A Orelha de Deus - Culturgest
A Orelha de Deus - Culturgest
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© Pedro Marques<br />
Título original God’s Ear (2007) Encenação Cristina Carvalhal Tradução Rogério Casanova<br />
Com Cucha Carvalheiro, Diana Sá, Emílio Gomes, Luísa Cruz, Manuel Wiborg,<br />
Pedro Carmo e Sandra Faleiro Cenário e figurinos Ana Limpinho e Maria João Castelo<br />
Música Sérgio Delgado Desenho <strong>de</strong> luz José Manuel Rodrigues Fotografias Pedro Marques<br />
Produção executiva Mafalda Gouveia Co-produção <strong>Culturgest</strong>, Teatro Oficina e Causas Comuns<br />
Apoios Arsoft, Hasbro, SATA Agra<strong>de</strong>cimentos Teatro Nacional D. Maria II, David Santos,<br />
Olga Roriz, Nuno M. Cardoso, Nuno Carinhas, Sara Carinhas, João Limpinho,<br />
José André, Pedro Carvalhal, Moreno Cabeleireiros<br />
Outras apresentações Centro Cultural Vila Flor, Guimarães, 2 <strong>de</strong> Outubro;<br />
Teatro Viriato, Viseu, 23 e 24 <strong>de</strong> Outubro<br />
A tradução da peça está publicada na colecção Livrinhos <strong>de</strong> Teatro,<br />
numa edição Artistas Unidos / <strong>Culturgest</strong> / Livros Cotovia.<br />
Qui 24, Sex 25, Sáb 26, Seg 28, Ter 29, Qua 30 <strong>de</strong> Setembro<br />
Pequeno Auditório · 21h30 · Duração: 1h30 · M16<br />
Entre pensar e dizer<br />
A primeira vez que li este texto fiquei<br />
fascinada pela sua estrutura formal.<br />
Uma espécie <strong>de</strong> partitura musical on<strong>de</strong><br />
o ritmo e o prazer do jogo com as<br />
palavras concorrem para a criação <strong>de</strong><br />
um ambiente onírico, on<strong>de</strong> realida<strong>de</strong> e<br />
ficção se misturam e as categorias <strong>de</strong><br />
espaço e tempo se diluem. Mas, sobretudo,<br />
interessou-me a sensação <strong>de</strong> que<br />
propunha uma imersão no líquido sináptico<br />
<strong>de</strong> uma “cabeça pensante”, <strong>de</strong> que<br />
acompanha essa viagem entre o pensar<br />
e o dizer, esse lapso <strong>de</strong> tempo, esse<br />
espaço semi-abstracto on<strong>de</strong> as palavras<br />
se formam mas ainda contaminadas <strong>de</strong><br />
vizinhanças sonoras e <strong>de</strong> sentido.<br />
A tragédia da perda <strong>de</strong> um filho<br />
distorce a capacida<strong>de</strong> comunicacional<br />
no interior da célula familiar, os diálogos<br />
tornam-se absurdos e o humor instala-<br />
‐se. O riso nasce da nossa capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> inteligir o caos criado e no entanto<br />
ela move-se: a dor.<br />
O mote é dado pelo prólogo: o coma<br />
que antece<strong>de</strong>u a morte <strong>de</strong> Sam.<br />
Entraremos no terreno do inconsciente<br />
que jaz nas profun<strong>de</strong>zas do<br />
iceberg. Para Lacan, o inconsciente é<br />
estruturado como uma linguagem, mas<br />
trata-se <strong>de</strong> uma estrutura que não se<br />
organiza em torno <strong>de</strong> um centro, um<br />
sentido ou um significado estável: como<br />
nos ensina Derrida, esse lugar central<br />
engendra apenas outra ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> significantes,<br />
e assim sucessivamente.<br />
Sabemos que os sonhos estão em<br />
contacto directo com o material dos<br />
mitos, textos <strong>de</strong> ficção, ditos populares e<br />
folclore. E tal como nos sonhos, também<br />
aqui, assistimos à construção <strong>de</strong> um<br />
mundo povoado por esses elementos,<br />
que nos surpreen<strong>de</strong>m pelo aparente<br />
<strong>de</strong>slocamento relativamente a um contexto,<br />
on<strong>de</strong> os temas são fragmentados,<br />
substituídos ou <strong>de</strong>formados para nos<br />
revelarem possíveis narrativas.<br />
Num processo colectivo <strong>de</strong> análise e<br />
experimentação, procurámos abordar<br />
este universo através do levantamento<br />
<strong>de</strong> situações e percursos emocionais das<br />
personagens, assim como <strong>de</strong> arquétipos<br />
e simbologia presentes, mantendo<br />
contudo as inúmeras ambiguida<strong>de</strong>s que<br />
o texto propõe.<br />
Como se essa incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
nomear em <strong>de</strong>finitivo, <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r<br />
a totalida<strong>de</strong>, esse querer <strong>de</strong>bruçar-se<br />
sobre o invisível, esse tipo <strong>de</strong> comunicação<br />
incompleto e <strong>de</strong>sestabilizador fosse<br />
realmente o cerne do espectáculo.<br />
Cristina Carvalhal<br />
Fadiga semântica<br />
Apropriadamente para uma peça estruturalmente<br />
<strong>de</strong>formada para se assemelhar<br />
a um sonho, A <strong>Orelha</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> é<br />
também um pesa<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> tradução. Não<br />
apresenta <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> inovação, mas sim<br />
<strong>de</strong> memória: memória <strong>de</strong> todas as formulações<br />
gastas, <strong>de</strong> toda a linguagem<br />
morta que os nossos radares verbais<br />
captaram ao longo da vida. A tradução<br />
procurou manter a essência do texto –<br />
um texto americano, com referências<br />
claramente americanas – só resvalando<br />
para a adaptação cultural quando<br />
estritamente necessário, e tentando, na<br />
medida do possível, preservar o formidável<br />
ritmo cómico do original.<br />
A <strong>Orelha</strong> <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> é essencialmente<br />
sobre clichés. As personagens movem-<br />
‐se naquele maleável espaço interior<br />
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