<br />
aos quais seriam pagos soldos para tal. 33<br />
O tema das madeiras estava tão em alta que pelo visto o próprio Vice Rei estava<br />
sendo cobrado para obter informações sobre o mesmo. Também o fato de até então não ter<br />
recebido respostas do governador fizeram-no reforçar o pedido em 03 de dezembro de<br />
1797. Nesse novo ofício ele ordena que o governador “ponha em prática o reconhecimento<br />
das matas em que logo se deve estabelecer serrarias, apenando para este fim todos aqueles<br />
trabalhadores que forem precisos”. 34 O conde ressaltava a economia que se deveria fazer<br />
em tal empreendimento, sugerindo inclusive o uso dos soldados que não fossem necessários<br />
para o serviço diário, para esse trabalho com as madeiras. Esses soldados receberiam<br />
pagamento por isso além do seu soldo regular. Para viabilizar os trabalhos o conde<br />
mandaria todas as ferramentas que se fizessem necessárias.<br />
Para finalizar o ofício o Vice Rei lembrava que ainda aguardava as informações<br />
solicitadas no ofício de 27 de outubro de 1797 e não poderiam ser deixadas de lado em<br />
função do presente ofício. Ambas eram prioridades. Essas cobranças do Vice-Rei para com<br />
o governador possivelmente eram reflexos das cobranças do Rei e ministros para com ele<br />
próprio. Uma rede de homens que, no desempenho de suas funções políticas e diante da<br />
necessidade de apresentar resultados, deparava-se com questões que seriam mais facilmente<br />
resolvidas pela experiência de roceiros ou bandeirantes. Esses conhecimentos e<br />
reconhecimentos de árvores, caminhos e gêneros agrícolas careciam da opinião de<br />
33 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 27/10/1797.<br />
Op. cit.<br />
34 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 03/12/1797.<br />
Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
97<br />
“assessores locais”, dos mais rudes e simples, que eram consultados antes da elaboração<br />
de relações de madeiras ou de produção agrícola. Aliado a isso encontrava-se a<br />
instabilidade do cargo de governador que muitas vezes durava um ou dois anos, algumas<br />
vezes meses, período não suficiente para se inteirar dos assuntos dos predecessores e para<br />
conhecer as potencialidades de seus domínios, o que poderia ser um desestímulo para a<br />
realização desses levantamentos que não eram simples, pois dependiam de uma rede de<br />
funcionário e informantes.<br />
A primeira informação diretamente ligada a esse tópico se dá em fevereiro de 1798,<br />
quando, a pedido do governador, Valentim Antonio Vilela envia a relação da farinha e da<br />
lenha consumida pelos armazéns reais, fortalezas, prisões, praças avulsas e reformadas e<br />
índios a serviço da Ribeira. A farinha totalizou um consumo de 5.658 alqueires por ano e a<br />
lenha 5.448 feixes por ano. É importante lembrar que há dois anos, de acordo com tabela do<br />
governador, exportou-se 28.333 alqueires de farinha de mandioca. Já o custo do consumo<br />
de lenha alcançava 280$000 mensal e 3.360$000 anual para a Fazenda Real. 35<br />
Se<br />
analisarmos esses dados comparativamente, percebemos que apenas o consumo de farinha<br />
por parte dos homens da ribeira, fortalezas, prisões, enfim, sob responsabilidade do<br />
governo, era superior a 1/6 das exportações desse produto pela Capitania. Essa cota de<br />
manutenção era uma obrigação dos agricultores locais, que deveriam receber do governo<br />
por esses produtos, o que muitas vezes não acontecia. Daí compreende-se a redução na<br />
própria produção de farinha na região, já que a quantidade destinada às tropas era uma<br />
porcentagem da produção total. Menos produção, menor a parcela dada à manutenção das<br />
tropas. O mesmo ocorria com a lenha. 36<br />
35 VILELA, Valentim Antônio. Ofício do Capitão da Fragata Cisne ao Governador João Alberto de<br />
Miranda Ribeiro com Relação de consumo em 26/02/1798. Acervo: APESC.<br />
36 RIBEIRO João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, apresentando relatório sobre a<br />
Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17 de<br />
novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc. 130p. (códice 3,3,17).
98<br />
Em 20 de março de 1798, o governador de Santa Catarina enviou as primeiras<br />
providências tomadas em resposta aos ofícios do Vice Rei. O mesmo se mostrou satisfeito e<br />
enviou novas solicitações, especialmente no que se refere aos jornais pagos aos artífices,<br />
carpinteiros e toda a sorte de trabalhadores a serem envolvidos nos trabalhos. A regra era<br />
sempre pagar o mínimo possível.<br />
que<br />
Em outra resposta, em oficio datado de 22 de março de 1798, o Governador afirma<br />
depois de bastantes, averiguações tenho podido alcançar, que talvez seja<br />
quanto baste, para dar inicio aos bem fundados projetos de V. Exª, não só<br />
sobre o corte das Madeiras, que pretende mandar estabelecer nesta Ilha,<br />
mas ainda para a construção de algumas embarcações que na mesma se<br />
fabriquem proporcionadas para as conduzirem deste porto para o de<br />
Lisbôa. Posso segurar a V. Exª, que tenho encontrado bastantes lugares,<br />
com todas as comodidades, e circunstancias necessárias para se<br />
construírem as referidas embarcações de onde estas ao depois de feitas<br />
sem que se possa temer o menor prejuízo, se podem lançar do estaleiro<br />
ao Mar, e da mesma forma serem carregadas pela Barra a fora sem<br />
embaraço algum. Pelo que diz respeito ao corte e condução das madeiras<br />
para o Estaleiro (segundo as informações que se me tem dado) não será<br />
muito dificultoso. 37<br />
O Conde de Rezende enfatiza em ofício de 03 de setembro de 1798 que o<br />
governador deve coibir o que chama de liberdades dos moradores, que dispunham<br />
livremente das madeiras das áreas de mata em suas posses. Essa prática deveria ser<br />
totalmente vetada não só no que se refere às madeiras “proibidas” como todas as que se<br />
julgarem próprias para a construção de embarcações e para aduelas ou qualquer outro<br />
destino importante à Fazenda Real.<br />
Por ser ponto estratégico nas rotas de navegação sul-americanas dos séculos XVIII e<br />
XIX e ponto intermediário entre Buenos Aires e Rio de Janeiro, a Ilha também possuía<br />
portos acessíveis para o escoamento da madeira, aliado aos baixos preços da extração e o<br />
alto lucro obtido na chegada tanto no Rio de Janeiro como em Lisboa. A madeira era um<br />
37 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de<br />
Mar e Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro 22 de março de 1798. Acervo: APESC.
99<br />
grande negócio para a Fazenda Real Portuguesa e na costa catarinense era encontrada<br />
em seu litoral pouco desbravado, diferente do Sudeste e Nordeste cujas porções litorâneas<br />
já estavam de muito tomadas por grandes plantações e a madeira e lenha para o<br />
abastecimento já vinha muito do interior, dificultando o escoamento.<br />
Além dessa facilidade, poder-se-ia construir embarcações para o transporte dessa<br />
madeira na própria Ilha. Em carta de 12 de agosto de 1800, o Engenheiro Intendente da<br />
Marinha José Caetano de Lima reafirma ao Vice Rei Conde de Rezende informações que o<br />
Governador João Alberto de Miranda Ribeiro havia fornecido há um ano. O engenheiro<br />
relata a existência de lugares com todas as comodidades para se construírem as ditas<br />
embarcações, 38<br />
outro facilitador do empreendimento, uma vez que tudo se resolveria<br />
localmente: matéria-prima, mão-de-obra e transporte.<br />
A construção das embarcações para a Fazenda Real ficaria a cargo do Construtor<br />
Agostinho Francisco que estava atuando na Ilha em construções particulares. Se essa idéia<br />
fosse aprovada, seria necessário que o Vice Rei enviasse planos e riscos de embarcações<br />
vindos de Lisboa, reafirmação que era um empreendimento real e cuja responsabilidade<br />
sobre tal era da Coroa, materiais locais só a madeira e a mão-de-obra. O restante do<br />
material necessário à construção, como ferragens, também viriam de Lisboa ou do Rio de<br />
Janeiro. De posse dos tais desenhos, o construtor faria as alterações necessárias e indicadas<br />
pelo Vice Rei no que se refere ao aumento ou diminuição dos tamanhos das embarcações.<br />
Em outro ofício, de 11 de abril de 1798, o governador relata que<br />
Hoje mesmo mandei oito machados para o mato deitar abaixo todas as<br />
perobas for possível enquanto favorecer este corte o minguante da lûa em<br />
que estamos: e para a semana que vem mando as serras para serrarem a<br />
taboa de como no referido officio nº 17 digo a V. Exª. Aqui não há<br />
tapinhõas, nem vilnhoties ou para melhor dizer são todos raros esses<br />
38 LIMA, José Caetano de, Engenheiro Intendente da Marinha. Carta ao Senhor Dom Rodrigo de<br />
Souza Coutinho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios<br />
Ultramarinos. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1800. Acervo: APESC.
100<br />
paos, que com muita dificuldade se encontra hum, ou dous, depois de<br />
se ter caminhado pelo mato hum grande espaço de terreno. O mestre<br />
construtor de quem eu falei a V. Exªa no meu officio nº 11, me afirma,<br />
que as melhores madeiras que há nesta Ilha para a construção dos navios,<br />
são a Massaranduba, a Canela burra, e ainda a preta, e havendo destas<br />
três qualidades e quantidade suficiente, me parece que se deviam<br />
aproveitar, porque ainda que não excedão a Peroba, e as outras que não<br />
há como diz o referido construtor, basta só igualarem para ficarem<br />
admiraveis. 39<br />
No início do século XIX, a extração de madeira na Ilha de Santa Catarina,<br />
especialmente louro preto, cedro vermelho, óleo vermelho, canela preta, ipê, peroba<br />
vermelha, canela burra e massaranduba, já eram destinados exclusivamente à construção<br />
naval da frota da Real Armada Portuguesa. Essas madeiras foram indicadas em 1798 como<br />
preferenciais por Agostinho Francisco da Silva e Simplício Jozé Rodrigues, mestres<br />
construtores da Ribeira, no Rio de Janeiro, consultados sobre o tema pelo Vice Rei o Conde<br />
de Rezende.<br />
Essa nascente “indústria madeireira” na Ilha de Santa Catarina tinha outra vantagem<br />
para a Fazenda Real. As espécies acima indicadas não faziam parte das ditas madeiras<br />
reservadas, posteriormente chamadas “madeiras de lei” e seria lucrativo retirá-las das terras<br />
concedidas em sesmaria em que a obrigatoriedade de produzir e construir benfeitorias em<br />
prazo de dois anos não se tivesse cumprido. O interesse da coroa não era desalojar de todo<br />
esses “proprietários”, já que quanto mais ocupado o território menor o risco de invasão e<br />
ocupação estrangeira, porém, poder-se-ia tirar proveito das eventuais irregularidades, uma<br />
vez que as madeiras não reconhecidas como reservadas ou de lei, deveriam ser pagas aos<br />
ocupantes legais do terreno em caso de extração por parte do governo. De acordo com João<br />
Alberto de Miranda Ribeiro<br />
39 RIBEIRO, João Alberto de Miranda, Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua Jurisdição.<br />
Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do<br />
Brasil. Villa do Desterro 11 de abril de 1798. Acervo: APESC.
101<br />
Estas ultimas madeiras sabe V. Exª muito bem que não são<br />
reservadas: por isso elas podem ser logue que V. Exª assim o ordene, ou<br />
pelos menos elas se podem cortar sem que se paguem aos donos das<br />
terras que as produzem: porque Sua Magestade lhes deo gratuitamente as<br />
terras, com a condição de as cultivarem dentro de certo tempo limitado, e<br />
claro está, que tendo faltado a esta condição, até parece que a posse não<br />
deve ter validade alguma. Finalmente eu me persuado que logo que Sua<br />
Magestade caresa de Madeiras de qualquer qualidade que elas sejão, as<br />
deve mandar cortar, sem que pela sua Real Fazenda as mande pagar<br />
áqueles mesmos vassalos, a quem concedeo as terras. 40<br />
Outra vantagem era que os próprios ranchos e seleiros construídos para a estocagem<br />
da madeira, próximos aos embarcadouros, “todos se fazem com hua grande economia, de<br />
sorte que a maior despeza será a da telha, que custa 8000$000 réis o milheiro”. 41<br />
A ausência de algumas espécies e a presença de outras não descritas, mas indicadas<br />
por madeireiros e mestres construtores locais, serviu, na Ilha de Santa Catarina, para que o<br />
governador chamasse a atenção do Vice Rei para o quão vantajoso seria explorar essas<br />
madeiras localizadas em sesmarias cujos proprietários não tivessem cumprido o prazo legal<br />
de dois anos para construção de benfeitorias e cultivo da terra. Sendo essas madeiras de alto<br />
valor naval e estando os sesmeiros na ilegalidade, não seria necessário pagar-lhes por essas<br />
madeiras, sob a ameaça de desapropriação das terras que voltariam a ser devolutas,<br />
possibilitando mais lucros à Fazenda Real. As madeiras apontadas pelo governador nesse<br />
caso eram a massaranduba (Mimusops elata), a canela burra (Ocotea urbaniana) e a canela<br />
preta (Laurinia atra). 42<br />
De acordo com as inspeções de engenheiros navais, relatórios de juízes<br />
conservadores ou simplesmente por indicação de qualidade feita por mestres construtores<br />
escolhidos pela Coroa, designavam-se as espécies mais apropriadas para a construção<br />
40 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey em 11 de<br />
abril de 1798. Op.cit.<br />
41 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de<br />
Mar e Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro a 5 de junho de 1798. Acervo BN.<br />
42 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, datado de nº 17 de 11 de abril<br />
de 1798. Op.cit.
102<br />
naval. Em âmbito nacional as madeiras mais importantes eram: sucupira (Pterodon<br />
amarginaturs), canela (Ocotea catarinensis Mez), canjarana (Cabralea canjerana),<br />
jacarandá (Nissolia legalis), araribá (Centrolobium robustum), pequi (Caryocar<br />
braisiliensis Camb), jenipaparana (Gustavia Augusta L.), peroba (Aspidosperma<br />
ramiflorum), urucurana (Hyeronima Alchorneoides Fr. All.) e vinhático (Plathymenia<br />
reticulata). 43 Essa lista, que não era oficial e nem apontava todas as madeiras boas para<br />
construção naval, era um apontamento geral de algumas das árvores, sendo que os nomes<br />
poderiam mudar de acordo com as especificidades regionais. Uma lista produzida com base<br />
nas indicações de mestres construtores da Ilha de Santa Catarina foi enviada ao Vice Rei<br />
pelo governador em sua correspondência oficial. Nela, indicava-se, entre as de maior valor<br />
local, a tapinhoã (Mezilaurus navalium), que era classificada em primeiro lugar porque<br />
resistia aos parasitas marinhos.<br />
Além dessa, de acordo com Joaquim Correa dos Santos, mestre construtor do Rio de<br />
Janeiro, as madeiras da Ilha de Santa Catarina que poderiam servir para construção de<br />
embarcações grandes e pequenas e para quais pontos dessas embarcações, eram as<br />
seguintes:<br />
Louro Preto:<br />
Sedro<br />
Vermelho:<br />
He especial Madeira para taboados de costado, alcaixas e convêz para<br />
toda a qualidade de Embarcações; assim como tambem serve para<br />
taboado de forro, e aduélas para túneis e Pipas: esta Madeira, he com<br />
preferência ás mais para este efeito.<br />
Pode servir para taboados de costado, alcaixas e convêz. E tambem se<br />
pode fazer alguns toros grossos para as Figuras das Naus, como tambem<br />
para as obras mortas da Popa e da Prôa.<br />
Óleo Vermelho: Póde muito bem servir para mastriações, e taboado da mesma forma<br />
43 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, datado de nº 17 de 11 de abril<br />
de 1798. Acervo BN. Obs: as referências usadas para obtenção dos nomes científicos das plantas<br />
são: LORENZI, Henri. Árvores Brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas<br />
arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa, São Paulo: Editora Plantarum, 1992., e<br />
www.umbuzeiro.cnip.org.br. Consultado em 08/09/06.
Arribá:<br />
Canela Preta:<br />
Caboré:<br />
Cabriûna:<br />
Ipê:<br />
Alicurana:<br />
Peroba<br />
Vermelha:<br />
Canela Burra:<br />
Massaranduba:<br />
Guaraparim:<br />
103<br />
asima.<br />
Hé hûa excelente Madeira para taboado de costado, alcaixas e convêz, e<br />
para cavernas, brasos, Aporturas, curvas, busardos, vãos, e latas.<br />
Hé boa qualidade de Madeira, serve muito bem para cavernas, brasos,<br />
aporturas, curvas, busardas, Latas, vãos; e taboado de costado e forro.<br />
Pode muito bem servir para cavernas, brasos, aporturas, curvas, busardos;<br />
e maôns de sintas.<br />
Pode muito bem servir da mesma forma asima.<br />
Hé superior a todas as mais: serve para toda a Madeira de construção;<br />
assim como taboado para as obras de terra, e tambem se pode fazer<br />
taboado de costado para o fundo das Naus, e mais em barcasoens.<br />
Serve muito bem para cavernas, brasos, curvas, e busardas: a saber, que<br />
há de ser vermelha.<br />
Hé hua excelente Madeira, serve para toda a Construção de embarcações<br />
grandes, e pequenas,assim como tambem serve para taboado de costado.<br />
Pode servir para taboado de forro, costado, alcaixa, e convêz.<br />
Pode servir para Cavernas, brasos, curvas, maons de sinta, e busardas.<br />
Serve muito bem para Cavernas, curvas e brasos.<br />
(Quadro 05) Tabela retirada da “Relação das qualidades de Madeiras da Ilha de Santa<br />
Catharina, que podem servir para construção de Imbarcações grandes e pequenas” elaborada<br />
por Joaquim Correa dos Santos no Rio de Janeiro 3 de setembro de 1798.<br />
Já sob o governo de Joaquim Xavier Curado, que assumiu após a morte de João<br />
Alberto de Miranda Ribeiro em 1800, o Conde de Rezende reforça as disposições sobre a<br />
madeira e manda embarcar tudo o que estiver pronto desse material e também aquele que<br />
possa servir para reparos. 44 O mesmo se repete no ano seguinte já com D. Fernando José de<br />
Portugal como Vice Rei. É também nesse ano que o novo Vice Rei pede que o Governador<br />
siga as orientações enviadas por ele e mande construir uma embarcação. A lista dessas<br />
madeiras e seus cortes tinha 74 itens, ou seja, 74 tipos de cortes de madeira em quantidade<br />
diferentes para a construção de uma Nao. A observação final indicava que os paus não<br />
deveriam ser de morarema devido a pouca duração e também usar pouca madeira amarela.<br />
Quanto à extração de madeira das propriedades privadas, empreiteiros eram<br />
enviados pelo governo com tal função. Dificilmente as madeiras não selecionadas eram<br />
44 CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>, Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil. Ofício<br />
ao governador da Capitania de Santa Catarina Joaquim Xavier Curado. Rio de Janeiro a 14 de junho<br />
de 1801. Acervo BN.
104<br />
poupadas de danos, pois não existia uma preocupação real com isso, o mesmo pode-se<br />
dizer das árvores de menor porte que muitas vezes eram derrubadas na esteira das maiores e<br />
ficavam pelo chão como lixo. No caso de derrubada das “madeiras reservadas” por parte<br />
dos proprietários, era necessária uma autorização prévia. 45<br />
Em Santa Catarina essa informação sobre construção naval ainda fazia parte do<br />
relatório do presidente da Província João Carlos Pardal, em 1838, quando afirmava no<br />
tópico ‘indústria fabril’ “a construção de poucos navios de mais de cem toneladas, e de<br />
outros de menor porte”. 46 Ainda de acordo com o mesmo presidente da Província, as<br />
madeiras, abundantes nas matas catarinenses, não concorriam para o aumento da indústria<br />
comercial por falta de uma inspeção mais rigorosa e presidida por “homens científicos”,<br />
apesar de que, de acordo com Pardal, este ramo de comércio ainda seguia algum<br />
desenvolvimento.<br />
Essas indicações de uso, qualidade e proibições sobre as madeiras seguem noções e<br />
juízos de valor totalmente ligados à época em que estão sendo elaborados. Por isso, a<br />
dinâmica desse processo de transformação passa pelos usos atribuídos à madeira nesses<br />
diferentes períodos da história e o grau de ocupação humana em cada local, no caso na Ilha<br />
de Santa Catarina. Tal riqueza madeirável local e a forma como foi utilizada está<br />
diretamente relacionada à forma como foi percebida. Uma paisagem tem um variado<br />
número de componentes e, dentre eles, cada cultura entende por “recurso” algo diferente.<br />
Depreende-se que “a paisagem natural é, portanto, o sistema de orientação simbólica de um<br />
povo e a sua projeção simbólica na sociedade”. 47 Para a população média da Ilha de Santa<br />
Catarina do início do século XIX essas madeiras eram recursos, mas de uso restrito para<br />
45 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Op.<br />
cit., p.153.<br />
46 PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de 1838.,p. 16.<br />
47 CENCINI, Carlo. Il Paesaggio come Patrimônio: I Valori Naturali. In: Bolletino della Società<br />
Geografica Italiana. Roma – Serie XII, vol. IV (1999), p. 290.
105<br />
eles como agricultores – função para a qual a maioria desses habitantes estava destinada<br />
desde a chegada ao local como imigrantes. Essas madeiras, quando extraídas, se dessem<br />
lucro seria muito bom, mas era a agricultura que ocuparia seu lugar, seu objetivo maior. Por<br />
isso o fim dado à floresta não era tão importante. A idéia de desenvolver, planejadamente,<br />
uma indústria madeireira fazia parte do universo dos administradores portugueses, para os<br />
habitantes locais a madeira e sua derrubada eram fases do processo de transformação da<br />
terra em solo agricultável.<br />
Enfim, a Ilha de Santa Catarina entra no século XIX com certo controle, ao menos<br />
na teoria, da exploração de suas matas. Estava definido o uso atribuído às melhores peças<br />
de madeira e, conseqüentemente, do que os habitantes locais poderiam dispor. Nesse<br />
ínterim entram as especificidades locais e a experiência empírica que situa a floresta como<br />
importante em pontos que só o dia-a-dia pode delimitar. Surgem então ferramentas, como<br />
os textos legais para criar novas fronteiras de uso desses elementos. Em Desterro<br />
identificou-se, possivelmente depois de muitas experiências e erros, que essas mesmas<br />
matas tinham outra função importante que não estava sendo respeitada. Por conta disso, o<br />
capítulo sétimo do código de posturas do município de 1845 dá conta de questões ligadas<br />
ao desmatamento e sua estreita relação com o abastecimento de água. O texto do capítulo I<br />
desse código declarava que<br />
os que derrubarem mattas nos lugares onde passem nascentes de agoa<br />
para as fontes publicas, ou ahi fazerem roçadas incorrerão na pena de 15$<br />
reis de condemnação. Os que lançarem immundicies nas sobreditas<br />
nascentes incorrerão nas mesmas penas, e no dobro reincidindo. Não<br />
tendo, porem com que pagar, sofrerão por cada mil reis um dia de<br />
prizão. 48<br />
48 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.<br />
Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Artigo 71., p. 226.
106<br />
Outros artigos desse mesmo código de posturas referem-se à punições aplicadas<br />
a crimes que envolvessem a floresta. Dentre eles destacam-se o artigo 131 que proibia o<br />
corte de madeiras na beira das estradas e caminhos, exceto nos lugares úmidos, não só para<br />
maior conforto dos viajantes como para evitar que as derrubadas danificassem os caminhos.<br />
Já o artigo 53 definia multa de 8$000 réis aos que queimassem matas ou retirasse madeiras<br />
em campos baldios ou logradouros públicos abertos. 49<br />
Paralelo à extração de madeiras consideradas nobres e cujo destino primeiro era a<br />
construção naval e, posteriormente, habitações, móveis, pontes e carros, um outro<br />
ecossistema sofreu grande degradação na Ilha de Santa Catarina e no Brasil, de modo geral:<br />
os mangues. Compostos de árvores de menor porte e mais fácil extração, cuja casca era rica<br />
em tanino e, geralmente, localizados próximos dos centros urbanos, uma vez que esses se<br />
concentravam na costa, os mangues eram uma “reserva” acessível e rica e sua exploração,<br />
até a segunda metade do século XIX, ainda era vista como altamente benéfica, uma vez que<br />
mangue era sinônimo de doenças e miasmas para as populações em suas proximidades.<br />
Segundo Arthur Soffiati, a reação inicial dos europeus quanto aos mangues foi de<br />
desprezo e afastamento por este apresentar semelhanças com os pântanos de seu continente,<br />
considerados insalubres e povoados de entes malignos. Progressivamente, porém, as<br />
camadas sociais dominantes descobrem o seu valor como excelente fornecedor de madeira,<br />
lenha e tanino. 50 A percepção da utilidade dos mangues vem do saber indígena e popular,<br />
repassado aos europeus e consolidado desde os primeiros anos de colonização. Esse saber,<br />
se não levava ao reconhecimento dos mangues como ecossistema e com ele todas as suas<br />
49 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.<br />
Op.cit., artigos 53 e 131.<br />
50 SOFFIATI NETTO, A. Manguezais e conflitos sociais no Brasil Colônia. In: II Encontro da<br />
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2004, Indaiatuba.<br />
Anais do II Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e<br />
Sociedade. Indaiatuba: ANPPAS, 2004., p. 10.
107<br />
peculiaridades, sua flora e fauna e a importância de preservar, ao menos ampliava a<br />
percepção de suas possibilidades e indicava sua diversidade, como pode ser constatado<br />
quando André João Antonil, ao falar dos mangues, os classifica como brancos e vermelhos,<br />
sendo o carvão obtido com a lenha do mangue branco, dos cajueiros, das aroeiras e das<br />
gameleiras o melhor para fazer decoada “porque os paus fortes fazem mais carvão do que<br />
cinza, e a lenha miúda dá pouca cinza e sem força”. 51 Assinala ainda que o mangue é um<br />
bom fornecedor de barro para olarias.<br />
Tal utilidade e importância somada à manutenção da produtividade pesqueira do<br />
litoral, como berçário de inúmeras espécies de peixes, na estabilidade geomorfológica<br />
costeira, limitando a erosão marinha e a morfogênese, demandou legislação apropriada,<br />
especialmente no que se refere ao mangue vermelho.<br />
Contrariamente às disposições de preservação dos mangues, o código de Posturas<br />
do Município de Desterro de 1845, em seu capítulo 1, artigo 74 fala do uso dos mangues e<br />
indica que<br />
todo aquele que embaraçar a tirada de lenha dos mangues onde o povo<br />
deste Município está em uso de tiral-a, sem que tenha mostrado, à<br />
Autoridade competente, que taes mangues lhe pertencem por afforamento<br />
ou qualquer outro titulo, sera multado em 12$000 reis, para despesas do<br />
conselho, e no duplo em caso de reincidência, alem da pena de<br />
desobediente. 52<br />
Esse fato, aliado à facilidade da derrubada provocou uma grande devastação<br />
também nos mangues da Ilha, especialmente os localizados próximos à Desterro, para uso<br />
nas caieiras e engenhos. Essa derrubada era fato nas proximidades da maioria das vilas e<br />
cidades do Brasil. Relatórios governamentais indicavam que “não existia mais madeira<br />
adequada por muitas léguas nas proximidades das vilas maiores [...] em Campos, as toras<br />
51 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. São Paulo:<br />
Melhoramentos/Brasília: INL, 1976., p. 117.<br />
52 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa<br />
Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Capítulo 1, artigo 74.
108<br />
tinham de ser arrastadas de três a nove quilômetros até a costa”. 53 Na Ilha os mangues<br />
do Itacorubi e Ressacada foram reduzidos consideravelmente. Sua utilidade não era<br />
percebida como extrapolando a extração das cascas ricas em tanino e das madeiras baixas e<br />
de fácil exploração. Além do mais, a eles eram atribuídos boa parte dos miasmas da vila e a<br />
derrubada de sua vegetação os exporia ao sol e, ato contínuo, secaria seus lodaçais e<br />
eliminaria os mosquitos e o mau cheiro. Mais uma vez o legal passou à margem do usual.<br />
2.3 Olhares sobre a floresta da Ilha de Santa Catarina no século XIX.<br />
Relatos de viajantes eram uma forma de literatura largamente difundida e<br />
apreciada na Europa. Essa Europa, calcada no cientificismo, respeitava e acreditava nas<br />
informações fornecidas por essas pessoas que eram, em sua grande maioria, cientistas nas<br />
áreas de botânica, zoologia e medicina, entre outras, vinculados a fundações ou Jardins<br />
Botânicos europeus e já conhecidos por outros estudos de ciência natural. Tais textos eram<br />
comuns no período em questão e traziam aos olhos europeus as imagens da longínqua<br />
América, já oficialmente ocupada e administrada por nações européias. As viagens,<br />
patrocinadas por reis, políticos e outros nobres eram compostas por cientistas, desenhistas,<br />
que ajudavam na composição das obras com suas imagens detalhadas e exuberantes da<br />
flora e fauna locais; por guias que eram muitas vezes índios “mansos” ou caboclos e<br />
colonos conhecedores dos caminhos e mistérios das matas.<br />
Essas pessoas, comumente chamados de naturalistas, eram uma resposta aos<br />
novos interesses europeus por informações sobre o novo mundo, aliado ao interesse político<br />
em mapear o novo continente, ampliar conhecimentos e apropriar-se de novos recursos<br />
53 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.<br />
Op.cit., p. 152.
109<br />
econômicos. Esses interesses, presentes nas pesquisas de tais naturalistas, podem ser<br />
ilustrados pelas palavras de August de Saint-Hilaire ao justificar sua expedição ao Brasil:<br />
“prestar à ciência e a seu país informações importantes sobre a flora e a fauna do Brasil,<br />
contribuindo para enriquecer o herbário do Museu de Paris e descobrir plantas próprias à<br />
tintura para serem introduzidas na Guiana Francesa”. 54<br />
Eram esses homens os responsáveis pelos diversos olhares lançados sobre a Ilha<br />
de Santa Catarina. E é preciso que, ao lermos e analisarmos seus textos, retenhamos na<br />
memória que suas concepções são as concepções da época, influenciadas por obras<br />
científicas de autores como Lineu e Buffon, mas também pela estupefação com a<br />
exuberância de uma natureza diferente, de uma terra rica e em nada parecida com os solos<br />
europeus, revolvidos já por tantos séculos. E, acima de tudo, pela reação ao contato com<br />
essa natureza. Contato visual, táctil, sonoro e olfativo. Tudo era diferente, os pássaros, os<br />
insetos, seus sons e sabores, e para descobrir a “utilidade” disso tudo - seja ela uma<br />
utilidade econômica, cultural ou científica - precisou, necessariamente, passar pela<br />
experimentação. Basicamente, essas viagens foram grandes laboratórios de como esses<br />
homens europeus reagiram à natureza do novo mundo, e seus textos devem ser lidos como<br />
tal e analisados da mesma forma.<br />
A partir dessas considerações, podemos ampliar a percepção sobre os relatos dos<br />
muitos viajantes que estiveram na Ilha de Santa Catarina no século XIX, a começar por<br />
Adam Johann von Krusenstern, que aportou em 1803. Chefe de uma expedição russa<br />
composta por dois navios comprados na Inglaterra pelo Czar Alexandre I em 1802, o grupo<br />
era composto também por cientistas alemães como o astrônomo Horner e os naturalistas<br />
54 SAINT-HILAIRE apud OLIVEIRA, Paulo Rogério Melo de. O Naturalista e os Selvagens: a<br />
visão de Saint-Hilaire sobre os índios Guarani no Rio Grande do Sul. Florianópolis: Dissertação<br />
de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. CFH/UFSC. 1996. p. 25.
110<br />
Tilesius e Langsdorff. A estada em Santa Catarina estendeu-se por cinco semanas em<br />
decorrência de avarias no mastro de um dos navios. No período, o governador de Santa<br />
Catarina era o Coronel Joaquim Xavier Curado, que se prontificou a ajudar a expedição<br />
russa de todas as formas possíveis. Além de abastecer os navios de água e comida e trocar o<br />
mastro por “uma das excelentes madeiras locais” - cuja única dificuldade de obter, segundo<br />
o próprio Krusenstern, era o transporte da mesma para fora da mata - fizeram-se<br />
experiências astronômicas, desenhos e pinturas da Ilha e um relato do próprio capitão.<br />
A opinião do autor era que a Ilha de Santa Catarina, apesar de sua posição<br />
estratégica, tinha suas vantagens subestimadas por Portugal, sendo “talvez aquela que<br />
menos tem atraído atenção do governo português”. 55<br />
Segundo Luciana Rossato, os<br />
viajantes que vinham para a América já tinham um conhecimento prévio da fauna e da flora<br />
adquirido pela leitura de outros autores, além de debates que empreendiam sobre a natureza<br />
e os homens americanos, o que era “enriquecido” com a própria imaginação desses<br />
visitantes. 56 As informações de Krusenstern, que não conhecia todo o Brasil para balizar e<br />
comparar suas informações, corroboram o fato de que esse tipo de relato de viagem era<br />
muito difundido na Europa e lido pelos próprios viajantes - talvez como material<br />
informativo - antes de suas viagens. Ele cita as informações fornecidas por Frezier como as<br />
primeiras sobre a Ilha e as reforça. Também menciona Anson, Lazier de Bouvet, que esteve<br />
na Ilha em 1738, e La Perouse - citado como infortunado - em 1785.<br />
O capitão do segundo navio da expedição de Krusenstern, Urey Lisiansky,<br />
também fez um relato sobre sua passagem pela Ilha de Santa Catarina. Em um texto<br />
55<br />
KRUSENSTERN, Adam Johann von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />
CATARINA. Ilha de Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e<br />
XIX. Assessoria Cultural, 1979. , p. 149.<br />
56 ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário: História Natural, viagens científicas e relatos sobre<br />
a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade<br />
Federal do Rio Grande do Sul, 2005., p. 114.
111<br />
bastante técnico no que diz respeito à navegações e questões náuticas, sobressaem<br />
pontos pertinentes a nossa análise. A princípio Lisiansky diz estar seguindo as orientações<br />
de Anson, apesar de não as considerar inspiradoras de total confiança. O navio comandado<br />
por ele, que teve o mastro trocado, contou com a madeira da Ilha para tal e a usada<br />
era uma de cor vermelha, cujo tronco muito alto e resistente, forneceunos<br />
um mastro da melhor qualidade, servindo até para um navio de<br />
guerra. Essa madeira, apesar de não ser tão clara e flexível como o pinho,<br />
é bastante resistente. Para compensar a inconveniência de seu peso,<br />
mandei encurtar esse mastro, passando a ter quatro pés de altura. Existem<br />
duas outras espécies dessa madeira, uma branca e outra preta, mas<br />
nenhuma delas se presta para mastro, por ser uma pesada demais e a<br />
outra muito frágil. 57<br />
Essas madeiras possivelmente eram canelas e faziam parte do leque de produtos<br />
“cultivados” nessa parte do Brasil, segundo o autor. Além de outras madeiras de construção<br />
havia também algodão, café e arroz na Ilha. O porto era bom, mas as exportações, segundo<br />
o capitão, eram restritas, proibidas de serem feitas para outro lugar que não o Rio de<br />
Janeiro. O motivo alegado em correspondências do Vice-Rei para o governador era a<br />
necessidade de abastecer a maior cidade do Império, prioritariamente.<br />
O médico Georg von Langsdorff esteve em Santa Catarina em 1803 com a mesma<br />
expedição russa de Krusenstern. Permaneceu mais tempo que o restante da tripulação, até<br />
fevereiro de 1804, dedicou-se a estudos botânicos e se iniciou como colecionador da fauna<br />
e flora brasílica. Quando, em 1813, chegou ao Rio de Janeiro como Cônsul Geral da Rússia<br />
seus estudos cresceram e suas coleções também, como a de borboletas que era de,<br />
aproximadamente, 1600 espécies. Durante sua vida publicou alguns títulos sobre história<br />
natural e organizou, em 1825, uma expedição ao interior do Brasil. No momento dessa<br />
viagem à Santa Catarina os domínios de seu Governador estendiam-se do Rio Grande à São<br />
57 LISIANSKY, Urey. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha de<br />
Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p. 161.
112<br />
Paulo. Por outro lado o comércio do porto era restrito ao Rio de Janeiro, como já<br />
citado.Langsdorff registrou que, antes de iniciar as explorações, estava<br />
excitado por tão belas imagens de minha fantasia, mal podia aguardar o<br />
retorno do sol para visitar a região paradisíaca. Confesso que minhas<br />
idéias eram exageradas e tensas, mas apesar disto, quanto mais eu me<br />
aproximava da terra, a realidade excedia minha expectativa. 58<br />
A imagem corrente era de um Novo Mundo no sentido literal das palavras. Um<br />
lugar diferente da já cansada Europa, um local de natureza exuberante e bela, pródiga no<br />
que se refere às ofertas de alimento, terras e riquezas minerais. Esse lugar exigia muito<br />
menos trabalho para resultados agrícolas iguais ou superiores aos europeus e criaram o<br />
“pré-conceito” de habitantes ociosos e lascivos, que não desenvolveram a cultura do<br />
trabalho enobrecedor. No entanto, lugares diferentes visitados por esses viajantes e<br />
naturalistas, criavam impressões também diferentes. Os relatos da Ilha de Santa Catarina<br />
parecem indicar que ela é mais admirada, pois é menos solitária, vê-se o céu e, na pior das<br />
hipóteses, existe, no mar e nos navios atracados na baia próxima, um elo com outras<br />
pessoas, com outras civilizações. Isso se diferencia, por exemplo, dos relatos de Tschudi<br />
sobre o interior de Minas Gerais, indicado como assustador, onde “o olhar que se dirige<br />
para o alto não encontra o azul do céu [...] não há caminhos em seus entrelaçamentos<br />
intransponíveis [...] a exuberância da floresta e suas paisagens encantadoramente belas<br />
enganam com quadros de uma fantasia ilusório olhar que se regala com elas”. 59 Tschudi<br />
ainda diz que apesar de deslumbrante a floresta não era compatível com a vida humana. 60<br />
Ambas as áreas eram cobertas de Mata Atlântica, a Ilha certamente mais ocupada que o<br />
58<br />
LANGS<strong>DO</strong>RFF, Georg Heinrich von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />
CATARINA. Ilha de Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e<br />
XIX. Op.cit., p. 162.<br />
59 DUARTE, Regina Horta.Olhares Estrangeiros. Viajantes no vale do rio Mucuri. In: Revista<br />
Brasileira de História. Viagens e Viajantes. Nº 44, vol. 22., p. 281.<br />
60 Ibid., p. 283.
113<br />
interior de Minas Gerais, mesmo assim pode-se comparar as reações dos autores dos<br />
relatos e estimar as possibilidades de desenvolvimento das mesmas.<br />
Já na Ilha, Langsdorff ressalta a importância e abundância de muitas frutas como<br />
laranjas, limões, limas, bananas, abacaxis, pêssegos, melões doces, melancias, figos, cocos,<br />
raízes comestíveis como batatas e principalmente mandioca, além de amendoim. 61<br />
Os<br />
animais domésticos também são apontados como relevantes para a economia doméstica,<br />
uma vez que todos os moradores os possuíam. Bois, vacas, porcos, cavalos, marrecos,<br />
gansos e galinhas espalhavam-se por propriedades, sítios e quintais e eram parte da dieta<br />
local muito mais que peixes, os quais tinham períodos determinados de pesca e dificuldade<br />
para serem pescados em grande quantidade e para serem comercializados devido à<br />
dificuldade de armazenamento, especialmente nos meses quentes.<br />
Muitos foram os viajantes europeus que estiveram na Ilha de Santa Catarina, antes<br />
e durante o século XIX. Dentre eles Frézier (1712), Shelvocke (1719), Betagh (1719),<br />
Anson (1740), Pernetty (1763), La Peróuse (1788), Simple Lisle (1797), John Mawe<br />
(1807), Golovnin (1808), Porter (1812), Kotzebue (1815), Chamisso (1815), Choris (1815),<br />
Duperrey (1822), Lesson (1822), Seidler (1825), Trachsler (1828), além de Sanit Hilaire em<br />
1822. 62 Os textos seguem uma linha descritiva como esse de René Primeverè Lesson, que<br />
descreve a Ilha como:<br />
Florestas espessas, frondosas, impenetráveis muitas vezes, atapetam as<br />
montanhas; [...] o naturalista que visita este litoral com os olhos<br />
exclusivamente habituados à criação das zonas temperadas da Europa<br />
[...]. Somente algum tempo depois é que ele se habitua a este luxo de<br />
vegetação e ao brilhante adorno dos pássaros ou dos répteis que pululam<br />
sobre este solo fecundo. 63<br />
61<br />
LANGS<strong>DO</strong>RFF, Georg Heinrich von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />
CATARINA. Ilha de Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e<br />
XIX. Op.cit., p. 174.<br />
62 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha de Santa Catarina. Relato de<br />
viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit.<br />
63 LESSON, Renè P. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha de Santa<br />
Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op. cit. p. 271.
114<br />
Os comentários dos viajantes sobre a Ilha de Santa Catarina, em especial,<br />
versavam sobre seus dois extremos - o bem e o mal. Palavras como as de Pernetty que<br />
afirmava ser o ar insalubre e a terra repleta de bosques onde o sol não penetrava serem os<br />
causadores da palidez dos habitantes brancos da Ilha 64 , contrapunham-se ao outro extremo,<br />
onde estavam os mesmos bosques ricos em madeiras nobres, repletos de plantas aromáticas,<br />
cujo perfume era levado pelo vento por léguas mar adentro 65 . Certamente esses relatos<br />
contribuíram para levar ao conhecimento português o potencial madeireiro das florestas de<br />
sua colônia. Também partiram desses cientistas sugestões como a drenagem de pântanos e<br />
mangues para amenizar um dos maiores males dos trópicos, os insetos.<br />
Adalbert von Chamisso e Louis Choris estiveram na Ilha em 1815 com a<br />
expedição de Kotzebue, que ali já estivera doze anos antes com Krusenstern. O primeiro,<br />
literato e filósofo, dedicou-se às ciências naturais e quando de sua estada nessa parte do<br />
Brasil escreveu um relato com suas impressões de viagem. Dizia-se assustado pela<br />
gigantesca e copiosa abundância da natureza orgânica e “quando se navega pelo canal que<br />
separa a Ilha de Santa Catarina da terra firme, crê-se estar entrando no país da natureza<br />
livre”. 66 Ao descrever uma caminhada pela Ilha, afastando-se da área urbanizada, fala de<br />
um chão inteiramente coberto por uma vegetação selvagem. Caso queira<br />
penetrar lateralmente na espessa escuridão da floresta, abandonado o<br />
caminho estreito, encontra-se uma frente intransponível, tornando<br />
impossível o acesso ao cume da montanha. Quase todas as formas<br />
64 PERNETTY, Antoine Joseph. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA.<br />
Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p.<br />
86.<br />
65<br />
LANGS<strong>DO</strong>RF, Georg Heinrich von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />
CATARINA. Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e<br />
XIX. Op.cit., p 173.<br />
66 CHAMISSO, Adalbert von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha<br />
de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p.249.
115<br />
arquitetônicas da botânica estão comprimidas na floresta em rica<br />
variação. 67<br />
Semelhante ao relato de seu colega, Choris fala da sensação de se “estar sendo<br />
levado ao meio de uma natureza ainda selvagem”, onde “somente aos pés das montanhas<br />
percebemos o trabalho dos homens recentemente estabelecidos ali”. 68 Junto desse relato, o<br />
desenhista Choris apresenta algumas pranchas onde a natureza local foi registrada com<br />
todas as suas cores e exuberância, como na imagem abaixo. Que é assim descrita:<br />
A costa meridional do Brasil é muito alta; as montanhas erguem-se em<br />
anfiteatro além da beira do mar, sem chegar a um ponto onde cesse a<br />
vegetação; de maneira que, revestidas de um verde muito rico, sob um<br />
clima temperado e de uma suavidade extrema, elas oferecem, em todas as<br />
estações, um panorama deslumbrante. 69<br />
(Ilustração 04) Vue de la cöte du Brèsil vis à vis de l`Ile de Stª Catherine (Brèsil). Desenho<br />
de Louis Choris – (21,8 cm x 26,8 cm) In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA<br />
67 Ibid. p. 250<br />
68 CHORIS, Louis. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA <strong>DE</strong> SANTA CATARINA. Ilha de Santa<br />
Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit.,. p. 259.<br />
69 Ibid., p. 261
116<br />
CATARINA. Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII<br />
e XIX. Prancha V. Op.cit., p. 248.<br />
O século XIX é, nesse sentido, o período de relativo rompimento com a tradição<br />
romântica que projetava na natureza características humanas e criava seres e plantas<br />
fantásticos. Inicia-se um maior domínio, adquirido pelo conhecimento, pela prática<br />
taxionômica como as sucessivas visitas desses viajantes e naturalistas, que publicavam suas<br />
memórias e desenhos.<br />
De acordo com Rossato, o interesse predominante das expedições científicas ao<br />
Novo Mundo era, basicamente, científico no período por ela analisado<br />
A motivação para sair da Europa não era o interesse comercial ou a busca<br />
de riquezas materiais, como muitos dos viajantes que os antecederam ou<br />
mesmo contemporâneos seus. Enquanto os viajantes dos primeiros<br />
séculos da colonização da América estavam presos às narrativas<br />
maravilhosas e à exacerbada religiosidade do período, os cientistas<br />
viajantes do final do século XVIII e do século XIX estavam imbuídos de<br />
um espírito mais científico e investigativo. 70<br />
Contrariamente, consideramos que os custos dessas expedições eram elevados<br />
demais para serem justificados apenas pelo interesse científico. Pensamos, porém, que no<br />
período analisado pela autora sobre a Ilha de Santa Catarina - final do século XVIII e início<br />
do XIX - por mais que o ideal cientificista estivesse presente nesses homens e até em seus<br />
financiadores, a própria idéia de natureza ainda era muito ligada à noção de utilidade. Em<br />
uma Europa já desgastada, de solos revolvidos há séculos, de embates entre cercamentos e<br />
terras comunais, a possibilidade de encontrar um éden, um laboratório a céu aberto,<br />
diferente, sim, da natureza já conhecida e domesticada do Velho Mundo, mas, acima de<br />
tudo, “totalmente à disposição” desse Velho Mundo, era uma riqueza. Se viagens de<br />
estudos e reconhecimentos de novas espécies da fauna e da flora possibilitassem a criação<br />
70 ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário: História Natural, viagens científicas e relatos sobre<br />
a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Op.cit., p. 17.
117<br />
de novas fontes de alimento, madeiras - lembremos que a madeira era a principal<br />
matéria prima de embarcações e fonte de energia calórica - ou até “reservatórios” para um<br />
futuro incerto de população em constante crescimento, tanto melhor. A natureza não tinha<br />
porque ser estudada se não para ser usada, e esse uso poderia dividir-se em várias áreas,<br />
desde jardins para o deleite dos nobres, ou madeiras novas para a construção de navios até<br />
para jardins botânicos como o Jardin des Plantes de Paris, cujo objetivo era a adaptação de<br />
plantas tropicais em situações climáticas diversas das suas originais, visando o<br />
desenvolvimento agrícola europeu e das colônias européias.<br />
Além desse sentido de utilidade, a noção de civilização é aqui entendida como<br />
uma característica européia do período, que se tentava aplicar às novas regiões coloniais e<br />
pós-coloniais. Vale ressaltar que a idéia de natureza não é um conceito fechado, apesar de<br />
haver, segundo Worster, um consenso de que “natureza” designa o mundo não-humano, o<br />
mundo que nós não criamos originalmente. 71 Por outro lado o “ambiente social” ou, como é<br />
mais comumente conhecido, o “cenário” no qual os humanos interagem na ausência da<br />
natureza, e os próprios humanos, não são percebidos como “parte da natureza”. Essa<br />
dicotomia entre homens e natureza serviu também como ponto enaltecedor do Brasil<br />
oitocentista, pois,<br />
eleita a natureza como signo da nação, apoiada em nossos padrões<br />
românticos, tornava-se também um elemento central da inserção do<br />
Brasil entre as nações civilizadas, não apenas pela sua grandeza<br />
distintiva, relacionada às matas virgens, selvagens e tropicais, mas<br />
também pela sua preservação e domesticação, o que conferia um outro<br />
atributo à natureza, o da civilização. 72<br />
71 WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Revista de Estudos Históricos. Op.cit., p.<br />
201.<br />
72 Relatório do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typografia<br />
Perseverança, 1864., p.97. In: HEYNEMANN, Cláudia. Floresta da Tijuca. Natureza e<br />
civilização. Coleção Biblioteca Carioca. Rio de Janeiro, 1995., p. 44.
118<br />
Por fim, podemos ler nos textos desses viajantes naturalistas, e agora de forma<br />
literal, informações relevantes que descrevem, ainda nas primeiras décadas do século XIX,<br />
uma floresta exuberante e com muito a oferecer aos portugueses e aos novos “brasileiros”.<br />
Indicavam, também de forma literal, uma necessidade premente de “cuidar” dessa riqueza<br />
natural, pois um dia poderia, se não acabar, ao menos se tornar mais pobre em dádivas aos<br />
humanos.<br />
2.4 Usos e Abusos: a transformação florestal da Ilha de Santa Catarina no<br />
século XIX.<br />
Em contraste com os europeus que haviam colonizado a América temperada – os<br />
quais, com efeito, haviam encontrado florestas e árvores que eram bastante semelhantes<br />
àquelas que eles haviam deixado para trás – os portugueses depararam-se, no processo de<br />
ocupação do território, com uma flora que lhes era nova em grande medida. Transformar<br />
esses elementos em recursos úteis à economia e à sociedade luso-brasileira foi um processo<br />
extremamente lento. A seleção de madeiras para qualquer aplicação requeria a consideração<br />
de muitos fatores e demoravam-se algumas décadas no método de tentativa e erro até que a<br />
espécie certa para um determinado emprego fosse encontrada, além disso, a variedade de<br />
espécies vegetais e o pequeno número de indivíduos de uma mesma espécie em uma<br />
determinada área constituem os aspectos mais notáveis das florestas pluviais tropicais.<br />
As madeiras da Ilha de Santa Catarina, reservadas ou não, foram largamente<br />
utilizadas para os mais diversos fins. Não se diferenciando da Europa no que diz respeito<br />
aos usos básicos da população. Desterro usava madeiras para construção de habitações,<br />
igrejas, pontes, móveis, veículos e tantos outros usos corriqueiros que não poderiam ter<br />
substitutos a altura. Mesmo as construções de alvenaria ou pau-a-pique demandavam
119<br />
madeiras, pois os tijolos e telhas eram feitos em fornos abastecidos de lenha. Evidente<br />
que as espécies usadas para esses diferentes objetivos variavam de acordo com o poder<br />
aquisitivo das pessoas e com os préstimos e qualidades atribuídas à madeira.<br />
Os préstimos das madeiras variavam muito. Massarandubas e canelas ornavam<br />
casas mais abastadas como a casa do Governador e quem sabe de outros ricos locais. O<br />
mangue branco era uma melhor matéria-prima para o carvão. O mangue vermelho era a<br />
base - mais especificamente as cascas das árvores desse mangue - de fornecimento de<br />
tanino para curtumes. Motivo pelo qual como indicado anteriormente gerou uma legislação<br />
voltada à sua preservação, legislação essa que não chegou especificamente à Santa Catarina<br />
nesse período, possibilitando que os ricos mangues que, em sua maioria localizavam-se ao<br />
norte e ao sul da vila de Desterro, fossem também explorados para fins de combustível de<br />
engenhos de farinha. Aliás, esse foi o fim de muita madeira da Ilha de Santa Catarina.<br />
Por conta disso consideramos que efetivamente existiu uma indústria madeireira<br />
na Ilha de Santa Catarina, porém é preciso dimensionar seu tamanho e importância em<br />
relação às restrições de tamanho da própria Ilha que, conseqüentemente, restringia também<br />
a disponibilidade de madeira sobre seu território.<br />
Podemos concluir que, com o passar das décadas do século XIX, muita<br />
experiência foi adquirida, especialmente pelos moradores da Ilha. A lei de terras de 1850<br />
encarregara-se, em nível formal, de normatizar a ocupação territorial no Brasil e, na Ilha,<br />
local já delimitado pelo mar, a necessidade de “aproveitar melhor” a terra passou a ser mais<br />
palpável. A agricultura tão estimulada no inicio do século e uma das grandes responsáveis<br />
pela transformação de áreas de floresta - que davam lugar à campos cultivados e<br />
domesticados pelo homem - passa a dividir essa função com a expansão urbana. Desterro<br />
não é mais o único aglomerado urbano significativo da Ilha, as freguesias do interior<br />
também crescem no ritmo do crescimento populacional. Nesse compasso, crescem as casas,
120<br />
ampliam-se áreas construídas e, para se fazer isso, continua-se a utilizar a matéria-prima<br />
florestal. Floresta essa que não era mais a mesma de 60 ou 70 anos atrás. Pontos antes tidos<br />
como de difícil acesso, desvalorizados para a agricultura por serem íngremes ou<br />
pantanosos, já abriam os braços para casas comerciais e sobrados residenciais. O morro do<br />
Antão nas costas do hospital de caridade, a praia de fora, um pouco afastada do centro,<br />
todos já haviam sido ocupados pela nova vida urbana florescente em diferentes graus.<br />
Uma nova percepção, surgida talvez da experiência, indicava novos atributos à<br />
floresta e um ponto que passou a ser também constantemente destacado pela imprensa e por<br />
autoridades locais era o bom uso da água e sua necessária ligação com a preservação de<br />
áreas de mata. Exemplo disso deu-se em 1860, quando a Câmara pedia que se tomassem<br />
providências para diminuir o desmatamento do morro que envolve a cidade, pois ele seria a<br />
causa da crescente escassez de água que afligia a população. Foi nesse mesmo ano que se<br />
iniciou o comércio de água em Desterro. 73<br />
O código de posturas de Desterro do final do século XIX, mais precisamente<br />
1888, também destinava ações objetivando a preservação florestal. Acreditamos que essas<br />
atitudes se deram em resposta aos problemas observados nas últimas décadas, que<br />
testemunharam uma queda preocupante na área verde da Ilha. Esse Código Municipal de<br />
Posturas, elaborado pouco mais de 40 anos depois do anterior, que era de 1845, tinha um<br />
capítulo dedicado á “Hygiene e saúde pública” e um sub-capítulo que versava sobre as<br />
“mattas e vallas”. Independente do cumprimento ou não das disposições do código – aliás,<br />
pouco realmente se fez, haja vista a cobertura florestal atual da Ilha de Santa Catarina -<br />
proibiu-se o corte do mangue nos terrenos pantanosos ou alagadiços, exceto os existentes<br />
nas margens dos rios navegáveis, para desobstruí-los - essa foi uma mudança importante se<br />
73 ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa<br />
Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). Florianópolis, 2003.<br />
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis - U<strong>DE</strong>SC., p. 69.
121<br />
compararmos esse código ao anterior. A proibição da derrubada das matas e capoeirões<br />
no morro à leste da cidade estendia-se para uma área de 50 braças para o lado da cidade e<br />
20 braças para o lado oposto. O não cumprimento dessas normas implicava em uma multa<br />
de 20$000 a 30$000 réis. Também era proibido extrair madeira ou lenha de qualquer<br />
qualidade na mata fronteira à cidade. 74<br />
Claro está que, no último quartel do século XIX, já havia problemas de falta de<br />
lenha e madeira no entorno da cidade de Desterro e eram necessárias leis e punições para<br />
normatizar a continuidade na exploração desse material. O código de posturas também<br />
proibia o corte de árvores, a fabricação de carvão e queimadas às margens de rios até a<br />
distância de 40 metros, 75 outro indicativo da necessidade de preservar a cobertura florestal<br />
das margens ou o que sobrou dessa cobertura foi reiterada depois de, aproximadamente,<br />
100 anos. Por outro lado, Vieira da Rosa indica, em 1905, a existência, ainda, de matas<br />
virgens em morros e várzeas da Ilha, 76 já o centro da cidade, segundo João Ribeiro de<br />
Almeida, em 1864, era totalmente desarborizado, e isso, se remediado, poderia evitar<br />
muitos males<br />
nem ao menos uma alameda se depara em Desterro [...] o que custaria o<br />
plantio e conservação de algumas dezenas de árvores frondosas, nas<br />
praias e praça [...] E entretanto que somma de benefícios de que se deixa<br />
de tirar proveito! Seria lindo e utilíssimo. As plantações na opinião do<br />
illustre Mr. Chevreud constituem um meio de tornar salubre e purificar o<br />
solo, pois que as árvores não podem crescer sem que neles sorvão os<br />
materiais alteráveis, causa próxima ou remota da infecção. 77<br />
74 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa<br />
Senhora do Desterro, 22 de outubro de 1888. Título 3º, capítulo 1; arts.: 49, 50, 51 e 52.<br />
75 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa<br />
Senhora do Desterro, 22 de outubro de 1888. Título 3º, capítulo 3, artigo132, parágrafo 1º.<br />
76 VIEIRA DA ROSA. Chorografia de Santa Catharina. Florianópolis,: Typ. Da livraria Moderna.<br />
Paschoal Simone, 1905., p. 182. Acervo IHGB.<br />
77 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina e em particular da cidade de Desterro. Desterro: Typ. de JJ. Lopes, 1864., p.<br />
77. Acervo IHGB.
122<br />
A Ilha de Santa Catarina, apresentada não mais um tapete verde de matas<br />
intransponíveis, já aparecia em descrições no final do século XIX e início do século XX,<br />
como nas palavras do padre Vicenzi, que dizia que, ainda da baia, já se podia ver as colinas<br />
matizadas de verde mas “notava-se, aqui e acolá, nas alturas menos íngremes, e não as mais<br />
elevadas, bonitos pedaços de terras, cuidadosamente cultivada”. 78 Essas palavras reforçam<br />
a imagem de uma Ilha diferente da encontrada pelos naturalistas estrangeiros no início do<br />
século XIX, mas também indicam que essas mudanças ainda estavam em andamento. Os<br />
problemas que no início do período imperial iam da exploração madeireira e da<br />
“necessidade” de ampliação da área urbana alcançando chácaras e sítios nos arrabaldes de<br />
Desterro, agora estavam concentrados na emergência do controle do desmatamento nos<br />
morros do entorno da cidade para evitar problemas de abastecimento de água e no controle<br />
do desmatamento e da coleta de lenha, novamente em áreas próximas à cidade, devido à<br />
escassez. Aquela floresta imensa, apesar das proporções geográficas da ilha serem<br />
limitadas, já estava reduzida e localizada nos morros mais elevados e em pontos de mais<br />
difícil acesso, alguns desses locais eram no interior da Ilha, graças às ruas e caminhos<br />
precários.<br />
Desterro já era uma importante cidade, palco de embates políticos e cujas lutas<br />
anteriormente travadas para domesticar as matas e extrair riquezas do solo por elas coberto<br />
já eram temas do passado, apesar de um passado não tão distante. A extração de madeira<br />
para a Real Armada Portuguesa, que rendeu tantos documentos, cartas e relatos, aliados ao<br />
desenvolvimento da agricultura com seus manuais e estímulos para a aclimatação de<br />
plantas exóticas, já cedia espaço à questões de caráter político-administrativo, essa sim a<br />
nova “vocação” de Desterro, logo depois Florianópolis.<br />
78 VICENZI, Jacomo. Uma viagem ao Estado de Santa Catharina em 1902. Nictheroy: Tip.<br />
Amerino, 1904., p. 14. Acervo IHGB.
III<br />
A QUESTÃO AGRÍCOLA<br />
3.1 Legislação no século XIX: permanências, rupturas e contradições.<br />
É a partir de 18 de setembro de 1850, com a lei nº 601, conhecida como “Lei de<br />
Terras”, que parte do território do Império do Brasil passa a figurar como mercadoria. Com<br />
a sugestiva designação de dispor “sobre as terras devolutas do Império, e acerca das que<br />
são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como<br />
por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as<br />
primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como<br />
para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a<br />
promover a colonização estrangeira na forma que se declara” 1 , pretendia-se mudar uma<br />
arraigada tradição de posse e doação, cujo critério era, basicamente, a vontade do doador.<br />
Poder-se-ia argumentar que a lei proporcionaria uma distribuição maior de terra,<br />
uma vez que não mais precisaria comprovar posses e escravos para cultivá-la, bastava<br />
apresentar o dinheiro. O que se viu, porém, foi a repetida concentração de terras nas mãos<br />
dos antigos grandes donos de sesmaria. Quem já muito tinha, ainda mais poderia comprar.<br />
O dispositivo de designar terras para empresas particulares ou para<br />
estabelecimento de colônias, também dividiu com mãos particulares uma incumbência que<br />
até então era do Governo do Estado. Antes da Lei de Terras, que abria o leque para<br />
1 Título da Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de<br />
Janeiro, Tomo 11, parte 1ª, secção 44. Brasil.
124<br />
particulares colonizarem áreas adquiridas por título oneroso, isso era feito através de<br />
leis provinciais ou, mais raramente, por particulares em suas sesmarias. Um dos primeiros<br />
casos desse tipo em Santa Catarina foi autorizado pela lei de 05 de maio de 1833, que<br />
determinava o estabelecimento de duas colônias nos rios Itajahy Grande e Mirim. De<br />
acordo com o relatório do presidente da Província de 1851, essas colônias já possuíam<br />
então, entre estrangeiros e nacionais, “72 fogos com 347 pessoas [...] 62 cazas de moradia,<br />
21 engenhos de mandioca e 11 de canna”. 2<br />
Na Ilha também se estabeleceram colônias ao norte da barra da capital, como a da<br />
Piedade, com 150 colonos e, de acordo com informações que foram remetidas ao Governo<br />
Imperial, 129 pessoas no fim de abril de 1848. Hoje a população se acha reduzida a 105. 3<br />
Segundo o presidente da Província, a colônia estava em decadência e pouco produzia<br />
devido à má qualidade do terreno, e ele considerava o empreendimento um erro,<br />
especialmente pela escolha desse terreno, tido como árido e cansado.<br />
No que se refere à legislação brasileira anterior a essa lei que passaremos a<br />
designar apenas como ‘Lei de Terras’,<br />
a primeira forma que assumiu o ordenamento jurídico das terras<br />
brasileiras foi a do regime de concessão de sesmarias. As concessões de<br />
sesmarias, entretanto, não representaram o resultado de um processo<br />
interno de evolução de formas anteriores de apropriação. Resultaram da<br />
transposição para as terras descobertas de um instituto jurídico existente<br />
em Portugal. 4<br />
O solo era distribuído gratuitamente somente àqueles que possuíssem condições de<br />
aproveitá-lo e pagar os foros pelo mesmo. Essas condições eram verificadas de acordo com<br />
2 COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa de<br />
Santa Catarina, 1º de março de 1851., p. 9. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
3 Ibid., p. 10.<br />
4 SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio – efeitos da lei de 1850. Campinas/São<br />
Paulo: Ed. da Unicamp, 1996., p.21.
125<br />
o número de escravos possuídos e capacitados para a produção. 5 Tal determinação, que<br />
significava uma estreita relação entre disponibilidade da terra e mão-de-obra, estendeu-se a<br />
todos que solicitavam sesmarias, gerando uma considerável concentração de terras nas<br />
mãos de poucos. 6 Em contrapartida, pequenos colonos ficavam impedidos de ter acesso à<br />
terra e tinham que trabalhar como meeiros ou arrendatários. 7 Essa observação feita por<br />
Fleiuss tem um caráter crítico por ir contra suas idéias de aproveitamento das terras do<br />
Brasil. Essa prática perpetuava as grandes propriedades e limitava as possibilidades de<br />
pequenos colonos tornarem-se proprietários/possuidores de uma porção de terras.<br />
As cláusulas que estipulavam obrigações às pessoas que recebiam terras tinham,<br />
entre seus itens principais, a obrigação de, mesmo antes de tomar posse, medir e demarcar<br />
as ditas terras e notificar os confrontantes. Esses vizinhos eram avisados para que no futuro<br />
não houvesse contestação de limites por parte dos mesmos. Outros pontos importantes eram<br />
conservar nas matas as árvores tapinhoans e perobas, que só poderiam ser cortadas para a<br />
construção de naus para o Rei, além de construir caminhos e pontes e reservar meia légua<br />
nas margens dos rios para logradouro público. 8<br />
As informações sobre as posses de terras e o ordenamento das mesmas dão um<br />
salto quali-quantitativo a partir da Lei de Terras. O registro das posses gera um número de<br />
dados e uma riqueza de informações que, literalmente, criaram um retrato de boa parte da<br />
ocupação e divisão dos terrenos do Brasil. Essa lei, no entanto, só foi regulamentada por<br />
um decreto quatro anos depois de sua publicação.<br />
5 FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio<br />
de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: Garamond, 1999., p. 126.<br />
6 Ibid., p. 126.<br />
7 FLEIUSS, Max. História Administrativa do Brasil. 2ª ed. São Paulo, Caieiras, Rio de Janeiro e<br />
Recife: Cia Melhoramentos de São Paulo, 1925., p. 17.<br />
8 FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio<br />
de Janeiro. Op. cit., p. 126
126<br />
Nesse sentido, o Decreto de número 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que<br />
regulamentou a Lei de Terras foi muito importante. Em seus artigos 14, 15 e 16, definia que<br />
Art. 14. O Inspetor é o responsável pela exatidão das medições; o<br />
trabalho dos Agrimensores lhes será, portanto submetido; sendo por ele<br />
aprovado, procederá a formação dos mapas de cada um dos territórios<br />
medidos. Art. 15. Destes mapas fará extrair três cópias, uma para a<br />
Repartição Geral das Terras Públicas, outra para o Delegado da Província<br />
respectiva e outra que deve permanecer em seu poder: formando afinal<br />
um mapa geral do seu distrito. Art. 16. Estes mapas serão acompanhados<br />
de memoriais, contendo as notas descritivas do terreno medido e todas as<br />
outras indicações, que deverão ser feitas em conformidade do<br />
Regulamento Especial das medições. 9<br />
Também é nesse momento que se estimula a fixação de pessoas de origem<br />
nacional, especialmente em áreas de fronteira, para atuarem como “marcos” do território,<br />
sinais de ocupação das terras por nacionais ou portugueses. No artigo 1º, a lei define que<br />
“ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de<br />
compra. Excetuam-se as terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em<br />
uma zona de 10 léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente”, 10 a princípio, para<br />
esses nacionais, com o objetivo de ocupar o território.<br />
Eram consideradas terras devolutas, de acordo com a Lei de Terras, em seu artigo<br />
3º, parágrafos 1, 2, 3 e 4s:<br />
§1. As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional,<br />
provincial, ou municipal. § 2. As que não se acharem no domínio<br />
particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias<br />
e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em<br />
comisso por falta do cumprimento das condições de medição,<br />
9 BRASIL, Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Manda Executar a lei 601 de 1850. Coleção de<br />
Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, Tomo 17, parte 2ª, secção 6. Artigos 14, 15 e 16.<br />
10 BRASIL, Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império, e<br />
acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem<br />
como por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as<br />
primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para o<br />
estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a<br />
colonização estrangeira na forma que se declara. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de<br />
Janeiro, Tomo 11, parte 1ª, secção 44. Brasil. Artigo 1.
127<br />
confirmação e cultura. § 3. As que não se acharem dadas por<br />
sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em<br />
comisso, forem revalidadas por esta Lei. § 4. As que não se acharem<br />
ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título legal,<br />
forem legitimadas por esta Lei. 11<br />
Para cumprir esse trecho da lei referente às terras públicas a própria Lei de Terras<br />
estabeleceu a criação da Repartição Geral das Terras Públicas, cujas atribuições foram<br />
regulamentadas pelo decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854, em seu artigo 3:<br />
§ 1. Dirigir a medição, divisão, e descrição das terras devolutas, e prover<br />
sobre a sua conservação. § 2. Organizar um Regulamento especial para as<br />
medições, no qual indique o modo prático de proceder a elas, e quais as<br />
informações, que devem conter os memorais, de que trata o Art. 16 deste<br />
Regulamento. § 3. Propor ao Governo as terras devolutas, que deverão ser<br />
reservadas: 1., para a colonização dos indígenas; 2., para a fundação de<br />
Povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras servidões, e assento de<br />
Estabelecimentos Públicos. § 4. Fornecer ao Ministro da Marinha todas as<br />
informações, que tiver acerca das terras devolutas, que em razão de sua<br />
situação, e abundância de madeiras próprias para a construção naval,<br />
convenha reservar para o dito fim. § 5. Propor a porção de terras medidas,<br />
que anualmente deverão ser vendidas. § 6. Fiscalizar a distribuição das<br />
terras devolutas, e a regularidade das operações da venda. § 7. Promover a<br />
colonização nacional e estrangeira. § 8. Promover o registro das terras<br />
possuídas. § 9. Propor ao Governo a fórmula, que devem ter os títulos de<br />
revalidação e de legitimação de terra. 12<br />
Não aceitar as disposições dessa comissão implicava, de acordo com a lei, penas<br />
de prisão até três meses e multa de até 200$000 réis.<br />
Quem já era ocupante quando da promulgação da Lei de Terras tinha sua situação,<br />
na maioria das vezes, legalizada. Isso se deu especialmente em função da suspensão da<br />
doação de sesmarias em julho de 1822, tornando a posse o único modo de aquisição de<br />
terras até 1850. Nesse intervalo de tempo muitas terras foram simplesmente ocupadas e<br />
cultivadas, fazendo com que, com a nova lei, essas pessoas as requeressem como sendo<br />
11 Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., artigo 3.<br />
12 Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., artigo 3.
128<br />
suas quase trinta anos depois. A justificativa usada era os longos anos de ocupação e a<br />
produtividade dessas terras.<br />
No artigo 5, § 4. da mesma lei, define-se, no entanto, que “os campos de uso<br />
comum dos moradores de uma ou mais freguesias, municípios ou comarcas [rossio] 13 serão<br />
conservados em toda a extensão de suas divisas, e continuarão a prestar o mesmo uso,<br />
conforme a prática atual, enquanto por lei não se dispuser o contrário”. 14 Essa disposição só<br />
vinha reforçar longas tradições como o pasto de animais em terrenos públicos e vazios,<br />
caça e coleta de frutos em terrenos que não eram privados ou retirada de lenha e madeira,<br />
especialmente de mangues e áreas próximas à vilas e cidades. Tal indefinição constante na<br />
própria Lei de Terras explica, em parte, as dúvidas e práticas ilegais que persistiram por<br />
tantos anos na distribuição de terras no Brasil, tanto que “a solicitação de datas e a sua<br />
concessão prossegue até fins do Império. O aforamento de glebas continua penetrando<br />
mesmo a república, que vai praticamente extingui-lo com o Código Civil de 1917”. 15<br />
Não é difícil constatar que essas práticas pesaram muito na devastação ambiental,<br />
em especial no caso dos mangues vizinhos às áreas urbanas, que foram, em grande parte,<br />
destruídos antes da metade do século XIX. A prática de derrubada de mangues para fins<br />
domésticos - lenha para fogões, caieiras, etc - ou para curtumes e secagem de áreas tidas<br />
como produtoras de umidade e doenças era amparada por lei - na Ilha de Santa Catarina<br />
fazia parte do código de posturas do município - e, associada à indefinição das fronteiras,<br />
13 Ao se criar uma vila seguiam-se algumas exigências, como a de estipular localizações de prédios<br />
como casa de câmara e cadeia e pelourinho. Era a partir destes que se definia o termo da vila, que<br />
não era, de forma alguma, claro ou bem demarcado no que se refere a logradouros públicos, áreas<br />
comuns da vila ou mesmo de seu rossio. Essa área servia a distintos propósitos, que poderiam<br />
resumir-se em sua utilização por parte de todos os moradores para pasto de animais, para coleta de<br />
madeira ou de lenha, para algum plantio, bem como constituía uma reserva para a expansão da vila,<br />
seja prevendo novas sessões de terra, seja a abertura dos correspondentes caminhos e estradas, ruas<br />
ou praças. In: MARX. Murillo. Cidade no Brasil Terra de Quem São Paulo: Studio Nobel,<br />
1991., p. 69.<br />
14 Lei 601 de 18 de setembro de 1850. Op.cit., artigo 5.<br />
15 MARX, Murillo. Cidade no Brasil: Terra de Quem São Paulo: Edusp/Studio Nobel, 1991., p.<br />
118.
129<br />
tornou-se ainda mais desmedida. A doação de novas terras para agricultura, por sua vez,<br />
sem critérios de preservação de matas teve como conseqüência um avanço para terras<br />
virgens e o abandono de terras cansadas pelo uso exaustivo ou mau uso dos recursos do<br />
solo.<br />
A lei 601, mesmo depois de aprovada e considerado seu impacto no campo, não<br />
teve como seu efeito “a distribuição mais ampla das mesmas [terras], quiçá almejada pelo<br />
poder central, porém, e muito ao contrário, redundou num reforço das características de alta<br />
concentração delas nas mãos de muito poucos”. 16 Um exemplo dessa “transgressão” foram<br />
os lotes de tamanho superior a mil hectares, definidos pelo governo para a venda e que<br />
indicavam que o destino não era a pequena propriedade, em muitos casos isso comprovouse<br />
no final do século XIX e início do XX, quando algumas dessas terras foram repassadas<br />
para empresas colonizadoras com o objetivo de as retalhar e vendê-las para imigrantes, 17<br />
prática percebida no oeste de Santa Catarina, sudoeste do Paraná e noroeste do Rio Grande<br />
do Sul. 18<br />
Para efetivar essa divisão do terreno em lotes a mata era devastada e suas<br />
madeiras aproveitadas, ficando o solo livre para os novos colonizadores, o que transformou<br />
a paisagem em um grande “mosaico” de culturas.<br />
Tal fato chocava-se com o disposto no artigo 12 do decreto 1.318 de 30 de janeiro<br />
de 1854, em que se definia que<br />
as medições serão feitas por territórios, que regularmente formarão<br />
quadrados de seis mil braças de lado, subdivididos em lotes, ou<br />
quadrados de quinhentas braças de lado, conforme a regra indicada no<br />
16 MARX, Murillo. Cidade no Brasil: Terra de Quem Op. cit., p. 119.<br />
17 Ibid., p. 109.<br />
18 Para mais detalhes sobre o tema ver: CESCO, Susana. Migração e Desmatamento no Alto Vale<br />
do Uruguai:uma releitura da relação homem x florestas no início do século XX. Florianópolis,<br />
2003. Conclusão de Curso Graduação em História. Universidade Federal de Santa Catarina;<br />
NODARI, Eunice S. A Renegociação da Etnicidade no Oeste de Santa Catarina (1917-1954).<br />
Porto Alegre, 1999. Doutorado em História PUC-RS; CESCO, Susana. Desmatamento e Migração<br />
no Alto Vale do Rio do Peixe: discussões sobre “progresso” e transformação ambiental.<br />
Florianópolis, 2005. Mestrado em História. Universidade Federal de Santa Catarina.
130<br />
art. 14. da Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, e segundo o modo<br />
prático prescrito no Regulamento Especial, que for organizado pela<br />
Repartição Geral das Terras Públicas. 19<br />
A política de legalização da propriedade de terras pós 1850 abria a possibilidade<br />
de modificar o sistema de agricultura do país, que até então era pautado pela “fronteira<br />
aberta”, móvel e predatória. Teoricamente, a partir do momento em que a terra passava a ter<br />
um valor monetário, a ampliação das propriedades restringia-se e a necessidade de<br />
aproveitar melhor o solo aumentava. Esse aproveitamento já era discutido em muitos<br />
manuais agrícolas e em discursos e artigos de membros da Sociedade Auxiliadora da<br />
Indústria Nacional e iam desde a adubação do solo, passando pela rotação de culturas e o<br />
pousio, até outras técnicas. Tudo isso não seria viável se o objeto fossem as grandes<br />
monoculturas, mas tornava-se uma boa idéia quando se tratava de pequenas propriedades<br />
familiares, ideal de colonização do sul do Brasil.<br />
Quando da promulgação da Lei de Terras, os posseiros ficaram obrigados, de<br />
acordo com o artigo 11<br />
a tirar títulos dos terrenos que lhes ficarem pertencendo por efeito desta<br />
lei, e sem eles não poderão hipotecar os mesmos terrenos, nem aliená-los<br />
por qualquer modo. Estes títulos serão passados pelas Repartições<br />
provinciais que o Governo designar, pagando-se 3$000 de direitos de<br />
Chancelaria pelo terreno que não exceder de um quadrado de 300 braças<br />
por lado, e outro tanto por cada igual quadrado que de mais contiver a<br />
posse; e além disso 4$000 de feitio, sem mais emolumentos ou selo. 20<br />
Os proprietários de terras ficavam obrigados também, após a nomeação dos Juízes<br />
Conservadores que coordenariam as demarcações e após o prazo estipulado pelo presidente<br />
da Província, a medir as terras adquiridas por posses sujeitas à legitimação, ou por<br />
sesmarias, ou outras concessões que estejam por medir e sujeitas à revalidação, marcando<br />
maior ou menor prazo, segundo as circunstâncias do Município, e o maior ou menor<br />
19 Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., artigo 12.<br />
20 Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Op. cit., artigo 11.
131<br />
número de posses, e sesmarias sujeitas à legitimação, e revalidação, que aí<br />
existirem. No artigo 33 ficava definido que os prazos marcados poderiam ser prorrogados<br />
pelos mesmos presidentes, se assim o julgarem conveniente, e neste caso a prorrogação<br />
seria válida a todos os possuidores do município em mesma situação. 21<br />
Ainda segundo o texto da lei, o artigo 12 estipulava que o Governo podia reservar<br />
terras devolutas que julgasse necessárias, desde que seu “uso” fosse: 1., para a colonização<br />
dos indígenas; 2., para a fundação de povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras<br />
servidões, e assento de estabelecimentos públicos e 3., para a construção naval. Esse último<br />
item refere-se às terras possuidoras de florestas ricas em madeiras próprias para a<br />
construção naval, que já eram “controladas” por outros dispositivos legais. No artigo 13 o<br />
mesmo Governo assumia a responsabilidade de “organizar por freguesias o registro das<br />
terras possuídas, sobre as declarações feitas pelos respectivos possuidores, impondo multas<br />
e penas àqueles que deixarem de fazer nos prazos marcados as ditas declarações, ou as<br />
fizerem inexatas”. 22<br />
Posterior à Lei de Terras, o regulamento 1.318, de 1854, determinava que os<br />
possuidores de terras deveriam registrá-las em um prazo fixado por lei. E para facilitar esse<br />
processo o mesmo deveria ser feito nas paróquias onde essas terras estavam localizadas.<br />
Tais registros ficaram conhecidos como “Registros de Vigários” e eram muito simples,<br />
relatavam, na forma de declaração, o nome da terra possuída; designação da freguesia em<br />
que estava situada; o nome particular da situação, se o tiver; sua extensão, se for conhecida,<br />
e seus limites”. 23<br />
21 Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., art. 32 e 33.<br />
22 Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Op. cit., artigos 12 e 13.<br />
23 MOTTA, Márcia M. M. Nas Fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do<br />
século XIX. Rio de Janeiro. Arquivo Público do Rio de Janeiro, 1998., p. 161.
132<br />
Posteriormente, o órgão criado pelo governo Imperial para reger esse processo<br />
de medição e legalização foi a “Repartição Geral das Terras Públicas”, subordinada ao<br />
Ministério da Agricultura do Império. Cada província teve nomeado um juiz comissário de<br />
medição e, depois, criaram-se cargos e funções como: diretor, fiscal tesoureiro, oficiais,<br />
amanuenses e porteiros-arquivistas. A atribuição do juiz comissário era autorizar as<br />
medições e as demarcações das terras já registradas nas paróquias. Os juízes só poderiam<br />
realizar esse serviço caso esse fosse requisitado pelo ocupante da terra. 24<br />
A Repartição Geral de Terras Públicas e as demais repartições provinciais foram<br />
extintas em 1861, quando foi criado o Ministério de Agricultura, Comércio e Obras que<br />
absorveu as funções da repartição. Outro órgão com funções parecidas foi criado em 1874<br />
sob o nome de Registro Geral e Estatística das Terras Públicas, que pouco ou nada fez para<br />
justificar seu nome e logo foi extinto. Apenas em 1876 um órgão foi criado e perdurou até o<br />
final do Império: a Inspetoria de Terras e Colonização.<br />
Enfim, a Lei de Terras foi, em âmbito oficial, uma importante iniciativa para<br />
regulamentar a propriedade de terras no Brasil, que há muito tempo estava sendo baseada<br />
em relações de amizades e interesses. No entanto, não foi de imediato que as novas regras<br />
regaras saíram do papel e entraram no dia-a-dia das pessoas de um território tão vasto e<br />
com cantos tão afastados dos olhos da justiça. Para entender melhor essas dificuldades de<br />
aplicação da lei é preciso analisar o processo que levou a ela e a situação da propriedade da<br />
terra antes dela.<br />
3.2 A propriedade de terras durante o século XIX.<br />
Até 1822, a doação de sesmarias na Ilha e no continente se dava,<br />
preferencialmente, para lotes agrícolas nas diferentes freguesias. No ano de 1822, com a<br />
24 CAVALCANTE, José Luiz. A Lei de Terras de 1850 e a reafirmação do poder básico do Estado<br />
sobre a terra. Histórica - Revista Eletrônica do Estado de São Paulo. N.2, junho 2005.
133<br />
proibição da doação de terras sob designação de sesmarias, muitos habitantes da Ilha de<br />
Santa Catarina ficaram sem opção de posse de terras. Em 1841, o presidente da Província<br />
Antero José Ferreira de Brito ainda apontava os transtornos causados por essa lei que<br />
prejudicava, ainda naquele momento, famílias de lavradores. Nas palavras de Brito, tanto<br />
“na Ilha como em todo o litoral do continente, vêem-se apinhados centenas de homens<br />
trabalhando a terço, e consumindo-se para tirarem a custo sua subsistência de terras já a<br />
muito esterilizadas”. 25 Isso ao mesmo tempo que avistavam-se vastos terrenos férteis que<br />
não podiam ser roteados pela incerteza da posse legal no futuro. Essas incertezas, causadas<br />
pela proibição legal dessa prática no ano de 1822, não impediram que ocorressem<br />
ocupações, legalizadas posteriormente, e expansões de sesmarias já tidas por direito.<br />
No entanto, a presidência da Província tinha, baseada na Legislação Provincial e<br />
na lei nº 11 de 1835 especificamente, ampla faculdade de conceder a empreendedores terras<br />
para a fundação de colônias, sendo também autorizada a fundação por conta do Governo da<br />
Província. As primeiras colônias da Província, criadas por essa lei, foram as das margens<br />
do Rio Itajay-mirim e do Rio Tijucas Grande no continente e os empreendedores<br />
responsáveis por elas eram Wels Pedrick & Gonçalves e Demaria & Schutel,<br />
respectivamente. Segundo a Presidência da Província, em 1841, depois desses últimos não<br />
houve mais interessados nesse tipo de empreendimento. Curiosamente, essa lei provincial,<br />
13 anos após a proibição das sesmarias, atuava com regras muito semelhantes. As doações<br />
eram feitas na forma de grandes porções de terras a pessoas chamadas de empreendedores<br />
que, por sua vez, as dividiam em lotes para serem entregues às famílias de imigrantes com<br />
finalidade agrícola. As regras eram tão semelhantes ao sistema sesmarial que os lotes não<br />
distribuídos aos colonos, em um prazo de 4 anos, seriam considerados devolutos. Ainda<br />
referente a esse tema, em 1840 em seu relatório anual, o presidente da Província sugeria<br />
25 BRITO, Antero Jozé Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em<br />
1841., p. 9 e 10. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
134<br />
que a colônia deveria ter sempre terras medidas e demarcadas para serem dadas aos<br />
colonos que se apresentassem, sendo condição primordial para isso a exclusão absoluta de<br />
escravos. Até um cálculo foi feito para tal, supondo uma comissão permanente medindo e<br />
demarcando terras, com 10 ou 15 homens empregados, e um oficial, seriam necessários até<br />
3:000$000 réis anuais para as despesas. 26<br />
Mesmo com essa lei, que de certo modo passava por cima da resolução 76 de 17<br />
de julho de 1822, que extinguia a doação de sesmarias no território do Brasil, a formação de<br />
colônias não foi tão significativa até a metade do século XIX. Para agravar a situação e<br />
desestimular empreendedores, algumas colônias não prosperavam e sua população inicial<br />
diminuía. Além disso, os primeiros anos de criação não eram acompanhados por nenhum<br />
“fiscal”, o que só agravava as coisas, ainda de acordo com o presidente da Província. 27<br />
Antes disso podem ser encontrados os registros de sesmarias dos mais diversos na<br />
Ilha de Santa Catarina. No Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC - foram<br />
consultados registros de 1796 a 1823, ou seja, um ano depois da proibição das doações.<br />
Anterior ao Período Imperial, os pedidos eram feitos ao Governador da Ilha que, em<br />
resposta, se positiva, redigia uma “carta de sesmaria”. É o caso de uma, datada de<br />
18/04/1805, que estabelecia as marcações de uma nova sesmaria solicitada pelo Capitão<br />
Miguel Francisco da Costa, morador da Lagoa da Conceição. Segundo a carta, o capitão já<br />
estava de posse de 41 braças de terras de frente e 200 de fundo em um lugar chamado Rio<br />
Tavares, o qual solicitava legalização de posse; essas terras eram oficialmente devolutas.<br />
De acordo com o texto do Governador, o requerente queria que lhe concedessem “as<br />
26 ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província de Santa<br />
Catarina em 1840., p. 34. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
27 BRITO, Antero Jozé Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em<br />
1841., p. 9 e 10. Op. cit. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
135<br />
mencionadas terras que se achavam devolutas nas frentes de outras que já poçuhia por<br />
compra”. 28 O requerente era apontado como apto para cultivar as terras.<br />
Outra concessão atendida foi feita pelo Governador Dom Luiz Maurício da<br />
Silveira ao Capitão de Cavalaria Miliciana do Distrito da Freguesia da Lagoa que<br />
para seu melhor estabelecimento e suplemento de sua numerosa família<br />
me pedia que (...) lhe concedesse sessenta e quatro braças de terras de<br />
frente com sessenta e oito de fundo, pello lado Norte e sessenta pello Sul<br />
que se achavam devolutas no lugar denominado Caxoeira do Rio<br />
Tavares. 29<br />
Todas essas concessões faziam referência à lei portuguesa de sesmarias do ano de<br />
1747, que obrigava ao solicitante atendido a construção de caminhos e testada de pontes e<br />
estivas onde se fizesse necessário, além da proibição de repasse dessas terras para pessoa<br />
eclesiástica ou Religião – resquício, talvez, do acúmulo de bens dos jesuítas, verificado<br />
quando de sua expulsão, bens dos quais foram espoliados – e reservar qualquer mina ou<br />
viveiro de qualquer metal e os paus reais para a Coroa.<br />
As duas doações acima citadas referem-se aos moradores de freguesias do interior<br />
da Ilha que queriam aumentar ou oficializar suas posses. Já a solicitação de Domingos José<br />
no ano de 1808 é diferente. O mesmo era um morador urbano da Vila de Desterro que<br />
alegava, na solicitação, não ser possuidor de uma légua sequer para sustentar sua numerosa<br />
família por meio da agricultura. Seu pedido de terras referia-se a 17 braças de terras de<br />
frente e 3/9 de fundo na Costeira do Ribeirão, solicitação que, segundo ele, não prejudicaria<br />
terceiros. 30 Os termos da doação são idênticos aos anteriores, o que diferencia essa sesmaria<br />
é que ela seria a propriedade agrícola de uma família da cidade e que, provavelmente, seria<br />
28 CURA<strong>DO</strong>, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria do Capitão Miguel Francisco da<br />
Costa. Acervo n. 1, Estante n. 8E. APESC., fl 145v. 18/04/1805.<br />
29 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria do Capitão de Cavalaria<br />
Miliciana Miguel Francisco da Costa. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 50 e 51, 1807.<br />
30 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria de Domingos José, cazado,<br />
morador nesta Vila. Desterro, 1808. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 152-153.
136<br />
cultivada por agregados ou meeiros, repassando ao proprietário uma parte dos produtos<br />
ou lucros da colheita.<br />
Outro pedido de sesmaria, que parece objetivar a construção de uma “casa de<br />
praia”, é o de Bernardo Francisco Tavares, anspeçado 31 do Regimento de Linha da Praça de<br />
Desterro. A área solicitada era de duas braças de terras devolutas nas marinhas da Praia de<br />
Fora. 32<br />
A lei de 1747, especificamente para Santa Catarina, foi importante quando da<br />
vinda dos casais açorianos em meados do século XVIII. Como todos esses casais tinham a<br />
promessa de ganhar um lote para instalarem-se, teoricamente, a lei das sesmarias<br />
oficializaria com mais praticidade essa posse, porém não foi o que aconteceu. Exemplo<br />
disso é uma solicitação de sesmaria do ano de 1810, feita por Francisco da Roxa Cota,<br />
morador da Vila de Desterro, em que o solicitante afirma que o pedido nada mais era que a<br />
oficialização do lote ganho por seus pais, casal açoriano que chegou à ilha em 1753, e cuja<br />
posse ainda não era oficial. Segundo Francisco, seu falecido pai Antonio Cota Vieira foi um<br />
dos açorianos vindos para povoar a região e a ele foi concedido, pelo então governador<br />
Manoel Escudeiro Ferreira de Souza, o equivalente a ¼ de légua de terra em quadro para<br />
seu estabelecimento na Serraria da Freguesia de São José, tal lote havia sido “medido e<br />
demarcado em hum retângulo de trezentas braças de frente com mil oito centos setenta e<br />
cinco de fundo, pelo demarcador Antonio Gonçalves Pereira”. 33<br />
A primeira concessão foi datada de 02/11/1753, a segunda de 08/11/1753, não<br />
havendo contestação pelos vizinhos. A posse foi ratificada em 1780, confirmada a primeira<br />
31 Antigo posto militar acima do soldado e sob ordens do cabo.<br />
32 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Concessão de Bernardo Francisco<br />
Tavares, 1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 128 verso.<br />
33 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de Sesmaria de Francisco da Roxa Cotta,<br />
morador nesta Vila de Desterro, 04/01/1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 129.
137<br />
medição. A carta de sesmaria oficial ainda não havia sido redigida em 1810. Nesse ano,<br />
o presidente da Província, Dom Maurício da Silveira, concedeu<br />
por Sesmaria, em nome de Sua Alteza Real, como o herdeiro de Antonio<br />
Cotta Vieira cazal do numero vindo para povoar esta ilha em observância<br />
da Real Ordem de nove de agosto de mil setecentos e quarenta e sete e do<br />
Real Decreto de vinte e dois de junho de mil oitocentos e oito ao<br />
mencionado Francisco da Roxa Cotta as contempladas trezentas braças<br />
de terra de frente com mil oitocentas setenta e cinco de fundo. 34<br />
Porém não eram apenas lotes de terras na Ilha de Santa Catarina, ou em terra<br />
firme, que eram dados em sesmaria. Em 30/04/181, o presidente da Província, respondendo<br />
ao pedido do provedor da Fazenda, concede em sesmaria a Ilha do Arvoredo, ilha costeira<br />
vizinha à Ilha de Santa Catarina. Essa porção de terra no litoral catarinense era reclamada<br />
para, segundo o solicitante, instalar uma fazenda. A ilha possuía meia légua de<br />
comprimento e ¼ de légua de largo. 35<br />
Por tudo isso se percebe a dimensão dos problemas oficiais no que se refere à<br />
posse de terras no Brasil e a importância da Lei de Terras. Não parece exagero dizer que<br />
muitos pontos do Brasil eram terras de ninguém, ou pior, de vários proprietários que não se<br />
entendiam quanto aos limites. Em um território tão vasto, com tantos proprietários,<br />
posseiros, imigrantes e tantas categorias de ocupantes, ficava difícil fiscalizar e cobrar<br />
impostos ou mesmo criar políticas de incentivo à agricultura ou preservação da floresta,<br />
além, é claro, das questões ligadas à mão-de-obra livre ou escrava.<br />
Todos esses conflitos relacionados à posse de terras e ao seu aproveitamento, bem<br />
como de seus recursos, no Brasil e na Ilha de Santa Catarina especificamente, merecem<br />
34 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de Sesmaria de Francisco da Roxa Cotta. Op.<br />
cit.<br />
35 SILVEIRA, Dom Luiz Maurício. Doação de sesmaria à João Prestes Barreto da Fontoura.<br />
30/04/1811. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 161.
138<br />
uma observação mais detalhada que possa lançar luz sobre pontos por tanto tempo<br />
turvos e ampliar as possibilidades de compreensão de suas causas e conseqüências.<br />
3.3 Evolução da agricultura no século XIX.<br />
Considerando toda a legislação que, de certa forma, estava ligada à questão da<br />
terra e da agricultura, assim como outros documentos que podem pautar o tema, esta análise<br />
sobre agricultura na Ilha de Santa Catarina propõe uma abordagem diferente da de tantos<br />
textos já produzidos. Procuramos acrescentar outro elemento à questão, ampliando o leque<br />
de “fatores condicionantes” da agricultura no século XIX - não deixando de olhar para<br />
momentos anteriores, como o século XVIII, que amalgamaram o “cenário”. Esse novo<br />
elemento, que vem somar-se à falta de crédito, à mão-de-obra escrava, à inserção de<br />
imigrantes e à monocultura, é a floresta e a necessidade de derrubá-la. A agricultura exigia<br />
terra limpa e esse é um fator importante do processo de derrubada das matas para receber as<br />
sementes, nem tampouco o trabalho que isso significou, além dos custos de animais,<br />
equipamentos e mão-de-obra.<br />
Como em tantos estudos sobre a agricultura, os documentos aqui analisados são<br />
leis e decretos relacionados ao tema, manuais agrícolas e dados econômicos de produção,<br />
exportação e importação. Além desses, foram pesquisados e relacionados à atividade<br />
agrícola os relatórios sobre extração de madeira, análises geográficas sobre qualidade do<br />
solo e relevo, questões como vegetação predominante, animais locais e domesticados e<br />
idéias de viajantes estrangeiros sobre o tema agricultura em um país tropical, onde, a<br />
princípio, acreditava-se que plantando tudo dava.<br />
Esses documentos, no âmbito do Brasil, permitem um entendimento mais<br />
profundo de temas já tão analisados, como os canaviais no nordeste, os cafezais no sudeste,
139<br />
o ouro e mais tarde a pecuária em Minas Gerais, além de experiências de pequenas<br />
propriedades produtoras de bens de primeira necessidade no sul. Somando-se ao fator<br />
econômico, aos mercados estrangeiros, ao fator político, seus barões do café e senhores de<br />
engenho, existe a questão do meio ambiente, do clima, da vegetação e da qualidade do solo.<br />
No caso do sul do Brasil, especificamente da Ilha de Santa Catarina, algumas<br />
características, especialmente o clima, foram um estímulo para o tipo de ocupação que se<br />
concentrou em lotes e agricultura familiar, visando o abastecimento de alimentos.<br />
O desenvolvimento de atividades agrícolas iniciou-se com a derrubada da densa<br />
floresta que cobria a área, passando pela limpeza do terreno, secagem de áreas pantanosas,<br />
adaptação de culturas ao clima e ao terreno acidentado, em muitos casos, abertura de<br />
estradas e, talvez um dos mais relevantes, conviver e negociar com a condição natural de<br />
ser agricultor em uma ilha. Isso tinha ligação direta com suas relações de exportação e<br />
importação, com o continente fronteiro e com locais distantes, via oceano.<br />
É importante ressaltar o papel da lavoura de subsistência no Brasil agro-exportador<br />
de cana ou de café. O prestígio e o dinheiro agregado aos grandes monocultores faziam<br />
com que, segundo Dean, esses agissem com imprudência e desviassem a maior parte do<br />
trabalho de seus escravos para essa tarefa, “forçando-os a comprar colheitas de subsistência<br />
de vizinhos. Na verdade, os preços de gêneros alimentícios se elevaram mais depressa que<br />
os dos exportáveis”. 36 Essa compra por vezes era feita em locais mais distantes que se<br />
“especializaram” nesse tipo de lavoura, como no caso de Desterro com sua farinha de<br />
mandioca.<br />
Um olhar menos romântico dos imigrantes e colonizadores da Ilha, que por tantos<br />
anos foram descritos pela historiografia como desbravadores e heróis, também é<br />
fundamental para compreender porque muitas tentativas redundaram em erro. Essa área de<br />
36 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São<br />
Paulo: Companhia das Letras,1996., p. 209.
140<br />
colonização programada, com pequenas propriedades e agricultura familiar - sem<br />
esquecer-se do braço escravo a ser analisado posteriormente - recebeu sua primeira leva de<br />
imigrantes em meados do século XVIII e tentou espalhá-los pela Ilha com o intuito de<br />
fundar freguesias caracteristicamente agrícolas. Visando a produção de alimentos que<br />
abasteceriam toda a Ilha e seus excedentes exportados, contou com muitas pessoas que não<br />
eram agricultores em seu país de origem ou que estavam em uma espécie de fuga de sua<br />
terra natal devido à superpopulação e a falta de alimentos. Aliado a isso estava o fato de<br />
que essas pessoas receberam muitas promessas por parte do governo de facilidades de<br />
instalação na nova terra, e muitas dessas promessas não foram cumpridas. Outro ponto de<br />
extrema importância e que não foi considerado por imigrantes e governantes era a diferença<br />
gigantesca do local de origem para o novo lar. Terra, cobertura vegetal, animais, clima. O<br />
exemplo desses primeiros imigrantes provenientes do Arquipélago dos Açores e da Ilha da<br />
Madeira é claro, vinham de ilhas sim, mas oceânicas, e instalaram-se em uma ilha costeira.<br />
Sua terra de origem estava superpovoada, assolada por vulcanismo, maremotos e cansada<br />
por séculos - porém nem tantos séculos assim - de uma agricultura que apenas tirava da<br />
terra e não devolvia nada em forma de técnicas e tecnologias de melhoria do solo. Aqui,<br />
deparam-se também com o quase isolamento, a distância de vizinhos e a longuíssima<br />
distância da corte, o que gerava um isolamento político administrativo ainda maior.<br />
Realmente foram desbravadores, mas certamente sem o “glamour” tantas vezes retratado<br />
pela historiografia tradicional. Essa imagem de força e heroísmo também foi atribuída a<br />
alguns políticos como o Brigadeiro José da Silva Paes, o governador no período da<br />
chegada dos açorianos e madeirenses. Piazza o retrata como homem que “a tudo, enquanto<br />
esteve à frente da capitania da Ilha de Santa Catarina, deu a melhor atenção”. 37 Difícil crer<br />
que as providências tomadas pelo governo tenham sido tão eficientes, haja vista as<br />
37 PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açoriana (1748/1756). Cópia Mimeografada. Acervo Biblioteca<br />
Central - Universidade Federal de Santa Catarina, 1992., p. 13.
141<br />
reclamações feitas justamente sobre a falta dos itens prometidos e a própria demarcação<br />
dos lotes. Por conta disso, a afirmação de Piazza, possivelmente embasada, sem<br />
questionamentos, em documentos ou relatos, de que houve problemas já na distribuição das<br />
terras, “como o de se contentarem com muito menos, por quererem ficar mais pertos huns<br />
dos outros, o que não conseguiram se o tivessem de tomar cada um o que vossa majestade<br />
lhe mandar”, 38 é dúbia. Para pessoas que emigraram justamente pela falta de terras para<br />
cultivar e pela fome, tal atitude seria, no mínimo, controversa. Talvez o que tenha ocorrido<br />
tenha sido que o povoado da vila de Desterro era tão pouco servido de infraestrutura que os<br />
imigrantes preferiam ficar em lotes mais próximos do centro da vila a pontos isolados, sem<br />
estradas, de difíceis acessos e ainda mais distantes dos olhos do Estado. Quando da<br />
indicação de formar novas freguesias no interior da Ilha, as dificuldades enfrentadas pelos<br />
novos moradores eram bem palpáveis. Muitas vezes era mais prático o deslocamento de<br />
pessoas, mercadorias e animais até o centro da Vila por mar que por terra.<br />
Do ponto de vista agrícola, a ocupação e transformação da paisagem local foi bem<br />
característica, tendo esse, relativamente, pequeno território sido palco de variadas culturas<br />
agrícolas, algumas puramente experimentais. Por ser uma ilha e, conseqüentemente, possuir<br />
uma fronteira territorial definida - sem considerarmos aterros, por exemplo - as noções de<br />
controle de território e de sua ocupação pareceram mais fáceis para os governantes. Porém,<br />
a divisão da Ilha de Santa Catarina em lotes privilegiou alguns em detrimento de outros<br />
tantos, e a distribuição e o desenho geográfico local foram adquirindo contornos pela<br />
experiência do dia-a-dia, plantando, colhendo, desmatando, muito mais que por<br />
determinações oficiais. A “estrada” foi sendo construída com o caminhar.<br />
Ao invés de receber um lote demarcado, muitas vezes ocupava-se uma porção de<br />
terras por anos ou décadas e só depois essa era regularizada. O mesmo quando nos<br />
38 PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açoriana (1748/1756). Op. cit., p. 13.
142<br />
referimos ao recebimento de grãos e animais para iniciar a cultura, promessas do<br />
governo que demoraram ou sequer foram cumpridas. Tudo isso passava por um processo de<br />
“negociação” com o ambiente local, na maioria das vezes, optando-se por produzir<br />
mandioca e outros produtos da terra cuja experiência já indicava sucesso ao aventurar-se<br />
em novidades cuja praticidade de produção ainda era duvidosa. A agricultura da Ilha<br />
emprestou características das grandes lavouras e as associou ao cotidiano e às necessidades<br />
locais, criando feições próprias e diferenciando-se, em muitos pontos, do que Sérgio<br />
Buarque de Holanda entendia ser o padrão brasileiro. De acordo com esse autor, existe uma<br />
diferença entre “agrícola” e “rural”. A primeira estaria associada às atividades diretas, à<br />
pequena propriedade e ao trabalho familiar; diferente da segunda, cuja preocupação e<br />
cuidado com a terra inexistiam. Era uma associação direta ao latifúndio e ao trabalho<br />
escravo. Para Holanda, os portugueses instalaram no Brasil uma “civilização de raízes<br />
rurais” e não “agrícola”. 39<br />
Essas observações, baseadas nas técnicas de produção e equipamentos empregados<br />
na lavoura, somaram-se a muitos textos que, por longos anos, descreveram o atraso dos<br />
métodos agrícolas, a rusticidade e o despreparo daqueles que eram os responsáveis pelo<br />
progresso do Brasil. Aliás, o próprio conceito de progresso entra em xeque aqui. Não usar<br />
arado, praticar a coivara, avançar e devastar a floresta a cada poucos anos, com a<br />
justificativa de esgotamento do solo, foram constantes por vários séculos no Brasil,<br />
especialmente nas áreas dedicadas à agricultura. Podemos nos questionar se faltavam<br />
conhecimentos científicos ou faltava a idéia de que fosse necessário ou possível um<br />
aprimoramento técnico.<br />
39 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995., p. 49.
143<br />
Fazendo uma analogia ao tema, ao analisar as condições para o avanço da<br />
ciência na Idade Média, Febvre 40<br />
enfatiza que, sem deixar de marcar a carência dos<br />
“instrumentos” mentais necessários, faltava aos homens da época os instrumentos materiais<br />
e a linguagem necessária para expressar os resultados observados, os instrumentos e a<br />
linguagem científica.<br />
Para observar, nada mais tinham que os dois olhos (...) feita a<br />
observação, como medí-la (...) como a ciência não tem ferramentas,<br />
também não tem linguagem. (...)As técnicas, aliás, os métodos de<br />
cálculo estavam longe ainda de estar uniformizados. (...) Métodos<br />
oscilantes, símbolos insuficientes. 41<br />
Ato contínuo dessa realidade é a experimentação, tentativas e erros até o acerto. A<br />
referência à idade Média de Febvre pode ser adaptada à colonização das terras do Brasil e a<br />
sua utilidade e transformação nesses séculos de ocupação européia. O que acreditava-se ser<br />
permanentemente fértil a princípio, posteriormente descobre-se que se esgota se não for<br />
bem utilizado. A realidade do esgotamento do solo tão conhecida da Europa desse período<br />
não era impossível no Brasil, o que diferenciava esse processo eram o tempo de fertilidade<br />
do solo, as técnicas aqui empregadas e as culturas. A fertilidade inesgotável não existia e o<br />
Brasil não era o paraíso terreal. Continuava sendo necessário trabalhar, e muito, para<br />
produzir por muito tempo.<br />
Considerando que era na agricultura que se obtinha alimento, dinheiro, poder,<br />
enfim, era na agricultura que se baseavam as relações sociais, em especial nos lugares mais<br />
isolados do Brasil, característica da Ilha de Santa Catarina, era preciso transformar o local<br />
em área agrícola. Essa era a indicação dada aos habitantes locais, especialmente por<br />
políticos e intelectuais.<br />
40 FEBVRE, Lucien. Os apoios da irreligião: as ciências In: O problema da descrença no século<br />
XVI - A religião de Rabelais. Lisboa, Editorial-Inicio, s.d.<br />
41 MENASCHE, Renata. O guia de Friedric von Weech - Impressões de um imigrante alemão<br />
no Brasil do século XIX. In: Estudos Sociedade e Agricultura. 5, novembro 1995. pp. 132 - 140.
144<br />
As idéias da fertilidade do solo nasceram, em parte, pela observação da<br />
floresta que os portugueses encontraram ao chegar no Brasil. As árvores enormes, das mais<br />
variadas espécies e espalhadas por todos os lugares eram interpretadas como um indicativo<br />
da qualidade do solo. Aliás, segundo Sérgio Buarque de Holanda, para os teólogos da Idade<br />
Média o mundo ideal, o paraíso terreal não era uma fábula, já fazia parte dos primeiros<br />
estudos cartográficos e da busca de peregrinos. Para esses homens europeus,<br />
Enquanto no Velho Mundo a natureza avaramente regateava suas dádivas<br />
repartindo-as por estações e só beneficiando os previdentes, os diligentes,<br />
os pacientes, no paraíso americano ela se entregava de imediato em sua<br />
plenitude, sem a dura necessidade - sinal de imperfeição - de ter de apelar<br />
para o trabalho dos homens. Como nos primeiros dias de criação, tudo<br />
aqui era dom de Deus não era obra do arador, do ceifador ou do<br />
moleiro. 42<br />
A terra brasileira vista como tão fértil, e aos poucos percebida como gigantesca,<br />
era uma possível fonte para abastecer uma Europa cansada. As florestas por si só<br />
revelavam-se ricas fontes de madeira, corantes e frutos. Derrubando-as, aproveitar-se-iam<br />
as terras que, se até então abrigavam e forneciam nutrientes para árvores tão grandes,<br />
fariam maravilhar a agricultura.<br />
Com o objetivo de instruir esses ocupantes de terras novas, muitos textos foram<br />
elaborados e circularam em jornais ou revistas. Manuais agrícolas, discursos sobre as<br />
vantagens de determinadas plantas ou relatórios de produtividade, eram comuns no século<br />
XIX. Estímulos para novas propostas de implantação de produtos também existiram e<br />
configuraram-se com premiações, que em alguns casos eram oferecidas, ou com a<br />
oportunidade da divulgação de experiências produtoras, que chegaram a freqüentar<br />
exposições agrícolas internacionais.<br />
42 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo, Brasiliense; Publifolha, 2000., p.<br />
Prefácio X e XI.
145<br />
Um desses exemplos é o Manual do Agricultor Brasileiro de Carlos Augusto<br />
Taunay, que o inicia deixando claro que seu objetivo é traçar uma linha de trabalho e<br />
práticas agrícolas para o Brasil, e não elaborar um completo guia de técnicas e produtos<br />
para um território tão extenso e diversificado.<br />
Taunay aponta os três princípios básicos para uma produção agrícola satisfatória.<br />
Os pontos a serem considerados são “a escolha do local e qualidade dos terrenos. O local<br />
deve ser sadio, regado de águas, e ter comunicações fáceis, por mar ou por terra, com o<br />
mercado onde os produtos acham extração”. 43 Depois, outra característica fundamental para<br />
aquele que quer ser um produtor agrícola é a qualidade dos terrenos e sua conseqüente<br />
fertilidade para a lavoura. O autor, também um proprietário de terras e produtor de café em<br />
um sítio no Rio de Janeiro, acreditava que na ausência de algum desses itens era fácil não<br />
haver lucros para o agricultor, sendo a primeira condição a ser levada em conta a do “local,<br />
uma vez que o solo brasileiro era todo fértil”. 44<br />
No quarto capítulo do manual do agricultor brasileiro o autor versa sobre a<br />
administração de uma propriedade e o que deve e pode ser nela produzido, levando-se em<br />
conta as condições de localização e solo, além de fazer um levantamento da adequação de<br />
determinados produtos para locais específicos:<br />
Somente um grande capitalista pode adquirir um engenho; que a lavoura<br />
dos mantimentos e do café ocupa a classe mediana e pobre dos<br />
lavradores de beira-mar e das serras; que o algodão e fumo são culturas<br />
mais próprias aos sertanejos, bem como a criação dos gados; que os<br />
cereais convêm às províncias meridionais; que o cacau é cultura por<br />
agora limitada a província do Pará; que a cultura do anil, do chá,<br />
cochonilha, ópio, canela, pimenta, cravo e outras muitas, achando-se<br />
abandonadas, ou, tendo sido praticadas, formam novos ramos da<br />
indústria, que o geral dos agricultores não estão em posição de ensaiar. 45<br />
43 TAUNAY, Carlos Augusto. Manual do Agricultor Brasileiro. Org. MARQUESE, Rafael de<br />
Bivar. São Paulo: Cia das Letras, 2001., p. 42-43.<br />
44 Ibid., p. 43.<br />
45 Ibid., p. 83-84.
146<br />
Inclusive, esses últimos produtos eram indicados em vários relatórios de<br />
presidentes de Província como ideais para serem produzidos na Ilha de Santa Catarina. O<br />
local foi muitas vezes tido como um “laboratório” para a produção de novas plantas e em<br />
alguns casos como o do anil, o governo forneceria as sementes e se responsabilizaria pela<br />
compra das primeiras safras, estimulando a produção e garantindo o lucro do produtor até<br />
que ele se auto-sustentasse.<br />
Outros textos seguiam a mesma linha de raciocínio, indicando a necessidade de<br />
aprimorar a indústria agrícola, como o relatório do presidente da Província de Santa<br />
Catarina em 1840. Nesse, o administrador dizia que não existia uma indústria agrícola na<br />
Província, que “cada um faz o que seu pai já fazia, e planta o que tem visto plantar, e<br />
ajuntando a isso alguma indolência, fica completo o quadro”. 46 A sugestão de Andrea são<br />
prêmios do governo para os agricultores que mais produziam e que usavam técnicas<br />
inovadoras. 47<br />
Outro texto de conteúdo semelhante é o do Chanceller da relação do Maranhão,<br />
conselheiro Antônio Rodrigues Velloso de Oliveira, escrito em meados do século XIX. Um<br />
pequeno livro, em resposta a um ofício de Sua Alteza Real, clamando por mais obras desse<br />
gênero, intitulado Memória sobre a Agricultura no Brasil, no qual se propunha fornecer<br />
informações sobre o “requerimento junto aos lavradores, rendeiros do Brasil”. 48<br />
Essa Memória teve cópia oferecida ao IHGB pelo sócio Cezar Augusto Marques e<br />
foi publicada em 1873 na revista do Instituto. Nela o Conselheiro desenvolve idéias sobre<br />
tamanho de lotes e sesmarias, mão-de-obra e culturas que obteriam sucesso no Brasil.<br />
Implícito no texto está um projeto de “progresso” e desenvolvimento da nação, baseado em<br />
46 ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província em 1840.,<br />
p. 27. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
47 Ibid., p.27.<br />
48 OLIVEIRA, Antonio Rodrigues Veloso de. Memória sobre a Agricultura no Brasil. In: RIHGB,<br />
1873., p. 93.
147<br />
pequenos lotes arrendados a terceiros por grandes fazendeiros proprietários de<br />
sesmarias, em trabalho livre familiar e estímulo, por parte do Estado, para a cultura de<br />
produtos como linho, cânhamo, trigo e outros. Segundo Oliveira a primeira questão que se<br />
apresenta quando da colonização de um país<br />
é sem duvida a divisão das terras, que formam a sua integridade, ou a<br />
quarta parte, que se deseja habitar, e cultivar: esta divisão serve de<br />
origem e fundamento à posse pacífica, e ao domínio, que os tranqüiliza,<br />
excita neles o amor ao trabalho e recompensa: faltando uma e outra<br />
cousa, os mesmos colonos se julgam estrangeiros na própria terra. 49<br />
Seguindo esse raciocínio, o autor defendia a manutenção das grandes sesmarias de<br />
terras, pois, “com o tempo se hão de dividir em glebas, já por vendas parciaes, já por morte<br />
dos possuidores, á proporção de seus respectivos herdeiros”. 50 Porém, essa divisão através<br />
das parcerias seria muito mais interessante a todos, pois atenderia uma demanda imediata<br />
que era a de ocupar e cultivar terras livres e, com esse cultivo, pagar tributos ao Estado.<br />
Além do sistema de parcerias não significar perda de propriedade para os fazendeiros.<br />
Como exemplo do sucesso desse sistema de cultivo é apresentado o caso das Ilhas dos<br />
Açores e Madeira, conhecidas do autor. Nesse caso, de acordo com Oliveira, a povoação, a<br />
cultura e a indústria se teriam avantajado muito se as terras não estivessem monopolizadas<br />
por grandes morgados 51 sem que nem as emphyteuses pudessem aumentar o número de<br />
proprietários. Essa idéia é semelhante ao sistema de pequenos lotes coloniais desenvolvido<br />
em Santa Catarina no que se refere à cultura e ocupação, excetuando-se a questão da<br />
propriedade oficial das terras.<br />
49 OLIVEIRA, Antonio Rodrigues Veloso de. Memória sobre a Agricultura no Brasil. Op. cit., p.<br />
93.<br />
50 Ibid., p. 93.<br />
51 O termo morgado define o caráter de sucessão de uma propriedade de terra, em que esta só pode<br />
ser deixada em herança ao filho mais velho e não pode se dividida ou alienada.
148<br />
Por outro lado, na própria Ilha da Madeira existiam exemplos opostos, em que<br />
pequenos terrenos de baixo valor quando entregues a pobres caseiros, fornecendo-lhes os<br />
meios para sobreviver e investir nos primeiros anos, logo tornavam-se produtivos e<br />
passíveis de cobrança da meação ou outro qualquer sistema de parceria. Aliás, tal idéia de<br />
isenção de pagamento dos tributos sobre produção nos primeiros anos da fixação do<br />
agricultor em determinado lote era uma das bandeiras do Conselheiro, que acreditava ser<br />
esse o estímulo decisivo para o apego dos arrendatários a terra e a dedicação necessária<br />
para muito produzir. O valor de um lote de terra era grande, menos financeiramente do que<br />
como local de subsistência. Importante também era a ocupação de áreas e a legalização<br />
delas, especialmente depois da Lei de Terras, momento em que o tema voltou a estar sob os<br />
holofotes. Isso pode ser percebido em Aviso do Governo de 10 de abril de 1858, no qual se<br />
estabelecia que a posse de terra por pessoa pobre fosse legitimada por conta do Governo.<br />
Porém, baseados no próprio edital real que estimulava a saída dos excedentes de população<br />
pobre dos Açores e Madeira podemos concluir que poucos foram os casos, como o exemplo<br />
citado pelo Conselheiro Oliveira, em que pequenos lotes eram dados a caseiros pobres<br />
nessas ilhas.<br />
Como o tema das posses ficou em pauta por longos anos, já no final do período<br />
imperial ainda havia “preocupação” governamental com isso. Em 1886 o então ministro da<br />
agricultura Antônio da Silva Prado apresentou à Câmara<br />
um projeto que previa que ‘as posses mansas e pacíficas adquiridas por<br />
ocupação primária ou havidas do primeiro ocupante, que se achem<br />
cultivadas ou com princípio de cultura ou morada habitual’ devem ser<br />
legitimadas, porém, não se entenderá por principio de cultura o simples<br />
roçado, derrubadas ou queimadas de matas. 52<br />
52 PETRONE, Maria Tereza Schorer. Aspectos da rede fundiária em São Paulo no século XIX. O<br />
problema das posses., p. 17 - 18. In: Anais da Semana de Estudos de História Agrária.<br />
Universidade Estadual Paulista, 1982.
149<br />
Essa teoria tinha razão de ser. Também houve outra em que o autor falava da<br />
ociosidade dos soldados e da necessidade desses soldados desenvolverem a atividade de<br />
lavradores, sendo para tanto destinado a cada regimento de tropa de linha um terreno<br />
conveniente, o autor indicava uma légua quadrada.<br />
Esta última idéia ressalta uma realidade preocupante, que no caso das tropas da<br />
Ilha de Santa Catarina já se estendia por décadas, desencadeando também um problema de<br />
produção percebido ainda em finais do século XVIII. O fato de os soldados, que eram em<br />
número considerável na Ilha desde então, dedicarem-se exclusivamente a defesa e serem<br />
apenas consumidores, aliado ao atraso dos soldos da tropa, prática aparentemente<br />
corriqueira em muitos períodos - um exemplo é o ano de 1797, quando o atraso chegou a 82<br />
meses -, transformou-se em uma das causas indicadas pelo então governador local da<br />
decadência da agricultura da Ilha e também de problemas no comércio. Como conseqüência<br />
desse problema que persistiu por longos anos, ainda está no relatório do governador,<br />
naquele mesmo ano, a falta de dinheiro da Fazenda Real para o pagamento aos lavradores<br />
pelas farinhas que todos os anos lhes tomavam, para o sustento da tropa, provocando temor<br />
nesses produtores,<br />
eles estão geralmente tão possuídos deste receio, pela experiência da que<br />
se lhe deve, dos annos antecedentes, que já vão plantando muita pouca,<br />
além daquela que lhe é necessário para o seu gasto: Eu tenho disto<br />
mesmo uma prova convincente, sempre que mando fazer a arrolação das<br />
sobreditas farinhas; a qual não se consegue nunca, sem muitas<br />
dificuldades, ameasas, e as vezes castigos. 53<br />
Isso fez com que os lavradores deixassem de aumentar suas plantações, à medida<br />
do que cada um deles faria se pudesse exportar livremente. Somando-se a isso, a instituição<br />
53 RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Resende, apresentando relatório sobre<br />
a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17<br />
de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc. 130p. (códice 3,3,17).
150<br />
do dízimo, 54 que era um ônus sobre dez por cento da produção da terra, tirava mais uma<br />
fatia do bolo dos agricultores, que não precisavam ser os proprietários dessa terra para<br />
pagar o tributo, uma vez que ele incidia sobre a produção e não sobre a terra. 55<br />
Além da questão dos tributos e do que era necessário para que o terreno fosse<br />
considerado ocupado (construção de benfeitorias, limpeza do terreno, e culturas), outro<br />
ponto que demandava preocupação tanto por parte do governo como dos proprietários das<br />
terras era também um dos grandes problemas do Brasil no século XIX: a mão-de-obra, livre<br />
e escrava. Uma solução para o problema era, claramente, a imigração de colonos livres<br />
europeus, experiência concretizada com sucesso em alguns pontos do Rio Grande e do<br />
litoral de Santa Catarina. Isso queria dizer também a possibilidade de estimular a pequena<br />
propriedade, freando as imensas plantations do nordeste e sudeste.<br />
Na capital do Brasil, ainda durante o século XIX, inclusive antes da proibição do<br />
tráfico escravo em 1850, muitas eram as pessoas favoráveis à criação de núcleos coloniais.<br />
Porém, de acordo com Emília Viotti da Costa, isso estava fadado ao insucesso,<br />
basicamente, em função do trabalho escravo, enraizado na nossa sociedade, e da raridade da<br />
emigração espontânea para o Brasil, os emigrantes geralmente preferiam os Estados<br />
Unidos. 56 Uma das primeiras tentativas de trazer imigrantes foi feita pelo governo paulista,<br />
ainda em 1827, com alemães instalados no Rio Negro, hoje Paraná. Já pautadas por<br />
contratos essas pessoas somaram-se a outras nos anos seguintes. E além de se instalarem<br />
54 O Rei português exercia tanto o domínio temporal como o espiritual sobre terras conquistadas.<br />
Isso explica porque as terras brasileiras eram isentas de foro, por não pertencerem à senhorios e<br />
sujeitas ao pagamento de dízimos a Deus, ou seja, à Ordem de Cristo, o que equivale dizer a Coroa.<br />
55 ABREU, Maurício. A apropriação do território no Brasil colonial. In: Castro, I. E.; CORRÊA, R.<br />
L.; GOMES, Paulo César C.. (Org.). Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,<br />
1997, v., p. 197-245., p. 210.<br />
56 COSTA, Emília Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Liv. Ciências Humanas, 1982<br />
(1966)., p. 70.
151<br />
em colônias deveriam, segundo o contrato, trabalhar na estrada de ferro de Santos. 57<br />
Sem resultados significativos a idéia pereceu e só ressurgiu anos depois com um dos<br />
precursores de uma das idéias mais interessantes de substituição da mão de obra escrava<br />
nesse período: o senador Vergueiro, que, tendo como laboratório suas próprias fazendas e a<br />
principio por sua conta e depois com recursos do governo, trouxe os primeiros colonos para<br />
trabalhar no interior paulista.<br />
O sistema de parceria do senador Vergueiro 58 foi uma iniciativa particular que<br />
promoveu a primeira experiência de parceria no Brasil que visava à fixação de colonos nas<br />
fazendas em substituição ao trabalho escravo. A experiência iniciou ainda antes do fim do<br />
tráfico quando veio o primeiro grupo de colonos portugueses em 1840. A tentativa não deu<br />
certo, mas, anos depois, o mesmo Vergueiro fez nova tentativa, agora com suíços e alemães<br />
e subvencionado pelo governo. A idéia chamou a atenção de muitos, porém não era viável<br />
em longo prazo para os colonos que deveriam pagar o custo de sua vinda e da família com<br />
as rendas do trabalho em parceria. No entanto, o sistema não rendia tanto quanto o<br />
planejado e, aliado aos juros, tornava-se quase impossível a quitação da dívida. 59<br />
Referindo-se especificamente à Santa Catarina, o mais conhecido texto em forma<br />
de “guia” para imigrantes é o Guia de instruções aos imigrantes para a província de Santa<br />
Catarina sul do Brasil escrito por Hermann Bruno Otto Blumenau, antes da vinda dos<br />
primeiros imigrantes para sua colônia em Santa Catarina em 1850. O guia, direcionado a<br />
todos os possíveis emigrantes, tinha um foco mais definido nos agricultores, objetivo maior<br />
da colônia.<br />
57 COSTA, Emília Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. Op. cit., p. 67.<br />
58 A parceria buscava encontrar um regime de transição entre escravidão e trabalho livre. In:<br />
SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio – efeitos da lei de 1850. Op.cit., p. 106.<br />
59 Ibid.,p. 79 - 80.
152<br />
De acordo com o Dr. Blumenau, a emigração seria mais favorável aos<br />
agricultores, pois naquela região ainda desocupada – interior de Santa Catarina – as terras<br />
teriam baixo custo e eram aptas a produção de diversas espécies. 60 Com um texto mais<br />
realista quanto às condições locais e procurando apresentar prós e contras da emigração<br />
para seus conterrâneos, o Dr. Blumenau indicava que<br />
inicialmente, a agricultura serviria apenas como subsistência.<br />
Posteriormente, o excedente poderia ser investido nas melhorias da<br />
propriedade. As riquezas dos agricultores estariam na sua propriedade, nas<br />
suas plantações, no seu gado e nas madeiras de lei. Por esse motivo seria<br />
difícil garantir uma grande reserva de capitais. 61<br />
Mesmo sendo um guia específico para a colônia Blumenau, distante<br />
aproximadamente 140 km da Ilha de Santa Catarina, usamo-lo como referência<br />
especialmente em função das características semelhantes da colonização do sul do Brasil,<br />
baseada nas pequenas propriedades rurais. Somando-se a isso, há as semelhanças<br />
ambientais, que nos dão uma idéia mais clara do processo de instalação de agricultores e<br />
como a terra era inicialmente trabalhada. De acordo com o Guia, o primeiro passo seria a<br />
derrubada e queimada da mata para o plantio inicial que seria de milho, cana-de-açúcar e<br />
feijão. Após um período de três ou quatro anos os tocos e raízes remanescentes poderiam<br />
ser removidos, pois já estariam podres, podendo então ser trabalhada com arado, reduzindo<br />
a força empregada pelo colono e sua família. 62<br />
Posterior a isso, deveria plantar-se batata, arroz, criar-se porcos e gado bovino.<br />
Todos dariam lucro, mas dificilmente tornariam o colono rico em curto prazo. Mais<br />
conselhos vinham na forma de uma lista de ferramentas indispensáveis e que deveriam ser<br />
60 TEIXEIRA <strong>DO</strong>S SANTOS, Manoel Pereira Rego. Textos do Dr. Blumenau: o papel do agricultor<br />
no Guia de instruções aos futuros imigrantes para a província de Santa Catarina sul do Brasil., PP<br />
350 – 356. In: DREHER, M. N.; RAMBO, A. B; TRAMONTINI, M. J. (org.) Imigração e<br />
Imprensa. São Leopoldo – RS: EST Edições/Instituto Histórico de São Leopoldo, 2004.<br />
61 Ibid., p. 353.<br />
62 Ibid., p. 353.
153<br />
trazidas da Europa, pois as fornecidas no Brasil eram de baixa qualidade, o mesmo no<br />
que se refere às sementes, essas, porém, devido aos preços mais elevados no Brasil. 63<br />
Aparato semelhante e passos semelhantes foram comuns a todos os novos<br />
habitantes das colônias de Santa Catarina e do interior da Ilha. Por fim, e com<br />
características próximas aos outros autores, em especial a Taunay, André Rebouças escreve<br />
uma obra em 1883, também dedicada à agricultura, porém uma agricultura já mais<br />
mecanizada, do final do século XIX. O autor apresenta sugestões de técnicas, culturas,<br />
solos e clima para cada Província do Império. A obra reforça a idéia, já largamente<br />
exemplificada aqui, de que o que faltava para a agricultura do Brasil eram novas técnicas e<br />
tecnologias e o que ainda mantinha o atraso e rusticidade eram latifúndios e a escravidão.<br />
Para Santa Catarina, André Rebouças indica a produção de seda por seu vasto mercado e<br />
alto preço. Em 1873, calculou-se a seda em 40 a 50 francos, 14$ a 16$, a libra, ou seja, 40<br />
vezes maior que o do café, ao alto preço de 11$200 por arroba. 64 Além dessa cultura que<br />
poderia ser feita por meninos, mulheres e inválidos sem dificuldades, indicava também a<br />
criação de gado no planalto de Lages. No que se refere à cana-de-açúcar Rebouças encontra<br />
nela a maior manifestação da crise agrícola do momento (1874) e aconselha a restrição de<br />
sua cultura às áreas onde melhor se adapta. Diferente do café que aconselhava a expansão.<br />
Ainda em relação à cana, dizia ser necessário o aperfeiçoamento de todos os detalhes de sua<br />
produção. 65<br />
Esses exemplos de textos sobre agricultura, escritos em momentos diferentes do<br />
século XIX e aplicáveis a pontos distintos do território brasileiro, têm uma mesma linha de<br />
raciocínio que indica um lugar comum no setor agrícola do Brasil: atraso, tanto de técnicas<br />
63 TEIXEIRA <strong>DO</strong>S SANTOS, Manoel Pereira Rego. Textos do Dr. Blumenau. Op. cit., p. 354.<br />
64 REBOUÇAS, André. Agricultura Nacional. 2 ed. Recife:Fundação Joaquim Nabuco, 1988., p.<br />
92.<br />
65 Ibid., p. 93 – 147.
154<br />
e tecnologias quanto de mão-de-obra. As indicações para a solução desses problemas,<br />
especialmente na Ilha de Santa Catarina, não parecem, a princípio, de difícil aplicação, no<br />
entanto sempre esbarraram na burocracia e em costumes já de muito enraizados.<br />
O primeiro passo rumo ao “progresso” já havia sido dado com o desenvolvimento<br />
da idéia de pequenas propriedades agrícolas e familiares, os próprios limites físicos da Ilha<br />
impediam grandes porções de terra a um único senhor, freando o modelo de grandes<br />
plantations exportadoras. Outro ponto relevante foi o evidente estímulo governamental para<br />
a ocupação e transformação desse território em uma área agrícola, marco de uma fronteira<br />
importante não só no início como no decorrer de todo o século XIX. Somando a isso seu<br />
porto e seu reduzido número de escravos, se comparado ao das regiões sudeste e nordeste<br />
do Brasil, indicavam que esse poderia ser um local “mágico”, um exemplo que deu certo no<br />
aproveitamento do rico solo brasileiro.<br />
Se olharmos atentamente o desenvolvimento da agricultura na Ilha, penso ser<br />
possível um vislumbre desse “sucesso”. As matas foram derrubadas e aproveitadas, sim, e a<br />
agricultura foi fundamental durante todo o século XIX, com uma evidente decadência<br />
durante sua segunda metade, especialmente seu último quartel, reação quase inconsciente<br />
do desenvolvimento agrícola do continente fronteiro e do processo de urbanização que<br />
ocupou muitas áreas antes dedicadas ao cultivo. No entanto, essas transformações e<br />
substituições também podem ser entendidas no âmbito desse processo, uma vez que esse foi<br />
o “progresso” que se almejava.<br />
3.4 Agricultura e “Progresso” na Ilha.<br />
Apesar de sua extensão ser de 423 Km², ou seja, pequena se comparada à extensão<br />
do Brasil, ou mesmo às posses de algumas famílias do nordeste e sudeste quando das
155<br />
maiores doações de sesmarias nos séculos XVII e XVIII, a ocupação total da Ilha de<br />
Santa Catarina e sua transformação em local habitado e produtivo - leia-se desmatada, com<br />
plantações agrícolas e núcleos urbanos como Desterro e demais freguesias - intensifica-se<br />
no século XIX. Até o início do XIX, a Ilha era um pequeno porto ao sul do território, ainda<br />
colonial, do Brasil. Nas décadas seguintes, com o desmatamento e o aproveitamento das<br />
madeiras ilhoas para a real armada portuguesa e com o estímulo à produção agrícola por<br />
parte dos imigrantes que lá se instalaram algumas décadas antes, as feições da Ilha mudam.<br />
Um núcleo urbano que inicia um claro processo de crescimento como capital da Capitania e<br />
um porto com uma movimentada navegação de cabotagem, ligando, a ainda pequena,<br />
Nossa Senhora do Desterro com o resto do Brasil são alguns dos elementos que<br />
contribuíram para as grandes transformações da Ilha nesse período.<br />
A noção de progresso era a de transformar da maneira mais rápida possível essa<br />
terra dadivosa, presente de Deus. Talvez outra forma de definir progresso para o período<br />
esteja nas palavras de Boiteux ao descrever o choque positivo provocado pela vinda dos<br />
imigrantes açorianos e madeirenses ainda em meados do século XVIII:<br />
Com a colonização açorita e madeirense a Ilha de Santa Catarina e o<br />
continente fronteiriço começaram a florescer vantajosamente e as<br />
encostas dos montes e os vales humosos a cobrirem-se de pomares e<br />
hortas. Por toda a parte ouviam-se as pancadas fortes dos machados<br />
ferindo o rijo cerne das árvores collossaes, o ruído metálico das enxadas<br />
limpando a terra virgem. Apareceram as primeiras attafonas, os engenhos<br />
de assucar e farinha. As vargens cobriam-se de canaviaes, e roças de<br />
milho; largos trechos de terra iam sendo aproveitados carinhosamente na<br />
cultura de legumes e frutas. (...) Fundaram-se teares e os primeiros<br />
tecidos de linho e algodão começaram a ser usados pela totalidade dos<br />
habitantes, chegando mesmo a serem exportados para o Rio de Janeiro e<br />
Rio Grande do Sul. 66<br />
Essa descrição produz na mente uma imagem forte da ocupação e transformação<br />
da paisagem da Ilha de Santa Catarina. Era a idéia de que a “civilização” e o “progresso”,<br />
66 BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História Catharinense. Florianópolis: Typ. a vapor<br />
da Livraria Moderna, 1912., p. 226-227.
156<br />
conceitos que na época eram sinônimos de “limpar” a terra, construir benfeitorias para<br />
beneficiar a produção agrícola e lucro financeiro, já era realidade. A “dominação” e<br />
transformação das áreas de florestas, incultas do ponto de vista agrícola e mercantil, era um<br />
sinal que o tão almejado progresso estava chegando e que a Ilha tornar-se-ia um local<br />
próspero e desenvolvido.<br />
Esse processo é percebido, no âmbito oficial, em relatórios e falas de políticos<br />
locais apresentando os resultados agrícolas da Ilha. Desde os últimos anos do século XVIII<br />
essas informações são comuns. De acordo com relatório do Governador local de 1797,<br />
produzia-se na Ilha, no ano anterior, com vista à exportação, os seguintes produtos e<br />
quantidades:<br />
Exportação<br />
Farinha de mandioca<br />
Arroz com casca<br />
Arroz pilado<br />
Milho<br />
Feijão<br />
Favas<br />
Trigo<br />
Água Ardente<br />
Pipas<br />
Barris<br />
Potes<br />
Arrobas<br />
Caixas<br />
Teixos<br />
Gravatá<br />
Barba de Baleia<br />
Taboado<br />
Grandes<br />
Pequenas<br />
centos<br />
Milheiros<br />
Centos<br />
Azeite de Peixe<br />
Cebolas<br />
Cola de Baleia<br />
Alqueires<br />
Pipas<br />
Melado<br />
Assucar<br />
Arrobas<br />
Quintais<br />
Duzias<br />
Betas de<br />
Imbé<br />
Peixe<br />
Seco<br />
Pipas<br />
Restias<br />
Caixões<br />
Da própria<br />
Ilha de<br />
Santa<br />
Catarina e<br />
Freguesias<br />
mais<br />
próximas da<br />
terra firme<br />
28.333<br />
2725<br />
1090<br />
1822<br />
1585<br />
30<br />
-<br />
35<br />
1<br />
30<br />
41<br />
662<br />
10<br />
34<br />
-<br />
820<br />
127<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
-<br />
2888<br />
-<br />
8<br />
(Quadro 06) Mappa da quantidade de gêneros e efeitos que se exportão anualmente na Ilha de<br />
Santa Catharina, 1796. Acervo BN (códice 3,3,17).<br />
Esses mesmos produtos já tinham, ainda em finais do século XVIII e inicio do<br />
XIX, boas possibilidades de beneficiamento na própria Ilha ou no continente fronteiro. O<br />
número de estabelecimentos como engenhos e fábricas já era grande mesmo nessa época, se
157<br />
levarmos em conta a distância de Desterro dos maiores centro consumidores, ou<br />
justamente em função dessa característica, que obrigava os habitantes locais a se autosustentarem<br />
também nessa área. De acordo com o quadro 07, apenas na Ilha de Santa<br />
Catarina e na freguesia de São Miguel da Terra Firme, fronteira a Ilha, existiam 540<br />
engenhos de mandioca e 117 de aguardente.<br />
Engenho de<br />
assucar<br />
Fabrica de<br />
Assucar<br />
Engenho de<br />
Aguardente<br />
Engenho de<br />
Mandioca<br />
Engenho de<br />
Pilar Arroz<br />
Atafona de<br />
moer trigo<br />
Cortume de<br />
couros<br />
Vila Capital N. S. Desterro - 12 23 87 - 17 9<br />
Distrito do Ribeirão 1 11 29 51 2 7 -<br />
Freguesia da Lagoa - 10 28 101 - 32 5<br />
Freguesia das Necessidades - 5 22 111 - 11 2<br />
Freguesia de São Miguel 1 5 15 190 2 44 6<br />
(Quadro 07) Tabela anexa ao Ofício de João Alberto de Miranda Ribeiro ao Conde de<br />
Resende, apresentando relatório sobre a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua<br />
jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17 de novembro 1797. Acervo Biblioteca<br />
Nacional: Original, 2 doc. 130p. (códice 3,3,17).<br />
Novos dados sobre a produção e exportação de Santa Catarina, já das décadas de<br />
10 e 20 do século XIX, também são encontrados em nota atribuída a Tomás Antonio de<br />
Vilanova Portugal, Governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa de<br />
seu litoral. Esse livreto, datado de 1819, apresenta os números comparativos para os anos<br />
de 1808 e 1819, ano da redação do citado texto. Os primeiros são dados de produção e<br />
exportação e seus respectivos valores referentes aos principais produtos, sendo que as<br />
informações para 1819 são mais extensas, citando inclusive produtos de pequena<br />
relevância.
158<br />
Produção de Santa Catarina em 1808:<br />
Farinha<br />
Feijão<br />
Trigo<br />
Milho<br />
Algodão<br />
Arroz<br />
Assucar<br />
Linho ordinario<br />
Melaço<br />
Aguardente<br />
Couros<br />
[ilegível]<br />
Alhos<br />
Peixe Salgado<br />
Peixe Seco<br />
Cebolas<br />
Alqueires<br />
Quintas<br />
Medidas<br />
Centos<br />
Duzias<br />
Milhar<br />
Restias<br />
Produzido<br />
196389<br />
8692<br />
3529<br />
8853<br />
1018<br />
4153<br />
813<br />
258<br />
7272<br />
70824<br />
1486<br />
960<br />
10751<br />
1264<br />
22158<br />
9468<br />
Exportado<br />
89606<br />
1710<br />
1893<br />
2030<br />
144<br />
3447<br />
560<br />
52<br />
6368<br />
70289<br />
1131<br />
457<br />
6907<br />
1085<br />
12184<br />
6255<br />
* E outros gêneros pequenos como: [ilegível], gravatá, amendoim, anil, linho cânhamo.<br />
(Quadro 08) Produção de Santa Catarina em 1808. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila<br />
Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um planode defesa do seu<br />
litoral, de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819.<br />
Acervo: BN, Códice (II - 35,32,18 nº39).<br />
A produção da Ilha de S. Catarina vale........................................ 185:320$852<br />
O consumo vale ........................................................................... 70:286$856<br />
A exportação vale ........................................................................ 108:342$096<br />
Produção de Santa Catarina em 1819:<br />
Produção Consumo Exportação<br />
Algodão 884,16 res** 824,16 res 60,00 res<br />
Assucar 1319,2 arrobas 128 arrobas 898,2 arrobas<br />
Tabaco 21 17 4<br />
Salgados 81,85 78 3,85<br />
Arroz 8:694 arrobas 1:859,3 arrobas 6:834,1 arrobas<br />
Goma 115 77 38<br />
Madeira 1.322 dúzias 303 dúzias 1.019 dúzias<br />
Couros 2.541 centos 38 centos 2.503 centos
159<br />
Caffé 451 res 218 res 233 res<br />
Tanados 4002,10 centos 801,10 centos 3201 centos<br />
Linho ordinário 168 res 138 res 30 res<br />
Aguardente 82:020 medidas 33:260 medidas 48:760 medidas<br />
Avaliação 210$722 72$925 137$797<br />
aproximada em<br />
cruzados<br />
Farinha 222:211 alqueires 115: 327 alqueires 106:389 alqueires<br />
Feijão 9:798 alq. 6:619 alq. 3:179 alq.<br />
Milho 18:331 alq. 8:212 alq. 10:119 alq.<br />
Favas 3:216 alq. 729 alq. 2:487 alq.<br />
Trigo 1:542 alq. 1:112 alq. 430 alq.<br />
Sevada 70 alq. 30 alq. 40 alq.<br />
Mendoim 2:372 alq. 963 alq. 1:409 alq.<br />
Melaço 13240 medidas 1358 medidas 11888 medidas<br />
Gravatá* 214 res 154 res 60 res<br />
Betas de Imbé 24 dúzias 1 dúzia 23 dúzias<br />
grandes<br />
Betas de Imbé 170 dúzias 2 dúzias 168 dúzias<br />
pequenas<br />
Cebolas 15:628 restias 5:443 restias 9:985 restias<br />
Alhos 10:334 restias 5:377 restias 4:954 restias<br />
Peixe Salgado 1035 res 814 res 221 res<br />
P. Salgado 70572 milheiros 17116 milheiros 53456 milheiros<br />
Avaliação em<br />
Cruzados<br />
354:998 197:154 154:817<br />
* Nome comum de várias plantas da família das Bromeliáceas, que dão frutos ácidos em<br />
cachos.<br />
** A designação “res”, atribuída ao café, algodão, gravatá, peixe salgado e linho ordinário<br />
refere-se à quintaes.<br />
(Quadro 09) Produção de Santa Catarina em 1819. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila<br />
Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa do seu<br />
litoral, de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819.<br />
Acervo: BN, Códice (II - 35,32,18 nº39).<br />
Não temos os dados totais de produção para 1796/97, apenas os de exportação que,<br />
relativamente à farinha de mandioca, principal produto da Ilha e freguesias próximas, é de<br />
28.333 alqueires. Considerando que a produção em 1808 foi de 196.389 alqueires e a<br />
exportação de 89.606, ou seja, 45%; em 1819 a produção foi de 222.211 alqueires e a<br />
exportação de 106.389, ou seja, 48%, podemos calcular, seguindo os índices dos anos
160<br />
posteriores como média para o ano de 1796/97, uma produção em torno de 43.000<br />
alqueires.<br />
Essa exportação que rivalizava em quantidade com o consumo interno, ficando em<br />
uma média de 50% no caso da farinha de mandioca, não se repete em outros produtos de<br />
consumo como o feijão, o trigo e o milho cuja produção no ano de 1808 foi de: Feijão<br />
8.692 alqueires; trigo 3.529 alqueires e milho 8.853 alqueires. Em 1819 foi de: Feijão 9.798<br />
alqueires; trigo1.542 alqueires e milho 18.331 alqueires. Esses números são uma tendência<br />
na Ilha, sendo expressivo o crescimento do milho e a queda do trigo também, aliás, o trigo<br />
deixará de estar presente na região poucos anos depois.<br />
Outro produto que visou claramente o mercado exportador foi o couro com 76% do<br />
produzido sendo exportado em 1808 e 98% em 1819. As madeiras, 77% do que foi<br />
oficialmente produzido foi exportado, indicando que as demandas da Europa e da própria<br />
corte no Rio de Janeiro ainda predominavam, restando para os moradores locais pouco mais<br />
de 20% do total produzido oficialmente.<br />
As décadas seguintes, mais especificamente entre os anos de 1830 e 1850, Laura<br />
Hübener descreve, no contexto nacional, como um momento de definição do café como<br />
grande produto exportador brasileiro, gerando um crescimento mais palpável no comércio<br />
interno. “A partir daí, a produção de gêneros passa a se beneficiar indiretamente com a<br />
expansão das exportações. Encontrando dentro do Império um mercado capaz de absorver<br />
seus excedentes de produção, alguns setores da economia de subsistência expandiram suas<br />
atividades”. 67<br />
No que tange à Santa Catarina, as exportações nesse período tiveram uma<br />
tendência de aumento e no ano financeiro de 1849-50 a Província exportou em torno de<br />
67<br />
HUBENER, Laura Machado. O Comércio na Cidade de Desterro no século XIX.<br />
Florianópolis. Ed. da UFSC, 1981., p. 12.
161<br />
504.000 alqueires de farinha, seu principal produto na balança comercial. Desses,<br />
Desterro foi a responsável por 59,06%, ou seja, 297.160 alqueires do total da província.<br />
Esses números indicam a forte tendência de alta na exportação desse produto que trinta<br />
anos antes era de pouco mais de 100.000 alqueires. Ainda sobre a mandioca, a maior<br />
produção deu-se devido, principalmente, à facilidade de seu cultivo que não demandava<br />
grande cuidado e se adaptava bem à maioria dos terrenos. Soma-se a isso o fato da<br />
mandioca não estar vinculada a nenhum tipo de sazonalidade, como a cana-de-açúcar e o<br />
café. 68 Segundo Hebe Mattos, a mandioca<br />
apesar de não se constituir em uma cultura permanente, possui a<br />
característica de poder ficar até dois anos sem ser colhida após o seu<br />
amadurecimento, podendo portanto, ser literalmente armazenada na<br />
própria terra, colhida em função das necessidades do produtor. Seu<br />
plantio e sua conservação durante o período de amadurecimento são<br />
extremamente simples. As covas podem ser abertas até com um pau,<br />
plantando-se em estacas de 15 a 20 centímetros com dois ou três olhos de<br />
broto. A primeira capina só é feita quando começam a brotar os novos<br />
pés, repetindo-se a operação duas ou três vezes após o crescimento.<br />
Depois que cresce, pouco sofre com a vegetação estranha. Seu<br />
amadurecimento leva oito a 18 meses. 69<br />
O trabalho com a farinha de mandioca era, na Ilha, basicamente familiar. Segundo<br />
Penna, “pela análise de alguns inventários observamos que os proprietários de engenhos<br />
utilizavam uma quantidade diminuta de escravos na produção da farinha. O engenho era um<br />
bem de família e grande parte do trabalho era efetuado pela própria família do produtor”. 70<br />
Laura Machado Hübener fala de um considerável aumento na produção desse produto entre<br />
os anos de 1860 e 1879, devido à Guerra do Paraguai e à necessidade de abastecer as<br />
68 BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano – açúcar, fumo, mandioca e escravidão no<br />
Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 91.<br />
69 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao sul da história. Lavradores pobres na crise do trabalho<br />
escravo. São Paulo: Brasiliense, 1987., p. 84.<br />
70 PENNA, Clemente Gentil. Escravidão, Liberdade e os arranjos de trabalho na Ilha de Santa<br />
Catarina nas últimas décadas de escravidão (1850-1888). Florianópolis, 2003. Mestrado em<br />
História Universidade Federal de Santa Catarina., p. 45.
162<br />
tropas. O período chamado pela autora de “miniboom” estendeu-se até os anos de 1880,<br />
beneficiado pela grande lavoura cafeeira paulista que sufocou a produção de bens de<br />
consumo para usar a terra para o café, tendo que importar produtos de primeira<br />
necessidade, entre eles a farinha de mandioca, cuja produção também aumentou na Ilha<br />
para suprir a demanda local. 71<br />
Os números de produção da década de 1850, feitos por Francisco Carlos de Araújo<br />
Brusque, presidente da província, em relatório apresentado no ano de 1860, indica as<br />
diferenças quantitativas no quadro de exportação durante toda a década claramente. A<br />
farinha de mandioca supera em mais de 90% a exportação do milho, segundo produto na<br />
lista de exportação local.<br />
Exportação da Província de Santa Catarina na década de 1850.<br />
Annos<br />
Farinha de<br />
mandioca<br />
Gomma<br />
Feijão<br />
Favas<br />
Milho<br />
Farinha de milho<br />
Arroz<br />
Amendoin<br />
Batatas Inglesas<br />
Açucar<br />
1850-1851<br />
1851-1852<br />
1852-1853<br />
1853-1854<br />
1854-1855<br />
1855-1856<br />
1856-1857<br />
1857-1858<br />
1858-1859<br />
Total dos<br />
204.166<br />
397.835<br />
295.875<br />
383.166<br />
406.594<br />
396.289<br />
487.224<br />
485.310<br />
533.309<br />
1.951<br />
2.998<br />
3.285<br />
3.923<br />
3.948<br />
9.330<br />
9.731<br />
9.700<br />
4.828<br />
8.800<br />
15.768<br />
12.288<br />
17.379<br />
24.816<br />
16.771<br />
27.731<br />
34.964<br />
11.541<br />
Alqueires Sacc. Alqueires Arroba<br />
s<br />
8.818 19.550 38 14.651 9.582 2.908 852<br />
7.916 9.244 148 8.194 7.231 3.974 5.792<br />
4.651 23.177 12 4.980 10.286 2.160 6.960<br />
5.040<br />
14.420<br />
7.980<br />
9.955<br />
10.387<br />
24858<br />
13.365<br />
28.637<br />
26.811<br />
25.744<br />
49.758<br />
73.694<br />
16<br />
79<br />
-<br />
103<br />
144<br />
60<br />
8.648<br />
6.873<br />
11.455<br />
6.115<br />
12.908<br />
7.882<br />
12.907<br />
13.752<br />
11.837<br />
6.296<br />
11.668<br />
15.429<br />
1.250<br />
1.423<br />
-<br />
3.589.766 49.694 170.058 94.025 271.980 600 81.706 98.988 11.74<br />
5<br />
-<br />
30<br />
-<br />
1.056<br />
872<br />
1.092<br />
25<br />
299<br />
2.426<br />
19.374<br />
9 annos<br />
Termo<br />
médio por<br />
triênio<br />
1° Triênio 299.292 2.744 12.285 7.128 17.990 66 9.275 9.033 3.014 13.604<br />
2° Triênio 395.349 5.733 19.633 9.146 22.937 32 8.992 12.832 891 3.020<br />
3° Triênio 501.947 8.086 24.745 15.066 49.732 102 8.968 11.131 10 2.750<br />
Somma 1.195.588 16.563 56.695 31.340 90.659 200 27.253 32.996 3.915 6.458<br />
(Quadro 10) Brasil Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas,<br />
1860. Relatório da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.<br />
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/agricultura.html.consultado em 12-03-08<br />
71 HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX. Op. Cit., p.<br />
94.
163<br />
Essa tabela indica que a alta nas exportações realmente foi significativa do início<br />
para a metade do século XIX, em especial na farinha de mandioca, mas também no milho<br />
(com alta de aproximadamente 1.000%) e no feijão, cuja exportação cresceu mais de 600%.<br />
O trigo sumiu das tabelas de exportação e, ainda de acordo com o presidente, não existia<br />
mais cultura de trigo na província em 1860. Nesse mesmo relatório, o presidente da<br />
Província qualifica como baixa a produção de derivados da cana-de-açúcar como<br />
aguardente e melaço, assinalando um declínio preocupante.<br />
Em tempo remoto consta que existiam 286 fábricas de assucar, entre<br />
grandes e pequenas, tendo começado essa indústria em 1779. Já em 1797<br />
esse número tinha diminuído e não ia além de 256. Em 1810 apenas<br />
houve a produção de 8.115 medidas de melaço, em 1812 fabricarão-se<br />
63.241 medidas de aguardente e 7.118 de melaço, nada constando<br />
oficialmente acerca da produção de assucar. De 1839 em diante<br />
encontrão-se dados que revelarão o renascimento desta indústria, mas<br />
sempre em estado de oscilação. 72<br />
Quatorze anos depois os registros do então presidente João Thomé da Silva<br />
apontam como produtos locais apenas mandioca, milho, feijão, arroz, amendoim, fava,<br />
araruta, batata inglesa, café, fumo, cana, gravatá, erva mate, anil, gengibre, algodão e<br />
linho. 73 Desses, o produto que continuou representando a maior renda da Província foi a<br />
mandioca, cuja exportação oscilou nesse período entre 12.305.942,03 e 29:060.503,29 litros<br />
anuais. Não podemos esquecer que os anos anteriores a que o presidente da Província<br />
refere-se são os da Guerra do Paraguai, momento em que Santa Catarina mais vendeu<br />
farinha.<br />
72 BRUSQUE, Francisco Carlos de Araújo. Relatório do Presidente da Província, 1860., p. 27.<br />
Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
73 SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina<br />
em 25 de março de 1874. Cidade de Desterro: Typ. De JJ Lopes, 1874.
164<br />
Ainda em relatório de 1874 a exportação de farinha de mandioca e de outros<br />
dos mais importantes produtos da Ilha nos cinco últimos triênios, de acordo com o<br />
presidente foi de:<br />
Exportação da Província entre os anos de 1858 a 1873<br />
Annos<br />
Mandioca<br />
Milho<br />
Feijão<br />
Arroz<br />
Amendoim<br />
Fava<br />
Araruta (kilos)<br />
Batata Inglesa<br />
Café (kilos)<br />
Fumo<br />
(quantidade)<br />
Cana (assucar)<br />
Aguardente<br />
kilos litros kilos<br />
1858–61<br />
1° triênio<br />
59:512.214,97<br />
2:454.654,79<br />
776.054,62<br />
659.823,84<br />
507.562,38<br />
755.903,07<br />
190,9024<br />
17.191,98<br />
14.360,6800<br />
451,313<br />
charutos<br />
15.756,7904<br />
8.294,792<br />
1861-64<br />
2° triênio<br />
46:223.757,45<br />
2:875.231,71<br />
1:028.508,39<br />
628.123,86<br />
416.597,22<br />
511.261,92<br />
2.232,0896<br />
362,70<br />
16.256,0736<br />
32,766<br />
51.719,8655<br />
41.324,882<br />
1864-67<br />
3° triênio<br />
69:993.138,83<br />
4:516.993,26<br />
938.159,82<br />
827.753,94<br />
436.575,68<br />
695.948,76<br />
4.126,4288<br />
435,24<br />
4.713,8208<br />
148.533<br />
99.909,7920<br />
18.735,156<br />
1867-70<br />
4° triênio<br />
72:591.249,07<br />
5:497.190,01<br />
539.008,47<br />
1:212.215,94<br />
268.107,84<br />
669.471,66<br />
4.552,2880<br />
834,21<br />
5.827,8656<br />
666,602<br />
130.621,2960<br />
47.458,136<br />
1870-73<br />
5° triênio<br />
48:995.003,07<br />
3:872.294,01<br />
547.604,46<br />
2:759.494,04<br />
310.725,09<br />
434.006,82<br />
14.816,9632<br />
1.414,53<br />
14,6848<br />
451,315<br />
212.591,8496<br />
184.050,620<br />
(Quadro 11) Informações contidas no Relatório do Presidente da Província, Falla dirigida à<br />
Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina em 25 de março de 1874 pelo Exmo. Sr.<br />
Presidente da província, dr. João Thomé da Silva. Cidade de Desterro, typ. De JJ Lopes, 1874.
165<br />
Fica claro através dos números que houve um significativo crescimento no que<br />
se refere, especialmente, à farinha de mandioca no período da Guerra do Paraguai – final da<br />
década de 1860 – e isso se estendeu até o início da década de 1880. O período foi de<br />
aumento do consumo de alimentos no sul do Brasil e como conseqüência os preços<br />
subiram. Dados coletados por Hübener indicam que “do ano financeiro de 1866-67 para<br />
1867-68, a exportação catarinense cresceu 65%, havendo nesse último exercício quase que<br />
um equilíbrio na balança comercial”. 74 Já no ano de 1885, final do período imperial, o<br />
presidente da Província Francisco José da Rocha apontava como produtos predominantes a<br />
farinha de mandioca, a erva mate e o arroz, além da madeira. 75 Uma taxa alta de exportação<br />
não ficou restrita apenas aos anos da Guerra do Paraguai, apesar deste ter sido o ápice, em<br />
outros momentos de crises regionais do Brasil, Santa Catarina serviu como abastecedora,<br />
como<br />
em 1884-85 encontramos outro grande momento da exportação de<br />
farinha chegando a quantia de 1.017,776 alqueires. O fenômeno repetiuse;<br />
uma seca acompanhada da peste que assolou novamente o nordeste do<br />
país exigiu a maior demanda do produto. O montante exportado nesse<br />
exercício provocou escassez do gênero para o próprio consumo local. (...)<br />
Fenômeno igual e pelo mesmo motivo ocorreu no exercício de 1878-79,<br />
de 448.487 alqueires em 1874-75 para 1.206,458 alqueires, isto é<br />
251,09% de aumento. 76<br />
Quanto à produção da farinha na Ilha, nunca houve um investimento significativo<br />
na melhoria da produção, o que manteve os custos em um mesmo patamar. O processo era<br />
muito simples, sendo dividido em etapas. Primeiro a colheita e transporte das raízes para o<br />
engenho, que era um galpão na maioria das vezes de pau-a-pique, onde ficavam os cochos<br />
para armazenamento da mandioca ralada e cevada; prensas nas quais era extraído o ácido<br />
74 HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX. Op. cit., p.<br />
47.<br />
75 ROCHA, Francisco José da. Relatório do Presidente da Província à Assembléia Legislativa,<br />
1885. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
76 HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX. Op.cit., p.<br />
84.
166<br />
cianídrico, tachos de cobre, peneiras e fornos, onde, sobre fogo controlado, a farinha era<br />
torrada. O trabalho de descascar, ralar e cevar a mandioca em geral cabia às mulheres.<br />
Depois a polpa era prensada e a prensa era movida por tração animal ou pela força dos<br />
escravos. Por fim, era torrada e peneirada. 77<br />
Antes desse aumento importante da produção e exportação da farinha, o produto já<br />
era de suma importância para os habitantes locais, sendo um dos primeiros alimentos<br />
consumidos pelos imigrantes, além de também abastecer os soldados lotados nas fortalezas<br />
da Ilha. Os produtores de farinha eram obrigados legalmente a passar para as tropas uma<br />
porcentagem de suas farinhas, as quais seriam pagas através dos soldos desses soldados.<br />
Outro produto que foi ganhando espaço no cenário agrícola de Santa Catarina é o café, que<br />
sequer aparecia nas estatísticas de produção de 1797 e 1808. Em 1819 surge com uma<br />
produção de 451 quintaes e no ano de 1838 é elogiado pelo presidente da Província como<br />
sendo um gênero que em poucos anos saiu do desconhecimento para uma boa produção,<br />
com esperança de tornar-se um dos principais ramos da agricultura catarinense. 78<br />
Na contramão desse crescimento estava a indústria têxtil - basicamente algodão e<br />
linho. Essa produção, que em épocas de maior isolamento comercial da Ilha era importante,<br />
pois produzia boa parte dos tecidos consumidos localmente para os mais variados fins,<br />
desde vestuário a usos domésticos, estava quase desaparecendo “por não poder concorrer<br />
com os tecidos estrangeiros que chegam ao mercado com preços incomparavelmente<br />
inferiores”. 79<br />
Como solução para tal problema, o presidente, no ano de 1840, sugeria<br />
77 VÁRZEA, Virgílio. Santa Catarina – A Ilha. Florianópolis: Lunardelli, 1985 (1900)., p. 183 -<br />
190.<br />
78 PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em 1838., p.<br />
11. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
79 Ibid., p. 16.
167<br />
protecionismo por parte do governo, o que aumentaria o valor de revenda dos<br />
produtos. 80 Segundo o próprio presidente da Província, em 1841, a lista dos gêneros e<br />
mercadorias que mais avultavam as importações já contava com tecidos de algodão, lã,<br />
linho e seda, além de “carnes salgadas e secas, ferragens, farinha de trigo, louças e<br />
quinquilharias”. 81<br />
Paralelo às atividades comerciais, desenvolveu-se também em Desterro a atividade<br />
artesanal, que supria as necessidades locais. Na segunda metade do século XIX, por volta<br />
de 1860, algumas oficinas já se atribuíam o nome de “fabricas” e publicavam anúncios em<br />
jornais locais. A intensificação da atividade artesanal se deve ao aumento da população da<br />
cidade de Desterro nesse período e, conseqüentemente, ao crescimento da área urbana,<br />
criando certas necessidades de consumo que puderam ser satisfeitas através da exploração<br />
dos recursos econômicos locais.<br />
Outro ponto em que a Ilha precisou se adaptar foi na questão do gado e da carne.<br />
No caso de Desterro, a carne que abastecia a cidade vinha das freguesias do interior da Ilha,<br />
de áreas no entorno da cidade e também do continente fronteiro. O gado, em 1838, também<br />
vinha de mais distante, de acordo com fala do governador, vinha de Lages pela nova<br />
estrada do Trombudo. 82 Outro dado relevante é o registro de nove curtumes instalados<br />
apenas na vila de Desterro, número que demonstra a entrada significativa de gado vacum na<br />
Ilha, além do criado localmente. Além desses, havia mais sete curtumes para o<br />
beneficiamento de couros em freguesias do interior da Ilha, dos quais cinco na Lagoa e dois<br />
nas Necessidades. No cenário nacional, por exemplo, o beneficiamento e exportação do<br />
couro ocorriam de forma significativa desde o início do século XVIII, como demonstram as<br />
80 ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província de Santa<br />
Catarina em 1838., p. 27. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
81 BRITO, Antero José Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em<br />
1841., p. 18. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
82 PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província em 1838, Op. cit., p. 11.
168<br />
exportações do produto no ano de 1709 em que o Brasil embarcou 110 mil peles para<br />
Lisboa. 83 Além disso, o gado era usado para transporte e os proprietários eram obrigados<br />
por lei a ceder alguns de seus animais para o transporte de madeira das proximidades de<br />
suas terras ao porto ou aos galpões de estocagem. Muitos proprietários se dirigiam ao<br />
governador ou ao Vice-Rei para conseguir isenção dessa obrigação que lhes custava tempo<br />
e dinheiro e não tinha retorno financeiro algum.<br />
Essa questão da entrada de gado na Ilha sempre foi tema de debates calorosos. O<br />
fato de a Ilha não ter um abatedouro público se devia às dificuldades na entrada de gado do<br />
continente na Ilha, o que sempre gerou reclamações. O abatedouro público foi construído<br />
no continente fronteiro à Ilha, no lugar conhecido como Estreito. Do ponto de vista do<br />
presidente da Província, que em 1838 já havia consultado engenheiros e estava em busca de<br />
mais sugestões para resolver o problema, a travessia do estreito de águas que separava a<br />
Ilha do continente em pequenas canoas, como era praticado, colocava a vida dos<br />
passageiros em risco eminente em ocasiões de ventos fortes e mar cevado, o mesmo<br />
ocorrendo aos animais cavalares e ao gado para consumo, que sofria toda sorte de maus<br />
tratos e chegava ao matadouro cansado, o que, ainda segundo o presidente, era danoso à<br />
carne. 84 Tanto a produção de gado quanto diversos outros trabalhos na Ilha estiveram<br />
relacionados ao projeto de pequenas propriedades familiares, o que, em tese, coibia o<br />
trabalho escravo e a própria contratação de trabalhadores brancos livres, uma vez que se<br />
baseava no trabalho dos próprios membros da família ocupante da terra. No entanto, o<br />
trabalho escravo foi relevante para Santa Catarina, e mesmo não sendo predominante deve<br />
83 <strong>DE</strong>AN, Warren. A ferro e fogo. Op. cit., p. 92.<br />
84 PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em 1838.<br />
Op.cit., p. 38.
169<br />
ser analisado como tal e não como insignificante ou inexistente, como já foi tratado pela<br />
historiografia.<br />
Quantitativamente, o setor agrícola da economia foi o que mais absorveu a mãode-obra<br />
escrava, o mesmo pode-se dizer da exploração madeireira que estava diretamente<br />
ligada a isso, uma vez que o trabalho na lavoura iniciava com a derrubada da mata e<br />
limpeza do terreno para plantar. Apesar da característica da Ilha ser de pequenas<br />
propriedades rurais cultivadas por trabalhadores livres, em geral o próprio dono do lote e<br />
sua família ou arrendatários, as plantações de mandioca e de cana-de-açúcar, quando<br />
efetuadas em propriedades de porte médio, utilizavam mão-de-obra escrava e, mesmo<br />
pequenos proprietários, quando podiam, compravam escravos. Langsdorff escreve que “no<br />
início do século XIX, [...] a riqueza dos agricultores da Ilha contava-se pelo número de<br />
escravos que eles possuíssem e que aos escravos cabia o amanho do solo e toda a sorte dos<br />
mais rudes trabalhos”. 85 Mas é provável que no fim da primeira e início da segunda metade do<br />
século tenha aumentado o número de escravos ocupados na agricultura.<br />
Com a intensificação da exploração da cana-de-acçúcar, os agricultores<br />
médios, que possuíam mais escravos, puderam prosperar em suas<br />
empresas agrícolas. 86<br />
É nesse período também que ocorre a Guerra do Paraguai e que a Ilha intensifica<br />
sua produção de farinha para abastecer os grandes centros nacionais e a região em guerra.<br />
É preciso, então, saber quais os tipos de trabalho foram desenvolvidos na Ilha e<br />
quais as influências destes trabalhos no regime escravista local. Se por um lado não<br />
produzia açúcar para exportação, sabemos que, por outro, a Ilha estava integrada ao<br />
mercado de abastecimento interno e produzia farinha de mandioca, aguardente e gêneros<br />
85 CAR<strong>DO</strong>SO, Fernando Henrique e IANNI, Octávio. Cor e Mobilidade Social em Florianópolis:<br />
Aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil Meridional. São<br />
Paulo: Cia Editora Nacional, 1960., p. 67.<br />
86 Ibid., p. 70.
170<br />
alimentícios. Era característica da região a presença de pequenas e médias propriedades<br />
fundiárias, parte delas empregando pequenos plantéis de escravos, a maior parte de 1 a 5.<br />
Além disso, percebe-se também o emprego de escravos em uma série de atividades<br />
urbanas, de caráter doméstico ou mais especializado.<br />
Uma análise comparativa de dois períodos da Ilha e suas mudanças populacionais<br />
e ligadas a trabalho e mão-de-obra podem melhor dimensionar isso. Em 1797 o número de<br />
fogos na Ilha de Santa Catarina, que contava com apenas quatro núcleos populacionais -<br />
Vila de Nossa Senhora do Desterro, Distrito do Ribeirão, Freguesia da Lagoa e Freguesia<br />
de Santo Antônio das Necessidades - era de 1.594. Sessenta e nove anos depois as<br />
Freguesias aumentam, decorrência da subdivisão das primeiras. Em 1866 o cenário já era<br />
bem diferente. São João Batista do Rio Vermelho desmembra-se de Santo Antônio das<br />
Necessidades em 1832 ou 1833, São Francisco de Paula de Canasvieiras, também um<br />
desmembramento de Santo Antônio das Necessidades, em 1834 e Santíssima Trindade<br />
desmembrada de Nossa Senhora do Desterro em 1838. Nesses 69 anos, o número de fogos<br />
aumentou para 4.326, sendo que apenas Desterro pulou de 666 para 1.356 fogos. Isso<br />
significa um aumento populacional de 6.982 brancos livres para 16.016. O número de<br />
escravos pardos e pretos subiu de 2.017 para 3.416, apesar da proibição do tráfico já vigorar<br />
há 16 anos. A população total da Ilha (brancos, pardos e pretos) subiu de 9.160 para 21.399<br />
pessoas. Em Desterro o número subiu de 3.757 para 6.474. O aumento populacional foi<br />
mais significativo no interior da Ilha, onde as Freguesias da Lagoa, do Ribeirão e das<br />
Necessidades aumentaram sua população de 1.916 para 3.025, 1.040 para 2.712 e 2.447<br />
para 2666, respectivamente. Esses números devem considerar os desmembramentos
171<br />
sofridos que deram origem às freguesias do Rio Vermelho, Canasvieiras e Trindade,<br />
que no ano de 1866 contavam com 1.656, 2.641 e 1.925 pessoas respectivamente. 87<br />
Os registros de 1797 não dão conta do número de pessoas envolvidas em<br />
atividades específicas, apenas enumerando os estabelecimentos. Os dados de 1866 dão<br />
conta da existência de 108 empregados públicos, dos quais 100 apenas em Desterro, 204<br />
comerciantes, 27 proprietários - todos em Desterro - , 2.733 lavradores e 334 artistas.<br />
Apesar do mapa que inclui a porção considerada urbana de Desterro e que consta do<br />
imposto chamado de “Décima Urbana” incluir áreas de chácaras e sítios ainda no ano de<br />
1876, aparentemente esses locais eram quase exclusivos de lazer, uma vez que o número de<br />
lavradores registrados em Desterro no ano de 1866 era de apenas 9. Diferente das<br />
freguesias do interior da Ilha como Lagoa e Canavieiras que tinham mais de 600 lavradores<br />
cada uma e as demais registravam mais de 300 cada. Seguindo a tendência de uma cidade<br />
em expansão, Desterro possuía a grande maioria dos comerciantes, 141 de um total de 204,<br />
e de artistas - aqui incluídos sapateiros, ferreiros, etc - 262 de um total de 334. Outro fator<br />
diferenciador do campo e da cidade na Ilha de Santa Catarina em 1866 é a declaração de<br />
renda dos moradores. Na capital a renda se concentra entre os que ganham de 100 a<br />
500$000 e de 500 a 1.000$000, havendo alguns com renda superior a isso, chegando a<br />
20.000$000, enquanto nas freguesias do interior a renda, em sua grande maioria, ficava<br />
entre 100 e 500$000, com raros recebendo mais que isso. 88<br />
Segundo dados de Cardoso para o ano de 1872, o número de escravos na Ilha de<br />
Santa Catarina era de 2.934, cifra que representava uma queda de aproximadamente 15%<br />
em relação a 1866. Desse número nenhum escravo estava ocupado com a lavoura na cidade<br />
87 BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Mappa da população da Província de Santa<br />
Catharina (1886). Col. Tavares Bastos. Secretaria da Policia de Santa Catharina, 4 de<br />
Abril de 1867. Acervo: BN. I - 3,34,13 (Manuscritos).<br />
88 BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Mappa da população da Província de Santa Catharina<br />
(1886). Op.cit.
172<br />
de Desterro, porém é de 725 o número de escravos lavradores espalhados pelas<br />
freguesias da Ilha. 89<br />
No quadro 12, a seguir, aparecem as ocupações declaradas dos escravos na Ilha de<br />
Santa Catarina no ano de 1872.<br />
SEXO <strong>DO</strong> ESCRAVO<br />
OCUPAÇÃO MASCULINO FEMININO TOTAL<br />
Artistas 21 0 21<br />
Marítimos 35 0 35<br />
Pescadores 25 0 25<br />
Comerciantes 2 0 2<br />
Operários em madeiras 40 0 40<br />
Operários em edificações 56 0 56<br />
Operários em Vestuário 3 0 3<br />
Operários em Chapéus 6 0 6<br />
Operários em Calçados 17 0 17<br />
Canteiros 15 0 15<br />
Operários em tecidos 0 46 46<br />
Costureiras 0 57 57<br />
Criados e Jornaleiros 82 25 107<br />
Domésticos 161 915 1.076<br />
Lavradores 699 26 725<br />
Sem profissão 381 322 703<br />
Total 1.543 1.391 2.934<br />
(Quadro 12) Ocupação dos escravos na Ilha de Santa Catarina no ano de 1872. Fonte:<br />
CAR<strong>DO</strong>SO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.<br />
Insular: Florianópolis, 2000.<br />
Podemos observar a partir do quadro 12 que a cidade absorveu grande parte da<br />
mão-de-obra escrava de Desterro. Além dos lavradores que provavelmente localizavam-se<br />
nas franjas da cidade e em áreas mais afastadas, os operários em madeira, pescadores e<br />
marítimos, um número significativo de escravos já se dedicava a trabalhos notadamente<br />
89 CAR<strong>DO</strong>SO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.<br />
Insular: Florianópolis, 2000.
173<br />
urbanos envolvendo comércio, vestuário e edificações, esse, a propósito, um setor em<br />
franco desenvolvimento. Novos espaços e novos trabalhos configuram-se e a tendência de<br />
aumento consolida-se. A Ilha vai cedendo espaço aos novos costumes urbanos, entre eles a<br />
compra de produtos agrícolas de outros locais, especialmente do continente fronteiro.<br />
3.5 Do campo para a cidade: resultados da agricultura na Ilha de Santa<br />
Catarina<br />
Fato é que o progresso da agricultura significou devastação florestal, primeiro<br />
porque as terras do Brasil eram, em sua maioria, cobertas de floresta e nenhuma civilização<br />
e se desenvolvem em meio à mata cerrada, é necessário abrir clareiras. Essas clareiras<br />
avançaram Brasil adentro e deram lugar não só a aglomerados populacionais, mas a grandes<br />
plantações.<br />
Desde o principio a floresta foi percebida como um empecilho ao desenvolvimento<br />
agrícola e, para tanto, era mister derrubá-la. Empregaram-se as mais variadas técnicas até<br />
que a prática ensinou a esses homens como desmatar de forma mais eficiente. Da derrubada<br />
das árvores ao fogo que limpava o terreno, chegando aos grandes canaviais e cafezais,<br />
muitos capítulos da história do Brasil foram escritos. Além dos manuais agrícolas e outras<br />
idéias de estímulo à produção analisadas anteriormente, é interessante notar que as opiniões<br />
políticas da primeira metade do século XIX sobre a agricultura na Ilha de Santa Catarina e<br />
restante da Província são muito mais dados baseados em observações de terceiros que<br />
balizadas por parâmetros de análise mais consistentes adquiridos através da prática. Cada<br />
presidente da Província, naturalista, ou visitante dava sua opinião. Já em 1840, o presidente<br />
Francisco José de Souza Soares de Andréa fazia uma forte crítica à indústria agrícola local
174<br />
que afirmava não existir propriamente, dois anos depois a agricultura é considerada<br />
estacionária em relatório de outro presidente.<br />
Certo é que houve altos e baixos na produção agrícola e culturas foram sendo<br />
substituídas por outras de acordo com a demanda ou o próprio reconhecimento das<br />
potencialidades do solo e do clima. No entanto, a Ilha de Santa Catarina entra em uma<br />
curva descendente de produção mais perceptível no último quartel do século XIX,<br />
semelhante ao que se deu no cenário nacional. O início do declínio da agricultura em<br />
termos nacionais, ou mais precisamente, o momento da identificação de uma crise na<br />
produção, ocorreu em meados da década de 70 do século XIX, quando,<br />
após um período razoavelmente longo do crescimento contínuo da grande<br />
lavoura de exportação, que se confundiu com a expansão do café<br />
começaram a aparecer sinais evidentes de uma crise.(...) Uma atmosfera<br />
de temor quanto ao futuro disseminou-se entre políticos, proprietários e<br />
publicistas, pois o edifício social e político da monarquia erguia-se sobre<br />
aquela atividade econômica. 90<br />
Segundo Pádua, é nesse momento que o Ministério de Estado dos Negócios da<br />
Agricultura, Comércio e Obras Públicas decidiu convocar um "Congresso Agrícola", cujo<br />
objetivo era "obter informações seguras, esclarecimentos indispensáveis para firmar<br />
opinião que seja o móvel de suas deliberações". 91 Deveriam participar e opinar sobre<br />
melhoramentos e problemas os próprios agricultores.<br />
Na realidade, os problemas na agricultura do Brasil eram tão claros que já faziam<br />
parte das propostas de debate do Congresso Agrícola antes dele começar e antes de se ouvir<br />
os participantes. O tema base era a falta de braços e capitais para o trabalho agrícola,<br />
90 PÁDUA, José Augusto. "Cultura esgotadora": agricultura e destruição ambiental nas últimas<br />
décadas do Brasill Império. In: Estudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro 1998: 134-163.<br />
91 Ibid., p. 134.
175<br />
intensificado sobremaneira com a lei do Ventre Livre em 1871 e a visível<br />
insustentabilidade da escravidão.<br />
Não podemos descrever a queda da produção agrícola da Ilha de Santa Catarina<br />
como um “movimento natural”, porém esse fenômeno de retração parece consistente com o<br />
processo de transformação ilhéu. No caso da Ilha de Santa Catarina o final do século XIX<br />
trás uma queda ainda maior das atividades agrícolas, pois o continente fronteiro cresce em<br />
população e produção a ponto de tornar mais barato e vantajoso a compra de produtos<br />
dessas novas colônias. Por outro lado a população urbana de Desterro cresce e ocupa áreas<br />
que antes eram da agricultura. Nossa Senhora do Desterro, capital da Província, adquire<br />
ares, se não mais cosmopolitas, ao menos mais urbanos e de centro administrativo, que<br />
compra produtos agrícolas de fora, deixando para as freguesias do interior da Ilha uma face<br />
mais rural e de subsistência.<br />
Sem considerar a atual, e tão propalada, “vocação turística” da Ilha, a posição de<br />
capital política e administrativa da Província já garantia um relativo crescimento urbano por<br />
conta dos funcionários que ali se instalavam, especialmente a partir da segunda metade do<br />
século XIX. As pequenas propriedades familiares também não poderiam produzir em<br />
grande escala para uma população em constante aumento. Os limites com o mar em um<br />
momento de crescimento do transporte ferroviário e rodoviário, que se intensificou no final<br />
daquele século, também devem ser computados como fatores. Enfim, muito mais do que<br />
uma fase que se finalizava e dava lugar à outra, essa urbana e com mais longevidade, as<br />
atividades agrícolas da Ilha cederam lugar a novos costumes, novos usos e a uma nova
176<br />
importância atribuída à vida rural, como refúgio da vida urbana. O rural na Ilha não<br />
deixou necessariamente de existir, ele foi, sim, resignificado e deixou de ser puramente o<br />
trabalho na terra.
IV<br />
A QUESTÃO URBANA<br />
V<br />
No tempo em que seu solo ainda se achava<br />
coberto de florestas sombrias, um denso nevoeiro<br />
envolvia a Ilha de Santa Catarina. Emanações<br />
insalubres elevavam-se da terra humida em que<br />
apodreciam montões de detritos e inúmeros<br />
vegetais. Nuvens de mosquitos obscureciam o ar e<br />
os navegantes que aportavam a essa Ilha<br />
arriscavam-se a contrair febres e dysenterias 1<br />
Quando de minha viagem, o clima de Santa<br />
Catharina era bem saudável e deverá sel-o agora<br />
muito mais, desde que restos de baleias (Pizarro,<br />
Memória Histórica IX) não apodrecem, como<br />
outrora, nas angras que recortam o litoral da<br />
ilha. Não exaggeremos, entretanto, a salubridade<br />
do clima de Santa Catharina; as dysenterias<br />
grassam ali com freqüência e parece que não são<br />
raros os casos de morphéia. 2<br />
4.1 Meio Ambiente e Saúde Pública no processo de urbanização de Desterro<br />
Desde o século XIX a história urbana vem se formando com contribuições das<br />
mais variadas áreas como a arquitetura, a geografia, a economia, a sociologia e outras.<br />
Desse leque de produções textuais e teorias passamos por autores importantes como<br />
Szrmrecsanyi, que lançou um debate importante para a análise do urbano no Brasil,<br />
questionando: já que a polaridade rural-urbano era totalmente separada, quem construiu o<br />
rural e o urbano no Brasil Segundo Fridman, Szrmrecsanyi analisa e “atribui o impulso de<br />
constituição inaugural do país a uma classe urbana, a burguesia comercial lusitana que<br />
1 ANSON. Apud. SAINT-HILAIRE, Auguste de – Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo<br />
Horizonte; Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978., p. 176.<br />
2 Ibid., p. 176.
178<br />
‘volta-se para o campo’, ao invés de ‘volta ao campo’, pois essa burguesia não se<br />
ruralizou”. 3 Outros como Oliveira Viana com sua teoria ferrenha do anti-urbano colonial,<br />
do homem amante da solidão e da degeneração das cidades, 4 e Aroldo de Azevedo com sua<br />
classificação dos diferentes tipos de povoados, passando pelas aldeias indígenas e vilas<br />
fortificadas e reconhecendo nelas um “plano”, além de reconhecer nos engenhos cidades<br />
em miniatura, a importância das fazendas de gado e de café em serem pontos de<br />
convergência que geraram centros urbanos, assim como o que ele chamou de “bairro rural”,<br />
decorrente de um caminho ao longo do qual se instalam sítios. 5 Esses são alguns entre os<br />
que abordaram e analisaram o tema da construção das cidades no Brasil colonial e imperial.<br />
Para além dessa análise está a discussão acerca do formato, de um planejamento<br />
ou não do espaço urbano português comparativamente ao espanhol. O modelo espanhol<br />
tinha por base um código chamado “Leyes de las Índias” de 1573, que estipulava desenhos<br />
geométricos para as cidades, como, por exemplo, Buenos Aires. O caso português parece<br />
não ter seguido essas normas, ao menos na maioria das vezes. As cidades formaram-se a<br />
partir de vilas que, em geral, surgiram no entorno de igrejas e capelas. Por conta desse<br />
planejamento inicialmente inexistente, em muitos casos, as cidades tomaram formas que<br />
passavam ao largo dos ideais de urbanismo, em geral seguindo os contornos geográficos.<br />
No entanto, não objetivando analisar pontualmente o tema entendemos que alguns textos<br />
são importantes para percebermos a dimensão e o lugar das vilas e cidades do Brasil para os<br />
3 SZRMRECSANYI. Apud. GOMES, M. A. F. ; Pineiro, E.P. ; FRIDMAN, F. ; Andrade, C.R.M. ;<br />
TEIXEIRA, M. ; Almandoz, A. ; SILVA, L. O. ; SUTCLIFFE, A. ; Zucconi, G. ; Brandão, C.A.L. .<br />
Breve história do debate sobre a cidade colonial brasileira. In: Pinheiro, Eloisa Petti; Gomes, Marco<br />
Aurelio A. de Filgueiras. (Org.). A cidade como história. 1 ed. Salvador: Editora da Universidade<br />
Federal da Bahia, 2005, v. 1, p. 43-72.<br />
4 OLIVEIRA VIANA. Evolução do Povo brasileiro. Rio de Janeiro, J. Olímpio, 1956.<br />
5 AZEVE<strong>DO</strong>, Aroldo de. Vilas e cidades do Brasil colonial: ensaio de geografia urbana<br />
retrospectiva. São Paulo: EDUSP, 1965.
179<br />
portugueses. Uma dessas obras é A cidade Colonial, de 1961, onde Nelson Omegna<br />
afirma que a função da cidade colonial portuguesa era a de<br />
assegurar, tanto do ponto de vista estratégico quanto da política<br />
econômica ou eclesiástica, os interesses mercantilistas dos senhores da<br />
metrópole. A vila era dotada de uma vasta interlândia ou zona rural para<br />
garantir-lhe o sustento, possuía nomes de santos para ‘cristianizar a<br />
paisagem’. 6<br />
Também contribuinte dessa discussão está Nestor Goulart Reis Filho,<br />
especialmente em Evolução do Brasil (1500/1720), no qual busca evidenciar através de<br />
mapas e desenhos um planejamento regular lusitano. 7<br />
As últimas duas décadas têm<br />
apresentado discussões atuais, releituras de obras clássicas e novas teorias sobre o projeto<br />
urbanístico português dos séculos XVI, XVII e XVIII. Autores como Fania Fridman,<br />
Murilo Marx, Beatriz Siqueira Bueno, Maurício de Almeida Abreu, Roberta Dalson e<br />
Maria Helena Flexor entre outros, ampliaram o leque de questionamentos, e trouxeram à<br />
luz, tópicos até então esquecidos ou tratados isoladamente, fazendo o esforço de<br />
correlacioná-los. Pontos como as grandes parcelas de solo urbano em mãos de ordens<br />
religiosas (majoritariamente adquiridas por doações) entraram em debate, além do quanto<br />
isso desviou ou direcionou o surgimento de novos bairros e o “espalhamento” dos núcleos<br />
urbanos. Tudo isso possibilitou uma revisão em idéias que não davam margem para um<br />
estudo dos pontos positivos e inteligentes do urbanismo português, uma vez que se<br />
solidificaram e permaneceram por muito tempo como verdades. Exemplo disso são idéias<br />
como as de Sérgio Buarque de Holanda ao referir-se aos portugueses e aos espanhóis:<br />
As cidades que os portugueses construíram na América não são produto<br />
mental, não chegam a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se<br />
enlaça à linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma<br />
providência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra<br />
6 OMEGNA, Nelson. A cidade Colonial. São Paulo: Ebrasa, 1961.<br />
7 GOULART REIS Filho, Nestor. Evolução do Brasil (1500/1720). São Paulo: Pioneira/EDUSP,<br />
1968.
180<br />
‘desleixo’ palavra que o escritor Aubrey Belle considerou tão<br />
tipicamente portuguesa como ‘saudade’ e que, no seu entender, implica<br />
menos falta de energia do que uma íntima convicção de que ‘não vale a<br />
pena...’ 8<br />
Palavras como essas criaram na imaginação do leitor desavisado a imagem de um<br />
espanhol norteado pela razão, seguindo um plano régio e “ladrilhando” cidades por toda a<br />
porção espanhola da América, ao passo que o português, de forma totalmente aleatória,<br />
semeava pontos de urbanização por sua imensa e desorganizada colônia. Nem tanto ao mar,<br />
nem tanto a terra. Nem os espanhóis eram tão retilíneos que não cediam às imposições<br />
geográficas, nem os portugueses eram tão desleixados que deixavam seus domínios ao léu.<br />
E alguns textos do século XIX já indicavam que o fato de as ruas de Desterro terem<br />
direções irregulares não só era devido ao desleixo da fundação como também à ondulação<br />
do terreno. 9 Como já vimos, autores durante todo o século XX, e especialmente nos últimos<br />
anos, têm analisado a lógica portuguesa de urbanização. Se forem pontos de vista já<br />
superados ou tentativas de reinterpretar e encontrar a lógica das vilas e cidades portuguesas,<br />
certo é que Holanda e os outros autores com preocupações na história urbana do Brasil são<br />
nossa conexão para um questionamento acerca da dinâmica ambiental que influenciou ou<br />
não o desenho e os posteriores planos das vilas portuguesas, em especial Nossa Senhora do<br />
Desterro.<br />
Esses planos urbanísticos eram importantes, pois além da distribuição de prédios<br />
públicos, praças e a própria localização do núcleo urbano como estratégia de defesa contra<br />
possíveis inimigos, visavam controlar um problema que cresceu junto com as cidades no<br />
8 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. (1936) 19º ed. Rio de Janeiro: José Olympio,<br />
1987., p. 76.<br />
9 TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada por<br />
Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Taunay Alfredo<br />
D’Escragnolle pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom<br />
Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército).
181<br />
século XIX em todo o Brasil: a falta de saneamento básico. A instalação das cidades, na<br />
maioria das vezes, procurou considerar os ambientes tidos como saudáveis e propícios ao<br />
seu desenvolvimento em todo o mundo. As preocupações com a saúde pública e sua relação<br />
com o meio ambiente já vinham de longa data e podem ser vistos em textos como o de<br />
Gaspar Casal, médico do rei espanhol Fernando VI, em 1762, referindo-se às epidemias que<br />
afetaram as Astúrias nos anos de 1719 e 1749,<br />
haciendo memoria de las diversas causas, que los autores asignan a la<br />
ictericia (ya descubiertas por observaciones, y ya por disecciones<br />
anatómicas) tengo por verosímil que, así en una, como en otra epidemia,<br />
tuvieron mucho influjo los ábregos, que en ambas constituciones del<br />
tiempo persistieron sobre los demás vientos (...). 10<br />
Tal afirmação é um exemplo da importância atribuída ao clima, ao solo, às águas,<br />
enfim, ao meio ambiente, recorrente nos trabalhos da área médica nos século XVIII e XIX.<br />
Sob o título de Geografias e Topografias Médicas, realizou-se, desde o final do século<br />
XVIII, uma série de estudos em que foram discutidas a origem e a proliferação de<br />
epidemias e sobre causas de mortalidade. Esses textos tinham como base determinadas<br />
concepções médicas que consideravam a gênese e a evolução das enfermidades como<br />
fortemente definidas pelo clima e pelo meio local. 11<br />
Dado que entre os higienistas dos séculos XVIII e XIX era generalizada uma<br />
concepção da enfermidade como produto social, nos estudos de tipo epidemiológico é<br />
muito freqüente encontrar informações abundantes sobre o meio geográfico, econômico e<br />
social em que se desenvolveram as doenças estudadas. 12 É também no fim do século XVIII<br />
que o médico aproxima-se do político, desempenhando um papel importante no<br />
10<br />
CASAL, G. 1762, 235-236. In: URTEAGA, Luis. Miseria, Miasmas y Microbios. Las<br />
Topografías Médicas y el Estudio del Medio Ambiente en el siglo XIX. Barcelona: Revista Geo<br />
Critica, n.29, set. 1980.<br />
11 Ibid., p. 235 – 236.<br />
12 Ibid., p. 235 – 236.
182<br />
ordenamento das cidades e de vários locais públicos e influenciando comportamentos<br />
coletivos como a lavagem das ruas ou o traçado de certos bairros. Junto com essas<br />
mudanças surgiram novas instituições como as comissões de salubridade encarregadas de<br />
inspecionar manufaturas, oficinas e estabelecimentos tidos como produtores de miasmas. 13<br />
Essas idéias se evidenciam com a medicina européia do século XVIII, que renovou<br />
a tradição de Hipócrates inaugurada com o livro Dos ares, das águas e dos lugares, dando<br />
origem a uma corrente higienista que prestou especial atenção ao meio natural e sua<br />
possível relação com os problemas patológicos. As idéias de Hipócrates sobre a relação das<br />
questões ambientais com a saúde pública serviram como uma base que justificou e orientou<br />
os primeiros trabalhos que determinaram um novo desenho dos espaços urbanos. “Foram<br />
esses princípios que orientaram os higienistas do século XVIII ao início do século XIX e<br />
que foram responsáveis por mudanças tanto na estrutura física dos espaços da cidade como<br />
nas habitações e nos costumes dos indivíduos”. 14 Também é decorrente dessa teoria a<br />
valorização do consumo de água pura para ingestão e para banhos, o que originou os<br />
sistemas de abastecimento nas cidades por meio de aquedutos e o valor terapêutico dos<br />
banhos de mar. De acordo com Vigarello, a maior parte das topografias médicas do final<br />
do século XVIII em diante associa saúde à mobilização da água, escorrendo pelas cidades,<br />
por valas e canais e limpando-a, bem como promovendo a correção do ar. 15<br />
Versuch einer allgemeinen medicinish-praktischen Geographie, de Ludwig Finke,<br />
escrita em 1792, é considerado o marco inicial dos estudos de geografia médica na era<br />
13 VIGARELLO, Georges. O limpo e o Sujo: a higiene do corpo desde a idade Média. Ed.<br />
Fragmentos: Lisboa, 1985., p. 134.<br />
14 EDUAR<strong>DO</strong>, A. R. B. ; FERREIRA, A. L. A. . As Topografias Médicas no Brasil do início do<br />
século XX. Aportes históricos ao estudo da relação meio ambiente e sociedade (o caso de Natal-<br />
RN). In: Angela Ferreira, George Dantas. (Org.). Surge et Ambula. A construção de uma cidade<br />
moderna (Natal, 1980-1940). Natal: EDUFRN, 2006, v. 1, p. 137-151.<br />
15 VIGARELLO, Georges. O Limpo e o Sujo... Op. cit., p.121.
183<br />
moderna. 16 Primeiramente, acreditando em uma causa única para as doenças, o grupo<br />
de médicos encabeçados por Finke e conhecidos como “sistematizadores” passam, já no<br />
final do século XVIII,<br />
a afirmar que a busca da causa única não respondia mais à complexidade<br />
do mundo, retomando assim a leitura dos gregos de uma nova<br />
perspectiva, no que começou a se denominar empirismo neo-hipocrático.<br />
Acreditavam estes cientistas que só uma rigorosa observação do mundo<br />
poderia levar ao entendimento das causas das doenças. 17<br />
Esse redirecionamento das concepções das causas das doenças é perfeitamente<br />
compreensível neste período da história européia, em que a expansão colonialista abre<br />
portas para novas observações quanto à adaptação dos europeus em outras terras.<br />
Com um caráter marcadamente determinista, as idéias de saúde desse período<br />
estavam ligadas às idéias de geografia, espaço e território. Nessa época de expansão<br />
colonialista, em que novas doenças eram identificadas à medida que lugares com diferentes<br />
climas, solos, relevos, paisagens botânicas e zoogeográficas, hidrografias eram ocupados,<br />
teorias e pesquisas de médicos e higienistas eram associadas ao discurso do determinismo<br />
geográfico. Tal teoria é sintetizada por Bousquat e Conh da seguinte forma:<br />
o espaço, como sinônimo de meio ambiente físico, determina as<br />
possibilidades de construção da sociedade humana. Por outro lado, na<br />
medicina, o mesmo período consolidou a afirmação dos agentes<br />
biológicos (oriundos do meio físico) como explicativos das doenças. E<br />
foi exatamente a junção dessas duas afirmações em uma só que pode ser<br />
sintetizada como espaço/meio físico, que, com seus agentes biológicos,<br />
levaria à existência das doenças em uma determinada sociedade. 18<br />
16 BOUSQUAT, Aylene; COHN, Amélia. A dimensão espacial nos estudos sobre saúde: uma<br />
trajetória histórica. In: História, Ciências, Saúde - Manguinhos. v.11 n.3. Rio de<br />
Janeiro set./dez. 2004. p. 4.<br />
17 Ibid., p. 4.<br />
18 Ibid., p. 7.
184<br />
Tal síntese, que possui analogia com a clássica tríade ecológica de Leavell &<br />
Clarck 19 , em que o meio é percebido como um recipiente que facilita ou não o contato entre<br />
pessoas, ou hospedeiros, e agentes etiológicos, evoca uma melhor definição de “espaço”<br />
que abrange essas questões. Para tanto, a idéia de Czeresni e Ribeiro, que escrevem sobre a<br />
relação lugar versus epidemia, amplia nossa apreensão do tema. Para os autores:<br />
o lugar pode ser compreendido como topos em que se dá um<br />
acontecimento. Nessa perspectiva, o espaço constitui-se e distingue-se<br />
dos corpos no momento da vivência concreta dos fenômenos, através de<br />
uma interface que se configura no decorrer da própria experiência. O<br />
vínculo entre corpo e espaço não se apresenta claramente, pois o<br />
processo de emergência das ciências foi também o de fragmentação do<br />
modo de pensar o homem e as suas relações. No contexto da elaboração<br />
dos conceitos científicos, o espaço foi concebido, segundo os mais<br />
diferentes pontos de vista, como algo anterior, que existe independente<br />
da constituição dos seres que o habitam. 20<br />
Esses ramos da história natural, ligados ao conhecimento médico, agregaram<br />
informações de estudos anteriores, relacionados ao clima e aos fenômenos meteorológicos,<br />
desenvolvidos especialmente na Inglaterra em fins do século XVII, por Robert Boyle e<br />
John Locke 21 . Posteriormente, já em fins do século XVIII, aquelas que ficaram conhecidas<br />
como ciências ambientais (climatologia, meteorologia, geologia e topografia) associam-se<br />
profundamente à medicina, pois, teoricamente, se bem aplicadas, permitem controlar<br />
epidemias. Apesar de haver um pretenso respeito pelas “leis da natureza”, essa mesma<br />
natureza quando se tornava ameaçadora poderia e deveria ser controlada. A secagem de<br />
pântanos, o desmatamento, o represamento de rios, tudo isso eram formas de “ordenar” o<br />
ambiente que, apesar de ser bom, era desconhecido.<br />
19 LEAVELL, S. & CLARCK, E. G. Medicina Preventiva. São Paulo: McGraw-Hill, 1976.<br />
20 CZERESNIA, Dina; RIBEIRO, Adriana Maria. O conceito de espaço em epidemiologia: uma<br />
interpretação histórica e epistemológica. In: Cadernos de Saúde Pública. v.16 n.3. Rio de<br />
Janeiro jul./set. 2000. p. 3.<br />
21 EDLER, Flávio C. De olho no Brasil: A geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu. In:<br />
História, Ciência, Saúde – Manguinhos, V. VIII (suplemento), 925-43, 2001.
185<br />
De acordo com Maria Stella Bresciani, “a intervenção técnica na cidade<br />
participa de um movimento de conhecimento que partiu da circulação da doença e da<br />
observação dos corpos doentes para a modificação do meio físico em que a doença<br />
aparece”. 22 Essas propostas e intervenções surgem no início do século XIX e voltam-se,<br />
quase exclusivamente, à questão das doenças e à promoção de maneiras para evitá-las,<br />
especialmente as epidemiológicas. Os novos saberes decorrentes desses estudos<br />
materializaram-se em aparelhos e técnicas para verificação da pureza das águas e do ar,<br />
entre outras, além de propostas intervencionistas como a do médico francês Parent<br />
Duchatelet que, por volta de 1840, propunha regulamentar práticas nocivas como:<br />
[...] assegurar a captação de águas usadas de maneira a evitar o acúmulo<br />
de águas estagnadas e os córregos poluídos pelos detritos industriais e<br />
humanos, destruir o costume de amontoar homens e animais num mesmo<br />
cômodo, bem como o hábito promíscuo de pais e filhas, irmãos e irmãs<br />
dormindo num mesmo quarto ou cama, e, enfim, evitar tudo o que<br />
pudesse exalar miasmas contaminadores da saúde e degradar pela má<br />
moral o comportamento das pessoas. 23<br />
Tais estratégias de controle da natureza eram vistas também como avanços na área<br />
médica, uma vez que as teorias médicas e os próprios médicos que estavam falando do<br />
Brasil nessa época eram europeus ou formados pelas escolas européias. Isso está de acordo<br />
com o momento que é de um “amplo intercâmbio comercial, aliado à política colonialista<br />
européia, [que] fez emergir o problema, ao mesmo tempo prático e teórico, de se<br />
compreender porque certas doenças estariam circunscritas a determinadas regiões do globo,<br />
enquanto outras tinham ali um impacto diferenciado e um padrão de endemicidade<br />
22 BRESCIANI, Maria Stella. Permanência e Ruptura no estudo das cidades. In: FERNAN<strong>DE</strong>S,<br />
Ana; GOMES Marco Aurélio A. F. (orgs). Cidade e História – Modernização das Cidades<br />
Brasileiras nos séculos XIX e XX., p. 14.<br />
23 Ibid., p. 16.
186<br />
distinto”. 24 Essas observações eram comprovadas ou refutadas em análises diretas dos<br />
locais em estudo, ou seja, viagens científicas de pesquisa ou ainda por meio de autoridades<br />
médicas locais. 25<br />
Também é nesse momento que a palavra higiene ocupa espaço nos<br />
manuais de saúde. Higiene torna-se um ramo específico do saber médico e qualifica não<br />
mais “saúde (hygeinos significa em grego o que é são), mas o conjunto dos dispositivos e<br />
dos saberes que favorecem a sua conservação”. 26 A mudança de status da medicina no que<br />
tange a higiene, pode ser percebida pelo aparecimento de novas instituições “como as<br />
comissões de salubridade, criadas no tempo do Império e encarregadas de inspecionar<br />
localmente manufaturas, oficinas, estabelecimentos produtores de miasmas diversos”. 27<br />
4.2 Do Global ao Local: questões de salubridade no Brasil<br />
Textos relacionados a esse tema surgiram no Brasil desde fins do século XVIII e,<br />
especialmente, ao longo do século XIX, da pena de viajantes e naturalistas. Além de<br />
escrever sobre os tipos humanos da terra, da flora e da fauna, esses textos e desenhos<br />
continham descrições e comentários sobre doenças e relacionavam possíveis formas de cura<br />
ou motivos de agravamento das mesmas. Tal conexão entre viagens e idéias médicas do<br />
período é uma importante fonte para analisarmos a construção das cidades, das habitações<br />
e, mais diretamente, as questões de saúde, saneamento básico e meio ambiente.<br />
Se considerarmos que as cidades brasileiras tiveram muitos elementos de sua<br />
construção inspirados em cidades européias, ou ao menos idealizados dessa forma (praças,<br />
24 EDLER, Flávio C. De olho no Brasil: A geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu.<br />
Op.cit., p. 7.<br />
25 EDLER, Flávio C. De olho no Brasil... Op. cit., p. 9.<br />
26 VIGARELLO. O limpo e o Sujo... Op. cit., p. 134.<br />
27 Ibid., p. 134.
187<br />
prédios públicos, igrejas, entre outros) entende-se a preocupação médica existente, fato<br />
comum na Europa nesse período. Um dos principais focos da atenção de políticos e<br />
urbanistas no Brasil do século XIX estava voltado a uma “adaptação” do meio ambiente em<br />
caso de necessidade, para uma melhor adaptação social dos habitantes, muitos vindos da<br />
própria Europa.<br />
No Brasil, o surgimento da ideologia da higiene ocorre, de acordo com Sidney<br />
Chalhoub, paralelamente à idéia de controle das “classes perigosas”, que, grosso modo,<br />
eram compostas por pessoas que “claramente optaram” por “ganhar a vida” através de<br />
meios escusos ou que, mesmo trabalhando não conseguiam acumular capital, vivendo na<br />
pobreza, o que pressupunha um mal trabalhador. 28 Uma vez definido isso, é feita por parte<br />
dos políticos e higienistas do período, 29 uma associação imediata de “classes perigosas”<br />
com “doenças contagiosas”. Essa associação de idéias só fez agravar os possíveis<br />
problemas provocados por tais indivíduos. O que até então era problema para organização<br />
do trabalho e manutenção da ordem pública passa a ser também problema de saúde<br />
pública. 30 Os intelectuais-médicos da época voltaram-se com vigor ao problema produzindo<br />
muitos textos e indicando muitas soluções para a questão. Um ponto comum à maioria,<br />
senão a todos, foi o “diagnóstico de que os hábitos de moradia dos pobres eram nocivos à<br />
sociedade, e isto porque as habitações coletivas seriam focos de irradiação de epidemias,<br />
além de, naturalmente, terrenos férteis para a propagação de vícios de todos os tipos”. 31<br />
28 CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia<br />
das Letras, 1996., p. 22.<br />
29 Ibid., p. 22. Especialmente o período pós-abolição que provocou uma onda de preocupação por<br />
parte das autoridades no que se refere às moradias e ao trabalho dessa nova classe de livres pobres e<br />
moradores da cidade, mas que já acontecia há algumas décadas.<br />
30 Ibid., p. 29.<br />
31 Ibid., p. 29.
188<br />
No caso do Rio de Janeiro, os cortiços são vistos como uma ameaça às<br />
condições higiênicas da cidade e para controlá-los e a seus moradores, são tomadas<br />
medidas que envolvem a vigilância policial, o controle de entrada e saída dos<br />
freqüentadores e regras com relação ao despejo do lixo e das matérias fecais 32 . Esses<br />
expedientes não só não tiveram o efeito esperado, muito em função da impossibilidade de<br />
controlar sua aplicação, como geraram um sério problema que passou da forma das<br />
moradias para o espaço, o local das habitações populares. Na Bahia, um grupo de médicos<br />
que se organizou e criou um periódico, em 1866, a Gazeta Médica da Bahia (1866-1915), à<br />
margem da Faculdade de Medicina existente na antiga capital do Brasil colônia, discutiu e<br />
desenvolveu idéias em torno da incidência e propagação das patologias vistas por eles<br />
como nativas, típicas de uma região tropical. Jaime Larry Benchimol, em artigo intitulado<br />
A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no Brasil, aborda o tema,<br />
ressaltando as diferenças nas pesquisas desse grupo de médicos aos do Rio de Janeiro,<br />
especialmente:<br />
Enquanto estes encaravam o progresso como imitação da ciência e das<br />
instituições européias, os tropicalistas baianos investigavam a<br />
singularidade das doenças nos trópicos, a influência do clima sobre as<br />
raças e sobre a geração ou multiplicação de miasmas e germes. Queriam<br />
saber se os europeus podiam se aclimatar nesse ambiente adverso e se era<br />
possível neutralizá-lo com políticas sociais progressistas e condutas<br />
médicas e higiênicas racionais. A busca de patologias e, por<br />
conseqüência, de uma medicina nacional implicava a refutação da crença<br />
de que os trópicos eram irremediavelmente malsãos, degenerativos,<br />
impermeáveis à civilização européia. 33<br />
Essa suposta diferença e irredutibilidade de modelos teóricos, questionada por<br />
Edler 34 ao afirmar que os médicos do Rio de Janeiro também estavam imbuídos da mesma<br />
32 CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril... Op. cit., p. 30-31.<br />
33 BENCHIMOL, Jaime Larry. A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no<br />
Brasil. In: Ciência e saúde coletiva. vol.5 no.2 Rio de Janeiro 2000.<br />
34 EDLER, F.C. A constituição da medicina tropical no Brasil oitocentista: da climatologia à<br />
parasitologia médica. Tese de doutorado. Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do<br />
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (mimeo), 1999.
189<br />
preocupação em criar um conhecimento original sobre as doenças tropicais, aumenta os<br />
questionamentos que fazemos sobre as influencias do meio para a propagação das doenças<br />
e confirma a grande atenção prestada pelo pensamento médico ao meio ambiente. Partindo<br />
dessa consideração da grande influência do entorno ambiental e do meio social no<br />
desenvolvimento das enfermidades, procurou-se explorar o tema em sua aplicabilidade ao<br />
caso da Ilha de Santa Catarina, especialmente relacionando-o aos problemas do espaço<br />
urbano da cidade de Nossa Senhora do Desterro como a limpeza e a salubridade.<br />
Se no Rio de Janeiro, capital do Império e depois da República, os problemas<br />
relacionados à ocupação/trabalho das classes pobres e perigosas desenvolveu-se pari passu<br />
às preocupações médicas e saneadoras, em Desterro não foi diferente. Considerando o<br />
desenho da cidade e sua dinâmica de crescimento, os pontos críticos no que se refere à<br />
habitação dos pobres e focos de doenças eram muito próximos ao centro da cidade e,<br />
conseqüentemente, da habitação dos mais ricos. A identificação desse problema já vinha do<br />
início do século XIX e foi motivadora das primeiras leis municipais sobre o tema<br />
salubridade, mesmo que a idéia de salubridade não fosse a mais apropriada de acordo com<br />
os preceitos atuais de higiene. Prova disso é que, em 1830 a Câmara Municipal aprovou a<br />
lei que determinava que o lixo urbano fosse depositado na praia, nos rios e no mar junto<br />
com os esgotos, para evitar que os detritos se acumulassem nas ruas. Leis semelhantes<br />
destinadas a resolver o mesmo problema também foram promulgadas no Recife e no Rio de<br />
Janeiro, onde o destino das águas servidas era assunto espinhoso e de difícil solução. A<br />
questão, que afetava a todos, era tratada de maneira semelhante em todas as casas de<br />
Desterro, do Rio de Janeiro ou de Recife. As fezes e dejetos eram acumulados em barris em<br />
algum canto das casas e, quando estavam cheios, eram recolhidos por escravos que os<br />
transportavam e os despejavam no mar ou em rios e pântanos no entorno da cidade. Era na
190<br />
cabeça que os escravos conduziam essa mal cheirosa carga e, segundo Manuela Arruda<br />
dos Santos,<br />
esses barris eram chamados de “tigres” e os seus condutores, de<br />
“tigreiros”. Talvez o nome fosse uma alusão à coragem dos carregadores<br />
ou, quem sabe, à imagem desagradável das barricas que, ao transbordar,<br />
espalhavam fezes nos corpos dos escravos e dos negros de ganho, numa<br />
combinação que lembrava a pelagem dos tigres. Existem versões que<br />
afirmam que o apelido foi dado porque, ao avistar os negros levando<br />
barris de dejetos, os transeuntes, com medo de ficarem sujos, afastavamse<br />
rapidamente, como se fugissem de um animal selvagem. 35<br />
Essas figuras tentaram ser controladas por uma legislação sem muito efeito por<br />
longos anos. Horários e locais de despejo eram recomendados, lançamentos desses<br />
materiais pelas janelas dos sobrados eram proibidos porém, apenas em 1877 houve o<br />
primeiro pedido de concessão para um serviço de remoção de lixo, águas servidas e<br />
matérias fecais em Desterro. A atividade seria desempenhada por particulares e paga pela<br />
Câmara Municipal que não tinha funcionários para tal função. O serviço, que seria<br />
desempenhado quase que totalmente por escravos, ficava a cargo de um particular que se<br />
responsabilizaria por recolher em carroças os ditos dejetos, conduzindo-os a locais mais<br />
distantes do centro da cidade, poupando, se não as narinas, ao menos os olhos dos<br />
transeuntes desse desagradável transporte. Nesse período algumas novas casas já tinham em<br />
seu espaço construído uma latrina, sendo que essa poderia ser edificada em qualquer ponto<br />
do terreno, desde que não promovesse prejuízo aos vizinhos com mau cheiro ou despejos. 36<br />
Esses problemas quanto ao fim dado aos dejetos urbanos estendeu-se por todo o<br />
século XIX, em várias cidades do Brasil. Mesmo o rudimentar transporte em carroças não<br />
resolveu o problema que antes circulava pelas ruas nos horríveis “tigres” e em Desterro<br />
35 SANTOS, Manuela Arruda dos. Cuidado com o tigre! In: Revista de História da Biblioteca<br />
Nacional. Edição 31, abril de 2008. Consultado em http://www.revistadehistoria.com.br<br />
36 MOURA, Antonio Ribeiro. Manual do Edificante do proprietário e do inquilino ou novo<br />
tratado dos direitos e obrigações. Rio de Janeiro, 1858. Acervo: Biblioteca Particular de Cândido<br />
Mendes de Almeida.
191<br />
mesmo essa tentativa de melhoria demorou a se efetivar e somente em 1884 o primeiro<br />
serviço de coleta de lixo e matérias fecais, através de direito concedido a coletores<br />
particulares que faziam uso de carroças puxadas por burros, aconteceu. O destino desses<br />
materiais continuava sendo o mar. Somente muito mais tarde, já em princípios do século<br />
XX, em 1910, sob governo republicano, é dada concessão para implantação de uma rede de<br />
esgotos na Capital de Santa Catarina. As obras são iniciadas em 1913 e inauguradas no dia<br />
07 de setembro de 1916. Basicamente constava de um sistema composto por três bacias (do<br />
Centro, da Praça São Sebastião e da Praça São Luiz) e estação de tratamento próxima ao<br />
Forte Santana. Para a demanda de energia foi construída a Usina de Maruim com chegada<br />
de força elétrica por cabos submarinos. 37<br />
Ou seja, o saneamento básico, ou a falta dele, em Desterro assemelhou-se a tantas<br />
outras cidades brasileiras, inclusive maiores e, teoricamente, mais estruturadas para<br />
resolver o problema. Parece ter sido difícil no século XIX cobrar tributos das pessoas com a<br />
justificativa de construir obras de saneamento que, além de estarem invisíveis aos olhares<br />
cotidianos, precisavam transpor a sólida barreira do costume. No entanto, o crescimento<br />
populacional mais intenso é fato, na segunda metade do XIX, em todo o Brasil. Talvez em<br />
cidades menores como Desterro isso se torna mais palpável no último quartel desse século<br />
mas é um fenômeno que não pôde ser ignorado por políticos e higienistas da época. Esse<br />
aumento refletiu-se em uma saturação dos métodos tradicionais de despejo e os “modernos”<br />
sistemas de esgoto, com canos e descargas, tornaram-se questão de saúde pública e bem<br />
estar social.<br />
37 RAMOS, Àtila. O Abastecimento de água de Florianópolis. Consultado em 18/10/2005.<br />
http://www.casan.com.br/comp_hist_saneamento.htm.
4.3 O Desenho Urbano<br />
192<br />
A Ilha de Santa Catarina possui uma forma alongada que acompanha o litoral.<br />
Com comprimento médio de 54 km e largura de 18 km. Seu litoral é bastante recortado e<br />
seu relevo montanhoso e descontínuo. A imagem abaixo é uma foto de satélite atual e<br />
apresenta a localização da Ilha em relação ao continente fronteiro e o núcleo urbano de<br />
Desterro.<br />
(Ilustração 05) Foto de satélite da Ilha de Santa Catarina. Consultado em 06/01/2009<br />
http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br/sc/htm
193<br />
O ponto circulado em amarelo na imagem acima corresponde a cidade de<br />
Nossa Senhora do Desterro na segunda metade do século XIX e aparece em detalhe na<br />
imagem abaixo. Os contornos diferenciam-se em função dos aterros que ampliaram a faixa<br />
de terra da Ilha.<br />
(Ilustração 06) Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada por Ordem e na<br />
Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle<br />
Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom<br />
Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército). Observação: A<br />
planta compreende somente a parte edificada e sujeita à décima urbana.<br />
No que se refere ao desenho urbano, a cidade de Desterro, capital da Província de<br />
Santa Catarina, com sua posição insular, segue o desenho das cidades e vilas portuguesas<br />
que foram instaladas no Brasil desde o século XVI. Uma praça central de onde saiam as<br />
ruas que formavam quadras regulares eram alteradas apenas por acidentes geográficos que<br />
não pudessem ser adaptados.
194<br />
Característico também eram os fortes que cercavam essas cidades e vilas e<br />
serviam como limites e defesas contra invasões de estrangeiros ou, no princípio da<br />
colonização, de ataques indígenas. Isso pode ser constatado ao analisarmos um documento<br />
de 1776 em que o autor revela, em forma de relatório, o estado das defesas da Ilha e, em<br />
decorrência disso, a impossibilidade de qualquer tentativa de uma invasão estrangeira ser<br />
bem sucedida. Devido à importância estratégica como último ponto de defesa do sul do<br />
Brasil, edificou-se, ao norte da Ilha, quatro fortalezas; na parte mais estreita entre a Ilha e o<br />
continente construiu-se uma fortaleza em cada margem; na parte sul foram fortificadas<br />
baterias com o número de noventa peças e mais duas fortalezas. 38<br />
Embora esse excesso de zelo por parte da Coroa portuguesa não viesse a impedir<br />
que, poucos meses depois desse ofício ser expedido, se desse a conhecida invasão de<br />
fevereiro de 1777, em que a força naval espanhola invadiu com sucesso a Ilha de Santa<br />
Catarina e as autoridades locais e parte das tropas fugiram para o continente. A questão foi<br />
resolvida ainda no mesmo ano, quando, em outubro, foi assinado o Tratado de Santo<br />
Ildefonso e a Ilha volta ao domínio português. 39 Sua mera existência é suficiente para<br />
percebermos a estrutura programada de construção de uma cidade em local estratégico<br />
como foi o caso de Desterro. A “construção” da cidade dentro da área doada à comarca<br />
municipal pela Coroa contou com o dispositivo de doação das sesmarias de chão, que se<br />
constituíam de um lote no núcleo urbano para se construir casa e quintal. Essas doações de<br />
chão não estavam sujeitas ao pagamento de dízimos, pois os mesmos incidiam sobre<br />
produção e não sobre terra. 40<br />
38 SOARES, Roberto. Ofício relatando a situação das defesas da Ilha de Santa Catarina, escrito<br />
a bordo da Nau Sto Antonio, na costa catarinense em 1776. Acervo: Biblioteca Nacional.<br />
39 História de Santa Catarina – Invasão Espanhola. Consultado em 25/01/2009.<br />
http://www.sc.gov.br/conteudo/santacatarina/historia/paginas/07espanhois.html.<br />
40 ABREU, Maurício. A apropriação da terra... Op.cit., p. 218-219.
195<br />
A Ilha de Santa Catarina entra no século XIX com uma população aproximada<br />
de 10.036 pessoas de acordo com o último relatório sobre o tema feito no século XVIII,<br />
mais especificamente no ano de 1796. Dessas, 3.759 residiam na Vila e Capital de Nossa<br />
Senhora do Desterro; 1.040 no Ribeirão; 1.916 na Freguesia da Lagoa; 2.447 na Freguesia<br />
das Necessidades e os restantes eram soldados do Regimento da Ilha. Desse total 2.017<br />
eram escravos pardos e pretos.<br />
No que tange ao processo de urbanização, Desterro cresce a partir de quadras<br />
demarcadas tendo como centro a praça e a catedral. Essa dinâmica sofreu interrupção<br />
quando o crescimento deparou-se com as chácaras maiores, situadas em localidades como<br />
Trindade e Saco dos Limões, 41 assim como outras regiões de agricultura. 42 Essa área,<br />
representada pela ilustração nº 06, correspondia à Décima Urbana de Nossa Senhora do<br />
Desterro. A Décima era uma taxa equivalente ao percentual de 10% sobre todas as formas<br />
de rendimento dos súditos reais e era imposta, geralmente, quando Portugal estava<br />
ameaçado ou em guerra. No Brasil essa cobrança<br />
só veio a ocorrer após a chegada da Corte, quando o Príncipe Regente D.<br />
João, três meses após instalação da família real no Rio de Janeiro, e<br />
estabeleceu por meio do alvará de 27 de junho de 1808. [...] Restringiu-a,<br />
no entanto, aos imóveis situados no perímetro urbano das ‘cidades, vilas<br />
e lugares notáveis situados à beira-mar’. 43<br />
41 Segundo Cavalcanti e baseado nos levantamentos feitos pelos lançadores da décima urbana no<br />
Rio de Janeiro, o Imóvel rotulado como chácara possuía testada que ultrapassava a de um terreno<br />
urbano e, via de regra, além da ‘casa da vivenda’, possuía outros prédios para senzala, cocheira,<br />
estrebaria, telheiro, depósito e outras construções como curral, ou olaria, ou engenho de farinha, ou<br />
fabrica de anil, etc. In: CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a<br />
construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.,<br />
p. 264.<br />
42 ROSA, Vieira da Rosa. Chorografia de Santa Catarina. Typ. da Livraria Moderna. Paschoal<br />
Simone: Florianópolis, 1905.<br />
43 CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista. Op.cit., p. 259.
196<br />
Saint-Hilaire, ao escrever Viagem a Província de Santa Catharina (1820),<br />
quando retornou à Europa em finais da década de 1840, faz descrições que mais parecem<br />
uma pintura renascentista ao invés do duro dia-a-dia de pequenos agricultores ou moradores<br />
de uma Província distante da capital do Império do Brasil. Talvez o fato de ter passado<br />
pouco tempo em terras catarinenses contribuiu para uma visão romantizada do lugar, visto<br />
como um paraíso pouco explorado com nesse texto:<br />
Num raio de cerca de uma légua ao redor da cidade, os caminhos são<br />
largos, e quase todos planos e cobertos de areia. No campo tudo é<br />
animado; a todo instante encontram-se lavradores, como nos arredores das<br />
cidades européias, e os aspectos variam a cada momento. Ora, avistam-se,<br />
através dos ramos das árvores, as águas do canal e os morros que se elevam<br />
ao longe; ora, a cidade, ou a capella do menino Deos, ou os morros que<br />
orlam as margens da baia; aqui, uma chácara serve de perspectiva; mais<br />
além, apparece um sítio pitoresco contornado de bananeiras e laranjeiras<br />
cobertas de frutas. As plantações são feitas com menos symetria ainda que<br />
em outras regiões do Brasil; não encontram-se duas laranjas ou dois pés de<br />
mandioca plantados na mesma linha. Mas, essa desordem, que, aliás attesta<br />
o desleixo dos lavradores, produz na paisagem effeitos agradáveis,<br />
podendo-se comparar a Ilha de Santa Catharina a um vasto jardim<br />
inglês. 44<br />
Relatos semelhantes também partiram de Krusenstern e Langsdorff ao escreveram<br />
sobre a Ilha no início do XIX, como visto anteriormente, e outros, como Fleiuss, sobre<br />
Minas Gerais, que retratam o extremo oposto dessa paisagem bucólica, em que a mata é<br />
intransponível e seria impossível viver em paisagens tão selvagens. Com uma leitura que<br />
considere essas variáveis e indique a dose de cautela que devemos ter ao interpretar obras<br />
semelhantes, textos como esses são de uma riqueza de informações relevantes para esse<br />
trabalho.<br />
A partir dessas observações, configura-se que foi em meados do século XIX que<br />
se presenciou um novo e significativo surto de “progresso” na Ilha de Santa Catarina, onde<br />
se localizava a cidade de Nossa Senhora do Desterro. Momento de crescimento do<br />
44 SAINT-HILAIRE. Viagem á Província de Santa Catharina. Op.cit., p. 159-161. (grifo meu).
197<br />
continente fronteiro com a instalação de colônias agrícolas de origem européia, 45 é<br />
nesse período que Desterro apresentou um representativo crescimento populacional,<br />
agrícola e urbano e, com esse, um expressivo desenvolvimento comercial. Também é por<br />
volta de meados do século XIX que a administração municipal de Desterro dá forma a<br />
outras preocupações relacionadas à ordem pública, como as ruas que, até 1843, não traziam<br />
indicação de seus nomes. Nesse ano a presidência da Província mandou demarcá-las com<br />
letras pintadas diretamente nas paredes. O mesmo se fez com a numeração das casas, porém<br />
não surtiu o efeito esperado. Em 1866 o governo instituiu o sistema de placas numeradas e<br />
o número de casas computado no centro de Desterro foi de 1.350. Essa medida de<br />
demarcação por placas foi revogada pelo presidente da Província sob o argumento de que<br />
seria menos eficiente que o método anterior. 46 Tais questões de urbanização e desenho<br />
urbano, além das analises do mundo natural e do grau de desenvolvimento local, foram<br />
pontos em que os viajantes estrangeiros deixaram suas observações. Essas memórias de<br />
viagens, interessantes sim, mas muitas vezes extravagantes e deturpadas, servem mais<br />
como “ponte” para conhecermos a “idéia” que os europeus aqui de passagem tinham do<br />
Brasil do que propriamente da “realidade” urbana.<br />
É a partir daí que entendemos que também ocorreram redefinições nos atributos de<br />
lugares públicos, como nos “usos” dados ao mar e às praias da Ilha de Santa Catarina, por<br />
exemplo. O que até então era local de pesca e ponto de despejo do lixo urbano, passa a ter<br />
um caráter de saúde e lazer. O crescimento urbano e o “enclausuramento” da cidade que<br />
voltava suas casas para a rua e restringia o acesso à natureza, transformam as praias e<br />
outros tantos pontos tidos como naturais em refúgios dessa nova vida urbana.<br />
45 Foi em meados do século XIX que se fundam colônias com imigrantes de origem européia em<br />
alguns pontos da Província de Santa Catarina, como Blumenau em 1850.<br />
46 CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli,<br />
1987., p. 140.
198<br />
As praias passam a figurar como locais de passeio e reabilitação, desde que<br />
devidamente saneadas e tratadas. Por esse e outros exemplos percebe-se que o crescimento<br />
do núcleo urbano levou muito em conta a “dominação” do que era entendido como natureza<br />
selvagem. Isso poderia ser feito com a contenção de miasmas, o aplainamento de morros e<br />
a drenagem de charcos, canalização de rios e a limpeza das praias. Tentativa de manter o<br />
que há de “bom” na natureza por perto, mas com uma fronteira definida.<br />
O valor terapêutico do mar tem, segundo Corbin, sua pré-história na Europa do<br />
setecentos. Na “lógica de uma medicina dos contrários, fazia parte da tradição mergulhar<br />
brutalmente nas ondas as vítimas de hidrofobia; nas praias, ouvia-se de vez em quando o<br />
grito de raivosos contidos pelos braços vigorosos de banhistas benévolos”. 47 Essa visão<br />
terapêutica do mar será desenvolvida pelos médicos do século XIX, que, no máximo, irão<br />
restringir os horários de sol a pino ou locais próximos a encontros de água doce com água<br />
salgada, para que essa não perdesse suas propriedades curativas. Tudo isso, afirma Corbin,<br />
se dá porque “a invenção da praia acompanha a descoberta das virtudes da água do mar. A<br />
climatologia neo-hipocrática inspira os médicos tanto quanto a antiga balneoterapia. A<br />
figura da praia salubre constitui desde então um volumoso capítulo da topografia médica<br />
que se forma no Ocidente”. 48 Essa importância do mar também pode ser observada no<br />
século XIX no Nordeste brasileiro. Os rios que antes cortavam os ricos e férteis solos da<br />
região e eram locais de lazer das famílias abastadas da região, por onde canoas circulavam<br />
com mercadorias e pessoas também cedeu lugar aos encantos do mar. Segundo Gilberto<br />
Freire,<br />
Pouca gente acredita que o passado dos rios do nordeste tenha sido tão<br />
bonito e tão ligado á nossa vida sentimental. Mas foi. A água nobre é<br />
hoje a do mar - esse mar nuns lugares tão azul e noutros tão verde que<br />
banha as areias do Nordeste. Yemanjá mesma já não é adorada pelos<br />
47 CORBIN, Alan. O Território do Vazio: a praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Cia da<br />
Letras, 1989., p. 77.<br />
48 Ibid., p. 82.
199<br />
pretos de xangô na água dos rios mas principalmente na água do mar.<br />
E entretanto faz pouco mais de um século que essas praias illustres não<br />
eram sinão immundicie. Faz pouco mais de um século que nellas só se<br />
fazia atirar o lixo e o escremento das casas; se enterar negro pagão; se<br />
deixar bicho morto;se abandonar esteira de bexiguento ou lençol de<br />
doente da peste. 49<br />
Em Desterro, especialmente na primeira metade do século XIX, as praias ainda<br />
eram locais exclusivos de despejos, o que não era visto como um problema por autoridades<br />
e moradores, desde que fossem seguidas algumas regras, uma vez que a praia até então não<br />
havia sido associada à saúde, era sim um ponto limiar entre terra e mar, uma fronteira entre<br />
o habitável e o desconhecido, pendendo mais para este. Prova disso é o Código de Posturas<br />
Municipal que, ainda em 1830 cuida de promulgar leis sobre o modo de dispor das<br />
“immundicies”, indicando que “as águas sujas que pudessem exhalar miasmas pútridos e<br />
infectar o ar não fossem lançados à rua, mas, juntamente com os detritos dos cortumes, para<br />
não infectar a atmosfera, jogados no mar”. 50<br />
Muito lentamente essas práticas vão se<br />
alterando. Em fala de 1849, o então presidente da Província Severo Amorim do Valle<br />
justifica a necessidade imediata de transferir a<br />
sujíssima cadeia que ficava nos térreos da Câmara, da praça que<br />
ostentava as mais importantes edificações da cidade, sendo rodeada das<br />
mais belas propriedades [e que] dela saem diariamente despejos que são<br />
lançados na mesma praia que faz frente esse edifício [o novo Mercado] e<br />
onde aporta o peixe, a carne e todos os generos comestíveis. 51<br />
Aliado a isso, o código de posturas de 1845 já indicava algumas proibições e<br />
multas relacionadas à higiene. Como o artigo 15, capítulo 2º que estipula multa de 4$ réis<br />
49 FREYRE. Gilberto. Nordeste: aspectos da influencia da canna sobre a vida e a paizagem do<br />
Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1937., p.67.<br />
50 CABRAL, O.R. Memória histórica, authentica, sincera, pictoresca e sentimental da Villa,<br />
depois cidade de Nossa Senhora do Desterro da ilha de Sancta Catharina, dos casos raros<br />
alcunhada: memória. Florianópolis: UFSC, 1971. v. 1., p. 169.<br />
51 VALLE, Severo Amorin. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa de<br />
Santa Catarina, 1º de março de 1849. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
200<br />
para os que prejudicarem, de qualquer forma, as fontes públicas. Em caso de<br />
reincidência a multa seria dobrada. Outro artigo com termos semelhantes era o número 20,<br />
capítulo 2º, que proibia qualquer curtume nos limites da cidade. 52<br />
Mais tarde, em 1864, João Ribeiro de Almeida em seu Ensaio sobre a<br />
salubridade, estatística e pathologia da ilha de Santa Catarina..., já associava, diretamente,<br />
questões de saúde ou doença com saneamento e higiene. Um dos pontos mais debatidos<br />
pelo autor é a associação da água poluída de riachos e fontes com as doenças da<br />
população. 53 Nos anos seguintes novas regras surgiram para “controlar” a insalubridade de<br />
Desterro e algumas delas vem no Código de Posturas municipal de 1888. Em seu 54,<br />
capítulo 2º, “permitia lançar a praia [o lixo] a qualquer hora; as águas servidas e as fezes, só<br />
a noite, das 10 horas até o alvorecer, as 5”. 54 Essas medidas tinham função muito mais de<br />
poupar os olhos que, propriamente, amenizar ou resolver o problema da poluição. Quando<br />
se restringia os horários noturnos do despejo de matérias fecais preservam-se as pessoas<br />
(não os escravos, pois eles eram os responsáveis pelos despejos) de ver o fato ocorrendo e<br />
não as praias e o mar desses dejetos. Outro ponto importante diz respeito ao cheiro, pois se<br />
acreditava muito mais em contaminação por odores que por contato, os tão propagados<br />
miasmas.<br />
A segunda metade do século XIX é um período em que novas teorias sobre<br />
contaminação e doenças começam a tomar corpo. Os miasmas ainda são temidos, mas<br />
surgem também as preocupações com a contaminação pelo contato físico. Desterro foi<br />
profícua em críticas sobre o saneamento básico e os problemas de um processo de<br />
52 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.<br />
Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Artigos 15 e 20, capítulo 2º., p. 212-213.<br />
53 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina e em particular da cidade de Desterro. Desterro: Typ. de JJ. Lopes, 1864., p.<br />
41<br />
54 Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.<br />
Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Artigos 54, capítulo 2º., p. 14.
201<br />
urbanização sem controle ou sem preocupação com a natureza. O jornal O Argos em<br />
matéria de 09 de janeiro de 1862 faz uma crítica veemente às autoridades desterrenses<br />
sobre o estado da praia do Mercado; lamentando-se por saber que está a “clamar no<br />
deserto”, o jornal questiona a Polícia Municipal na pessoa do Fiscal da capital sobre o<br />
porquê de não tomar providências no caso da citada praia, “onde o público transita desde o<br />
romper do dia até quase o escurecer (em abundância as matérias fecais) de mistura com<br />
arêa; as exalações fétidas que ali se respiram são excessivamente incomodas”. 55 Até que<br />
ponto as críticas do jornal eram dirigidas ao problema da poluição ou, ao invés disso, à<br />
pessoa do Fiscal da capital não podemos saber, mas o fato de uma questão sócio-ambiental,<br />
ligada ao saneamento básico, ser tema de reportagens é significativo para percebermos as<br />
mudanças de mentalidade que vinham ocorrendo, ao menos em alguns segmentos da<br />
sociedade.<br />
Essa “nova” qualidade atribuída às praias traz à tona uma característica da cidade<br />
de Desterro e de muitas outras cidades litorâneas do Brasil nesse período. Os problemas<br />
ligados à falta de são motivo de preocupação para muitos habitantes locais e visitantes<br />
ocasionais especialmente a partir da segunda metade do século XIX. Essa preocupação<br />
tomou a forma de um ensaio escrito por João Ribeiro e Almeida, Primeiro Cirurgião da<br />
Armada, baseado em relatório sobre o estado sanitário da província, de 30 de setembro de<br />
1863 e publicado em 1864. Sob o título de Ensaio sobre a salubridade, estatística e<br />
pathologia da Ilha de Santa Catharina e em particular da cidade de Desterro, o autor<br />
demonstra uma bem fundada preocupação acerca das conseqüências das práticas antihigiênicas<br />
tão comuns à população da cidade de Nossa Senhora do Desterro.<br />
Atribuindo às “condições naturais” de uma ilha muitos dos problemas de<br />
insalubridade, o autor reconhece certo grau de verdade nas palavras um tanto quanto<br />
55 CABRAL. O. R. Memória histórica..., Op.cit. p. 174.
202<br />
exageradas do então presidente da Província de Santa Catarina, Dr. João José Coutinho,<br />
quando, em sua fala de 1854, dizia que “a cidade de Desterro é inteiramente imprópria para<br />
habitação humana”. 56<br />
Diferente da maioria dos autores desse período, João Ribeiro de Almeida contraria<br />
a idéia de que os miasmas são os responsáveis maiores pelas doenças. Usando como base<br />
os obituários de 01 de julho de 1862 até 30 de junho de 1863 e uma lista de doenças que<br />
causaram mortes nesse ano, elaborou uma ligação entre a sujeira espalhada pela cidade,<br />
resultado do hábito comum de ver a rua como ponto de descarte do que não tem mais uso –<br />
de móveis velhos à restos de comida e águas sujas - com as doenças.<br />
Segundo o autor, o contágio se dava pelo contato desses dejetos com a água usada<br />
para beber, cozinhar, lavar roupas e limpar as casas, do próprio contato das pessoas com a<br />
sujeira, aliada a maus hábitos de higiene pessoal, muito mais que pelo mau cheiro da<br />
cidade, que já nem era percebido pela população, tão acostumada esta estava. Somando-se a<br />
isso, questionava se a quantidade e a qualidade dos alimentos consumidos em Desterro era<br />
suficiente e apropriada, além de um levantamento do consumo de pão e carne – únicos<br />
possíveis de serem controlados devido aos registros de entrada e saída do Mercado Público<br />
e do abatedouro municipal - e uma crítica à impossibilidade de saber da circulação de<br />
outros bens de consumo locais em virtude da fiscalização efêmera sobre as carroças e<br />
canoas que rodavam entre a cidade e o campo e entre os portos próximos.<br />
Porém, o texto não descarta algumas pré-condições geográficas e climáticas como<br />
sendo um “estímulo” à proliferação de alguns males. O fato de se tratar de uma ilha traz<br />
56 COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa de<br />
Santa Catarina, 1º de março de 1854. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
203<br />
consigo o que o autor chama de “qualidade da athmosfera marítima”. 57 De acordo com<br />
Ribeiro de Almeida,<br />
é devido em grande parte, a isso, que a humidade é tão considerável na<br />
Ilha e particularmente na cidade de Desterro, a ponto de impregnar tudo,<br />
objetos inanimados ou seres vivos, em lugar recluso ou ao ar livre.<br />
Semelhante estado hygrometrico não pode deixar de contribuir<br />
poderosamente para a produção de moléstias. 58<br />
Além da “atmosfera”, os solos da Ilha, por sua propriedade “argilosa e por uma<br />
camada pouco considerável de terra vegetal; o sub-solo é sempre granítico (...) devendo-se<br />
assim prestar-se bem mal a infiltração das águas, as quaes por isso mesmo estagnarão”. 59<br />
Essa constatação por parte do autor serve como justificativa para o grande número<br />
de “affecções palustres” registradas nos moradores da Lagoa da Conceição. Outra<br />
conseqüência dos malefícios causados pela água estagnada está no artigo 16, capítulo 2º, do<br />
Código de Postura da Câmara Municipal de Desterro de 1845, que “determina aos<br />
proprietários o prompto dessecamento dos pântanos, que existião em seus terrenos...”, 60 do<br />
contrário poderiam ocorrer também acidentes com animais como os já registrados entre a<br />
rua do Passeio e a do Matto Grosso onde existia um imenso pântano.<br />
Essa instrução aos proprietários também foi adotada, gradativamente, pelas<br />
autoridades locais no que se refere aos pântanos e charcos da cidade. A facilidade da<br />
extração de madeiras desses locais pela proximidade do centro urbano e o transporte para<br />
os cortumes e engenhos da área, contribuíram par a expansão da cidade – caso da região da<br />
Praia de Fora e da Praia do Menino Deus, respectivamente ao norte e ao sul da cidade,<br />
originalmente locais pantanosos. No caso dos aterros, tão comuns em áreas urbanas<br />
57 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 34.<br />
58 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 34.<br />
59 Ibid., p. 38.<br />
60 Ibid., p. 39.
204<br />
litorâneas como o Rio de Janeiro, Desterro tem seu primeiro plano de aterro registrado<br />
em mapas do Exército em 1846 e referia-se a área que ia da praça central rumo ao sul, até a<br />
altura da praia do menino Deus, já demonstrando, apesar de o projeto não ter se<br />
concretizado até a última década do século, as “necessidades” de expansão urbana.<br />
4.4 O Mapeamento da Insalubridade em Desterro<br />
Paralelamente ao desenvolvimento de uma “consciência higienista” sobre o meio,<br />
práticas de higiene relacionadas ao corpo também se aprimoraram e se modificaram.<br />
Anteriormente, durante os séculos XVI e XVII, a limpeza corporal de imersão estava<br />
associada ao perigo. Isso se deu em função da crença de que a pele era permeável e a água<br />
seria um facilitador da penetração dos ares infecciosos e com eles de doenças,<br />
especialmente a peste que assolava a Europa nesse período.<br />
É que, além do temor dos contatos, há muitos outros medos em jogo –<br />
entre outros, os medos de uma fraqueza dos invólucros corporais. Tratase<br />
de denunciar a porosidade da pele – como se inúmeras aberturas se<br />
tornassem possíveis, as superfícies sendo frágeis e as fronteiras<br />
duvidosas. Além da simples recusa das contigüidades, impõe-se uma<br />
imagem muito específica do corpo: o calor e a água apenas engendrariam<br />
fissuras, e a peste, enfim, bastaria introduzir-se por elas. 61<br />
Apenas no final do século XVII, o banho começa a ser indicado como tratamento<br />
medicinal em alguns casos. Segundo Vigarello, foi durante o século XVIII que,<br />
vagarosamente, a água foi reintroduzida na limpeza corporal, que até então era baseada na<br />
esfregação e no uso de pós. A imersão também passou a ser aplicada, porém, o novo<br />
costume se restringia à elite. Era uma novidade. A nova prática tinha funções variadas,<br />
61 VIGARELLO. O limpo e o Sujo... Op. cit., p. 110.
205<br />
enquanto o banho quente teria efeito relaxante, a água fria reforçaria os músculos e os<br />
vigores físicos. 62<br />
Enquanto o banho frio começa a ser visto como terapêutico, as águas doces e<br />
salgadas eram encaradas de formas diferentes. Textos como de Gilberto Freyre já<br />
indicavam tal variação: “o banho salgado é costume recente da fidalguia e da burguesia<br />
brasileira que, nos tempos coloniais e nos primeiros tempos da independência, deu<br />
preferência ao banho de rio. ‘Praia’ queria dizer então imundície. O rio é que era nobre”. 63<br />
Porém, mesmo a água doce apresentava problemas. Em Desterro, a água usada<br />
pela população provinha de três fontes: Fonte do Campo do Manejo, Fonte da Carioca e<br />
Fonte da Palhoça. A água utilizada para beber, cozinhar, limpeza de casas e corpos vinha<br />
dessas fontes. Muitas das doenças contraídas pelos moradores da Ilha também provinham<br />
delas. A poluição das águas era uma realidade, apesar de algumas tentativas legais de<br />
prevenção como o artigo 86 do Código de Posturas Municipal de 1845, em que eram<br />
proibidos banhos nas praias e nas fontes, sob pena de multa aos livres e encarceramento aos<br />
escravos que assim o fizessem. As fontes localizavam-se da seguinte forma: fonte da<br />
Carioca nos fundos da cidade, à 6 (seis) braças da Rua da Carioca; fonte do Campo do<br />
Manejo, localizada à oeste dos pés do Morro do Antão e a fonte da Palhoça que localizavase<br />
detrás do bairro da Figueira.<br />
As três fontes eram formadas por olhos d’água que davam origem a rios e córregos<br />
da Vila, como o Riacho da Pedreira e o Rio da Fonte Grande. Eram os primeiros pontos de<br />
coleta de água que, seguindo seu curso, era usada para lavagem de roupas, construção de<br />
chafarizes, limpeza das casas, o trato dos animais e demais necessidades da população.<br />
62 ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa<br />
Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis.<br />
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina.<br />
63 FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. 12ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 224.
206<br />
(Ilustração 07) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do<br />
Desterro Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do<br />
Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor.<br />
Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876<br />
(08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército); VEIGA, Eliane Veras da.<br />
Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de Florianópolis:<br />
1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História – UFSC; ALMEIDA, Luciana<br />
Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do<br />
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis.<br />
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina.<br />
Obs: A linha pontilhada que acompanha o litoral corresponde ao atual contorno da Ilha<br />
devido aos aterros.<br />
Localização aproximada da Fonte do Campo do Manejo.<br />
Localização aproximada da Fonte da Palhoça.<br />
Localização aproximada da Fonte da Carioca.<br />
Linha aproximada do primeiro projeto de aterro de Desterro em 1846.<br />
Informação retirada da “Planta do Litoral da cidade de Desterro desde Rita Maria até a<br />
Fonte do Menino Deos”.(Acervo: AHEx)
207<br />
Em artigo do jornal O Conciliador Catarinense de 17 de novembro de 1849, é<br />
transcrito o relatório apresentado ao Presidente da Província pelo Capitão de engenheiros<br />
João de Souza Mello e Alvin sobre as fontes públicas de Desterro. Mello e Alvin,<br />
encarregado de executar um processo de nivelamento e ordenação dos cursos e olhos<br />
d’água que abasteciam as fontes, fez uma descrição do estado em que encontrou tais fontes<br />
e realizou testes de pureza de água. Os testes eram três: prova de dissolução de sabão,<br />
cozimento de legumes em tempo considerado hábil e chapa de cobre em que se analisavam<br />
as manchas produzidas por pingos de água das fontes.<br />
A situação de cada fonte descrita por Mello Alvin era a seguinte:<br />
(...) Fonte do Campo do Manejo: esta fonte, que foi construída pelo<br />
engenheiro civil Carpineti no anno de 1844, he provida por três veios<br />
d’água que correm doze palmos pouco mais ou menos abaixo, do nível<br />
do [mutilado] tendo origem no sobredito morro do signal. A agoa he<br />
tirada por meio de uma bomba de roda, que exige não pequeno esforço;<br />
na atualidade, porém, creio que por falta de torneiras, ou por outro<br />
qualquer desconcerto, ninguém se serve dela. (...) Fonte da Carioca: Foi<br />
edificada essa pelo referido Carpineti no anno de 1842,em uma baixada<br />
nos fundos da cidade, e he alimentada por uma grande porção de olhos<br />
d’agoa que estão pouco abaixo da superfície do terreno. A fonte está<br />
situada a 6 braças ao norte da Rua da Carioca, que he a ultima que corre<br />
na direção paralela a da praia que lhe fica ao sul. A sua arquitetura he<br />
muito semelhante a do campo do manejo, e assim também as dimensões,<br />
e como naquela, há um pantano que a cerca e um riacho que a atravessa<br />
(...) Ainda como na outra quem faz subir a agoa he uma bomba de roda,<br />
cuja manivela esta da parte de fora entre duas torneiras, que, tendo<br />
desaparecido, a actual Câmara mandou substituir por duas calhas de<br />
madeira que igualmente já não existem. (...) a operação da chapa de<br />
cobre foi favorável a pureza da agoa porquanto as gotas nella derramadas<br />
deixaram leves indícios da sua existência. (...) Fonte da Palhoça: Por<br />
detrás do bairro da Figueira, no lugar chamado – Palhoça – foi construída<br />
essa fonte no anno de 1831, pelo cidadão Floriano José Vilella. Está<br />
situada 40 braças ao Norte da rua do Senado, e consta de duas peças.<br />
Depósito d’agoa e caixa de distribuição. [obras mal feitas segundo Mello<br />
Alvim](...) Pela experiência que procedi tanto na agoa da caixa como na<br />
do deposito, que he de nascente, conclui como sendo a agoa desta e<br />
daquella, péssima (...). 64<br />
64 MELLO ALVIN, João de Souza. Relatório apresentado ao Sr. Presidente de Província pelo Sr.<br />
Capitão de engenheiros João de Souza Mello Alvin sobre as fontes públicas desta Capital. Jornal O<br />
Conciliador Catarinense. 17 de novembro de 1849, pág. 02,03 e 04 – col:01. Acervo Biblioteca<br />
Nacional.
208<br />
A conclusão do dito engenheiro foi de que “as agoas das três fontes publicas de<br />
que se servem os habitantes desta capital, não são rigorosamente potáveis; e faltando-lhe<br />
essa qualidade essencial, fácil hé reconhecer, o quanto devem ser prejudiciais a saúde”. 65<br />
A questão da água é longamente discutida também por Ribeiro de Almeida. E um<br />
dos tópicos que mais merecem destaque é o referente aos rios do centro da cidade. São três<br />
os rios que correm no perímetro urbano de Desterro, dois deságuam na Praia de Fora, na<br />
Baía Norte e um deságua na praia do ‘Menino Deos’, na Baía Sul. Este, chamado Fonte<br />
Grande, em todo o seu curso serve de lavadouro publico. Tal fato é o causador de boa parte<br />
da poluição do riacho e dos miasmas e doenças relacionadas à água contaminada na cidade<br />
de Desterro. Para usar as águas do riacho em suas lavagens de roupas,<br />
se torna preciso represar suas águas minguadas (...) fazendo-se um sem<br />
número de pequenos charcos, em cuja superfície existe uma crosta (com<br />
reflexos metálicos as vezes) proveniente da enorme quantidade de<br />
materiais de toda a espécie, resultante da lavagem e dos despejos que se<br />
fazem nas margens ou no próprio riacho. Essas matérias ficão em<br />
suspensão ou em dissolução, o que torna as águas escuras e asquerosas. 66<br />
Essas represas feitas pelas lavadeiras eram rompidas e as águas se renovavam<br />
apenas em dias de enxurradas, “quando o mar remonta o curso do riacho” da Pedreira, o<br />
que, segundo o autor, era tão ruim quanto a estagnação, haja vista a crença corrente de que<br />
a mistura de água doce e salgada não era bom ou higiênico. Esse mesmo riacho foi<br />
canalizado em seu trecho final pouco antes da ponte do Vinagre, para<br />
“evitar inundações quando ele se assoberba com as chuvas; são essas águas<br />
negras, lodosos e nauseabundas (...) vem desaguar na praia do Menino<br />
Deos, praia que na vazante fica descoberta em grande extensão,<br />
65 MELLO ALVIN, João de Souza. Relatório apresentado ao Sr. Presidente de Província pelo Sr.<br />
Capitão de engenheiros João de Souza Mello Alvin sobre as fontes públicas desta Capital. Jornal O<br />
Conciliador Catarinense. Op. cit., p. 2, 3 e 4.<br />
66 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 41.
209<br />
apresentando um fundo lodoso e infecto (...) [provocando]<br />
decomposição dos sulfatos alcalinos da água do mar existente no lodo pelas<br />
matérias orgânicas e formação do acido hydro-sulfurico, bem caracterizado<br />
por seu fétido particular. 67<br />
Essa realidade de rios urbanos responsáveis pelo abastecimento da cidade era<br />
grave em Desterro, pois toda a porção central à oeste da Ilha, ponto onde se fundou a vila,<br />
era banhada por rios de pequena vazão, dificultando a renovação das águas – exceto em<br />
dias de chuvas fortes. Existiam alguns rios e a Lagoa do Peri que apesar de serem<br />
importantes fontes de água doce estavam localizadas em pontos mais afastados da Ilha e<br />
nunca foram usados para suprir a escassez em função da ausência de obras de canalização<br />
para tal. Em Desterro no século XIX usava-se apenas a água que estava próxima, se doce<br />
para beber ou lavar roupas – águas provenientes dos rios e córregos, - se salgada para<br />
despejo de materiais inservíveis - água do mar , poluída ou não.<br />
Os problemas de saneamento e falta de condições para a habitação são reforçados<br />
ao se constatar de onde vem a água para o abastecimento da cidade. Os três chafarizes<br />
públicos eram vistos como depósitos de água estagnada e, conseqüentemente, focos de<br />
muitas enfermidades. Em relatório à Assembléia Provincial, na abertura de seus trabalhos<br />
em 26 de março de 1871, o presidente da Província apresenta os mesmos chafarizes como<br />
um dos grandes problemas da cidade:<br />
é bem sensível a falta de boa água potável nesta Capital (...) Ainda<br />
recentemente demonstraste a consideração em que tendes o bem estar de<br />
vossos concidadãos a respeito de parte de suas necessidades, adotando a<br />
lei nº 632 de 10 de maio de 1870, pela qual ficava a Presidência da<br />
Província autorizada a conceber privilégio, a quem melhores condições<br />
oferecesse para a construção de chafarizes. Apesar disso nada se há feito;<br />
apenas se apresentou o Doutor Otaviano da Rocha, solicitando de meu<br />
antecessor o privilégio, pretensão que foi logo retirada pelo mesmo, não<br />
tendo até hoje nada solicitado. Em tal conjuntura, pois, julgo que deveis<br />
autorizar a presidência a conceder esta empresa a outro que a isso se<br />
proponha, pela maneira que mais convier aos interesses públicos, porém<br />
67 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 41.
210<br />
sem prejuízo do empresário; podendo conceder-se-lhe faculdade para<br />
introduzir pennas d’água em casas particulares, repartições públicas, nos<br />
chafarizes ou pilastras, mediante uma taxa correspondente à porção<br />
d’água consumida, não sendo sujeita a taxa as pessoas indigentes. 68<br />
Para piorar a situação, já em 1860, se indicava o perigo de falta de água até para<br />
abastecer os chafarizes já existentes e novas idéias de melhorias foram lançadas nos anos<br />
posteriores, ao menos no campo teórico. Naquele ano a Câmara solicitou a tomada de<br />
medidas<br />
para diminuir o desmatamento do morro que envolve a cidade, pois ele<br />
seria a causa da crescente escassez de água que afligia a população. Foi<br />
nesse mesmo ano que o comércio de água se iniciou em Desterro. O<br />
líquido era recolhido bem cedinho, em fontes particulares. Era coletado<br />
por uma ou duas pessoas sem que o fundo da fonte fosse muito revolvido<br />
e os sedimentos contidos no fundo sujassem a água. Somente em 1880 é<br />
que se falou pela primeira vez em canalizar a distribuição de água.<br />
Entretanto, a proposta de encanamento não foi levada adiante e, em 1887<br />
ainda se vendia água pelas ruas. 69<br />
Depois desse processo de coleta da água, ela era colocada em barris e transportada<br />
em carroças pela cidade, sendo entregue de porta em porta aos interessados. O problema da<br />
falta d’água preocupava os governantes há vários anos, como mostra o relatório do<br />
presidente da Província em 1849 que relata uma seca no ano anterior que atingiu todas as<br />
fontes da cidade, inclusive poços particulares e o manancial do morro do Antão que<br />
abastecia as carroças que vendiam água pelas ruas. Para prevenir o problema e impedir que<br />
ele se repetisse foram solicitadas mais verbas para a construção de nova fonte. 70<br />
68 GOUVÊA, Joaquim Bandeira de. Relatório que o Exmo. Sr. Presidente da Província de Santa<br />
Catharina Dr. Joaquim Bandeira de Gouvêa dirige a Assembléia Legislativa Provincial no acto de<br />
abertura de sua cessão ordinária de 26 de março de 1871. Jornal A Província: Folha Politica e<br />
Noticiosa. Nº 37, anno 01 - pág. 01, col. 01 e 02. Acervo: Biblioteca Nacional.<br />
69 ALMEIDA, L. C. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do<br />
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). Op.cit., p. 69-70.<br />
70 VALLE, Severo Amorim do. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa<br />
de Santa Catarina, 6 de março de 1849., p. 46-47. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd.<br />
08/03/07.
211<br />
Não só a falta de água causava preocupações, mas também sua drenagem<br />
quando as chuvas caiam com mais força pela cidade. Charcos podiam ser vistos nas ruas de<br />
Desterro, pessimamente empedradas e que serviam como embaraço para curso das águas<br />
pluviais. Até meados do século XIX, poucas ruas eram calçadas como o Beco do Quartel, A<br />
Ponte do Vinagre e a Rua Áurea. Tal questão é repetidamente abordada por jornais locais<br />
como O Despertador que, em matéria intitulada Reparos urgentes em Ruas, de 20 de<br />
fevereiro de 1863, aludindo ao “dever de velar pelo bem público”, chama a atenção da<br />
Câmara Municipal para o mau estado das ruas e pontes da cidade. Além de referências aos<br />
problemas causados pelos espinhos das cercas estarem muito altos e dificultarem a<br />
passagem, especialmente de transeuntes a cavalo, ou ao “desbarrancamento da estrada que<br />
vai ter na freguesia de SS da Trindade (...) feito pelas últimas chuvas, o qual obstruindo a<br />
vala lateral represa as agoas, e faz com que transbordem e deteriorem o transito”. 71 Essas<br />
“observações” dirigidas pela imprensa à Câmara Municipal tinham por vezes um tom<br />
irônico, como o parágrafo final da citada matéria que dizia achar conveniente a pronta<br />
execução desses reparos caso contrário as ruínas irão aumentar e a Câmara terá despesas<br />
maiores. Tais observações e críticas do jornal poderiam e talvez quisessem levar os leitores<br />
a pensar que o descaso por parte dos administradores era tanto que a Câmara Municipal não<br />
promoveu as obras de reparo da dita rua por desconhecimento sobre a possibilidade de o<br />
problema aumentar.<br />
Essa situação só consegue ser pior em três bairros da cidade, a Toca, a Pedreira e<br />
a Figueira, locais onde eram encontradas casas que, segundo Almeida, “eram inferiores as<br />
senzalas dos pretos de certas fazendas”. 72 Indicados n a ilustração nº 08, esses bairros<br />
71 Reparos urgentes nas Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de 1863, nº11, p. 01.<br />
Acervo: Biblioteca Nacional.<br />
72 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 71
212<br />
estavam localizados na parte sul, norte e leste de Desterro, ou seja, o centro da cidade<br />
era cercado por pontos críticos no que se refere a focos de doença e problemas sociais, uma<br />
vez que seus moradores eram desempregados ou subempregados, escravos de ganho,<br />
negros forros e com toda sorte de pessoas pobres.<br />
(Ilustração 08) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do<br />
Desterro Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do<br />
Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor.<br />
Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876<br />
(08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército). VEIGA, Eliane Veras da.<br />
Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de Florianópolis:<br />
1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História – UFSC; ALMEIDA, Luciana<br />
Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do<br />
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis.<br />
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina.<br />
A Toca, assinalada no mapa acima por um círculo vermelho, estava situada na<br />
encosta da montanha do Menino Deos e na praia que a circundava e era formada por<br />
pescadores em sua maioria, o que agravava a situação, pois
213<br />
na praia vê-se a cada passo immundicies, como nos outros dois bairros,<br />
acrescendo detritos de peixes e de plantas marinhas, que vêm presas às<br />
redes e atiradas depois à praia. Este bairro habitado por gente dada ao<br />
trabalho, mas pouco amiga do aceio, é dizimado por todas as epidemias<br />
que aqui apparecem. 73<br />
A situação se agravava pela existência de uma vala ou canal que cortava o bairro e<br />
tinha seu nascedouro no alto da montanha, sendo águas imundas e fétidas. 74<br />
O caso do bairro da Pedreira é semelhante, porém pior, segundo o mesmo autor.<br />
Circundado em azul na ilustração nº 08, era cortado pelo arroio da Fonte-grande e atingia o<br />
ápice da sujeira a partir da Rua do Vigário até o mar.<br />
O que ahi se vê é realmente inaudito; por toda a parte montes de lixo já<br />
estratificado; lagos de ourina podre em alguns pontos (na beira de um<br />
riacho!); aqui e ali cadáveres dispersos de cães, gatos, ratos, galinhas e<br />
em períodos mais ou menos avançados de putrefação; restos de tudo,<br />
objetos putrescíveis ou não, tudo ahi se encontra (...). 75<br />
Tal característica ou costume de jogar animais mortos por locais tidos como<br />
isolados ou, no caso acima, em locais habitados por pessoas miseráveis, é corroborado pelo<br />
trecho final do capítulo sobre águas de João Ribeiro de Almeida, quando o autor diz não ter<br />
visto cadáveres de cavalos no bairro da Pedreira, mas tal fato era verificado “no caminho<br />
que a Fortaleza de Sant’Anna, conduz à Praia de Fora; [onde] nuvens de urubus<br />
esvoaçavam em torno, quando algum viandante aproximando-se os fazia largar a presa.” 76<br />
O terceiro bairro citado por esse autor como sendo crítico em termos de higiene é a<br />
Figueira, assinalado em amarelo na ilustração 08, que além de ser passagem das águas que<br />
73 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 72 – 73.<br />
74 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 73.<br />
75 Ibid., p. 74.<br />
76 Ibid., p. 74.
214<br />
vem da fonte da Palhoça é o ponto de “habitação de grande parte das meretrizes da mais<br />
baixa classe” 77<br />
de Desterro, fazendo do riacho depositário de todas as imundices<br />
provenientes dessa vizinhança.<br />
Conseqüência dessas práticas de higiene pública eram as epidemias e moléstias<br />
que se registravam na população local. Apenas no ano de estudo dos obituários citados pelo<br />
autor, verificaram-se mortes por anemia, tétano, asma, tuberculose, sífilis, varíola, gripe,<br />
coqueluche, meningite cérebro-espinhal e disenteria, esta última já havia sido a causadora<br />
de uma onda de mortes há alguns anos em Desterro. 78 E todas essas doenças tinham relação<br />
direta ou indireta com a salubridade dos locais de moradia dessa população.<br />
Que a situação, em meados do século XIX, era, no mínimo, instável quanto à<br />
saúde pública, especialmente quanto à epidemias, era claro para o autor como para<br />
jornalistas e viajantes estrangeiros, porém, o que não era aceito era o descaso e, muitas<br />
vezes, desleixo por parte da administração da cidade. Exemplo disso são os<br />
questionamentos do mesmo Ribeiro de Almeida sobre a inexistência de uma alameda de<br />
árvores sequer em toda a cidade de Desterro. O fato de ser uma prática de baixo custo e<br />
manutenção apenas deixa o autor mais indignado, pois “o que custaria o plantio e<br />
conservação de algumas dezenas de árvores frondosas nas praias e praças”. 79<br />
Para<br />
corroborar essa afirmação o autor se remete à Mr. Chevreud, cuja tese é de que “as<br />
plantações (...) constituem um meio de tornar salubre e purificar o solo, pois que as árvores<br />
não podem crescer sem que neles sorvão os materiais alteráveis, causa próxima ou remota<br />
da infecção”. 80 Essa observação do autor já é uma referência aos passeios públicos e<br />
jardinas botânicos existentes em muitas cidades européias e também no Rio de Janeiro, que<br />
77 RIBEIRO <strong>DE</strong> ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha<br />
de Santa Catarina ... Op. cit., p.. 75.<br />
78 Ibid., p. 40.<br />
79 Ibid., p. 77.<br />
80 Ibid., p. 77.
215<br />
seriam uma espécie de “pulmão” para essas cidades já devastadas e urbanizadas ao<br />
extremo e que só perceberam a necessidade de algum contato com a natureza em sua forma<br />
mais primitiva quando já a tinham destruído, tendo que se valer de meios artificiais para<br />
obtê-la.<br />
Só muito mais tarde, por volta de 1896, quando o Mercado é retirado da Praça e<br />
transferido para um local mais afastado, é que a vista da praia fronteira fica aberta e o local<br />
recebe menos despejos. Aliado aos melhoramentos feitos no trapiche de desembarque do<br />
porto que havia sido construído em 1874 e de um primeiro aterro nessa área frontal, o local<br />
passou a ser área de recreio para famílias da cidade. 81<br />
4.5 Espaço e Sociabilidade no processo de urbanização de Nossa Senhora do<br />
Desterro.<br />
É na segunda metade do século XIX que a cidade de Nossa Senhora do Desterro<br />
passa por um processo de redefinição nos “usos” dados ao mar e às praias da Ilha de Santa<br />
Catarina. Até então,<br />
homens iam e vinham da pescaria e mulheres extraíam os moluscos e<br />
crustáceos necessários à alimentação da família. O mar era, portanto,<br />
lugar de trabalho. Ia-se à praia em busca da alimentação necessária à<br />
sobrevivência, não para fins de banho de mar. 82<br />
Esse novo caráter de saúde e lazer seguia o exemplo do que já vinha ocorrendo na<br />
Europa, vagarosamente desde o início do século XVIII. Uma grande mudança após um<br />
longo período de medos e precauções relacionados à água que surgiram ainda no século<br />
XVI, quando a peste assolou o continente e costumes como o dos banhos públicos foram<br />
81 CABRAL. Memória histórica..., Op.cit. p. 176-177.<br />
82 FERREIRA, Sérgio L. O Banho de Mar na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. das<br />
Águas, 1998. p. 20.
216<br />
suprimidos. Com o crescimento urbano e o “enclausuramento” das cidades as casas<br />
voltavam-se para a rua, criando muros imaginários ou não, que as isolavam das áreas ainda<br />
“não dominadas” da natureza. Porém, isso despertou nessas populações urbanas a busca por<br />
refúgios bucólicos, afastados dos odores e da “opressão” da cidade. As praias e outros<br />
tantos pontos tidos como naturais tornaram-se, gradativamente, refúgios da nova vida<br />
urbana, além de prováveis fontes de cura.<br />
As mudanças no século XIX fizeram com que a idéia de que locais hoje<br />
habitualmente vistos como “públicos” e com fins conhecidos, tivessem seus conceitos e<br />
atribuições definidos e ressignificados pela população de Desterro de um modo geral.<br />
Jornais, Posturas Municipais, leis e decretos impulsionaram essas mudanças sociais, além<br />
de agirem como mecanismos de controle e definição do que se podia ou não fazer em<br />
determinados locais. Criou-se a idéia de cidade e capital de Província, centro convergente<br />
de pessoas, idéias e novos costumes, e com isso normas que as pessoas e a cidade deveriam<br />
seguir.<br />
Para tanto, entende-se que houve um processo de redefinição de usos de locais<br />
como praças, ruas e praias. Freqüentar a praça em horas tardias, circular pelas ruas sem<br />
destino definido, ir às praias, não eram hábitos das pessoas ricas ou senhoras de família,<br />
mais do que isso, não era um hábito “nobre”, como conseqüência, ao menos em parte, as<br />
ruas eram precárias para os pedestres, a praça mal cuidada e escura e as praias locais de<br />
despejos. Segundo Maria Alexandre Louzada, é importante considerar que “não se está<br />
perante qualidades intrínsecas do espaço, pois que essas qualidades são o resultado de<br />
construções sociais e o produto de usos sociais”. 83 A idéia de “socialização” desses espaços<br />
públicos estimulou algumas medidas tomadas em Desterro, especialmente após a metade do<br />
83 LOUZADA, Maria Alexandre. “A rua a taberna e o salão: elementos para uma geografia histórica<br />
das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. In: VENTURA, Maria da Graça A.<br />
Mateus (coord) Os espaços de sociabilidade na Ibero-América (séc. XVI-XIX). Lisboa: Edições<br />
Colibri, 2004. p. 96.
217<br />
século XIX, no que concerne a infraestrutura e dinamização dos possíveis locais de<br />
encontro de “pessoas de bem” que viviam em uma cidade em crescimento e em contato<br />
com as novidades do mundo. Esse contato, essa circulação de pessoas também era<br />
considerado, segundo o médico Lima Santos em texto abordando o tema publicado no<br />
Diário de Pernambuco em 1855, um hábito de higiene em vários pontos do Brasil.<br />
Enaltecendo os hábitos dos Pernambucanos, comparativamente, o médico chamava a<br />
atenção dos moradores da Bahia do Rio de Janeiro, especialmente os homens ricos, que os<br />
sinais de distinção estavam no pouco se expor, ou no raro sair de casa. Isso era, ainda<br />
segundo o autor, ruim para o corpo e para suas energias e contrário ao seu enrijecimento, já<br />
difícil em um clima tão quente e úmido. 84<br />
Sennet considera que a palavra “público” adquiriu o seu significado moderno no<br />
século XVIII: “a vida pública passou a designar a vida social passada fora da família e dos<br />
amigos chegados, o domínio público de contato entre conhecidos e estranhos”. 85 Isso foi<br />
muito influenciado por novos códigos de civilidade e pelo impacto de instituições como a<br />
polícia e a Igreja. 86 Essa afirmação de novas regras de comportamento foi moldada no<br />
Brasil no século XIX para a vinda da família real com o crescimento urbano em torno da<br />
corte. A nova regra de civilidade da sociedade patriarcal foi transferir o engenho para a<br />
cidade na forma de sobrados suntuosos de frente para a rua. As regras do convívio elegante<br />
passaram a incluir idas ao teatro, caminhadas nos novos passeios públicos – inclusive das<br />
mulheres – ou tomar a fresca na praia em horários apropriados em que o sol não castigasse.<br />
84 LIMA SANTOS. Apud. FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. 9 ed. Rio de Janeiro:<br />
Record, 1996., p. 39, 40.<br />
85 SENNETT, Richard. Carne e Pedra: O corpo e a cidade na civilização ocidental. Ed. Record,<br />
RJ - SP, 1997.<br />
86 LOUZADA, Maria Alexandre. “A rua a taberna e o salão: elementos para uma geografia<br />
histórica das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. Op.cit., p. 96.
218<br />
As praias que até então recebiam os despejos de lixo e águas sujas, além dos<br />
corpos de animais, passam a figurar como locais de passeio e reabilitação, desde que<br />
saneadas e tratadas. O crescimento da cidade levou muito em conta a “dominação” da<br />
natureza selvagem com a contenção de miasmas, o aplainamento de morros, a drenagem de<br />
charcos, a canalização de rios e a limpeza das praias. Os ambientes suburbanos, tais como<br />
sítios e chácaras, já eram usados largamente como refúgios para a pressão das grandes<br />
cidades na Europa e, no caso do Brasil, isso também já ocorria no Rio de Janeiro. A praia<br />
veio somar-se a esses locais e passa a ser também em Desterro, em fins do século XIX,<br />
como nessas outras cidades, um local de contato com a natureza em estado mais puro.<br />
Pode-se comprovar isso com o surgimento das casas de praia ou, na própria cidade, das<br />
casas com a frente voltada para o mar. Essas casas com caráter predominantemente urbano<br />
localizavam-se especialmente na Praia de Fora, local distante do centro de Desterro, ligado<br />
a esse pela Rua Esteves Júnior. Essa praia era ponto de encontro de famílias que além de<br />
uma casa no centro da cidade possuíam propriedades na área que, geralmente, eram<br />
compostas por chácaras ou sítios. As residências voltadas para o mar eram freqüentadas,<br />
principalmente, no verão.<br />
A iluminação da praça central, atual Praça XV de Novembro, e de ruas adjacentes<br />
por lampiões, também na segunda metade do século XIX, foi outra medida tomada com o<br />
intuito de “melhorar” locais da cidade, numa tentativa de ressignificar espaços. Tal medida<br />
foi defendida na Câmara e em alguns veículos de imprensa como necessária para a melhor<br />
circulação de pessoas e mercadorias e possíveis contatos e conversas entre elas, não<br />
necessitando para isso esperar pelas noites de lua cheia. Aliás, a questão da iluminação<br />
pública foi largamente discutida pela Imprensa, especialmente no que se refere ao<br />
cumprimento ou não dos contratos de arrendamento. Esses contratos eram oferecidos em<br />
editais públicos e arrematados geralmente por comerciantes locais que usavam escravos
219<br />
para executar os serviços e os mantinham com verbas que a Câmara destinava para esse<br />
fim. Geralmente, os arrematantes reclamavam das baixas verbas destinadas aos serviços.<br />
Em 1853, a iluminação pública de Desterro ficou a cargo de Manoel Alves da Costa e teve<br />
algumas alterações designadas pela Câmara com o intuito de abarcar um novo item da lista<br />
de problemas urbanos que se tornava primordial: segurança. De acordo com o jornal<br />
“Correio Catharinense” de 09/02/1853, a Iluminação Pública passou a compor-se de “65<br />
lampiões, colocados nas esquinas ou nos lugares, onde prestando mais claridade facilitão o<br />
trânzito do povo e da polícia”. 87 Dois anos depois o presidente da Província assinava<br />
a contratação do Serviço de Iluminação a gaz com Vicente Nery por três<br />
annos pela quantia de 5:600$000 reis annual, sendo os primeiros quatro<br />
meses feita com azeite. A illuminação a gaz é por sem duvida mais<br />
acceiada; não dão porem os lampiões atuaes tanta luz, como os antigos de<br />
azeite, e se mais clara se acha hoje a illuminação he isso devida a limpeza<br />
dos vidros, que se não embação como os antigos com o fumo do azeite. 88<br />
O mesmo processo de melhoramento se deu com a praia fronteira ao Mercado que,<br />
além de ponto de comércio, era o porto de entrada da cidade, como tal fazia-se necessário,<br />
ao menos, torná-lo transitável. Para tanto, quando o Mercado foi reconstruído em um ponto<br />
mais afastado da praça, em 1896, a vista da praia fronteira ficou aberta e a raia passou a<br />
receber menos despejos, isso, aliado aos melhoramentos feitos no trapiche de desembarque<br />
do porto que havia sido construído em 1874 e de um primeiro aterro nessa área frontal,<br />
“capacitaram” o local a ser área de recreio para famílias da cidade. 89<br />
Essas obras executadas eram apenas uma pequena parte da relação de obras<br />
apontadas como necessárias para a cidade no que se refere ao estado sanitário e asseio. O<br />
jornal Correio Catharinense listou esses problemas e os divulgou em seu nº 14 de<br />
87 Iluminação Pública. Correio Catharinense – jornal commercial, noticioso e literário, Nossa<br />
Senhora do Desterro, 09 de fevereiro de 1853. Nº 13, p. 01, colunas 2 e 3. Acervo BN.<br />
88 Falla do Presidente de Província. O Conservador, Nossa Senhora do Desterro, 08 de maio de<br />
1855. Nº321, p. 03, coluna 03.<br />
89 CABRAL, O.R. Memória histórica... Op.cit., v. 1.,p. 176-177.
220<br />
16/02/1853, baseado no ofício de 24/02/1852 do presidente da Província. Entre as obras<br />
estavam melhoramentos nas fontes da Palhoça, da Carioca e do Campo do Manejo com o<br />
escoamento das águas que sobravam dessas fontes e se estagnavam em alguns locais da<br />
cidade; encanamento das águas do Rio Fonte Grande e terrenos lactantes em toda a sua<br />
extensão; encanamento por meio de valas das águas que nascem no fundo das chácaras e<br />
que fazem frente à Rua do Passeio; desaguamento dos charcos localizados em terrenos<br />
particulares do centro da cidade – nominados no ofício -; dessecamento por meio de aterro,<br />
em toda sua extensão da marinha, desde Sta Bárbara até a Rua da Toca e multiplicação dos<br />
depósitos de água. Nesse ponto o ofício ressalta que a Câmara só pode conseguir isso<br />
fazendo<br />
grandes depósitos ou tanques na falda do Morro do Antão, de sorte que<br />
deságüem seguindo um curso, por meio de encanamento sólido até tocar<br />
perto da Rua do Vigário, onde facilmente se pode construir um<br />
receptáculo, que sirva para chafariz, e se aproveitem as sobras das águas<br />
para um lavadouro público. 90<br />
Ainda faziam parte da lista o cercamento de terrenos não ocupados por muros<br />
para evitar o acúmulo de lixo e imundices; mudança para local mais afastado da cidade do<br />
hospital militar de Sta Bárbara; remoção do cemitério público para o lado sul da cidade ou<br />
para leste; construção de uma cadeia ou remoção da atual, sendo indicado próximo ao<br />
Campo do Manejo como local ideal e construção de alguns pequenos cais para despejos das<br />
imundices, que eram jogadas nas ruas pelas janelas de algumas casas muitas vezes, como<br />
alude reportagem de 1865<br />
Despejos - A pedido da respectiva vizinhança, chamamos a atenção do<br />
Sr. Fiscal desta cidade para que faça cessar o despejo de águas fedorentas<br />
que se faz no largo do Palácio. Essas águas, segundo se diz, são deitadas<br />
fora de um grande barril ou pipa que o morador da casa a que se alude,<br />
90 Relação das obras mais necessárias n’esta cidade para melhorar seu estado sanitário, acceio, etc. a<br />
que se refere o ofício da presidência de 24/02/1853. Correio Catharinense – jornal commercial,<br />
noticioso e litterario, Desterro, 16/02/1853. Nº 14, p. 01, colunas 1, 2 e 3. Acervo: BN.
221<br />
conserva no pátio. Contra abusos semelhantes praticados em outros<br />
largos e ruas temos tido muitos pedidos e reclamações 91 .<br />
Isso continuava acontecendo, apesar de dez anos antes, quando de uma epidemia<br />
de cólera que assustou a cidade, a Câmara ter construído três trapiches de madeira para que<br />
os tigres fossem despejados o mais distante possível mar adentro; e, por fim, a reportagem<br />
indicava a necessidade urgente do melhoramento das estradas do município. 92<br />
Com relação ao último item da lista acima, o problema perdurou por longo tempo<br />
e era quase um problema generalizado em Desterro. Vez ou outra, jornais noticiavam o fato<br />
e reclamavam da falta de providências da Câmara. O Despertador, dez anos depois de o<br />
problema ser oficialmente identificado e terem-se apontado soluções em documento oficial,<br />
apresentou uma reportagem sob o título “Reparos Urgentes nas Ruas”, em que<br />
chamou a tenção da Câmara Municipal desta cidade para o mal estado em<br />
que se achão duas pontes na rua da Imperatriz, por cujo motivo está ella<br />
quase intransitável. Os espinhos das cercas lateraes por muito altos,<br />
tombam para a rua, e embaraçam o trânsito em diferentes lugares, A ponte<br />
da rua do Mato –Grosso, na descida da aldeia do Dutra – em frente dos<br />
terrenos do falecido Caminha, e do Servita muito necessita de reparo pelo<br />
estado ruinoso em que está. As cercas se conservam de modo que os galhos<br />
dos espinhos se cruzam, e sem grande precaução dos transeuntes a cavalo,<br />
não conseguem passar sem arranhões na cara ou rasgões no facto. Em<br />
frente dos terrenos de Freitas Gomes, na estrada que vai ter na freguesia de<br />
SS Trindade tem um desbarrancamento feito pelas últimas chuvas, o qual<br />
obstruindo a vala lateral, repreza as agoas, e faz com que transbordem e<br />
deteriorem o transito. 93<br />
Sobre o cemitério, até 1841 o convencional era os sepultamentos no corpo das<br />
igrejas ou o emparedamento nas mesmas por se tratar de edifício sagrado construído em<br />
91 O MERCANTIL, Desterro, 18/06/1865. Apud MORGA, A . E. Práticas Afetivas Femininas em<br />
nossa Senhora do Desterro no Século XIX. São Paulo, 1995. 186p. Dissertação (Mestrado em<br />
História Social) - Universidade de São Paulo, SP., p. 70.<br />
92 Relação das obras mais necessárias n’esta cidade para melhorar seu estado sanitário, acceio, etc. a<br />
que se refere o ofício da presidência de 24/02/1853. Correio Catharinense – jornal commercial,<br />
noticioso e litterario, Desterro, 16/02/1853. Nº 14, p. 01, colunas 1, 2 e 3. Acervo: BN. op.cit.<br />
93 LOPES J. R.. Reparos Urgentes em Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de 1863. Nº<br />
11, Editorial, p. 01, coluna 01. Acervo: Biblioteca Nacional.
222<br />
solo que também tinha esse caráter, daí a importância de ter a última morada nesse<br />
local. Porém, nesse ano ocorreu uma epidemia que foi chamada de “febre cerebral” e cuja<br />
causa foi atribuída aos miasmas provenientes dos corpos enterrados nas igrejas e que eram<br />
aspirados pela população. O presidente da Província proibiu, em junho daquele ano, os<br />
enterros de cadáveres no corpo das igrejas ou em catacumbas, sendo que os mesmos<br />
deveriam ser sepultados no cemitério público, instalado no Morro do Vieira. 94 A cadeia<br />
também era vista como um disseminador em potencial de odores e miasmas que poderiam<br />
prejudicar os moradores locais e provocar epidemias, ainda mais por que muitas de suas<br />
janelas haviam sido fechadas para aumentar a segurança e, conseqüentemente, impediu a<br />
renovação eficiente dos ares de seu interior. 95<br />
Esse argumento de transformar o centro da cidade em local “freqüentável” por<br />
pessoas ditas “de bem” foi critério para influenciar a mudança de local da construção do<br />
novo prédio da Alfândega que explodiu em 24 de abril de 1866. As discussões atrasaram o<br />
início das obras da nova Alfândega em oito anos. 96 Esse ponto de entrada e saída de<br />
produtos na Ilha e de sua fiscalização era local de trabalho de escravos e de toda a sorte de<br />
“homens brutos”, portanto, era interessante que fossem afastados do centro e da praça para<br />
que, desta forma, tais locais pudessem ser “melhorados”.<br />
Essa constante construção e reconstrução da cidade como “urbes” e como<br />
“Civita”, como espaço e como política, é um ponto importante das “práticas” sociais de<br />
Desterro, pois, de acordo com Omegna, isso se inscreve na própria idéia de cidade, que<br />
não seriam as casas, as cabanas, os armazéns. É um espaço para as casas,<br />
as famílias, mas é mais ainda, é a área para o ajuntamento civil, para os<br />
comícios populares, para os câmbios da riqueza, para as decisões dos<br />
94 ALMEIDA, L. C. Nossa Senhora do Despejo... Op.cit., p. 69-70.<br />
95 Ibid., p. 70.<br />
96 CABRAL. O.R. Memória histórica... Op.cit., p. 176-177.
223<br />
órgãos do poder público, para os convívios humanos. A polis para a<br />
vida política. 97<br />
Quando nos referimos a essa cidade (urbes) e locais específicos na mesma, como<br />
praças e ruas, estamos analisando a construção da idéia de espaço público, que não é uma<br />
qualidade intrínseca do espaço. 98<br />
Esse controle dos espaços era uma atuação que restringia os direitos tradicionais<br />
de presença e de uso para formar e limitar a sua apropriação privada, transformando-as de<br />
acordo com a nova noção de espaço público urbano. 99 Tal ordenação dos espaços públicos<br />
passa pela definição do que são e para quem são destinados, como<br />
órgãos essenciais à vida urbana [que] são a rua, a praça, o templo, o<br />
mercado, o foro, o circo, o theatron (literalmente, “o logar em que se<br />
olha... e se é olhado”), isto é, a cidade são os canais que levam o homem<br />
à presença dos outros homens, e os recintos para todas as formas de<br />
convivências que aplacam a angústia de ser só, a estreiteza de ser<br />
particular e curam a sensação da insuficiência da casa, do círculo<br />
doméstico e dão a oportunidade a que cada homem faça de sua vida uma<br />
tangente de outras vidas. 100<br />
Outra qualidade do espaço, segundo Simmel, “consiste em dividi-lo em partes para<br />
o aproveitamento prático, partes que se consideram como unidades e – tanto por causa<br />
como por efeito disso – estão rodeados de limites”. 101 Sempre concebemos o espaço que<br />
um grupo social ocupa, seja ele um bairro, um Passeio Público ou praça como uma unidade<br />
expressa e sustentada por tal grupo, é o grupo que faz o lugar e é feito por ele. Quando nos<br />
referimos aos motivos da iluminação da Praça de Desterro estamos confirmando a idéia<br />
97 OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. 2 ed. EBRESA, Brasília, 1971. p. 08.<br />
98 LOUZADA, Maria Alexandre. “A rua a taberna e o salão: elementos para uma geografia<br />
histórica das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. Op. cit., p. 96.<br />
99 Ibid., p. 105.<br />
100 OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. Op.cit., p. 80.<br />
101 SIMMEL, Georg. Sociologia: Estúdios sobre lãs formas de socialización. V.II. Madri: Biblioteca<br />
de la Revista de Occidente, 1977. p. 649-650.
224<br />
corrente da época que, ainda de acordo com Simmel, esse espaço, se freqüentado por<br />
“pessoas de bem”, tornar-se-ia bom e bem visto por todos, portanto, seria freqüentável por<br />
todos que não ferissem as novas normas de conduta, ou seja, esse novo local estava vetado<br />
para trabalhadores e escravos. 102<br />
O princípio “público” designa algo que é de todos ou ao menos que pode ser<br />
usufruído por todos. Quando se cerceia a freqüência de escravos ou, mais ainda, de<br />
trabalhadores do porto na Praça de Desterro ou a cerca com grades como ocorreu em fins<br />
do século XIX, se está separando a idéia de cidadãos, se está atribuindo valores a pessoas e<br />
com isso, designando o que umas e outras podem fazer. Isso é uma clara forma de, no<br />
âmbito social, exercer um tipo de função policial. Essa criação de limites é,<br />
comparado con la naturaleza, [...] arbitrario, aun en el caso de las islas;<br />
pues en principio, el mar puede ser también objeto de posesión.<br />
Precisamente, el no depender del espacio natural pone de relieve el poder<br />
formal de la cohesión social y la necesidad interna que satisface por la<br />
determinación precisa del límite físico, una vez puesto. Por esa razón,<br />
acaso sea mayor la conciencia de la delimitación, no frente a los llamados<br />
límites naturales (montañas, ríos, mares, desiertos), sino justamente<br />
frente a los límites meramente políticos, que no hacen sino trazar una<br />
línea geométrica entre los vecinos. 103<br />
Esses limites que Simmel classifica como “acontecimentos espirituais ou<br />
sociológicos”, quando transformados em linhas do espaço, sua relação mutua adquire<br />
claridade. Isso pode ser algo negativo ou positivo, mas nunca deixa de ser rígido. Tal<br />
claridade, segurança e rigidez “no les son dadas cuando la coincidencia o separación de las<br />
fuerzas y derechos no se ha proyectado aún en forma sensible, y se halla, por tanto, por<br />
decirlo así, en estado naciente”. 104<br />
102 SIMMEL, Georg. Sociologia. Op. cit., p. 650.<br />
103 Ibid., p. 650<br />
104 Ibid., p. 654.
225<br />
Esses limites também podem ser observados através de normas, regras de<br />
conduta ou normatização do espaço urbano. Além da ordenação das ruas com nomes que<br />
designavam atividades e que, segundo Gilberto Freyre, tinham um caráter sindicalista ou<br />
medievalista, indicando negócios como “Rua dos Ourives” ou “Rua da Quitanda” ou<br />
procedências como “Rua dos Judeus” ou “Rua dos Ciganos”. A numeração das casas<br />
também é um exemplo dessa normatização e, de acordo com Simmel,<br />
significa la fijación espacial, propiamente dicha, de los individuos,<br />
haciendo que estos puedan encontrarse con un procedimiento<br />
mecânico.” 105 Essa ordenação espacial, que remonta da tradição medieval<br />
de dar nomes próprios às casas, “produce una sensación de<br />
individualidad local, evoca la idea de su pertenencia a un mundo espacial<br />
‘cualitativamente’ determinado. 106<br />
Ainda referindo-se a Desterro, podemos analisar a redefinição de usos ou hábitos<br />
locais ao observarmos as mudanças nas posturas municipais no que se refere aos despejos.<br />
A própria palavra postura que, de acordo com Murillo Marx, sempre foi usada, no âmbito<br />
das cidades, como sinônimo de ordenação do espaço e das pessoas, defina horários para tal<br />
prática.<br />
Tal decisão respondia as críticas da imprensa local sobre o saneamento básico e os<br />
problemas de um processo de urbanização sem controle ou sem preocupação com a<br />
natureza. O jornal O Argos, em matéria de 09 de janeiro de 1862, fez uma crítica veemente<br />
às autoridades desterrenses sobre o estado da praia do Mercado. O jornal questiona a<br />
polícia municipal na pessoa do Fiscal da capital sobre o porquê de não tomar providências<br />
no caso da citada praia. 107<br />
105 SIMMEL, Georg. Sociologia. Op. cit., p. 667.<br />
106 Ibid., p. 666.<br />
107 CABRAL. Memória histórica... Op.cit., p. 174.
226<br />
Essas constantes separações e entrelaçamentos da cidade como espaço físico e<br />
da cidade como “teatro” social observado em Desterro, em especial em sua área central que<br />
definia o centro da capital da Província de Santa Catarina, é um reflexo das construções do<br />
espaço público urbano que, no Brasil, e mais especificamente em Santa Catarina, ocorre no<br />
século XIX. Diferente das cidades européias ou mesmo do Rio de Janeiro, que já tinham<br />
conceitos definidos, e redefinidos corriqueiramente, sobre espaços físicos e suas funções<br />
sociais no âmbito do urbano.<br />
A antes rural e praticamente isolada cidade passa a ter um porto mais<br />
movimentado e com isso um comércio em crescimento. Exportações de café, amendoim,<br />
açúcar e, principalmente, farinha de mandioca para o Rio de Janeiro e Províncias do Prata<br />
traziam, além de dinheiro, informações e novos costumes. Surgiram sobrados na Rua<br />
Augusta (atual João Pinto), na Rua do Príncipe (atual Conselheiro Mafra) e na Praça<br />
Central. A Desterro do último quartel do século XIX tinha seu centro assobradado, sua<br />
praça arborizada e harmoniosa, convidativa para passeios. Outros espaços de lazer foram<br />
sendo construídos como o Teatro Santa Isabel em 1875, a Biblioteca Pública, o Atheneo<br />
Provincial, além de cafés e confeitarias que eram pontos de encontros e conversas. Os<br />
limites urbanos de Desterro contavam, já em 1876, com oito igrejas, seis sobrados<br />
particulares e sete edifícios térreos também particulares, sete edifícios provinciais e<br />
municipais (um desses era o cemitério católico), sendo dois deles sobrados, dois hospitais,<br />
um cemitério evangélico, duas lojas maçônicas e 1.751 prédios urbanos, sendo desses 126<br />
sobrados e 1.625 térreos. 108<br />
Nesse mesmo mapa o autor enumerou setenta ruas, becos,<br />
108 TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada<br />
por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo<br />
D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos<br />
Othom Sehleppal. Anno de 1876. Op. cit.
227<br />
travessas e largos no perímetro urbano de Desterro, além de oito chácaras, um engenho,<br />
uma fábrica de sabão e um estaleiro. 109<br />
Somando-se a isso havia os avanços industriais e mecânicos que levaram<br />
iluminação para as ruas e praça e um comércio que atraia pessoas, muitas delas senhoras de<br />
“boa família” que passaram a andar pelas ruas. Enfim, os espaços urbanos passaram a ser<br />
espaços de socialização. A vida saiu de dentro das casas e foi para a rua e para a praça.<br />
Uma grande “rua de mão dupla”, em que pessoas moldavam os espaços e eram moldadas<br />
por eles, os ressignificando e sendo por eles ressignificadas.<br />
109 Ibid.
228<br />
CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Esta tese buscou analisar, sob a ótica da história ambiental, o surgimento de práticas<br />
e experiências vinculadas ao desenvolvimento de novas relações entre humanos e não<br />
humanos, trabalhados muitas vezes e por longo tempo como elementos opostos e<br />
separados. Não raro, e por muitos anos foi assim, os historiadores não perceberam ou não<br />
desenvolveram seus trabalhos considerando a presença do meio ambiente na construção dos<br />
espaços urbanos, no desenvolvimento da agricultura e em muitos hábitos sociais. Essa<br />
ampliação nas investigações históricas designada de “história ambiental”, segundo Worster,<br />
incorpora a presença da natureza na vida das sociedades, estudando a interação entre<br />
estruturas biofísicas, modos de produção e formas culturais. 110<br />
A natureza ou tudo que não é produto direto da ação humana também tem<br />
influência nas decisões tomadas, uma vez que o solo, o clima ou o fornecimento de água<br />
são alguns dos alicerces de uma sociedade e ela só se forma em locais onde esses itens são<br />
favoráveis ou em contrário, quando existe tecnologia para adaptá-los.<br />
Essa também foi uma característica da formação da sociedade na Ilha de Santa<br />
Catarina. O local de instalação da vila e depois cidade de Nossa Senhora do Desterro era<br />
um ponto estratégico de defesa portuguesa ao sul do Brasil e essa condição geográfica<br />
privilegiada foi o primeiro passo para a criação de uma comunidade. Foram considerados<br />
também outros elementos como o melhor local da Ilha para a instalação da vila, qual seja o<br />
mais próximo do continente, com fácil abastecimento de água potável, de lenha e madeira,<br />
além de ser plano e aprazível na medida do possível. Diferente de algumas opiniões que<br />
indicavam o local como um paraíso, a Ilha também tinha características consideradas<br />
110 WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos. Op. cit., p. 198.
229<br />
problemáticas para o “florescimento” de uma cidade como os mangues próximos que,<br />
apesar das madeiras fáceis de serem derrubadas e utilizadas, também eram focos do que era<br />
considerado o grande mal do período: os miasmas causadores de doenças. Essa e outras<br />
características entendidas como negativas demandou um longo processo de adaptação e<br />
transformação da natureza local com a adequação de muitas áreas para os padrões tidos<br />
como ideais ou minimamente aceitáveis para a sobrevivência e progresso de uma sociedade<br />
civilizada.<br />
Ao considerarmos as limitações e influências ambientais impostas pela<br />
insularidade percebemos com mais clareza a relação mantida entre o homem e o meio<br />
natural nessa constante adaptação e readaptação, sendo essa a linha que procuramos seguir<br />
no desenvolvimento do trabalho. A própria divisão do texto em três grandes temas que,<br />
apesar de fazerem parte de um mesmo conjunto analítico, foram estudados e apresentados<br />
de forma separada na tentativa de lançar vários focos de luz sobre um mesmo objeto,<br />
trazendo a tona novos ângulos de observação.<br />
A partir disso consideramos o desmatamento, o aproveitamento das madeiras<br />
extraídas, a terra limpa e a produção agrícola e os núcleos urbanos em constante<br />
crescimento, como partes de um grupo de projetos e idéias de civilização que ultrapassaram<br />
as questões econômicas ou políticas que visavam a ocupação estratégica do território e a<br />
extração de recursos desse mesmo território. A amplitude da questão do desmatamento em<br />
primeiro lugar, reside no fato de compreendermos a riqueza cultural da Mata Atlântica que<br />
estava sendo devastada. Muito mais do que espécies vegetais e animais, a Mata Atlântica<br />
era permeada de símbolos e utilidades que lhe foram atribuídos durante séculos por<br />
diversas populações indígenas que nela viveram e dela tiraram muitas de suas referências<br />
culturais. Além da destruição da flora e da fauna, o impacto da instalação de vilas e cidades<br />
nas clareiras obrigatoriamente abertas na mata para recebê-las, implicou na destruição de
230<br />
muitas informações sobre espécies, clima, solo e a própria sobrevivência dos grupos<br />
humanos que já a habitavam. Porém, muito mais que aquilo que foi destruído para<br />
produção de açúcar, café ou farinha de mandioca, no caso específico da Ilha de Santa<br />
Catarina, para a urbanização ou mesmo para o próprio aproveitamento da madeira,<br />
procurou-se analisar o que foi construído a partir desse processo que, creio deva ser mais<br />
corretamente entendido como uma transformação. Hábitos, alimentos, arquitetura, animais,<br />
enfim, o dia-a-dia foi permeado pelas reações do ambiente frente à ocupação humana e essa<br />
dinâmica, esse caminho de mão dupla é que nos leva à história da Ilha de Santa Catarina.<br />
Penso que o entendimento dessas transformações ambientais locais como fazendo<br />
parte de um processo social e cultural, além de econômico e/ou político, amplia o<br />
entendimento da historia ilhoa. Certo é que tais transformações foram parte das causas e<br />
das conseqüências da colonização e dos ideais de progresso do período.<br />
Esse “processo civilizador” tinha a Europa como horizonte almejado, no entanto,<br />
a “modernidade” não suplantou os recursos naturais brasileiros, ainda considerados nossa<br />
maior riqueza e dos quais se deveria dispor com mais sabedoria, idéia recorrente entre<br />
intelectuais brasileiros desde o século XVIII, segundo Pádua. Isso vinha associado em<br />
textos, leis e à críticas ao mau aproveitamento dos recursos naturais brasileiros, prática que<br />
parecia ser uma “repetição” do exemplo europeu que, em decorrência do “apenas tirar da<br />
terra sem nada devolver”, provocou o que entendia-se ser o esgotamento do solo e a<br />
carência de novas áreas virgens.<br />
O paradigma de progresso passava, necessariamente, por transformações<br />
econômicas e sociais, aliás, era um progresso seletivo e voltava-se muito mais para a<br />
modernização do campo que da cidade ou da indústria. Nesse sentido, as questões<br />
ambientais raramente foram debatidas de forma individual, ao contrário, faziam parte de<br />
análises mais amplas, em que a agricultura, a política e as conseqüências econômicas destas
231<br />
davam o tom. Ainda segundo Pádua, “os problemas ambientais estavam inseridos no<br />
conjunto dos problemas estruturais que afetavam o país”. 111<br />
O fato de trabalharmos com o espaço restrito de uma ilha e considerarmos os<br />
limites “naturais” no que tange à expansão de área cultivável ou urbanizada e de cobertura<br />
florestal, deixou mais definidos os pontos de analise e seu entrelaçamento, mostrando que<br />
nenhum deles esteve isolado no tempo e no espaço. Considerando esses pontos, passamos<br />
por questões como a fortificação da Ilha contra invasões estrangeiras e a colonização<br />
programada por emigrantes europeus no primeiro capítulo, a real ocupação do território e<br />
sua divisão em lotes coloniais no segundo, o desenvolvimento da agricultura e o<br />
crescimento urbano e comercial nos capítulos três e quatro respectivamente, separando<br />
esses elementos e realizando uma reavaliação de alguns conceitos a muito repetidos da<br />
colonização local.<br />
Não é propriamente um modelo para a análise dos acontecimentos, mas a intenção<br />
durante toda a pesquisa foi ressaltar alguns elementos que creio, devem, necessariamente,<br />
fazer parte dos estudos sobre a história local e que não constaram das opções metodológicas<br />
dos historiadores por muito tempo. Entre eles o papel das florestas no processo de<br />
transformação social e cultural de uma região, além dos valores atribuídos aos recursos<br />
naturais, qual o grau das intervenções humanas na natureza local e as influências dessa<br />
natureza na sociedade.<br />
Observando novos ângulos de um mesmo prisma espero ter conseguido<br />
dimensionar melhor a natureza ilhoa e o processo de transformação dela durante o período<br />
em questão. Esses ângulos analisados separadamente são em verdade a mesma coisa: “a<br />
história da Ilha de Santa Catarina no século XIX”. Porém, vistos individualmente,<br />
111 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição - pensamento político e crítica ambiental no<br />
Brasil escravista (1786-1888). Op.cit., p. 283.
232<br />
permitiram uma analise mais ampla e, justamente por isso, pode-se chegar a conclusão<br />
que floresta, agricultura e cidade são facetas do mesmo objeto.<br />
Ainda falando da natureza local, os próprios usos que lhe foram atribuídos<br />
esclarecem muito das necessidades da época e dos conceitos de progresso, paisagem e<br />
cultura. Podemos observar essas novas práticas analisando as primeiras tentativas de<br />
povoamento, o edital de convocação de imigrantes no arquipélago dos Açores e na Ilha da<br />
Madeira e a instalação de imigrantes de origem européia. Essas pessoas, vindas com o<br />
objetivo de ocupar e transformar a terra em uma nova e “controlada” porção do território do<br />
Brasil, fonte de renda e recurso para a coroa portuguesa adaptaram o novo ambiente a suas<br />
necessidades e se adaptaram a muitas características desse mesmo ambiente. A partir disso<br />
percebemos que o corte indiscriminado da floresta, o dessecamento e a derrubada de<br />
mangues - cujo objetivo era controlar focos de mosquitos e doenças além de facilitar a<br />
extração de madeiras nessas áreas -, a agricultura e a urbanização local não podem ser<br />
vistos somente sob seu aspecto político/econômico, como a ocupação e aproveitamento de<br />
um território português, uma “reserva” a ser administrada e da qual se deveria retirar o<br />
máximo possível em termos ambientais e político-estratégicos.<br />
O resultado dessa pesquisa também evidencia que ainda há muito que ser dito<br />
sobre essa região e, especialmente sobre a natureza local e a relação dos homens com ela.<br />
Mais que encerrar um debate, minha intenção foi mostrar que a história da Ilha de Santa<br />
Catarina, como “outras histórias”, careceram, durante muito tempo, de aspectos como as<br />
florestas, e de uma análise das relações dos “antigos” (índios e primeiros colonizadores) e<br />
dos “novos” (colonizadores açorianos e madeirenses e de novas moradores vindos do<br />
sudeste do Brasil) habitantes da região com essa floresta. Essas respostas dos novos<br />
habitantes do Brasil frente à natureza encontraram variáveis em cada ponto da colônia na
233<br />
medida em que estas dependem da forma como a cultura desses novos imigrantes foi<br />
ajustada.<br />
O resultado desse processo interagiu com os ideais de colonização do reino<br />
português para a colônia, estritamente relacionado com a idéia de ocupação do território e<br />
crescimento, em busca do progresso almejado. A dinâmica relacional não pendeu<br />
totalmente para o ponto objetivado apesar de quase naturalmente ter ido nessa direção. O<br />
choque normal entre cultura e natureza - quando essas são tão diferentes como os<br />
imigrantes europeus e sua nova terra - não inibiu o avanço da primeira sobre a segunda e<br />
em algumas décadas transformou a paisagem da Ilha de Santa Catarina.<br />
Para que esse novo código cultural/ambiental em comum (imigrantes europeus e<br />
natureza americana) fosse construído foi necessária a elaboração de estratégias de<br />
dominação da natureza, essa dominação incluía várias etapas que iam desde a derrubada da<br />
floresta até a implementação da agricultura e a urbanização da vila de Desterro. Foram<br />
esses pontos que, abordados no decorrer do texto, mostraram que em nenhum momento a<br />
floresta, a agricultura e a cidade estiveram isolados ou atuaram de forma independente, ao<br />
contrário, foram se construindo e transformando durante todo o século XIX em um mesmo<br />
e restrito espaço ilheo.<br />
Portanto, pelo desenvolvimento da indústria madeireira, da agricultura, o<br />
crescimento urbano, enfim, este novo modo de vida em uma nova terra resultou em uma<br />
nova paisagem, fruto do processo de ocupação, dos novos hábitos, estilos, gostos e práticas<br />
de convivência social. E tudo isso pôde ser percebido revendo e acrescentando opiniões a<br />
alguns tão “usados” e citados documentos históricos como leis, ilustrações, balanços<br />
comerciais, mapas, correspondências e relatórios e olhando para o objeto sempre<br />
considerando a natureza e sua influencia direta e indireta na vida dos homens. Isso permitiu<br />
que fossem reconhecidas as diferentes respostas sociais e culturais em termos de adaptação
234<br />
e mudança ambiental na Ilha de Santa Catarina. Ficando aqui atestada uma dinâmica<br />
sócio-ambiental muito mais complexa do que uma simples colonização e aproveitamento<br />
de recursos naturais, onde elementos humanos e naturais se interpenetram e se<br />
transformaram ao invés de se excluírem, possibilitando o surgimento de uma cultura local<br />
com novos hábitos, novas necessidades e novos lugares, perfeitamente integrados no tempo<br />
e no espaço.
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de Janeiro, Tomo 11, parte 1ª, secção 44. Brasil. Artigo 1.<br />
BRITO, Antero Jozé Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina<br />
em 1841., p. 9 e 10. Op. cit. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
Carta Régia de 13 de março de 1797, apud SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação<br />
florestal. Rio de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934.<br />
Carta Régia de 13 de março de 1797, Apud. SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação<br />
Florestal. Rio de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934., p.20-21.<br />
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Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845.<br />
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa<br />
Senhora do Desterro, 22 de outubro de 1888. Título 3º, capítulo 1; arts.: 49, 50, 51 e 52.
255<br />
CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>, Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do<br />
Brasil. Ofício ao governador da Capitania de Santa Catarina Joaquim Xavier Curado. Rio<br />
de Janeiro a 14 de junho de 1801. Acervo BN.<br />
CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />
16/05/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />
18/09/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />
27/10/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
CON<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> REZEN<strong>DE</strong>. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />
03/12/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa<br />
de Santa Catarina, 1º de março de 1851., p. 9. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd.<br />
08/03/07.<br />
COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa<br />
de Santa Catarina, 1º de março de 1854. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd.<br />
08/03/07.<br />
CURA<strong>DO</strong>, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria de Manoel Dutra Garcia, Funriel<br />
da Cavalaria de milícias e actual Tesoureiro dos Rendimentos da nova igreja de Nossa<br />
Senhora da Lapa do Distrito do Ribeirão. Nossa Senhora do Desterro, 28 de abril de 1804.<br />
Acervo APESC.<br />
CURA<strong>DO</strong>, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria do Capitão Miguel Francisco da<br />
Costa. Acervo n. 1, Estante n. 8E. APESC., fl 145v. 18/04/1805.<br />
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acompanhada de um plano de defesa de seu litoral, de autoria de Félix José de matos,<br />
durante a Guerra da Cisplatina. Desterro, 1819.
256<br />
PORTUGAL, D. Fernando José de. Oficio do Vice Rei ao Governador de Santa<br />
Catarina Joaquim Jose Curado. 7-09-1802. APESC<br />
PORTUGAL, D. Fernando José de. Oficio do Vice Rei ao Governador de Santa Catarina<br />
Joaquim Jose Curado. 23-12-1802. APESC<br />
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In: RIHGB, 1º Semestre 1943, p. 149.<br />
REI D. JOÃO V. Provisão Régia de 9 de agosto de 1747. Comunicou aos habitantes das<br />
ilhas dos Açores que a Coroa oferecia uma série de vantagens aos casais ilhéus que<br />
decidissem emigrar para o litoral do sul do Brasil.<br />
Relatório do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro:<br />
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Relatório do Presidente da Província José Mariano de Albuquerque Cavalcante, 1837., p.<br />
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16/05/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />
18/09/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />
27/10/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />
03/12/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.<br />
REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro. Acervo:<br />
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REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em<br />
22/12/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. APESC.<br />
REZEN<strong>DE</strong>, Conde de. Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil<br />
Ofício ao governador da Capitania de Santa Catarina Joaquim Xavier Curado. Rio de<br />
Janeiro a 14 de junho de 1801.
257<br />
RIBEIRO João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, apresentando<br />
relatório sobre a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados<br />
estatísticos. Desterro, 17 de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc.<br />
130p. (códice 3,3,17).<br />
RIBEIRO, João Alberto de Miranda, Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua<br />
Jurisdição. Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de Mar e<br />
Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro 11 de abril de 1798. Acervo: APESC.<br />
RIBEIRO, João Alberto de Miranda, Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua<br />
Jurisdição. Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de Mar e<br />
Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro 22 de março de 1798. Acervo: APESC.<br />
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende Vice Rey e Capitão<br />
General de Mar e Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro a 5 de junho de 1798.<br />
Acervo BN.<br />
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Rezumo Geral de Toda a População Pertencente<br />
ao Governo da Ilha de Santa Catharina, Formado pelos mappas que derão os officios<br />
de cada hum dos Distritos do mesmo Governo. 1º de Janeiro de 1796. Acervo Biblioteca<br />
Nacional: Seção de Manuscritos, conjunto documental 7,4,31.<br />
ROCHA, Francisco José da. Relatório do Presidente da Província à Assembléia<br />
Legislativa, 1885. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa da Província de Santa<br />
Catharina em 21 de março de 1875 pelo exm. Sr, Presidente da Província. Cidade do<br />
Desterro: Typ. De J.J. Lopes, 1875.<br />
SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Santa<br />
Catarina em 25 de março de 1874. Cidade de Desterro: Typ. De JJ Lopes, 1874.<br />
SILVA, João Thomé. FALLA dirigida à Assembléia Legislativa da Província de Santa<br />
Catharina em 21 de março de 1875. Cidade do Desterro Typ. De J.J. Lopes, 1875.<br />
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Concessão de Bernardo<br />
Francisco Tavares, 1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 128 verso.<br />
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria de Domingos José,<br />
cazado, morador nesta Vila. Desterro, 1808. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 152-153.<br />
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria do Capitão de<br />
Cavalaria Miliciana Miguel Francisco da Costa. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 50<br />
e 51, 1807.<br />
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de Sesmaria de Francisco da Roxa Cotta,<br />
morador nesta Vila de Desterro, 04/01/1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 129.<br />
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício. Doação de sesmaria à João Prestes Barreto da<br />
Fontoura. 30/04/1811. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 161.
258<br />
SOARES, Roberto. Ofício relatando a situação das defesas da Ilha de Santa Catarina de<br />
autoria de Roberto Soares, escrevendo a bordo da Nau Sto Antonio, no momento na costa<br />
catarinense. 21 de novembro de1776. Acervo: Arquivo Nacional.<br />
TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Planta Topographica da Cidade do Desterro<br />
Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo.<br />
Snr. Dor. Taunay Alfredo D’Escragnolle pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio<br />
Pereira do Lago e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo<br />
Histórico do Exército).<br />
VALLE, Severo Amorim do. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia<br />
Legislativa de Santa Catarina, 6 de março de 1849., p. 46-47. Pesquisado em<br />
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.<br />
VILELA, Valentim Antônio. Ofício do Capitão da Fragata Cisne ao Governador João<br />
Alberto de Miranda Ribeiro com Relação de consumo em 26/02/1798. Acervo: APESC.<br />
www.umbuzeiro.cnip.org.br. Consultado em 08/09/06.<br />
Relatos de jornais:<br />
FALLA do Presidente de Província. O Conservador, Nossa Senhora do Desterro, 08 de<br />
maio de 1855. Nº321, p. 03, coluna 03.<br />
GOUVÊA, Joaquim Bandeira de. Relatório que o Exmo. Sr. Presidente da Província de<br />
Santa Catharina Dr. Joaquim Bandeira de Gouvêa dirige a Assembléia Legislativa<br />
Provincial no acto de abertura de sua cessão ordinária de 26 de março de 1871. Jornal A<br />
Província: Folha Politica e Noticiosa. Nº 37, anno 01 - pág. 01, col. 01 e 02. Acervo:<br />
Biblioteca Nacional.<br />
Iluminação Pública. Correio Catharinense – jornal commercial, noticioso e literário,<br />
Nossa Senhora do Desterro, 09 de fevereiro de 1853. Nº 13, p. 01, colunas 2 e 3. Acervo<br />
BN.<br />
LOPES, José R. Reparos Urgentes em Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de<br />
1863. Nº 11, Editorial, p. 01, coluna 01. Acervo: Biblioteca Nacional.<br />
MELLO ALVIN, João de Souza. Relatório apresentado ao Sr. Presidente de Província pelo<br />
Sr. Capitão de engenheiros João de Souza Mello Alvin sobre as fontes públicas desta<br />
Capital. Jornal O Conciliador Catarinense. 17 de novembro de 1849, pág. 02,03 e 04 –<br />
col:01. Acervo Biblioteca Nacional.<br />
Relação das obras mais necessárias n’esta cidade para melhorar seu estado sanitário, acceio,<br />
etc. a que se refere o ofício da presidência de 24/02/1853. Correio Catharinense – jornal<br />
commercial, noticioso e litterario, Desterro, 16/02/1853. Nº 14, p. 01, colunas 1, 2 e 3.<br />
Acervo: BN.<br />
Reparos urgentes nas Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de 1863, nº11, p. 01.<br />
Acervo: Biblioteca Nacional.