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Ciências & Cognição - Vol 13(3), novembro, 2008. - Ciências e ...

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Cien. Cogn., <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3), 2008 <br />

ISSN 1806-5821 - Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

© Ciências & Cognição<br />

Ciências & Cognição. <strong>Vol</strong>ume <strong>13</strong>, Número 3, Dezembro <strong>2008.</strong><br />

ISSN 1806-5821. Revista Eletrônica de Divulgação Científica.<br />

© ICC - Instituto de Ciências Cognitivas. Revista Oficial do Instituto de Ciências Cognitivas.<br />

Ciências & Cognição é uma publicação apoiada pelo Instituto de Ciências Cognitivas (ICC), MCT-CNPq, MEC-<br />

CAPES e Governo Federal.<br />

Revista Ciências & Cognição:<br />

A/C Prof. Dr. Alfred Sholl-Franco.<br />

Universidade Federal do Rio de Janeiro - Av. Carlos Chagas Filho, S/N, Centro de Ciências da Saúde, Instituto de Biofísica<br />

Carlos Chagas Filho, Bloco G, sala G2-032/019, Cidade Universitária, Ilha do Fundão – Rio de Janeiro – RJ<br />

21.941-902.<br />

Nominata – Corpo Editorial<br />

Editores-chefes: Dr. Alfred Sholl-Franco (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr. Gláucio Aranha (ESAJ, Rio de Janeiro, RJ),<br />

Dr. Mário César Lugarinho (USP, São Paulo, SP), Dr. Mauricio Aranha (ICC, Juiz de Fora, MG).<br />

Conselho Editorial: Dr. Alfred Sholl-Franco (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr. Gláucio Aranha (ESAJ, Rio de Janeiro,<br />

RJ), Dr. Mário César Lugarinho (USP, São Paulo, SP), Dra. Eliana Yunes (PUC-RJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr. Mauricio<br />

Aranha (ICC, Juiz de Fora, MG), Dr. Jorge Bidarra (UNIOESTE, Cascavel, PR).<br />

Pareceristas/Consultores Nacionais: Dr. Adroaldo Viola Coelho (IBMR, Rio de Janeiro, RJ), Dr. Afonso de Albuquerque (UFF,<br />

Niterói, RJ), Dr a .Agnella da Silva Giusta (PUC-Minas, Belo Horizonte, MG), Dr. Alex Sandro Gomes (UFPE, Recife, PE), Dr. Alfred<br />

Sholl-Franco (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr a . Ana Cristina Barros da Cunha (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr a . Ana Lúcia Marques<br />

Ventura (UFF, Niterói, RJ), Dr a . Ana Lucia Ribeiro de Oliveira (UFU, Uberlândia, MG), Dr a . Ana Paula Fabrino Bretas Cupertino<br />

(UFJF, Juiz de Fora, MG), Dr a . Andréa Gerevini da Fonseca (UNESA, Rio de Janeiro, RJ), Dr a . Aniela Improta França (UFRJ, Rio de<br />

Janeiro, RJ), Dr. Bernard Pimentel Rangé (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr. Carlos Henrique de Souza Gerken (UFSJ, São João Del Rey,<br />

MG), Dr a . Carmem Lúcia Dias (UNESP, São Paulo, SP), Dr a . Cláudia Domingues Vargas (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr. Claudio<br />

Alberto Serfaty (UFF, Niterói, RJ), Dr. Cristiano Mauro Assis Gomes (UFMG, Belo Horizonte, MG), Dr a . Daniela Uziel (UFRJ, Rio<br />

de Janeiro, RJ), Dr. Eduardo José Manzini (UNESP, São Paulo, SP), Dr a . Elaine Vieira (PUC-RS, Porto Alegre, RS), Dr a . Elis Regina<br />

da Costa (FAIT, Itapeva, SP), Dr a . Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin (UEL, Londrina, PR), Dr a . Elizabeth Veiga (PUC-PR, Curitiba,<br />

PR), Dr. Emerson da Cruz Inacio (USP, São Paulo, SP), Dr. Evandro Ghedin (FSDB, Manaus, AM), Dr a . Fátima Regina Machado<br />

(PUC-SP, São Paulo, SP), Dr. Francisco das Chagas Abreu da Silveira (UFF, Niterói, RJ), Dr. Francisco Antonio Pereira Fialho<br />

(UFSC, Florianópolis, SC), Dr. Franklin Santana Santos (USP, São Paulo, SP), Dr. Gerson Américo Janczura (UnB, Brasília, DF), Dr.<br />

Gláucio Aranha (ESAJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr a . Graciela Inchausti de Jou (PUC-RS, Porto Alegre, RS), Dr a . Dr. Haller Elinar Stach<br />

Schunemann (UNASP, São Paulo, SP), Heloisa Pedroso de Moraes Feltes (UCS, Caxias do Sul, RS), Dr a . Ingrid Hötte Ambrogi<br />

(MACKENZIE, São Paulo, SP), Dr. Lauro Eugênio Guimarães Nalini (UFG, Goiânia, GO), Dr a . Leila Regina D'Oliveira de Paula<br />

Nunes (UERJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr a . Liliana Seger Jacob (Pesquisadora autônoma, SP), Profa. Lúcia Helena Barbosa (DMSP, Barbacena,<br />

MG), Dr. Luiz Ernesto Merkle (UTFPR, Curitiba, PR), Jalton Gil Torres Pinho (CNEN - RJ), Dr. Jan Edson Rodrigues-Leite<br />

(UFPB - PB), Jeane Gláucia Tomazelli (INCA - RJ), Dr. Dr. João de Fernades Teixeira (UFSCAR, São Carlos, SP), Dr. José Carlos<br />

Leite (UFMT, Cuiabá, MT), Dr. Jorge Bidarra (UNIOESTE, Cascavel, PR), Dr. Jorge Campos da Costa (PUC-RS, Porto Alegre, RS),<br />

Dr. Jorge Luiz Antônio (UAM, São Paulo, SP), Dr a . Magda Damiani (UFPEL, Pelotas, RS), Dr. Marcelo da Silva Alves (UFJF, Juiz de<br />

Fora, MG), Dra. Marcia Regina S. Brito (UNICAMP, Campinas, SP), Dr. Marcos Emanoel Pereira (UFBA, Salvador, BA), Dr a . Maria<br />

Cecília Rafael de Góes (UNIMEP, Piracicaba, SP), Dr. Mario Cesar Lugarinho (USP, São Paulo, SP), Dr. Maurício Aranha (ICC, Juiz<br />

de Fora, MG), Dr a . Patrícia Maria Mendonça Torres (UNESA, Rio de Janeiro, RJ), Dr a . Paula Campello Costa Lopes (UFF, Niterói,<br />

RJ), Dra. Paula Ventura (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr. Paulo Gomes Lima (FAECH, Hortolândia, SP), Dr a . Priscilla Oliveira Silva<br />

(UFRJ, Rio de Janeiro, RJ), Dr a . Renata Ferrarez Fernandes Lopes (UFU, Uberlândia, MG), Dr. Renato Miranda (UFJF, Juiz de Fora,<br />

MG), Dr. Ricardo Wainer (UNISINOS, Porto Alegre, RS), Dr. Robélius De Bortoli (UNESC; SABAVI, Vitória, ES), Dr a . Simone da<br />

Silva Machado (UNISC, Santa Cruz do Sul, RS), Dr a . Simone Maria Andrade Pereira de Sá (UFF, Niterói, RJ), Dr a . Sueli Galego de<br />

Carvalho (Mackenzie, São Paulo, SP), Dr a . Suzete Venturelli (UnB, Brasília, DF), Dr a . Sylvia Beatriz Joffily (UENF, Campos dos<br />

Goytacazes, RJ), Dr a . Tattiana Gonçalves Teixeira (UFSC, Florianópolis, SC), Dr. Thomaz Decio Abdalla Siqueira (UFAM, Manaus,<br />

AM), Dr a . Valdemarina Bidone de Azevedo e Souza (PUC-RS, Porto Alegre, RS), Dr. Walter Fonseca Boechat (IBMR - RJ), Dr. Wilson<br />

Mendonça (UFRJ, Rio de Janeiro, RJ)<br />

Pareceristas/Consultores Internacionais: Dr a . Cristiane Monteiro da Cruz (Millipore, Molsheim, França), Dr a . Jainne M. Ferreira<br />

(New York University, New York, USA), Dr. Jorge de Almeida Gonçalves (FCSH, Lisboa, PT)<br />

Consultores ad hoc: Dr. Adrian Oscar Dongo Montoya (UNESP, São Paulo, SP), Dra. Adriana Cardoso de Oliveira e Silva (UFF,<br />

Niterói, RJ), Dr. André Ferrer Pinto Martins (UFRN, Natal, RN), Dr. Carlos Diógenes Côrtes Tourinho (UFF, Niterói, RJ), Dr. Cidoval<br />

Morais de Sousa (UFPB, Campina Grande, PB), Dr. Kleber Bez Birolo Candiotto (PUC-PR, Curitiba, PR), Dr. Leonardo Porto (UFRS,<br />

Porto Alegre, RS), Dr. José Ternes (UCG, Goiânia, GO), Dra. Isabel Hazin (UFRN, Natal, RN), Dra. Léa Maria Bezerra de Menezes<br />

(UFCE, Fortaleza, CE), Dr a . Monah Winograd (PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ), Dra. Mônica da Costa Serra (UNESP, Araraquara, SP),<br />

Dr. Pedro da Cunha Pinto Neto (Unicamp, Campinas, SP).<br />

Produção e Realização: Instituto de Ciências Cognitivas (ICC).<br />

Equipe Técnica: Gustavo Souza da Silva (Normalização), Luiz Carlos D. Franco (Revisão de Língua Inglesa), Igor<br />

Mechler (Assessoria de Imprensa), Anderson de Oliveira (Design).<br />

Site: http://www.cienciasecognicao.org.<br />

Dúvidas: assessoria@cienciasecognicao.org.<br />

Atendimento: revista@cienciasecognicao.org.<br />

Submissão: submissao@cienciasecognicao.org.<br />

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Cien. Cogn., <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3), 2008 <br />

ISSN 1806-5821 - Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

© Ciências & Cognição<br />

Ciências & Cognição<br />

ISSN 1806-5821<br />

<strong>Vol</strong>ume <strong>13</strong>, Número 3 Dezembro 2008<br />

Conteúdo<br />

Cien. Cogn., <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3), dezembro, <strong>2008.</strong><br />

Índice<br />

Editorial.<br />

Maurício Aranha.<br />

Perspectivas sobre o projeto de constituição da neuropsicanálise: um olhar crítico.<br />

Perspective on constitution project of neuropsychoanalysis: a critical view.<br />

Estevão M. Guerra e José Ignacio T. Xavier.<br />

Avaliação do desempenho escolar em matemática de crianças com transtorno de déficit<br />

de atenção/hiperatividade (TDAH): um estudo piloto.<br />

Assessment of academic performance in mathematics for children with attention deficit<br />

hyperactivity disorder (ADHD): a pilot study.<br />

Marisa Vital e Izabel Hazin.<br />

Avaliação da validade e fidedignidade do instrumento crenças de estudantes sobre<br />

ensino-aprendizagem (CrEA).<br />

Psychometrical proprieties of teaching and learning student’s beliefs scale.<br />

Cristiano Mauro Assis Gomes e Oto Borges.<br />

Significações e subjetividade em mulheres portadoras de transtornos alimentares.<br />

Meanings and subjectivity in women suffering from eating disorders.<br />

Joana Martins de Mattos e Leila Sanches de Almeida.<br />

Associação entre as características do profissional do ensino fundamental e seus conhecimentos<br />

em saúde bucal.<br />

Association between the elementary teaching professionals’ characteristics and their<br />

knowledge in oral health.<br />

Rita de Cássia Alencar Duarte Michel Vellozo, Dagmar de Paula Queluz, Fábio Luiz<br />

Mialhe e Antonio Carlos Pereira.<br />

A dinâmica de resolução de problemas: analisando episódios em sala de aula.<br />

The dynamic of problem solving: analyzing episodes in the classroom.<br />

Wilmo Ernesto Francisco Junior, Luiz Henrique Ferreira e Dácio Rodney Hartwig.<br />

Inserção dos centros e museus de ciências na educação: estudo de caso do impacto de<br />

uma atividade museal itinerante.<br />

Insertion of the centers and science museums in education: a case study of the impact of<br />

an itinerant museal activity.<br />

Grazielle Rodrigues Pereira, Maura Ventura Chinelli e Robson Coutinho-Silva.<br />

Afetividade, motivação e construção de conhecimento científico nas aulas desenvolvidas<br />

em ambientes naturais.<br />

Affect, motivation and scientific knowledge build up in science classes developed in natural environment.<br />

Tatiana Seniciato e Osmar Cavassan.<br />

Página<br />

01<br />

02<br />

19<br />

36<br />

51<br />

70<br />

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100<br />

120<br />

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Cien. Cogn., <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3), 2008 <br />

ISSN 1806-5821 - Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

© Ciências & Cognição<br />

Aspectos cognitivos da percepção na propaganda.<br />

Cognitive aspects of advertising perception.<br />

Leandro Leonardo Batista, Carla Daniela Rabelo Rodrigues, Janaína Geraldes Brizante<br />

e Reginaldo Franchesci.<br />

Mídia e referências: um estudo sobre interações e efeitos.<br />

Media and references: a study about interactions and effects.<br />

Leandro Leonardo Batista, Renato de Faria Cavalheiro e Francisco Leite<br />

A subjetividade de estudantes em suas relações com a escrita: um estudo exploratório.<br />

The subjectivity of students in their relations with the writing: an exploratory study.<br />

Vanessa Rocha Novaes, Geida Maria Cavalcanti de Sousa e Darlindo Ferreira de<br />

Lima.<br />

A abordagem da “mente incorporada” na atividade de trabalho.<br />

The embodied mind approach in the work activity.<br />

Gilbert Cardoso Bouyer.<br />

Interpretação de metáforas com verbos de mudança de estado .<br />

Interpretation of metaphors with verbs of changing of manner.<br />

Dieysa Kanyela Fossile.<br />

Políticas de educação inclusiva e a instituição especializada na educação da pessoa<br />

com deficiência mental.<br />

Policies for inclusive education and the specialized institution in education of a person<br />

with mental disability.<br />

Silvia Márcia Ferreira Meletti.<br />

Da marginalidade à inclusão: a socialização através da educação no Presídio de Araguaína<br />

(TO).<br />

From marginalization to inclusion: the socialization through the education in Araguaína’s<br />

Maximum Security Prison.<br />

Luiza Helena Oliveira da Silva, Francisco Neto Pereira Pinto e Kátia Cristina Custódio<br />

Ferreira Brito.<br />

Prescrição de leitura na escola e formação de leitores.<br />

Prescription of reading at school and readers’ education.<br />

Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin e Lucinéia de Souza Gomes Moreira.<br />

Tecnologia de ensino e tecnologia assistiva no ensino de crianças com paralisia cerebral.<br />

Technology for education and assistive technology in teaching children with cerebral<br />

palsy.<br />

Ana Irene Alves de Oliveira, Marilice Fernandes Garotti e Nonato Márcio Custódio<br />

Maia Sá.<br />

Revisão crítica do currículo integrado às tecnologias computacionais.<br />

Critic review of computing technologies integrated into the curriculum.<br />

Elise Mendes.<br />

Cognição, categorização, estereótipos e vida urbana.<br />

Cognition, categorization, stereotypes, and urban life.<br />

Marcos Emanoel Pereira.<br />

<strong>13</strong>7<br />

151<br />

162<br />

172<br />

187<br />

199<br />

214<br />

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243<br />

263<br />

280<br />

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ISSN 1806-5821 - Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

© Ciências & Cognição<br />

Mediação do professor na aquisição e produção colaborativa do conhecimento na<br />

Web.<br />

Teacher mediation in collaborative knowledge acquisition and production via Web.<br />

Deller James Ferreira e Gilberto Lacerda dos Santos.<br />

Experiências matemáticas no contexto de jogos eletrônicos.<br />

Mathematics experiences in the context of electronic games.<br />

Cristiano N. Tonéis e Luis Carlos Petry.<br />

Esquema corporal, imagem visual e representação do próprio corpo: questões teórico-conceituais.<br />

Body schemes, visual images and representations of self body: theoretical and conceptual<br />

questions.<br />

Neli Klix Freitas.<br />

Homens e máquinas.<br />

Human factor.<br />

Valdenise Schmitt.<br />

Um passeio literário pela educação.<br />

A literary trip around education.<br />

Vania Marta Espeiorin.<br />

288<br />

300<br />

318<br />

325<br />

332<br />

Normas para publicação. 337<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 01 <br />

ISSN 1806-5821 - Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

© Ciências & Cognição<br />

Editorial<br />

A Revista Ciência & Cognição chega ao final deste ano de 2008 orgulhosa de estar<br />

completando seu quinto ano editorial, de continuar conquistando a confiança de seus leitores,<br />

de estar cada vez mais comprometida com uma informação acadêmica de qualidade, de conquistar<br />

maturidade e aprofundamento em suas diversas áreas do conhecimento humano.<br />

Cremos dever este momento tão significativo aos nossos colaboradores e pesquisadores<br />

que com responsabilidade e empenho nos brinda com artigos enriquecedores, debates pertinentes<br />

e de reflexão aguda. Nossos revisores que se esmeram na arte de lapidar o conhecimento<br />

impresso em nossas edições, cuidando para que o material a ser publicado tenha o mérito de<br />

enobrecer o desenvolvimento humano. Os editores, incansáveis na busca do aprimoramento da<br />

revista, na elaboração de novas formas de transmitir o conhecimento, de estimular o engajamento<br />

de novos e promissores pesquisadores. Nossos leitores, por dedicarem seu tempo a leitura,<br />

sugestão e avaliação dos materiais publicados por nós, por acreditarem no nosso trabalho e<br />

conosco solidarizam-se.<br />

Aprimoramento, esta é a palavra sobre a qual nosso trabalho se funda. O contínuo ato, a<br />

ação de tornar cada vez melhor, mais bem acabado, mais perfeito, mais apurado, e, ao mesmo<br />

tempo, prazeroso a leitura de cunho acadêmico. Nunca deixando de demonstrar que a melhor<br />

forma de nos aproximarmos da verdade é pelo viés da multidisciplinaridade: de pensamento, de<br />

enfoque, de olhares, de significados e de sentidos, uma vez que sabemos que quem dá sentido a<br />

realidade é a mente humana por meio de suas produções.<br />

Com este espírito a Revista Ciência & Cognição, conclui seu ciclo em 2008 levando aos<br />

nossos leitores mais uma série de artigos que merecem uma reflexão. E conta com todos vocês<br />

para iniciarmos uma nova jornada neste vasto, fascinante e misterioso mundo do conhecimento<br />

das formas e dos conteúdos, no ano de 2009.<br />

Maurício Aranha<br />

Conselho Editorial<br />

Ciências & Cognição<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 02-18 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 28/02/2008 | Revisado em 06/09/2008 | Aceito em 19/08/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Artigo Científico<br />

Perspectivas sobre o projeto de constituição da neuropsicanálise:<br />

um olhar crítico<br />

Perspective on constitution project of neuropsychoanalysis: a critical view<br />

Estevão M. Guerra a, <br />

e José Ignacio T. Xavier b,c, <br />

a Faculdade de Psicologia, Faculdade Regional de Ubá, Universidade Presidente Antônio<br />

Carlos (UNIPAC), Ubá, Minas Gerais, Brasil; b Secretaria Estadual de Saúde, Rio de Janeiro,<br />

Rio de Janeiro, Brasil; c Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicoterapia (NEPP), Rio de<br />

Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil<br />

Resumo<br />

O consistente avanço da pesquisa neurocientífica tem suscitado concatenações com a<br />

psicanálise visando a criação de uma nova disciplina: a neuropsicanálise A expressão<br />

‘neuropsicanálise’ oferece, em si mesma, algumas dicas da pretensão “amalgamante” entre os<br />

distintos campos do conhecimento e o presente artigo objetiva examinar as condições de<br />

‘transcrição conceitual’ entre estes dois domínios bem como o seu inverso: até que ponto estes<br />

campos - caracterizados por procedimentos epistemológicos e metodológicos distintos - podem<br />

realizar com sucesso a escalada rumo a um novo paradigma. Assumimos que alguns conceitos<br />

da psicanálise e da neurociência podem ‘migrar’, observadas as devidas cautelas, entre os dois<br />

campos sem o risco de se incorrer em ‘imposturas intelectuais’. Por outro lado, acreditamos<br />

que alguns dos conceitos centrais da psicanálise não se mostram epistemologicamente aptos a<br />

encontrar ressonância no campo da neurociência (e vice-versa) sem o risco de perdas<br />

irreparáveis em sua identidade conceitual. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 02-18.<br />

Palavras-chave: neurociências; psicanálise; neuropsicanálise; epistemologia;<br />

neurodinâmica.<br />

Abstract<br />

The consistent advance of neuroscientific research has stimulated links with psychoanalysis,<br />

leading to the creation of a new discipline: neuropsychoanalysis. The term ‘neuropsycho<br />

analysis’ offers, in itself, several indications of the wish for amalgamation between these<br />

distinct fields of knowledge. The present article aims to examine the possible conditions for a<br />

‘conceptual transcription’ between these two domains, as well as for its opposite: to what<br />

extent these fields – characterized by epistemological and methodological procedures which<br />

are diametrically opposed – can realize with success the steps required for a new paradigm.<br />

Let us assume that some of the concepts of psychoanalysis and of neuroscience can ‘migrate’,<br />

given due caution, between the two fields without the risk of incurring intellectual impostures.<br />

Or on the other hand let us acknowledge that some of the central concepts of psychoanalysis<br />

do not appear epistemologically suitable in finding any resonance in the field of neuroscience<br />

(and vice versa) without the risk of irreparable losses to its conceptual identity. © Cien. Cogn.<br />

2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 02-18.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 02-18 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 28/02/2008 | Revisado em 06/09/2008 | Aceito em 19/08/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Keywords: neurosciences; psychoanalysis; neuropsychoanalysis; episthemology;<br />

neurodynamics.<br />

1. O Problema epistemológico da neuropsicanálise<br />

Desde a abandonada tentativa inicial de Freud de embasar neurologicamente a<br />

psicanálise não houve momento mais propício para a retomada do seu projeto de integração<br />

como agora. Entretanto, tal empreitada enfrenta resistências em ambas as cabeceiras da ponte<br />

que Freud originalmente pretendeu estabelecer entre neurologia e psicanálise. Muitas delas<br />

emergem de pura e simples inércia cognitiva e resistência corporativa; outras, entretanto,<br />

apontam para as inevitáveis dificuldades epistemológicas e metodológicas que precisam ser<br />

superadas para que a ponte a ser construída se revele efetivamente viável, sólida e transitável.<br />

Herculano-Houzel (2005) admite haver noções importantíssimas na psicanálise que<br />

são hoje reconhecidas também pela neurociência; mas é apenas esperado que duas áreas<br />

independentes que se interessam pelo mesmo assunto – a mente humana – tenham opiniões<br />

convergentes e reconheçam os mesmos fenômenos.<br />

Pelo lado da psicanálise, também se observa semelhante reserva, uma vez que André<br />

Green (1995) ressalva que uma das contradições da ciência é que ela se mostra incapaz de<br />

fornecer uma teoria do sujeito vivo, aquele que (dentre outras coisas) produz ciência. O<br />

pensamento científico, como observa Green,<br />

“(...) só é capaz de se empenhar numa teoria da produção da ciência, mas não do sujeito<br />

produtor da ciência, porque uma concepção do sujeito produtor da ciência deveria<br />

conjugar, articular e pensar o funcionamento científico e o funcionamento não-científico<br />

da pessoa....trata-se de fazer a teoria da ciência, a teoria do sujeito produtor de ciência,<br />

quer dizer, fazer a teoria do psiquismo. Como convivem e coexistem os dois e o que<br />

significa isso” (Green, 1995: 30)<br />

As palavras de Green parecem remeter diretamente ao desafio da próxima fronteira do<br />

conhecimento em nosso campo; um desafio cuja superação exige que deixemos aqui a nossa<br />

modesta contribuição. Logo, a questão nuclear de nosso estudo visa avaliar até que ponto<br />

alguns conceitos centrais destes distintos campos estão epistemologicamente aptos a<br />

estabelecer algum tipo de relação produtiva. Falar em amálgamas entre psicanálise e<br />

neurociência ignorando-se que por detrás destes termos estão embutidas complexas cadeias<br />

conceituais com intrincados níveis de coerência interna é uma pretensão insustentável; por<br />

outro lado, um diálogo interdisciplinar entre ambos os campos pode ser fecundo, mas isto não<br />

implica, em hipótese alguma, autorizar a emissão de generalizações totalizantes mediante<br />

articulações arbitrárias.<br />

Ao violar os critérios de Popper, o método da psicanálise revela-se diametralmente<br />

oposto ao da neurociência uma vez que a primeira não pode, dentre outras coisas, falsear o<br />

seu objeto de estudo. Não compartilhamos, na íntegra, do projeto epistemológico de Popper.<br />

Todavia, respeitada as devidas proporções, o critério de “falseabilidade científica” (Popper,<br />

2003) ainda encontra ressonância no cenário acadêmico contemporâneo. Para a vertente<br />

materialista, este é ‘o’ ponto central do debate, posto que a psicanálise não reivindica para si o<br />

método científico das ciências exatas ou biológicas preferindo, antes, aqueles procedimentos<br />

que a aproximam de uma perspectiva fenomenológica ou hermenêutica, métodos mais<br />

afinados ao estudo “compreensivo” da existência humana em toda sua complexidade<br />

subjetiva.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 02-18 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 28/02/2008 | Revisado em 06/09/2008 | Aceito em 19/08/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

O diálogo interdisciplinar entre as neurociências e a(s) psicanálise(s) é não somente<br />

salutar como imprescindível, e o futuro das psicoterapias (a psicanálise inclusa) parece passar<br />

necessariamente por tal caminho a menos que se pretenda perpetuar a concepção dualista de<br />

mente e cérebro como domínios diversos de distintos campos de saber.<br />

O projeto da neuropsicanálise, entretanto, se apresenta aos nossos olhos com outras<br />

pretensões: a almejada “fusão” destes campos distintos parece buscar tão somente o respaldo<br />

neurocientífico para a legitimação da psicanálise enquanto ciência plena, já que Kaplan-Solms<br />

e Solms (2005) parecem considerar a simples adição do método neuropsicológico de Luria<br />

como condição necessária e suficiente para legitimar o arcabouço psicanalítico como um<br />

todo. Vejam:<br />

“Acreditamos que este método de Luria (...) permite identificar a organização<br />

neurológica de qualquer faculdade mental, não importa quão complexa possa ser, sem<br />

contradizer as hipóteses sobre as quais foi construída a psicanálise.” (2005: 64)<br />

E mais: como se tal açodamento epistemológico não fosse suficiente, os autores<br />

operam uma redução da psicologia à teoria psicanalítica, como se esta fosse o único pilar<br />

legítimo para a compreensão da psicologia profunda: “(...) as funções psicológicas ainda são<br />

compreendidas em seus próprios termos psicológicos; sua estrutura essencial, dinâmica, é<br />

respeitada e resguardada (...)” (Kaplan-Solms e Solms; 2005: 64).<br />

Segundo Kaplan-Solms e Solms (2005: 84-85), os achados da pesquisa<br />

neuropsicológica “só podem ser correlacionados com a psicanálise através de trasladações<br />

indiretas”, o que gera os problemas insolúveis característicos de uma metodologia<br />

especulativa. Logo, a posição de Solms e Solms acaba por contemplar um salvo-conduto para<br />

todos os conceitos-chave do edifício psicanalítico dispensando-se qualquer operação adicional<br />

para a validação da transcrição conceitual entre os campos. Assim – e a julgar-se pela citação<br />

de Kaplan-Solms e Solms - além da transferência ganhariam ‘imunidade diplomática’ todos<br />

os demais conceitos basilares da psicanálise que lhe dão suporte, como: libido, catexia,<br />

pulsão, desenvolvimento psicossexual e, em particular, a teoria do recalque e a constituição<br />

do inconsciente (a pedra angular do edifício da psicanálise, nas palavras do próprio Freud) e<br />

as subseqüentes noções de pulsão de morte e compulsão à repetição.<br />

Afirmam aqueles autores que - para que se possa proceder à avaliação<br />

neuropsicológica da dimensão subjetiva - é necessário o desenvolvimento de um método que<br />

seja capaz de evidenciar o interjogo neurodinâmico entre as emoções complexas que<br />

constituem o cerne da subjetividade e as funções cognitivas de ‘superfície’, ou razão<br />

instrumental. De acordo com Kaplan-Solms e Solms (2005:88), tal procedimento seria<br />

viabilizado pela simples adição da técnica da associação livre ao método neuropsicológico de<br />

Luria, uma vez que – segundo os mesmos autores - a avaliação neuropsicológica-padrão é<br />

capaz tão somente de eliciar e identificar os transtornos cognitivos de ‘superfície’ (fala,<br />

cálculo, percepção visual, etc.) que operam de modo relativamente livre das resistências<br />

emocionais enquanto que os processos mentais são entidades dinâmicas complexas, passíveis<br />

de resistência, e não podem, portanto, ser reduzidos à condição de ‘centros’ estáticos<br />

isomorficamente correlacionados com as estruturas individuais da anatomia cerebral (Kaplan-<br />

Solms e Solms, 2005: 86).<br />

Kaplan-Solms e Solms apostam na transferência como a ponte de ligação entre ambos<br />

os campos na tentativa de objetivar a conexão entre os distintos domínios conceituais da<br />

psicanálise e da neuropsicologia. Assim, a validação do percurso daqueles autores requer - em<br />

primeiro lugar - o exame das condições de transcrição da noção de transferência para que se<br />

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possa então julgar se o projeto de integração da neuropsicanálise é uma perspectiva<br />

efetivamente livre de imposturas intelectuais.<br />

Entretanto, o reconhecimento da transferência como o ‘elo perdido’ entre as<br />

neurociências e a psicanálise - como pretendem Solms e Solms - implica na admissão<br />

implícita de que os demais conceitos-chave psicanalíticos dos quais ela deriva (pulsão,<br />

inconsciente, repetição) também estariam validados a priori e, por conseqüência, todo o<br />

edifício teórico-clínico da psicanálise pode permanecer incólume, sem revisões,<br />

reformulações ou descartes. Onde passa um boi, passa a boiada...<br />

2. O conceito de transferência e suas possíveis articulações com a neurociência<br />

De acordo com a psicanálise, a transferência caracteriza-se como um:<br />

“(...) processo pelo qual desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos<br />

no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, o<br />

quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis, vivida<br />

com uma sensação de atualidade acentuada.” (Laplanche e Pontalis, 1994: 668)<br />

O termo “transferência” não pertence exclusivamente à psicanálise, já que se refere ao<br />

deslocamento de valores, entidades e afetos (isto é, emoções e sentimentos), em atos de<br />

“desrealização” do real. Freud até mesmo chegou a fazer o seguinte comentário: “Não é<br />

verdade que a transferência surge com maior intensidade durante a psicanálise do que fora<br />

dela. Em instituições nas quais doentes nervosos são tratados não analiticamente, podemos<br />

observar a transferência ocorrendo com a maior intensidade” (apud Sandler et.al., 1986: 43).<br />

Curiosamente, a noção de transferência pode ser hipertrofiada a ponto de obliterar<br />

completamente qualquer possibilidade de uma experiência atual original, conforme se observa<br />

aqui: “todas as comunicações e toda a conduta, dentro e fora da situação psicanalítica, são<br />

consideradas como transferência (...) todo o comportamento poderia ser classificado como<br />

transferência” (Sandler et al., 1986: 42).<br />

Cooper (1987), por sua vez, alega que do ponto de vista cognitivista, a “transferência”<br />

é uma simplificação, pois um paciente pode apresentar uma generosa diversidade de situações<br />

transferenciais relacionadas a diferentes estruturas neurológicas e processos psicológicos. A<br />

transferência parece ser um fenômeno intrinsecamente humano por referir-se a reativações de<br />

memórias de comportamento, afetos e valores das mais diversas origens que, por “direito”,<br />

“pertenceriam” a outro ser ou objeto. Enfim, estaremos diante de uma condição transferencial<br />

sempre que houver a transposição de uma tonalidade afetiva ou de uma ação de um sujeito em<br />

direção a outro sujeito ou objeto.<br />

Seguramente, o contexto clínico - seja ele organizado de acordo com as peculiaridades<br />

teóricas das diversas correntes psicológicas que reconhecem a transferência - oferece ao<br />

analisando a possibilidade de que esta “distorção” da realidade se desenvolva artificialmente e<br />

que a neurose de transferência - esse precioso recurso técnico – seja reconhecida e<br />

instrumentalizada pela vivência pessoal do psicoterapeuta durante o ato analítico.. Mas, de<br />

que forma a neurociência pode nos ajudar a elucidar a gênese de alguns mecanismos<br />

transferenciais presentes em qualquer relação humana<br />

Uma posição alternativa para a compreensão tanto da sua gênese quanto da sua<br />

ativação pode ser encontrada na constatação de que os conteúdos afetivo-cognitivos<br />

adquiridos no curso dos processos filogenéticos e ontogenéticos do desenvolvimento humano<br />

respeitam um algoritmo construtivista e recursivo; logo, o termo “representação” revela-se<br />

inadequado no que tange ao perfil intrinsecamente dinâmico inerente à construção dos<br />

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conteúdos afetivo-cognitivos que, posteriormente, se revelarão passíveis de transferência de<br />

uma situação existencial a outra. Nos parece legítimo advogar que este intrincado processo de<br />

desenvolvimento dos padrões afetivo-cognitivos possa constituir-se como uma propriedade<br />

emergente da atividade em curso nos substratos neurobiológicos, que é onde a vida acontece.<br />

Assim, devemos nos ater neste momento a alguns fatores que contribuem para uma<br />

fundamentação neurocientífica da transferência. Conforme será visto adiante, o estudo dos<br />

sistemas de memória implícita e explícita e o reconhecimento das ressonâncias<br />

neurodinâmicas entre as estruturas e sistemas cerebrais implicados na produção das emoções<br />

primárias e secundárias contribuem com dados relevantes para a formação da transferência.<br />

As robustas contribuições à neurobiologia das emoções sumarizadas por Joseph<br />

LeDoux (1998) revelam que as atividades fisiológicas devem possuir ‘representações’<br />

cognitivas para que possam engendrar uma experiência emocional. Esclareça-se que o termo<br />

‘representação’ é aqui utilizado por LeDoux no sentido neurológico do termo e não na<br />

acepção psicanalítica de um representante simbólico de um conteúdo previamente recalcado.<br />

LeDoux ressalta, entretanto, que um determinado processo de avaliação cognitiva (como o<br />

medo de animais, por exemplo) não precisa ser necessariamente consciente. É bem sabido que<br />

possuímos um padrão de intenções e desejos e, todavia, não sabemos, em muitas situações,<br />

explicar precisamente por que agimos de uma forma e não de outra. Esta questão sugere que a<br />

cognição intencional ou consciente não constitui uma condição suficiente para o<br />

desencadeamento de um quadro emocional.<br />

Um exemplo bastante curioso refere-se às experiências levadas a cabo por Bargh<br />

(1992, apud LeDoux, 1998: 56) revelando que emoções não-conscientes podem capturar<br />

nossas coordenadas cognitivas. No referido estudo, à guisa de uma pesquisa sobre a fluência<br />

escrita, foi proposto a um grupo de voluntários que escolhessem livremente algumas palavras<br />

fornecidas de antemão em diversos cartões. Após a escolha, foi-lhes solicitado que<br />

escrevessem algumas sentenças utilizando as palavras previamente escolhidas. A equipe de<br />

Bargh observou que, uma vez encerrado o experimento, e ao contrário dos voluntários que<br />

elegeram outros temas, as pessoas que escolheram escrever sobre a velhice assumiram um<br />

comportamento psicomotor “condizente” àquela etapa da vida, caminhando mais lentamente<br />

ou adotando uma atitude mais encurvada e reflexiva.<br />

Observe-se que o acesso ao estímulo era consciente assim como a organização de<br />

idéias referente ao tema. Todavia, surpreendentemente, algo de cunho implícito e emocional<br />

revelou-se nas atitudes posteriores observadas pelos pesquisadores. Ora, este procedimento<br />

diante da organização de idéias, tarefas ou intenções inconscientes assumidas na vida -<br />

geralmente atribuído a escolhas voluntárias - sempre foi o tema de investigação da psicanálise<br />

e demais escolas que atribuem significados e/ou motivações inconscientes para as condutas. O<br />

experimento de Bargh, como tantos outros, parece demonstrar inequivocamente que os<br />

conteúdos de nossa história, nossos valores, crenças e desejos também matizam nossa<br />

organização mental através de mecanismos primariamente transferenciais, isto é:<br />

inconscientes.<br />

2.1. Memórias de procedimento emocional, transferência e a atividade cognitiva<br />

‘superior’<br />

Vejamos agora como podem se articular as dimensões corporais, emocionais e<br />

cognitivas na constituição da subjetividade. Segundo Damásio (1996), o termo “raciocínio”<br />

apresenta algumas implicações:<br />

1) da situação que requer uma decisão;<br />

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2) das diferentes opções de ação (respostas) e,<br />

3) das conseqüências de cada uma dessas opções (resultados), imediatamente ou no futuro.<br />

Todavia, pouco se fala sobre as emoções e sentimentos envolvidos neste processo que<br />

- hoje se sabe - não é exclusivamente racional conforme pretendia Descartes.<br />

Damásio (1996) demonstra que lesões no córtex ventromedial inibem e, em casos<br />

extremos, desabilitam o julgamento emocional, cuja atribuição consiste em valorar eticamente<br />

as decisões e os acontecimentos cotidianos. Durante situações e decisões cotidianas,<br />

experimentamos sensações viscerais (na maior parte do tempo, inconscientes) que expressam<br />

os estados somáticos em ressonância com a experiência existencial em curso.<br />

Estes estados corporais ou marcadores-somáticos engendram os sentimentos de fundo<br />

(Damásio, 1996) que agregam singularidade às decisões (em grande extensão inconscientes,<br />

como já mencionamos) que se forjam em consonância com o modo com que incorporamos o<br />

mundo. Segundo Damásio,<br />

“os marcadores-somáticos são um caso de uso especial de sentimentos gerados a<br />

partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos foram ligados, pela<br />

aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários. Quando um<br />

marcador-somático negativo é justaposto a um determinado resultado futuro, a<br />

combinação funciona como uma campainha de alarme. Quando, ao contrário, é<br />

justaposto um marcador-somático positivo, o resultado é o incentivo.” (Damásio, 1996:<br />

206, Grifo nosso)<br />

Embora a citação de Damásio revele um viés instrumental e comportamentalista,<br />

podemos dizer que os marcadores-somáticos nos “encarnam” na vida e fazem nossas decisões<br />

possuírem “cores”. Este aspecto da posição conexionista-emergentista defendida por<br />

Damásio, Panksepp e outros demonstra o monismo de dupla-face na origem da vida mental, e<br />

tanto as concepções de um paralelismo psicofísico ou mesmo a posição intermediária da<br />

simbiose (como se encontra nas escolas psicossomáticas) entre os processos “cognitivos” e os<br />

processos “emocionais”, tornam-se evidentes como ‘restos arqueológicos’ de uma concepção<br />

dualista acerca da natureza humana.<br />

A questão, entretanto, não se resume à natureza monista dos processos mentais e -<br />

assim como Damásio - Panksepp (2001b) sustenta a perspectiva de uma dupla natureza<br />

sinérgica a constituir o campo da consciência, cenário de ação por excelência da experiência<br />

psicoterapêutica. A histórica (e ilusória) distinção entre corporeidade, emoção, sentimento e<br />

razão constitui um artefato fenomênico de superfície e segundo Panksepp (1998: 303):<br />

“(...) nossos pensamentos e ações são provavelmente guiados por nossos sentimentos<br />

interiores – sentimentos que inicialmente (...) foram completamente biológicos e<br />

emocionais, mas que através de inúmeras interações sensoperceptivas com os nossos<br />

ambientes, tornaram-se inextricavelmente misturadas com a aprendizagem e com os<br />

eventos do mundo.”<br />

A neurobiologia de Damásio esclarece que nascemos dotados de uma circuitaria<br />

neural que provê a incorporação – ao conjunto de informações disponíveis para<br />

processamento na rede neuronal – de estados somáticos que ocorrem em resposta a<br />

determinadas categorias de estímulos. Esta fração do aparato neural filogeneticamente<br />

desenhada para a codificação emocional primária apresenta-se como o suporte neurobiológico<br />

a partir do qual se dá a deriva ontogenética da relação (inicialmente sensório-motora e pré-<br />

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reflexiva) com o ambiente. É desta interação que emergem as nossas possibilidades<br />

emocionais secundárias que serão passíveis, futuramente, de transposição ou<br />

‘transferenciação’ de uma situação à outra devido ao caráter intrinsecamente construtivista e<br />

recursivo da interação entre organismo (representado pelo hardwiring neurobiológico) e<br />

ambiente (representado pelo softwiring da rede neuronal, dependente da experiência) Assim,<br />

Grigsby e Hartlaub, (1988 apud Clyman 1991) definem a transferência como “a enação dos<br />

procedimentos emocionais aprendidos na infância” ao mesmo tempo em que ressalta a<br />

organização da estrutura caracterológica em termos de memórias de procedimento .<br />

Na mesma linha, Panksepp (2001a: <strong>13</strong>2) observa que o caráter psicológico de cada<br />

criança emerge das interações positivas e negativas de seus sistemas cerebrais emocionais<br />

com os eventos do mundo 1 :<br />

“Os sistemas emocionais positivos parecem operar como atratores que capturam os<br />

espaços cognitivos, levando-os à sua ampliação, cultivo e desenvolvimento enquanto as<br />

emoções negativas tendem a restringir as atividades cognitivas, segregando-as em<br />

canais mais estreitos e obsessivos.”<br />

No que concerne às relações entre as instâncias cognitivas e as dimensões emocionais<br />

da rede neuronal, Damásio observa que não seria necessariamente obrigatório, por exemplo,<br />

identificar um animal ou uma situação para que seja desencadeada uma reação de medo. O<br />

medo não se vincula a uma especificidade, mas a uma categoria generalizável. LeDoux (1998:<br />

270), por sua vez, observa que “não é possível ter um sentimento completo de medo (com<br />

sentimentos de apreensão) sem a ativação da amígdala”. Logo, a partir de uma situação<br />

traumática, podemos compreender como se articulam os mecanismos inatos de defesa e os<br />

diferentes tipos de memória. Se um hipotético indivíduo houvesse sido picado por uma cobra<br />

é possível que ele desenvolvesse um reflexo condicionado de medo sempre que avistasse<br />

qualquer coisa semelhante a uma cobra; mas o ambiente onde aconteceu o ataque da cobra<br />

também poderia exercer influência nestas respostas condicionadas de medo e, neste sentido,<br />

atuaria enquanto um ‘gatilho’ ou condicionamento contextual.<br />

A principal estrutura cerebral responsável por esta avaliação-lembrança contextual é o<br />

hipocampo e lesões nesta estrutura podem inibir as reações de medo provocadas pelas<br />

“representações” contextuais, ainda que continuem preservadas as reações “primárias” de<br />

medo (cuja desinibição é modulada pelos disparos dos neurônios do grupo central da<br />

amígdala) ao nos depararmos com coisas como cobras, galhos em forma de cobras, etc.<br />

Caracteriza-se assim a dupla natureza sinérgica, neurodinâmica, das experiências atualizadas<br />

de memória.<br />

De acordo com LeDoux (1998), em humanos as informações do ambiente são<br />

captadas principalmente pelo sistema visual. As informações captadas pelas retinas seguem ao<br />

tálamo visual e ao córtex visual primário. Ao vermos uma cobra, uma imagem sensorial é<br />

criada e mantida na memória de trabalho - cuja atividade neuronal, por sua vez, se integra aos<br />

disparos em curso nos neurônios responsáveis pelas memórias de longo prazo engendrando<br />

um novo padrão neurodinâmico na atualidade da rede global de neurônios. Portanto, as<br />

respostas aos seres e objetos que se apresentam à nossa consciência, dependem tanto do<br />

conjunto perceptivo atual como do conjunto histórico implícito (i. é, o inconsciente mnêmico)<br />

contido nas imagens evocadas, e cada um de nós irá interagir com seres e objetos de forma<br />

singular (e estereotipada, nos casos que demandam terapia).<br />

Como acrescenta Damásio (1996: 124), “é improvável que alguma vez venhamos<br />

saber o que é a realidade absoluta”, pois as disposições pré-frontais adquiridas e fundamentais<br />

para as emoções secundárias são distintas das emoções inatas. Neste sentido, quando a<br />

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memória de longo prazo abriga ‘representações’ traumáticas, o sistema de auto-preservação é<br />

informado sobre uma situação de ‘perigo’ real ou potencial e todo o ‘pacote’ de<br />

comportamento defensivo é ativado caso nos encontremos diante de tal estímulo.<br />

A amígdala é o nosso ‘segundo sino de alarme’ e os medos simbólicos são a causa<br />

mais prevalente de ansiedade nas sociedades civilizadas (Graeff, 1993). Assim, de simples<br />

construções cognitivas para alguns, as cobras desencadeiam um processo neurobiológico<br />

emocional (memória emocional implícita) para outras pessoas à medida que a atividade do<br />

sistema da amígdala se incorpora ao quadro neurodinâmico global, pois a ativação da porta de<br />

saída da informação amigdaliana libera a atividade do PAG 2 e desinibe a cascata de reações<br />

autonômicas, comportamentais e cognitivas características de um estado de medo.<br />

Além da apresentação explícita, ou seja: a consciência assertiva e proposional de uma<br />

determinada lembrança, LeDoux considera que a memória traumática pode possuir também<br />

uma dimensão implícita. Esta última, considerada por ele como memória emocional, e não<br />

uma memória de uma situação emocional vem acompanhada por uma série de manifestações<br />

somatopsíquicas similares àquelas que foram experimentadas pelo hipotético indivíduo no<br />

traumático encontro com a cobra. Preferimos aqui a expressão ‘somatopsíquica’ ao<br />

consagrado termo ‘unidade psicossomática’ para salientar que - do ponto de vista evolutivo -<br />

o somático antecede ao psíquico. Igualmente, Reich (1945/1989) postulava que o aparelho<br />

psíquico constitui uma forma especial de evolução das propriedades básicas de auto-regulação<br />

do domínio somático<br />

Outro ponto curioso relativo às vivencias traumáticas refere-se à descarga adrenérgica<br />

provocada pela estimulação do sistema nervoso autônomo e da glândula supra-renal a partir<br />

da desinibição dos neurônios do PAG, o que produz uma espécie de imprinting emocional.<br />

Neste sentido, torna-se muito mais fácil lembrar ou - ao contrário - elidir a consciência de<br />

uma memória traumática via transferenciação de fatos e imagens vividos sob uma excessiva<br />

estimulação somatopsíquica do que instar o recrutamento e/ou inibição de memórias em que a<br />

descarga adrenérgica não fazia parte do padrão neurodinâmico no momento da vivência-fonte.<br />

Não somos meras “máquinas triviais” (Maturana e Varela, 2002) que aprendem a<br />

fazer somente operações cognitivas “desencarnadas”, decodificando objetos, mensurando-os e<br />

interpretando-os sem “senti-los”; sem, enfim, transferi-los potencialmente a outras situações<br />

de vida (Guerra, 2007). Haveria então “estados sucessivos do organismo, cada um<br />

neuronalmente re-representado em múltiplos mapas concertados, momento a momento, e cada<br />

um ancorando o eu que existe a cada momento” 3 (Damásio, 1996: 226). Além de intrínsecas<br />

aos processos de construção e introjeção das experiências do mundo, as reações emocionais<br />

são a salvaguarda de nossa autopreservação; porém em outro contexto elas podem tornar a<br />

vida da pessoa um inferno, como se vê nas grandes síndromes psiquiátricas. Por outro lado,<br />

acrescenta Damásio (1996: 78), “a redução das emoções pode constituir uma fonte igualmente<br />

importante de comportamento irracional”.<br />

É possível inferir, portanto, que o exagero (potenciação de longo prazo ou LTP) e o<br />

embotamento (depressão de longo prazo ou LTD) das memórias formadas a partir das<br />

experiências emocionais primitivas engendram algoritmos neurodinâmicos de longo prazo<br />

para o funcionamento da vida humana, o que nos remete ao papel das memórias emocionais<br />

implícitas que engendram os futuros acontecimentos de ordem transferencial. Mas... como<br />

isso acontece<br />

2.2. Transferência e conhecimento relacional implícito<br />

Segundo Stern e colaboradores (1998), o ‘conhecimento relacional implícito’ é um<br />

conceito de importância fundamental para o estudo da psicologia do desenvolvimento dos<br />

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bebês em estágio pré-verbal. Segundo os autores, essa modalidade de conhecimento implícito<br />

é registrada “sob a forma de representações não-simbólicas de eventos interpessoais” e tem<br />

início já no primeiro ano de vida. Isto é evidente, prosseguem Stern e colaboradores, não<br />

apenas na observação dos comportamentos de expectativa observados nos bebês “mas<br />

também na generalização de certos padrões de interação” (Stern et al., 1998, grifo nosso).<br />

Alguns pesquisadores do grupo de Stern descrevem a presença de “um processo<br />

contínuo de negociação envolvendo uma seqüência de desafios adaptativos entre o bebê e o<br />

‘ambiente-cuidador’ desde os primeiros momentos de vida. Stern et al. observam a<br />

emergência de uma estratégia adaptativa singular a partir da história de acoplamentos de cada<br />

bebê com o seu ambiente-cuidador, período no qual se elabora “a organização inicial do<br />

domínio do conhecimento relacional implícito” (Stern et al., 1998).<br />

Consoante a estas observações, autores alinhados a uma visão radical do<br />

construtivismo, ressaltam a necessidade de se estabelecer distinções fundamentais acerca das<br />

particularidades biológicas estruturais da cognição, dado que elas diferem de seus aspectos<br />

funcionais. Tais autores dão a impressão de querer superar o “apriorismo biológico”<br />

(Changeux, 1991) e os resquícios de uma epistemologia representacionista. Ao defender a<br />

tese de que os processos cognitivos vão se “impondo” gradualmente à consciência em<br />

decorrência de sucessivas transformações estruturais e funcionais da rede neuronal, estes<br />

autores corroboram a posição construtivista, onde o complexo processo de organização e<br />

desenvolvimento afetivo-cognitivo não se faria estritamente por “correspondências”, como<br />

em Piaget (1978), e sim por “encaixes” afetivo-cognitivos.<br />

Por outra via, encontra-se em Stern e colaboradores (1998), que “uma extensa<br />

combinação de conhecimentos implícitos concernentes às inúmeras maneiras de ser-com-osoutros<br />

continua ao longo da vida”, o que engloba as diversas apresentações da transferência.<br />

Embora tais conhecimentos implícitos sejam freqüentemente de ordem não-simbólica, “isso<br />

não significa que eles sejam necessariamente inconscientes no sentido psicanalítico da<br />

palavra” (Stern et al., 1998); isto é, que estejam excluídos da atenção consciente em face de<br />

uma censura defensiva. Um exemplo prototípico de transferência enquanto um produto do<br />

conhecimento relacional implícito é aquele relatado por Guntrip por ocasião de sua análise<br />

com Winnicott, quando este lhe declara ao final da primeira sessão entre ambos: “Eu não<br />

tenho nada a lhe dizer, mas temo que se eu não lhe disser nada, você irá pensar que eu não<br />

estou aqui.” (Guntrip, 1975 apud Stern et al., 1998: 906)<br />

Observa-se, portanto, que não existe ‘a’ transferência enquanto entidade única e,<br />

portanto, os fenômenos transferenciais nem sempre implicam em emergência de conteúdos<br />

censurados pelas operações de recalcamento e muito menos implicam na validação da<br />

perspectiva psicanalítica clássica do recalque. Ao contrário, a perspectiva oferecida por<br />

psicanalistas como Stern et al. parece abrigar a possibilidade de uma concepção inovadora<br />

para uma noção de inconsciente que enfrente o desafio da integração epistemicamente<br />

responsável entre os seus aspectos neurobiológicos e psicodinâmicos.<br />

Certamente, a transferência é multifacetada e se presta a uma diversidade assombrosa<br />

de leituras e interpretações. Procuramos aqui sumariar algumas considerações neurobiológicas<br />

que esclarecem parte dos mecanismos que dão origem ao “fenômeno” transferencial. Tais<br />

considerações nos levam a crer que a transposição projetiva (ou “desrealização” do real)<br />

decorrente da ressurgência neurodinâmica de conteúdos significativos adquiridos filo e<br />

ontogeneticamente pode também atuar como importante mecanismo de sobrevivência ad hoc<br />

no plano mental, já que parece tratar-se - consciente ou inconscientemente – de um recurso<br />

somatopsíquico que viabiliza o enfrentamento (coping) de situações ameaçadoras, estressoras<br />

ou mesmo apenas potencialmente traumatizantes.<br />

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Nesse sentido, seria plausível esperar que no caso, por exemplo, de uma relação<br />

predominantemente traumática com os genitores, a linha de base caracterológica dessa pessoa<br />

hipotética fosse revelada por uma atitude recursiva e estereotipada de raiva, ressentimento ou<br />

aversão a pessoas, objetos, sensações e ambientes (físicos ou relacionais) que reativem as<br />

memórias traumáticas inibidas pela LTD. Em tais condições, parece legítimo inferir a entrada<br />

em cena de algum mecanismo de difusão das ressonâncias neurodinâmicas em direção à<br />

atualidade da experiência - um evento de natureza neurobiológica que, olhado pelo ponto de<br />

vista da clínica, seria prontamente reconhecido como um acontecimento de natureza<br />

transferencial.<br />

Nessa perspectiva, um processo de ‘contágio neurodinâmico’ poderia propagar-se a<br />

partir das instâncias neurais primárias responsáveis pelos processos perceptivos automáticos e<br />

“autodetectáveis” que - vendo-se a questão pela perspectiva das experiências relacionais<br />

implícitas adquiridas ao longo da primeira infância – podem servir de suporte aos<br />

mecanismos transcognitivos de evitação de natureza inconsciente; uma dimensão<br />

inconsciente, entretanto, de ordem diversa daquela dos processos de recalcamento conforme a<br />

tópica freudiana, o que demanda que se reconsidere a noção de inconsciente na perspectiva<br />

apontada por Reich (1945/1989) Segundo Reich, os traços de caráter constituem as paredes do<br />

reservatório de conteúdos inconscientes. Os traços de caráter por sua vez, são engendrados a<br />

partir do acoplamento entre os impulsos instintuais e o entorno ambiental e se perpetuam<br />

como traços mnêmicos de ordem emocional implícita (apud Xavier, 2004).<br />

Parece estar evidente que a forma como “rechearemos” este fenômeno, intrínseco ao<br />

funcionamento afetivo-cognitivo inconsciente, é puramente uma questão de “gosto”<br />

intelectual; logo, o fenômeno transferencial articulado e situado teoricamente pelas diversas<br />

escolas da psicanálise é passível de ser minimamente “identificado” pelo olhar neurobiológico<br />

que se debruça sobre a compreensão dos processos cognitivo-afetivos. Todavia, problemas<br />

maiores - aparentemente insolúveis - se apresentam a partir do momento em que se observa o<br />

entrelaçamento de outros conceitos relacionados ao processo transferencial sob a égide do<br />

paradigma psicanalítico. Tal peculiaridade não deveria causar estranheza, já que se impõe<br />

respeitar uma organização lógica de articulações que assegure a coerência estrutural entre os<br />

diversos conceitos que compõem a teoria como um todo. Apresentaremos a seguir algumas<br />

argumentações que visam problematizar a fusão indiscriminada do conceito de transferência<br />

em um contexto psicanalítico com os aportes da neurociência.<br />

3. O conceito de transferência em um contexto psicanalítico interessa à neurociência<br />

Conforme Sandler e colaboradores (1986), diferentes escolas da psicanálise sustentam<br />

diferentes aspectos na definição de transferência. Ao introduzir o termo ao longo da primeira<br />

década de existência da psicanálise, Freud o fez com o intuito de identificar a dinâmica<br />

relacional inconsciente de seus pacientes que se instaurava na relação com o analista a partir<br />

da técnica da livre associação.<br />

Esta reatualização do passado tinha, no contexto clínico, a peculiaridade de se<br />

apresentar dirigida à figura do médico(a) e, na experiência de Freud, muitas vezes impedia<br />

que o tratamento fosse bem sucedido. Posteriormente a transferência passou a assumir o papel<br />

de fator determinante no processo terapêutico e sua “destilação” estaria em primeiro plano<br />

para o sucesso do tratamento. Por fim, Freud passou a associar a “neurose de transferência” -<br />

instaurada no processo analítico através da relação com a figura do analista - às fixações (ou<br />

marcas ativas de memória implícita) decorrentes das vivências das diferentes etapas do<br />

desenvolvimento sexual infantil.<br />

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Dada a sua centralidade para a técnica da clínica, as particularidades acerca da<br />

definição de transferência bem quanto ao manejo da neurose transferencial se fundem com a<br />

própria história da psicanálise. Não detalharemos aqui as sucessivas reformulações<br />

compreensivas que assolam a transferência ao longo da história da psicanálise, pois dessa<br />

tarefa já se incumbem os próprios psicanalistas. No entanto, queremos chamar a atenção para<br />

a conexão entre transferência e sexualidade infantil.<br />

Como bem sabem os psicanalistas, a associação entre estes dois pontos da teoria é<br />

necessariamente coerente enquanto um todo. Em outros termos, não se pode entender o<br />

conceito de transferência na psicanálise sem levar-se em consideração o desenvolvimento<br />

psicosexual infantil em todos os seus desdobramentos até o seu apogeu (fala-se aqui das<br />

escolas psicanalíticas ‘clássicas’) durante o conflito edípico. Observe-se a complexidade do<br />

problema na seguinte citação:<br />

“o conceito de transferência foi elaborado por Freud durante os anos em que o<br />

funcionamento psíquico era visto por ele e seus colegas predominantemente em função<br />

das vicissitudes das pulsões instintuais e das energias que, segundo se pensava, as<br />

impulsionavam. Freud imaginava os desejos sexuais dirigidos a uma personagem<br />

importante do passado como um investimento (catexia) da energia da pulsão sexual<br />

(libido) na imagem da pessoa (objeto libidinal) em questão. A transferência era<br />

considerada um deslocamento da libido desde a lembrança do objeto original à pessoa<br />

do analista, que se tornava um novo objeto dos desejos sexuais do paciente, sendo que<br />

este não tinha consciência desse processo de deslocamento do passado.” (Sandler et al.,<br />

1986: 37, Grifo nosso)<br />

Os termos destacados em negrito servem para visualizar mais prontamente a cadeia de<br />

conceitos de que a transferência é refém no contexto da psicanálise. Trata-se de um fato<br />

epistemologicamente relevante, mas a proposta de Solms e Solms não o leva em<br />

consideração, pois o que os autores postulam é que o simples recurso ao método de<br />

localização dinâmica de Luria modificado (isto é, acrescido da livre associação para que se<br />

estabeleça a transferência) provê, não só a migração entre a ciência psicológica e a neurologia<br />

como assegura a ‘imunidade diplomática’ a todos os demais conceitos em sua articulação com<br />

a neurociência: “...Isto torna possível o livre trânsito entre conceitos psicanalíticos e seus<br />

correlatos neurofísicos, do nível global de organização neurodinâmica às minúcias da<br />

biologia molecular” (Kaplan-Solms e Solms, 2005: 79, Grifo nosso).<br />

Observe-se que sem estas correlações internas ao esqueleto da psicanálise, o conceito<br />

de transferência não apresenta a mínima condição de ser identificado enquanto parte de tal<br />

arcabouço teórico. Neste sentido, questiona-se: até que ponto a concatenação de conceitos que<br />

engendra a psicanálise pode ser validada (em bloco, a julgar pela proposta de Solms e Solms)<br />

pelos parâmetros de pesquisa neurocientífica<br />

Há um ponto específico adicional, sobre o qual é importante se debruçar mais<br />

atentamente. A psicanálise defende a existência de uma “energia” denominada “libido”. Em<br />

psicanálise este termo está intimamente relacionado à noção de pulsão sexual. Entende-se por<br />

vinculação sexual “a relação existente entre um sujeito que dirige uma carga afetiva e um ser<br />

ou elemento que recebe, e o objeto, que pode ser do meio ambiente ou o próprio ego do<br />

sujeito” (Tallaferro, 1996: 121). Conseqüentemente, haveria zonas erógenas que<br />

funcionariam como “usinas libidinais” e a estimulação destas zonas estaria condicionada às<br />

possibilidades regionais de satisfação libidinal situadas no entorno das mucosas oral, anal,<br />

uretral e dos órgãos genitais, além da própria superfície corporal como um todo.<br />

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Segundo os pressupostos freudianos e em decorrência das características processuais<br />

do desenvolvimento humano a libido estaria sujeita a um processo contínuo, recursivo e<br />

interpenetrado de fixações e deslocamentos evoluindo em seqüência no mapa corporal,<br />

balizada pelo processo de mielinização dos feixes nervosos até a “genitalização” por volta dos<br />

6-7 anos. Assim, as características e peculiaridades manifestadas ao longo do<br />

desenvolvimento psicosexual forneceriam, segundo uma visão psicanalítica, os substratos<br />

básicos para a vida psico-emocional.<br />

Enquanto primeiro dissidente importante do movimento psicanalítico, já em 1912<br />

C.G. Jung discordava radicalmente do projeto original de Freud. Segundo Jung, não se deve<br />

considerar uma energia de base sexual enquanto uma explicação satisfatória de libido. A<br />

libido não deve “ser outra coisa senão um nome para aquela energia que se manifesta no<br />

processo vital e que nós percebemos subjetivamente como afã ou desejo” (apud Tallaferro,<br />

1996: 121).<br />

Observe-se também que Wilhelm Reich, afastado em segredo do movimento<br />

psicanalítico em 1933, considerava a libido enquanto o aspecto funcional aparente de uma<br />

única força impulsional, que se revelava, dialética e simultaneamente, como manifestações de<br />

autoconservação libidinal e como expressão erótica alocêntrica. De acordo com Xavier (2004:<br />

23):<br />

“Reich, ao avançar na reflexão sobre a dinâmica biofísica em curso nos grotões do<br />

organismo, postulou que a energia psíquica deve derivar das simples tensões de<br />

superfície, um evento fisiológico e mecânico, enraizado na química celular; tensões que<br />

se desenvolvem nos diversos tecidos do corpo humano.”<br />

Ainda que Reich (exatamente por ter insistido na tese inicial de Freud de que a energia<br />

libidinal não deve ser reduzida somente às representações psíquicas) tenha se aproximado<br />

muito mais de uma compreensão “neurodinâmica” dos afetos e das cognições do que a<br />

psicanálise, ele ainda assim não se libertou de uma metáfora hidráulica em sua concepção,<br />

exaltando as descargas emocionais mediadas pelo sistema nervoso autônomo e a atividade<br />

vegetativa dos organismos em detrimento das operações neurodinâmicas em curso no sistema<br />

nervoso central.<br />

O que parece estar evidente é que tão logo surgiram discípulos de Freud, alguns se<br />

tornaram contundentes opositores da psicanálise. Neste sentido, encontraremos um razoável<br />

número de definições que divergem, em maior ou menor grau, da definição original de libido<br />

proposta por Freud. Novamente ressalta-se que: não cabe aqui elencar as variantes do<br />

conceito de libido, mas sim destacar que psicanálise se vale:<br />

a) do pressuposto de uma energia libidinal concebida em bases metafísicas;<br />

b) que esta energia se deslocaria por zonas erógenas cujas representações psíquicas nada tem<br />

a ver com o corpo propriamente dito;<br />

c) que a presunção de sua existência está na base do conceito de transferência, uma vez que é<br />

através dos aspectos qualitativos e quantitativos das ancoragens libidinais em seus sucessivos<br />

deslocamentos pelas zonas erógenas que se balizam os contornos da vida afetiva e seus<br />

futuros padrões transferenciais. Assim, uma dada resolução da etapa oral acarreta uma<br />

determinada singularidade para o conjunto das disfunções afetivas e assim sucessivamente,<br />

com cada vicissitude erógena dando a sua parcela de contribuição para o conjunto do<br />

funcionamento da pessoa em devir.<br />

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Ora, de acordo com as pesquisas em neurobiologia, o conceito de energia é de outra<br />

ordem. Uma proposta “neurodinâmica” para o entendimento dos processos afetivos e<br />

cognitivos remonta a Luria, que já em 1927 “propôs à psicoterapia uma abordagem<br />

‘neurodinâmica’ que deveria completar o sonho original, porém abandonado por Freud, da<br />

integração entre a psicanálise e a neurologia (...) Mas a neuropsicanálise, embora<br />

reconhecendo a sua dívida para com Luria, não se autodenomina ‘neurodinâmica’.”<br />

(Haldane, 2004: 45).<br />

Desde então, aportes consistentes oriundos das neurociências pavimentam uma via<br />

alternativa, neurodinâmica, para a compreensão dos processos que compõem a vida humana e<br />

suas tragédias. Atualmente já se encontram satisfatoriamente mapeadas as contribuições de<br />

inúmeras regiões fundamentais ao processamento de atividades cognitivas clássicas (atenção,<br />

memória, pensamento, funções perceptivas superiores, linguagem) e, contemporaneamente, as<br />

emoções (Panksepp, 1998). Entretanto, dado o caráter metafísico dos aportes oriundos da<br />

psicanálise que sustentam o conceito de “libido”, os mesmos encontram-se impedidos por um<br />

vício de origem – até o momento – a fazer ressonância com a rica, flutuante e intrincada rede<br />

de conexões neurais.<br />

Resumidamente, observa-se que uma noção de “energia” capaz de sobreviver à<br />

navalha de Ockham , pode emergir, em termos neurobiológicos:<br />

a) de um complexo funcionamento das correntes iônicas;<br />

b) as quais são movidas por moléculas de trifosfato de adenosina (produto final da bomba<br />

energética do ciclo de Krebs);<br />

c) e das relações de um extenso e complexo repertório neuroquímico e hormonal, além do<br />

promissor horizonte de pesquisa na transmissão neuro-humoral (neuropeptídeos) que viabiliza<br />

sinalizações paralelas e complementares aos tradicionais sistemas de neurotransmissão<br />

(Haldane, 2004; Panksepp, Harro 2004).<br />

Conforme sumariza Sean Haldane (2004: 51):<br />

“A neurodinâmica repousa agora nas relações entre os distintos sistemas operacionais<br />

emocionais subcorticais, entre estes e a superestrutura cognitiva-neocortical e entre os<br />

estados emocionais e as memórias de emoções e pensamentos – todos em um<br />

continuum dinâmico de nossos cérebros e mesmo de nossos corpos, em que as<br />

estruturas anatômicas e celulares canalizam informação que também satura o fluido na<br />

qual elas vivem – uma espécie de oceano interior.”<br />

De acordo com Haldane, a neurodinâmica contemporânea deve observar de que<br />

maneiras a excitação e a inibição afetam-se mutuamente, provocando mudanças estruturais no<br />

aparato neuro-cognitivo-afetivo.<br />

4. Conclusão<br />

Ainda que minimamente, e sob o risco de graves omissões e generalizações, procurouse<br />

demonstrar que o conceito de transferência, atrelado a uma “energia libidinal” imaterial e<br />

todas as suas vinculações com outros pontos das teorias psicanalíticas convencionais não<br />

sobrevivem ao modelo epistêmico da neurodinâmica. Neste sentido, o conceito de<br />

transferência que, até certo ponto, seria passível de aproximações com a neurociência, vê-se<br />

radicalmente limitado ao ser inserido em um corpo teórico que exige maior fidelidade entre<br />

seus conceitos.<br />

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Logo, uma proposta “neuropsicanalítica” que fuja ao escopo da interdisciplinaridade<br />

parece ser duvidosa já que os campos da neurociência e da psicanálise revelam-se distintos<br />

tanto do ponto de vista histórico quanto por suas origens metodológicas, mas, sobretudo pelo<br />

fato das premissas metapsicológicas da psicanálise estarem em oposição às construções<br />

materialistas e experimentais da neurociência.<br />

Tudo leva a crer que uma empreitada neuropsicanalítica satisfatória requer uma<br />

“inspeção” radical em ambas as bases teóricas e - ao que tudo indica - um dos lados do<br />

projeto neuropsicanalítico (conforme proposto por Solms) sairia em desvantagem Para uma<br />

unificação mínima e efetivamente renovadora das bases epistemológicas destes campos,<br />

ambos os lados devem abrir mão de suas respectivas molduras conceituais, rumo a um novo<br />

patamar conceitual que reflita a integração efetiva destas distintas perspectivas.<br />

Aparentemente, a neurociência parece longe de abrir mão de sua natureza<br />

experimental, o que lhe permite corrigir e revisar incessantemente suas percepções sobre a<br />

realidade, aparentemente livre de constrangimentos dogmáticos. Quanto à psicanálise, a<br />

percepção empírica é de que a maioria dos psicanalistas não parece disposta a reconhecer que<br />

seu edifício teórico e técnico possa vir a ser objeto de transformações qualitativas de monta.<br />

Dado que a psicanálise não é uma ciência ‘dura’, ela não é, portanto, passível de refutação;<br />

logo, a psicanálise não teria que se preocupar, , com uma possível subversão de seus<br />

“horizontes de sentido”. Ora, o que não se pode provar não pode ser destruído, porém<br />

tampouco reconhecido como realidade existente e válida.<br />

No entanto, este não é o caso da neurociência, cujo campo se parece muito mais com<br />

um grande pátio de obras onde partes do edifício, de vários lados e andares, estão sempre<br />

caindo e exigindo a presença de uma equipe afinada - metodológica e experimentalmente -<br />

para que sejam feitas as reestruturações necessárias e, se possível, se salve o edifício, ainda<br />

que à custa de um ininterrupto processo de restauração e reforma. Entretanto, ao que tudo<br />

sugere, observa-se na psicanálise um esforço contrário, com todos os esforços sendo<br />

envidados para que a edificação não sofra transformações estruturais, sendo-lhe permitidas<br />

tão somente reformas cosméticas.<br />

Em assim sendo, pergunta-se: estará a psicanálise disposta a aderir às normas de<br />

trabalho deste “pátio de obras” O que permaneceria de pé depois de uma rigorosa inspeção<br />

de sua estrutura Será que conceitos como “libido erótica”, “fixações libidinais”, “zonas<br />

erógenas”, “catexia”, “pulsão”, “complexo de Édipo”, dentre outros, exibem plasticidade<br />

evolutiva a ponto de se sobreviver à lâmina de Ockham dos princípios neurodinâmicos Caso<br />

não estejam aptos, como poderemos continuar a nomear como “psicanálise” o que vier a<br />

surgir das possibilidades de articulação entre estes dois campos Estará a ala psicanalítica<br />

deste amalgama teórico disposta a abrir-se à possibilidade de revisar a sacralidade do legado<br />

freudiano e a abrir mão do santo nome da “psicanálise” Até que ponto uma comunidade<br />

auto-declarada científica pode se dar ao conforto de sustentar uma nomenclatura<br />

(neuropsicanálise) que, internamente, não se sustenta<br />

Como se pode suspeitar, essas interrogações apenas oferecem plataformas reflexivas<br />

instigantes, ao menos no que se refere a uma crítica mais pontual à pretensa perenidade<br />

teórica e prática que permeia o “projeto” epistemológico psicanalítico.<br />

Finalmente, parece razoável esperar daqueles que tencionam erigir uma<br />

“neuropsicanálise”, que estejam preparados para “pagar” o tributo exigido da incerteza. Pois<br />

que, em ciência, a certeza de hoje é o equívoco de amanhã e a verdade é sempre provisória,<br />

fruto sazonal e emergente de um longo e penoso processo de verificações epistemológicas e<br />

provas empíricas. Logo, alguns princípios básicos, necessários a qualquer articulação teórica,<br />

devem ser respeitados para que, pelo menos, satisfaça minimamente a metade neurocientífica<br />

desta fusão.<br />

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Janeiro, Rio de Janeiro.<br />

Notas<br />

(1) Panksepp (1998) mapeou os sistemas emocionais básicos em operação no cérebro. Tais<br />

sistemas expressam a codificação neural subcortical dos sentimentos de fundo e das emoções<br />

emergentes e são construções filogeneticamente antigas e herdadas ao longo das gerações.<br />

Alguns dos sistemas emocionais em operação (SEO’s) podem produzir valências emocionais<br />

positivas e negativas, conforme o contexto (SEO’s SEEKING, RAGE, LUST) enquanto<br />

outros sinalizam exclusivamente valências negativas (FEAR, PANIC) ou positivas (PLAY,<br />

CARE)<br />

(2) PAG (pery-acqueductal gray): em português substância cinzenta periaquedutal ou<br />

simplesmente cinzento central: núcleo de corpos neuronais localizados profundamente no<br />

tronco cerebral. O PAG é a instância final responsável pela liberação gradual do espectro de<br />

comportamento defensivo (inibição comportamental, fuga e em última instância a agressão<br />

defensiva) e em torno do qual se organizam os substratos neurais primitivos do proto-self<br />

(Damásio, 1996) e do SELF ou Simple Ego Type Life Form (Panksepp, 1998). Para o<br />

detalhamento acerca das interações neurodinâmicas entre a atividade cognitiva, as emoções e<br />

as repercussões dos medos simbólicos sobre a corporeidade ver Xavier (2004).<br />

(3) Segundo a teoria de Huglinghs-Jackson (1931/1932), existem três níveis presumidos de<br />

atividade neuronal simultânea: apresentação (sensação), representação (percepção) e rerepresentação<br />

(‘mentação’).<br />

- E.M. Guerra é Graduado em Psicologia (Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora) e<br />

Filosofia (Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF), Mestre em Ciência da Religião<br />

(UFJF) e Doutor em Psicologia Clínica (Pontifícia Universidade Católica – São Paulo, PUC-<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 02-18 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 28/02/2008 | Revisado em 06/09/2008 | Aceito em 19/08/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

SP). Atua como Psicólogo Clínico desde 1990 e Professor Titular I-A para o Curso de<br />

Psicologia (UNIPAC - Ubá). J.I.T. Xavier é Médico Psiquiatra (Universidade Católica de<br />

Pelotas), Mestre e Doutor em Psicologia (Instituto de Psicologia, Universidade Federal do rio<br />

de Janeiro, IP/UFRJ). Coordenador do NEPP. Endereço eletrônico:<br />

http://www.neurodinamica.com.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 19-36 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 06/08/2008 | Revisado em 17/09/2008 | Aceito em 19/08/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Artigo Científico<br />

Avaliação do desempenho escolar em matemática de crianças com<br />

transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH): um<br />

estudo piloto<br />

Assessment of academic performance in mathematics for children with attention deficit<br />

hyperactivity disorder (ADHD): a pilot study<br />

Marisa Vital a, e Izabel Hazin b, <br />

a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Pernambuco, Brasil; b Laboratório de<br />

Pesquisa e Extensão em Neuropsicologia (LAPEN), Departamento de Psicologia,<br />

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, Rio Grande do Norte, Brasil<br />

Resumo<br />

A pesquisa de natureza exploratória parte do estudo de dois casos para explorar as interrelações<br />

entre o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), notadamente o<br />

subtipo desatento, e a atividade matemática escolar. O funcionamento cognitivo de crianças<br />

com TDAH do subtipo desatento, na literatura associado a dificuldades escolares em<br />

matemática, foi investigado através de avaliação neuropsicológica, e pode ser caracterizado<br />

pelo comprometimento da atenção concentrada, da flexibilidade cognitiva, da memória<br />

operacional, como por déficits visuoespaciais. Por sua vez, a atividade matemática escolar<br />

deste subgrupo foi avaliada a partir do desempenho das crianças num instrumento matemático.<br />

Tais resultados permitiram o estabelecimento de relações entre os tipos de erros cometidos por<br />

duas crianças no instrumento de avaliação da atividade matemática escolar e os déficits<br />

cognitivos apresentados pelas mesmas, o que permitiu perceber que as dificuldades cognitivas<br />

apresentadas são de natureza procedural. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 19-36.<br />

Palavras-chave: Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH);<br />

Neuropsicologia da atividade matemática; educação especial.<br />

Abstract<br />

The present research investigated two cases aiming to explore the interrelations between<br />

Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD), notably the inattentive subtype, and<br />

mathematics activity at school. Cognitive functioning of children showing ADHD of inattentive<br />

subtype, in literature associated with difficulties in school mathematics, was investigated<br />

throughout neuropsychological assessment, and may be characterized by impairment in<br />

concentrated attention, cognitive flexibility, operational memory, and also by visuospatials<br />

deficits. Mathematics activity at school for these two children was evaluated through an<br />

evaluating instrument for school mathematics abilities. These results allowed the establishment<br />

of relations among the types of errors shown by the two children in tasks of the evaluating<br />

instrument for assessing mathematical school activity and the above mentioned cognitive<br />

deficits, leading to the conclusion that cognitive difficulties presented by the participant<br />

children are of procedural instead of conceptual nature. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 19-<br />

36.<br />

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Keywords: Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD); Neuropsychology<br />

of Mathematics Activity; Special education.<br />

1. Introdução<br />

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é considerado o transtorno<br />

de desenvolvimento que mais acomete crianças em fase escolar e adolescentes, tendo como<br />

características nucleares a desatenção, a hiperatividade e a impulsividade. Estas características<br />

levam a implicações no contexto social, familiar, acadêmico e/ou profissional (Souza e<br />

Ingberman, 2000), no desenvolvimento emocional e na auto-estima (Reed, 2007).<br />

Crianças com TDAH constantemente apresentam baixo rendimento escolar, o que<br />

geralmente leva a problemas na esfera afetiva e emocional. É comum estas crianças<br />

experimentarem o fracasso precocemente, deixando-as “desproporcionalmente vulneráveis a<br />

uma ampla variedade de complicações psicossociais” (Rohde e Mattos, 2003: 12).<br />

Estudos nacionais e internacionais que utilizam critérios do Manual Diagnóstico e<br />

Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV (1995), tendem a encontrar a prevalência em<br />

crianças em idade escolar entre 3 a 6% (Rohde e Halpern, 2004; Faraone et al., 2003). Dentre<br />

estas crianças, aproximadamente 20% apresentam dificuldade de aprendizagem,<br />

representando junto com a dislexia uma das principais causas do fracasso escolar (Poeta e<br />

Rosa Neto, 2004).<br />

De acordo com o DSM-IV o TDAH apresenta três tipos distintos, que representam<br />

formas de funcionamento cognitivo e sócio-afetivo diferentes, a saber, o tipo<br />

predominantemente desatento, o predominantemente hiperativo-impulsivo e o tipo<br />

combinado. Segundo Pastura e colaboradores (2005), vários estudos mostram uma relação do<br />

mau desempenho escolar e os três tipos de TDAH. No entanto, eles também fazem o<br />

levantamento de outros estudos que demonstram particularidades entre os três tipos – o de<br />

Carlson e colaboradores (1986), que constatou um pior desempenho acadêmico em crianças<br />

com TDA/H do tipo desatento, especialmente em aritmética, apesar desse subgrupo<br />

apresentar um Q.I. maior que o do subgrupo do tipo hiperativo; e o de Hynd e colaboradores<br />

(1991) que confirmou um pior desempenho acadêmico do tipo desatento em comparação com<br />

o tipo hiperativo, principalmente em aritmética, apesar de não confirmar a diferença entre Q.I.<br />

Ainda parece haver uma concordância de diversos autores que as maiores diferenças<br />

são encontradas entre o tipo desatento e os outros dois tipos (Brito et al., 1999, Gansler et al.,<br />

1998), sendo ainda relatadas na literatura mais diferenças comparativas entre o tipo desatento<br />

e o tipo combinado. Soma-se aos aspectos acima destacados, a informação veiculada por<br />

alguns estudos, que crianças com TDAH, do tipo predominantemente desatento, apresentam<br />

um pior desempenho em testes que avaliam aritmética, quando comparadas com o tipo<br />

combinado e o predominantemente hiperativo (Rohde e Mattos, 2003).<br />

Contudo, os estudos que constataram a presença de dificuldades no domínio da<br />

atividade matemática, realizados com crianças com o diagnóstico de TDAH<br />

predominantemente desatento, foram realizados em termos apenas da constatação da presença<br />

destas, referindo-se apenas ao baixo rendimento em matemática, e não entrando em detalhes<br />

em relação ao tipo de dificuldades. Em geral, estes estudos sugerem que o TDAH e o baixo<br />

desempenho em matemática compartilham um padrão de déficits cognitivos (Miranda-Casas<br />

et. al., 2006).<br />

Neste sentido, torna-se relevante a investigação acerca da natureza e extensão das<br />

dificuldades escolares em Matemática, apresentadas por crianças com TDAH, notadamente<br />

do tipo desatento, de forma a fornecer subsídios aos profissionais que interagem com este<br />

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subgrupo, possibilitando intervenções que minimizem o impacto de tais déficits e garantam o<br />

pleno desenvolvimento do potencial de cada criança.<br />

Desta forma, esta pesquisa teve como objetivo lançar um olhar mais específico sobre o<br />

funcionamento cognitivo e o padrão de dificuldades em Matemática apresentados<br />

especialmente pelas crianças com TDAH do tipo predominantemente desatento, já que a<br />

literatura traz estudos que demonstram um pior desempenho em Matemática especialmente<br />

neste tipo de TDAH.<br />

Serão apresentados dois estudos de caso de crianças com TDAH do tipo desatento,<br />

cujos nomes são fictícios. Vale salientar que a presente pesquisa foi submetida e aprovada<br />

pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto Materno Infantil Professor<br />

Fernando Figueira–IMIP (número do projeto no CEP/IMIP: 642).<br />

1.1. Aspectos neuropsicológicos do TDAH<br />

A neuropsicologia é uma disciplina que busca compreender as relações existentes<br />

entre a organização e o funcionamento do sistema nervoso central e as funções<br />

neuropsicológicas, considerando variáveis afetivas, sociais e comportamentais do sujeito. Em<br />

sua maioria, lesões e/ou disfunções neurológicas alteram o funcionamento cognitivo da<br />

criança (Hazin, 2006), o que por sua vez pode levar a um perfil de facilidade ou dificuldade<br />

na aprendizagem.<br />

Segundo Miranda-Casas e colaboradores (2006), déficits nas funções executivas,<br />

funções que englobam todos os processos responsáveis por organizar e integrar as funções<br />

cognitivas, explicariam a alta relação do TDAH com as dificuldades de aprendizagem.<br />

Diferenças no comportamento de funções executivas específicas podem ocorrer entre os<br />

subtipos de TDAH, já que o tipo combinado apresenta déficits na inibição do comportamento,<br />

e o predominantemente desatento apresenta grandes dificuldades nas tarefas que envolvem<br />

mudança de objetivo e planejamento, exigindo um maior “controle mental” (Sánchez-<br />

Carpinteiro e Narbona, 2001).<br />

Para Rohde e Mattos (2003), as memórias de trabalho verbal e não-verbal também<br />

estão prejudicadas no TDAH. O comprometimento da memória de trabalho não-verbal é<br />

demonstrado nas dificuldades em manter os eventos em mente, manipulá-los ou agir de<br />

acordo com eles, sendo o indivíduo com TDAH capaz de avaliar o futuro e as conseqüências<br />

do seu comportamento, mas incapaz de agir de acordo com esse conhecimento. De acordo<br />

com Miranda-Casas e colaboradores (2006: 164) a memória de trabalho também está<br />

relacionada com grande parte das tarefas matemáticas, pois possibilita “a manutenção ativa de<br />

múltiplas idéias, a recuperação de trechos matemáticos da memória a longo prazo e a<br />

monitoração persistente que requerem as atividades matemáticas”.<br />

Os transtornos da atenção têm sido relatados pela literatura desde o final do século<br />

XIX e fazem referência a crianças com um comportamento “diferente” e com um rendimento<br />

escolar insatisfatório (Rotta, 2006). A atenção é uma função bastante comprometida no<br />

TDAH. Podemos definir a atenção como sendo a função neuropsicológica responsável pela<br />

seleção e manutenção do foco atencional sobre a entrada de informações necessárias em um<br />

dado momento (Luria, 1981). A atenção permite à criança concentrar-se num dado estímulo<br />

(por exemplo, o que o professor está falando) e simultaneamente neutralizar as demais<br />

estimulações, tais como os sons fora da sala ou uma conversa entre amigos. Esta característica<br />

da atenção é chamada de seletividade, e sem ela a construção do conhecimento ficaria<br />

comprometida, pois não seria possível selecionar uma informação relevante e manter a<br />

atenção sustentada por um período de tempo necessário para o seu processamento. Na<br />

matemática, as deficiências atencionais parecem dificultar a utilização de estratégias<br />

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ordenadas e hierarquizadas implicadas no uso de determinado algoritmo. Assim, crianças com<br />

déficit de atenção apresentariam certa tendência a desenvolver deficiências relacionadas ao<br />

cálculo aritmético, pois não conseguem guardar informações relevantes em virtude de não<br />

sustentarem o foco atencional enquanto organizam as informações verbais recebidas.<br />

Em crianças com TDAH, dados neuropsicológicos demonstraram prejuízo nas funções<br />

cognitivas como: atenção, percepção, planejamento e organização, apresentando dificuldades<br />

em tarefas que demandam estas funções (Rohde e Mattos, 2003).<br />

Estudos realizados com crianças diagnosticadas com TDAH demonstram que os<br />

resultados obtidos pelas mesmas em testes neuropsicológicos para a atenção, notadamente<br />

aqueles que integram as Baterias Wechsler (especialmente códigos e dígitos) e o Teste de<br />

Stroop, mostraram-se comprometidos e abaixo da média esperada para faixa etária e/ou<br />

escolarização (Seidman et al., 1999; Pine et. al., 1999 apud Rohde e Mattos, 2003).<br />

No estudo realizado por Miranda-Casas e colaboradores (2006), observou-se que<br />

crianças com TDAH, com dificuldades de aprendizagem da matemática, solucionaram menos<br />

problemas da vida real e realizaram operações aritméticas mais lentamente, em comparação<br />

ao grupo controle.<br />

Por outro lado, estudos neuropsicológicos têm contribuído para mostrar que, em geral,<br />

as dificuldades nas atividades matemáticas, podem ser caracterizadas por: deficiências<br />

atencionais; deficiências visuo-espaciais; déficits de memória; dificuldades do próprio<br />

pensamento matemático e; compreensão das operações subjacentes (Miranda e Gil-Llario,<br />

2001). Outro estudo referido por Miranda-Casas e colaboradores (2006) (Seidman et al.,<br />

1997) indicou que a inibição e a flexibilidade cognitiva constituem elementos determinantes<br />

especialmente para as atividades matemáticas escolares.<br />

O TDAH também é caracterizado pela presença de torpeza motora e dificuldades na<br />

noção de esquema corporal, que juntos com a desatenção, a impulsividade e a hiperatividade<br />

acabam promovendo déficits na aprendizagem bastante significativos, mesmo entre aquelas<br />

crianças com capacidade intelectual na média ou mesmo superior à média. Soma-se a estes<br />

aspectos o baixo autoconceito e a baixa auto-estima que fazem com que a criança fique<br />

fechada em si mesma, recusando-se a realizar as atividades propostas.<br />

2. Objetivos<br />

2.1. Objetivo geral<br />

Oferecer subsídios para a compreensão da atividade matemática escolar de crianças<br />

com TDAH do tipo predominantemente desatento.<br />

O transtorno de atenção caracteriza-se por impactos significativos no funcionamento<br />

cognitivo destas crianças, notadamente em termos de mecanismos relacionados à atenção<br />

concentrada, à memória verbal e a visuoespacialidade. Concomitantemente a literatura associa<br />

tal tipologia a graves déficits de aprendizagem em matemática.<br />

2.2. Objetivos específicos<br />

Discutir acerca da natureza e extensão das dificuldades apresentadas pelas crianças<br />

com TDAH do tipo predominantemente desatento;<br />

Estabelecer aproximações e distanciamentos no que tange o perfil de funcionamento<br />

neuropsicológico de crianças com TDAH do subtipo desatento e as conseqüências destes para<br />

a atividade matemática destas crianças.<br />

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3. Metodologia<br />

3.1. Sujeitos<br />

Participaram deste estudo duas crianças com 10 e 11 anos de idade, ambas do sexo<br />

masculino, de escola particular localizada no grande Recife. Estas crianças estavam em<br />

tratamento no ambulatório de pediatria, no setor de psiquiatria infantil, do Instituto Materno<br />

Infantil de Pernambuco (IMIP). As duas foram diagnosticadas com TDAH do tipo<br />

predominantemente desatento e não apresentavam comorbidades neurológicas ou<br />

psiquiátricas.<br />

3.2. Procedimento<br />

3.2.1. Constituição da amostra<br />

Foram selecionadas duas crianças no ambulatório de pediatria do IMIP com o<br />

diagnóstico de TDAH do tipo predominantemente desatento.<br />

3.2.2. Avaliação do perfil neuropsicológico<br />

As duas crianças selecionadas foram submetidas a uma bateria de testes psicológicos e<br />

neuropsicológicos, com o objetivo de mapeamento de seus funcionamentos cognitivos,<br />

notadamente em termos de pontos fortes e fracos. Define-se a avaliação neuropsicológica<br />

enquanto um método de investigação do funcionamento cerebral através do comportamento,<br />

com base em técnicas desenvolvidas pela Psicometria, Neuropsicologia e Neurologia<br />

Comportamental (Mader, 2002). A seguir são descritas as funções cognitivas investigadas e<br />

os instrumentos utilizados:<br />

a) Capacidade intelectiva global (inteligência), através da aplicação do WISC III (Wechsler,<br />

2002), que oferece além do quociente intelectual verbal (QIv), do quociente intelectual<br />

executivo (QIe) e do quociente intelectual total (QIt) quatro índices fatoriais que descrevem<br />

mais especificamente o funcionamento cognitivo das crianças. São eles: Compreensão Verbal<br />

(ICV), Organização Perceptual (IOP), Velocidade de Processamento (IVP) e Resistência à<br />

Distração (IRD). Segundo Figueiredo (2002) os fatores de ICV e IOP seriam dimensões mais<br />

puras dos domínios verbal e executivo respectivamente. Por sua vez, o IRD, envolvido no<br />

domínio verbal, avalia concentração e memória imediata, tendo forte correlação com as<br />

habilidades matemáticas. Por fim, o IVP reflete a velocidade psicomotora e a velocidade<br />

mental;<br />

b) análise do desempenho escolar, buscando uma determinação das habilidades escolares da<br />

criança (leitura, escrita e aritmética), através da utilização do Teste de Desempenho Escolar -<br />

TDE, que consiste de três tarefas envolvendo ditado, leitura de lista de palavras e resolução de<br />

problemas matemáticos e abarca os conteúdos escolares de 2º a 7º ano do Ensino<br />

Fundamental (Stein, 1994);<br />

c) investigação da condição atentiva, através dos testes de Atenção Concentrada - AC<br />

(Cambraia, 2003) que avalia basicamente a capacidade da criança de eleger um foco e manter<br />

a atenção sobre ele durante determinado intervalo de tempo. Nesta tarefa a criança recebe uma<br />

folha com uma prova que consiste em 21 linhas, cada qual com 21 símbolos. Em cada linha<br />

horizontal devem ser cancelados sete símbolos. No alto da folha são destacados os três<br />

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estímulos-alvo que a criança deverá cancelar; Teste de Stroop (modelo de Golden) que avalia<br />

a capacidade da criança de lidar com dois estímulos de naturezas diferentes. São apresentados<br />

à criança dois cartões. O primeiro cartão consiste de nomes de cores, todos impressos em letra<br />

preta. A tarefa da criança é realizar a leitura destes substantivos impressos. No segundo<br />

cartão, são apresentados à criança os nomes das mesmas cores do primeiro cartão, só que<br />

agora estes nomes são impressos em cores, distintas das cores veiculadas pelas letras. A tarefa<br />

da criança é dizer o nome da cor que as letras estão impressas, e não as cores escritas (Lézak,<br />

2004); teste de trilhas – parte B, que avalia a atenção no seu aspecto de alternância, ou seja, a<br />

capacidade de alternar o trabalho com estímulos de naturezas diferentes. O teste é dividido em<br />

duas partes, a e b. Na parte A criança deve ligar círculos consecutivamente numerados,<br />

distribuídos aleatoriamente no papel, sem retirar o lápis da folha. Na parte B a criança<br />

encontra além dos números, também letras. A seqüência a ser ligada deve intercalar as séries<br />

de número e de letras (1-a, 2-b, 3-c,…), sem retirar o lápis do papel e o mais rápido possível<br />

(Lézak, 2004);<br />

d) investigação da memória verbal e da aprendizagem auditivo-verbal através da aplicação da<br />

Lista de Palavras de Rey. O teste consiste de uma lista com 15 substantivos – lista a. Esta<br />

lista é lida para a criança cinco vezes consecutivas e, ao final de cada leitura a criança deverá<br />

dizer todas as palavras que lembrar. Posteriormente é lida uma lista de interferência com<br />

outros 15 substantivos – lista b. A criança então deverá dizer todas as palavras que lembra<br />

desta segunda lista. Em seguida a criança mais uma vez diz as palavras da lista a que lembra,<br />

mas desta vez sem que o avaliador leia a lista a. Após 20 minutos é novamente solicitado à<br />

criança que relembre as palavras da lista a, mais uma vez sem a reapresentação desta. Por fim,<br />

apresenta-se à criança uma lista impressa que avalia a memória de reconhecimento, contendo<br />

50 palavras, e ela deverá circular as palavras que recordar, tanto os substantivos da lista a<br />

quanto os da lista b. Esta lista é constituída por substantivos que seguem as seguintes normas:<br />

(a) = palavras da lista a; (b) = palavras da lista b; (sa ou sb) = palavras com uma associação<br />

semântica com as palavras da lista a ou b; (fa ou fb) = palavras foneticamente similares a<br />

outras da lista a ou b. Tal aspecto é qualitativamente importante para que uma análise dos<br />

possíveis erros possa ser feita (Lézak, 2004);<br />

e) investigação da memória não-verbal e da organização e construção visuo-espacial através<br />

da aplicação do teste Figuras Complexas de Rey. O objetivo maior do teste é a avaliação da<br />

atividade perceptiva e da memória visual, nas suas duas etapas: cópia e reprodução de<br />

memória de uma figura que não possui uma significação evidente; de fácil realização; e com<br />

uma estrutura de conjunto com certo grau de complexidade, exigindo portanto uma atividade<br />

perceptiva analítica e organizadora (Rey, 1999). Solicita-se, portanto à criança que copie da<br />

melhor maneira possível o modelo apresentado, considerando os elementos e as proporções<br />

do desenho. Ao final o modelo é retirado e no máximo 3 minutos depois se solicita que a<br />

criança refaça o modelo a partir dos elementos que consegue recuperar;<br />

f) investigação das funções executivas (flexibilidade cognitiva, planejamento, monitoramento<br />

das ações, controle da impulsividade) através do teste de cartas Wisconsin (WCST). O<br />

WCST é composto por 4 cartas-chave e 128 cartas-resposta, que estão representadas com<br />

figuras de diferentes formas (cruzes, círculos, triângulos ou estrelas), cores (vermelho, verde,<br />

amarelo ou azul) e número (um, dois, três ou quatro). Na tarefa, a criança é convidada a<br />

combinar as cartas-estímulo com as cartas-chave. Para cada combinação realizada a criança<br />

recebe o feedback de certo ou errado do examinador. O princípio de combinação é<br />

previamente estabelecido e jamais é revelado ao examinando. A idéia é que a criança possa<br />

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utilizar o feedback do examinador para manter-se ou desenvolver novas estratégias (Heaton et<br />

al., 2005).<br />

3.2.3. Avaliação do desempenho escolar matemático<br />

O objetivo desta etapa foi fazer um levantamento do perfil de desempenho e análise<br />

dos erros produzidos pelas crianças em atividades matemáticas escolares. Para tanto,<br />

elaborou-se um instrumento mais amplo que o TDE, que permitisse não apenas estabelecer<br />

uma média de acertos e erros da criança, mas especialmente uma investigação aprofundada<br />

das relações entre o conhecimento conceitual da matemática (competência-alvo) e a execução<br />

de algoritmos (competência-meio), de modo a identificar a natureza dos erros produzidos. O<br />

referido instrumento é composto por 38 questões, fruto do recorte de diferentes outros<br />

instrumentos de avaliação de redes públicas de educação municipais, estaduais e nacionais,<br />

utilizando-se igualmente de questões de pesquisa propostas por estudiosos da educação<br />

matemática, assim como questões propostas pelas próprias pesquisadoras. O instrumento foi<br />

construído buscando-se avaliar atividades oriundas de campos conceituais (Vergnaud, 1990)<br />

da matemática escolar, conforme escritos e exemplificados a seguir:<br />

a) Habilidades algorítmicas e compreensão do sistema numérico decimal:<br />

“Escreva o número formado por 2 centenas, 7 dezenas e 5 unidades”<br />

“Arme e efetue: 847 + 5 + 98”.<br />

b) Estruturas aditivas:<br />

“Eu e Rodrigo colecionamos figurinhas. Ontem ele veio aqui em casa e a gente trocou<br />

figurinhas. Eu dei a ele 4 figurinhas e ele me deu 6 figurinhas. Hoje eu tenho 15 figurinhas.<br />

Quantas figurinhas eu tinha antes de Rodrigo ir lá em casa”.<br />

c) Estruturas multiplicativas:<br />

“Nós vamos dar uma festa! Para cada criança que vier nós daremos duas bolas. Nós temos ao<br />

todo 18 bolas. Quantas crianças nós podemos convidar”.<br />

d) Imagem mental de propriedades de sólidos geométricos:<br />

“Observe esta peça de um jogo de encaixe e circule a que representa a peça do jogo vista de<br />

cima:”<br />

Peça do Jogo:<br />

Opções:<br />

e) Compreensão de medidas da cultura:<br />

“Eu acordo às 6h30, tomo banho e vou para a escola. Minhas aulas começam às 7 horas. Saio<br />

da escola às 12h30 e volto correndo para casa, pois minha mãe está me esperando para o<br />

almoço. À tarde faço minha lição e vou brincar. Às 8 horas da noite vou dormir. Desenhe os<br />

ponteiros nos relógios abaixo para indicar as horas em que eu”:<br />

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Apesar da utilização do TDE, que também tem um subteste que avalia o conhecimento<br />

em aritmética, este instrumento foi criado, como dito anteriormente, com o objetivo de fazer<br />

um levantamento do perfil de desempenho apresentado pelas crianças em atividades<br />

matemáticas escolares como um todo, e não apenas em aritmética. Seu objetivo é investigar o<br />

tipo de erros matemáticos produzidos pelas crianças com TDAH, por isso a padronização<br />

deste instrumento não é de extrema relevância para o objetivo deste estudo.<br />

4. Resultados<br />

4.1. Apresentação das crianças<br />

Sérgio: Sérgio tem 10 anos de idade e é o filho mais velho de dois irmãos. No<br />

momento da realização do estudo cursava a quarta série do ensino fundamental I de uma<br />

escola particular da cidade do Recife (PE).<br />

Fábio: Fábio tem 11 anos de idade e também é o filho mais velho de dois irmãos. No<br />

momento da realização do estudo cursava a primeira série do ensino fundamental II de uma<br />

escola particular da cidade do Recife (PE).<br />

4.2. Resultados quantitativos<br />

Sujeito QI<br />

total<br />

Sérgio 95<br />

↔<br />

Fábio 103<br />

↔<br />

QI<br />

verbal<br />

97<br />

↔<br />

117<br />

↔↑<br />

QI<br />

execução<br />

95<br />

↔<br />

87<br />

↔↓<br />

Compr.<br />

Verbal<br />

96<br />

↔<br />

116<br />

↔↑<br />

Organiz.<br />

Perceptual<br />

99<br />

↔<br />

89<br />

↔↓<br />

Resistência à<br />

Distração<br />

90<br />

↔<br />

104<br />

↔<br />

Velocidade de<br />

Processamento<br />

82<br />

↔↓<br />

87<br />

↔↓<br />

Quadro 1 – Resultados individuais das crianças no WISC III. ↑↑ = muito superior; ↑ =<br />

superior; ↔↑ = média superior; ↔ = média; ↔↓ = média inferior; ↓ = limítrofe.<br />

Sujeito TDE<br />

total<br />

TDE<br />

leitura<br />

TDE<br />

escrita<br />

TDE<br />

aritmética<br />

Atenção<br />

AC<br />

Figura<br />

Complexa<br />

Teste de matemática<br />

(total = 38 pontos)<br />

Sérgio ↓ ↓ ↓ ↓ ↔ ↔ 24 pontos<br />

Fábio ↔ ↔ ↔ ↑ ↔ ↔↑<br />

29 pontos<br />

Quadro 2 – Resultados individuais das crianças no TDE, AC, Figuras Complexas e Teste de<br />

Matemática. ↑ = superior; ↔↑ = média superior; ↔ = média; ↔↓ = média inferior; ↓ =<br />

inferior.<br />

Sujeito Stroop Teste FAS Trilhas Parte B Teste de memória e<br />

aprendizagem verbal<br />

Sérgio<br />

↔↑ ↔ ↔ ↔↓<br />

Fábio ↔ ↔ ↔ ↔<br />

Quadro 3 – Resultados individuais das crianças no Teste de Stroop, FAS, Trilhas - parte B e<br />

Teste de memória e aprendizagem verbal. ↑ = superior; ↔↑ = média superior; ↔ = média;<br />

↔↓ = média inferior; ↓ = inferior.<br />

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Sujeitos<br />

Sérgio<br />

Fábio<br />

Nº total<br />

de erros<br />

↔↑<br />

↔↑<br />

% de<br />

erros<br />

↔↑<br />

↔↑<br />

Resp.<br />

persev.<br />

↔↓<br />

↔↓<br />

% resp.<br />

perserv.<br />

↔↓<br />

Erros<br />

perserv.<br />

↔↓<br />

↔↓ ~↓ ~↓ ↔↑<br />

% Erros Erros nãoperserv.<br />

% Erros % resp.<br />

perserv.<br />

não-perserv. nível conc.<br />

↔↓ ↔ ↔ ↔↑<br />

Quadro 4 – Resultados individuais das crianças no Wisconsin. ↑ = superior; ↔↑ = média;<br />

superior; ↔ = média; ↔↓ = média inferior; ↓ = inferior; ~↓ = levemente comprometido.<br />

4.3. Resultados de Sérgio<br />

Apresentou um desempenho médio no WISC-III, revelando certa homogeneidade em<br />

termos da análise dos QIs, já que a maioria deles encontra-se na média, com exceção do<br />

índice de velocidade de processamento que se apresentou na média inferior. O QI total foi de<br />

95, enquanto que os desempenhos na área verbal e manipulativa foram, respectivamente, nos<br />

valores de 97 e 95.<br />

A análise individual dos subtestes que compõem a escala verbal mostra que as suas<br />

pontuações mais altas, neste domínio, foram no subteste Vocabulário (14 pontos ponderados)<br />

e Informação (<strong>13</strong> pontos ponderados).<br />

O subteste Vocabulário avalia o conhecimento dos significados das palavras, exigindo<br />

do sujeito aprendizagem e acumulação de informação conceitual. O subteste Informação<br />

refere-se à extensão do conhecimento adquirido, indicando uma motivação para o<br />

aproveitamento escolar, o que demonstra uma estimulação do ambiente. Os dados acima<br />

citados parecem demonstrar que Sérgio não tem dificuldades no armazenamento e na<br />

recuperação das informações.<br />

A sua pontuação mais baixa na escala verbal foi no subteste Dígitos (8 pontos<br />

ponderados). Este subteste refere-se a capacidade de retenção da memória imediata, a<br />

memória auditiva seqüencial e é bastante sensível a capacidade de escuta e às flutuações da<br />

atenção (dígitos na ordem direta), e a memória de trabalho e a capacidade de reversibilidade<br />

(dígitos na ordem inversa).<br />

No nível de execução a sua pontuação mais alta aconteceu no subteste Arranjo de<br />

Figuras (12 pontos ponderados). Este subteste avalia a organização, o planejamento e o<br />

seqüenciamento temporal, bem como a compreensão da idéia geral transmitida pela história.<br />

As pontuações mais baixas encontradas neste domínio aconteceram nos subtestes<br />

Código (6 pontos ponderados) e Procurar símbolos (8 pontos ponderados). O subteste Código<br />

analisa a velocidade de processamento, a capacidade de seguir instruções sob pressão de<br />

tempo, atenção seletiva, concentração e persistência motora e memória operacional. O<br />

subteste Procurar Símbolos analisa a capacidade de discriminação perceptiva, dependendo de<br />

uma boa capacidade de atenção visual. As crianças que apresentam Transtorno de Déficit de<br />

Atenção e Hiperatividade apresentam geralmente uma pontuação mais baixa nestes dois<br />

subtestes. O baixo desempenho nestes dois subtestes contribuiu decisivamente para o<br />

cômputo do índice de Velocidade de Processamento, levando-o a ficar num patamar<br />

considerado Médio Inferior.<br />

Vale salientar que a condição atentiva foi avaliada qualitativamente, uma vez que os<br />

instrumentos utilizados não possuem normatização para o Brasil e/ou para a faixa etária<br />

investigada. Destaca-se ainda dificuldades na realização do teste de Stroop, que avalia a<br />

condição atentiva na sua dimensão alternada, assim como o controle inibitório, ou seja, a<br />

capacidade de trabalhar com dois estímulos diferentes, isolando um deles. Sérgio realizou o<br />

teste com um bom desempenho, apresentando apenas um erro na leitura das cores, mas<br />

realizou o teste num intervalo de tempo grande. No teste de Atenção Concentrada apresentou<br />

↔↑<br />

↔↑<br />

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57 pontos, indicando uma classificação média para o seu nível de escolaridade. O teste Trilhas<br />

também avalia a atenção, no seu aspecto de alternância, ou seja, a capacidade de alternar o<br />

trabalho com estímulos de naturezas diferentes (letras e números). Na Parte B do teste, onde a<br />

alternância da atenção é exigida, não apresentou nenhum erro, mas demorou muito para a<br />

finalização da tarefa, o que apóia a sua dificuldade na velocidade de processamento.<br />

O teste de cartas Wisconsin avalia o funcionamento executivo e requer a capacidade<br />

para desenvolver e manter uma estratégia apropriada de solução de problema por meio de<br />

condições de estímulos mutáveis com a finalidade de atingir uma meta futura. Para isto é<br />

necessária a utilização de um planejamento estratégico, exploração organizada e<br />

direcionamento do comportamento para alcançar o objetivo. Sérgio apresentou um percentual<br />

de respostas perseverativas e um percentual de erros perseverativos abaixo da média.<br />

No teste Figuras Complexas de Rey, que avalia a organização vísuo-espacial e a<br />

memória visual, teve um desempenho na média. Na cópia ele ficou no percentil 30 e na<br />

reprodução de memória ficou no percentil 50, mas tendendo para o 25, o que pode ser<br />

explicado por uma falta de atenção durante a execução da tarefa, o que se reflete na dimensão<br />

da memória visual, não por conta de uma dificuldade no armazenamento ou na recuperação<br />

das informações, mas possivelmente por uma organização do desenho insatisfatória em<br />

decorrência de uma atenção sobre a tarefa parcialmente comprometida.<br />

O teste de Memória e aprendizagem verbal (Rey auditory verbal learning test) avalia a<br />

capacidade de aprendizagem e retenção de uma série de palavras, a amplitude da memória<br />

verbal, suscetibilidade à interferência e memória de reconhecimento. Sérgio mostrou um bom<br />

desempenho, mantendo a aprendizagem, apesar de ter tido uma queda dentro da lista A, mas<br />

sem perdas significativas. Já no teste de fluência verbal, que avalia a memória semântica e a<br />

capacidade de categorização, apresentou um bom conhecimento de categorias semânticas prédefinidas.<br />

Os resultados nos testes de leitura e escrita, do TDE, revelam algumas dificuldades<br />

nestes domínios, apresentando dificuldades para o desempenho escolar na área da linguagem,<br />

estando inadequado ao seu nível de aprendizagem escolar, apresentando-se abaixo da média.<br />

O subteste de leitura avalia a capacidade de decodificar palavras isoladas, independentemente<br />

do seu significado. O subteste de escrita procura avaliar o aprendizado da escrita de palavras<br />

isoladamente.<br />

No domínio da Aritmética, os erros de Sérgio foram mais de omissões e erros de sinal,<br />

por exemplo, do que erros conceituais, o que demonstra que ele sabe que algoritmos mobilizar<br />

para responder a um problema, mas ele fatalmente erra na sua execução, mais por distração<br />

do que pelo desconhecimento do assunto.<br />

4.4. Resultados de Fábio<br />

Apresentou um desempenho médio no WISC-III, tendo um melhor resultado nas<br />

tarefas integrantes da escala verbal, atingindo um QI de 117 nesta escala. Contudo, vale<br />

destacar a presença de uma diferença de 30 pontos existente entre o QI verbal e o QI de<br />

execução, que ultrapassa a significância (maior que 15 pontos), o que sugere uma<br />

investigação mais detalhada.<br />

A análise individual dos subtestes que compõem a escala verbal mostra que as suas<br />

pontuações mais altas, neste domínio, foram no subteste Compreensão (14 pontos<br />

ponderados) e Semelhanças (14 pontos ponderados).<br />

O subteste Compreensão refere-se à capacidade de compreensão dos esquemas<br />

corporais e sociais, indicando uma adequação aos valores e normas sociais. O subteste<br />

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Semelhanças avalia o raciocínio lógico, a formação conceitual verbal, o raciocínio indutivo, o<br />

desenvolvimento da linguagem e da fluência verbal.<br />

A sua pontuação mais baixa na escala verbal foi no subteste Dígitos (9 pontos<br />

ponderados). Este subteste refere-se a capacidade de retenção da memória imediata, a<br />

memória auditiva seqüencial e é bastante sensível a capacidade de escuta e as flutuações da<br />

atenção (dígitos na ordem direta), e à memória de trabalho e à capacidade de reversibilidade<br />

(dígitos na ordem inversa).<br />

No nível de execução a sua pontuação mais alta aconteceu no subteste Armar objetos<br />

(11 pontos ponderados) e Cubos (11 pontos ponderados). O subteste Armar Objetos avalia a<br />

habilidade visuo-motora, a organização perceptual e a compreensão do todo a partir das<br />

partes. O subteste Cubos avalia a capacidade de análise e síntese, a conceitualização visuoespacial,<br />

a coordenação visuo-motora espacial, a organização e a velocidade perceptual e a<br />

estratégia de resolução de problemas.<br />

As pontuações mais baixas encontradas neste domínio aconteceram nos subtestes<br />

Completar Figuras (5 pontos ponderados), Códigos (7 pontos ponderados) e Arranjo de<br />

Figuras (7 pontos ponderados). O primeiro subteste avalia o reconhecimento de objetos, a<br />

discriminação visual e a habilidade para diferenciar detalhes. O subteste Código analisa a<br />

velocidade de processamento, a capacidade de seguir instruções sob pressão de tempo,<br />

atenção seletiva, concentração e persistência motora, e flexibilidade mental. Por fim o<br />

subteste Arranjo de figuras avalia a organização, o planejamento e o seqüenciamento<br />

temporal, bem como a compreensão da idéia geral transmitida pela história.<br />

No teste Stroop apresentou erros que apontam para possíveis dificuldades no controle<br />

inibitório, na flexibilidade cognitiva e consequentemente na atenção alternada. No teste de<br />

Atenção Concentrada apresentou 52 pontos, indicando uma classificação média para o seu<br />

nível de escolaridade. O teste Trilhas também avalia a atenção, no seu aspecto de alternância,<br />

ou seja, a capacidade de alternar o trabalho com estímulos de naturezas diferentes (letras e<br />

números). Na Parte B do teste, onde a alternância da atenção é exigida, não apresentou<br />

nenhum erro, mas demorou muito para a finalização da tarefa, o que apóia a sua dificuldade<br />

na velocidade de processamento.<br />

O teste de cartas Wisconsin avalia uma das medidas das funções executivas, e requer a<br />

capacidade para desenvolver e manter uma estratégia apropriada de solução de problema por<br />

meio de condições de estímulos mutáveis com a finalidade de atingir uma meta futura. Para<br />

isto é necessária a utilização de um planejamento estratégico, exploração organizada e<br />

direcionamento do comportamento para alcançar o objetivo. Fábio apresentou um percentual<br />

de respostas perseverativas abaixo da média, e um percentual de erros perseverativos<br />

levemente comprometido, o que sugere uma dificuldade no controle inibitório.<br />

No teste Figuras Complexas de Rey, que avalia a organização vísuo-espacial e a<br />

memória visual, teve um desempenho na média, na cópia, e acima da média, na memória<br />

imediata. Na cópia ele ficou no percentil 60 e na reprodução de memória ficou no percentil<br />

90.<br />

A análise do teste de Memória e aprendizagem verbal (Rey auditory verbal learning<br />

test) evidencia um aumento progressivo no número de palavras evocadas, o que aponta para<br />

uma boa capacidade de aprendizagem verbal, bem como uma adequada codificação dos<br />

estímulos. Fábio mostrou um bom desempenho, apresentando-se dentro da média e mantendo<br />

a aprendizagem, apesar de ter tido uma queda no desempenho na evocação A7. Já no teste de<br />

fluência verbal, que avalia a memória semântica e a capacidade de categorização, apresentou<br />

um bom conhecimento de categorias semânticas pré-definidas.<br />

Os resultados de Fábio nos testes de leitura e escrita, do TDE, revelam uma boa<br />

capacidade para o desempenho escolar na área da linguagem, estando adequado ao seu nível<br />

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de escolaridade. O subteste de leitura avalia a capacidade de decodificar palavras isoladas,<br />

independentemente do seu significado. O subteste de escrita procura avaliar o aprendizado da<br />

escrita de palavras isoladamente.<br />

No subteste de aritmética do TDE, apresentou um nível de conhecimento de cálculos<br />

aritméticos acima do esperado para a sua série. No entanto, ele ainda apresenta erros neste<br />

domínio, contudo são mais erros de omissões e erros de sinal, por exemplo, do que erros<br />

conceituais. Este fato demonstra que ele sabe que algoritmos mobilizar para responder a um<br />

problema, mas ele fatalmente erra na sua execução, mais por distração do que pelo<br />

desconhecimento do assunto.<br />

5. Discussão<br />

Este estudo tentou fazer uma investigação inicial sobre as dificuldades em matemática,<br />

referidas na literatura, apresentada pelas crianças com TDAH do tipo desatento. A avaliação<br />

neuropsicológica permitiu a observação de informações importantes sobre a dificuldade<br />

apresentada por estas crianças.<br />

As análises dos resultados encontrados nas avaliações neuropsicológicas de Sérgio e<br />

Fábio apresentam elementos importantes que podem auxiliar na compreensão dos erros que<br />

produziram no instrumento de avaliação da atividade matemática.<br />

Inicialmente vale destacar que os resultados do WISCIII apresentam uma supremacia<br />

do domínio verbal sobre o manipulativo, expressa através de pontuações mais altas no QI<br />

verbal (Fábio, 117; Sérgio, 97). Salientando-se que no caso de Fábio a diferença entre os QIs<br />

é considerada significativa (maior que 15 pontos) e exige uma investigação mais detalhada.<br />

No domínio executivo (não verbal) um dos subtestes onde foram encontrados<br />

resultados abaixo da média (a média corresponde a aproximadamente 9 ou 10 pontos<br />

ponderados), para as duas crianças, foi o subteste Código (Fábio – 7 pontos ponderados;<br />

Sérgio – 6 pontos ponderados). Este subteste propõe uma tarefa que envolve a coordenação<br />

visuomotora, manutenção da atenção (concentração) e memória, exigindo rapidez, precisão e<br />

persistência numa tarefa monótona (Cunha, 2002). Conforme discutido anteriormente, o<br />

funcionamento cognitivo de crianças com TDAH é caracterizado principalmente por déficits<br />

na manutenção do foco atencional, sendo esta a habilidade mais exigida para a realização do<br />

subteste em questão. Tais resultados são enaltecidos pela discussão avançada por Simões<br />

(2002), para quem crianças com TDAH tendem a apresentar escores mais baixos nos<br />

subtestes código e procurar símbolos, do WISC III, decorrente de uma velocidade de<br />

processamento mais baixa, apresentando um desempenho mais lentificado e não<br />

necessariamente incapacidade de realização da tarefa. Destaca-se ainda, que o Índice<br />

Velocidade de Processamento, que conforme dito acima reflete a velocidade psicomotora e a<br />

velocidade mental (Cunha, 2002), foi o responsável pela pontuação mais baixa (média<br />

inferior) de ambas as crianças nos quatro índices (Fábio QI 87 e Sérgio QI 82).<br />

No domínio verbal o subteste onde as duas crianças obtiveram desempenho mais baixo<br />

foi Dígitos (Fábio – 9 pontos ponderados; Sérgio – 8 pontos ponderados). Vale salientar, que<br />

apesar dos resultados das crianças estarem na faixa média, há uma discrepância entre o<br />

desempenho delas neste subteste e os demais da escala verbal. Por exemplo, Fábio nos<br />

subtestes de Compreensão e Semelhanças tem pontuação ponderada de 14, enquanto Sérgio<br />

obteve pontuação ponderada 14 no subteste de Compreensão e pontuação ponderada <strong>13</strong> no<br />

subteste de Vocabulário.<br />

Os resultados na média encontrados no Teste de atenção concentrada (AC) precisam<br />

ser avaliados qualitativamente, já que não há uma normatização deste instrumento para<br />

crianças. Os desempenhos das duas crianças são equivalentes ao desempenho de um sujeito<br />

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de escolaridade semelhante. Tais resultados isolados não trazem grandes contribuições, mas a<br />

consideração do declínio de rendimento ao longo do teste ilustra o quanto é difícil para estas<br />

crianças a manutenção do foco atencional, o que as levou a cometerem erros e omissões na<br />

etapa final da realização do teste.<br />

No teste Wisconsin que avalia o funcionamento executivo, o resultado global de Fábio<br />

e Sérgio foi superior à média. Entretanto, uma análise dos itens demonstra um desempenho<br />

inferior à média no domínio de número de erros perseverativos, ou seja, há a presença de<br />

tendência à manutenção de um mesmo raciocínio, com dificuldades para alternar o foco<br />

atencional e engajar-se em outra atividade e/ou outra linha de raciocínio (flexibilidade<br />

cognitiva).<br />

No domínio da visuoconstrução e visuoespacialidade, descritos aqui como processos<br />

de organização e interpretação da informação visual, mobilizando habilidades tais como<br />

discriminação visual, memória visual e organização visuoespacial, Fábio não apresentou<br />

dificuldades, ficando em uma classificação média superior no teste Figuras Complexas de<br />

Rey (Percentil 60 - cópia). No entanto, Sérgio demonstrou dificuldades neste domínio,<br />

obtendo um desempenho inferior à média (Percentil 30 – cópia). Salienta-se que um<br />

desenvolvimento inadequado em relação à noção de espaço são manifestações que podem<br />

ocorrer no TDAH, sendo geralmente evidenciado nos desenhos da criança e na dificuldade em<br />

reconhecer símbolos gráficos semelhantes entre si, que se diferenciam apenas por sua<br />

disposição espacial (Andrade, 2002; Andrade, 1998; Andrade et al., 2000; Gherpelli, 2001).<br />

A memória verbal das duas crianças não se mostrou tão prejudicada, pois o<br />

desempenho na lista de palavras de Rey mostrou-se adequado, numa avaliação qualitativa,<br />

indicando a presença da aprendizagem sem apresentar perda significativa, apesar de<br />

apresentar uma queda no número de repetições da lista A4 para A5, já que era esperado<br />

melhora no desempenho.<br />

Em relação à memória de trabalho não verbal, as duas crianças apresentaram<br />

dificuldades. Provavelmente esta dificuldade deve ter influenciado o desempenho delas nas<br />

tarefas matemáticas, pois, de acordo com Miranda-Casas e colaboradores (2006), este tipo de<br />

memória tem grande influência na realização de tarefas matemáticas.<br />

No que se refere à análise do desempenho e dos tipos de erros produzidos por Sérgio e<br />

Fábio no Instrumento de avaliação da atividade matemática, pode-se afirmar que a maior<br />

parte dos erros está relacionada principalmente ao déficit atencional, já que estes erros não<br />

foram de nível conceitual, mas sim marcados pela desatenção. Como por exemplo, às vezes<br />

eram dadas oralmente respostas corretas, mas ao escrever no instrumento de avaliação a<br />

criança escrevia outro número. Ou realizava o procedimento de resolução da questão<br />

corretamente, mas por distração não percebia a repetição de sua resposta (figura 1). Outro erro<br />

comum era a falta de atenção no que a questão pedia, realizando alguns itens corretamente,<br />

mas estando desatento na resolução dos outros itens (figura 2).<br />

Esses resultados são corroborados com o desempenho das crianças no subteste de<br />

aritmética do TDE, já que Fábio apresentou um desempenho superior, mostrando um bom<br />

conhecimento em matemática esperado para sua série e idade, e Sérgio apresentou uma<br />

previsão de escore compatível com sua idade, apesar de ter como resultado uma classificação<br />

inferior, em relação ao seu nível escolar. No entanto, os dois apresentaram um bom<br />

desempenho no instrumento matemático.<br />

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Figura 1 - Questão do Instrumento matemático.<br />

Eu acordo às 6h30, tomo banho e vou para a escola. Minhas aulas começam às 7<br />

horas. Saio da escola às 12h30 e volto correndo para casa, pois minha mãe está me esperando<br />

para o almoço. À tarde faço minha lição e vou brincar. Às 8 horas da noite vou dormir.<br />

Desenhe os ponteiros nos relógios para indicar as horas em que eu:<br />

Figura 2 - Questão do instrumento matemático.<br />

6. Conclusão<br />

O estudo descrito realizou uma investigação clínico-exploratória acerca da natureza<br />

das dificuldades matemáticas escolares apresentadas por duas crianças, que no presente<br />

trabalho receberam os pseudônimos de Sérgio e Fábio.<br />

A avaliação neuropsicológica apontou para fragilidades em seus funcionamentos<br />

cognitivos, notadamente em termos de atenção concentrada, flexibilidade cognitiva, memória<br />

operacional (dígitos) e visuoespacialidade. A tradução de tais déficits para a atividade<br />

matemática escolar é reconhecida através da natureza dos erros produzidos por Sérgio e Fábio<br />

no instrumento de avaliação da atividade matemática. Tais erros foram pautados<br />

principalmente pela desatenção, pela dificuldade de manutenção da informação verbal na<br />

memória de trabalho e possivelmente pelo comprometimento visuoespacial, que de acordo<br />

com Luria (1981) é uma habilidade imprescindível para a realização de cálculos mentais na<br />

infância, já que estes inicialmente são de natureza visual.<br />

Os resultados aqui apresentados são condizentes com os achados de estudos<br />

neuropsicológicos que têm contribuído para a discussão acerca das dificuldades envolvidas na<br />

atividade matemática escolar de crianças com transtornos de aprendizagem. Na perspectiva de<br />

Miranda e Gil-Llario (2001) as principais determinantes das dificuldades em matemática, no<br />

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interior da vertente neuropsicológica, são as deficiências atencionais e as deficiências<br />

visuoespaciais. As deficiências atencionais parecem dificultar a utilização de estratégias<br />

ordenadas e hierarquizadas implicadas no uso de determinado algoritmo. Assim, crianças com<br />

déficit de atenção, transtorno investigado pelo presente estudo, apresentariam certa tendência<br />

a desenvolver deficiências relacionadas ao cálculo aritmético. A impulsividade, uma das<br />

características do TDAH, seria outro fator determinante de tais dificuldades, pois teria uma<br />

repercussão direta sobre a instrução, já que a cooperação, necessária entre alunos e<br />

professores, estaria comprometida.<br />

Por outro lado, as deficiências visuoespaciais poderiam ser traduzidas por dificuldades<br />

com diferenciação figura-fundo, discriminação e orientação espacial. Os estudantes com<br />

déficits em Matemática também poderiam apresentar comprometimentos nas tarefas que<br />

exigem o uso da memória de trabalho visuoespacial e de imagens visuais mentais,<br />

repercutindo em tarefas tais como diferenciar números similares do ponto de vista espacial (6<br />

e 9); memorizar ordenadamente os números das quantidades (podendo inverter o número e<br />

escrever 12 no lugar de 21), entre outras.<br />

As dificuldades de memória e de processamento auditivo se manifestam no momento<br />

da criança realizar exercícios orais, envolvendo cálculo mental, e de contar seguindo uma<br />

seqüência dada (Miranda-Casas et. al., 2006).<br />

Salienta-se ainda que podem ser identificados comprometimentos cognitivos de<br />

diferentes naturezas, envolvidos na atividade matemática. Na perspectiva de Luria (1981),<br />

dificuldades tais como, a percepção visuo-espacial, a atenção e a memória auditiva verbal,<br />

destacados acima, não implicariam necessariamente em um comprometimento do domínio<br />

conceitual da Matemática (competência-alvo), mas sim das habilidades que funcionam como<br />

ferramentas de expressão deste conhecimento (competências-meio), e que são<br />

preferencialmente avaliadas pelos instrumentos neuropsicológicos.<br />

A constatação de que as dificuldades cognitivas de crianças com TDAH do tipo<br />

predominantemente desatento são de natureza procedural (competência-meio) abre espaço<br />

significativo para a intervenção em sala de aula, já que as dificuldades não estão circunscritas<br />

a aspectos conceituais da Matemática.<br />

Algumas propostas de intervenção na escola estruturadas pelo Departamento de<br />

Educação dos EUA foram discutidas por Riesgo (2006). Tais intervenções sugerem alterações<br />

na organização e dinâmica da sala de aula. Inicialmente é preciso deixar claro para os alunos<br />

qual o objetivo de determinada aula e/ou atividade. Tal atitude permite à criança com TDAH,<br />

e às demais, retomar o curso da fala do professor, se porventura distraiu-se com outro<br />

estímulo. É importante estabelecer uma rotina diária clara com espaços para o descanso prédefinidos,<br />

o que ajuda a criança a controlar a impulsividade, pois ela sabe que em breve<br />

haverá uma pausa. O professor pode utilizar reforços visuais e auditivos para a manutenção<br />

das regras a serem seguidas pela classe e dar instruções diretas, curtas e claras. As atividades<br />

devem ser divididas em unidades menores, facilitando a manutenção do foco atencional.<br />

No que se refere às avaliações, sugere-se que o professor, se necessário, forneça mais<br />

tempo ao aluno para realizar as avaliações. Porém, tal posicionamento só deve ser utilizado se<br />

a demanda for realmente necessária, pois a criança precisa adaptar-se à realidade da turma e<br />

da escola. Alternativas podem ser utilizadas para facilitar o processo de avaliação, tais como a<br />

colocação de um número menor de atividades por folha. Por fim, é de vital importância que o<br />

professor incentive o aluno a checar as respostas ao final da avaliação, já que a maioria dos<br />

erros nas avaliações das crianças com déficit de atenção deve-se a pequenas distrações, tais<br />

como a inversão da operação em um problema matemático. Sugerem-se igualmente<br />

intervenções no domínio específico da matemática. Sendo a atividade matemática das<br />

crianças com TDAH particularmente marcada por pequenos erros que comprometem o<br />

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resultado final, o professor pode lançar mão do uso de marcas espaciais que auxiliem a<br />

organização das operações a serem realizadas, bem como pode ofertar à criança marca-texto<br />

para que ela destaque os símbolos aritméticos ou expressões-chave envolvidos nos problemas.<br />

Pode ainda incentivar o uso de papel na realização de contas e recorrer à utilização do<br />

material concreto.<br />

Tais sugestões podem ser propostas pelos professores, de modo a ofertar caminhos<br />

alternativos de desenvolvimento e aprendizagem a este subgrupo, transformando dificuldades<br />

cognitivas em vivências de superação.<br />

7. Referências bibliográficas<br />

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- M.V. da Nóbrega é Psicóloga, Especialista em Neuropsicologia e Mestranda em<br />

Psicologia Cognitiva (UFPE). E-mails para correspondência: marisavn@terra.com.br e<br />

marisavital@msn.com. I. Hazin é Mestre e Doutora em Psicologia Cognitiva. Atua como<br />

Professora Adjunto do Departamento e da Pós-graduação em Psicologia (UFRN) e<br />

Coordenadora do LAPEN (UFRN). E-mail para correspondência: izabel.hazin@gmail.com.<br />

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Artigo Científico<br />

Avaliação da validade e fidedignidade do instrumento crenças de<br />

estudantes sobre ensino-aprendizagem (CrEA)<br />

Psychometrical proprieties of teaching and learning student’s beliefs scale<br />

Cristiano Mauro Assis Gomes , a<br />

e Oto Borges , b, c, d<br />

a Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo<br />

Horizonte, Minas Gerais, Brasil; b Colégio Técnico, c Pós-Graduação em Educação e Inclusão<br />

Social e d Departamento de Física, UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil<br />

Resumo<br />

Este artigo relata a verificação da validade de construto e aferição a fidedignidade do<br />

instrumento Crenças de Estudantes sobre Ensino-Aprendizagem (CrEA). A amostra foi<br />

composta por 677 participantes de uma instituição de ensino superior de Belo Horizonte,<br />

selecionados pela eliminação dos casos com dados faltantes. Para análise e tratamento dos<br />

dados foram empregados procedimentos de análise fatorial exploratória e de análise fatorial<br />

confirmatória. As soluções foram extraídas através do método dos eixos principais, da análise<br />

paralela, e rotação promax. O melhor modelo fatorial confirmatório, que obteve índices<br />

satisfatórios (CFI de 0,92 e RMR de 0,5), indicou a presença de dois fatores primários e um<br />

fator geral. Os resultados indicam que o CrEA mensura o sistema de crenças de ensinoaprendizagem<br />

ativa-profunda-construtivista (alpha de 0,72) e o sistema de crenças de ensinoaprendizagem<br />

passiva-superficial-tradicional (alpha de 0,68). O CrEA também mensura um<br />

sistema de crenças geral sobre ensino-aprendizagem (alpha de 0,59) que necessita ser melhor<br />

investigado. Os resultados expõem a possibilidade da identificação empírica de sistemas de<br />

crenças relacionadas ao ensino-aprendizagem de estudantes do ensino superior. Apontam<br />

também para a possibilidade de futuras análises dos sistemas de crenças encontrados e de suas<br />

relações com outras variáveis articuladas ao processo de ensino e aprendizagem e ao<br />

desempenho acadêmico. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 37-50.<br />

Palavras-Chave: crenças; ensino; aprendizagem; validação; medida.<br />

Abstract<br />

The purpose of this paper is the study of the construct validity and the reliability of the<br />

Student´s Beliefs about Teaching and Learning (SBTL) instrument. The sample included data<br />

of 677 students who studied in a higher education institution from Belo Horizonte, selected by<br />

deleting the missing answer cases. The exploratory factor analysis and confirmatory factor<br />

analysis methods were used for data analysis. The solutions were extracted through the<br />

principal axis factoring method, using parallel analysis and promax rotation. The best<br />

confirmatory factor model fitted (CFI=0,92; RMR=0,5) indicated two one-level factors and<br />

one two-level general factor. Results indicate that SBTL measure the active-deep-constructivist<br />

teaching and learning (alpha=0,72) and the reproductive-superficial-traditional teaching and<br />

learning beliefs systems. (alpha=0,68). SBTL also measures a general beliefs system about<br />

teaching and learning that needs to be better investigated. The empirically testable nature of<br />

the undergraduate students’ beliefs systems about teaching and learning was elicited by the<br />

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results. It also points to the potential analysis of the beliefs systems identified and of its<br />

relationship to other variables intervening in the teaching and learning process and in the<br />

academic achievement. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 37-50.<br />

1. Introdução<br />

Keywords: beliefs; teaching; learning; validation; measure.<br />

A política pública brasileira de ampliar o número de vagas no ensino superior tem<br />

salientado a dimensão tensional entre equidade e profundidade (Schwartzman, 1999). Apesar<br />

do número de vagas aumentar ao longo dos anos, a qualidade da educação superior é<br />

questionável (Stroh et al., 2003) e um contingente considerável de estudantes do ensino<br />

superior no Brasil possui níveis insatisfatórios em competências acadêmicas e profissionais.<br />

Se por um lado a adoção de práticas educacionais mais efetivas e geradoras de processos<br />

educacionais de maior qualidade pode melhorar muito as competências acadêmicas e<br />

profissionais do aluno brasileiro, por outro lado evidências internacionais apresentam dados<br />

de que alterar o fluxo de desenvolvimento pelo ensino é um empreendimento difícil (Geisler,<br />

1994; Guest, 2000; Hendricks e Quinn, 2000; Margolis e McCabe, 2003; Schumm e<br />

Mangrum, 1991). O dilema pode ser anunciado no argumento de que não basta ofertar vagas<br />

sem oferecer qualidade, onde a profundidade seja uma marca relevante (Gardner et al., 1998).<br />

Desenvolver ou alterar a rota de desenvolvimento de habilidades e competências dos<br />

estudantes do ensino superior é um projeto educacional complexo, pois a própria natureza do<br />

objeto é densa. Dentro da gama de aspectos que envolvem a dinâmica das competências e<br />

habilidades se situam aspectos cognitivos, afetivos, sociais, relacionais, institucionais, entre<br />

outros. Neste artigo focamos exclusivamente a investigação sobre os sistemas de crenças a<br />

respeito do ensino-aprendizagem. Sustentamos que as crenças têm importância crucial na<br />

maneira como o aluno de ensino superior concebe a construção do conhecimento, engaja-se<br />

nas atividades acadêmicas, avalia o papel do professor e da instituição junto ao seu<br />

desenvolvimento, entre outros aspectos. Ao longo desta introdução apresentaremos base<br />

empírica que favorece essa hipótese.<br />

Um primeiro aspecto a ser considerado envolve a influência das crenças na construção<br />

do conhecimento e desempenho acadêmico. Investigando os níveis de desenvolvimento de<br />

leitura de alunos do ensino superior, Hendricks e Quinn (2000) apresentam evidências de que<br />

um dos aspectos mais influentes para a manutenção de dificuldades de leitura, refere-se à<br />

maneira como os alunos encaram o próprio ato de ler e lidar com o conhecimento. Seus<br />

resultados mostram que quando os estudantes concebem o conhecimento como uma verdade<br />

absoluta, concreta e inquestionável, têm maiores dificuldades em leitura e interpretação.<br />

Tratar o conhecimento como uma verdade absoluta parece ser uma característica<br />

presente em vários estudantes universitários. Du Boulay (1999) encontra evidências de que os<br />

textos acadêmicos tendem a serem lidos como “bíblias sagradas”, termo empregado por ele.<br />

Seus resultados apontam que um conjunto de alunos tem a crença de que os textos são<br />

materiais escritos por especialistas que detém a chave do conhecimento. O autor conclui que<br />

esses estudantes não apresentam o impulso e as ferramentas de leitura necessárias para<br />

questionar ou criticar os textos, percebidos por eles como fatos e não como teorias.<br />

Além do domínio das habilidades de leitura e interpretação, pode-se considerar que o<br />

sistema de crenças influencia um largo conjunto de competências acadêmicas no ensino<br />

superior. Pajares (1992) sustenta que sistemas de crenças são bons indicadores das decisões<br />

que os indivíduos fazem através de suas vidas. Ele argumenta que a auto-eficácia, o autoconceito,<br />

a auto-estima, o lócus de controle, as crenças epistemológicas, as crenças do sujeito,<br />

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as crenças sobre leitura, matemática, ciências, entre outros domínios, são campos onde as<br />

crenças têm um papel efetivo.<br />

Artino (2008) encontra evidências de que as crenças afetam o grau de satisfação dos<br />

estudantes quanto ao tipo de ensino empregado. Seus resultados apontam que o valor<br />

atribuído às atividades do curso, a auto-eficácia percebida pelo estudante, e o valor atribuído à<br />

qualidade da instrução explicam 54% da variância da satisfação dos estudantes. As três<br />

variáveis analisadas envolvem crenças dos estudantes, de modo que uma das implicações do<br />

estudo de Artino (2008) envolve a investigação das crenças sobre ensino e aprendizagem para<br />

que a satisfação dos estudantes a respeito dos métodos de ensino seja melhor compreendida.<br />

Goldstein e Benassi (2006) reforçam o campo das evidências de que as crenças possuem<br />

relação com a satisfação dos estudantes, apresentando resultados de que a pontuação na<br />

avaliação dos discentes sobre os docentes é maior quando há maior proximidade entre as<br />

crenças sobre ensino-aprendizagem entre discentes e docentes.<br />

Em função de sua abrangência, o conceito de crenças é denso, multifacetado, sendo<br />

articulado a atitudes, valores, julgamentos, axiomas, opiniões, ideologias, percepções,<br />

concepções, teorias conceituais, processos mentais internos, estratégias de ação, regras de<br />

prática, princípios práticos, perspectivas, repertórios de compreensão, estratégias sociais,<br />

entre outros. A complexidade do conceito pode ser percebida nos argumentos de Rokeach<br />

(1968). Segundo ele, qualquer crença pode se tornar uma atitude ou um valor. Uma crença se<br />

transforma em atitude quando se organiza em torno de um foco predisposto à ação. Por sua<br />

vez, uma crença se transforma em valores quando em seu sistema há funções avaliativas,<br />

comparativas, julgadoras de posições, de forma que há uma tênue e sutil distinção entre<br />

crenças, valores e atitudes, motivações e concepções.<br />

Apesar da diversidade apontada, Nespor (1987) define quatro propriedades<br />

fundamentais para um sistema de crenças: (i) em toda crença há um pressuposto existencial,<br />

indicando uma forte referência de existência ao sujeito; (ii) toda crença apresenta um ideal, ou<br />

seja, a idealização de algo; (iii) toda crença possui um importante componente afetivo; e (iv)<br />

toda crença é composta por uma estrutura episódica marcada por experiências singulares e<br />

significativas ao sujeito.<br />

Nespor (1987) também diferencia sistemas de crenças de sistemas de conhecimento.<br />

Ele argumenta que crenças não são facilmente alteradas, não são modificáveis simplesmente<br />

por argumentos ou pela razão, e normalmente não são abertas para avaliação e exame crítico,<br />

permitindo amplas idiossincrasias, contradições e ausência de lógica dedutiva. Apesar do<br />

desafio apontado, Rokeach (1968) oferece algumas pistas sobre a possibilidade de se intervir<br />

junto às crenças. Segundo ele, todas as crenças possuem um sistema com vários núcleos de<br />

intensidades distintas, de modo que os núcleos centrais são difíceis de serem alterados,<br />

enquanto os núcleos periféricos são mais permeáveis às alterações. Além da dimensão<br />

espacial e nuclear do sistema de crenças, Nisbett e Ross (1980) argumentam que as crenças<br />

mais antigas são mais resistentes a mudanças. Considerando os argumentos de ambos os<br />

autores, é possível especular que uma crença nova que se articule diretamente ao núcleo<br />

central de um sistema de crenças seja mais difícil de ser mobilizada e modificada a partir de<br />

uma ação educativa externa.<br />

Uma das propostas mais conhecidas que visam à modificação das crenças é a<br />

estratégia do conflito cognitivo, procedimento proveniente do ensino construtivista que busca<br />

desestabilizar os esquemas de conhecimento para que novos esquemas, mais amplos e<br />

satisfatórios, possam ser construídos. O fundamento básico do conflito cognitivo é incitar no<br />

aluno a inadequação do seu sistema de crenças para explicar um campo de domínio. Apesar<br />

da promessa de sucesso, há um problema com essa proposta. A mudança é a última<br />

alternativa utilizada pelo sujeito. Posner e colaboradores (1982) apresentam evidências de que<br />

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é bastante comum aos estudantes rejeitarem uma nova informação, considerando-a<br />

irrelevante, ou compartimentando suas crenças, de modo a prevenir que as crenças existentes<br />

possam sofrer em face do conflito. O que as evidências de Posner e colaboradores (1982)<br />

sugerem é que as pessoas se protegem de interferências externas e que suas crenças não são<br />

facilmente alteradas por estratégias educacionais de conflitos cognitivos.<br />

Posner e colaboradores (1982) informam que há algumas condições fundamentais para<br />

que quaisquer anomalias possam gerar novas acomodações à informação conflitante.<br />

Primeiro, os estudantes devem compreender que a nova informação representa uma anomalia<br />

e um desafio real ao seu sistema de crenças. Segundo, os estudantes devem acreditar que a<br />

informação pode ser reconciliada com as crenças existentes. Terceiro, eles devem querer<br />

reduzir as inconsistências entre as crenças. Por último, os esforços de assimilação anteriores<br />

devem ser percebidos como inadequados. Segundo os autores, em boa parte das vezes os<br />

estudantes são inconscientes das anomalias geradas intencionalmente pela proposta do<br />

conflito cognitivo, o que impossibilita um conflito genuíno, assim como qualquer<br />

possibilidade de modificação do sistema de crenças de referência do estudante (Posner et al. ,<br />

1982).<br />

Uma proposta alternativa ao conflito cognitivo indica que os estudantes devem fazer<br />

coisas que alterem o seu desempenho para que suas crenças possam ser alteradas. Segundo<br />

Guskey (1986), uma ação consistente, vigorosa e geradora de mudanças possui um forte<br />

impacto sobre as crenças. Essa proposta é interessante, pois ao invés de pretender modificar<br />

diretamente as crenças para alterar a maneira do estudante em interagir com os objetos de<br />

conhecimento, parte-se do contrário. Ambas as propostas, situadas conjuntamente, levam a<br />

um paradoxo quando confrontadas: o de que se deve intervir junto às habilidades para mudar<br />

as crenças, e o de que se deve intervir junto às crenças para que se possa alterar as<br />

habilidades.<br />

No que diz respeito aos sistemas de crenças sobre o ensino-aprendizagem várias<br />

evidências apontam que eles estão bem estabelecidos e formados quando o estudante chega à<br />

faculdade, o que torna o desafio da intervenção educacional complexo (Abelson, 1979;<br />

Buchman, 1984, 1987; Buchmann e Schwille, 1983; Clark, 1988; Floden, 1985; Florio-Ruane<br />

e Lensmire, 1990; Ginsburg e Newman, 1985; Nespor, 1987; Nisbett e Ross, 1980; Rokeach,<br />

1968, Weinstein, 1988, 1989; Wilson, 1990). Com relação aos tipos de sistemas de crenças de<br />

estudantes universitários sobre o ensino e aprendizagem, eles podem ser agrupados em dois<br />

grandes grupos: o sistema de crenças de ensino-aprendizagem ativo-profundo-construtivista, e<br />

o sistema de crenças de ensino-aprendizagem passivo-superficial-tradicional. O sistema de<br />

crenças de ensino-aprendizagem descrito como ativo-profundo-construtivista indica crenças<br />

dos estudantes que apontam para uma aprendizagem e um ensino onde o aluno acredita na<br />

importância de ser ativo em relação ao objeto de conhecimento, concebe a aprendizagem<br />

através da elaboração de uma vasta gama de relações, acredita que o professor é um<br />

provocador e incentivador das suas habilidades cognitivas, entre outros aspectos. Por outro<br />

lado, o sistema de crenças de ensino descrito como passivo-superficial-tradicional indica<br />

crenças onde o aluno acredita na importância de memorizar e fixar o conteúdo. O papel do<br />

professor é concebido de forma a ser um organizador e transmissor do conhecimento e o<br />

aluno se percebe mais como um receptador do conhecimento do que o de um construtor. O<br />

conhecimento é compreendido também de forma mais concreta e absoluta, o conteúdo deve<br />

ser simples, mais leve, para que possa ser fixado, entre outros aspectos.<br />

Há evidências que sustentam a classificação das crenças sobre ensino-aprendizagem<br />

nos dois grandes sistemas apontados. Através de um estudo experimental sobre métodos de<br />

ensino, Shinogaya (2008) apresenta resultados de que os estudantes que possuem a crença de<br />

que a compreensão é mais importante que a mera memorização têm melhor desempenho<br />

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escolar. Mason e colaboradores (2008), através de um estudo experimental sobre duas<br />

abordagens no ensino de ciências, encontraram evidências de que estudantes com crenças<br />

mais sofisticadas sobre a natureza da construção do conhecimento preferem textos<br />

argumentativos ao invés de textos meramente informativos, apresentando uma postura mais<br />

ativa e construtiva. Ao estudar estudantes universitários de Hong Kong, Kember (2001)<br />

identifica a presença de dois tipos de crenças, rotuladas por ele como didático-reprodutivas e<br />

facilitativo-transformativas. Kember (2001) encontra evidências de que os estudantes com<br />

ênfase nas crenças didático-reprodutivas não se ajustam adequadamente a tipos de ensino que<br />

não são expositivos, assim como atividades que vão além da reprodução da informação dada<br />

pelo material pedagógico. Em um estudo de natureza qualitativa, Samuelowicz e Bain (2001)<br />

discutem a literatura sobre crenças de ensino-aprendizagem e apresentam evidências sobre a<br />

presença de nove tipos de crenças. No entanto, eles informam que esses tipos se relacionam<br />

hierarquicamente a dois tipos de crenças mais amplas, uma crença ativa, construtivista e uma<br />

crença passiva, tradicional, de modo que crenças mais específicas sobre o ensinoaprendizagem<br />

são identificadas como facetas de dois sistemas de crenças mais amplos e<br />

genéricos.<br />

Através da construção e validação de um instrumento de mensuração de crenças sobre<br />

ensino-aprendizagem para crianças chinesas Law e colaboradores (2008), encontram a<br />

presença de dois fatores, indicando, respectivamente, crenças construtivistas e crenças<br />

tradicionais de ensino e aprendizagem. Além do instrumento que analisa crenças em<br />

estudantes, podem ser encontradas evidências a respeito de evidências de professores que se<br />

dividem nos dois grandes grupos apontados neste artigo. Segundo Hermans e colaboradores<br />

(2008), o Beliefs about Primary Education Scale (BPES), analisa as crenças dos professores<br />

da educação primária sobre o ensino e também identifica dois fatores, uma dimensão<br />

transmissiva e uma dimensão desenvolvimental. Os autores consideram serem essas<br />

dimensões representativas de crenças distintas, respectivamente, de uma postura tradicional e<br />

uma postura construtivista. Essas evidências são corroboradas em Woolley e colaboradores<br />

(2004), que apresentam a elaboração e validação do Teacher Beliefs Survey (TBS),<br />

encontrando evidências a respeito da presença de três fatores, dois deles articulados a crenças<br />

tradicionais e um deles articulado a crenças construtivistas.<br />

É objetivo deste artigo verificar a validade de construto e aferir a fidedignidade do<br />

instrumento Crenças de Estudantes sobre Ensino-Aprendizagem (CrEA). O instrumento visa<br />

mensurar os dois sistemas de crenças amplos apontados neste artigo: o sistema de crenças que<br />

tratam o ensino-aprendizagem de forma ativa-profunda-construtivista e o sistema de crenças<br />

que tratam o ensino-aprendizagem de forma passiva-superficial-tradicional. Este instrumento<br />

foi desenvolvido pelo primeiro autor, em 2004. A discussão do desenvolvimento dos itens, no<br />

entanto, não é apresentada neste trabalho. O foco do presente trabalho é apresentar<br />

argumentos e evidências no sentido de que a forma final do instrumento capaz de identificar<br />

dois amplos sistemas de crenças sobre ensino e aprendizagem entre estudantes universitários.<br />

Neste sentido, a análise dos dados focará a seleção de itens que possibilitam a identificação<br />

satisfatória das variáveis latentes subjacentes às respostas dos participantes ao instrumento, a<br />

adequação da solução fatorial encontrada, em termos do seu grau de ajuste aos dados, a<br />

verificação da validade de construto e a aferição da fidedignidade da forma final do<br />

instrumento. Ainda que uma forma final do instrumento não esteja padronizada na norma<br />

populacional, serão apontadas algumas implicações junto ao campo das investigações sobre as<br />

crenças e o desenvolvimento dos estudantes universitários, tendo como referência os fatores<br />

identificados pelo CrEA.<br />

2. Materiais e métodos<br />

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2.1. Participantes<br />

A amostra foi selecionada entre os estudantes de uma instituição de ensino superior de<br />

Belo Horizonte, Minas Gerais. A amostra em uma única instituição deveu-se aos fatores<br />

econômicos e logísticos. A instituição financiou os custos de aplicação dos questionários. No<br />

ano de 2005, época em que o instrumento foi aplicado, a instituição contava com 17 cursos,<br />

201 turmas e 6602 alunos. O instrumento foi aplicado aos estudantes de 65 turmas da<br />

instituição, sorteadas aleatoriamente dentre as 201 turmas, representando todos os cursos e a<br />

variedade de estudantes. A amostragem visou obter uma amostra acima de 580 participantes,<br />

e uma relação mínima de 20 participantes/item do questionário. Segundo MacCallum e<br />

colaboradores (1999), Conrey e Lee (1992) recomendam que sejam obtidos pelo menos 500<br />

casos para a realização de análise fatorial. A recomendação de pelo menos 20 casos por item<br />

do questionário, segundo Hogarty e colaboradores (2005) e Hair e colaboradores. (1995) foi<br />

feita. Não houve coleta de dados demográficos dos participantes, como idade e gênero. Dos<br />

825 respondentes, foram utilizados para análise apenas os instrumentos respondidos<br />

completamente, totalizando 677 participantes. Optou-se por não utilizar métodos de<br />

imputação de valores para dados faltantes. Na aplicação do questionário não houve a<br />

imposição de limite de tempo para a resposta. Todos os aplicadores seguiram os mesmos<br />

procedimentos, tendo sido previamente treinados para a aplicação. Desta forma, a existência<br />

de dados faltantes não pode ser atribuída estes a dois fatores. Dos 677 participantes, dois<br />

estudantes eram provenientes do curso de Ciências Econômicas, 21 da Comunicação Social<br />

com habilitação em Cinema e Vídeo, 24 do Turismo, 26 do curso Superior de Tecnologia em<br />

Gestão de Recursos Humanos, 24 do curso Superior de Tecnologia em Gestão de Marketing,<br />

22 de Nutrição, 18 de Farmácia, 84 do curso Superior de Tecnologia em Gestão Empresarial,<br />

35 de Administração com habilitação em Comércio Exterior, 57 de enfermagem, 41 de<br />

Pedagogia, 33 do curso Superior de Tecnologia em Gestão Financeira, 38 de Ciências<br />

Contábeis, 40 do curso de Sistema de Informação, 47 de Ciências Biológicas, 34 de Direito, e<br />

<strong>13</strong>1 de Administração.<br />

2.2. Instrumento<br />

Foi aplicado nos participantes o CrEA, com 29 enunciados, 14 deles relacionados à<br />

percepção do estudante quanto aos processos de aprendizagem e sua articulação com formas<br />

de ensino, e 15 relacionados a maneiras do professor ministrar suas aulas e a preferência dos<br />

estudantes. Em todos os itens os participantes deveriam responder a uma escala do tipo-<br />

Likert, que variava de um (maneira péssima de dar aula) a oito (maneira ótima de dar aula).<br />

Para responder a todos os itens relacionados às maneiras do professor ministrar suas aulas, o<br />

participante lia um enunciado básico que era o seguinte: “Na maior parte das aulas, o<br />

professor:”. Após esse enunciado, o participante lia o enunciado específico do item e marcava<br />

uma das opções da escala. Em relação aos itens sobre processos de aprendizagem e ensino,<br />

havia também um enunciado básico que o estudante deveria ler antes de responder aos itens<br />

do instrumento: “Eu realmente aprendo, quando:”.<br />

2.3. Coleta e análise de dados<br />

A aplicação do instrumento foi realizada no ano de 2005. A pesquisa respeitou os<br />

critérios de ética. Somente responderam o instrumento os estudantes que consentiram de<br />

forma livre e esclarecida em participar da pesquisa. Em todas as aplicações, os alunos eram<br />

inicialmente informados sobre a natureza da pesquisa, os procedimentos de sigilo dos dados, a<br />

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garantia de desistência sem qualquer retaliação, a ausência de premiação pelo preenchimento<br />

do instrumento, entre outros aspectos envolvendo os procedimentos éticos da pesquisa.<br />

Para a identificação dos sistemas de crenças foram utilizados os procedimentos de<br />

análise fatorial exploratória e confirmatória. A análise fatorial exploratória foi usada<br />

inicialmente, através do procedimento dos eixos principais, para identificação primeira de<br />

soluções possíveis. Para a análise da retenção dos fatores foi usada a análise paralela por<br />

permutação, assim como a rotação oblíqua promax, quatro, para as soluções obtidas.<br />

Itens eram eliminados a partir de alguns critérios combinados ou utilizados<br />

isoladamente. Se um item possuísse carga fatorial inferior a 0,3 poderia ser eliminado, assim<br />

como se possuísse carga fatorial superior a 0,3 em mais de um fator. Um item também<br />

poderia ser eliminado se ele se relacionava diretamente a um fator mal definido, com poucos<br />

itens ou com um alpha de Cronbach muito baixo (menor do que 0,5).<br />

A análise fatorial confirmatória foi utilizada para análise do melhor modelo gerado<br />

pela análise exploratória. Buscou-se, além da análise das diferentes soluções pelo método<br />

exploratório, identificar quais soluções geravam fatores confiáveis com um alpha<br />

minimamente adequado. Soluções adequadas com fatores não confiáveis foram<br />

preferencialmente descartadas. Os índices da análise confirmatória utilizados foram os quiquadrados<br />

dos modelos, seus desvios-padrão, seus respectivos CFIs, GFIs e RMSEAs.<br />

3. Resultados<br />

As análises fatoriais exploratórias utilizadas indicaram um substancial número de<br />

fatores com poucos itens e um baixo valor no alpha de Cronbach, de modo a envolver uma<br />

baixa confiabilidade da mensuração dos mesmos. Por outro lado, essas mesmas análises<br />

indicavam a presença de fatores de mais alta-ordem que aglutinavam um número maior de<br />

itens e poderiam apresentar um maior valor de alpha. Nesse sentido, buscou-se utilizar uma<br />

estratégia de construir um modelo a partir da análise fatorial confirmatória que fosse capaz de<br />

considerar os fatores mais específicos e menos confiáveis encontrados nas análises<br />

exploratórias. Ao mesmo tempo, esse modelo deveria ser capaz de considerar os fatores mais<br />

amplos e provavelmente mais confiáveis.<br />

No que tange a identificação dos fatores específicos, com poucos itens, eles foram<br />

modelados através da indicação de que determinados erros de certos itens se covariavam,<br />

permitindo assim, transparecer dentro do modelo, a presença desses fatores, não identificados<br />

diretamente como fatores, mas sim como covariâncias. Isso permitiu a estratégia de<br />

incorporar no modelo as especificidades encontradas, assim como propor apenas fatores que<br />

pudessem ser considerados confiáveis, no caso, os fatores de mais alta-ordem.<br />

Explicando melhor essa estratégia, pode-se observar a figura 1, que contempla o<br />

modelo elaborado com melhor grau de ajuste aos dados. Esse modelo apresenta um quiquadrado<br />

de 257, 17, 105 graus de liberdade, CFI de 0,92, GFI de 0,96 e um RMSEA de 0,05.<br />

Nesse modelo, há a presença de dois fatores de primeiro nível, rotulados de “scapc” (sistema<br />

de crenças de ensino-aprendizagem ativo-profundo-construtivista) e “scpst” (sistema de<br />

crenças de ensino-aprendizagem passivo-superficial-tradicional). Há a presença de um fator<br />

geral, um sistema geral de crenças de ensino e aprendizagem que se relaciona diretamente<br />

com os itens do teste. Além dos fatores identificados, pode-se observar na figura 1 a presença<br />

de covariâncias nos erros de determinados itens. Os itens três, quatro, 12 e 14 apresentam<br />

covariâncias comuns em seus erros, indicando a presença de um fator mais específico. A<br />

escolha por não explicitar esse fator no modelo deveu-se ao fato de que a presença de um<br />

fator com apenas quatro itens indicava um baixo alpha de Cronbach, comprometendo sua<br />

confiabilidade, assim como a mensuração de fatores de mais alta-ordem. Essa condição<br />

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inviabilizava a mensuração do modelo e quando esse fator não confiável era acrescentado ao<br />

modelo, o grau de ajuste aos dados era consideravelmente diminuído e tornava-se<br />

inadequado. O mesmo procedimento foi feito em relação aos itens 15, 16 e 18, que também<br />

formavam um fator mais específico, assim como os itens 21, 22 e 27. Note-se que ambos os<br />

três fatores específicos considerados através da covariância de seus erros, pertencem todos ao<br />

fator “scapc”, ou seja, ao sistema de crenças de ensino-aprendizagem ativo-profundoconstrutivista.<br />

ei03 1<br />

i03<br />

ei04 1<br />

i04<br />

ei12 1<br />

i12<br />

ei14 1<br />

i14<br />

ei15 1<br />

ei18 1<br />

i15<br />

i18<br />

scapc<br />

1<br />

escapc<br />

ei21 1<br />

ei22 1<br />

i21<br />

i22<br />

1<br />

eg<br />

1<br />

g<br />

ei27<br />

1<br />

ei01 1<br />

i27<br />

i01<br />

ei05<br />

1<br />

i05<br />

ei07<br />

1<br />

i07<br />

ei09<br />

1<br />

i09<br />

1<br />

ei16<br />

1<br />

i16<br />

scpst<br />

1<br />

escpst<br />

Figura 1 – Diagrama do Modelo Fatorial Selecionado.<br />

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A tabela 1 apresenta as cargas fatoriais dos itens no fator geral e nos dois fatores de<br />

primeiro nível, assim como o alpha de cada um dos fatores. Com relação aos rótulos<br />

elaborados, eles foram construídos em função dos itens presentes em cada um dos fatores<br />

encontrados. A tabela 2 apresenta os itens relacionados ao fator “scapc”. O fator “scapc”<br />

envolve um conjunto de itens que representam crenças em uma postura ativa por parte do<br />

estudante, assim como um foco na capacidade de pensar, analisar, refletir e construir<br />

conhecimento e em uma aula capaz de mobilizar os aspectos apontados, através de um<br />

professor atuante e capaz de intervir junto aos processos de aprendizagem.<br />

g scpst scapc<br />

i01 0,04 0,30 0,00<br />

i05 -0,01 0,38 0,00<br />

i07 -0,01 0,44 0,00<br />

i09 -0,27 0,49 0,00<br />

i16 -0,03 0,38 0,00<br />

i17 0,<strong>13</strong> 0,52 0,00<br />

i19 0,06 0,59 0,00<br />

i24 0,09 0,33 0,00<br />

i29 0,31 0,52 0,00<br />

i03 -0,09 0,00 0,44<br />

i04 0,08 0,00 0,24<br />

i12 0,19 0,00 0,51<br />

i14 0,18 0,00 0,44<br />

i15 -0,10 0,00 0,50<br />

i18 0,17 0,00 0,50<br />

i21 0,34 0,00 0,47<br />

i22 0,59 0,00 0,18<br />

i27 0,57 0,00 0,37<br />

alpha 0,69 0,68 0,72<br />

Tabela 1 - Fatores Identificados e suas Cargas nos Itens do Instrumento.<br />

A tabela 3 apresenta os itens relacionados ao fator “scpst”. Esses itens correspondem a<br />

uma abordagem superficial e instrumental por parte do aluno. Eles indicam crenças em<br />

maneiras de aprender focadas no plano imediato, enfatizado pela memória, exercício e<br />

facilitação através do emprego de atividades mais simples e rápidas. Quanto ao fator geral, ele<br />

apresenta um alpha de 0,69, indicando confiabilidade semelhante aos fatores de primeiro<br />

nível. Entretanto, possui apenas quatro itens com carga igual ou superior a 0,3, de modo<br />

novos itens terão de ser elaborados, levando-se em consideração a necessidade de uma<br />

medida mais ampla sobre esse fator. É possível que os estudantes universitários possuam um<br />

sistema geral, ou seja, uma crença básica sobre o que seja aprender e ensinar. Compreender<br />

melhor esse sistema parece ser relevante do ponto de vista científico, pois ele pode ter uma<br />

influência considerável na aprendizagem dos alunos e em suas expectativas em relação ao<br />

ensino.<br />

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Itens<br />

Enunciados<br />

Eu aprendo realmente quando me desafio a ler livros ou artigos complicados e<br />

03<br />

discuto com o professor como ler, interpretar e organizar esse material.<br />

Eu aprendo realmente quando passo a tomar consciência dos meus próprios<br />

04 processos de raciocinar, analisar e interpretar e discuto ativamente em sala de aula<br />

esses processos.<br />

Eu aprendo realmente quando o professor me ajuda a perceber como um conceito<br />

12 possui várias explicações. Em sala de aula, eu procuro discutir com o professor<br />

como as diferentes explicações se relacionam.<br />

Eu aprendo realmente quando eu exponho em sala de aula minhas dúvidas e<br />

14<br />

questionamentos, assim como discuto formas de raciocinar e refletir.<br />

Na maior parte das aulas, o professor pede para os alunos lerem em casa um material<br />

para discussão. Em sala, o professor gasta a maior parte do tempo pedindo aos<br />

15 alunos que exponham as suas análises e interpretações desse material. O professor<br />

não explica rapidamente o material, mas analisa atentamente com os alunos as<br />

diversas formas de compreender e interpretar o material.<br />

Na maior parte das aulas, o professor gasta boa parte do tempo tentando desenvolver<br />

18 a capacidade do aluno de pensar a realidade de forma mais complexa, através de<br />

diferentes versões e maneiras de análise.<br />

Na maior parte das aulas, o professor predominantemente trabalha o raciocínio do<br />

aluno, elabora questões que provocam a reflexão e oferece novas maneiras para que<br />

21<br />

o aluno analise de forma mais ampla os problemas complicados da área de<br />

conhecimento.<br />

Na maior parte das aulas, o professor varia as formas de apresentar o conteúdo,<br />

22 apresentando a matéria através de vários meios, de forma a promover uma absorção<br />

do conteúdo pelos sentidos (visual, auditivo, etc).<br />

Na maior parte das aulas, o professor solicita ao aluno que seja ativo, pense, e<br />

27<br />

dialogue suas idéias na sala de aula, expondo suas produções, dúvidas e erros.<br />

Tabela 2 - Itens Relacionados ao Fator “scapc”.<br />

4. Discussão<br />

A identificação empírica de sistemas de crenças de estudantes universitários sobre o<br />

ensino e a aprendizagem é uma das implicações desse estudo que acarreta a possibilidade de<br />

estudos mais amplos sobre as relações entre crenças e outras dimensões da dinâmica<br />

educacional presente no ensino superior. Em sua prática, os professores universitários intuem<br />

que as crenças, valores e concepções dos estudantes influenciam sua maneira de estudar,<br />

aprender e conceber o que seja uma boa aula, entre outros aspectos. No entanto, as intuições<br />

docentes provêm na maioria das vezes de casos anedóticos e experiências particulares.<br />

A desvantagem deste conhecimento baseado apenas em intuições e experiências<br />

pessoais é a falta de seu reconhecimento e validação interpessoal. Ela pode ser superada por<br />

evidências empíricas sustentáveis, capazes de canalizar os movimentos idiossincráticos e<br />

pessoais na busca de regularidades e resultados que outras pessoas possam analisar e<br />

compreender com mais acurácia e validade. Nesse sentido, a validação do CrEA é um passo<br />

positivo em direção a isso e traz novas possibilidades aos professores que vivenciam a<br />

relevância das crenças no ensino e na aprendizagem dos seus alunos.<br />

Algumas evidências apontam para a relação das crenças com outras variáveis<br />

educacionais, como é o caso dos estudos de Artino (2008) e Goldstein e Benassi (2006) sobre<br />

a satisfação do aluno, apontados na introdução deste artigo. Ao identificar empiricamente dois<br />

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tipos amplos de crenças sobre o ensino e a aprendizagem, o instrumento de Crenças de<br />

Estudantes sobre Ensino-Aprendizagem (CrEA) pode colaborar com as investigações que<br />

buscam identificar evidências científicas a respeito das experiências percebidas pelos<br />

professores, assim como das relações entre as crenças dos estudantes sobre o ensino e a<br />

aprendizagem e uma série de variáveis educacionais, como é o caso da satisfação do aluno, o<br />

desempenho acadêmico, a alteração de habilidades e competências, entre outros aspectos.<br />

Itens<br />

Enunciados<br />

Eu aprendo realmente, quando presto atenção ao que o professor fala ou escreve no<br />

01<br />

quadro, deixando que ele transmita o seu conhecimento sem interrupções.<br />

Eu aprendo realmente, quando o professor me ensina a matéria, de forma simples e<br />

05<br />

objetiva, já que eu não tenho tempo para ler e analisar por conta própria o conteúdo.<br />

Eu aprendo realmente, quando o professor escreve no quadro o conteúdo da matéria.<br />

07 Eu escrevo no caderno e aprendo, já que nos livros a matéria é mais difícil e há<br />

muita informação.<br />

Eu aprendo realmente, quando o professor me passa informações rápidas sobre a<br />

09 prática que se faz hoje, sem entrar em detalhes sobre conjecturas e possibilidades de<br />

práticas e situações ainda futuras e incertas.<br />

Na maior parte das aulas, o professor escreve no quadro os conceitos importantes do<br />

conteúdo a ser ensinado. Explica rapidamente cada conceito e por volta da metade<br />

16 para o fim da aula dá um exercício de fixação da matéria transmitida. Os alunos têm<br />

um tempo médio de vinte minutos para fazer a tarefa e entregar ao professor no final<br />

da aula.<br />

Na maior parte das aulas, o professor é ágil e rápido ao explicar. Ele sabe que o<br />

17 aluno não tem tempo e oferece explicações simples e de fácil absorção, fazendo<br />

brincadeiras e divertindo a turma.<br />

Na maior parte das aulas, o professor seleciona temas mais simples que agradem o<br />

aluno, de forma a discutir a realidade de forma dinâmica, sem penetrar em detalhes<br />

19<br />

que envolvam um tempo grande da aula, e requeiram uma atenção demasiada do<br />

aluno.<br />

Na maior parte das aulas, o professor demonstra que o conteúdo não é importante em<br />

24 si mesmo, mas uma oportunidade para se descobrir e analisar novos meios e<br />

ferramentas para desenvolver maneiras mais profundas e sofisticadas de pensamento.<br />

Na maior parte das aulas, o professor enfatiza que o principal papel do aluno é estar<br />

29 atento e prestar atenção ao que ele fala, oferecendo uma aula com informações<br />

simples, diretas e de fácil absorção pelo aluno.<br />

Tabela 3 - Itens Relacionados ao Fator “scpst”.<br />

O CrEA foi capaz de mensurar adequadamente dois tipos de sistemas de crenças de<br />

ensino-aprendizagem, bastante diferentes teoricamente. Um deles envolve um conjunto de<br />

crenças de que a aprendizagem deve ser ativa, o aluno é interessado em buscar novas<br />

relações, compreender os seus processos e procura um professor e uma sala de aula capaz de<br />

mobilizar esses aspectos. Por sua vez, o segundo sistema de crenças envolve uma maneira<br />

mais tradicional de conceber a aprendizagem e o ensino. O ensino deve envolver a<br />

transmissão do conteúdo, o aluno deve esperar por parte do professor a organização e<br />

tratamento da informação, assim como o foco deve ser mais imediato e instrumental. Na<br />

medida em que o CrEA mensura duas dimensões qualitativamente tão diferentes,<br />

compreender as relações envolvidas entre essas dimensões e outras dimensões relacionadas<br />

com o ensino e a aprendizagem passa a ser um desafio futuro de pesquisa.<br />

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Com relação ao agrupamento de itens nos dois fatores primários identificados, o item<br />

24 aparentemente parece estar distante do cenário que compõe o fator do sistema de crenças<br />

passivo-superficial-tradicional. Isso porque, no final do seu enunciado há uma preocupação<br />

com o pensamento e sua complexidade e esses aspectos são características do sistema de<br />

crenças ativo-profundo-construtivista. Interpretamos esse resultado da seguinte forma. Como<br />

o item 24 possui duas partes distintas, a primeira parte é instrumental e a segunda parte é<br />

focada no pensamento e na complexidade, possivelmente esse item pode ter sido lido e<br />

percebido mais enfaticamente em suas partes iniciais, que sustentam uma aprendizagem<br />

instrumental. Em relação a essa análise, deve-se considerar como uma limitação do<br />

instrumento o uso de itens longos. Como argumentado, a estrutura de um sistema de crenças é<br />

densa e multifacetada. Um sistema de crenças pode ser concebido como uma espécie de<br />

amálgama, formado por atitudes, valores, julgamentos, axiomas, opiniões, ideologias,<br />

percepções, concepções, teorias conceituais, processos mentais internos, estratégias de ação,<br />

regras de prática, princípios práticos, perspectivas, repertórios de compreensão, estratégias<br />

sociais, entre outros componentes. Para ativar uma crença, não basta ativar cada um de seus<br />

componentes isoladamente. Essa foi a razão da escolha de enunciados mais longos para o<br />

CrEA. Os enunciados do CrEA são relativamente longos, de forma que alguns respondentes<br />

podem focar em uma determinada parte do enunciado de qualquer item, enquanto outros<br />

respondentes podem focar em outra parte do enunciado, provocando algum nível de viés. Um<br />

enunciado mais curto tenderia a ativar um ou outro componente especifico e não todo o<br />

sistema de crenças a que se liga, comprometendo a validade de construto. Já um enunciado<br />

mais longo tenderia a ativar de uma só vez os diversos componentes do sistema de crenças.<br />

Em um estudo piloto feito em 2004, envolvendo 104 estudantes da mesma instituição,<br />

constatou-se que os estudantes compreendiam globalmente os itens e que o conjunto de 29<br />

itens formava uma boa base para identificar os sistemas de crenças sobre ensino e<br />

aprendizagem. Novas pesquisas serão necessárias, com elaboração de itens bem mais<br />

sucintos, misturados aos itens do instrumento, para que se possa verificar se o tamanho dos<br />

enunciados atuais gera um viés significativo. Novas pesquisas serão necessárias, com<br />

elaboração de itens bem mais sucintos, misturados aos itens do instrumento, para que se possa<br />

verificar se o tamanho dos enunciados atuais gera um viés significativo.<br />

Comparando os resultados deste trabalho com outros estudos, há evidências comuns<br />

entre as encontradas neste estudo e as evidências apresentadas por Law e colaboradores<br />

(2008) sobre dois sistemas de crenças, um tradicional e um construtivista. Outro resultado<br />

semelhante remete às evidências de Samuelowicz e Bain (2001) sobre a presença em nível<br />

hierárquico de crenças com dois sistemas amplos, um tradicional-passivo e outro<br />

construtivista-ativo. Essa semelhança de evidências é importante, pois a investigação de<br />

Samuelowicz e Bain (2001) provém de uma ampla investigação qualitativa, enquanto a<br />

investigação apresentada neste artigo estabelece uma análise quantitativa dos dados.<br />

Um último aspecto refere-se à possibilidade de se investigar e testar certos aspectos<br />

considerados por Rokeach (1968), Nisbett e Ross (1980) e Guskey (1986), a respeito da<br />

estabilidade das crenças, sua modificabilidade, e a efetividade de programas de ensino que<br />

pretendem alterar sistemas de crenças.<br />

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- C.M.A. Gomes é Psicólogo e Doutor em Educação. Atua como Professor Adjunto<br />

(Departamento de Psicologia, UFMG) e trabalha no campo da Psicologia Educacional e do<br />

Desenvolvimento Humano, Avaliação Psicológica e Educacional. E-mail para<br />

correspondência: cristianogomes@ufmg.br e cgomes@fafich.ufmg.br. O. Borges é Físico e<br />

Doutor em Física. Atua como Professor Associado (Departamento de Física, UFMG),<br />

Professor do Colégio Técnico de Minas Gerais e Coordenador do Programa de Pós-<br />

Graduação em Educação (UFMG), trabalha na área do Ensino de Ciências, Cognição e<br />

Avaliação Educacional e é apoiado pelo CNPq. E-mail para correspondência:<br />

otoborges@coltec.ufmg.br.<br />

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Artigo Científico<br />

Significações e subjetividade em mulheres portadoras de<br />

transtornos alimentares<br />

Meanings and subjectivity in women suffering from eating disorders<br />

Joana Martins de Mattos e Leila Sanches de Almeida <br />

Programa de Pós-Graduação de Estudos Interdisciplinares de Comunidades e Ecologia Social<br />

(EICOS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),<br />

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil<br />

Resumo<br />

Os transtornos alimentares são sérios distúrbios do comportamento alimentar que atingem<br />

principalmente mulheres jovens e apresentam uma incidência crescente na população em geral.<br />

Sua etiologia é multifatorial e a influência de fatores sócio-culturais vem sendo ressaltada<br />

atualmente. Fundamentados na perspectiva da “Rede de Significações”, desenvolvemos um<br />

estudo de casos com três mulheres portadoras de transtornos alimentares. Objetivou-se<br />

compreender suas vivências e percepções e conhecer os possíveis significados sócio-culturais<br />

que emergem de seus processos de significação. A análise de conteúdo das entrevistas semiestruturadas<br />

apontou para o uso da comida como fonte de prazer e para uma relação conflituosa<br />

com o corpo e com a alimentação. Encontramos também os sentidos de fracasso, descontrole,<br />

falta de força de vontade e desleixo atribuídos ao transtorno alimentar. Os casos estudados<br />

confirmaram a complexidade dos transtornos alimentares e demonstraram a influência de<br />

significados sócio-culturais contemporâneos na constituição da subjetividade dessas mulheres.<br />

© Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 51-69.<br />

Palavras-chave: transtornos alimentares; significados sócio-culturais;<br />

subjetividade; mulheres; pesquisa qualitativa.<br />

Abstract<br />

The eating disorders are serious disorders of eating behavior that affect mainly young women<br />

and present a growing incidence in the general population. Its etiology is multifactor and the<br />

influence of social-cultural features has been emphasized recently. Based on the “Network of<br />

Meanings” perspective, a case study was carried out with three women suffering from eating<br />

disorders. It aimed to understand their experiences and perceptions and know the possible<br />

social-cultural meanings that emerge from their meaning processes. The content analyses of<br />

the semi-structured interviews pointed out to the use of food as source of pleasure and to a<br />

conflicting relation to body and eating. Sense of failure, lack of self-control, lack of willpower,<br />

and carelessness were also related to the disorders. The cases confirmed the complexity of<br />

these disorders and demonstrated the influence of contemporary social-cultural meanings in<br />

the constitution of these women’s subjectivities. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 51-69.<br />

Keywords: eating disorders; social-cultural meanings; subjectivity; women;<br />

qualitative research.<br />

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1. Introdução<br />

Configura-se, atualmente, nas sociedades ocidentais industrializadas, um cenário<br />

bastante contraditório. Por um lado, nos deparamos com a supervalorização da magreza como<br />

padrão de beleza. Um ideal difícil de ser alcançado, mas que passou a ser valorizado e<br />

perseguido por um número cada vez maior de pessoas , sobretudo por sua associação com<br />

atratividade sexual, sucesso, competência e felicidade. Por outro lado, apesar da emergência<br />

de uma aversão e/ou fobia em relação ao excesso de peso, cada vez mais associado com<br />

incompetência, fraqueza, descontrole e fracasso pessoal, convivemos com uma grande fartura,<br />

variedade e disponibilidade de alimentos, especialmente dos industrializados, de altíssimo<br />

valor calórico (Galvão et al., 2006).<br />

Dentro desse contexto, somos constantemente incentivados, principalmente através da<br />

mídia, atendendo a fortes interesses mercadológicos das indústrias da beleza/saúde e da<br />

alimentação, ao culto ao corpo magro, belo e saudável, assim como ao consumo de alimentos<br />

hipercalóricos (Andrade e Bosi, 2004). Com isso, podemos dizer que os valores e significados<br />

sócio-culturais que emergem deste cenário bastante paradoxal contribuem para o surgimento<br />

de novos modos de subjetivação e construção de identidades na contemporaneidade e vêm<br />

favorecendo mudanças dramáticas na nossa relação com o corpo e com a alimentação.<br />

Estudos demonstram que cada vez mais pessoas, principalmente mulheres jovens e<br />

adolescentes, convivem com uma preocupação e/ou insatisfação com o peso e a imagem<br />

corporal e se envolvem com comportamentos alimentares anormais e práticas inadequadas<br />

para controle e perda de peso (Dunker e Philippi, 2003; Vale, 2002). Isto parece contribuir<br />

para que, juntamente com o aumento alarmante da incidência de casos de obesidade no<br />

mundo, que já se tornou um problema de saúde pública, esteja crescendo, de maneira<br />

significativa, o número de casos de transtornos alimentares no mundo (Andrade e Bosi, 2004).<br />

“O ideal de corpo perfeito preconizado pela nossa sociedade e veiculado pela mídia leva<br />

as mulheres, sobretudo na faixa adolescente, a uma insatisfação crônica com seus<br />

corpos, ora se odiando por alguns quilos a mais, ora adotando dietas altamente<br />

restritivas e exercícios físicos extenuantes como forma de compensar as calorias<br />

ingeridas a mais, na tentativa de corresponder ao modelo cultural vigente.” (Kutscka,<br />

1993: 105)<br />

Assim, a pressão social em relação à magreza, juntamente com outros fatores ou<br />

vulnerabilidades biológicas e psicológicas, como baixa auto-estima, traços obsessivoscompulsivos,<br />

pode levar ao desenvolvimento desses transtornos (Galvão et al., 2006). Com<br />

isso, a influência de fatores sócio-culturais na determinação das suas manifestações<br />

contemporâneas vem sendo ressaltada e a necessidade de novos estudos sobre os seus<br />

significados sócio-culturais tem sido apontada como fundamental para uma melhor<br />

compreensão dos transtornos alimentares na atualidade (Morgan e Azevedo, 1998a).<br />

Considerando, então, que as mulheres representam um dos grupos sociais mais<br />

atingidos pelos transtornos alimentares atualmente (Nunes, 2006) e que a literatura nos<br />

mostra que grande parte das pesquisas sobre esses distúrbios do comportamento alimentar tem<br />

sido conduzida através de modalidades quantitativas de investigação, desenvolvemos uma<br />

pesquisa qualitativa com três mulheres que sofrem de transtornos alimentares. O objetivo do<br />

nosso estudo exploratório foi compreender as vivências e percepções dessas mulheres<br />

enquanto portadoras desses distúrbios. Interessou-nos conhecer os sentidos que elas atribuem<br />

ao próprio transtorno, à alimentação e ao corpo e os possíveis significados sócio-culturais que<br />

emergem de seus processos de significação.<br />

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Dessa forma, este estudo foi conduzido de modo a incluir e focalizar os aspectos<br />

subjetivos inerentes ao fenômeno estudado, permitindo uma visão mais profunda e inclusiva<br />

da sua complexidade. Com esta proposta, pretendemos contribuir com as investigações atuais<br />

que visam fornecer novos subsídios para a construção de saberes e de práticas que nos<br />

conduzam a melhores tratamentos e, sobretudo, ao difícil caminho da prevenção.<br />

2. Revisão de literatura<br />

Os transtornos alimentares são definidos como sérios distúrbios do comportamento<br />

alimentar que se desenvolvem a partir da interação de diversos fatores (genéticos, biológicos,<br />

psicológicos, sócio-culturais), caracterizando-se como complexos e multideterminados.<br />

Dentre outras conseqüências físicas, psicológicas e sociais, podem levar à obesidade, como no<br />

caso do transtorno da compulsão alimentar periódica, ou a um grave emagrecimento, como no<br />

caso da anorexia nervosa. São transtornos de difícil tratamento e que apresentam uma alta<br />

comorbidade e um alto índice de mortalidade, sendo responsáveis pela maior taxa de<br />

letalidade, 20% (Nunes e Ramos, 1998), entre todas as doenças psiquiátricas.<br />

As classificações dos transtornos alimentares da 4ª edição do Manual Diagnóstico e<br />

Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria – DSM-IV (1995)<br />

consideram como categorias diagnósticas a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e o transtorno<br />

alimentar sem outra especificação. Nesta última categoria, que serve à classificação das<br />

chamadas síndromes parciais, ou seja, dos distúrbios que não preenchem todos os critérios<br />

para anorexia nervosa ou bulimia nervosa, foi incluído o transtorno da compulsão alimentar<br />

periódica.<br />

Segundo dados publicados no The American Journal of Psychiatry (Matos, 2002),<br />

entre os anos 2000 e 2002, a prevalência do transtorno da compulsão alimentar periódica<br />

subiu, de 2% para 3% na população em geral. A bulimia nervosa, que tinha seu índice entre<br />

1% e 3%, aumentou para 4,2%, enquanto que a anorexia nervosa, que estava entre 0,5% e 1%,<br />

teve seu índice aumentado para 3,7%. Cabe ressaltar, contudo, que o panorama da incidência<br />

dos transtornos alimentares deve ser ainda mais assustador. Pois, muitas pessoas que sofrem<br />

desses distúrbios acabam não procurando centros de tratamento onde seus casos possam ser<br />

notificados. Se considerarmos também os casos de síndromes parciais, ou seja, de transtornos<br />

alimentares sem outra especificação, esses números devem aumentar ainda mais.<br />

No Brasil, embora muitos pesquisadores estejam se dedicando ao estudo dos<br />

transtornos alimentares, não existem dados populacionais sobre prevalência e incidência<br />

desses transtornos na população brasileira (Nunes, 2006). Contudo, os achados do II Estudo<br />

Epidemiológico em Saúde Escolar de Belo Horizonte realizado com 1450 escolares<br />

demonstraram que 750 desses estudantes se sentem insatisfeitos com sua imagem corporal e,<br />

principalmente, os do sexo feminino, desejam perder peso e utilizam métodos pouco<br />

saudáveis para controle da alimentação e do peso, os quais são considerados fatores de risco<br />

para o desenvolvimento de transtornos alimentares (Vilela, 2000).<br />

Outro estudo, realizado por Nunes no Brasil investigou a prevalência de<br />

comportamentos alimentares anormais e práticas inadequadas de controle de peso em<br />

mulheres da zona urbana de Porto Alegre (RS), com idades entre 12 e 29 anos. Os resultados<br />

desse estudo demonstraram que 30% das mulheres participantes apresentavam<br />

comportamento de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Demonstraram<br />

também que 11% da amostra apresentavam comportamentos alimentares anormais, o que<br />

aponta para as síndromes parciais desses transtornos (Morgan e Azevedo, 1998a).<br />

Tendo em vista, principalmente, o curso da sua incidência no mundo e a gravidade de<br />

suas conseqüências, os transtornos alimentares vêm despertando um interesse cada vez maior<br />

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por parte da sociedade em geral e, principalmente, da comunidade científica. Com isso,<br />

muitas pesquisas vêm sendo realizadas no sentido de conhecer e melhor compreender os<br />

elementos que participam da etiologia desses transtornos.<br />

Algumas dessas pesquisas têm abordado os mecanismos fisiológicos relacionados ao<br />

comportamento alimentar. Investigações bioquímicas sobre a relação entre a sensação de<br />

saciedade (e de prazer) com a produção de serotonina e noradrenalina demonstraram a<br />

presença de níveis mais baixos desses dois tipos de neurotransmissores em indivíduos<br />

bulímicos e anoréxicos do que em indivíduos que não sofrem desses transtornos. (Cezimbra,<br />

1998).<br />

Estudos realizados com gêmeos monozigóticos e dizigóticos parecem trazer<br />

evidências da contribuição genética e hereditária, enquanto fatores predisponentes ao<br />

desenvolvimento de transtornos alimentares. Pesquisas demonstraram que fatores hereditários<br />

contribuem para um risco 11 vezes maior, no caso da anorexia nervosa e 4 vezes maior, no<br />

caso da bulimia nervosa, para parentes em primeiro grau de indivíduos com esses transtornos<br />

do que para parentes de indivíduos saudáveis (Morgan et al., 2002).<br />

Em relação aos aspectos psicológicos e psiquiátricos dos transtornos alimentares,<br />

estudos têm apontado a baixa auto-estima, a auto-avaliação negativa e a depressão prémórbida<br />

como fatores de risco para o desenvolvimento desses transtornos. Foram também<br />

encontrados alguns traços de personalidade bastante comuns nos casos de anorexia nervosa,<br />

como obsessividade, perfeccionismo, passividade e introversão, e nos casos de bulimia<br />

nervosa, como sociabilidade, comportamento gregário, comportamentos de risco e<br />

impulsividade (Morgan et al., 2002).<br />

Quanto aos aspectos familiares, alguns estudos encontraram características que<br />

aparecem com muita freqüência nos contextos familiares de pessoas que sofrem desses<br />

transtornos, como excessiva rigidez e altas expectativas dos pais em relação às suas filhas,<br />

distanciamento emocional e relações familiares conflituosas. Contudo, não é possível<br />

identificar um padrão único nas famílias de pessoas portadoras de transtornos alimentares<br />

(Fasolo e Diniz, 1998).<br />

Entretanto, diversos autores, como Nunes (1997) e Kutscka (1993), têm ressaltado a<br />

importância de fatores sócio-culturais na patogênese dos transtornos alimentares, de tal modo,<br />

que esses distúrbios têm sido muitas vezes considerados um sintoma, uma expressão do<br />

contexto sócio-histórico-cultural do qual emergem. Como é o caso de Robell que considera a<br />

anorexia nervosa “o melhor distúrbio a ser utilizado ao examinar a influência da cultura na<br />

psicopatologia” (1997: 18)<br />

Dentre as pesquisas que abordam os aspectos sócio-culturais dos transtornos<br />

alimentares, algumas vêm sendo conduzidas com o objetivo de conhecer os grupos sociais<br />

mais atingidos ou mais vulneráveis e os processos sócio-histórico-culturais que parecem<br />

contribuir para o aumento da sua incidência no mundo (Morgan e Azevedo, 1998a). Os<br />

resultados desses estudos demonstraram uma maior prevalência de transtornos alimentares em<br />

países ocidentais desenvolvidos, em indivíduos de classes sociais mais altas, em alguns<br />

grupos ocupacionais (atrizes, modelos, bailarinas, nutricionistas, jockeys), em adolescentes e<br />

jovens e, principalmente, em mulheres, sendo de 10:1 a proporção desses transtornos entre<br />

mulheres e homens (Hsu, 1996 apud Morgan e Azevedo, 1998a) 1 . Esses resultados reforçam a<br />

importância de fatores sócio-culturais na determinação das expressões contemporâneas desses<br />

transtornos, visto que nenhum aspecto biológico ou psicológico identificado até o momento<br />

parece capaz de explicar essa prevalência de sexo, idade, distribuição geográfica, ocupacional<br />

e sócio-econômica (Morgan e Azevedo, 1998a).<br />

Outros pesquisadores (Garner e Garfinkel, 1980; Hsu, 1996 apud Morgan e Azevedo,<br />

1998a) 2 demonstraram que o aumento da incidência dos transtornos alimentares é<br />

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Submetido em 12/06/2008 | Revisado em 20/10/2008 | Aceito em 04/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

concomitante ao aumento da prevalência de comportamentos ligados à perda de peso e à<br />

busca do corpo ideal, como dietas e exercícios físicos. Com isso, o uso de métodos para<br />

controle do peso e da alimentação é considerado, atualmente, um dos fatores precipitantes<br />

mais freqüentes no desenvolvimento de transtornos alimentares. Estudos longitudinais<br />

encontraram, por exemplo, um risco para estes transtornos até dezoito vezes maior entre<br />

indivíduos em dietas alimentares restritivas (Morgan et al., 2002).<br />

A “cultura do corpo”, predominante em países europeus e norte-americanos, vem<br />

sendo, portanto, apontada como um importante elemento da etiologia dos transtornos<br />

alimentares na contemporaneidade. Diante disso, muitos consideram esses distúrbios como<br />

“síndromes ligadas à cultura”, mais especificamente à cultura ocidental (Morgan e Azevedo,<br />

1998a).<br />

Essa questão, no entanto, é bastante controversa e polêmica. Pois, alguns<br />

pesquisadores apontam muito mais para os avanços científicos e tecnológicos e para os<br />

processos de urbanização, de industrialização e de globalização, do que para a<br />

ocidentalização, como fatores que contribuem para o desenvolvimento e o aumento da<br />

incidência desses transtornos no mundo. Assim, Sing Lee, na 8ª Conferência em Transtornos<br />

alimentares, realizada em Nova Iorque, em 1998, considera fundamental deixarmos de<br />

entender os transtornos alimentares como um fenômeno ocidental (Morgan e Azevedo,<br />

1998b). A própria psiquiatria ocidental não considerou essa ocidentalização dos transtornos<br />

alimentares, apontando-os simplesmente como doenças psiquiátricas que têm pouca expressão<br />

em outras culturas (Morgan e Azevedo, 1998a).<br />

Embora muito se questione sobre essa concepção dos transtornos alimentares como<br />

patologias ocidentais, é marcante e indiscutível a influência de fatores sócio-culturais seja na<br />

sua origem, seja na sua manutenção, desses distúrbios. Contudo, na medida em que ainda<br />

existem muitas controvérsias sobre o exato papel que tais fatores ocupam na sua<br />

etiopatogenia, muitos pesquisadores apontam para a urgência e necessidade de que se faça<br />

uma análise mais ampla e profunda dos seus aspectos sociais e culturais e, portanto, dos<br />

significados a eles relacionados.<br />

“Torna-se imprescindível que as investigações continuem no sentido de se conhecer<br />

melhor os possíveis significados sócio-culturais expressos por meio dos sintomas dos<br />

Transtornos alimentares, assim como a identificação mais precisa da forma pela qual se<br />

dá essa relação.” (Morgan e Azevedo, 1998a: 92)<br />

3. Referencial teórico-metodológico<br />

Utilizamos neste estudo o referencial teórico-metodológico da Rede de Significações<br />

(Rossetti-Ferreira et al., 2004) que, fundamentado epistemologicamente pelo paradigma da<br />

complexidade e teoricamente pela perspectiva sócio-histórica do desenvolvimento humano,<br />

entende a significação como a atividade mais fundamental do homem e como resultante das<br />

relações interpessoais (Smolka, 2004). É uma abordagem que considera as relações humanas<br />

e a produção de sentidos e significados como centrais nos processos de constituição e<br />

desenvolvimento humano e tem como proposta compreender tais processos de maneira<br />

integrada e inclusiva e em suas múltiplas dimensões, reconhecendo sua complexidade,<br />

flexibilidade e dinâmica (Rossetti-Ferreira, 2004).<br />

Tomando como base o caráter fundante dos atos de significação e das relações sociais,<br />

a perspectiva da RedSig propõe que a constituição e desenvolvimento do homem, entendidos<br />

como se dando durante todo o ciclo vital, ocorrem dentro de processos dinâmicos e<br />

complexos que envolvem diversos elementos de ordem pessoal, relacional e contextual<br />

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(Rossetti-Ferreira, 2004). Esses elementos se constituem mutuamente e se articulam<br />

dialeticamente, configurando uma malha/rede de natureza semiótica e polissêmica que se<br />

altera continuamente em função do tempo e dos eventos.<br />

Assim, os processos de constituição e desenvolvimento humano são compreendidos<br />

como se dando por meio de redes de significação que se configuram e reconfiguram a partir<br />

da articulação entre os diversos elementos pessoais, relacionais e contextuais. Ou seja, o<br />

processo de desenvolvimento do homem, que envolve a construção da sua subjetividade e das<br />

suas identidades, se dá por meio dos múltiplos sentidos e significados que vão sendo coconstruídos<br />

nas relações estabelecidas entre as pessoas e em contextos específicos.<br />

A perspectiva da RedSig compreende o homem como um ser de relação, um ser social,<br />

ativo e dialógico por natureza, que se constitui, se define, se diferencia e se assemelha no<br />

espaço relacional, de modo que suas características pessoais são construídas na sua história<br />

interacional. Na medida em que ele se constrói na relação com os outros e com o mundo, é<br />

também um ser múltiplo, já que são vários os parceiros de interação, os espaços e posições<br />

ocupados e os papéis, sentidos e significados que vão sendo atribuídos e assumidos uns em<br />

relação aos outros (Rossetti-Ferreira, 2004).<br />

A RedSig envolve uma concepção da pessoa que tanto se constitui e é determinada<br />

pelas relações que estabelece consigo mesma, com os diversos parceiros de interação e com<br />

os contextos, como também os constitui e pode modificá-los. Pessoa e meio se encontram,<br />

portanto, numa relação de interdependência, se constroem e são construídos, sendo ao mesmo<br />

tempo ativos e passivos nessas construções (Rossetti-Ferreira et al., 2004).<br />

Segundo Rossetti-Ferreira (2004), a RedSig é uma abordagem complexa e semiótica<br />

que procura romper/superar diversas dicotomias, tais como entre determinismo e<br />

indeterminismo, continuidade e mudança, pessoa autônoma e pessoa assujeitada, interno e<br />

externo, natural e social, sujeito e objeto. Assim, baseando-se numa visão que considera a<br />

multiplicidade, a complexidade, a contradição e o conflito como constitutivas de qualquer<br />

fenômeno em estudo, busca integrar de forma dinâmica esses diversos elementos que<br />

participam dos processos de constituição e desenvolvimento do homem.<br />

A perspectiva da RedSig configura-se também como uma forma de apropriação dessa<br />

realidade complexa e multidimensional (Craidy, 2004). Ou seja, configura-se como um<br />

instrumento de investigação/pesquisa que pretende apreender as complexas e dinâmicas<br />

articulações entre os vários elementos (pessoais, relacionais e contextuais) que participam dos<br />

processos de constituição e desenvolvimento das pessoas.<br />

4. Metodologia<br />

Para alcançar o objetivo desta investigação, adotamos uma metodologia qualitativa de<br />

pesquisa. A escolha dessa modalidade de investigação se deve à natureza subjetiva do nosso<br />

objeto de estudo, que não pode ser apreendida através de mensuração ou análises estatísticas<br />

de dados, e, portanto, através de modalidades quantitativas de investigação.<br />

Visando aprofundar as investigações sobre os transtornos alimentares, optamos por<br />

realizar um estudo de casos sobre os sentidos atribuídos aos transtornos alimentares, ao corpo<br />

e à alimentação por mulheres que sofrem destes distúrbios, procurando conhecer os possíveis<br />

significados sócio-culturais a eles relacionados. O estudo de casos é considerado um “modelo<br />

exemplar de aplicação da lógica metodológica da pesquisa qualitativa” (Deslandes e Gomes,<br />

2004: 102) e envolve a crença na possibilidade de construção de conhecimento a partir da<br />

singularidade de um caso.<br />

Participaram deste estudo três mulheres com diagnóstico de transtornos alimentares,<br />

de classe média, na faixa etária dos 30-35 anos e residentes na cidade do Rio de Janeiro. A<br />

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seleção das mulheres foi feita através da indicação de profissionais de saúde especializados no<br />

tratamento de transtornos alimentares que lhes prestavam atendimento.<br />

Através de contato telefônico com as mulheres indicadas, foi marcada uma data e<br />

definido um local para realização das entrevistas. Nestes encontros, foi apresentado o objetivo<br />

da pesquisa, foram dados todos os esclarecimentos que se fizeram necessários e foi solicitada<br />

a permissão para o uso de gravador e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e<br />

Esclarecido, onde foi assegurado o seu anonimato e o sigilo dos dados obtidos com este<br />

estudo.<br />

As entrevistas foram realizadas individualmente e em um consultório particular,<br />

visando permitir que as mulheres participantes se sentissem mais a vontade para falar sobre<br />

suas vivências e percepções. As entrevistas eram semi-estruturadas e tinham três eixos<br />

principais: o transtorno alimentar, a alimentação e o corpo. Elas foram gravadas, transcritas na<br />

íntegra e, posteriormente, submetidas a uma análise de conteúdo (Minayo, 2000).<br />

Cabe ressaltar, ainda, que todo o trabalho de campo foi conduzido de acordo com as<br />

normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto deste estudo foi,<br />

portanto, submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Núcleo de Estudos em<br />

Saúde Coletiva (NESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – CAAE nº<br />

0422.0.000.239-05.<br />

5. Os casos estudados<br />

Antes de apresentar alguns dos dados mais relevantes encontrados neste estudo e para<br />

contextualizar nossas análises, se faz necessário apresentar o perfil que cada uma das<br />

mulheres participantes apresentava na época de suas entrevistas. É importante destacar,<br />

contudo, que todos os nomes foram trocados para preservar suas identidades.<br />

Um dos casos estudados foi o de Renata. Tratava-se de uma mulher de 33 anos,<br />

casada, sem filhos, com 3º grau completo, com renda familiar de aproximadamente cinco mil<br />

reais e cuja profissão era de administradora de empresas. Renata tem 1,74 m de altura e<br />

pesava 97 kg na época da sua entrevista. Estava, portanto, com um Índice de Massa Corporal<br />

(IMC) de 32, correspondendo à faixa de obesidade grau I, cuja variação é de 30 a 34,9. Foi<br />

indicada para este estudo com o diagnóstico de transtorno da compulsão alimentar periódica e<br />

estava em tratamento com uma psicóloga e uma endocrinologista.<br />

Outro caso foi o de Adriana, uma mulher de 31 anos, casada, sem filhos, com 3º grau<br />

completo, com renda familiar de aproximadamente dez mil reais e cuja profissão era de<br />

fisioterapeuta. Adriana tem 1,59 m de altura e pesava 57 kg quando participou desta pesquisa.<br />

Encontrava-se, naquela ocasião, com um Índice de Massa Corporal (IMC) de 22,<br />

correspondendo à faixa de normalidade, que varia de 18,5 a 24,9. Foi indicada para este<br />

estudo com o diagnóstico de transtorno da compulsão alimentar periódica e estava em<br />

tratamento com uma psicóloga e uma nutricionista.<br />

O terceiro caso foi o de Carla, uma mulher de 30 anos, casada, com uma filha de 3<br />

anos, com 3º grau incompleto, com renda familiar em torno de oito mil reais e cuja profissão<br />

era de comerciante. Carla tem 1,72 m de altura e na época de sua entrevista pesava 81 kg, de<br />

modo que seu Índice de Massa Corporal (IMC) era de 27, correspondendo à faixa de<br />

sobrepeso, cuja variação é de 25 a 29,9. Foi indicada para este estudo com o diagnóstico de<br />

bulimia nervosa do tipo sem purgação e estava em tratamento com uma endocrinologista.<br />

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6. Resultados e discussão<br />

O primeiro aspecto relevante nos relatos das mulheres entrevistadas é que todas se<br />

percebiam como portadoras de um transtorno alimentar.<br />

P: Você considera que tem um transtorno alimentar<br />

“Sim, com certeza. Com certeza.” (Renata)<br />

“Tenho, eu tenho.” (Adriana)<br />

“Total! Total! (risos)” (Carla)<br />

Fica claro, no decorrer de suas entrevistas, que essa percepção foi sendo construída ao<br />

longo do tempo, a partir, sobretudo, das suas vivências na relação com a alimentação e com o<br />

corpo. É uma percepção que merece ser ressaltada na medida em que participa da construção<br />

das subjetividades e identidades dessas mulheres. Assim, o modo como elas definem e,<br />

principalmente, os sentidos que elas atribuem aos seus transtornos alimentares, que veremos<br />

adiante, vão contribuir para a forma como elas se auto-avaliam e se sentem na relação consigo<br />

mesmas e com o mundo.<br />

Essa percepção também nos parece fundamental na medida em que pode contribuir<br />

para que as pessoas que sofrem de transtornos alimentares tenham uma melhor compreensão a<br />

respeito dos seus distúrbios e procurem uma ajuda especializada, como podemos perceber nos<br />

relatos abaixo.<br />

“Assim, que eu assumi que eu tenho, é, compulsão por comida, que eu assumi, foi esse<br />

ano (2005). Tanto é que eu resolvi procurar uma terapeuta especialista nisso, que<br />

trabalha especificamente com isso.” (Adriana)<br />

“Aí comecei a perceber que existia um nome praquilo que eu tinha, existiam pessoas<br />

iguais a mim e realmente eu percebi que eu precisava de ajuda.” (Renata)<br />

Isso se evidencia no caso de nossas entrevistadas, tendo em vista que, apesar de<br />

diferenças nas suas formas de perceber e vivenciar o seu transtorno alimentar, assim como do<br />

momento em que procuraram ajuda e do tempo em que se encontravam em tratamento,<br />

estavam todas sendo acompanhadas, na época de suas entrevistas, por profissionais de saúde<br />

especializados no tratamento de transtornos alimentares.<br />

Outro aspecto a ser destacado é que, apesar de diferenças nos seus quadros<br />

diagnósticos, todas as mulheres participantes do estudo apresentavam e percebiam o comer<br />

compulsivo como um dos sintomas centrais do seu transtorno alimentar. Descrito como<br />

episódios de comer em excesso num curto período de tempo, associados à sensação de falta<br />

de controle sob o comportamento alimentar (Apollinário, 1998), o comer compulsivo pode<br />

aparecer enquanto uma síndrome isolada, que caracteriza o transtorno da compulsão alimentar<br />

periódica, mas também pode aparecer enquanto um sintoma nos quadros de bulimia nervosa,<br />

e até mesmo nos de anorexia nervosa. Como veremos nos relatos a seguir, esses aspectos que<br />

caracterizam o comer compulsivo estão presentes na descrição que as nossas entrevistadas<br />

fizeram de seus distúrbios.<br />

Adriana, por exemplo, relatou que seu transtorno alimentar envolve comer<br />

compulsivamente, ter sua vida girando em torno da comida e não conseguir ter controle sobre<br />

sua alimentação.<br />

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“Eu achava que assim, que o transtorno era, é, comer compulsivamente, querer comer<br />

o mundo, entendeu Hoje em dia, eu já vejo que não é só isso, que, pra mim, tudo gira<br />

em torno da comida.”<br />

“Porque eu não consigo, não consigo olhar e falar: ‘não, não vou comer’. Mais forte<br />

do que eu, é.”(Adriana)<br />

Renata descreveu que o seu transtorno envolve ter episódios de comer demais, comer<br />

sem fome e por outras razões que não a nutrição fisiológica, assim como não ser capaz de<br />

administrar o seu comportamento alimentar.<br />

“...eu sempre tive episódios de comer demais, acho que desde bem adolescente, né”<br />

“Eu como sem fome, eu como por várias coisas, né E aí faz com que você não se<br />

alimente de uma forma... assim, que respeita o seu... né, a sua necessidade física.”<br />

(Renata)<br />

“Mas aí eu acho que quando aquilo vira um problema pra você, aí, você tá<br />

transtornada, (risos). ... quando você não consegue mais administrar isso, assim, né”<br />

Já Carla caracterizou o seu transtorno alimentar como uma alimentação<br />

desequilibrada, que envolve ser capaz tanto de comer em excesso quanto de restringir<br />

excessivamente sua alimentação, como um mecanismo compensatório inadequado que marca<br />

o seu quadro bulímico do tipo sem purgação.<br />

“Eu acho que eu sou totalmente capaz um dia de comer 15 pães franceses, totalmente<br />

capaz, isso não é um problema pra mim, e no dia seguinte passar fome. Estou com<br />

algum problema, não pode caber no meu estômago 15, ou, eu consigo... Como é que eu<br />

consigo ficar de pé no dia seguinte sem nada Mas é assim que vivo a minha vida<br />

inteira, pra conseguir controlar. Então, eu tenho consciência que eu tenho um<br />

transtorno alimentar, não é normal, eu não tenho uma coisa equilibrada.” (Carla)<br />

Além de fatores genéticos, fisiológicos, familiares e psicológicos, podemos pensar que<br />

o comer compulsivo de nossas entrevistadas tenha sido também favorecido ou potencializado<br />

por alguns aspectos sócio-culturais que marcam as sociedades ocidentais industrializadas e os<br />

novos modos de subjetivação e construção de identidades do sujeito contemporâneo. Pois, nos<br />

encontramos, atualmente, num contexto marcado pelo consumo desenfreado e pela busca por<br />

novidade e por estimulação/satisfação, principalmente, através do corpo, que passou a ser<br />

valorizado e explorado na busca por sensações inéditas e pelo prazer imediato (Sant’Anna,<br />

2002).<br />

Dentro desse contexto, como vimos, sofremos uma forte influência da mídia para o<br />

consumo de alimentos, especialmente dos industrializados. Para termos uma dimensão desse<br />

fenômeno, parece-nos interessante destacar uma pesquisa realizada sobre a qualidade e<br />

quantidade de produtos veiculados em comerciais da televisão brasileira (Almeida et, al.,<br />

2002). Este estudo concluiu que os produtos veiculados com maior freqüência nas três<br />

principais redes de canal aberto de televisão e em todos os horários eram os produtos<br />

alimentícios, principalmente os com alto teor de gordura, açúcar e sal. Segundo os autores,<br />

este fato parece estar contribuindo para uma mudança dos hábitos alimentares na população<br />

brasileira.<br />

Considerando o constante apelo ao consumo desses alimentos, fica bastante difícil<br />

resistir, superar ou controlar o desejo de comer demais num mundo repleto de comidas<br />

gostosas, variadas e de fácil acesso. Isso se reflete, por exemplo, no enorme sucesso e<br />

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crescimento da indústria fast food no mundo, enquanto um modelo norte-americano que<br />

começou a se expandir mundialmente (Carneiro, 2003).<br />

Essa oferta/estímulo de alimentos que marca o nosso contexto sócio-cultural<br />

contemporâneo parece, então, contribuir para o consumo excessivo de comida e para seu uso<br />

como fonte de prazer. Dessa forma, cabe aqui ressaltar que todas as mulheres entrevistadas<br />

relataram, além do hábito de comer em excesso, a forte sensação de prazer que elas<br />

experimentam com o uso da comida.<br />

“... a comida era uma coisa assim, era uma fonte de prazer, né...” (Renata)<br />

“Comer me dá um prazer, o prazer daquilo na boca, o prazer do cheiro, o prazer de<br />

olhar,...” (Adriana)<br />

“Um prazer, um prazer. Primeiro porque que eu tenho sensação de prazer mesmo,<br />

assim, tipo eu botar uma coisa na boca que eu estou com vontade...” (Carla)<br />

Sobre esse aspecto, Carneiro (2003) considera o ato de comer, assim como o ato<br />

sexual, como as fontes mais intensas de prazer carnal. Embora sejam atividades diretamente<br />

relacionadas à sobrevivência do indivíduo e da espécie, a alimentação e o sexo vão além de<br />

suas funções materiais, tornando-se sistemas simbólicos cada vez mais complexos e<br />

carregados de significados.<br />

“É um truísmo dizer que o sexo e a comida são dois pólos do sentido da vida humana. E<br />

que, como tais, eles extravasam suas funções meramente materiais de assegurar a<br />

sobrevivência dos indivíduos e da espécie para torná-los matrizes simbólicas essenciais<br />

de toda cultura”. (Carneiro, 2003: 128)<br />

Isso nos remete às transformações e transgressões dos limites e funções do corpo<br />

humano promovidas, sobretudo, pelos avanços científicos e tecnológicos, que, segundo alguns<br />

autores, como Sibilia (2003), inserem o homem numa era pós-orgânica. Kurzweil (2003,<br />

http://www.kurzweilai.net) aponta, inclusive, que nesta nova era, o aspecto sensual do sexo<br />

está desvinculado de sua função de reprodução. Da mesma forma, o ato de comer estará sendo<br />

progressivamente desconectado de sua função biológica natural de obter nutrientes, tornandose<br />

uma escolha cada vez mais baseada no prazer. Isto se evidencia de forma bastante<br />

significativa no caso de Carla, como podemos ver nos seus relatos abaixo.<br />

“Então, a comida pra mim nunca foi uma coisa associada à necessidade fisiológica,<br />

nunca foi.”<br />

“... eu não como quando eu estou com fome, não preciso comer quando eu estou com<br />

fome, como não preciso estar com fome pra comer, uma coisa não tem nada a ver com<br />

a outra, entendeu (risos)”<br />

“...aí eu olho uma coisa gostosa, aí me dá vontade de comer, aí eu como. Eu como por<br />

vontade...” (Carla)<br />

Considerando, então, que a construção da relação dessas mulheres com a alimentação<br />

foi marcada pelo uso da comida com um forte conteúdo simbólico e como fonte de prazer,<br />

parece que somente quando começaram a se preocupar ou sofrer com as conseqüências de<br />

seus comportamentos alimentares no corpo que elas começaram a vivenciá-los ou percebê-los<br />

como um problema, e mesmo como um transtorno alimentar. Dessa forma, pelo menos para<br />

Renata e Carla que afirmaram isso em suas entrevistas, seus transtornos alimentares<br />

começaram a se configurar mais claramente na adolescência.<br />

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A adolescência caracteriza-se como um período da vida marcado por importantes<br />

mudanças no corpo e na construção das subjetividades e das identidades. É, portanto, uma<br />

fase em que surge ou se intensifica a preocupação com o corpo, diante, sobretudo, da<br />

necessidade de se tornar fisicamente atraente e da busca por aceitação e valorização nos<br />

diversos contextos sociais em que se está inserido (Assis e Avanci, 2004).<br />

Stenzel e Guareschi (2002), que realizaram uma pesquisa com 25 adolescentes<br />

mulheres sobre a representação social da obesidade/magreza, apontam que o corpo é<br />

problemática central na vida das adolescentes e que este é visto sobretudo pela via da estética,<br />

da aparência física. Além disso, esses autores também consideram que “talvez não exista<br />

outro período da vida onde se dá tanta importância para a aceitação e valorização social”<br />

(Stenzel e Guareschi, 2002:191).<br />

Desta forma, a adolescência desperta ou potencializa a necessidade de se adequar aos<br />

padrões e modelos de comportamento valorizados socialmente. Com isso, caracteriza-se como<br />

uma fase em que somos facilmente alcançados pelos valores e significados sócio-culturais<br />

sobre o corpo e a aparência física, tendo em vista a centralidade que eles adquiriram na<br />

construção de nossas identidades e na cultura contemporânea (Goellner, 2003).<br />

Como vimos, o contexto sócio-cultural contemporâneo está fortemente marcado pela<br />

valorização da boa forma física e da magreza extrema, tendo se tornado um ideal estético<br />

difícil de ser alcançado e que se impõe especialmente para as mulheres. Assim, um número<br />

crescente de adolescentes vem se sentindo insatisfeitos com seus corpos e se envolvendo na<br />

busca pelo corpo magro e perfeito, recorrendo aos mais diversos métodos para controle da<br />

alimentação e do peso.<br />

Sobre esse fato, é importante destacar a pesquisa realizada pelo Núcleo de Transtornos<br />

alimentares e Obesidade (Nuttra) com mais de 3000 adolescentes com idades entre <strong>13</strong> e 20<br />

anos. Os dados obtidos com este estudo demonstram que 75% dos adolescentes entrevistados<br />

se sentiam insatisfeitos com os seus corpos, enquanto que 70% não apresentam hábitos<br />

alimentares saudáveis (Thomé, 2004).<br />

O constante estado de insatisfação com o próprio corpo e o uso de recursos, como as<br />

dietas alimentares, para se alcançar esse padrão corporal valorizado socialmente são, portanto,<br />

comportamentos cada vez mais freqüentes, mesmo entre aqueles que não estão com excesso<br />

de peso. Cria-se, com isso, um terreno fértil para o desenvolvimento de transtornos<br />

alimentares, sobretudo em adolescentes, que representam um dos grupos sociais mais<br />

atingidos por esses distúrbios atualmente (Morgan e Azevedo, 1998a).<br />

Assim, um aspecto fundamental que também se evidencia no caso de nossas<br />

entrevistadas, e marca os seus quadros de transtornos do comportamento alimentar, é a<br />

preocupação e/ou insatisfação em relação ao corpo/aparência física, que pode ter surgido ou<br />

se potencializado em função de seus padrões de alimentação. Todas elas relataram se<br />

sentirem, em maior ou menor grau, preocupadas e/ou insatisfeitas com os seus corpos, com<br />

suas imagens corporais.<br />

“Insatisfeita. ... porque eu olho, eu vejo, eu acho assim, não era o corpo que eu quero,<br />

não era o corpo que eu quero.” (Adriana)<br />

“... eu não tive fase nenhuma que eu tivesse gostado do meu corpo, eu nunca gostei do<br />

meu corpo.” (Carla)<br />

Seus relatos nos mostraram que essa preocupação e/ou insatisfação com seus corpos<br />

envolve a busca por aceitação social e por adequação aos padrões corporais valorizados<br />

socialmente, tendo contribuído de maneira determinante para que elas se engajassem, por<br />

tanto tempo, em diferentes métodos para controle da alimentação e do peso. Todas elas<br />

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afirmaram utilizar esses métodos, algumas tendo recorrido a diversos deles e por bastante<br />

tempo, como Carla, que relatou fazer uso de dietas há cerca de 20 anos.<br />

“Eu acho que eu sou um caso clássico, assim, todas as coisas que você marca com um<br />

X na vida de uma pessoa que passou a vida controlando peso, sou eu.” (Carla)<br />

“Tem só vinte anos que eu faço dieta e não vejo perspectiva de parar com dieta não.”<br />

(Carla)<br />

Juntamente com os exercícios físicos, as dietas alimentares representam um dos<br />

principais recursos adotados atualmente para a perda de peso e controle da alimentação<br />

(Fonseca et al., 2001). É, portanto, um método que ganha força em nosso contexto sóciocultural<br />

marcado pela grande valorização do auto-controle e do auto-aperfeiçoamento,<br />

principalmente através do corpo e da aparência física.<br />

Vista como um reflexo de quem somos, ou seja, de nossas identidades, de nossos<br />

estilos de vida e de nossas competências, a aparência física tornou-se sinônimo de nosso valor<br />

pessoal (Hirschmann e Munter, 1991). Com isso, as transformações, as intervenções e os<br />

cuidados com o corpo, visando o seu aperfeiçoamento e a melhoria da aparência física, são<br />

usados como um marketing do eu na busca por afirmação da personalidade (Sant’Anna,<br />

2002).<br />

Dessa forma, as dietas de restrição alimentar aparecem como uma estratégia bastante<br />

utilizada na busca pelo corpo saudável, belo, magro e jovem, que passou a estar associado à<br />

felicidade, sucesso, ascensão e aceitação social. Pois, em função da redução quantitativa e,<br />

muitas vezes, qualitativa dos alimentos consumidos, as dietas, em geral, promovem<br />

emagrecimentos rápidos e intensos, contribuindo para uma falsa crença de solução rápida e de<br />

sucesso definitivo dos seus resultados.<br />

No entanto, as dietas de restrição alimentar, assim como alguns medicamentos para<br />

emagrecer, apresentam um elevado índice de fracasso quando seus resultados são analisados<br />

num período de 5 a 10 anos (Fonseca et al., 2001). Com isso, as dietas alimentares chegam a<br />

ser consideradas métodos ineficazes ou mesmo inúteis a médio/longo prazo.<br />

Um dos fatores que parecem contribuir para esses resultados são os mecanismos do<br />

corpo contra a subnutrição, ou seja, os ajustes que o corpo faz em reação à restrição alimentar,<br />

reduzindo o gasto de calorias e armazenando gordura, para se precaver de outros períodos de<br />

privação de alimentos. Em função das experiências de restrição alimentar, o metabolismo do<br />

corpo vai diminuindo, tornando cada vez mais difícil a perda de peso ao longo do tempo<br />

(Hirschmann e Munter, 1991).<br />

Além disso, as dietas alimentares muito restritivas podem levar ao consumo excessivo<br />

de alimentos e a perda de controle sobre o comportamento alimentar, contribuindo para a<br />

construção de um padrão alimentar caracterizado por ciclos “dieta-gula” (Hirschmann e<br />

Munter, 1991). Este, inclusive, é mais um importante aspecto que se evidencia nos relatos de<br />

nossas entrevistadas.<br />

“É importante evidenciar que a dieta restritiva aumenta a probabilidade de ocorrência de<br />

episódios de compulsão alimentar e estes aumentam o medo de engordar, reforçando a<br />

necessidade de intensificação da dieta formando-se um ciclo vicioso.” (Fairburn, 1985<br />

apud Duchesne, 1998: 142) 3<br />

Todas elas relataram que seus padrões alimentares envolviam, ou já envolveram,<br />

períodos de controle e restrição alimentar, intercalados com períodos de descontrole e<br />

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superalimentação. Renata, por exemplo, relatou que sua alimentação sempre foi marcada<br />

pelas fases do “tudo permitido” e as fases do “nada permitido”.<br />

“A minha alimentação sempre foi assim, as fases do tudo permitido e as fases do nada<br />

permitido. As fases do tudo permitido, eu realmente, tinha uma tendência a querer<br />

comer doce, biscoito, bolo, pão, e aí, algum mecanismo, assim, ‘estartava’ (start)<br />

dentro de mim que, de repente, começava a não ter muito mais refeição e aí começava<br />

a ser uma coisa meio, é, seguida, né, como se fosse uma grande refeição o dia inteiro<br />

(risos). E aí, isso intercalava com momentos de dieta, né, já foram várias dietas.”<br />

(Renata)<br />

A preocupação/insatisfação com a aparência física e a busca por um corpo perfeito<br />

contribuem para o aumento da prevalência de comportamentos relacionados à dieta e de<br />

outros métodos drásticos de controle do peso, que aumentam a probabilidade de<br />

desenvolvimento de transtornos alimentares. Assim, as restrições alimentares são<br />

consideradas fatores de risco para o desenvolvimento desses transtornos na<br />

contemporaneidade (Morgan e Azevedo, 1998a).<br />

Contudo, embora já se reconheça a ineficácia e até mesmo os efeitos nocivos de<br />

algumas dietas alimentares, parece que elas são cada vez mais utilizadas, valorizadas e até<br />

mesmo estimuladas, sobretudo, pela mídia. Atualmente, encontramos diversos programas de<br />

televisão, livros, sites na internet e revistas que visam oferecer informações sobre as mais<br />

variadas dietas de restrição alimentar e seus possíveis benefícios na busca pelo corpo saudável<br />

e perfeito. Um dos exemplos que mais se destacam é a quantidade de revistas voltadas<br />

especialmente para o público feminino (Andrade, 2003).<br />

Sobre essa questão, é interessante destacar uma pesquisa realizada sobre o poder da<br />

mídia impressa na produção dos corpos femininos na contemporaneidade. Este estudo<br />

analisou a Revista Capricho, enquanto a primeira revista voltada para as adolescentes, que,<br />

propondo os cuidados com o corpo, com ênfase na beleza e na moda, ensina “como ser uma<br />

adolescente bonita, atraente e moderna” (Figueira, 2003: 127).<br />

Através de textos e imagens fornecendo conselhos, recomendações técnicas e receitas<br />

para os cuidados com a alimentação e o corpo, essas revistas propõem que basta seguir essas<br />

prescrições para conquistar o ideal de corpo centrado na magreza e na boa forma física. Dessa<br />

forma, transmitem uma idéia de que alcançar o ideal estético representado pela própria mídia<br />

é uma responsabilidade de cada mulher/adolescente e que só depende de seu esforço pessoal.<br />

Essas revistas parecem funcionar, portanto, como guias que direcionam e norteiam as<br />

condutas femininas na atualidade, podendo ser pensadas como uma das pedagogias que atuam<br />

no meio social e contribuem para a construção dos corpos, das subjetividades e das<br />

identidades das mulheres na contemporaneidade (Andrade, 2003). Pedagogias que claramente<br />

atravessam a produção de sentidos de nossas entrevistadas a respeito da alimentação e do<br />

corpo.<br />

Pois, embora nossas entrevistadas tenham apontado outros fatores que parecem<br />

contribuir para construção e manutenção de seus padrões compulsivos de alimentação, mais<br />

um importante aspecto que se destaca nos relatos dessas mulheres é a percepção de que elas<br />

são as únicas responsáveis/culpadas por seus problemas alimentares e de peso.<br />

“... não tem ninguém pra culpar, é você com você e você não consegue, é a única<br />

culpada, você pega o chicote diariamente e se odeia cada vez mais por não conseguir.”<br />

(Carla)<br />

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“Sou eu que cuido mal do meu corpo, sou eu que me alimento mal, que não faço nada<br />

pra modificar, sou eu, o problema é meu, entendeu Então isso pra mim significa que<br />

eu sou fracassada.” (Adriana)<br />

Assim, essas mulheres percebiam seus transtornos alimentares como sendo<br />

decorrentes de suas fraquezas e incompetências pessoais nos cuidados com a alimentação e<br />

com o corpo. Alguns dos sentidos atribuídos aos seus transtornos encontrados em seus relatos<br />

foram de fracasso, descontrole, falta de cuidado e de força de vontade e desleixo.<br />

“Então, pra mim, ter um transtorno, ter isso, é, significa um fracasso, entendeu<br />

(Adriana)<br />

“É descontrole! É descontrole!” (Adriana)<br />

“É, eu acho que é, uma falha, um erro, uma falta de cuidado, entendeu (Adriana)<br />

“Aquela coisa que a gente sabe, ah, porque eu tô sem força de vontade pra fazer<br />

dieta.” (Renata)<br />

“Eu sou desleixada, isso é uma característica bem gorda minha, ...” (Carla)<br />

Com isso, fica claro que a produção de sentidos de nossas entrevistadas em relação aos<br />

seus transtornos alimentares foi fortemente atravessada pelos valores e significados sócioculturais<br />

sobre a alimentação e o corpo. Pois, nos encontramos num contexto onde alcançar o<br />

ideal de auto-controle e de culto à boa forma física e ao corpo belo e magro, passou a<br />

significar competência, sucesso e felicidade. Enquanto que não alcançá-lo, como nos casos do<br />

comer compulsivo e, sobretudo, da obesidade, que é uma de suas possíveis conseqüências, é<br />

hoje sinônimo de inaptidão, falha e incompetência.<br />

“... a imagem do corpo ideal é acompanhada de conotações simbólicas de sucesso,<br />

autocontrole, autodisciplina, liberação sexual, classe e competência. O fracasso em se<br />

atingir este ideal passa a se equacionado com falta de força de vontade, preguiça e<br />

fraqueza.” (Morgan e Azevedo 1998a: 88)<br />

Nessa perspectiva, mais um importante aspecto do relato de nossas entrevistadas a ser<br />

destacado são os sentidos que elas atribuem à gordura/excesso de peso, onde também ficam<br />

evidenciados os significados sócio-culturais que atravessam as suas produções de sentido.<br />

P: “E a gordura e o excesso de peso, o que significam pra você”<br />

“Ai, acho que é a pior coisa do universo, isso. ...Ah, troço mais disforme que existe na<br />

face da terra.” (Adriana)<br />

“... gordo pra mim é a coisa desleixada, a pessoa é desleixada, a pessoa pode não ser,<br />

mas gordo pra mim passa uma coisa de desleixo.” (Carla)<br />

“Pra mim, assim, significa tristeza, depressão, entendeu ... Porque eu acho que o,<br />

parece coisa de boi, (risos) mas o processo de engorda, é uma coisa assim, uma coisa<br />

muito, é muito solitária, eu acho.” (Renata)<br />

Como podemos ver, nossas entrevistadas atribuíam sentidos bastante negativos em<br />

relação à gordura/excesso de peso e esses sentidos correspondem aos atuais significados<br />

sócio-culturais sobre a obesidade. Significados de uma sociedade claramente lipofóbica ou<br />

obesofóbica, que se estruturou de forma a excluir, rejeitar, discriminar e desvalorizar as<br />

pessoas gordas, ou fora do padrão de beleza atual.<br />

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“... reafirma-se a concepção da sociedade de que a obesidade é sinal de falta de<br />

personalidade, preguiça e ausência de força de vontade, e de que o obeso é inteiramente<br />

responsável por sua condição, o que intensifica a discriminação.” (Gaspar, 2003:78-79)<br />

Os relatos de Adriana e Carla, abaixo, demonstram, inclusive, o quanto elas<br />

interiorizaram a forte aversão e preconceito em relação à gordura/excesso de peso que<br />

marcam nosso contexto sócio-cultural.<br />

“Aquilo tudo, aquela gordurada toda, eu acho, nossa, é nojento, eu tenho nojo, eu acho<br />

horrível, me dá ódio disso.” (Adriana)<br />

“Eu acho que é cruel, que é preconceituoso, mas eu não acho que ninguém consiga ser<br />

feliz gordo. ...acho que eu nunca vi mulher gorda bonita...” (Carla)<br />

Fica bastante evidente, ainda, que os significados sócio-culturais relacionados à<br />

magreza também participaram da produção de sentidos das nossas entrevistadas. Seus relatos<br />

apontaram que a magreza está associada à beleza, liberdade e felicidade, de tal modo que é o<br />

que elas almejavam conquistar. Ou seja, um corpo mais magro, utilizando, para isso, alguns<br />

métodos para controle da alimentação e do peso, como os medicamentos, os exercícios físicos<br />

e as dietas de restrição alimentar.<br />

“Ai, meu Deus, magreza, era tudo que eu queria ser. ... Ai, porque as pessoas magras<br />

devem ser mais felizes, entendeu (Adriana)<br />

“...eu acho que eu podia emagrecer um pouco mais, sabe, ficar mais leve, mais coisas<br />

darem em mim. ... Ah, pra mim, se eu fosse magra eu acho que eu seria mais livre, eu<br />

me sinto assim.” (Renata)<br />

Considerando, então, todos esses sentidos que participam dos processos de<br />

significação dessas mulheres, cabe destacar que, além da sensação de prazer, seus transtornos<br />

alimentares também afetam bastante a auto-estima e tornam-se um problema e uma<br />

preocupação na vida dessas mulheres, como podemos ver neste relato de Renata.<br />

“... devo ter uma associação muito ruim, assim né, de associar com sujeira, com sei lá<br />

o que, com coisa ruim, com não conseguir, com desajuste, e isso transforma tudo, tipo<br />

assim, aí mexe com a minha estima e aí eu me sinto toda ruim, entendeu” (Renata)<br />

7. Conclusão<br />

Os resultados do nosso estudo confirmaram a complexidade dos transtornos<br />

alimentares e o quanto eles não podem ser pensados ou abordados de maneira fragmentada e<br />

reducionista, mas sim de uma forma integrada, inclusiva e em suas múltiplas dimensões.<br />

Confirmaram também a necessidade de se levar em conta os complexos e dinâmicos<br />

processos de significação e de constituição da subjetividade para uma melhor compreensão e<br />

abordagem desses transtornos na contemporaneidade.<br />

Os relatos de nossas entrevistadas apontaram para a importância da dimensão<br />

simbólica da relação com a alimentação e com o corpo e, portanto, dos sentidos e significados<br />

a eles atribuídos, na configuração dos seus transtornos alimentares e na constituição de suas<br />

subjetividades. Percebemos também o quanto a produção de sentidos de nossas entrevistadas<br />

foi atravessada por valores e significados do contexto sócio-cultural contemporâneo, onde a<br />

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alimentação e o corpo adquiriram uma grande importância e centralidade, sobretudo, pela via<br />

do consumo.<br />

Esse atravessamento dos valores e significados sócio-culturais nos processos de<br />

significação e constituição da subjetividade dessas mulheres contribuiu para que elas, na sua<br />

condição de portadoras de um transtorno alimentar, vivenciassem um profundo desconforto e<br />

tivessem a sua auto-estima e autoconfiança bastante afetadas. Além disso, parece que quanto<br />

mais forte é a influência desses significados e a necessidade de se adequarem aos padrões<br />

valorizados socialmente, mais essas mulheres experimentam os sentimentos de insatisfação,<br />

de culpa, de inferioridade, de incapacidade e de inadequação na relação consigo mesmas e<br />

com o mundo.<br />

Contudo, é importante ressaltar que, embora fique claro o atravessamento de<br />

significados sócio-culturais na produção de sentido dessas mulheres, elas parecem não<br />

perceber a influência desses fatores nos seus comportamentos e suas subjetividades, pelo<br />

menos essa percepção não foi explicitada nos seus relatos. O que vemos é que , a participação<br />

dos valores e significados dessa nossa sociedade hedonista, consumista e paradoxal na<br />

produção de sentidos de nossas entrevistadas parece favorecer o enredamento dessas mulheres<br />

no mito do embelezamento feminino e para que elas se envolvam em ciclos “dieta-gula”, que<br />

marcam seus quadros de transtornos do comportamento alimentar. Parece contribuir também<br />

para que, muitas vezes, essas mulheres acreditem que a solução para os seus problemas de<br />

alimentação e de peso é um maior controle e uma maior restrição alimentar, o que não só não<br />

resolve, como potencializa os seus quadros.<br />

Diante disso, precisamos de propostas assistenciais interdisciplinares que favoreçam a<br />

produção de novos sentidos e a construção de novas formas dessas mulheres perceberem e<br />

vivenciarem a alimentação e o corpo. Algo que entendemos como fundamental para o resgate<br />

da sua auto-estima e autoconfiança e que contribuirá para que elas possam, então, desenvolver<br />

recursos e habilidades internas e interpessoais, possam encontrar soluções novas e mais<br />

satisfatórias para suas dificuldades, conflitos e necessidades e conquistar uma melhoria da sua<br />

qualidade de vida.<br />

Precisamos, assim, contribuir para uma ampliação da consciência dessas mulheres, e<br />

das pessoas de um modo geral, em relação aos diversos fatores que participam dos seus<br />

quadros de transtornos alimentares, para o desenvolvimento de um pensamento crítico em<br />

relação aos valores e significados do nosso contexto sócio-cultural que participam da<br />

constituição de suas subjetividades. Acreditamos que uma maior conscientização em relação<br />

aos aspectos sócio-culturais que participam da etiologia dos transtornos alimentares na<br />

contemporaneidade contribua para que, juntamente com as necessárias políticas públicas,<br />

campanhas e outras ações, seja possível mudar o panorama desses distúrbios no mundo.<br />

Para isso, entendemos como fundamental a continuidade das pesquisas sobre os<br />

transtornos alimentares que abordem os seus aspectos subjetivos, que, muitas vezes, são<br />

desconsiderados ou relegados a um segundo plano, sobretudo, pelo modelo da biomedicina.<br />

Além disso, entendemos como necessário que os estudos ampliem seu campo de investigação<br />

de modo a alcançar características da dinâmica desses processos em um nível interpessoal.<br />

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Florianópolis: EDUFSC, Especial Temática.<br />

Thomé, C. (2004). Preocupações dos jovens: comida e dietas. Disponível no endereço<br />

eletrônico: http://portalweb01.saude.gov.br/alimentacao/redenutri/janeiro/19-01.pdf.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 51-69 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 12/06/2008 | Revisado em 20/10/2008 | Aceito em 04/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Vale, A.M.O. (2002). Comportamento alimentar anormal e prática inadequada para controle<br />

de peso entre adolescentes do sexo feminino de escolas públicas e privadas de Fortaleza.<br />

Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.<br />

Vilela, J.E.M. (2000). Transtornos da Alimentação: II Estudo epidemiológico em saúde<br />

escolar de Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-graduação em Pediatria,<br />

UFMG. Belo Horizonte, MG, 126p.<br />

Notas<br />

(1) Hsu, L.K. (1996). Epidemiology of the eating disorders. Psychiatr. Clin. North. Am., 19,<br />

681-700.<br />

(2) Garner, D.M.; Garfinkel, P.E.; Schwartz, D. e Thompson, M. (1980). Cultural<br />

expectations of thinness in women. Psychol. Rep. 47, 483-491.<br />

(3) Fairburn, C.G. (1985) Cognitive-behavioral treatment for bulimia. In: Garner, D.M. e<br />

Garfinkel, P.E. (Eds.). Handbook of psychotherapy for anorexia nervosa e bulimia. New<br />

York: Guilford Press.<br />

- J.M. de Mattos é Psicóloga (UFRJ), Mestre e Doutoranda em Psicossociologia de<br />

Comunidades e Ecologia Social (EICOS/UFRJ). Endereço para correspondência: Rua Gago<br />

Coutinho, 60/106, Laranjeiras, Rio de Janeiro, RJ 22221-070, Brasil. E-mail para contato:<br />

joanamattos@uol.com.br. L.S. de Almeida é Doutora em Saúde Mental (Universidade de São<br />

Paulo, USP). Atua como Professora do Programa de Pós-Graduação EICOS e do Curso de<br />

Graduação em Psicologia (UFRJ). Endereço para correspondência: Rua Dr. Otávio Kelly,<br />

112/601, Tijuca, Rio de Janeiro, RJ 20511-280, Brasil. E-mail para correspondência:<br />

leilasanches1@gmail.com.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 70-81 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 22/04/2008 | Revisado em 20/10/2008 | Aceito em 27/10/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Artigo Científico<br />

Associação entre as características do profissional do ensino<br />

fundamental e seus conhecimentos em saúde bucal<br />

Association between the elementary teaching professionals’ characteristics and their<br />

knowledge in oral health<br />

Rita de Cássia Alencar Duarte Michel Vellozo, Dagmar de Paula Queluz , Fábio Luiz<br />

Mialhe e Antonio Carlos Pereira<br />

Departamento de Odontologia Social, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade<br />

Estadual de Campinas (UNICAMP), Piracicaba, São Paulo, Brasil<br />

Resumo<br />

O objetivo desta pesquisa foi avaliar a associação entre as características de uma amostra de<br />

profissionais que trabalham em escolas públicas do município de Campos dos Goytacazes-RJ,<br />

selecionada aleatoriamente, e seu nível de conhecimento em saúde bucal. A amostra foi<br />

constituída por 162 profissionais do ensino fundamental, de 1ª a 4ª séries, de 8 escolas públicas<br />

do município. Os dados foram coletados através de um questionário contendo 32 questões, as<br />

quais foram analisadas utilizando os testes de Qui-quadrado e Exato de Fisher, além da análise<br />

de regressão logística multivariada. Verificou-se que as características gênero masculino,<br />

escolas instaladas em áreas de privação social e nível de escolaridade baixo foram<br />

considerados fatores de risco associadas a baixo conhecimento em relação à saúde bucal.<br />

Conclui-se que há necessidade de um enfoque nas informações sobre doenças bucais,<br />

prevenção e manutenção da saúde bucal dos profissionais, visando transformá-los em agentes<br />

multiplicadores de saúde. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 70-81.<br />

Palavras-chave: educação em saúde; saúde bucal; cárie dentária.<br />

Abstract<br />

The aim of this study is to evaluate the association between the characteristics of a group of<br />

professionals working in public schools in the city of Campos of Goytacazes-RJ, Brazil and<br />

their level of oral health knowledge. The group was constituted of 162 professionals of<br />

elementary schools, from 1st to 4th grade, of 8 public schools of the city. The data was<br />

collected through a questionnaire containing 32 questions, which were analyzed using Quisquare<br />

and Exact of Fisher tests, alone with the logistics regression multivariable analysis. It<br />

was verified that masculine gender, working at schools installed in areas of social privation,<br />

and low education level characteristics were considered risk factors associated to low<br />

knowledge concerning oral health. It was concluded that there is a need to focus in the<br />

information about oral diseases, prevention and maintenance of the professionals' oral health,<br />

seeking to transform them in multipliers agents of health. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 70-<br />

81.<br />

Keywords: health education; oral health; dental caries.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 70-81 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 22/04/2008 | Revisado em 20/10/2008 | Aceito em 27/10/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

1. Introdução<br />

Durante a infância, época decisiva na construção de hábitos e atitudes, a escola assume<br />

um papel importante para o desenvolvimento de um trabalho sistematizado e contínuo. Os<br />

valores, em seus diferentes aspectos expressados na escola, geralmente são adquiridos pelas<br />

crianças na sua vivência diária. Os profissionais do ensino fundamental de 1ª a 4ª séries,<br />

desempenham um importante papel nesse contexto, por estarem atuando diretamente com<br />

crianças em processo de formação intelectual e desenvolvimento de condutas (Dalto e<br />

Ferreira, 1998).<br />

Dentro deste contexto, o professor representa um modelo e exemplo, daí a importância<br />

que desempenha em estimular e valorizar as práticas de promoção de saúde na rotina escolar<br />

(Abbeg, 1999). Porém, para que o professor possa atuar como agente promotor de saúde é<br />

necessário que tenha conhecimentos, habilidades e atitudes (Temporini, 1992).<br />

Entretanto, o professor não é o único profissional dentro do ambiente escolar que<br />

exerce influência sobre as atitudes e comportamentos das crianças. Diretores, secretárias,<br />

auxiliares de serviços gerais, entre outros funcionários, podem atuar como agentes promotores<br />

de saúde neste espaço de trocas de experiências e saberes, contribuindo para o<br />

desenvolvimento de um estilo de vida saudável (World Health Organization, 1999).<br />

Apesar disso, poucos programas têm trabalhado de forma multidisciplinar na escola e,<br />

menos ainda, de forma multiprofissional. Até o momento, pouco se sabe à respeito dos<br />

conhecimentos em saúde bucal de outras categorias profissionais que atuam na escola, além<br />

dos professores (Garcia et al., 1998) e menos ainda, quais características dos trabalhadores<br />

escolares estão associadas à bons níveis de conhecimento em saúde bucal. Visto a importância<br />

da escola como espaço de promoção de saúde, dados como estes podem ajudar os<br />

planejadores em saúde a contemplar de forma mais abrangente todos os atores sociais que<br />

trabalham dentro do espaço escolar a fim de melhorar a qualidade de saúde bucal dos mesmos<br />

e dos escolares. Desta forma, este trabalho teve por objetivo avaliar a associação entre as<br />

características de uma amostra de profissionais que trabalham em escolas públicas estaduais e<br />

municipais do ensino fundamental, de 1ª a 4ª séries, do município de Campos dos Goytacazes<br />

– RJ e seus conhecimentos em saúde bucal.<br />

2. Materiais e método<br />

O projeto de pesquisa e o instrumento de coleta de dados foram submetidos à análise e<br />

aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FOP/UNICAMP pelo processo nº 118/2004.<br />

Foram entregues 415 questionários aos profissionais (professores, secretarias,<br />

auxiliares de ensino, diretores, auxiliares de serviços gerais, entre outros) que se encontravam<br />

trabalhando em escolas do ensino fundamental de 1 a a 4 a séries, de 4 escolas da rede de ensino<br />

estadual e 4 da rede de ensino municipal, no município de Campos dos Goytacazes-RJ, sendo<br />

que a taxa de devolução dos questionários foi de 40,2%, correspondendo a 167. As 8 escolas<br />

foram selecionadas aleatoriamente por estrato (estadual e municipal), tendo como base a<br />

relação de estabelecimentos de ensino estadual e municipal no ano de 2005. A seleção das<br />

escolas foi realizada a partir do mapa do município de Campos dos Goytacazes-RJ, o qual foi<br />

divido em 4 áreas de Saúde, sendo estas:<br />

1) Área norte - Bairro de Guarús;<br />

2) Área sul - Bairro do Centro;<br />

3) Área leste - Bairro do Parque Leopoldina;<br />

4) Área oeste - Bairro da Penha.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 70-81 <br />

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Submetido em 22/04/2008 | Revisado em 20/10/2008 | Aceito em 27/10/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Os bairros Guarús e Penha apresentam nível socioeconômico baixo, enquanto Parque<br />

Leopoldina o nível socioeconômico é médio e o bairro Centro é alto. Em cada área foram<br />

selecionadas 2 escolas aleatoriamente, sendo 1 da rede estadual e 1 da rede municipal . A<br />

amostra representou 7,8% das 103 escolas estaduais e 5,8% das 173 escolas municipais,<br />

ambas de 1 a a 4 a séries.<br />

O tamanho da amostra foi calculado para a proporção de 0,5 para p (proporção de<br />

resposta) e q (proporção de não-resposta), o que maximiza o tamanho de amostra,<br />

considerando o erro amostral de 4,8% e nível de confiança de 95%.<br />

O instrumento de coleta de dados foi um questionário contendo 32 questões fechadas e<br />

abertas (anexo 1). O instrumento de coleta foi inicialmente revisado por 3 professores da área<br />

de Odontologia em Saúde Coletiva e, em seguida foi realizado um pré-teste com 15 pessoas<br />

das diferentes categorias profissionais (5 professores, 2 secretarias, 2 diretores, 6 auxiliares<br />

gerais), sendo corrigidas as perguntas em que houveram dúvidas. Após o pré-teste, foram<br />

feitas correções de redação do questionário para adequação as diferentes categorias<br />

profissionais.<br />

A fim de minimizar as possíveis baixas taxas de devolução e o viés do nãorespondente,<br />

todos os questionários foram pessoalmente entregues pela pesquisadora, sob a<br />

determinação da diretoria de cada escola, e distribuído e recolhido pelos coordenadores de<br />

cada série. Num outro momento, os mesmos foram recolhidos nas escolas pela própria<br />

pesquisadora. Uma declaração introdutória foi anexada ao questionário, explicando os<br />

objetivos e a importância da pesquisa, orientando quanto à importância da veracidade das<br />

respostas e também o caráter sigiloso do mesmo.<br />

2.1. Análise dos dados<br />

Os dados foram tabulados no programa SAS (2001) versão 8.2. Foi realizada<br />

inicialmente a análise univariada, para verificar a associação, separadamente, entre cada uma<br />

das variáveis independentes (bairro da escola onde trabalha, nº de profissionais nas escolas<br />

públicas, gênero, idade, cargo, escolaridade, nº de pessoas na casa, tempo de exercício<br />

profissional, freqüência de treinamento em educação e freqüência em cursos sobre saúde)<br />

com a variável dependente ou variável de interesse (conhecimento sobre saúde bucal)<br />

utilizando os testes de Qui-quadrado, e de Exato de Fisher (Siegel e Castellan, 1988; Soares e<br />

Siqueira, 1999).<br />

Os profissionais foram classificados de acordo com o conhecimento em saúde bucal,<br />

utilizando-se um sistema de notas. Assim, cada profissional recebeu um escore para cada<br />

questão (quadro 1). A seguir, foi feita a dicotomização em função dos somatórios dos escores<br />

a partir da mediana em baixo conhecimento (somatório dos escores ≤ 14) e alto conhecimento<br />

em saúde bucal (somatório dos escores >14).<br />

Questão Respostas Escore<br />

Boa 2<br />

Como está sua saúde bucal (q.12)<br />

Regular 1<br />

A última vez que você foi ao dentista<br />

(q.14)<br />

Ruim 0<br />

Não sabe 0<br />

Menos de 6 meses 2<br />

6 meses a 1 ano 1<br />

Mais de 1 ano 0<br />

Não se lembra 0<br />

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Questão Respostas Escore<br />

Escovando os dentes após a refeição 1<br />

Indo ao dentista 1<br />

Como se evita a cárie (q.18)<br />

Usando fio dental 1<br />

Reduzindo consumo de açúcar 1<br />

Quais são os fatores que causam as<br />

doenças periodontais (q.20)<br />

Sua higiene bucal é (q.22)<br />

Quantas vezes você escova os dentes ao<br />

dia (q.23)<br />

Como você cuida de seus dentes e de<br />

sua boca (q.24)<br />

Usando flúor 1<br />

Não sei 0<br />

Escovação inadequada 1<br />

Falta de uso de fio dental 1<br />

Presença de placa bacteriana 1<br />

Não sei 0<br />

Ótima 2<br />

Boa 2<br />

Regular 1<br />

Ruim 0<br />

1 vez 1<br />

2 vezes 1<br />

3 vezes 1<br />

4 vezes 1<br />

Após cada refeição 2<br />

Não escova 0<br />

Escova após as refeições 1<br />

Usa fio dental 1<br />

Evita alimentos açucarados 1<br />

Faz auto-exame bucal 1<br />

Vai regularmente ao dentista 1<br />

Faz bochecho com flúor 1<br />

Você sabe a técnica de escovação<br />

Sim 1<br />

adequada (q.25) Não 0<br />

Quadro 1 - Escores atribuídos de acordo com as respostas dos profissionais. Nota: q.- questão<br />

do questionário<br />

Em seguida foi realizada análise de regressão logística (análise multivariada) com<br />

procedimento “stepwise” a fim de se identificar os fatores de risco para o baixo conhecimento<br />

em saúde bucal. Foram selecionadas, a partir da análise univariada, as variáveis do perfil do<br />

profissional que apresentaram associação significativa com o conhecimento em saúde bucal<br />

com p < 0,15 e após o ajuste do modelo de regressão logística estimando-se os “Odds Ratio”<br />

(Razão das chances), foi possível calcular a chance de uma situação ocorrer diante da<br />

exposição a um fator de risco, com intervalo de confiança de 95%.<br />

3. Resultados<br />

3.1. Características gerais da amostra<br />

A taxa de devolução foi de 40,2%, ou seja, um total de 167 profissionais devolveu o<br />

questionário. Destes, 57 (34,1%) trabalhavam nas escolas estaduais, e 110 (65,9%) nas<br />

municipais. A maioria dos respondentes foi do gênero feminino (92,2%) correspondendo a<br />

153 profissionais. Cinco questionários não foram preenchidos e, portanto, excluídos da<br />

amostra.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 70-81 <br />

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Em relação à faixa etária dos funcionários, constatou-se que 69 (42,6%) tinham idade<br />

entre 36 a 45 anos, enquanto 47 (29%) tinham mais de 45 anos, e 46 (28,4%) tinham até 35<br />

anos.<br />

De acordo com o cargo que os profissionais ocupavam, observou-se que 82 (50,6%)<br />

eram professores, enquanto 80 (49,4%) tinham outras funções profissionais no ensino<br />

fundamental como: animadores culturais, auxiliares de cozinha, auxiliares de secretaria,<br />

auxiliares de serviços escolares, bibliotecários, coordenadores, datilógrafos, diretores,<br />

estagiários educacionais, guardas civis, inspetores de alunos, merendeiras, orientadores<br />

pedagógicos, porteiros, serventes, secretários, vice-diretores e vigias como pode ser<br />

observado pela figura 1.<br />

%<br />

60<br />

50<br />

40<br />

30<br />

20<br />

10<br />

0<br />

8<br />

50 51<br />

24<br />

escolas municipais<br />

<strong>13</strong><br />

5 5<br />

5<br />

2<br />

escolas estaduais<br />

Figura 1 – Freqüência relativa dos profissionais, de acordo com a escola pública avaliada.<br />

A figura 2 apresenta os dados referentes à escolaridade dos respondentes.<br />

Verificou-se que, do total da amostra, 58,6% apresentava nível de escolaridade superior<br />

completo ou incompleto, 23,4% ensino médio completo ou incompleto e 18% fundamental<br />

completo ou incompleto. Os professores e diretores/vice foram a categoria profissional que<br />

mais apresentou nível superior completo e pós-graduação.<br />

Em relação à freqüência de treinamento em educação em congressos, cursos e palestras,<br />

verificou-se que 63 profissionais (40,4%) responderam que participaram em cursos em<br />

educação ao menos uma vez por semestre, 58 (37,2%) uma vez ao ano, 6 (3,8%) uma vez a<br />

cada dois anos, e 29 (18,6%) não participaram.<br />

3.2. Associação entre o perfil do profissional e o conhecimento sobre saúde bucal<br />

A tabela 1 apresenta a análise dos dados referente a associação entre o perfil do<br />

profissional e o conhecimento em saúde bucal, os quais foram analisados através dos testes de<br />

qui-quadrado e teste Exato de Fisher.<br />

Verificou-se que 67,5% (27) dos profissionais das escolas públicas do bairro Guarús<br />

apresentaram conhecimento em saúde bucal baixo, seguido do bairro Parque Leolpodina,<br />

53,<strong>13</strong>%(17), enquanto que os profissionais das escolas públicas do bairro Centro<br />

apresentaram os melhores níveis de 54,10% (33).<br />

Quanto à idade, 35 (74,4%) dos profissionais das escolas públicas que tinham mais de<br />

45 anos possuíam baixo conhecimento em saúde bucal, enquanto os que tinham de 31 a 35<br />

anos, 14 (70%), apresentaram alto conhecimento.<br />

37<br />

secretaria/auxiliar<br />

professor<br />

auxiliar serviços gerais<br />

diretoria/vice<br />

outros<br />

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Referente ao cargo, dentro da categoria “outros profissionais” (animadores culturais,<br />

auxiliares de cozinha, auxiliares de secretaria, auxiliares de serviços escolares, etc.), uma boa<br />

parte (70%) apresentou baixo conhecimento em saúde bucal, enquanto que os professores<br />

tiveram maior conhecimento (64,6%).<br />

Quanto à escolaridade, a maioria dos profissionais que possuíam o superior<br />

incompleto ou completo apresentou alto conhecimento em saúde bucal (68,4%), e 82,7% dos<br />

profissionais que tinham o ensino fundamental incompleto ou completo, apresentaram baixo<br />

conhecimento.<br />

No geral, verificou-se, através da análise univariada, que os fatores associados<br />

estatisticamente à baixos conhecimentos em saúde bucal foram: cargo do profissional,<br />

escolaridade e freqüência de treinamento em educação, gênero, idade e tempo de exercício<br />

profissional.<br />

120<br />

100<br />

80<br />

60<br />

40<br />

20<br />

0<br />

A B C D E<br />

Fund Incompl<br />

Fund Compl<br />

Méd Incompl<br />

Méd Compl<br />

Sup Incompl<br />

Sup Compl<br />

Pós-grad<br />

Figura 2 - Freqüência relativa dos profissionais, de acordo com escolaridade. A=secretária/<br />

auxiliar; B=professor; C=auxiliar serviços gerais; D= diretor/vice; E=outras categorias.<br />

Variável<br />

Conhecimento em Saúde<br />

Baixo Bucal Alto<br />

Bairro<br />

Guarús 27(67,50%) <strong>13</strong>(32,50%)<br />

Centro 15(44,12%) 19(55,88%)<br />

Parque Leopoldina 17(53,<strong>13</strong>%) 15(46,88%)<br />

Penha 28(45,90%) 33(54,10%)<br />

Escola<br />

Estadual 28(46,12%) 29(50,88%)<br />

Municipal 59(53,64%) 51(46,36%)<br />

Gênero<br />

Feminino 75(49,02%) 78(50,98%)<br />

Masculino 11(84,62%) 2(15,38%)<br />

Idade<br />

até 25 anos 6(40,00%) 9(60,00%)<br />

26 a 30 anos 5(45,45%) 6(54,55%)<br />

31 a 35 anos 6(30,00%) 14(70,00%)<br />

36 a 40 anos 16(44,44%) 20(55,56%)<br />

41 a 45 anos 17(51,52%) 16(48,48%)<br />

mais de 45 anos 35(74,47%) 12(25,53%)<br />

p<br />

0,<strong>13</strong>15<br />

0,5798<br />

0,0186*<br />

0,0093<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 70-81 <br />

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Variável<br />

Conhecimento em Saúde<br />

Baixo Bucal Alto<br />

p<br />

Cargo<br />

Professor 29(35,37%) 53(64,63%)<br />

Não Professor 56(70,00%) 24(30,00%)<br />


Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 70-81 <br />

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4. Discussão<br />

As características da amostra deste trabalho se assemelham a de outros autores, os<br />

quais verificaram que a maioria dos entrevistados era do gênero feminino e idade entre 35 e<br />

45 anos e possuem nível superior incompleto ou completo e, portanto, demonstra algumas<br />

tendências dos profissionais do ensino fundamental (Espósito et al., 1998; Davis et al., 1998;<br />

Fernandes et al., 2005).<br />

É reconhecido que a situação sócio-econômica e a localização geográfica do indivíduo<br />

podem ser consideradas como fatores de risco à saúde do indivíduo, visto que quanto menor o<br />

poder aquisitivo e mais periférico a localização da população, menor é o acesso aos serviços<br />

de saúde bucal e, conseqüentemente, menor o acesso e o grau de informação e também ao<br />

valor atribuído à saúde (Freeman, 2002; Spolidorio et al., 2003). A baixa renda pode estar<br />

associada ao grau de educação, valor atribuído à saúde e seus cuidados, estilo de vida e acesso<br />

à informação. Após a realização da análise uni e multi-variada, verificou-se que os<br />

profissionais que trabalhavam na escola do bairro Guarús, localizada perifericamente e numa<br />

região de nível socioeconômico baixo apresentaram menor nível de conhecimento em saúde<br />

bucal, sendo este considerado um fator de risco para baixo conhecimento em saúde bucal dos<br />

profissionais, após a realização da análise uni e multivariada, como observado na tabela 2.<br />

Essa tendência também foi observada no estudo Campos e Garcia (2004), onde as autoras<br />

verificaram que os conhecimentos sobre a etiologia e características da cárie dentária foram<br />

estatisticamente diferentes entre educadores trabalhando em escolas localizadas na região<br />

central e periférica do município de Araraquara, SP.<br />

Interessante notar que estas condições influenciam também a saúde do profissional da<br />

educação de uma forma geral. Gasparini e colaboradores (2005) verificaram que os<br />

professores têm maior risco e prevalência de sofrimentos psíquicos, quando comparados a<br />

outros grupos de profissionais da educação e também a outros profissionais. Naujorks (2002)<br />

atesta que, entre vários fatores geradores de estresse para os professores estão “a quase<br />

inexistência de projetos de educação continuada que os capacite a enfrentar a nova demanda<br />

educacional, o elevado número de alunos por turmas, a estrutura física inadequada, a falta de<br />

trabalhos pedagógicos em equipe, o desinteresse da família em acompanhar a trajetória<br />

escolar de seus filhos, a indisciplina cada vez maior, a desvalorização profissional e os baixos<br />

salários, situações que fogem ao seu controle e preparo”. Desta forma, o cirurgião-dentista<br />

deve saber diagnosticar inicialmente as condições da escola e do trabalho dos profissionais da<br />

área da saúde para o planejamento das atividades visto que os profissionais da educação,<br />

muitas vezes sofrem os efeitos adversos destas condições sobre sua própria saúde.<br />

Em relação a variável gênero, verificou-se que os profissionais do gênero masculino<br />

estava associado e foi considerado um fator de risco importante a baixos conhecimentos em<br />

saúde bucal respectivamente pela análise univariada e multivariada. O mesmo foi observado<br />

para a variável escolaridade. Estudos atestam que pessoas com mais escolaridade, melhor<br />

nível socioeconômico e do gênero feminino tendem a visitar mais o cirurgião-dentista e,<br />

portanto, expostos mais freqüentemente a fontes de informações em saúde bucal (Alberts et<br />

al., 1997; Lo et al., 2001).<br />

Em relação a variável faixa etária, o grupo acima de 45 anos apresentou os menores<br />

níveis de conhecimento em saúde bucal. Nakazonno e colaboradores (1997) observaram que<br />

adultos na faixa etária entre os 35 e 44 anos apresentaram uma freqüência maior de crenças<br />

positivas em relação aos benefícios de práticas preventivas em saúde, comparado ao grupo<br />

mais velho. Tal fato destaca a necessidade de elaboração de projetos multidisciplinares e<br />

profissionais, com especial atenção a esta população.<br />

Observou-se, através da análise univariada, que os professores apresentaram melhor<br />

nível de conhecimentos em saúde bucal em relação às outras categorias. Diversos estudos<br />

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(Jiang et al., 2002; Santos et al., 2002; Sofola et al., 2002; Almas et al., 2003; Santos et al.,<br />

2003a; Campos e Garcia, 2004) ressaltam a importância do professor de ensino fundamental<br />

na veiculação de informação sobre saúde bucal para crianças. No entanto, há necessidade de<br />

pesquisas envolvendo os outros profissionais da escola (animadores culturais, auxiliares de<br />

cozinha, auxiliares de secretaria, auxiliares de serviços escolares...), que assim como os<br />

professores, mantêm contato com os alunos, sendo, portanto, um agente com grande potencial<br />

multiplicador. Entretanto, muitos ainda se consideram despreparados para realizar observação<br />

do estado de saúde dos alunos e orientá-los sobre os problemas mais comuns, como<br />

observado por Temporini (1988).<br />

O Ministério da Saúde (Brasil, 1998) reconhece que, além da escola ter uma função<br />

pedagógica que lhe é específica, ela tem uma função social e política voltada para a<br />

transformação da sociedade. Desta forma, destaca-se a importância na socialização de<br />

conteúdos relacionados ao conhecimento em saúde bucal no ensino fundamental. Esse achado<br />

está de acordo com a conclusão de Focesi (1992) que as formas pedagógicas devem ser<br />

repensadas buscando uma maior e melhor capacitação no enfoque do tema “saúde”.<br />

Acrescentando-se ao trabalho já citado, Misrachi e Sapag (1994) defendem a adoção de outras<br />

metodologias no processo de capacitação dos profissionais, no que se refere à temática da<br />

saúde. Segundo Focesi (1990) e Loureiro (1996), a falta de remuneração condigna, a falta de<br />

tempo e a oportunidade para atualização têm dificultado o desenvolvimento da educação em<br />

saúde na prática cotidiana do educador. Além do mais, há a necessidade de uma maior<br />

integração entre profissionais da área da saúde e da educação para que os últimos sejam<br />

capacitados a promoverem a própria saúde bucal, tão bem quanto à das crianças no ambiente<br />

escolar que estão sob seus cuidados. Segundo estudo de Santos e colaboradores (2003b),<br />

100% dos professores entrevistados por Santos acreditavam ser interessante a integração entre<br />

dentistas e professores, apesar de 84% relatarem não haver nenhum integração.<br />

Assim, a educação em saúde bucal deve estar integrada ao currículo da escola<br />

fundamental. Os professores além de preparados, devem estar capacitados para atuarem como<br />

agentes promotores de saúde nas escolas. Dado semelhante ao estudo foi encontrado por<br />

Temporini (1988), Loureiro (1996), Abbeg (1999), Morais (1999), citando que é importante a<br />

necessidade da inclusão desses conteúdos nos currículos das escolas brasileiras.<br />

A escola, sendo considerada um espaço importante de informação em saúde, deve ser<br />

aproveitada de forma mais efetiva, destacando-se a importância do ensino fundamental de 1ª à<br />

4ª séries na socialização de conteúdos relacionados ao conhecimento em saúde bucal.<br />

5. Conclusão<br />

Considera-se fundamental ser criado no espaço escolar um pólo de formação<br />

continuada dos profissionais que aí trabalham, em parceria com profissionais da área da<br />

saúde, visto sua importância como modelo em saúde para os escolares, assim como de suas<br />

famílias e da comunidade em que vivem, visando transformá-los em agentes promotores de<br />

saúde.<br />

6. Referências bibliográficas<br />

Abbeg, C. (1999). Notas sobre a educação em saúde bucal nos consultórios odontológicos,<br />

unidades de saúde e nas escolas. Ação Coletiva, 2 (22), 25-28.<br />

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220.<br />

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especial/Laboratório de Pesquisa e Documentação, 1(20).<br />

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- D.P. Queluz é Cirurgião-dentista, Mestre em Saúde Pública (University of South<br />

Carolina), Doutora em Clínica Odontológica (UNICAMP). Atua como Professora Associada<br />

no Departamento de Odontologia Social na Faculdade de Odontologia de Piracicaba<br />

(UNICAMP). Endereço para correspondência: Avenida Limeira 901, Bairro Areião.<br />

Piracicaba SP <strong>13</strong>414 -903. Telefone: +55 19 2106 5277, fax: +55 19 2106 5218. E-mail para<br />

correspondência: dagmar@fop.unicamp.br.<br />

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Anexo 1 - Questionário aplicado aos participantes do estudo.<br />

Escola: ___________________________Endereço:___________________________________<br />

Nome: ______________________________________________________________________<br />

1. Gênereo: ( ) Feminino ( ) Masculino 2. Estado Civil:<br />

3. Idade: ( ) até 25 anos ( ) de 26 a 30 anos ( ) de 31 a 35 anos<br />

( ) de 36 a 40 anos ( ) de 41 a 45 anos ( ) acima de 45 anos<br />

4. Cargo na escola: ________________________ 5. Grau de escolaridade:______________<br />

6. Em casa, sua família é composta de quantas pessoas________________________<br />

7. Tempo de exercício profissional na escola: ( ) 01 a 05 anos ( ) 06 a 10 anos ( ) 11 a 15 anos<br />

( ) 16 a 20 anos ( ) 21 a 30 anos ( ) mais de 31 anos<br />

8. Com que freqüência participa de congresso, curso, palestra e treinamento em educação<br />

( ) no mínimo, uma vez por semestre ( ) no mínimo, uma vez por ano<br />

( ) no mínimo, uma vez a cada dois anos ( ) não participa<br />

9. Você já fez curso sobre saúde( ) Sim.Há quanto tempo___ ____________ ( ) Não<br />

10. “Saúde é um direito de todos”.O que você acha desta afirmação ____________<br />

11. Você tem conhecimento sobre os Programas de Saúde nas Escolas( ) Sim ( ) Não<br />

12. “A Saúde Bucal é parte integrante e inseparável da saúde geral do indivíduo”.<br />

Como está sua Saúde Bucal ( ) boa ( ) regular ( ) ruim ( ) não sabe Por que ___<br />

<strong>13</strong>. Você vai ao dentista: ( ) do posto de saúde ( ) do convênio ( ) particular ( ) não vai Por quê<br />

14. A última vez que você foi ao dentista tem: ( ) menos de 6 meses ( ) 6 meses a 1 ano ( )mais de 1<br />

ano ( )não se lembra.Qual foi o motivo da consulta______________<br />

15. Você acha necessário ir ao dentista: (marque apenas uma alternativa)<br />

( ) no caso de dor ou algum problema ( ) de 6 em 6 meses ( ) 1 vez ao ano<br />

( ) quando tem muito tempo que não vai ( ) não acha importante ir ao dentista<br />

16. Existe algum motivo para que você não vá, ou adie sua ida ao dentista ( ) sim Qual __ ( ) não<br />

17. Você sabe o que é necessário para que a cárie se inicie ( ) sim ( ) não<br />

18. Como se evita a cárie( ) escovando os dentes após às refeições ( ) usando fio dental<br />

( ) indo ao dentista ( ) reduzindo o consumo de açúcar ( ) usando flúor ( ) não sei<br />

19. Você sabe quais os fatores que causam as doenças periodontais (da gengiva)( ) sim ( ) não<br />

20. Em caso afirmativo da pergunta anterior, quais são os fatores que causam as doenças<br />

periodontais ( ) escovação inadequada ( ) presença de placa bacteriana ( ) falta do uso de fio<br />

dental ( ) não sei<br />

21. Além da cárie e da doença periodontal, quais outras doenças que podem ocorrer na boca<br />

( ) herpes ( ) aftas ( ) candidíase ( ) cistos ( ) câncer ( ) outras<br />

22. Você sabe cuidar de sua higiene bucal ( ) sim ( ) não<br />

23. Como você cuida de seus dentes e de sua boca ( )vai regularmente o dentista ( ) usa fio dental<br />

( ) faz bochechos com flúor ( ) evita alimentos açucarados ( ) faz auto-exame bucal ( )<br />

escova após às refeições ( ) outro<br />

24. Quantas vezes você escova os dentes ao dia ( ) 1 vez/dia ( ) 2 vezes/dia<br />

( ) 3 vezes/dia ( ) 4 vezes/dia ( ) após cada alimentação ( ) não sei<br />

25. Você sabe a técnica de escovação adequada ( ) sim ( ) não<br />

26. Você usa fio dental ( ) sim ( ) não<br />

27. Você sabe qual a escova de dente ideal para você ( ) sim ( ) não<br />

28. Você recebeu alguma informação ou orientação sobre Saúde Bucal ( ) sim ( ) não<br />

29. Em caso afirmativo da pergunta anterior, você recebeu estas informações ou orientações:<br />

( ) dentista ( ) acadêmicos de odontologia ( ) mídia: jornais, TV, rádio, revistas,...<br />

( ) ACD-auxiliar de consultório dentário ( ) THD-técnica de higiene dentária ( ) mãe/pai<br />

( ) folhetos/cartazes/livros educativos sobre Saúde Bucal ( ) amiga(o) ( ) outros meios<br />

30. Na sua opinião, qual seria a melhor forma de receber informações sobre prevenção e educação em<br />

Saúde Bucal ( ) palestras ( ) vídeos ( ) folhetos/cartazes ( ) outras formas<br />

Quais______________<br />

31. Após as informações, ocorreram mudanças na sua maneira de cuidar dos dentes<br />

( )sim Quais ___________________________________________________ ( ) não<br />

32. Você gostaria de receber, na sua escola, mais informações sobre Saúde Bucal ( ) sim ( ) não<br />

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Artigo Científico<br />

A dinâmica de resolução de problemas: analisando episódios em<br />

sala de aula<br />

The dynamic of problem solving: analyzing episodes in the classroom<br />

Wilmo Ernesto Francisco Junior , a, b , Luiz Henrique Ferreira c e Dácio Rodney<br />

Hartwig d<br />

a Departamento de Bioquímica e Tecnologia Química, Instituto de Química (IQ), Universidade<br />

Estadual Paulista (UNESP), Araraquara, São Paulo, Brasil; b Departamento de Química,<br />

Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Rondônia, c Departamento de<br />

Química, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, São Paulo, Brasil;<br />

d Departamento de Metodologia de Ensino, UFSCar, São Carlos, São Paulo, Brasil<br />

Resumo<br />

O presente estudo discute as estratégias de resolução de problemas desenvolvidas por 21<br />

estudantes, a partir de duas situações problemas semi-abertas, complementares. O estudo foi<br />

desenvolvido com alunos de um curso pré-vestibular popular na cidade de Araraquara, SP. A<br />

coleta de dados foi efetuada por registros de campo, anotações dos estudantes e registros em<br />

áudio. Os resultados mostraram que, inicialmente, prevalece um pensamento empirista na<br />

resolução dos estudantes, mas à medida que as estratégias e os resultados são problematizados,<br />

os alunos vão formulando um conhecimento compartilhado e mais crítico. Por isto, defende-se<br />

que as estratégias de resolução de problemas dos alunos sejam apresentadas por escrito para a<br />

problematização dos resultados com a sala. Também há a necessidade de atividades que<br />

trabalhem habilidades como a leitura e a escrita dos alunos, pois, muitas vezes, eles são<br />

incapazes de resolver problemas devido à dificuldade de interpretação. © Cien. Cogn. 2008;<br />

<strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 82-99.<br />

Palavras-chave: resolução de problemas; problematização; sala de aula.<br />

Abstract<br />

The present paper discusses the strategies of problem solving presented by 21 students on<br />

resolution of two semi-open problematic situations, one complementary to other. This study<br />

was performed with students in a classroom of a popular pre-vestibular course from<br />

Araraquara, SP. The results were achieved from observations in the classroom, students’ notes<br />

and register in audio. At first, the students demonstrated an empiric thought. However, when<br />

the strategies and the findings were problematized, they built a critical and shared knowledge.<br />

For this, it supports that strategies of problem solving elaborated by the students should be<br />

presented by mean of the writing to the discussion of the resolutions. Besides, it is necessary<br />

develops abilities like the reading and the writing, whereas the students are frequently unable<br />

to problem solve dues to difficulties of interpretation of the problem enunciates. © Cien. Cogn.<br />

2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3):82-99.<br />

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1. Introdução<br />

Keywords: problem solving; problematization; classroom.<br />

Dentro da realidade que cerceia os estudantes, e a todos de um modo geral, é comum<br />

se deparar com inúmeras situações as quais requerem posicionamentos ativos, reflexivos além<br />

de empenho na busca de respostas consistentes e por vezes rápidas. O ensino baseado em<br />

problemas calca-se nessa necessidade que a vida impõe de suplantação de desafios, e<br />

pressupõe prover nos estudantes o domínio de procedimentos e a capacidade de utilizar e<br />

buscar conhecimentos para responder a um desafio. É com este pressuposto básico que a<br />

solução de problemas busca constituir não só os conteúdos, mas, e principalmente, uma forma<br />

de conceber as atividades didáticas (Pozo, 1998). Segundo Echeverría e Pozo (1998: 15): “O<br />

verdadeiro objetivo final da aprendizagem da solução de problemas é fazer com que o aluno<br />

adquira o hábito de propor-se problemas e de resolvê-los como forma de aprender.”<br />

Mas quando é, realmente, que as pessoas se deparam com problemas Qual a<br />

diferença entre problemas e exercícios De acordo com Echeverría e Pozo (1998: 16):<br />

“(...) uma situação somente pode ser concebida como um problema na medida em que<br />

exista um reconhecimento dela como tal, e na medida em que não disponhamos de<br />

procedimentos automáticos que nos permitam solucioná-los de forma mais ou menos<br />

imediata, sem exigir, de alguma forma, um processo de reflexão ou uma tomada de<br />

decisões sobre a sequência de passos a serem seguidos. (...) um problema é, de certa<br />

forma, uma situação nova ou diferente do que já foi aprendido, que requer a utilização<br />

estratégica de técnicas já conhecidas.”<br />

É basicamente essa característica que faz diferenciar um problema de exercícios. No<br />

caso destes últimos, a solução pode ser rapidamente encontrada a partir do uso de mecanismos<br />

já disponíveis. Não se trata de uma situação nova. Todavia, tanto exercícios quanto problemas<br />

são indispensáveis à aprendizagem. Os exercícios de lápis e papel funcionam bem na<br />

organização do conhecimento que está em desenvolvimento, auxiliando a consolidação dessas<br />

novas idéias. Entretanto, a partir do momento em que a resolução de exercícios torna-se uma<br />

repetição mecânica, a mesma não traz novos desafios e precisa, portanto, ser superada. Este é<br />

o momento no qual os problemas podem ser levados a cabo. Ainda assim, há problemas e<br />

problemas. Pozo e Crespo (1998) apontam para três tipos fundamentais de problemas:<br />

problema escolar, problema científico e problema cotidiano.<br />

De modo simples, um problema cotidiano é toda aquela situação do dia-a-dia que<br />

requer uma solução. Um carro que não dá partida, o chuveiro que não aquece a água ou até o<br />

vestido que será usado em um casamento. Já os problemas científicos são mais inacessíveis à<br />

população de um modo geral, mas, na História da Ciência há vários exemplos. A queda dos<br />

corpos foi um problema que perdurou certo tempo na Física. Na Química, talvez o primeiro<br />

grande problema tenha sido a natureza da matéria que intrigava desde a Grécia Antiga.<br />

Geralmente um problema científico nasce de um evento que as teorias não conseguem<br />

explicar, necessitando de uma reorientação teórica.<br />

Por sua vez, os problemas escolares estariam a meio caminho entre muitos aspectos<br />

aos outros dois tipos de problemas. São basicamente problemas nos quais<br />

“seu objetivo seria o de gerar nos alunos conceitos, procedimentos e atitudes próprios<br />

da ciência que servissem não somente para abordar os problemas escolares, mas<br />

também para compreender e responder melhor às perguntas que possam ser propostas a<br />

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respeito do funcionamento cotidiano da natureza e da tecnologia.” (Pozo e Crespo,<br />

1998: 78)<br />

Levando em consideração a maneira pela qual são propostos em sala de aula, assim<br />

como os objetivos educacionais e as estratégias de resolução, os problemas escolares podem<br />

ser distinguidos em três tipos (Pozo e Crespo, 1998): problemas qualitativos, problemas<br />

quantitativos e pequenas pesquisas.<br />

Os problemas qualitativos são aqueles cuja resolução se dá mediante raciocínios<br />

teóricos, sem necessidade de cálculos numéricos ou manipulações experimentais (Pozo e<br />

Crespo, 1998). Comumente configuram-se como problemas abertos, nos quais é necessário<br />

interpretar uma situação ou um fato. Já os problemas quantitativos preconizam o trabalho com<br />

dados numéricos, embora o resultado possa não ser em termos numéricos. Ainda assim, a<br />

estratégia de resolução é baseada fundamentalmente em cálculos matemáticos (Pozo e<br />

Crespo, 1998).<br />

Por sua vez, as pequenas pesquisas encerram concomitantemente algumas<br />

características dos tipos de problemas supracitados, como a interpretação de um fato/situação<br />

e o uso de cálculos matemáticos. O que diferencia substancialmente as pequenas pesquisas<br />

dos outros dois tipos de problemas é a necessidade de um trabalho prático de coleta de dados.<br />

Segundo Pozo e Crespo (1998), nas pequenas pesquisas há a necessidade de coletar dados,<br />

elaborar estratégias e refletir sobre os procedimentos e sobre os resultados. Tais atividades<br />

implicam, além do desenvolvimento conceitual, na aprendizagem de habilidades.<br />

Os problemas escolares distinguem-se, ainda, quanto à abertura que possuem. Um<br />

problema possui caráter fechado quando seu enunciado restringe o cenário de tal forma que<br />

sua resolução requer modos mais ou menos pré-estabelecidos. Exercícios numéricos de lápis e<br />

papel geralmente são assim. Por outro lado, os problemas abertos são bastante amplos, dando<br />

margem há várias interpretações e formas de resolução. São úteis, por exemplo, para<br />

desenvolver capacidades de interpretação e análise crítica de informações pelos alunos.<br />

Todavia, em relação ao ensino de um conteúdo específico é desaconselhável, pois os alunos<br />

podem propor soluções alheias ao que se pretende desenvolver.<br />

Já num problema semi-aberto são dadas informações que restringem o problema<br />

dentro de um cenário específico, mas, ao mesmo tempo, permite-se que os próprios estudantes<br />

incorporem idéias e estratégias com as quais seja possível definir e resolver a tarefa. Segundo<br />

Pozo e Crespo (1998), um problema semi-aberto contém informações que auxiliam “o aluno a<br />

concentrar-se na tarefa prevista, mas confrontando-o, ainda, com uma tarefa aberta e não com<br />

um simples exercício” (Pozo e Crespo, 1998: 87).<br />

No que tange o ensino de Ciências, a resolução de problemas é um tema há muito<br />

debatido. Um grande número de trabalhos compara as estratégias de resolução de novatos e<br />

experientes em determinados assuntos da Física (Rosa et al., 1992; Rosa et al., 1993;<br />

Zajchowsky e Martin, 1993), da Química (Kempa e Nichols, 1982; Gabel et al., 1984,<br />

Yarroch, 1985) e até mesmo da Biologia (Good, 1984; Hackling e Lawrence; 1988; Stewart e<br />

van Kirk, 1990; Simmons e Lunetta, 1993), visando extrair características de uma “boa”<br />

estratégia de resolução para propor recomendações aos alunos.<br />

Uma outra série de trabalhos (Gil Pérez et al., 1983, 1985, 1988a, 1988b e 1992)<br />

propõe atividades de investigação científica nas quais os alunos, orientados pelo professor,<br />

analisam qualitativamente uma situação problemática, propondo hipóteses que possibilitem<br />

utilizar diferentes estratégias de solução. Durante a execução da tarefa os alunos são<br />

incentivados a verbalizar o máximo possível. Como última etapa os alunos analisam os<br />

resultados e sondam perspectivas futuras e diversificadas para a resolução dos problemas.<br />

Costa e Moreira (1996, 1997a, 1997b, 1997c) apresentam uma série de artigos de revisão os<br />

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quais abrangem vários aspectos relacionados a essa temática. O último artigo dessa série<br />

(Costa e Moreira, 1997c), inclusive, analisa 28 artigos focalizando as estratégias de resolução<br />

de problemas sugeridas.<br />

Todavia, embora a metodologia e as estratégias adotadas tenham grande influência no<br />

êxito da resolução de um problema e, mesmo que um problema possua relevância, seja social,<br />

econômica, ou política, os alunos se debruçarão em sua resolução somente se tal problema for<br />

suficientemente significativo. Os estudantes devem ser desafiados a ponto de sentirem<br />

necessidade pela busca de respostas, destacando neste fato a importância da problematização.<br />

Na perspectiva freiriana, a educação deve ser concebida como um processo incessante,<br />

inquieto e, sobretudo, permanente de busca ao conhecimento, em oposição ao que o autor<br />

denominou de educação bancária, caracterizada pela transmissão acrítica e apolítica do<br />

conhecimento. A educação bancária assume o conhecimento “como uma doação dos que se<br />

julgam sábios”. Na visão de Paulo Freire (2005), tal doação constitui uma manifestação<br />

peremptória da ideologia da opressão, mediante a qual se mantém e estimula a contradição<br />

social. O professor torna-se narrador de um conteúdo que os estudantes recebem<br />

passivamente, memorizam e repetem.<br />

Por outro lado, na pedagogia problematizadora, o professor deve suscitar nos<br />

estudantes o espírito crítico, a curiosidade, a não aceitação do conhecimento simplesmente<br />

transferido. Os educadores têm “como uma de suas tarefas primordiais (...) trabalhar com os<br />

educandos a rigorosidade metódica com que devem se aproximar dos objetos cognoscíveis”<br />

(Freire, 2006: 26). A aprendizagem se dá com a formulação e a reformulação dos saberes<br />

pelos estudantes ao lado dos professores, igualmente sujeitos do processo.<br />

Um processo pedagógico problematizador, portanto, deve deflagrar no aprendiz uma<br />

curiosidade cada vez maior e, quanto mais crítico é o ato de aprendizado mais a curiosidade<br />

torna-se epistemológica (Freire, 2006). Isso caracteriza a transição da ingenuidade a<br />

criticidade, da curiosidade ingênua a curiosidade epistemológica.<br />

Tal transição, do saber ingênuo ao saber mais crítico, transcorre à medida que o ato de<br />

aprender se torna uma busca marcada pela rigorosidade, por um caráter mais sistemático e<br />

metódico. É dessa forma que o aluno se aproxima epistemologicamente do objeto de estudo.<br />

Tal aproximação não é, contudo, simples, linear ou automática. Tal aproximação se dá com a<br />

intensa participação do professor numa constante problematização de mundo. A<br />

problematização direciona a curiosidade, promovendo a ingenuidade à criticidade. Essa<br />

problematização pode vir na forma indagadora, verbalizada ou não, como sinal de alerta,<br />

busca a um esclarecimento, proposição de reflexões. É uma forma de declinar-se para o<br />

entendimento do objeto.<br />

Ao desafiar os alunos, essa comunicação e intercomunicação são dialógicas. Por isso o<br />

diálogo deve sempre ser problematizador. Daí que o professor deve estar aberto a indagações,<br />

à curiosidade, às perguntas dos alunos. Deve saber que ensinar não é transferir<br />

conhecimentos. Empreende-se, portanto, que o processo de ensino-aprendizagem é uma<br />

problematização constante da realidade por meio do diálogo. É durante o diálogo que se<br />

problematiza o conhecimento, a educação é comunicação. Quando o ato comunicativo entre<br />

sujeitos cognoscentes em torno do objeto cognoscível está ausente, desaparece o ato<br />

cognoscitivo (Freire, 2006).<br />

Diante do exposto, acredita-se que apenas a proposição de problemas não é suficiente<br />

para que os estudantes desenvolvam a capacidade crítica e a rigorosidade metódica,<br />

alcançando assim a curiosidade epistemológica que os levará a querer resolver o problema. Os<br />

problemas e sua resolução devem ser constantemente problematizados, desde a proposição, a<br />

obtenção de informações, a resolução e a apresentação dos resultados.<br />

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Calcado nesse pensamento, o presente estudo apresenta e discute dois episódios em<br />

sala de aula nos quais os estudantes trabalharam na resolução de problemas semi-abertos. O<br />

objetivo principal foi desenvolver nos estudantes habilidades críticas indispensáveis na<br />

análise e solução de qualquer situação problemática do dia-a-dia. Assim, ao mesmo tempo em<br />

que se tentou desenvolver habilidades relacionadas à construção do conhecimento científico,<br />

as quais podem ser empregadas em situações cotidianas, procurou-se fazer com que os<br />

estudantes reconhecessem a necessidade em se trabalhar e discutir rigorosamente tais<br />

situações. Para isso as estratégias adotadas e os resultados obtidos pelos estudantes em cada<br />

situação-problema foram problematizados, de forma que os próprios alunos chegassem a um<br />

consenso, compartilhando socialmente o conhecimento formulado.<br />

O estudo também procurou desenvolver importantes conceitos matemáticos tais quais<br />

relações de proporcionalidade (diretamente e inversamente proporcional), operações básicas,<br />

equações de primeiro grau, além do estudo de grandezas físicas e químicas como massa,<br />

massa molar e constante de Avogadro. Por razões de espaço e também por não ser o foco do<br />

presente artigo, aspectos relacionados à aprendizagem de tais conceitos não serão discutidos.<br />

Contudo, vale sublinhar que, além do desenvolvimento de habilidades e atitudes, atividades<br />

de resolução de problemas nunca devem ser deslindadas da discussão de aspectos conceituais,<br />

seja qual for a área de conhecimento.<br />

2. Metodologia<br />

O presente estudo foi realizado em uma das salas de um curso pré-vestibular, mantido<br />

e coordenado pela Organização Não-Governamental Frente Organizada pela Temática Étnica<br />

(ONG-FONTE) com sede na cidade de Araraquara, SP. Tais projetos, geralmente<br />

denominados de cursinhos populares, vêm ganhando espaço na atual conjuntura educacional<br />

brasileira, sendo destinados basicamente a alunos de baixa renda e se alocando em bairros<br />

periféricos. Uma característica peculiar é que todos os alunos provêm de escolas públicas. No<br />

que concerne à investigação em sala de aula, o presente estudo foi conduzido em duas etapas,<br />

sendo o professor o próprio pesquisador. A primeira das etapas teve duração de duas aulas de<br />

cinqüenta minutos. A segunda etapa durou quatro aulas de 50 minutos. Na primeira etapa<br />

participaram 21 alunos e na segunda etapa participou um total de 20 alunos. As duas etapas<br />

são mais detalhadas abaixo.<br />

2.1. Etapa 1<br />

A primeira etapa da atividade consistiu basicamente na proposição de uma situaçãoproblema<br />

escolar do tipo semi-aberta (Problema I – Anexo A), na qual os alunos deveriam<br />

determinar a massa de pinos plásticos (empregados como suportes de prateleiras) brancos e<br />

marrons utilizando o material fornecido (uma balança de pratos e uma seringa). Esse material<br />

é melhor detalhado em Francisco Jr. (2008). Os estudantes trabalharam em duplas sendo<br />

auxiliados pelo professor. Um dos estudantes preferiu trabalhar individualmente ao invés de<br />

formar um trio. Mais do que a obtenção de informações as quais seriam utilizadas no<br />

prosseguimento da proposta de ensino, o que se ensejou com tarefas dessa natureza foi a<br />

familiarização dos alunos com as etapas da construção do conhecimento científico, dentre elas<br />

a observação, a formulação de hipóteses, a atividade prática, o teste de hipóteses etc. Dessa<br />

forma eles desenvolvem habilidades como estratégias de busca, análise e síntese de<br />

informações, questionamento, reflexão do observado dentre outras, as quais são fundamentais<br />

na realidade que os cerca.<br />

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Após a discussão e o trabalho em duplas, os estudantes apresentaram a resolução por<br />

escrito, na forma de um pequeno relatório individual. Essa discussão em pequenos grupos e<br />

com o professor, bem como o levantamento de hipóteses e explicações e o registro escrito são<br />

fundamentais para a organização do conhecimento por parte dos alunos. Em seguida, o<br />

professor anotou na lousa as diferentes estratégias adotadas pelos estudantes bem como os<br />

resultados obtidos, discutindo-as conjuntamente a sala cada uma delas, no intuito de<br />

determinar qual a forma mais eficaz para a resolução do problema. As fontes de dados foram<br />

observações de campo e os relatórios entregues pelos alunos ao final da atividade. Também<br />

foi registrada em áudio a discussão de dois alunos durante a resolução do problema.<br />

2.2. Etapa 2<br />

A segunda etapa da pesquisa também foi balizada por uma abordagem investigativa.<br />

Os instrumentos e procedimentos de coleta de dados foram idênticos aos da etapa anterior. A<br />

atividade proposta constituía-se também de uma situação problema semi-aberta, na qual os<br />

alunos deveriam determinar o número de pinos plásticos substituídos em uma amostra<br />

desconhecida e, conseqüentemente, calcular a variação de massa sofrida pela placa de<br />

madeira. A situação problema apresentada para os alunos pode ser vista também no anexo A<br />

(Problema 2).<br />

3. Resultados e discussão<br />

3.1. Etapa 1<br />

A situação problema presente no Anexo A (Problema I) foi apresentada aos estudantes<br />

sem que o professor fornecesse explicação prévia. Todas as informações deveriam ser obtidas<br />

mediante a leitura e interpretação do problema. Desse modo os estudantes já se<br />

familiarizariam com tais atividades. De um modo geral os estudantes não encontraram<br />

grandes dificuldades na realização da atividade. Todos solucionaram o problema proposto,<br />

embora 4 alunos tivessem necessitado do auxílio do professor.<br />

Basicamente, o primeiro passo para solucionar o problema deveria ser o equilíbrio da<br />

balança utilizando pinos idênticos (da mesma cor) em um dos pratos e, no outro prato, algo<br />

com massa conhecida. Nesse caso empregou-se a água, pois a partir do volume usado e da<br />

relação de densidade é possível conhecer a massa de água. Embora não tenha sido fornecida a<br />

densidade da água no enunciado, essa era uma informação já discutida em aulas anteriores.<br />

Dez alunos seguiram essa estratégia, como ilustra alguns trechos:<br />

A 10 : “1º passo: Coloquei 12 pinos brancos em um dos pratos, no outro prato coloquei<br />

5,1ml conseguindo equilibrar a balança. Depois de retirar a água e os pinos brancos,<br />

coloquei os pinos marrons em um dos pratos, no outro prato coloquei 10,3ml<br />

conseguindo assim o equilíbrio da balança. Portanto 12 pinos brancos é igual a 5,1g e<br />

12 pinos marrons é igual a 10,3g. Utilizando a regra de três para saber quanto vale em<br />

gramas um pino, chegamos aos seguintes resultados: P/ pinos brancos 0,425g. Para<br />

pinos marrons 0,8583g.”<br />

A 17 : “1) Foi colocado 1ml de água em um dos pratos e 2 pinos brancos no outro. Se<br />

1ml de água equivale a 1g de água, cada pino branco equivale a ½g.<br />

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2) Colocamos 2 pinos marrons em um dos pratos e depois fomos colocando água no<br />

outro até equilibrar a balança. Foram necessários 2g de água para equilibrá-la. Sendo<br />

assim, cada pino marrom pesa 1g.”<br />

A 6 : “Pus na balança 10mL / H 2 O e para obter o equilíbrio usei 10 pinos marrom;<br />

sendo assim um pino marrom equivale a 1mL / H 2 O. Após retirar tudo pus também na<br />

balança 1mL / H 2 O e para obter o equilíbrio usei 2 pinos branco; sendo assim um pino<br />

branco equivale a ½g / H 2 O.”<br />

Tal procedimento é derivado de um raciocínio hipotético-dedutivo, pois, uma vez<br />

conhecida a densidade da água, bastava determinar o volume de água necessário para<br />

equilibrar a balança com um número também conhecido de pinos para se conhecer a massa de<br />

cada. Tais procedimentos foram fomentados pelo raciocínio lógico, pois os alunos previram<br />

de antemão o que deveria ser feito, balizados pelos conhecimentos teóricos já possuídos.<br />

Isto é, de forma geral, o que se enseja quando do emprego de situações-problema,<br />

fomentar a capacidade de analisar o problema, distinguir os conhecimentos necessários para<br />

sua resolução, buscar novos conhecimentos para que a solução seja possível e aplicá-los de<br />

forma premeditada. De tal maneira, os estudantes têm oportunidades de se depararem com<br />

situações muito comuns a qualquer esfera da sociedade, não obstante o caráter escolar da<br />

atividade realizada.<br />

Outros 6 alunos, entretanto, tiveram como a primeira preocupação o estabelecimento<br />

de relações entre os diferentes pinos. Como primeiro passo, equilibraram a balança fazendo<br />

uso de pinos brancos de um lado e marrons do outro. Este procedimento foi adotado de forma<br />

intuitiva e indutiva. Visto que o foco da atividade era determinar a massa dos pinos e, tendo<br />

uma balança em mãos, a opção foi primeiramente efetuar medidas da massa de um em relação<br />

ao outro em detrimento à elaboração de uma estratégia que os levassem diretamente aos<br />

resultados solicitados. O raciocínio não se pautou em conhecimentos teóricos já possuídos, a<br />

partir dos quais a interpretação dos resultados faz-se possível. Parte-se da comparação de<br />

dados empíricos.<br />

Nessa estratégia prevalece um pensamento empirista-indutivo, no qual, a partir da<br />

observação, podem-se inferir algumas conclusões. Uma vez conhecida a relação entre as<br />

massas de ambos os pinos, bastaria a determinação da massa de um deles para se concluir<br />

acerca do outro. Porém, fizeram isso sem antes pensar em como determinar a massa dos<br />

pinos. Isto porque, para a resolução do problema, não era necessário conhecer a relação de<br />

massa entre os diferentes pinos.<br />

Pode-se notar que tal procedimento foi estabelecido previamente à elaboração de uma<br />

estratégia. O trecho inicial, registrado em áudio e transcrito abaixo, da discussão entre dois<br />

estudantes sublinha isso.<br />

Eles lêem o problema inicialmente.<br />

A 1 : “A massa dos pinos, caraca!”<br />

A 2 : “Vai ter que usar água.”<br />

A 1 : “Ó. Um pino, beleza, aqui tem dois, a razão é um para dois.” (O aluno equilibra a<br />

balança utilizando um pino marrom de um lado e dois pinos brancos do outro).<br />

A 2 : “Não.”<br />

A 1 : “É 1 pra 2. Não é 1 pra 2”<br />

A 2 : “É.”<br />

A 2 : “A gente tem que colocar água(...). Pega um pouco. Agora vai colocando.”<br />

A 1 : “Temos uma razão um pra dois. Bota aí, pino marrom e água. Pino branco é 2.”<br />

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A 2 : “(...) Agora tira um (pino). Vê o quanto de água que tem que colocar pra dá certo,<br />

entendeu”<br />

Quando a aluna começa a elaborar um raciocínio (“vai ter que usar água”), o parceiro<br />

já estabelece empiricamente a relação entre as massas. Em seguida ela discorda,<br />

provavelmente, não da relação, mas da estratégia adotada, visto que em seguida ela concorda<br />

com a relação estabelecida pelo parceiro. O parceiro insiste na informação já obtida (“temos a<br />

razão um para dois”), o que, certamente contribuirá no prosseguimento da tarefa, mas não<br />

constitui uma informação fundamental. Só então eles estabelecem o uso da água para<br />

conhecer a massa.<br />

Os estudantes determinaram a massa dos pinos marrons utilizando água e, por meio da<br />

relação entre a massa dos pinos brancos e a massa do pino marrom, determinaram a massa do<br />

primeiro. Após isso, os estudantes efetuaram a medida da massa do pino branco utilizando a<br />

água, apenas para confirmar o resultado alcançado anteriormente por meio da relação entre as<br />

massas. Embora o procedimento esteja inculcado por uma visão intuitiva, a confirmação dos<br />

dados obtidos foi uma estratégia importante, pois é comum e recomendado quando se trabalha<br />

com dados experimentais, testar os resultados obtidos referendando-os com bases mais<br />

consistentes, o que caracteriza uma aproximação mais crítica do objeto de estudo.<br />

Como dito, dos 21 alunos participantes, apenas 4 não conseguiram de imediato a<br />

resolução do problema, havendo uma clara premência de intervenção do professor. Em um<br />

dos casos os alunos tentavam equilibrar a balança de forma inadequada, como pode ser visto<br />

no registro escrito:<br />

A <strong>13</strong> : “Tentamos em um lado da balança um pino branco com algumas gotas de água<br />

para equilibrar com um pino marrom. Um pino marrom + 1g de H 2 O e 5 pinos brancos<br />

equilibram a balança.”<br />

Os alunos tentavam equilibrar a balança com os pinos plásticos dos dois lados, porém,<br />

como a massa de ambos era desconhecida não era possível determinar a massa dos pinos.<br />

Deste modo, o professor os questionou de que forma seria possível determinar as massas dos<br />

pinos utilizando-os nos dois pratos da balança. Só então os alunos adotaram procedimentos<br />

que os levaram ao resultado. Esse é um exemplo de problematização da posição dos alunos. O<br />

professor questiona o procedimento adotado, então eles reorganizam o conhecimento<br />

mediante elaboração própria de novas estratégias.<br />

Outros dois estudantes que precisaram da intervenção do professor tiveram<br />

dificuldades em estabelecer o primeiro e fundamental passo, que era equilibrar a balança.<br />

Após discussão com o professor também chegaram ao resultado.<br />

Vale ressaltar que o registro da atividade por escrito contribuiu para a re-elaboração de<br />

toda a estratégia e dos raciocínios utilizados por parte dos estudantes. Caso a atividade<br />

findasse sem a necessidade do registro escrito, embora todos os estudantes tivessem resolvido<br />

o problema proposto, eles não teriam a etapa de reorganização do conhecimento, na qual<br />

puderam repensar os caminhos percorridos. Embora trabalhem especificamente com a<br />

experimentação, outros trabalhos (Oliveira e Carvalho, 2005; Francisco Jr., 2007) destacam a<br />

importância dos registros escritos em aulas de Ciências. De tal forma, o presente estudo<br />

defende a explicitação, mediante a escrita, das estratégias adotadas e dos resultados obtidos<br />

como uma forma de se pensar reflexivamente, o que contribui no aprofundamento de idéias<br />

no levantamento de questões que podem fomentar a busca por novos conhecimentos. Por isso,<br />

além da verbalização ao máximo, proposta por Gil-Pérez e colaboradores (1983, 1985, 1988a,<br />

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1988b e 1992), o detalhamento pode ser uma estratégia interessante a ser solicitada na<br />

resolução de problemas.<br />

Após a resolução dos problemas realizou-se uma discussão geral sobre as estratégias e<br />

os resultados encontrados, buscando a verbalização das estratégias dos alunos. Como todos os<br />

alunos chegaram ao resultado, foram problematizados, principalmente, os meios com os quais<br />

alcançaram o resultado. Debateu-se a importância de se utilizar um conjunto de pinos para<br />

obter a massa média de cada um. O professor apenas questionou inicialmente sobre porque<br />

alguns obtiveram valores diferentes para as massas dos pinos. Durante a discussão os próprios<br />

alunos levantaram hipóteses para isso. As explicações foram atribuídas à massa que poderia<br />

variar um pouco de pino para pino, o volume de água obtido pela leitura da seringa e,<br />

portanto, está sujeito a um erro, e a própria balança. No caso da balança eram duas<br />

possibilidades: a balança não estar devidamente equilibrada antes de se efetuarem as medidas,<br />

ou, durante a própria medida.<br />

A análise desse episódio teve como principal objetivo compreender e discutir as<br />

estratégias adotadas pelos estudantes para a resolução de um problema, de certo modo<br />

simples, como foi considerado por eles próprios. Percebe-se que a natureza hipotéticodedutiva<br />

prevaleceu na estratégia de resolução da maioria dos alunos, embora alguns tenham<br />

adotado um pensamento mais indutivo. Todavia, tratando-se de um problema semi-aberto, os<br />

diferentes meios de se chegar ao resultado são positivos para a problematização da estratégia<br />

adotada, permitindo a comparação de qual estratégia foi mais eficaz.<br />

Isso já os aproxima também de outra atividade científica que fornece maior<br />

rigorosidade às informações encontradas, que é justamente o debate e discussão dos<br />

resultados dentro de uma comunidade de crítica. A problematização dos resultados obtidos<br />

possibilita uma reflexão crítica dos próprios resultados e fomenta a elaboração de novas<br />

estratégias ou conhecimentos que venham complementar os primeiros. Atividades de<br />

exposição e debate dos resultados experimentais constituem-se numa forma promissora de<br />

validação pessoal e social do conhecimento engendrado em sala de aula, sendo uma maneira<br />

de tornar tais conhecimentos mais significativos pessoalmente.<br />

Além disso, a participação dos alunos foi bastante efetiva. Todos se envolveram<br />

ativamente com a atividade. O caráter lúdico subjacente ao material utilizado facilitou com<br />

que isso ocorresse. Nenhum deles havia vivenciado situações similares, por isso a atividade<br />

transcorreu de modo prazeroso. Ademais, os conhecimentos adquiridos nessa etapa<br />

(proposição de hipóteses, a massa dos pinos, interpretação dos problemas) serviriam de base<br />

para a etapa seguinte. Os conhecimentos organizados durante esta atividade seriam aplicados<br />

à seguinte.<br />

3.2. Etapa 2<br />

A segunda etapa consistiu na aplicação de um material didático para a simulação de<br />

um experimento de deposição metálica espontânea (Francisco Jr., 2008), embora esse não<br />

tenha sido o foco desta atividade especificamente. Também foi proposta uma situação<br />

problema (Anexo A – Problema II) na qual os alunos receberam dois envelopes fechados<br />

contendo uma placa de MDF cada. As placas de MDF continham cavidades nas quais os<br />

pinos plásticos encaixavam-se. Uma das placas tinha as cavidades totalmente preenchidas<br />

com pinos brancos. Na outra placa algumas cavidades foram preenchidas com pinos marrons<br />

em substituição aos brancos. Tal procedimento provoca um acréscimo de massa na placa. Os<br />

alunos foram então incumbidos a determinar a quantidade de pinos brancos substituídos por<br />

marrons e a variação de massa provocada com isso.<br />

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A atividade contou com a participação de 20 alunos. Destes, seis não finalizaram a<br />

tarefa no tempo previsto (2 aulas). Dos 14 alunos que findaram a atividade no tempo, apenas<br />

4 alcançaram êxito em sua resolução, isto é, determinaram corretamente a variação de massa<br />

sofrida pela placa bem como a quantidade de pinos substituídos. Como se esperava, os alunos<br />

que terminavam a tarefa auxiliavam os demais na resolução, de modo que nas duas aulas<br />

seguintes todos haviam resolvido o problema. Abaixo é visto o registro escrito da resolução<br />

efetuada por 2 estudantes que alcançaram êxito na tarefa.<br />

A 2 : “Para cada pino branco retirado colocamos 1 marrom então se p/ equilibrar a<br />

balança colocamos 3p. brancos, logo no envelope 2 temos 3 pinos marrons, pois se<br />

trocamos um branco por um marrom temos uma variação de massa de 0,5g que vezes 3<br />

temos 1,5g de aumento da massa que se equilibra com os 3 pinos brancos que coloca a<br />

mais.”<br />

A 19 : “No pacote mais leve foi colocado 2 pinos marrons para obter o equilíbrio. Cada<br />

pino marrom equivale a 1 grama, mas se cada branco retirado foi acrescentado 1<br />

marrom, o aumento de massa equivale a 0,5 grama. Se a diferença foi de 2 pinos (2<br />

gramas), logo foram feita 4 trocas de pinos.”<br />

Como se pode depreender, a estratégia de resolução seguiu um raciocínio bem<br />

estruturado. Havia a necessidade de se conhecer quanto em massa, um envelope era superior<br />

ao outro. Por conseguinte, pela relação de massa entre os pinos obtida na etapa anterior, se<br />

conseguia determinar quantos pinos foram substituídos.<br />

De um modo geral, todos os estudantes cuja resolução foi correta apresentaram o<br />

mesmo procedimento. O primeiro procedimento realizado foi a obtenção do equilíbrio da<br />

balança. Uma vez que eles já conheciam a massa dos pinos plásticos, caso equilibrassem a<br />

balança poderiam, a partir de uma relação matemática relativamente simples, determinar<br />

quantos pinos haviam sido substituídos. Este primeiro procedimento adotado pelos alunos é o<br />

que Pozo e Angón (1998) denominaram de aquisição de informações, o primeiro passo para a<br />

resolução sistemática de um problema.<br />

A aquisição de informações pode engendrar tanto a incorporação de novas<br />

informações quanto o acréscimo de conhecimentos já possuídos. São procedimentos<br />

correlacionados à busca, coleta e seleção de informações com as quais o problema possa ser<br />

delineado e solucionado. No caso desta atividade, parte das informações pôde ser selecionada<br />

pela leitura do problema, outra parte por conhecimentos já possuídos devido à atividade<br />

anterior. Todavia, isso ainda era insuficiente, sendo ainda necessárias observações<br />

experimentais.<br />

O procedimento descrito por Pozo e Angón (1998) como o segundo passo revela a<br />

realização de inferências. Isso também é percebido quando os alunos equilibram as placas<br />

contidas nos envelopes empregando os pinos plásticos, cuja massa era conhecida devido à<br />

atividade realizada previamente. Sendo assim, é possível estabelecer a diferença de massa dos<br />

envelopes, uma informação imprescindível para a resolução do problema proposto. Até este<br />

estágio todos os alunos chegaram.<br />

Embora todos os alunos tenham conseguido determinar a diferença de massa, a maior<br />

dificuldade encontrada por eles foi incorrer a respeito da relação entre a diferença de massa e<br />

a quantidade de pinos substituídos. Haja vista que os dados obtidos não engendram sentidos<br />

por si mesmos, necessitam de uma interpretação, que por sua vez deve ser abarcada por visões<br />

coerentes e articuladas. Este é um dos aspectos importantes no ensino de Ciências, ir contra o<br />

pensamento empirista-indutivista (Praia et al., 2002), pelo qual apenas a observação e os<br />

dados experimentais são suficientes para explicar/resolver um problema.<br />

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Não basta, assim como não bastou, equilibrar a balança utilizando os pinos de massa<br />

conhecida e estabelecer a diferença de massa entre as placas de MDF. Tal informação deveria<br />

ser empregada para incorrer acerca da quantidade de pinos substituídos. Para tanto, a<br />

informação da diferença de massa, por si, é insuficiente.<br />

Para avançar na resolução, os alunos deveriam criar uma representação mental que<br />

abarcasse a variação de massa durante as trocas dos pinos. Isto é, deveriam modelar<br />

mentalmente que a saída de um pino branco reduz a massa da placa em 0,5g, e a entrada de<br />

um pino marrom acresce 1,0g na massa da placa. Portanto, levando em conta a entrada e a<br />

saída de matéria, cada substituição provoca um aumento de 0,5g na massa total da placa. A<br />

criação desse modelo mental é um aspecto determinante no êxito da resolução deste<br />

problema.<br />

Por isso, o ponto importante dessa atividade, além do questionamento, da busca por<br />

estratégias adequadas de resolução dentre outros, era que os estudantes percebessem que para<br />

a solução do problema não havia a necessidade de conhecer a massa total da placa, apenas a<br />

diferença de massa provocada pela substituição. Os alunos iniciam a construção de um<br />

modelo mental da placa de MDF preenchida com os pinos, que era um sistema fechado (eles<br />

não viam), no qual ocorre a substituição dos pinos brancos pelos marrons, na relação de 1:1.<br />

Neste processo de substituição, eles podem imaginar quando a massa da placa de MDF<br />

aumenta ou diminui e o porquê. Com esta atividade, portanto, buscou-se que os alunos<br />

compreendessem tal relação de forma mais efetiva e fizessem modelizações mentais,<br />

habilidade indispensável para a aprendizagem em Ciências.<br />

Contudo, a dificuldade dos estudantes esteve em estabelecer a diferença de massa dos<br />

pinos com a diferença de massa na substituição de um único pino. O professor, então, fez uma<br />

intervenção para toda a sala.<br />

P: “Pessoal, olha só. Tá escrito aí na última linha. Se eu tiro um pino branco eu coloco<br />

um marrom no lugar, tá Ou seja, se eu coloco um marrom a massa aumenta 1g”<br />

Alunos: “0,5g.”<br />

P: “0,5, porque Porque eu tirei o branco, certo”<br />

Este sinal de alerta dado pelo professor problematiza a posição dos estudantes,<br />

fazendo-os reverem suas estratégias e, conscientizando-os de outros conhecimentos a serem<br />

elaborados para atingir o objetivo. Com isso, parece que a compreensão dos alunos foi<br />

facilitada, como se verifica no registro abaixo:<br />

A 2 : “Pensa bem, se você tira três pinos brancos daqui, a massa vai diminuir 1,5g,<br />

certo Só que pega e coloca 3 vezes 1. (...) Pra cada pino branco que você tira, você<br />

perde 0,5g. Se você coloca o marrom não vai pesar mais 1g, vai pesar mais 0,5g.<br />

Porque você tirou a massa de um pino branco entendeu”<br />

Segundo Solaz-Portolés e López (2007), há uma série de variáveis na resolução de<br />

problemas, dentre elas os autores destacam o conhecimento prévio, estratégias de estudo,<br />

conhecimento situacional, conhecimento procedimental e estratégico. A maior facilidade ou<br />

dificuldade em resolver problemas é função do número de modelos mentais que se deve<br />

executar durante a atividade (Moreira, 1996; Solaz-Portolés e López, 2007). O conhecimento<br />

prévio influencia a atividade apenas quando não é necessária a execução de nenhum modelo<br />

mental ou quando é necessária a ativação de vários (mais de quatro) modelos mentais (Solaz-<br />

Portolés e López, 2007).<br />

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Pode-se dizer que a grande dificuldade dos alunos na resolução deste problema foram<br />

as estratégias e os procedimentos adotados, os quais privilegiaram de início o empirismo ante<br />

a dedução. De um modo geral, pode-se afirmar que para a resolução do problema proposto os<br />

estudantes necessitavam por em funcionamento um modelo mental para a substituição dos<br />

pinos plásticos, uma vez que eles não tinham como observar isso. Ou seja, era premente que<br />

os alunos fizessem uma modelização mental. Essa foi uma das dificuldades encontradas,<br />

executar um modelo mental do que ocorria, a saída de um pino branco para a entrada de um<br />

marrom. Vários alunos ao tentar explicar o raciocínio empregado diziam: “saem dois pinos<br />

brancos entra um pino marrom”. Quando questionados porque diziam isso, a resposta era<br />

devido à massa dos pinos marrons serem o dobro das massas dos pinos brancos.<br />

Este é um exemplo no qual o modelo mental é influenciado negativamente pelo<br />

conhecimento prévio. Embora o enunciado do problema deixasse evidente que para cada pino<br />

branco retirado um marrom era adicionado, os estudantes mais uma vez privilegiam a<br />

atividade empírica ante a interpretação e compreensão do que era solicitado.<br />

Pela transcrição da resolução dos alunos, percebe-se que apenas quando o professor<br />

destacou a relação da diferença de massa entre os pinos, eles raciocinaram em termos da<br />

diferença de massa, solucionando corretamente o problema.<br />

A 2 : “Se troca um branco por um marrom tem uma variação de 0,5g. Então aqui no<br />

envelope 2 ficou, não teve um aumento de 1g, teve um aumento de 0,5g. Então você tira<br />

a diferença 1 menos 0,5.”<br />

A 1 : “Quando você troca o branco pelo marrom tem uma variação de massa de 0,5 g.”<br />

A 2 : “Faz agora 0,5 vezes 3 igual a 1,5. (...) Então taí, ta certo, eu tenho á variação.”<br />

A apresentação de problemas abertos, cuja resolução obriga os alunos a realizar uma<br />

investigação, fomenta uma análise qualitativa inicial que requer leitura e interpretação do<br />

enunciado. O primeiro passo é a leitura e aquisição de informações a partir do enunciado. Isso<br />

permite, num segundo momento, delinear e delimitar o problema a ser solucionado. O próprio<br />

enunciado do problema induz, de certa forma, o aluno a uma análise qualitativa inicial. Após<br />

uma leitura cuidadosa os alunos já puderam inferir que o envelope 2 possuía massa mais<br />

elevada, o que foi facilmente verificado com o uso da balança.<br />

A partir disso é possível equilibrar a balança com objetos de massa conhecida (no caso<br />

os pinos plásticos), o que leva conseqüentemente à variação de massa sofrida pela placa de<br />

MDF. Tal pensamento dedutivo pode ser percebido nos registros de vários alunos.<br />

A 10 : “Cada placa de madeira tem 24 pinos cada. O envelope II é mais pesado que o 1.<br />

Para equilibrar a balança no prato onde estava o envelope 1 acrescentei 2 pinos<br />

marrons, conseguindo equilibrar.”<br />

Entretanto, outros alunos (10) não se atentaram às informações contidas no enunciado<br />

relatando que o primeiro passo para a resolução do problema foi descobrir qual envelope<br />

possuía a maior massa:<br />

A 16 : “1º passo: Colocar os dois envelopes p/ saber qual o envelope tem o número de<br />

massa maior.”<br />

A 11 : “Foram entregues dois envelopes, estes foram colocados sobre uma balança. O<br />

pacote 2 apresentou maior peso em relação ao pacote 1. Foram adicionados 3 pinos<br />

para que a balança demonstrasse equilíbrio.”<br />

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Provavelmente, tais alunos leram despercebidamente o enunciado, não se atentando<br />

que a informação sobre qual envelope tinha massa mais elevada está presente. Por isso<br />

enfatizaram a atividade empírica logo de início. A leitura é uma competência extremamente<br />

relevante em todos os setores da sociedade. Não basta a leitura, mas também a apreensão e<br />

compreensão das informações ali contidas. Mais uma vez, a estratégia centrada no aluno<br />

permite incorrer sobre tais dificuldades.<br />

Daí que uma das tarefas do ensino de Química, e de Ciências de um modo geral, seja<br />

não deslindar o conteúdo de habilidades como a leitura e a escrita. Na maioria das vezes, os<br />

estudantes não conseguem resolver problemas ou exercícios de Química, Física, Matemática e<br />

até mesmo Biologia devido à falta de compreensão do enunciado. O trabalho em sala de aula<br />

deve, sempre que possível, privilegiar os registros escritos em diferentes contextos, bem como<br />

a obtenção de informações a partir da leitura. Os professores de Ciências não devem se<br />

ocultar nessa questão acreditando que ela é concernente apenas aos professores de língua<br />

portuguesa.<br />

Por isso as abordagens investigativas em sala de aula, sobretudo aquelas que<br />

apresentam informações escritas, são importantes, pois nestas os estudantes devem buscar e<br />

selecionar elementos a partir da leitura, seja do enunciado do problema, de um estudo de caso<br />

ou até de um roteiro experimental. As dificuldades percebidas neste trabalho, sobretudo<br />

dificuldades associadas à interpretação dos problemas e ao emprego de conceitos articulados<br />

aos instrumentos de resolução matemática, são referenciadas também em inúmeros trabalhos<br />

na literatura, como aponta a revisão conduzida por Costa e Moreira (1997b). A organização<br />

do conhecimento utilizando sumários, sínteses, orientações estruturadas, descrição e<br />

ordenação dos passos a serem seguidos, relacionados ao conhecimento conceitual são<br />

estratégias que parecem favorecer a resolução de problemas (Costa e Moreira, 1997b). Na<br />

acepção do presente estudo, tal organização do conhecimento é fundamental e constitui-se<br />

mediante a problematização de todas as etapas necessárias à resolução do problema. Para<br />

tanto, a resolução deve ser mediada pela escrita, de tal modo que o professor possa<br />

acompanhar e auxiliar os alunos a reorganizarem suas estratégias ainda durante o processo.<br />

Apesar de apenas 4 alunos terem alcançado êxito na solução do problema, outros 6<br />

alunos, embora não tivessem obtido o valor exato da quantidade de pinos marrons na placa,<br />

resolveram o problema corretamente. Tais alunos raciocinaram corretamente, como ilustra a<br />

transcrição abaixo, mas não chegaram ao resultado adequado devido à diferença de massa das<br />

próprias placas de MDF.<br />

A 20 : “Colocando um pino marrom no envelope 2, o peso de ambos se equipara.<br />

Sabendo que a variação é 1g, o peso do pino marrom, descobriu que foi retirado dois<br />

pinos brancos do envelope e colocado dois pinos marrons. Porque na 1º substituição<br />

retirou um pino branco 0,5g e colocado um pino marrom, variação de 0,5g. Na<br />

segunda substituição fez-se a mesma coisa, com variação de 0,5 g. Então concluo que a<br />

variação final foi de 1g. Abrindo o envelope 2 foi visto que foi retirado 5 pinos brancos<br />

e colocado outros 5 pinos marrons.”<br />

Embora a maioria das placas tivesse sido testada quanto a este possível problema,<br />

devido ao número de placas (cerca de 40) algumas delas apresentaram massas diferentes. Essa<br />

discrepância, que ao primeiro olhar parece um ponto negativo, foi interpretada como um erro<br />

experimental. Isso possibilitou a discussão das possíveis fontes de erro da atividade, o que<br />

engendrou uma nova etapa de pesquisa. Na aula seguinte, o professor solicitou a estes alunos<br />

que investigassem a causa do erro. Nessa situação só havia duas possíveis fontes de erro: a<br />

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massa dos pinos plásticos ou a massa das placas. Abaixo é transcrito o relatório de um dos<br />

alunos.<br />

A 5 : “Após verificar-mos que a quantidade substituída de pinos brancos pelos marrom,<br />

não correspondia ao nº de pinos que havíamos concluído, resolvemos pesar os pinos<br />

brancos num total de 24 em cada lado da balança, constatamos que não havia<br />

diferença pois ambos se equivaliam. Depois colocamos apenas as placas de madeira<br />

tipo MDF, a qual constamos uma substancial diferença entre ambas. Com isso<br />

achamos o erro que existia entre a suposta substituição dos pino brancos pelos marrom<br />

com o número exato de pinos brancos substituídos.”<br />

Percebe-se que o aluno analisou e testou as possíveis fontes de erro, o que preconiza a<br />

elaboração e o teste de hipóteses acerca das fontes de erro. Balizado pelos resultados com o<br />

teste, foi possível constatar qual das hipóteses assinaladas configurou o erro encontrado.<br />

Todos os alunos cuja estratégia foi correta, mas os resultados não foram os esperados,<br />

identificaram a fonte do erro. Ademais, conseguiram identificar que a diferença de massa na<br />

placa era exatamente a mesma diferença de massa entre a quantidade dos pinos realmente<br />

substituídos e a quantidade calculada.<br />

Isso ilustra um dos aspectos importantes nos quais as atividades investigativas<br />

contribuem. O raciocínio científico não é calcado em certezas, mas apóia-se em hipóteses<br />

consistentes formuladas a partir dos conhecimentos adquiridos, no presente caso, hipóteses<br />

das possíveis fontes erro. Sabendo que o raciocínio estava correto, os próprios alunos se<br />

questionaram sobre o porquê da diferença entre o resultado obtido e o verificado. Embora as<br />

evidências experimentais sejam fundamentais, elas não devem ser reduzidas ingenuamente a<br />

informações que tenham fim em si mesmas.<br />

Por isso a relevância das atividades investigativas não apenas para a elaboração de<br />

estratégias de resolução de problemas de um modo geral, mas também para despertar a análise<br />

crítica dos resultados e a constante problematização a qual deve permear os resultados<br />

encontrados. Problematização que deve estar imbricada tanto aos resultados experimentais,<br />

quanto a todo o conhecimento e a toda discussão, cujo papel do professor é determinante. No<br />

sentido freiriano, as atividades investigativas são uma forma de despertar a curiosidade nos<br />

alunos. Mesmo que em princípio tal curiosidade seja uma curiosidade ingênua, esta deve ser<br />

capaz de fomentar uma aproximação cada vez mais crítica da realidade investigada, até que a<br />

curiosidade se torne epistemológica (Freire, 2006). Nessa acepção, a função do professor é<br />

auxiliar os estudantes a se aproximarem criticamente do objeto de estudo.<br />

Esse é um aspecto importante da experimentação, pois erros experimentais são fontes<br />

de problematização muito ricas e abrangentes, servindo para despertar a curiosidade dos<br />

estudantes. Esta é também uma forma de despertar a curiosidade epistemológica. Talvez,<br />

professores quando fossem trabalhar a experimentação, sobretudo em cursos superiores nos<br />

quais geralmente se segue uma receita, pudessem até promover erros de forma premeditada,<br />

com o intuito de ampliar e aprofundar a aproximação epistemológica do objeto de estudo. Isso<br />

aumentaria a reflexão crítica com a qual alunos e professores se debruçariam sobre o tema.<br />

Por fim, o professor discutiu a estratégia adotada por cada dupla visando compartilhar<br />

socialmente as diferentes resoluções. Neste problema não haviam muitas variáveis. O que<br />

mudou na forma de resolução de um e outro aluno foi apenas a maneira com a qual<br />

equilibravam a balança (utilizando pinos de mesma cor ou não). Ainda assim, essa discussão<br />

final é importante para a socialização e verbalização das idéias.<br />

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4. Considerações finais<br />

De um modo geral, pode-se dizer que ambas as atividades propostas constituíram-se<br />

realmente em problemas para os estudantes, uma vez que eles demonstraram compromisso<br />

com suas resoluções, envolvendo-se ativamente e interessados em atingir a meta. Enquanto<br />

exercícios podem ser resolvidos aplicando-se procedimentos pré-determinados, os problemas<br />

preconizam algo mais. Pode-se afirmar, portanto, que a curiosidade dos alunos torna-se<br />

epistemológica na medida em que estes se aproximam de uma rigorosidade metódica em sua<br />

resolução. Iniciam por uma posição mais empírica ante a dedução, privilegiando mais a<br />

consecução da atividade do que a compreensão e a dedução. Ao mesmo tempo, refinam suas<br />

estratégias de resolução o que os leva próximo quando não a própria solução do problema. É<br />

óbvio que não é possível afirmar que os alunos estão inseridos completamente na forma<br />

científica de pensar, mas, percebeu-se por meio de seus registros e da observação das aulas<br />

que eles foram incorporando estratégias mais rigorosas.<br />

Entretanto, é fundamental que o professor problematize as diversas estratégias<br />

empregadas para a resolução dos problemas. O intuito não é encontrar uma estratégia certa,<br />

até porque qualquer estratégia que alcance o resultado esperado é uma estratégia correta. A<br />

idéia em discutir e debater as estratégias, além de socializar os resultados obtidos, é fazer com<br />

que os estudantes reconheçam a necessidade de se pensar metódica e rigorosamente,<br />

alcançando os resultados com maior eficácia. Isso contribui ainda mais para o entendimento<br />

das etapas indispensáveis na produção do conhecimento científico como o estabelecimento de<br />

objetivos, o levantamento de hipóteses, a coleta de dados, a discussão e interpretação dos<br />

resultados, a apresentação dos resultados e o debate dos mesmos. São atividades que<br />

contribuem para a formação crítica dos alunos, provendo competências que poderão<br />

futuramente ser utilizadas por eles. Daí a importância dos relatórios escritos com os quais foi<br />

possível intervir e analisar como o pensamento dos alunos se modificou em algumas<br />

situações.<br />

Ressalta-se também a necessidade de atividades concernentes à leitura e à escrita em<br />

sala, visto a dificuldade apresentada, amiúde, pelos estudantes em interpretar textos e<br />

enunciados de problemas e exercícios. Vale ainda assinalar que a partir dos problemas<br />

propostos foram trabalhados conceitos matemáticos como operações básicas, relações de<br />

proporcionalidade (diretamente e inversamente proporcional) bem como equações de primeiro<br />

grau, além de conceitos da Física e da Química, não discutidos aqui por questões já<br />

assinaladas. Ainda assim, vale o reforço de que os aspectos conceituais devem estar presentes<br />

na resolução de problemas conjuntamente as habilidades e atitudes passíveis de serem<br />

desenvolvidas.<br />

5. Agradecimentos<br />

À Organização Não-Governamental Frente Organizada Pela Temática Étnica (ONG-<br />

FONTE) pelo espaço aberto à pesquisa. A todos os estudantes participantes do estudo e à<br />

Capes pela bolsa de Mestrado (Wilmo E. Francisco Jr.).<br />

6. Referências bibliográficas<br />

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Simmons, P.E. e Lunetta, V.N. (1993). Problem solving behaviors during a genetic computer<br />

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Solaz-Portalés, J.J. e López, V.S. (2007). Resolución de problemas, modelos mentales e<br />

instrucción. Rev. Elect. Enseñanza Cienc., 6 (1), 70-89.<br />

Stewart, J. e Van Kirk, J. (1990). Understanding and problem solving in classical genetics.<br />

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Zajchowski, R. e Martin, J. (1993). Differences in the problem solving of stronger and weaker<br />

novices in physics: knowledge, strategies on knowledge structure J. Res. Sci. Teach., 30 (5),<br />

459-470.<br />

- W.E. Francisco Jr. é Bacharel/Licenciado em Química e Mestre em Biotecnologia (IQ,<br />

UNESP-Araraquara), Mestre em Educação, Área de Metodologia de Ensino (UFSCar).<br />

Atualmente é Doutorando em Química (IQ, UNESP). Atua como Professor (Departamento de<br />

Química, UNIR). Endereço para correspondência: Departamento de Química, Universidade<br />

Federal de Rondônia (UNIR), Campus Porto Velho, BR 364, Km 9,5, Porto Velho, RO 78912-<br />

190, Telefone: 55-69-21822277. E-mail para correspondência: wilmojr@bol.com.br. L.H.<br />

Ferreira é Doutor em Físico-Química (Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP).<br />

Atua como Professor (Departamento de Química, UFSCar). D.R. Hartwig é Doutor em<br />

Didática (Universidade de São Paulo, USP). Atua como Professor (Departamento de<br />

Metodologia de Ensino, UFSCar).<br />

98


Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 82-99 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 24/06/2008 | Revisado em 04/12/2008 | Aceito em 08/12/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Anexo A<br />

Problema I<br />

Você recebeu um conjunto contendo pinos plásticos utilizados como suporte de<br />

prateleiras de cores e tamanhos distintos (brancos e marrons), uma balança de pratos e uma<br />

seringa. Elabore um procedimento com o qual seja possível determinar a massa dos pinos<br />

plásticos utilizando o material fornecido e água. Apresente seus resultados por escrito,<br />

detalhando de que maneira você conseguiu obtê-los.<br />

Problema II<br />

A sua disposição encontram-se dois envelopes. No envelope 1 (antes da deposição)<br />

existe uma placa de madeira tipo MDF, que contém cavidades as quais podem ser preenchidas<br />

com os pinos plásticos. Você recebeu, no outro envelope (após deposição), uma placa de<br />

madeira tipo MDF idêntica àquela do envelope 1. Inicialmente, a placa de MDF contida no<br />

envelope 2 estava totalmente preenchida com pinos plásticos de cor branca. Porém, alguns<br />

pinos brancos foram substituídos por pinos marrons. Utilizando o material fornecido e as<br />

informações obtidas anteriormente determine quantos pinos brancos foram substituídos por<br />

pinos marrons. Qual a variação de massa sofrida pela placa Apresente seus resultados por<br />

escrito, detalhando de que maneira você conseguiu obtê-los. Considere que para cada pino<br />

branco retirado, um pino marrom foi adicionado.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 100-119 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 16/06/2008 | Revisado em 20/09/2008 | Aceito em 24/09/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Artigo Científico<br />

Inserção dos centros e museus de ciências na educação: estudo de<br />

caso do impacto de uma atividade museal itinerante<br />

Insertion of the centers and science museums in education: a case study of the impact of an<br />

itinerant museal activity<br />

Grazielle Rodrigues Pereira a, <br />

, Maura Ventura Chinelli a, b e Robson Coutinho-Silva c,d, <br />

a Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis/Centro de Ciência e<br />

Cultura, Nilópolis, Rio de Janeiro, Brasil; b Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Programa<br />

de Pós-graduação em Ensino de Biociências e Saúde, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil;<br />

c Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), Centro de Ciências da Saúde (CCS),<br />

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil;<br />

d Museu Espaço Ciência Viva, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil<br />

Resumo<br />

O ensino de ciências no ensino tradicional geralmente privilegia a transmissão de conteúdos de<br />

forma descontextualizada do quotidiano do aluno. Iniciativas de educação não-formal que<br />

visam aproximar a ciência do senso comum tendem a minimizar essa problemática. Dentro<br />

desse contexto, destacam-se os centros e museus de ciências que atuam como facilitadores do<br />

aprendizado em ciências. O presente trabalho investigou, por meio de um estudo de caso, o<br />

grau de inserção desses espaços junto a moradores de regiões distantes dos grandes centros<br />

urbanos. Adicionalmente, foi desenvolvido o projeto “Ciência vai à escola” que visou a<br />

interiorização de atividades museais, no qual avaliou-se o impacto de atividades de divulgação<br />

científica nos visitantes. Os resultados desse estudo demonstraram que as atividades<br />

experimentais exerceram um impacto favorável sobre os participantes, constatando-se um<br />

grande interesse por parte dos visitantes em saber mais sobre o tema da exposição após<br />

participação nas atividades. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 100-119.<br />

Palavras-chave: divulgação científica; museus de ciências; educação nãoformal;<br />

inclusão social.<br />

Abstract<br />

The teaching of science in traditional institutions usually focus on the transmission of contents<br />

out of context with the student’s daily life. As a way to minimize this problem, initiatives of<br />

non-formal education arise, aimed at bringing closer science to common sense. In this context<br />

are the science centers and science museums, acting as facilitators of the learning of science.<br />

This study investigated, through a case study, the degree of the integration of these spaces<br />

among the residents of regions far from major urban centers. The project "Science goes to<br />

school" was also created, aiming for the internalization of “museum” activities, in which the<br />

impact of the scientific education activities for the visitors was evaluated. The results of that<br />

study demonstrated that the experimental activities have positive impact on the participants, as<br />

100


Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 100-119 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 16/06/2008 | Revisado em 20/09/2008 | Aceito em 24/09/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

well as was verified a great interest on the part of the visitors in knowing more about the<br />

exposition theme after participating in the activities. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3):100-119.<br />

Keywords: scientific divulgation; science museums;informal education; social<br />

inclusion.<br />

1. Introdução<br />

É de conhecimento geral que cursos de Ciências comumente oferecidos, nas escolas de<br />

Ensino Fundamental e Médio, aos nossos estudantes são voltados, majoritariamente, ao<br />

fornecimento de informações, sendo que o desenvolvimento do potencial emocional dos<br />

estudantes, a bagagem cultural que permeiam as concepções espontâneas de cada estudante,<br />

bem como o aspecto experimental das ciências não são levados em consideração.<br />

Entender a Ciência não faz parte da nossa cultura, como faz o futebol ou a música<br />

(Mascarenhas, 1998). A forma como a Ciência é apresentada provoca aversões no cidadão<br />

comum, principalmente quando nos reportamos ao ensino de Ciências nas escolas.<br />

Observamos nas salas de aula, enquanto professores da Educação Básica (Ensino<br />

Fundamental e Médio), que nossos estudantes, apesar de compreenderem as Ciências como o<br />

estudo da Natureza, de um modo geral, têm dificuldades em estabelecer relações entre os<br />

conhecimentos que lhes são transmitidos e suas respectivas aplicações no quotidiano. As<br />

aulas de Ciências estão muito distantes da Ciência da descoberta, da tecnologia. Essas<br />

disciplinas têm sido lecionadas de maneira descontextualizada e excessivamente<br />

matematizada. As avaliações focalizam mais a capacidade de memorização do que a<br />

capacidade de hábitos de estudo, causando um grande desinteresse por parte dos alunos pelas<br />

Ciências. De acordo com o depoimento de Pavão (2006) 1 :<br />

“O ensino de Ciências hoje virou quase uma literatura. O professor não tem boa<br />

formação, se sente inseguro para ensinar e acaba se apoiando muitas vezes no livro<br />

didático. O ensino fica livresco. O quadro que temos hoje é da criança que chega à<br />

escola cheia de questões e curiosidades e, passado certo tempo, ela perde o interesse. O<br />

professor em vez de estimular essa curiosidade acaba matando-a.”<br />

Essa problemática que permeia a educação em ciências tem se refletido em exames<br />

internacionais realizados com nossos estudantes, como exemplo o Pisa 2 . Prates (2006: 31) ao<br />

discutir os resultados do PISA afirma que:<br />

“No primeiro ano, participaram 32 países e o Brasil ficou em último lugar no ranking<br />

geral. Em 2003, entre 41 participantes, o Brasil ficou em 39 o na colocação geral.<br />

Especificamente, em Ciências, o país perdeu a última colocação para o vizinho Peru,<br />

entre os anos de 2000 e 2003. A média de pontuação dos 5.235 alunos que fizeram o<br />

segundo teste subiu de 375 para 390 em Ciências, mas uma posição bem abaixo dos 700<br />

pontos máximos. Ou seja, os alunos brasileiros atingiram um patamar pífio. Os<br />

resultados foram ruins em todas as áreas, mas especialmente em Ciências, porque o<br />

aprendizado dessa disciplina não funciona sem experimentações. E essas, na maioria<br />

dos casos, são incomuns nas escolas.” (Prates, 2006: 31)<br />

No exame realizado em 2006, em 57 países, pelo qual foram avaliados entre 4.500 e<br />

10.000 alunos, o Brasil ocupou uma das últimas posições do ranking em ensino de ciências.<br />

Atrás do Brasil, que obteve 390 pontos, estão apenas a Colômbia, Tunísia, Azerbaijão, Qatar<br />

e Quirguistão (ver: http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/).<br />

101


Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 100-119 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 16/06/2008 | Revisado em 20/09/2008 | Aceito em 24/09/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Toda essa problemática que abarca o ensino não é responsabilidade única e exclusiva<br />

do professor, que encontra condições desfavoráveis para exercer sua profissão. Dentre as<br />

inúmeras dificuldades, podemos destacar:<br />

• A questão salarial tem levado o professor a trabalhar em várias escolas e, com isso, facilita<br />

a adoção de um modelo repetitivo de ensino na sua prática docente, dificultando também a<br />

formação continuada do mesmo (ver: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/<br />

ult305u <strong>13</strong>981.shtml);<br />

• Ausência de laboratórios de Ciências nas instituições de ensino, já que, de acordo com o<br />

senso de 2002, realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais do Ministério<br />

da Educação, apenas 20% das escolas públicas brasileiras possuem laboratórios, sendo que<br />

o maior índice é na região Sudeste com 27 % e o Nordeste apresenta apenas 5% (ver:<br />

http://www.inep.gov.br/download/censo/2003/estatisticas_professores.pdf).<br />

• Um elevado número de alunos por turma. Esse fato decorre “(...) principalmente de uma<br />

tentativa de reduzir os custos educacionais, uma vez que o salário do professor é o<br />

componente de maior peso nos mesmos" (ver: http://www.inep.gov.br/<br />

download/censo/2003/estatisticas_professores.pdf).<br />

Como uma medida para minimizar esse desequilíbrio cultural e intelectual, o<br />

Manifesto de La Corunã afirma que: “(...) a divulgação científica é importante para a<br />

democratização da sociedade (...); uma sociedade mais culta cientificamente, será também<br />

uma sociedade mais livre e responsável” (Padilla, 2002: 114) 3 .<br />

A solução passa por uma política educacional que assegura um ensino formal de<br />

qualidade para todos, sendo hoje admitida a necessidade de complementação da educação por<br />

meio de ações de caráter informal (Chaves e Shellard, 2005). Portanto, é de suma importância<br />

a presença de atividades promotoras de conhecimento científico, como uma forma de<br />

complementação da educação formal.<br />

Dentre as várias iniciativas de alfabetização científica, como programas na televisão,<br />

revistas, filmes, jornais, entre outros, podemos destacar as atividades presentes nos centros e<br />

museus de ciências, com o objetivo de aumentar o nível de conhecimento e capacitação do<br />

cidadão em ciência e tecnologia, por meio de ação informal (Schall, 2002). Ainda, segundo<br />

Valente e colaboradores (2005):<br />

“Os centros e museus de ciências são ambientes que têm como um de seus objetivos<br />

educar cientificamente a população, bem como complementar a educação formal. Essa<br />

educação se dá em função das atividades interativas, possuidora de características<br />

eminentemente lúdicas, ou seja, ao mesmo tempo em que informa, entretém.” (Valente<br />

et al., 2005: 198)<br />

Dessa forma, é muito importante que os professores incluam em suas práticas<br />

pedagógicas visitas com os alunos aos museus ou centros de ciências ou encaminhem os<br />

estudantes a esses espaços.<br />

Este trabalho, por meio de um estudo de caso, buscou avaliar no primeiro momento o<br />

grau de conhecimento que estudantes da rede pública de ensino de municípios da Baixada<br />

Fluminense, próximos à cidade do Rio de Janeiro, têm sobre a existência de museus e centros<br />

de ciência. Após essa investigação, desenvolvemos o projeto “Ciência Itinerante”, o qual<br />

consistiu em levar exposições interativas até ao público da Baixada Fluminense. Avaliamos o<br />

quanto esses módulos experimentais da exposição científica contribuíram para a compreensão<br />

de alguns fenômenos da natureza. Esses resultados nos permitiram realizar um estudo de caso<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 100-119 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 16/06/2008 | Revisado em 20/09/2008 | Aceito em 24/09/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

das concepções prévias dos visitantes antes de participarem da atividade e confrontá-las com<br />

as concepções após essa interação.<br />

1.1. Concepções dos estudantes em óptica<br />

Como evidencia a literatura (Lahera e Forteza, 2006; Goulart et al., 1987, entre<br />

outros), os alunos possuem diversas concepções espontâneas inerentes aos fenômenos ópticos.<br />

Em função desse conjunto de concepções, o ensino desvinculado aos aspectos físicos ligados<br />

à natureza, processo de visão, refração e reflexão da luz, entre outros, acaba não só tornando o<br />

aprendizado mais difícil, como também pode reforçar muitas das concepções preconcebidas,<br />

bem como propiciar aos estudantes uma apreensão incorreta dos conceitos cientificamente<br />

aceitos (Gircoreano e Pacca, 2001).<br />

O ensino de óptica em muitas instituições com ensino tradicional não contempla as<br />

concepções prévias dos estudantes, bem como privilegia o ensino dessa ciência de forma<br />

matematizada com ênfase na transmissão de conteúdos, como evidenciam Gircoreano e Pacca<br />

(2001):<br />

“(...) o enfoque tradicionalmente se restringe ao estudo de aspectos geométricos,<br />

baseados nos conceitos de raios de luz e na análise das características de alguns<br />

elementos específicos como, por exemplo, espelhos, lâminas de faces paralelas, prismas<br />

e lentes. Todos esses elementos sempre são indicados por retas ou pontos em um plano,<br />

sem ficar evidente que a luz se propaga num espaço tridimensional, que há uma fonte de<br />

luz e que existem obstáculos para a propagação. Os aspectos concernentes à natureza da<br />

luz, sua interação com a matéria e sua ligação com processo de visão, também são, em<br />

geral, desconsiderados. Os problemas são, em geral, apresentados numa ordem<br />

seqüencial estanque, onde reflexão, refração, lentes e espelhos não aparecem ligados em<br />

um mesmo fenômeno físico e representam, cada um por sua vez, um fenômeno ou<br />

evento distinto, com características próprias e específicas. Na verdade, o que se<br />

apresenta é um conjunto de regras; estudam-se as definições de raio e de feixe de luz,<br />

fontes, princípios de propagação, etc., passa-se então para os espelhos (planos, curvos) e<br />

assim por diante, até chegar às lentes e, quando muito, tratam de aparelhos em que estas<br />

são usadas e dos problemas da visão, mas tudo de forma segmentada, sem apelo efetivo<br />

para a natureza da luz e sobre o processo da visão.” (Gircoreano e Pacca, 2001: 28)<br />

Dessa forma, Villani e colaboradores (1983), ao pesquisarem as concepções<br />

alternativas dos alunos de Física, afirmam que:<br />

“Na realidade, há um confronto entre a Física ensinada (oficial) e a espontânea e sem<br />

dúvida o objetivo do ensino é a aprendizagem da oficial; este confronto se realiza<br />

muitas vezes de forma pouco harmoniosa e seu resultado não é uma visão conceitual<br />

coerente e rica, mas a superposição e justaposição de conceitos de diferentes origens e<br />

alcance, que prejudicam qualquer pretensão de aprofundamento teórico do aluno.”<br />

(Villani et al., 1983: 5)<br />

Dentre os trabalhos de pesquisa que resgatam as concepções dos estudantes,<br />

encontramos aspectos interessantes do conflito entre as formas de pensar do senso comum e<br />

da Ciência. Como apresenta os trabalhos publicados nesta área, muitos alunos acreditam na<br />

concepção do “banho de luz”. Segundo Gircoreano e Pacca (2001), “Banho de luz”:<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 100-119 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 16/06/2008 | Revisado em 20/09/2008 | Aceito em 24/09/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

“(...) é a idéia associada à luz ocupando todo o espaço, “iluminando” os objetos e<br />

permitindo que sejam vistos pelo olho. Não há uma ligação entre olho do observador,<br />

que chega nele; a luz é entendida como um ente estático, sem movimento.” (Gircoreano<br />

e Pacca, 2001:31)<br />

Sobre a concepção de reflexão da luz, segundo uma pesquisa realizada com crianças<br />

de 06 a <strong>13</strong> anos (Goulart et al., 1989: 14), as autoras verificaram que “muitas crianças<br />

entendem reflexão como luz sendo reenviada pelo espelho; elas não reconhecem que objetos<br />

opacos ordinários ‘reemitem luz’”. Diante dessas considerações, Driver e Easley (1978)<br />

afirmam que:<br />

“(...) alunos, do mesmo modo que cientistas trazem para as aulas de Ciências algumas<br />

idéias ou crenças já formuladas. Estas crenças afetam as observações que eles fazem<br />

bem como as inferências daí derivadas. Alunos, do mesmo modo que cientistas,<br />

constroem uma visão do mundo que os capacita a lidarem com situações. Transformar<br />

esta visão não é tão simples quanto fornecer aos alunos experiências adicionais ou<br />

dados sensoriais. Envolve também ajudá-los a reconstruir suas teorias ou crenças, a<br />

experimentar, por assim dizer, as evoluções paradigmáticas que ocorreram na história<br />

da ciência.” (Driver e Easley, 1978:5)<br />

Vale ressaltar que autores que propõem diversos modelos de aprendizagem concebida<br />

como Mudança Conceitual (Posner et al., 1982) sugerem uma analogia entre a construção de<br />

conhecimentos na aprendizagem e evolução histórica dos conhecimentos científicos. Segundo<br />

a terminologia de Kuhn (2005), uma mudança de paradigma 4 . À luz de Kunh (2005), os<br />

autores identificam algumas condições para que aconteça uma mudança conceitual: é preciso<br />

que se produza insatisfação com os conceitos existentes; deve existir uma concepção<br />

minimamente inteligível que deve chegar a ser plausível, embora inicialmente contradiga as<br />

idéias prévias do aluno, e deve ser potencialmente frutífera, dando explicação às anomalias<br />

encontradas e abrindo novas áreas de pesquisa (Lahera e Forteza, 2006: 26).<br />

Ainda dentro dessa perspectiva, Pozo (2002) considera que durante o processo de<br />

evolução dos conhecimentos prévios para conceitos científicos ocorre muito mais do que uma<br />

simples mudança de conceitos. Na verdade, acontece uma mudança na forma de concebê-los,<br />

uma total “reestruturação”, ou seja, o conhecimento deve ser construído.<br />

Norteados por essas idéias, observa-se que para haver uma reestruturação conceitual<br />

profícua a respeito dos fenômenos da óptica, é de suma importância que se conheçam as<br />

idéias preconcebidas dos estudantes. A partir desse conhecimento, que sejam criados<br />

ambientes favoráveis e estratégias que permitam o processo de evolução do conhecimento<br />

para um modelo científico, bem como adaptar os valores culturais alternativos com os que<br />

sustentam a ciência.<br />

Os museus de ciências, enquanto instituições educacionais, por meio de suas diversas<br />

atividades de cunho experimental, interativo e lúdico, permitem que concepções alternativas<br />

se reestruturem em concepções que hoje são aceitas cientificamente, a partir do processo de<br />

construção do conhecimento. Os módulos experimentais apresentam a capacidade de<br />

desequilibrar o senso comum, buscando o questionamento das concepções alternativas,<br />

principalmente, quando esses aparatos tratam de fenômenos científicos presentes no<br />

cotidiano, que mexem com curiosidade epistemológica (Cazelli et al., 2002).<br />

Outro foco do presente estudo está nas transformações das concepções pré-existentes a<br />

partir do impacto das atividades experimentais. Essa transformação se dá a partir da<br />

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Submetido em 16/06/2008 | Revisado em 20/09/2008 | Aceito em 24/09/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

compreensão do fenômeno científico explorado durante a interação com o módulo<br />

experimental.<br />

No curso desta pesquisa, investigamos as concepções espontâneas dos estudantes<br />

sobre alguns fenômenos da óptica, para posteriormente correlacioná-las com suas concepções<br />

após a interação com os aparatos experimentais construídos. Também averiguamos o grau de<br />

aceitação de nossas atividades por parte dos participantes da pesquisa.<br />

Direcionamos esta pesquisa, especificamente, para alunos que nunca estudaram<br />

formalmente conceitos inerentes aos fenômenos ópticos, a fim de investigarmos o real<br />

impacto de nossas atividades sobre esses estudantes.<br />

2. Metodologia<br />

O estudo realizado foi dividido em duas etapas: na primeira etapa realizamos uma<br />

investigação sobre o grau de inserção dos museus de ciências em algumas escolas da Baixada<br />

Fluminense (BF), RJ; na segunda etapa visitamos escolas e participamos de eventos públicos<br />

dessa região, com oficinas realizadas em museus e centros de ciências por meio do projeto<br />

“Ciência Itinerante”. O estudo se propôs, por meio de atividades de divulgação científica<br />

inerentes aos museus e centros de ciências, a contribuir para a popularização científica em<br />

algumas escolas da rede pública de ensino do Rio de Janeiro, bem como a investigar o<br />

impacto dessas atividades sobre os alunos dessas instituições.<br />

2.1. Investigação sobre o grau de inserção dos museus de ciências nas escolas<br />

Nessa etapa da pesquisa, por meio de um estudo de caso, buscamos averiguar o<br />

conhecimento sobre a realidade dos estudantes de um município da BF, no que diz respeito à<br />

aproximação destes com os centros e museus de ciências existentes na Cidade do Rio de<br />

Janeiro.<br />

Entrevistamos alunos de quatro turmas do Ensino Médio (1 o e 2 o ano), perfazendo um<br />

total de 162 estudantes do horário noturno de duas escolas da rede estadual de ensino no<br />

município de Queimados – Baixada Fluminense/RJ (Escola Estadual Dom João VI e CIEP<br />

346 – Belarmino Alfredo dos Santos).<br />

Para a coleta de dados, foi aplicado um pequeno questionário com perguntas fechadas<br />

(Anexo 1), a partir do qual foi feita uma investigação orientada pelos padrões da pesquisa<br />

qualitativa desenvolvida no campo educacional formal e não-formal, levando em conta dados<br />

mensurados para a interpretação das respostas (Minayo, 2004; Bardin, 1995).<br />

Nas perguntas de 01 a 03, buscamos traçar o perfil dos estudantes entrevistados. Na<br />

pergunta 04 indagamos o grau de conhecimento dos alunos em relação aos museus de ciências<br />

presentes na cidade do Rio de Janeiro. Destacamos que, para a opção “outros”, o aluno<br />

poderia escrever qualquer museu que ele tivesse ouvido falar, fosse de ciências ou não.<br />

Com a pergunta 05, buscamos averiguar os meios pelos quais esses estudantes tinham<br />

ouvido falar dos museus de ciências. Por meio das perguntas 06 e 07, investigamos se os<br />

entrevistados já tinham visitado algum museu de ciências e quais foram os visitados.<br />

É importante ressaltar que, para a realização da presente pesquisa nos ambientes<br />

citados, foi solicitada uma autorização às direções das escolas de educação básica, bem como<br />

para os estudantes ou responsáveis 5 .<br />

105


Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 100-119 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 16/06/2008 | Revisado em 20/09/2008 | Aceito em 24/09/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

2.2. Desenvolvimento do projeto “Ciência Itinerante”<br />

Mediante os resultados da pesquisa sobre o grau de penetração dos museus e centros<br />

de ciências nos municípios da Baixada Fluminense, desenvolvemos o projeto “Ciência<br />

Itinerante”. Iniciamos esse projeto construindo módulos experimentais de ciências portáteis<br />

no Centro de Ciência e Cultura do CEFET Química de Nilópolis/RJ 6 . Os módulos<br />

experimentais versavam sobre a temática “Luz, Cor e Formação de Imagens” (quadro 1). Para<br />

cada módulo, desenvolvemos cartazes cujo objetivo era motivar o participante a manipular o<br />

módulo, por meio de instruções de como utilizá-lo, bem como aguçar a curiosidade do<br />

visitante por meio de desafios. Cada cartaz também apresentava os aspectos introdutórios e os<br />

teóricos referentes a cada assunto.<br />

Módulos<br />

Experimentais<br />

Motivação<br />

Cortina de Sabão<br />

Gigante<br />

Interferência em filmes finos;<br />

Sombras Coloridas<br />

Composição de cores (sombra e subtração);<br />

Imagens filtradas<br />

Seleção de imagens por meio de filtros coloridos<br />

Formando o Arco-Íris<br />

Decomposição espectral da luz<br />

Disco de Newton e<br />

Discos coloridos<br />

Composição espectral da luz branca<br />

Formação de Imagens<br />

Focalização usando diferentes tipos de lentes e comparação com o<br />

uso de fendas para obtenção da origem do pincel de luz;<br />

Máquina Fotográfica Funcionamento de dispositivos simples de registro de imagens;<br />

“Pegue o Porquinho”<br />

Formação de imagem real e invertida utilizando um par de<br />

espelhos côncavos.<br />

Quadro 1 – Módulos experimentais.<br />

Ao final do desenvolvimento desses módulos experimentais, convidamos estudantes<br />

da Licenciatura em Física, Química e Ensino Médio Técnico do CEFET Química para<br />

atuarem como mediadores das atividades e, após o treinamento desses estudantes, iniciamos a<br />

ida às escolas (espaço de ensino formal) e participações em eventos públicos (espaço de<br />

ensino não-formal).<br />

As escolas as quais levamos as atividades foram todas da rede pública de ensino<br />

(municipal e estadual), localizadas em municípios da Baixada Fluminense, a saber: Escola<br />

Municipal Janir Clementino Pereira, localizada no distrito de Miguel Couto em Nova Iguaçu;<br />

Escola Municipal Scintilla Exel, Ciep 335 Professor Joaquim de Freitas ambos em<br />

Queimados; e a Escola Estadual Dom João VI, onde realizamos a primeira etapa da pesquisa,<br />

também localizada em Queimados. Os eventos públicos dos quais participamos foram: projeto<br />

Mãos Dadas com a Cidadania 7 , realizado em umas das praças do município de Mesquita e o<br />

Ciência na Rua – um dos eventos integrados à Semana Nacional de Ciência e Tecnologia 8 -,<br />

na Vila Olímpica de Nova Iguaçu.<br />

2.2.1. Estratégias de avaliação das atividades<br />

A fim de avaliarmos qualitativamente o impacto de nossa intervenção por meio do<br />

projeto “Ciência Itinerante”, utilizamos como instrumento de investigação a entrevista semiestruturada,<br />

aplicada a partir de um pequeno número de perguntas abertas. De acordo com os<br />

autores Lüdke e André (2004), “essa metodologia permite que o entrevistador faça as<br />

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necessárias adaptações”, ou seja, durante a entrevista em função das respostas dos<br />

entrevistados não é necessário seguir o roteiro pré-estabelecido, o entrevistador tem a<br />

liberdade de fazer as modificações que lhe convier e forem pertinentes durante as entrevistas.<br />

Portanto, nossa entrevista, de acordo com a perspectiva semi-estruturada, teve como<br />

base roteiros com questões abertas sobre a formação do arco-íris, as concepções sobre cor,<br />

além de possíveis idas do entrevistado a museus interativos de ciências ou centros de ciências.<br />

Ao investigarmos sobre suas idas a esses ambientes de educação não-formal mostramos a<br />

esses alunos fotografias e folders de alguns museus de ciências como o Museu da Vida<br />

(Fiocruz), Espaço Ciência Viva e o Museu do Universo.<br />

As entrevistas foram apoiadas por filmagens e gravações em fitas cassetes, com a<br />

autorização dos sujeitos envolvidos, e foram transcritas posteriormente pela pesquisadora.<br />

Para avaliarmos com maior precisão o grau de impacto de nossas atividades, as<br />

entrevistas ocorreram pré e pós-intervenção, com pessoas que afirmaram nunca terem<br />

estudado essa área da ciência. Vale destacar que a pergunta direcionada a investigar as<br />

possíveis idas dos alunos a museus interativos de ciências transcorreu em apenas um<br />

momento e antes da intervenção. As mudanças nas respostas expressaram, então, um impacto<br />

favorável ou desfavorável das atividades.<br />

2.2.2. Participantes da entrevista<br />

Escolhemos aleatoriamente alguns estudantes para participarem da pesquisa. Dessa<br />

forma as entrevistas ocorreram com alunos da 8 a série do Ensino Fundamental da Escola<br />

Municipal Janir Clementino Pereira, em Nova Iguaçu, do Ciep 335: Professor Joaquim de<br />

Freitas e na Escola Municipal Professora Scintilla Exel, nesta última instituição de ensino<br />

realizamos as entrevistas em três turnos distintos, nos turnos da tarde e manhã com alunos da<br />

7 a e 8 a série (atualmente, 8º e 9º ano) e no turno da noite com alunos do EJA 9 . As idades dos<br />

estudantes dos cursos diurnos eram de <strong>13</strong> a 18 anos, ao passo que as dos alunos do EJA suas<br />

idades eram de 17 a 72 anos.<br />

Cabe ressaltar que nossa intervenção por meio das entrevistas, fotografias e filmagens<br />

só ocorreu com as turmas nas quais tínhamos a autorização do participante de pesquisa ou<br />

responsável, quando menor de idade.<br />

3. Resultados e discussão da investigação sobre o grau de inserção dos museus de<br />

ciências nas escolas<br />

3.1. Resultados<br />

Para avaliarmos o grau de inserção dos museus ou centros de ciências na Baixada<br />

Fluminense, realizamos uma pesquisa com os estudantes do Ensino Médio (1 o e 2 o ano) de<br />

duas escolas da rede estadual de ensino no município de Queimados, Baixada Fluminense, RJ.<br />

A faixa etária desses alunos foi entre 18 e 50 anos e, de um total de 162 alunos, 51% possui<br />

vínculo empregatício. Diante deste perfil, supôs-se que se tratava de indivíduos cujo tempo e<br />

experiência de vida já tivessem possibilitado seu acesso aos centros e museus de ciências<br />

existentes no Rio de Janeiro.<br />

No entanto, verificou-se que, considerando os museus e centros de ciências listados no<br />

questionário (em anexo), 53% dos alunos sequer sabiam de suas existências (figura 1). Dentre<br />

os estudantes que já haviam ouvido falar em algum desses ambientes, os museus mais<br />

conhecidos foram: Observatório Nacional, Casa da Ciência e Museu do Universo da<br />

Fundação Planetário (figura 2).<br />

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Figura 1 - Conhecimento sobre museus e centros de ciências.<br />

Figura 2 - Centros e museus de ciências conhecidos (números de citações). Nenhum: nunca<br />

visitou algum Centro de Ciências ou museu tradicional.<br />

A partir das respostas dos alunos que afirmaram saber da existência dos museus de<br />

ciências listados no questionário, passou-se à identificação dos meios pelos quais esses<br />

estudantes adquiriram informações relativas a essas instituições. Pode-se, então, verificar que<br />

a televisão foi a mais eficiente na divulgação desses locais e que os professores não são bons<br />

divulgadores desses espaços, tendo uma participação irrelevante no processo (figura 3).<br />

Figura 3 - Meios de informação.<br />

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Quando questionados sobre as instituições já visitadas, os museus tradicionais<br />

surgiram como os mais visitados pelos estudantes (figura 4). Conforme esperado, tendo em<br />

vista a proporção de alunos que nem mesmo tinha ouvido falar nos centros e museus de<br />

ciências existentes no Rio de Janeiro, de competência amplamente reconhecida no meio<br />

acadêmico, confirmou-se que grande parte desses alunos nunca visitou um museu, sendo ele<br />

tradicional ou contemporâneo.<br />

Vale citar que o Museu Nacional, o mais citado com 32 visitas, fica no interior de um<br />

parque público popular (Quinta da Boa Vista) junto ao Jardim Zoológico numa região de fácil<br />

acesso de ônibus e trens. A sua visitação constitui uma das poucas atividades de lazer da<br />

população da Baixada Fluminense.<br />

Figura 4 - Relação de alunos por museus. Nenhum: nunca visitou algum Centro de Ciências<br />

ou museu tradicional, MN: Museu Nacional, MI: Museu Imperial de Petrópolis, MR: Museu<br />

da República, Outros: outros museus, CC: Casa da Ciência – UFRJ, MAM: Museu de Arte<br />

Moderna, MNBA: Museu Nacional de Belas Artes, UM: Museu do Universo da Fundação<br />

Planetário do Rio de Janeiro, MV: Museu da Vida, Mast: Museu de Astronomia e Ciências<br />

Afins, ECV: Espaço Ciência Viva.<br />

3.2. Discussão<br />

A partir da análise de dados dessa etapa da pesquisa, pode-se depreender que os<br />

centros e museus de ciências localizados no Rio de Janeiro, apesar de apresentarem propostas<br />

de tornar a ciência acessível à sociedade, de divulgar e de melhorar o conhecimento para um<br />

número cada vez maior de pessoas, ainda estão restritos a uma pequena parcela da população:<br />

a população residente no centro urbano da Capital. Os estudantes das comunidades mais<br />

distantes, como as da Baixada Fluminense, ainda desconhecem as atividades realizadas por<br />

essas instituições de ensino não-formal.<br />

Esses resultados nos mostraram o quanto o ensino não-formal está desvinculado da<br />

educação formal, em particular na Baixada Fluminense que hoje é a segunda região mais<br />

populosa do estado do Rio de Janeiro (IBGE), e vem sendo historicamente “excluída de<br />

alguns cenários culturais e intelectuais” (www.corecon-rj.org.br/pdf/je_fev2004.pdf).<br />

A Baixada Fluminense é uma região onde ocorrem alguns poucos eventos de<br />

divulgação científica, a saber, exposições interativas durante eventos de extensão no Centro<br />

de Ciências e Cultura do CEFET Química em Nilópolis (Pereira et al., 2005) e iniciativas da<br />

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Praça da Ciência Itinerante. Além disso, essas atividades ainda não contemplaram todos os<br />

municípios presentes na região.<br />

Diante das constatações relatadas, algumas questões se impõem, indicando novas<br />

possibilidades de pesquisa: por que razão os professores das disciplinas científicas que<br />

lecionam nas escolas da Baixada Fluminense não citam, não estimulam ou não promovem a<br />

visita de estudantes aos centros e museus de ciências A divulgação dessas instituições, no<br />

Rio de Janeiro, tem chegado às populações periféricas, tão carentes de iniciativas desse<br />

gênero<br />

As respostas a essas questões poderão levar à indicação de políticas públicas<br />

necessárias para que estudantes e professores das periferias urbanas se beneficiem das<br />

diferentes iniciativas de divulgação e de popularização da ciência que têm sido realizadas no<br />

Estado do Rio de Janeiro.<br />

4. Resultados e discussão do projeto “Ciência Itinerante”<br />

4.1. Alcance do projeto<br />

Por meio de ida às escolas, interagimos com estudantes, funcionários, professores e<br />

pessoas da comunidade alcançando em torno de 5.900 pessoas. No evento da Semana<br />

Nacional de Ciência e Tecnologia de 2006, estima-se que mais de 2.500 pessoas tenham<br />

visitado o nosso stand, participado das atividades propostas. Durante este evento, muitas<br />

crianças permaneciam no stand durante horas, retornando no dia seguinte trazendo novos<br />

amigos e familiares. Segundo o depoimento de um membro da equipe do Centro de Ciência e<br />

Cultura do CEFET Química, “Um menino de rua gostou tanto de um dos nossos<br />

experimentos – Cortina de Sabão – que além de convidar as pessoas que visitavam o evento<br />

para conhecer o experimento ‘Cortina de Sabão’, após participar várias vezes da discussão<br />

sobre o experimento, passou a explicar para seus convidados o fenômeno observado”.<br />

Norteados por programas itinerantes já existentes no Brasil, cuja filosofia é levar a<br />

ciência até o público por meio de proposições que facilitem a reflexão e o acesso ao saber<br />

científico através da vivência de formas de participação, experimentação e criação,<br />

desenvolvemos o projeto “Ciência Itinerante” no Centro de Ciência e Cultura do CEFET<br />

Química que permitiu que alcançássemos um número significativo de pessoas.<br />

4.2. Resultados das entrevistas<br />

Para facilitar a compreensão das perguntas feita pela pesquisadora, a entrevista com os<br />

estudantes ocorreu em uma sala separada do restante do grupo, com no máximo cinco alunos<br />

por vez.<br />

Elaboramos perguntas com o objetivo de levantar informações sobre a linguagem dos<br />

estudantes, bem como verificar o impacto da atividade experimental por meio das possíveis<br />

mudanças de respostas.<br />

Nessa etapa, não houve por nossa parte a preocupação em sistematizar e categorizar as<br />

respostas, apenas destacamos algumas falas de cada grupo escolar (escolas estaduais e<br />

municipais do turno diurno da Baixada Fluminense), a fim de conhecer as idéias e concepções<br />

prévias dos entrevistados. Entrevistamos um total de 167 estudantes.<br />

Por ser uma entrevista em grupo, deixamos que as várias falas dos colegas mediassem<br />

percepções diferenciadas e criassem necessidades de sistematização num encaminhamento<br />

para uma produção mais coletiva do conhecimento. Iniciamos as entrevistas sempre com a<br />

nossa fala (pesquisadora) e, em seguida, ouvimos as diferentes respostas.<br />

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Para o conjunto de falas de cada grupo escolar, evitaremos relatar depoimentos<br />

repetidos, ou seja, que já tenham sido revelados por outros alunos. Ressaltamos que, com o<br />

objetivo de preservar a identidade dos estudantes, todos os nomes são fictícios.<br />

“Entrevistadora: Você já visitou algum museu ou centro de ciência<br />

Luciana: Não, é muito longe daqui.<br />

João: Não, meu pai nunca me levou.<br />

Maurício: Não. Gostaria de conhecer.”<br />

Durante esse momento da entrevista notamos um grande interesse dos entrevistados<br />

em conhecer esses ambientes. Muitos nos indagavam se nossos experimentos eram parecidos<br />

com os de um museu de ciências, ao passo que outros pediam para que nós os levássemos aos<br />

museus das fotografias. Também constatamos que a maioria nunca tinha ouvido falar desses<br />

locais. Vale ressaltar que grande parte das respostas convergiam para uma mesma frase: “(...)<br />

esses lugares são muito distantes daqui”.<br />

“Entrevistadora: “Imagine que durante o dia você foi ao shopping e comprou uma<br />

calça azul e uma blusa branca para usar em uma festa à noite. Ao chegar à festa, observa<br />

que toda iluminação é vermelha. Ao olhar para sua roupa (calça e blusa), que cores você<br />

verá”<br />

• Respostas antes da intervenção:<br />

“Luciana: A blusa fica rosa e a calça fica roxa.<br />

João: A calça, eu acho, que continua azul, a blusa fica rosa.<br />

Maurício: A blusa fica rosa e a calça continua azul.<br />

Leonardo: A blusa e a calça ficarão vermelhas.<br />

Janaina: Bom, a calça ficará roxa e a blusa, eu acho que ficará rosa.<br />

Carlos: A blusa fica rosa e a calça fica preta.<br />

Alessandra: A blusa ficará cor-de-abóbora e a calça roxa.”<br />

“Entrevistadora: Você acha que as cores dependem da luz incidente<br />

Tiago: Sim, eu acho que depende.<br />

Laura: Não, cada cor tem sua cor.<br />

Lílian: Sim. Eu vi em um filme um cara que estava revelando fotos e nesse lugar só<br />

tinha luz vermelha e a blusa dele que era branca, nesse lugar ficou rosa.<br />

Bruno: Sim, depende sim.<br />

Laila: Eu acho que não.”<br />

Nesse conjunto de respostas, notamos que os estudantes que se manifestaram não<br />

expressaram a resposta esperada (a blusa ficaria vermelha, pois o branco reflete todas as cores<br />

e a calça ficaria preta, pois o vermelho foi absorvido) para a primeira pergunta, não<br />

esperávamos que eles falassem sobre a reflexão ou absorção da luz por nunca terem tido<br />

contato com esses assuntos, mas procuramos indagar suas idéias prévias. Com a terceira<br />

pergunta, buscamos complementar a segunda, entretanto poucos responderam. Os que não<br />

responderam justificavam a falta de conhecimento sobre o assunto.<br />

Vale ressaltar que, de acordo com alguns autores, as idéias sobre cor, como qualidade<br />

própria de cada corpo ou associada a uma luz, costumam ser problemáticas para os alunos,<br />

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certamente por falta de vivências diante da iluminação de objetos com luz diferente da branca<br />

(Lahera e Forteza, 2006).<br />

Também percebemos que no momento em que esses estudantes nos davam seus<br />

depoimentos e tentávamos indagar o porquê dessas opiniões, eles não conseguiam nos dar<br />

justificativa alguma.<br />

“Entrevistadora: Como você explica o aparecimento do arco-íris na natureza<br />

Raquel: Aparece quando a luz do sol se mistura.<br />

Lucia: A água salgada evapora e forma o arco-íris.<br />

Daniele: É um conjunto de cor que se forma através da chuva.<br />

Ivan: Quando chove, o sol abre e reflete alguma coisa.<br />

Daniel: A luz reflete na água e forma todas as cores.<br />

Helena: Quando chove, a água evapora, então o sol bate e forma as cores.<br />

Suelem: Lá no cantinho... no final do mundo a luz vai se transformando e forma o arcoíris.<br />

Milton: É quando chove! A luz bate na água e reflete todas as cores.<br />

Débora: A luz do sol bate na água e forma o arco-íris.<br />

Vanessa: Ele aparece porque a água da chuva faz uma fusão.<br />

Roberta: O arco-íris é bíblico, é um pacto com Deus.<br />

Lucas: O arco-íris vem para secar a água da chuva.<br />

Jacqueline: Ele aparece porque os raios ultravioletas batem na água e sobe o arco-íris.<br />

Laila: Depois que chove, faz sol, eu acho que é por isso que tem arco-íris.<br />

Bruno: O sol bate na água e reflete todas as cores.”<br />

Os depoimentos revelam que a possibilidade de aparecer o arco-íris está ligada a<br />

presença do sol e da chuva, ou ao fenômeno da reflexão da luz do sol na água, entre outras<br />

justificativas. Não há resposta a partir da concepção de mudança de direção da luz solar ao<br />

incidir nas gotículas de água, e que ao atravessá-la se decompõe em inúmeras cores.<br />

Portanto, consideramos todas as respostas incompletas ou não válidas.<br />

Vale ressaltar que não esperávamos ouvir dos estudantes justificativas que abarcassem<br />

conceitos mais elaborados como o da refração 10 da luz, por nunca terem tido um contato<br />

formal com esse assunto.<br />

• Respostas após a intervenção:<br />

Notamos após a intervenção que um número maior de alunos externou suas opiniões<br />

durante as entrevistas, aparentando estar mais desinibido. Observamos esse padrão de<br />

comportamento em todos os grupos escolares entrevistados.<br />

Foi possível perceber que os depoimentos sofreram modificações pelos significados<br />

compartilhados e os questionamentos trazidos com as novas informações que foram<br />

socializadas. Observamos que a lembrança de um complementou a resposta do outro.<br />

Vejamos a seguir as concepções dos participantes após interagirem com os aparatos<br />

experimentais e as falas apresentadas são referentes às dos mesmos alunos citados<br />

anteriormente.<br />

“Entrevistadora: Imaginem que durante o dia você foi ao shopping e comprou uma<br />

calça azul e uma blusa branca para usar em uma festa à noite. Ao chegar à festa observa<br />

que toda iluminação é vermelha. Ao olhar para sua roupa (calça e blusa), que cores você<br />

verá<br />

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Luciana: A blusa fica avermelhada e a calça fica roxa.<br />

João: A calça ficará preta, por causa da ausência de cor e a blusa fica vermelha.<br />

Maurício: A calça fica preta e a blusa fica rosa.<br />

Leonardo: A blusa ficará rosa e a calça roxa.<br />

Janaina: A blusa fica rosa e a calça azul.<br />

Carlos: A blusa fica vermelha e a calça fica preta.<br />

Alessandra: A blusa fica rosa e a calça preta. Eu acho que as cores mudaram de cor por<br />

causa da luz.”<br />

As respostas dos estudantes para essa pergunta nos mostraram que alguns alunos ainda<br />

tinham dúvidas sobre essa questão, entretanto grande parte respondeu adequadamente. Dentre<br />

as respostas, um aluno associou o preto com a ausência de cor. Notamos nos dois grupos de<br />

estudantes que afirmavam que a calça ficaria roxa, outros disseram que a blusa ficaria rosa.<br />

Pudemos observar ao longo das falas dos alunos que a resposta de um colega fazia o<br />

outro refletir sobre o aparato experimental gerando conversas paralelas e esse aluno, ao<br />

retomar a fala, expressava uma nova opinião, sendo esta correta.<br />

“Entrevistadora: Você acha que as cores dependem da luz incidente”<br />

Tiago: Sim, lá na sala da cores eu vi a cor da luz mudar as cores que estavam nos<br />

quadradinhos.<br />

Laura: Sim, eu acho que muda.<br />

Lílian: Muda sim.<br />

Bruno: Sim, agora eu sei que depende, a cor da minha blusa foi mudada por causa da<br />

luz da lâmpada.<br />

Laila: Sim, agora eu sei que depende, a cor da minha blusa foi mudada por causa da luz<br />

da lâmpada.”<br />

Nessa pergunta a resposta sim foi unânime entre os alunos entrevistados. Alguns<br />

completaram suas respostas retomando as experiências vivenciadas durante suas interações<br />

com os aparatos experimentais, enquanto outros responderam apenas sim, expressando<br />

convicção.<br />

“Entrevistadora: Como você explica o aparecimento do arco-íris na natureza<br />

Raquel: A luz do sol entra nas gotas de água, muda de direção e forma o arco-íris. A<br />

gente vê o arco-íris grande por causa da distância entre as gotas e ele, quanto mais<br />

distante das gotas maior ele fica.<br />

Lúcia: A luz bate na água e se desvia, depois de se desviar se divide em muitas cores,<br />

formando o arco-íris.<br />

Daniele: Quando chove e faz sol, a luz do sol entra nessas gotas e muda de posição, a<br />

luz assim que sai se divide em muitas cores.<br />

Helena: A luz bate na água e a luz do sol se desvia e aí se divide em todas as cores.<br />

Suelem: A luz do sol bate nos pingos d’água depois da chuva e forma todas as cores.<br />

Milton: A luz bate nas gotas após a chuva e forma o arco-íris.<br />

Débora: Quando acaba de chover e aparece o sol, as gotas da chuva é como se fosse o<br />

prisma e a luz bate e ao sair das gotas de chuva aparece o arco-íris.<br />

Vanessa: Quando chove as gotas da água se comportam como milhões de prismas,<br />

como aquele que nós vimos na experiência e a luz ao incidir nos prismas se decompõe.<br />

Roberta: Eu acho que a luz entra no prisma e sai virando o arco-íris.<br />

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Lucas: A luz é desviada pela água, a água é o meio transparente e esse meio desvia a<br />

luz formando o arco-íris.<br />

Jacqueline: Quando chove e faz sol aparece o arco-íris.<br />

Laila: A luz do sol entra nos pingos d’água e ao sair forma o arco-íris.<br />

Bruno: A luz do sol passa pelas gotas da água e então reflete as cores no céu, essas<br />

cores são o arco-íris.”<br />

Ao avaliarmos esses últimos depoimentos, percebemos que alguns alunos justificaram<br />

as condições necessárias para que apareça o arco-íris por meio de argumentos mais<br />

elaborados. Alguns alunos buscavam explicar suas respostas, enquanto outros não, desta<br />

forma, ao encerrarem seus depoimentos, intervirmos perguntado o porquê de suas falas ou<br />

afirmações, assim eles complementavam suas respostas.<br />

Também observamos que as falas dos estudantes que não propiciavam nenhum avanço<br />

aparente na explicação do aparecimento do arco-íris representavam um indício da sua<br />

participação nos raciocínios que estavam sendo compartilhados pelo conjunto de alunos e<br />

entrevistador.<br />

4.3. Discussão<br />

Notamos nas falas das pessoas entrevistadas que a distância dos museus e centros de<br />

ciências em relação às suas residências tem sido um fator determinante para a não visitação a<br />

esses locais, pois no Rio de Janeiro, todos os centros de divulgação científica estão<br />

localizados em seu grande centro ou arredores (ABCMC e Fiocruz, 2005).<br />

De acordo com Chaves e Shellard, 2005: “(...) no Brasil, os centros difusores da<br />

ciência estão mais concentrados em 12 estados, liderados por São Paulo, Rio de Janeiro e Rio<br />

Grande do Sul”, situando – se, geralmente nos grandes centros. Dessa forma, dentre os<br />

inúmeros fatores que dificultam a inserção desses centros difusores junto à sociedade,<br />

podemos destacar suas localizações geográficas.<br />

Ao investigarmos o impacto de nossas atividades sobre os visitantes por meio da<br />

segunda pergunta em diante, notamos que as concepções em relação à conexão da luz incidida<br />

sobre um corpo com a cor observada no mesmo revelaram-nos que a partir das vivências dos<br />

estudantes, eles perceberam a presença dessa relação, pois nos relataram, mediante uma<br />

situação do cotidiano proposta por nós na primeira pergunta, que alguns objetos mudam de<br />

cor em função da luz que os ilumina. Entretanto, notamos uma contradição quando a pergunta<br />

tornou-se mais especifica, ao indagarmos se uma cor depende da luz incidente e grande parte<br />

desses alunos afirmou que não. Desse modo, pudemos detectar mediante suas justificativas<br />

que a cor continuava a ser para eles uma propriedade inerente de cada corpo, sem relação com<br />

a luz que o ilumina.<br />

Esses depoimentos de pré-intervenção nos mostraram que, ao criarmos uma situação<br />

problema na pergunta, os alunos citam situações que já tenham sido presenciadas por eles e<br />

tentam relacioná-las com as situações que estão sendo colocadas como objeto de estudo. De<br />

certa forma, eles recorreram à bagagem de informações que foi construída em sua história de<br />

vida por meio de interações pessoais com os fenômenos naturais. Contudo, perguntas que<br />

indagaram diretamente o fenômeno causaram dúvidas aos estudantes, ao relatarem respostas<br />

não aceitas.<br />

Após a intervenção experimental, grande parte das respostas permaneceu descritiva (o<br />

aluno descreve a cor observada) para a segunda pergunta, contudo observamos respostas que<br />

manifestaram justificativas para o fenômeno em questão, embora numa linguagem não<br />

formal, como exemplo: “a calça ficou preta por causa da falta de cor”. Para a terceira pergunta<br />

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da entrevista, encontramos uma reestruturação na concepção sobre a cor dos corpos, pois<br />

todos os alunos que participaram da entrevista responderam que a cor depende da luz que os<br />

ilumina.<br />

Sobre o fenômeno da formação do arco-íris, indagado na quarta pergunta da entrevista,<br />

notamos que para esses estudantes a ocorrência do fenômeno estava predominantemente<br />

ligada apenas à descrição do aparecimento do sol e a chuva. Também encontramos alusões à<br />

reflexão do sol na água, fusão da água da chuva, raios ultravioletas que demonstraram<br />

concepções não aceitáveis e confusas.<br />

As mudanças nas respostas dos alunos sugeriram um impacto favorável após a<br />

intervenção experimental. Atribuímos essa melhora ao aparato experimental “Construindo o<br />

arco-íris”. Vale destacar que as novas concepções apresentadas, a partir dessa pergunta,<br />

proporcionaram resultados melhores do que para a quarta pergunta do questionário que<br />

também investigou as concepções sobre a decomposição da luz solar. Essa diferença se deu<br />

em função do caráter das perguntas.<br />

Observamos nos depoimentos que, na tentativa de buscar soluções para novos<br />

problemas, o aluno traz consigo algumas idéias ou crenças já formuladas que afetaram as<br />

observações feitas, bem como as inferências daí derivadas. Considerando que em sua<br />

experiência diária permeia a noção do sol emitir luz branca ou amarela, em função de<br />

questões sócio-culturais (desenhos animados, revistas em quadrinhos, televisão), em que estão<br />

inseridos (aspecto que exige um novo aprofundamento), não foi possível superar os limites<br />

explicativos das noções espontâneas. Em contraposição, a quarta pergunta da entrevista<br />

investiga as idéias espontâneas sobre um fenômeno da natureza (decomposição da luz),<br />

observado no módulo experimental, no qual se criou um conflito cognitivo entre as idéias do<br />

senso comum com as concepções suscitadas pelo módulo experimental. Assim, observa-se<br />

um melhor entendimento do fenômeno em questão e que desencadeou em um impacto<br />

positivo do experimento sobre esses estudantes.<br />

5. Conclusões<br />

Concluímos, ao examinarmos os resultados deste estudo, que o impacto das nossas<br />

atividades museais 11 possibilitou uma avaliação qualitativa no sentido da compreensão dos<br />

conceitos científicos por parte dos sujeitos envolvidos. Também proporcionou uma visão<br />

panorâmica de como as atividades experimentais com vieses interativos e lúdicos têm<br />

implicações importantes e significativas ao influenciar o senso comum das pessoas.<br />

Tivemos como objetivo, ao realizar entrevistas, demonstrar que a exposição científica<br />

cumpriu com o seu papel de iniciar processos de aquisição de conhecimentos, bem como<br />

despertar no sujeito o interesse e gosto pela ciência. Vale destacar que, ao encerrarmos nossas<br />

atividades em uma das escolas envolvidas na pesquisa – Escola Municipal Janir Clementino<br />

Pereira, em Nova Iguaçu – um sensível número de alunos nos perguntou quando voltaríamos<br />

e declararam que “haviam gostado muito”.<br />

Também se pôde perceber neste trabalho que os projetos que visam a interiorização da<br />

ciência são de extrema importância para toda a sociedade, podendo significar uma<br />

oportunidade de formação continuada para os professores das escolas atendidas, aproximar os<br />

saberes científicos dos saberes escolares e oferecer amplas possibilidades para a abordagem<br />

interdisciplinar de temas científicos de interesse social, de modo a instrumentar alunos, pais<br />

de alunos, professores e outros profissionais do ensino para o desempenho consciente da<br />

cidadania.<br />

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6. Referências bibliográficas<br />

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Física: contribuições de pesquisas com enfoques diferentes. Rev. Ensino Fís., 5 (2), 3-16.<br />

Notas<br />

(1) Pavão, 2006 apud Prates, 2006: 31.<br />

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(2) Programa internacional de avaliação dos conhecimentos de jovens de 15 anos no ensino<br />

regular desenvolvido e coordenado internacionalmente pela Organização para Cooperação e<br />

Desenvolvimento Econômico (OCDE), aplicado em 2000, 2003 e 2006, nas áreas de<br />

Português, Matemática e Ciências. No Brasil, o Pisa é coordenado pelo Inep (Instituto<br />

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira”).<br />

(3) CIPCE, 1997 apud Padilla, 2002: 114.<br />

(4) Thomas Kuhn em seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” discute que a ciência<br />

não é uma transição suave do erro à verdade, e sim uma série de crises ou revoluções,<br />

expressas como "mudanças de paradigmas", de acordo com o autor: “(..) estas transformações<br />

de paradigmas (...) são revoluções científicas e a transição sucessiva de um paradigma a outro,<br />

por meio de uma revolução, é o padrão usual de desenvolvimento da ciência amadurecida”.<br />

Kuhn (2005: 32).<br />

(5) Enviamos aos responsáveis dos estudantes e aos estudantes maiores de idade que<br />

participaram da pesquisa um TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO<br />

(de acordo com as Normas da Resolução nº. 196, do Conselho Nacional de Saúde de 10 de<br />

outubro de 1996).<br />

(6) O Centro de Ciência e Cultura do CEFET Química está situado no Centro Federal de<br />

Educação Tecnológica de Química, em Nilópolis, RJ. Apresentou sua primeira exposição<br />

científica no ano de 2004 e, desde então, vem desenvolvendo exposições temáticas.<br />

(7) Projeto da prefeitura de Mesquita que visa levar serviços públicos, atividades educativas e<br />

de lazer para a população, em diversos bairros do município de Mesquita.<br />

(8) A Semana Nacional de Ciência e Tecnologia acontece anualmente no mês de outubro,<br />

desde 2004, quando foi criada por um decreto presidencial. É coordenada pelo Ministério da<br />

Ciência e Tecnologia (MCT) e cresce a cada ano. A idéia é mobilizar a população, em<br />

especial crianças e jovens, em torno de temas e atividades de C&T, valorizando a<br />

criatividade, a atitude científica e a inovação. Pretende também chamar a atenção para a<br />

importância da ciência e da tecnologia para a vida de cada um e para o desenvolvimento do<br />

País, assim como contribuir para que a população possa conhecer e discutir os resultados, a<br />

relevância e o impacto das pesquisas científicas e tecnológicas e suas aplicações.<br />

(9) EJA (Educação de Jovens e Adultos) etapa IV – equivalente ao 8º/9º ano do Ensino<br />

Fundamental.<br />

(10) A refração ocorre quando os raios luminosos, ao atravessarem a superfície de separação<br />

de dois meios transparentes, (como por exemplo, ar e água), sofrem desvio nas suas direções<br />

originais de propagação.<br />

(11) A expressão “MUSEAL” é aqui utilizada abrangendo qualquer ação inerente a museu ou<br />

centro de ciências.<br />

- G.R. Pereira é Licenciada em Física, Mestre em Ensino de Ciências (IOC/FIOCRUZ).<br />

Atua como Professora do Ensino Médio Técnico (CEFET Química) e do curso de graduação<br />

em Produção Cultural. É Orientadora e Professora do Curso de Especialização em Educação<br />

Profissional de Jovens e Adultos (Especialização em Produção Cultural, CEFET Química) e<br />

Coordenadora do Centro de Ciência e Cultura (CEFET Química). E-mail para<br />

correspondência: grazielle@cefeteq.br. Endereço para correspondência: Centro de Ciência e<br />

Cultura, CEFET Química/Unidade Nilópolis. Rua Lúcio Tavares, 1045, Centro, Nilópolis, RJ<br />

26530-060. Telefone para contato: 55-21-2691-9816. Fax: 55-21-2691-1811. M.V. Chinelli é<br />

Química e Pedagoga, Especialista em Ensino de Ciências (Universidade Federal Fluminense,<br />

UFF), Mestre em Educação (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ) e Doutoranda<br />

em Ensino de Ciências (IOC/FIOCRUZ). É Orientadora do Curso de Especialização em<br />

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Educação Profissional de Jovens e Adultos (CEFET Química) e Diretora de Graduação<br />

(CEFET Química), à qual está vinculado o Centro de Ciência e Cultura. E-mail para<br />

correspondência: mchinelli@cefeteq.br. R. Coutinho-Silva é Especialista em Ensino de<br />

Ciências (Exploratorium, EUA) e Doutor em Ciências Biológicas (UFRJ). Atua como<br />

Professor Associado no Programa de Imunobiologia (IBCCF, UFRJ), Coordenador<br />

Pedagógico do Museu Participativo de Ciências Espaço Ciência Viva e Orientador no<br />

Programa de Pós Graduação em Ensino de Biociências e Saúde (FIOCRUZ). E-mail para<br />

correspondência: rcsilva@biof.ufrj.br.<br />

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Anexo I<br />

Questionário<br />

1 – Série em que estuda:<br />

( ) 1ª Série do Ensino Médio<br />

( ) 2ª Série do Ensino Médio<br />

2 – Data de nascimento: __/__/____<br />

3 – Você trabalha<br />

( ) Sim<br />

( ) Não<br />

4 – Marque X nos lugares de que você já ouviu falar:<br />

( ) Casa da Ciência/UFRJ<br />

( ) Espaço Ciência Viva<br />

( ) Museu do Universo (Planetário)<br />

( ) Museu da Vida/FIOCRUZ<br />

( ) Museu de Astronomia (MAST)<br />

( ) Museu Nacional (Museu da Quinta da Boa Vista)<br />

( ) Observatório Nacional<br />

( ) Outros. Quais ____________________________________________________<br />

5 – Caso você tenha marcado alguma das opções acima, informe: onde você ouviu falar<br />

desse ou desses lugares<br />

( ) televisão<br />

( ) jornal<br />

( ) amigos<br />

( ) professores<br />

( ) outros. Quais ____________________________________________________<br />

6 – Você já visitou algum desses lugares<br />

( ) Sim<br />

( ) Não<br />

7 – Caso sua resposta tenha sido sim, assinale, abaixo, os lugares que já visitou:<br />

( ) Casa da Ciência/UFRJ<br />

( ) Espaço Ciência Viva<br />

( ) Fundação Planetário do Rio de Janeiro<br />

( ) Museu da Vida/FIOCRUZ<br />

( ) Museu de Astronomia (MAST)<br />

( ) Museu Nacional (Museu da Quinta da Boa Vista)<br />

( ) Observatório Nacional<br />

( ) Outros Quais ___________________________________________________<br />

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Artigo Científico<br />

Afetividade, motivação e construção de conhecimento científico<br />

nas aulas desenvolvidas em ambientes naturais<br />

Affect, motivation and scientific knowledge build up in science classes developed in natural<br />

environment<br />

Tatiana Seniciato e Osmar Cavassan<br />

Pós-graduação em Educação em Ciências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru,<br />

São Paulo, Brasil<br />

Resumo<br />

A pesquisa evidencia a relação entre os aspectos emocionais e a construção de conhecimento<br />

científico em aulas de ciências desenvolvidas em ecossistemas terrestres naturais. Um total de<br />

97 alunos de sexta série do ensino fundamental de uma escola municipal participou da<br />

pesquisa. A fundamentação teórica utilizada para análise dos dados baseia-se na teoria de<br />

Piaget. Os dados obtidos indicam que a motivação e o interesse são mais freqüentes nas aulas<br />

de ciências desenvolvidas em ambientes naturais quando comparadas às aulas expositivas<br />

tradicionais, porque permitem aos estudantes integrarem os tipos de conhecimento necessários<br />

à construção do conhecimento científico, definidos por Piaget como sendo conhecimentos<br />

perceptivo, experimental e lógico- matemático. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 120-<strong>13</strong>6.<br />

Palavras-chave: Afetividade; motivação; conhecimento científico; ensino de<br />

ciências.<br />

Abstract<br />

The research shows the relationship between the emotional aspects in science classes given in<br />

natural terrestrial ecosystems and the construction of scientific knowledge. The research has<br />

been accomplished with 97 students of the sixth grade of a public school. The theoretical lines<br />

used for the data analysis are constant in Piaget’s theory. The obtained results indicate that<br />

motivation and interest are more frequent in science classes given in the natural environment<br />

compared to those traditional lectures. The science classes given in a natural environment are<br />

more efficient by letting the students integrate the three types of knowledge necessary to the<br />

construction of the scientific knowledge, defined by Piaget as been perceptive, experimental<br />

and logic-mathematical. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 120-<strong>13</strong>6.<br />

1. Introdução<br />

Keywords: affect; motivation; scientific knowledge; science teaching.<br />

Ensinar ciências de modo significativo tem sido motivo de pesquisas em educação em<br />

ciências, bem como de inquietação para os professores de ciências. A dificuldade de colocar<br />

em prática os novos pressupostos, frutos de pesquisas na área de ensino de ciências, decorre<br />

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tanto da própria complexidade da natureza, quanto das concepções filosóficas e crenças dos<br />

educadores sobre o caráter do conhecimento científico e o modo como os alunos aprendem.<br />

No campo das concepções filosóficas, os obstáculos enfrentados têm origem no<br />

paradigma cartesiano que influenciou fortemente a produção científica bem como o ensino<br />

das disciplinas científicas ainda em tempos contemporâneos. Como conseqüência do método<br />

analítico para o caso específico do ensino das ciências naturais, Morin (1990, 2000, 2001)<br />

aponta a fragmentação dos conteúdos e o privilégio dos aspectos racionais nos processos de<br />

aprendizagem em detrimento de uma visão complexa dos fenômenos naturais e da própria<br />

condição humana. Procurando superar o que diz ser O erro de Descartes, Damásio (2001)<br />

dirá, com base nos estudos sobre a neurobiologia, que as emoções são inseparáveis e<br />

imprescindíveis nos processos de raciocínio e nas modulações das características cognitivas<br />

que garantiram a evolução da nossa espécie.<br />

Embora a questão dos aspectos subjetivos na educação seja muito mais amplamente<br />

discutida no âmbito da psicologia (Piaget, 2001; Wallon, 1995, Vigotski, 1998) ou mesmo da<br />

filosofia, pode-se notar algum avanço no caso particular do ensino de ciências, sobre o papel<br />

de interesses e motivações, dos sentimentos e das emoções para a aprendizagem dos<br />

conteúdos científicos.<br />

De modo geral, as pesquisas indicam que o envolvimento de emoções positivas nas<br />

aulas de ciências favorece o salto qualitativo na aprendizagem de determinado assunto. Por<br />

exemplo, Laukenmann (2003) discute o impacto dos fatores emocionais na aprendizagem em<br />

aulas de física, cujos resultados mostram que o bem-estar e o interesse, entendidos como uma<br />

construção cognitivo-emocional, desempenham um papel significante na aprendizagem,<br />

especialmente nas fases iniciais de apresentação do problema ou aquisição de dados, mas são<br />

menos efetivos na fase de demonstração do experimento. Mostram também que a sensação de<br />

alegria nas aulas de física se relaciona intimamente ao processo de aprender, sempre<br />

considerado em uma perspectiva individual de engajamento e competência cognitiva.<br />

Para Watts (2001), toda a aprendizagem, inclusive dos conteúdos científicos, tem uma<br />

dimensão afetiva. Sentimentos e emoções modulam as atitudes, os gostos, a disposição e a<br />

motivação em aprender, tanto promovendo encantamento e interesse, quanto hostilidade e<br />

aversão. Para ilustrar tais argumentos, Reiss (2005) cita o caso da paixão de qualquer grande<br />

cientista por seu objeto de estudo; por outro lado, Alsop (2005), alerta para o declínio no<br />

interesse em aprender as disciplinas científicas, dada a frieza e a mecanicidade na abordagem<br />

dos conteúdos.<br />

As pesquisas em ensino de ciências são mais freqüentes na área dos modelos<br />

cognitivos de aprendizagem, focados principalmente em fatores como estratégias<br />

metacognitivas, de decodificação e de automatização, afirmam Bonney e colaboradores<br />

(2005). Contudo, há necessidade de se considerar também fatores não cognitivos tais como as<br />

motivações, especialmente quando examinamos o envolvimento cognitivo em sala de aula,<br />

podendo variar de acordo com a tarefa, os objetivos e as atividades adotadas. Consideram<br />

motivação mais como um processo que um produto, e pode ser entendida como mediadora da<br />

relação entre determinada estratégia de instrução e o alcance desejado em termos de<br />

aprendizagem. Como mediadora, pode englobar a autocrítica do aluno, o objetivo<br />

estabelecido, o valor da tarefa proposta e o interesse propriamente dito. Por interesse os<br />

autores entendem uma atração, um encantamento ou uma conexão geral estabelecida para um<br />

domínio ou disciplina em particular. Santos (1997) também defende que a influência dos<br />

aspectos afetivos no ensino de ciências deve constituir nova agenda para as pesquisas na área.<br />

Em termos de estratégias de ensino de ciências, as aulas práticas são comumente<br />

apontadas como mais interessantes e motivadoras, quando comparadas às tradicionais aulas<br />

teóricas, principalmente por incluírem os fenômenos nos contextos de aprendizagem. E dentro<br />

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dessa abordagem interessa-nos, particularmente, as aulas práticas desenvolvidas em ambientes<br />

naturais.<br />

Orion e colaboradores (1997) classificam em dois tipos os ambientes nos quais são<br />

desenvolvidas atividades de campo: industriais e naturais. A diferença fundamental entre eles<br />

é que os ambientes naturais favorecem abordagens investigativas (aprendizagem ativa),<br />

enquanto que nos industriais são mais freqüentes as abordagens demonstrativas<br />

(aprendizagem passiva). Além disso, os ambientes naturais permitem maior integração entre<br />

os fatores cognitivos e os afetivos.<br />

É o que ocorre com freqüência em aulas de ciências desenvolvidas em ambientes<br />

naturais, principalmente se o ambiente de estudo for próximo da realidade dos alunos. Martin<br />

e colaboradores (1981), ao analisarem como as aulas de campo interagem com atividades em<br />

sala de aula e afetam a aprendizagem, concluem que há forte evidência que ambientes<br />

distantes, não conhecidos pelos alunos, são muito menos eficientes em termos de<br />

aprendizagem quando comparados a ambientes familiares aos alunos.<br />

No contexto brasileiro, há uma série de trabalhos, tais como os de Carvalho (1989),<br />

Lopes e Allain (2002), Tabanez e colaboradores (1998), Almeida (1998) Nascimento (2001),<br />

Salles e colaboradores (2002), Moreira e Soares (2002), Rocha 1998) dentre outros, que<br />

discutem a eficácia das aulas de ciências desenvolvidas em ambientes naturais no processo de<br />

sensibilização dos alunos para as questões ambientais, as quais incluem desde a conservação e<br />

preservação dos recursos naturais propriamente ditos, até a manutenção da qualidade de vida<br />

das populações, e como um traço comum entre eles podemos encontrar a tendência de<br />

considerarem as aulas de campo mais motivadoras quando comparadas às aulas tradicionais<br />

nos espaços escolares.<br />

Em uma freqüência menor, existem também pesquisas que descrevem as possíveis<br />

contribuições das aulas de campo em ambientes naturais para a aprendizagem dos conteúdos<br />

científicos (Lisowski e Disinger, 1991; Santos, 1999; Pegoraro, 1998; Santos, 2002), sem<br />

contudo discutirem como ou porque os aspectos emocionais e a motivação auxiliam na<br />

construção do conhecimento científico.<br />

Em trabalhos anteriores (Seniciato e Cavassan, 2003, 2004), procurando avançar<br />

nessas questões, evidenciamos que as aulas de ciências e biologia desenvolvidas em<br />

ambientes naturais podem ser uma metodologia eficaz, tanto por envolverem e motivarem os<br />

alunos nas atividades educativas, quanto por constituírem um instrumento de superação da<br />

fragmentação dos conteúdos.<br />

Deste modo, este trabalho pretende oferecer uma contribuição teórica para a análise<br />

das questões relacionadas à aquisição de conhecimento em atividades de campo, e ao modo<br />

como os aspectos emocionais envolvidos nestas atividades podem auxiliar na construção do<br />

conhecimento científico, tendo como referencial a teoria Piagetiana de construção do<br />

conhecimento.<br />

Definir o que se entende por aspectos emocionais ou a quais aspectos emocionais nos<br />

referimos, é necessário para a condução do trabalho. Alsop (2005) esclarece que alguns<br />

autores usam o termo afeto e emoção como sinônimos; outros incluem emoções, sentimentos,<br />

motivação e atitudes na definição de afetividade. Piaget (2001) enquadra-se nesse último<br />

caso, de modo que por afetividade ou vida afetiva são considerados os sistemas morais,<br />

inicialmente espontâneos e intuitivos, que organizam e nutrem os pensamentos e as<br />

abstrações. Nesse sentido, considera ainda que a motivação provém da vida afetiva.<br />

Em um primeiro momento, será exposta uma breve revisão dos aspectos da teoria de<br />

Piaget os quais realçam a importância da afetividade no desenvolvimento intelectual da<br />

criança, bem como as características do conhecimento científico. Em seguida, serão utilizadas<br />

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situações de aulas reais, desenvolvidas dentro da sala de aula e no campo, para ilustrar os<br />

aspectos teóricos destacados.<br />

2. Afetividade, desenvolvimento mental e construção do conhecimento científico: a<br />

perspectiva Piagetiana<br />

A concepção de inatismo da mente (e portanto das idéias), defendida pela filosofia<br />

cartesiana (René Descartes, 1596-1650) é implicitamente refutada por Piaget em sua teoria<br />

sobre o desenvolvimento da inteligência e da construção dos conhecimentos, para a qual a<br />

criança é concebida como um ser dinâmico, que a todo momento interage com a realidade,<br />

operando com objetos e pessoas. Esta interação com os ambientes físico e social permite a<br />

construção das estruturas mentais e a aquisição de meios que as façam funcionar. O eixo<br />

central de sua teoria, portanto, é a interação do organismo com o meio, em processos<br />

simultâneos de organização interna das estruturas que vão sendo construídas e a adaptação<br />

destas estruturas ao meio.<br />

É a adaptação destas novas estruturas ao meio que configura o próprio<br />

desenvolvimento da inteligência. Tal desenvolvimento, por sua vez, é influenciado pelo<br />

crescimento biológico dos órgãos e por seu conseqüente funcionamento; também, por<br />

aspectos adquiridos ou aprendidos socialmente, como os valores, a linguagem, os costumes,<br />

os padrões culturais e sociais e, por fim, por uma tendência natural de equilibração 3 dos<br />

processos de regulação interna do organismo às novas estruturas (Piaget, 1978).<br />

Por sua vez, o desenvolvimento decorre de uma necessidade, que nada mais é que o<br />

desequilíbrio instaurado com o confronto das estruturas internas do sujeito e o meio externo a<br />

ele. É da tendência de satisfazer uma necessidade, ou de reequilibrar-se, que surgem os dois<br />

mecanismos fundamentais da construção do conhecimento, presentes principalmente nas fases<br />

pré-operatórias e operatórias do pensamento. A primeira tendência é incorporar as coisas e as<br />

pessoas à atividade própria do sujeito, isto é, assimilar o mundo exterior às estruturas já<br />

construídas e, a segunda, é reajustar estas últimas em função das transformações ocorridas, ou<br />

seja, ‘acomodá-las’ aos objetos externos (Piaget, 2001).<br />

Um organismo em relação a seu meio apresenta, ao contrário, múltiplas formas de<br />

equilíbrio, desde o das posturas até a homeostase, sendo estas formas necessárias à sua vida.<br />

Trata-se, então, de características intrínsecas; portanto, os desequilíbrios duradouros<br />

constituem estados patológicos, orgânicos ou mentais. Neste sentido, a gênese da perda do<br />

equilíbrio parece estar intimamente relacionada à proximidade das emoções com o sistema<br />

fisiológico das atitudes e posturas e, para Piaget (1978), o modo como o sujeito age sobre os<br />

objetos é que caracteriza essencialmente os diferentes estágios do desenvolvimento.<br />

A afetividade assume, então, papel de destaque na teoria Piagetiana, à medida que<br />

relaciona-se intimamente à inteligência. Afetividade e inteligência, juntas, constituem os dois<br />

aspectos complementares de toda a conduta humana. Assim, este paralelismo entre a evolução<br />

da afetividade e das funções motoras e cognitivas prosseguirá no curso de todo o<br />

desenvolvimento da infância e adolescência.<br />

De forma geral, Piaget (2001) considera que em toda a conduta, as motivações e o<br />

dinamismo energético provêm da afetividade, enquanto que a técnica e o ajustamento dos<br />

meios empregados constituem o aspecto cognitivo, seja ele sensório-motor ou racional. A<br />

vida afetiva constitui-se, por assim dizer, em um tônico fundamental para a construção das<br />

estruturas lógicas do pensamento.<br />

Na fase em que o pensamento da criança evolui para as operações concretas<br />

(aproximadamente de 7 a 11-12 anos), por exemplo, a afetividade caracteriza-se pela aparição<br />

de novos sistemas morais e, sobretudo, por uma organização da vontade, sendo que a<br />

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organização dos valores que caracteriza esta fase é comparável à própria lógica; é uma lógica<br />

de valores ou ações entre indivíduos, do mesmo modo que a lógica é uma espécie de moral do<br />

pensamento. Em geral, a honestidade, o sentido de justiça e a reciprocidade, constituem<br />

sistemas racionais de valores pessoais, podendo-se, sem exagero, comparar esse sistema aos<br />

“agrupamentos” das relações e noções que estão na origem da lógica, com a única diferença<br />

de que aqui são valores agrupados segundo uma “escala” e não mais em relações objetivas.<br />

Também Piaget (2001) dirá que, se a moral, entendida como coordenação de valores, é<br />

comparável a um “agrupamento lógico”, é preciso então admitir que os sentimentos<br />

interindividuais dão lugar a várias espécies de operações. Parece, à primeira vista, que a vida<br />

afetiva é de ordem puramente intuitiva e que sua espontaneidade exclui tudo que lembra uma<br />

operação da inteligência. Mas, na realidade, esta tese romântica só é verdadeira na primeira<br />

infância, durante a qual a impulsividade impede toda a orientação constante do pensamento e<br />

dos sentimentos. À medida que estes se organizam, observa-se, ao contrário, serem<br />

regulações, cuja forma de equilíbrio final é a vontade. Esta é, então, o verdadeiro equivalente<br />

afetivo das operações da razão.<br />

Em contrapartida, na fase das operações formais que se segue (11 a 12 anos), a vida<br />

afetiva do adolescente afirma-se através da dupla conquista da personalidade e de sua inserção<br />

na sociedade adulta. A personalidade começa no fim da infância (8 a 12 anos) com a<br />

organização autônoma das regras, dos valores e a afirmação da vontade, com a regularização<br />

e hierarquização moral das tendências e com o início da elaboração de um plano de vida. Mas<br />

este plano de vida supõe a intervenção do pensamento e da reflexão livres, e é por isto que só<br />

se elabora quando certas condições intelectuais, como o pensamento formal ou hipotéticodedutivo,<br />

são preenchidas (Piaget, 2001).<br />

Exposto o papel essencial da inteligência e da afetividade para o equilíbrio das formas<br />

superiores do pensamento, no contexto deste trabalho, cabe também ressaltar como se dá a<br />

construção do conhecimento científico, considerando-se a elaboração tanto das estruturas<br />

lógicas quanto morais e afetivas, comuns às diferentes fases do desenvolvimento propostas<br />

por Piaget (1978), mais especificamente aos estágios correspondentes às operações concretas<br />

e formais.<br />

No estágio das operações concretas (7 aos 11 anos), observa-se primeiramente a<br />

conversão do egocentrismo que marcou os estágios anteriores (sensório-motor e préoperatório)<br />

em um início da construção lógica, no âmbito da inteligência, e de valores morais<br />

no plano afetivo, sendo que ambos se constituirão nos instrumentos mentais a serem<br />

utilizados nos estágios posteriores.<br />

Da mesma forma, os processos de assimilação da realidade serão tanto mais efetivos<br />

quanto mais tangíveis e palpáveis forem os fatos, ou seja, as capacidades de abstração e de<br />

conceituação são facilitadas quando a criança tiver sido exposta à dimensão concreta da<br />

realidade. Esta constatação sugere uma reflexão detida e aprofundada na questão do ensino de<br />

ciências para as séries fundamentais: se o pensamento e a inteligência são fruto de uma<br />

constante interação entre o sujeito e a realidade e evoluem para a construção progressiva de<br />

estruturas mentais mais elaboradas e, principalmente, que um determinado estágio do<br />

desenvolvimento utiliza-se das estruturas construídas no estágio anterior para a assimilação e<br />

a acomodação dos novos conceitos e das novas estruturas, é fundamental no estágio em que se<br />

iniciam as primeiras estruturas racionais do pensamento, que se ofereçam aos jovens<br />

estudantes condições favoráveis para que a assimilação tenha o caráter mais racional possível,<br />

de modo a fornecer subsídios eficientes para os estágios posteriores, que são justamente<br />

aqueles nos quais o pensamento atinge sua forma mais elaborada, libertando-se da realidade<br />

concreta e apoiando-se em hipóteses e deduções para compreender a realidade.<br />

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Assim, se o raciocínio se dá mais facilmente por meio da observação concreta dos<br />

objetos ou dos fenômenos, no caso específico do ensino de ciências, a experimentação da<br />

realidade torna-se uma ferramenta de indiscutível validade.<br />

Em complementação, Piaget (1978) afirma que o novo nesta fase do desenvolvimento<br />

é uma série de desequilíbrios fecundos que irão completar as estruturas operatórias já<br />

construídas e pela primeira vez estáveis, construindo sobre sua base “concreta” essas<br />

“operações sobre operações” que constituirão as operações proposicionais ou formais, com<br />

sua propriedade lógico-matemática ou hipotético-dedutiva.<br />

No estágio das operações formais (12 anos em diante), efetua-se no pensamento da<br />

criança, uma transformação fundamental que marca a superação das operações construídas no<br />

estágio anterior, com a passagem do pensamento concreto para o formal ou hipotéticodedutivo<br />

(Piaget, 2001). Nessa fase do desenvolvimento, as operações lógicas começam a ser<br />

transpostas do plano da manipulação concreta para o das idéias, expressas em linguagem<br />

qualquer (palavras, símbolos matemáticos), mas sem apoio da percepção, da experiência, ou<br />

mesmo da crença.<br />

O pensamento formal é, portanto, hipotético-dedutivo, isto é, capaz de deduzir as<br />

conclusões de puras hipóteses e não somente através de uma observação real. Suas conclusões<br />

são válidas, mesmo independentemente da realidade de fato, sendo por isto que esta forma de<br />

pensamento envolve uma dificuldade e um trabalho mental muito maiores que o pensamento<br />

concreto. Para Piaget (2001), o pensamento formal ou a lógica das proposições é a tradução<br />

abstrata das operações concretas, não no sentido da interdependência, mas sim de<br />

continuidade.<br />

A lógica e a abstração próprias da assimilação e da acomodação dos conceitos no<br />

pensamento formal são imprescindíveis à construção dos processos de objetividade<br />

característicos do pensamento científico. Imprescindíveis, porém não exclusivos. Para Piaget<br />

(1978), não é possível a elaboração do pensamento científico somente com as estruturas<br />

lógico-matemáticas do pensamento, ou tão somente através da experimentação, mas sim de<br />

sua integração. Excluir a lógica, seria atribuir as propriedades ao objeto observado na<br />

experiência enquanto que, excluir a experiência, seria suprimir os dados passíveis de<br />

organização e sistematização. É, portanto, somente pela relação dos dois fatores que se torna<br />

possível a construção do pensamento científico.<br />

Neste sentido, nas operações formais, o equilíbrio é atingido quando a reflexão<br />

compreende que sua função não é contradizer, mas se adiantar e interpretar a experiência.<br />

Este equilíbrio, então, ultrapassa amplamente o do pensamento concreto, pois, além do mundo<br />

real, engloba as construções indefinidas da dedução racional e da vida interior. (Piaget, 2001).<br />

Na verdade, a teoria Piagetiana reconheçe três formas distintas de conhecimento, quais<br />

sejam: os conhecimentos adquiridos pela experiência física (advindos da experiências com os<br />

objetos e suas relações); os conhecimentos estruturados por uma programação hereditária,<br />

como é o caso de certas estruturas perceptivas (visão das cores, reconhecimento das<br />

dimensões espaciais etc); e, por fim, os conhecimentos lógico-matemáticos, que se tornam<br />

independentes da experiência e que, se no início procedem dela, não parecem tirados dos<br />

objetos como tais, mas das coordenações gerais das ações exercidas pelo sujeito sobre os<br />

objetos (Piaget, 1996).<br />

Entretanto, as formas superiores de pensamento tendem a se utilizar de todos estes<br />

conhecimentos para interpretar e agir sobre a realidade, justamente por haver entre eles<br />

relações de gênese e estrutura. O conhecimento experimental é tão importante para o<br />

desenvolvimento do homem quanto o conhecimento lógico-matemático e, mesmo sendo de<br />

origem exógena, está indissociavelmente a ele ligado porque, embora o conhecimento lógico-<br />

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matemático tenha sua origem nas coordenações gerais da ação, não há ação, assim como não<br />

há funcionamento, sem objeto.<br />

Outra razão que aponta para a compreensão da relação entre o conhecimento<br />

experimental e o lógico-matemático é o fato de as representações necessárias entre as<br />

experiências físicas e a formação do pensamento não serem provenientes de um quadro<br />

hereditário, porque não há idéias inatas, mas sim de um quadro lógico-matemático que<br />

permite o estabelecimento de relações, correspondências e medidas com experiências<br />

anteriores ou conceitos formados nos estágios precedentes.<br />

Do mesmo modo, pode-se falar que a experiência perceptiva dos sentidos não consiste<br />

em puro registro ou na simples “leitura” da experiência, à medida que levam a uma<br />

organização do espaço pelo estabelecimento de relações ativas e progressivas, relações estas<br />

que podem ser simples transportes visuais de um elemento para outro ou relações complexas<br />

de transposições, que são a origem das proporções, das relações de tamanho e também de<br />

referências individuais.<br />

As relações são instrumentos lógicos e o estabelecimento de relações é uma lógica e<br />

até mesmo lógico-matemática (proporções e coordenadas), de tal maneira que, mesmo no<br />

nível perceptivo, o conhecimento físico supõe este quadro necessário de natureza lógicomatemática.<br />

(Piaget, 1996).<br />

Com base nesses pressupostos, supõe-se que a educação deva possibilitar à criança um<br />

desenvolvimento amplo e ao mesmo tempo dinâmico, desde os estágios iniciais do<br />

desenvolvimento até o das operações formais. No caso específico do ensino de ciências, as<br />

metodologias empregadas devem considerar os esquemas de assimilação da criança, propor<br />

atividades desafiadoras e, sobretudo, motivadoras, que provoquem desequilíbrios e<br />

reequilibrações, promovendo a descoberta e a construção do conhecimento em todas as suas<br />

formas.<br />

A seguir serão analisadas as contribuições dos aspectos emocionais, presentes durante<br />

as aulas de ciências desenvolvidas em ambientes naturais brasileiros, para a construção dos<br />

conhecimentos científicos, bem como discutir como tais atividades podem favorecer a<br />

integração das formas de conhecimento necessárias à construção do conhecimento científico.<br />

3. O desenvolvimento das aulas<br />

A pesquisa foi realizada com 6 ª séries do ensino fundamental de uma escola pública<br />

municipal de Bauru/SP, divididas em três turmas, num total de 97 alunos (entre 11 e 14 anos)<br />

matriculados à época do desenvolvimento da pesquisa, em agosto de 2001. Foram oferecidos,<br />

também, três dias, um para cada turma, para serem desenvolvidas as aulas teóricas antes da<br />

aula de campo. O local escolhido para o desenvolvimento das aulas de campo foi o Jardim<br />

Botânico Municipal de Bauru.<br />

As aulas teóricas foram realizadas de 06 a 08 de agosto de 2001, das 07h00 às 11h30,<br />

sendo um dia para cada 6 ª série. Numa breve apresentação para a classe, foi exposto que a<br />

autora e a monitora eram da universidade e estavam ali para colaborar com a escola e com a<br />

formação dos alunos e também que as aulas teóricas tinham por finalidade preparar os alunos<br />

para desenvolverem as aulas de campo no Jardim Botânico.<br />

Nestas aulas, foram apresentados conceitos sobre biogeografia, ecossistemas terrestres<br />

brasileiros, componentes bióticos e abióticos de um ecossistema, formas de vida,<br />

biodiversidade, relações entre os seres vivos e adaptações dos seres vivos ao ambiente. Para<br />

isto, foram utilizados conjuntamente recursos expositivos e visuais, como transparências e<br />

fotos. As fotos das árvores nativas, apresentadas em transparências, foram retiradas de<br />

Lorenzi (1998).<br />

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Durante as aulas teóricas, uma monitora se juntou aos alunos e anotou, em um diário<br />

de classe, todas as observações e perguntas que foram feitas, além de aspectos do<br />

comportamento dos alunos no desenvolvimento dessas aulas.<br />

As aulas de campo foram agendadas de <strong>13</strong> a 15 de agosto de 2001, das 7h00 às<br />

12h00. Ainda em sala de aula, os alunos foram orientados sobre o modo como deveriam se<br />

comportar durante a aula no Jardim Botânico, sobre os cuidados que deveriam tomar para<br />

evitarem acidentes e, sobretudo, sobre os objetivos da aula, que seriam basicamente verificar,<br />

em um ambiente natural, muitos dos assuntos e conceitos vistos em sala de aula, além de<br />

outros que só seriam estudados lá.<br />

No Jardim Botânico, antes do início da trilha, os alunos foram novamente orientados<br />

quanto ao seu comportamento e à condução da aula. Durante a trilha, chamou-se a atenção<br />

para alguns pontos vistos em sala de aula, como os diferentes ecossistemas, a serapilheira, as<br />

diferentes espécies e formas de vida, algumas relações interespecíficas e algumas adaptações.<br />

Muitos alunos também apontavam situações ou fenômenos interessantes que serviam para<br />

conseqüentes explicações dos conceitos vistos em sala de aula.<br />

Para a aula de campo, foram necessários mais monitores. Havia três monitores nos<br />

dois primeiros dias e dois no último dia. Os monitores, além de auxiliarem a autora no<br />

esclarecimento de dúvidas, também anotavam, em um diário de campo, todas as observações<br />

espontâneas, perguntas e o comportamento dos alunos no decorrer da aula. A professora da<br />

escola auxiliou exclusivamente na questão da disciplina, deixando a aula totalmente sob<br />

responsabilidade da autora e das monitoras.<br />

Vale ressaltar que os alunos não sabiam que os monitores estavam anotando suas<br />

considerações e perguntas, evitando-se assim, criarem-se constrangimentos ou manifestações<br />

artificiais que pudessem inibir as expressões espontâneas e, conseqüentemente, comprometer<br />

a fidedignidade dos dados da pesquisa. A presença dos monitores foi justificada como sendo<br />

colaboradores para o desenvolvimento das aulas. As anotações dos monitores foram<br />

transcritas para serem incluídas nas categorias a serem analisadas.<br />

4. A escolha do Jardim Botânico Municipal de Bauru<br />

O Jardim Botânico Municipal é administrado pela Prefeitura Municipal de Bauru/SP,<br />

através de sua Secretaria Municipal do Meio Ambiente. A maior parte da área é composta por<br />

fragmentos de cerrado e mata estacional semidecidual (Pinheiro, 2000), ecossistemas<br />

atualmente ameaçados pelo rápido crescimento urbano e aumento das áreas destinadas à<br />

agropecuária. Possui também trechos de solo hidromórfico, com vegetação paludosa e de<br />

áreas perturbadas em processo de recuperação. É constituído ainda por uma sede<br />

administrativa, um orquidário, um viveiro de mudas de espécies nativas, um pequeno arboreto<br />

e uma praça de plantas medicinais.<br />

Além de área de preservação, o Jardim Botânico poder ser utilizado para as atividades<br />

de pesquisa científica, de ensino, lazer para a população e educação ambiental. Para tanto,<br />

dispõe de uma trilha ecológica com aproximadamente 1080 metros de percurso e largura<br />

média de 1,20 metros, situada à margem direita do córrego Vargem Limpa, cujo início se dá<br />

no trecho de solo hidromórfico e atravessa trechos de mata estacional semidecidual 1 e de<br />

cerrado 2 . Os dois tipos de vegetação são comuns em toda a região de Bauru sendo, portanto,<br />

familiares aos alunos o que, segundo Martin e colaboradores (1981), é fundamental para o<br />

bom desenvolvimento de uma aula de campo.<br />

Por reunir todas estas características e ainda por oferecer segurança e relativo conforto<br />

a alunos e professores, a trilha ecológica do Jardim Botânico foi escolhida como o local para o<br />

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desenvolvimento das aulas de campo, mediante a autorização da administração local e<br />

agendamento prévio.<br />

5. A construção de conhecimento científico na aula de ciências em um ambiente natural<br />

Para que sejam analisados os dados referentes às observações e às perguntas feitas<br />

pelos alunos durante a aula teórica e a de campo, deve-se ter em conta a seguinte realidade: os<br />

alunos das três turmas estavam compreendidos entre a faixa etária de 11 a 14 anos e, de<br />

acordo com Piaget (1978, 2001), estas seriam as fases do desenvolvimento em que têm início<br />

as operações concretas e as operações formais de pensamento. Porém, as faixas etárias<br />

estabelecidas por Piaget para a análise do desenvolvimento da inteligência não são de modo<br />

algum fixas e absolutas, mas sim flexíveis e relativas, pois a evolução do pensamento está<br />

sujeita não só aos próprios estágios de desenvolvimento orgânico e mental (embora as<br />

estruturas internas também possam variar entre indivíduos da mesma idade), mas também à<br />

interação do indivíduo com o meio físico e com o contexto social nos quais se encontra<br />

inserido.<br />

Como os dados coletados foram referentes a um grupo de alunos e não de um<br />

indivíduo isolado, a categorias criadas se baseiam em tendências ou em processos<br />

evidenciados no grupo, durante as aulas, e nunca em estados definidos. Partindo deste<br />

princípio, pode-se inferir que, dos alunos envolvidos na pesquisa, alguns provavelmente se<br />

enquadraram nos estágios das operações concretas, enquanto que outros já se iniciavam no<br />

estágio das operações formais do pensamento.<br />

Em relação às categorias, optou-se por analisar os dados sob os dois aspectos<br />

principais envolvidos na aula, ou seja, a motivação e a construção dos conhecimentos<br />

científicos.<br />

Para a análise da motivação, foram apontadas as expressões que revelaram aspectos<br />

afetivos, que para Piaget (2001) são os sentimentos, os interesses e as vontades, cujo<br />

desenvolvimento se dá simultânea e indissociavelmente com o desenvolvimento da<br />

inteligência sendo, ambos, constituintes dos processos mais elaborados do raciocínio.<br />

Os sentimentos foram classificados em termos de satisfação (ou insatisfação) com o<br />

desenvolvimento da aula, como o encantamento e a afeição; os interesses, pelas manifestações<br />

verbais de curiosidade, conforme mostra o Quadro 1.<br />

Tipo de<br />

manisfestação<br />

dos alunos<br />

Sentimentos<br />

Durante a aula teórica<br />

• Que tronco! (referência a um grande<br />

tronco de castanheiras mostrado por<br />

meio de transparência)<br />

• Tá duro de acabar! (referindo-se à<br />

aula)<br />

• Eba! É a última! (referindo-se à<br />

transparência)<br />

• Professora, fica mais, não vai<br />

embora!<br />

Durante a aula de campo<br />

• Eu tenho medo de brejo!<br />

• Olha o tamanho do buraco da formigas!<br />

• Olha que legal esse formigueiro!<br />

• Olha que bonita! (referência à copaíba)<br />

• Olha que bonita esta planta!<br />

• Olha que bonita a cactácea!<br />

• Ai que lugar gostoso!<br />

• Ah! Eu tô com medo!<br />

• Que gostoso!<br />

• Ai, dá vontade de abraçar a copaíba!<br />

• Que bonito!<br />

• Que legal! Tem um monte de orelha-de-pau!<br />

• Como canta bonito!<br />

• Tangará! Ai que lindo!<br />

• Ai que lindo! (referindo-se à epífita)<br />

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• Ai que dó! (reação às marcas de queimada no<br />

tronco da copaíba)<br />

• Ai que legal! (referência à atividade)<br />

• Olha cada borboleta linda!<br />

• A castanheira tem 200 anos • Que árvore é esta (referência à Croton sp)<br />

• Onde é isto (ao ver a foto do cerrado) • O que é estas rodinhas vermelhas (ao<br />

• Dá pra comer copaíba<br />

observarem líquens vermelhos no tronco da<br />

árvore)<br />

• Aqui tem abacaxi-do-mato<br />

Interesses<br />

• O que são estes pinguinhos brancos nas<br />

folhas (referência às galhas)<br />

• O que são estes pelinhos verdinhos no<br />

tronco (referência aos musgos)<br />

• Como chama esta árvore (referência à<br />

copaíba)<br />

Quadro 1 - A motivação durante as aulas.<br />

Tanto no caso dos sentimentos quanto dos interesses, nota-se uma quantidade superior<br />

de manifestações durante a aula de campo nos fragmentos dos ecossistemas naturais. Para<br />

Piaget (2001), os interesses são, por um lado, os prolongamentos das necessidades, pois um<br />

objeto torna-se interessante na medida em que corresponde a uma necessidade. Disto decorre<br />

que o interesse é a orientação própria a todo o ato de assimilação mental. Assim sendo, o<br />

interesse começa com a vida psíquica, propriamente dita, e desempenha papel fundamental no<br />

desenvolvimento da inteligência. Por outro lado, o interesse, bem como os sentimentos, são<br />

reguladores de energia do sujeito, intervindo de maneira decisiva para a mobilização das<br />

reservas internas de força, bastando que um trabalho seja interessante para parecer fácil e para<br />

que a fadiga diminua.<br />

Ao regularem as energias do indivíduo, os sentimentos e os interesses funcionam<br />

como um tônico que favorecerá o equilíbrio das estruturas mentais pré-existentes aos novos<br />

conceitos assimilados, formando um pensamento mais complexo.<br />

No contexto da aula de campo, que demonstrou despertar mais os sentimentos e os<br />

interesses, os alunos podem alcançar um rendimento maior, quando comparada ao da aula<br />

teórica, pois, de forma geral, em toda a conduta, as motivações e o dinamismo energético<br />

provêm da afetividade, enquanto que a técnica e o ajustamento dos meios empregados<br />

constituem o aspecto cognitivo, seja ele sensório-motor ou racional.<br />

Em termos de construção de conhecimentos, a análise dos dados foi feita procurandose<br />

relacionar as diferentes formas de conhecimento consideradas por Piaget (1996) - e que são<br />

igualmente importantes por guardarem estreita relação na construção dos conhecimentos<br />

científicos -, com os estágios das operações concretas e formais do pensamento. As formas<br />

são o conhecimento experimental, o conhecimento perceptivo e o conhecimento lógicomatemático,<br />

descritas anteriormente.<br />

Como as observações dos alunos, muitas vezes, sugerem a construção de um novo<br />

conceito a partir de mais de uma dimensão do conhecimento (o que é amplamente defendido<br />

por Piaget, já que mesmo o conhecimento perceptivo leva a uma organização do espaço pelo<br />

estabelecimento de relações, e as relações são instrumentos lógicos) foram categorizadas<br />

deixando explícitas as formas de conhecimento nelas contidas.<br />

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Forma de<br />

conhecimento<br />

presente na<br />

observação<br />

Perceptivo<br />

Perceptivo/lógicomatemático<br />

(estabelecimento de<br />

relações de proporções)<br />

Experimental<br />

Experimental/lógicomatemático<br />

Lógico-matemático<br />

Durante a aula teórica<br />

• Ah! O morro é rocha!<br />

(sobre o solo litólico da<br />

Mata Atlântica)<br />

• Na minha casa tem ipê<br />

rosa.<br />

• A paneira é linda, fica<br />

tudo rosinha!<br />

• O filhote de anta parece<br />

uma zebra!<br />

• A onça parece um puma.<br />

• É puma É leopardo<br />

(sobre a foto da onça<br />

parda)<br />

• É um tipo de galinha, só<br />

que mais alta (sobre a<br />

siriema)<br />

• As raízes são tipo um<br />

cordão umbilical.<br />

• A água não pode ser<br />

polinizador porque ela não<br />

pega mel.<br />

• É porque está perto do<br />

mar Ou não<br />

(respondendo à pergunta<br />

sobre as diferenças entre a<br />

Mata Atlântica e a<br />

Amazônia)<br />

• Por que tem muitas<br />

espécies parecidas<br />

(resposta à mesma<br />

pergunta)<br />

Quadro 2 – Formas de conhecimentos expressas durante as aulas.<br />

Durante a aula de campo<br />

• Que cheiro gostoso!<br />

• Que fresquinho!<br />

• Ai que frio!<br />

• Nossa! Está esfriando!<br />

• Aqui já está mais frio!<br />

• Tá mais friozinho!<br />

• Aqui é mais quente!<br />

• Tá ficando calor!<br />

• Aqui tá frio, lá fora tava calor!<br />

• O chão da entrada é arenoso.<br />

• Por que as trepadeira é importante<br />

• Esta mata é uma Mata Atlântica<br />

• Olha o tamanho do buraco das formigas!<br />

• Aqui no cerrado as árvores são tortas!<br />

• Esta casca protege a árvore. (observação de uma<br />

aluno ao tocar em um caule de Qualea sp)<br />

• Por que esta árvore começa em um tronco e só<br />

depois se ramifica<br />

• Olha! A trepadeira segurou a folha!<br />

• A copa das árvores não deixa o sol passar!<br />

• As folhas das árvores são diferentes! (sobre as<br />

árvores do cerrado)<br />

• Olha o pequi que nós vimos na aula!<br />

• A epífita encontrada aqui é a mesma encontrada<br />

em casa<br />

• Essa árvore torta vai cair<br />

• O cerrado é totalmente diferente, as árvores são<br />

menores.<br />

• As árvores são mais tortas e mais finas. (sobre o<br />

cerrado)<br />

• Aqui é diferente. É mais seco. (referência ao<br />

cerrado)<br />

• A copaíba é reta e alta para procurar o sol.<br />

• Parece que as folhas aqui têm um verde diferente!<br />

• Por que a cor das samambaias é diferente Tem<br />

marrom e tem verde. (referência às folhas mortas<br />

e vivas das samambaias)<br />

• Esta semente parece um helicóptero!<br />

• Por que as algas deixaram o mar (ao observarem<br />

um líquen, depois da explicação da monitora)<br />

• Mas se chove igual em Bauru, por que os solos são<br />

diferentes<br />

• Esta árvore caída foi cortada<br />

• Se tivesse árvore sem todo o lugar seria mais<br />

legal!<br />

• Carvão é feito de árvore<br />

• Os animais que tem no zoológico podem<br />

sobreviver nesta mata E a ema<br />

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Pelo quadro anterior, observa-se que o conhecimento perceptivo foi o único ao qual os<br />

alunos não se referiram durante as aulas teóricas, o que é compreensível, tendo em vista que a<br />

percepção decorre da ação dos sentidos dos alunos sobre o ambiente. No caso do ensino de<br />

ecologia nos ecossistemas terrestres naturais, a organização dos conhecimentos perceptivos<br />

em relações de proporção ou comparação (Aqui está mais quente!, Aqui está frio, lá fora<br />

estava quente!), ou seja, com a utilização também do conhecimento lógico-matemático,<br />

favoreceu o entendimento sobre as caraterísticas abióticas dos diferentes ecossistemas.<br />

Em termos de conhecimento experimental, o quadro demonstra um dos grandes<br />

problemas em se ensinar ciências biológicas dentro de um contexto em que não estão<br />

presentes seu principal objeto de estudo: os seres vivos. Isto está evidente pela maior<br />

quantidade de formas de vida, estruturas e características dos seres vivos observadas pelos<br />

alunos durante a aula no Jardim Botânico.<br />

Talvez a categoria que melhor demonstre as contribuições da aula de campo nos<br />

ecossistemas naturais para a aprendizagem dos conteúdos referentes à ecologia, seja a<br />

terceira. Piaget (1996) expõe que, no terreno da experiência propriamente dita e, sobretudo, da<br />

experimentação dirigida (como foi o caso da aula de campo), é evidente que nenhuma<br />

constatação permanece em estado puro, no sentido em que o empirismo clássico admitiria que<br />

o objeto depõe no sujeito, ou sobre ele, uma simples impressão que constituiria uma cópia.<br />

Em outras palavras, o problema do conhecimento é escolher entre as duas concepções<br />

possíveis, a do conhecimento-cópia ou a do conhecimento-assimilação.<br />

Assim, o conhecimento experimental/lógico-matemático observado em aula teórica se<br />

aproxima mais do conhecimento-cópia pois, embora esteja evidente a tentativa dos alunos em<br />

buscar uma representação pré-existente, utilizando-se de analogias ou mesmo procurando<br />

ordenar o novo conhecimento em grupos – e a ordenação e os agrupamentos são relações<br />

lógicas - é uma construção relativamente simples, comum inclusive a estágios anteriores do<br />

desenvolvimento, nos quais tem início a formação de pré-conceitos e não de conceitos<br />

propriamente ditos. Por exemplo, ao observar que a onça parece um puma, ou que a siriema é<br />

um tipo de galinha, o aluno procura ‘encaixar’ os animais apresentados no grupo daqueles que<br />

ele já conhece e que possuem características semelhantes; é um agrupamento por semelhança,<br />

provenientes de um raciocínio por imagens e de caráter lúdico, típico dos estágios préoperatórios<br />

(Piaget, 1990).<br />

Contrariamente, o conhecimento experimental/lógico-matemático observado durante a<br />

aula de campo possui características que se aproximam mais do conhecimento-assimilação.<br />

Desde que não é mais exclusivamente perceptível, a experiência física supõe<br />

essencialmente a intervenção de ações, porque o sujeito não pode conhecer os objetos a não<br />

ser agindo sobre eles. É o caso, por exemplo, das observações: ”A copaíba é reta e alta para<br />

procurar o sol.” e “Por que a cor das samambaias é diferente Tem marrom e tem verde.” .<br />

Para chegar a tais constatações, o conhecimento experimental não se resumiu à observação<br />

imediata, mas também a uma dissociação dos fatores - o crescimento reto do tronco da<br />

copaíba e a cor diferente das samambaias - de forma a apreciar isoladamente seus efeitos e,<br />

dissociar os fatores, nada mais é do que modificar pela ação o fenômeno bruto e cercar seus<br />

elementos sob formas que só podem ter garantia de objetividade devido à artificialidade ativa.<br />

Segundo Piaget (1996), isto não tem nada de contraditório, porque a ação experimental<br />

é orientada na direção da descentração lógico-matemática, ao passo que o erro ou a ilusão<br />

subjetiva, que ela corrige, resultam de centrações sobre a experiência imediata.<br />

No ensino de ecologia, no uso das metodologias tradicionais de ensino, que não<br />

recorrem às experimentações, parece estar implícito o princípio que a ação do sujeito é<br />

necessária somente para o entendimento das possíveis relações entre os fatores bióticos e<br />

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abióticos que compõem um ecossistema, sendo dispensável a ação sobre os objetos de estudo<br />

dos ecossistemas, isto é, os próprios fatores bióticos e abióticos.<br />

Decorre disto que as abordagens utilizadas para o ensino de ecologia privilegiam as<br />

relações ecológicas (e, portanto, o conhecimento lógico-matemático) em detrimento do<br />

conhecimento sobre os seres vivos ou sobre determinado clima que constituem um<br />

ecossistema (o conhecimento experimental ou até mesmo o perceptivo), ignorando ou ainda<br />

desconhecendo a indissociabilidade das diferentes formas de conhecimento para a construção<br />

dos conceitos científicos.<br />

No contexto da aula de campo, algumas observações corroboram essa tese e até se<br />

adiantam ao permitir verificar que os próprios alunos se utilizam das estruturas lógicomatemática<br />

para interpretar um fenômeno através da experiência, como mostram as<br />

coordenações de espaço e as relações de intensidade e proporção implícitas nas observações<br />

sobre as diferenças entre o ambiente de mata e o de cerrado: “O cerrado é totalmente<br />

diferente, as árvores são menores.”, “As árvores são mais tortas e mais finas.”, “Aqui é<br />

diferente. É mais seco.”. Neste sentido, Piaget (1996) reafirma que o conhecimento<br />

experimental é, sobretudo, assimilação.<br />

Convém ressaltar também que muitos alunos envolvidos na pesquisa provavelmente se<br />

encontravam ainda no estágio das operações concretas, no qual o raciocínio se dá muito mais<br />

facilmente por meio da ação do sujeito com a realidade e não por relações de abstração.<br />

São ainda em termos de estágios do desenvolvimento que se podem discutir as<br />

observações inseridas na categoria de conhecimento lógico-matemático. Assim como havia<br />

alunos no estágio das operações concretas, é provável que houvesse também aqueles que se<br />

encaixavam ao menos nos estágios iniciais das operações formais, estruturadas não a partir da<br />

realidade concreta, mas a partir de outras operações e relações definidas por Piaget (1978)<br />

como sendo o pensamento sobre o pensamento. É a formulação de hipóteses, por meio das<br />

relações de proporção, finalidade e predição de ações futuras, que confere a característica<br />

principal do conhecimento lógico-matemático.<br />

Entretanto, embora haja características de pensamento hipotético nas observações dos<br />

alunos durante a aula teórica e durante a aula de campo, nelas está guardada uma diferença<br />

fundamental. As hipóteses lançadas durante a aula teórica não foram provenientes do<br />

conhecimento experimental, o que acarretou em uma insegurança nas proposições, ou seja,<br />

não há premissa anterior que as suporte, como por exemplo: “É porque está perto do mar<br />

Ou não” (respondendo à pergunta sobre as diferenças entre a Mata Atlântica e a Amazônia).<br />

O aluno supõe que a diferença aconteça pela proximidade da Mata Atlântica com o mar, mas<br />

não há elementos concretos que lhe assegure que a Mata Atlântica esteja de fato próxima ao<br />

mar, a não ser a própria denominação, relacionada ao Oceano Atlântico.<br />

Por outro lado, as hipóteses construídas durante a aula de campo, fundamentam-se no<br />

conhecimento experimental, na realidade concreta, de forma que o conceito ou o fenômeno<br />

responsáveis pela formulação da hipótese foram previamente assimilados pela experiência,<br />

como no exemplo: Por que as algas deixaram o mar (ao observarem um líquen, depois da<br />

explicação da monitora). O aluno compreendeu que a forma de vida observada era a<br />

associação entre uma alga e um fungo e compreendeu também o fato de que aquela alga era<br />

perfeitamente tangível, ainda que espacialmente e fisicamente muito distante de um ambiente<br />

marinho. Ao elaborar tal pensamento, foi ainda capaz de supor que as algas, para estarem ali,<br />

em algum momento deixaram o mar. A hipótese subentendida na pergunta é, portanto,<br />

conseqüência de ordenações e coordenações de conceitos construídos anteriormente, advinda<br />

do pensamento lógico-matemático ou hipotético-dedutivo. Enfim, a matemática, longe de<br />

reduzir-se a uma linguagem, é o próprio instrumento de estruturação que coordena essas ações<br />

e as prolonga em seguida em teorias dedutivas e explicativas.<br />

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Dizer que o conhecimento experimental é a assimilação do real às estruturas lógicomatemáticas<br />

é também afirmar, por isso mesmo, que a organização própria do sujeito e de<br />

todo o ser vivo é condição de trocas com o meio, das trocas cognoscitivas, tanto quanto das<br />

trocas materiais e energéticas. A este respeito, as formas conceituais e operatórias aparecem,<br />

ainda uma vez, como o prolongamento das formas ‘orgânicas’ (Piaget, 1996).<br />

Não obstante a análise das diferentes formas de conhecimento e dos diferentes estágios<br />

do desenvolvimento possa traduzir-se em uma falsa impressão de independência e<br />

estabilidade, ocorre justamente o contrário. Primeiramente, considerando-se os estágios do<br />

desenvolvimento, a teoria piagetiana é sempre enfática ao defender que a inteligência e a<br />

elaboração do pensamento estão condicionados a um certo funcionamento mental constante<br />

que assegura a passagem de qualquer estado para o seguinte, embora as estruturas típicas de<br />

cada estágio sejam variáveis. No contexto do ensino de ciências, isto equivale a dizer que<br />

respeitar as características do desenvolvimento mental dos jovens estudantes em fase das<br />

operações concretas, apoiando os processos de construção de conhecimentos em elementos<br />

reais, é garantir o bom desenvolvimento dos estágios posteriores das operações formais, para<br />

os quais evoluem as formas superiores do pensamento humano.<br />

Em segundo lugar, em relação às diferentes formas do conhecimento, o ensino de<br />

ciências só poderá ser eficaz quando admitir que o caráter do conhecimento científico é a<br />

integração e a associação entre conhecimentos experimental, perceptivo e lógico-matemático.<br />

Só assim o desenvolvimento mental aparecerá, então, em sua organização progressiva como<br />

uma adaptação sempre precisa à realidade.<br />

6. Considerações finais<br />

Em termos de construção de conhecimento científico, as aulas de campo parecem ter<br />

sido mais eficientes que as aulas teóricas, por permitirem a integração das diferentes formas<br />

de conhecimento necessárias à elaboração do conhecimento científico, definidas por Piaget<br />

(1996) como sendo o conhecimento perceptivo (advindo da interação do indivíduo com o<br />

meio, através dos sentidos), o conhecimento experimental (interação entre as estruturas<br />

mentais operatórias e os fenômenos observados) e o conhecimento lógico-matemático<br />

(interação e relação entre os conhecimentos construídos anteriormente). É esta integração<br />

entre as diferentes formas de conhecimento que confere a característica hipotético-dedutiva<br />

das formas de pensamento mais elaboradas, como é o caso do conhecimento científico. Mais<br />

que isto, observa-se na aula de campo uma tendência em favorecer a formulação de hipóteses<br />

sobre os fenômenos de maneira mais complexa, justamente pelo fato de os alunos terem<br />

suporte dos conhecimentos advindos da realidade concreta, e ainda, em uma perspectiva<br />

quantitativa, por oferecer mais estímulos.<br />

Simultaneamente a todo esse processo, estiveram presentes os componentes afetivos<br />

despertados durante a aula no Jardim Botânico, as quais ora se apresentaram implicitamente<br />

na forma de motivações e interesses, ora explicitamente nas manifestações de afeto, empatia e<br />

alegria. Muitas das perguntas, curiosidades e observações dos alunos traziam consigo indícios<br />

de um pensamento em construção, de um espírito inquieto por novas descobertas e do<br />

princípio do estabelecimento de valores morais, corroborando o discutido por Laukenmann<br />

(2003) sobre o impacto dos interesses e do bem-estar na condução das aulas de ciências.<br />

Há que se considerar, porém, que a própria dinâmica da aula de campo é mais<br />

favorável ao diálogo e à manifestação espontânea, se comparada a uma aula teórica<br />

tradicional. Também, que a condução das aulas ficou a critério de outra pessoa que não a<br />

professora de ciências, incluindo-se aí o fator novidade que pode favorecer o interesse e a<br />

motivação.<br />

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De todo modo, apesar das restrições impostas pelo contexto de pesquisa, procuramos<br />

evidenciar que em se tratando de um contexto educativo, e mais especificamente, do ensino<br />

de ciências, pode-se dizer que metodologias que considerem as estruturas e operações que são<br />

próprias a um determinado estágio do desenvolvimento mental dos estudantes, tanto no que<br />

concerne ao raciocínio quanto à vida afetiva, bem como proporcione a construção dos<br />

conceitos a partir da integração das três formas de conhecimento, estão propensas a serem<br />

mais bem sucedidas na formação dos indivíduos.<br />

7. Referências bibliográficas<br />

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Agradecimento<br />

Os autores agradecem ao Programa Biota/FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa<br />

do Estado de São Paulo), Processo 05/56704-0, pelo auxílio pesquisa.<br />

Notas<br />

(1) Tipo de vegetação tropical, que apresenta estrato arbóreo de médio a grande porte, sujeita<br />

a uma estação seca e que ocorre nos planaltos do sudeste e do sul do Brasil.<br />

(2) Tipo de vegetação tropical caracterizado por árvores baixas, retorcidas, em geral dotadas<br />

de casca grossa, suberosa, espaçadas, com estrato herbáceo abundante. Ocorre no Planalto<br />

Central Brasileiro, na Amazônia, em parte do Nordeste e do Sudeste.<br />

(3) Piaget utiliza o termo equilibração ao invés de equilíbrio por considerá-lo, no caso das<br />

estruturas mentais, um processo e não um estado definitivo.<br />

- T. Seniciato é Licenciada em Ciências Biológicas (UNESP), Mestre e Doutora em<br />

Educação em Ciências (UNESP). Endereço para correspondência: Av. Affonso José Aiello, 6-<br />

55, Condomínio Spazio verde, Lotes 05 e 06 – Via Del Fiori, Vl Aviação, Bauru, SP 17018-<br />

520. Telefones: 55-14-3227-2635/55-14-9784-4666. E-mails para correspondência:<br />

tatianas@fc.unesp.br e tseniciato@hotmail.com. O. Cavassan é Licenciado em Ciências<br />

Biológicas, Mestre em Biologia Vegetal (UNESP) e Doutorado em Ecologia (Universidade<br />

Estadual de Campinas; UNICAMP). Atua como Professor de Ecologia no Departamento de<br />

Ciências Biológicas (UNESP) e na Pós-graduação em Métodos de Estudo da Vegetação<br />

(UNESP) e Educação Ambiental e Ecossistemas Terrestres (UNESP). Endereço para<br />

correspondência: Av. Luis Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Bauru, SP 17033-360, Brasil,<br />

telefones: 55-14-3103-6078. E-mail para correspondência: cavassan@fc.unesp.br.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): <strong>13</strong>7-150 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 12/06/2008 | Revisado em 31/10/2008 | Aceito em 06/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Artigo Científico<br />

Aspectos cognitivos da percepção na propaganda<br />

Cognitive aspects of advertising perception<br />

Leandro Leonardo Batista , Carla Daniela Rabelo Rodrigues, Janaína Geraldes<br />

Brizante e Reginaldo Franchesci<br />

Escola de Comunicações e Artes (ECA), Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo,<br />

Brasil<br />

Resumo<br />

Na percepção de propagandas, pelo menos três processos de influência no indivíduo podem ser<br />

considerados: 1) processos derivados do conteúdo explícito da propaganda (informações,<br />

personagens, formato de apresentação, entre outros), que intencionalmente ou não, evidenciam<br />

para o receptor parâmetros para que ele adote ou abandone comportamentos pela demonstração<br />

do valor destes comportamentos; 2) processos resultantes de colocação de propagandas no<br />

campo de visão onde não constituem o centro da atenção do indivíduo, sendo as informações<br />

captadas de forma não intencional; e 3) processos associados a estímulos captados fora da<br />

consciência do indivíduo, os chamados subliminares. Assim, o objetivo principal deste trabalho<br />

é apresentar as relações entre a exposição e a influência da propaganda, considerando os níveis<br />

automáticos, voluntários e não-conscientes de atenção. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): <strong>13</strong>7-<br />

150.<br />

Palavras-chave: influência; propaganda; atenção; percepção; subliminar;<br />

comunicação.<br />

Abstract<br />

In the perception of advertising, at least three influence processes can be considered: 1)<br />

derived processes of the explicit content of the ads (information, characters, presentation<br />

format, among others), that intentionally or not, suggest to the receiver parameters for him to<br />

adopt or abandon behaviors by the demonstration of the value of these behaviors; 2) resulting<br />

processes of ads' placement in the vision field where they don't constitute the center of the<br />

individual's attention, being the information captured in a non intentional way; and 3)<br />

processes where information is captured out of the individual's conscience, called subliminal.<br />

Therefore, the main objective of this paper is to present the relationships between the<br />

exhibition and the influence of the advertising, considering the automatic, volunteers and noconscious<br />

levels of attention. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): <strong>13</strong>7-150.<br />

Keywords: influence; propaganda; attention; perception; sublimina;<br />

communication.<br />

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1. Introdução<br />

Os processos de influência na relação da propaganda com o indivíduo podem ser<br />

considerados a partir do seu conteúdo explícito, ou seja, as informações, os personagens, o<br />

formato de apresentação, entre outros, que intencionalmente ou não, evidenciam para o<br />

receptor parâmetros para que ele adote ou abandone comportamentos pela demonstração<br />

(visual e/ou verbal) do valor destes comportamentos nas suas relações sociais, como será visto<br />

na parte 2 (Influência e risco: intenção e não intenção).<br />

No entanto, esta influência pode ocorrer também pela inserção de material<br />

publicitário de maneira não obstrutiva, ou seja, pela colocação de propagandas no campo de<br />

visão do indivíduo, onde estas não constituem o centro da atenção e, desta maneira, enquanto<br />

o interesse por outra atividade prende a atenção do receptor, a informação da propaganda é<br />

captada de forma não intencional. Este aspecto será discutido no item 3 (Influência e<br />

exposição não-obstrutiva).<br />

Uma terceira forma de influência, muito mais polêmica, é aquela associada a<br />

estímulos fora da consciência do indivíduo, os chamados subliminares, que longe de<br />

produzirem os efeitos mágicos no comportamento apregoados por estudos duvidosos, têm<br />

capacidade de influência que é limitada pela consciência do receptor, apresentado no tópico 4<br />

(A percepção subliminar: um caso de atenção e consciência).<br />

Desta forma, o objetivo principal deste trabalho é apresentar as relações entre a<br />

exposição e a influência da propaganda.<br />

2. Influência e risco: intenção e não intenção<br />

Decisões, em geral, são frutos de influências, sejam elas conscientes ou<br />

inconscientes, intencionais ou não. A influência é um dos fenômenos habitualmente ocorridos<br />

no relacionamento interpessoal e pode induzir o indivíduo a um determinado comportamento.<br />

“A enorme soma de dinheiro gasta em propaganda demonstra a confiança na possibilidade de<br />

as pessoas serem influenciadas” (Rodrigues et al., 1999: 179).<br />

A influência afeta a vida das pessoas contribuindo na formação de valores e está<br />

dividida em três linhas gerais:<br />

1. Influência normativa ou utilitária, que ocorre quando indivíduos, buscando conformidade<br />

ou recompensa direta, modificam seus comportamentos e suas crenças para atender às<br />

expectativas de determinado grupo evitando uma sanção. Essas normas podem influenciar<br />

a marca do carro que uma pessoa compra ou a marca da roupa que veste, por exemplo;<br />

2. A influência por identificação ou influência por valores faz o indivíduo aceitar ou<br />

internalizar normas, valores, atitudes e comportamentos para suprir sua necessidade de<br />

associação psicológica com um grupo. Há uma busca por conselhos e opiniões de outros<br />

para tomada de decisões. Um exemplo são os grupos que buscam constantemente<br />

informações sobre alimentos saudáveis;<br />

3. A influência informacional, que ocorre quando o indivíduo, ao contato com uma nova<br />

situação, encontra dificuldade em tomar uma decisão, precisando de recomendações<br />

externas do grupo de referência ou de um especialista com fragmentos de informações<br />

potencialmente úteis (Hawkins et al., 2007). A influência informacional ocorre<br />

freqüentemente em propagandas de produtos para higiene pessoal, como no caso dos<br />

cremes dentais onde aparece um odontólogo endossando, dando credibilidade e,<br />

conseqüentemente, autorizando o uso do produto ou marca.<br />

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De maneira geral, as propagandas utilizam todas as formas de influências por meio<br />

de recursos como: indicação de um especialista, personagem ou celebridade; grupos positivos<br />

de referência; aprovação ou aceitação social, etc. Outro recurso adotado para conquistar o<br />

grupo-alvo é a diferenciação dos demais grupos, desse modo os anúncios podem empregar<br />

formatos antiéticos, ou mesmo considerados anti-sociais. É comum encontrar em alguns<br />

anúncios condutas de sub-representação estereotipada ou representações distorcidas de papéis<br />

(gênero, orientação sexual, etnias, faixa etária, renda) e incitação a comportamentos nocivos<br />

ou prejudiciais (dirigir de modo irresponsável, violência, consumo de tabaco, consumo<br />

excessivo de bebidas alcoólicas e alimentos hipercalóricos).<br />

Uma das maiores evidências em pesquisas de influência negativa da propaganda foi<br />

a da indústria tabagista, com a marca Camel e seu personagem Joe Camel, onde estudos 1<br />

indicaram clara referência ao universo infantil (Neeley e Schumann, 2004) pretendendo uma<br />

confirmação atitudinal positiva à marca ou pelo menos ao ato de fumar. Diante de notável<br />

apelo e comprovação de efeitos, como o aumento de jovens fumantes 2, 3 , os órgãos<br />

reguladores de vários países, por meio da Organização Mundial de Saúde, resolveram<br />

extinguir a publicidade tabagista. Considerações mais atuais, semelhantes e também<br />

relacionadas à saúde coletiva, mencionam as propagandas de alimentos não-saudáveis e<br />

refrigerantes como influenciadores significativos da obesidade infanto-juvenil e adulta<br />

(Hawkes, 2006). Discutem ainda as propagandas de bebidas alcoólicas como motivadoras de<br />

dependência e condutas sociais nocivas, como violência e risco de dirigir em alta velocidade<br />

(Pinsky e Pavarino Filho, 2007). Ainda dentro dos fenômenos atuais levantados estão as<br />

propagandas de medicamentos ou produtos farmacêuticos sem exigência de prescrição<br />

médica, em relação às quais existem representações em órgãos legislativos para seu<br />

banimento devido a problemas decorrentes da automedicação. Esses são exemplos de<br />

influências negativas que, aparentemente, acontecem como efeitos colaterais em campanhas<br />

cuja intenção era apenas aumentar a participação das marcas no mercado.<br />

Dessa forma, nota-se que alguns produtos legais e anunciados dentro das normas<br />

legais têm o potencial de causar influências negativas na sociedade por causa do impacto<br />

causado pelo seu conteúdo ilustrativo (ex. Joe Camel). Assim, como em outros países, no<br />

Brasil o papel da propaganda na sociedade ganha destaque em discussões no âmbito da saúde<br />

coletiva, onde são pesquisados os fatores de influência social em campanhas publicitárias,<br />

mais especificamente fatores propulsores de comportamentos de risco com efeitos prejudiciais<br />

à saúde, ou na busca de modificação de comportamento buscando uma vida mais saudável e<br />

segura.<br />

No entanto, do mesmo modo que pode influenciar e gerar efeitos negativos<br />

(anúncios de medicamentos, fast food, produtos tóxicos, bebidas alcoólicas), a propaganda<br />

pode influenciar em efeitos benéficos aumentando a percepção de risco acerca do produto ou<br />

serviço anunciado. Risco percebido representa as apreensões do consumidor quanto às<br />

questões de seu comportamento. As conseqüências de um comportamento adotado podem ser<br />

boas ou más com grau de valor diferente para cada indivíduo, dependendo de suas crenças<br />

(Bettman, 1973). Dowling (1986) define risco percebido tendo como base a avaliação dos<br />

possíveis resultados negativos e da probabilidade de que esses resultados ocorram, partindo<br />

inicialmente da percepção que o receptor tem da negatividade da seqüência de suas ações. A<br />

percepção de risco influencia a motivação do receptor em buscar informações sobre o<br />

produto, serviço ou tema, e esse aprendizado pode reduzir a exposição aos riscos. Daí deriva a<br />

possibilidade de considerar a comunicação como um fator preponderante pelo caráter<br />

originariamente informativo.<br />

Os efeitos ocasionados pela influência da propaganda são classificados por Leiss<br />

(apud Pinsky e Pavarino Filho, 2007) em efeitos intencionados e efeitos não-intencionados,<br />

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onde o primeiro grupo resulta de metas empresariais definidas e claras, e o segundo enquadrase<br />

no que supostamente não foi planejado, mas que gerou conseqüência. De forma a<br />

coadjuvar o monitoramento de mídia, faz-se imprescindível a averiguação desses efeitos para<br />

então sugerir a prática de novas categorias restritivas nos órgãos reguladores competentes ou<br />

implementação da comunicação de risco efetiva baseada em estudos empíricos objetivando<br />

esclarecimento ou aprendizado social.<br />

Uma das formas mais óbvias na utilização de mecanismos para controlar a exposição<br />

de riscos de um produto na propaganda é o uso da advertência (disclaimer no original em<br />

inglês; Stutts e Hunnicutt, 1987) que evita que o anúncio seja interpretado como<br />

decepcionante ou enganoso, apresentando informações sobre seu uso. O objetivo da<br />

advertência é o esclarecimento de algo que possivelmente não tenha ficado claro no anúncio<br />

ou permita interpretações diferentes da intenção do anunciante. Um dos diversos formatos de<br />

advertência é a frase ‘ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado’, uma<br />

advertência determinada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para<br />

figurar em anúncios de medicamentos demonstrando a possibilidade do problema não ser<br />

resolvido com o uso do produto. Outro exemplo de advertência associada à comunicação de<br />

risco está relacionado a outra decisão da ANVISA 4 , em 2005, sobre os produtos alimentícios<br />

que usam em suas informações de rotulagem e/ou material publicitário, alegações de<br />

propriedade funcional e/ou de saúde. Ela delimitou que esses produtos devem<br />

obrigatoriamente associar à informação nutricional a seguinte advertência: ‘Seu consumo<br />

deve estar associado a uma dieta equilibrada e hábitos de vida saudáveis’.<br />

No entanto, o uso de advertência não garante o entendimento do receptor, com<br />

relação ao risco embutido nestas propagandas. Retomando a advertência proposta pela<br />

ANVISA (‘ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado’), um efeito nãointencionado<br />

pode ser a sugestão de que vale a pena tentar a automedicação para<br />

posteriormente, procurar um médico, o que não deve ser o propósito da advertência. Outro<br />

efeito não intencionado pode estar presente nos anúncios de cigarros em pontos de venda<br />

(único local permitido pela lei atual), mostrando modelos sorrindo e com lindos dentes à<br />

mostra, enquanto ao lado desta imagem encontra-se a advertência de que fumar faz mal aos<br />

dentes. Segundo Rangel-S (2007), uma comunicação eficaz deve contemplar as contradições e<br />

conflitos entre as partes envolvidas, produzindo um discurso ideológico eficaz no controle dos<br />

riscos dentro da diversidade das audiências no campo de influência. Assim, o controle dos<br />

riscos ganha possibilidade principalmente com a competência comunicativa social para lançar<br />

estratégias de controle de riscos à saúde.<br />

Os apontamentos teóricos discutidos por Rangel-S (id. ibidem) acrescentam<br />

informações em que, para subjugar obstáculos de comunicação, os pensadores da<br />

comunicação de risco, com respaldo da psicologia social, têm em conta que numa situação<br />

crítica, com nível de preocupação elevado, pessoas “processam apenas 20% das informações<br />

recebidas, em uma espécie de paralisação cognitiva”. E afirma que essa ocorrência seria<br />

aperfeiçoada caso houvesse “entendimento e manejo de fatores que afetam a percepção de<br />

riscos e os níveis de confiança e credibilidade” (id. ibidem: <strong>13</strong>79). Assim, a relação<br />

comunicação e risco é entendida como um fluxo explicativo ou comunicativo de informações<br />

sobre saúde, segurança e risco. Desta forma, talvez mais eficaz como comunicação de risco<br />

sejam as campanhas de saúde sobre determinados comportamentos sociais, onde são traçadas<br />

as intenções de esclarecimentos, por meio da influência da propaganda direta, para gerar<br />

efeitos saudáveis. Uma campanha informativa sobre a dengue, por exemplo, deve ser<br />

elaborada e transmitida com linguagem clara e apropriada ao público-alvo, demonstrando a<br />

importância das ações individuais nos resultados coletivos 5 . Mas é importante também que<br />

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sejam considerados os efeitos não intencionais presentes em outras campanhas, que salientem<br />

positivamente, por exemplo, o foco em comportamentos individuais.<br />

3. Influência e exposição não-obstrutiva<br />

Ao longo da história dos estudos de percepção, pesquisadores se dedicam a explorar<br />

como se dá no ser humano a percepção visual em cenas complexas (a partir da modulação da<br />

atenção e da memória), onde o número de estímulos distratores abunda no ambiente no qual o<br />

observador se encontra (Henderson e Hollingworth, 2002). Alguns utilizam para isso registros<br />

eletrofisiológicos 6 (como o eletroencefalogra, EEG), outros aparelhagem específica (como eye<br />

trackers 7 ), outros questionários e/ou escalas (Turley e Shannon, 2000). Alguns reproduzem<br />

em laboratório a cena visual estudada (Hollingworth e Henderson, 2002; Irwin, 1991; e<br />

Rensink, 2000), outros realizam pesquisas em campo, na situação “real” em que a cena<br />

ocorre. Principalmente nesse último caso, estudam-se também efeitos de anúncios (presentes<br />

nessas cenas) no comportamento de compra dos observadores. Um exemplo é o estudo<br />

realizado por Turley e Shannon (2000), em estádio de basquete durante toda uma temporada,<br />

nos EUA. Os pesquisadores avaliaram o impacto de anúncios presentes no estádio, através da<br />

taxa de recall 8 e influência em intenção e comportamento de compra de uma amostra de<br />

torcedores. Segundo eles, a taxa média de recall entre os respondentes foi de 2,68, indicando<br />

que os torcedores não processaram muitos anúncios presentes no estádio, já que a média de<br />

anúncios por dia de jogo era de 45. Além disso, quanto maior foi a freqüência de exposição,<br />

maiores taxas de recall de anúncios, e possível influência em intenção e comportamento de<br />

compra. Assim, a vantagem é que, se os distratores são numerosos, é também generoso o<br />

tempo em que os potenciais consumidores ficam expostos ao anúncio. De fato, diversas<br />

pesquisas 9 que estudaram efeitos de anúncios em arenas de esporte tendem a indicar que esses<br />

anúncios têm ao menos algum impacto nos fãs presentes nos jogos.<br />

Oito anos após a pesquisa de Turley and Shannon, depara-se com a necessidade de<br />

um estudo diferente. Ao invés de se estudar o impacto de anúncios presentes em estádios de<br />

basquete, é mais relevante explorar esse impacto em estádios de futebol, esporte mais popular<br />

(logo, com mais espectadores) não só no Brasil, mas em praticamente todo o mundo.<br />

Ampliando-se o foco para considerar as placas eletrônicas (animadas/digitais) que rodeiam o<br />

campo e nas quais o anúncio está presente, em movimento. Além disso, um efeito mais<br />

abrangente implica em usar como amostra do estudo o espectador de TV, eliminando-se boa<br />

parte dos distratores presentes no campo (diminuindo possíveis variáveis secundárias), e<br />

considerando um público muito maior, já que o jogo transmitido pela TV é assistido por mais<br />

pessoas do que as presentes no estádio. As diferenças básicas entre os dois estudos se<br />

resumem na tabela 1.<br />

Frente a essa situação de estudo, acredita-se que haveria diferenças importantes entre<br />

este e aquele realizado por Turley and Shannon (2000). Primeira, placas em movimento<br />

poderiam captar atenção automática do observador, favorecendo a percepção do anúncio (o<br />

que poderia ocorrer várias vezes ao longo do jogo, podendo levar a uma espécie de<br />

“repetição” mental, aumentando a chance do conteúdo fazer parte da memória de longa<br />

duração) 10 . Aspectos centrais da noção cotidiana que se tem de atenção envolvem<br />

basicamente a idéia de seletividade (algumas coisas “chamam” mais a atenção do que outras,<br />

logo são mais atendidas), capacidade limitada (apenas parte dos estímulos que se tem contato<br />

são “realmente” percebidos) e esforço (algumas atividades exigem que haja grande esforço<br />

para nelas “manter-se” a atenção, outras não – Scholl, 2001; Reisberg, 1997).<br />

Resumidamente, atenção é uma atividade neural que facilita o processamento de<br />

determinados estímulos em detrimento de outros: atender é intensificar a atividade<br />

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neurofisiológica de algo que se está presenciando pela primeira vez, ou de algo que já está na<br />

memória (a partir de Kandel et al., 2003; Lent, 2001; e Helene e Xavier, 2003, entre outros).<br />

Mas o indivíduo precisa que essa atividade seja modulada. Algumas tarefas que executa<br />

demandam manter a atenção alocada a elas durante todo o período de sua duração, e nesse<br />

ínterim outros estímulos irrelevantes devem ser ignorados. Porém, existem estímulos que,<br />

apesar de não pertencerem à tarefa em curso, não devem ser ignorados. O problema crítico do<br />

sistema de atenção é justamente esse: a necessidade de engajamento atencional continuado<br />

contra a necessidade de sua interrupção (Nahas e Xavier, 2004). Para lidar com esta<br />

necessidade, o sistema funciona de tal forma que as características da tarefa parecem levar a<br />

diferentes “modulações” atencionais 11 . Processos controlados seriam flexíveis e versáteis, mas<br />

funcionariam de forma serial e relativamente lenta. Já os automáticos ocorreriam de maneira<br />

rápida e em paralelo, porém com ausência de flexibilidade (Eysenck e Keanne, 1994). Estes<br />

podem ocorrer concomitantemente a outros processamentos sem sofrerem interferência<br />

significativa, e ser desencadeados inesperadamente pelo ambiente, sem que inicialmente a<br />

atenção do indivíduo estivesse direcionada ao estímulo. Isso poderia ocorrer com o espectador<br />

de TV que teria sua atenção automaticamente captada pelo anúncio em movimento na beirada<br />

do campo. Interessante notar que alguns autores consideram que o sistema que controla ação<br />

seria o mesmo que controla a atenção espacial (Rizzolatti e Craighero, 1998) 12 .<br />

ESTÁDIO – BASQUETE<br />

(Turkey e Shannon, 2000)<br />

Consumidor no estádio (presencial).<br />

Placas fixas.<br />

Mais distratores (outros torcedores,<br />

conversas, gritos, vendedores, luzes).<br />

Exposição contínua (observador permanece<br />

ligado ao jogo, geralmente, até que este<br />

acabe).<br />

Foco de atenção vai mais rápido de um lado<br />

ao outro do estádio.<br />

Jogo é muito dinâmico, mas tem intervalos<br />

(exige alto foco atencional enquanto o jogo<br />

corre, porém oferece paradas).<br />

ESTÁDIO – FUTEBOL<br />

(ESTUDO PROPOSTO)<br />

Consumidor assistindo jogo pela TV (nãopresencial).<br />

Placas animadas (eletrônicas/digitais).<br />

Menos distratores (observador pode até estar<br />

sozinho).<br />

Exposição possivelmente descontínua<br />

(observador pode se ausentar totalmente do<br />

jogo a qualquer momento).<br />

Foco de atenção vai lentamente de um lado<br />

ao outro do estádio.<br />

Jogo é lento e tem poucas paradas (exige<br />

foco atencional relativamente menor<br />

enquanto o jogo corre, porém não oferece<br />

muitos intervalos).<br />

O campo de jogo é relativamente pequeno<br />

O campo de jogo é grande (até120mx90m).<br />

(28mx15m).<br />

Tabela 1 - Comparação entre características do estudo realizado por Turvey e Shannon<br />

(2000) e os efeitos visualizados neste trabalho. Material obtido no endereço eletrônico<br />

http://www.inmetro.gov.br em 09/05/<strong>2008.</strong><br />

Segunda diferença: menos distratores competindo pela atenção do observador<br />

poderia favorecer a percepção do anúncio, e a posterior manutenção da atenção para ele. Isso<br />

porque o processamento de estímulos conta com mais ou menos prioridade dependendo da<br />

atividade que o indivíduo desempenha no momento (Rizzolatti e Craighero, 1998). O<br />

engajamento em certas atividades parece pré-ativar redes de modo que seu processamento<br />

passe a ter prioridade nos sistemas atencionais. Assim, a modulação da atenção dependeria<br />

também do contexto no qual o organismo de insere. Assistir a um jogo de futebol no estádio<br />

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pré-ativaria sub-rotinas bastante diferentes daquelas ativadas em um indivíduo que assiste um<br />

jogo com dois ou três companheiros, ou mesmo sozinho, em sua casa.<br />

Terceira, o sistema atencional do espectador da TV estaria menos sobrecarregado,<br />

tanto pela natureza do jogo (em comparação com o basquete) quanto pela quantidade de<br />

estímulos concorrentes. Um jogo mais lento poderia favorecer o ‘passeio’ visual da atenção<br />

pelo campo e seu entorno, sem grandes perdas do andamento do jogo, favorecendo percepção<br />

dos anúncios ao redor do campo. De acordo com a linha de pesquisa sobre atenção visual<br />

defendida por Lavie (1995) <strong>13</strong> , por exemplo, o estágio da seleção depende da “carga” de<br />

processamento da primeira tarefa (quanto mais difícil a tarefa, maior seria a carga). Este autor<br />

mostrou que a resposta neural para um estímulo irrelevante em movimento foi mais fraca<br />

quando a tarefa em prática era difícil do que quando era fácil. Esse resultado pode sugerir que<br />

quanto mais a atenção está alocada para uma tarefa, mais tempo leva para ser direcionada para<br />

outros estímulos. A atenção pode diretamente afetar a representação de aspectos visuais<br />

específicos (não só movimento, mas também cor e forma – Kanwisher e Wojciulik, 2000;<br />

Gordon, 2004). Ela seria central para a construção de toda a experiência visual que compõe o<br />

ato de assistir a um jogo. Assim, o sistema atencional do observador em um jogo de basquete<br />

estaria mais sobrecarregado do que em um jogo de futebol, já que aquele é mais dinâmico do<br />

que este (além de todos os outros motivos, também pelo tamanho do campo em que os<br />

jogadores se deslocam). Além disso, o torcedor em um estádio teria sua atenção mais<br />

sobrecarregada do que quando o jogo é assistido pela TV (pela maior quantidade de estímulos<br />

concorrentes), dificultando o deslocamento da atenção para outros estímulos (como os<br />

anúncios).<br />

De fato, estudos com anúncios em quadras de basquete e futebol de universidades<br />

mostram que torcedores dos jogos de basquete apresentaram maiores níveis de<br />

reconhecimento de anúncios do que torcedores de futebol, porém mais torcedores de futebol<br />

declararam ter notado anúncios nos jogos que assistiram 14 . Isto talvez ocorra porque, apesar<br />

do jogo de basquete ser mais dinâmico, o tamanho do campo é bem menor do que o campo de<br />

futebol. O número de sacadas e fixações em um mesmo ponto da cena é maior (já que há um<br />

menor espaço físico a ser “escaneado” durante o jogo, um mesmo local é “escaneado” mais<br />

vezes). Um resultado seria maior freqüência de exposição a um mesmo estímulo, o que<br />

comprovadamente aumenta taxas de reconhecimento e recall. Assim, torcedores do jogo de<br />

basquete teriam maiores taxas do que os de futebol. Da mesma forma, como o campo de<br />

futebol é bem maior do que o de basquete, talvez um número maior de anúncios estivesse<br />

presente naquele campo, ajudando a explicar as maiores taxas de declaração de notabilidade<br />

de anúncios no campo 15 . Assim, se por um lado no jogo de basquete a atenção exigida nos<br />

lances é maior, por outro o campo de jogo é menor. No futebol, o contrário – lances mais<br />

lentos exigem atenção menos sobrecarregada (favorecendo “passeio” visual pela cena sem<br />

perda de lance), porém o campo de jogo é maior (número de vezes que se volta a atenção para<br />

um determinado anúncio é menor). Resta saber quais seriam as implicações destas diferenças.<br />

Sabe-se que a maior parte das múltiplas cores, formatos e movimentos que populam<br />

o campo visual dos indivíduos não perduram na memória. A natureza seletiva da percepção de<br />

cenas impõe um forte limite à sua reconstrução perceptual (Hollingworth e Henderson, 2002).<br />

Acredita-se que a distribuição da atenção visual comande qual informação visual de uma cena<br />

complexa é representada (Irwin, 1991). Hollingworth e Henderson (2002) propuseram que<br />

uma representação relativamente detalhada da cena visual é construída conforme os olhos e a<br />

atenção são dirigidos para suas múltiplas regiões. Quando se assiste a um jogo, por exemplo,<br />

os olhos se movem pela cena visual, porém, durante o movimento ocular (entre uma fixação e<br />

outra), a percepção visual é suspensa 16 . Assim, os movimentos oculares dividem a percepção<br />

da cena em uma série de episódios perceptuais discretos (fixações) pontuados por breves<br />

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períodos de “cegueira” resultantes da supressão sacádica 12 . Não se sabe como ocorre a junção<br />

das informações, mas este seria o processo que resultaria (somado a outros) em notar um jogo<br />

a que se assiste, e todos os elementos a ele ligados. Assim, a percepção do que está sendo<br />

visto muda conforme o objetivo/intenção do observador se altera, ou conforme sua atenção se<br />

altera (Zigmond et al., 1999). Uma vez que percepção depende de memória e memória é<br />

modulada e modula atenção, todos esses fenômenos estão em íntima relação, funcionando<br />

juntos.<br />

4. A percepção subliminar: um caso de atenção e consciência<br />

As pesquisas acima salientam a importância de considerar os efeitos da exposição à<br />

propaganda levando em consideração conteúdos explícitos e implícitos, mas sempre ao<br />

alcance consciente do indivíduo. Nesta parte discutiremos efeitos relacionados a estímulos<br />

abaixo do limiar da percepção consciente do indivíduo.<br />

4.1. Atenção e percepção subliminar<br />

Embora as primeiras experiências sobre esse assunto datem do final do século XIX,<br />

elas só assumiram um caráter realmente científico da década de 80 do século passado; a partir<br />

daí, os experimentos passaram a embasar uns aos outros, freqüentemente atingindo resultados<br />

similares, mas com olhares diferentes, o que ajudou a construir um cenário sólido para essa<br />

área de pesquisa. A fim de que se possam compreender melhor os experimentos, explica-se<br />

três termos muito citados nesses estudos: Skin Conductance Response (SCR), Magnetic<br />

Resonance Imaging (MRI) e “pré-ativação”, algumas vezes chamadas pelo termo em inglês<br />

prime. SCR é a sigla em inglês para Resposta de Condutância da Pele, tratando-se de um<br />

aumento da condutância elétrica da pele em situações específicas, como estresse,<br />

reconhecimento de objetos ou pessoas conhecidas, prazer, etc. A cada momento em que uma<br />

pessoa tem seu estado emocional alterado por algum motivo, a SCR se altera; embora possa<br />

ser detectada somente com sensores aplicados diretamente à pele, a SCR é um bom indicador<br />

de que algum estímulo foi percebido pelo receptor, mesmo que de forma inconsciente. MRI é<br />

o que chamamos de Ressonância Magnética, um exame feito utilizando as propriedades de<br />

excitação dos átomos em um tecido num campo magnético, a fim de gerar uma imagem da<br />

área analisada. Esse método é utilizado em medicina para avaliar eventuais danos em áreas<br />

internas no corpo com grande precisão, e também para analisar a atividade cerebral.<br />

Finalmente, a pré-ativação é um estímulo inicial que irá desencadear alguma resposta,<br />

consciente ou não, a qual poderá ser medida de várias formas, incluindo a SCR. Embora préativações<br />

possam ocorrer de várias formas, em laboratório são utilizadas especificamente para<br />

despertar certas reações nos indivíduos estudados.<br />

Quando se imagina um estudo sobre percepção subliminar, a maneira mais imediata<br />

de realizá-lo é apresentar um estímulo abaixo do limiar de percepção de um indivíduo e medir<br />

sua reação relacionada ao conteúdo do estímulo. Foi esse o princípio usado na experiência de<br />

Cheesman e Merrikle (1984), bastante comentada por estudiosos da área de comunicação e<br />

percepção.<br />

Nesse estudo, os pesquisadores apresentavam numa tela o nome de uma cor<br />

qualquer (azul, rosa, etc) e em seguida apresentavam uma cor efetivamente, ambos por<br />

curtíssimos tempos de exposição; em seguida, apresentavam um quadro só contendo ruídos de<br />

imagem (chamado “máscara”). Após terem mostrado todos os quadros, os pesquisadores<br />

perguntavam às pessoas quais as palavras e cores que tinham visto, bem como o grau de<br />

certeza da resposta; como o prime (no caso, as palavras e cores) aparecia por muito pouco<br />

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tempo na tela, a maioria dos pesquisados afirmava não ter certeza alguma da resposta dada, e<br />

diziam estar apenas “chutando”.<br />

Após catalogar e compilar todas as respostas, os pesquisadores notaram que o<br />

percentual de acerto era algo em torno de 66%, mesmo entre os que afirmavam não ter idéia<br />

da cor ou da palavra que tinham visto; esse foi um resultado extremamente curioso, já que a<br />

chance esperada de acerto girava em torno de 25%. Assim, o experimento mostrou que,<br />

mesmo sem ter consciência do fato, os indivíduos perceberam os estímulos e souberam<br />

identificá-los, o que era um forte indício de percepção subliminar.<br />

Esse estudo, embora simples, acabou servindo de referência para outros efetuados<br />

posteriormente. O fato de ter conseguido boas evidências de que existe efetivamente uma<br />

percepção subliminar, mas não ter provado exatamente como ela age, despertou a curiosidade<br />

de pesquisadores, como por exemplo, a experiência de Davenport e Potter, (2003), quase 20<br />

anos depois da experiência citada anteriormente. Seguindo uma premissa semelhante, esse<br />

trabalho procurou avaliar de que forma os cenários afetam a percepção das figuras em<br />

primeiro plano.<br />

Nessa experiência, os voluntários pesquisados deveriam observar figuras com planos<br />

de fundo consistentes e inconsistentes. Por exemplo: jogador de futebol americano num<br />

estádio (consistente), padre num campo de futebol (inconsistente), zebra na savana<br />

(consistente), etc. Os testes eram feitos com vários grupos de pessoas, sendo que um dos<br />

grupos deveria identificar qual a figura em primeiro plano, o outro grupo deveria identificar<br />

só o plano de fundo, um outro grupo deveria identificar os dois (fundo e figura) e, por fim, um<br />

quarto grupo veria apenas fundo (sem figuras) e deveria identificá-los. Os quadros eram<br />

apresentados em frações de segundo (precisamente por 80 ms), mas dessa vez os<br />

entrevistados não precisariam declarar seu grau de certeza na resposta.<br />

Na análise dos resultados, Davenport e Potter (2003) perceberam que as figuras<br />

eram identificadas com mais dificuldade em cenários inconsistentes (por exemplo, menos<br />

pessoas conseguiram identificar o padre no estádio, quando comparado com o quadro do<br />

padre na igreja). Da mesma forma, cenários sozinhos ou com figuras consistentes eram<br />

identificados com mais facilidade do que aqueles acompanhados de figuras inconsistentes.<br />

Isso, na prática, mostrou que estímulos subliminares não só são percebidos, como<br />

também são afetados por detalhes, como o contexto. É interessante perceber que, embora os<br />

motivos dos dois experimentos sejam diferentes – o de Cheesman e Merrikle (1984) buscava<br />

puramente evidenciar a percepção subliminar, e o de Davenport e Potter (2003) queria<br />

demonstrar como a percepção de fundos acontecia mesmo em situações subliminares), ambos<br />

apresentam evidências sólidas de que existe efetivamente uma percepção abaixo do limite da<br />

consciência, que pode, inclusive, reconhecer detalhes, diferenciar planos, etc.<br />

4.2. Influência subliminar<br />

Com base nos estudos apresentados que representam parcialmente o conhecimento<br />

na área, é possível imaginar que as mensagens subliminares têm realmente uma capacidade de<br />

influenciar a decisão de uma pessoa a respeito de comportamento, compra, etc., já que o<br />

indivíduo é capaz de reconhecer as mensagens e perceber até mesmo detalhes. Estariam os<br />

alarmistas certos ao dizer que certas músicas, jogos, parques de diversões e filmes contém<br />

mensagens capazes de alterar drasticamente a opinião ou o comportamento dos indivíduos<br />

Uma boa pista foi dada pela experiência de Van Den Hout e colaboradores (2000).<br />

A exemplo do caso de Davenport e Potter (2003), este trabalho buscava respostas<br />

para um outro fenômeno, e acabou trazendo informações valiosas também para o estudo da<br />

percepção subliminar como um todo. A proposta deles era analisar a teoria de Öhman e<br />

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Soares (1994), que definia que a reação de uma pessoa a uma imagem era ligada à percepção<br />

da imagem em si; Jong e seus colegas acreditavam que a percepção não era ligada a imagem,<br />

mas sim ao significado dela para cada pessoa. Por isso, resolveram fazer um estudo<br />

envolvendo fobias e palavras relacionadas a elas.<br />

Reunindo homens e mulheres com aracnofobia comprovada, os pesquisadores<br />

apresentavam um prime relacionado à fobia, e alternavam com palavras gerais de violência e<br />

palavras neutras (todas apresentadas por apenas 20ms); assim, o indivíduo poderia ver a<br />

palavra “aranha”, e em seguida ver “batata”, e por fim ver “assassinato” (palavra fóbica,<br />

neutra e violenta, respectivamente). As palavras eram apresentadas com e depois sem<br />

máscaras, e o resultado da percepção era medido segundo as SCR.<br />

Como era de se esperar, a percepção subliminar foi novamente evidenciada pelo<br />

estudo; esse, contudo, trouxe algo a mais. Verificando as SCRs dos indivíduos, pode-se notar<br />

que eles não tinham quase reações ao serem expostos às palavras neutras, mas apresentavam<br />

reações um pouco mais pronunciadas quando expostos a palavras violentas. E, quando<br />

analisando as reações às palavras fóbicas, constataram que as SCRs eram ainda mais<br />

ressaltadas em relação às demais situações. Para completar, as palavras cobertas com<br />

máscaras não apresentavam variação significativa de SCR. Note-se que os indivíduos<br />

declaravam não identificar nenhuma imagem apresentada.<br />

Ora, sabendo que a combinação de letras por si só não causa fobia (as letras “a-r-a-nh-a”,<br />

sozinhas, não são um prime fóbico), e levando em conta que houve SCR variando de<br />

acordo com a palavra apresentada, chega-se à conclusão que as pessoas efetivamente extraiam<br />

um significado de forma subliminar de cada palavra apresentada. Apesar disso, os indivíduos<br />

não apresentavam nenhuma reação consciente ao prime, muito embora ele fosse<br />

inconscientemente registrado e percebido pelas SCR.<br />

Isso é um argumento muito eloqüente contra a idéia de que mensagens subliminares<br />

podem causar reações nas pessoas sem que elas percebam; independente de haver ou não<br />

mensagens escondidas em diversos meios, a recepção das mesmas causará, no máximo, uma<br />

reação inconsciente, que não afetará o indivíduo, mesmo em casos extremos, como o de<br />

fobias. Assim, a experiência de Van Den Hout e colaboradores (2000) apresenta um ponto de<br />

vista novo e bastante decisivo contra a idéia popular das mensagens subliminares, além de<br />

complementar a experiência de Davenport e Potter e mostrar que, além de detalhes, é possível<br />

perceber significados de maneira subliminar (e, ao contrário do que sugeria a teoria de Öhman<br />

e Soares (1994), notou-se que a reação do indivíduo não é ligada à imagem, mas sim ao<br />

significado carregado pelo estímulo).<br />

Para finalizar essa discussão, é interessante mostrar mais um recente estudo sobre as<br />

pesquisas de percepção subliminar; o Dr. Bahador Bahrami e sua equipe realizaram um<br />

experimento muito similar aos descritos anteriormente, obtendo resultados compatíveis com<br />

os mesmos, com duas diferenças: primeiro, eles utilizaram o MRI para medir as respostas, ao<br />

invés das medições de SCR, por ser um método mais preciso, além de permitir ver quais áreas<br />

do cérebro são ativadas com cada estímulo. Segundo, eles não apenas apresentaram estímulos<br />

subliminares, mas o fizeram num contexto em que o indivíduo estaria engajado em outra<br />

atividade.<br />

A idéia do experimento era avaliar o quanto a concentração era relevante na<br />

recepção de estímulos subconscientes; como resultado, Bahrami e colaboradores (2007)<br />

perceberam que os estímulos dados durante as tarefas fáceis eram registrados no cérebro,<br />

enquanto aqueles emitidos nas tarefas difíceis simplesmente eram ignorados. Assim, eles<br />

puderam perceber que, por mais direto que seja o contato de uma mensagem subliminar com<br />

o indivíduo, ela ainda estará sujeita à atenção que o mesmo dispensa à fonte dessa mensagem.<br />

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Com base nestes estudos científicos, podemos considerar que estímulos subliminares<br />

são percebidos e avaliados pelo indivíduo de forma inconsciente, sofrem efeitos de contexto<br />

(figura-fundo), dependem de disponibilidade de atenção, mas são incapazes de iniciar um<br />

comportamento mesmo que relacionado com fobias do receptor.<br />

5. Considerações finais<br />

Nos estudos sobre a influência da propaganda no comportamento do receptor, é<br />

muito importante que sejam considerados aspectos diretamente ligados a atenção dada aos<br />

conteúdos de sua mensagem, ou seja, a intenção clara do emissor. Por outro lado, devemos<br />

considerar também os aspectos que por não serem centrais à mensagem passam<br />

desapercebidos aos órgãos reguladores, mas acabam por exercer influência nos receptores.<br />

Assim, uma advertência em uma propaganda de cigarros sobre os males do cigarro nos dentes<br />

do fumante pode ser enfraquecida pela atenção dada ao lindo sorriso do modelo usado na<br />

propaganda, causando efeitos intencionais e ou não intencionais e enfraquecendo a<br />

capacidade da advertência.<br />

A influência da propaganda pode ser observada ainda em situações onde a<br />

propaganda não é o fator de atratividade principal para o receptor, como em arenas esportivas.<br />

Mas, ainda assim, a propaganda pode ser efetiva, principalmente se combinada com as<br />

características do estímulo principal (por exemplo, movimento) causando efeitos na memória<br />

e no comportamento de compra dos receptores de forma não obstrutiva, portanto com pouca<br />

resistência destes.<br />

Complementando estas observações, temos que consciência do estímulo se torna<br />

fator preponderante em alterar comportamentos. Ou seja, embora o indivíduo tenha<br />

capacidade de absorver informação de estímulos abaixo do seu limiar de percepção, essa<br />

capacidade não é suficiente para desencadear alterações de comportamento, como no caso dos<br />

indivíduos com fobia a aranhas expostos a estímulos subliminares a elas relacionados.<br />

Assim, temos que a relação entre atenção e influência dos comerciais deve<br />

considerar no mínimo três níveis: a atenção voluntária, a automática e a percepção não<br />

consciente.<br />

6. Referências bibliográficas<br />

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Notas<br />

(1) Fischer e colaboradores (1991).<br />

(2) Gomide e Pinsky (2004: 61) ressaltam que "um estudo recente, por exemplo, elaborado<br />

pelos pesquisadores norte-americanos John P. Pierce, Won S. Choi e Elizabeth A. Gilpin,<br />

estimou que, entre 1988 e 1998, houve 7,9 milhões de novos ‘experimentadores’ de tabaco<br />

nos EUA devido à propaganda e às promoções em geral. Desses, estima-se que 1,2 milhão<br />

morrerá por doenças relacionadas ao fumo. O estudo, intitulado Sharing the blame: smoking<br />

experimentation and future smoking attributable mortality due to Joe Camel and Marlboro<br />

avertising promotions, chega a apontar quantas dessas mortes estarão associadas a marcas<br />

específicas de cigarro". As autoras expõem ainda outro estudo realizado em Hong Kong<br />

(cidade com grave problema de saúde pública devido ao consumo de tabaco por jovens) entre<br />

estudantes de 12 a 15 anos e que analisou a relação entre o hábito de fumar e uma série de<br />

fatores, entre eles a propaganda de tabaco. Os autores do trabalho, publicado no American<br />

Journal of Preventive Medicine, concluíram que a propaganda contribui efetivamente para o<br />

envolvimento dos estudantes com os cigarros, e propõem a proibição de toda e qualquer<br />

forma de publicidade por parte da indústria do tabaco.<br />

(3) Para aprofundamento no tema: Arnetta e Terhanianb (1998) e Pierce e colaboradores<br />

(1998).<br />

(4) Disponível em http://www.anvisa.gov.br/alimentos/comissoes/tecno_lista_alega.htm,<br />

acessado em 20/05/08.<br />

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(5) O tema remete à teoria do dilema social. Para mais informações, consultar: Ostrom, E<br />

(1998). A Behavioral aproach to the racional choice theory of collective action: presidential<br />

address, American political science association, 1997. Am. Political Sci. Rev., 92 (1), 1-22.<br />

(6) Registros eletrofisiológicos são feitos a partir da medição, realizada através eletrodos<br />

situados muito próximos à membrana celular, de sinais elétricos dessas células. Para saber<br />

mais: Kandel e colaboradores (2003).<br />

(7) Dispositivo utilizado para medição da posição e movimento ocular na observação visual<br />

(como nos estudos realizados por Hollingworth e Henderson, 2002).<br />

(8) Recall é uma medida de lembrança bastante usada para medir efeitos da propaganda na<br />

memória do receptor.<br />

(9) Como: Cunneen e Hannan (1993), Shilbury e Berriman (1996) e Stotlar e Johnson (1989),<br />

citados em Turley e Shannon (2000).<br />

(10) Sabe-se que movimentos rápidos de cenas visuais são processados pela via magno,<br />

compostas de neurônios mielinizados, transmitindo informações rapidamente para os centros<br />

de processamento visuais do cérebro (cor e forma, por outro lado, são processados pela via<br />

parvo, mais lenta do que a magno) – Kandel (2003)<br />

(11) Shiffrin e Schneider (1977), citados em Nahas e Xavier (2004).<br />

(12) Esta teoria é chamada de teoria pré-motora da atenção seletiva espacial, proposta por<br />

Rizzolatti e Craighero (1998). Esta teoria defende que a atenção seria controlada por centros<br />

óculos-motores e por redes neurais relacionadas a movimentos corpóreos.<br />

(<strong>13</strong>) Lavie, N. (1995) Perceptual load as a necessary condition for selective attention. J. Exp.<br />

Psychol. Hum. Percept. Perform., 21, 451–468, apud Kanwisher e Wojciulik (2000).<br />

(14) Stotlar e Johnson (1989), citados em Turley e Shannon (2000).<br />

(10) Sabe-se, por exemplo, que informações globais da cena tornam-se disponíveis mais<br />

rapidamente do que informações locais específicas (Gordon, 2004).<br />

(15) Por isso a imagem não “borra”, nem “corre” o texto que se está lendo.<br />

(16) Essa visão é consistente com a abordagem de teorias que enfatizam a natureza<br />

construtiva da memória operacional (Baddeley, 1974). Pesquisas também sugerem que a<br />

orientação espacial da atenção é uma parte necessária da memória operacional, mais do que<br />

meramente um fenômeno correlacionado a ela (Awh e Jonides, 2001).<br />

- L.L. Batista é Mestre em Propaganda (University of North Carolina) e Doutor em<br />

Comunicação Social (University of North Carolina). Atua como Professor na ECA-USP. E-<br />

mail para correspondência: leleba@usp.br.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 151-161 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 15/06/2008 | Revisado em 01/08/2008 | Aceito em 15/08/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Artigo Científico<br />

Mídia e referências: um estudo sobre interações e efeitos<br />

Media and references: a study about interactions and effects<br />

Leandro Leonardo Batista , Renato de Faria Cavalheiro e Francisco Leite <br />

Grupo de Pesquisa em Efeitos de Comunicação (GPEC), Departamento de Relações Públicas,<br />

Propaganda e Turismo (CRP), Escola de Comunicações e Artes (ECA), Universidade de São<br />

Paulo (USP), São Paulo, São Paulo, Brasil<br />

Resumo<br />

Este estudo visa apresentar algumas possibilidades acerca das inter-relações entre os<br />

indivíduos, os meios de comunicação, os efeitos de longo e de curto prazo resultantes da<br />

exposição dos indivíduos aos conteúdos veiculados por esses meios, a Web 2.0 e os grupos de<br />

referência. Além disso, se destina a conjugar maneiras por meio das quais cada um desses<br />

elementos é capaz de influir na atuação dos outros sobre as vivências subjetivas e sociais, e<br />

sobre o modo de vida dos indivíduos em seus cotidianos, inclusive exemplificando como essa<br />

influência se dá. Com esse intuito, o presente estudo compõe-se da revisão de uma série de<br />

trabalhos desenvolvidos nas áreas da Comunicação Social, da Psicologia Social e da Psicologia<br />

Cognitiva, os quais se unem para fornecer a base teórica que permite o esclarecimento relativo<br />

às formas através das quais as possibilidades inter-relacionais apresentadas podem ocorrer. ©<br />

Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 151-161.<br />

Palavras-chave: comunicação; efeitos de longo prazo; efeitos de curto prazo;<br />

web 2.0; grupos de referência.<br />

Abstract<br />

This study aims to present some possibilities about the inter-relations among the individuals,<br />

the media, the long and the short-term effects resulting from the individuals’ exposure to media<br />

contents, the Web 2.0 and groups of reference. In addition it aims to discuss how each one of<br />

these elements is capable to influence the performance of each other on individuals’ subjective<br />

and social day to day living experiences, including examples of how this influence happens. To<br />

that end, this study consists of a revision of a series of work in the areas of Social<br />

Communication, Social Psychology and Cognitive Psychology, which joined provide the<br />

theoretical basis that allows for clarification on the ways that the inter-relations presented may<br />

occur. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 151-161.<br />

Keywords: communication; long-term effects; short-term effects; web 2.0;<br />

reference groups.<br />

1. Introdução<br />

Estudos acerca do papel da mídia nas relações humanas há muito tempo despertam o<br />

interesse de pesquisadores nos campos da comunicação e da psicologia. A informação<br />

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presente na mídia causa efeitos de longo e de curto prazo, influenciando as formas como a<br />

sociedade se vê e sugerindo aos indivíduos representações da mesma, de seus valores e de seu<br />

modo de vida (efeito de longo prazo), além de modos momentâneos de interpretar ocorrências<br />

e informações recebidas na vivência cotidiana (efeito de curto prazo). A primeira parte deste<br />

artigo dedica-se a falar sobre esses efeitos.<br />

Outro papel relevante da mídia é sua função de referência, ou seja, de ressaltar quem<br />

os indivíduos devem considerar como modelos ou padrões normativos de comportamento.<br />

Este aspecto é de alta relevância no atual momento da sociedade, uma vez que contatos<br />

diretos estão sendo “substituídos” pelos contatos realizados de forma virtual, fato que afeta os<br />

conceitos do valor da proximidade física que perduraram por longo tempo. A segunda parte<br />

deste artigo é dedicada a discussão deste aspecto.<br />

Finalmente, na terceira parte deste trabalho são levantadas as possibilidades oriundas<br />

de algumas das inter-relações possíveis entre o papel da mídia nas relações humanas, os<br />

efeitos de longo e de curto prazo causados pela exposição do indivíduo ao conteúdo veiculado<br />

pela mídia, e os grupos de referência. O proceder metodológico deste trabalho pauta-se numa<br />

revisão não exaustiva da literatura, os trabalhos revistos foram selecionados pela sua<br />

significância em relação ao tema, sua coerência científica e sua capacidade em explicar os<br />

efeitos, as funções referenciais da mídia e levantar as possibilidades inter-relacionais<br />

anteriormente citadas.<br />

2. Efeitos da exposição de um indivíduo ao conteúdo dos meios de comunicação<br />

Define-se, neste trabalho, como efeitos da exposição de um indivíduo aos conteúdos<br />

veiculados pelos meios de comunicação todo o escopo das influências que esses conteúdos<br />

possam exercer sobre as relações que um indivíduo desenvolve por meio de sua interação com<br />

os demais elementos de seu cotidiano, considerando tanto aquelas que ele desenvolve em um<br />

contexto subjetivo, ou seja, em seu interior, quanto as que ele desenvolve em um contexto<br />

objetivo, seu exterior.<br />

Segundo Escosteguy e Jacks (2005), no conjunto das teorias da Comunicação, os<br />

estudos dos efeitos surgem como a primeira perspectiva que se preocupou com as<br />

conseqüências da industrialização da cultura no que diz respeito à mídia e suas repercussões<br />

nos indivíduos e na sociedade.<br />

Com relação a esses estudos, tais autoras destacam outras vertentes e desdobramentos<br />

como as teorias dos efeitos fortes e fracos, desenvolvidas principalmente por Jensen e<br />

Rosengren (1990). Estas teorias, de acordo com Escosteguy e Jacks (2005) modificam a<br />

noção de efeitos, indo de uma visão restrita, que os trata como sendo diretos e específicos, a<br />

uma visão mais ampla, que os aborda como indiretos e difusos, além de mudar a concepção<br />

de receptor, que de passivo torna-se ativo (participativo) e seletivo da produção de sentido. A<br />

matriz desses estudos ainda é ampliada pelos efeitos limitados e ilimitados e pelos de longo e<br />

de curto prazo<br />

Vale ressaltar que, no presente artigo, considera-se os efeitos de longo prazo como<br />

aqueles cujas conseqüências no indivíduo perduram até que, por algum motivo, aconteça<br />

desse indivíduo vivenciar uma mudança em sua subjetividade e, por meio dessa, uma<br />

mudança em sua interação com os demais elementos de seu cotidiano, seja essa alteração<br />

causada por um meio de comunicação ou não. Da mesma maneira, considera-se aqui os<br />

efeitos de curto prazo como aqueles cujas conseqüências no indivíduo perduram enquanto ele<br />

continuar exposto a uma determinada configuração adotada por um meio de comunicação,<br />

sendo que, no momento em que essa configuração deixar de existir, ou cessar a exposição do<br />

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indivíduo a ela, a influência exercida por esse meio de comunicação será interrompida ou<br />

alterada.<br />

3. Efeitos de longo prazo<br />

Com base na Teoria do Aprendizado Sócio-Cognitivo por Observação, apresentada no<br />

trabalho de Huesmann e colaboradores (2003), pode se descrever como concepções formadas<br />

no decorrer de um longo prazo, a aquisição de três estruturas sócio-cognitivas: a compreensão<br />

subjetiva da realidade, aqui inclusas as atitudes com relação à essa realidade, as estratégias<br />

para solução de problemas e as crenças sobre aquilo que é normativo.<br />

Considerando também que segundo Huesmann e colaboradores (2003), as crianças<br />

imitam quase todos os comportamentos observados em seus familiares, amigos e pessoas com<br />

que se relacionam, incluindo aqueles observados e praticados nos meios de comunicação, e<br />

que é a partir dessas observações e práticas que as três estruturas sócio-cognitivas citadas se<br />

formarão, configura-se um dos tipos de efeitos que a exposição aos conteúdos veiculados<br />

pelos meios de comunicação podem promover em um longo prazo, ou seja, a influência na<br />

formação dessas estruturas sócio-cognitivas.<br />

Outro efeito que pode ser causado pela exposição ao conteúdo dos meios de<br />

comunicação é a naturalização, que ocorre quando, por exemplo, a resposta emocional<br />

negativa inata e o desconforto que a maioria dos seres humanos possui ao observar<br />

sangramentos, perfurações e violência, são minimizados devido a repetida exposição a esses<br />

eventos através dos meios de comunicação, fato que faz com que os indivíduos expostos<br />

considerem tais eventos como “naturais”, parte integrante da realidade, mesmo que<br />

levantamentos estatísticos provem o contrário.<br />

Nesse ínterim, vale ressaltar dois aspectos: se o contexto naturalizador estiver presente<br />

tanto no cotidiano quanto naquilo que é observado no meio de comunicação, esse efeito se<br />

torna mais saliente, devido a um fenômeno chamado por Kasperson (1992) de ressonância.<br />

Além disso, esse efeito naturalizador também é visível nas sócio-cognições citadas<br />

anteriormente, como por exemplo, no caso da transmissão do “modus operandi” característico<br />

da sociedade japonesa retratado em suas histórias em quadrinhos, os mangás 1, conforme<br />

apresentado por Cavalheiro (2005).<br />

Uma das mais famosas e controversas linhas de pesquisa que se dedica a estudar os<br />

efeitos de longo prazo apresentados pela exposição ao conteúdo veiculado pelos meios de<br />

comunicação é a “Cultivation Theory” de Gerbner e colaboradores (1986), cujo nome foi<br />

traduzido por Wolf (1994) como Teoria do Cultivo.<br />

No decorrer desses estudos, constatou-se que um meio de comunicação de massa pode<br />

se colocar como depositário e transmissor das crenças, dos valores e do modo de vida de uma<br />

sociedade, assumindo o papel de educador social. Com base nessas possibilidades, definições<br />

e observações, Gerbner e colaboradores (1986) desenvolveram o “Projeto Indicadores<br />

Culturais", durante o qual foram empreendidas pesquisas em três frentes. A primeira delas é a<br />

Análise do Processo Institucional, que investiga a formação das diretrizes de criação e<br />

propagação das repetitivas mensagens transmitidas pela televisão; a segunda é a Análise do<br />

Sistema de Mensagens, que enfoca as repetitivas mensagens propagadas pela televisão e<br />

analisa seu conteúdo e seus contextos; a terceira é a análise dos efeitos da “Cultivation”, em<br />

outras palavras, dos efeitos que as mensagens repetidas e transmitidas por meio da televisão<br />

provocam sobre os valores, as crenças e o “modus operandi” de uma sociedade, no caso, a<br />

norte-americana.<br />

Em sua conclusão, Gerbner e colaboradores encontraram evidências de efeitos<br />

homogeneizadores, perceptíveis em longo prazo, fato esclarecido na comparação das<br />

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respostas dadas por assíduos e eventuais telespectadores aos questionários por eles aplicados.<br />

A representação empírica da homogeneização apresentada pelos membros da sociedade<br />

estudada, se denominou “mainstreaming”, pois conforme aumentava a exposição à televisão,<br />

os diferentes valores, crenças e modo de vida convergiam em direção àquilo que a televisão<br />

apresentava como o retrato da sociedade norte-americana.<br />

Outro exemplo de meio de comunicação que, segundo Cavalheiro (2005), assume o<br />

papel de educador social e apresenta evidências de efeitos similares aos do “mainstreaming”,<br />

é o mangá japonês o qual, assim como a televisão na sociedade norte-americana, atua como<br />

um grande depositário e transmissor das crenças, valores e do modo de vida da sociedade<br />

japonesa, sendo um dos principais responsáveis pela formação e pela educação sociocultural<br />

do povo japonês.<br />

4. Efeitos de curto prazo<br />

Paralelamente aos efeitos de longo prazo, os meios de comunicação e os conteúdos<br />

veiculados por eles podem influenciar comportamentos esporádicos e determinados entre seus<br />

espectadores quando esses se encontram em um contexto provisório e definido. A essa<br />

influência eventual denomina-se efeito de curto prazo.<br />

Um dos mais estudados e observados efeitos de curto prazo é o “priming”, livremente<br />

traduzido como pré-ativação. Esse efeito, segundo Mandel e Johnson (2002), consiste na<br />

influência que um determinado cenário, ambiente ou evento, via de regra, possui sobre o<br />

comportamento de um indivíduo devido ao fato de que esse cenário, ambiente ou evento<br />

aumenta a acessibilidade, ou a saliência, de uma informação já armazenada na sua mente .<br />

Outro importante efeito de curto prazo é o “framing”. Esse efeito é definido por<br />

Valkenburg e colaboradores (1999) como sendo um modo particular por meio do qual<br />

jornalistas compõem uma matéria para otimizar sua acessibilidade, enquanto Entman (1993)<br />

apresenta o “framing” como sendo a seleção de alguns aspectos da realidade para torná-los<br />

mais salientes em um ato de comunicação de modo a promover uma determinada definição de<br />

um problema, uma interpretação casual, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de<br />

condução para um determinado evento.<br />

Finalmente, o mais importante e estudado efeito que, de acordo com as definições aqui<br />

apresentadas, também é considerado de curto prazo, é o “agenda-setting”. Segundo<br />

Wojcieszak (2006), o agendamento consiste na capacidade dos meios de comunicação<br />

direcionarem a atenção da sociedade e seu foco de discussão para certos temas e conteúdos,<br />

excluindo outros temas e dando forma às imagens que a população compõe em relação aos<br />

grupos, movimentos e eventos convergentes ou divergentes daquilo e/ou daquele para onde a<br />

atenção está sendo focalizada. Também, segundo McCombs e Shaw (1972), o “Agenda-<br />

Setting” define a realidade objetiva fazendo com que certas questões se tornem mais salientes<br />

na mente dos indivíduos, sugerindo o que eles devem pensar, saber e sentir a respeito de um<br />

determinado assunto.<br />

Mais uma vez, um bom exemplo de meio de comunicação ao qual podemos relacionar<br />

a possibilidade de geração desses três efeitos é o mangá japonês. Em relação ao “priming”,<br />

conforme definiram Mandel e Johnson (2002), é possível se levantar algumas possibilidades a<br />

partir da observação do comportamento de significativa parcela de seus leitores nos eventos<br />

socioculturais e comerciais em que esse veículo é celebrado. Nessas oportunidades, é<br />

inclusive esperado que um número notável de presentes esteja, diferente do que fazem em seu<br />

cotidiano, atuando e vestindo-se como um personagem dessas histórias em quadrinhos, e que<br />

esses sejam reconhecidos ou pelo nome dos personagens que eles personificam ou por algum<br />

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pseudônimo que estes indivíduos utilizem para se identificar enquanto membros desse grupo<br />

social.<br />

Já em relação ao “framing”, segundo Entman (1993), e ao “agenda-setting”, de acordo<br />

com McCombs e Shaw (1972), pode-se inferir a partir de Cavalheiro (2005), que o mangá não<br />

apenas aumenta a saliência de determinadas definições de problemas e modos de solucionálos,<br />

mas também o faz em relação às interpretações casuais e causais e às avaliações morais,<br />

sugerindo o que seus leitores devem pensar, saber e sentir em relação aos mais diversos<br />

aspectos de sua vida, desde os familiares, escolares e profissionais, até aqueles ligados à<br />

sexualidade. Entretanto vale ressaltar que ainda resta saber como estas informações ou<br />

influências são incorporadas por esses leitores.<br />

5. Grupos de referência e seus efeitos na Web 2.0<br />

Os grupos referenciais são entendidos na literatura, de acordo com Philip Kotler<br />

(1998), como todos os grupos que têm influência direta (face-a-face/grupos de afinidade) ou<br />

indireta sobre as atitudes ou comportamento da pessoa. Em outras palavras, o grupo de<br />

referência é aquele no qual o indivíduo é estimulado a buscar informações referenciais para<br />

avaliação e validação de atitudes, comportamentos, hábitos, tomadas de decisão e<br />

posicionamentos a serem projetados para a sociedade. Além de contribuir para afirmar e<br />

imprimir determinados valores no cotidiano do indivíduo que utiliza e corrobora com sua<br />

produção de sentido. A principal característica desse grupo é o sentimento de pertencimento,<br />

apoio, segurança e validação que o indivíduo simbolicamente tem ao expressar seus<br />

comportamentos, atitudes e opiniões para outros agrupamentos.<br />

Um grupo referencial pode ser categorizado como positivo e/ou negativo. De acordo<br />

com Harrison (1975), quando as normas e informações de um grupo são endossadas pelo<br />

indivíduo o indicativo referencial é positivo e satisfatório, em contrapartida, quando essas são<br />

rejeitadas, este é considerado negativo.<br />

Aqui cabe pontuar que o grupo referencial não deve ser confundido com outras<br />

nuanças conceituais de grupo de filiação (aos quais o indivíduo pertence), apesar de ser<br />

possível muitas vezes a ocorrência de transitoriedade e participação de seus membros em<br />

outros agrupamentos de forma simultânea, como nos grupos primários, nos quais ocorre uma<br />

interatividade regular e informal (amigos, família, vizinhos, colegas de trabalho) ou nos<br />

grupos secundários, que são mais formais e possuem menos interatividade regular (grupos<br />

religiosos, associações, sindicatos). Considerando isso, os grupos referenciais podem ser<br />

classificados na mesma linha conceitual dos grupos de aspiração, que são aqueles aos quais<br />

um indivíduo quer pertencer, dado que se identifica com ele, sem qualquer tipo de contato<br />

mais concreto.<br />

A dinâmica de funcionamento de um grupo de referência deve ser observada como<br />

elemento de considerável relevância, tendo em vista seu caráter agregador, conservador e<br />

precursor de novas características, formatações e orientações de sentido. Em outros termos,<br />

um grupo referencial tem influência considerável na tomada de decisão de seus membros ao<br />

tornar-se uma instituição indispensável para emitir avaliações e considerações, validar<br />

atitudes, comportamentos e opiniões sobre um determinado objeto social.<br />

A Web 2.0 2 é um espaço propício e interessante para se observar a dinâmica do<br />

sistema relacional dos grupos de referência, dentro de uma “nova/outra” configuração<br />

ambiental – o virtual. No entanto, deve-se atentar que o ambiente virtual também opera<br />

relações da mesma forma que o presencial, porém com maior possibilidade de alcance na<br />

difusão de conceitos. Considerando, de grosso modo, uma menor demanda das variáveis:<br />

tempo e espaço, para o estabelecimento de interações.<br />

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Assim, o objetivo desta parte do trabalho é pensar, a partir destas linhas reflexivas, o<br />

deslocamento (e apropriação) dos grupos de referência do campo presencial para o espaço<br />

virtual da Web 2.0, sua dinâmica e efeitos na operação de produção de sentido pela rede<br />

mundial de computadores, a internet.<br />

A Web 2.0 pode ser entendida como um segundo período da internet ou, conforme<br />

apresenta Primo (2007), a segunda geração de serviços on-line, que caracteriza-se por<br />

potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, além<br />

de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do processo. Neste ambiente,<br />

várias ferramentas possibilitam e potencializam a manifestação dos grupos de referência<br />

como os blogs, o Orkut e suas comunidades, os sistemas de grupos de discussão (por e-mail),<br />

os sistemas de comunicação instântanea (MSN, Skype e outros), e os sites de<br />

compartilhamento de vídeos como o Youtube e o My Space. Considerando esses fatos, é<br />

possível entender que este “novo” espaço virtual tenha a mesma eficiência e a mesma eficácia<br />

do espaço físico presencial. Nele os grupos também exercem, porém virtualmente, a<br />

interatividade com outros indivíduos e grupos. Além disso, acredita-se que a manifestação e<br />

os efeitos do espaço virtual sejam ainda maiores pela dinâmica da rede e pelo imediatismo<br />

que caracteriza a internet.<br />

Desse modo, a influência dos grupos de referência pela internet ganha, provavelmente,<br />

maior amplitude pelo acesso, interação e colaboração de outros indivíduos que têm<br />

identificação pelos discursos produzidos, neste espaço, sobre determinada experiência e<br />

temática social. Primo (2007) ratifica o exposto acima ao indicar que através dessas<br />

ferramentas pequenas redes de amigos ou de grupos interessados em nichos muito específicos<br />

podem interagir, sendo que a interconexão entre esses grupos pode gerar significativos efeitos<br />

em rede.<br />

Enfim, é desse lugar social 3 engendrado pelo deslocamento temporal, espacial e<br />

discursivo que as relações sociais se apropriam e se utilizam para continuar instituindo,<br />

produzindo conteúdos que (re)afirmem seus posicionamentos sobre determinada visão de<br />

mundo, fidelizando seus membros, inscrevendo e captando novos indivíduos aspirantes,<br />

mediante a publicidade das linhas identitárias e culturais do seu discurso na rede virtual.<br />

O Orkut é um espaço social virtual que possibilita relacionamentos e o<br />

estabelecimento de laços afetivos. Criado em janeiro de 2004 pelo turco Orkut Buyukokkten,<br />

ex-aluno da Universidade de Stanford, e lançado pelo Google, o Orkut é um aplicativo on-line<br />

(Website) que reúne perfis de indivíduos e comunidades em uma matriz relacional. Ele tem a<br />

seguinte estrutura básica: perfil do usuário com foto principal; álbum de fotos; depoimentos;<br />

livro de recados; rede de amigos e comunidades. Esta última será objeto para suportar a<br />

aplicação do pensamento exposto neste trabalho.<br />

As comunidades do Orkut são elementos conectores e formadores da identidade dos<br />

usuários, pois é através destas que eles se auto-intitulam, de forma voluntária, como<br />

pertencentes e/ou simpatizantes de um determinado grupo, via identificação (grupos de<br />

referência positiva). Em contrapartida, ressalta-se aqui que o contrário também ocorre, pois<br />

muitos usuários que não se identificam com os discursos de certas comunidades se integram e<br />

participam dessas apenas para criticar de forma negativa as tomadas de decisões e opiniões<br />

nelas expressadas (grupos de referência negativa). No entanto, muitas vezes tais<br />

manifestações são extirpadas rapidamente pela exclusão e bloqueio da participação de tal<br />

usuário pelo moderador (criador da comunidade), indivíduo responsável por gerenciar o<br />

agrupamento comunitário. Vale ressaltar que esse tipo de ação moderadora configura um<br />

fenômeno denominado silenciamento, o qual, segundo Garcia (1994), é uma das maneiras de<br />

um grupo hegemônico exercer controle ideológico dentro de uma comunidade.<br />

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Para uma aplicação do pensamento desenvolvido neste trabalho, é possível observar,<br />

no site de relacionamento Orkut 4, a maior comunidade brasileira de indivíduos que<br />

consomem a mídia mangá, denominada “Eu amo Anime || Mangás ||Games” 5, que tem o<br />

impressionante número de 80.976 membros.<br />

Nas comunidades do Orkut a produção de sentido é realizada pela interação em rede<br />

dos seus membros via manifestação virtual de orientação, aprovação e atualização de<br />

informações e posicionamentos sobre determinadas questões sociais, ou simplesmente relatos<br />

de experiências produzidas com o consumo desta mídia.<br />

Dessa forma, com esse elemento de suporte, é possível compreender, de forma<br />

genérica, como funcionaria esta dinâmica relacional entre o grupo de referência e seus<br />

membros no espaço virtual.<br />

Os grupos formados pela égide das comunidades podem ser considerados de<br />

referência, pois suas opiniões são produzidas, expressadas (propagadas) e armazenadas<br />

através de mensagens específicas em fóruns, enquetes, eventos e outras possibilidades de<br />

interação fornecidas pelo sistema do Orkut. As ferramentas “fórum” e “enquete” são<br />

possibilidades de consulta a informações, de expressão de opiniões e abertura de debates<br />

sobre um determinado tema que contribui para as construções simbólicas de conexão entre os<br />

indivíduos que formam o grupo de referência e os que o consultam para validar seus<br />

posicionamentos expressos no campo presencial enquanto a ferramenta “eventos” funciona<br />

como uma agenda de acontecimentos (festas, encontros, feiras etc.) sobre o tema. Muitos<br />

participantes da comunidade, através desses eventos, se conhecem pessoalmente e elevam o<br />

relacionamento também para o campo presencial, por aceitarem e validarem o conteúdo dos<br />

materiais produzidos e disponibilizados por essas ferramentas. Segundo Primo (2007), a<br />

credibilidade e relevância dos materiais publicados são reconhecidas a partir da constante<br />

dinâmica de construção e atualização coletiva.<br />

Portanto, os grupos de referência na Web 2.0 caracterizam-se como uma extensão do<br />

campo presencial com as mesmas funcionalidades e operação, no entanto com maior poder de<br />

difusão, armazenagem e fácil acesso a informações, conceitos e experiências sobre<br />

determinado objeto social, (como os mangás) que possibilita uma dinamicidade maior de<br />

orientação aos seus membros de pistas para suas tomadas de decisão e aplicação social dos<br />

conceitos validados pelo agrupamento.<br />

6. Efeitos dos meios de comunicação e os grupos de referência<br />

Levando em conta o que foi abordado anteriormente, pode ocorrer o surgimento da<br />

seguinte questão: É possível considerar que o relacionamento de um indivíduo com os grupos<br />

de referência positiva e negativa com os quais mantém contato possui o potencial para<br />

desempenhar um papel significativo em relação à sua maior ou menor predisposição para<br />

manifestar efeitos de longo e/ou de curto prazo, causados pela exposição aos conteúdos<br />

veiculados pela mídia<br />

Em um âmbito teórico, e de acordo com os estudos aqui apresentados, a resposta a<br />

essa pergunta é afirmativa, ou seja, é possível que através da relação de um indivíduo com<br />

grupos de referência positiva e negativa ocorra um acréscimo ou um decréscimo em sua<br />

predisposição para manifestar os efeitos mencionados.<br />

Esse fato justifica-se através de uma série de conceitos, alguns já apresentados neste<br />

trabalho, outros prestes a serem colocados no seguir da presente discussão. Inicialmente, o<br />

primeiro fenômeno que apóia a resposta afirmativa à indagação anterior é aquele chamado por<br />

Kasperson (1992) e Gerbner e colaboradores (1986) de ressonância. A Ressonância pode ser<br />

entendida, conforme os autores indicados acima, como um fenômeno cognitivo que ocorre<br />

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quando aquilo que o indivíduo encontra e experimenta em seu relacionamento com o<br />

conteúdo veiculado pelo meio de comunicação possui notável correspondência com as<br />

experiências que o indivíduo vive em seu cotidiano fora desse relacionamento.<br />

Nesse sentido, cabe aplicar tal pensamento, para otimizar a compreensão, de acordo<br />

com o exemplo apresentado anteriormente, o mangá japonês. Segundo Cavalheiro (2005) e<br />

Luyten (2000), seus personagens estão, o tempo todo, envolvidos em uma vivência<br />

sociocultural e ideológica que se desenrola mediada pelos, e através dos valores e do modo de<br />

vida que são ideais dentro da cultura nipônica, de um modo que reflete, em grande medida,<br />

não só as expectativas que essa população apresenta em relação à sua própria atuação sobre o<br />

mundo em que vive, como também, freqüentemente, as experiências diárias de seus<br />

indivíduos.<br />

Além disso, o mangá japonês tem, aparentemente, propagado os valores e o modo de<br />

vida nipônico que ele carrega intrínseco para os outros países onde recentemente ele se tornou<br />

um fenômeno editorial, como é o caso do Brasil, dos Estados Unidos, da Itália e da Coréia do<br />

Sul, de tal maneira que um grupo cada vez maior de pessoas nascidas e educadas por meio<br />

dos valores e dos modos de vida específicos dessas nações, especialmente adolescentes e<br />

jovens adultos, começa a manifestar em seus atos e em seus relacionamentos cotidianos, os<br />

valores e o modo de vida veiculados pelos mangás, configurando, ainda em escala reduzida,<br />

vivências que servem como principal elemento para a ocorrência do fenômeno de<br />

ressonância.<br />

Aliás, é como promotor ou detrator desse tipo de manifestação dos efeitos oriundos da<br />

exposição do indivíduo ao conteúdo veiculado por um meio de comunicação, que os grupos<br />

de referência exercem um papel que pode ser decisivo. Em outras palavras, de acordo com o<br />

fenômeno da ressonância de Kasperson (1992) e com as idéias trazidas por Kotler (1998),<br />

Harrison (1975), Gerbner e colaboradores (1986) e até mesmo Freud (1974) em relação à<br />

influência dos grupos de referência, um indivíduo manifestará em maior ou menor grau os<br />

valores e o modo de vida propagado pelo mangá, quanto maiores ou menores forem suas<br />

participações nos grupos que lhe sirvam de referência naquilo que concerne a esse meio de<br />

comunicação e à sociocultura relacionada a seu usufruto, incluindo aqui as atividades sociais<br />

que esses grupos promovem. Um dos mais evidentes exemplos desse fato é a atividade<br />

“cosplay” 6, que deve seu desenvolvimento, em grande parte, aos grupos e fã-clubes criados<br />

por leitores de mangás e espectadores de animês 7, os quais acabaram por também se tornar<br />

grupos de referência para os entusiastas dessas duas formas de comunicação e entretenimento.<br />

Outro fenômeno que justifica a resposta afirmativa à pergunta colocada é o chamado<br />

“priming”, ou pré-ativação, que também já foi descrito em um momento anterior deste<br />

trabalho. Relacionando-o aos grupos de referência, é possível dizer que quanto maior ou<br />

menor for a participação de um indivíduo em grupos de referência ou a freqüência em que o<br />

mesmo consulta esses grupos acerca de determinados assuntos, mais ou menos acentuada será<br />

sua predisposição a manifestar o efeito causado pela sua exposição ao conteúdo veiculado por<br />

um meio de comunicação, uma vez que esse relacionamento com seus grupos de referência<br />

poderá servir como regulador em relação à pré-ativação de determinadas ações e reações<br />

subjetivas.<br />

Um terceiro fenômeno que também apóia uma resposta afirmativa à questão<br />

apresentada é o “framing”, já descrito anteriormente. Levando em conta os conceitos<br />

relacionados a esse fenômeno e aos grupos de referência, identifica-se que um determinado<br />

grupo de referência é capaz de selecionar alguns aspectos da realidade para torná-los mais<br />

salientes em seus atos de comunicação pessoal, virtual ou em massa, sendo assim também<br />

capaz de promover uma determinada definição de um problema, uma interpretação casual,<br />

uma avaliação moral e/ou uma recomendação de condução para um determinado evento,<br />

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dessa forma caracterizando por completo uma ação de “framing”, a qual também pode ser<br />

mais ou menos alinhada com aquilo que é apresentado por um meio de comunicação,<br />

configurando assim outro fato capaz de influenciar a predisposição de um indivíduo em<br />

manifestar efeitos de longo e/ou de curto prazo relativos à exposição do mesmo aos conteúdos<br />

veiculados pela mídia.<br />

De forma semelhante, ainda é possível se considerar o fenômeno do “agenda-setting”<br />

como um influenciador em relação à predisposição sobre a qual discute-se nesse ponto desta<br />

reflexão. Considerando o funcionamento desse fenômeno, também apresentado neste artigo<br />

quando falamos dos efeitos de curto prazo que os meios de comunicação podem promover, e<br />

o que já foi dito aqui sobre o fenômeno de ressonância, torna-se plausível atentar-se para o<br />

potencial dos grupos de referência em tornar esse efeito mais ou menos presente no convívio<br />

diário de um indivíduo através do direcionamento da atenção e do foco de discussão deste<br />

para certos temas e conteúdos, excluindo outros temas, e dando forma às imagens que o<br />

mesmo compõe em relação aos grupos, movimentos e eventos convergentes ou divergentes<br />

daquilo e/ou daquele para onde sua atenção está sendo focalizada, dessa forma aumentando<br />

ou diminuindo a predisposição dele para manifestar esse mesmo efeito oriundo da sua<br />

exposição ao conteúdo veiculado pela mídia.<br />

Cabe ressaltar também uma das conclusões à qual chegaram Gerbner e colaboradores<br />

(1986) em seus estudos acerca da “Cultivation”, também supra-citado, e que serve de apoio a<br />

resposta colocada para a questão surgida neste trabalho. Essa conclusão é a seguinte: o efeito<br />

homogeneizador de longo prazo causado pelo fenômeno “cultivation”, ao qual esses<br />

estudiosos denominaram “mainstreaming”, é diretamente influenciado pela maior ou menor<br />

participação dos indivíduos em grupos presenciais de referência, tanto os positivos quanto os<br />

negativos. Daí é possível inferir que, assim como os grupos de referência presenciais, os<br />

virtuais também podem influenciar na predisposição de um indivíduo manifestar os efeitos<br />

aqui descritos.<br />

Finalmente, apoiando a resposta afirmativa indicada para a indagação instigada no<br />

início deste tópico, há algumas dinâmicas apresentadas pela psicologia cognitiva que<br />

merecem ser lembradas. A primeira delas é trazida por Harrison (1975), afirmando que<br />

quando uma ou mais pessoas exercem pressão simultânea sobre um indivíduo, esse, via de<br />

regra, fica sujeito às influências do grupo, e conforma-se com as expectativas deste, agindo de<br />

um modo que o assemelha aos outros componentes desse grupo, podendo até mesmo negar<br />

uma evidência fornecida por seus próprios sentidos.<br />

Além disso, Harrison (1975) ainda conclui que esse outrem não precisa estar presente<br />

para afetar o comportamento individual, uma vez que as pessoas em geral comparam<br />

continuamente suas próprias convicções, normas, e desempenhos com aqueles apresentados<br />

por seus colegas em seus grupos de referência, sendo que, uma vez que esse indivíduo possua<br />

vários grupos de referência, em diversos momentos diferentes grupos tornar-se-ão<br />

proeminentes. Daí pode-se inferir a importância que os grupos de referência virtuais podem<br />

vir a adquirir em relação à predisposição, ora discutida, que um indivíduo pode apresentar em<br />

relação à sua manifestação dos efeitos de longo e de curto prazo advindos da exposição do<br />

mesmo ao conteúdo veiculado pela mídia.<br />

7. Considerações finais<br />

A despeito da plataforma utilizada por um meio de comunicação, seja ela impressa,<br />

televisiva, cinematográfica, digital e/ou virtual, o que se observa por meio das colocações<br />

discutidas e relacionadas acima é que o mais relevante é a utilização que se faz do meio de<br />

comunicação.<br />

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Daí o seguinte fato: os efeitos que um meio de comunicação como o mangá japonês<br />

pode apresentar sobre uma sociedade estão associados à sua intensa presença em uma<br />

população que está em formação, e por isso, absorvendo informação, repetindo assim uma<br />

ocorrência já observada na maneira como o cinema dos Estados Unidos da América afetou,<br />

dentro e fora de seu país, as sociedades com as quais manteve contato mais próximo e<br />

freqüente.<br />

Entretanto, os mangás japoneses, ao contrário do que ocorreu com o cinema norteamericano,<br />

vivenciam relações de concorrência e de fortalecimento que decorrem de sua<br />

interação com a influência exercida pelo computador e pelo seu potencial de promover<br />

interações sociais, as quais se dão pela criação de grupos que vão muito além daqueles “ao<br />

alcance da vista”, amplificando assim a percepção que os indivíduos têm acerca daquilo que<br />

representa para eles seus grupos de filiação, seus grupos primários, seus grupos secundário,<br />

seus grupos de aspiração e, claro, seus grupos de referência.<br />

Assim sendo, se torna não apenas possível, mas também plausível, pensar que as<br />

relações entre o meio emissor, a mensagem emitida, seus receptores e os efeitos de longo e de<br />

curto prazo que elas podem promover, influenciam e são influenciadas pelos grupos com os<br />

quais os indivíduos interagem em seus mais diversos níveis e âmbitos de relacionamento,<br />

alguns desses muito além do que os estudos anteriores dessas inter-relações previam.<br />

8. Referências bibliográficas<br />

Cavalheiro, R.F. (2005). Propaganda Ideológica em Mangá – Uma Ferramenta para a<br />

Manutenção do Modo de vida Japonês Através da Afirmação dos Valores da sociedade<br />

Nipônica. Trabalho de Conclusão do Curso apresentado para Graduação como Bacharel em<br />

Comunicação Social com ênfase em Publicidade e Propaganda, Escola de Comunicações e<br />

Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.<br />

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Harrison, A.A. (1975). A psicologia como ciência social. Tradução de Álvaro Cabral. São<br />

Paulo: Cultrix, Editora USP.<br />

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Kasperson, R.E. (1992). The social amplification of risk: progress in developing an<br />

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Luyten, S.M.B. (2000). Mangá: O poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo: Editora Hedra.<br />

Mandel, N. e Jonhson, E.J. (2002). When Web pages influence choice: Effects of visual prime<br />

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Opinion Quarterly, 36 (2), 176-187<br />

Nuernberg. A.H. (1999). Investigando a significação dos lugares sociais de professora e<br />

alunos no contexto de sala de aula. Dissertação de Mestrado não-publicada, Curso de Pós-<br />

Graduação em Psicologia, da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.<br />

O’Reilly, T. (2008). What is Web 2.0 Disponível em : http://www.oreillynet.com/<br />

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Schodt, F.L. (1996). Dreamland Japan: Writings on modern manga, Berkeley, Stone Bridge<br />

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Thoughts and Recall. Communication Res., 26 (5), 550-569.<br />

Wojcieszak, M. (2006, Junho). "Mainstream Critique, Critical Mainstream, and New Media:<br />

Reconciliation of "Administrative" and "Critical" Approaches of Media Effects Studies".<br />

Artigo apresentado no encontro anual da Associação Internacional da Comunicação, Dresden.<br />

Wolf, M. (1994). Los Efectos Sociales de Los Media. Barcelona: Ediciones Piedas.<br />

Notas<br />

(1) O mangá é o nome genérico dado pelos japoneses para a forma de arte seqüencial,<br />

também identificada por Luyten (2000) de arte narrativo-figurativa, que no Brasil é entendido<br />

como histórias em quadrinhos (ou simplesmente H.Q). Segundo Schodt (1996), o moderno<br />

mangá japonês é uma síntese da longa tradição japonesa em artes plásticas. Como meio de<br />

expressão, o mangá se aproxima dos filmes, álbuns musicais, romances e das produções<br />

televisivas. É entretenimento leve e de fácil assimilação.<br />

(2) Este termo foi inserido e popularizado por Tim O’reilly no artigo “What is Web 2.0”.<br />

Disponível em: h t t p : //www.oreillynet.com/pub/a/oreilly/tim/news/2005/09/<br />

3 0 / what-is-Web-20.html - Acessado em de abril 18 de abril de <strong>2008.</strong><br />

(3) Conceito entendido como “um espaço simbólico através do qual os sujeitos produzem<br />

enunciados dirigidos a uma audiência específica”. (Nuernberg, 1999: 6)<br />

(4) www.orkut.com.<br />

(5) h t t p://www.orkut.com/Community.aspxcmm=318161 – Acessado em<br />

17/05/<strong>2008.</strong><br />

(6) Cosplay, abreviação de "costume play" (costume = roupa / traje / fantasia e play = atuar),<br />

é uma atividade que surgiu nos Estados Unidos da América, na década de 1970, em<br />

convenções para fãs de histórias em quadrinhos. Nela os participantes se caracterizam como<br />

um personagem de algum livro, mangá, videogame ou filme.<br />

(7) Animês é o nome dado aos desenhos animados no Japão. Para os ocidentais, a palavra<br />

Animê é associada apenas aos desenhos animados oriundos do Japão.<br />

- L.L. Batista é Doutor e Mestre pela University of North Carolina at Chapel Hill - USA.<br />

Atua como Professor de Graduação e Pós-Graduação (ECA/USP). E-mail para<br />

correspondência: leleba@usp.br. R.F. Cavalheiro é Mestrando em Psicologia Social<br />

(Instituto de Psicologia, USP) e Bacharel em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda<br />

(ECA/USP). E-mail para correspondência: renatofcavalheiro@yahoo.com.br. F. Leite é<br />

Mestrando em Ciências da Comunicação (ECA/USP) e Bacharel em Comunicação Social -<br />

Publicidade e Propaganda (Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Unisal). E-mail para<br />

correspondência: fcoleite@usp.br.<br />

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Artigo Científico<br />

A subjetividade de estudantes em suas relações com a escrita: um<br />

estudo exploratório<br />

The subjectivity of students in their relations with the writing: an exploratory study<br />

Vanessa Rocha Novaes a, <br />

, Geida Maria Cavalcanti de Sousa b e Darlindo Ferreira de<br />

Lima c<br />

Colegiado de Psicologia, Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF),<br />

Petrolina, Pernambuco, Brasil<br />

Resumo<br />

Este estudo objetivou compreender a subjetividade dos estudantes de Psicologia da UNIVASF<br />

em sua relação com a escrita. Trata-se de um estudo exploratório que utilizou depoimentos<br />

escritos numa perspectiva fenomenológica. Partindo da percepção dos sujeitos, foram<br />

detectadas as unidades de significado: a preocupação com o conhecimento, com a forma de<br />

apresentá-lo; o sujeito presente na produção, a individualidade; a avaliação da produção e o<br />

receio da não-aceitação; sentimentos e emoções suscitadas nos alunos ao produzirem textos e a<br />

presença da subjetividade nessas construções. Assim, no seu processo de produção textual, o<br />

sujeito coloca sua interpretação, sendo que essa vem com seus paradigmas, crenças e<br />

idiossincrasias. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 162-171.<br />

Palavras-chave: subjetividade; produção de texto; estudantes.<br />

Abstract<br />

This study aimed to comprehend the subjectivity of the psychology students from UNIVASF<br />

relates with their writings. It is an exploratory study which has used written testimonies in a<br />

phenomenological perspective. Starting from the subject’s perceptions, the following units of<br />

meanings were detected: the preoccupation with the knowledge and the way to demonstrate it;<br />

the present subject in the production, or the individuality; the production evaluation and the<br />

fear of the non-acceptation; feelings and emotions provoked on the students during the text<br />

productions and the presence of subjectivity in these creations. So therefore, in the textual<br />

production process, the subject places his interpretations, which carries his paradigms, beliefs<br />

and idiosyncrasies. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 162-171.<br />

Keywords: subjectivity; textual production; students.<br />

1. Introdução<br />

As interferências pessoais e subjetivas estão presentes no percurso da produção escrita,<br />

uma vez que os alunos passam por caminhos que envolvem dilemas, fugas, atalhos, medos.<br />

Assim, escrever não abarca apenas o domínio do conteúdo, mas a disponibilidade psicológica,<br />

presente no mundo subjetivo do ser. De acordo com González Rey e Mitjáns 1 (1989 apud<br />

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Madureira e Branco, 2005), o desenvolvimento do sujeito só pode ser compreendido na<br />

totalidade de suas dimensões: cognitiva, afetiva, motora, ética e estética. As configurações<br />

dessas dimensões constituem sua subjetividade.<br />

Diversos autores têm se preocupado com o estudo da subjetividade, a qual pode ser<br />

entendida como um processo de organização de sentidos subjetivos, que se relacionam com as<br />

experiências vivenciadas pelo sujeito e a forma como este as interpreta e atribui significados<br />

às mesmas (González Rey, 2003, 2005; Bock et al., 2002; Bock e Gonçalves, 2005;<br />

Madureira e Branco, 2005).<br />

Para Bock e Gonçalves (2005), ao estudar a subjetividade, é possível ao homem ter<br />

acesso ao objetivo que existe dentro de si, visto que essa se apresenta como a dimensão<br />

simbólica da construção do mundo objetivo, com a presença de registros simbólicos e<br />

emocionais.<br />

Como uma das formas de apresentação da subjetividade é a linguagem, Silva (2002)<br />

também oferece pressupostos a respeito do ser que vivencia situações de leitura, colocados<br />

dentro da esfera do humano. A linguagem manifesta o ser relacional do homem e, por meio<br />

das palavras, os sentidos e significados serão buscados, por sua mediação, como o de um<br />

material do qual se precisa aprender a se servir. O ato de escrever (simbolizar) permite ao<br />

outro compartilhar aquilo que viu; ao ler (compreender), compartilha aquilo que o outro viu.<br />

É nesse situar-se contínuo que se coloca toda a busca do “ser”.<br />

Assim, dentro da perspectiva do ser que se subjetiva através da escrita, tal estudo<br />

objetivou compreender como se configura a subjetividade de estudantes universitários em<br />

suas relações com a escrita, envolvendo os aspectos que interferem nesse processo. Dessa<br />

forma, questionou-se: Como se configura a subjetividade dos alunos do curso de Psicologia<br />

da UNIVASF em suas relações com a escrita<br />

Tratou-se de um estudo exploratório, envolvendo os estudantes do II período do curso<br />

de Psicologia da UNIVASF, no 2º semestre de 2005 e os alunos do I período no 1º semestre<br />

de 2006. Foram utilizados depoimentos escritos na coleta de dados, abordando as situações<br />

experienciadas no processo da escrita.<br />

Sentiu-se que é fundamental compreender como o estudante se subjetiva em sua<br />

relação com a escrita, conhecendo o contexto da produção, para que se possa favorecer o<br />

desencadeamento de uma escrita criativa, passível de ser publicada, divulgando assim, a<br />

produção científica dos alunos da UNIVASF, reafirmando a necessidade institucional do<br />

desenvolvimento da pesquisa. Além disso, é através da pesquisa que o professor repensa a sua<br />

prática pedagógica, constrói novas possibilidades do ensino-aprendizagem e oferece subsídios<br />

que poderão contribuir para as discussões do curso, no âmbito interno dessa Instituição.<br />

Nesse estudo, estão descritos os caminhos percorridos em busca dos objetivos<br />

propostos, bem como os resultados encontrados. Também será possível encontrar uma breve<br />

discussão sobre os resultados, à luz da teoria, além de indicações de novos questionamentos,<br />

visto não haver uma conclusão à qual se possa chegar, pois na investigação sempre surgirão<br />

novas perguntas, que conduzirão inexoravelmente a outras, num processo dinâmico de<br />

constante renovação.<br />

2. Metodologia<br />

Para dar início ao trabalho da pesquisa, foi feita uma apresentação do projeto na sala<br />

de aula onde estuda a aluna bolsista, a fim de conseguir voluntários para a coleta dos dados,<br />

atividade que veio em seguida. Foi elaborado um roteiro para os alunos registrarem seus<br />

depoimentos por escrito e foi solicitado o fornecimento de produções textuais escritas pelos<br />

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alunos, nos primeiros semestres do curso, tais como relatório de filmes assistidos, artigo<br />

escrito para a disciplina de Elaboração e Análise de Textos Científicos, dentre outros.<br />

De posse dos textos produzidos pelos alunos, foi feita a organização das informações,<br />

a leitura e análise dos dados, a apreensão dos sentidos (sentimentos, pensamentos, emoções,<br />

crenças) apresentados pelos alunos no processo construtivo dos textos, a síntese das unidades<br />

de significado, bem como a colocação de tematizaçãos de análise em evidência.<br />

Desde que essa pesquisa foi iniciada, vários foram os caminhos percorridos até a<br />

chegada ao relatório final, e a descrição da metodologia utilizada, nesse percurso, será a maior<br />

testemunha do que está sendo dito. Nessa perspectiva, a motivação implicada em tal pesquisa<br />

reflete, de certa forma, as trajetórias dos pesquisadores a partir de suas relações como alunos e<br />

com os alunos em sala de aula. As afetações que marcam as relações de produção subjetivas,<br />

aqui explicitadas pelas produções da escrita como produto mais visível, demarcam-se pelas<br />

condições de co-existência sujeito-mundo, dito de outra forma, o que move o sujeito em seu<br />

vivenciar diz respeito a demanda de dar sentido a tudo que o co-originariamente o constitui<br />

enquanto ser-no-mundo.<br />

Ao escrever, o sujeito não apenas estabelece uma relação com sua produção textual,<br />

mas, se implica nessa e deixa fluir sua própria subjetividade, entendida aqui, de maneira<br />

simplificada, como o conjunto de experiências vivenciadas no decorrer de sua vida em suas<br />

relações consigo, com os outros e com o mundo.<br />

Considerou-se a perspectiva da Fenomenologia Existencial, pois essa atenderia melhor<br />

aos objetivos traçados, visto que, nela, a “investigação é vista (...) como todo querer saber,<br />

querer compreender que se lança interrogante em direção àquilo que o apela, que o afeta, que<br />

provoca sua atenção e interesse” (Critelli, 1996: 25-26).<br />

Mas é importante ressaltar que esse compreender não se confunde com o entender,<br />

visto ser essa uma forma de racionalização do apreendido por meio da conceituação. Assim,<br />

compreender aqui se refere ao:<br />

“movimento de abertura, de colocar-se como seu mais próprio poder-ser. Em seu<br />

movimento ontológico de abertura ao mundo, e aí poder-ser, a compreensão assume sua<br />

dimensão existencial quando o fim é o si mesmo, o ser si próprio. Ao mesmo passo que<br />

será nesta possibilidade de compreensão que emerge o sentido, ou seja, destinação,<br />

rumo.” (Lima, 2005: 31-32)<br />

Além de descrever, buscou-se compreender a subjetividade do estudante quando<br />

escreve um texto; o que constitui para ele um processo de produção textual e quais os<br />

mecanismos que esses implementam no seu processo produtivo. Dessas observações,<br />

acabaram nascendo as unidades de significados (tematizações) que serão apresentadas nos<br />

resultados.<br />

<strong>Vol</strong>tando aos caminhos metodológicos, a partir da análise dos depoimentos escritos<br />

pelos colaboradores, foi possível perceber que havia nesses, vasto material para atender aos<br />

objetivos propostos. Assim, embora se tenha recolhido outras produções textuais dos alunos,<br />

foram utilizados apenas os depoimentos escritos, alguns verdadeiros textos literários, fazendose,<br />

assim, a apreensão das tematizações, as quais foram se configurando, à medida que eram<br />

feitas novas leituras da base epistemológica e o diálogo com os textos dos alunos.<br />

Ao explicar para os discentes sobre como se daria a pesquisa, foi solicitado que eles,<br />

ao redigirem seu depoimento, escrevessem aquilo que primeiro lhes viesse à cabeça, ao se<br />

depararem com as questões norteadoras. Dessa forma, entende-se que há uma aproximação<br />

com a noção de Versão de Sentido de Amatuzzi (2001), situação em que a pessoa relata a<br />

experiência vivida, nesse caso, colocando no papel os sentidos produzidos nessa. Foi visto<br />

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que, nos depoimentos, muitos alunos fizeram isso, ou seja, retrataram quais os sentidos de se<br />

produzir um texto, seja ele acadêmico ou não. Como foi dito, acredita-se que os depoimentos<br />

aproximam-se da perspectiva da Versão de Sentido porque, no conceito amatuzianno, versão<br />

de sentido é:<br />

“[...] um relato livre, que não tem a pretensão de ser um registro objetivo do que<br />

aconteceu, mas sim de ser uma reação viva a isso, escrito ou falado imediatamente após<br />

o ocorrido e como uma palavra primeira.” (Amatuzzi, 2001: 74)<br />

Assim, não se pode afirmar que os depoimentos refletem a versão de sentido na<br />

acepção mais própria que Amatuzzi (2001) traz, mas se pode aproximá-los desse conceito.<br />

Isso, porque, também se compreende versão de sentido como um relato verbal ou escrito<br />

sobre os sentidos que emergiram frente a uma determinada situação ou circunstância, bem<br />

como se compreende que, ao falar sobre a experiência já vivida, a pessoa a revive produzindo<br />

novos sentidos dessa vivência.<br />

Dessa forma, percebe-se que, em tais narrativas, há a fala revivida, não exatamente a<br />

fala dita após a experiênciação; contudo, ainda é possível extrair os sentidos que emergem<br />

para o produtor textual quando elabora seu texto. Ainda na perspectiva da versão de sentido,<br />

observou-se que a fala escrita simboliza o pensamento daquele que produz o texto. Do ponto<br />

de vista da fenomenologia da linguagem, a essa fala que é o ato simbólico, segundo Amatuzzi<br />

(2001) há possibilidades de se juntar alguns elementos: pessoas, tempo (passado, presente e<br />

futuro) e espaço. Pois bem, nesses depoimentos, os colaboradores deixaram-se conhecer por<br />

suas palavras, uns mais, outros menos, cada um à sua maneira, com sua subjetividade,<br />

expressando-se para os pesquisadores a cada linha escrita.<br />

Também o tempo, com suas três dimensões, está presente nesses depoimentos: os<br />

alunos falam de como era produzir textos quando estavam no ensino médio, como está sendo<br />

produzi-los agora e quais são as expectativas para as produções textuais futuras. No tocante<br />

ao elemento espaço, por meio da leitura das declarações, foi possível estabelecer uma<br />

interlocução com os sujeitos pesquisados. Essa interlocução, na perspectiva de Amatuzzi<br />

(2001) se dá aqui e lá, onde o aqui é a experiência vivida pelos pesquisadores ao lerem os<br />

testemunhos que os remeteram para o momento vivido (lá) pelos colaboradores na hora de<br />

escrever seus depoimentos.<br />

No decorrer do processo, percebeu-se que não há uma essência a ser encontrada nos<br />

“objetos” da pesquisa, ou seja, não há uma substância intrínseca às narrativas, o descrito é o<br />

processual; o que existe é a experiência do viver das pessoas e esse viver se modifica,<br />

modificando-se também seus sentidos com o passar do tempo. Nessa perspectiva, o real existe<br />

a partir da relação estabelecida pelo sujeito com esse real. Para a fenomenologia existencial, o<br />

ser e a aparência são coincidentes, dessa forma, a metodologia fenomenológica enseja, de<br />

acordo com Critelli (1996), dirigir-se para o real, identificando nele seu caráter de fenômeno e<br />

não de objeto, aproximando-se o mais que possível desse aparecer do fenômeno que se dá no<br />

ente, a fim de compreender como ocorre tal manifestação, onde o ser se desvela e se oculta no<br />

tempo.<br />

O pensar fenomenológico preocupa-se com o sentido de ser no mundo, como homens<br />

que estão no mundo, que se relacionam com ele e com os outros homens. À fenomenologia,<br />

interessa o sentido de ser, mas é preciso ficar claro que o saber produzido pelo pensar<br />

fenomenológico é relativo, tendo em vista a mutabilidade e fluidez das coisas do mundo.<br />

Assim sendo, o que é investigar para a fenomenologia existencial A própria Critelli<br />

(1996: 25) diz que “investigar é sempre colocar em andamento uma interrogação. É<br />

perguntar”. Ao querer saber algo sobre o real deve-se perguntar a ele mesmo, mas não se pode<br />

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já ter uma resposta pronta sem antes perguntar, visto que, não são os instrumentos que<br />

constituem a investigação, mas a pergunta que, ao interrogar, põe em andamento uma questão<br />

que enseja compreensão por parte do pesquisador (Critelli, 1996).<br />

3. Resultados<br />

Desejando compreender como se configura a subjetividade do aluno em sua produção<br />

textual, foram feitas as discussões dos depoimentos recolhidos dos alunos. A interpretação de<br />

tais textos permitiu uma dada compreensão dos significados impressos neles, tendo em vista<br />

que, nas palavras de Silva (2002: 67), “ler é antes de tudo, compreender”. Ao fazer a leitura<br />

desses depoimentos, foram destacadas algumas unidades de significado (tematizações), as<br />

quais serão devidamente apresentadas adiante.<br />

Mediante o processo da escrita, o sujeito vai se apropriando das experiências vividas<br />

por ele e por outrem, de modo que participa do mundo dos significados, e os sentidos que<br />

emergem podem ser/estar se (des)velando por meio da expressão escrita, visto ser essa, nas<br />

palavras de Machado (2002: 51) “ferramenta do pensamento, que o torna visível, para quem o<br />

formula e para os outros”. Dessa maneira, vai se configurando a existência humana.<br />

Sendo essa existência uma conseqüência da relação do sujeito com os outros, esse,<br />

somente passa a existir a partir do olhar do outro; a compreensão tem papel fundamental<br />

nesse processo, pois, fazendo-o perceber o mundo que o cerca, apresenta-o ao mundo,<br />

permitindo seu acesso à existência enquanto sujeito, bem como aos sentidos que emergem<br />

desse existir.<br />

Na perspectiva heideggeriana, a existência humana se constitui como um leque de<br />

possibilidades: os horizontes são delas constituídos. Contudo, faz-se necessário que o homem<br />

se aproprie desse mundo de possibilidades que podem ser, entre outras: liberdade para<br />

aprender, ler, escrever, ressignificar o mundo, a realidade, sem, no entanto, fugir dela. Esse<br />

libertar-se pode ser caracterizado como um ato de compreender, sua necessidade de expressarse<br />

através da escrita, enquanto sujeito que experiencia o mundo.<br />

Segundo Silva (2002), a partir da perspectiva fenomenológica, o Dasein (Ser-aí),<br />

enquanto ser-no-mundo, projeta sua existência, faz planos, busca tornar-se aquilo que ainda<br />

não é. Para tanto, necessita compreender os sentidos que estão postos no mundo e, dessa<br />

forma, poder tomar propriedade sobre seu existir.<br />

Nos depoimentos dos alunos, reflexões transportaram para uma dada compreensão de<br />

como, na produção textual, a subjetividade se apresenta, muito embora eles tenham que, por<br />

exigência da própria academia, escrever usando a impessoalidade. A leitura e análise dos<br />

testemunhos permitiram organizá-los em forma de narrativa e, a partir daí, organizar as<br />

tematizaçãos, aproximando os depoimentos cujas falas se assemelhavam. É importante<br />

ressaltar que a organização dos temas se deu por recorrência, ou seja, aqueles que estavam<br />

presentes em todos ou na maioria dos escritos e que acabaram por chamar a atenção dos<br />

pesquisadores, configurando um tema em que os recortes foram agrupados, sendo<br />

identificados por um título. A preocupação com a não identificação dos colaboradores está<br />

refletida no uso de iniciais que não correspondem às iniciais dos nomes originais.<br />

A primeira tematização destacada foi a preocupação com o conhecimento, com a<br />

forma de apresentá-lo. Tanto nos depoimentos dos alunos do II semestre (primeiros<br />

pesquisados), quanto nos escritos dos alunos do I semestre (coletados posteriormente) essa<br />

fala é constante. Os estudantes demonstram uma grande preocupação quanto à maneira como<br />

vão construir sua produção textual. Os depoimentos que seguem ilustram essa inquietação:<br />

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“[...] é saber discorrer sobre diversos temas, mostrando os vários ângulos pelos quais<br />

esses podem ser vistos; de maneira crítica, concisa e coerente, respeitando as metas às<br />

quais o tipo textual escolhido se propõe.” (A.S.V.)<br />

“[...] é expressar, por meio de palavras, minhas concepções, informações, com o<br />

objetivo de produzir novos conhecimentos.” (S.C.B.)<br />

A segunda tematização mostra o sujeito presente na produção textual, aborda o “eu”,<br />

a individualidade. Segundo Gonzalez-Rey (2005), embora as configurações de sentido<br />

estejam no centro do sistema que é a subjetividade, elas não “determinam” que sentido será<br />

dominante na atividade do sujeito. Nesse processo, ele é ativo e, à medida que toma posições,<br />

novos sentidos vão sendo produzidos. Daí a tematização na qual o sujeito se apresenta ser tão<br />

importante na exposição desses resultados. Observem os depoimentos:<br />

“[...] um texto, seja ele acadêmico ou não, sempre é algo feito por nós mesmos, pelo<br />

nosso sujeito, nosso eu; também assim está intrínseco o estado emocional ou mental da<br />

pessoa, no texto, ao escrevê-lo.” (C.L.D.)<br />

“[...] produzir é criar, é levar nossa interpretação, pensamento e idéias à oralidade ou ao<br />

texto escrito. Do contrário, somos apenas reprodutores.” (N.A.L.)<br />

“[...] é uma atitude que envolve conhecimentos próprios, individuais e uma interação<br />

com o meio social; pois toda ação de uma pessoa está ligada à sua relação<br />

indivíduo/meio.” (L.M.S.)<br />

De acordo com Fontana (2000), escrever pode ser visto como um modo de agir no<br />

mundo, uma possibilidade de, através da escrita, transmitir o pensamento e os desejos, bem<br />

como a chance de, pela interlocução, relacionar-se com o outro. Assim, se pode perceber quão<br />

importante é a presença da individualidade do sujeito na sua produção textual, visto ser essa a<br />

sua marca pessoal, sua forma de ser e se mostrar por meio da expressão escrita.<br />

A avaliação da produção pelo corpo docente e receio da não-aceitação do que foi<br />

produzido foram demonstrados na terceira tematização:<br />

“[...] é escrever, produzir algo que será avaliado, julgado pelos professores.” (J.L.S.)<br />

“[...] é uma atitude que envolve conhecimentos próprios, individuais e uma interação<br />

com o meio social; pois toda ação de uma pessoa está ligada com sua relação<br />

indivíduo/meio.” (L.M.S.)<br />

“[...] a preocupação que norteia minha produção é se estou sendo clara e concisa, ou<br />

melhor, será que quem ler vai gostar!... [...]” (I.G.M.)<br />

Dando prosseguimento às análises, foi possível focalizar uma outra tematização, que<br />

diz respeito aos sentimentos e emoções suscitadas nos alunos ao produzirem textos:<br />

“(...) ao ser solicitada a produzir um texto, sinto-me primeiramente insegura, porque<br />

preciso verificar o que sei sobre o assunto requisitado. Depois, fico confiante e sinto um<br />

leve prazer[...]” (L.M.S.)<br />

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“[...] a insegurança norteia o meu processo de produção de texto e quase nunca sinto<br />

prazer em estar escrevendo, apesar de muitas vezes ficar satisfeita com o resultado do<br />

meu trabalho [...]” (I.G.M.)<br />

Também a preocupação com a clareza e com a coerência do texto se fez fortemente<br />

presentes nos depoimentos colhidos, visto ser um dos itens mais exigidos quando da produção<br />

textual, para que possa ser compreendido pelo leitor. Nos recortes dos depoimentos essa<br />

preocupação fica evidente:<br />

“[...] minhas preocupações primeiras na produção textual, principalmente em textos em<br />

prosa dissertativa, são a coesão, a coerência e outras normas gramaticais essenciais [...]”<br />

(L.M.S.)<br />

“[...] o produtor deve ter a preocupação principalmente voltada para a clareza, pois ao<br />

passo que “dá luz” a um texto, este passa a ser predominantemente de domínio social<br />

[...]” (A.S.V.)<br />

A partir do seu estar-no-mundo, o Dasein (Ser-aí) vai configurando sua subjetividade;<br />

neste configurar-se estão presentes as diversas formas de se revelar como sujeito. Na<br />

tematização ora apresentada, percebe-se a presença da subjetividade dos sujeitos nos textos.<br />

Embora, de acordo com a perspectiva metodológica mais utilizada, não se considere adequado<br />

escrever fazendo uso da primeira pessoa do tempo verbal no âmbito da Academia, ainda<br />

assim, os autores, ao produzirem seus textos, mesmo buscando permanecer na<br />

impessoalidade, conseguem “imprimir” suas marcas em seus textos:<br />

“[...] são palavras, idéias que foram contextualizadas por nós; cada um tem sua<br />

identidade, seu modo de escrever, seu ‘estilo’ [..]” (C.L.D.)<br />

“[...] um texto possui marcas que ficam nas entrelinhas, estas marcas dão significado ao<br />

produtor do texto”. Como por exemplo: suas visões de mundo, suas crenças, aspectos<br />

pessoais que refletem certa imagem do produtor [“...]” (T.T.L.)<br />

Outro ponto que chamou a atenção dos pesquisadores foi a preocupação que os<br />

sujeitos têm em conhecer o tema para poder falar sobre ele; os alunos demonstraram que, para<br />

eles, é imprescindível conhecer o tema sobre o qual vão falar, sob pena de não conseguirem<br />

criar um texto próprio, que tenha sua marca, sua identidade:<br />

“[...] O produtor de texto é um indivíduo que se propõe a escrever sobre algo ou<br />

alguém o qual possui o mínimo conhecimento possível [...]” (L.M.S.)<br />

“[...] Produzir um texto é uma atividade que requer muito conhecimento, afinal, o<br />

produtor do texto necessita possuir bastante domínio sobre o assunto abordado, para que<br />

consiga sucesso no seu trabalho [...]” (I.G.M.)<br />

Nessa pesquisa, também foi possível descobrir que os alunos têm alguns<br />

procedimentos no seu processo de produção textual; esses procedimentos dizem respeito a<br />

circunstâncias experimentadas pelos alunos que favorecem a produção, tornando-a mais<br />

fluida, facilitando a elaboração dos textos. Os depoimentos abaixo, reafirmam esse contexto:<br />

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“[...] no momento em que vou escrever procuro um local tranqüilo, iluminado, sempre<br />

escrevo sentada e utilizo a mesa como apoio [...]” (S.C.B)<br />

“[...] o meu ritual resume-se a uma elaboração mental (o que e como vou escrever) antes<br />

de tornar meu texto uma propriedade social [...]” (L.M.S)<br />

Dentro do seu processo de produção textual o sujeito tem mais motivação para<br />

escrever quando o tema lhe é familiar, daí a importância da afinidade com o tema para<br />

proporcionar um texto mais significativo para o aluno:<br />

“[...], portanto se é um tema que me agrada e tenho conteúdo para desenvolver a<br />

produção, ela é bem-vinda, mas também ocorre o contrário quando não tenho um<br />

conteúdo, mesmo que razoável, para a elaboração [...]” (B.A.M.)<br />

“[...] Mas quando sou solicitada a fazer um texto de um assunto que não sei ou não<br />

gosto, a produção torna-se desprazerosa e trabalhosa, pois irá exigir todo um trabalho de<br />

pesquisa e compreensão do assunto e, às vezes, o texto não sai com uma qualidade<br />

muito boa [...]” (J.C.B.)<br />

Na última tematização, retrata-se a mobilização dos paradigmas do aluno, a exemplo<br />

do depoimento abaixo:<br />

“Produzir um texto normalmente faz meus paradigmas serem mobilizados, pois passo a<br />

me questionar e analisar as coisas a partir deles, embasada nas minhas crenças. [...] é<br />

poder expressar a minha visão diante do proposto.” (T.T.L.)<br />

4. Discussão<br />

Embora ainda se creia que objetividade não combina com sentimentos e emoções,<br />

observa-se que existe uma mobilização desses quando o sujeito vai produzir o texto: seja de<br />

amor, ódio, desconfiança, indiferença, insegurança, entre outros. Assim, por mais que se<br />

queira falar em objetividade, quando se trata da linguagem humana, provavelmente sempre<br />

estarão presentes os sentimentos e emoções, afinal, nada mais humano do que sentir e<br />

emocionar-se (afetar-se).<br />

No seu processo de produção textual, o sujeito coloca sua interpretação, sendo que<br />

essa vem com seus paradigmas, crenças, idiossincrasias, todos impressos, mesmo que nas<br />

entrelinhas. Tal interpretação vai depender, inclusive, das experiências pelas quais já tenha<br />

passado em sua trajetória de vida, ou seja, da forma como está organizada a sua subjetividade.<br />

Segundo Gonzalez-Rey (2005), o estudo da subjetividade foi deixado de lado na<br />

produção do conhecimento em Psicologia, porque as questões subjetivas não atendem às<br />

exigências metodológicas estabelecidas pelo paradigma positivista, que considera a<br />

subjetividade como fonte de erro e que, portanto, deve ser excluída do processo de<br />

investigação científica. Contudo, foi exatamente para demonstrar que o estudo dos processos<br />

de subjetivação dos sujeitos se faz necessário, que se decidiu pela escolha desse tema ao se<br />

idealizar essa pesquisa.<br />

A análise dos depoimentos e a construção das tematizações permitiram, aos<br />

pesquisadores, adentrar no mundo subjetivo dos depoentes, concretizando-se num encontro<br />

indireto entre pesquisadores e pesquisados, pois ao adentrar no mundo da linguagem escrita,<br />

inúmeras são as possibilidades que se vislumbram para quem lê. Contudo, há uma que se<br />

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encontra restrita: o diálogo. No tempo da expressão oral, a presença do outro era<br />

indispensável para que se estabelecesse uma conversação. Com a palavra escrita, é possível<br />

falar sem, necessariamente ter um ouvinte; este agora passa a ser chamado de leitor e não tem<br />

possibilidade de interferir no discurso daquele que escreve.<br />

Entretanto, embora não tenha havido um diálogo direto entre o escritor (aluno -<br />

produtor textual) e o leitor (pesquisadores), pôde-se perceber que o primeiro, através da sua<br />

escrita, se expressou, compartilhou suas experiências com o outro (leitor), parecendo<br />

demonstrar uma relação de reciprocidade; aquele que escreve, tem a possibilidade de veicular<br />

os significados advindos de suas experiências, enquanto sujeito no mundo para aquele que lê<br />

o que foi produzido.<br />

No interior desse processo, encontra-se a intersubjetividade que se caracteriza por um<br />

relacionar-se com os outros, falando sobre si, mostrando-se, (des)-velando, deixando-se<br />

conhecer pelo outro através do seu discurso escrito. Sabendo que, desse ponto de vista, a<br />

consciência 2 humana tem intencionalidade, ou seja, se “move” na direção de alguma coisa,<br />

procura-se o tempo inteiro dar significados aos elementos que se apresentam. A partir desse<br />

movimento intencional da consciência na direção dos fenômenos ou objetos que cercam os<br />

sujeitos no mundo, passa-se a experienciá-lo.<br />

Nesse sentido, mesmo que seja um texto solicitado pelo professor, ao produzi-lo, o<br />

aluno executa um movimento intencional de sua consciência, busca argumentar a fim de<br />

convencer o leitor acerca da idéia apresentada, daí a presença marcante do “sujeito humano,<br />

singular, intencional, consciente e ativo” (Madureira e Branco, 2005: <strong>13</strong>0). Logo, permeiam o<br />

mundo do produtor textual inserido no contexto do Curso de Psicologia da UNIVASF, a<br />

preocupação com o conhecimento e forma de apresentá-lo, a individualidade, o medo da<br />

avaliação da produção, sentimentos e emoções, preocupação com a clareza e a coerência do<br />

texto; também estão presentes a subjetividade dos sujeitos (suas marcas, identidade,<br />

paradigmas), a necessidade de ter afinidade com o tema para que se produza um texto mais<br />

significativo, a mobilização de paradigmas, bem como a necessidade de alguns procedimentos<br />

particulares na hora de se elaborar os textos.<br />

Diante do exposto, se pode pensar: e no caso dos alunos que estudam em cursos mais<br />

voltados para a área de exatas, como por exemplo, a engenharia Como será que se configura<br />

o processo de subjetivação desse sujeito em suas relações com a escrita Os alunos de exatas<br />

realmente não têm apreço pelas produções textuais, como a tradição acadêmica pontua, ou<br />

isso não passa de folclore Estando em um curso da área exata, como os sujeitos vêem a<br />

necessidade de produzir textos acadêmicos<br />

Esses são questionamentos que nascem da curiosidade dos pesquisadores que não se<br />

esgota com a finalização dessa pesquisa, mas volta-se para novas possibilidades de acesso a<br />

outras informações, constituindo um processo investigativo que não termina, ao contrário,<br />

deseja recomeçar.<br />

Agradecimentos<br />

Agradecemos ao PIBIC/FACEPE/CNPQ/UNIVASF pelo apoio dado para a realização<br />

deste trabalho.<br />

5. Referências bibliográficas<br />

Amatuzzi, M. M. (2001). Por uma psicologia humana. Campinas, SP: Editora Alínea.<br />

Bock, A.M.B.; Furtado, O. e Teixeira, M.L.T. (2002). Psicologias: uma introdução ao estudo<br />

de psicologia. <strong>13</strong>ª Ed. reform. e ampl. São Paulo: Saraiva.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 162-171 <br />

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Bock, A.M.B. e Gonçalves, M.G.M. (2005). Subjetividade: o sujeito e a dimensão subjetiva<br />

dos fatos. Em: González Rey, F. L. (org). Subjetividade, Complexidade e pesquisa em<br />

Psicologia. (pp. 109 a 125). São Paulo: Pioneira Thomson Learning.<br />

Critelli, D.M. (1996). Analítica do Sentido: uma aproximação e interpretação do real de<br />

orientação fenomenológica. São Paulo, EDUC: Brasiliense.<br />

Fontana, R.A.C. (2000). A constituição social da subjetividade: notas sobre Central do Brasil.<br />

Educação & Sociedade, 21 (71), 221-234.<br />

González Rey, F.L. (2003). Sujeito e subjetividade. São Paulo: Pioneira-Thomson Learning.<br />

González Rey, F.L. (2005). O Valor Heurístico da Subjetividade na Investigação Psicológica.<br />

Em: González Rey, F.L. (org). Subjetividade, Complexidade e Pesquisa em Psicologia. (pp.<br />

27-51). São Paulo: Pioneira Thomson Learning.<br />

Lima, D.F. (2005). Compreendendo os sentidos da escuta. Olinda, PE: Ed. Do Autor.<br />

Machado, A.M.N. (2002). A relação entre a autoria e a orientação no processo de elaboração<br />

de teses e dissertações. Em: L. Bianchetti (org). A bússola do escrever: desafios e estratégias<br />

na orientação de teses e dissertações. (pp.45-66), Florianópolis: Ed. da UFSC, São Paulo:<br />

Cortez.<br />

Madureira, A.F.A. e Branco, A.U. (2005). A noção de sujeito na ciência psicológica:<br />

linguagem e constituição da subjetividade em discussão. Em: Gonzálex Rey, F.L. (org).<br />

Subjetividade, Complexidade e Pesquisa em Psicologia. (pp.127-153) São Paulo: Pioneira<br />

Thomson Learning.<br />

Silva, E.T. (2002). O Ato de Ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da<br />

leitura. 9 ed. São Paulo: Cortez.<br />

Notas<br />

(1) González Rey, F. e Mitjáns Martínez, A. (1989). La personalidad. Su educación y<br />

desarrollo. Havana: Pueblo y Educación<br />

(2) O termo Consciência aqui tem como referencial Husserl, ou seja, como epifenômeno da<br />

relação sujeito-mundo.<br />

- V.R. Novaes é Graduanda do Curso de Psicologia (UNIVASF). E-mail para<br />

correspondência: vanessarnovaes@yahoo.com.br. G.M.C. de Sousa é Mestra em Educação.<br />

Atua como Professora do Colegiado de Psicologia (UNIVASF) E-mail para correspondência:<br />

geivan@ig.com.br. D.F. de Lima é Mestre em Psicologia Clínica. Atua como Professor do<br />

Colegiado de Psicologia (UNIVASF). E-mail para correspondência:<br />

darlindo_ferreira@hotmail.com.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 172-186 <br />

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Artigo Científico<br />

A abordagem da “mente incorporada” na atividade de trabalho<br />

The embodied mind approach in the work activity<br />

Gilbert Cardoso Bouyer <br />

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil<br />

Resumo<br />

Este artigo analisa, em detalhe, a cognição como ação incorporada no controle de processo nas<br />

Indústrias de Processo Contínuo (IPC). Os operadores não representam um mundo externo mas<br />

pensam e agem de forma interdependente. O ponto chave neste texto é que, sem elaborar<br />

representação mental, trabalhadores (operadores) se engajam na atividade de trabalho numa<br />

coordenação sensório-motora em resposta para mudanças ambientais. Não há ruptura na<br />

experiência entre perceber, sentir e pensar. Esta pesquisa busca responder como os processos<br />

social e cultural são demandados para desenvolver esquemas-imagem e esquemasincorporados,<br />

que podem realizar pensamento abstrato usando suas capacidades para percepção<br />

e resposta motora. Expressões lingüísticas e processos cognitivos de nível superior na atividade<br />

de trabalho evidenciaram padrões dinâmicos de experiência corporal recorrentes: esquemasimagem.<br />

© Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 172-186.<br />

Palavras chave: mente incorporada; atividade de trabalho; cognição.<br />

Abstract<br />

This paper analyzes, in detail, that cognition is embodied action in industries of continuous<br />

process. The operators don’t represent an external world but think in order to act as part of<br />

your thinking. The key point in this text is that, without make an mental representation,<br />

workers (operators) engage, at work activity, in sensorimotor co-ordination in response to<br />

environmental changes. There is no rupture in experience between perceiving, feeling and<br />

thinking. These research asks how social and cultural process are required to develop imageschemata<br />

and embodied-schemata, that can perform abstract thinking using their capacities<br />

for perception and motor response. Linguist expressions and higher cognitive processes in<br />

work activity evidenced dynamic patterns of recurrent bodily experience: image-schemata. ©<br />

Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 172-186.<br />

1. Introdução<br />

Keywords: embodied mind; work activity; cognition.<br />

O que é cognição segundo a noção de mente incorporada Cognição é ação. Não<br />

existe fenômeno cognitivo desprendido do corpo, como atos mentais puramente situados na<br />

mente do agente. A noção de mente incorporada afirma que corpo e mente caminham<br />

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integrados um ao outro no que tange à cognição. A hipótese é que mesmo as dimensões<br />

semânticas da atividade cognitiva estão arraigadas no corpo, mediante esquemas incorporados<br />

adquiridos pela ação do corpo no mundo físico, material e concreto. Estes esquemas são<br />

ativados no córtex sensório-motor e são responsáveis por moldar a cognição, mesmo quando<br />

ela aparenta ser puramente abstrata ao olhar do observador. São esquemas adquiridos pelo<br />

corpo e nele situados, os quais vão permitir os atos cognitivos ou funções cognitivas<br />

superiores, como atenção voluntária, raciocínio hipotético-dedutivo, inferências e linguagem.<br />

A noção de mente incorporada é aquela que afirma que a cognição depende da ação,<br />

principalmente no que se refere à percepção. O organismo não é um receptor passivo de<br />

estímulos do ambiente. Seu ambiente de percepção é recortado pela sua forma de atuar (agir)<br />

e interagir com o ambiente. É por estar incorporado e atuante no ambiente que a percepção se<br />

torna possível. Em outras palavras, uma mente incorporada é aquela que percebe o mundo por<br />

estar situada nele em constante ação; situada pelo corpo (incorporada) e agindo com o corpo<br />

(atuação carnal).<br />

Por estar a mente incorporada, ou seja, arraigada no corpo que age, o mundo de<br />

percepções não é o mesmo para agentes dotados de esquemas incorporados distintos – não há<br />

estímulos universais – o estímulo é reformulado pela estrutura interna, incorporada, do agente,<br />

conforme as noções de forma e organização. Esta estrutura envolve o córtex sensório-motor.<br />

A teoria da mente incorporada afirma que “há, na cognição, uma representação que é<br />

sem representação” (Peschl, 2000). Nunca uma “representação” é igual a outra – não há<br />

inputs nem outputs a serem processados para a elaboração de uma representação mental<br />

porque o operador não é um processador de informações. Há, de fato, mundos distintos de<br />

atuação-incorporação ou “embodiment”.<br />

Coube, a esta pesquisa, verificar como esta noção de mente incorporada se aplica no<br />

caso da atividade de trabalho de Controle de Processo Contínuo (CPC) em Indústrias de<br />

Processo Contínuo (IPC). Tal atividade é peculiar porque é essencialmente cognitiva e<br />

envolve, em larga escala, as capacidades de abstração e raciocínio hipotético-dedutivo, além<br />

das demais funções cognitivas superiores (uso de uma peculiar linguagem de fábrica,<br />

comunicação, intercompreensão, etc). Se as ciências da cognição afirmam que tais funções<br />

abstratas e superiores “encontram-se no corpo”, como isso se aplica no caso da atividade de<br />

CPC Como este novo ponto de vista poderia contribuir para o desenvolvimento<br />

epistemológico sobre atividade de trabalho em CPC<br />

A noção de mente incorporada (Varela et al., 1993; Rohrer, 2006; Johnson e Rohrer,<br />

2006), nas ciências da cognição, envolve três premissas fundamentais:<br />

1) Cognição e fenômenos cognitivos emergem quando da incorporação do agente atuante (em<br />

ação incorporada) num dado contexto histórico e social;<br />

2) A percepção do agente é um processo ativo, segundo a noção de ação perceptivamente<br />

orientada de Merleau-Ponty (1942/2006);<br />

3) As capacidades cognitivas mais desenvolvidas do agente (como as funções cognitivas<br />

superiores) possuem uma base incorporada resultante de padrões recorrentes (mais<br />

elementares) de natureza sensório-motora.<br />

Esta noção de mente incorporada (MI) é antagônica ao ponto de vista dualista que<br />

efetua a distinção entre corpo e mente. De forma metafórica, a noção de MI vai sustentar que<br />

o corpo está na mente, como atestam os “image-schemata” de Johnson (1987) e de Rohrer<br />

(2005). Nesta abordagem do “realismo incorporado” (“embodied realism”) – Johnson e<br />

Rohrer (2006) – em contraste com as teorias representacionistas (segundo as quais o<br />

conhecimento está na mente como um espelhamento da natureza), rejeita a noção segundo a<br />

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qual mente e corpo sejam duas unidades ontologicamente distintas. O “embodiment” rejeita o<br />

ponto de vista em que cognição e linguagem se baseiam em representações simbólicas na<br />

mente espelhando os objetos do mundo físico exterior. Cognição é, então, um tipo particular<br />

de ação – o agir é parte do pensamento humano (Johnson e Rohrer, 2006).<br />

A cognição emerge de processos incorporados de um organismo em constante<br />

adaptação, por meio de seus esquemas incorporados, para dar conta das mudanças ambientais.<br />

O problema, aqui, é explicar como a significação, o pensamento abstrato e o raciocínio<br />

hipotético-dedutivo podem emergir de capacidades sensório-motoras básicas dos organismos<br />

em mútua especificação com o ambiente. Sob este ponto de vista, a mente não está nunca<br />

separada do corpo, mas é sempre uma cadeia de atividades incorporadas imersas num fluxo de<br />

interações organismo-meio, que constituem a experiência.<br />

Não existe a elaboração de um mapa interior para a ação. Mapa este denominado por<br />

representação mental, e tido como um encadeamento de símbolos num ato puramente<br />

abstrato. O que ocorre é uma re-estruturação do estímulo segundo os esquemas formados no<br />

corpo e pelo corpo, ou seja, a mente re-elabora o mundo segundo o corpo. A mente está<br />

incorporada, quer dizer, está atuando não como um processador de símbolos, mas como um<br />

motor de mobilização de funções sensório-motoras que sustentam os fenômenos cognitivos<br />

superiores, como as induções, deduções e a linguagem.<br />

As funções cognitivas superiores, numa atividade de trabalho de carga<br />

predominantemente cognitiva, são possíveis graças a padrões recorrentes de atividade<br />

sensório-motora. Em outras palavras, existem padrões de atividade cortical adquiridos pela<br />

experiência corporal, no mundo físico, que funcionam como metáforas para a compreensão de<br />

experiências (Lakoff e Johnson, 1980) que não são físicas nem corporais: são os “imageschemata”<br />

(Johnson, 1987; Rohrer, 2005). Isso explica porque os operadores que já<br />

trabalharam concretamente na área de produção, como auxiliares de produção, são<br />

controladores de processo contínuo mais habilidosos em manter o processo de produção sob<br />

controle.<br />

2. Ação incorporada na atividade de trabalho e a atividade instrumental<br />

Pertinentes explicações sobre o movimento dialético entre as funções psicológicas<br />

internas ao indivíduo e estas mesmas enquanto originalmente exteriores (situadas no plano<br />

social). As funções cognitivas superiores, já descritas por Vygotsky (1982/1996), são,<br />

conforme a idéia de mente incorporada, sustentadas por padrões recorrentes situados no<br />

córtex sensório-motor, ou seja, esquemas incorporados de ação adquiridos no agir concreto do<br />

corpo sobre o mundo físico. O interior (as funções internalizadas) e sua integração ao mundo<br />

exterior (fonte de recursos e instrumentos psicológicos que posteriormente farão parte da<br />

interioridade do sujeito) é função de uma extensa história de incorporação do sujeito ao<br />

mundo. A própria percepção torna-se possível pela incorporação do agente, ou seja, pela sua<br />

integração, pelo corpo, ao ambiente, como nos fala Merleau-Ponty (1945/1999). O corpo<br />

percebe e tal percepção depende de estar este corpo imbuído no ambiente pelos esquemas<br />

sensório-motores. A percepção é incorporada e não des-incorporada ou desconectada do atuar<br />

sobre o mundo.<br />

Afora as discussões convencionais sobre competência para o trabalho e nas<br />

organizações, fato é que existe um sujeito “em carne e osso”, incorporado no seu posto, nas<br />

suas tarefas, que se move, percebe e articula raciocínios para poder arcar com o trabalho real.<br />

Há, portanto, uma competência encarnada, atuacionista, ontologicamente armazenada em<br />

“embodied schemas” ou “embodied schemata” (Johnson, 1987) disparados pela ação. Vem de<br />

uma configuração externa, formada por condições de contorno precisas de um dado contexto,<br />

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uma espécie de montagem do mundo exterior, de “arranjo”, uma disposição, um estado<br />

global... Seja lá como se queira denominar este estado do mundo em que um sujeito se<br />

encontra inserido, acoplado, atuante... , é ele que faz emergir, em momentos precisos, em<br />

instantes que nunca se repetem, nunca são iguais, essa competência encarnada que permanece<br />

implícita na atividade de trabalho.<br />

Um saber que emerge em condições específicas e cujos efeitos permanecem ofuscados<br />

no vasto campo heterogêneo das situações de trabalho singulares. Algo se passa nesses<br />

mundos que não são visíveis ao observador, dados pela integração de corpo e mente do<br />

trabalhador em suas tarefas diárias. O trabalho aloja, em seu real, obscuridades, pontos<br />

nebulosos, rupturas, pontos de descontinuidade que permanecem no campo do intangível, do<br />

não simbolizável e do não-dito.<br />

Localiza-se, aqui, um saber que não se transfere. Adquire-se pelo corpo que<br />

experimenta, em si, os fatos do trabalho. As condições determinadas pela organização do<br />

trabalho, os modos operatórios, as “contraintes” (Leplat, 1986). Um saber amalgamado entre<br />

as dimensões físicas, psíquicas e cognitivas da atividade real, mais precisamente a zona de<br />

contato entre elas. O corpo que age é o corpo que aprendeu pela temperatura, pela postura,<br />

pelo ruído, pelos odores, pelo toque com os objetos do mundo físico do real do trabalho... A<br />

mente que possui a capacidade de refletir sobre seus atos, em atividade, é aquela que depende,<br />

para articular este potencial reflexivo, dos fios intencionais que partem deste corpo perceptivo<br />

e sensorial em direção à consciência moldada no trabalho e vice-versa. Saber que é, ao<br />

mesmo tempo, um novo modo de “ser-em”, ou “ser-no-mundo”, ou seja, de natureza<br />

ontológica, atrelada ao atuar em atividade de trabalho usando de seus próprios recursos<br />

físicos, cognitivos e psíquicos, deixando que a situação os solicite e propicie não apenas o seu<br />

uso, mas também os conflitos e impedimentos nos quais este uso ocorre.<br />

É preciso, então, lançar olhos para além de um panorama reducionista que fragmenta a<br />

realidade do trabalhador atuante entre fenômenos da mente e fenômenos do corpo. Não é mais<br />

possível assim conceber o trabalho de qualquer natureza, uma vez que a ciência da cognição<br />

já revelou que a própria atividade simbólica surgiu em um contexto específico, com certos<br />

tipos de comportamentos sensório-motores atrelados aos movimentos do corpo. Uma vez<br />

adquirida esta capacidade de agir-reagir sobre o mundo, as interações entre os indivíduos<br />

pode ser produzida, moldada nesta mesma forma ontológica, formando, entretanto, um novo<br />

tipo de ciclo de recorrência, que é o intercâmbio simbólico na linguagem.<br />

Por exemplo, as “catachréses” não são apenas uma adaptação dos meios aos objetivos<br />

existentes, mas também instrumento de formação de novos objetivos destacados pelo sujeito<br />

do curso de sua atividade (Clot, 1999). Mas esta gênese instrumental envolve o viés<br />

fenomenal do sujeito que é, também, um sujeito incorporado em seu curso de ação e,<br />

portanto, um sujeito acoplado a um mundo do duplo circuito ação-percepção—percepçãoação.<br />

A eficácia e a eficiência são efetivamente regulações de natureza instrumental, ao<br />

mesmo tempo que são resultados da mobilização de esquemas de ação incorporados, que se<br />

ativam em configurações globais postas pela ação situada.<br />

3. Os instrumentos incorporados da ação competente: “Embodied Schemata”<br />

No trabalho, emergem significados, dotados de conteúdos de racionalidade e abstração<br />

cuja natureza é, de fato, incorporada e não proposicional. A natureza da significação nos<br />

fenômenos da produção remete à noção de “image schematic structures” (Johnson, 1987;<br />

Rohrer, 2005) que explicam coerentemente a ligação entre as funções cognitivas superiores e<br />

o papel do corpo que age na construção de algo que pouco tem de similar a uma representação<br />

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operatória. O corpo age na elaboração de significações e nas capacidades mais abstrativas.<br />

São dessas estruturas não-proposicionais que vamos tratar agora.<br />

Na presente pesquisa, o foco de análise esteve voltado para compreender a emergência<br />

do significado e das habilidades de abstração na experiência dos operadores, envolvendo o<br />

entendimento de como os eventos, sinais, símbolos, objetos e instrumentos da produção<br />

adquirem significado para o operador e a relação disso com o corpo. Isso envolveu explorar o<br />

aspecto não-proposicional das estruturas de significação. Em suma, pode-se desde já afirmar<br />

que os “image schemata” são não-proposicionais e funcionam como padrões abstratos na<br />

experiência e no entendimento dos operadores em sua atividade.<br />

O “image schema” é um padrão dinâmico que funciona como uma estrutura abstrata e<br />

está conectada com uma vasta gama de experiências corporais e sensório-motoras que<br />

configuram, de maneira recorrente, essas estruturas sempre presentes na atividade cognitiva<br />

dos operadores. Os esquemas não-proposicionais estruturados no corpo e pela experiência<br />

concreta do corpo em atividade de trabalho emergem, também, nas situações em que o corpo<br />

atravessa a experiência da atividade de trabalho concreta. Logo, elas estão amarradas nas<br />

interações físicas em seu ambiente.<br />

Muito das capacidades de tomadas de decisão, percepção de sinais de desvios, falhas,<br />

panes e eventos, tidas como capacidades de abstração dos operadores, intimamente atreladas a<br />

uma mobilização subjetiva estão, de fato, arraigadas em sua experiência corporal. As<br />

habilidades mais abstratas demandadas pela produção contemporânea dependem,<br />

ontologicamente, da experiência corporal dos operadores. A experiência do intercâmbio físico<br />

e sensorial com o universo material da produção desenvolve padrões recorrentes que são<br />

imprescindíveis para a percepção e todas as demais componentes cognitivas da atividade de<br />

trabalho. Os casos investigados no presente projeto ilustram e demonstram a premência das<br />

componentes sensório-motoras nas demandas de abstração da produção.<br />

O que torna possível a atividade de abstração encontrada no processo de trabalho são<br />

os vários tipos de “schematic structures” da experiência encarnada no trabalho, de natureza<br />

não-proposicional, os quais funcionam como projeções que fazem possíveis os atos de<br />

abstração necessários ao trabalho, enquanto atos coerentes, estruturados e significativos na<br />

experiência motora acompanhada de pensamento racional.<br />

Há, portanto, algo de não-proposicional, ou uma dimensão pré-conceitual da atividade<br />

de significação encontrada no trabalho dos operadores. Essa dimensão não-proposicional<br />

funciona como uma “metáfora operatória” (Lakoff e Johnson, 1980) ou “image-schemas” que<br />

podem assumir um formato proposicional. Eles resultam da experiência corporal no trabalho,<br />

que forma espécies de metáforas físicas acessadas na ação de modo a compor o que há de<br />

mais abstrato na atividade. Os significados tratados constantemente no cotidiano da produção<br />

dependem de estruturas de significação que se constroem e emergem a partir da experiência<br />

corporal do agente.<br />

Os primeiros contatos físicos com os instrumentos de trabalho, objetos e forças que os<br />

governam (forças da física) geram padrões recorrentes de relações entre os agentes e o meio<br />

físico, o que acaba por desenvolver esquemas e estruturas de significação por meio das quais<br />

o mundo da produção, os eventos e os fatos da produção podem ser apreendidos em formas e<br />

padrões de inteligibilidade, significação, regularidade e coerência. O operador aprende pelo<br />

corpo, pela física que o absorve no processo de trabalho, pelos atos e movimentos da<br />

atividade, pelo manuseio de instrumentos e manipulação dos objetos do trabalho.<br />

São desenvolvidos padrões para interagir com eles no ambiente produtivo. São as<br />

atividades motoras que levam à aquisição de habilidades importantes para o agir do operador<br />

no processo produtivo. Elas levam à formação de “embodied patterns” que conferem<br />

coerência aos fatos por intermédio destas estruturas de significação. Originam-se da<br />

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experiência física corporal em um domínio pré-conceitual, no intercâmbio direto com a<br />

materialidade do processo de trabalho.<br />

Esses padrões são incorporados, dão coerência e conferem estruturas de significação à<br />

experiência física dos operadores no processo de trabalho. Articulam-se num nível préconceitual<br />

aos fatos da atividade. As operações concretas acabam se amarrando no nível mais<br />

abstrato, sem se desprenderem do domínio da experiência física que anexa o corpo ao<br />

processo de produção. Obviamente, as noções incorporadas que são atreladas às forças físicas<br />

e movimentos concretos do corpo acabam por engendrar conceitos e proposições que se<br />

armazenam no domínio lingüístico dos operadores.<br />

Pelas interações concretas do corpo no trabalho, o senso de percepção dos fatos que<br />

envolvem as leis da física tende a se ampliar e adquirir novos campos de abrangência, o que<br />

pode ser entendido como a ampliação dos “embodied schemata”. O uso dos instrumentos de<br />

trabalho em muito contribui para isso. As habilidades ganham volume aí, quando, pelo corpo,<br />

pelos atos, no manuseio das ferramentas de trabalho, os “embodied schematas” adquirem<br />

novos contornos que, como conseqüência dessa ampliação, geram novas formas de ação e<br />

novas potencialidades para a ação. Aprende-se uma nova forma de uso aqui, um novo gesto<br />

ali, um novo ato acolá e, enfim, uma série de novas modalidades de como, no meio ou no<br />

cerne do uso de si, usar o corpo, os membros, os gestos, a motricidade numa sintonia fina com<br />

o contexto de cada situação singular de trabalho.<br />

Verifica-se, assim, o crescimento da capacidade de significação e simbolização pelo<br />

intermédio do corpo. Não aquela simbolização ou significação do engenheiro, mas a<br />

significação e a simbolização que se formam na carne, na motricidade, na tensão e na<br />

contração muscular, na percepção da “física da atividade” geradora de saberes e habilidades<br />

que permanecem atributos específicos e exclusivos dos agentes, que experimentam, na carne,<br />

no corpo, nas vísceras, o substrato do saber, do conhecimento e da “expertise” encarnada que<br />

não se formaliza, não se traduz em códigos simbólicos e permanece na mente incorporada em<br />

situação de trabalho, em atividade.<br />

Esta tese reforça que os conceitos que permeiam o universo da produção adquirem<br />

significado no domínio de operação da “física dos corpos” ou da “microfísica dos gestos”. A<br />

“representação operatória”, na verdade, consiste em espécies de metáforas (Lakoff e Johnson,<br />

1980) que estão armazenadas no corpo como os “embodied schemas” e, portanto, representar<br />

algo ou compreender algo ou mesmo atribuir significação a algo, a um evento, na produção, é<br />

perceber pelo corpo, pelo movimento, pela sensação aquilo que por seu intermédio foi<br />

adquirido como habilidade encarnada de ação. “Representar” é perceber o próprio corpo em<br />

ação, é resgatar a experiência física, concreta, material, visceral, carnal... que, de fato e<br />

efetivamente, conferem significação à atividade e geram toda a atividade de abstração (e<br />

simbólica) do operador (Peschl, 2000).<br />

Significação, portanto, indica que existem padrões de experiência incorporada<br />

(Johnson, 1987) e estruturas pré-conceituais adquiridas na história de atuação num dado<br />

processo, os quais fazem o agente ser sensível e perceptivo a determinados objetos, fatos,<br />

eventos..., ou seja, conduzem ao recorte de mundo que é efetivamente acessível ao agente, ou<br />

seu mundo de atuação. Esses padrões se tornam modos culturais compartilhados pelos agentes<br />

que atuam num mesmo domínio operacional. Isso gera uma significação coerente e um<br />

entendimento conciso naquele mundo específico em que atuam. Há, no desenvolvimento e na<br />

aprendizagem envolvidos na atividade de trabalho, significações que se originam (e<br />

dependem) da experiência física e corporal, num determinado posto de trabalho. Essas<br />

significações são de dimensões pré-conceituais e não proposicionais.<br />

A ação as envolve como condições de eficácia, e as formações conceituais aí<br />

envolvidas estão estruturadas na experiência corporal significativa para o agir operatório<br />

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eficaz. A experiência corporal é um manancial de significação para os operadores ainda que<br />

baseada em padrões não-proposicionais. Há, portanto, essas significações que partem da<br />

experiência corporal (Berthoz, 1997) e espécies de processos figurativos não<br />

representacionais, os quais não envolvem um tratamento objetivista da linguagem, da<br />

compreensão, da interpretação e do raciocínio mobilizados no trabalho. Particularmente, há<br />

um funcionamento de significados pré-conceituais e incorporados que estão na estrutura da<br />

experiência, como padrões esquemáticos incorporados pelos quais a significação é gerada<br />

pela própria experiência: Estruturas não proposicionais (Johnson, 1987) que tornam possíveis<br />

a significação, a compreensão e a “representação” dos fatos e eventos no trabalho.<br />

4. Métodos de pesquisa<br />

Foram estudados 32 operadores de processo contínuo, em quatro empresas diferentes:<br />

Duas siderúrgicas, uma fábrica de cimento e uma refinaria de petróleo. Destes 32, foram<br />

selecionados os 17 melhores operadores segundo os seguintes critéiros:<br />

1. Eleição pelos colegas de trabalho (“Quem é o melhor operador aqui, na sua opinião”);<br />

2. Segundo os critérios estipulados por Bainbridge (1987): Operadores que conseguem<br />

resultados esperados por “efeitos diretos” e operadores que necessitam se valer de<br />

“aproximações sucessivas / ações contrárias”.<br />

Destaca-se, neste trabalho, o ponto de vista de que um substancial desenvolvimento<br />

epistemológico (construção de novos conhecimentos) e ontológico (compreensão da atividade<br />

concreta, na qual age o ser que trabalha) foi concedido à Ergonomia pela metodologia da<br />

Análise Ergonômica do Trabalho - A.E.T., em seu aprofundamento (empírico) nas<br />

verbalizações e discursos dos operadores, o que se torna intensamente fértil no procedimento<br />

de “autoconfrontação” (Wisner, 1987). Com os métodos de entrevista e de análise das<br />

verbalizações fornecidos pela A.E.T., é possível objetivar dados, fatos, saberes e<br />

conhecimentos dantes reclusos na parte não visível do comportamento dos trabalhadores.<br />

Longe das verbalizações e das possibilidades de investigação minuciosa de seus conteúdos, a<br />

ergonomia converter-se-ia numa disciplina fundamentalmente positivista e objetivista, a<br />

sacrificar a autenticidade dos dados do discurso dos operadores e, por sua vez, as noções de<br />

“verdade” e “verdadeiro” em ciência.<br />

No presente trabalho, foi necessário explorar mais ainda o discurso dos operadores, ao<br />

nível de suas experiências vividas em atividade de trabalho. As experiências vividas no<br />

trabalho são aquelas que não descartam as componentes mais subjetivas da ação, como os<br />

aspectos psíquicos, as sensações e as percepções. Essas componentes interagem e afetam as<br />

componentes cognitivas e, conseqüentemente, os resultados da ação (desempenho, eficiência).<br />

Em suma, os métodos e técnicas de verbalizações da A.E.T. foram re-adaptados, tornando-se<br />

uma espécie de análise das verbalizações fornecidas sobre o que era vivido em situações nas<br />

quais os próprios atores (operadores, trabalhadores) julgavam ter marcado a sua história no<br />

controle do processo contínuo. Obviamente, a expressão “ter marcado” remete os métodos da<br />

pesquisa ao campo das subjetividades dos operadores, ou ao terreno daquilo que, em suas<br />

consciências, constituem dados passíveis de objetivação embora sejam, ainda, dados<br />

subjetivos da experiência consciente ou os “qualia” – “aspecto qualitativo dos estados<br />

conscientes” (Searle, 1998). O nome escolhido para o resultado metodológico dessa readaptação<br />

das técnicas de verbalização foi “análise do mundo vivido no trabalho”.<br />

De acordo com a Análise Ergonômica do Trabalho /AET (Wisner, 1987, 1994), o<br />

discurso dos trabalhadores a respeito da atividade de trabalho deve ser mediado pelos traços<br />

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objetivos da própria atividade. Sendo uma grande parte da atividade regulada de forma<br />

subconsciente, unicamente a observação exterior e sistemática das ações visíveis não<br />

possibilita um acesso à consciência dos trabalhadores e às suas estratégias mentais. Assim, a<br />

AET veio a contribuir de modo a fornecer um contorno mais nítido e objetivo para as<br />

verbalizações dos operadores, aprofundadas na investigação do mundo vivido no trabalho ou<br />

“le monde commun” (Rabardel e Pastré, 2005) pelos métodos também familiares à<br />

psicossociologia do trabalho de Enriquez (1995).<br />

Para adentrar neste “mundo vivido no trabalho”, técnicas de entrevista segundo os<br />

moldes da psicossociologia (Enriquez, 1995), as quais permitem dar espaço amplo ao discurso<br />

dos trabalhadores, foram empregadas nas sessões realizadas com pequenos grupos de dois ou<br />

três operadores, simultaneamente entrevistados. Os atores, segundo estas técnicas, são<br />

colocados a falar livremente sobre as situações de trabalho. O entrevistador instiga o discurso,<br />

mas não o interrompe, deixando que o mesmo corra livre, sem fragmentações. O gravador foi<br />

utilizado nestas técnicas de discurso psicossociológico, de modo a possibilitar transcrições das<br />

partes do discurso que faziam referência aos esquemas-imagem.<br />

Por exemplo, numa situação de entrevista, o operador foi convidado a falar sobre<br />

como controla a temperatura do forno de cimento. Ele começou suas explicações. Segundo a<br />

psicossociologia, a entrevista não deve ser interrompida. Com o gravador ligado, sua fala foi<br />

integralmente armazenada na fita. Em análise posterior, verificou-se, neste farto conjunto de<br />

dados, a presença de inúmeros esquemas-imagem que confirmam a existência de uma mente<br />

incorporada no controle do processo de produção. Expressões do tipo metafórico, como os<br />

esquemas-imagem, surgiram a todo momento em suas verbalizações:<br />

“O ponteiro do sistema de controle sobe de uma vez. o ponteiro subindo aqui na tela do<br />

computador é o calor que vai subindo no forno e eu sei porque já estive lá muitos anos,<br />

sentindo este calor todo no corpo. É uma coisa incrível, como, de uma hora para outra, o<br />

corpo da gente sente aquela onda de calor que vem do forno e sobe de uma vez. Eu<br />

aprendi que temperatura é uma coisa difícil de raciocinar sobre ela foi sendo assado no<br />

lado de fora do forno pelo calor dele.” (Operador de processo contínuo)<br />

Este discurso, até certo grau livre, mediado pelo entrevistador e com condições de<br />

contorno dadas tanto pelas situações do trabalho quanto pelas vivências no trabalho (nos<br />

mesmos moldes das entrevistas de natureza psicossociológica), muitas vezes foi regredindo a<br />

momentos pretéritos, às vezes longinquamente situados na história de cada operador, em sua<br />

atividade. Pode-se, então, dizer que, por permitir elucidar melhor o objeto investigado, via<br />

estes resgates de situações vivenciadas no tempo pretérito da trajetória histórica (na atividade<br />

de trabalho) de cada trabalhador, o método da história de vida (Becker, 1997) não se<br />

desprendeu, e não se isolou, do discurso ora desencadeado pelas entrevistas situadas no<br />

domínio da psicossociologia / mundo vivido no trabalho. Significa, portanto, que numa<br />

primeira fase, discurso psicossociológico e discurso de história de vida caminharam<br />

integrados um ao outro.<br />

Procurou-se, nos métodos da A.E.T., manter o verbo no presente e remeter o sujeito ao<br />

seu próprio comportamento, de acordo com aquilo que fora observado. Questões do tipo “o<br />

que você está fazendo na...”; “como você soube que...”; “quando é que você auxilia ... o que<br />

fez você decidir por esta intervenção...” etc, foram largamente empregadas, conforme<br />

métodos propostos por Wisner (1987, 1994). O contexto impera nesta fase. A objetividade, a<br />

reconstituição minuciosa das situações de trabalho, as observações sistemáticas juntam-se e<br />

buscam conduzir as falas, o discurso, culminando em momentos graves de confrontação<br />

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daquilo que se diz com aquilo que se observa e que se tem, concretamente, numa situação real<br />

contextualizada.<br />

Foi necessário avaliar o discurso, numa espécie de dissecação lingüística, de modo a<br />

identificar os “image-schemata” operando na linguagem dos operadores, conferindo uma<br />

lógica e uma inteligibilidade às estruturas semânticas necessárias para o bom funcionamento<br />

do processo de produção. Os dados obtidos revelaram a presença da experiência espacial, de<br />

caráter sensório-motor, expandindo-se para o nível mais abstrato da compreensão das<br />

experiências no trabalho de controle de processo contínuo.<br />

5. Dados e discussões<br />

Dos 17 melhores operadores de processo contínuo pesquisados, 16 possuem uma<br />

história de incorporação na área, ou seja, iniciaram como ajudantes de forneiro, ajudantes de<br />

serviços gerais, etc., o que viabilizou a aquisição de esquemas sensório-motores ou esquemasimagem<br />

importantes para o controle eficiente do processo de produção contínuo. Esses<br />

esquemas-imagem funcionam como metáforas conceituais (Lakoff e Johnson, 1980) de base<br />

sensório-motora, emergente na linguagem corriqueira dos trabalhadores, e permitem a<br />

extensão deste nível incorporado de compreensão para níveis mais elevados da atividade<br />

cognitiva envolvendo as funções cognitivas superiores; atenção consciente, planificação da<br />

ação (Leplat, 1986); raciocínios hipotético-dedutivos e diálogo com a situação e suas<br />

contingências ou “reflexão-na-ação” conforme termo usado por Schön (2000).<br />

As metáforas conceituais, ou esquemas-imagem (“image-schenata”) não são estruturas<br />

arbitrárias, mas sim embasadas na experiência física e cultural dos operadores.<br />

A estrutura de seus conceitos espaciais emerge de sua experiência espacial, ou seja,<br />

sua interação com o ambiente físico da produção. Os conceitos da produção que emergem<br />

dessa forma são os conceitos vividos ou vivenciados nas mais fundamentais experiências<br />

físicas. A seguir, são apresentadas as verbalizações correspondentes a cada “Image-schema”<br />

descrito na literatura. Verifica-se que esses padrões, chamados “image-schemata”, emergem<br />

através da atividade sensório-motora vivida quando o operador manipulava objetos, orientava<br />

seu corpo espacialmente e temporalmente e direcionava sua atenção perceptiva a<br />

determinados objetos.<br />

Alguns exemplos de esquemas-imagem citados e descritos na literatura: “container;<br />

path; force; parth-whole; centre-periphery; link; mass-count; near-far” (Johnson, 1987;<br />

Lakoff, 1987; Turner, 1996; Gibbs e Colston, 1995). Vejamos como se materializam na<br />

linguagem e na ação dos operadores:<br />

1. “The Link image schema” (Santibáñez, 2002) – Esquema-imagem ligação.<br />

“Eu sei que a temperatura do forno tá ligada na vazão de ar dos ventiladores da grelha<br />

e ta ligada, também, no recuperador como um todo.” (Operador da cimenteira)<br />

“Muita fumaça preta saindo significa que o forno não foi fechado direito. (...) Eu vejo a<br />

ligação da fumaça com o fechamento do forno. Eu sei que uma coisa ta ligada na<br />

outra.” (Operador da siderúrgica)<br />

2. “The Part-whole image schema” (Santibáñez, 2002) – Esquema-imagem parte-todo.<br />

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“As placas da grelha são partes de um todo porque ela é feita de placas e essas placas<br />

desgastam assim … umas gastam mais que as outras, e aí tem que trocar algumas e não<br />

outras. Tem que trocar somente as partes que estão gastas.” (Operador da cimenteira)<br />

“O rapaz que cuida do forno tem que tampar o pé do eletrodo sempre com carga, como<br />

se a carga fosse uma parte do eletrodo. Se o eletrodo fica sem carga, e como se ele<br />

estivesse sem uma parte do seu corpo.” (Operador da siderúrgica)<br />

“Um eletrodo desse é feito de partes, são de blocos de grafite que desgastam na<br />

reação.” (Operador da siderúrgica)<br />

3. “The Centre-periphery image schema” (Santibáñez, 2002) Esquema-imagem centroperiferia.<br />

“O material quente vai se esparramando em volta do eletrodo, e ele tem que ir<br />

empurrando ele pro meio novamente, na medida em que ele vai se afastando, se<br />

distanciando. Eu vejo isso também aqui na tela, mas principalmente na fumaça”<br />

(Operador de siderúrgica).<br />

4. “The Mass-count image schema” (Santibáñez, 2002) Esquema-imagem quantidade de<br />

massa.<br />

“Quando a grelha vai ficando mais lenta aí a gente sabe que é porque o material foi<br />

acumulando e aumentando o peso em cima dela.” (Operador da cimenteira)<br />

“O lingote vai enchendo e a panela vai ficando mais leve. O operador da ponte tem que<br />

ser bom no controle da panela.” (Operador da siderúrgica)<br />

5. “The Stand-verticality-horizontality image schema” (Lemmens, 2004) Esquema-imagem<br />

verticalidade-horizontalidade.<br />

“O material vai caindo na grelha e vai formando um monte que sobe, cresce para<br />

cima… É o boneco de neve. Ele avacalha a temperatura do sistema.” (Operador da<br />

cimenteira)<br />

“O material fundido vai rolando e forma uma lâmina fina em cima do lingote, e vai<br />

enchendo e subindo até a borda, mas sem transbordar.” (Operador da siderúrgica)<br />

6. “The Near-far image schema” (Lemmens, 2004) Esquema-imagem perto-longe.<br />

“A medida que ela balança, ela vai levando o material para longe da boca do forno.”<br />

(Operador da cimenteira)<br />

7. “The Full-empty image schema” (Lemmens, 2004) Esquema-imagem cheio-vazio.<br />

“A panela vai esvaziando e o lingote vai enchendo.” (Operador de siderúrgica)<br />

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“Se a grelha vai enchendo, tem que fazer ela esvaziar; e a gente vai movendo o material<br />

pra frente para ela esvaziar senão atrapalha a temperatura do forno.” (Operador da<br />

cimenteira)<br />

8. “The Movement, activity and functionality image schemata” (Lemmens, 2004). Esquemaimagem<br />

movimento, atividade e funcionalidade.<br />

“Eu vou entrando pra dentro das telas do sistema e tenho que ajustar um parâmetro já<br />

votando pra trás e indo corrigindo as mudanças que ele mesmo já vai causando nos<br />

outros.” (Operador da siderúrgica)<br />

“Eu levanto a temperatura com baixando a vazão de ar e ficando de olho no balanço da<br />

grelha, que não pode acumular material senão sobe a temperatura de novo...”<br />

(Operador da cimenteira)<br />

9. “The Balance image schema”(Lemmens, 2004) Esquema-imagem equilíbrio.<br />

“O forno tem que ficar equilibrado e pra equilibrar ele tem que controlar o<br />

recuperador; quando o recuperador oscila ele faz alterar a temperatura e a pressão do<br />

sistema todo.” (Operador da Cimenteira)<br />

A Tabela-1 sintetiza os tipos de esquemas-imagem encontrados na fala dos<br />

operadores.<br />

Image-Schema Esquema-Imagem Processo de Produção<br />

The Link image schema Esquema-imagem ligação Siderurgia<br />

The Part-whole image schema Esquema-imagem pate-todo Siderurgia<br />

The Centre-periphery image Esquema-imagem centroperiferia<br />

Siderurgia<br />

schema<br />

The Mass-count image<br />

schema<br />

Esquema-imagem quantidade<br />

de massa<br />

Siderurgia<br />

Cimento<br />

The Stand-verticalityhorizontality<br />

image schema<br />

Esquema-imagem<br />

verticalidade-horizontalidade<br />

Siderurgia<br />

Cimento<br />

The Near-far image schema Esquema-imagem perto-longe Cimento<br />

The Full-empty image schema Esquema-imagem cheio-vazio Siderurgia<br />

The Movement, activity and<br />

functionality image schemata<br />

Esquema-imagem movimento,<br />

atividade e funcionalidade<br />

Siderurgia<br />

Cimento<br />

The Balance image schema Esquema-imagem equilíbrio Cimento<br />

Tabela 1 – Os esquemas-imagem detectados na fala dos operadores pelos métodos de<br />

entrevista da A.E.T. e da psicossociologia.<br />

O controle de processo por intermédio de um sistema automatizado aparenta ser<br />

puramente abstrato e envolvendo representações mentais. Apenas na aparência. Conforme<br />

demonstrado, a inteligência do controle do processo, que realiza deduções e inferências a todo<br />

momento provém, de fato, do corpo que vivenciou o processo de produção concretamente. A<br />

cognição vem da ação, ação incorporada, mente incorporada, como atestam os discursos e as<br />

ações dos operadores.<br />

Os registros de discursos dos operadores, analisados de acordo com o contexto das<br />

situações de entrevista, mostram que a compreensão conceitual ou a abstração do operador de<br />

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processo contínuo ocorre como uma metáfora da compreensão do próprio movimento deste<br />

no trabalho (Johnson e Rohrer, 2006) – Os conceitos e proposições na mente são como que<br />

metáforas de movimentos e atos provenientes do corpo que atuou, em sua história, no<br />

processo concreto de produção e trabalho.<br />

Esta espécie de sistema metafórico, explicado por Rohrer (2005); Johnson e Rohrer<br />

(2006) e por Johnson (1987), projeta-se na linguagem e na ação do trabalho enquanto meios<br />

de raciocinar, de planificar a ação e de gerar compreensão para inúmeras situações no<br />

trabalho. A compreensão de uma proposição no trabalho envolve estar situado,<br />

contextualmente, atuante (incorporado, en-agido) em um espaço definido. Estar atuante, “serno-mundo”,<br />

“estar-na-ação”, sob certos limites dados na materialidade de tempo<br />

(temporalidade do processo de produção) e do espaço (no qual se desencadeiam os atos, os<br />

gestos do corpo físico e os modos operatórios). Os esquemas que operam nesta atuaçãoincorporação<br />

o fazem de modo a tornar o mundo da produção - ou o “mundo de cada um”<br />

(Rabardel e Pastré, 2005), que contém a organização da ação como estrutura da situação e<br />

como fruto da experiência - passível de inteligibilidade e compreensão; passível, também, de<br />

intercompreensão com outros agentes aí acoplados, situados e atuantes numa mesma rede,<br />

também, de intersubjetividade e cognição compartilhada.<br />

O que nos diz a via empírica da realidade quanto ao modelo da representação mental<br />

O mesmo que nos tem dito a via teórica e epistemológica. As “Dimensões do Embodiment”<br />

(Rohrer, 2006) estão presentes no controle do processo contínuo – A presença do corpo e dos<br />

esquemas incorporados de ação, em atuação, são o que configuram a “representação” para o<br />

controle de processo. E o respaldo teórico, epistemológico e filosófico para esta abordagem<br />

do universo empírico de uma “ausência de representação” é tão amplo que Peschl (2000)<br />

prefere utilizar o termo “representação sem representação” para se referir ao processo de<br />

“conhecer” e de gerar conhecimento como mecanismos de transformação dos “embodied<br />

schemata”. Longe da representação como algo “desincorporado”, este autor diz que a<br />

“representação” não é determinada pelo ambiente mas pela organização, estrutura e restrições<br />

referentes a um sistema sensório-motor situado num dado contexto social e cultural e<br />

simultaneamente encarnado no corpo por via dos esquemas e metáforas de ação ou<br />

“embodied-schemas” (Johnson, 1987).<br />

Ora, mas no lugar da representação, tem-se as construções incorporadas resultantes de<br />

esquemas incorporados gerados pela história de inserção, de “corpo presente” num dado<br />

processo de trabalho. Estas construções funcionam, quando numa necessidade de atividade<br />

mental, atividade abstrata, tomada de decisão, construção e ou “planificação da ação”<br />

(Leplat, 1986), como “metáforas” ou “imagens metafóricas” que se apóiam na experiência<br />

com o mundo físico da ação para, daí, tornarem-se construções para o mundo abstrato da<br />

representação: O que na literatura recebe o nome de “Image Schemata” (Rohrer, 2005;<br />

Rohrer, 2006; Johnson, 1987; Johnson e Rohrer, 2006). “Nós, humanos, pensamos com atos e<br />

nós agimos como modo (meio) de construir pensamento (“representação”) – Cognição é<br />

ação” (Johnson e Rohrer, 2006).<br />

E no controle de processo contínuo Um operador controla o processo produtivo por<br />

meio da elaboração de representações Desde que se assuma como representação uma<br />

construção cognitiva como modelo de “embodied mind”, sim. Com o corpo. Com o ato. Com<br />

o ato armazenado no corpo pela história (embodied schemata).<br />

Na realidade, a epistemologia sobre “representação para controle de processo<br />

contínuo” sempre esteve instaurada sobre uma “falha ontológica”: A de considerar que a dita<br />

representação ocorre sem relação com a experiência incorporada do operador; com sua<br />

história incorporada ou com a sua ação incorporada.<br />

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O operador não representa o processo e não o controla por representação. Na<br />

realidade, a “inteligência” que controla o processo não está no sistema nervoso do operador da<br />

IPC, mas sim no corpo que vivenciou a experiência da “área” e no corpo que, a todo<br />

momento, se mantém em contato com a área. Está no grande corpo estendido sobre a planta<br />

de produção, formado pelo coletivo de trabalhadores que se movimentam e se banham num<br />

mar de informação do qual o operador se serve para controlar o processo de produção. Neste<br />

trabalho de pesquisa, os dados indicam que os operadores que “sofreram na carne a<br />

experiência de trabalharem como peões da área” (fala de um operador que controla a IPC por<br />

sistema automatizado) possuem “representações” de qualidade superior às “representações”<br />

dos operadores que começaram diretamente na “sala de controle” da IPC.<br />

Os que possuem “image-schemata”, “embodied-schemata” ontogeneticamente<br />

corporificados pela história de contato com a planta, pela “aculturação” e “socialização” ao<br />

universo concreto da planta e puderam “incorporar” o processo produtivo em seus corpos na<br />

forma de esquemas para ação ou esquemas incorporados – estes operadores possuem uma<br />

“embodied-competency” ou competência incorporada que tornam sua ação mais eficiente que<br />

a ação dos colegas que iniciaram o trabalho diretamente no painel de controle ou no sistema<br />

automatizado atualmente em uso.<br />

Quais outros resultados esta pesquisa detectou Os agentes que estiveram<br />

incorporados na planta, ao longo de sua história, valem-se mais dos esquemas imagem<br />

“image-schemata” e, portanto:<br />

a) Planificam a ação (Leplat, 1986) com mais eficiência;<br />

b) Controlam o processo de produção da fábrica com menor variação e com menos<br />

oscilações;<br />

c) Mantêm o processo produtivo por um tempo maior dentro dos níveis esperados de<br />

normalidade quando comparados como os operadores que jamais trabalharam na área;<br />

d) Tomam decisões mais eficazes;<br />

e) Gastam menos tempo nesta tomada de decisão;<br />

f) Possuem um vocabulário repleto de imagens metafóricas herdadas do tempo que<br />

trabalhavam na área (“image-schemata” – Johnson, 1987; Rohrer, 2005), as quais<br />

permitem uma “intercompreensão” (Zarifian, 1999) mais ágil, rápida e eficiente com os<br />

demais atores da produção e um estabelecimento de comunicação que é bem mais eficaz<br />

na solução de problemas inesperados, imprevistos, eventos, panes, quebras, desvios de<br />

normalidade do processo, desvios e variações na qualidade da matéria-prima, etc);<br />

g) Conseguem retornar o processo aos parâmetros de normalidade com maior rapidez e<br />

facilidade que os demais;<br />

h) Solucionam problemas com maior rapidez e sem necessidade de correções e re-correções;<br />

i) Demonstram menos conhecimento teórico, menor atividade de abstração e de raciocínio<br />

analítico e estratégias e planificação de ações muito pouco baseadas em regras (visto que<br />

os outros operadores, cuja história se iniciou no “controle” do processo, apegam-se mais<br />

às normas e procedimentos prescritos da IPC...).<br />

É como se o corpo do operador, seus músculos, seus nervos e estruturas aferentes e<br />

sensoriais se estendessem por toda a planta, por meio de recursos diferenciados de<br />

comunicação extra-sala de controle, os quais, de fato, tornam o operador como um “corpo<br />

estendido e situado” sobre a refinaria, sobre a fábrica de cimento, sobre a usina – corpo que<br />

reconstrói e reorganiza os sinais do processo a todo momento e os “reformula” numa função<br />

de re-enquadramento segundo sua estrutura e sua organização interna formada por esquemas<br />

incorporados para a ação e “image-schemata” adquiridos em sua “história de área, história<br />

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carnal na planta”. Vem desta história de carne, de seus elementos concretos, o que agora o<br />

observador imagina tratar-se puramente de raciocínios, imagens e estratégias mentais para a<br />

ação eficaz sobre o processo. Eis a representação.<br />

6. Considerações finais<br />

Não se trata, aqui, de afirmar que se deva analisar o substrato material do cérebro e<br />

suas leis visto que estes não explicam o fenômeno da “representação sem representação”<br />

(Peschl, 2000). Está-se no campo de algo que acontece justamente na interface entre o<br />

universo biológico e o universo social. Poderíamos relatar dezenas e centenas de casos que se<br />

encaixam perfeitamente no modelo do “embodiment”. Mas a própria literatura já o fez por<br />

nós sem conseguir, entretanto, denominar o fenômeno que ela mesma retratara. Alguns<br />

autores buscaram respaldo em Vygostsky, Lúria, Leontiev e Piaget. Estes pensadores não<br />

estão em contradição com o “embodiment”. Pelo contrário, eles o reforçam. Apenas um passo<br />

a frente, rumo à noção de “co-especificação” mútua entre o universo biológico do organismo<br />

e o universo social e físico exterior a este, e tais pensadores teriam enunciado, com todas as<br />

letras, e literalmente, o que hoje as ciências cognitivas apontam: Que a cognição é ação<br />

incorporada (“embodiment”). Na Ergonomia Cognitiva, os exemplos e casos abundam.<br />

A atividade cognitiva envolvida no processo de trabalho mais abstrato e “mental”<br />

(Controle de processo contínuo de produção em indústrias de processo contínuo) abarca<br />

esquemas do tipo “image-schematic” que se distinguem de imagens mentais ou<br />

representações supostamente objetivistas. Um “esquema-imagem”, então, não é do tipo de<br />

imagem que traduz, de forma plena, o que ocorre no mundo da produção como se fosse uma<br />

representação deste mundo. Não são representações proposicionais e não podem ser<br />

representadas de uma forma proposicional. Ou seja, não podem ser convertidas em conjuntos<br />

arbitrários de símbolos, pontos, superfícies, etc. A realidade cognitiva dessas imagens<br />

esquemáticas não envolve o raciocínio simbólico e proposicional, embora possam ser<br />

descritas proposicionalmente ou como imagens. Na visão de Lakoff (1987), “image-schematic<br />

transformations”, em contraste com as representações proposicionais, são operações<br />

recorrentes naturais, de caráter não proposicional, constituindo-se num nível de generalidade e<br />

abstração que envolve padrões resultantes de um considerável número de experiências no<br />

domínio incorporado da ação, bastante estruturadas na experiência física, nas percepções, no<br />

manuseio de instrumentos e objetos no processo de trabalho.<br />

Esses padrões ou esquemas contêm alguns elementos básicos ou componentes<br />

descritos como estruturas bem definidas e com certa flexibilidade para adequar a ação<br />

conforme demandas da situação. Isso resulta na competência do operador para ordenar as<br />

experiências na atividade (organizá-las) e gerar compreensão e interpretação (Jackendoff,<br />

1987) necessárias para a ação adequada diante de eventos e outras situações da produção.<br />

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– G.C. Bouyer é Engenheiro Químico (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG),<br />

Mestre em Engenharia de Produção (UFMG) e Doutor em Engenharia de Produção<br />

(Universidade de São Paulo – USP). Integrante do Programa PAE-CAPES. Atua como<br />

Professor na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP, MG). E-mail para correspondência:<br />

gilbertcb@uol.com.br.<br />

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Artigo Científico<br />

Interpretação de metáforas com verbos de mudança de estado<br />

Interpretation of metaphors with verbs of changing of manner<br />

Dieysa Kanyela Fossile <br />

Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),<br />

Florianópolis, Santa Catarina, Brasil<br />

Resumo<br />

Neste artigo, apresenta-se uma pesquisa através da qual se investiga se os tipos combinatórios<br />

([tópicos] + [veículos]) de sentenças metafóricas apresentam regularidade interpretativa.<br />

Examinam-se relações paradigmáticas e relações sintagmáticas de ocorrências metafóricas com<br />

verbos de mudança de estado. Realizou-se uma descrição dessas relações baseada na análise de<br />

100 exemplos reais de metáforas verbais retirados da web, porém neste artigo serão<br />

apresentados apenas 19 exemplos. Os resultados preliminares sugerem que a interpretação de<br />

uma metáfora ocorre por meio de dois níveis: 1º nível – identificação do tipo de metáfora, 2º<br />

nível – identificação da relação sintagmática relevante. Este trabalho confirma a hipótese de<br />

que a regularidade que pode ser encontrada no uso das metáforas com verbos de mudança de<br />

estado está baseada no resultado da ação verbal e que o conhecimento semântico que organiza<br />

classes de palavras, como a classe dos verbos de mudança de estado, é fundamental para a<br />

interpretação de metáforas. Este estudo que se apresenta neste artigo é uma pesquisa em<br />

andamento para a dissertação de mestrado em Lingüística, portanto os resultados obtidos ainda<br />

não são conclusivos. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 187-198.<br />

Palavras-chave: metáfora; léxico; interpretação.<br />

Abstract<br />

In this article is presented a research, which is investigated if the combinated ([topics] +<br />

[vehicles]) of metaphorical sentences presents any kind of interpretative regularity. Examining<br />

paradigmatics relations and sintagmatics relations of metaphorical occurrencies with verbs of<br />

changing of manner. It was realized a description of these relations based on the analyses of<br />

100 real examples of metaphoric verbs of manner changing, took off from web, however in this<br />

article will be presented only 19 examples. The previous results suggest that the interpretation<br />

of a metaphor occurs throw two levels: first level – identification of the kind of metaphor,<br />

second level – identification of sintagmatic relation relevant. This work confirms the<br />

hypothesis in which the regularity that can be found into the metaphors use with the verbs of<br />

changing of manner is based in the results of verbal action and that the semantic knowledge<br />

that organizes classes of words, as the classes of verbs of changing of manner, is essential for<br />

the metaphoric interpretation. This study that is presented in this article is a research on for<br />

dissertation of master’s degree in Linguistics, so the results got are not conclusive yet. © Cien.<br />

Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 187-198.<br />

Keywords: metaphor; lexicon; interpretation.<br />

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1. Introdução<br />

Através deste artigo, de acordo com a perspectiva apresentada por Moura (2005,<br />

2007), tenta-se defender que o uso metafórico é guiado por certos padrões lingüísticos. Aqui,<br />

propõe-se descrever uma metodologia de análise de metáforas com verbos de mudança de<br />

estado. Nesta proposta, a metáfora será enquadrada como tipo, isto quer dizer que se defende<br />

que a interpretação de uma metáfora não acontece casualmente, mas resulta da introdução de<br />

uma ocorrência num dado tipo. Desta forma, sustenta-se que uma ocorrência metafórica pode<br />

estar associada a um tipo que pode definir não completamente, mas em parte a interpretação<br />

de uma metáfora. Os padrões lingüísticos que definem os tipos de metáforas envolvem<br />

relações paradigmáticas e sintagmáticas. Para descrever como um falante interpreta uma<br />

sentença metafórica é necessário analisar com cuidado o contexto lingüístico e tentar<br />

encontrar os paradigmas dos itens lexicais envolvidos e os sintagmas em que eles se agrupam,<br />

sempre tomando por base a estrutura léxico-conceptual da linguagem, tal como defende<br />

Moura (2007). Até agora, realizou-se uma descrição preliminar desses padrões analisando 100<br />

exemplos reais, retirados da web, de metáforas com verbos de mudança de estudo. Neste<br />

artigo será apresentada uma descrição desses padrões a partir de 19 metáforas que apresentam<br />

os verbos congelar e engessar.<br />

O objetivo desta proposta é investigar a partir de relações paradigmáticas e<br />

sintagmáticas se os tipos combinatórios de metáforas com verbos de mudança de estado<br />

apresentam regularidade interpretativa e, a partir daí, tentar propor um tipo combinatório de<br />

metáforas com verbos de mudança de estado. A hipótese de trabalho é que a regularidade que<br />

pode ser encontrada no uso das sentenças metafóricas com verbos de mudança de estado pode<br />

estar baseada no resultado da ação verbal e não na forma ou no aspecto dessa ação. Essa<br />

hipótese está fundamentada na perspectiva de Moura e será analisada através da metodologia<br />

adotada.<br />

O artigo está organizado da seguinte forma: na seção 2, apresenta-se a metáfora<br />

enquadrada como tipo; na seção 3, descreve-se a metodologia a ser seguida na análise do<br />

corpus e é apresentada a descrição dos dados das metáforas com verbos de mudança de<br />

estado; na seção 4, identificam-se padrões regulares de interpretação e na seção 5, discutem-se<br />

alguns resultados e conclusões parciais, pois este artigo está embasado na dissertação de<br />

mestrado “Metáforas com verbos de mudança de estado” que está em andamento.<br />

2. Teorias que explicam o uso da metáfora a partir de tipos<br />

Um dos modelos mais famosos e conhecidos que estuda a metáfora a partir de tipos é<br />

a teoria conceptual (Lakoff e Johnson, 2002). Essa teoria sustenta que a metáfora não é um<br />

recurso da linguagem, mas do pensamento. Nesse modelo a sistematicidade da metáfora é<br />

buscada no plano da representação cognitiva, portanto é uma sistematicidade externa que se<br />

situa na mente do falante.<br />

Nesta pesquisa, estuda-se o uso metafórico a partir de tipos de metáforas, mas de<br />

maneira diferente da teoria conceptual. Busca-se investigar a sistematicidade da metáfora no<br />

plano lingüístico e não no plano de representação mental. Isso quer dizer, tal como defendem<br />

Moura (2005, 2007) e Veale (2003), que neste caso se está assumindo uma perspectiva interna<br />

da sistematicidade da metáfora, a qual analisa quais são os fatores internos da estrutura léxicoconceptual<br />

de uma sentença metafórica que levam à interpretação. Segundo Moura (2007), a<br />

sistematicidade interna contribui para que se possa realizar uma descrição minuciosa dos tipos<br />

de metáforas e mostrar, detalhadamente, a interação entre o tópico e o veículo de uma<br />

sentença metafórica.<br />

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3. Metodologia para análise de dados<br />

Como o objetivo deste estudo é propor um tipo combinatório de metáforas com verbos<br />

de mudança de estado, realizam-se estudos de relações paradigmáticas e estudos de relações<br />

sintagmáticas de sentenças metafóricas. Essas relações podem ser compreendidas como um<br />

meio de analisar de maneira minuciosa como as metáforas funcionam. Nesta pesquisa, duas<br />

questões postulam a análise que virá a seguir:<br />

1. Ocorrências metafóricas exploram a estrutura léxico-conceptual da linguagem;<br />

2. O uso de metáforas é sistemático, isto é, há tipos de metáforas que guiam a interpretação.<br />

Essas metáforas apresentam relações paradigmáticas e sintagmáticas definidas (Moura,<br />

2007: 431).<br />

Juntamente com Moura, elaborou-se uma metodologia centrada nas duas questões<br />

acima citadas, para que se pudesse realizar e desenvolver uma investigação segura. Essa<br />

metodologia de análise de dados segue os seguintes passos:<br />

1º Passo: Definir uma categoria semântica (nominal ou verbal) que ocorra na posição de<br />

veículo das metáforas a serem investigadas.<br />

2º Passo: Definir uma lista de itens lexicais pertencentes à categoria semântica escolhida<br />

(construção da relação paradigmática).<br />

3º Passo: Pesquisar na web ocorrências de metáforas com esses itens lexicais na posição de<br />

veículo (Fellbaum, 2005).<br />

4º Passo: Identificar, na análise de dados, classes de interpretação (conjuntos de paráfrases)<br />

que possam ser inferidas a partir dos dados, para cada item lexical analisado.<br />

5º Passo: Identificar possíveis correlações entre classes de interpretação e relações<br />

sintagmáticas (construção das relações sintagmáticas).<br />

6º Passo: Comparar as relações sintagmáticas dos diferentes itens lexicais, obtidas no 5º<br />

passo, e identificar padrões de interpretação. Se padrões de interpretação forem<br />

encontrados, postular um tipo de metáfora.<br />

3.1. Explicação dos procedimentos adotados para análise de dados<br />

Apresenta-se, a seguir, um comentário detalhado para cada procedimento (passo)<br />

acima apresentado, para que seja compreendida com clareza a metodologia adotada no<br />

desenvolvimento desta investigação. Este comentário tem como base os argumentos e a<br />

explicação propostos por Moura (2007: 432):<br />

1º Passo: Deve-se selecionar uma categoria semântica para investigação. Essa categoria<br />

deve ocupar o lugar de veículo da metáfora e pode ser uma categoria verbal ou<br />

nominal. Como nesta pesquisa o foco é estudar metáforas verbais e não nominais,<br />

a categoria semântica selecionada para estudo é a dos verbos de mudança de<br />

estado.<br />

2º Passo: Almeja-se ressaltar que um paradigma (categoria semântica) como a dos verbos é<br />

bastante vasta, grande e variada.<br />

3º Passo: Usam-se mecanismos de busca na web (como o Google), mecanismo de análise de<br />

dados que já foi testado na literatura (Fellbaum, 2005). Por meio deste método de<br />

pesquisa, coletam-se exemplos de sentenças metafóricas reais e contextualizados.<br />

Admite-se que os resultados que se obtiver nesta pesquisa não serão exaustivos e<br />

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nem quantificáveis, pois novas sentenças metafóricas podem aparecer a todo<br />

momento na web.<br />

4º Passo: Agora, devem-se identificar paráfrases aceitáveis. As paráfrases serão limitadas,<br />

pois de acordo com Black (1962, 1992, 1993) e Kittay (1987), pode-se argumentar<br />

que uma metáfora nunca é completamente parafraseável. Sobre o papel da<br />

paráfrase literal, Davidson (1992: 48) e Finger (1996: 50) afirmam que para Black<br />

o conjunto de sentenças literais que for obtido a partir de uma sentença e/ou<br />

proferimento metafórico nunca será capaz e nem terá o poder de informar e<br />

esclarecer como a metáfora original. Tal como sustenta Corôa (2005: 34), “uma<br />

paráfrase (...) subtrai informação, por um lado, e acrescenta implicações não<br />

desejáveis, por outro”. Depois de identificar as paráfrases, é importante definir<br />

linhas gerais de interpretação de um dado veículo metafórico, nos variados<br />

contextos. Se possível, deve-se identificar apenas uma dimensão de predicação<br />

(dimensão relevante), que seja projetada a partir do veículo. As interpretações<br />

devem respeitar as pistas dadas pelo contexto de cada ocorrência metafórica. E as<br />

expressões idiomáticas que surgirem no corpus com os itens lexicais analisados<br />

devem ser apontadas.<br />

5º Passo: Devem-se analisar as correlações existentes entre essas classes de interpretação<br />

(paráfrases) e o tipo de palavra que ocupa o lugar de tópico em uma sentença<br />

metafórica. A classe semântica do tópico com base em cada conjunto de paráfrases<br />

- (a classe semântica do tópico será o hiperônimo dos termos que atuam como<br />

tópicos) - deve ser identificada. Neste passo, buscam-se relações sintagmáticas,<br />

isto é, estabelecem-se generalizações a partir de ocorrências de metáforas com o<br />

mesmo item lexical na posição de veículo.<br />

6º Passo: Neste último procedimento, tenta-se obter uma generalização maior a que se<br />

obteve no 5º passo. Deve-se testar se a mudança de um item lexical por um outro<br />

item, dentro de um mesmo paradigma, muda ou não as interpretações das relações<br />

sintagmáticas, para se obter uma generalização maior. Propõe-se postular um tipo<br />

de metáfora, se for obtida uma generalização. Deve-se estar atento que um tipo de<br />

metáfora deve se aplicar a todos os itens lexicais de um paradigma.<br />

Observação: Somente depois de concluída a análise de todos os itens lexicais apresentados no<br />

2º passo é que o 6º será colocado em prática. A análise de cada item lexical abordado no 2º<br />

passo sempre será realizada a partir do 3º até o 5º passo.<br />

3.2. Análise do corpus coletado – metáforas com verbos de mudança de estado<br />

1º Passo: Examinar verbos de mudança de estado.<br />

2º Passo: Os verbos congelar e engessar são utilizados como veículos de metáforas.<br />

3º Passo: Retirar da web exemplos de ocorrências metafóricas com os verbos congelar e<br />

engessar na posição de veículo da(s) sentença(s) metafórica(s).<br />

3.2.1. Análise das metáforas com o verbo congelar<br />

3º Passo - Retiraram-se dez ocorrências de metáforas com o verbo congelar da web:<br />

(1) “Querem congelar o Espiritismo!”<br />

(Retirado em 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.redevisao.com/html/materias/<br />

alamarespirita/naofalarcomespiritos.htm).<br />

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(2) “Para sair do banho, por exemplo, Luciana precisava congelar um pensamento bom na<br />

mente.”<br />

(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://scotty.ffclrp.usp.br/periodicos/veja/<br />

Mentes%20que%20aprisionam.htm).<br />

(3) “Outro momento lá atrás que congelaria é quando eu ganhei as ‘Olimpíadas de<br />

Matemática do Estado de São Paulo’...”<br />

(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.blogtematico.blogger.com.br/<br />

2005_08_28_archive.html).<br />

(4) “Congelaria um momento de descoberta ... ... com toda intensidade...”<br />

(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.blogtematico.blogger.com.br/<br />

2005_08_28_archive.html).<br />

(5) “Congelaria a emoção de amar com toda intensidade ... ... Aliás, não congelaria não ...<br />

Quero é manter bem aquecido ...”<br />

(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.blogtematico.blogger.com.br/<br />

2005_08_28_archive.html).<br />

(6) “Modelos, atrizes e alunas fazem parte das fotografias de Silveira, que abusou de sua<br />

capacidade de preparar atores – como Ana Paula Arósio, Déborah Secco, Fábio Assunção e<br />

Marisa Orth – para fotografar e congelar eternamente a emoção do momento.”<br />

(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.geleiageral.com.br/gratis/<br />

beto_silveira.htm).<br />

(7) “Fotografar é congelar o tempo com emoção.”<br />

(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.photografos.com.br/<br />

fotografo.aspid).<br />

(8) “Eu queria poder congelar tudo o que aconteceu ...”<br />

(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.prettiestthing.weblogger.com.br).<br />

(9) “Não mais desperdiçar minhas lágrimas. Não mais achar me perdido. No fundo eu fui um<br />

idiota. Não mais acreditar no nada. Não mais congelar o medo.”<br />

(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://gloria.letras.terra.com.br/<br />

letras/206417).<br />

(10) “... Congelar o tempo antes da morte ...”<br />

(Retirado em: 09/07/2007, de World Wide Web: http://www.ronaldperet.com.br/<br />

humanus_onstage.htm).<br />

4º Passo - Encontraram-se três classes de interpretação (paráfrases): {a, b, c} no corpus<br />

analisado:<br />

Paráfrase (a): Tornar imóvel, paralisar. Exemplos: (1), (3), (4), (5), (8), (10).<br />

Paráfrase (b): Guardar, registrar. Exemplos: (6), (7).<br />

Paráfrase (c): Armazenar, ter. Exemplos: (2), (9).<br />

5º Passo<br />

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Paráfrase (a): Tornar imóvel, paralisar. Exemplos: (1), (3), (4), (5), (8), (10).<br />

Tópicos: Espiritismo, momento, momento, emoção, tudo, tempo.<br />

Classe semântica (Hiperonímia):<br />

● Religião: Espiritismo.<br />

● Período de tempo: momento, momento de descoberta, tempo.<br />

● Sensação: emoção.<br />

● Indefinição: tudo.<br />

Dimensão relevante do tópico: Duração.<br />

Relação sintagmática (a): [Tópico (Religião, Período de tempo, Sensação, Indefinição) +<br />

Veículo (congelar)].<br />

Paráfrase (b): Guardar, registrar. Exemplos: (6), (7).<br />

Tópicos: emoção, tempo.<br />

Classe semântica (Hiperonímia):<br />

● Período de tempo: tempo.<br />

● Sensação: emoção.<br />

Dimensão relevante do tópico: duração.<br />

Relação sintagmática (b): [Tópico (Período de tempo, sensação) + Veículo (congelar)].<br />

Paráfrase (c): Armazenar, ter. Exemplos: (2), (9).<br />

Tópicos: Pensamento bom, medo.<br />

Classe semântica (Hiperonímia):<br />

●Ação/plano voltados para uma meta: pensamento bom.<br />

●Sensação: medo<br />

Dimensão relevante do tópico: Vivência.<br />

Relação sintagmática (c): [Tópico (Ação/plano voltados para uma meta, sensação) + Veículo<br />

(congelar)].<br />

3.2.2. Análise das metáforas com o verbo engessar<br />

3º Passo - Foram coletadas, na web, nove ocorrências de metáforas com o verbo engessar:<br />

(1) “Para Carrion, nenhuma forma de gestão pode engessar a luta social e popular e nem<br />

desresponsabilizar o governo ...”<br />

(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.ongcidade.org/site/<br />

noticias_completa.php).<br />

(2) “Nunca admiti, como professor titular de direito constitucional da Universidade<br />

Mackenzie e comentarista da Constituição Federal, que brasileiros do passado pudessem<br />

engessar o futuro da nação ...”<br />

(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://clipping.planejamento.gov.br/<br />

Noticias.aspNOTCod=291102).<br />

(3) “A idéia de enquadrar e engessar idéias autônomas, independentes e criativas ...”<br />

(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://panocticowordpress.com/2007/05/14/<br />

para-andrea-matarazzo-catadores-sao-problema).<br />

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(4) “A idéia do planejamento não é engessar sua vida, muito pelo contrário, dar liberdade.”<br />

(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://chat04.terra.com.br:9781/<br />

henriqueflory.htm).<br />

5) “Eles querem engessar um juiz de 1ª Instância.”<br />

(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.tacrim.sp.gov.br/cetac/<br />

Palestra140501.html).<br />

(6) “É imediatamente taxado de inimigo do progresso, contrário ao desenvolvimento, alguém<br />

que quer engessar a Amazônia.”<br />

(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.ssps.org.br/JUPIC/Esporadico/<br />

cartasol.htm).<br />

(7) “Ainda não existe súmula vinculante sobre o tema, capaz de engessar o poder de<br />

interpretação do juiz.”<br />

(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.amab.com.br/marcosbandeira/<br />

sentencas.phpcod=56).<br />

(8) “Não defendo a reserva de mercado da língua portuguesa, pois tentar engessar um idioma<br />

é o mesmo que condená-lo à morte.”<br />

(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.teclasap.com.br/boletim/<br />

ed_anteriores/infotainment262.shtml).<br />

(9) “Dessa forma cria-se um impasse, porque o Estado não teria condições de fazer os seus<br />

registros, o que iria engessar as ações, explicou a assessoria de imprensa.”<br />

(Retirado em: 03/07/2007, de World Wide Web: http://www.mp.mt.gov.br/noticias.php<br />

IDCanal=OTE=&IDSubCanal=Mjk=&view=MjE5NQ).<br />

4º Passo - Identificaram-se duas classes de interpretação (paráfrases): {a, b} no corpus<br />

analisado:<br />

Paráfrase (a): Impedir de agir. Exemplos: (1), (5), (7), (9).<br />

Paráfrase (b): Impedir de prosperar, de evoluir. Exemplos: (2), (3), (4), (6), (8).<br />

5º Passo<br />

Paráfrase (a): Impedir de agir. Exemplos: (1), (5), (7), (9).<br />

Tópicos: Luta social e popular, juiz, poder de interpretação, ações do estado.<br />

Classe semântica (Hiperonímia): Pessoas e ação social.<br />

Dimensão relevante do tópico: Ação.<br />

Relação sintagmática (a): [Tópico (pessoas e ação social) + Veículo (engessar)].<br />

Paráfrase (b): Impedir de prosperar, de evoluir. Exemplos: (2), (3), (4), (6), (8).<br />

Tópicos: Futuro da nação, idéias, vida, Amazônia, idioma.<br />

Classe semântica (Hiperonímia):<br />

● Período de tempo: futuro da nação.<br />

● Ação/plano voltados para uma meta: idéias.<br />

● Existência: vida.<br />

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● Língua de uma nação: (idioma);<br />

● Região territorial e/ou pessoas ou grupo de pessoas por metonímia: (Amazônia).<br />

Dimensão relevante do tópico: Desenvolvimento.<br />

Relação sintagmática (b): [Tópico (Período de tempo, Ação/plano voltados para uma meta,<br />

Existência, Língua de uma nação, Região territorial e/ou pessoas ou grupo de pessoas por<br />

metonímia) + Veículo (engessar)].<br />

4. Identificar padrões regulares de interpretação<br />

Finalmente, será colocado em prática o 6º passo. Neste último, buscam-se identificar<br />

padrões regulares nas relações sintagmáticas encontradas. Ressalta-se que o corpus analisado<br />

não permite nenhum resultado conclusivo e único. Porém, algumas hipóteses, já apontadas<br />

por Moura (2007: 444), novamente se confirmam. Isto é, por meio desta instigação,<br />

comprova-se que, (a) as metáforas não são interpretadas casualmente; (b) as paráfrases que<br />

foram encontradas no 4º passo, adaptam-se às relações sintagmáticas que foram detectadas no<br />

5º passo. Isto quer dizer que um determinado tipo de tópico de uma metáfora pode definir<br />

uma interpretação saliente de um dado veículo.<br />

Logo, questiona-se: E as generalizações sobre as relações sintagmáticas com os dois<br />

verbos estudados (congelar e engessar) foram alcançadas No total, obteve-se 05 relações<br />

sintagmáticas, isto é, 03 para congelar e 02 para engessar. Os tópicos dessas relações são<br />

variados, assim como as paráfrases.<br />

VEÍCULO] + [TÓPICO]<br />

= PARÁFRASE<br />

Congelar 1 +<br />

● Religião<br />

● Período de tempo<br />

● Sensação<br />

= Tornar imóvel, paralisar<br />

● Indefinição<br />

Congelar 2 +<br />

● Período de tempo<br />

● Sensação<br />

= Guardar, registrar<br />

Congelar 3 +<br />

● Ação/plano voltados para uma meta<br />

● Sensação<br />

= Armazenar, ter<br />

Engessar 1 + ● Pessoas e ação social = Impedir de agir<br />

● Período de tempo<br />

● Ação/plano voltados para uma meta<br />

Engessar 2 +<br />

● Existência<br />

Impedir de prosperar/de<br />

● Sensação<br />

=<br />

evoluir<br />

● Língua de uma nação<br />

● Região territorial e/ou pessoas ou<br />

grupo de pessoas por metonímia<br />

Quadro 1 - Relações sintagmáticas de metáforas com verbos de mudança de estado<br />

5. Resultados parciais e considerações finais<br />

No quadro 1 pode-se verificar que os tópicos e as paráfrases são bem variados, mesmo<br />

ocorrendo repetições, resultado já apresentado por Moura (2007). O que parece certo é que as<br />

ocorrências de metáforas com um mesmo item lexical na posição de veículo (por exemplo, o<br />

verbo congelar e/ou engessar) se encaixam em uma das relações sintagmáticas possíveis.<br />

Sobre as paráfrases, a princípio, conclui-se que parecem ser dependentes do conteúdo<br />

lexical do verbo. Por exemplo, “retenção”, é um traço que se destaca nas paráfrases das<br />

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metáforas com o verbo arquivar. E essa “retenção” parece ser interpretada de modo diferente,<br />

isto é, de acordo com o tópico da metáfora. Observe as seguintes construções:<br />

A - Arquivar assuntos é o mesmo que Reter assuntos;<br />

B - Arquivar momentos/acontecimentos bons é o mesmo que Reter momentos/acontecimentos<br />

bons;<br />

C - Arquivar momentos/acontecimentos ruins é o mesmo que Reter momentos/acontecimentos<br />

ruins.<br />

Percebe-se, de acordo com a análise realizada, que ‘retenção’ é, realmente, um traço<br />

importante que se destaca nos três exemplos metafóricos apresentados (a), (b) e (c), porém<br />

essa retenção é interpretada de forma diferente em cada sentença metafórica por causa dos<br />

tópicos (assuntos, momentos/acontecimentos bons, momentos/acontecimentos ruins,<br />

respectivamente). Portanto, na frase (a) o traço que se destaca é retenção, mas por causa do<br />

tópico ‘assuntos’ esse traço é interpretado como evitar, não abordar. Na frase (b), novamente,<br />

o traço que se sobressai é retenção, mas devido ao tópico ‘momentos/acontecimentos bons’ é<br />

interpretado como guardar, registrar. E, na frase (c), o traço retenção passa a ser interpretado<br />

como esquecer, deixar de lado, por causa do tópico ‘momentos/acontecimentos ruins’. Desta<br />

maneira, percebe-se que as paráfrases (evitar, não abordar; guardar, registrar; esquecer, deixar<br />

de lado) são dependentes o conteúdo lexical do verbo arquivar, no caso → retenção/reter.<br />

De acordo com a pesquisa realizada, pode-se abordar que há um elemento comum nas<br />

paráfrases – (é só observar o quadro 1). Esse elemento comum é a existência de um resultado<br />

específico do processo verbal. E essa é a característica principal de um verbo de mudança de<br />

estado no sentido literal. Isto é, qualquer verbo de mudança de estado apresenta esse<br />

resultado, que certamente varia de acordo com o conteúdo semântico de cada verbo (Moura,<br />

2007: 446). Diante da questão abordada sobre o resultado específico que basicamente todo<br />

verbo de mudança acarreta, mostra-se no quadro abaixo a representação semântica de verbos<br />

de mudança de estado no seu sentido literal. Esse quadro foi adaptado de Moura (2007: 446):<br />

Tema e/ou objeto e/ou paciente da ação verbal → (estado resultativo v )<br />

Quadro 2 - Representação semântica de verbos de mudança de estado - (sentido literal).<br />

No quadro 2 Moura (2007: 447) mostra que “o subscrito v indica que esse estado é<br />

relativo ao conteúdo semântico de cada verbo. A própria natureza semântica do verbo de<br />

mudança de estado ressalta esse estado resultativo”. De acordo com Pustejovsky (1995) e<br />

Chierchia (2003), os verbos de mudança de estado são também conhecidos como verbos<br />

télicos, pelo fato desses verbos acarretarem um ponto auge da ação verbal. A partir do verbo<br />

“congelar”, tenta-se explicar a relação dos verbos de mudança de estado (verbos télicos) com<br />

as metáforas. (Moura realizou essa explicação a partir do verbo arquivar). Nesse caso,<br />

percebeu-se que se alguém pensar no sentido literal do verbo congelar, isto é, na ação de<br />

congelar notará que esse item lexical envolverá:<br />

● um agente;<br />

● um período de tempo;<br />

● um modo de agir;<br />

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● um resultado.<br />

Nesse caso, uma sentença metafórica com a presença desse verbo poderia explorar<br />

qualquer uma dessas dimensões do evento de congelar. Mas, ao se analisar as paráfrases do<br />

quadro (1) e ao se considerar o(s) sentido(s) metafórico(s) desse tipo de ocorrência, percebeuse<br />

que a única dimensão relevante é o resultado da ação de congelar, as outras dimensões do<br />

evento de congelar não se destacam. O que importa é somente o resultado, isto é, que o<br />

paciente, o objeto da ação verbal → está congelado. E estar congelado pode gerar diferentes<br />

analogias, dependendo do tópico ao qual se aplica a metáfora do congelar. Por exemplo:<br />

● Congelar um pensamento bom é armazená-lo.<br />

Logo, congelar = armazenar.<br />

● Congelar o tempo é parar o tempo.<br />

Logo, congelar = paralisar/imobilizar.<br />

● Congelar uma lembrança é guardá-la, registrá-la.<br />

Logo, congelar = guardar, registrar.<br />

● Congelar uma mágoa é deixar de senti-la, esquecê-la.<br />

Logo, congelar = deixar de lado, suspender.<br />

Diante dos fatos examinados e estudados até aqui, pode-se concluir, assim como<br />

Moura que o estado resultativo é a única dimensão relevante do processo verbal. Esta<br />

conclusão é válida para os todos os verbos analisados neste trabalho. No momento, o tipo de<br />

metáfora com verbo de mudança de estado pode ser postulado com base em Moura (2007:<br />

447):<br />

Tipo de metáfora com verbo de mudança de estado<br />

[ TÓPICO (X) + VEÍCULO (Verbo de mudança de estado v ) ]<br />

Paráfrase = Dimensão relevante do processo verbal = estado resultativo v<br />

Logo, paráfrase = estado resultativo v<br />

Quadro 3 - Tipo de metáfora com verbo de mudança de estado.<br />

A partir desta pesquisa, deduziu-se que a interpretação de uma metáfora ocorre em<br />

dois níveis, tal como sustenta Moura, isto é, no primeiro nível, ocorre a identificação do tipo<br />

de metáfora e no segundo nível, a identificação da relação sintagmática relevante. Por<br />

exemplo, ao se interpretar a metáfora, congelei um pensamento bom, primeiramente,<br />

identifica-se o tipo de metáfora, nesse caso, trata-se de uma metáfora com verbo de mudança<br />

de estado e, depois, identifica-se a relação sintagmática, nessa metáfora tem-se a seguinte<br />

relação: TÓPICO (Ação/plano voltados para uma meta) + VEÍCULO (verbo de mudança de<br />

estado: Congelar), alcançando-se desta maneira uma paráfrase condizente.<br />

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Através deste estudo e levando em conta as conclusões parciais de Moura, sustenta-se<br />

que nas metáforas existem regularidades categorias e combinatórias (relações paradigmáticas<br />

e sintagmáticas), respectivamente, que governam a interpretação, o que significa que as<br />

metáforas não são interpretadas aleatoriamente. Assim como autor, esta pesquisa também<br />

defende que ao se interpretar uma sentença metafórica se acionam categorias semânticas e<br />

combinações entre categorias semânticas, num processo composicional parecido com o<br />

processo composicional de proposições ordinárias.<br />

“A diferença na composicionalidade de sentenças metafóricas e sentenças literais<br />

corresponde a esse elemento de difícil apreensão, e que consiste na força maior da<br />

metáfora: colocar junto o que se supõe separado, e fazê-lo de modo consistente. Ao<br />

compor a sentença “o filósofo pensou”, combinamos o que já estava junto (entidade<br />

dotada de razão e verbo de pensamento), ao passo que ao formar a sentença “o<br />

navegador automático de bordo pensou” (artefato e verbo de pensamento), juntamos o<br />

que não estava junto antes, mas as regras combinatórias são da mesma essência.”<br />

(Moura, 2007: 448)<br />

A partir da pesquisa desenvolvida, chegou-se a conclusão que a metáfora cria,<br />

gera, aciona alguma coisa nova com caráter cognitivo, a partir da rede conceptual da<br />

linguagem.<br />

“O efeito cognitivo da metáfora deriva dos padrões de ligação entre conceitos que ela<br />

cria [...]. O que pensamos ao dizer uma metáfora é idéia ou apresentação de como as<br />

coisas são. Para isso, usamos a linguagem, e as correlações de categorias que ela<br />

permite. Se a linguagem se baseia em padrões de interpretação, é natural que o<br />

pensamento reflita esses padrões.” (Moura, 2007: 448)<br />

Por meio desta pesquisa que desenvolveu uma análise descritiva de um corpus de 100<br />

metáforas com verbos de mudança de estado, sendo apresentadas, neste artigo, somente 19<br />

ocorrências metafóricas desse corpus examinado, chegou-se a algumas conclusões parciais<br />

que já foram apresentadas por Moura ao desenvolver seus estudos. Dentre essas conclusões,<br />

deduziu-se que o uso da metáfora busca correlações na linguagem com o objetivo de exprimir<br />

pensamentos, dessa maneira, é possível perceber que o uso da metáfora não depende só do<br />

pensamento, nem só da linguagem; mas, sim, está relacionada tanto à linguagem como ao<br />

pensamento.<br />

5. Agradecimentos<br />

Ao orientador desta pesquisa em andamento, o Professor Dr. Heronides Maurílio de<br />

Melo Moura, pois não consigo acreditar que uma pesquisa seja fruto de uma só mente. Nesse<br />

sentido gostaria de agradecer pela parceria e orientação.<br />

6. Referências bibliográficas<br />

Black, M. (1962). Models and metaphor. Ithaca: Cornell University Press.<br />

Black, M. (1992). Como as metáforas funcionam: uma resposta a D. Davidson. Em: Sacks, S.<br />

(org.). Da metáfora (pp. 35-50). São Paulo: Educ.<br />

Sacks, S. (1993). More about metaphor. Em: Ortony, A. (ed.): Metaphor and thought.<br />

Cambridge: Cambridge University Press.<br />

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Chierchia, G. (2003). Semântica. Campinas: Editora da Unicamp.<br />

Corôa, M.L.M.S. (2005). O tempo nos verbos do português: uma introdução à sua semântica.<br />

São Paulo: Parábola.<br />

Davidson, D. (1992). O que as metáforas significam. Em: Sacks, S. (org.). Da metáfora, (pp.<br />

35-50). São Paulo: Educ.<br />

Fellbaum, C. (2005). Examining the constraints on the benefactive alternation by using the<br />

world wide web as a corpus. Em: Reis, M. e Kepser, S. (Eds.). Evidence in linguistics:<br />

Empirical, theoretical, and computational perspective. Berlin: Mouton de Gruyter.<br />

Finger, I. (1996). Metáfora e significação. Porto Alegre: EDIPUCRS.<br />

Kittay, E.F. (1987). Metaphor: its cognitive force and linguistic structure. Oxford: Oxford<br />

University Press.<br />

Lakoff, G. e Johnson, M. (2002). Metáforas da vida cotidiana. (Zanotto, M. S., Trad.). São<br />

Paulo: EDUC.<br />

Moura, H. (2005). Metáfora: das palavras aos conceitos. Letras de Hoje, 40, (<strong>13</strong>9), 51-69.<br />

Moura, H. (2007). Relações paradigmáticas e sintagmáticas na interpretação de metáforas.<br />

Linguagem em Discurso, 7 (3), 417-452.<br />

Pustejovsky, J. (1995). The generative lexicon. Cambridge: MIT Press.<br />

Veale, T. (2003). Systematicity and the lexicon in creative metaphor. ACL 2003 - Workshop<br />

on the Lexicon and Figurative Language (pp. 22-34), [s.l.], [s.n.].<br />

- D. K. Fossile é graduada em Letras - Licenciatura (Língua Portuguesa; Universidade<br />

Regional de Joinville, UNIVILLE) e Mestranda do curso de Lingüística (Área de<br />

concentração: Teoria e Análise Lingüística. Linha de pesquisa: Léxico e Significação;<br />

UFSC). Atua como Professora efetiva da Rede Estadual de Santa Catarina e como Tutora da<br />

Disciplina de História dos Estudos Lingüísticos do Curso de Letras a Distância (UFSC). E-<br />

mail para correspondência: dieysa@ibest.com.br.<br />

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Artigo Científico<br />

Políticas de educação inclusiva e a instituição especializada na<br />

educação da pessoa com deficiência mental<br />

Policies for inclusive education and the specialized institution in education of a person with<br />

mental disability<br />

Resumo<br />

Silvia Márcia Ferreira Meletti <br />

Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, Paraná, Brasil<br />

O trabalho objetiva analisar o impacto das políticas de educação inclusiva na educação de<br />

pessoas com deficiência mental institucionalizadas. Especificamente, objetivamos analisar os<br />

mecanismos utilizados pela instituição especializada para se adequar às exigências legais e<br />

normativas no sentido de assumir a educação escolar como eixo central de seu trabalho,<br />

compatibilizando-o com as necessidades especiais de seus educandos. Tais exigências estão<br />

presentes nas proposições políticas para a Educação Especial brasileira que se articulam numa<br />

perspectiva inclusiva e que buscam se contrapor ao perfil clínico de atuação da área. Para isso,<br />

optou-se por analisar a percepção dos profissionais que compõem a equipe técnica de uma<br />

instituição especial em processo de mudança. O recurso metodológico utilizado foi a Análise<br />

de Discurso. Os resultados indicaram que os mecanismos utilizados foram: apropriação do<br />

discurso oficial; reinterpretação das normas de flexibilização curricular e de terminalidade<br />

específica; reorganização formal e aparente da estrutura institucional. © Cien. Cogn. 2008;<br />

<strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 199-2<strong>13</strong>.<br />

Palavras-chave: educação especial; política educacional; institucionalização.<br />

Abstract<br />

The work aims to analyze the impact of policies on inclusive education in the education of<br />

institutionalized people with mental disabilities. Specifically, we aim to analyzing the used<br />

mechanisms by the specialized institutions to adequate to legal and regulatory requirements in<br />

order to take the school education as a central axis of its work by making it compatible with<br />

the special needs of their students. Such demands are present in political propositions for the<br />

Brazilian Special Education which are linked to an inclusive view and seek to oppose the<br />

clinical profile of performance in the area. To do so, we have chosen to analyze the perception<br />

of professionals that make up the technical team of a special institution in change process. The<br />

methodology used was Discourse Analysis. The results indicated that the used mechanisms<br />

were: appropriation of the official discourse; reinterpretation of the rules of curricular<br />

flexibility and special completion; formal and apparent reorganization of the institutional<br />

transformation. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 199-2<strong>13</strong>.<br />

Keywords: special education; educational policy; institutionalization.<br />

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1. Introdução<br />

Pretendemos neste trabalho apresentar uma discussão acerca da educação da pessoa<br />

com deficiência mental, a partir de uma pesquisa realizada em uma instituição especial.<br />

Especificamente, objetivamos analisar os mecanismos utilizados pela instituição especializada<br />

para se adequar às exigências legais e normativas no sentido de assumir a educação escolar<br />

como eixo central de seu trabalho, compatibilizando-o com as necessidades especiais de seus<br />

educandos. Tais exigências estão presentes nas proposições políticas para a Educação<br />

Especial brasileira que se articulam numa perspectiva inclusiva e que buscam se contrapor ao<br />

perfil clínico de atuação da área.<br />

A educação especial brasileira, ao longo de seu processo de constituição, apresenta<br />

algumas características específicas que consolidaram seu distanciamento do sistema regular<br />

de ensino. Dentre elas, destacam-se:<br />

1) o afastamento do Estado em relação às questões educacionais da pessoa com deficiência<br />

mental;<br />

2) a legitimação de instituições especiais como o âmbito educacional mais adequado para<br />

educá-la;<br />

3) a transferência da responsabilidade da educação desta população para o setor privado,<br />

especialmente para aquele de caráter filantrópico.<br />

Instituições especiais dessa natureza foram se constituindo como instância “privada<br />

que busca atender às necessidades da Educação Especial pública” (Silva, 1995: 41),<br />

preenchendo a lacuna deixada por um Estado que reduz os investimentos com a educação<br />

geral pública, que intensifica o incentivo à iniciativa privada e que e se distancia das questões<br />

relativas à educação especial. Jannuzzi (1997: 185) acrescenta que “há assim uma parcial<br />

simbiose entre o público e o privado, que permite ao segundo exercer influência na<br />

determinação da política pública na área”.<br />

A história desta convivência ambígua entre o público e o privado legitima as<br />

instituições especiais filantrópicas como as responsáveis pela educação desta população. A<br />

contrapartida do Estado se materializa por meio de auxílios técnico e financeiro e de<br />

incentivos fiscais com a isenção e redução de impostos. Isto está expresso na legislação e nos<br />

documentos oficiais que regimentam a educação especial brasileira. Como exemplo, podemos<br />

citar as Constituições de 1946 e de 1988 (Brasil, 1946, 1988), entre outros.<br />

A “parceria” tem se mostrado um “bom negócio” para ambos os lados. Para as<br />

instituições por seu favorecimento e para o Estado pelos gastos reduzidos, já que o custo de<br />

sustentação da instituição especial privada assistencial é inferior ao custo de implementar<br />

serviços de educação especial para toda população com deficiência na rede regular de ensino<br />

(Brasil, 1996).<br />

A consolidação da segregação da pessoa com deficiência mental em instituições<br />

especiais marca não só as relações entre o público e o privado, mas também os modos de<br />

significar e de lidar com a própria condição de deficiência em nosso contexto.<br />

Bueno (1997a) indica que o processo de institucionalização da pessoa com deficiência<br />

contribui para a constituição tanto das concepções sociais acerca da condição quanto da<br />

identidade do próprio deficiente. O autor mostra que a crença na ineducabilidade, na<br />

dependência, na imaturidade, na improdutividade e na necessidade de uma educação<br />

segregada tem sustentação nos modos como se constituiu a educação institucionalizada da<br />

pessoa com deficiência em nosso país.<br />

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O ensino especial implementado nas instituições especiais, sustentado por uma<br />

perspectiva clínica de atuação, tem se orientado por abordagens educacionais que, reduzidas a<br />

uma dimensão técnica de ensino, priorizam o treino do indivíduo objetivando o<br />

desenvolvimento de competências e habilidades específicas a fim possibilitar sua integração<br />

nos espaços sociais dos quais foi excluído em função de sua diferença (Cambaúva, 1988;<br />

Ferreira, 1994).<br />

Na década de 1990 percebe-se uma mudança tanto no discurso da educação brasileira<br />

como na educação especial. Essa década vem sendo considerada como marco para Educação<br />

Especial brasileira em função das proposições políticas para a educação especial que se<br />

articulam numa perspectiva inclusiva ao incorporarem as orientações internacionais tratadas<br />

nas Declarações de Educação para Todos (UNESCO, 1990) e de Salamanca (Corde, 1994).<br />

Visando materializar a educação para todos e a escola inclusiva, a educação especial<br />

passa a ser identificada como uma modalidade de educação escolar a ser oferecida<br />

preferencialmente na rede regular de ensino, a partir da educação infantil e que, apenas em<br />

casos excepcionais – aqueles que em função dos comprometimentos do aluno – caso a escola<br />

não tenha recursos para o atendimento, é que o mesmo poderá ocorrer em instâncias<br />

consideradas especiais: classes ou escolas. A LDB 9394/96, em seu Artigo 59, prevê que os<br />

sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais, entre outros<br />

aspectos: currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para<br />

atender às suas necessidades; terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o<br />

nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências.<br />

A definição da educação especial como modalidade de educação escolar é ampliada<br />

nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Brasil, 2001). Neste<br />

aparato legal, as categorias de deficiência se diluem no conceito de necessidades educacionais<br />

especiais, no qual a deficiência mental é entendida como mais uma expressão da diversidade<br />

que compõe as chamadas necessidades educacionais especiais.<br />

Por outro lado, podemos observar que, mesmo apresentando a educação especial como<br />

dever constitucional do Estado e como modalidade de educação escolar, a LDB 9394/96<br />

mantém a valorização da iniciativa privada por meio do apoio técnico e financeiro do Poder<br />

Público às instituições especializadas, desde que sejam sem fins lucrativos, que atuem<br />

exclusivamente em educação especial e que atendam aos critérios estabelecidos pelos órgãos<br />

normativos dos sistemas de ensino (Art. 60). Há a exigência de uma “pedagogização” da<br />

instituição especial que deve se caracterizar como escola para fins de educação escolar.<br />

Sob estas exigências e frente à história de educação da população com deficiência<br />

mental em instituições especiais, que se constituiu à parte do sistema comum de ensino e sob<br />

a égide de outros princípios educacionais que não os da educação geral, temos a constituição<br />

de um espaço propício ao embate de forças antagônicas em que são postas as seguintes<br />

questões:<br />

1) que direções as mudanças exigidas, presentes na política educacional, imprimiram no<br />

movimento de adequação das instituições especiais<br />

2) quais os mecanismos utilizados pela instituição especial nos processos de mudança para<br />

lidar com as exigências legais e normativas no sentido de assumir a educação escolar como o<br />

eixo central de seu trabalho<br />

2. Aportes metodológicos<br />

O presente estudo foi realizado em uma Associação de Pais e Amigos dos<br />

Excepcionais (APAE) 1 . A instituição especial sofreu algumas mudanças, entre as quais se<br />

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destaca a alteração do trabalho da equipe técnica, que passou a atender os alunos nas salas de<br />

aula como decorrência da orientação contida na proposta da APAE Educadora: a escola que<br />

buscamos:<br />

“o atendimento proposto pela APAE Educadora é de caráter pedagógico, estando<br />

qualquer intervenção de natureza clínica e psicopedagógica subordinada ao<br />

cumprimento das metas educativas previstas e operacionalizadas no currículo escolar.<br />

Desse modo, a proposta desenvolve suas ações, construindo espaços educacionais<br />

favoráveis à escolarização e formação dos alunos, focalizando o convívio social e a<br />

qualificação para o trabalho. Assim, as escolas avaliam e planejam condições que<br />

favorecem o desenvolvimento, a aprendizagem e a socialização de seus educandos”.<br />

(FENAPAES, 2001: 36)<br />

Não há qualquer indicação acerca da contribuição que cada um dos profissionais que<br />

tradicionalmente atuam em instituições especiais pode trazer para o trabalho pedagógico.<br />

Ficando a cargo também de cada escola definir como será a atuação da equipe técnica, que<br />

pode ser composta por pedagogo, médico, psicólogo, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta<br />

ocupacional e assistente social, dependendo da realidade e da necessidade de cada APAE.<br />

No caso da APAE, a partir do ano de 2002, a equipe técnica deixou de realizar<br />

atendimentos individuais e passou a atender os alunos em sala de aula juntamente com os<br />

professores. Assim, o trabalho das áreas de psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional<br />

passou a ser desenvolvido tendo, em tese, como objetivo o suporte ao trabalho pedagógico.<br />

Visando analisar os mecanismos utilizados pela instituição especial para se adequar às<br />

exigências legais e normativas no sentido de assumir a educação escolar como eixo central de<br />

seu trabalho, compatibilizando-o com as necessidades especiais de seus educandos, o primeiro<br />

passo foi delimitar a Educação Especial e a Deficiência Mental como as dimensões da<br />

realidade a serem analisadas, por considerarmos que estas são representativas da nova<br />

configuração da educação especial expressa na legislação educacional brasileira. Deste modo,<br />

elegemos alguns eixos representativos de cada uma delas, descritos a seguir:<br />

Dimensões<br />

Eixos de Análise<br />

- modalidade de educação escolar a ser desenvolvida<br />

Educação Especial preferencialmente na rede regular de ensino;<br />

- flexibilização e adaptação curricular;<br />

- certificação de terminalidade específica.<br />

- necessidade educacional especial;<br />

Deficiência Mental - níveis de apoio;<br />

- atendimento preferencial em escolas comuns.<br />

Quadro I - Dimensões da realidade segundo seus eixos de análise.<br />

Assim, buscamos apreender o sentido da Educação Especial e da Deficiência Mental,<br />

segundo os eixos de análise, no discurso dos profissionais da equipe técnica da instituição<br />

especial.<br />

Optamos por analisar o discurso dos profissionais por considerarmos que uma<br />

mudança no sentido de implementar um perfil educacional, necessariamente incide sobre a<br />

atuação destes, dada a centralidade do papel desempenhado pelas equipes técnicas nas<br />

instituições especiais. Outro aspecto é a indicação da necessidade do redimensionamento do<br />

trabalho das equipes multidisciplinares das instituições especiais, priorizando o atendimento<br />

pedagógico em detrimento do clínico e psicopedagógico (FENAPAES, 2001).<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 199-2<strong>13</strong> <br />

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O conhecimento dos sentidos das dimensões da realidade se deu por meio da análise<br />

das concepções dos profissionais que vivenciam e que compõem o cotidiano institucional<br />

acerca de suas experiências profissionais, principalmente no que se refere ao seu papel na<br />

construção do trabalho pedagógico. Optamos, então, por adotar a Análise de Discurso como<br />

procedimento de investigação das concepções dos profissionais, conforme proposto por<br />

Orlandi (2003), por conceber<br />

“a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social.<br />

Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade<br />

quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive. O<br />

trabalho simbólico do discurso está na base da produção da existência humana”.<br />

(Orlandi, 2003: 15)<br />

Por outro lado, dependendo dos procedimentos de investigação adotados, o discurso<br />

poderia apenas reproduzir aspectos presentes nos discursos oficiais e institucionais acerca das<br />

dimensões de análise Educação Especial e Deficiência Mental. Deste modo, optou-se por<br />

apreender as concepções adotando o procedimento da entrevista recorrente (Meletti, 1997;<br />

2003) na qual foi solicitado a cada participante que falasse sobre seu trabalho, a partir da<br />

indicação: "gostaria que você me falasse um pouco sobre o seu trabalho, sobre o que você<br />

quiser me contar a respeito de seu papel aqui na instituição”.<br />

Participaram do estudo a diretora da instituição, a coordenadora do setor escolar, uma<br />

psicóloga, uma assistente social, uma terapeuta ocupacional, uma fisioterapeuta e uma<br />

fonoaudióloga, responsáveis pelo trabalho desenvolvido na instituição como um todo.<br />

As entrevistas foram registradas em áudio gravador, o que possibilitou a transcrição<br />

integral de seu conteúdo. Após a transcrição das entrevistas foi feita a textualização do relato<br />

oral, com o objetivo de deixar o texto mais compreensível, sem aspectos da linguagem oral<br />

que ao serem transcritos podem tornar o texto ilegível para quem não tem acesso ao relato<br />

original.<br />

Em seguida, os relatos foram organizados em um caderno de trabalho de acordo com<br />

os diferentes assuntos abordados na primeira entrevista, para que pudessem ser apresentados<br />

aos participantes nos encontros posteriores. O referido caderno teve como objetivo a<br />

reapresentação cumulativa dos conteúdos para que cada participante tivesse a oportunidade de<br />

completar, incluir novas informações ou alterar as iniciais, explicar ou corrigir o que havia<br />

dito, dando assim continuidade ao tema inicialmente proposto. A reapresentação foi feita<br />

oralmente de forma que os conteúdos do encontro anterior fossem narrados ao participante e<br />

este pôde interromper a narração quando achou conveniente.<br />

Após a apresentação do conteúdo do caderno, quando o participante não teve mais<br />

nada a acrescentar, foi solicitado a ele que relacionasse seu trabalho com o trabalho<br />

pedagógico da escola analisando em que medida um sustenta o outro.Cada sessão de<br />

entrevista foi encerrada quando o participante disse não ter mais o que falar.<br />

O procedimento de coleta do material empírico – entrevista recorrente – auxiliou de<br />

forma preponderante a análise dos relatos. A organização dos relatos que possibilitaram a<br />

seqüência das entrevistas, também foi responsável pelo agrupamento dos conteúdos para<br />

posterior análise.<br />

Primeiramente, os relatos foram divididos em falas.<br />

As falas podem ser constituídas por uma ou mais palavras, expressões e frases. Foram<br />

formadas a partir das entrevistas, tendo como base os assuntos tratados por cada participante,<br />

e selecionadas de acordo com sua pertinência com o interesse do estudo.<br />

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Posteriormente, foram realizadas sucessivas leituras das entrevistas e das falas<br />

selecionadas (tendo sempre a transcrição da entrevista na íntegra como suporte) com o<br />

objetivo de identificar os temas dominantes a partir do exame dos dados e de sua<br />

contextualização. Vale ressaltar que os temas não foram elaborados a priori, eles<br />

representaram os diversos assuntos discutidos por cada um participantes. Os temas<br />

dominantes foram: Estrutura e organização institucional; Caracterização dos alunos; Atuação<br />

profissional; Critérios de avaliação dos alunos; Critérios de agrupamento dos alunos;<br />

Atendimento às famílias; Relação com a comunidade; Encaminhamento dos alunos para<br />

outras instâncias sociais.<br />

Identificados os temas, selecionou-se e agrupou-se as falas pertinentes a cada um<br />

deles. Este procedimento foi realizado para cada um dos temas tratados por cada participante.<br />

O passo seguinte foi a construção de um dispositivo de interpretação que, segundo<br />

Orlandi (2003: 59):<br />

“tem como característica colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em<br />

um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de<br />

outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz mas que<br />

constitui igualmente os sentidos de suas palavras”.<br />

Para isso, a mediação teórica é essencial, já que “não há análise de discurso sem a<br />

mediação teórica permanente, em todos os passos da análise, trabalhando a intermitência entre<br />

descrição e interpretação que constituem, ambas, o processo de compreensão do analista”<br />

(Orlandi, 2003:62).<br />

Buscou-se, então, apreender o sentido das dimensões Educação Especial, Instituição<br />

Especial e Deficiência Mental, segundo cada um dos eixos de análise propostos, no discurso<br />

dos profissionais que participaram do estudo.<br />

Este procedimento permitiu apreender os mecanismos utilizados pela instituição<br />

especial para se adequar às exigências legais e normativas no sentido de assumir a educação<br />

escolar como eixo central de seu trabalho, conforme será apresentado a seguir.<br />

3. Resultados e dicussão: os sentidos e os mecanismos presentes na reestruturação da<br />

Instituição Especial<br />

Na análise do discurso dos profissionais da instituição, é possível o entendimento de<br />

que a Educação Especial é uma modalidade de ensino a ser ofertada pela instituição especial<br />

a pessoas com deficiência mental. Não há referência quanto ao papel da instituição especial<br />

como instância educacional destinada a substituir a escola regular em casos extraordinários<br />

nos quais se evidenciassem a falta de condições desta em lidar com as especificidades dos<br />

alunos.<br />

No entanto, na ausência da referência explícita, no silenciamento, podemos apreender<br />

a concepção de Educação Especial, à medida que “há um modo de estar em silêncio que<br />

corresponde a um modo de estar no sentido” (Orlandi, 1995:11). Outros aspectos que<br />

compõem a forma como a educação especial é concebida estão implícitos no “silêncio” dos<br />

profissionais.<br />

A ausência de uma definição de educação especial permite concluir que esta é<br />

concebida como sinônimo do trabalho desenvolvido na escola especial. A apreensão deste<br />

significado é possível nos discursos dos profissionais.<br />

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“(...) o que é importante estar colocando é que você está em uma escola, escola de<br />

educação especial ... que é mantida pela associação de pais e amigos dos excepcionais.<br />

E essa escola então coloca em prática a filosofia dessa associação que é oferecer uma<br />

educação para pessoas portadoras de deficiência mental.” (Coordenadora Pedagógica)<br />

Poderíamos inferir que “uma escola de educação especial” significasse a concepção de<br />

modalidade de ensino, como se estivéssemos diante da afirmação “uma escola de educação<br />

infantil”, mas o resgate da constituição histórica da educação especial brasileira não sustenta<br />

tal inferência.<br />

A educação de pessoas com deficiência mental no Brasil se constituiu de modo<br />

paralelo à educação geral, circunscrita prioritariamente a instituições especiais que<br />

sustentavam, via de regra, um trabalho de reabilitação e assistencialista em detrimento ao<br />

educacional. O caráter de substituição da escola regular sempre esteve presente,<br />

principalmente por omissão do Estado em implementar a educação das pessoas com<br />

deficiência mental em instâncias regulares de ensino. A identificação da instituição especial<br />

com uma escola de educação especial conserva esta condição historicamente construída. E o<br />

que significa ser uma escola de educação especial<br />

“O que diferencia muito a escola especial é o fato dela oferecer um atendimento global,<br />

a gente acaba atendendo todas as áreas. Isso faz toda diferença.” (Fisioterapeuta)<br />

Atendimento caracterizado pela junção das áreas da saúde, da assistência social e da<br />

educação e pela presença da deficiência mental como eixo central do trabalho, em uma<br />

perspectiva de atuação que objetiva suprir déficits. Neste sentido, a especificidade da<br />

educação especial passa a ser entendida como a oferta, por parte de instituição especial, de<br />

serviços não pedagógicos. A especificidade se manifesta no entendimento de que tais serviços<br />

permitem, por minimizarem os efeitos da deficiência, que o trabalho pedagógico seja<br />

implementado.<br />

Nesta perspectiva de educação especial, o agrupamento das diferentes áreas na<br />

chamada equipe técnica e o trabalho por ela desenvolvido não são considerados como apoio<br />

ao trabalho pedagógico, mas sim a condição de sua realização. Aí reside a especificidade da<br />

educação especial e a distinção entre o que a instituição especial e a escola regular podem<br />

oferecer ao aluno com deficiência mental.<br />

Além disso, a ênfase na junção de diferentes áreas como condição para o trabalho<br />

pedagógico aponta para a concepção de educação especial como trabalho assistencial e<br />

clínico. Isso denota o entendimento de que educação especial e instituição especial sejam<br />

sinônimos.<br />

Outro aspecto a ser considerado na busca da especificidade do trabalho educacional<br />

que justifique a substituição da escola comum pela instituição especial é a flexibilização e as<br />

adaptações curriculares.<br />

De acordo com as análises tecidas, a flexibilização curricular é entendida pelos<br />

profissionais como respeito ao tempo de aprendizagem do aluno.<br />

“Não tenho uma proposta diferenciada, a nível de currículo a nossa proposta é a mesma,<br />

as metodologias são as mesmas ... lógico que o que diferencia é o tempo de<br />

aprendizagem do nosso aluno. Então o professor tem que estar sempre alerta em relação<br />

ao tempo de aprendizagem do aluno e utilizando ... estratégias diferentes mesmo, que<br />

essa habilidade não é só do professor de educação especial, ela tem que ser do<br />

professor.” (Coordenadora Pedagógica)<br />

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Nesse sentido, a especificidade da educação especial é a condição de deficiência<br />

mental. Ignorando outras especificidades que pudessem justificar a substituição da escola<br />

comum pela especial.<br />

Por outro lado, quando o foco da discussão é o aluno com maior comprometimento, a<br />

flexibilização curricular assume um outro sentido: o de redução e de substituição de objetivos.<br />

“Os alunos severos, que estão caminhando dentro da escolaridade com atividades que<br />

dizem respeito à sua independência, que eles têm essa dificuldade, ... a nível de ciências<br />

vão estudar vários outros aspectos dentro das ciências, eles vão estudar a sua<br />

independência, o seu corpo, quais são as partes, vão aprender a cuidar dessas partes, a<br />

escovar os dentes, porque que é importante escovar os dentes, a pentear o cabelo, limpar<br />

a cabeça para não pegar piolho, a se limpar direito para não ficar com infecção, a tomar<br />

seu banho. Então, assim... esse lado terapêutico é aliado ao educacional também. Então,<br />

dentro da escolaridade em nenhum momento a gente desvincula esse aprendizado:<br />

ocupacional e educacional.” (Coordenadora Pedagógica)<br />

No que se refere à certificação por terminalidade específica, a análise dos dados<br />

permite concluir que tal recurso é utilizado na ocasião do encaminhamento do aluno para<br />

instâncias regulares de ensino ou de reabilitação. Contudo, o que pôde ser apreendido é que a<br />

certificação refere-se mais ao grau de comprometimento do aluno do que explicita “as<br />

habilidades e competências desenvolvidas pelos educandos portadores de deficiência mental”<br />

(FENAPAES, 2001:31). Assim, temos a certificação comprovando que o aluno não tem grau<br />

de comprometimento acentuado. Mais uma vez, podemos apreender a especificidade da<br />

educação especial concebida como a condição do aluno com deficiência mental.<br />

Se entendemos que a certificação da terminalidade específica deveria ser um recurso<br />

utilizado em situações de encaminhamento dos alunos com deficiência mental para outras<br />

instâncias educacionais ou de trabalho, a sua ausência, nesse sentido, indica o quanto é uma<br />

prática pouco comum na Instituição Especial. Isso denota a concepção da educação especial<br />

como uma modalidade de ensino a ser oferecida extraordinariamente na escola comum, cuja<br />

especificidade reside na condição de deficiência mental e que está circunscrita ao trabalho<br />

institucional.<br />

A educação especial como uma modalidade de ensino que pode ser ofertada na<br />

instituição especial privada, de caráter filantrópico, da forma como está funcionando,<br />

confirma o status de locus da deficiência mental, já que a legitima como uma instância<br />

educacional sem alterar sua estrutura, seu funcionamento, enfim, seu cotidiano.<br />

No que se refere à Deficiência Mental, a APAE atende pessoas com deficiência mental<br />

com grau de comprometimento moderado e severo, atestado pela equipe técnica no processo<br />

de avaliação de triagem. Não há referências às necessidades educacionais especiais e aos<br />

níveis de apoio. Mais uma vez, no silenciamento temos implícitos os sentidos.<br />

Bueno (1997b) ao se referir ao termo necessidades educacionais especiais e à sua<br />

imprecisão, alerta para a necessidade de acrescentar o tipo de sujeitos ao qual estamos nos<br />

referindo. Ou seja, ao termo necessidade educacional especial é acrescentado uma definição<br />

que não rompe com a concepção de associação dos déficits intelectual e comportamental. O<br />

déficit intelectual significativamente abaixo da média mantém a mensuração do quociente de<br />

inteligência como o eixo central de definição da deficiência; o déficit no comportamento<br />

adaptativo mantém o entendimento de comparação a um determinado grupo padrão cujo<br />

repertório comportamental seja condizente com determinada faixa etária; o grau de<br />

afastamento destes padrões é a indicação do grau de comprometimento. Nisso não há nada de<br />

novo.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 199-2<strong>13</strong> <br />

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Mendes (1994) e Jannuzzi (1994) apontam que a associação entre déficit intelectual e<br />

comportamental é um traço comum, presente de algum modo, em todas as formas de<br />

conceituar a deficiência mental.<br />

Contudo, o termo deficiência mental quando associado ao de necessidades<br />

educacionais especiais, pode nos remeter a conceitos anteriores, como acontece na APAE, ao<br />

definir que o aluno elegível para freqüentar a escola especial é aquele que apresenta<br />

comprometimento mental moderado e severo. O que revela mais do que graus de<br />

comprometimento.<br />

Na análise dos dados empíricos da pesquisa, verificou-se a indicação de que todas as<br />

pessoas com deficiência mental com grau de comprometimento moderado e severo são<br />

elegíveis para a instituição especial. Também foi possível apreender que a deficiência mental<br />

é analisada a partir dos déficits dos alunos e é entendida como uma condição que apresenta<br />

peculiaridades que demandam atendimento especializado de saúde, de educação, de<br />

reabilitação e de assistência social. Os sentidos de imaturidade e de dependência da pessoa<br />

com deficiência mental como características inerentes à condição estão presentes, de<br />

diferentes formas, nos discursos de todos os profissionais. Soma-se a isso, as premissas do<br />

assistencialismo e da filantropia que sustentam o entendimento de que lidar com esta condição<br />

de deficiência mental é algo que só a Instituição Especial faz e pode fazer.<br />

A crença na dependência da pessoa com deficiência mental está presente no<br />

entendimento de que o deficiente não tem autonomia para lidar com situações básicas de sua<br />

vida (alimentação, higiene pessoal), o que é coerente com alguns níveis de comprometimento.<br />

Por outro lado, ela se expressa na compreensão de que esta condição impede a pessoa de atuar<br />

no cotidiano, independentemente do grau de comprometimento.<br />

“Porque, o que é que acontece Os nossos alunos não vão chegar numa chefia e falar: o<br />

professor não está dando nada eu estou vendo revistas 4h, eu estou só pintando... Então,<br />

felizmente ou infelizmente esse é o meu padrão. Eu tenho que ser os olhos, os ouvidos e<br />

a reivindicação dos nossos alunos. Porque o professor fecha a porta dele e lá ele dá o que<br />

quer. E ele pode me mostrar um planejamento belíssimo, mas e daí Porque realmente<br />

os nossos alunos eles não vão reivindicar.” (Coordenadora Pedagógica)<br />

Esta forma de conceber a deficiência mental acentua “a sua subordinação aos outros,<br />

esmaecendo a própria identidade, tornando-o até aquele que precisa emprestar a voz de<br />

outrem para se fazer ouvir” (Jannuzzi, 1994: 22).<br />

A crença na imaturidade e na permanência de uma condição intelectual e<br />

comportamental infantilizada também pôde ser apreendida. Destaca-se a ênfase na utilização<br />

de parâmetros curriculares da educação infantil como referência, inclusive, para os alunos dos<br />

níveis escolares mais adiantados; a utilização de atividades pré-escolares baseadas mais no<br />

nível cognitivo do que a faixa etária do aluno; a referência constante às “crianças” da escola<br />

mesmo para designar pessoas com 19, 20 anos.<br />

A infantilização do deficiente mental não está circunscrita a esta instituição especial.<br />

Estudos realizados por Glat (1989), Ferreira (1994), entre outros, apontam para a intensa<br />

infantilização da pessoa com deficiência mental no âmbito institucional.<br />

Diante do exposto é possível verificar que a deficiência mental é concebida a partir do<br />

rótulo de deficiente, fazendo com que as possibilidades e as potencialidades do aluno sejam<br />

desconsideradas e, acima de tudo, fazendo com que a pessoa não seja considerada para além<br />

de sua deficiência. Daí decorre o entendimento de que a permanência na instituição especial é<br />

imprescindível, pois este é seu locus social.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 199-2<strong>13</strong> <br />

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Além disso, é possível apreender que a inalteração do modo de conceber a deficiência<br />

mental explicita a conservação velada, visto que as concepções analisadas sustentam a crença<br />

na impossibilidade de estruturar outro trabalho que não o já instituído, ou seja, a<br />

impossibilidade de educar esta população. Daí a ênfase na reabilitação em detrimento da<br />

educação e o entendimento de que aquela é condição para esta.<br />

Nesse sentido, cabe sintetizar que a aparente transformação sustentada pela construção<br />

de uma escola na instituição especial, esconde a conservação do espaço institucional como<br />

específico para educar a pessoa com deficiência. Tal conservação é sustentada por três<br />

mecanismos, dos quais trataremos a seguir.<br />

3.1. Apropriação do discurso oficial<br />

A educação especial é apresentada como uma modalidade de ensino. Contudo, o<br />

sentido de modalidade de ensino que perpassa todos os níveis e demais modalidades da<br />

educação básica regular, na instituição especial é invertido: trata-se da escola de educação<br />

especial, que oferece todos os níveis e modalidades de ensino necessários à pessoa com<br />

deficiência mental.<br />

Soma-se a isso a apropriação do discurso de pedagogização da instituição especial,<br />

mesmo quando fica evidente seu caráter reabilitador. A instituição especial é apresentada<br />

como escola que contribuirá para atingir a meta de educação para todos mesmo sem conseguir<br />

oferecer a escolarização básica aos seus alunos.<br />

3.2. Reinterpretação das normas<br />

A flexibilização curricular é apoiada em dois eixos: extensão do tempo de ensino de<br />

um mesmo conteúdo e, principalmente, redução/eliminação dos conteúdos e dos objetivos que<br />

compõem o currículo básico da escola regular. Com isso, cria-se o espaço propício para que<br />

os treinos de atividades de vida diária se tornem a adaptação do conteúdo de ciências; o<br />

treinamento básico de adolescentes por meio de atividades ocupacionais seja a flexibilização<br />

da preparação para o trabalho.<br />

A certificação da terminalidade específica é incorporada no processo de avaliação dos<br />

alunos para definir quais níveis ou setores da própria instituição especial freqüentará.<br />

Considerando que os poucos encaminhamentos escolares são para pré-escola e para funções<br />

que não exigem certificação de escolaridade no mercado de trabalho, perceberemos que esta<br />

certificação não corresponde à letra da lei.<br />

3.3. Reorganização estrutural formal e aparente da instituição especial<br />

A alteração do trabalho da equipe técnica se mostra como uma reorganização aparente,<br />

uma vez que a mudança não alavancou a pedagogização da instituição especial e não<br />

redimensionou o atendimento clínico. É necessário ressaltar que o espaço ocupado pelos<br />

atendimentos clínicos engendrou e foi engendrado na ausência do pedagógico e no caráter de<br />

reabilitador em detrimento do educacional, ambos construídos historicamente. Ademais, o<br />

caráter reabilitador não reside apenas no atendimento clínico, visto que o pedagógico também<br />

se estrutura nesse sentido, como demonstrou o trabalho da pedagoga na estimulação precoce<br />

da instituição especial estudada.<br />

Além disso, a não pedagogização da instituição especial se sustenta na crença<br />

arraigada de que a pessoa com deficiência mental não tem condições de se apropriar de<br />

conteúdos educacionais formais. O pedagógico, portanto, não tem espaço na educação de uma<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 199-2<strong>13</strong> <br />

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população que, acredita-se, não tem condições de aprender. Daí a centralidade da equipe<br />

técnica.<br />

A retirada do atendimento clínico e a alocação de profissionais não docentes em sala<br />

de aula não garante a priorização do pedagógico, porém subsidia o reconhecimento da<br />

instituição especial como escola do sistema regular de ensino. Mesmo não oferecendo aquilo<br />

que a escola comum não oferece. Ou seja, a educação da pessoa com deficiência mental é<br />

reduzida à educação especial. A instituição não oferece mais que a escola comum poderia<br />

oferecer (educação comum + apoios, adaptações), ela oferece menos. Sua pseudo<br />

pedagogização não é suficiente para colocar o pedagógico como eixo central do trabalho<br />

educacional, mas o é para seu reconhecimento como instância responsável pela educação da<br />

pessoa com deficiência mental.<br />

4. Considerações finais<br />

Destacamos que na concretude da instituição especial as políticas de educação especial<br />

favorecem sua conservação como locus social da pessoa com deficiência mental. Isso é<br />

reiterado pelo reconhecimento da instituição como escola do sistema regular de ensino.<br />

Mereceram destaque os mecanismos utilizados pela instituição especial para, com aparência<br />

de mudança instituída, conservar o que estava posto. Todo esse movimento reitera a<br />

manutenção de três esferas:<br />

4.1. A manutenção da pessoa com deficiência mental no âmbito da filantropia<br />

Manter a pessoa com deficiência mental em tal âmbito significa, acima de tudo,<br />

mantê-la na condição de não cidadania. Ozouf (1989:727) nos mostra em sua análise acerca<br />

do princípio tríplice liberdade, igualdade, fraternidade que “as duas primeiras são direitos e a<br />

terceira é uma obrigação moral”. A filantropia, sustentada nos princípios iluministas,<br />

transforma direito em uma concessão. É nesse sentido que se sustenta a condição de não<br />

cidadania.<br />

Soma-se a isso que o âmbito da filantropia, neste caso, está circunscrito ao espaço da<br />

instituição especial e isso favorece de modo preponderante o descompromisso e a omissão do<br />

Estado, que cada vez mais requisita a “parceria” deste tipo de instituição, haja vista o caráter<br />

assistencialista e caritativo de suas ações.<br />

A omissão do Estado em favor do trabalho institucional revela também a<br />

indisponibilidade de investimento efetivo em um grupo que, acredita-se, não tem condição de<br />

dar o retorno desejado. Para as pessoas com deficiência mental, então, a filantropia, a<br />

caridade, o assistencialismo.<br />

A crença na total dependência do deficiente também sustenta esta análise. Se a pessoa<br />

com deficiência mental não tem condições de se valer nas esferas mais elementares de sua<br />

vida, só poderá conquistar e usufruir de seus direitos por meio do outro ou da instituição.<br />

Outro aspecto da manutenção da pessoa com deficiência mental no âmbito da<br />

filantropia que denota o caráter conservador das (pseudo) transformações é o entendimento de<br />

que o direito à educação está garantido ao deficiente no reconhecimento da instituição<br />

especial como uma escola regular. Mas, como a conservação está posta, tal direito não está<br />

garantido e o caráter filantrópico e assistencialista da instituição especial permanece<br />

inalterado, com apoio decisivo do Estado.<br />

4.2. A indistinção entre reabilitação e educação e o não acesso a processos efetivos de<br />

escolarização<br />

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Como foi analisado anteriormente o discurso dos profissionais indica o objetivo de<br />

construir um perfil educacional formal na instituição especial, mas a não implantação de uma<br />

prática efetivamente escolar é o que se evidencia.<br />

Mantendo a coerência com as concepções de deficiência mental e de educação<br />

especial, a reabilitação da pessoa com deficiência mental é considerada a condição para sua<br />

educação em função do entendimento de que a redução dos danos e dos déficits da deficiência<br />

é pré-requisito para aprendizagem. O que corrobora a crença na impossibilidade de educar<br />

esta pessoa, já que sua necessidade especial é, acima de tudo, motora, fonoarticulatória,<br />

emocional, psicopedagógica, assistencial... Isso faz com que o trabalho educacional seja<br />

concebido como a reabilitação, o que reitera a instituição especial como o único espaço onde<br />

esta pessoa pode ser atendida, já que na escola este atendimento global e especializado não<br />

existe.<br />

Com o reconhecimento da instituição especial como parte do sistema regular de<br />

ensino, o que está garantido à pessoa com deficiência mental é o não acesso a processos<br />

efetivos de escolarização, nem na instituição, nem fora dela. Isso é justificado pela própria<br />

deficiência mental do aluno, pois que sua inserção em processos de escolarização está<br />

condicionada à sua normalização. Assim, ele terá acesso à educação à medida que for se<br />

tornando menos deficiente.<br />

4.3. Manutenção da condição segregada da pessoa com deficiência mental na instituição<br />

especial “inclusiva”<br />

O reconhecimento da instituição especial como escola regular é considerado, inclusive<br />

pela FENAPAES, como uma contribuição das APAEs para que o Estado cumpra com o seu<br />

compromisso de oferecer Educação para Todos. Nesta “parceria”, a instituição especial<br />

engrossa as estatísticas de todos na escola, já que os dados institucionais, antes computados<br />

como “outros atendimentos” hoje se encontram diluídos nos diferentes níveis e modalidades<br />

de ensino, sem a especificação do atendimento especializado.<br />

Além disso, tal reconhecimento reitera a segregação na medida em que “oferece”<br />

todos os níveis e modalidades de ensino.<br />

Assim sendo, não faz sentido encaminhar o aluno com deficiência mental para a<br />

escola comum se na instituição ele tem acesso a todos atendimentos. Também não faz sentido<br />

que a escola comum precise se estruturar para receber o aluno com deficiência mental se<br />

existe um local reconhecidamente estruturado para atendê-lo.<br />

Nesse ponto é preciso enfatizar que a manutenção da segregação está posta inclusive<br />

para aqueles alunos que conseguirem avançar até o hipotético conteúdo básico do ensino<br />

fundamental. Nesse caso, sua “produtividade intelectual” sustenta o reconhecimento e o<br />

conseqüente financiamento da instituição escola. Ou seja, a escola precisa dos alunos<br />

produtivos para se manter como escola. Mesmo sendo reconhecida pelo trabalho<br />

desenvolvido com a minoria de seus alunos. Isso é a porta de entrada para alunos com<br />

necessidades educacionais especiais encaminhados pela escola comum em função de<br />

problemas de aprendizagem, comportamento etc.<br />

Desse modo, a instituição especial ao ser reconhecida como escola da rede regular de<br />

ensino colabora com a estatística da Educação para Todos, que mantém o aluno com<br />

deficiência mental longe da escola comum, pode ser reconhecida como “inclusiva”. Em tal<br />

reconhecimento temos a consolidação de seu caráter totalitário, visto que a pseudo educação<br />

escolar garante sua condição de locus social da deficiência mental. Por outro lado, aqui reside<br />

a contradição: para se manter precisa ser reconhecida como escola semelhante à comum, mas<br />

para manter a pessoa com deficiência mental institucionalizada não pode se assemelhar ao<br />

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ponto de possibilitar que a escola comum seja igual a ela, pois se isso ocorrer não teríamos a<br />

necessidade da instituição especial para educar esta população. Em suma, tem que se<br />

estruturar como escola sem deixar de ser a Instituição Especial.<br />

Embora se perceba uma tendência conservadora nas mudanças implementadas, foi<br />

possível apreender a existência de espaços favorecedores do acirramento das contradições<br />

necessárias às transformações.<br />

Há um desconforto dos profissionais com o novo papel que lhes foi imposto<br />

institucionalmente e que é acompanhado pelo sentido da necessidade de mudança e da<br />

expectativa de sua ocorrência.<br />

Este sentimento é captado tanto no desconforto com que falam dos seus papéis frente<br />

às novas demandas quanto na perspectiva crítica que imprimem às suas reflexões sobre suas<br />

práticas, sejam as antigas ou as novas.<br />

Cabe resgatar que os profissionais da equipe técnica, submersos nesse momento de<br />

transição institucional, se vêem sem alternativas que não tentar implementar uma nova prática<br />

que lhes foi imposta sem que fossem consultados, que não teve suporte institucional em seus<br />

desdobramentos e que foi sendo gradativamente suspensa à medida que o processo foi<br />

gerando contradições e conflitos. Contudo, este processo imprime nos profissionais um<br />

caráter de incompetência, atribuindo a eles o fracasso da nova prática e fazendo com que o<br />

estigma da deficiência com sua caracterização de ineficiência e improdutividade se estenda<br />

aos profissionais da instituição especial.<br />

Por outro lado, o desconforto, a crítica e perspectiva de mudança propiciam o<br />

surgimento de conflitos que se trabalhados no sentido inverso poderão favorecer a<br />

transformação desejada.<br />

A transformação será possível na medida em que os conflitos e as contradições<br />

desencadeados forem direcionados para uma ruptura dos condicionantes históricos de<br />

ineducabilidade da pessoa com deficiência mental. Para isso, é necessário que as<br />

transformações incidam sobre outros espaços sociais que não os institucionais. Ou seja, é<br />

preciso uma política e um Estado que não favoreçam exclusivamente as instituições especiais<br />

em detrimento da consolidação da educação desta população em outras instâncias<br />

educacionais.<br />

Nesse sentido, considero que não se trata de um processo de inclusão, mas sim de<br />

recuperar a busca de uma escola verdadeiramente democrática. Isto porque, conforme Bueno,<br />

não se pode deixar de considerar<br />

“que a perspectiva de inclusão exige, por um lado, modificações profundas nos<br />

sistemas de ensino; que estas modificações [...] demandam ousadia, por um lado e<br />

prudência por outro; - que uma política efetiva de educação inclusiva deve ser<br />

gradativa, contínua, sistemática e planejada, na perspectiva de oferecer às crianças<br />

deficientes educação de qualidade; e que a gradatividade e a prudência não podem<br />

servir para o adiamento “ad eternum” para a inclusão [...] mas [...] devem servir de base<br />

para a superação de toda e qualquer dificuldade que se interponha à construção de uma<br />

escola única e democrática.” (Bueno, 2001: 27)<br />

Ainda que a inserção das pessoas com deficiência mental na escola comum não<br />

signifique a ruptura com sua condição de segregação social; ainda que os desafios de sua<br />

educação não se esgotem no âmbito escolar; ainda assim a educação se configura como<br />

espaço fundamental para a constituição da vida e para o exercício dos direitos dessas pessoas.<br />

Outro elemento a ser destacado é a necessidade da reflexão acerca do fenômeno da<br />

deficiência mental e de todos os conceitos e preconceitos construídos socialmente no sentido<br />

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de evidenciar suas limitações e imperfeições como condição para construir uma nova rede de<br />

significações em torno da pessoa com deficiência mental. Conforme Amaral (1998:26), “a<br />

questão conceitual pode encaminhar novas formas de interação humana, uma vez que se<br />

ponham a descoberto os aspectos intimamente vinculados à desvantagem, especialmente em<br />

sua vertente social”.<br />

Esses são os pontos que elejo, a partir desta pesquisa, necessários para evidenciar as<br />

estratégias de conservação da instituição especial como locus social da deficiência mental em<br />

nossa sociedade e para aprofundar buscando captar os possíveis impactos transformadores<br />

acerca do desenvolvimento escolar da pessoa com deficiência mental.<br />

5. Referências bibliográficas<br />

Amaral, L.A. (1998). Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas,<br />

preconceitos e sua superação. Em: Aquino, J. G. (org.) Diferenças e preconceitos na escola:<br />

alternativas teóricas e práticas (pp. 11-32). São Paulo: Summus.<br />

Brasil. (1946). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal.<br />

Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal.<br />

Brasil. (2001). Conselho Nacional de educação. Câmara de Educação Básica. Resolução, de<br />

11 de setembro de 2001. Diretrizes nacionais para educação especial na educação básica.<br />

Brasília.<br />

Brasil. MEC. INEP. (1996). LDBEN 9394/96 que estabelece as Diretrizes e bases da<br />

educação nacional. Brasília.<br />

Bueno, J.G. (1997a). A produção social da identidade do anormal. Em: Freitas, M.C. (org.)<br />

História social da infância no Brasil. (pp. 159-182). São Paulo: Cortez Editora.<br />

Bueno, J.G. (1997b). Práticas institucionais e a exclusão social da pessoa deficiente. Em:<br />

Educação Especial em Debate. (pp. 37-54). Conselho Regional de Psicologia. São Paulo:<br />

Casa do Psicólogo.<br />

Bueno, J.G. (2001). A inclusão de alunos deficientes nas classes comuns do ensino regular.<br />

Temas em Desenvolvimento, 14 (9), 21-27.<br />

Cambaúva, L. (1988). Análise das bases teórico-metodológicas da educação especial.<br />

Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade<br />

Católica de São Paulo, São Paulo.<br />

CORDE - Conferência Mundial Sobre Necessidades Educacionais Especiais. (1994).<br />

Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília,<br />

CORDE.<br />

FENAPAES. (2001). APAE educadora - a escola que buscamos: proposta orientadora das<br />

ações educacionais. Brasília: FENAPAES.<br />

Ferreira, M.C.C. (1994). A prática educativa e a concepção de desenvolvimento psicológico<br />

de alunos com deficiência mental. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em<br />

Educação, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.<br />

Glat, R. (1989). Somos iguais a vocês: depoimentos de mulheres com deficiência mental. Rio<br />

de Janeiro: Agir.<br />

Jannuzzi, G.S.M. (1994). Escola e trabalho do considerado “deficiente”. Em: Anais do II<br />

Seminário sobre educação especial: profissionalização e deficiência. (pp. 19-28). Faculdade<br />

de Educação, Universidade de Campinas, Campinas.<br />

Jannuzzi, G.S.M. (1997). As políticas e os espaços para a criança excepcional. Em: Freitas,<br />

M. C. (org.) História social da infância no Brasil. (pp. 183-224) São Paulo: Cortez Editora.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 199-2<strong>13</strong> <br />

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Meletti, S.M.F. (1997). O significado do processo de profissionalização para o indivíduo com<br />

deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação<br />

Especial, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.<br />

Meletti, S.M.F. (2003). O relato oral como recurso metodológico em educação especial. Em:<br />

Marquezine, M.C.; Almeida, M.A. e Omote, S. Colóquios de pesquisa em educação especial.<br />

Londrina: EDUEL.<br />

Mendes, E.G. (1994). Deficiência mental: a construção científica de um conceito e a realidade<br />

educacional. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Instituto de<br />

Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.<br />

Orlandi, E.P. (1995). As formas do silêncio no movimento dos sentidos. 3ª ed. Campinas:<br />

Editora da UNICAMP.<br />

Orlandi, E.P. (2003). Análise de discurso: princípios e procedimentos. 5ª ed. São Paulo:<br />

Pontes.<br />

Ozouf, M. (1989). Fraternidade. Em: Furet, F. e Ozouf, M. Dicionário crítico da revolução<br />

francesa. (pp. 718-728). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.<br />

Silva, A.G. (1995). O movimento apaeano no Brasil: um estudo documental (1954-1994).<br />

Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade<br />

Católica de São Paulo, São Paulo.<br />

UNESCO. (1990). Declaração mundial de educação para todos. Plano de ação para satisfazer<br />

as necessidades básicas de aprendizagem.Tailândia.<br />

Nota<br />

(1) Por solicitação da direção da instituição, o nome e a cidade onde está localizada a Escola<br />

não serão divulgados. A escola especial onde a pesquisa foi realizada será denominada no<br />

trabalho “APAE” e estará destacada em itálico.<br />

- S.M.F. Meletti é Doutora em Psicologia (Instituto de Psicologia – Universidade de São<br />

Paulo, IP-USP). Atua como Docente do Departamento de Educação e do Programa de Pós-<br />

Graduação em Educação (UEL). Endereço para correspondência: Rua Maria Munaretto<br />

Mathias, 203, Londrina, PR 86047690. E-mail para correspondência: meletti@uel.br.<br />

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Artigo Científico<br />

Da marginalidade à inclusão: a socialização através da educação<br />

no Presídio de Araguaína (TO)<br />

From marginalization to inclusion: the socialization through the education in Araguaína’s<br />

Maximum Security Prison<br />

Luiza Helena Oliveira da Silva , Francisco Neto Pereira Pinto e Kátia Cristina<br />

Custódio Ferreira Brito<br />

Universidade Federal do Tocantins, Campus de Araguaína, Araguaia, Tocantins, Brasil<br />

Resumo<br />

O presente trabalho discute a experiência educativa desenvolvida no presídio de segurança<br />

máxima de Araguaína, norte do Tocantins. Utiliza como subsídio teórico a Análise do Discurso<br />

Francesa (AD), definindo como objetivos a análise das representações e expectativas em torno<br />

da escolarização por parte de alunos sob custódia e das propostas apresentadas pelo projeto<br />

que orienta as atividades docentes ali desenvolvidas. Como corpus, foram utilizados textos dos<br />

alunos custodiados e material relativo à formação continuada, módulo de Didática.<br />

Compreendida na perspectiva da reintegração social, a educação obedece às demandas legais<br />

referentes aos direitos de acesso à escolarização, ao mesmo tempo em que visa aos propósitos<br />

da ruptura com o processo de exclusão/marginalidade. A pesquisa aponta para os conflitos<br />

inerentes às práticas de educação de alunos sob custódia, identificando a distância entre o que<br />

se pretende como projeto para esse grupo social e o que se efetiva no cotidiano escolar. ©<br />

Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 214-230.<br />

Palavras-chave: educação; inclusão social; análise do discurso; estudantes sob<br />

custódia.<br />

Abstract<br />

This article aims to discuss an educational experience carried out in a maximum security<br />

prison in the north of the Brazilian state of Tocantins. It draws on French Discourse Analysis<br />

(DA), with a view to analyzing the representations and expectations surrounding schooling by<br />

learners in custody as well as the proposals put forward by the pedagogical project developed<br />

in the prison. Texts written by the students in custody and material related to their continuing<br />

education (Didactics module) have been used as corpora. In the context of, educational<br />

reintegration addresses the legal right to an education as well as the purposes of breaking the<br />

chains of exclusion and criminality. The present research focuses on the conflicts inherent to<br />

the educational practices of students in custody, identifying the distance between the objectives<br />

of the project for this social group and what effectively happens in the classroom. © Cien.<br />

Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 214-230.<br />

Keywords: education; social inclusion; discourse analysis; students in custody.<br />

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1. Introdução<br />

Este trabalho representa reflexões iniciais sobre a educação regular ministrada na<br />

unidade prisional de segurança máxima de Araguaína (TO). Constitui-se como uma das<br />

etapas do projeto Educação no presídio – um diálogo em torno da ressocialização educativa,<br />

inserido nas atividades relativas ao “Grupo de Estudo e Oficinas em Educação, Cidadania e<br />

Direitos Humanos”, projeto de extensão desenvolvido junto à Universidade Federal do<br />

Tocantins (UFT), a partir de 2006.<br />

Conforme textos dos módulos destinados à capacitação de docentes envolvidos no<br />

Projeto de Ressocialização Educativa no Tocantins (2006), na unidade prisional é oferecida a<br />

modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos), a qual prevê a oferta de uma educação<br />

regular com características e modalidades adequadas às necessidades de jovens e adultos<br />

(Artigo 4º, LDB). Nessa instituição, atuam como docentes egressos da UFT, o que nos levou a<br />

considerar a necessidade da universidade atentar para a formação de professores sensíveis às<br />

questões que a prática educativa de adultos sob custódia requer. O problema inicial que nos<br />

apresentamos diz respeito aos alunos previstos pelos cursos de graduação, voltando nosso<br />

olhar mais atentamente para o curso de Letras, no qual atuamos. O problema inicial que nos<br />

apresentamos diz respeito aos alunos previstos pelos cursos de graduação, voltando nosso<br />

olhar mais atentamente para o curso de Letras, onde atuamos. Os docentes que se formam na<br />

academia são estimulados a pensar sobre a educação na perspectiva inclusiva A universidade<br />

problematiza efetivamente as questões sociais que envolvem o universo escolar ou apenas<br />

orienta para técnicas e abordagens teóricas pretensamente neutras, concebendo uma escola<br />

homogênea e sem conflito A universidade leva em conta a heterogeneidade e a diferença<br />

Partindo da concepção enunciativa de Bakthtin, para quem toda interlocução se<br />

elabora mediante a antecipação de um interlocutor (Bakhtin, 1995: 112), consideremos que a<br />

práxis pedagógica inevitavelmente instala discursivamente um aluno, imaginariamente<br />

inscrito em uma dada classe social. Todo dizer se orienta para um outro, antecipando-o, o que<br />

faz com que sejam selecionados determinados temas, que sejam selecionados distintos modos<br />

de dizer. Nesse caso, para reverter a perspectiva de uma educação que serve aos propósitos da<br />

exclusão, o ensino para adultos sob custódia deve exigir uma perspectiva diferenciada<br />

Esse outro ao qual o sujeito se antecipa para poder elaborar o que/como dizer não é<br />

nunca um sujeito a-histórico, longe de uma dada representação social. As produções<br />

discursivas não partem, desse modo, de um vazio de sentido, mas de antecipações, de<br />

formulações que têm em vista uma construção imaginária da alteridade. O outro ao qual o<br />

enunciado se destina não está, pois, na exterioridade, fora do processo, mas constituindo-o,<br />

definindo o que pode e deve ser dito, sem ultrapassar, conforme Bakhtin, “as fronteiras de<br />

uma classe e de uma época bem definidas” (1995: 1<strong>13</strong>).<br />

Tendo em vista essas considerações, nosso dizer, nossa produção teórica, nossas<br />

formulações discursivas não são neutras, mas sempre se voltam para uma alteridade a ser<br />

construída e à qual nos antecipamos, conforme representações que dela fazemos ou<br />

representações social e historicamente produzidas. Nesse caso, é possível prever uma escola<br />

plural, que abriga sujeitos de diferentes classes, com diferentes formações, interesses,<br />

dificuldades, distintos saberes sobre a língua de prestígio e acesso aos bens culturais<br />

socialmente valorizados Pensemos a esse respeito nos alunos de comunidades indígenas, da<br />

zona rural, de comunidades quilombolas, da periferia das cidades, presidiários, grupos que<br />

até então não parecem efetivamente estar previstos nas enunciações/formulações<br />

pedagógicas, embora possamos identificá-los nos discursos política e pedagogicamente<br />

corretos que apregoam a diversidade e inclusão tolerante do diferente.<br />

Ao discutir causas do fracasso das camadas populares na escola, Magda Soares<br />

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(1995) defende que os maus resultados dos índices educacionais se acentuaram justamente<br />

quando da consolidação da universalização do acesso à escola. Esta não se encontraria<br />

preparada para atender as diferenças no espaço escolar, não prevendo que nela ingressassem<br />

alunos não mais pertencentes a uma classe social economicamente privilegiada. A diferença<br />

cultural, conforme a autora, ancorando-se no pensamento de Pierre Bourdieu, passaria a ser<br />

lida como deficiência, legitimando-se a desigualdade social.<br />

Ao propor a modalidade EJA para os alunos na condição de presidiários, o Projeto<br />

Ressocialização Educativa do Sistema Prisional do Estado do Tocantins afina-se com as<br />

orientações legais e demandas históricas, visando propiciar a esses educandos um ensino<br />

condizente com os interesses desse grupo, prevendo que sejam ministradas aulas àqueles que<br />

por uma série de razões não encontraram meios para concluí-lo em etapa anterior.<br />

Há, nesse sentido, dois pontos a considerar. O primeiro relaciona-se às expectativas<br />

dos alunos jovens e adultos frente aos conteúdos selecionados para sua escolarização; o<br />

segundo diz respeito às demandas do mercado de trabalho, que exigem determinados saberes<br />

e competências, tendo em vista a urgência de uma mão de obra qualificada. Se essas questões<br />

certamente orientam as políticas de ensino, consideremos que ganham maior vulto quando se<br />

tem em mente a escolarização de presidiários, que podem encontrar na educação uma das<br />

forças que operam no sentido de ruptura com relação aos processos de exclusão e<br />

marginalidade. Desse modo, há que se dar atenção especial ao ensino aí ministrado, os<br />

objetivos traçados e a coerência desses objetivos com as práticas educativas de fato<br />

empreendidas.<br />

Para este trabalho, estabelecemos dois objetivos:<br />

1. analisar as representações de escola e da escolarização apresentadas pelos alunos<br />

presidiários, buscando identificar as expectativas diante de sua formação;<br />

2. analisar o material de apoio pedagógico direcionado aos professores que atuam na Unidade<br />

Penal, visando perceber as especificidades que orientariam o ensino desses alunos.<br />

Em função disso, tomamos como corpus o módulo de Didática, referente à capacitação<br />

dos docentes, e 19 redações dos alunos 1 , desenvolvidas no 1º semestre de 2007, nas aulas de<br />

Língua Portuguesa, sob a responsabilidade do professor Paulino de S. Vanderley. As redações<br />

foram produzidas mediante questionamentos apresentados pelo professor, sendo que alguns<br />

deles limitaram-se a responder aos questionamentos, sem constituir propriamente um texto. A<br />

partir das redações, analisamos as expectativas em relação à escolarização, as concepções que<br />

(re)produzem sobre a escola.<br />

Como referencial teórico, utilizamos, além das reflexões pedagógicas trazidas por<br />

Rodrigo Barbosa e Silva (2007), que discute práticas educativas empreendidas em presídios,<br />

os subsídios teóricos da Análise do Discurso francesa (AD).<br />

Segundo a AD, os sentidos possíveis se submetem às condições de sua produção e,<br />

desse modo, “os processos que entram em jogo na constituição da linguagem são processos<br />

histórico-sociais” (Orlandi, 1999: 17). Ao analisarmos os textos dos presidiários buscamos,<br />

assim, considerar as filiações de natureza ideológica, as relações com o interdiscurso e a<br />

memória, levando em conta as relações de poder que prescrevem limites para o que dizer/o<br />

que silenciar.<br />

2. A modalidade EJA em presídios tocantinenses<br />

O Projeto Ressocialização Educativa do Sistema Prisional do Estado do Tocantins<br />

inicia-se em 2005, numa parceria das Secretarias de Educação e Cultura, Cidadania e Justiça e<br />

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de Segurança Pública (Tocantins). Implementado nas cidades de Palmas, Araguaína, Porto<br />

Nacional e Gurupi, o projeto se insere em um contexto mais amplo de estudos e pesquisas que<br />

consideram a questão da educação como um dos direitos humanos. Segundo Matteuci (1992),<br />

os direitos humanos se classificam em três grupos: direitos civis, direitos políticos e direitos<br />

sociais. Nesse contexto, interessa-nos comentar os direitos sociais que, em linhas gerais, se<br />

constituem em direitos do trabalho, direito à assistência social, à educação, à saúde, à<br />

previdência e ao lazer.<br />

É importante considerar que o direito à educação, ao permitir que as pessoas sejam<br />

escolarizadas, cria condições para um melhor exercício de sua cidadania, ao adquirirem<br />

ferramentas necessárias para defenderem os demais direitos e deles usufruírem. Através das<br />

diferentes modalidades educacionais, a garantia do direito à educação pública de qualidade<br />

socialmente referenciada deve ser a razão principal da existência dos sistemas de ensino. Para<br />

tanto, é necessário que:<br />

“ele esteja inscrito no coração de nossas escolas cercado de todas as condições. Nesse<br />

sentido, o papel do gestor é o de assumir e liderar a efetivação desse direito no âmbito<br />

de suas atribuições.” (Cury, 2006: 3)<br />

A garantia desse direito está estabelecida na Constituição Federal, que é o primeiro<br />

instrumento legal que determina os direitos e deveres dos cidadãos e estabelece também o<br />

modo como o estado deve agir para resguardar os referidos direitos.<br />

No conjunto dos diversos ordenamentos jurídicos, a Constituição Federal, em seu<br />

artigo 208, preceitua que o dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia<br />

de:<br />

I – Ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para<br />

todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria.<br />

No conjunto de legislações e normas existentes, destaca-se ainda a Lei de Diretrizes e<br />

Bases da Educação Nacional n° 9394/96, a qual apresenta artigos que se referem ao direito a<br />

educação e de forma especifica à modalidade Educação de Jovens e Adultos:<br />

“Art. 37 A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso<br />

ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.”<br />

“& 1° Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que<br />

não puderem efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais<br />

apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de<br />

vida e de trabalho, mediante cursos e exames.”<br />

“& 2° O poder público viabilizara e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador<br />

na escola mediante ações integradas e complementares entre si.” (Brasil, 1997)<br />

Ainda no contexto de implementação de políticas publicas que visem a garantir o<br />

direito à educação, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência<br />

e a Cultura – tem convocado a Conferência Internacional de Educação de Adultos –<br />

CONFINTEA, que ocorreu em 1949 (Elsinore, na Dinamarca), em 1960 (Montreal, no<br />

Canadá), em 1972 (Tóquio, no Japão), em 1985 (Paris, na França) e em 1997 (Hamburgo, na<br />

Alemanha). A V CONFINTEA realizada em Hamburgo, na Alemanha, em julho de 1997,<br />

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contou com representações de 170 países. Dessa V CONFINTEA, resultaram dois<br />

documentos: a Declaração de Hamburgo e a Agenda para o Futuro, que tratam do direito à<br />

"educação ao longo da vida".<br />

A carta de Hamburgo reafirma a Educação de Jovens e Adultos como um direito<br />

considerando a tanto conseqüência do exercício da cidadania como condição para uma plena<br />

participação na sociedade:<br />

“A educação de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: é a chave<br />

para o século XXI; é tanto conseqüência do exercício da cidadania como condição para<br />

uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em<br />

favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça da igualdade<br />

entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de ser um<br />

requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao<br />

diálogo e à cultura de paz baseada na justiça.<br />

A educação de adultos pode modelar a identidade do cidadão e dar um significado à sua<br />

vida. A educação ao logo da vida implica repensar o conteúdo que reflita certos fatores,<br />

como idade, igualdade entre os sexos, necessidades especiais, idioma, cultura e<br />

disparidades econômicas.” (Ireland et al., 2004: 41-49)<br />

A partir das orientações da LDB, o Conselho Nacional de Educação emite o conjunto<br />

das Diretrizes Curriculares Nacionais da EJA (Parecer CNE/CEB n. 11/2000) e da respectiva<br />

resolução do Conselho Nacional de Educação (Res. CNE/CEB n. 1/2000). Esses documentos<br />

definem a Educação de jovens e adultos como “dívida social não reparada para com os que<br />

não tiveram acesso e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais na escola ou fora<br />

dela” englobando três funções:<br />

• Função reparadora: refere-se à restauração de um direito negado oferecendo a<br />

oportunidade concreta de presença de jovens e adultos na escola com um modelo<br />

pedagógico próprio;<br />

• Função equalizadora: possibilita aos diferentes segmentos sociais o reingresso no sistema<br />

educacional<br />

• Função qualificadora: propiciando a atualização de conhecimentos por toda vida.<br />

Em Araguaína, a Unidade Prisional Barra da Grota contava, no 2º. semestre de 2007,<br />

com 62 alunos matriculados no Ensino Fundamental e 28 no Ensino Médio, números que<br />

sofreram alterações ao longo desse ano letivo, com as transferências dos detentos ou por que<br />

estes entraram em regime de liberdade provisória. Como docentes, ali lecionavam 7<br />

professores graduados nas áreas em que atuavam, contratados em regime temporário, e 1<br />

coordenadora pedagógica. Como os dados sugerem, há uma resistência no quadro de docentes<br />

efetivos da rede estadual quanto à possibilidade de deslocarem suas atividades para a unidade<br />

prisional.<br />

Segundo a Técnica de Diversidade da Coordenação Regional de Diversidade da<br />

Diretoria Regional de Ensino de Araguaína, Keli Cristiane Camargo, o ensino ministrado na<br />

unidade penal visa a “permitir a aquisição do letramento, da leitura e da escrita e da leitura de<br />

mundo, que permita a reinserção do apenado ao convívio social”. Para isso, é utilizado o<br />

material da EJA, com “adaptações à realidade do ambiente” 2 . Camargo afirma ainda que é<br />

necessária uma “adequação à realidade carcerária” e que, para tal, estudos estão sendo<br />

desenvolvidos, embora não os tenha especificado.<br />

De acordo com o Projeto de Ressocialização Educativa na Casa de Custódia de<br />

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Palmas (Tocantins, 2005) 3 , a ressocialização é compreendida como processo de “reajustes”<br />

por parte de indivíduos que não se submetem às regras estabelecidas pela comunidade. É,<br />

desse modo, submetido ao encarceramento aquele que não se mostra “moralmente útil”,<br />

fugindo aos códigos sociais:<br />

“Quando o indivíduo não se ajusta ao papel a ele designado, isto é, fugindo das<br />

estruturas socialmente aceitas, esse – como infrator – é penalizado. Tais penas podem<br />

ser as mais diversas, indo desde a repreensão verbal até a privação da liberdade.<br />

Chamamos esse processo de ressocialização (...).” (Tocantins, 2005: 5)<br />

Do texto do projeto, ressaltamos inicialmente dois aspectos nele explicitados: 1. a<br />

ressocialização não se dá apenas para os que se encontram sob custódia; 2. todo o sistema a<br />

que se submete o sujeito encarcerado consiste num projeto de reeducação/ressocialização.<br />

De acordo com o primeiro aspecto, a reeducação/ressocialização constitui-se, segundo<br />

o projeto, como um processo comum a todos os sujeitos diante de diferentes momentos de sua<br />

vida, como por ocasião da mudança de estado civil, mudança da condição social, ingresso no<br />

mercado de trabalho ou desemprego etc. Tendo em vista o que está pressuposto pela privação<br />

da liberdade como pena imposta aos que transgridem determinados padrões sociais, a<br />

ressocialização pode ser bem sucedida, caso o sujeito se reoriente para a ordem social, ou mal<br />

sucedida, caso o sujeito reitere sua recusa em submeter-se aos códigos sociais, reincidindo na<br />

infração.<br />

Considerando o segundo ponto, que envolve os sujeitos submetidos à pena privativa<br />

de liberdade, o referido projeto remete à reeducação, não apenas levando em conta os<br />

processos formais de educação promovidos no presídio. Segundo esse documento, “tudo que<br />

se passa na instituição funciona como educação”, como a adequação aos horários rígidos, à<br />

vigilância, enfim, ao cotidiano da vida na instituição presidiária e seus códigos. A concepção<br />

de reeducação aí assumida declara afastar-se da idéia de “recodificação”, entendidas como<br />

processos de “robotização” e “adestramento”, afinando-se com a perspectiva de “reconstrução<br />

do ser”. Assim, todo o sistema contribuiria para os propósitos dessa “reconstrução” dos<br />

sujeitos (Tocantins, 2005: 6).<br />

Conforme Silva (2007: 90), o termo reeducar é inadequado, se concebermos a<br />

educação como processo permanente na vida das pessoas, com uma dimensão indispensável e<br />

contínua. Segundo o autor, presente em projetos de reintegração social de presídios, a noção<br />

de reeducação se justifica mediante os propósitos de fazer com que os presos “esqueçam a<br />

formação delinqüente e construam uma educação fundamentada em valores consolidados pela<br />

maioria social” (Silva, 2007: 91).<br />

Nesse processo, está compreendida a função da educação formal a que os presos têm<br />

acesso. Essa educação, concebida como direito, atuaria estrategicamente na direção da<br />

pretensa reestruturação do sujeito para o convívio social, servindo ainda como elemento<br />

fundamental para a reinserção social do apenado e seu ingresso no mercado de trabalho:<br />

“Vale ressaltar a dupla importância da prática da educação no sistema penitenciário das<br />

execuções penais, cumprindo duas finalidades julgadas importantes para a sociedade:<br />

evitar a ociosidade nos presídios, que segundo estudos e observações práticas geram<br />

maior propensão à especialização do crime e a propensão à reincidência, e dar ao<br />

condenado a oportunidade de, em futura liberdade, estar preparado para o exercício de<br />

uma atividade profissional para o qual seja exigido o mínimo de escolarização, permitir<br />

sua reintegração ao meio social de forma mais digna através da própria aceitação e a<br />

não rejeição pela sociedade, além de permitir-lhe contribuir com seu trabalho produtivo<br />

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e valoroso e ter como conseqüência uma remuneração pelo seu esforço,<br />

proporcionando-lhe o próprio sustento e a manutenção de sua família.” (Tocantins,<br />

2005: 22)<br />

Como atesta o referido projeto, a educação de presidiários deve ainda ser entendida<br />

como um direito universal, previsto pela Constituição de 1988, pela Lei nº 7.2010/84 (Lei de<br />

Execução Penal), pela Declaração dos Direitos Humanos e pela Resolução 1990/20, do<br />

Conselho Econômico e Social da ONU. Embora atenda a preceitos legais, não se efetiva como<br />

realidade nos presídios no país, relegando-se a maioria dos presos ao mero confinamento das<br />

celas, sendo pouco presentes projetos com vistas à pretendida ressocialização:<br />

“são ações isoladas e não institucionalizadas, através de projetos e programas<br />

temporários que raramente são levados adiante, ficando mais no âmbito da tentativa e<br />

da experiência.” (Tocantins, 2005: 22)<br />

Polissêmico, o termo ressocialização, no âmbito do contexto prisional e assumido<br />

textualmente desde o título pelo projeto tocantinense, é bastante controverso e, por sua<br />

excessiva ambigüidade e pouca concretude, nem sempre aceito pela doutrina penal<br />

majoritária, que prefere a expressão “reintegração social” 4 . Acresce-se, ainda, a coexistência<br />

de distintas concepções de reintegração social ou ressocialização – eventualmente tidas como<br />

sinônimas –, situando-se entre um máximo e um mínimo de conteúdo moral. No primeiro<br />

extremo, objetiva-se a modificação da personalidade do indivíduo mediante a correção moral.<br />

Neste, encontra-se a perspectiva de “emenda”, segundo a qual a reintegração social se daria<br />

mediante o sofrimento e o remorso pela má ação, necessários para produzir no condenado o<br />

arrependimento, purificando-se os pecados cometidos, tal como explana Bruno de Morais<br />

Ribeiro (2008: 37). No outro extremo, objetiva-se apenas que o sujeito passe a respeitar as<br />

regras sociais, independentemente dos motivos inerentes a essa modificação, sem, portanto,<br />

exigir-se a transformação moral do condenado.<br />

Na justificativa do projeto analisado, o texto parece acenar para interesses na recuperação<br />

moral dos sujeitos encarcerados, como se pode depreender de expressões como “reconstrução<br />

do ser” ou ainda ao associar a educação no presídio a “um ato de amor”. Contudo, mais<br />

adiante, os objetivos parecem tornar-se mais objetivos, preconizando que a educação sirva ao<br />

propósito de evitar a ociosidade nos presídios ou ainda de preparar os detentos para o<br />

exercício de atividades profissionais que requeiram o mínimo de escolarização.<br />

Nesse trabalho, não nos interessa aprofundar as implicações dos termos<br />

ressocialização ou reintegração social, mas analisar a avaliação que dele fazem os alunos<br />

atendidos pelo projeto em vigor e os subsídios oferecidos aos docentes mediante material de<br />

formação, visando contribuir com reflexões em torno do projeto em andamento.<br />

3. Discursos em confronto<br />

Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional, o Brasil possui a 8ª maior<br />

população carcerária do mundo e, se fossem ser contabilizados os mandados de prisão<br />

expedidos e não cumpridos, o país disputaria com Cuba a terceira posição mundial<br />

(http://jc.uol.com.br/2008/03/18/not_163674.php). A isso se somam os elevados números da<br />

reincidência na criminalidade, o que reitera o fracasso da instituição presidiária no sentido de<br />

coibir eficazmente a delinqüência (Ribeiro, 2008: 19).<br />

Para teóricos como Foucault, o insucesso da instituição penal não se revela como um<br />

problema contemporâneo, mas se encontra já nas suas origens e nos pressupostos que a<br />

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organizam:<br />

“Vamos admitir que a lei se destine a definir infrações, que o aparelho penal tenha<br />

como função reduzi-las e que a prisão seja o instrumento dessa repressão; temos então<br />

que passar um atestado de fracasso. Ou antes – por estabelecê-la em termos históricos<br />

seria preciso poder medir a incidência da penalidade da detenção no nível global da<br />

criminalidade – temos que admirar que há 150 anos a proclamação do fracasso da prisão<br />

se acompanhe sempre da sua manutenção.” (Foucault, 1987: 226)<br />

Desse modo, tendo em vista os resultados obtidos, a instituição da prisão não se<br />

justificaria, o que nos leva a pensar nas razões pelas quais, ao longo do tempo, não se tenham<br />

formulado diferentes mecanismos com vistas à redução da criminalidade. Expressando sua<br />

incredulidade diante de sua capacidade de reprimir a delinqüência, Foucault declara que “a<br />

prisão não pode deixar de fabricar seus delinqüentes” (Foucault, 1987: 222), isto é, longe de<br />

recuperar os sujeitos para então devolvê-los à sociedade, a instituição prisional atua no<br />

sentido de favorecer e aprimorar a delinqüência e a criminalidade. Para esse teórico, o<br />

desdobramento utópico não se efetiva, uma vez que, ao ser preso, o sujeito rompe de modo<br />

decisivo com a sociedade, desligando-se de vez de seus valores e contratos. Lá se encontra<br />

por insubmissão a esse sistema de regras e de lá sai muito possivelmente mais seguro da<br />

certeza de não poder/dever a eles submeter-se.<br />

Citando Foucault, o texto do Projeto de Ressocialização Educativa na Casa de<br />

Custódia de Palmas declara que, para a maior parte da sociedade, a socialização atua no<br />

sentido de naturalizar valores e papéis sociais (Tocantins, 2005:. 5). A cultura naturaliza,<br />

pois, por força das suas instituições e seus mecanismos ideológicos, o que deve ser<br />

encarnado pelo sujeito como normal, certo, previsto, estabelecido, socialmente aceitável.<br />

Assim, a ação do infrator/delinqüente põe em xeque a ordem estabelecida, inscrevendo-se na<br />

anormalidade.<br />

Estamos, pois, diante de dois processos de naturalização, construídos historicamente,<br />

discursivamente. O primeiro diz respeito à naturalização do que deve ser tomado como<br />

justiça e bem comum; o segundo diz respeito à naturalização das penas como certeza de<br />

garantia da manutenção da lei e da ordem. Nesse caso, naturaliza-se no imaginário social a<br />

crença de que a prisão se justifica como lugar que possibilita tornar melhores os sujeitos por<br />

meio do encarceramento e da privação da liberdade. Uma vez tomadas como naturais, os<br />

cidadãos são desmobilizados a pô-las em questão, aceitando-as, portanto, como verdades.<br />

Falando, contudo, de distintos lugares sociais, cidadãos e presos filiam-se<br />

diferentemente a esse universo ideológico, servindo a educação, nesse contexto, aos<br />

propósitos do assujeitamento, sem apontar para caminhos efetivos para a inclusão dos<br />

sujeitos na sociedade.<br />

4. Repetição e resistência: análise de textos de alunos sob custódia<br />

Conforme Vanderley, inicialmente, grande parte dos alunos denuncia a ausência de<br />

expectativas em relação à escolarização. Segundo depoimentos dos custodiados, colhidos pelo<br />

professor, o primeiro motivo para inscrição nas aulas estaria na “saída da tranca”, depois no<br />

benefício da redução da pena, prevista em portaria específica, e, finalmente, na obtenção de<br />

um diploma. Nas redações, pode-se identificar como razões para essa descrença o que se<br />

constituiria como divórcio entre o que se ensina e o que os alunos julgam ser necessário frente<br />

ao que acreditam configurar-se como demandas sociais:<br />

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Eu espero que a escolarização leve mais a sério o ensino básico, e não só o preparar o<br />

aluno para a prova e não para a vida Eu não sei se merece o nome de escola. R1<br />

Em R2, embora o tom do texto seja um pouco mais otimista, o aluno relaciona<br />

algumas modificações que favoreceriam um aprendizado mais significativo, como a<br />

existência de cursos profissionalizantes. Enuncia-se, nesse caso, a preocupação com sua<br />

reinserção na sociedade, favorecida agora pela capacitação profissional:<br />

Eu espero que a escolarização possa mi oferecer condições de encino, e novos cursos<br />

proficionalizante, curso de computação, mais biblioteca para fasermos nossas<br />

pesquisas. R2<br />

A Escola deveria nos oferecermos um meio mais intenso de ensino para que estudantes<br />

vinhessem se apegar mais aos estudos.Mas para que isso aconteça a escola deveria<br />

adaptar um novo tipo de ensino não somente em aulas teóricas, mas com aulas<br />

práticas. Oje em dia e fundamental as pessoas terem um curso profissionalizante,<br />

principalmente computação que é um grande meio de ensino nos dias de hoje, mas a<br />

escola deveria também trazer projetos maquetes e ensinar os alunos profições e ensinar<br />

como se engressar no mercado de trabalho ou seja a escola deveria dar auto estima e<br />

segurança para os alunos para que eles se apeguem intencivamente aos estudos. R8<br />

Apesar das críticas, a maioria dos textos elogia o trabalho dos docentes, dizendo que a<br />

escola atual tem mais qualidade (R8, R12). Para alguns, o que teria mudado é a perspectiva do<br />

aprendiz, que agora vê a escola de modo diferente (R3). É possível ainda, em alguns casos,<br />

observar que o aluno adere a uma visão idealizada da escola:<br />

Pois a palavra escola, vai me fazer saber o verdadeiro sentido da vida! R4<br />

Daí surge uma luz no fundo de um poço com o funcionamento de uma instituição de<br />

ensino, com seus meto de passar o conhecimento de uma forma multilateral dando mais<br />

uma visão de vida com isso passamos a enchergar ou ter uma visão holística. R<strong>13</strong>.<br />

Tanto em R4 quanto em R<strong>13</strong>, ao idealizar a escola, o aluno parece enunciar de um<br />

outro lugar, o do professor, assumindo para si o discurso institucional. Isso ficaria claro ao<br />

remeter a uma “visão holística”, proporcionada pelos estudos (R<strong>13</strong>).<br />

Veja-se ainda, nesse sentido, a reiteração de discursos em torno da globalização: o<br />

sujeito que não encontra colocação no mercado de trabalho é aquele que não se constitui<br />

como mão-de-obra qualificada num mundo regido pelas leis da globalização. Esse<br />

pensamento encontra aceitação em discursos pedagógicos, tal como podemos depreender, por<br />

exemplo, da leitura do texto de apresentação do livro didático de EJA adotado pelo Estado do<br />

Tocantins: “No despertar destes novos tempos em que os avanços tecnológicos e a expansão<br />

dos meios de comunicação definem diferentes exigências para a análise crítica da realidade...”<br />

(Gerin et al., 2004). Como expressam os autores desse material, estamos diante de um novo<br />

contexto, a exigir novas habilidades. O aluno ouviria esses discursos e os repetiria,<br />

denunciando sua adesão a um certo modo de compreender a realidade e os processos que<br />

determinam a empregabilidade. Sob essa perspectiva, a responsabilidade recai agora sobre o<br />

sujeito, que precisa esforçar-se individualmente para garantir sucesso profissional. Importante<br />

considerar que essa concepção de globalização que se enuncia não vai sinalizar<br />

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necessariamente para a instalação de igualdade de oportunidades, mas, como vemos em R15,<br />

acentua os processos de exclusão:<br />

As expectativas que tenho como estudante para me, são as melhores possível, vemos<br />

que hoje no mundo globalizado que vivemos se uma pessoa não buscar o que é seu<br />

como direito jamais será digno como ser humano na sociedade. R15<br />

Como em outros textos, o que se vê em R15 é um conflito de vozes (Barros, 1994),<br />

quando o enunciador-aluno relaciona num mesmo texto discursos conflitantes do ponto de<br />

vista ideológico. Em vez de reduzirmos a um caso de incoerência textual, o que se pode<br />

deduzir é que o sujeito vai buscar constituir-se como uma unidade em meio a contradições,<br />

denunciando na heterogeneidade um dizer atravessado por distintas formulações de natureza<br />

ideológica (Authier-Revuz, 1998; Barros, 1994):<br />

(...) mas saiba que cado um tem que está sempre atentos para não se deixar levar por<br />

dogmas de uma minuria que pensa que sabem tudo quando na verdade não sabem nada<br />

(...). R15<br />

No fragmento acima, podemos perceber a resistência de R15 em relação ao que seriam<br />

“os dogmas de uma minoria”, deixando transparecer que se preocupa quanto à adesão ao que<br />

lhe é proposto como verdade. R15, aqui, busca falar de um outro lugar, o da maioria, que se<br />

veria silenciada, mas que sabe da verdade.<br />

Outro aspecto que julgamos importante considerar, como já discutido por Silva<br />

(2007), diz respeito à culpa que o aluno assume ante sua experiência escolar de fracasso.<br />

Conforme Silva, por um mecanismo bastante eficiente, a escola consegue inocentar-se da<br />

responsabilidade do insucesso dos alunos:<br />

“Além do assassinato realizado contra mais um aluno, a escola obtém seu atestado de<br />

inocência fornecido pelo próprio falecido, fruto, possivelmente, da distância<br />

estabelecida entre o júri (comunidade) e os fatos do crime (cotidiano escolar), além<br />

aquela imagem de não suspeitam pois é considerada como uma instituição pertencente<br />

aos letrados, à elite.” (Silva, 2007: 32)<br />

É esse eficiente efeito de assujeitamento ideológico que podemos identificar na fala de<br />

R6. Desse modo, como em outros textos, o aluno fala do lugar da escola:<br />

E Hoje eu tenho uma visão Bem diferente Da escola do que eu tinha antes pois Pare de<br />

Estudar A muitos anos Atrás quando Ainda era criança. E tinha era raiva de para o<br />

colégio estudar E hoje eu tomei gosto pelos estudos e vol para a Escola Porque eu<br />

realmente gosto de estudar eu so gostaria que A escola tiveçem curos<br />

profissionalizantes e preparacem o aluno melhor para o mercado de trabalho. R6<br />

Todavia, ainda que assuma para si a responsabilidade pela deserção da escola na<br />

infância e veja com novo olhar o que lhe é agora apresentado, o aluno acentua que esta ainda<br />

se mostra distante da direção que poderia tomar. Como já comentado anteriormente, mesmo<br />

que no presente demonstre gosto pelos estudos e uma visão bem diferente, a escolarização não<br />

acena para as exigências do mundo do trabalho e isso é dito logo em seguida à parte em que<br />

tece elogios sobre a escola, em tom de conclusão. Assim, embora gostando da escola, essa<br />

estaria ainda longe de atender a suas expectativas: “eu so gostaria que A escola tiveçem curos<br />

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profissionalizantes e preparacem o aluno melhor para o mercado de trabalho”.<br />

Como já ressaltado, acima, ancorados em Bakhtin (1995), “toda palavra se dirige a<br />

um interlocutor” e desse modo, no processo enunciativo, um outro sempre está previsto,<br />

considerando-se a dialogia como condição de toda enunciação. Assim sendo, o aluno quando<br />

requisitado, responde aos questionamentos elaborados pelo professor, não no recanto livre e<br />

secreto da liberdade de expressão, sem medo ou coerção, mas sob os olhos invisíveis do<br />

educador e do que acredita serem os valores ideológicos desse sujeito. Esse interlocutor,<br />

personificado na figura do docente e pressuposto no processo dialógico, fala de determinados<br />

lugares, filia-se a determinados sentidos e se, encontra, no espaço da sala de aula, em<br />

situação assimétrica de superioridade: é o que avalia, o que sanciona o que o aluno diz. Fala<br />

do lugar da lei e da ordem, enquanto o outro deve aprender, pelas vias da carceragem e da<br />

exclusão do convívio social, pela adesão a um discurso outro, o modo como deve resignificar<br />

o mundo e seus valores.<br />

Conforme compreende a AD, nenhum sujeito ao tomar a palavra tem a liberdade plena<br />

de dizer qualquer coisa, guiado por uma vontade própria e independente, longe das coerções<br />

sociais e ideológicas, e esse fato independe de sujeitos estarem na condição de libertos ou<br />

encarcerados. No jogo discursivo, atuam relações de força, o imaginário, mecanismos de<br />

antecipação. Considerando a relação de forças, “o lugar a partir do qual fala o sujeito é<br />

constitutivo do que ele diz” (Orlandi, 1999: 39), e, nesse sentido, falar do lugar do<br />

socialmente excluído pode representar que não seja atendido, que não seja ouvido, cassado<br />

seu direito de poder dizer. É possível, sob esse viés, compreender o processo parafrástico que<br />

envolve os enunciados analisados. O custodiado fala muitas vezes do lugar do professor, do<br />

lugar da escola, parafraseando-os, porque esses são os sentidos permitidos, ainda que, como<br />

em R15, o mecanismo de repetição denuncie sua falha e venham à tona sentidos diferentes,<br />

abrindo espaço para a polissemia.<br />

O mesmo processo de assujeitamento, porém, poderia ser identificado na fala do<br />

professor, ao reiterar em seu discurso crenças sobre a justiça, a criminalidade, a delinqüência,<br />

a verdade etc. uma vez que os sentidos não nascem com o sujeito, mas lhe foram ensinados,<br />

como ainda naturalizadas como atemporais. É o que a AD define como “esquecimento<br />

número um”:<br />

“Por esse esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na<br />

realidade, retomamos sentidos preexistentes. Esse esquecimento reflete o sonho<br />

adâmico: o de estar na inicial absoluta da linguagem, ser o primeiro homem, dizendo as<br />

primeiras palavras que significariam apenas e exatamente o que queremos. Na<br />

realidade, embora se realizem em nós, os sentidos apenas se representam como<br />

originando-se em nós: eles são determinados pela maneira como nos inscrevemos na<br />

língua e na história e é por isso que significam e não pela nossa vontade.” (Orlandi,<br />

1999: 35)<br />

Para a AD, não se trata, pois, de pensar uma realidade fora dos quadros da linguagem,<br />

uma realidade outra, independente, natural. O que se acredita como verdadeiro, real ou<br />

natural é sempre resultado de processos históricos, de relações de poder, de naturalização de<br />

sentidos. E a linguagem, como preconiza Orlandi (1999: 25), “só faz sentido por que se<br />

inscreve na história”. Lembremo-nos a esse respeito que concepções do que é ou não crime,<br />

do que é ou não justo alterou-se ao longo da história da humanidade.<br />

Como se pode observar nos fragmentos abaixo, os textos parecem confirmar o<br />

discurso institucional quanto à importância e superioridade da educação formal à vida do<br />

sujeito. Há processos que explicam esse mecanismo que torna possível ao preso falar de<br />

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outro lugar, do lugar da ordem, como se não aí pudéssemos reconhecê-los:<br />

O que eu espero da escola é que ela possa me oferecer uma educação melhor e sabia, e<br />

inteligente, e um bom estudo, Etc. R3<br />

A importância do que nós aprendemos são tão importante, que nos encina o que nós<br />

não sabemos. R3<br />

Em primeiro lugar, como estudante aumejo alcançar várias espectativas de um<br />

aprendizado melhor. R4<br />

Ela sempre está em primeiro lugar. R4<br />

Alcançar e construir novos horizontes. R16<br />

Esperamos que no futuro possamos ser útil à humanidade, mostrando o que<br />

aprendemos no nosso dia-a-dia. R16<br />

A escola é tudo que precisamos. R19<br />

É importante para todos nois o que a escola no ensina seja educação a sabedoria e<br />

inteligencia. R19<br />

Os recortes tais como “Ela sempre está em primeiro lugar” (R4); “A escola é tudo que<br />

precisamos” (R19); “tão importante” (R3) chegam por vezes a nos fazer lembrar as palavras<br />

enunciadas no Projeto Ressocialização Educativa, implantado naquela unidade, de que,<br />

educação, antes de tudo, “é uma ato de amor” (Tocantins, 2005: 6). Todo sujeito tem a<br />

capacidade de experimentar, ou melhor, de colocar-se no lugar em que seu interlocutor “ouve”<br />

suas palavras. Ele se antecipa, assim, a seu interlocutor quanto ao sentido que suas palavras<br />

produzem. Esse mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um<br />

modo, ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte. (Orlandi, 1999: 39).<br />

Dizerem os alunos, que “ela (educação) sempre está em primeiro lugar” (R4); “A<br />

escola ou (educação por ela possibilitada) é tudo que precisamos” (R19); é “tão importante”<br />

(R3), é exercitar a repetição no intradiscurso, compreendido como aquilo que se diz agora, no<br />

momento (Orlandi, 1999: 33). Repete-se no intradiscurso um saber interdiscursivo, isto é, uma<br />

memória discursiva, ou “aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente” (Orlandi,<br />

1999: 31), mediante uma filiação, uma inscrição nesse dizer que tem memória e se atualiza ao<br />

ser de novo enunciado pelo sujeito.<br />

Essa imagem de educação idealizada vinculada no discurso dos educandos sob<br />

custódia pode ser exemplificada por aquilo que Bhabha chama de mímica, ou seja, “quase o<br />

mesmo, mas não exatamente” (Bhabha, 2005: <strong>13</strong>4). De acordo com o autor, por meio da<br />

mímica se pretende “repetir” (Bhabha, 2005: <strong>13</strong>2) uma imagem autêntica de uma determinada<br />

realidade. Assim sendo, os estudantes como que “repetem” em seus discursos uma “imagem”<br />

de educação institucionalizada, idealizada pra eles. Segundo Almeida, “discursivamente, tais<br />

manifestações podem manifestar uma estratégia de composição de uma imagem assimilatória<br />

de concordância” (Almeida, 2005: 145) por parte dos alunos com a posição institucional<br />

quanto ao papel a ser desempenhado pela educação.<br />

Entretanto, como diz Bhabha, a mímica “repete, mais que re-apresenta”. A mímica, ao<br />

re-apresentar a imagem o faz sempre parcialmente, metonicamente, revelando-a parcial e<br />

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ambivalente. Uma das principais características da mímica, nas palavras do autor, “é sua visão<br />

dupla” que revela a ambivalência do discurso. Nestes termos, o discurso dos alunos em<br />

custódia repete, mas parcialmente, o discurso institucional, mostrando-se ambivalentes em sua<br />

constituição.<br />

Como se podemos observar, estamos diante de um processo de assujeitamento<br />

ideológico, caracterizado pela reiteração do discurso do outro, o do professor, o da instituição<br />

escolar, o da sociedade da qual foi o sujeito encarcerado excluído. Como parte desse processo<br />

de assujeitamento, está a reiteração do trabalho como possibilidade de transformação do<br />

sujeito, e da escola como lugar que torna possível a passagem da marginalidade à inclusão,<br />

mesmo reconhecendo a distância entre as expectativas mais pragmáticas (educar-se para o<br />

mundo do trabalho) e o que a escola lhes oferece.<br />

5. Um ensino diferenciado<br />

Nesse momento, passamos à análise do módulo II, referente ao material de formação<br />

continuada de docentes que atuam no ensino de presidiários no Tocantins, visando, como<br />

dissemos inicialmente, a perceber as especificidades que orientariam o ensino desses alunos.<br />

O módulo selecionado denomina-se “Ensino diferenciado: didática e práticas pedagógicas em<br />

educação de adultos”.<br />

No texto de apresentação, Gilson Pôrto Jr., coordenador da Formação do Projeto<br />

Ressocialização Educativa no Sistema Prisional do Estado do Tocantins, declara que o<br />

referido documento é “fruto da sistematização e do trabalho pedagógico que se tenta estampar<br />

para as escolas do Sistema Prisional no Estado do Tocantins”. Segundo ele, “longe de ser<br />

uma ‘receita’”, configura-se como “parte ou ingredientes de uma prática pedagógica que vai<br />

se consolidando a cada hora, a cada dia e mês...”. O documento se configuraria, desse modo,<br />

como registro de elaborações em processo, não se constituindo em um formato definitivo.<br />

Dessas elaborações, segundo Porto, participam diferentes atores:<br />

“Não temos respostas fechadas, estamos construindo-as. Isso é o que vivenciam<br />

diariamente e de forma contraditória professores, coordenadores, diretores e<br />

supervisores que estão envolvidos na educação de ressocializandos adultos no Estado do<br />

Tocantins.” (Vasconcelos et al., 2006: 5)<br />

Logo em seguida à apresentação, o material apresenta 8 fotos de oficina para<br />

professores de subsídios para elaboração de projeto político-pedagógico para a Casa de<br />

Custódia de Palmas, em 2005. As fotos aí se encontram a confirmar a declaração de que as<br />

formulações que orientam a educação dos alunos sob custódia partem de produções conjuntas,<br />

com a participação efetiva de docentes, não estabelecidas apenas no âmbito das diretorias de<br />

ensino por especialistas, ratificando as palavras de Pôrto Jr. Na página 8, mais 6 fotos ilustram<br />

encontro realizado na Casa de Custódia de Palmas, em comemoração ao dia do professor, com<br />

as presenças da Secretária de Educação do Estado, docentes e alunos.<br />

O material é organizado em 9 unidades:<br />

1. A didática e o processo de ensinar e aprender;<br />

2. Interdisciplinaridade na educação;<br />

3. O saber pedagógico e a interdisciplinaridade;<br />

4. A interdisciplinaridade na sala de aula;<br />

5. Planejamento em educação;<br />

6. A aula como forma de organização do ensino;<br />

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7. As estratégias de ensino e os recursos midiáticos;<br />

8. Avaliação e a relevância da qualidade educativa;<br />

9. Histórias de vida: entre a escola e a cela.<br />

Cada unidade traz introdutoriamente expressos os objetivos correspondentes. Na<br />

unidade 1, por exemplo, são definidos dois objetivos:<br />

1. Reconhecer os condicionantes inerentes ao teorizar e o fazer pedagógico;<br />

2. favorecer a compreensão da importância da didática no processo de ensino-aprendizagem.<br />

O que se pode concluir já numa primeira leitura é que o módulo, embora aponte para a<br />

proposta de um “ensino diferenciado” (o título sugerindo que a diferenciação se daria em<br />

função da educação de jovens e adultos; o texto de Pôrto Jr., por indicar que trata da<br />

ressocialização de apenados), não traduz ao longo das unidades algo que denuncie uma<br />

abordagem especial ou mais particular. Inexistem discussões que complexifiquem a situação<br />

peculiar da educação dar-se num presídio, das assimetrias possivelmente mais acentuadas na<br />

relação professor-aluno, a possibilidade de resistência ao que é ensinado e ao próprio processo<br />

de educação, a questões disciplinares. Estão ausentes conceitos como o de ressocialização,<br />

aqui não problematizada. A exceção se encontra na última unidade, que discutiremos um<br />

pouco mais adiante. As demais tornam o material semelhante ao da organização de um<br />

manual de didática geral, aqui com conceitos elementares, apresentados sem referência<br />

bibliográfica, impossibilitando que o docente possa estabelecer as relações entre o que se<br />

preconiza no documento e as implicações teóricas, pedagógicas e, por isso mesmo, políticas<br />

com relação ao que é enunciado como ensinar e aprender.<br />

A primeira conclusão dessa configuração é que se parte do pressuposto de que o<br />

docente não domina aspectos elementares da prática pedagógica. Veja-se, a esse exemplo, o<br />

fragmento a seguir, referente à primeira unidade:<br />

“Aluno: o aluno é quem aprende, ou é quem deve aprender. É para ele que existe a<br />

escola, que deve adaptar-se a ele, encarando-o como um ser humano em crescimento em<br />

todas as capacidades e limitações, peculiaridades, interesses, reações e impulsos.<br />

Objetivos: O procedimento didático supõe objetivos para encaminhar o aluno à plena<br />

expansão da sua personalidade, levando-o a aquisição de conhecimentos e modificação<br />

de comportamento, integrando-o a vida em sociedade.<br />

Professor: É o condutor do ensino. A ele cabe dirigir, estimular e aplainar as<br />

dificuldades, levando em conta peculiaridades e possibilidades de cada aluno: é ele o<br />

guia na formação da personalidade.” (Vasconcelos et al., 2006: 11)<br />

As conceituações, amplas e essencialmente genéricas, passam ao largo das<br />

problematizações que poderiam servir aqui ao docente que se acha diante de desafios bastante<br />

diferenciados, muito possivelmente não levados em conta durante sua formação na<br />

universidade. A promessa de um material que favorecesse a reflexão para um ensino<br />

diferenciado, não se efetiva, pois. Repete-se o que já se acha no âmbito do pressuposto como<br />

conhecimento do docente, certamente já consolidado nos anos da licenciatura cursada. Não<br />

são adicionados elementos que visem aos dilemas que cotidianamente enfrenta na sala de<br />

aula, seja pelo insucesso da escolarização anterior dos alunos (deixando claro que não se pode<br />

apenas reproduzir o modelo excludente da escolarização anterior), seja pela condição na qual<br />

se encontram estes, agora afastados do convívio social, cumprindo pena pela não sujeição aos<br />

valores socialmente legitimados.<br />

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Na divisão aluno-objetivo-professor, segundo a citação acima, observamos que o<br />

docente não necessariamente aprende juntamente com os alunos durante o processo: ele já<br />

sabe e, portanto, é quem dirige, conduz, aplaina, guia. Encontra-se em posição de definir<br />

todos os caminhos a serem trilhados, ainda que adaptando-se às peculiaridades dos alunos,<br />

peculiaridades estas que parecem não terem sido levadas em conta quando o que está em<br />

formação é ainda o professor.<br />

Na unidade 9, finalmente temos a presença dos educandos previstos pelo projeto de<br />

ressocialização e do contexto das aulas. A unidade se organiza em sete estudos de caso, nos<br />

quais se encontram textos produzidos pelos alunos da unidade penal e atividades de reflexão<br />

para os docentes em formação. Esses textos são definidos como “histórias”:<br />

“Nesse sentido, convidamos você – professor, professora e agente prisional – como<br />

educadores a mergulhar em algumas produções dos educandos. Chamamos de<br />

‘histórias’, pois são produções dos alunos que vivenciam o momento histórico<br />

específico: a ressocialização.” (Vasconcelos et al., 2006: 74)<br />

As atividades de estudo de caso, subseqüentes aos textos, são compostas por questões<br />

abertas, nas quais o docente em formação é levado a estabelecer relações, comparações,<br />

interpretações diante da perspectiva do aluno que enuncia seu processo de aprendizagem, sua<br />

história de exclusão, a introdução no mundo da marginalidade e sua prisão. Pela primeira vez,<br />

temos a possibilidade efetiva de reflexão, cabendo agora ao professor não apenas assimilar<br />

conceitos didáticos, mas a pensar quem são os alunos aos quais orienta sua prática.<br />

Veja-se a esse respeito a atividade referente ao estudo de caso 1:<br />

“No estudo de caso 1, você conheceu a história de Fabrício. Pensando nisso, tente<br />

construir uma percepção sobre as questões abaixo:<br />

1. Como o caso de Fabrício é semelhante aos diversos Antônios, Franciscos, Josés e<br />

Carlos de um país em desenvolvimento<br />

2. Qual a relação que Fabrício estabelece entre a justiça e liberdade, em face da<br />

consciência individual<br />

3. Que percepção expressa Fabrício em relação à educação na Escola Nova Geração<br />

(Projeto Ressocialização Educativa)<br />

4. Que percepção parece existir entre presos, professores e agentes prisionais, segundo<br />

Fabrício” (Vasconcelos et al., 2006: 78)<br />

Como se pode observar, na questão 1, por exemplo, o educador é levado a refletir<br />

sobre os condicionantes históricos e contextuais de um país em desenvolvimento, o que<br />

significa considerar modelos econômicos que prevêem assimetria de oportunidades no meio<br />

social, desigual distribuição de renda, enfim, um contexto que favorece a marginalidade de<br />

muitos Fabrícios, Antônios, Franciscos, Josés etc. O educador, nesse sentido, não deveria<br />

olhar para os alunos como representantes únicos de uma história particular e irrepetível, mas<br />

como membro de uma história coletiva, que prescreve para alguns o lugar de fora, o da<br />

exclusão. Na questão 4, o ambiente pedagógico vai ser então considerado, buscando<br />

identificar nessa fala, como nas que se evidenciam em estudos de caso posteriores, a<br />

percepção do aluno custodiado diante dos sujeitos responsáveis por sua escolarização e<br />

ressocialização.<br />

O divórcio entre esta unidade e as demais, acentua a cisão entre a teoria e a prática, o<br />

que se concebe como ensinar-aprender e o que efetivamente cabe ao educador apreender<br />

como subsídio para a docência no caso diferenciado dos ressocializandos. Tal cisão só<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 214-230 <br />

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acentua a distância entre o plano das certezas, do que já estaria formulado e aceito como<br />

didática, e os desafios da realidade material na qual se configuram as aulas. Assim, a abertura<br />

à reflexão na última unidade reitera que passamos do já construído para o ainda a construir,<br />

usando agora as metáforas de Pôrto Jr., do plano das receitas ao da disposição dos muitos<br />

ingredientes e distintas possibilidades de acertos e erros.<br />

6. Considerações finais<br />

Este trabalho é parte de uma pesquisa em elaboração. Como denuncia a própria<br />

temática, há muito o que se refletir sobre a educação no processo de reintegração social de<br />

adultos sob custódia. Apresentamos, nesse momento, as primeiras conclusões, a título de<br />

possibilitar que outras vozes se somem às nossas, distintas e plurais, ampliando nossos<br />

horizontes, seduzindo outros olhares para os dilemas que temos à frente com vistas a uma<br />

escola plural, democrática e inclusiva.<br />

Como conclusões parciais, compreendemos a manutenção de um divórcio entre o que<br />

se espera do ensino e o que efetivamente se constrói nas tensas relações do espaço escolar,<br />

frustrando-se as esperanças, seja por parte da sociedade, que almeja resultados favoráveis<br />

quanto à ressocialização/reabilitação; seja por parte dos alunos custodiados, que buscam na<br />

formação um meio de ingresso no competitivo mercado de trabalho após o cumprimento da<br />

pena.<br />

Diante desse quadro, compreende-se a baixa expectativa dos alunos com vistas ao que<br />

lhes é ministrado, o que faz com que vejam o acesso à escolarização apenas como um<br />

benefício relativo à redução da pena. A isso se soma o despreparo do docente para os<br />

desafios que a prática educativa requer, desafio que se apresenta como uma espécie de<br />

imposição, haja vista que são destinados para o ensino naquela unidade apenas os docentes<br />

em regime de contrato temporário, isto é, aqueles que se encontram em situação funcional<br />

mais frágil.<br />

A escolarização de presos pode, desse modo, conformar-se ao mero cumprimento de<br />

um preceito legal, servindo para a redução da ociosidade dos adultos presos. Mas seria<br />

possível uma educação que apontasse de fato para a redução das distâncias entre os grupos<br />

sociais, numa perspectiva mais humana e solidária<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 214-230 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 16/04/2008 | Revisado em 20/08/2008 | Aceito em 26/08/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

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Estado do Tocantins / Gerência de Educação de Jovens e Adultos.<br />

Notas<br />

(1) As referências às redações seguem a identificação R1, R2, R3 etc. Nos fragmentos<br />

transcritos, foi mantida a redação sem interferências e correções de natureza gramatical.<br />

(2) Informações obtidas por questionário.<br />

(3) O projeto correspondente ao Presídio de Araguaína encontra-se em fase de finalização e<br />

aprovação, ainda não disponibilizado até o momento para consulta. Segundo informações<br />

obtidas junto à DRE de Araguaína, o mesmo segue as orientações e concepções estabelecidas<br />

pelo projeto de Palmas.<br />

(4) Neste trabalho, utilizamos o termo ressocialização sempre que nos referirmos ao projeto<br />

tocantinense para educação em presídios, uma vez que é essa a expressão aí empregada, ainda<br />

que em alguns momentos se utilizem os termos integração ou inserção social.<br />

- L.H.O. da Silva é Doutora em Estudos da Linguagem (Universidade Federal<br />

Fluminense, UFF). Atua como docente no Curso de Letras e na Especialização em Leitura e<br />

Produção Escrita (UFT), campus de Araguaína. Endereço para correspondência: Rua<br />

Vereador Falcão Coelho, 1708, São João, Araguaína, 77807-090 TO. Telefone: 55-63-2112-<br />

2219. E-mail para correspondência: luiza.to@uft.edu.br. K.C.C.F. Brito é Mestre em<br />

Engenharia de Produção (Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC). Atua como<br />

docente no Curso de Pedagogia (UFT), campus de Palmas, e no curso de Especialização em<br />

Leitura e Produção Escrita (UFT, Araguaína). F.N.P. Pinto é Graduando em Letras (UFT,<br />

campus de Araguaína).<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 231-242 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 1º /10/2008 | Aceito em 30/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Artigo Científico<br />

Prescrição de leitura na escola e formação de leitores<br />

Prescription of reading at school and readers’ education<br />

Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin , a e Lucinéia de Souza Gomes Moreira , a, b<br />

a Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, Paraná, Brasil; b Universidade Norte do<br />

Paraná (UNOPAR), Bandeirantes, Paraná, Brasil<br />

Resumo<br />

A leitura é de importância decisiva para o exercício efetivo da cidadania. A escola é um dos<br />

espaços privilegiados para a formação de leitores. Todavia, a escola não vem atendendo, quer<br />

às expectativas quer às demandas sociais atuais. Apesar da multiplicidade de fatores<br />

envolvidos, as evidências tomadas para justificar essa situação quase sempre transitam numa<br />

via de relevância indiscutível: a da não proficiência leitora. No modelo vigente de ensino, as<br />

relações que estruturam as práticas pedagógicas definem a sala de aula como um espaço<br />

singular para a constituição de leitores. Professores pelos modos que dão a ler os textos de<br />

estudo definem o interesse, as preocupações e as relações que os alunos mantêm com os textos<br />

indicados para estudo, por exemplo. O presente trabalho busca desvendar as práticas usuais de<br />

professores quando prescrevem leitura de textos de estudo e seus possíveis efeitos para as<br />

relações que as alunas estabelecem com os textos, especialmente quanto ao grau de interesse e<br />

preocupações. A amostra de participantes foi constituída por 61 alunas de um curso de<br />

formação inicial de professores. Para o levantamento de informações foi utilizado um<br />

questionário com itens apresentados sob a modalidade Likert, alguns deles instigadores para<br />

que a apresentação de justificativa. Os resultados apontam para a importância que assumem os<br />

modos dos professores proporem e trabalharem os textos prescritos para a produção de leitura<br />

dos alunos. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 231-242.<br />

Palavras-chave: leitura; práticas de leitura; formação de professores.<br />

Abstract<br />

Reading is of decisive importance for the effective citizenship exercise. School is one of the<br />

privileged spaces for readers’ education. However, school has not been meeting either<br />

expectations or the current social demands. Despite the multiplicity of factors involved, the<br />

evidences taken into account to justify this situation almost always follow an unquestionable<br />

relevance path: the reader’s lack of reading proficiency. In the current teaching model,<br />

relations that structure pedagogical practices define the classroom as a unique space for the<br />

formation of readers. Teachers’ ways of assigning reading texts for study define interest,<br />

worries, and the relations that students maintain with the texts selected for study, for instance.<br />

The present study attempts to unveil current teachers’ practices when they prescribe the<br />

reading of study texts and their possible effects for the relationships that students establish<br />

with the texts, mainly as far as the levels of interest and worry are concerned. The participants<br />

were 61 students of a beginner teachers’ education course. A questionnaire with items under<br />

Likert’s model was utilized for the information collection, some of which were instigating for<br />

the presentation of justification. Results appoint the importance of the way teachers propose<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 231-242 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 1º /10/2008 | Aceito em 30/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

for and work with the prescribed texts for students’ reading production. © Cien. Cogn. 2008;<br />

<strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 231-242.<br />

1. Introdução<br />

Keywords: reading; reading practice; teachers’ education.<br />

Quaisquer questões de estudo quando formuladas, analisadas e respondidas expressam<br />

os efeitos dos distintos modos de olhar de quem as propõe. As do campo da educação,<br />

freqüentemente, ultrapassam as suas fronteiras. Contudo, suas respostas convergem ao<br />

apontarem e, por vezes, demonstrarem a complexidade pelas diversas ordens de fenômenos<br />

implicados nos processo educativos, sejam dos que acontecem em espaços formais ou<br />

informais. Complexidade esta devida aos efeitos da multiplicidade das redes de fenômenos<br />

envolvidos (psicológicos, sociais, culturais, históricos, entre outros), e construída pelos modos<br />

diversos de olhar, alguns deles legitimados pelos que compõem as comunidades científicas de<br />

cada campo (Veiga-Neto, 2002). Além disso, pela multiplicidade das redes de fenômenos<br />

imbricados ser das mais diversas ordens, algumas das questões são desveladas a contento,<br />

outras não, por aqueles que investigam na educação.<br />

A educação, pela ambivalência que a institui, pode se constituir em um processo de<br />

socialização reprodutor ou transformador das condições de experiência oportunizadas às<br />

novas gerações. Independente do tipo de processo de socialização que a caracterize, as<br />

relações de poder que se estabelecem na dinâmica de sua ação definem a subjetividade dos<br />

que nela estão envolvidos (Foucault, 2003). No presente trabalho buscaremos analisar alguns<br />

desses efeitos, tomando como fio condutor as prescrições de leitura de textos técnicocientíficos<br />

para estudo, em uma escola de formação de professores.<br />

As ponderações anteriores e as que se seguem têm o intuito de convidar o leitor a<br />

conhecer a posição que adotamos acerca da instituição escolar, das práticas de leitura e de<br />

seus efeitos, para que possam não só compreender como desvelar as decisões tomadas ao<br />

redigir o presente relato, e, na medida em que se sentirem implicados, dialogar com o texto e<br />

reconstruí-lo.<br />

Defendemos que a educação em um dos seus sentidos restritos, no caso da que ocorre<br />

em instituições escolares, não foge aos princípios anunciados. Olhamos a escola como um dos<br />

espaços sócio-culturais hoje fundamental para a humanização das gerações mais jovens.<br />

Assim percebemos a escola, porque esta quando acolhe as gerações mais jovens deve não só<br />

introduzi-las na herança dos saberes simbólicos e discursivos, legitimados socialmente,<br />

quanto instrumentalizá-las para que reproduzam e transformem essa herança, sempre que<br />

necessário (Arendt, 1989). Além disso, porque as relações de poder que nesse espaço se<br />

constroem e se estabilizam, desde aquelas que ocorrem em sala de aula até às que se estendem<br />

com a sociedade, não só reproduzem formas legitimadas de poder, quanto produzem efeitos<br />

específicos sobre os que nelas estão envolvidos.<br />

Quaisquer que sejam as teorias e as crenças que embasem as expectativas e os fazeres<br />

dos que acolhem, as gerações mais jovens experienciam na escola modos específicos de se<br />

relacionarem inclusive com os saberes (Charlot, 2003), os quais se constituem a partir dos<br />

efeitos da assimetria de poder que baliza tais relações. Por isso, análises e reflexões contínuas<br />

acerca dos efeitos das práticas que subsidiam os modos mais presentes de acolhimento em<br />

uma dada escola são necessárias por parte de quem ensina.<br />

Atestamos, por conseguinte, nossa crença na escola como lugar privilegiado para a<br />

construção da cidadania e de importância decisiva para a formação e transformação da<br />

subjetividade de seus atores, principalmente dos professores e alunos.<br />

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Análises recentes têm indicado que não vêm sendo cumpridas as funções atribuídas à<br />

escola, conforme a expectativa social. Relatórios, como os produzidos e editados<br />

regularmente pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), bem como os do<br />

Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e, recentemente, o da Pesquisa Nacional por<br />

Amostra de Domicílios (PNAD) informam que a escolarização, ainda, não é direito<br />

efetivamente assegurado a todos (em 2007, apenas 70,1% das crianças com 4 ou 5 anos<br />

estavam na escola e 97,6% das crianças de 7 a 14 anos), quanto as condições mínimas de<br />

letramento para sobreviver em nossa sociedade estão ausentes para mais de 14, 1 milhões de<br />

brasileiros.<br />

Tais resultados precisam ser analisados em sua complexidade e focados à luz das<br />

políticas públicas, especialmente das educacionais, das crenças e das metas que no cotidiano<br />

regulam as práticas de ensino e de aprendizagem, especialmente das relacionadas à formação<br />

dos profissionais da educação. Contudo, apesar da importância com que se revestem para o<br />

campo social e acadêmico tais análises, não constituem o foco principal do presente trabalho.<br />

Todavia, se os determinantes desses resultados devem ser analisados sistêmica e<br />

contextualmente, pela multiplicidade das fontes e fatores envolvidos, a evidência dos mesmos<br />

transita, freqüentemente, pela constatação dos efeitos grau da proficiência leitora dos que<br />

passaram pela escola, ou ainda nela estão inseridos.<br />

Não alheias a tais evidências, constatadas em relatórios produzidos por organismos<br />

nacionais e internacionais e reiteradas em nossas atuações como professoras do Ensino<br />

Superior e Médio, fomos instigadas para verificar como a leitura vem sendo praticada em uma<br />

instituição de ensino responsável pela formação de professores para as séries iniciais do<br />

Ensino Fundamental.<br />

O presente trabalho se configura em uma releitura das informações obtidas em uma<br />

pesquisa de uma das autoras, a qual foi realizada junto a alunos e professores de uma<br />

instituição pública, de um curso de Ensino Médio de formação de professores para as séries<br />

iniciais de escolarização. Para o presente relato, elegemos como objetivo analisar alguns dos<br />

efeitos da prescrição de leitura por parte dos professores nos modos de ler desses alunos,<br />

futuros professores.<br />

Teóricos e pesquisadores brasileiros, como Freire (1982, 1992); Freire e Campos<br />

(2001); Silva (1991, 1999, 2003); Freitas e Costa (2002); Britto (1998) e Garcia (1998),<br />

insistentemente, vêm reafirmando a importância da leitura para a formação de professores,<br />

dado que esses profissionais são responsáveis pela formação de novos leitores, independente<br />

do conteúdo que ministrem (Neves et al., 2003).<br />

Os textos selecionados pelos professores para indicação de leitura a seus alunos podem<br />

ser identificáveis, por exemplo, na bibliografia dos programas das disciplinas que ministram.<br />

No entanto, concordamos com Kons (2005) quanto a que a leitura desses textos indicados ao<br />

ser realizada pelos alunos é atravessada pelas prescrições dos professores, porque estes<br />

efetivamente não só indicam textos, como os modos de os ler. Para esta autora, os vestígios de<br />

poder dessas prescrições são detectáveis, ainda, no grau de interesse pela realização da leitura<br />

por parte dos alunos, nas discussões posteriores centradas no texto realizadas em sala de aula,<br />

e nos tipos de relação que os alunos estabelecem com as informações disponibilizadas pelo<br />

autor do texto.<br />

Os resultados apresentados no presente relato pretendem documentar esses vestígios,<br />

no que tange aos modos de prescrição das leituras de estudo e de como estes podem<br />

influenciar o interesse e os modos de ler dos alunos. O presente trabalho evidencia as<br />

assertivas de Kons (2005), mas de antemão advertimos o leitor quanto a que não é nossa<br />

intenção sedimentar como únicas as análises que realizamos, porque se assim forem tomadas<br />

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pelo leitor, nosso relato fecha a abertura para os diálogos a que se propõe, por princípio, como<br />

texto.<br />

2. Metodologia<br />

A amostra foi constituída por 61 alunas matriculadas em um curso de formação de<br />

professores, ofertado por uma escola pública de Ensino Médio. Dessas 20 encontravam-se<br />

matriculadas na 1ª série e 41 na 2ª série.<br />

Para a composição da amostra, dois critérios foram levados em conta: estarem<br />

matriculadas em todas as séries, turmas e turnos do curso no quais é ofertada essa formação,<br />

porém não matriculadas na turma em que uma das autoras ministrava aulas de Língua<br />

Portuguesa.<br />

Todas as participantes são do sexo feminino, refletindo a tendência da predominância<br />

do gênero feminino na escolha dessa profissão, pelo menos no Brasil.<br />

O instrumento utilizado para a coleta de informações foi o questionário “Prescrições e<br />

práticas de leitura de estudo”, elaborado por Pullin (2006). Esse questionário é constituído por<br />

25 itens com opções de resposta apresentadas sob a modalidade Likert e por instigadores<br />

verbais para que o respondente apresente justificativa à sua opção nos itens que os antecedem.<br />

A coleta de informações ocorreu ao final do ano letivo, após a assinatura do Termo de<br />

Consentimento Esclarecido, pela diretora da escola e pelas participantes. A aplicação do<br />

instrumento ocorreu em situação coletiva em cada turma.<br />

Quatro categorias foram usadas por Pullin (2006) para a proposição dos itens do<br />

questionário, as quais, de modo geral, direcionam a análise, ora apresentada:<br />

1) Auto-avaliação como leitor de textos em geral e de textos técnico-científicos;<br />

2) Indicação e uso do texto prescrito;<br />

3) Avaliação dos textos;<br />

4) Interesse e dificuldades na leitura de textos de estudo.<br />

3. Resultados e discussão<br />

A leitura de textos técnico-científicos, costumeiramente, é exigida e proposta a partir<br />

do Ensino Médio, de acordo com Carlino (2002). No Brasil, especialmente em cursos de<br />

formação profissional, assim ocorre. Entre nossas participantes verificamos que o ingresso no<br />

curso de formação de professores se constituiu na primeira oportunidade para 80% delas<br />

começarem a ler esse tipo de texto. Registramos, ainda, que mais da metade delas (70%)<br />

informaram que ao longo do curso haviam adquirido o interesse e o gosto por lê-los.<br />

Quando instigadas a se auto-avaliarem como leitoras, isto é, a como se percebem e<br />

avaliam como leitoras, constatamos que apenas duas se auto-avaliaram como ótimas leitoras<br />

de textos em geral, enquanto que uma se percebe péssima. Das demais, 51% informaram que<br />

se consideram boas leitoras ou “medianas”. Entretanto, como leitoras de textos técnicocientíficos<br />

indicados para estudo 21% se qualificaram abaixo do que consideram necessário<br />

para ser uma boa leitora, isto é, auto-avaliaram-se como regulares, fracas ou péssimas.<br />

Apenas duas se consideraram como ótimas leitoras desse tipo de texto, e 24% como boas<br />

leitoras.<br />

De modo geral, a opinião da maioria das participantes sobre si, como leitoras, transita<br />

entre se sentirem péssimas a boas leitoras. Este tipo de auto-avaliação é importante, porque<br />

sugere que as condições de encontro com os textos são distintas entre as participantes.<br />

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Apesar de terem informado que só após terem ingressado no curso é que começaram a<br />

ler textos técnico-científicos, isto é, textos produzidos com conteúdos adaptados para leitura<br />

desse tipo de informações, e que passaram a apreciá-los e a se interessarem por lê-los desde<br />

então, como apresentamos em seguida, nem sempre os textos prescritos para estudo são por<br />

elas sentidos como fáceis e interessantes.<br />

As opções para as respostas dispostas sob a modalidade Likert, neste caso, com a<br />

graduação modalizadora “sempre; freqüentemente; algumas vezes; raramente; nunca”,<br />

indicaram que mais da metade das participantes (64%) ocasionalmente gosta de ler os textos<br />

indicados para estudo. Apreciam positivamente tais indicações, sempre apenas 7%, e<br />

freqüentemente <strong>13</strong>% delas. As demais, raramente gostam de ler esses textos (11%), e 5%<br />

realizam essas leituras, apesar de nunca gostarem de ler os textos indicados.<br />

A tabela 1 apresenta, em dados percentuais, a opinião das participantes acerca dos<br />

textos de estudo que lhes são prescritos.<br />

Consideram a leitura de textos de estudo...<br />

Difícil Chata Desinteressante<br />

Sempre 15% 7% 10%<br />

Freqüentemente 10% 23% 20%<br />

Algumas Vezes 64% 46% 39%<br />

Raramente 9% <strong>13</strong>% 20%<br />

Nunca 2% 11% 11%<br />

Tabela 1 - Opinião das participantes acerca dos textos indicados (N=61).<br />

Podemos constatar, pela Tabela 1, que a opinião das alunas acerca de como vivenciam<br />

a leitura dos textos de estudo indicados é experienciada como algo difícil, desinteressante e<br />

que as aborrece, em graus distintos. Poucas são as que consideram a leitura desses textos<br />

como fácil, interessante e que não as aborreça. Os índices registrados para as opções<br />

raramente e nunca corroboram essa interpretação.<br />

Pelos resultados até agora apresentados, as dificuldades relacionam-se aos textos e<br />

nem tanto à competência ledora das participantes, conforme descrito.<br />

Por ora, algumas anotações acerca dos processos responsáveis pela produção de textos<br />

e da leitura se fazem oportunas, para que se possam compreender esses resultados.<br />

Quem produz um texto escrito idealiza um leitor ideal (leitor-modelo), contando com<br />

cooperação do leitor para que o texto tome vida (Eco, 1986). Concordamos com esse autor<br />

quanto a que sem essa cooperação o texto não existe, porque este se constitui em um convite<br />

aberto à implicação do leitor com os ditos e não ditos que estruturam a escrita do autor. Em<br />

textos técnico-científicos, mesmo naqueles produzidos em livros didáticos e de divulgação,<br />

não é diferente (Witter, 1992). Para que um texto tome vida, há que o leitor não só reconheça<br />

as informações pontuais nele presentes, mas que apreenda quais sentidos foram produzidos<br />

por quem as escreveu. Levante hipóteses e produza inferências, isto é, se antecipe aos ditos no<br />

texto e relacione elementos diversos, presentes no texto ou que façam parte das suas vivências<br />

de leitor. Ao assim proceder, o leitor poderá compreender as informações ou inter-relações<br />

entre informações que não estejam explicitadas pelo autor do texto. Por isso, a leitura é uma<br />

produção: a construção de sentido se atrela à realização de pelo menos esses processos, por<br />

parte do leitor. A compreensão do texto lido é resultante dessas produções: prévias, por parte<br />

de quem as escreveu, e das que ocorrem ao ler, por parte do leitor.<br />

Sob esse enfoque, o leitor precisa colaborar para que as marcas escritas componham<br />

um todo coerente e consistente, para si. Só assim, ao terminar de ler, poderá saber dizer<br />

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quem fez o quê, quando, como, onde e por quê, bem como avaliar a pertinência das<br />

informações do texto.<br />

Os usos posteriores da produção individual dessas leituras, no caso de textos de<br />

estudo, inscrevem-se, como veremos, nos modos e nos efeitos da sua prescrição. Os<br />

freqüentemente utilizados pelos professores passam a ser percebidos pelos alunos como os<br />

legitimados e, além disso podem afetar como estes conduzem sua leitura, especialmente as<br />

preocupações que os movem enquanto a realizam.<br />

Em nosso trabalho, constatamos que a leitura de textos de estudo ao ser realizada é<br />

acompanhada pela preocupação em colher as informações do autor para que depois possam<br />

ser utilizadas nas atividades propostas pelos professores em sala de aula, por parte de 46% das<br />

participantes. Mais da metade (54%) busca compreender o texto, relacionando-o a outros<br />

conhecimentos que já dispõem sobre o assunto. Menos de um terço (26%) preocupam-se em<br />

identificar as estratégias argumentativas usadas pelo autor para conduzir à conclusão que<br />

propõe no texto. Preocupam-se exclusivamente com as avaliações utilizadas pelos professores<br />

para averiguar se a leitura foi ou não realizada, apenas 4% das participantes.<br />

Vericou-se que aproximadamente metade das participantes quando lê os textos<br />

prescritos o fazem centradas nas atividades que possam ser propostas por seus professores.<br />

Contudo, pouco mais da metade delas preocupam-se em relacionar as informações do texto<br />

aos conhecimentos prévios que têm acerca do assunto. Estas, pelo menos, indicam que se<br />

dispõem a avaliar e, possivelmente, em modificar suas informações a partir da relação que<br />

mantêm com o texto. Menos de um terço, entretanto, centra sua atenção em identificar as<br />

estratégias que o autor utiliza para encaminhar o leitor a aderir à sua tese. O que nos podem<br />

ou querem dizer estes resultados<br />

Ao que parece, pelo conjunto de resultados até agora apresentado, as concepções de<br />

leitor que sustentam as opiniões de mais da metade das participantes parecem se relacionar<br />

aos resultados obtidos nas atividades que devem realizar após terem concluído a leitura de<br />

estudo proposta por seus professores. Lembramos que 51% delas se auto-avaliaram como<br />

boas leitoras e 43% como dentro da média. Entretanto, apenas 26% parecem se preocupar em<br />

analisar criticamente as informações dos textos, quando centram, por exemplo, sua atenção<br />

nos recursos usados pelo autor para propor suas teses. Tais resultados permitem que os<br />

interpretemos como indícios dos efeitos e dos modos como os textos são tratados e<br />

trabalhados no curso.<br />

A relação ora feita entre esses resultados (preocupações que as orientam enquanto<br />

lêem e as auto-avaliações como leitoras) instiga-nos, como educadoras e formadoras de novos<br />

professores, para os cuidados que devem ser tomados nos modos de prescrição de leitura e das<br />

atividades que são desenvolvidas após essas leituras. Isso, porque se a produção de leituras<br />

das participantes parece estar orientada para atender a demandas de outros, no caso às dos<br />

seus professores, mesmo que tais demandas possam de algum modo ter regulado 54% das<br />

participantes para relacionarem enquanto lêem as novas informações às que dispunham, e<br />

para 26% preocuparem-se em identificar as estratégias utilizadas pelo autor do texto para<br />

encaminhar a uma dada conclusão, então tais resultados podem ser interpretados como<br />

indícios dos efeitos das prescrições de leitura.<br />

Os modos que caracterizam tais práticas surtem efeitos. Entre estes, encaminham os<br />

alunos a assumir e a se comportar de acordo com determinadas concepções de leitura e de<br />

leitor. Tal ocorre, porque as sociedades ao longo da história têm atribuído à escola a<br />

responsabilidade pelo acolhimento das gerações mais jovens, com o fito de que estas sejam<br />

introduzidas na herança simbólica e nas práticas discursivas legitimadas em sua sociedade<br />

(Arendt, 1989). A força desses efeitos advém das relações assimétricas estabelecidas<br />

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freqüentemente em sala de aula, pela posição e pelo exercício dos ofícios de professores e de<br />

alunos (Perrenoud, 1995).<br />

As concepções acerca de leitura mais comuns entre professores, e seus efeitos para o<br />

ensino da leitura foram objeto de análise no trabalho de Silva (1999). O autor adverte para o<br />

fato de que mesmo não conscientes para quem ensina, tais concepções geram marcas em seus<br />

fazeres por induzirem ao uso de práticas distintas, quer no trato das informações veiculadas<br />

em textos escritos, quer nos modos de propor a leitura e as atividades a ela relacionadas. As<br />

experiências dos alunos nessas situações, muitas vezes de lerem o quê e como, do que lhes foi<br />

dado a ler (Larrosa, 2003), fundam suas próprias concepções acerca de leitura e de si, por<br />

exemplo, como leitor e aprendiz.<br />

No tocante algumas dimensões relacionadas à prescrição de leitura de textos as<br />

participantes informaram que seus professores nem sempre contextualizam o texto a ser lido.<br />

Menos da metade (40%) assinalou que tal prática sempre ocorre, 30% informaram que ocorre<br />

freqüentemente, enquanto que, na opinião de 23%, essa é uma prática ocasional. As demais<br />

participantes (7%) registraram como rara tal prática por parte de seus professores. Porém, a<br />

indicação quanto à pertinência da leitura prescrita com as demais obras do autor ocorre<br />

costumeiramente, segundo 53% das alunas participantes.<br />

Pelos resultados parece não ser experienciado pelas participantes como prática<br />

rotineira seus professores informarem quaisquer relações do texto prescrito com leituras<br />

anteriores. As respostas ao item do questionário apontam para tal: segundo 28% das alunasparticipantes<br />

seus professores sempre informam as relações do texto prescrito com leituras<br />

realizadas anteriormente, e tal ocorre freqüentemente, segundo 25% delas. Contudo, para<br />

outras essa é uma prática ocasional (32%), rara para 10% , e que nunca ocorre para 5%. A<br />

divergência registrada nas respostas parece mais indicar as vivências das participantes quando<br />

da prescrição dos textos, do que propriamente os modos como seus professores prescrevem o<br />

texto para estudo.<br />

A preocupação mais freqüente dos professores ao prescreverem leituras, segundo a<br />

opinião das participantes, centra-se nas atividades a serem realizadas tendo por base as<br />

leituras produzidas. Assim informaram 82% delas, porém com graduação distinta: sempre<br />

(50%) e freqüentemente (32%). Para 14% das participantes, essa é uma prática ocasional, e<br />

4% delas nunca perceberam essa preocupação por parte dos seus professores. Contudo, para<br />

75% das participantes os professores preocupam-se costumeiramente em esclarecer os<br />

objetivos a serem atingidos com a leitura. Como se constata, os professores ao prescreverem<br />

leituras parecem mais preocupados quanto a que estas sejam realizadas em função dos<br />

objetivos por eles informados e para as atividades a serem propostas posteriormente, do que<br />

em estabelecerem relações com as leituras já realizadas.<br />

Quando as participantes foram instigadas a opinar se seus professores ao indicarem<br />

esses textos costumavam vinculá-los aos assuntos tratados em sala de aula, a maioria delas<br />

indicou que eles não o faziam. Apenas 32% das participantes informaram que essa era uma<br />

preocupação que percebiam como freqüente. Para 50% ela foi percebida como ocasional.<br />

Como informado, na opinião das alunas-participantes, seus professores se preocupam<br />

mais em indicar os objetivos a serem atingidos e atividades a serem cumpridas pela leitura<br />

dos textos que prescrevem do que em contextualizar o texto, quer entre as produções do<br />

mesmo autor, quer em relação a outras leituras e aos assuntos tratados em sala de aula.<br />

Vimos, também, que as preocupações deste grupo de alunas orientam-se mais para serem<br />

capazes de reproduzir as informações do autor do que para avaliá-las. Consideramos que o<br />

conjunto destes resultados permite que possamos interpretá-los como evidência dos efeitos<br />

dos vestígios de poder das práticas de prescrição de leitura (Kons, 2005).<br />

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São relativamente comuns as crenças, mesmo entre os que trabalham em instituições<br />

escolares, quanto a que um texto possibilite apenas uma única interpretação, tal como<br />

intencionada por seu autor ao escrevê-lo e identificada por aqueles a quem historicamente lhes<br />

foi atribuída a condição para tal. Leenhardt (1990), no texto “Le ‘savoir lire’, ou des<br />

modalités sócio-historiques de la lecture”, analisa as principais atitudes assumidas pelo leitor<br />

ao ler, tanto das que mantém em relação a si como sujeito cognoscente, quanto das que<br />

mantém com o objeto a ser conhecido (textos, livros, etc). Propôs uma tipologia das<br />

orientações que subjazem a tais atitudes. Uma delas é a da crença do “escrito como absoluto”<br />

(Lenhardt, 1990:9), que orienta o leitor para uma postura de reverência. O que está escrito é<br />

reconhecido a priori como verdade. Compete, no caso, ao leitor acomodar-se ao proposto<br />

pelo autor com seu escrito.<br />

Porém, se o caminho dessas crenças e orientações pode ser traçado historicamente e<br />

neste compreendido e desvelado, porque situado em paradigmas de saberes que foram sendo<br />

legitimados por diversas comunidades, não há razão para que ainda hoje algumas dessas<br />

crenças persistam, especialmente a do escrito como absoluto. Os atuais paradigmas que<br />

servem de suporte a distintos campos disciplinares para a compreensão das relações que se<br />

estabelecem entre o leitor, o texto e seu autor, por terem sido legitimados por suas respectivas<br />

comunidades, particularmente as científicas (Veiga-Neto, 2002), fundam olhares, alguns<br />

distintos acerca da verdade dos textos. Os que tomam como premissa a de que um texto<br />

possibilita apenas uma leitura ignoram os efeitos das dimensões circunstanciais e macro que<br />

acompanham o ato de ler. Entre as dimensões circunstanciais presentes ao ler, por<br />

conseguinte situadas, destacamos as configuradas pelo suporte e modalidade do texto, pelas<br />

condições nas quais ocorre a leitura, pelas razões que levam alguém a ser instigado a ler, pelas<br />

competências e capital cultural do leitor, entre outras. As dimensões macro são múltiplas e de<br />

distintas ordens: culturais; históricas; sociais; econômicas, etc., as quais, também, interferem<br />

nos modos e produção da leitura individual de um texto, segundo nossa posição.<br />

Entendemos, portanto, que nos casos em que os professores declaram as atividades e<br />

objetivos da leitura dos textos que prescrevem a seus alunos, de fato indicam alguns modos<br />

particulares de ler. Ao assim fazerem, como diz Larrosa (2003), dão a ler o que entendem que<br />

se deva ler, e assim fazendo (in)formam o que é legitimado, ou como esse autor anteriormente<br />

(2002: <strong>13</strong>3) afirmou: de-formam. Controlam qual formação deve ser oportunizada pela leitura<br />

do texto que indicam. Ao procederem dessa maneira acabam por limitar os contornos e o<br />

nível de encontro individual dos alunos com os textos e com seus autores. Constatamos, pelas<br />

respostas das alunas-participantes da pesquisa que sustenta o presente relato, que seus<br />

professores costumeiramente não estabelecem relações com os assuntos já tratados, porque<br />

orientam apenas para o que irão cumprir após a leitura.<br />

Essa orientação para atividades a serem desenvolvidas, sem análise do que já foi<br />

adquirido, compromete as condições de reflexão necessárias ao exercício do próprio ofício,<br />

tanto por parte de quem estuda quanto de quem ensina. Compromete, além do mais, os efeitos<br />

potenciais da leitura para a formação e reflexão de si e sobre si. Por ignorarem esses efeitos,<br />

tais professores impedem seus alunos de produzirem e serem produzidos pela leitura que<br />

realizam a partir dos textos prescritos. Isso é grave. Especialmente, em um curso de formação<br />

de professores, futuros formadores de leitores. A importância dos efeitos da leitura para a<br />

formação é indicada por Jorge Larrosa, como segue:<br />

“pensar a leitura como formação implica pensá-la como uma atividade que tem a ver<br />

com a subjetividade do leitor: não só com o que o leitor sabe, mas, também, com aquilo<br />

que ele é. Trata-se de pensar a leitura como algo que nos forma (ou nos de-forma e nos<br />

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trans-forma), como algo que nos constitui ou nos põe em questão naquilo que somos”.<br />

(Larrosa, 2002:<strong>13</strong>3, grifos nossos)<br />

Em nossa opinião, quando professores não dimensionam o poder dos efeitos dos<br />

modos como prescrevem as leituras de estudo comprometem a formação pessoal e<br />

profissional de seus alunos. Pelo presente trabalho, demonstramos como os modos de<br />

prescrição de leituras dirigem as preocupações e os modos de ler das alunas-participantes.<br />

Ajunte-se a isso, os efeitos sobre o grau de interesse em ler das participantes, frente às leituras<br />

prescritas. O interesse ou não pela realização da leitura dos textos indicados prende-se,<br />

costumeiramente para essas alunas-participantes, à figura do professor (sempre para 27%, e<br />

freqüentemente para 28%), e a como são discutidos os textos em sala de aula (sempre para<br />

43% e freqüentemente para 43% das participantes).<br />

Esses resultados ressaltam a importância dos professores quanto ao interesse e prática<br />

da leitura na escola, mesmo daquela restrita a textos acadêmicos indicados para estudo. Os<br />

modos de ser, de ensinar e de como os professores oportunizam que transcorram as discussões<br />

dos textos em sala de aula foram assinalados como razões que dirigem o interesse pela leitura<br />

nas alunas-participantes.<br />

A tabela 2 apresenta por razão e níveis de freqüência, o que move as alunasparticipantes<br />

para lerem os textos de estudo.<br />

Do<br />

professor<br />

Das condições<br />

estipuladas quando da<br />

proposição da leitura<br />

Como o<br />

professor<br />

ensina<br />

Como os textos<br />

são discutidos<br />

em sala<br />

Sempre 27% 19% 30% 43%<br />

Freqüentemente 15% 38% 28% 43%<br />

Algumas Vezes 48% 40% 39% 12%<br />

Raramente 5% 3% 3% 2%<br />

Nunca 5% 0% 0% 0%<br />

Tabela 2 - Razões para o interesse da leitura dos textos propostos (N=61)<br />

O que fica evidente, pelas respostas, é que o interesse pela realização da leitura<br />

depende especialmente das práticas educativas do professor: das discussões que possibilita e<br />

de como ensina. Isto nos faz lembrar da importância das palavras de Paulo Freire quando<br />

descreve os efeitos da trama do ensinar: “É na fala do educador, no ensinar (intervir, devolver,<br />

encaminhar), expressão do seu desejo, casado com o desejo que foi lido, compreendido pelo<br />

educando, que ele tece seu ensinar” (Freire,1992: 11).<br />

Não é nossa intenção simplificar questões complexas colocando as razões primeiras do<br />

(des)interesse do aluno em ler na pessoa do educador, ou em sua ação pedagógica, porém não<br />

se pode desconsiderar o poder das mesmas. Transcrevemos como exemplo dos efeitos e da<br />

importância dos modos utilizados pelos professores para indicarem leituras de estudo, as<br />

palavras de uma das alunas-participantes: “o professor é realmente o centro da sala de aula e<br />

tudo depende dele, portanto dependendo da forma como ele passa os textos e da maneira<br />

como vai trabalhá-los, desperta sim, mais o interesse pela leitura” [sic].<br />

As palavras dessa participante selecionadas das demais justificativas apresentadas<br />

pelas participantes, remetem-nos a questões centrais acerca das práticas da leitura que<br />

ocorrem em instituições escolares. Em face do foco do presente trabalho, quais sentidos são<br />

priorizados, por exemplo, por professores e alunos às leituras, especialmente de textos<br />

técnico-científicos, isto é de estudo, e para as suas prescrições<br />

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Paulo Freire, quando escreveu o texto Considerações em torno do ato de estudar,<br />

publicado em 1982, ponderou que quem estuda deve se sentir desafiado pelo texto em sua<br />

totalidade e seu objetivo deve ser o de apropriar-se de sua significação profunda. Para tanto,<br />

arrolou posturas que o leitor deve assumir. Dessas, selecionamos as que seguem: a) seu papel<br />

de sujeito; b) uma postura curiosa, face ao mundo, aos textos e às relações com os outros, isto<br />

é, o leitor/estudante não deve perder nenhuma oportunidade e fonte para indagar e buscar; c)<br />

dialogar com o autor do texto, levando em conta o condicionamento histórico-sociológico e<br />

ideológico do autor, o qual nem sempre é o seu, enquanto leitor.<br />

No presente trabalho interpretamos que os modos e práticas dos professores<br />

prescreverem as leituras de estudo, como constatado pelas respostas das alunas, sugerem que<br />

eles, geralmente, não atentam para o fato de que ao propor já produzem marcas em suas<br />

alunas. Assim acontece, porque definem os sentidos do que irá ser lido, pois ao darem a ler<br />

esses textos estabelecem/prescrevem como e para quê deve ser lido o material que<br />

disponibilizam.<br />

Não parecem estar atentos, e, possivelmente, por isso não direcionam a atenção de<br />

seus alunos para a escuta das vozes que mesmo veladamente permeiam a escrita dos textos<br />

selecionados e a produção individual da leitura desses textos. Em suma, não autorizam<br />

leituras diferentes da que eles fizeram ou fazem. Por esta postura, geram o engessamento ao<br />

diálogo, porque ao silenciarem a todos, só buscam o eco de sua própria voz, o que de fato se<br />

opõe ao recomendado, por exemplo, nos documentos oficiais que deveriam orientar os fazeres<br />

na escola, como proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e pelas Diretrizes<br />

Curriculares para o Estado do Paraná.<br />

O discurso oficial, tal como formulado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)<br />

de Língua Portuguesa assinala para importância de os professores estarem atentos à<br />

importância da compreensão e da aprendizagem necessária para a produção da leitura.<br />

Indicam os cuidados que devem ser tomados para a formação de leitores competentes, como<br />

segue:<br />

“[...] formar um leitor competente, supõe formar alguém que compreenda o que lê; que<br />

possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos;<br />

que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários<br />

sentidos podem ser atribuídos a um texto [...]” (Brasil, 1999: 69)<br />

Esse documento sugere, ainda, algumas diretrizes quanto às práticas de leitura que a<br />

serem fomentadas na escola e às que devem ser evitadas:<br />

“[...] uma prática constante de leitura na escola deve admitir ‘leituras’. Pois outra<br />

concepção que deve ser superada é o mito da interpretação única, fruto do pressuposto<br />

de que o significado está no texto. O significado, no entanto, constrói-se pelo esforço de<br />

interpretação do leitor, a partir não só do que está escrito, mas do conhecimento que traz<br />

para o texto. Necessário que o professor tente compreender o que há por trás dos<br />

diferentes sentidos atribuídos pelos alunos aos textos; às vezes é porque o autor<br />

intencionalmente ‘jogou com as palavras’ para provocar interpretações múltiplas; às<br />

vezes é porque o texto é difícil ou confuso; às vezes é porque o leitor tem pouco<br />

conhecimento sobre o assunto tratado e, a despeito do seu esforço, compreende mal.”<br />

(Brasil, 1999: 71, grifos nossos)<br />

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O presente trabalho pode não ter anunciado informações teóricas e análises<br />

inovadoras, mas indiscutivelmente evidenciou os efeitos das prescrições de leitura de textos<br />

de estudo para um grupo de alunas, futuras professoras.<br />

Como professores podemos, e, por razões de ofício devemos auxiliar outros a<br />

(re)escrever a própria história, por exemplo, pelos modos como indicamos as leituras, uma<br />

vez que estes afetam as condições para que cada um escreva ou reescreva entendimentos<br />

sobre si e o mundo (Freire, 1992). Por conseguinte, podemos assumir, ou reassumir a posição<br />

de co-autores das condições de nossas vidas e das de outros.<br />

Em razão disso, como professores, precisamos refletir continuamente sobre como<br />

agimos e configuramos os espaços para que os alunos aprendam, e leiam o mundo e as<br />

produções simbólicas culturais, visto parte de sua subjetividade ser constituída pelos efeitos<br />

de nossas ações. Talvez, assim, nossos alunos possam futuramente exercer dignamente seu<br />

ofício com consciência crítica, bem como pelo exercício de sua cidadania venham a contribuir<br />

para que a voz de todos seja escutada seriamente, e não apenas a daqueles que ocupem<br />

funções que legitimam por si seu poder, como é o caso não tão raro do exercício do ofício de<br />

professor em sala de aula, quando dá a ler textos e configura finalidades e contornos estreitos<br />

para a leitura dos textos que indica.<br />

4. Referências bibliográficas<br />

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Witter, G.P. (1992). Produção e leitura do texto científico. Estudos de Psicologia, 9 (1), 19-<br />

26.<br />

- E.M.M.P. Pullin é graduada em Pedagogia (Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e<br />

Letras de Londrina), com Mestrado e Doutorado em Psicologia Escolar e do<br />

Desenvolvimento Humano (Universidade de São Paulo). Atua como Professora Associada<br />

(UEL) e Consultora da Fundação de Ciência e Tecnologia do estado de Santa Catarina, de<br />

Pernambuco e da Fundação Araucária do estado do Paraná. E-mail para correspondência:<br />

pullin@uel.br. L.S.G. Moreira possui graduação em Letras (Fundação Faculdade Estadual de<br />

Filosofia Ciências Letras Cornélio Procópio, FAFICOP), em Pedagogia (FAFICOP),<br />

especialização em Alfabetização (Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Arapongas),<br />

especialização em Língua Portuguesa e Literatura (FAFICOP) e Mestrado em Educação<br />

(Universidade Estadual de Londrina). Atualmente é Professora Titular (UNOPAR e Colégio<br />

Estadual Cyríaco Russo) e Professora Pedagoga (Escola Estadual Nóbrega da Cunha). E-mail<br />

para correspondência: neiamoreira_7@hotmail.com.<br />

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Artigo Científico<br />

Tecnologia de ensino e tecnologia assistiva no ensino de crianças<br />

com paralisia cerebral<br />

Technology for education and assistive technology in teaching children with cerebral palsy<br />

Ana Irene Alves de Oliveira ,a , Marilice Fernandes Garotti b e Nonato Márcio Custódio<br />

Maia Sá a<br />

a Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém, Pará, Brasil; b Universidade Federal do Pará<br />

(UFPA), Belém, Pará, Brasil<br />

Resumo<br />

O presente artigo tem por objetivo apresentar a inter-relação existente entre as tecnologias de<br />

ensino e as tecnologias assistivas. Possibilitar o ensino de crianças com paralisia cerebral, sob a<br />

ótica da Análise Experimental do Comportamento (AEC), apresentando inicialmente as<br />

características da criança com paralisia cerebral e suas implicações no processo de<br />

aprendizagem. Demonstrar a importância de identificar e desenvolver os pré-requisitos de<br />

leitura e escrita. O paradigma da equivalência de estímulos descrito por Sidman e Taiby (1982)<br />

aliados às atividades de consciência fonológica, são descritos através de relatos de pesquisas<br />

como tecnologias de ensino utilizadas com crianças que apresentam dificuldades de<br />

aprendizagem. As tecnologias de ensino associadas às tecnologias assistivas são aplicadas<br />

como suporte e apoio para desenvolver o ensino de crianças com Paralisia Cerebral (PC). Essas<br />

crianças, na sua maioria, apresentam dificuldades neuromotoras para acessar os recursos<br />

disponíveis. Faz-se necessário, dispositivos de acessibilidade que possam favorecer e<br />

possibilitar a interação dessas crianças com computadores, através de softwares e hardwares<br />

adaptados. Tenciona-se apresentar propostas de estratégias de ensino com recursos de apoio,<br />

para melhor adequar o processo de ensino e aprendizagem de crianças com PC. Criar e adaptar<br />

recursos tecnológicos, favorecendo suporte a esse processo, na perspectiva de substituir<br />

tecnologia importada por tecnologia nacional e regional acessíveis economicamente. © Cien.<br />

Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 243-262.<br />

Palavras-chave: tecnologia de ensino; tecnologia assistiva; análise<br />

experimental do comportamento; classes de equivalência de estímulos;<br />

paradigma de estímulos; consciência fonológica; aprendizagem.<br />

Abstract<br />

This article aims to present the inter-relationship between the technology of education and<br />

assistive technologies to allow the teaching of children with cerebral palsy, from the viewpoint<br />

of the Experimental Analysis of Behavior (AEC), originally presenting the characteristics of<br />

children with cerebral palsy and its implications in the learning process. It will be shown, too,<br />

the importance of identifying and developing the requirements for pre reading and writing. The<br />

paradigm of stimulus equivalence described by Sidman and Taiby (1982) together with the<br />

activities of phonological awareness, are described in reports of research and technology of<br />

instruction used with children who have learning difficulties. These technologies associated<br />

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with the teaching of assistive technologies are applied as backing and support to develop the<br />

education of children with cerebral palsy, because these children, most of them have difficulties<br />

neurological and motor to access available resources and is thus necessary for devices that can<br />

access promote and facilitate the interaction of these children with computers through software<br />

and hardware adapted. This article will present proposals for strategies for teaching with<br />

resources to better support the process of creating teaching and learning and adapting to<br />

technological resources supports this process by replacing imported technology for national<br />

and regional technology, with options available including in the socio economic aspect. © Cien.<br />

Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3):243-262.<br />

Keywords: technology for teaching; assistive technology; experimental analysis<br />

of behavior; stimulus equivalence classes; paradigm of stimuli; phonological<br />

awareness; learning.<br />

1. Introdução<br />

As crianças com Paralisia Cerebral (PC) apresentam expressões faciais, movimentos<br />

corporais, visuais e sonorizações, que podem indicar que elas apresentam conhecimentos<br />

apreendidos e uma linguagem simbólica não exteriorizada. Mas, devido os<br />

comprometimentos na área motora essas crianças apresentam dificuldades de se expressar<br />

pela linguagem oral e escrita.<br />

Pensando em uma intervenção favorecedora do ensino de pré-requisitos de leitura e<br />

escrita, por meio de recursos adaptados, Alves de Oliveira (2004a) implementou um recurso<br />

informatizado, o “Software Desenvolve®”, como um instrumento avaliativo dessas funções.<br />

Esse recurso possibilita a avaliação do desempenho cognitivo de crianças com PC, traçando<br />

um perfil das habilidades cognitivas. Com outra interface, o mesmo software, pode ser<br />

utilizado como ferramenta de aprendizagem, estimulando e desenvolvendo as habilidades<br />

cognitivas e verbais.<br />

Para a Análise Experimental do Comportamento (AEC), a identificação de prérequisitos<br />

para aprendizagem de repertórios específicos é de suma importância. Segundo<br />

Rodrigues (1995) os pré-requisitos são habilidades supostamente necessárias para a aquisição<br />

de comportamentos mais complexos, tais como a leitura e a escrita, cuja aquisição exige a<br />

aprendizagem prévia de outros comportamentos.<br />

Segundo a perspectiva da AEC, ler e escrever não são comportamentos únicos, mas<br />

um conjunto de habilidades específicas e diferenciadas que devem ser aprendidas para que<br />

ocorra a aprendizagem da leitura e escrita. A aquisição de um repertório básico para essas<br />

habilidades de leitura e escrita pode ser compreendido como o estabelecimento de uma rede<br />

de relações comportamentais interligadas por meio da formação de classes de estímulos<br />

equivalentes.<br />

Nessa perspectiva, apenas três estudos (Cruz, 2005; Araújo, 2007; Garotti, 2007)<br />

foram realizados, focalizando o estabelecimento de leitura associado ao paradigma da<br />

equivalência de estímulos com a consciência fonológica em crianças com atraso de<br />

desenvolvimento. Em indivíduos com PC, não há relatos de pesquisas com esses<br />

procedimentos. Partindo dessa premissa, Alves de Oliveira (2008) propõe, no programa de<br />

doutorado, aliar essas tecnologias de ensino com as tecnologias assistivas.<br />

2. A criança com paralisia cerebral<br />

Segundo Diament (1996) e Rotta (2001/2002), foi Little, em 1843, que descreveu, pela<br />

primeira vez, a encefalopatia crônica da infância. Definiu-a como patologia ligada a diferentes<br />

causas e caracterizada, principalmente, por rigidez muscular. Freud, em 1897, sugeriu a<br />

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expressão PC que, mais tarde, foi consagrada por Phelps, ao se referir a um grupo de crianças<br />

que apresentavam transtornos motores mais ou menos severos devido a uma lesão do Sistema<br />

Nervoso Central (SNC).<br />

O termo PC não significa que o cérebro está paralisado, apenas sofreu alguma forma<br />

de agressão. Segundo a Associação Brasileira de Paralisia cerebral (ABPC) “Paralisia<br />

Cerebral é o termos usados para designar um grupo de desordens motoras, não progressivas,<br />

porém sujeitas a mudanças, resultante de uma lesão no cérebro nos primeiros estágios do seu<br />

desenvolvimento”. Esta definição foi proposta por Hagberg em 1989 e aceita na sociedade<br />

internacional de Paralisia Cerebral (Ferrareto e Souza, 1998).<br />

Pode-se dizer, também, que a PC é uma afecção crônica que acomete o SNC da<br />

criança, geralmente nos três primeiros anos de idade cronológica. Definida por Bobath (1979:<br />

11) como “resultado de uma lesão ou mau desenvolvimento do cérebro, de caráter não<br />

progressivo. Ocorre desde a infância no cérebro ainda imaturo, interferindo no<br />

desenvolvimento motor normal da criança”.<br />

A criança com PC possui um atraso de desenvolvimento neuropsicomotor por uma<br />

lesão no SNC (Bobath e Bobath, 1978; Brandão, 1992; Ferrareto e Souza, 1997/1998;<br />

Hagberg et al., 1984; Leitão, 1983; Schwartzman, 1992), podendo causar comprometimento<br />

na área motora, sensorial e/ou cognitiva, implicando em alterações do tônus muscular,<br />

qualidade do movimento, percepção, capacidade de apreender e interpretar os estímulos<br />

ambientais. Sabe-se, ainda, que muitas vezes as seqüelas da PC tornam-se agravadas pelas<br />

dificuldades que essas crianças apresentam em explorar o meio e em se comunicar com o<br />

mundo externo.<br />

Algumas crianças têm alterações leves, quase imperceptíveis, que as tornam<br />

desajeitadas para andar, falar ou usar as mãos. Outras são gravemente afetadas com<br />

incapacidade motora grave, impossibilidade de andar, falar, escrever, e muitas vezes, somados<br />

a outros comprometimentos associados tais como: déficits na área cognitiva com prejuízo na<br />

aprendizagem, déficits sensoriais (visão e/ou audição), crises convulsivas, dentre outras<br />

características comportamentais e clínicas. Muitas se tornam dependentes nas atividades da<br />

vida diária e na realização das atividades funcionais da vida prática. Entre estes dois extremos<br />

existem casos mais variados. De acordo com a localização das lesões e as áreas afetadas, as<br />

manifestações podem ser diferentes (Schwartzman, 1992; Pfeifer, 1994; Braga, 1999; Gil,<br />

2002; Alves de Oliveira, 2004a).<br />

A respeito da classificação da PC existem várias. Uma das mais aceitas ainda é a do<br />

Comitê da Academia Americana de Paralisia Cerebral – CAAPC do ano de 1956, que<br />

considera os tipos de disfunção motora presentes e a topografia dos prejuízos. Essa<br />

classificação não leva em conta a etiologia ou a patologia do problema, mas caracteriza o tipo<br />

de prejuízo motor presente e sumariza os achados em termos das características motoras e<br />

topográficas dos prejuízos.<br />

A classificação da PC pode ser feita por tipo clínico e pela distribuição da lesão no<br />

corpo (Ferrareto e Souza,1997/1998) e também pelo envolvimento neuromuscular<br />

(Tabith,1980 apud Tabaquim, 1996). A classificação por tipo clínico tenta descrever o tipo de<br />

alteração de movimento que a criança apresenta. O quadro 1 descreve as principais<br />

classificações conforme as características apresentadas pelos autores.<br />

Podem aparecer formas mistas com diferentes sintomas, o que torna difícil o<br />

diagnóstico e a intervenção. O comprometimento motor nestas crianças se manifesta com<br />

alterações tônicas, dificuldade para realizar movimentos voluntários, movimentos<br />

involuntários, padrões e posturas primitivas e patológicas. Esse quadro compromete o<br />

controle cervical, de tronco, preensão e toda a evolução do desenvolvimento neuropsicomotor<br />

que uma criança, sem nenhuma lesão, apresenta. Essas implicações motoras e/ou cognitivas<br />

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ocasionam limitações de experiências que podem comprometer ainda mais o desenvolvimento<br />

dessas crianças.<br />

3. Implicações da paralisia cerebral no processo de aprendizagem<br />

Além dos prejuízos nos movimentos, as crianças com PC, freqüentemente, apresentam<br />

outras condições que impedem o seu desenvolvimento e aprendizagem. Isso se deve ao fato<br />

de que a mesma lesão cerebral que causa os problemas de tônus muscular ou os movimentos<br />

involuntários também pode causar ou contribuir para o aparecimento de problemas em outras<br />

áreas, tais como a linguagem, a percepção visual e percepção auditiva (Geralis, 2007).<br />

Schwartzman (1992) indica que 75% dos casos de PC apresentam restrição intelectual<br />

em graus diversificados e grande parte dos que possuem inteligência normal encontram<br />

obstáculos na vida acadêmica. Associados à PC podem ser observados problemas auditivos,<br />

visuais (estrabismo, erros de refração, hemianopsia), epilepsia, alterações sensoriais. Podem<br />

ocorrer, também, problemas de caráter psicológico, decorrentes de fatores como dificuldade<br />

de adaptação e integração.<br />

Segundo Gil (2002), a avaliação cognitiva das crianças com PC que apresentam grave<br />

envolvimento motor e possuem impedimentos na fala e na escrita manual, são dificultadas<br />

pela restrição de comunicação e pelo fato da maioria dos instrumentos utilizados requererem<br />

respostas verbais e/ou motoras. Por esperar respostas verbais ou escritas o educador encontra<br />

dificuldades na interação e na avaliação da aprendizagem desse aluno. Nesse sentido, e os<br />

comportamentos acadêmicos básicos de leitura e escrita, na maioria das vezes, não são<br />

adquiridos, satisfatoriamente, o que dificulta a inclusão na rede regular de ensino.<br />

Dois fatores vão influenciar a qualidade e a velocidade do desenvolvimento cognitivo<br />

de uma criança: a capacidade de interação com o meio e a natureza desse meio. Portanto, a<br />

partir do princípio da tríade indivíduo – ambiente – desenvolvimento cognitivo, fica evidente<br />

que as crianças com PC apresentam desvantagens (Dederich, 2000). A disfunção neuromotora<br />

pode interferir na auto-exploração e exploração do ambiente, entretanto isso não significa que<br />

a capacidade cognitiva esteja severamente comprometida. A redução da capacidade<br />

exploratória limita as experiências sensoriais e perceptivas, atrasando a aquisição dessas<br />

informações, o que poderá ser minimizado através de programas de ensino adequado às<br />

condições desses indivíduos.<br />

Muitas vezes, essas crianças são consideradas deficientes mentais, porque, a grande<br />

maioria, são incapazes de articular a fala ou de segurar um lápis para aprender a escrever,<br />

comprometendo o processo de aprendizagem e de alfabetização, aliados, ainda, a uma<br />

metodologia inadequada e inapropriada para as dificuldades que elas apresentam.<br />

Ferrareto e Souza (1997/1998), Vieira (1998), Schwartzman (1992) e Alves de<br />

Oliveira (2004a) descrevem diversos distúrbios associados a PC que afetam a motricidade e a<br />

cognição, entre os quais cita: problemas de atenção, de percepção, de memória e<br />

psicomotores. Os problemas de atenção são decorrentes das características da PC, que<br />

comprometem a capacidade de manutenção do controle postural, o que dificulta o<br />

direcionamento e fixação ocular, interferindo, conseqüentemente, na capacidade de fixar a<br />

atenção em objetos e situações.<br />

A aprendizagem ocorre a partir de um processo de construção diária, pelo qual todo o<br />

indivíduo passa, independente de suas condições motoras e/ou cognitivas. Crianças com PC<br />

apresentam dificuldades de exploração, que variam de acordo com o grau de<br />

comprometimento imposto pela patologia.<br />

246


Quadro 1 – Classificação da Paralisia Cerebral (Fonte: CAAPC, 1956, Ferrareto e Souza, 1997/1998, Tabith apud Tabaquim, 1996)<br />

Classificação da PC conforme a<br />

disfunção motora e topográfica –<br />

CAAPC (1956)<br />

PC Espástica • Diplegia:<br />

comprometimento<br />

maior nos membros<br />

inferiores<br />

• Quadriplegia:<br />

prejuízos<br />

equivalentes nos<br />

quatro<br />

• membros<br />

• Hemiplegia:<br />

comprometimento de<br />

um demídio corporal<br />

• Dupla hemiplegia:<br />

membros superiores<br />

mais<br />

PC Discinética<br />

PC Atáxica<br />

PCMista<br />

• Hipercinética ou<br />

coreoatetóide<br />

• Distônica<br />

Classificação por tipo clínico e pela<br />

distribuição da lesão no corpo (Ferrareto<br />

e Souza, 1997/1998)<br />

Espástico - Caracterizado por paralisia e aumento<br />

do tônus muscular resultante de lesões no córtex<br />

ou nas vias daí provenientes . No tipo espástico a<br />

musculatura fica tensa, contraída, difícil de ser<br />

movimentada, fenômeno chamado de<br />

espasticidade. Como a espasticidade predomina<br />

em alguns grupos musculares e não em outros, o<br />

aparecimento de deformidades articulares neste<br />

grupo de pacientes é comum. O aparecimento de<br />

estrabismos também é comum nestas crianças<br />

devido a comprometimentos nos músculos<br />

oculares.<br />

Atetóide / Distônico - Caracterizada por<br />

movimentos involuntários e variações na<br />

tonicidade muscular resultantes de lesões dos<br />

núcleos situados no interior dos hemisférios<br />

cerebrais (Sistema Extra-Piramidal). Segundo<br />

(Souza, 1998). Nesse tipo, os movimentos<br />

involuntários que a criança apresenta são lentos,<br />

presentes nas extremidades mãos e pés, contínuos<br />

e serpenteantes, dificultando os movimentos que a<br />

criança quer executar.<br />

Coreico - Os movimentos são, nestes casos,<br />

rápidos, amplos, presentes nas raízes dos<br />

membros, como ombro e quadril. Como são<br />

rápidos e amplos podem desequilibrar a criança e<br />

impedi-la de adquirir algumas posturas.<br />

Atáxico - Caracterizada por diminuição da<br />

tonicidade muscular, incoordenação dos<br />

movimentos e equilíbrio deficiente, devido a<br />

lesões no cerebelo ou das vias cerebelosas<br />

Classificação pelo o envolvimento neuromuscular<br />

(Tabith, 1980 apud Tabaquim, 1996)<br />

Espasticidade: é o quadro mais freqüente, correspondendo<br />

em até 70% dos casos. Existe um comprometimento do<br />

sistema Piramidal com a Hipertonia dos músculos. É<br />

caracterizado pela lesão do motoneurônio superior no córtex<br />

ou nas vias que terminam na medula espinhal. Ocorre um<br />

aumento de resistência ao estiramento que pode diminuir<br />

abruptamente. A espasticidade aumenta com a tentativa da<br />

criança em executar movimentos, o que faz com que esses<br />

sejam bruscos, lentos e anárquicos. Os movimentos são<br />

excessivos devido ao reflexo de estiramento estar exagerado.<br />

As deformidades articulares se desenvolvem e podem com o<br />

tempo, tornar-se contraturas fixas. O reflexo tônico cervical<br />

pode persistir.<br />

Atetose: comprometimento do sistema extra-piramidal; o<br />

sistema muscular é instável e flutuante; numa ação, apresenta<br />

movimentos involuntários de pequena amplitude. Os<br />

movimentos coréicos são golpes rápidos e involuntários<br />

presentes no repouso e aumentam conforme o movimento<br />

voluntário. O controle da cabeça é fraco e as respostas a<br />

estímulos são instáveis e imprevisíveis. Apresentam um<br />

quadro de flacidez e respiração anormal. Corresponde de 20%<br />

a 30% dos casos.<br />

Ataxia: comprometimento do cérebro e vias cerebelares.<br />

Manifesta-se por uma falta de equilibro e falta de coordenação<br />

motora e em atividades musculares voluntárias. Há sinais de<br />

tremor intencional e disartria. A ataxia pura é rara e no início<br />

não é fácil de ser reconhecida. Há pouco controle de cabeça e<br />

do tronco. A fala é freqüentemente retardada e indistinta,<br />

caracteristicamente com a boca aberta e salivação<br />

considerável. Corresponde a 10% dos casos.<br />

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4.Tecnologia de ensino<br />

O paradigma da equivalência de estímulos (Sidman e Taiby, 1982) tem fundamentado<br />

pesquisas para ensinar novos repertórios comportamentais. Nos últimos anos, várias pesquisas<br />

desenvolvidas pela AEC, com base nesse paradigma, fornecem subsídios para a intervenção<br />

em populações com déficits cognitivos e de aprendizagem (Sidman e Tailby, 1982; Sidman et<br />

al., 1982). Resultados promissores, também, têm sido apresentados, principalmente com<br />

crianças em idade escolar, para desenvolver repertórios acadêmicos (Medeiros, et al., 1995;<br />

Medeiros e Monteiro, 1996; Melchiori, 1992; de Rose et al., 1989; Rodrigues, 2000).<br />

Aiello (1995) afirma que o pensamento e a linguagem requerem a capacidade de<br />

agrupar os estímulos em classes. Estas classes são formadas a partir da emergência de<br />

relações entre estímulos que nunca foram explicitamente ensinadas, e constituem a base do<br />

que chamamos genericamente de conceitos.<br />

O termo “Classes de estímulos equivalentes” é uma expressão empregada para<br />

designar a classe composta por estímulos permutáveis em determinados contextos (Rossit e<br />

Ferreira, 2003). “Equivalência” consiste no estabelecimento de uma espécie de relação de<br />

significado entre os símbolos (palavras ou não) e os eventos ou fenômenos, aos quais esses<br />

símbolos se referem. O fenômeno da equivalência consiste, nessa substituição entre os<br />

estímulos e, portanto, no surgimento ou emergência de novos comportamentos. A<br />

equivalência permite o surgimento de um “comportamento novo”, que consiste na emissão de<br />

uma reposta específica que não tinha sido ensinada anteriormente, de forma que esse<br />

comportamento se apresenta não somente frente ao estímulo apresentado, mas também<br />

“diante de outros estímulos que se torne equivalentes ao primeiro” (Barros, 1996).<br />

Para Sidman (2000), equivalência é o resultado direto de contingências de reforço e<br />

essas contingências produzem pelo menos dois tipos de resultado: unidades analíticas que é<br />

chamada de discriminação condicional e relações de equivalência. A unidade analítica possui<br />

quatro termos: estímulo condicional, estímulo discriminativo, resposta e reforçador.<br />

“Estímulo condicional” é aquele responsável por selecionar discriminações simples,<br />

sendo o estudo de relações condicionais de grande importância para a compreensão de<br />

processos complexos de controle de estímulos (Cumming e Berryman, 1961/1965). As<br />

funções dos estímulos discriminativos mudam a depender do estimulo condicional<br />

apresentado. Nesse sentido, existe uma relação de condicionalidade entre os estímulos<br />

condicionais e os estímulos discriminativos. O estímulo condicional é chamado “modelo” e os<br />

estímulos discriminativos são denominados “comparação” ou “escolha”.<br />

Em procedimentos usualmente empregados para o ensino de discriminações<br />

condicionais, um estímulo (condicional) é apresentado como modelo em tentativas com<br />

outros estímulos (escolhas), dos quais apenas um é o correto (discriminativo). A resposta de<br />

escolha fica, dessa forma, dependente do modelo apresentado para que ocorra o reforço. Esse<br />

procedimento é denominado de “escolha de acordo com o modelo (matching-to-sample ou<br />

MTS)” (Sidman e Tailby, 1982).<br />

Sidman (1977) sugere o uso desse procedimento para favorecer o desenvolvimento de<br />

relações arbitrárias entre os estímulos e para avaliar os pré-requisitos necessários para a<br />

aquisição de leitura e escrita.<br />

O procedimento de escolha de acordo com o modelo matching-to-sample (MTS) pode<br />

ser classificado de acordo com as relações entre as propriedades formais dos estímulos<br />

utilizados. Quando um dos estímulos de escolha for idêntico ao modelo, o procedimento<br />

poderá ser denominado de duas maneiras: “escolha por identidade” (MTS de identidade, ou<br />

IMTS). O emparelhamento com o modelo ou pareamento por identidade se apresenta um<br />

estímulo modelo ao centro e abaixo são apresentados outros estímulos de comparação ou de<br />

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escolha (Catania, 1999). Se a resposta for escolher o estímulo diferente ao modelo isto é<br />

“escolha de acordo com o diferente” chama-se oddity-from-sample, ou OFS, sendo a resposta<br />

reforçada o estímulo diferente do modelo. Quando todos os estímulos utilizados, modelo e<br />

comparação, forem diferentes entre si, o procedimento é chamado “escolha de acordo com o<br />

arbitrário” (Damiani et al., 2002).<br />

No paradigma de equivalência de estímulos, o participante aprende, por exemplo, a<br />

relacionar, condicionalmente, palavras ditadas pelo experimentador (A) às correspondentes<br />

figuras (B) e às palavras impressas correspondentes (C). Essas discriminações condicionais<br />

são ensinadas apresentando-se um estímulo modelo (auditivo ou visual) e dois ou mais<br />

estímulos de escolha (desenhos ou palavras).<br />

O paradigma de equivalência por analisar a emergência de classes de estímulos, tem<br />

contribuído para a compreensão da aquisição da linguagem, produzindo vários estudos,<br />

inclusive em pessoas com repertório verbal mínimo (Carr et al., 2000) e com retardo mental<br />

(Yamamoto, 1994).<br />

Dois estudos experimentais (Carr et al., 2000) testaram classes de equivalência com<br />

indivíduos com retardo mental severo e com repertórios verbais mínimos. No primeiro estudo,<br />

três indivíduos aprenderam vários desempenhos no matching-to-sample: Palavra-ditada<br />

correspondente à figura (AB), palavras impressas correspondente à figuras (CB), e também<br />

formas não representativas correspondentes às figuras (DB). Em testes subseqüentes, todos os<br />

indivíduos exibiram CA, com relações emergente imediatamente, DC, AC, BD, CD, e DC,<br />

que constituem uma demonstração positiva de equivalência.<br />

O segundo estudo obteve um resultado de teste de equivalência positivo com um em<br />

dois indivíduos com repertórios verbais mínimos. Embora Holmes e colaboradores (2004)<br />

afirmam que os participantes desses experimentos relatados anteriormente possuíam<br />

repertórios auditivos básicos e alguns utilizavam habilidades de comunicação alternativa,<br />

através de recursos com figuras e símbolos. Além disso, cada um dos participantes tinha sido<br />

exposto há vários anos de educação especial, e em alguns casos tinha participado em estudos<br />

prévios que usavam procedimentos de MTS.<br />

Em um experimento realizado por Sidman (1971) com um rapaz de 17 anos,<br />

severamente retardado, este aprendeu a relacionar corretamente 20 palavras ditadas (A) às<br />

respectivas figuras (B), nomear corretamente essas 20 figuras (relação BD) e emparelhar<br />

palavra escrita com palavra escrita (relação CC). Ele não apresentou leitura auditivo-receptiva<br />

(relação AC) e nem os emparelhamentos de figuras como modelo e palavras impressas como<br />

escolha e vice-versa (relações BC e CB). Foi ensinada a relação AC (escolher as palavras<br />

escritas correspondentes àquelas ditadas pelo experimentador). Nesse treino, o número de<br />

palavras ensinadas era gradualmente aumentado e, antes de cada aumento, as relações CB, BC<br />

e CD (nomeação oral da palavra pelo sujeito) eram testadas. Após o ensino das 20 palavras, o<br />

sujeito apresentou 100% de acertos em todas as relações. Com base nos resultados o autor<br />

concluiu que emparelhamentos de palavras ditadas como modelo, com figuras<br />

correspondentes, como escolha (relação AB) e o ensino de palavras ditadas como modelo,<br />

com palavras escritas como escolhas (AC), eram pré-requisitos suficientes para a emergência<br />

de dois tipos de relações, sem necessidade de treino adicional: as relações entre palavras<br />

escritas e figuras e nomeação oral de palavras (leitura oral). Verificando, então, que<br />

emparelhamentos entre modelos auditivos (palavras faladas ao sujeito) e palavras escritas<br />

(estímulos de escolha) eram suficientes para fazer emergir uma leitura compreensiva e a<br />

leitura oral, mesmo sem treino explícito.<br />

D'Oliveira (1990) relata o uso do paradigma de equivalência de Sidman (1986/1994)<br />

no ensino da leitura. Ensina unidades verbais menores que a palavra e, a partir daí, testa a<br />

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ocorrência de leitura generalizada, empregando novas palavras, construídas com aquelas<br />

mesmas unidades verbais.<br />

Posteriormente, experimentos desenvolvidos por Matos e Hubner (1997), Matos et al.<br />

(1997), ensinaram palavras com as sílabas sistematicamente variadas, utilizando o paradigma<br />

da equivalência de estímulos para desenvolver controle por unidades menores que a palavra.<br />

Em vários estudos (Dixon, 1977; Matos e Hübner, 1997; Melchiori et al., 1992;<br />

D'Oliveira e Matos, 1993; de Rose et al., 1989, 1992; Souza e Rose, 1992/1997) foi<br />

demonstrada a importância de unidades textuais mínimas na aquisição de leitura<br />

generalizada.<br />

Segundo Cruz (2005) o ensino direto do reconhecimento de correspondências entre<br />

sons e letras, denominado consciência fonológica, parece promover com maior rapidez o<br />

controle por unidades verbais mínimas. No entanto, diferencia-se do paradigma de<br />

equivalência, que constrói significados e favorece a compreensão da palavra. Talvez, o ensino<br />

de consciência fonológica seja um eficiente pré-requisito para o rápido desenvolvimento de<br />

controle por unidades verbais mínimas e, conseqüentemente, a leitura generalizada.<br />

Em experimento realizado por Cruz (2005) em três adolescentes com Síndrome de<br />

Down, com idades entre 12 e 18 anos, foi utilizado o paradigma de equivalência de estímulos<br />

juntamente com atividades de consciência fonológica para o ensino de leitura. No<br />

experimento foi investigado se as atividades que geram consciência fonológica seriam prérequisitos<br />

eficientes para o desenvolvimento de leitura recombinativa generalizada. Os<br />

resultados indicaram, para dois dos três sujeitos, que o ensino explícito de habilidades<br />

fonológicas ocasionou tanto a emergência de classes de equivalência, quanto o<br />

estabelecimento leitura e escrita por anagrama das novas palavras. Este estudo de Cruz (2005)<br />

indicou a eficiência do ensino de habilidades metafonológicas como pré-requisito para a<br />

aquisição de leitura e escrita, fortalecendo e ampliando as evidências disponíveis na literatura<br />

com pré-escolares e escolares provenientes de nível sócio-econômico baixo.<br />

Os resultados do estudo de Cruz (2005) sugerem que a justaposição e/ou interação dos<br />

dois procedimentos utilizados na pesquisa, ainda que baseados em diferentes enfoques acerca<br />

da aquisição de leitura e escrita, podem se complementar para implementar um modelo<br />

prático que otimize o ensino de tais habilidades no cotidiano. Sugere, ainda, replicações do<br />

procedimento em um maior número de crianças e jovens, inclusive com outros tipos de<br />

deficiência.<br />

Para Capovilla e Capovilla (2000), consciência fonológica refere-se tanto à<br />

consciência de que a fala pode ser segmentada [em palavras, sílabas e letras] quanto à<br />

habilidade de manipular tais segmentos. De acordo com Suple (1986 apud Capovilla e<br />

Capovilla, 2002) a consciência da fonologia ou do sistema sonoro da língua, desenvolve-se<br />

gradativamente, à medida que a criança vai se tornando consciente de palavras, sílabas e<br />

fonemas com unidades indentificáveis. Os estudos mais recentes demonstram que, para o<br />

domínio da leitura e escrita, são necessárias habilidades específicas que vão além da função<br />

simbólica, tais como:<br />

1) Compreensão de que a escrita mapeia a fala;<br />

2) Habilidade de discriminar entre as unidades fonêmicas da fala;<br />

3) Conhecimento das correspondências entre as unidades fonêmicas e as unidades grafêmicas<br />

(Capovilla e Capovilla, 2002).<br />

O método de alfabetização que promove o desenvolvimento da consciência fonológica<br />

e o ensino das correspondências entre grafemas e fonemas é o método fônico (Copovilla e<br />

Copovilla, 2002).<br />

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Araújo (2007), também, realizou um experimento que implementou um modelo que<br />

integra o treino de consciência fonológica ao paradigma de equivalência de estímulos.<br />

Utilizou-se rede de relações condicionais, para produzir leitura e escrita recombinativas, com<br />

compreensão em crianças e adolescentes com dislexia fonológica. Participaram desse estudo<br />

três sujeitos: um de 9 anos na 3ª série, um de 12 anos e outro de 15 anos, cursando a 6ª e 7ª<br />

séries, respectivamente. Alunos de escolas públicas de Belém, diagnosticados como<br />

disléxicos por fonoaudiólogas e indicados pelas mesmas para participarem do experimento.<br />

Foram aplicados pré-testes para averiguar a existência dos requisitos básicos para<br />

alfabetização, e o repertório de entrada em equivalência, leitura em voz alta, ditado e<br />

consciência fonológica. Os treinos e testes de formação de classes de equivalência eram<br />

intercalados com os treinos de consciência fonológica (consciência de palavras e consciência<br />

de sílabas), gerando a possibilidade de averiguar o efeito de cada treino nos desempenhos dos<br />

participantes. Os resultados mostraram uma melhora significativa nas habilidades de leitura<br />

com compreensão e escrita de palavras e pseudopalavras, e de nome de figuras (ditado mudo).<br />

Isso evidenciou a necessidade do ensino explícito de habilidades metafonológicas para o<br />

domínio de leitura competente e, especialmente da escrita indicando a eficiência deste<br />

modelo.<br />

5. Tecnologia assistiva<br />

Essas novas tecnologias vêm sendo incorporadas em nossa cultura, caracterizando-se<br />

cada vez como ferramentas indispensáveis na inclusão e integração de pessoas com algum tipo<br />

de deficiência. A constatação é ainda mais evidente e verdadeira quando se refere às pessoas<br />

com dificuldades na comunicação (oral e escrita), na funcionalidade e locomoção.<br />

Essas tecnologias de apoio as pessoas deficientes podem ser denominadas<br />

“Tecnologias Assistivas”, “Tecnologia de Apoio” ou “Ajudas Técnicas”. A Tecnologia<br />

Assistiva é definida como “uma ampla gama de equipamentos, serviços, estratégias e práticas<br />

concebidas e aplicadas para minorar os problemas funcionais encontrados pelos indivíduos<br />

com deficiências” (Cook e Hussey, 1995). Portanto, é qualquer item, peça de equipamento ou<br />

sistema de produtos, quer adquirido comercialmente de um estoque de fabricação em série,<br />

quer modificado, ou feito sob medida, usado para aumentar, manter ou melhorar capacidades<br />

funcionais de indivíduos com incapacidades.<br />

Para favorecer a qualidade de vida das pessoas deficientes, os recursos da tecnologia,<br />

muitas vezes são imprescindíveis, conforme afirma Radabaugh (2001: <strong>13</strong>): “Para as pessoas, a<br />

tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as<br />

coisas possíveis”.<br />

Para algumas pessoas com PC, grandes dificuldades físico-funcionais, a fala, o simples<br />

fato de apontar o dedo sobre um símbolo, para indicar uma mensagem, pode não ser possível<br />

ou prático. Por isso, todo esforço deve existir no sentido de possibilitar uma via de<br />

comunicação para o indivíduo expressar-se. A Tecnologia Assistiva é o canal que possibilita<br />

essas pessoas a se comunicar com o mundo ao seu redor. Existem recursos tecnológicos que<br />

possibilitam a acessibilidade, isto é, o acesso desse indivíduo à sociedade, podendo ser por<br />

meio da Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC), o computador, com softwares e<br />

hardwares acessíveis.<br />

Estudos desenvolvidos no Brasil (Capovilla et al., 1997, 1998a, 1998b; Capovilla,<br />

2005; Pelosi, 2000; Alves de Oliveira, 2004) enfocando o processo de avaliação e ensino com<br />

crianças com Paralisia Cerebral, são providos de estratégias e recursos da Tecnologia<br />

Assistiva associados à tecnologia de ensino, porém não há uma descrição de seu uso<br />

juntamente com o paradigma de equivalência de estímulos.<br />

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Para proporcionar acessibilidade aos deficientes com dificuldades neuromotoras, os<br />

softwares necessitam ter possibilidades de acionamento não convencional no mouse<br />

tradicional, mas através de um sistema de escaneamento (varredura). Segundo Pelosi (2000)<br />

sistema de escaneamento ou sistema de varredura é um recurso utilizado em equipamentos,<br />

que sinaliza as opções na tela do equipamento com o auxílio de pontos luminosos (leds).<br />

A varredura requer um controle mínimo de movimentos físicos. Dependendo da<br />

habilidade motora e cognitiva do indivíduo, o acesso por varredura lhe permite executar uma<br />

variedade de atividades no computador, que seriam impossíveis sem esta opção de acesso<br />

(Browning, 2006).<br />

Segundo Pelosi (2000) e Alves de Oliveira (2004a) a varredura exige que o indivíduo<br />

tenha uma resposta voluntária consistente como o bater a mão, o pé, piscar os olhos, balançar<br />

a cabeça, soprar, emitir som ou qualquer outro movimento do corpo ou segmento corporal<br />

para que sinalize sua resposta. Essas respostas podem ser associadas com hardwares como<br />

acionadores indiretos, que substituem o clique do mouse, por meio desses movimentos. Esses<br />

acionadores são ligados a um mouse adaptado (figura 1) para receber esses dispositivos.<br />

Acionadores são chaves colocadas em qualquer parte do corpo, onde o usuário possui<br />

algum controle ativo de movimento, ele pode ser ativado com pressão (tocar a mão, o pé, a<br />

cabeça), tração (puxar o braço), sopro, piscar, e podem ser selecionados e posicionados<br />

conforme as habilidades específicas de movimento da criança com PC. O indivíduo precisa<br />

aprender a ativar, manter e soltar voluntariamente o acionador. Esses acionadores podem ser<br />

confeccionados artesanalmente (figuras 2 e 3), com materiais simples identificados no<br />

cotidiano, necessitando apenas estar adequado às características e necessidades funcionais dos<br />

indivíduos que deles necessitam. Neste artigo são mostrados os acionadores artesanais,<br />

desenvolvidos no Núcleo de Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade –<br />

NEDETA 1 , com a proposta da substituição da tecnologia importada por tecnologia nacional,<br />

inovadora e de baixo custo, possibilitando a acessibilidade financeira dos usuários.<br />

Figura 1 - Mouse Adaptado (Fonte: NEDETA).<br />

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Figura 2 - Acionadores artesanais (Fonte: NEDETA).<br />

Figura 3 - Acionadores artesanais (Fonte: NEDETA).<br />

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Figura 4 - Software Desenvolve® (Fonte: Alves de Oliveira & Ruffeil, 2004).<br />

Segundo Alves de Oliveira (2007) os softwares especiais de acessibilidade são<br />

programas de computador que facilitam a interação da pessoa deficiente com a máquina. Os<br />

principais programas criados no Brasil, com características adaptadas de acessibilidade para<br />

pessoas com deficiências motoras e físicas são: Software Comunique<br />

(www.comunicacaoalternativa.com.br/centro/tcomunique.htm.), Software LM Brain<br />

(Panham, 1998), os Softwares da Linha Imago (http://www.qsnet.com.br/imagovox.htm),<br />

Software Motrix (http://intervoxnce.ufrj.br/ motrix/) e o Software Desenvolve® (Alves de<br />

Oliveira, 2004b) (figura 4) . Há também alguns softwares importados que são utilizados no<br />

Brasil, tais como o IntelliPics® (http://www.intellitools.com).<br />

Pesquisas na área, com equivalência de estímulos têm produzido tecnologia voltada<br />

para a instalação de repertórios comportamentais complexos em uma variedade de indivíduos.<br />

Muitas destas pesquisas foram conduzidas em laboratórios, em que a maioria dos<br />

participantes era composta de indivíduos com dificuldades de aprendizagem, porém poucas<br />

são as aplicações com indivíduos com deficiência, especialmente com PC.<br />

Segundo Garotti (2002) o termo tecnologia de ensino pode ser definido como um<br />

conjunto de instrumentos e estratégias que ocasionam desempenhos mais eficientes. Inúmeros<br />

estudos disponibilizam essa tecnologia (p. e. Dube, 1996; Ray, 1969; Schusterman e Kastack,<br />

1993 Sidman, 1977,1985; Sidman e Stoddard, 1966; Stoddard e Sidman, 1967; Terrace,<br />

1963a, 1963b; Touchette, 1971) no entanto há poucos registros do seu uso em pessoas com<br />

PC, principalmente utilizando essa tecnologia associada Tecnologia Assistiva.<br />

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Para essa população de crianças com PC o desenvolvimento de relações emergentes<br />

exige o emprego de uma tecnologia mais adaptada, adequada e com recursos de<br />

acessibilidade. Todavia, os recursos utilizados em crianças sem PC podem ser ineficazes,<br />

considerando que as crianças com PC apresentam comprometimentos motores e/ou sensoriais<br />

e déficits na área cognitiva, inviabilizando tais recursos.<br />

Na década de 60 surge o primeiro equipamento computadorizado. Montado por<br />

Malling e Clarkson, chamado de POSSUM. Controlava um sistema de escaneamento,<br />

sinalizando as opções na tela com pontos luminosos e através de um acionador, acoplado a<br />

uma máquina de escrever. Já no fim da década de 70, legitimou-se que esses recursos<br />

poderiam ser usados como método de comunicação, sendo possível sua utilização com<br />

indivíduos não alfabetizados, pois envolvia a presença de sinais ou símbolos que<br />

representavam uma palavra ou um conceito (Pelosi, 2000)<br />

No Brasil, o emprego desse tipo de recurso iniciou-se na década de 70, no estado de<br />

São Paulo, na Associação Educacional Quero-Quero, através de um sistema para<br />

comunicação, trazido do Canadá. Em seguida, algumas escolas municipais do Rio de Janeiro<br />

passaram a introduzir esse sistema no ano de 1994 em crianças com PC. A partir daí diversas<br />

pesquisas passaram a ser desenvolvidas em Programas de Pós-Graduação na Universidade<br />

Estadual do Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras (Andrade, 1998; Nunes et al. 1999).<br />

Nos estudos de Zuliani (2003) e Rossit (2002) o ensino de habilidades acadêmicas de<br />

leitura, escrita e matemática foi favorecido pelo uso de recursos informatizados com<br />

computadores e programas educativos, através do programa Mestre® (Goyos e Almeida,<br />

1994).<br />

Ramos (2004), Cruz (2005) e Araújo (2007) utilizaram o software Progleit 2.0 para<br />

desenvolver a aquisição de leitura em crianças com dificuldades de aprendizagem. Esse<br />

programa foi desenvolvido na Universidade Federal de São Carlos, para uso em crianças com<br />

dificuldades de aprendizagem de leitura. Ensina relações entre palavras inteiras escritas, as<br />

figuras e as palavras faladas correspondentes, em diferentes combinações programadas<br />

conforme o grau de dificuldade do aluno.<br />

No entanto os principais estudos, no Brasil, que têm sido desenvolvidos com o uso de<br />

tecnologia com crianças com Paralisia Cerebral enfocando o processo de aprendizagem tais<br />

como Capovilla e colaboradores (1997, 1998a, 1998b), Capovilla (2005), Pelosi (2000) e<br />

Alves de Oliveira (2004a) são providos de estratégias e recursos da Tecnologia Assistiva<br />

associados à tecnologia de ensino, porém não há uma descrição correlacionada com o<br />

paradigma de equivalência de estímulos.<br />

Alves de Oliveira (2008) propõe estratégias de ensino com recursos e estratégias de<br />

apoio para melhor adequar o processo de ensino/aprendizagem. Criar e adaptar recursos<br />

tecnológicos para dar suporte a esse processo embasado no paradigma da equivalência de<br />

estímulos, possibilitando a substituição de tecnologia importada pela nacional. No Brasil não<br />

há instrumentos, genuinamente brasileiros, para avaliar pessoas com Paralisia Cerebral,<br />

principalmente, na região norte do país.<br />

A avaliação cognitiva desses indivíduos é um procedimento de difícil aplicação, pois a<br />

maioria dos testes aplicados exige certa capacidade de expressão oral e para essas pessoas<br />

pode ser de difícil compreensão ou até inexistente, devido às alterações fonoarticulatórias que<br />

podem vir associadas à Paralisia Cerebral.<br />

Como recursos alternativos de baixo custo, Alves de Oliveira (2008) utiliza o software<br />

Desenvolve® (Alves de Oliveira, 2004b), com dois propósitos: 1) Avaliar as habilidades<br />

cognitivas de crianças com Paralisia Cerebral, utilizando a interface “Desenvolve® /<br />

Instrumento avaliativo” e 2) Desenvolver programas de ensino na interface “Desenvolve® /<br />

Seqüências de ensino”.<br />

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A interface “Desenvolve® / Instrumento avaliativo” tem como referência principal, o<br />

“Guia Portage Operacionalizado” (Williams e Aielo, 2001). O objetivo desse instrumento do<br />

software Desenvolve® (Alves de Oliveira, 2004b) é verificar como a criança se apresenta,<br />

quais os conceitos e habilidades já adquiridas, checando dezenove habilidades: Percepção de<br />

objetos do cotidiano; Percepção de tamanho; Percepção de seqüência; Noção de espaço;<br />

Percepção auditiva; Identificação de ações; Percepção de formas; Esquema corporal;<br />

Associação de iguais e diferentes; Percepção de cores; Noção de quantidade; Noção de tempo;<br />

Percepção de letras e números; Associa conjuntos; Percepção espaço temporal; Noção de<br />

seqüência numérica; Nomeia números; Associa palavra ao objeto; Identifica fatos pela<br />

seqüência de ações<br />

Após a avaliação no “Desenvolve® / Instrumento avaliativo” são utilizadas as<br />

“Seqüências de ensino” do Software Desenvolve® para construir programas de ensino<br />

baseados na tecnologia disponibilizada pela AEC, isto é, o paradigma de equivalência de<br />

estímulos aliados à consciência fonológica.<br />

Um estudo realizado por Alves de Oliveira e colaboradores (2008) sobre o perfil<br />

cognitivo das crianças com PC atendidas no NEDETA, apresenta a distribuição das crianças<br />

de acordo com o nível do desempenho (acertos) observado em cada tipo de habilidade<br />

cognitiva avaliada, de acordo com a faixa etária dos participantes. Conforme Quadro 2.<br />

Para este estudo foram sorteadas seis das habilidades cognitivas avaliadas pelo<br />

software Desenvolve®, a saber: noção de espaço (NE), percepção de objetos do cotidiano<br />

(POC), percepção de formas (PEF), percepção de tamanho (PET), percepção de seqüência<br />

(PES), e percepção de cores (PEC). Teoricamente, essas habilidades eram apropriadas para<br />

avaliar crianças com desenvolvimento típico nas seguintes faixas etárias: NE, entre 2 e 3<br />

anos; POC e PEF, entre 2 e 4 anos; PET, 2 e 6 anos; PES, 3 e 4 anos; e PEC, 3 e 5 anos.<br />

Considerando que tais habilidades já estão desenvolvidas, teoricamente, aos seis anos de<br />

idade, observa-se que as crianças com PC apresentam dificuldades em desempenhar algumas<br />

delas. O nível de acerto ‘100%’, ou seja, o nível que informa sobre o domínio de uma<br />

habilidade, apresenta maior freqüência (31 ocorrências), seguido pelo nível ’51-75’ (28),<br />

considerado razoável, porém muito longe do ideal, especialmente para crianças maiores de<br />

seis anos. Contudo, em 81% das vezes, os ‘100%’ foram obtidos em tarefas planejadas para<br />

crianças entre 2 e 4 anos (habilidades NE, POC, PEF, PES) e por crianças entre 8-12 anos<br />

(68% das vezes); apenas uma criança de 8 e duas de 10 anos obtiveram 100% em tarefas<br />

planejadas para 6 anos (PET). Assim, observa-se que essas crianças apresentam uma grande<br />

defasagem entre as habilidades reais e as que deveriam ter de acordo com suas idades. Parece<br />

haver ausência, ou pobreza, de habilidades cognitivas básicas como discriminações e<br />

formação de conceitos, conforme avaliadas pelo software Desenvolve®.<br />

Esses resultados indicam que essas crianças apresentam defasagens acentuadas com<br />

respeito às habilidades necessárias para a idade. Essa defasagem, por sua vez, pode ser devida<br />

ao fato de não apresentarem os pré-requisitos necessários para a aprendizagem de habilidades<br />

mais complexas, provavelmente em função de crenças a respeito de seu potencial de<br />

aprendizagem, de um lado, e a respeito do próprio processo ensino-aprendizagem, de outro.<br />

Paralelo a isto, os dados indicam que, apesar das péssimas condições de ensino, as crianças<br />

com PC possuem grande potencial cognitivo que pode ser acelerado se condições apropriadas<br />

de ensino forem oferecidas.<br />

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Habilidades<br />

Cognitivas<br />

NE POC PEF PET PES PEC<br />

Faixa Etária 4 6- 8- 10- 4 6- 8- 10- 4 6- 8- 10- 4 6- 8- 10- 4 6- 8- 10- 4 6- 8- 10-<br />

Nível de acertos<br />

0% 1 1 1 2<br />

1 a 25 % 1<br />

26 a 50 % 1 1 1 2 1 2 4 2<br />

51 a 75 % 3 2 1 1 1 1 1 1 2 1 1 2 1 3 4 3<br />

76 a 99 % 2 2 1 1 2 2 1 2 1 3<br />

100% 1 3 3 3 1 3 3 1 4 2 1 2 1 2 1<br />

Quadro 2 - Distribuição das crianças de acordo com o nível de acertos observado na<br />

avaliação. Noção de espaço (NE, teoricamente apropriada para avaliar crianças entre 2-3<br />

anos), percepção de objetos do cotidiano (POC, p/ 2-4 anos), percepção de formas (PEF, p/2-4<br />

anos), percepção de tamanho (PET, p/ 2-6 anos), percepção de seqüências (PES, p/ 3-4 anos)<br />

e de cores (PEC, /p 3-5 anos) e de acordo com a faixa etária: 4 anos, 6 a 8 anos incompletos<br />

(6-), 8 a 10 anos incompletos (8-), e 10 a 12 anos incompletos (10-).<br />

6. Conclusão<br />

Crianças com paralisia cerebral podem apresentar acentuado comprometimento motor,<br />

comprometendo a interação com seu meio. Dessa forma, a Tecnologia Assistiva é<br />

fundamental na facilitação do desenvolvimento dessas crianças, pois, por meio dos recursos<br />

tecnológicos a criança terá a possibilidade de vivenciar o mundo que a cerca, minimizando os<br />

efeitos das barreiras motoras, interagindo e construindo conhecimentos e habilidades,<br />

favorecendo sua inclusão social e melhorando sua qualidade de vida.<br />

Em geral, pouca atenção é dada à avaliação de pré-requisitos, pois além de<br />

freqüentemente assumidos sem base científica adequada, parte-se do princípio, equivocado,<br />

de que sua aquisição depende unicamente da maturação. O software Desenvolve® configura<br />

um avanço na área da Tecnologia Assistiva, pois permite avaliar as habilidades cognitivas de<br />

crianças com debilidades motoras, como é o caso da PC. Diferente de outros instrumentos de<br />

avaliação, que geralmente classificam o indivíduo, o Desenvolve permite, também,<br />

especificar a habilidade a ser ensinada, possibilitando a implementação de tecnologias de<br />

ensino individualizadas. Neste estudo, foi possível detectar, também, que crianças com algum<br />

tipo de deficiência, em especial com PC, necessitam de tecnologias de ensino associadas a<br />

tecnologias assistivas, o que aponta para a realização de pesquisas unificadas.<br />

Ressalta-se, sobretudo, a necessidade de pesquisas nesta área voltadas para materiais<br />

de baixo custo que possam servir como recursos para a confecção de equipamentos adaptados<br />

que visem atender as necessidades das crianças deficientes, facilitando o processo de ensino<br />

através das estratégias propostas pelas tecnologias de ensino com base no paradigma de<br />

equivalência de estímulos associado com a metodologia da consciência fonológica.<br />

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Nota<br />

(1) NEDETA - Projeto aprovado pela FINEP REF. 4249/05 publicado no diário oficial da<br />

União no dia 30/12/2005, executado pela Universidade do Estado do Pará.<br />

- A.I.A. de Oliveira é Terapeuta Ocupacional e Bacharel em Psicologia e Doutoranda<br />

em Psicologia no Programa Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA). Atua como<br />

Docente do Curso de Terapia Ocupacional (UEPA) e Coordenadora do Projeto NEDETA.<br />

Endereço para correspondência: Rua Dom Romualdo Coelho, 829 /1602, Belém, PA 66055-<br />

180. E-mail para correspondência: cedi@uol.com.br.<br />

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© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 16/06/2008 | Revisado em 01/10/2008 | Aceito em 15/10/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 30 de <strong>novembro</strong> de 2008<br />

Revisão<br />

Revisão crítica do currículo integrado às tecnologias<br />

computacionais<br />

Critic review of computing technologies integrated into the curriculum<br />

Elise Mendes <br />

Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Educação, Núcleo de Pesquisa em<br />

Tecnologias Cognitivas, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil<br />

Resumo<br />

Os modelos estáticos de currículo sofrem o impacto do desenvolvimento das tecnologias<br />

digitais e das pesquisas cognitivas. Grandes cientistas contemporâneos influenciam o<br />

pensamento de pesquisadores e educadores em direção à reforma da educação, em um novo<br />

contexto - o papel da tecnologia na aprendizagem. As pesquisas sobre a maneira como as<br />

tecnologias computacionais modificam o processo de aprendizagem, sobre a criação de<br />

ambientes virtuais distribuídos e o desenvolvimento de metodologias de ensino que estimulem<br />

o pensamento formal e a aprendizagem cooperativa são indispensáveis nos atuais projetos de<br />

ensino. De acordo com essas perspectivas, esse artigo analisa fundamentos de desenhos<br />

pedagógicos que integram as tecnologias computacionais ao currículo, à luz de teorias<br />

cognitivas e instrucionais construtivistas, com o intuito de identificar princípios para a<br />

construção de um currículo que estimule o aprender a aprender com tecnologias. Essa revisão<br />

crítica é direcionada à formação de professores e alunos em sistemas distribuídos. © Cien.<br />

Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 263-279.<br />

Palavras-chave: currículo; construtivismo; desenho pedagógico; tecnologias<br />

computacionais.<br />

Abstract<br />

The static models of curriculum suffer the impact of the development of digital technologies<br />

and cognitive research. Great contemporary scientists influence the thought of researchers and<br />

educators toward the reform of education in a new context - the role of technology in learning.<br />

The research on how computing technologies modify the learning process, on the creation of<br />

distributed virtual environments and on the development of teaching methodologies that<br />

stimulate formal thought and cooperative learning, are indispensable in the current projects of<br />

education. According to these perspectives, this article analyzes the fundamentals of<br />

pedagogical designs that integrate computing technologies into the curriculum, in the light of<br />

cognitive and instructional constructivist theories, so as to identify principles for the<br />

construction of a curriculum that stimulates learning to learn with technology. This critic<br />

revision is directed at the formation of teachers and students in distributed systems. © Cien.<br />

Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 263-279.<br />

Keywords: curriculum; constructivism; pedagogical design; computing<br />

technologies.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 263-279 <br />

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1. Introdução 1<br />

Vivemos em um período em que os conhecimentos científicos crescem rapidamente, e<br />

a maioria desses conhecimentos é utilizada de forma instantânea no desenvolvimento de<br />

novas tecnologias. Dentre essas, as tecnologias computacionais são os grandes fatores de<br />

mudança na forma de viver da sociedade contemporânea e estão presentes em todas as<br />

atividades humanas.<br />

Devido a essas revoluções culturais, inúmeros artigos e livros discorrem sobre as<br />

contribuições e dificuldades em introduzir as tecnologias computacionais na educação. Papert,<br />

um dos autores mais reconhecidos nas pesquisas na área de Cibernética e Educação, trata da<br />

resistência à mudança na estrutura física e metodológica das escolas quando discute a<br />

utilização de computadores. Em seu livro A Máquina das Crianças (Papert, 1994), critica o<br />

que as escolas fizeram com o computador: tornaram-no um “símbolo de status” e organizaram<br />

um espaço denominado “Laboratório de Computadores”, sob o controle de um professor<br />

“especializado”. Assim, para Papert, o computador perdeu seu aspecto mais revolucionário -<br />

uma tecnologia que permite a construção do conhecimento, desafiando a idéia de fronteiras<br />

entre as matérias. O uso do computador passou, então, a reforçar grades curriculares estáticas<br />

que não estimulam a criatividade dos estudantes. Portanto, o que começara como um<br />

instrumento de mudança foi neutralizado pelo sistema educacional e convertido em um<br />

instrumento de manutenção do “status quo”. Mesmo ao dispor de um quadro de professores<br />

progressistas, algumas escolas não sabem como utilizar os computadores porque não<br />

resolveram o problema básico de sua organização, ou seja, a escola como um espaço de<br />

construção de conhecimento (Scardamalia e Bereiter, 2000). A questão fundamental nos<br />

países desenvolvidos, em que o uso dessas tecnologias nos processos de ensino é amplo, é<br />

saber qual o tipo de educação irá preparar os estudantes para a vida na chamada ‘sociedade do<br />

conhecimento’. Para os autores da academia americana e européia de ciência, a educação<br />

deverá promover a flexibilidade de raciocínio, a criatividade, a capacidade de resolução de<br />

problemas, a alfabetização científica e tecnológica, a habilidade para a busca de informação e,<br />

acima de tudo, o que denominam “prontidão vitalícia para aprendizagem”, ou lifelong<br />

learning (Crick, 2005; AAAS, 2001; European Commission, 2001; OECD, 2000; UNESCO,<br />

2001, 2007).<br />

Considerando as necessidades de formação humana na sociedade do conhecimento,<br />

como professores formados por modelos de ensino programado irão estimular o<br />

desenvolvimento dessas capacidades em seus alunos Como utilizar as tecnologias<br />

computacionais com o intuito de auxiliar a aprendizagem e o ensino sem transformá-las em<br />

“ilhas de inovações tecnológicas” nas escolas (Dede, 1997) Como as escolas poderão<br />

garantir a qualidade e a manutenção do uso de computadores livres da sedução das grandes<br />

promessas das empresas de software educacionais Em síntese, como as tecnologias<br />

computacionais poderão promover mudanças curriculares em grande extensão nas escolas<br />

públicas<br />

Diante dessas questões, esse artigo revisional tem como meta estudar,, crítica e<br />

sistematicamente, desenhos pedagógicos fundamentados em teorias cognitivas e instrucionais<br />

construtivistas, com o objetivo de orientar a construção de um currículo cooperativo, via<br />

internet, que atenda às peculiaridades da aprendizagem na sociedade contemporânea ― o<br />

aprender a aprender com tecnologias.<br />

2. O currículo integrado às tecnologias computacionais<br />

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Adicionadas às necessidades de formação humana em nossa sociedade, as tecnologias<br />

computacionais indicam mudanças inquestionáveis referentes ao currículo, tais como:<br />

a) Recursos curriculares (de meio impresso para hipermeios);<br />

b) Organização do conhecimento (de estrutura linear e hierárquica para estrutura<br />

muldimensional e interligada na Web);<br />

c) Mudança do locus da responsabilidade de criação de unidades curriculares (da elaboração<br />

pelos professores de estruturas de unidades curriculares de aprendizagem, para criação de<br />

currículos personalizados pelos estudantes e para propósitos particulares de unidades de<br />

conhecimento) (Mioduser e Nachmias, 2002).<br />

Devido a essas mudanças necessárias à educação, surgem novas discussões sobre<br />

teorias cognitivas e instrucionais integradas às tecnologias computacionais para a construção<br />

de um currículo nesse novo contexto.<br />

2.1. Teorias cognitivas e teorias pedagógicas<br />

A discussão contemporânea (Dinter, 1998; Duffy e Jonassen, 1992) que envolve a área<br />

de ambientes de aprendizagem e modelos de ensino diz respeito à questão fundamental: o<br />

trabalho científico na área de ensino e aprendizagem necessita de uma explícita<br />

fundamentação epistemológica ou pode ser realizado independentemente dessa<br />

fundamentação Evidentemente, a atual posição da epistemologia, em relação à educação,<br />

apresenta-se de forma inédita na nossa era, devido ao surgimento das tecnologias digitais que<br />

modificaram a forma de pensar e aprender dos seres humanos e às contribuições recentes das<br />

pesquisas cognitivas que recebem influências da Psicologia, Inteligência Artificial e da<br />

Neurologia.<br />

As implicações dos modelos de Piaget contribuem para a compreensão atual da<br />

Ciência Cognitiva. Em seu livro Biologie et Connaissance (Piaget, 1967), ele demonstra que o<br />

conceito de esquema, amplamente analisado em pesquisas atuais sobre cognição e inteligência<br />

artificial, é originário dos esquemas de reflexo, dado que muitos reflexos e padrões de ação<br />

fixa são anteriores a qualquer aprendizagem, portanto, os esquemas são determinados<br />

geneticamente. A origem da inteligência, para Piaget (1987), surge do exercício dos reflexos.<br />

Logo, a teoria de esquemas não pode ser compreendida sem os conceitos de assimilação e<br />

acomodação, porque o reconhecimento de uma determinada situação é o resultado da<br />

assimilação. A assimilação mental é “a incorporação dos objetos nos esquemas de conduta, e<br />

esses esquemas nada mais são do que esboços das atividades suscetíveis de serem repetidas<br />

ativamente” (Piaget, 1977: 18). Nesses termos, a assimilação apresenta um caráter<br />

generalizador, e a acomodação, uma reorganização das estruturas mentais. É interessante<br />

destacar que o “conhecimento procede da ação e toda ação que se repita ou se generalize por<br />

aplicação a novos objetos engendra, por isso mesmo, um esquema, quer dizer, uma espécie de<br />

conceito pragmático” (Piaget, 1977: 51).<br />

A Teoria de Esquemas de Piaget é observada na Teoria dos Esquemas de Rumerlhart<br />

(Rumerlhart et al., 1986), que afirma que o cérebro possui uma quantidade não especificada<br />

de esquemas flexíveis que podem, interagindo com o ambiente, sofrer generalizações,<br />

especializações e hibridização para se adaptar a um determinado problema. Em relação à<br />

Teoria dos Esquemas e Memória Semântica, pesquisas contemporâneas sobre cognição<br />

humana observam que o conhecimento é armazenado em blocos de informação ou esquemas<br />

que compreendem a arquitetura mental para as idéias. Assim, esquema é uma estrutura de<br />

dados que representa conceitos genéricos armazenados na memória (Matlin, 1998).<br />

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A premissa básica da teoria de esquemas afirma que a memória humana é organizada<br />

semanticamente por meio de redes dinâmicas (schemata) de inter-relações entre conceitos que<br />

são conhecidas como redes semânticas. A relação entre esquema e memória se processa da<br />

seguinte forma:<br />

a) A memória semântica se refere à organização do nosso conhecimento sobre o mundo - uma<br />

infinidade de conteúdos semânticos, conceitos do mundo físico e social;<br />

b) Os esquemas são essas categorias de conhecimento sobre situações e sobre eventos<br />

(Matlin, 1998).<br />

Os estudos sobre memória semântica vêm estabelecendo um isoformismo entre<br />

representações internas e um sistema formal lógico: as proposições. De forma geral, esses<br />

estudos demonstram que as palavras são armazenadas na memória na forma de um conjunto<br />

composto por uma rede de relações proposicionais. Essas relações ocorrem entre as partes e o<br />

todo, por meio de unidades conceituais particulares e estruturas generalizáveis (schemata)<br />

(Kurtz et. al., 1999). As informações provenientes do mundo estruturam-se hierarquicamente<br />

segundo níveis de abstração.<br />

Nota-se a influência da Teoria dos Esquemas na Teoria da Aprendizagem Significativa<br />

de Ausubel e colaboradores (1980), no que se refere à assimilação conceitual por meio de<br />

redes ─ aprendizagem superordenada, subordinada, correlativa e reconciliações integrativas.<br />

Ausubel considera que a aprendizagem significativa requer um subsunçor para assimilar a<br />

nova informação, esse subsunçor é o conceito superordenado que tem maior nível de inclusão<br />

ou de generalização.<br />

Mas, o que é conceito Ausubel e colaboradores (1980) concebem os conceitos como<br />

eventos, situações ou propriedades que possuem atributos essenciais comuns que são<br />

designados por algum signo ou símbolo. Os atributos essenciais são adquiridos por meio de<br />

experiência direta e por estágios sucessivos de formulação de hipóteses, testes e<br />

generalizações. Essas unidades genéricas ou unidades categóricas se representam por<br />

símbolos particulares e formam conceitos culturais. Segundo Abbagnano (2000: 164),<br />

conceito é, em geral, todo processo que torne possível a descrição, a classificação e a<br />

previsão dos objetos cognoscíveis. O termo conceito tem significado generalíssimo e pode<br />

incluir qualquer espécie de sinal ou procedimento semântico, seja qual for o objeto que se<br />

refere, abstrato ou concreto, próximo ou distante, universal ou individual. Como se observa,<br />

diferentes autores concebem que a representação da realidade é possível mediante a existência<br />

e o uso de conceitos e esses tornam possível a invenção de uma linguagem que pode ser<br />

comunicada com uma relativa uniformidade para todos os membros de uma cultura. Assim, os<br />

conceitos padronizam, simplificam e generalizam o ambiente por meio do estabelecimento de<br />

equivalências, agrupamento de idéias relacionadas à experiência, categorizando, então, o<br />

mundo em atributos criteriais (Novak e Gowin, 1984).<br />

A continuidade das pesquisas sobre a representação do conhecimento em redes<br />

semânticas de conceitos é marcada historicamente por Novak, teórico da metacognição, ao<br />

criar uma tecnologia gráfica para representar o conhecimento humano: o mapa conceitual. A<br />

organização e distribuição dos conceitos por meio de diferenciações progressivas,<br />

reconciliações integrativas, interligados em rede semântica, são certamente trabalhos de<br />

representação de estruturas mentais, instrumentos do pensamento que condensam uma<br />

amplitude de experiências precedentes, abrem rotas alternativas para o seu destino e são<br />

produtos da metacognição - processo de reflexão mental e consciente de reestruturação das<br />

experiências.<br />

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As pesquisas recentes sobre mapas conceituais analisam as relações entre a construção<br />

do conhecimento da criança por meio de formação e assimilação de conceitos, e a relação<br />

entre mapas conceituais e a memória humana. Novak e Cañas (2008) observam que um dos<br />

importantes avanços para a compreensão da aprendizagem é de que a memória humana não é<br />

um simples “recipiente” a ser preenchido, mas preferencialmente um conjunto complexo de<br />

sistemas de memória interligada. Enquanto todos os sistemas da memória são<br />

interdependentes, o sistema mais crítico para assimilar conhecimento na memória em longo<br />

prazo é a memória em curto prazo (memória de trabalho ou operacional). Toda entrada de<br />

informação é organizada e processada na memória de trabalho pela interação com o<br />

conhecimento da memória em longo prazo. A limitação é de que a memória de trabalho<br />

processa com pouco número de unidades (2 ou 3) em poucos segundos, no entanto, se elas<br />

puderem ser ligadas por conceitos conhecidos aumentam-se as unidades lembradas (12 ou<br />

mais). Por isso, para estruturar um vasto corpo de conhecimento a ser recebido e processado,<br />

requer uma seqüência ordenada de interações entre a memória de trabalho e memória em<br />

longo prazo. Essas são algumas razões, segundo os autores, para considerar o mapa conceitual<br />

como uma tecnologia cognitiva que oferece suporte (scaffold or template) ao<br />

desenvolvimento da aprendizagem significativa, uma vez que ajuda a organizar e estruturar o<br />

conhecimento, mesmo que essa estrutura seja construída por pequenas unidades de interação<br />

com conceitos e proposições conhecidas. Além disso, observam que é relativamente pequeno<br />

o conhecimento científico sobre como se processa a memória e como é finalmente<br />

incorporada em nosso cérebro, contudo, enfatizam os autores, os estudos apontam que o<br />

cérebro humano trabalha para organizar o conhecimento em estrutura hierárquica, e que as<br />

abordagens de aprendizagem que facilitam significativamente esses processos realçam as<br />

capacidades de todos os alunos (Tsien e Blasenfelder, 2007 apud Novak e Cañas, 2008).<br />

Adicionadas a essas pesquisas, Litman e Davachi (2008) verificam, em dois experimentos, os<br />

benefícios da aprendizagem distribuída para a memória relacional, e observam que esses<br />

estudos devem ter implicações no desenvolvimento de currículos e políticas educacionais (ver<br />

Distributed Knowledge Design). Essas referências de Novak, Canãs, Litman e Davachi<br />

validam os teóricos clássicos supracitados como Piaget, Rumerlhart, Matlin e Kurtz e<br />

Ausubel.<br />

Enfim, se o processo de dar significado ao mundo só é possível pela atividade do<br />

pensar, e pensar “envolve conceitos: formá-los e relacioná-los entre si” (Glasersfeld, 1995),<br />

conclui-se que a construção de mapas conceituais estimula o desenvolvimento do<br />

pensamento, visto que para identificar conceitos superordenados e construir uma topologia<br />

conceitual hierárquica por diferenciações progressivas, reconciliações integrativas e ligações<br />

semânticas é necessário o processo cognitivo de generalização, categorização e reorganização<br />

dos esquemas conceituais.<br />

As pesquisas mundiais sobre mapas conceituais são reconhecidas pelo valor científico<br />

quanto à:<br />

i) Alfabetização científica e tecnológica na educação básica, as crianças crescem fazendo<br />

ciência nas interações com fenômenos naturais e representando as suas assimilações em<br />

mapas conceituais. Assim, aprendizagem de ciência inicia-se pela experiência com<br />

fenômenos naturais, criam-se relações e definem-se conceitos e categorias, e finaliza-se<br />

com a construção cooperativa de mapas conceituais;<br />

ii) Construção de currículo distribuído por macromapas e submapas multidimensionais e<br />

navegáveis;<br />

iii) Educação a distância e cenários de aprendizagem em hipermeios e hipertextos. (Heeren e<br />

Kommers, 1992; Mayes, 1992; Abrams, 1998; Towbridge e Wandersee, 1998; Anderson e<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 263-279 <br />

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Ditson, 1999; Shapiro, 1999; Hert et. al. 1999; AAAS, 2001; Mendes, 2002; Koppi, et al.,<br />

2004; Chiu, 2004; Dutra et al., 2006; Tavares, 2007; Tseng et al., 2007; Coffey, 2007;<br />

Novak e Cañas, 2008; Kao, e Lin, 2008).<br />

2.2. Tecnologias cognitivas<br />

Tecnologias cognitivas computacionais vêm sendo desenvolvidas para favorecer a<br />

aprendizagem. Jonassen (1992) define tecnologias cognitivas como artefatos mentais e<br />

computacionais que facilitam, orientam e estendem o processo de pensamento de seus<br />

usuários. Muitas dessas estruturas, tais como estratégias cognitivas e metacognitivas, são<br />

internas ao aprendiz. Além das tecnologias mentais, existem as externas, tais como os<br />

artefatos computacionais. Essas tecnologias são usadas para desenvolver o processo cognitivo<br />

significativo da informação e podem ser aplicadas aos problemas individuais e coletivos.<br />

No entanto, como demonstra Jonassen (1992), os computadores não mediam<br />

diretamente a aprendizagem. As pessoas não aprendem por meio de computador, livros,<br />

vídeos ou outros instrumentos que foram desenvolvidos para transmitir a informação. A<br />

aprendizagem é mediada pelo pensamento (processo mental); o pensamento é estimulado<br />

pelas atividades de aprendizagem; e a aprendizagem é ativada pelo processo de intervenção<br />

educacional, incluindo tecnologias.<br />

Para Jonassen, as tecnologias computacionais só podem complementar e estender a<br />

mente humana, encorajando o processo e a potencialidade para gerar a informação e ativando<br />

o processo de construção do conhecimento, se a estrutura e o funcionamento dessas<br />

tecnologias estiverem embasados em modelos ativos da mente (Jonassen, 1992). Dentre as<br />

tecnologias cognitivo-computacionais que estimulam o processo metacognitivo dos<br />

aprendizes e a compreensão de conceitos, podem ser citados os mapas conceituais, os<br />

hipermeios e os micromundos, quando corretamente usados pelos alunos e orientados por<br />

modelos cognitivos e pedagógicos.<br />

Os hipermeios envolvem as modalidades auditiva e visual em uma integração de<br />

mídias, tais como hipertexto, sons, gráficos, animações, vídeos, imagens e modelagem<br />

espacial através de um sistema computacional (Nielsen, 1990). Dentre esses hipermeios,<br />

destacam-se os softwares de simulação, sistemas de realidade virtual e estações de trabalho<br />

que estimulam a manipulação de representações conceituais para que haja um melhor<br />

entendimento de conceitos. Simulações diferem de softwares mais abertos pela possibilidade<br />

de exploração em um domínio conceitual, o número de variáveis que podem ser manipuladas,<br />

os detalhes e fidelidades das simulações, o tipo de representações que podem ser usadas na<br />

simulação (animações, tabelas de resultados, gráficos de diferentes tipos, vídeo), e a<br />

quantidade de recursos úteis para o aprendiz durante sua manipulação no ambiente de<br />

simulação (Collis, 2002). Quando as simulações utilizam recursos visuais ricos e envolvem,<br />

pelo menos, a capacidade de manipular o sistema visual em três-dimensões, estas são<br />

consideradas realidade virtual. Em ambientes mais sofisticados de sistemas de realidade<br />

virtual, o ambiente possibilita a imersão por meio de ajustes com o próprio corpo do usuário.<br />

Os ambientes de imersão são escassos e caros, portanto, em países em desenvolvimento não<br />

será possível utilizá-los, pelo menos, nesta década. Entretanto, os micromundos, as estações<br />

de trabalho e os ambientes em três-dimensões não imersivos serão relativamente mais<br />

utilizados em laboratórios computacionais de aprendizagem.<br />

O surgimento da Internet, no início dos anos 1990, foi o momento decisivo da<br />

introdução da comunicação mediada pelo computador na educação. A combinação das<br />

capacidades de distribuição dos multimeios, das interfaces visuais intuitivas, do suporte para a<br />

pesquisa e busca eficiente da informação, das comunicações síncronas e assíncronas e abrupta<br />

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expansão do cyberspace para o interior de repositório hiperligado de informações, foram<br />

percebidas como um novo e poderoso recurso para os propósitos de ensino e aprendizagem.<br />

Mioduser e Nachmias (2002) observam que as principais funções da internet no ensino<br />

e na aprendizagem se classificam de forma geral em:<br />

1) Distribuição de conteúdo: a internet como enorme repositório de conhecimento<br />

hiperligado, permitindo o acesso às bibliotecas, base de dados, museus etc.<br />

2) Distribuição instrucional: inúmeros recursos educacionais são avaliados na rede, de<br />

material de unidades curriculares para soluções curriculares. A concepção da internet como<br />

ambiente de aprendizagem cresce rapidamente com os cursos a distância, projetos<br />

colaborativos de aprendizagem online e ambientes virtuais de formação educacional<br />

complementar.<br />

3) Suporte de comunicação: a internet torna-se cada vez mais um meio de interação, de<br />

trabalho colaborativo e de aprendizagem entre os envolvidos no processo educativo. A<br />

comunicação mediada por computador (e-mails, fóruns, grupos de teleconferência, chat)<br />

providencia um grande potencial de extensão e de qualidade na educação.<br />

4) Suporte de criação: ferramentas amigáveis são correntemente desenvolvidas para que os<br />

estudantes possam criar e publicar os seus próprios materiais na Web, sem mediador e com<br />

mínimo conhecimento técnico.<br />

Outra tecnologia utilizada amplamente para entendimento conceitual é a base de dados<br />

em sistemas distribuídos que pode ser organizada por vários caminhos (Collis, 2002):<br />

relacional ou orientada a objeto 2 . Em qualquer forma, existem diferentes recursos associados<br />

com a base de dados: a ligação entre estruturas, o privilégio para a adição de entradas; a<br />

organização de entradas, incluindo-se o uso de indicadores ou metadados; manutenção de<br />

desempenhos, acessos aos desenhos, controle de desempenho e modalidades de representação<br />

(texto, áudio, imagens etc.). Com o surgimento da internet, o uso de bases de dados possibilita<br />

fácil acesso a bibliotecas de informações e pode começar a contribuir para algumas dessas<br />

bibliotecas do mesmo modo que retirá-las. A maioria dos sistemas de gerenciamento de<br />

cursos via internet é construída sobre uma base de dados.<br />

A idéia atual dos instrutores e estudantes usarem distintos componentes para criar<br />

ambientes educacionais está fundamentada na concepção de objetos de aprendizagem surgida<br />

do conceito de orientação a objetos da ciência da computação. A IEEE (2002) define objeto<br />

de aprendizagem como qualquer entidade, digital ou não-digital, que pode ser utilizada,<br />

reutilizada ou referenciada durante o processo de aprendizagem que tenha a tecnologia como<br />

suporte. Diversos projetos mundiais, tais como Instructional Management Systems (IMS;<br />

http://www.imsproject.org), The Merlot Project (http://www.merlot.org), The Educational<br />

Object Economy (http://ww.eoe.org), Cooperative and Network Distributed Learning<br />

Environment Project (CANDLE; http://www.candle.eu.org), e outras iniciativas paralelas que<br />

tem como objetivo construir estruturas que acomodem objetos educacionais e que podem ser<br />

integrados em diferentes ambientes de aprendizagem. Ao invés de construir um objeto várias<br />

vezes o objeto poderá ser reutilizado, pois será baseado em programação orientada a objetos,<br />

focando-se em itens distintos entre ensino e aprendizagem que podem ser usados em outros<br />

ambientes (Doerksen, 2002; Koppi et al., 2004; Durham e Arrel, 2007).<br />

3. Desenho pedagógico para a construção de currículo integrado às tecnologias<br />

computacionais<br />

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Desenho pedagógico é um novo horizonte conceitual do ensino, da aprendizagem e<br />

dos suportes de aprendizagem. Refere-se a uma extensiva base de conhecimento em<br />

consolidadas teorias e pesquisas sobre a aprendizagem humana para a realização de tarefas,<br />

identificação e resolução de problemas. Qualquer atividade de desenho pedagógico resulta em<br />

um plano ou cenário que define o formato, os conteúdos, a estrutura do ambiente, os sistemas<br />

de distribuição e as estratégias de execução. Nos mais recentes modelos, os componentes<br />

presentes são:<br />

a) Uma apropriação da base de conhecimento sobre as teorias cognitivas e instrucionais;<br />

b) O desenho da estrutura de referência usado para o contexto, grupo alvo e conteúdo similar;<br />

c) O agrupamento de regras ou procedimentos válidos para regularizar e realizar o processo e<br />

o produto do desenho (Lowyck, 2002).<br />

Dentre os diversos desenhos descritos por Lowyck (2002), os desenhos Cognitive<br />

Instructional Design (CID), Computer-Supported Collaborative Learning, Distributed<br />

Knowledge Design fundamentam-se em teorias cognitivas e instrucionais que estão de acordo<br />

com princípios construtivistas desenvolvidos neste artigo.<br />

Cognitive Instructional Design (CID) são recursos fundamentados na teoria da<br />

aprendizagem significativa por auto-regulação, um modelo que estimula o desenvolvimento<br />

metacognitivo dos usuários. A metacognição é considerada a espinha dorsal para a<br />

aprendizagem com sucesso. Refere-se à ação de planejar, monitorar e controlar o próprio<br />

aprendizado e transferir e generalizar o conhecimento adquirido para outros contextos, como<br />

também orientar a auto-reflexão, a responsabilidade e a iniciativa do aprendiz (Gunstone e<br />

Mitchell, 1998; Mayes, 1992). Dessa forma, consciência e controle metacognitivos são as<br />

características essenciais do processo de aprender a aprender. A consciência metacognitiva é a<br />

compreensão dos propósitos da atividade realizada e os progressos pessoais alcançados por<br />

meio da atividade, e o controle metacognitivo refere-se à natureza das decisões de<br />

aprendizagem e às ações durante a aprendizagem (Metcalfe e Shimamura, 1994). A<br />

consciência e controle são resultados da aprendizagem adquirida; conseqüentemente, podem<br />

ser desenvolvidos por meio de experiências apropriadas de aprendizagem. Assim, concluiu-se<br />

que, para criação de um ambiente tecnológico que estimule atividades intencionais de<br />

aprendizagem efetiva, necessita-se de professores e alunos que vivenciem e compreendam<br />

esses processos de aprendizagem.<br />

O modelo Computer-Supported Collaborative Learning Design (CSCL) é dos mais<br />

influentes estudos na atualidade sobre a aprendizagem com tecnologias. Stahl e colaboradores<br />

(2006), em uma revisão histórica da aprendizagem colaborativa com suporte computacional,<br />

apresentam a ascensão da CSCL em 1990 como reação aos softwares tutoriais que<br />

enfatizavam a aprendizagem individual e isolada. Com o surgimento da internet, as pesquisas<br />

sobre aprendizagem cooperativa se expandiram e tornaram-se explícitos os problemas dos<br />

desenhos pedagógicos e a necessidade emergencial das mudanças no currículo escolar, nas<br />

metodologias de ensino, nos processos de aprendizagem, no desenvolvimento sociocultural de<br />

estudantes, na comunidade global de aprendizagem e na educação a distância (Stahl et al.,<br />

2006).<br />

Retomam-se os estudos cognitivos das teorias interacionistas, e atualmente as<br />

pesquisas multidisciplinares sobre CSCL englobam o trabalho coletivo de criar metodologias<br />

e artefatos tecnológicos que ofereçam suporte ao processo de construção cooperativa do<br />

conhecimento. No entanto, existem controvérsias sobre o significado de colaboração e<br />

cooperação (Stahl et al., 2006). Nessa revisão, resgatam-se os conceitos de Piaget por<br />

entender que sua teoria da inteligência oferece fundamentos para as pesquisas de enfoque<br />

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mundial sobre aprendizagem cooperativa por meio de solução de problemas.<br />

Segundo a epistemologia genética, o conceito de cooperação enfatiza que a vida social<br />

transforma a inteligência pela mediação da linguagem (signos), do conteúdo dos intercâmbios<br />

(valores intelectuais) e das regras impostas ao pensamento (normas coletivas, lógicas e prélógicas)<br />

(Piaget, 1977; Grize, 1994). A cooperação, ou seja, a coordenação de pontos de vista<br />

entre um grupo de indivíduos, é o ponto de partida de uma série de condutas importantes para<br />

a constituição e o desenvolvimento do pensamento formal (Piaget, 1977). Sem intercâmbio do<br />

pensamento e sem cooperação com os outros, o indivíduo não chegaria a grupar suas<br />

operações em um todo coerente; como afirma Piaget (1977: 164), “seria muito difícil<br />

compreender como o indivíduo conseguiria grupar suas operações de representações intuitivas<br />

em operações transitivas reversíveis, idênticas e associativas sem o intercâmbio do<br />

pensamento lógico”. Essa coordenação de pontos de vista se processa por colaborações no<br />

trabalho, pela troca de idéias e pelo controle mútuo.<br />

Nesse sentido, o conceito de cooperar é mais abrangente que colaborar, por que<br />

envolve as trocas de idéias, o trabalho colaborativo e o os exercícios de pensamento formal,<br />

como as operações transitivas reversíveis, idênticas e associativas (Piaget, 1977). Esses<br />

processos cognitivos complexos são estimulados por situações de aprendizagem significativa<br />

que requerem transferência e não somente retenção (Mayer, 2002), essas ações de<br />

aprendizagem são classificadas no ensino em processos cognitivos de entender, aplicar,<br />

analisar, avaliar, criar e seus respectivos subprocessos (Anderson et al., 2001). As operações<br />

cognitivas de soluções de problemas requerem processos mais complexos de transferência<br />

visto que estão intrinsicamente relacionadas ao conhecimento metacognitivo, conceitual,<br />

específico e procedimental (Mayer, 2002); portanto são reconhecidas como um dos principais<br />

objetivos educacionais 1 (Mayer, 2002).<br />

O modelo Distributed Knowledge Design contrasta com a noção aceita de que o<br />

conhecimento e a cognição residem “na cabeça de cada indivíduo” (Hewitt e Scardamalia,<br />

1998; Scardamalia, 2004). O conceito de cognição distribuída significa que a cognição é<br />

distribuída entre indivíduos e seus ambientes. Para Scardamalia e Bereiter (2000), qualquer<br />

atividade humana é afetada pelo contexto que inclui pessoas e artefatos culturais. Cognição é,<br />

então, não somente situada como também distribuída. O conhecimento distribuído torna-se<br />

predominante em ambientes de multimeios em que as informações são distribuídas por<br />

diferentes tipos de recursos. O sistema de educação a distância, via internet, oferece ampla<br />

oportunidade para os professores e alunos cooperarem com seus diferentes pares, de forma<br />

assíncrona ou síncrona. Esse modelo torna-se importante porque permite a criação de uma<br />

plataforma que possibilita a construção cooperativa de planejamentos curriculares em tempo<br />

real, utilizando recursos como multimeios, hipertextos, wikis e internet; como também podem<br />

criar comunidades virtuais para o planejamento curricular.<br />

As atuais pesquisas sobre desenhos pedagógicos integram as teorias sobre<br />

metacognição e aprendizagem cooperativa e distribuída, apresentando metodologias<br />

inovadoras e artefatos tecnológicos que ofereçam suporte à sociedade da aprendizagem em<br />

rede. Durhaum e Arrel (2007), em seu artigo Introducing new cultural and technological<br />

approaches into institucional practice: an experience from geography, relatam uma<br />

experiência entre a Inglaterra e os Estados Unidos de mudanças de práticas institucionais de<br />

ensino, ao criar, de forma conjunta, objetos de aprendizagem e metodologia de ensino que<br />

estimule a aprendizagem conceitual e solução de problemas em programas de Geografia<br />

(Global Positioning System). A experiência de sucesso, de uma aprendizagem global entre<br />

diferentes continentes, foi atribuída a uma comunicação efetiva, a uma tecnologia estável e<br />

flexível, e a uma metodologia robusta e interativa que inclui definições de objetivos de<br />

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aprendizagem, criação de objetos de aprendizagem como mapas conceituais e simulações, e<br />

definições de problemas contextualizados.<br />

Kong (2008), em seu artigo A curriculum framework for implementing information<br />

technology in school education to foster information literacy, relata as mudanças curriculares<br />

em Hong Kong 2 , em relação ao uso das tecnologias informáticas (IT) no currículo das últimas<br />

décadas em respostas às demandas da sociedade da era digital; os objetivos mudaram, de 1999<br />

a 2006, de estudos de computadores para desenvolvimento de conhecimentos sobre<br />

processamento da informação e habilidades de aprendizagem com tecnologias (conceituado<br />

em inglês por Information Literacy, IL, e traduzido em português por competência<br />

informacional 3 ). A alfabetização informacional (IL) promove a capacidade de reunir,<br />

sintetizar, analisar, interpretar e avaliar as informações. Esses processos abrangem quatro<br />

dimensões: cognitiva, metacognitiva, afetiva e sócio-cultural. As duas primeiras referem-se ao<br />

processamento da informação para a tomada de decisão e solução de problemas e as outras<br />

duas sobre atitudes a cerca do processamento da informação (reconhecer a importância da<br />

habilidade de processar a informação e promover a responsabilidade social para o uso da<br />

informação na aprendizagem individual e colaborativa).<br />

Devido à estreita ligação entre IT e IL, o governo de Hong Kong e escolas (95.03%)<br />

investiram na importância da tecnologia na aprendizagem centrada nos estudantes. Para<br />

alcançar com êxito os objetivos de alfabetização informacional, incentivou-se a criação de um<br />

desenho curricular que considerasse a aprendizagem significativa como estrutura<br />

fundamental, e foram aplicados dois princípios no trabalho coletivo: providenciar<br />

autenticidade e criar reflexões. A estrutura curricular se apresenta em 3 partes: o núcleo do<br />

currículo em IT prepara os estudantes para o conhecimento básico em tecnologias da<br />

informática e em processamento da informação; os estudantes são encorajados a usar esses<br />

conhecimentos na aprendizagem com tecnologias; a cultura escolar fomenta a alfabetização<br />

informacional e tecnológica como conhecimentos necessários aos estudantes; em adição as<br />

escolas oferecem oportunidades de serviços de aprendizagem para ajudar aos estudantes nas<br />

dimensões afetivas e sócio-culturais necessárias ao sentimento de participação ativa na<br />

comunidade. Para o sucesso da execução da proposta curricular foram evidenciados quatro<br />

pontos: modelos de integração de IT com a aprendizagem de conteúdos devem ser de acordo<br />

com a necessidade de cada escola; os serviços de aprendizagem devem ser providenciados<br />

para serem aplicados dentro e fora da escola; suportes aos pais devem ser encorajados para<br />

criar ambientes saudáveis do uso de tecnologias em casa; devem ser reduzidas as exclusões<br />

digitais para providenciar chances iguais de adquirir conhecimentos necessários e atitudes<br />

corretas sobre alfabetização informacional.<br />

De forma geral, em levantamentos realizados em bases de dados do Education<br />

Research Information Center (ERIC), e em revistas e jornais indexados nessa área específica,<br />

a tendência futura do currículo é a criação de redes cooperativas e distribuídas de<br />

aprendizagem (Gerosa et al., 2003; Cho et al., 2005; Weinberger et al., 2005; Fakas et al.,<br />

2005; Cheung, 2006; Kirschner e Erkens, 2006; Dillenbourg. e Tchounikine, 2007; Chang et<br />

al., 2007; Spector; 2007; Martin e Vallance, 2008; Suthers et al., 2008). É certo que essas<br />

questões emergentes de integração das tecnologias no currículo necessitam de levantamentos<br />

de dados de pesquisas experimentais (Barros et al., 2008) e aprofundamento filosófico,<br />

teórico e metodológico para avaliar a estrutura física, a formação dos professores, o currículo<br />

escolar e as políticas públicas, com o intuito educacional de criar diretrizes para que as<br />

tecnologias computacionais sejam instrumentos cognitivos que auxiliem a aprendizagem<br />

individual e coletiva.<br />

3.1. Cenários de construção de um currículo integrado às tecnologias computacionais<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 263-279 <br />

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As teorias cognitivas orientam princípios instrucionais para a elaboração de desenhos<br />

pedagógicos de ambientes computacionais de aprendizagem. Os elementos essenciais<br />

abstraídos neste estudo relacionam-se aos princípios categorizados por Lebow (1995) e<br />

Jonassen e colaboradores (1999), que são: interação, construção, cooperação,<br />

contextualização e interdisciplinaridade.<br />

A união desses princípios a um currículo com tecnologias computacionais resulta em<br />

cenários distribuídos de aprendizagem conceitual, procedimental e metacognitiva. Para<br />

exemplificar um processo de formação de professores e alunos, a figura 1 simula um ambiente<br />

distribuído para a construção cooperativa de mapas conceituais integrado a bases conceituais<br />

e hipermeios. A construção de mapas conceituais dos conteúdos curriculares estimula o<br />

desenvolvimento do metaconhecimento dos professores (reflexão sobre a ciência que<br />

leciona); diferenciando conceitos, classificações, exemplos, leis, princípios e notações, bem<br />

como a interdisciplinaridade entre as ciências. Quando os professores refletem sobre os<br />

conceitos que ensinam e os organizam em uma estrutura topológica que apresenta<br />

diferenciações progressivas e ricas reconciliações integrativas, eles estão desenvolvendo seus<br />

processos metacognitivos. Ao reconhecer a validade do uso de mapas conceituais para o<br />

desenvolvimento da metacognição, os professores possivelmente poderão buscar nos<br />

conteúdos que ensinam capacidades e habilidades que estimulem o pensamento complexo em<br />

seus alunos. Desta maneira, a construção de mapas conceituais estimula processos<br />

metacognitivos dos estudantes para a reorganização da estrutura mental, assimilação<br />

significativa e desenvolvimento do pensamento formal.<br />

Figura 1 – Construção cooperativa de mapa conceitual.<br />

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A figura 2 representa um fórum de solução de problemas que relaciona a questão<br />

diretamente com os conceitos envolvidos (base conceitual), como também com hipertextos e<br />

simulações. O intuito da cooperação, mediada pela linguagem, tecnologia e conteúdos de<br />

intercâmbio, é promover a inteligência lógica formal e a vida social.<br />

Nota-se que em diversos ambientes de ensino a distância, os fóruns enfatizam a<br />

comunicação. No entanto, não são interligados à base de dados conceituais e hipermeios. A<br />

falta de integração e flexibilidade desses ambientes não estimula processos metacognitivos de<br />

gerenciar a aprendizagem; como também a inexistência de uma database conceitual permite<br />

desfocar a atenção do objeto de estudo.<br />

Figura 2 – Fórum de solução cooperativa de problemas.<br />

4. Conclusão e perspectivas<br />

O impacto das tecnologias computacionais e das teorias cognitivas modifica a visão<br />

tradicional de um currículo estático para a construção de um currículo em um novo contexto -<br />

o aprender a aprender com tecnologias.<br />

Em relação à aprendizagem, as teorias cognitivas contemporâneas observam que a<br />

inteligência humana constrói conhecimento pelo processo de interação entre o sujeito e o<br />

meio físico e social, representado mentalmente por um sistema dinâmico de esquemas<br />

conceituais interligados por proposições e armazenados na memória semântica por meio de<br />

unidades conceituais particulares e estruturas generalizáveis. Nas ações e coordenações dessas<br />

ações com o meio, os sujeitos assimilam o contexto e acomodam essas abstrações na estrutura<br />

cognitiva, reorganizando os esquemas conceituais por generalizações, especializações e<br />

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hibridações. Esses processos de elaboração de significados do mundo ocorrem pela ação<br />

intencional, reflexão, cooperação, linguagem, contextualização e construção. Nesse sentido, a<br />

visão construtivista de que pensar é formar conceitos e relacioná-los entre si em um processo<br />

de cooperação mediada pela linguagem, pensamento formal, intercâmbios culturais e<br />

tecnologias computacionais orienta diretrizes para a construção cooperativa de um currículo<br />

em sistemas distribuídos que estimule a aprendizagem com tecnologias.<br />

Certamente, os sistemas computacionais, embasados em modelos da mente, tais como<br />

mapas conceituais, hipertextos e bases conceituais, laboratórios em realidade virtual e<br />

experimentação remota oferecem suporte para a construção do conhecimento de forma<br />

cooperativa em sistemas distribuídos. Os mapas conceituais, hipertextos e bases conceituais<br />

construídos coletivamente eliminam a visão estática de um currículo linear,<br />

descontextualizado, normativo, homogêneo (Henriques, 2000) apontam para a construção de<br />

um currículo cooperativo, contextualizado, interdisciplinar e multidimensional integrado às<br />

tecnologias computacionais que estimulam a metacognição de aprender a aprender com<br />

tecnologias. Adicionadas a essas, os atuais laboratórios virtuais distribuídos possibilitam<br />

experimentação por manipulação de objetos de aprendizagem em tempo real com diversas<br />

máquinas, tais como os cenários de realidade virtual e as experimentações remotas da<br />

mecatrônica que oferecem suporte à aprendizagem conceitual e procedimental.<br />

Conclui-se, portanto, que a introdução de computadores nas escolas deva partir da<br />

visão cultural da escola como espaço de conhecimento. Dessa forma, espera-se que a<br />

construção cooperativa dos conteúdos curriculares em sistemas computacionais distribuídos<br />

possibilite coordenações de pontos de vista em relação ao currículo e consolide a criação de<br />

ambientes de aprendizagem e metodologias de ensino que respondam às necessidades<br />

contextuais da educação, eliminando incoerências, pré-conceitos e práticas descuidadas. Os<br />

novos modelos curriculares possibilitarão as representações cognitivas dos professores e<br />

alunos que serão expressas por mapas conceituais, hipertextos, hipermeios, bases de dados<br />

etc. Cabe lembrar que a evolução dos planejamentos curriculares ocorrerá por uma transição<br />

lenta e que surgirão conflitos cognitivos e sociais próprios à construção do conhecimento: os<br />

primeiros planejamentos serão mais simples e poderão se desenvolver para construção de<br />

planejamentos cooperativos, contextualizados, interdisciplinares e transdisciplinares, podendo<br />

alcançar, por meio de tecnologias computacionais, planejamentos multidimensionais.<br />

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Notas<br />

(1) A versão prévia desse trabalho foi apresentada no XIV Encontro Nacional de Didática e<br />

Prática de Ensino - ENDIPE, realizado entre os dias 27 e 30 de abril de 2008, em Porto<br />

Alegre, Rio Grande do Sul.<br />

(2) Em um estudo da OECD (2003) sobre a preparação dos jovens para solucionar problemas<br />

que encontrarão em sua vida profissional e em aprendizagem mais avançada, concluiu-se<br />

como um dos principais fatos é o de que mais da metade de todos os estudantes do México,<br />

Turquia, Brasil (64%), Indonésia e Tunísia apresentam um perfil de baixa proficiência em<br />

solução de problemas, não sendo capazes de lidar em situações de habilidades básicas. Isso<br />

significa que esses estudantes estarão limitados a problemas bem estruturados e direcionados,<br />

em que observação direta e inferências simples sejam os únicos processos para a obtenção de<br />

informação.<br />

(3) O conceito de information literacy foi traduzido como competência informacional por<br />

Melo e Araújo (2007). As autoras observam que competência informacional relaciona-se às<br />

atitudes que facilitam criar e compartilhar o conhecimento ao longo da vida, considerando-a<br />

como uma aprendizagem intencional e essencial para o sucesso na Sociedade da Informação e<br />

está entrelaçada com a cidadania participativa.<br />

(4) Os resultados da análise da OECD (2004) em estudos realizados em 2003 evidenciam a<br />

qualidade do ensino em Hong Kong: 1˚ em matemática, 2˚ em ciência, 2˚ em leitura e 3˚ em<br />

solução de problemas.<br />

- E. Mendes é Doutora em Engenharia de Produção (Universidade Federal de Santa<br />

Catarina, UFSC). Atua como Professora da Faculdade de Educação (UFU) e Pesquisadora do<br />

Núcleo de Pesquisas em Tecnologias Cognitivas (UFU). Endereço eletrônico:<br />

www.nutec.ufu.br. E-mail para correspondência: elise@ufu.br.<br />

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Ensaio<br />

Cognição, categorização, estereótipos e vida urbana<br />

Cognition, categorization, stereotypes, and urban life<br />

Marcos Emanoel Pereira <br />

Departamento de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade<br />

Federal da Bahia (UFBA), Salvador, Bahia, Brasil<br />

Resumo<br />

Um dos aspectos fundamentais da vida social é a capacidade de perceber e categorizar, com um<br />

mínimo de esforço, as pessoas e os objetos com os quais se interage no ambiente cotidiano.<br />

Sem a categorização, seria necessário redefinir a todo e qualquer momento os esquemas de<br />

conhecimento sobre o mundo, o que, possivelmente, estenderia ao extremo os limites<br />

cognitivos. Uma forma particular de categorização, realizada mediante o uso de representações<br />

estereotipadas, tem despertado amplo interesse entre os psicólogos sociais. Os estereótipos<br />

geram expectativas que, por sua vez, influenciam a percepção, a formação de impressões e o<br />

julgamento social. O presente ensaio, de natureza exploratória, procura avaliar e esclarecer<br />

alguns mecanismos psicológicos envolvidos manifestação do julgamento estereotipado pelos<br />

habitantes dos centros urbanos, enfatizando o papel exercido pela confirmação e<br />

desconfirmação das crenças. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 280-287.<br />

Palavras-chave: categorias sociais; categorização; estereótipos.<br />

Abstract<br />

One of the fundamental aspects of social life is the capacity we have of perceiving and<br />

categorizing, with rather a slight effort, the people and objects with which we interact in our<br />

day-by-day environment. Without categorizing, we would be forced to keeping on redefining,<br />

over and over, all the frames of knowledge that we have about the world, which would<br />

probably push our cognitive capacity over the border line. A certain particular way of<br />

categorization, that one we carry out through the use of stereotyped representations, has been<br />

kindling a deep interest among the social psychologists. The stereotypes create certain<br />

expectations that, by their turn, influence in the social perception, impressions-generating, and<br />

judgments. This present essay, with rather a speculative nature, seeks for discussing and<br />

evaluating some psychological devices involved in the manifestation of stereotyped judgment<br />

made by the urban sites citizens, emphasizing the influence in such a judgment exerted whether<br />

by the confirmation or the disconfirmation of social beliefs. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3):<br />

280-287.<br />

Keywords: social categories; categorization; stereotypes.<br />

A vida cotidiana atual se desenrola, sobretudo, nos centros urbanos, particularmente<br />

em cidades de grande e médio porte. O último censo indica que mais de 80% da população<br />

brasileira vive nas cidades (IBGE, 2000) e, afora alguns casos relativamente raros de pessoas<br />

280


Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 280-287 <br />

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que, motivadas por inseguranças e temores, não suportam mais a vida nos grandes centros<br />

urbanos, cada vez mais pessoas abandonam o campo e vão para as cidades em busca de<br />

diferentes oportunidades de vida e de trabalho.<br />

Se os teóricos da cognição sugerem que o mundo que nos cerca é tão complexo que<br />

exige o trabalho simultâneo de dois sistemas de aprendizagem complementares (McClleland<br />

et al., 1995), tal complexidade é levada ao extremo no ambiente das grandes cidades. Se,<br />

afinal, a espécie humana sobrevive, como efetivamente sobrevive, é porque o ser humano<br />

tanto consegue lidar com as inumeráveis rotinas às quais se encontra sujeito, quanto com as<br />

diversas situações inesperadas com quais se depara. Parece plausível admitir, portanto, que a<br />

sobrevivência é possível não apenas porque o organismo humano conta com um sistema que o<br />

torna apto a lidar com o que é esperado e previsível, dado a capacidade humana intrínseca de<br />

representar o ambiente de uma forma estável, mediante a construção de modelos de mundo<br />

relativamente permanentes, como também porque este primeiro sistema é complementado por<br />

um outro, que se caracteriza por uma enorme plasticidade, que o habilita a responder, de<br />

forma rápida, às inúmeras mudanças que freqüentemente se manifestam nos espaços urbanos.<br />

Dessa forma, é impossível deixar de aderir à sugestão de que um dos aspectos<br />

fundamentais da vida social é capacidade intrínseca de perceber as pessoas que se acaba de<br />

conhecer, ou àquelas as quais se foram recentemente apresentadas, em termos de crenças<br />

gerais e antigas organizadas e armazenadas na memória (Bem, 1973; Rokeach, 1981). Isso só<br />

é possível dada a natureza de uma modalidade de pensamento denominada categórica<br />

(Macrae e Bodenhausen, 2000; Park e Judd, 2005).<br />

Na psicologia social, o termo categoria tradicionalmente tem sido adotado para<br />

descrever a totalidade de informações que os percebedores possuem na mente sobre uma<br />

classe particular de indivíduos (Moskowitz, 2006). O que seria da existência sem as categorias<br />

que orientam o pensamento humano É possível entender o processo de categorização a partir<br />

de um exemplo da vida ordinária, uma pessoa que se encontra em um shopping center e entra<br />

numa papelaria. Decerto pode ser a primeira visita da pessoa àquela loja, mas apenas<br />

mediante a inspeção da distribuição das estantes e dos mostradores com os produtos em<br />

exposição, ela provavelmente não encontrará qualquer dificuldade em se orientar e não se<br />

defrontará com qualquer dificuldade em relação a direção a tomar. Ao mesmo tempo em que<br />

consegue categorizar os produtos e delimitar os espaços nos quais estes estão localizados, ela<br />

também é capaz de identificar, sem muitas dificuldades, outras pessoas que se encontram no<br />

recinto e que podem ser caracterizadas como vendedores e funcionários da papelaria e aquelas<br />

que podem ser classificadas como consumidores. É extraordinário que tudo isso aconteça e,<br />

mais impressionante ainda, que tudo isso ocorra sem que seja necessário postular que a pessoa<br />

despende um esforço significativo para realizar uma tarefa cognitivamente tão complexa<br />

quanto esta (Blair e Banaji, 1996; Devine, 1989; Gilbert e Hixon, 1991; Wegner e Bargh,<br />

1998) .<br />

O que ocorre quando uma pessoa é identificada como um vendedor da papelaria<br />

Fundamentalmente, estudos contemporâneos sobre a categorização social sugerem que uma<br />

parcela substancial do pensamento é dominada por dispositivos mentais que permitem ao<br />

agente cognitivo pensar em cada indivíduo com quem interage em termos de categorias<br />

inclusivas mais amplas e não a partir das idiossincrasias de cada pessoa em particular<br />

encontrada no mundo. Desta forma, não é necessário se preocupar em saber o nome, a<br />

naturalidade, os gostos ou mesmo as preferências de cada vendedor, dado que as pessoas<br />

possuem uma certa clareza sobre as expectativas a serem adotadas em relação aos vendedores,<br />

esperando-se que estes sejam corteses, educados e que saibam informar as características e os<br />

atributos tanto do produto ao qual se procura, quanto que sejam capazes de indicar as formas<br />

pelas quais a compra possa ser efetivada. Pode-se esperar, inclusive, que, na falta do produto<br />

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de interesse, o vendedor possa indicar um outro local em que a aquisição possa vir a ser<br />

realizada. Isto ocorre porque o processo de categorização pode ser entendido como uma<br />

operação complexa, na qual um agente humano aplica rótulos verbais a objetos presentes no<br />

mundo físico, mental e social. Mediante a aplicação dos rótulos verbais durante o processo de<br />

categorização os objetos são classificados como membros de um grupo e passam a serem<br />

vistos como elementos que compartilham um mesmo conjunto de atributos com os demais<br />

objetos que pertencem à mesma categoria, assim como são percebidos como diferente dos<br />

objetos que pertencem a categorias distintas.<br />

Parece lícito afirmar, portanto, que se encontra organizado na memória humana<br />

conhecimentos a respeito dos vendedores de papelaria, de vendedores de shopping centers,<br />

dos vendedores em geral e das mais diversas categorias sociais com as quais a interação é<br />

freqüente. Esse repertório de conhecimento gera expectativas e, tais expectativas fornecem<br />

um certo critério ou, pelo menos, funciona como uma espécie de guia, que permite determinar<br />

se os comportamentos eliciados pelo vendedor do shopping se enquadram ou não dentro<br />

daquilo que se imagina como o comportamento esperado para os membros desta categoria<br />

(Greenwald e Banaji, 1995).<br />

Se tudo isso é aceitável, pode-se dizer que o pensamento categórico exerce uma<br />

influência muito grande sobre a percepção social. Essa influência se manifesta por duas vias<br />

distintas. Por um lado, é possível afirmar que o processamento da informação, característico<br />

de toda a percepção social, é guiado pela estrutura de conhecimento a respeito da categoria<br />

ativada. Por outro lado, pode-se supor que uma vez ativada, a estrutura do conhecimento<br />

permite a elaboração de uma série de inferências, especialmente aquelas que envolvem o<br />

julgamento, a formação de impressões ou mesmo a realização de avaliações sobre o membro<br />

da categoria ativada. Muitas destas inferências podem até ser apropriadas, embora em uma<br />

parcela significativa das vezes elas se assentam em julgamentos estereotipados (Fiske, 1998;<br />

Fiske, 2000; Pereira, 2002). Em que pese o ajuste ou não entre as representações categóricas e<br />

os eventos que ocorrem no mundo real, parece indubitável que o organização humano tem se<br />

adaptado relativamente bem ao ambiente em que vive e que o processamento categórico da<br />

informação contribui de forma significativa para esta adaptação. O papel fundamental da<br />

categorização na sobrevivência do organismo parece ser a possibilidade que ele oferece de<br />

permitir que o agente cognitivo humano possa tratar o novo e inesperado em termos de<br />

crenças mais gerais e antigas. Obviamente, como o agente cognitivo dispõe de um conjunto<br />

abrangente de crenças relativamente estáveis a respeito de diversas categorias sociais, pode-se<br />

imaginar que os ambientes urbanos, onde tradicionalmente circulam entes que pertencem as<br />

mais diversas categorias sociais, sejam espaços privilegiados para a manifestação freqüente<br />

de julgamentos fundamentados em categorias.<br />

Eis um exemplo concreto: uma pessoa, imediatamente ao transpor a porta do<br />

apartamento em que reside, se depara com a faxineira do prédio. De imediato, a pessoa pode<br />

supor que a faxineira reside em um bairro bastante distante, provavelmente na periferia, e que<br />

deve ter saído de casa muito cedo para pontualmente se apresentar no trabalho. Após refletir<br />

sobre a dura vida da faxineira, esta pessoa, durante o trajeto para o seu próprio trabalho pode<br />

ser abordado em um sinal de trânsito por um garoto que procura limpar os vidros do<br />

automóvel que dirige. Os esquemas de categorização voltam a funcionar e, imediatamente, o<br />

garoto é identifica mediante a aplicação de rótulos verbais como trombadinha, pivete ou<br />

pedinte. Em consonância com estes rótulos, imagina-se o garoto como um pobre coitado que<br />

se defronta com inúmeras dificuldades na vida e, como tal, que é necessário tomar um certo<br />

cuidado com o se pode dizer o fazer naquelas circunstâncias. Alguns quilômetros depois, após<br />

dirigir com muito cuidado em todo o percurso, enquanto se perscruta atentamente todos os<br />

motoristas, certamente egoístas, nervosos e irresponsáveis, o que o leva a adotar estratégias<br />

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defensivas de direção, o motorista encontra, após voltas e voltas em torno do quarteirão, uma<br />

vaga disponível para estacionar o automóvel. Antes mesmo de finalizar esta operação, aparece<br />

um camarada, com um apito nervoso na boca e um pano imundo na mão, e o motorista<br />

certamente sabe se tratar de um flanelinha, um tipo com o qual se deve lidar com muito<br />

cuidado, sob pena de encontrar, ao voltar para buscar o automóvel, o veículo danificado. Ao<br />

entrar no prédio em que trabalha, o não mais motorista e agora funcionário, encontra alguém<br />

manejando o elevador e não enfrenta dificuldades em categorizá-lo como o ascensorista,<br />

sabendo, inclusive, pelas cores da roupa, que se trata de um fervoroso torcedor do Clube de<br />

Regatas Flamengo. Ao entrar no conjunto de salas em que trabalha, encontra uma senhora<br />

bastante educada, distinta no trajar e no falar, e supõe se tratar da nova secretária do chefe, em<br />

seu primeiro dia de expediente. Após uma exaustiva manhã de trabalho, ele aproveita o<br />

intervalo do almoço e vai ao restaurante onde encontra o maitre, o garçom, o assistente de<br />

garçom, o manobrista e, assim, até o fim do dia, esta pessoa vai encontrando e categorizando<br />

pessoas, criando e confirmando expectativas sobre como estas podem e devem agir.<br />

Esta descrição de eventos típicos de um dia de um cidadão relativamente comum<br />

poderia propiciar o desenvolvimento da conclusão de que a vida na cidade é plena de idéias<br />

estereotipadas, uma vez que diariamente cada pessoa se depara com pessoas dos mais<br />

diversos grupos sociais, o que propiciaria, conseqüentemente, uma maior intensificação dos<br />

pensamentos estereotipados (Alexander et al., 2005). É natural que isto ocorra, uma vez que<br />

o pensamento categórico ativa as estruturas de conhecimento devidamente armazenadas na<br />

memória e estas guiam o processamento da informação sobre os diferentes alvos de<br />

julgamento social. Este conhecimento ativado contribui decisivamente em tarefas como a<br />

elaboração de inferências, a avaliação e a formação de impressões sobre o alvo.<br />

Tudo isto, entretanto, não se encontra imune a controvérsias, pois podem ser<br />

encontradas na literatura indicações de que as representações estereotipadas se manifestam de<br />

forma menos intensa nos centros urbanos de maior tamanho (Pereira et al., 2002). Qual a<br />

razão dessa aparente contradição, a se considerar que nas grandes cidades pode ser observada<br />

uma tendência a estereotipizar menos e ao mesmo tempo ativar de forma mais intensa as<br />

representações categóricas<br />

O exemplo anterior pode ser retomado para tentar entender esta situação. Trata-se da<br />

mesma pessoa, em uma nova jornada de labuta diária. Suponha que assim que coloque o pé<br />

fora do seu apartamento, ela se depare com a faxineira e, coincidentemente, enquanto esta<br />

conversa com uma vizinha, a pessoa é informada de que, ao contrário do que previamente<br />

imaginara, a faxineira reside em um bairro relativamente próximo. Na seqüência, ao ser<br />

abordado no mesmo semáforo, pelo mesmo garoto do dia anterior, nota que este, além de<br />

pedir os habituais trocados, é um excelente desenhista e que, uma vez ou outra, consegue<br />

vender seus desenhos a alguns compradores qualificados. E, naquele mesmo dia, enquanto se<br />

dirige ao trabalho, o veículo apresenta um problema mecânico e, imediatamente, alguns<br />

motoristas solícitos param ao lado, discutem alternativas e, após uma breve conversa, chegam<br />

a um acordo sobre a natureza do problema, solucionando-o rapidamente. Dirigindo em<br />

direção ao trabalho, enquanto pensa nas descobertas daquele dia, esta pessoa encontra,<br />

surpreendentemente, em frente ao prédio em que trabalha, uma vaga disponível, e termina<br />

por saber que o camarada do apito nervoso, além de flanelinha, é um economista<br />

desempregado que desiludido com a profissão resolveu investir na economia subterrânea. Ao<br />

subir pelo elevador toma conhecimento que, ao contrário do que julgara, o ascensorista não é<br />

um torcedor do Flamengo, pois, como bom descendente de pais italianos, as cores do traje da<br />

camiseta denunciam um fervoroso torcedor do Milan Atlético Clube. Finalmente, a maior de<br />

todas as surpresas: ao ser apresentado àquela a quem imaginara ser a secretária do chefe, fica<br />

sabendo que se trata da nova diretora de segurança da empresa. E assim prossegue o dia, pois<br />

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a cada pessoa a quem é apresentado e tem oportunidade de categorizar, imediatamente toma<br />

contato com uma nova uma informação que contradiz todas as expectativas até então<br />

mantidas a respeito dos membros da categoria social.<br />

Desta forma, é lícito supor que a vida nas grandes cidades oferece oportunidades não<br />

apenas para a manifestação dos estereótipos, como também para a identificação de evidências<br />

que se contrapõem de forma nítida às visões estereotipadas a respeito dos diversos grupos<br />

sociais. Afinal, a vida nos grandes centros urbanos além de proporcionar facilidades para a<br />

obtenção de informações que muitas vezes depõem contra as concepções estereotipadas,<br />

também a vida urbana propicia muito mais oportunidades de contatos com pessoas muito<br />

diferentes, algumas que evidentemente confirmam todos estereótipos compartilhados sobre<br />

uma determinada categoria social, enquanto outras se contrapõem a tudo que se ouviu falar<br />

sobre os membros daquele mesmo grupo social (Fein e Spencer, 1997; Gardner et al., 1995).<br />

Nem por isso, entretanto, é possível afirmar que existe uma tendência no ser humano a<br />

rejeitar ou inibir a expressão das crenças estereotipadas. O mais certo parece ser afirmar<br />

exatamente o oposto, pois uma vez que alguém é incluído em uma categpria estereotipada<br />

raramente se tem a oportunidade de refletir e re-avaliar o assunto (Hamilton e Gifford, 1976;<br />

Word et al., 1974). Isto não significa, entretanto, que seja possível defender a tese de que<br />

todas as categorias são automaticamente ativadas e de forma irrefletida. Neste caso, a posição<br />

mais plausível se encaminha no sentido de admitir que em algumas circunstâncias as<br />

categorias podem ser ativadas de forma incondicional, enquanto em outras elas são ativadas<br />

de forma condicional. Os estudos sobre a ativação incondicional são derivados do estudo de<br />

Gordon Allport sobre a natureza dos preconceitos (Allport, 1962), no qual se defende que a<br />

ativação da categoria é um processo inevitável, enquanto os estudos que se posicionam de<br />

forma favorável a uma perspectiva condicional de ativação das categorias sugerem que<br />

embora as categorias possam estar sujeitas a um processamento de forma automática, elas<br />

dependem da presença de disparadores apropriados para que possam ser ativadas.<br />

Quais são as condições que permitem disparar uma representação categórica Um<br />

primeiro indicador encontrado na literatura se refere aos elementos relacionados com a<br />

atenção. O processamento automático é facilitado nas circunstâncias em que ao agente se<br />

obriga a dividir os recursos atencionais entre os diversos estímulos presentes no ambiente<br />

social. A atenção dividida e direcionada a várias tarefas que se realizam de forma simultânea<br />

e concorrente favorece, obviamente, a expressão do pensamento categórico (Wegner e Bargh,<br />

1998). Os processos atencionais, no entanto, não são os únicos responsáveis pela expressão do<br />

raciocínio categórico, sendo importante destacar, em outro registro, o impacto exercido pelas<br />

metas temporárias de processamento, assim como pelas atitudes e crenças do percebedor. O<br />

efeito conjunto destes fatores sugere que a aplicação do raciocínio categórico é mais comum<br />

nas circunstâncias em que falta ao percebedor motivação, tempo ou capacidade cognitiva para<br />

lidar com as demandas requeridas durante as interações sociais. O modelo da flexibilidade da<br />

codificação, uma das concepções teóricas dedicadas ao estudo deste assunto, supõe a<br />

existência de uma diferenciação no tratamento da informação, ao admitir que os recursos de<br />

processamento são inicialmente destinados ao tratamento da informação consistente com a<br />

categoria e que apenas os resíduos dos recursos cognitivos são destinados ao processamento<br />

do material que representa uma relação de inconsistência entre os elementos percebidos e as<br />

categorias previamente armazenadas na memória. Esta concepção mantém uma relação muito<br />

clara com um modelo antropológico que compreende o ser humano como um ente regido por<br />

princípios de economia cognitiva, no qual permanece subentendido que as pessoas procuram<br />

manter intactos ou preservar os seus sistemas de crenças, negligenciando ou mesmo<br />

desconsiderando as informações que porventura possam vir a abalá-los.<br />

Em algumas circunstâncias, no entanto, observa-se uma certa incongruência entre a<br />

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percepção as respeito de uma dada pessoa e os atributos que se imaginam apropriados para<br />

identificar a categoria à qual ela pertence. A teoria da ausência de correspondência sustenta a<br />

tese de que seria incompatível com o modelo antropológico do avaro cognitivo ocupar os<br />

parcos recursos do sistema cognitivo com o tratamento das informações com as quais se tem<br />

alguma familiaridade, sendo mais apropriado considerar que a atenção deveria ser<br />

direcionada, prioritariamente, para o processamento dos estímulos cuja relação com as<br />

categorias seja marcados pela dimensão da incongruência.<br />

Ser cognitivamente avaro não significa, necessariamente, realizar julgamentos<br />

impróprios ou cultivar pensamentos estereotipados. Sob certas condições, sobretudo quando<br />

se dispõe de metas claramente especificadas ou quando existe alguma vinculação de natureza<br />

afetiva com o grupo alvo, manifesta-se uma tendência a agir como se as pessoas fossem<br />

taticamente motivados. Nessas circunstâncias, o julgamento social é realizado apenas nas<br />

circunstâncias em que a pessoa se sente apta a julgar e esta só se considera apta a julgar caso<br />

acredite que esteja de posse de informações suficientes que permitam realizar o julgamento e,<br />

além disso, também que só se sentirá à vontade durante a tarefa de julgar se acredita que<br />

domina alguma teoria sobre os fundamentos do próprio ato de julgar.<br />

Embora o mais comum seja tentar evitar julgamentos com base em crenças<br />

estereotipadas, com o conseqüente abandono de qualquer intenção de realizar quaisquer<br />

generalizações injustificadas, sabe-se, como indicam os estudos sobre a diluição dos<br />

estereótipos (Leyens et al., 1994), que o oferecimento de informações adicionais e a<br />

conseqüente individualização do alvo pode, ao contrário do que se imagina, levar a uma maior<br />

manifestação do pensamento estereotipado.<br />

Se tudo isto é aceitável, parece plausível aderir à suposição de que não é<br />

necessariamente a maior quantidade de informações a que se encontra exposto nos ambientes<br />

urbanos que acarretará um menor índice de estereotipização. Parece que o mais importante, no<br />

presente caso, é a qualidade da informação, ou melhor, a qualidade dos contatos interpessoais<br />

nos quais são obtidas as informações necessárias para a realização dos julgamentos sociais.<br />

Isto não significa, necessariamente, que os moradores das grandes cidades são melhores ou<br />

dispõem de informações mais qualificadas que aqueles que residem em cidades de dimensões<br />

mais acanhadas. O que ocorre é que as grandes cidades se situam no entrecruzamento de<br />

diversas linhas de fugas, pois nelas circulam pessoas muito diferentes, com concepções de<br />

mundo, crenças e valores muito heterogêneos entre si. Isto gera, conseqüentemente, muito<br />

mais alternativas de informação e possibilidades de julgamento e ação para aqueles que se<br />

dispõem a agir mais refletidamente. Isso, uma vez mais, não significa que é necessário residir<br />

em uma cidade para agir de forma mais refletida e, muito menos, se sugere que as pessoas que<br />

moram longe dos grandes centros urbanos sejam menos racionais. O que se afirma nestas<br />

linhas é algo bem mais simples. O que pessoa vai ser ou o que pretende ser não depende<br />

apenas do que ela é, mas também sofre o efeito do contexto em que se vive. Alguém pode<br />

habitar a maior metrópole do mundo e ser absolutamente desprovido de valores cosmopolitas,<br />

assim como pode viver na região mais inóspita e remota do planeta e acolher valores<br />

universais. Evitar o predomínio das categorias estereotipadas de pensamento parece ser muito<br />

mais fácil para quem vive em contexto onde as pessoas e as informações fluem com mais<br />

intensidade, mas a pessoa deve também oferecer a sua parcela de contribuição, quando nada<br />

fazendo o possível para quebrar hábitos de pensamentos arraigados, substituindo-os por<br />

modos de pensar mais justos, igualitários e dignos.<br />

Referências bibiográficas<br />

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- M.E. Pereira é Psicólogo, Mestre em Psicologia Social (Universidade Gama Filho),<br />

Doutor em Psicologia Social (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e realizou estágio Pós-<br />

Doutoral (Universidade Complutense de Madrid e Universidade de Cambridge) Atua como<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 280-287 <br />

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Professor (Departamento de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Psicologia,<br />

UFBA). Endereço para correspondência: Rua Rodrigo Argolo, 293/502, Rio Vermelho,<br />

Salvador, Bahia 41940-220. Telefone: 55-71-32407792 ou 55-71-99873612. E-mails para<br />

correspondência: emanoel@terra.com.br e emanoel@ufba.br.<br />

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Ensaio<br />

Mediação do professor na aquisição e produção colaborativa do<br />

conhecimento na Web<br />

Teacher mediation in collaborative knowledge acquisition and production via Web<br />

Deller James Ferreira , a e Gilberto Lacerda dos Santos b<br />

a Instituto de Informática, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, Goiás, Brasil;<br />

b Faculdade de Educação, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, Distrito Federal, Brasil<br />

Resumo<br />

O objetivo deste ensaio é refletir sobre as explicações, reflexões, resolução de conflitos, bem<br />

como outros aspectos cognitivos e interativos que emergem durante a aquisição e produção<br />

conjunta do conhecimento na aprendizagem colaborativa na Web. Este esforço é dirigido para<br />

assistir o professor em sua mediação docente de processos interativos entre os alunos. A<br />

contribuição deste trabalho está na delimitação de três tipos distintos de situações educacionais<br />

particulares que influenciam diretamente os processos de mediação docente. O aluno é<br />

abordado como um ator intencional, dotado de um conjunto de preferências, buscando meios<br />

aceitáveis para realizar seus objetivos, mais ou menos consciente do grau de controle de que<br />

dispõe sobre os elementos da situação educacional onde se encontra, consciente em termos das<br />

exigências estruturais que limitam suas possibilidades de ação, agindo em função de uma<br />

informação limitada e imerso em uma situação de incerteza. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3):<br />

288-299.<br />

Palavras-chave: aprendizagem colaborativa na Web; mediação docente;<br />

situação educacional.<br />

Abstract<br />

The objective of this work is an investigation of explanations, reflections, conflict resolutions,<br />

as well other cognitive and interactive aspects that emerge during the joint knowledge<br />

acquisition and production in the collaborative learning via Web. This effort is directed to<br />

assist the teacher in his docent mediation of the interaction processes among students. The<br />

contribution of this work is the delimitation of three distinct types of educational situations,<br />

which possesses particularities that directly influentiates the teacher mediation processes. The<br />

student is seen as an intentional actor, having a preference set, searching acceptable ways to<br />

accomplish his goal, more or less conscious about the available degree of the control of the<br />

situational elements where he is, conscious of the estructural demanding that limitates his<br />

possibilities of action, acting in function of a limited information, and immerse in a situation of<br />

uncertainty. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 288-299.<br />

Keywords: collaborative learning via Web; docent mediation; educational<br />

situation.<br />

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© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 08/07/2008 | Revisado em 30/10/2008 | Aceito em 14/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Introdução<br />

Na aprendizagem colaborativa na Web, todas as formas de conhecimento e<br />

capacidades cognitivas estão contextualizadas em situações sociais. Abordagens sócioconstrutivistas<br />

e histórico-culturais advogam que a aquisição e produção do conhecimento são<br />

caracterizadas por processos cognitivos e sociais.<br />

Enquanto algumas disciplinas bem estabelecidas privilegiam o individual e outras o<br />

social, teorias de aprendizagem colaborativa devem centrar na relação dialética entre o<br />

individual e o grupal (Stahl, 2008).<br />

As maiores referências teóricas da psicologia social nesta área, Vygotsky (1978) e<br />

Piaget (1967), apesar de atuarem em campos diferentes, concordam quanto à relevância de<br />

aspectos sociais no desenvolvimento cognitivo.<br />

O objetivo do presente trabalho é, a partir do reconhecimento da impossibilidade da<br />

dissociação entre o cognitivo e o social, apontar pontos de conexão que demonstrem formas<br />

de influência social na aquisição e criação conjunta do conhecimento. Este esforço é dirigido<br />

no sentido de traçar diretrizes a serem consideradas pelo professor em seu papel de mediador<br />

das interações entre os alunos.<br />

A construção colaborativa do conhecimento, sendo caracterizada pelo questionamento<br />

e discussões de casos de problemas complexos, particularmente facilita a aquisição do<br />

conhecimento sob múltiplas facetas (Fisher et al., 2002).<br />

A inserção de alunos em situações de aprendizagem colaborativa é potencialmente<br />

eficaz quanto ao desenvolvimento de funções mentais superiores (Yeland e Masters, 2007).<br />

Exemplos de atividades mentais superiores são a construção de argumentos, a realização de<br />

comparações, o contorno de controvérsias e a identificação de suposições que não são<br />

percebidas de modo trivial (Barzilai e Zohar, 2006).<br />

Com relação ao aspecto social, ao vislumbrarmos os alunos em seus processos<br />

interativos pró-ativos, partiremos de algumas considerações sociológicas como ponto de<br />

referência para investigações relacionadas ao conhecimento produzido. O aluno será visto<br />

como o Homo sociologicus (Boudon, 1994).<br />

Para Boudon, o Homo sociológicos é um ator intencional, dotado de um conjunto de<br />

preferências, buscando meios aceitáveis para realizar seus objetivos, mais ou menos<br />

consciente do grau de controle de que dispõe sobre os elementos da situação na qual se<br />

encontra, consciente em termos das exigências estruturais que limitam suas possibilidades de<br />

ação, agindo em função de uma informação limitada e em uma situação de incerteza. De<br />

acordo com Morin (1991), todo o conhecimento, inclusive o científico está enraizado, inscrito<br />

no e dependente de um contexto cultural, social e histórico. Há uma pré-disposição individual<br />

aliada a uma determinação social passada e presente.<br />

A possibilidade de autonomia do aluno está inscrita no seu conhecimento cotidiano<br />

científico, bem como relacionada em interações transacionais com os outros elementos do<br />

grupo. Nesse sentido, deve-se tratar processos de manipulação do conhecimento de um ponto<br />

de vista de crítica livre, objetividade e racionalidade individuais imersos nas matrizes<br />

histórico-culturais do aluno e englobados pela situação colaborativa proposta pelo professor.<br />

O professor deve ser o articulador desses processos de compartilhamento e síntese do<br />

conhecimento, criando situações colaborativas favoráveis, propiciando aos alunos<br />

possibilidades múltiplas e multiformes de atuarem de forma crítica e imaginativa,<br />

estimulando-os na resolução de problemas, na superação de conflitos cognitivos e no processo<br />

criativo.<br />

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Na essência da maneira de pensar da psicologia social, as ações dos alunos são<br />

entendidas como estando em função de feições pessoais e determinadas pela situação, ou seja,<br />

de características intrínsecas ao individuo e do ambiente social em que se inscreve.<br />

A essência de uma análise da psicologia social deve ser expressa de modo mais<br />

aprofundado pela consideração de metas individuais em função de suas necessidades e<br />

motivos em relação às necessidades e motivos alheios no contexto da situação social.<br />

Para Vygotsky (1978), aprender é apropriar-se da cultura, sendo o desenvolvimento<br />

das funções cognitivas superiores um produto de relações sociais. Dado que nós humanos<br />

somos seres sociais, a cognição, emoções e hábitos são altamente interpessoais, estando nós<br />

mais preparados para construir o mundo em termos de interdependências.<br />

Na aprendizagem colaborativa na Web, é esperado que estudantes explorem problemas<br />

complexos, contribuam com suas perspectivas e recursos individuais e comentem as<br />

perspectivas de outros alunos em um espaço virtual compartilhado acessado na Internet. As<br />

idéias e questionamentos dos estudantes são representados em um banco de dados central.<br />

Tais representações permitem aos alunos realizarem construções a partir da contribuição do<br />

trabalho de outros e criar sínteses.<br />

Estudantes em ambientes de aprendizagem colaborativa na Web são engajados em<br />

atividades cognitivas mais complexas e coerentes para adquirir um conhecimento mais<br />

aprofundado a aplicá-lo com base em múltiplas perspectivas (Scardamalia e Bereiter 1994).<br />

O papel da aprendizagem em grupo é promover um conhecimento mais profundo e<br />

estruturado em comparação ao conhecimento adquirido individualmente. Um conhecimento<br />

mais aprofundado é caracterizado pelo entendimento de conceitos, princípios ou<br />

procedimentos que permitam ao aluno visualizar um problema sob diversos ângulos e a partir<br />

de sucessivas re-interpretações de conceitos. Em contraste, um conhecimento superficial é<br />

ligado com a reprodução e a aprendizagem dirigida. Alunos atuando colaborativamente<br />

podem ser levados a alcançarem melhor grau de proficiência do que individualmente,<br />

estruturando o conhecimento em unidades maiores e mais coerentes. Contudo, alguns<br />

problemas podem emergir como o conformismo ou a imitação.<br />

Processos específicos de influências sociais favorecem a aquisição e construção<br />

colaborativa do conhecimento. Todavia, esses processos podem não advir de forma<br />

espontânea, devendo, então, serem facilitados.<br />

A aprendizagem colaborativa pode desencadear processos cognitivos profícuos, mas<br />

isto não é mandatório. Alunos às vezes ignoram estratégias, teorias ou aspectos específicos de<br />

tarefas de aprendizagem colaborativa. Aprendizes em colaboração podem agir de forma<br />

simplista, orientando-se cumprindo requerimentos de forma minimalista.<br />

Conseqüentemente, os efeitos da aprendizagem colaborativa sobre a aquisição e<br />

produção do conhecimento podem deixar de aflorar. Neste caso, alunos constroem um<br />

conhecimento sem a superação de suas capacidades individuais.<br />

Piaget (1967) influenciou uma perspectiva específica da construção colaborativa do<br />

conhecimento. Segundo ele, indivíduos constroem o conhecimento por um processo chamado<br />

equilibração, o qual é descrito como a procura pela coerência lógica no entendimento.<br />

Indivíduos procuram estabelecer consistência entre conceitos, bem como modelos<br />

equilibrados dentro do contexto em questão.<br />

A construção do conhecimento ocorre quando indivíduos acomodam estruturas<br />

cognitivas que melhor descrevem o contexto. Portanto, indivíduos podem desconsiderar ou<br />

não perceber informação que contradiz estruturas cognitivas (Khun, 2001), o que impede uma<br />

colaboração bem sucedida.<br />

Um dos problemas que pode ocorrer na aprendizagem colaborativa na Web é relativo<br />

à imitação. Indivíduos podem, simplesmente, adotar a perspectiva de outra pessoa, mas não<br />

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reestruturar sua perspectiva, realizando ajustamentos momentâneos. Conflitos sociais devem<br />

ser mediados pelo professor, para que o conflito cognitivo disparado pela situação de<br />

divergência leve a uma estruturação do conhecimento.<br />

Mediações do conflito realizadas pelo professor devem ser relacionais e epistêmicas.<br />

Comparações sociais emergem a partir do confronto resultados diferentes obtidos. Em<br />

conjunto com a ação de confrontar resultados, deve-se promover uma motivação para o<br />

descobrimento de uma solução correta.<br />

A comparação social é uma aliada ao desejo de obtenção de crescimento pessoal.<br />

Também permite que os alunos desenvolvam uma percepção acerca de sua habilidade para<br />

realizar a tarefa proposta. Por intermédio de comparações sociais, os alunos temem a<br />

invalidade e tendem a examinar melhor a tarefa. Tal fato permite que os alunos levem a<br />

respeito um maior número de elementos e diversos pontos de vista.<br />

A maioria dos objetos sociais é ambígua, e isso é o que os distingue dos objetos<br />

físicos. Carecemos de critérios claros e precisos para julgá-los. Assim, não temos critérios<br />

para avaliar a verdade ou o erro em matéria de opiniões políticas ou religiosas, valores e<br />

normas culturais e símbolos em geral. Ante tais objetos, os indivíduos são presas da incerteza<br />

e não sabem que juízo preciso fazer sobre eles.<br />

A fim de reduzir esta incerteza, uns se apóiam sobre o julgamento dos outros e<br />

formam uma norma comum que decide, de maneira arbitrária, o que é verdadeiro ou falso.<br />

Supõe-se que esta norma represente a realidade. Como resultado disso, a norma estabelecida<br />

em comum adquire força de lei para cada indivíduo. Os indivíduos se conformam a ela e já<br />

não vêem as coisas por meio dos seus próprios olhos, e sim por meio dos olhos do grupo<br />

(Moscovici, 1973). A explanação provida por Moscovici expressa um caso de conformismo.<br />

Outro aspecto que também pode levar ao conformismo e que deve ser contornado pelo<br />

professor é impedir que um aluno se sobressaia e se torne líder autoritário, exercendo controle<br />

sobre os demais integrantes do grupo. Mesmo que haja um líder deve haver coesão e<br />

identificação entre os indivíduos, onde a troca de informação seja aberta e espontânea.<br />

Para Morin (1991), a revolução mental de maior importância começa quando certos<br />

indivíduos deixam de submeterem-se às ordens, mitos e crenças e tornam-se sujeitos do<br />

conhecimento: o indivíduo permite-se considerar, refletir e pensar os problemas.<br />

Professores devem criar situações favoráveis à autonomia e, conseqüentemente, à<br />

invenção e a criação, situações estas que comportem pluralismos, trocas, concorrências que<br />

sobrepujem aos modos de pensar dominantes e obstruções mentais, confronto de visões de<br />

mundo, discussões abertas, debates, eliminação racional de opiniões, livre reflexão, rearranjo<br />

dos saberes e múltiplas influências.<br />

Situações na aprendizagem colaborativa<br />

Para tecer um panorama sobre situações de aprendizagem, alguns postulados serão<br />

formulados com o propósito de demarcar os pressupostos teóricos que se aplicarão ao longo<br />

deste ensaio.<br />

No contexto de uma situação de aprendizagem colaborativa, os indivíduos são<br />

inclusos em um sistema de interações que, de certo modo, restringem sua liberdade de ação.<br />

Outras fontes de restrição são provenientes de particularidades cognitivas e da mediação<br />

executada pelo professor. Existem graus de liberdade dos alunos contrabalançados por<br />

determinações.<br />

As situações definem um ambiente no qual preferências, motivações, atitudes,<br />

limitações, bem como outros aspectos são demarcados. Os indivíduos possuem uma margem<br />

de manobra, contudo, não podem se distanciar de seu papel de aluno esperado pelo professor.<br />

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Os postulados anteriores são embasados no conceito de Homo sociologius de Boudon.<br />

O aluno é considerado como um agente intencional dotado de uma autonomia variável<br />

suscetível ao contexto no qual ele está englobado. O aluno deve se sujeitar a certas<br />

imposições. Imposições que advêm do papel do professor de efetivar uma transposição<br />

didática de conteúdos cientificamente estabelecidos e sistematicamente estruturados.<br />

E, no caso da produção do conhecimento, o professor deve assegurar a objetividade<br />

dos conteúdos compartilhados formulados pelos alunos, obedecendo critérios de um discurso<br />

racional. Contudo, não podemos estabelecer uma oposição simplista entre a liberdade<br />

individual e os determinismos coletivos. Torna-se fundamental e necessário tomarmos como<br />

fio condutor a indissolubilidade do individual e o social, havendo uma dinâmica de<br />

influências mútuas.<br />

Visando a colaboração, a educação à distância é vislumbrada como um processo de<br />

reconstrução e construção do conhecimento, bem como de apropriação de saberes. Assim<br />

sendo, a linguagem se constitui uma das principais ferramentas nesta construção pretendida,<br />

uma vez que é por meio dela que será alicerçado o processo de comunicação entre os diversos<br />

atores envolvidos (Assis e Cruz, 2007).<br />

Na aprendizagem colaborativa na Web, as interações entre os alunos, comumente<br />

acontecem por meio do discurso representado textualmente. Um discurso argumentativo<br />

produtivo deve satisfazer a algumas condições como validade formal e objetividade.<br />

Wegerif, Drummond, Mazón e Fernandez (2006) advogam que atualmente investigar<br />

modos de ensinar a criatividade é fundamental na aprendizagem colaborativa na Web. Para<br />

estes autores, considerando-se a criatividade, o diálogo é a habilidade mental mais importante<br />

a ser desenvolvida, sendo todas as outras habilidades mentais derivadas do diálogo.<br />

Na aprendizagem colaborativa via Web, o foco é a racionalidade verbal descrita em<br />

uma representação textual digital. A aprendizagem colaborativa na Web é caracterizada como<br />

dialógica (Schire, 2006) e o entendimento do discurso eletrônico, nas suas dimensões<br />

cognitiva e interativa, é primordial para o desenvolvimento de processos de mediações<br />

instrucionais a distância.<br />

Para que um discurso seja dialógico, pelo menos duas vozes têm que ser ouvidas<br />

simultaneamente. Baktin (1986) utiliza o termo “inter-animação” ou “inter-iluminação” para<br />

indicar que o significado de uma sentença não é reduzível às intenções de quem fala nem de<br />

quem responde, mas sim emerge de ambos. Em uma argumentação dialógica, o significado<br />

surge quando diferentes vozes se envolvem e se misturam. Na argumentação dialógica, o<br />

significado surge quando diferentes perspectivas são trazidas ao discurso de uma forma que<br />

permite que elas estejam “inter-animadas”.<br />

Além de imposições quanto à validade, como o discurso é colaborativo, perseguir<br />

metas sociais é um objetivo a ser alcançado. Participantes de uma discussão obtêm maiores<br />

ganhos em função de sua participação de forma racional e transacional e quanto maior for a<br />

qualidade dos resultados grupais.<br />

O conflito cognitivo não é suficiente para a construção do conhecimento em ambos os<br />

aspectos de aquisição e produção do conhecimento, tendo de ser dissolvido pela coordenação<br />

de visões divergentes para serem obtidas soluções mais elaboradas. Dewey e Bentley (1949)<br />

investigaram um equilíbrio a partir de interações transacionais.<br />

O discurso transacional é definido como uma racionalidade que opera em função da<br />

racionalidade de outro. Interações podem ser mais ou menos transacionais. Um exemplo de<br />

um discurso menos transacional, é quando aprendizes em colaboração, simplesmente,<br />

justapõem suas contribuições sem se referir às contribuições dos outros, como se fossem<br />

monólogos encadeados.<br />

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Um exemplo de discurso altamente transacional ocorre quando alunos elaboram<br />

pontos de vista alheios que não tinham sido considerados por ele anteriormente. O grau de<br />

transação foi atestado em pesquisas como estando positivamente correlacionado com<br />

resultados profícuos na aprendizagem colaborativa na Web (Teasley 1997).<br />

O processo de negociação envolve aspectos conceituais, sendo concernentes a uma<br />

síntese, integração de diferentes visões, resolução de conflitos, dentre outros. O produto final<br />

da aprendizagem colaborativa deve ser um entendimento conceitual compartilhado. Além<br />

disso, na construção colaborativa do conhecimento, alunos necessitam de coordenação mútua<br />

para alcançarem um objetivo comum, tipicamente, resolverem um problema complexo.<br />

Contudo, não há um roteiro a ser seguido para que o problema seja resolvido.<br />

Desse modo, os alunos devem chegar a um consenso acerca das tarefas a serem<br />

realizadas e estratégias a serem seguidas por meio de um processo de negociação.Assim<br />

sendo, fica clara a importância de serem promovidas interações transacionais. (Fischer et al.,<br />

2002) identificaram uma variedade de modos sociais referentes à transação, expressas em<br />

diferentes graus culminando no conflito de opiniões.<br />

Tais modos sociais são a externalização, eliciação, consenso rápido, consenso<br />

orientado pela integração e consenso orientado pelo conflito. Vale ressaltar que as interações<br />

sociais estão vinculadas a aspectos cognitivos, do mesmo modo que habilidades cognitivas<br />

possuem interações sobrejacentes.<br />

Durante o processo interativo na aquisição e produção do conhecimento colaborativo,<br />

pares comunicam suas opiniões, habilidades, disposições e motivos. A externalização está<br />

situada em um nível baixo de transação. Contudo, a externalização é um dos mecanismos<br />

centrais para a construção do conhecimento colaborativo.<br />

Alunos explicitam seu conhecimento, o que pode fazer concepções distintas<br />

emergirem. É comumente aceito que o conhecimento prévio é um fator central na<br />

aprendizagem colaborativa. Além disto, quando o aluno externaliza um conceito para o grupo<br />

ele procura organizá-lo melhor.<br />

A eliciação é mais transativa que a externalização. A eliciação é descrita como utilizar<br />

os parceiros como público base para a formulação perguntas e para a construção de<br />

explicações. A eliciação tem como objetivo iniciar uma reação dos parceiros em colaboração.<br />

A eliciação favorece a externalização. Deste modo, um grupo de aprendizagem colaborativa<br />

pode acessar uma grande base de conhecimento por intermédio da eliciação.<br />

O consenso rápido é mais transacional do que a externalização e a eliciação, podendo<br />

ser caracterizado como possuindo um grau de transação moderado, contudo longe do ideal. O<br />

consenso rápido pode ser definido como, meramente, como alunos concordarem, mas sem<br />

aceitar realmente, as contribuições de seus pares para dar continuidade ao discurso. Desta<br />

forma, o consenso rápido não indica uma mudança de perspectiva real, sendo, portando,<br />

apenas uma forma de coordenação, permitindo o prosseguimento do discurso<br />

Dependendo da situação, um critério a ser adotado pelo professor é a integração de<br />

diferentes perspectivas dos alunos. Neste caso, diferentes concepções dos alunos são aceitas.<br />

O consenso orientado pela integração pode ser entendido como um processo de aproximação<br />

dos alunos, o qual acumula e integra suas perspectivas individuais (Fischer et al., 2002).<br />

Vários aspectos do consenso orientado para a integração devem ser evidenciados. No<br />

consenso orientado para a integração, em oposição ao consenso rápido, a integração não<br />

emerge de uma simples aceitação, repetição ou justaposição de perspectivas individuais<br />

(Roschelle 1996). A integração é caracterizada como a combinação e aglutinação de posições.<br />

Ocorre quando indivíduos desistem de suas posições iniciais. E corrigem-se com base em<br />

contribuições do professor ou se rendem aos argumentos persuasivos de outro aluno.<br />

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A influência do consenso orientado pelo conflito na aprendizagem colaborativa tem<br />

sido considerada como a mais benéfica, em outras palavras, mais profícua. O consenso<br />

orientado pelo conflito é vislumbrado como o modo ou interação social mais transacional<br />

(Teasley e Roschelle, 1994).<br />

Consenso orientado pelo conflito foi postulado por Piaget (1967) como um<br />

componente de um mecanismo central da aprendizagem. Aprendizes quando em confronto<br />

com diferentes perspectivas podem experimentar o desequilíbrio. Tal desequilíbrio, por sua<br />

vez, pode induzir os alunos a reconsiderarem suas concepções com o intuito de resolver o<br />

conflito em um processo de re-equilibração.<br />

O consenso orientado pelo conflito envolve uma resolução reflexiva e construtiva.<br />

Similarmente, a eliciação, o consenso orientado pelo conflito requer um comportamento<br />

exploratório dos alunos. Neste caso, os professores devem influenciar os alunos no sentido de<br />

testar diferentes perspectivas e esforçarem-se no sentido de encontrarem melhores argumentos<br />

para defender suas posições. O efeito indireto de uma situação que fomenta o conflito de<br />

posições foi confirmado por pesquisadores (Chan et al., 1997).<br />

Do ponto de vista de relações sociais no âmbito educacional, outra constante em<br />

situações de aquisição e produção do conhecimento é a necessidade de preencher lacunas que<br />

contornem a incerteza dos alunos. É recomendado que os professores, em seu papel de<br />

mediadores, trabalhem para reduzir incertezas, tanto provendo explanações, quanto trazendo<br />

bibliografia relevante ao problema a ser destrinchado.<br />

Por outro lado, a incerteza, quando detectada, deve ser tratada como uma aliada pelo<br />

professor, explorando-a no sentido de motivar o aluno. O professor pode, então, sugerir<br />

estratégias de aprendizagem, motivar os alunos a buscarem informação adicional e explorar<br />

inconsistências.<br />

A orientação da incerteza é defendida como uma estratégia de mediação eficaz,<br />

estando em concordância a resultados esperados como resultado da aprendizagem<br />

colaborativa durante a aquisição e criação do conhecimento, quando esta é bem sucedida.<br />

Alunos que não experimentam a incerteza se tornam menos propensos a se engajarem<br />

em conflitos cognitivos em detrimento ao seu processo de aprendizagem. Paralelamente,<br />

alunos que não experimentam a incerteza tornam-se menos propensos a engajarem-se na<br />

construção do conhecimento de forma colaborativa, e, conseqüentemente, optam pelo<br />

aprendizado individual.<br />

A aquisição colaborativa do conhecimento em um domínio estruturado<br />

Um domínio estruturado possui problemas com restrições e soluções convergentes, as<br />

quais se engajam com a aplicação de regras e princípios englobados por parâmetros bem<br />

definidos.<br />

Na situação concernente à aquisição do conhecimento colaborativa em um domínio<br />

estruturado é enfatizado que a aprendizagem baseie-se na transmissão do conhecimento e<br />

competências de uma geração à próxima. A aprendizagem é um processo interativo de<br />

participação em várias práticas culturais e atividades de aprendizagem partilhadas,<br />

estruturando e dando forma a atividade cognitiva de diversos modos, ao invés de ocorrer<br />

apenas na mente individual (Lave e Wenger, 1991; Brown et al., 1989). De acordo com esta<br />

visão, o conhecimento emerge de práticas culturais e a atividade humana é indexada ao seu<br />

ambiente cultural e material.<br />

O papel primordial do professor é mediar os resultados dos alunos e os conflitos que<br />

possam vir a emergir de modo que a aprendizagem dos alunos seja facilitada visando o<br />

alcance da solução ótima do problema em questão. O professor deve exercer uma<br />

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transposição didática, intervindo no processo interativo, por meio do diálogo, com o propósito<br />

de motivar os alunos para uma solução correta quando necessário. Neste caso, existe um<br />

mapeamento do espaço conceitual no espaço do problema pré-estabelecido que o aluno deve<br />

adquirir.<br />

Nesta situação, o professor é consciente da existência de uma solução correta, e/ou até<br />

mesmo da solução ótima e está consciente de que existem outras soluções objetivamente<br />

errôneas, ou pelo menos que não são ótimas. Quando as pessoas não conhecem a solução<br />

correta, a falta de consenso inter-individual é prevista, pois a probabilidade de serem<br />

formuladas respostas errôneas é alta, e essas respostas erradas, muitas das vezes não serão as<br />

mesmas, gerando um conflito de resultados.<br />

Durante um conflito de opiniões, o professor deve explorar as visões divergentes dos<br />

alunos, contrabalançando-as e comparando-as com a solução ótima. Situações envolvendo<br />

conflito possuem várias propriedades, como, por exemplo, o impulso para a reciprocidade.<br />

Portanto, o professor deve tirar proveito dos efeitos que o conflito pode causar, amparado pela<br />

solução a ser compreendida, promovendo uma integração de capacidades cognitivas.<br />

Contudo, o professor não deve exercer uma pressão excessiva. Em contextos marcados por<br />

uma grande pressão ao conformismo, é mais difícil ocorrer uma apropriação do conhecimento<br />

genuína por parte do aluno.<br />

A aquisição colaborativa do conhecimento em um domínio pouco estruturado<br />

Na aquisição do conhecimento colaborativa em um domínio pouco estruturado, os<br />

alunos podem explorar diferentes hipóteses, realizando diferentes mapeamentos conceituais<br />

em seu espaço problema, ou seja, encontrando diferentes relações, escolhendo diferentes<br />

teorias para serem aplicadas e considerando que determinados conceitos são mais relevantes<br />

que outros com relação ao espaço problema.<br />

Até mesmo a partir das mesmas hipóteses os alunos podem se enveredar por caminhos<br />

distintos que desembocam em diferentes soluções. Neste caso, temos uma determinação<br />

parcial, que se deve ao compromisso com a objetividade racional a ser averiguada pelo<br />

professor, em seu processo de mediação como no caso anterior, contudo em menor grau.<br />

Em um domínio pouco estruturado, o aluno é mais livre para vislumbrar uma solução.<br />

Nesta situação, o professor é consciente da existência de várias soluções corretas, ou, por<br />

exemplo, de uma solução mais genérica que englobe vários casos. O professor atua como<br />

mediador de conflitos de opinião de forma integradora. Neste caso, temos uma liberdade<br />

maior do aluno, que se deve à possibilidade de que opiniões distintas sejam verdadeiras,<br />

mesmo que sejam contraditórias.<br />

Confrontos de opinião também podem ocorrer, contudo em grau mais elevado do que<br />

na aquisição colaborativa do conhecimento em um domínio estruturado, mas em grau menos<br />

elevado do que na produção do conhecimento em um domínio pouco estruturado.<br />

Considerando-se as idéias apresentadas anteriormente, há a possibilidade que ocorra<br />

um conflito entre a informação pessoal, expressa em seu esquema particular, ou seja, conjunto<br />

de relações pessoais e o esquema social, que reflete a perspectiva do grupo, podendo-se gerar<br />

modificações no esquema da pessoa ou no esquema do grupo, dependendo do que o professor<br />

considere como uma idéia mais objetiva, abrangente, aprofundada, dentre outras qualidades.<br />

A situação que envolve a aquisição do conhecimento colaborativa em um domínio<br />

estruturado ou pouco estruturado não prevê a inovação. Na aquisição do conhecimento, são<br />

pressupostas estruturas do conhecimento pré-estabelecidas, as quais os estudantes precisam<br />

assimilar ou construir. Embora este processo envolva a criatividade e evoque conexões de<br />

novos significados, o avanço do conhecimento não é o foco em questão.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 288-299 <br />

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Submetido em 08/07/2008 | Revisado em 30/10/2008 | Aceito em 14/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

O potencial de coletividades em engajarem-se em e sucederem em ricas explorações,<br />

descoberta e inovação, em vários campos, tem motivado vários pesquisadores a promoverem<br />

o estudo da criatividade grupal (Shneiderman et al., 2006). O próximo item é referente à<br />

criação colaborativa do conhecimento.<br />

A produção colaborativa do conhecimento em um domínio pouco estruturado<br />

Na produção colaborativa do conhecimento em um domínio pouco estruturado, alunos<br />

encontram-se engajados na resolução de problemas pouco estruturados. Problemas pouco<br />

estruturados possuem múltiplas soluções, diferentes caminhos a serem investigados, na busca<br />

de uma solução, e pouco parâmetros manipuláveis. Problemas pouco estruturados abarcam<br />

uma incerteza acerca de quais conceitos, regras e princípios são necessários ou são<br />

organizados para a obtenção de uma solução e também incerteza na escolha da melhor<br />

solução (Jonassen, 1997). Problemas pouco estruturados são dialéticos por natureza,<br />

demandando que conceitualizações conflitantes do problema sejam conciliadas.<br />

Para Jonassen (2007), um fator importante que afeta a argumentação e a resolução de<br />

problemas em um domínio pouco estruturado é a crença epistemológica do aluno. Quando<br />

alunos são imersos em domínio estruturado e em domínio pouco estruturado,<br />

conseqüentemente estão sendo inseridos em conjuntos de crenças epistemológicas distintos. A<br />

resolução de problemas pouco estruturados envolve uma visão relativista do conhecimento,<br />

onde múltiplas estratégias são adotadas em análises de contradições e ambigüidades.<br />

A resolução de problemas pouco estruturados é diretamente correlacionada ao<br />

pensamento criativo em situações de aprendizagem em contextos reais, requerendo o<br />

desenvolvimento de argumentos convincentes para apoiar o pensamento divergente e o<br />

julgamento reflexivo. Alunos ao resolverem problemas pouco estruturados são engajados não<br />

somente em processos cognitivos e meta-cognitivos, mas também em uma cognição<br />

concernente à natureza epistemológica de processos e à veracidade ou valor de diferentes<br />

soluções.<br />

Durante a produção do conhecimento em um domínio pouco estruturado, partiremos<br />

do princípio de que alunos colaboram por meio de artefatos. No caso da aprendizagem<br />

colaborativa na Web, os alunos interagem mediados pela tecnologia, ou seja, por uma<br />

representação digital.<br />

Pesquisas recentes endereçam questões relativas a resolução de problemas pouco<br />

estruturados (Jonassen, 1997; Barak e Mesica, 2007), argumentando a favor de que uma<br />

maneira produtiva de encorajar uma aprendizagem mais aprofundada é, justamente, a<br />

resolução de problemas não estruturada. Problemas pouco estruturados possuem diversas<br />

feições que os torna efetivos na promoção de uma aprendizagem mais aprofundada e são<br />

veículos para conectar-se o conhecimento teórico a questões referentes ao mundo real.<br />

A teoria de produção colaborativa do conhecimento de Bereiter (2002), é construída<br />

com base da distinção de Popper (1972) dos três mundos. De acordo com Popper, além da<br />

realidade física e material (primeiro mundo) e a realidade de estados mentais (segundo<br />

mundo) há também a realidade que circunda as entidades conceituais (terceiro mundo).<br />

O ponto importante e fundamental para Popper é que os seres humanos não realizam<br />

operações apenas no mundo mental, mas também entendem e desenvolvem objetos no<br />

terceiro mundo. Criar o conhecimento de modo colaborativo implica, então, em interações<br />

grupais em torno de artefatos.<br />

Uma situação imersa em um domínio pouco estruturado é um tipo de situação na qual<br />

será exercida a influência do professor com o objetivo de criar-se algo inédito. Neste caso, o<br />

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professor realiza sua mediação a nível de critérios de objetividade como nas duas primeiras<br />

situações abordadas.<br />

O processo de mediação do professor deve incentivar os alunos a alcançarem um grau<br />

de transação alto bem como nos outros casos, mas a diferença fundamental é que uma<br />

mediação em função de estruturações e soluções prévias não será efetivada.<br />

O professor deve estimular os alunos a explorarem outras hipóteses, além das trazidas<br />

pelos integrantes do grupo. No sentido da inovação, o conflito cognitivo pode ser dissolvido<br />

por re-interpretações sucessivas de uma mesma idéias ou por meio de uma síntese dialética.<br />

Tal síntese pode fazer emergir um conhecimento que transpõe a criação individual.<br />

O processo de construção do conhecimento pode ocorrer, então em três etapas.<br />

Primeiramente, o primeiro participante tem o papel de inovador, levantando uma nova<br />

realidade. Em seguida, a segunda pessoa interage com a primeira pessoa e levanta um ponto<br />

de vista pessoal e oposto. Finalmente, a terceira pessoa, de um ponto de vista superior, atrelase<br />

a uma trans-subjetividade e cria uma nova realidade e a torna tangível para que outras<br />

pessoas possam partilhá-la.<br />

Pelo processo de síntese descrito anteriormente, é possível obter um conhecimento que<br />

não pode ser totalmente atribuído a nenhum componente do grupo, caso a terceira pessoa<br />

parta dos resultados fornecidos pelos dois primeiros participantes sem ser preocupar em seu<br />

processo de formulação, ou seja, sem ter um conhecimento total do que foi explicitado e a<br />

primeira e segunda pessoa, envolvida no processo, conhece totalmente apenas a sua<br />

perspectiva individual.<br />

Dessa forma, foi apresentado um caso em que o conhecimento grupal pode ocorrer,<br />

transcendendo a soma das capacidades individuais, o que representa um processo colaborativo<br />

criativo e inovador altamente produtivo.<br />

De acordo com Sarmiento e Stahl (2008), A cognição não deve ser conceitualizada<br />

como somente um fenômeno individual. A criatividade é freqüentemente enraizada na<br />

interação social e no fato de que inovações devem ser atribuídas às coletividades como uma<br />

feição de uma cognição ampliada pelo grupo.<br />

Conclusões<br />

Este ensaio traz como contribuição um espectro de situações relativas à estruturação<br />

do conhecimento que possuem como escopo desde processos de concernentes a aquisição do<br />

conhecimento até a criação do conhecimento, todos de modo colaborativo. Este espectro de<br />

aplicações está relacionado com domínios mais ou menos estruturados, bem como diferentes<br />

atuações do professor.<br />

As facilitações, influências, transposições didáticas, enfim, a mediação do professor<br />

ocorre em função de situações de maior ou menor grau de determinismo sobre os alunos.<br />

Diferentes tarefas serão alocadas ao professor e aos alunos em função o tipo da situação<br />

explorada.<br />

Outra contribuição do trabalho está em abordar aspecto inovador do conhecimento<br />

pouco explorado na aprendizagem colaborativa na Web. Concluímos que criação do<br />

conhecimento é, fundamentalmente, um processo social por natureza. Inovações são coconstruções<br />

que surgem a partir de relações interpessoais.<br />

Segundo Kolb e Kolb (2008), para que o ensino seja melhorado, o foco principal deve<br />

ser engajar os alunos em processos que estimulem a aprendizagem. A aprendizagem é melhor<br />

concebida como um processo e não em termos de resultados. A aprendizagem é melhor<br />

facilitada quando se baseia nas crenças e idéias dos alunos sobre determinado tópico para que<br />

ele seja examinado, estado e integrado com novas e mais refinadas idéias. A aprendizagem<br />

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requer a resolução dialética de conflitos entre modos opostos de adaptação ao mundo, sendo<br />

basicamente um processo de criação do conhecimento.<br />

O entendimento de uma criatividade coletiva é crucial para o avanço do estudo geral<br />

da criatividade humana, bem como o design de técnicas para a promoção da criatividade em<br />

grupos pequenos ou em coletividades (Sarmiento e Stahl, 2008).<br />

O processo descrito anteriormente, pressupõe altas competências cognitivas dos<br />

participantes, bem como, no caso da colaboração na Web de sistemas complexos que<br />

permitam a manipulação de artefatos.<br />

Na mediação docente, referente à criação do conhecimento, são focadas aqui formas<br />

nas quais o novo conhecimento, estratégias, práticas, produtos, dentre outras coisas, são<br />

desenvolvidos em processos colaborativos que envolvem múltiplas soluções corretas.<br />

Características específicas, correlatas à área de tecnologia educacional, de processos<br />

cognitivos articulados com processos sociais são retratados neste trabalho. Contudo, a parte<br />

concernente ao suporte tecnológico é deixada como trabalho futuro. Concentramo-nos aqui<br />

em aspectos sociais e cognitivos vinculados às mediações tecnológicas na aprendizagem<br />

colaborativa, porém não abarcamos a construção de artefatos digitais, no sentido de que sua<br />

representação visual e/ou textual seja capaz, por si só, de facilitar a síntese conjunta e o<br />

compartilhamento do conhecimento.<br />

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- D.J. Ferreira é Mestre em Sistemas e Informação (Instituto Militar de Engenharia, IME)<br />

e Doutoranda (Faculdade de Educação, UnB). Atua como Professora (Instituto de<br />

Informática, UFG), Endereço para correspondência: UFG, Campus II, Prédio IMFI, Caixa<br />

Postal <strong>13</strong>1, Goiânia, GO 74001-970, Telefone: 55-62-35211181. E-mail para<br />

correspondência: deller@inf.ufg.br. Pagina Pessoal: http://www.inf.ufg.br/~deller/.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 300-317 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Ensaio<br />

Experiências matemáticas no contexto de jogos eletrônicos<br />

Mathematics experiences in the context of electronic games<br />

Cristiano N. Tonéis e Luis Carlos Petry<br />

a Programa de Pós Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, Pontifícia<br />

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, São Paulo, Brasil<br />

Resumo<br />

O presente trabalho aborda o desenvolvimento lógico-matemático de experiências imersivas<br />

em um ambiente digital oferecido dentro do game conceitual Myst – Riven e argumenta que<br />

atividades investigativas desenvolvidas com os “puzzles” de Myst podem incentivar uma<br />

atitude especulativa em matemática, capaz de fomentar uma concepção mais dinâmica da<br />

matemática e de sua produção do conhecimento. É postulado ainda o desenvolvimento de<br />

ambientes profícuos para aprendizagem matemática no qual o professor tem o papel de<br />

agenciador de experiências. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 300-317.<br />

Palavras-chave: experiência; conceitos matemáticos; jogos eletrônicos;<br />

puzzles.<br />

Abstract<br />

The present work approaches the development inside logical-mathematician of imersives<br />

experiences in an offered digital environment of the conceptual game Myst – Riven, and it<br />

argues that developed investigatives activities with Myst’puzzles can stimulate a speculative<br />

attitude in mathematics, able to foment a more dynamic conception of the mathematics and its<br />

production of the knowledge. It is also postulated the development of productive environments<br />

for mathematics learning in which the teacher has a role of agencies of experience..© Cien.<br />

Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 300-317.<br />

keywords: experience; mathematics concepts; electronic games; puzzles.<br />

O avanço tecnológico cresce exponencialmente enquanto algumas tarefas como em<br />

muitos casos ministrar uma aula, podem estar sendo realizadas sem considerar tais mudanças<br />

tecnológicas pelas quais somos atravessados. Atravessados ou não pela contribuição<br />

tecnológica, as tarefas humanas podem ser pensadas, antes de mais nada, como experiências<br />

dentro das quais o homem se encontra imerso. O conceito de experiência aqui é central, ainda<br />

que, para o presente texto, não alcancemos oferecer-lhe uma mais completa e digna<br />

apresentação e problematização.<br />

Aprendemos na pesquisa acadêmica que a importância da pergunta sempre é revestida<br />

de uma mais profunda significação do que a sua tão desejada pura e simples resposta. Nossa<br />

investigação se organiza a partir de um questionamento que caminha dentro do conceito de<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 300-317 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

experiência. Se o conceito de experiência estética encontra-se amplamente demonstrado por<br />

Petry (2003) em sua tese doutoral, na qual o autor atesta de acordo com a fenomenologia<br />

Heidegger-gadameriana, que a “experiência estética é a forma fundamental do ser”, será a<br />

partir deste enunciado que nós, dentro de um caminho de pesquisa no mestrado em<br />

Tecnologias da Inteligência e Design Digital, nos encaminhamos, ainda que inicialmente, para<br />

um encontro com o conceito de experiência matemática, na sua mais ampla e livre acepção<br />

fenomenológica.<br />

Toda reflexão, embasada neste conceito filosófico, aprendemos que deve começar<br />

então com a capacidade de realizarmos perguntas sinceras e nos deixar trabalhar por elas. No<br />

momento de nossa experiência de pesquisa as perguntas teriam de ser: o que é experiência O<br />

que é jogo O que é um puzzle Como eles podem estar juntos Qual o sentido que eles<br />

podem ter em minha vida, como professor, como pesquisador, como sujeito No lugar em que<br />

tais perguntas abrem, podemos nós encontrar um caminho para a atividade docente<br />

Perguntas de difícil resposta, difícil reflexão e, de difícil compreensão. Mas apesar da<br />

dificuldade e do sentimento de impotência que muitas vezes pode nos atravessar e que, muitas<br />

vezes nos transpassou durante as exposições vivenciadas nas aulas do Prof. Basbaum 1 , isto<br />

quando esse nos descortinava um novo mundo na fenomenologia e na cognição, somos<br />

forçados pelo imperativo ético do pensar a registrar aqui as nossas indagações...<br />

inconclusivas. Começamos com a mais difícil e quase insuportada: a experiência.<br />

Qual o sentido da experiência – a experiência enquanto experiência – na atividade<br />

docente mediante tal contribuição tecnológica<br />

Toda experiência docente se constitui em uma experiência que comporta uma grande<br />

carga de entendimento, sendo este em grande parte comprometido na construção do<br />

ordenamento da própria experiência. Aprendemos com Kant que o estudo do entendimento<br />

ligado à experiência se constitui numa importante tarefa metodológica da razão. Assim, o<br />

entendimento constitui-se uma estrutura necessária e impossível de ser evitada. No entanto,<br />

buscaremos avançar pra além de tais estruturas do entendimento para alcançarmos estruturas<br />

de compreensão.<br />

Ainda que não possamos delinear aqui o que sejam, em seu estado geral, as estruturas<br />

de compreensão, vivenciadas no interior do processo da “experiência da solução de um<br />

puzzle”, nos conduziremos guiados pela mão firme da fenomenologia que constrói estes<br />

conceitos de compreensão e experiência, a saber, na palavra cuidadosa de Meleau-Ponty.<br />

“O corpo surpreende-se a si mesmo do exterior prestes a exercer uma função de<br />

conhecimento, ele tenta tocar-se tocando, ele esboça um tipo de reflexão, e bastaria isso<br />

para distingui-lo dos objetos, dos quais posso dizer tocam meu corpo, mas apenas<br />

quando ele está inerte, e portanto sem que eles o surpreendam em sua função<br />

exploradora.” (Merleau-Ponty, 2006: <strong>13</strong>7)<br />

“Compreender é experimentar o acordo entre aquilo que visamos e aquilo que é dado,<br />

entre a intenção e a efetuação – e o corpo é nosso ancoradouro em um mundo”. (Merleau-<br />

Ponty, 2006: 200). Neste sentido, visamos uma retomada da condição de educador diante da<br />

necessidade do constante desenvolver-se do raciocínio e pensamento humano.<br />

De acordo com Perius (2008) a fenomenologia tem por objetivo descobrir o mundo<br />

antes do saber e do conceito – a partir do “ser bruto” e por isso esse é um processo de<br />

“deslumbramento”. Concordando com esta visão da experiência, encontramos Zuben nos<br />

dizendo que: “fenomenologia, para Merleau-Ponty, é a tentativa de uma descrição direta de<br />

nossa experiência tal como é, sem levar em conta a sua gênese psicológica e as explicações<br />

causais do cientista” (Zuben, 1984: 3). É o retorno ao mundo anterior à reflexão, volta ao<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 300-317 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

irrefletido, ao mundo vivido, sobre o qual o universo da ciência é construído. Deslumbrar-se,<br />

encantar-se é o momento de espanto diante da descoberta por meio da experiência sensível.<br />

Estas experiências sensíveis nos conduzem à origem da razão nos sentidos, antes de<br />

racionalizá-los. Estas experiências de retorno se constituem em uma importante tarefa, tal<br />

como nos indicam as sugestões de Perius e Zuben, a partir da leitura crítica que realizam de<br />

Merleau-Ponty. Desta forma, a experiência de um objeto matemático representaria, em um<br />

sentido mais amplo, retomar sua construção cognitiva, simbólica, a partir do real, retornar,<br />

enfim, aos contextos de sua fundação.<br />

“Ser uma consciência, ou antes ser uma experiência, é comunicar interiormente com o<br />

mundo, com o corpo e com os outros, ser com eles em lugar de estar ao lado deles.”<br />

(Merleau-Ponty, 2006: 142). Ser com eles, ou seja, conhecê-los conscientemente<br />

ultrapassando as fronteiras do já conhecido e lançando-se ao desconhecido na busca de novas<br />

experiências. Estas através de um processo reflexivo imprimem em nós um caráter de<br />

reaprendizagem. Uma reavaliação dos conhecimentos outrora chamados prévios para uma<br />

modelagem de novos conceitos baseados na conexão com esse mundo e com os outros<br />

auxiliado por nossos sentidos. Em um processo de assimilações e acomodações tais<br />

experiências convertem-se em conhecimento consciente e eficiente para resolução de novos<br />

desafios que venham surgir. Quando “somos” oferecemos uma abertura para que algo nos<br />

ocorra, nos atravesse e nos toque.<br />

Temos que ser uma consciência ou antes ser uma experiência, é neste ponto que<br />

enfocamos o mundo real, vivido e o mundo virtual ou universo digital como ethos – morada –<br />

propício para sermos tal consciência, realmente não se trata de uma sugestão mas antes uma<br />

constatação da condição humana. Todo ser humano determina para si uma morada sensorial<br />

onde se recolhe em segurança, busca conforto e torna-se ponto de partida para ampliações e<br />

novas experiências.. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para<br />

si, moldando-a ao seu jeito, para que possa construir um abrigo. E assim, o homem, como a<br />

morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez.<br />

“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto<br />

de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar<br />

para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais<br />

devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos<br />

detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o<br />

automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar<br />

sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do<br />

encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.” (Bondia, 2002: 24)<br />

A experiência é um encontro e tal compreensão revela-nos o quão rara são as ocasiões<br />

desse encontro no mundo contemporâneo, onde a informação, a opinião própria, o tempo ou a<br />

falta de tempo, a busca por realização pessoal e a experiência como práxis são valores que<br />

antecedem qualquer ocasião desta experiência que enfocamos. Inclusive podemos afirmar que<br />

estes valores sufocam a experiência e o processo de conhecimento a que nos referimos. Sem<br />

um processo reflexivo, sem que algo nos aconteça, nos toque, nos atravesse causando uma<br />

transformação não há experiência pessoal.<br />

A importância da significação dos objetos por parte do individuo está em<br />

considerarmos que sem esta ultima o processo de construção do conhecimento em sua<br />

concepção mais ampla será prejudicado.<br />

Neste sentido que o fazer matemática exige o investigar, ou seja, o desenvolver e<br />

vivenciar um conjunto de processos característicos da própria atividade matemática. Na sua<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 300-317 <br />

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Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

essência, a atividade matemática é definida como resolução de problemas, tendo sido este um<br />

objeto de estudo na educação 2. Incentivando tal encontro – a experiência – o docente estará<br />

oferecendo e criando oportunidades criativas para seus alunos. Estes, nascidos em um mundo<br />

tecnológico e tecnicista evidentemente, identificam-se mais com o micro computador e o<br />

universo digital do que com a lousa e o giz.<br />

“Investigações e problemas, atividades investigativas e resolução de problemas, embora<br />

empregados indistintamente, são conceitos entendidos, por vezes, de formas<br />

diferenciadas. A similaridade entre os dois conceitos estaria no fato de que, ambos os<br />

processos, se relacionam com a inquirição matemática 3 e sua diferença, no fato de que a<br />

resolução de problemas consiste num processo mais convergente, com metas mais bem<br />

definidas à priori, se comparado com a investigação matemática.” (Frota, 2005: 3).<br />

Assim, a exposição de determinado conteúdo, mesmo que dentro dos limites<br />

infringidos pela sala de aula, não garante que este seja dado como apropriado pelos alunos.<br />

Como a própria designação indica, para que haja apropriação (por parte do outro, do aluno)<br />

deverá existir igualmente um papel ativo por parte deles, que possuem a missão de significar a<br />

informação recebida. Ora, é exatamente o que a nossa discussão apresenta deste seu inicio,<br />

um panorama para compreendermos a necessidade da experiência para construção do<br />

conhecimento e essa atitude ativa por meio dos jogos eletrônicos, mais especificamente Myst.<br />

Para inserirmos a idéia de experiência estética, questão explorada neste trabalho, no<br />

contexto dos jogos digitais, necessitamos objetivar o que denominamos de jogos e o que são<br />

em nossa concepção os jogos digitais.<br />

O filósofo Huizinga, em 1938, escreveu seu livro Homo Ludens, no qual argumenta<br />

que o jogo é uma categoria absolutamente primária da vida, tão essencial quando o raciocínio<br />

(Homo sapiens) e a fabricação de objetos (Homo faber), então a denominação Homo ludens,<br />

quer dizer que o elemento lúdico está na base do surgimento e desenvolvimento da civilização<br />

(Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponivel em:, http://pt.wikipedia.org/wiki/Jogo).<br />

Para Huizinga (1990), o jogo é anterior ainda à cultura e esta surge a partir do jogo.<br />

Ele explicita a noção de jogo “como um fator distinto e fundamental, presente em tudo o que<br />

acontece no mundo (...) é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”<br />

(Huizinga,1990: prefácio). Para esse filósofo, o jogo faz parte da cultura e gera a própria<br />

cultura. Huizinga identifica uma atividade como sendo jogo, da seguinte forma:<br />

“Atividade livre, conscientemente tomada como não-séria e exterior à vida habitual,<br />

mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma<br />

atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter<br />

qualquer lucro, praticada dentro dos limites espaciais e temporais próprios, segundo<br />

uma certa ordem e certas regras.” (Huizinga,1990: 16)<br />

Partindo desta definição, ele pôde categorizar, como jogo, muitas manifestações<br />

humanas, como por exemplo, qualquer tipo de competição, o Direito (competição judicial), a<br />

produção do conhecimento (enigmas), a poesia (“jogos de palavras”), a arte, a filosofia e a<br />

cultura. Na verdade, embasados na compreensão de jogo fornecida por Huizinga, poderíamos<br />

categorizar quase tudo como sendo jogo.<br />

No âmbito deste trabalho o interesse se volta para o jogo de computador e suas<br />

potencialidades no ensino de matemática. Um jogo de computador é um programa de<br />

entretenimento (jogo virtual ou jogo digital) onde a plataforma é um computador pessoal.<br />

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Utiliza-se também a expressão jogo eletrônico ou game. (Wikipédia, a enciclopédia livre.<br />

Disponivel em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jogos).<br />

Piaget (1975a) propõe um redimensionamento na metodologia de ensino a ser<br />

desenvolvida pelo professor. Buscando estabelecer formas que levem o ensino intelectual<br />

matemático a cumprir seu objetivo, que é, aprender por si próprio a conquista do verdadeiro,<br />

correndo o risco de despender tempo nisso e de passar por todos os rodeios que uma atividade<br />

real pressupõe. Piaget propõe que se estabeleça um contexto de atividade autônoma em que o<br />

aluno seja solicitado a descobrir por si mesmo as correlações e as noções, recriando-as.<br />

Para Piaget (1975b) a compreensão baseia-se em qualidades ou diferenças comuns e<br />

extensões seriam os indivíduos ou elementos desses conjuntos. Desta maneira enquanto a<br />

compreensão fundamentada nas semelhanças é assegurada a partir de assimilações sensoriais<br />

ou sensório-motoras, a extensão dos conceitos só estará acessível ao indivíduo por intermédio<br />

de um simbolismo preciso, lógico. O indivíduo domina as extensões dos conceitos verbais e<br />

os conjuntos perceptivos, reestruturando-se logicamente, portanto, partindo de suas próprias<br />

experiências, ações e operações.<br />

“Todo ato inteligente pressupõe algum tipo de estrutura intelectual, algum tipo de<br />

organização dentro da qual ocorre. A apreensão da realidade sempre envolve relações<br />

múltiplas entre as ações cognitivas e os conceitos e os significados que estas ações<br />

exprimem.” (Flavell, 1988: 46)<br />

É admissível que na compreensão de determinado problema ou situação problema, por<br />

inúmeras vezes, nos deparamos com uma sentença fechada, ou seja, uma vez entendido o<br />

problema a resolução será objetivada. Intuitivamente somos levados a dar a questão como<br />

resolvida e, assim, sua metodologia passará a ter um segundo plano e a solução será<br />

enfatizada. Muito comum ainda seria o mecanicismo da solução em que o método torna-se<br />

uma rotina. No entanto, ao compreendermos tal situação ou problema é a reflexão<br />

metodológica que estará em evidência, pois a solução será, em um sentido filosófico, mero<br />

acidente diante das inúmeras possibilidades que a compreensão abrirá, fornecendo assim<br />

abertura para futuras conexões do pensar, uma vez que diferentes situações poderão ser<br />

compreendidas da mesma forma e sua metodologia semelhante apesar de apresentarem<br />

conceitos distintos. Logo o desenvolvimento de um problema pode ser alcançado mediante<br />

reflexão baseada nas compreensões desenvolvidas anteriormente.<br />

Tais compreensões configuram-se no âmbito das experiências pessoais e assim no<br />

desenvolvimento do conhecimento e não na aquisição de informações.<br />

O conhecimento baseia-se nas experiências, na interação com o ambiente. Conhecer o<br />

real é também configurá-lo e ser capaz de reconfigurá-lo.<br />

Essa reconfiguração do real pode vir a ser realizada a partir de experiências adquiridas<br />

por meio da imersão hipermidiática, pois os sentidos que conduzem tal conhecimento podem<br />

fazer uso da imersão apropriando-se das info-sensações como inferência na experiência<br />

computacional para reorganização do real através da linguagem, seja essa matemática ou não,<br />

e assim desenvolver-se de forma reflexiva.<br />

Significar o real preservando a riqueza dos sentidos no real, como diria Merleau-<br />

Ponty, os sentidos se relacionam uns com os outros antes da linguagem. A representação<br />

nasce da necessidade de compreender esse real. Também o simbolismo matemático e a<br />

abstração são frutos de uma adaptação – assimilação e acomodação – decorrentes de<br />

experiências.<br />

As particularidades de cada um, durante o processo educacional, são esquecidas e as<br />

informações são disponíveis para todos uniformemente e a partir das experiências de cada um<br />

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configuram-se as transformações dessa informação em conhecimento. No entanto, o que<br />

ocorre quando as experiências anteriores não são suficientes para compreender as novas<br />

situações<br />

O pensamento é dinâmico, sistêmico, em rede. O indivíduo encontra no computador<br />

seu próprio tempo para viver suas experiências. Acoplando-se ao universo digital,<br />

experimentando da “magia” do mundo virtual encontram nas info-sensações muitas das<br />

experiências que serão necessárias para reconfigurar sua realidade.<br />

As informações facilmente serão esquecidas enquanto que o conhecimento configurase<br />

como base sólida para a adaptação do individuo. Afinal foi adaptando-se que o homem<br />

evoluiu, aprendeu a usar ferramentas, a se comunicar, configurando-se e reconfigurando a<br />

realidade a sua volta.<br />

“Na perspectiva evolucionista, o conceito de cognição tem de servir para todas as<br />

atividades cognitivas, “quentes” ou “frias” 4 , e não para algum subconjunto de<br />

operações. Esta visão da perspectiva evolucionista abre novas possibilidades de<br />

investigação obscurecidas por outros esquemas. As emoções nessa perspectiva podem<br />

ser compreendidas como forças impulsionadoras, moldadas pela seleção natural, que<br />

nos motivam à ação, levando-nos a fazer uso de nossas capacidades cognitivas”. (Oliva<br />

et al., 2006: 57)<br />

A emoção e a motivação influenciam os sistemas neurais que determinam quais<br />

informações serão armazenadas.<br />

Que sentimentos exercem influência sobre a percepção e a atenção é um fato que todos<br />

somos capazes de experimentar ao ler um livro, ouvir uma música, uma história ou assistir um<br />

filme. Realmente não existe percepção livre de alguma emoção.<br />

Então o educador, o professor, deve propiciar um redimensionamento na metodologia<br />

de ensino, reconfigurar-se como um facilitador dessas experiências. Aproveitando-se da<br />

curiosidade podemos motivar tais experiências e consequentemente novas aprendizagens.<br />

Podemos por meio de uma história emocionante apresentar conceitos e processos que seriam,<br />

em outras situações, áridos e simplesmente formulativos.<br />

Utilizando-se do meio digital, de um jogo eletrônico, por exemplo, podemos<br />

apresentar uma história cativante e atraente o suficiente para conduzir, para proporcionar ao<br />

individuo a busca por métodos para superar os obstáculos e, assim, prosseguir na história.<br />

Deste modo, construímos o seguinte diagrama para compreendermos o processo de<br />

constituição do conhecimento por meio de uma história que explore as info-sensações.<br />

Emoção curiosidade motivação aprendizagem adaptação comunicação conhecimento<br />

Muitos saberes dissipam-se com o passar do tempo, no entanto, as emoções perduram,<br />

pois estão na via dos sentidos.<br />

“As mudanças evolutivas na natureza dos contatos com a experiência levam Piaget à<br />

seguinte conclusão central: a apreensão da realidade é sempre, simultaneamente, uma<br />

construção assimilativa, realizada pelo sujeito e uma acomodação do sujeito”. (Flavell,<br />

1988: 68)<br />

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Esta é a formulação epistemológica da idéia de que a dupla de invariantes –<br />

assimilação e acomodação – está indissoluvelmente presentes em todos os contatos com a<br />

realidade e experiências que esta propicie.<br />

Como diz Piaget, segundo Flavell (1988), as coisas são apenas alimentos para<br />

aplicação do reflexo. Em outras palavras, o conhecimento não poderia ser uma cópia, pois é<br />

sempre uma relação entre objeto e o sujeito. Se a mente avança na conquista das coisas, é<br />

porque ela organiza a experiência de maneira cada vez mais ativa, em vez de imitar, de fora,<br />

uma realidade pronta, o objeto não é uma “quantidade conhecida”, mas uma construção<br />

realizada pelo sujeito a partir de suas experiências pessoais.<br />

“Piaget teorizou que existem duas vias qualitativamente diferentes operando no mundo<br />

externo, ele as descreveu como abstração empírica e abstração pseudo-empírica. A<br />

primeira tem seu foco no objeto e suas propriedades, a outra tem seu foco nas ações que<br />

temos com o objeto 5 .” (Lima e Tall, 2008: 4)<br />

Piaget (1975a) propõe um redimensionamento na metodologia de ensino a ser<br />

desenvolvida pelo professor. Buscando estabelecer formas que levem o ensino intelectual<br />

matemático a cumprir seu objetivo, que é, segundo o autor, aprender por si próprio a<br />

conquista do verdadeiro, correndo o risco de despender tempo nisso e de passar por todos os<br />

rodeios que uma atividade real pressupõe. Piaget propõe que se estabeleça um contexto de<br />

atividade autônoma em que o aluno seja solicitado a descobrir por si mesmo as correlações e<br />

as noções, recriando-as.<br />

O trabalho matemático desenvolvido na resolução de um puzzle torna-se desta forma<br />

uma chance para esse recriar. Para correr o risco e deixar-se tocar pelo jogo. Essa experiência<br />

emocionante marcará o momento de aprendizagem entre professor e aluno.<br />

Segundo Lima e Tall (2008), a matemática está repleta de expressões determinadas<br />

por ações que podemos ter com o corpo em relação aos objetos. Quando resolvemos equações<br />

lineares “movemos” os números de um membro ao outro. Sendo a entidade “número” um<br />

objeto matemático ele não poderia estar relacionado com a ação “mover” – ação corporal. Isto<br />

demonstra como a matemática em sua origem se expressa a partir de experiências e contato<br />

com a realidade a sua volta.<br />

A matemática não é somente cálculo. “Matemática – do grego máthēma (µάθηµα):<br />

ciência, conhecimento, aprendizagem; mathēmatikós (µαθηµατικός): apreciador do<br />

conhecimento – é a ciência do raciocínio lógico.” (Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível<br />

em http://pt.wikipedia.org/wiki/Matematica)<br />

O pensamento matemático vai muito além do que se realiza em cálculos e isto torna-se<br />

evidende na linguagem desta ciência..<br />

Outro exemplo citado por Lima e Tall (2008) são questões referentes à frações<br />

equivalentes. A fração 2/4 e 3/6 possivelmente representam diferentes atividades, apesar de<br />

terem o mesmo efeito em termos de quantidade representam efeitos diferentes no número de<br />

partes produzidas.<br />

Ao dizermos que tais frações são equivalentes estamos abstraindo seu significado e<br />

apenas quantificando-o matematicamente. Porém, essas frações surgiram da experiência de<br />

dividir um inteiro em partes iguais, como, por exemplo, uma mãe que divide uma maça para<br />

seus filhos, ou crianças dividindo balas. Novamente, vemos como a linguagem está<br />

intimamente ligada à experiência matemática e consequentemente à forma como tais<br />

informações foram assimiladas.<br />

A carência de tais abstrações explicaria a dificuldade de muitos estudantes para<br />

trabalharem com os simbolismos – abstrações. Por possuirem dificuldades para expressar tais<br />

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soluções em linguagem matemática inúmeras vezes procuram meios alternativos para<br />

resolverem problemas em uma tentativa de experienciarem a matemática. No universo digital,<br />

por meio desse mundo virtual, o aluno tem uma oportunidade para esse encontro, para uma<br />

experiência que o auxiliará no processo de abstração. A experiência consta como uma forma<br />

reflexiva de aprendermos e assim desenvolvermos a habilidade para a abstração.<br />

O estudo dos jogos de computador e suas aplicações tem sido objeto de poucos<br />

estudos sistemáticos. Dentre eles, podemos destacar as contribuições de Miles (1999), Murray<br />

(2003) e Mayer (1996).<br />

Analisando o jogo Myst, David Miles se propõe a discutir questões mais gerais acerca<br />

das possibilidades expressivas do ambiente multimídia. De acordo com o autor, as referências<br />

de Myst incluem obras ou tradições artísticas tão diversas quanto a Odisséia de Homero, o<br />

romance gótico, pinturas e filmes surrealistas, além, evidentemente, da ficção interativa<br />

derivada de Borges. Para Miles, Myst “representa tanto o início de uma nova forma de arte –<br />

que sintetiza diferentes meios em novas combinações – e, o que é igualmente importante,<br />

recupera e reinventa formas de arte antigas que por muito tempo se supunha obsoletas” (1999:<br />

309). Esta relação de recuperação constitui para Miles importante objeto de pesquisa.<br />

Para Mayer (1996), Myst inaugura um novo paradigma de interface<br />

homem/computador. O realismo e refinamento das imagens, os efeitos tridimensionais, as<br />

texturas e as perspectivas dos cenários contribuem para uma experiência imersiva intensa.<br />

Além disso, em Myst não existem perdedores, o jogo termina quando os enigmas são<br />

resolvidos e revelados os segredos do livro de Myst – o livro de ligação.<br />

“O visitante navega e faz escolhas no mundo de Myst por meio de uma relação de pointand-click<br />

apontando e usando o mouse. O desafio de resolver os enigmas fornece a<br />

motivação central para o jogo, não obstante uma parcela do valor do entretenimento<br />

provém de experimentar o mundo do jogo e o realismo de sua apresentação<br />

audiovisual.” (Mayer, 1996: 241)<br />

Murray, profissional experiente no campo da informática e PhD em Literatura, avança<br />

na questão da imersão e aspectos narrativos do jogo.<br />

“Myst é um jogo raro que não envolve a aquisição de objetos ou o uso de violência. A<br />

solução dos quebra-cabeças geralmente depende de sutis pistas sonoras, aumentando a<br />

atenção do jogador para o meticuloso projeto de som. Em suma, não há quase nada em<br />

Myst para distraí-lo do ambiente visual e sonoro densamente estruturado, mas essa<br />

intensa imersão ao visitar o lugar ocorre à custa de uma imersão reduzida numa história<br />

em desenvolvimento.” (Murray, 2003: 110)<br />

“A fim de experimentar a imersão multissensorial, uma forma mais simples para<br />

estruturar a participação é adotar o formato de visita” (Murray, 2003: 108). Adotando-se essa<br />

atitude, cria-se a noção de limites ou fronteiras entre o ciberespaço e a realidade. O indivíduo<br />

viaja por entre mundos imersivos e desta forma a história é desenvolvida. Interagindo com os<br />

objetos virtuais, busca-se ligar realidade e virtual.<br />

Em Myst somos convidados a uma experiência imersiva. Ao entrarmos em um mundo<br />

novo temos a oportunidade de experiementá-lo, explorá-lo. Essa é a principal proposta feita<br />

por um game ao seu visitante. Não poderia ser diferente com Myst. O diferencial desse game<br />

é sua proposta para exploração dos espaços, superando obstáculos – puzzles – sendo o<br />

visitante um personagem de uma história cativante em um ambiente imersivo. Assim o<br />

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visitante poderá desvendar tais problemas seguindo suas próprias experiências em seu próprio<br />

ritmo no jogo.<br />

“Por causa do nosso desejo de vivenciar a imersão, concentramos nossa atenção no<br />

mundo em que nos envolve e usamos nossa inteligência mais para reforçar do que para<br />

questionar a veracidade da experiência.” (Murray, 2003: 111)<br />

“Quando utilizamos um jogo de vídeo, transformamo-nos no Street Fighter ou no Sonic.<br />

Quando vemos um filme, fazemos corpo com os protagonistas e inserimo-nos na<br />

narrativa.” (Mourão, 2001: 66)<br />

O poder imersivo dessa hipermídia é tão sutil que muito do que fazemos conectados não<br />

percebemos ou não temos consciência de quanto nossos sentidos estão voltados para ela.<br />

Particularmente o game Myst proporciona uma experiência fílmica, uma vez que o visitante<br />

protagoniza a história, realmente esta sendo com eles, imerso nesse universo. O som, as<br />

imagens, cada efeito colabora para reforçar esta imersão. E por isso não é incomum ouvir de<br />

seus visitantes expressões como “levei um susto...” ou “fiquei bravo...”.<br />

“[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que<br />

se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em ‘fazer’ uma<br />

experiência, isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer, ‘fazer’<br />

significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar, à<br />

medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixarnos<br />

abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso.<br />

Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no<br />

transcurso do tempo. (Heidegger, 1987 apud Bondia, 2002: 143)<br />

A experiência é nossa aliada na construção do conhecimento. Com a experiência<br />

construiremos um caminho seguro para nossa reaprendizagem, para a reformulação de nós<br />

mesmos, visto que não somos seres acabados, prontos. Neste sentido o próprio conhecimento<br />

científico denuncia nossa humanidade com superações de conceitos, correções, releituras.<br />

Este é seu propósito, elevar a dignidade de ser humano arriscando-se, lançando-se às novas<br />

experiências e assim desenvolvendo inovadoras pesquisas.<br />

Quando Heidegger nos diz que “podemos ser assim transformados por tais experiências,<br />

de um dia para o outro ou no transcurso do tempo”, aceitamos então que somente o sujeito da<br />

experiência está aberto à sua própria transformação, nem sempre fácil, como ele mesmo<br />

indica, porém edificante.<br />

“Os jogos de representação são teatrais de um modo não convencional, mas<br />

emocionante. Os jogadores são, ao mesmo tempo, atores e expectadores uns para os<br />

outros, e os eventos que eles encenam freqüentemente possuem o imediatismo das<br />

experiências pessoais.” (Murray, 2003: 53)<br />

Segundo Davis (1985) as potencialidades lógicas do computador já relegaram suas<br />

habilidades aritméticas a uma posição de importância secundária. Atualmente podemos<br />

apontar para a imersão digital como uma nova potencialidade oferecida pelo computador para<br />

propiciar novas experiências matemáticas. Neste constante representar digital temos a<br />

oportunidade de desenvolvermos novas habilidades mediante novos papéis. Eis a chave para<br />

abstração matemática, para conceituação ou generalização.<br />

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Na tentativa de apontar como o conhecimento matemático pode ser desenvolvido com<br />

o auxilio de uma experiencia virtual na resolução de um puzzle – em Myst – , descreveremos<br />

um obstáculo e sua possivel resolução, seguindo a proposta de Piaget (1975a)<br />

estabeleceremos um contexto de atividade autônoma em que o aluno seja solicitado a<br />

descobrir por si mesmo as correlações e as noções, recriando-as.<br />

A questão a seguir traduz um momento do jogo em que o visitante se depara com uma<br />

estrutura arquitetonica semelhante a uma sala, porém pentagonal. A entrata está aberta no<br />

entanto a saída depende de um porta que esta fechada por uma grade. E esta porta com grade<br />

conduz a uma ponte que por sua vez conduz a um Domo.<br />

Posteriormente o visitante saberá que esta sala é um templo construido por Gehn – um<br />

dos personagens de Myst. O puzzle do templo de Gehn se traduz nas sequintes questões:<br />

Como abrir a porta com a grade (A entrada para o Domo)<br />

Será que existem outras portas<br />

Para que serve o botão de madeira na entrada do Templo de Gehn<br />

Figura 1 - Entrada Principal para o Templo de Gehn.<br />

Ao visitarmos o Templo de Gehn observamos alguns pontos elucidativos, a sala tem<br />

cinco lados como uma estrela de cinco pontas. Ela parece ter várias saídas e entradas e deve<br />

se mover de alguma forma. O botão de madeira que fica a direita na porta da entrada servirá<br />

para acionar o dispositivo que movimenta a sala em sentido horário.<br />

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Figura 2 - Interior do Templo de Gehn.<br />

Resolução do puzzle (DANNAN, Lorna. Manual de Myst II.<br />

http://www.dnihall.com).<br />

Disponível em<br />

1º - 1. Entrada Principal - Girar sala quatro vezes.<br />

2º - 5. Entrada da Caverna Inferior - Acesso a Entrada da Válvula de Vapor.<br />

3º - 2. Entrada Válvula de Vapor - Girar sala duas vezes e acionar manivela.<br />

4º - 4. Entrada da Porta Lacrada - Girar sala duas vezes e acionar manivela.<br />

5º - 1. <strong>Vol</strong>tar para Entrada Principal - Girar sala duas vezes.<br />

6º - 3. Entrada do Grande Domo - Acesso liberado.<br />

Figura 3 - Esquema do Templo de Gehn.<br />

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Para respondermos as questões levantadas e resolver o puzzle o visitante necessitará de<br />

um levantamento dos dados que o problema oferece.<br />

Como a utilização do botão de madeira na entrada principal, que aparecerá novamente<br />

em outras ocasiões. Por meio de tentativas e erros o visitante descobrirá que as entradas para<br />

templo de Gehn são duas, a principal e a entrada da caverna inferior, o templo está disposto<br />

de tal forma que rotacionando-o tem-se acesso sempre através de uma das entradas e que o<br />

botão de madeira serve exatamente para mover a sala no sentido horário e desta forma será<br />

possível mover a porta da entrada principal até a entrada da caverna inferior.<br />

Figura 4 - Passagem para o Domo, fechada.<br />

Descobrimos então que na verdade existem duas aberturas no interior do templo e que<br />

por esse motivo a sala é giratória, pois as duas aberturas oferecem acesso para entrada<br />

principal, válvula de vapor, entrada para o domo, uma porta lacrada e caverna inferior, ou<br />

seja, cada parede do templo possui uma porta que será disponível ao girar a sala do templo.<br />

Na sala da válvula de vapor existe também um botão de madeira idêntico ao da<br />

entrada – logo deverá girar a sala – e no canto esquerdo uma manivela. Acionando-se esta<br />

manivela ouve-se um barulho de portão, grade, sendo aberto. Girando-se duas vezes a sala o<br />

visitante verá que era a grade para a porta lacrada, em sua ante-sala um botão e uma manivela,<br />

novamente a manivela acionada – o mesmo barulho ouvido anteriormente. Acionando-se o<br />

botão de madeira duas vezes a saída principal está novamente liberada.<br />

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Figura 5 - Ante-sala disponível na sala da válvula de vapor e na porta lacrada.<br />

Retornando-se para a Entrada Principal e acionando-se o botão da entrada duas vezes<br />

a abertura deverá mover-se para a porta que leva ao Domo. É exatamente o que acontece e o<br />

problema foi resolvido, pois as grades já haviam sido liberadas.<br />

Figura 6 - Passagem para o Domo liberada.<br />

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A compreensão geométrica do lugar, cinco lados e duas aberturas, uma sala dinâmica<br />

que gira e, portanto dispensa a necessidade de mais portas. Duas entradas, uma principal e<br />

uma secundária, quando a principal esta fechada, teremos a secundaria disponível. A<br />

experimentação desse ambiente em Myst é fundamental para compreensão do problema e<br />

assim o visitante saberá que não poderá ficar ao mero sabor da sorte para abrir a porta que<br />

leva ao Domo.<br />

Como nos filmes de investigação, onde detetives solucionam os mais complexos<br />

enigmas, o visitante é o Sherlock Holmes 6 de Myst e suas descobertas conduzirão ao<br />

desenrrolar da história.<br />

A resolução de um puzzle revela-se como uma ferramenta para organização lógica de<br />

eventos e ações. Tal organização pode ocorrer quase inconscientemente, quando se trata dos<br />

processos cognitivos desenvolvidos, devido a facilidade e familiaridade com o mundo de<br />

Myst obtida por cada visitante. O que esperamos neste ponto de nossa reflexão é a<br />

compreensão da experiência matemática na resolução de um puzzle. Uma tentativa de<br />

formalizar conceitos e ações tomadas durante tal resolução e assim conscientemente<br />

compreendermos alguns conceitos que estão fundamentando nossa resolução.<br />

A tomada da consciência para Piaget (1977), e também o será para nós no presente<br />

trabalho, trata de um processo de ação que transforma um esquema em um conceito, ou seja,<br />

essencialmente tratamos aqui de uma conceituação. Piaget busca um esclarecimento do<br />

processo de construção entre um estado para outro - da desequilibração do inconsciente para<br />

o de crescente equilibração do consciente. Piaget não partilha da idéia de intuição.<br />

“[...] precisamente na medida em que se desejar marcar e conservar as diferenças entre<br />

inconsciente e consciência, é sem dúvida indispensável que a passagem de uma ao outro<br />

exija construções e reconstruções e não se reduza simplesmente a um processo de<br />

iluminação.” (Piaget, 1977: 197)<br />

Este processo de tomada de consciência mediante uma experiência com resolução de<br />

problemas, atribui um significado a informação e desta forma estamos em um nível<br />

consciente desenvolvendo novas habilidades que nos aproximarão cada vez mais da produção<br />

de conhecimento e não somente a reprodução de informações.<br />

É a mudança de nível hierárquico, exigido nesse processo (de conceituação) que marca<br />

o início da dedução operatória. Esta abstração refletidora, a que se refere Piaget, consiste em<br />

um processo de tomada de consciência mediante a resolução do problema proposto e de<br />

possíveis ampliações do problema original. Assim nesse processo o que se observa é o<br />

surgimento do método como foco da experiência e não somente a determinação da solução do<br />

problema. Consiste em uma retomada do que, para nós, é realmente importante para a<br />

aprendizagem, não somente para matemática, pois desenvolvendo-se a habilidade reflexiva<br />

nas ampliações do problema original – generalizações – estaremos aptos para procurar<br />

soluções de problemas ou problematização de situações em qualquer campo do conhecimento.<br />

Enfatizamos, desta forma, a importância da experiência para tomada de consciência ou<br />

conceituação. A reciprocidade desses conceitos está no âmbito fenomenológico que<br />

descrevemos desde o inicio deste trabalho como forma fundamental do ser.<br />

“[...] assim, o adquirido só está verdadeiramente adquirido se é retomado em um novo<br />

movimento de pensamento, e um pensamento só está situado se ele mesmo assume sua<br />

situação. A essência da consciência é dar-se um mundo ou mundos, quer dizer, fazer<br />

existir diante dela mesma os seus próprios pensamentos enquanto coisas e ela prova<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 300-317 <br />

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indivisivelmente seu vigor desenhando essas paisagens e abandonando-as.” (Merleau-<br />

Ponty, 2006: 183)<br />

Como no exemplo do templo de Gehn, as constantes envolvidas, botões que fazem a<br />

sala girar e manivelas que abrem portões (grades). Ora, invariavelmente esperamos que ao<br />

encontrar uma manivela, no futuro, ela irá liberar alguma grade e que os botões façam a sala<br />

girar.<br />

O problema também supõe o uso de variáveis, digamos que a variável envolvida seja a<br />

posição das aberturas dependendo da quantidade de giros que se dão na sala.<br />

Por meio da definição de funções podemos determinar a posição da abertura principal<br />

a partir do número de giros.<br />

Seja a função f: N N definida por:<br />

Figura 7 - função f: N N.<br />

É importante lembrarmos que a operação de divisão módulo dois (: 2 ) é definida como<br />

sendo o resto da divisão inteira entre dois valores, assim como exemplo podemos efetuar <strong>13</strong> : 2<br />

5 = 3 (treze divisão módulo dois por cinco é igual a três). Visto que na divisão (usual) de treze<br />

por cinco temos o quociente dois e resto três.<br />

Utilizando-se da função teremos f(4) = 5, girando a sala quatro vezes a abertura<br />

principal estará na posição cinco – passagem pela caverna inferior. Com isso podemos<br />

compreender a matemática utilizada na resolução.<br />

Observamos também que os números das aberturas foram colocados no sentido<br />

horário, o sentido de rotação da sala.<br />

Apresentar um problema envolvendo funções definida matematicamente como foi<br />

acima pode ser para uma maioria de estudantes uma experiência pobre do ponto de vista<br />

filosófico, seria quase assustador para um individuo que não estivesse na área de matemática<br />

ou ao menos tivesse familiaridade com esses conceitos. Entretanto, no game, com certa<br />

facilidade o visitante conseguirá abrir a porta do templo para seguir em direção ao Domo.<br />

Piaget (1975a) tece várias críticas quanto à forma com que o processo<br />

ensino/aprendizagem da Matemática é desencadeado nas escolas tradicionais. Dentre muitas<br />

das críticas, destacamos: a passividade dos alunos, o acúmulo de informações, a pouca<br />

experimentação, os altos índices de reprovação em Matemática e a grande dificuldade dos<br />

alunos em estabelecer relações lógicas nas aulas de Matemática. A crítica é estabelecida até<br />

mesmo quanto à Matemática Moderna que constituiu, de certa forma, um progresso com<br />

relação aos métodos tradicionais de ensino. Piaget afirma que:<br />

“...embora seja ‘moderno’ o conteúdo ensinado, a maneira de o apresentar permanece às<br />

vezes arcaica do ponto de vista psicológico, enquanto fundamentada na simples<br />

transmissão de conhecimentos, mesmo que se tente adotar (e bastante precocemente, do<br />

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ponto de vista da maneira de raciocinar dos alunos) uma forma axiomática.”<br />

(Piaget,1975a: 19)<br />

Analisando o funcionamento do mecanismo do templo de Gehn, podemos, na<br />

satisfação de superar o obstáculo, encontrar a experiência necessária para se iniciar os estudos<br />

das funções, Este mecanismo revela uma função linear e como toda função, une dois<br />

conjuntos distintos, o conjunto de voltas – domínio da função – ao conjunto de posições das<br />

aberturas – imagem da função. Este puzzle de forma atraente trabalha experimentalmente a<br />

teoria dos conjuntos numéricos, funções, operações, geometria, coleta de dados e análise de<br />

resultados – acertos e erros.<br />

Trabalharmos com os erros em sala de aula muitas vezes pode ser uma tarefa árdua,<br />

pois “ninguém quer errar”. Analisar erros, observando suas causas e conseqüências, são hoje<br />

em muitos casos, tarefas esquecidas por muitos alunos e professores em sala de aula.<br />

Observando o caderno de um estudante, constataríamos que poucos deixam um<br />

exercício errado no caderno como um exemplo do que não se deve fazer. No entanto no game<br />

errar e tentar novamente são ações pertinentes e admissíveis pelo visitante, ele sabe que pode<br />

voltar e recomeçar por outro caminho. Realmente cada erro é convertido em motivação para<br />

lutar e superar o obstáculo. É como se a “máquina” o desafiasse, e ele aceitando o desafio<br />

prossegue na história. Lidar com erros em um game é algo natural pois para quem joga<br />

“acerta-se errando”.<br />

Ao analisarmos um puzzle depois de resolvido como acabamos de fazer estamos<br />

verificando o que inconscientemente o visitante foi capaz de superar. Tais conceitos estão em<br />

seu interior ou foram desenvolvidos ao decorrer do processo e a pergunta agora é se tais<br />

conceitos precisam ser expressos em forma de linguagem para se tornarem conhecimento<br />

prático e aplicável em outras áreas.<br />

Comparável a maiêutica socrática, por meio da investigação o individuo encontrará as<br />

respostas para as perguntas formuladas e desta maneira reconhecerá os métodos envolvidos<br />

em sua investigação.<br />

Piaget, defendendo uma atividade de interação entre os alunos e entre professor-aluno,<br />

em que se desencadeiam situações que assegurem a autonomia intelectual dos alunos,<br />

preconiza que "somente essa atividade, orientada e incessantemente estimulada pelo<br />

professor, mas permanecendo livre nas experiências, tentativas e até erros, pode conduzir à<br />

autonomia intelectual" (Piaget, 1975a: 68).<br />

O papel do docente como agenciador de experiências está repleto de construções e<br />

reconstruções das descobertas.<br />

“O mundo, afirma Ricoeur, não é mais a unidade de um objetivo abstrato, de uma forma<br />

da razão, mas o horizonte mais concreto de nossa existência. Pode-se tornar isso<br />

sensível de maneira muito elementar: é ao nível da percepção que se destaca esse<br />

horizonte único de nossa vida de homem. A percepção é a matriz comum de todas as<br />

atitudes.” (Zuben, 1984: 10)<br />

Vislumbramos, desta forma, as novas possibilidades que surgem da imersão no mundo<br />

virtual, particularmente os games e neste caso Myst como uma ferramenta na construção de<br />

abstrações e conceitos matemáticos que estão presentes no universo digital e assim transportálos<br />

para a linguagem matemática e uma possível formalização.<br />

“À medida que o mundo virtual ganhar uma expressividade crescente, nós nos<br />

acostumaremos lentamente a viver num ambiente imaginário que, por enquanto,<br />

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achamos assustadoramente real. Mas, em algum momento, perceberemos que estamos<br />

olhando ´através` do meio, em vez de ´para` ele.” (Murray, 2003: 252)<br />

O conceito de experiência matemática deveria ser recuperado em seus fundamentos e<br />

novamente iluminar o ambiente educacional, pois, apesar de tanta tecnologia, vivemos<br />

educacionalmente numa condição de penúria, dentro das quais as apreensões do pensar<br />

matemático e lógico se encontram lançados ao sabor de uma verve burocrática.<br />

Quando uma criança brinca com tampinhas jogadas ao chão, as recolhe, as coloca uma<br />

sobre a outra na palma de sua mão, justamente aqui, de mãos dadas, renasce a possibilidade<br />

de uma experiência lógico-matemática.<br />

Referências bibliográficas<br />

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Petry, L.C. (2003). Aspectos fenomenológicos da produção de mundos e objetos<br />

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Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.<br />

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Trad.). Rio de Janeiro: Zahar Editores.<br />

Piaget, J. (1977). A tomada de consciência (Souza, E.B., Trad.). São Paulo: Melhoramentos,<br />

Editora da Universidade de São Paulo.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 300-317 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Zuben, N.A.V.(1984). Fenomenologia e Existência: uma leitura de Merleau-Ponty. Em:<br />

Martins, J. e Dichtchekenian , M.F.S.F.B. (Org.). Temas Fundamentais de Fenomenologia<br />

(pp. 55-68). São Paulo: Editora Moraes.<br />

Notas<br />

(1) S.R. Basbaum é professor Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia<br />

Universidade Católica de São Paulo. Desenvolve trabalhos ligados a questões ligadas à<br />

percepção, à tecnologia, à estese e cognição no mundo digital. Hipermídia, percepção,<br />

consciência e linguagem tratadas a partir da matriz fenomenológica, em diálogo com autores<br />

contemporâneos. O embate entre corpo e mundo mediado pela percepção.<br />

(2) Data de 1945 a primeira edição do texto de George Polya, “How to solve it”, traduzido, no<br />

Brasil, como “A arte de resolver problemas”.<br />

(3) Tal discussão, embora alimentada pela contribuição inestimável de muitos pesquisadores,<br />

torna-se pertinente não pela caracterização das similaridades, ou diferenciação dos conceitos,<br />

mas à medida que fortalece o estudo dos vários métodos - descoberta guiada, resolução de<br />

problemas, abordagem investigativa. Tais métodos fundamentam-se na inquirição para o<br />

ensino de matemática, constituindo o que Ernest chama de uma pedagogia da inquirição.<br />

(4) O cérebro foi projetado pela evolução para usar informações derivadas do ambiente e do<br />

próprio organismo afim de regular funcionalmente o comportamento e o próprio corpo, e isto<br />

reúne aspectos cognitivos e emocionais. Como reunir aprendizagem com amor, ciúme e nojo<br />

O termo cognição é às vezes usado para se referir a um tipo de pensamento deliberado,<br />

voltado para uma solução de problema, como na matemática ou no jogo de xadrez, um<br />

pensamento “frio”, isento de paixão.<br />

(5) Texto original: “Piaget theorized that there are two qualitatively different ways of<br />

operating on the external world, which he described as empirical and pseudo-empirical<br />

abstraction: one focusing on the objects and their properties, the other focusing on the<br />

actions on the objects.”<br />

(6) Sherlock Holmes é um personagem de ficção da literatura britânica criado pelo médico e<br />

escritor britânico Sir Arthur Conan Doyle. Sherlock Holmes ficou famoso por utilizar, na<br />

resolução dos seus mistérios, o método científico e a lógica dedutiva.<br />

- C.N. Tonéis é Graduado em Matemática (Licenciatura Plena, UNESP-Bauru) e<br />

Mestrando (Programa de Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital,<br />

PUC-SP), sendo orientando do Prof. Dr. Luis Carlos Petry. E-mail para correspondência:<br />

profcris_mat@hotmail.com. L.C. Petry é Psicólogo (Universidade do Vale do Rio dos Sinos)<br />

e Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Atualmente é Professor Assistente (PUC-<br />

SP). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Novas Tecnologias, atuando<br />

principalmente nos seguintes temas: Hipermídia, Topofilosofia, Hermenêutica, Comunicação,<br />

Arte e Semiótica. Site pessoal: http://www.telepoesis.net/alletsator.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 318-324 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 1º/07/2008 | Revisado em 23/09/2008 | Aceito em 10/10/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 30 de <strong>novembro</strong> de 2008<br />

Ensaio<br />

Esquema corporal, imagem visual e representação do próprio<br />

corpo: questões teórico-conceituais<br />

Body schemes, visual images and representations of self body: theoretical and conceptual<br />

questions<br />

Neli Klix Freitas <br />

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil<br />

Resumo<br />

Esta revisão tem por objetivo apresentar questões de natureza teórica e conceitual sobre os<br />

seguintes temas: esquema corporal, imagem visual e representação do próprio corpo. Serão<br />

abordados os processos fisiológicos, psicológicos e sociológicos envolvidos nestes temas. As<br />

diferentes contribuições teóricas abordadas aqui possibilitam uma melhor compreensão dos<br />

complexos processos implícitos na cognição, assim como expõem a importância das interações<br />

sociais neste processo. © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 318-324.<br />

Palavras-chave: esquema corporal; imagem corporal; corpo; interações<br />

sociais.<br />

Abstract<br />

This review aims to present theoretical and conceptual questions on the following topics: body<br />

scheme, visual image and representation of the self body. It will examine physiological,<br />

psychological and sociological processes involved in these issues. Different theoretical<br />

contributions discussed here enable a better understanding of the complex processes involved<br />

in cognition, and also expose the importance of social interactions in this process. © Cien.<br />

Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 318-324.<br />

Keywords: human body schemes; body image; body; social interactions.<br />

Um elemento indispensável na formação da personalidade da criança é a representação<br />

que possui de seu próprio corpo. Múltiplas questões teóricas estão implícitas no debate sobre<br />

esquema corporal, imagem corporal e representação do próprio corpo. Há pontos de vista<br />

divergentes, que incluem no debate sobre o assunto elementos e processos também diferentes.<br />

Head e Holmes (1978) referem-se ao esquema corporal como a imagem tridimensional que<br />

todos têm de si mesmos. Schilder (1980) refere-se à imagem do corpo como uma figuração<br />

mental, que insere o modo como o corpo se apresenta para cada um. Inclui a percepção, mas é<br />

mais do que isto. Ou seja, é um esquema plástico. Por meio de constantes alterações de<br />

posição ocorre a construção do modelo postural, que se modifica constantemente. Ao estudar<br />

a imagem corporal deve-se abordar questões psicológicas centrais que envolvem as<br />

impressões dos sentidos, dos movimentos e a motilidade em geral. Quando se constrói a<br />

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percepção do corpo, não se age meramente como um aparelho perceptivo. Schilder (1980)<br />

descreve a existência de uma personalidade que experimenta a percepção. Trata-se de um<br />

tema relevante para quem se dedica ao estudo da cognição humana. Envolve uma trama<br />

conceitual que integra cérebro, movimento, sensação, percepção, visão dentre outros órgãos e<br />

processos, e seu papel na estruturação tanto da imagem corporal, quanto da representação do<br />

próprio corpo. O debate é importante para a compreensão de terminologias que, muitas vezes<br />

são empregadas de modo equivocado pelos profissionais e pesquisadores de diferentes áreas,<br />

tanto da saúde, quanto da educação, nos âmbitos do ensino e da aprendizagem. Estudos sobre<br />

a visão, sobre a imagem corporal são particularmente importantes também na área de ensino<br />

de Artes Visuais.<br />

Referindo-se aos estudos sobre a imagem do corpo Sherrington (1956) insere<br />

contribuições. Esclarece que a cinestesia cobre duas sensibilidades: uma que foi denominada<br />

pelo próprio Sherrington como interoceptiva, e outra que foi chamada de proprioceptiva, ou<br />

postural, cuja sede periférica está nas articulações e nos músculos. São estimuladas pelas<br />

atitudes e movimentos, cuja função reside em regular, com o controle do labirinto, o<br />

equilíbrio e as sinergias necessárias aos deslocamentos corporais, parciais ou totais. As<br />

sensações correspondentes são chamadas de sensações cinestésicas.<br />

Os autores que estudam o esquema corporal referem que o mesmo exprime-se em<br />

imagens. Pick (1973) denominou de sistema o quadro visual do corpo e o que a superfície<br />

cutânea permite conhecer através de suas qualidades sensíveis. Trata-se de uma combinação<br />

de imagens, onde as sensações cutâneas, mais ou menos reveladoras da vida orgânica<br />

poderiam unir-se a aspectos visuais susceptíveis de representá-lo. O corpo está, então,<br />

vinculado ao espaço.<br />

Head e Holmes (1973) e Schilder (1980), de modo contrário, eliminam do esquema<br />

corporal todo o elemento ótico. Para Head e Holmes (1973) o esquema corporal consiste em<br />

uma intuição de conjunto, respondendo à situação presente do corpo, e que toda a mudança de<br />

atitude faz variar. Cada nova impressão é percebida através deste conjunto, e cada impressão<br />

elementar funde-se neste universo somático, modificando-o. O esquema corporal corresponde<br />

à totalização e à unificação constante das sensibilidades orgânicas e, particularmente, das<br />

impressões posturais.<br />

Para Schilder (1980), o esquema corporal está voltado para a atividade motora, e<br />

somente se revela pelo movimento, e no movimento, ou então, a serviço dele. Desperta<br />

resíduos cinestésicos susceptíveis de guiar o gesto sem a intervenção de qualquer elemento<br />

ótico. O espaço do corpo, ou espaço proprioceptivo, é diferente do espaço exterior. Não é<br />

homogêneo, comporta uma direita e uma esquerda, de onde os gestos recebem uma orientação<br />

de certo modo subjetiva. Entretanto, um ato ou uma ação só pode realizar-se quando uma<br />

adaptação ao espaço ótico e uma adaptação à natureza dos objetos se unem ao gesto. O<br />

esquema corporal não é mais do que uma condição elementar do ato. Limita-se às<br />

experiências cinestésicas e às estruturas posturais.<br />

Entre as atitudes possíveis de cada ser humano existem as privilegiadas, às quais as<br />

outras são reconduzidas, quer por assimilação, quer por oposição. Seu conjunto constitui o<br />

esquema corporal que, poderíamos dizer pode desempenhar o papel de norma em relação às<br />

atividades motoras. Segundo Goldstein (1923), deste modo, o esquema corporal não se<br />

restringe às imagens que o compõem, mas transforma-se em uma relação entre o espaço<br />

gestual e o espaço dos objetos, o da acomodação motora ao mundo externo.<br />

Gardner ( 2001) refere que existe reciprocidade entre as questões biológicas e a cultura,<br />

e esta dinâmica é contínua ao longo do desenvolvimento humano.Desde o nascimento, a<br />

criança entra em um mundo , que é rico em interpretações e significados.Estes contatos são<br />

essencialmente corporais.Existe uma troca contínua com outros seres humanos, através de<br />

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sensações e satisfações físicas, tais como calor, alimento, dentre outras; e psicológicas, como<br />

amor, humor, surpresa.prazer, dor.Diante destas interações a imagem do próprio corpo sofre<br />

alterações.Além da acomodação motora referida por Goldstein (1923) existe reciprocidade:o<br />

prazer altera a imagem que cada um possui de si, e o mesmo ocorre diante da dor.Inclui<br />

aspectos sensoriais, perceptivos, motores, neurológicos,afetivos e psicossociais.<br />

Arieti (2001) retoma a importância dos gestos assinalada por Goldstein (1923), mas<br />

acrescenta que estes respondem às interações com o meio, e constituem-se em importantes<br />

elementos formadores da imagem corporal.<br />

As estruturas psicomotoras podem diferenciar-se de um indivíduo para outro, de<br />

acordo com seus hábitos e experiências pessoais. Os sistemas sensoriais de referência<br />

estruturam-se com base nessas diferenças. Alguns estudiosos do desenvolvimento humano,<br />

como Wallon (1973), Piaget (1976), Luria (1980), Vygotsky (1987) e Gardner (2001) que<br />

incluem em seus estudos questões relacionadas com a cognição e a psiconeurologia acreditam<br />

que é possível aprender o movimento que deve ser efetuado pelos olhos. A prática demonstra<br />

que isso não é sempre real. O efeito das excitações sensoriais, incluindo as visuais, é<br />

primeiramente um efeito muscular, que pode tornar-se complexo com os progressos do<br />

organismo e do comportamento. Ao longo do desenvolvimento, esse processo evolui para a<br />

representação. Para o próprio corpo, a sua representação visual é cada vez mais uma<br />

representação mediada. Se a visão é efetivamente o que põe uma ordem no mundo das coisas<br />

deve-se concordar que o esquema corporal apresenta uma série de lacunas nesta direção. São<br />

visíveis os movimentos das mãos e dos pés. Os olhos não vêem os olhos, nem o rosto, nem o<br />

pescoço, nem o tronco em seu conjunto. Não podem ser percebidos senão diante do espelho,<br />

frente a frente, exteriores ao espaço subjetivo, e terminam por reconhecer o próprio corpo no<br />

corpo escópico que o espelho reflete.<br />

No que se refere à imitação, pode-se referir que, da indiferenciação primitiva existe<br />

uma passagem para a pluralidade das pessoas, ao mesmo tempo semelhantes e diferentes. O<br />

apráxico, por exemplo, segundo Ajuriaguerra (1974) não distingue nos outros as partes das<br />

quais perdeu o conhecimento em seu próprio corpo.<br />

Nas combinações entre espaço cinestésico ou espaço subjetivo, e espaço ótico, ou<br />

mundo exterior, a visão é um órgão redutor poderoso das desproporções e dos deslocamentos<br />

entre órgãos que parecem produzir-se, por vezes, quando as sensibilidades somáticas são<br />

entregues a si próprias, o que pode ser testemunhado por alguns sonhos, ou delírios. Mesmo<br />

em uma pessoa em estado de vigília, a influência cinestésica não pode ser negligenciada. Os<br />

espaços correspondentes ao lado direito e ao lado esquerdo do corpo não são homogêneos, e é<br />

isso que concede ao eixo mediano do corpo uma importância que se faz sentir não só na<br />

execução dos movimentos bilaterais, quer, similares, quer combinados, mas ainda no domínio<br />

dos nossos hábitos proprioceptivos. Zazzo (1948) refere que, nas fotografias de perfil, a<br />

orientação do rosto para a esquerda é mais freqüente. A figura desenhada respeita a<br />

orientação de nosso espaço subjetivo. Desse modo, entra em nosso campo perceptivo, vem até<br />

nós. Para Vygotsky (2003), a produção de imagens, particularmente o desenho do corpo está<br />

relacionado com o que cada ser humano conhece. Ou seja, não se desenha o que se vê, mas o<br />

que se conhece. Para o autor o conhecimento é um processo de construção pessoal, que se dá<br />

em interação social, e do qual participam as funções mentais superiores tipicamente humanas:<br />

inteligência abstrata, imaginação, representações mentais, principalmente.<br />

Pode ocorrer a presença de conflitos entre a ordem ótica das coisas e as nossas<br />

incorporações subjetivas. Tal fato ocorre, por exemplo, quando atribuímos a nós mesmos<br />

certos ritmos que nos chegam de fora, quando nos fazemos causa de efeitos independentes de<br />

nós, o que é particularmente comum em crianças pequenas. São percepções momentâneas.<br />

Em nossa civilização, a ordem visual antecipou-se a todas as outras. Mas, em outras<br />

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circunstâncias e contextos, diante de outras formas de relação, o espaço ótico pode passar por<br />

novas definições. A sensibilidade proprioceptiva pode dar à imagem do nosso corpo outros<br />

aspectos, ou mesmo outra topografia, que não é a do testemunho dos nossos olhos. Estudos<br />

sobre o corpo, sobre o esquema corporal, sobre a imagem corporal são particularmente<br />

importantes a quem trabalha com cognição, com ensino e aprendizagem. Em tempos de<br />

educação inclusiva, onde se espera do professor uma compreensão mais ampla da criança, da<br />

diversidade e das diferenças, bem como dos complexos processos que integram a cognição<br />

humana, tais estudos merecem destaque.<br />

Ajuriaguerra (1974) referindo-se à importância dos estudos sobre o corpo, escreve que<br />

é com o corpo que a criança elabora suas experiências vitais e organiza sua personalidade.<br />

Para o autor e para Schilder (1980) a noção de esquema corporal é considerada como uma<br />

noção de âmbito fisiológico, que pode ser entendida como a imagem mental do corpo<br />

registrada em nível cerebral, em função da integração das percepções e da elaboração das<br />

respectivas praxias. Os autores assinalam que esta noção é questionada em função do termo<br />

esquema, pelo fato do mesmo não traduzir a plasticidade que este conceito contém.<br />

Schilder (1980) refere ainda que o termo “imagem do corpo” expressa uma relação<br />

permanente na história motora do indivíduo. Estrutura-se e se reestrutura continuamente<br />

através da inter-relação de três esferas do comportamento humano: a esfera fisiológica, a<br />

esfera libidinal e a esfera sociológica. Na esfera fisiológica o autor corrobora os pressupostos<br />

teóricos de Wallon (1973), ao considerar as relações entre a psicotonia e a vísuo-cinesiologia,<br />

referindo-se aos alicerces da atitude, ao lembrar a posição bípede. Lembra ainda o papel da<br />

dor e a história corporal do indivíduo, ou seja, a sua experiência anterior. Na esfera libidinal,<br />

Schilder (1980) retoma as concepções de Freud sobre a personalidade, integrando as<br />

interferências sensoriais, erógenas e libidinais em uma síntese das relações entre o corpo e o<br />

mundo. Para ele, o corpo incorpora o mundo. Na esfera sociológica, Schilder enfatiza as<br />

interações sociais, referindo que o corpo surge como o instrumento de relação com o outro.<br />

Schilder (1980) apresenta uma visão interdisciplinar da imagem do corpo, uma vez<br />

que a mesma tem origem na imagem do corpo dos outros. Wallon (1973) refere o diálogo<br />

entre a mãe e o bebê na fonte da imagem do corpo e Piaget (1976) relaciona a imitação<br />

inteligente da criança. Com base nas explicações de Schilder pode-se chegar à conclusão de<br />

que o corpo não é apenas um instrumento de construção e de ação, mas sim, o meio concreto<br />

de comunicação social.<br />

Ajuriaguerra (1974) inclui em suas explicações sobre a imagem do corpo seus estudos<br />

neurofisiológicos. Nesta perspectiva, além de outras questões é importante referir a ilusão do<br />

membro fantasma. Mesmo sem um membro, o indivíduo continua a senti-lo não somente em<br />

seus movimentos, mas também nas relações com as outras partes do corpo, uma vez que o<br />

corpo está na sua aprendizagem, e é sua parte integrante. Ajuriaguerra ainda equaciona os<br />

problemas da perturbação do membro fantasma como síndromes assomatognósicas cuja<br />

localização cerebral situa-se ao nível do lóbulo parietal. Estas questões são importantes<br />

particularmente para a compreensão de muitas das necessidades educativas especiais das<br />

crianças, tais como a dislexia, a dispraxia, a agnosia, a afasia, dentre outras.<br />

As cinestesias são percepções genuínas, não simplesmente associações de memória<br />

visual de um discurso metafórico. Ramanchandran (2001) realizou investigações sobre<br />

membro fantasma. Quando ocorre a amputação de um membro, em muitos casos o indivíduo<br />

segue sentindo o membro fantasma, não somente sua presença, mas as sensações de frio,<br />

calor, dor entre outras. Às vezes, é a percepção de um membro deformado, retorcido, curto,<br />

ou que,inclusive pode alargar-se. O autor toma como base a imagem do esquema corporal<br />

resgatando o homúnculo de Penfield (1930), pitoresca representação artística de<br />

correspondência entre partes da superfície do corpo e superfície do cérebro. Os traços<br />

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grotescamente deformados incluem certas partes do corpo, como lábios e língua, que são<br />

representados mais do que outros.<br />

A temática da imagem do corpo inclui referências importantes à imagem visual e à<br />

visão. Através da visão são fornecidos dados essenciais para o gesto, tais como: posição,<br />

características dos objetos, localização exata do corpo, dentre outras que, vindo do exterior<br />

são conduzidos ao cérebro e constituem o que se denomina de opticograma. Entretanto é<br />

necessário que o cérebro possa dispor dos dados que vem de dentro: os proprioceptivos e<br />

posturais, que são regulados pelo cerebelo e pelos centros talâmicos. Assim, por exemplo,<br />

uma criança com problemas no equilíbrio poderá apresentar dificuldades nas aprendizagens<br />

escolares, nas quais a sinergia ótico-corporal é necessária para ler e escrever.<br />

A imagem visual, onde parece integrar-se o esquema corporal muitas vezes necessita<br />

ser retificada. Pode-se citar o exemplo da voz gravada, apontado por Wallon (1973): quando a<br />

ouvimos pela primeira vez, surpreendemo-nos e, muitas vezes, não nos reconhecemos nela.<br />

Apesar do uso freqüente do espelho e das numerosas fotografias que registram nossa<br />

existência, ficamos surpreendidos com a imagem que ali encontramos de nós mesmos. A<br />

idade acrescenta sinais novos, nos quais ainda não tínhamos reparado. E, se o ângulo segundo<br />

o qual a fotografia foi tirada não é aquele segundo o qual nos vemos habitualmente, pode<br />

ocorrer um momento de hesitação em nos identificarmos com ela. Existe uma constante<br />

necessidade de adaptação ao nosso próprio aspecto visual. Esta necessidade de readaptação<br />

aciona a capacidade criativa do ser humano. Na criança, a quem o crescimento faz mudar<br />

rapidamente a fisionomia, esta estranheza deve ser ainda maior. Nesta direção há necessidade<br />

de resolver algumas dificuldades: no dia em que a criança for capaz de estabelecer uma<br />

relação entre a imagem e a pessoa, é porque a semelhança dos traços, à qual podem juntar-se<br />

as variações concomitantes do modelo e do seu reflexo no espelho, ultrapassou o seu<br />

desdobramento no espaço. Quando se trata de uma pessoa estranha, a redução do<br />

desdobramento espacial é relativamente fácil, e até mesmo precoce. Ela e sua imagem<br />

pertencem ao mesmo espaço ótico. Efetivamente, a criança necessita distinguir entre o ser real<br />

e o seu retrato. Os gestos ou a voz como qualidades exteroceptivas podem facilitar o<br />

reconhecimento do modelo e de sua réplica. Zazzo (1948) descreveu as fases deste processo<br />

de diferenciação. É importante considerar que a principal dificuldade não é aproximar o que é<br />

semelhante, mas considerar a heteromia existente entre os dois espaços:o espaço ótico da<br />

imagem e o espaço de sua presença corporal. A presença de uma pessoa estranha permanece<br />

como uma presença testemunhada por atributos exteroceptivos. A sua, não obstante atributos<br />

eventuais que podem pertencer ao mundo das coisas, tais como o vestuário, os adornos, é<br />

essencialmente um sentimento de existência, vinculado à sensibilidade e às reações<br />

proprioceptivas.<br />

Ainda que exista ligação entre as impressões cinestésicas e visuais, tal como exige a<br />

adaptação de nossos gestos e ações aos objetos do mundo externo, a dissociação continua a<br />

existir; a união somente é possível mediante a experiência. Não existe uma estrutura prédeterminada<br />

ou privilegiada, que lhes seja comum. Os pontos de coincidência são aqueles que<br />

comandam os nossos encontros com a realidade exterior.<br />

Reportando-nos aos escritos de Ajuriaguerra (1974) é possível referir que, para poder<br />

criar o ser humano terá que associar e relacionar o que vê com o que sente. Isto é importante<br />

para o pintor que pinta, para a criança que desenha, para o escultor, ao fazer escultura.<br />

Qualquer trabalho, considerando estas explicações resume-se na íntima ligação que pode ser<br />

obtida entre a visão e o sentido tátil-cinestésico. Sherrinton (1956), assim como Luria (1980),<br />

refere que o cérebro não pensa em músculos, mas em movimentos. Ajuriaguerra diz que o<br />

cérebro pensa em associações sinérgicas ou de síntese entre informações visuais, táteis e<br />

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cinestésicas.Trata-se de contribuições de ordem fisiológica. Mas, há outra dimensão, que pode<br />

ser explicada através da concepção fenomenológica .<br />

A concepção fenomenológica do corpo particulariza uma expressão inerente a um<br />

estar no mundo, que ultrapassa a dimensão funcional. Entretanto, esta se mantém como<br />

sendo essencial para uma concepção interdisciplinar e de síntese científica. O essencial da<br />

concepção fenomenológica consiste em demonstrar o significado da vivência e da<br />

convivência do corpo. O corpo como totalidade é como um registro da história de cada<br />

um.Trata-se da imagem da história que somos e que é um determinante decisivo em toda a<br />

evolução da criança para adulto. O adulto guarda as recordações de seu tempo de criança, mas<br />

as recordações são essencialmente sensoriais e visuais. Em suma, trata-se da reconstrução do<br />

tempo da sua imagem corporal. Na concepção fenomenológica do corpo lembra-se Merleau-<br />

Ponty (1999) que apresenta a fenomenologia do corpo como o tronco e o alicerce da<br />

personalidade. O corpo habita o espaço, é uma história dentro de outra história. É a percepção<br />

do aqui e agora, mas é também auto-conhecimento e descoberta do mundo, como se o corpo<br />

fosse um álbum existencial.<br />

Estudando o desenvolvimento humano pode-se compreender que a unidade corporal<br />

representa a totalidade de nossa presença no mundo, em que o espaço do corpo se apresenta<br />

como a fronteira entre a pessoa e o mundo exterior. Mauss (1972) em sua abordagem<br />

sociológica sobre a imagem do corpo explica que a hominização do homem é a hominização<br />

do seu corpo, o que está implícito na visão fenomenológica do corpo.<br />

A partir do conhecimento verbal e da história de uma pessoa o corpo atuante pode<br />

instituir-se como um corpo transformador e, assim transformar-se no verdadeiro instrumento<br />

criador e de apoio à consciência.<br />

Não se esgota o tema referente ao esquema corporal e à imagem visual do corpo neste<br />

texto, mas o mesmo apresenta uma integração de diferentes autores. Alguns autores<br />

consultados são clássicos estudiosos do tema. Este, longe de ser um assunto técnico, trata-se<br />

de um tema humano, pois é da imagem do corpo que estamos falando, e o assunto integra a<br />

sensação, a percepção, a simbolização, até chegar aos conceitos. Logo, perceber o mundo é<br />

apreender e aprender o mundo com o corpo, é perceber o corpo.Isto implica na integração de<br />

modelos sociais. A descoberta do corpo e a formação da imagem do corpo passam por<br />

situações sociais. É na interação com outras pessoas do entorno social que os modelos são<br />

internalizados, isto é, nas vivências e experiências, que são intransferíveis e subjetivas. Deste<br />

modo se processam as formas de solicitação de vias de conclusão neuromotora, melhorando a<br />

dissociação dos movimentos e dos gestos, através dos quais cada ser humano responde à<br />

adaptação que o meio externo solicita e/ou sugere.<br />

Referências bibliográficas<br />

Ajuriaguera, J. (1974). Manuel de Psychiatrie chez l”enfant. Paris: Ed. Masson e Cie, 857.<br />

Arieti, S. (2001) La Creatividad :La Síntesis Mágica. (pp. 30-37). México: Fondo de Cultura<br />

Ed.<br />

Gardner, H.(2001). A Criança Pré-Escolar: Como Pensa e como pode a Escola Ensiná-la.<br />

Porto Alegre:Artes Médicas, 258p.<br />

Goldstein, K. (1923). Das Kleinhirn:Bethe’s Handbuck der Normalen und Patologischen<br />

Physiologie. (pp. 58-61). Leipzig: Klin.<br />

Head, H. e Holmes, G. (1973). Lês Sensations et el Córtex Cerebral. (pp. 102-141). Paris:<br />

Ed. Privat.<br />

Luria,A. (1980). Higuer Cortical Functions in Man. New York: Basic Books, 206p.<br />

Mauss, M. (1972). Sociologie et Anthropologie. (pp. 124-142). Paris: Ed. PUF.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 318-324 <br />

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Merleau-Ponty,M. (1999). Fenomenologia da Percepção. (pp. 45-63). São Paulo: Martins<br />

Fontes.<br />

Piaget,J. (1976). Psicología de la Inteligencia. (pp. 309-315). Barcelona: Ed. Critica..<br />

Pick A. (1973). Troubles de L’Orientatión du Corps Propre. Paris: Ed. Privat, 257.<br />

Ramanchandran,V. e Hubbard,G. (2001). Synaesthesia - A Widow in to Perception thought<br />

and Language. J. Conscioness Studies. 8 (<strong>13</strong>), 67-79.<br />

Scherrington, S. (1956). Man and his Nature. (pp. 118-125). Cambridge: University Press.<br />

Schilder, P. (1980). A Imagem do Corpo. As Energias Construtivas da Psique. São Paulo:<br />

Martins Fontes, 316.<br />

Vygotsky, L. (1987) A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 212.<br />

Vygotsky,L. (2003) El Art y la Imaginación en la Infancia. (pp. 102-114). Madrid: Akal.<br />

Wallon, H. (1973). A Evolução Psicológica da Criança. Rio de Janeiro: Ed. Andes, 298.<br />

Zazzo, H. (1948). L”École Maternelle à Leux ans: oui ou non (pp. 235-258). Paris: Stock.<br />

- N.K. Freitas é Psicóloga e doutora em Psicologia. Atua como professora nos Cursos de<br />

Graduação e de Mestrado em Artes Visuais do Centro de Artes (UDESC). Endereço para<br />

correspondência: Rua Anita Garibaldi, 30/1001, Centro, Florianópolis, SC 88010-500, Brasil.<br />

E-mail para correspondência: neliklix@terra.com.br.<br />

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Resenha<br />

Homens e máquinas<br />

Human factor<br />

Valdenise Schmitt <br />

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil<br />

1. Introdução<br />

O impacto da tecnologia na sociedade contemporânea é o tema central do livro<br />

Homens e Máquinas do escritor americano Kim Vicente 1 A obra desperta atenção por trazer<br />

exemplos de sistemas tecnológicos que não respeitam as necessidades humanas ou societárias.<br />

Historicamente, os primeiros esforços no sentido de respeitar as necessidades e<br />

capacidades humanas foram dados por engenheiros industriais, psicólogos e especialistas que<br />

se preocuparam em racionalizar operações industriais e de equipamento para a melhor<br />

eficiência do trabalhador (Sawyer, 1996).<br />

Até a segunda Guerra Mundial, esses profissionais davam ênfase à produção. Após a<br />

Guerra, o enfoque mudou para a segurança pessoal, uma vez que se percebeu que a queda de<br />

aviões não estava relacionada à falha humana, mas à falha tecnológica (Sawyer, 1996;<br />

Vicente, 2005).<br />

Em 1979, o acidente na usina nuclear Three-Mile Island foi o estopim para o<br />

reconhecimento da importância dos “fatores humanos” no projeto de sistemas tecnológicos<br />

complexos (Sawyer, 1996).<br />

2. Descrição do assunto<br />

O livro Homens e Máquinas (tradução de Maria Inês Duque Estrada; Ediouro; 383<br />

páginas) lançado nos Estados Unidos, em 2003, e no Brasil, em 2005, é o segundo livro<br />

escrito por Kim Vicente, uma das autoridades mundiais em engenharia de fatores humanos:<br />

“única área tecnológica que modela o design da tecnologia para as pessoas, em vez de esperar<br />

que elas se adaptem à tecnologia” (Vicente, 2005: 11).<br />

O primeiro livro do autor, intitulado Cognitive Work Analysis: Toward Safe,<br />

Productive, and Healthy Computer-based Work foi publicado em 1999, ano em que Vicente<br />

foi escolhido pela revista Time como um dos 25 canadenses com menos de 40 anos de idade<br />

que iriam modelar o futuro do Canadá (Cognitive, 2007).<br />

Enquanto a primeira obra trata da análise cognitiva do trabalho, a segunda mostra um<br />

amplo conjunto de problemas que surgem do relacionamento entre pessoas e tecnologia e uma<br />

série de soluções para esses problemas. Homens e Máquinas recebeu os prêmios National<br />

Business Book e Science in Society General Audience e foi finalista para o prêmio Canadian<br />

Booksellers Association Libris na categoria não-ficção.<br />

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Homens e Máquinas é dividido em 3 partes. Na Parte 1, o autor explica porque a<br />

tecnologia está “enlouquecida”. O Capítulo 1 apresenta algumas “engenhocas” eletrônicas<br />

excessivamente complexas, difíceis de ser manejadas pelos seres humanos, seja em situações<br />

rotineiras ou em sistemas de situação crítica.<br />

Duas coisas importantes merecem ser destacadas deste capítulo: primeiro, o termo<br />

“tecnologia” empregado como referência aos aspectos físicos (materiais e suas configurações)<br />

e aos aspectos não-físicos (tais como horário de trabalho, informação, responsabilidades<br />

coletivas, organização de funcionários de uma empresa e até mesmo regulamentações<br />

jurídicas); segundo, o desajuste entre gente e tecnologia que, em 1999, foi responsável pela<br />

morte hospitalar evitável de 44 a 98 mil pessoas por ano, somente nos Estados Unidos,<br />

segundo o Instituto de Medicina dos Estados Unidos (IOM).<br />

No Capítulo 2, Vicente explica porque a tecnologia está fora de controle. Em sua<br />

opinião, a causa está na abordagem reducionista para a resolução dos problemas que propôs<br />

que se dividissem os problemas em partes menores e se estudasse essas partes isoladamente.<br />

Com base na abordagem sistêmica, Vicente apresenta uma abordagem Humanotecnológica<br />

para o design da tecnologia. Essa abordagem abandona os caminhos humanísticos<br />

e mecanicistas. Nela, o design deve começar pela compreensão da necessidade humana ou<br />

societária e, então, modelar a tecnologia para que reflita fatores humanos específicos,<br />

conforme figura 1.<br />

Na Parte 2 do livro, o fator humano é apontado como o centro de planejamento de uma<br />

tecnologia eficiente para o mundo moderno.<br />

No Capítulo 3, Vicente trata do nível mais baixo da escada Humano-Tecnológica, o<br />

nível físico. Nesse nível, destaca que características físicas, como tamanho e forma, devem ser<br />

consideradas na elaboração de um bom design de produto. Entre os sistemas e/ou dispositivos<br />

que não se adaptavam ao corpo humano e que foram melhorados quando se considerou os<br />

fatores humanos destaca: os dispositivos de papel higiênico que deixavam o papel dentro da<br />

caixa e dificultavam o seu acesso; as escovas de dentes, anteriores a escova Reach, que não<br />

respeitavam o tamanho e a forma das mãos, bocas e dentes; e, as cadeiras elétricas que, antes<br />

das invenções de Leuchter, não promoviam uma execução humanitária - mostravam durante a<br />

execução as inevitáveis necessidades fisiológicas do executado.<br />

Nos capítulos 4 e 5, Vicente apresenta o segundo nível da escada Humano-<br />

Tecnológica, o nível psicológico. Nesse nível, pontua que é preciso considerar a capacidade<br />

humana de memorização a curto e a longo prazo, as expectativas intuitivas de dar sentido ao<br />

mundo, a habilidade de fazer cálculos mentais complexos e a capacidade apurada de<br />

reconhecimento de padrões quando se projeta sistemas tecnológicos.<br />

Enquanto, no Capítulo 4, Vicente apresenta exemplos de sistemas tecnológicos<br />

complexos encontrados em situações cotidianas (secretárias eletrônicas, relógios do<br />

videocassete, pilhas de brinquedo e o carrossel Mágico encontrado perto de Swindon, na<br />

Inglaterra) que exigem complexas operações mentais do usuário; no Capítulo 5, apresenta<br />

sistemas tecnológicos em setores de segurança crítica (aviação, saúde, segurança nos<br />

aeroportos, meio ambiente, usinas nucleares) que, assim como os primeiros, foram projetados<br />

sem considerar o nível psicológico da escada Humano-Tecnológica.<br />

O acidente na manhã de 11 de setembro de 2001 é citado, no Capítulo 5, para<br />

exemplificar as falhas no nível psicológico, pois Vicente acredita que a falta de motivação,<br />

treinamento deficiente, experiência insuficiente, tráfego, intensa pressão do tempo e feedback<br />

irrisório (sob o desempenho no serviço) foram responsáveis pela falta de segurança nos<br />

aeroportos e, portanto, pela tragédia que vitimou inocentes.<br />

No Capítulo 6, o autor procura mostrar que além dos atributos físicos e psicológicos, o<br />

trabalho em equipe é importante na abordagem Humano-Tecnológica, principalmente, nos<br />

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setores de aviação e saúde. Nesses setores, “os designers devem criar um sistema que seja<br />

modelado de acordo com as características e necessidades da equipe como uma entidade<br />

distinta” (Vicente: 2005: 180) para evitar acidentes, por exemplo, como o que ocorreu com o<br />

Vôo 401, que caiu em 29 de dezembro de 1972, porque o capitão, o primeiro oficial e o<br />

engenheiro se preocuparam todos em descobrir um problema com uma pequena lâmpada.<br />

Figura 1 - Escada Humano-Tecnológica. Fonte: Vicente (2005: 76).<br />

No Capítulo 7, Vicente descreve o nível organizacional de sua escada Humanotecnológica.<br />

Esse abarca “sistemas de incentivos, desincentivos, hierarquias de funcionários,<br />

estruturas de gerenciamento, fluxos de informação através de equipes e culturas<br />

organizacionais.” (Vicente: 2005: 216). No nível organizacional, dá destaque à importância de<br />

uma organização poder aprender com os erros organizacionais.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 325-331 <br />

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Para mostrar que fatores organizacionais afetam fortemente a operação de sistemas<br />

sociotécnicos complexos e que motivos oportunistas podem desencadear situações complexas,<br />

Vicente traz à tona, no sétimo capítulo, o acidente com o Challenger, em 1986. Segundo<br />

relata, este poderia ter sido evitado se o lançamento tivesse sido adiado, mas pressões<br />

financeiras, políticas e da mídia, “forçaram a NASA a levar adiante missões tripuladas o mais<br />

cedo possível e talvez, sem querer, sacrificar a segurança em prol da eficiência” (Vicente:<br />

2005: 214).<br />

Os Capítulos 8 e 9 abordam o nível mais alto da escada Humano-Tecnológica, o nível<br />

político. “Nele, há considerações básicas, como a opinião pública, os valores sociais e as<br />

normas culturais que devem ser respeitadas.” (Vicente: 2005: 73).<br />

No capítulo 8, Vicente apresenta eventos marcantes - ou desenvolvimentos - para<br />

ilustrar como a tecnologia pode ser utilizada para atingir objetivos políticos. Por exemplo, em<br />

11 de setembro de 2001, aviões foram utilizados como armas de destruição em massa; na<br />

segunda Guerra Mundial, a tecnologia do cartão perfurado foi utilizada por Hitler para<br />

orquestrar uma campanha de genocídio contra os judeus e, nos últimos anos, as câmaras de<br />

vídeo e a Internet vêm sendo usadas para incentivar o ativismo em prol dos direitos humanos.<br />

No Capítulo 9, o autor explica como o pensamento Humano-tecnológico envolve<br />

também, no nível político, “a adoção de uma abordagem deliberada e sistemática, de cima<br />

para baixo e a tomada de decisões para a criação de um design que possa governar e<br />

gerenciar, de forma segura e eficiente, os sistemas tecnológicos complexos” (tecnologia hard<br />

e soft) (Vicente, 205: 275).<br />

Como exemplo de mau design no nível político, menciona o desastre com o sistema de<br />

água potável de Walkerton, no Estado de Ontário, em maio de 2000. Este vitimou 7 pessoas e<br />

deixou 2.300 pessoas doentes na pequena cidade de 4.800 habitantes.<br />

Esse desastre, de acordo com seu ponto de vista, foi provocado por decisões de design<br />

de sistema tomadas nos níveis mais altos do governo - alocações orçamentárias,<br />

regulamentações e metas políticas -, que interagiram com os fatores ambientais (temporal,<br />

esterco em terras próximas e a geologia característica do poço contaminado), com fatores<br />

psicológicos (leviandade e dissimulação dos irmãos Koebel) e com fatores organizacionais<br />

(incompetência e negligência do governo local e da Walkerton Public Utilities Commission),<br />

criando uma situação em que o ministério ficou virtualmente incapacitado para cumprir seu<br />

papel de supervisor da qualidade de água potável distribuída à população.<br />

Na parte final do capítulo, descreve o esquema de gestão de risco de Jens Rasmussen<br />

para mostrar como decisões políticas e organizacionais influenciam a segurança de sistemas<br />

complexos. Cita, como exemplo, o sistema de abastecimento de água de Walkerton.<br />

Na terceira e última parte do livro, que contém apenas um capítulo, apresenta uma<br />

série de soluções para recuperar o controle sobre a tecnologia na vida diária, no trabalho e na<br />

sociedade como um todo. No capítulo final, apresenta alguns princípios básicos do<br />

pensamento Humano-Tecnológico que podem melhorar nossa qualidade de vida e sugere que<br />

a Revolução Humano-Tecnológica deve avançar ao mesmo tempo em múltiplos níveis “para a<br />

concretização da transição das correntes tradicionais de pensamento – as visão mecanicista e<br />

humanística – para um reconhecimento luminoso e libertador da importância do fator humano<br />

nos sistemas tecnológicos” (Vicente, 2005: 327).<br />

3. Apreciação crítica<br />

Concordo com a idéia de Vicente de que é necessário projetar sistemas tecnológicos<br />

baseados no design Humano-Tecnológico para melhorar a qualidade de vida no planeta, pois<br />

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conforme McCormick (1976), a crescente complexidade dos artefatos tecnológicos (como<br />

conseqüência da tecnologia) pode ameaçar a efetividade funcional e o bem-estar humano.<br />

Desde 1957, quando publicou a primeira edição de Human Factors in Engineering<br />

and Design, McCormick (1976) procura aumentar a sensibilidade e a consciência para muitos<br />

aspectos humanos de sistemas ou situações que poderiam melhorar a vida da civilização.<br />

Apesar de não apresentar um tema inédito, Vicente enfoca o design da tecnologia em<br />

uma linguagem simples e compreensível ao público leigo, com vários exemplos de sistemas<br />

tecnológicos projetados sem levar em consideração as necessidades humanas ou societárias.<br />

Ao contrário de McCormick (1976), não descreve detalhadamente certas<br />

características humanas (tais como processos sensórios e motores) que podem contribuir para<br />

um melhor entendimento da performance e do comportamento humano durante o processo de<br />

design.<br />

Também não enfoca o lado emocional do design proposto por Norman (2004). Para<br />

este autor, o lado emocional pode ser mais crítico para o sucesso de um produto ou sistema do<br />

que seus elementos práticos, uma vez que produtos e sistemas que fazem os indivíduos se<br />

sentirem bem são mais fáceis de “lidar” e produzir resultados satisfatórios.<br />

Neste contexto, Norman (2004) sustenta que “não é possível fazer design,” qualquer<br />

design, sem que a dimensão visceral (aparência), comportamental (prazer e efetividade de<br />

uso) e reflexiva (racionalização e intelectualização de um produto ou sistema) estejam<br />

entrelaçadas.<br />

Assim como Vicente, Norman (2004), Sawyer (1996) e McCormick (1976)<br />

demonstram preocupação em elaborar produtos ou sistemas tecnológicos que respeitam<br />

capacidades e necessidades humanas.<br />

Sawyer (1996: 6) sugere que “o design deve considerar a habilidade do usuário de:<br />

identificar rapidamente e adequadamente controles, interruptores e displays; alcançar e<br />

localizar controles certos; ler corretamente displays; e associar controles com seus displays<br />

relacionados.” Além disso, deve agrupar funcionalmente controles e displays, rótulos ou<br />

etiquetas não ambíguas e otimizar a operação de chaves, bem como apresentar instruções<br />

claras e advertências efetivas (Sawyer, 1996).<br />

As falhas de design nas cabines de controle, bastante citadas por Vicente, também são<br />

mencionadas por Sawyer (1996) e Norman (2004). Sawyer (1996) cita que, nos anos 90,<br />

investigadores concluíram que os desastres aéreos aconteciam porque o design das cabines<br />

induzia os pilotos a erro, uma vez que esses apresentavam dificuldade para distinguir o<br />

funcionamento do sistema de orientação, confundindo os dados mostrados. Norman (2004),<br />

por sua vez, ao fazer referência ao fato, diz que o design das cabines deve ser um design<br />

“especial” capaz de minimizar a necessidade de pensamento criativo para que os profissionais<br />

possam desempenhar uma boa performance em situações de emergência.<br />

Infelizmente, “a maioria dos designers não presta muita atenção nas necessidades e<br />

capacidades humanas quando projetam produtos ou sistemas tecnológicos complexos.”<br />

(Vicente, 2002: 15). Esse fato induz os designers a erros, causa frustração e alienação e,<br />

eventualmente, não permite que eles explorem o potencial das pessoas e da tecnologia<br />

(Vicente, 2002).<br />

As tecnologias, cada vez mais, tornam-se mais complexas e o seu ritmo de atualização<br />

aumenta tão rapidamente, que a situação só tende a piorar se não houver uma conscientização<br />

de que os fatores humanos são imprescindíveis no design de sistemas tecnológicos,<br />

principalmente, aqueles de segurança crítica, como a aviação, as usinas nucleares e os<br />

hospitais.<br />

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A obra de Vicente se soma aos esforços de pesquisadores e estudiosos preocupados<br />

com a relação homem-máquina e com os prejuízos que sistemas mal projetados podem<br />

oferecer a vida humana e ao planeta.<br />

4. Considerações finais<br />

Segundo Stamm (2003: 3), “a criatividade consiste em ser diferente, pensar<br />

lateralmente, fazer novas conexões.” Sob esse ponto de vista, pode-se dizer que Vicente foi<br />

criativo ao apresentar uma abordagem Humano-Tecnológica, baseada na abordagem<br />

sistêmica, para o design da tecnologia. Essa “permite compreender as causas dos problemas,<br />

como também proporciona princípios sistêmicos para solucioná-los” (Vicente, 2005: 161).<br />

A escada Humano-Tecnológica, proposta pelo autor, é o ponto fulcral da obra que<br />

tenta incutir a idéia de que “o design deve começar pela compreensão da necessidade humana<br />

e societária – e então modelar a tecnologia para que ela reflita fatores humanos específicos”<br />

(Vicente, 2005: 76).<br />

Além de expressar seu pensamento criativo, Vicente mostra uma série de soluções<br />

criativas encontradas por cientistas e pensadores para melhorar o design da tecnologia. Como<br />

exemplos, podem-se citar a solução encontrada pelos estudantes Kuk, Cowley e Beserve para<br />

controlar o consumo excessivo de energia em computadores e incentivar a economia de<br />

energia; a idéia de Fender Stratocaster de projetar uma guitarra elétrica com o corpo<br />

arredondado; e as inúmeras medidas tomadas na aviação e na saúde que diminuíram<br />

consideravelmente a quantidade de erros provocados por falhas no design da tecnologia.<br />

Em uma Era marcada pelo constante desenvolvimento tecnológico, onde é cada vez<br />

maior a necessidade de se pensar criativamente para acompanhar um tempo caracterizado por<br />

intensas e rápidas mudanças, refletir sobre o papel da tecnológica e, como ela pode ser<br />

utilizada criativamente para o bem-estar do homem, é refletir sobre os rumos da humanidade.<br />

Referências Bibliográficas<br />

Cognitive Engineering Laboratory. (2007). Kim J. Vicente, Ph.D., P.Eng.: Biography.<br />

Retirado em 20/10/2007 no World Wide Web: http://www.mie.utoronto.ca/labs/cel/<br />

people/kjv/bio.htm.<br />

Mccormick, Ernest J. (1976). Human factors in engineering and design. EUA: MacGraw.<br />

Norman, D.A. (2004). Emotional Design: why we love (or hate) everyday things. New York:<br />

Basic Books.<br />

Sawyer, D. (1996). An Introduction in Human Factors in Medical Device. U.S. Department of<br />

Health and Human Services; Public Health Service; Food and Drug Administration; Center<br />

for Devices and Radiological Health. Retirado em 26/11/2007 no World Wide Web:<br />

http://www.fda.gov/cdrh/humfac/doitpdf.pdf.<br />

Stamm, B. V. (2003). Managing Innovation, Design and Creativity. Germany: John Wiley &<br />

Sons. Retirado em 19/11/2007 no World Wide Web: http://www.media.wiley.com/<br />

product_data/excerpt/85/04708470/0470847085.pdf.<br />

Vicente, K. (2005). Homens e Máquinas. (Estrada, M. I. D., Trad.). Rio de Janeiro: Ediouro.<br />

(original publicado em 2003).<br />

Vicente, K. (2002). The Human Factor. The Bridge, Winter 2000, 32 (4), 15-19. Retirado em<br />

18/12/2007 no World Wide Web: http://www.nae.edu/nae/bridgecom.nsf/weblinks/NAEW-<br />

63BLES/$FILE/Bridge-v32n4.pdfOpenElement.<br />

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Nota<br />

(1) Atualmente, Kim Vicente é professor de Engenharia da Universidade de Toronto,<br />

apresenta palestras ao redor do mundo e presta serviços para a Microsoft e a Nortel. No<br />

passado, já foi professor emérito visitante de Aeronáutica e Astronáutica do MIT e consultor<br />

da NASA, OTAN, Força Aérea e Marinha Americanas (Vicente, 2005).<br />

– V. Schmitt é Jornalista, Graduada em Comunicação Social (Unisul), Especialista em<br />

Desenvolvimento de Aplicações Web (ICPG), Especialista em Novas Mídias, Rádio e TV<br />

(FURB), Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC). Atualmente é aluna de<br />

doutorado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento<br />

(UFSC), sob orientação do Prof. Dr. Francisco Antonio Pereira Fialho, e bolsista (CAPES).<br />

Endereço para contato: Rua Capitão Américo, 103, ap. 205 B, Bairro Córrego Grande,<br />

Florianópolis, SC 88037-060. Telefones: 55-48-3207-4775 ou 55-48-9922-0606. E-mail para<br />

correspondência: val.schmitt@gmail.com.<br />

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Resenha<br />

Um passeio literário pela educação<br />

A literary trip around education<br />

Vania Marta Espeiorin <br />

Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do<br />

Sul, Rio Grande do Sul, Brasil<br />

Resumo<br />

Esta resenha mostra alguns apontamentos e reflexões extraídos do livro Literatura: saberes em<br />

movimento (Belo Horizonte: Ceale, Autêntica, 2007), organizado pelos pesquisadores<br />

Aparecida Paiva, Aracy Martins, Graça Paulino, Hércules Corrêa e Zélia Versiani, que<br />

integram o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale). © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong><br />

(3): 332-336.<br />

Palavras-chave: literatura; saberes; educação; criança; livro; leitura.<br />

Abstract<br />

This review shows some points which were extracted from the book Literatura: saberes em<br />

movimento (Belo Horizonte: Ceale, Autêntica, 2007), organized by the researchers Aparecida<br />

Paiva, Aracy Martins, Graça Paulino, Hércules Corrêa e Zélia Versiani, who take part in the<br />

Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale). © Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong>. <strong>13</strong> (3): 332-336.<br />

Keywords: literature; knowledge; education; children; book; reading.<br />

A idéia de movimento sinaliza avanços, novos ensinamentos, mudanças. Na educação,<br />

o ato de ensinar e de aprender por meio do literário provoca questionamentos e articula<br />

desafios, ou seja, pressupõe ação. Frente a esses questionamentos surge a sétima obra<br />

organizada por docentes-pesquisadores do CEALE/UFMG (Centro de Alfabetização, Leitura<br />

e Escrita). A obra Literatura: saberes em movimento (Belo Horizonte: Ceale, Autêntica,<br />

2007), organizada pelos pesquisadores Aparecida Paiva, Aracy Martins, Graça Paulino,<br />

Hércules Corrêa e Zélia Versiani, traz uma coletânea de artigos que mostra justamente a<br />

associação do texto literário com o processo de ensino e as leituras da vida. São onze<br />

capítulos distribuídos em duas partes: "Saberes literários e a escola como instância de<br />

formação de leitores" e "Saberes literários e outras instâncias socioculturais de formação de<br />

leitores". Quinze estudiosos das áreas da educação, literatura, teatro e letras discutem os<br />

efeitos do jogo dos saberes que permeiam a esfera literária.Hércules Corrêa e Aracy Martins,<br />

na apresentação "Os jogos dos saberes literários", desmistificam a concepção de que a<br />

literatura é algo sem compromisso com a educação e o conhecimento. Mesmo que ela não<br />

nasça para ensinar, pode proporcionar ao leitor saberes que se “movem, se entrecruzam, se<br />

somam, se multiplicam, se dividem e, porque não, se subtraem" (Corrêa e Martins, 2007: 8).<br />

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O olhar dos pesquisadores remete à Aula (2004), livro em que Roland Barthes afirma que a<br />

literatura assume muitos saberes.<br />

Esse vigor da literatura pode sugerir que ela não combina com métodos conservadores.<br />

Na introdução "Literatura e educação: diálogos", Vera Teixeira de Aguiar recupera a<br />

etimologia do termo e discute conceitos de literatura, e enfatiza que a literatura como arte de<br />

ler e escrever sempre esteve atrelada ao poder e ao prestígio dos grupos dominantes. No<br />

diálogo com a linguagem, a literatura traz a vida não como ela é, mas como pode ser, explica<br />

Aguiar, pontuando que a arte literária abre portas à imaginação, ao ludismo e à liberdade do<br />

homem, permitindo a ele, em cada nova leitura, transformar-se num novo ser em sociedade.<br />

Nessa perspectiva, a pesquisadora apresenta dois exemplos positivos: o laboratório de leitura<br />

literária que promove oficinas a crianças da periferia, coordenado pelo Centro de Literatura<br />

Interativa da Comunidade (CLIC) da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS); e uma<br />

escola que procurou a universidade para fazer um projeto de incentivo à leitura. São exemplos<br />

que mostram a relevância de a escola e a academia andarem juntas com vistas à qualificação<br />

do leitor e do mediador.<br />

Quem faz a abertura da primeira parte de Literatura: saberes em movimento é Maria<br />

Antonieta Pereira. Ela centra o raciocínio no receptor e como ele consegue ler o mundo a<br />

partir da sua bagagem. A pesquisadora cita semelhanças do jogo com a incursão da produção<br />

e recepção do texto literário. Nos dois eixos, é preciso um estado de liberdade coletivo e<br />

pessoal que adquire as formas do desejo e do empenho. Segundo a autora, pensar letramento<br />

literário como um jogo é trabalhar com um processo de leitura que considere uma ampla rede<br />

de subjetividades e sentidos. Pereira traz à tona reflexões de Wittgenstein e Lyotard, para os<br />

quais o ato de ler é compreendido como um jogo, em virtude de sua complexidade. O<br />

letramento literário pressupõe uma rede de saberes, na qual ferramentas como ciberpoesia, e-<br />

books, blogs e videoclipes não podem ser ignoradas.<br />

Maria Zélia Versiani Machado lança uma provocação para realçar o capítulo 2, cujo<br />

foco é "Literatura e alfabetização: quando a criança organiza o caos". A autora questiona se,<br />

na literatura infantil, existem livros preocupados com o nível de proficiência do público<br />

infantil, sem abrir mão do jogo ficcional ou poético que os caracterizam como literatura.<br />

Lembra que a linguagem e a imaginação não se separam da criança, o que lhe permite a<br />

formação de imagens poéticas. Machado sustenta que o letramento literário deve começar<br />

antes da alfabetização. Para ajudar na vida estudantil, ela indica escritores brasileiros que<br />

souberam ouvir a infância, como Silvia Orthof e José Paulo Paes.<br />

"Alfabetização e letramento: os processos e o lugar da literatura" é o título do terceiro<br />

capítulo, escrito por Cecília Goulart. O fato de, no Brasil, os alunos serem considerados<br />

alfabetizados pela escola, mas permanecerem quase que sem avanços na sua condição de<br />

integrantes de uma sociedade letrada é uma das preocupações explicitadas pela pesquisadora.<br />

A partir de relatório da Câmara Federal, Goulart discorre sobre problemas, como o de dislexia<br />

na aprendizagem, e sobre a importância fonológica no processo de alfabetização. De acordo<br />

com Goulart, é preciso aproximar a criança ao objeto do olhar, que é a linguagem escrita<br />

materializada em textos. O professor tem de provocar esse olhar, chamando atenção de<br />

detalhes e sentidos. O papel da literatura, do letramento literário, deve ser interligado ao<br />

letramento com textos não-literários: os textos da vida cotidiana e de outras esferas sociais de<br />

conhecimento.<br />

As idéias da doutora em Educação Marta Passos Pinheiro aparecem no quarto<br />

capítulo. Em "Literatura infantil e juvenil: uma reflexão sobre a construção da infância e da<br />

adolescência", a autora resgata a visão desses dois momentos da vida a partir da escola. A<br />

separação de alunos por idade e em classes contribuiu para a definição da segunda infância e<br />

da adolescência. As relações sociais passam a marcar território, o colégio é visto como lugar<br />

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de formação moral e intelectual das crianças e adolescentes, e a literatura infanto-juvenil,<br />

como instrumento pedagógico.<br />

Diante do incremento da produção literária para infância, os olhares precisam ser mais<br />

seletivos. A importância da escolha de uma obra literária para trabalhar em sala de aula<br />

sintetiza o enfoque do capítulo 5: "Critérios para a constituição de um acervo literário para as<br />

séries iniciais do ensino fundamental: o instrumento de avaliação do PNBE 2005". Ludmila<br />

Andrade e Patrícia Corsino relatam o percurso das opções literárias do Programa Nacional<br />

Biblioteca da Escola (PNBE). Segundo elas, o processo de escolha dos livros exigiu uma série<br />

de reflexões. "A classificação de uma obra como literária implica um juízo de valor que, por<br />

sua vez, se insere numa rede de categorias de valores partilhados e historicamente variáveis<br />

que têm estreita relação com as ideologias sociais" (Andrade e Corsino, 2007: 81). O primeiro<br />

passo para se pensar a qualidade do livro infantil é analisar a forma e o conteúdo<br />

simultaneamente. A leitura como experiência se configura na possibilidade de ir além do<br />

momento em que ela se realiza, podendo desempenhar formação. "Existe um papel de<br />

humanização e de formação pela literatura que se inicia desde as primeiras histórias ouvidas,<br />

abrindo-se assim um espaço de luta contra a barbárie" (Andrade e Corsino, 2007: 90),<br />

argumentam as pesquisadoras, reconhecendo que a literatura, ao abrir múltiplas<br />

interpretações, aproxima o leitor consigo mesmo e com o outro, a partir da linguagem.<br />

Como o jovem pode sentir desejo pelo texto literário Eis a questão que fundamenta o<br />

artigo de Andréa Antolini Grijó, intitulado "Quem conta um conto aumenta um ponto<br />

Adaptações e literatura para jovens leitores". O texto enfatiza o quanto é oportuno o<br />

letramento literário no despertar do gosto pela leitura e do entendimento de que a arte leva o<br />

indivíduo a refletir a própria condição humana. Grijó levanta o debate da mediação e do uso<br />

de adaptações. Ela analisa adaptações em relação a clássicos originais, como As aventuras de<br />

Pinóquio, de Carlos Collodi, descrevendo diferenças que elas suscitam. Contudo, as leituras<br />

de adaptações de clássicos por crianças e jovens, na visão da autora, ainda constituem bom<br />

recurso quando entendidas como substitutivo facilitador do exercício da leitura. (Grijó, 2007).<br />

A segunda parte de Literatura: saberes em movimento trata dos "Saberes literários e<br />

outras instâncias socioculturais de formação de leitores". Maria Cristina Soares de Gouvea<br />

escreve sobre "A criança e a Linguagem: entre palavras e coisas" e retrata a trajetória infantil<br />

através da linguagem e do simbólico nas relações sociais. Conforme ela, "a humanidade se<br />

constitui na e pela linguagem" (Gouvea, 2007: 111) e "é na linguagem que a criança se faz<br />

sujeito" (Gouvea, 2007: 115) e se expressa na sociedade de diversas maneiras, seja no brincar,<br />

no imitar, no imaginar. Alinhando o tema à brincadeira, a autora realça a poesia. Ela evoca os<br />

conceitos de brincar e de jogo e sublinha: "o brincar conforma uma linguagem simbólica<br />

presente tanto na criança como no adulto" (Gouvea, 2007: 119).<br />

O brincar também é recorrente na literatura conectada à arte cênica. Ao falar de<br />

"Teatro e literatura: encontros e possibilidades", Cida Falabella vê que inexiste o hábito da<br />

leitura de peças teatrais nos ambientes escolares. "Ler teatro pode ser um prazeroso exercício<br />

em conjunto" (Falabella, 2007: <strong>13</strong>8), garante a pesquisadora, frisando que o gosto surge a<br />

partir do instante em que se começa a ler esse tipo de narrativa. Ao longo do capítulo 8,<br />

Falabella apresenta os gêneros teatrais e explica como poderiam ser abordados no espaço<br />

escolar.<br />

Tendo ciência que a formação de leitores não se restringe à escola, Graça Paulino<br />

registra o crescimento da indústria editorial. No capítulo "O mercado, o ensino e o tempo: o<br />

que se aprende com a leitura que se vende", a autora centraliza a discussão no livro<br />

Memórias de minhas putas tristes, do colombiano Gabriel García Marques. Lançada no Brasil<br />

em 2005, a obra ficou em primeiro lugar na lista das mais vendidas. Paulino salienta o tipo de<br />

leitor que a obra é capaz de cativar e lembra: "leitores se formam mesmo é através de suas<br />

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próprias leituras" (Paulino, 2007: 146), ou seja, das próprias escolhas literárias, que podem<br />

estar na prateleira dos livros mais vendidos ou não.<br />

Hércules Corrêa, em "A formação do leitor em livros de memórias: leituras de<br />

Infância, de Graciliano Ramos, e O menino da mata e seu cão Piloto, de Vivaldi Moreira",<br />

narra as distintas trajetórias dos dois escritores e como a formação do leitor literário pode<br />

interferir na constituição do escritor. Graciliano é filho de pai rude, que não valorizava a<br />

leitura. Vivaldi veio de família rural mineira, que incentivava o encontro com os livros e a<br />

formação escolar. Ambos inseriram nas narrativas um pouco de suas respectivas infâncias.<br />

Para encerrar Literatura: saberes em movimento, Eneida Maria de Souza dirigiu suas<br />

atenções para o filósofo francês Jean Paul Sartre. "A traição autobiográfica" nomeia o<br />

capítulo 11, onde Souza resgata a história pessoal e intelectual de Sartre. O escritor, que<br />

recusou em 1964 o prêmio Nobel da Literatura pela obra As palavras, nasceu em ambiente<br />

burguês e transformou-se numa referência do existencialismo. As palavras compõem um<br />

romance de aprendizagem em forma de auto-análise e uma ode à mãe. É uma feroz crítica à<br />

pequena burguesia. Conforme Souza, ele "trai ainda a celebração da infância como paraíso<br />

perdido, a valorização da família como célula da sociedade, ao negar a morte do pai, e,<br />

conseqüentemente, todo direito à herança paterna e à continuidade familiar" (Souza, 2007:<br />

172). Nesse aspecto, a pesquisadora esclarece que a escrita literária tem liberdade de inventar<br />

autobiografias falsas e de permitir o livre trânsito entre as fases temporais.<br />

No embalo do poder do texto literário descrito por Souza em relação a Sartre,<br />

percebe-se que a literatura realmente desperta transformações e articula conhecimentos.<br />

Literatura: saberes em movimento soube bem fundamentar esse sentido ao longo dos onze<br />

capítulos assinados por diferentes autores. É uma importante leitura a professores que não se<br />

contentam com receitas simples na hora de planejar e executar aulas.<br />

A obra é oportuna para acadêmicos de Letras, Pedagogia, demais licenciaturas e áreas<br />

afins. Os bibliotecários, que são também valiosíssimos porta-vozes do mundo das letras para<br />

com o leitor, compõem outro público que não pode deixar de conferir esse livro do Ceale. É<br />

um título recomendado a mediadores que procuram ampliar não só o seu horizonte de<br />

expectativas, mas o de toda a classe escolar. Afinal, para o processo de formação e seus<br />

avanços, a leitura literária, sem dúvida, é recurso que não pode ficar distante da sala de aula<br />

ou do convívio infantil. Pois, como enfatiza Mario Vargas Llosa (Llosa, 2005), a literatura é<br />

um dos mais enriquecedores afazeres do espírito, uma atividade insubstituível para a<br />

formação do cidadão numa sociedade moderna, democrática, de indivíduos livres. O escritor<br />

defende que ela deveria fazer parte das famílias e ser inserida como disciplina básica nos<br />

programas de Educação. Nessa mesma linha de importância é que a literatura é colocada<br />

pelos pesquisadores do Ceale no livro Literatura: saberes em movimento. No entanto, eles<br />

alertam que a vivência do texto literário exige alguns conhecimentos, mas, acima de tudo,<br />

despojamento, curiosidade e entrega por parte do educador, da família dos alunos e do<br />

próprio leitor, esteja ele na idade em que estiver.<br />

Referências bibliográficas<br />

Aguiar, V. (2007). Literatura e educação: diálogos. Em: Corrêa, H.; Martins, A.; Paiva, A.;<br />

Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em movimento (pp. 17-27). Belo<br />

Horizonte: Autêntica.<br />

Barthes, R. (2004). Aula. São Paulo: Editora Cultrix.<br />

Corrêa, H.; Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (2007) (Orgs). Literatura:<br />

saberes em movimento. Belo Horizonte: Autêntica.<br />

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Ciências & Cognição 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3): 332-336 <br />

© Ciências & Cognição<br />

Submetido em 29/08/2008 | Revisado em 31/10/2008 | Aceito em 04/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008<br />

Corrêa, H. e Martins, A. (2007). O jogo dos saberes literários. Em: Corrêa, H.; Martins, A.;<br />

Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em movimento (pp. 7-15).<br />

Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Corrêa, H. (2007). A formação do leitor em livros de memórias: leituras de Infância, de<br />

Graciliano Ramos, e O menino da mata e seu cão Piloto, de Vivaldi Moreira. Em: Corrêa,<br />

H.; Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em<br />

movimento (pp. 155-167). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Corsino, P. e Andrade, L. (2007). Critério para a constituição de um acervo literário para as<br />

séries iniciais do ensino fundamental: o instrumento de avaliação do PNBE 2005. Em:<br />

Corrêa, H.; Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em<br />

movimento (pp. 79-91). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Falabella, C. (2007). Teatro e literatura: encontros e possibilidades. Em: Corrêa, H.; Martins,<br />

A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em movimento (pp. <strong>13</strong>7-<br />

144). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Goulart, C. (2007). Alfabetização e letramento: os processos e o lugar da literatura. Em:<br />

Corrêa, H.; Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em<br />

movimento (pp. 57-67). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Gouvea, M.A. (2007). Criança e a linguagem: entre palavras e coisas. Em: Corrêa, H.;<br />

Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em movimento<br />

(pp. 111-<strong>13</strong>6). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Grijó, A, (2007). Quem conta um conto aumenta um ponto Adaptações e literatura para<br />

jovens leitores. Em: Corrêa, H.; Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs).<br />

Literatura: saberes em movimento (pp. 93-107). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Llosa, M. (2005). A verdade das mentiras. São Paulo: Arx.<br />

Machado, M.Z.V. (2007). Leitura e alfabetização: quando a criança organiza o caos. Em:<br />

Corrêa, H.; Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em<br />

movimento (pp. 47-56). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Paulino, G. (2007). O mercado, o ensino e o tempo: o que se aprende com a literatura que se<br />

vende. Em: Corrêa, H.; Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura:<br />

saberes em movimento (pp. 145-153). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Pereira, M. (2007). Jogos de linguagem, redes de sentido: leituras literárias. Em: Corrêa, H.;<br />

Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em movimento<br />

(pp. 31-45). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Pinheiro, M. (2007). Literatura infantil e juvenil: uma reflexão sobre a construção da infância<br />

e da adolescência. Em: Corrêa, H.; Martins, A.; Paiva, A.; Paulino, G. e Versiani, Z. (Orgs).<br />

Literatura: saberes em movimento (pp. 69-78). Belo Horizonte: Autêntica.<br />

Souza, E. (2007). A traição autobiográfica. Em: Corrêa, H.; Martins, A.; Paiva, A.; Paulino,<br />

G. e Versiani, Z. (Orgs). Literatura: saberes em movimento (pp. 169-177). Belo Horizonte:<br />

Autêntica.<br />

- V.M. Espeiorin é Graduada em Comunicação Social - Habilitação Jornalismo, Pós-<br />

Graduação em Literatura Infanto-juvenil (UCS) e Mestranda em Educação (UCS). Tem<br />

experiência na área de Jornalismo Gráfico, especialmente na área de Política. E-mail para<br />

correspondência: vaniajornal@yahoo.com.br.<br />

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Cien. Cogn. 2008; <strong>Vol</strong> <strong>13</strong> (3) ISSN 1806-5821<br />

Normas para Publicação: 337-342.<br />

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Normas para Publicação<br />

POLÍTICA EDITORIAL<br />

Ciências & Cognição (Cien. Cogn.) é um periódico quadrimestral que publica artigos de caráter acadêmico<br />

que tratem de questões da mente, do comportamento humano, da capacidade de produzir, assimilar e distribuir<br />

conhecimento, bem como do funcionamento do cérebro em si. Privilegia-se a abordagem multidisciplinar<br />

dos temas. O periódico aceita colaborações em português, espanhol e inglês, reservando-se o direito de publicar<br />

ou não, após avaliação do material submetido espontaneamente.<br />

O QUE PODE SER SUBMETIDO<br />

saber:<br />

O material submetido à Cien.Cogn. deve possuir afinidade com alguma das seções que a compõem, a<br />

• Editorial: restrito ao Conselho Editorial.<br />

• Artigos Científicos (empírico, experimental ou teórico): material inédito oriundo de investigação científica.<br />

O material deve ser original (dados) e destinado exclusivamente para esta revista, não tendo sido publicado<br />

integralmente em nenhum outro veículo. Aconselha-se o máximo de 30 páginas.<br />

• Revisões de Literatura (sistemática): A revisão sistemática (systematic overview; overview; qualitative<br />

review) é planejada para responder a uma pergunta específica, utiliza métodos explícitos e sistemáticos para<br />

identificar, selecionar e avaliar criticamente os estudos, e para coletar e analisar os dados destes estudos incluídos<br />

na revisão. Faz uso da estruturação para evitar tendenciosidade em suas partes. Aconselha-se o máximo<br />

de 30 páginas.<br />

• Ensaio Acadêmico: é um texto acadêmico breve, de cunho didático, expondo idéias, críticas e reflexões<br />

científicas a respeito de certo tema. É menos formal e mais flexível que o artigo científico. Consiste também<br />

na defesa de um ponto de vista pessoal e subjetivo sobre um tema, sem que se paute exclusivamente em documentos<br />

ou provas empíricas ou dedutivas de caráter científico.<br />

• Resenhas Críticas: descrição, exame e o julgamento de obra recente (não mais que 3 anos). Elaborada de<br />

modo impessoal, deve conter posicionamentos de ordem técnica diante do objeto de análise, seguidos de um<br />

resumo do conteúdo e possivel demonstração de sua importância. Aconselha-se o máximo de 5 páginas.<br />

• Informações e Divulgações: divulgação de jornadas, workshops, feiras, seminários, colóquios, simpósios,<br />

congressos e outros eventos de cunho acadêmico em seção do site, especialmente dedicada a este objetivo.<br />

Não é incluída no volume único em pdf.<br />

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHO<br />

Prazos<br />

Os manuscritos podem ser submetidos a qualquer tempo (fluxo contínuo). Entretanto, caso sejam encaminhados<br />

até as datas abaixo podem vir a ser indicados para o fascículo com fechamento nos prazos indicados.<br />

A submissão deve ser exclusivamente online, através do endereço eletrônico<br />

submissao@cienciaseconicao.org:<br />

- 01 de fevereiro para o volume com fechamento em 31 de Março.<br />

- 01 de junho para o volume com fechamento em 31 de Julho.<br />

- 01 de outubro para o volume com fechamento em 30 de Novembro.<br />

Os prazos para avaliação variam de 30 a 90 dias úteis, dependendo da natureza do material submetido,<br />

sua complexidade e cumprimento das exigências editorias. O prazo mínimo se refere aos materiais: corretamente<br />

formatados, que sigam as normas editorias previstas (envio de autorização, etc.) e que sejam recomendados sem<br />

qualquer restrição pelos pareceristas.<br />

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Normas para Publicação: 337-342.<br />

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Requisitos para submissão<br />

O texto original, rigorosamente sob a forma estabelecida abaixo, deve ser apresentado como arquivo<br />

gravado em *.doc; Office XP ou 2007. Devem ser seguidos os seguintes parâmetros:<br />

• Configuração de página: margens superior 3, direita, esquerda e inferior 2,5; folha A4;<br />

• Formatação de parágrafos: alinhamento justificado; recuo/identação de 1,25cm no início de cada parágrafo;<br />

espaço entre linhas simples; sem espaço entre parágrafos.<br />

Responsabilidade dos autores<br />

Ao enviar o texto para avaliação, redija no corpo do e-mail, uma carta de encaminhamento (modelo<br />

disponível no site) dirigida aos Editores contendo:<br />

• Termo de Autorização para o processo editorial de seu texto (Anexo 1);<br />

• Declaração de Garantia de que os procedimentos éticos referentes a um trabalho científico foram atendidos<br />

e da responsabilidade do autor pelo conteúdo;<br />

• Declaração de inexistência de Conflito de Interesses; e<br />

• Concessão dos direitos autorais do texto à Ciências & Cognição.<br />

• Endereço completo de um dos Autores para correspondência (incluir CEP, fone, fax e e-mail).<br />

Deve ser enviada obrigatoriamente, por correio postal, carta dirigida aos Editores com o mesmo conteúdo<br />

do e-mail, assinada por todos os Autores do estudo ou pelo Autor responsável (modelo disponível no site<br />

www.cienciasecognicao.org). O processo de avaliação do manuscrito será interrompido no caso de não recebimento<br />

da documentação assinada e enviada via correio postal, até regularização. A Carta deve ser remetida para:<br />

Procedimentos Editoriais<br />

Revista Ciências & Cognição<br />

A/C Prof. Dr. Alfred Sholl Franco<br />

Sala G2-032, Bloco G, Centro de Ciências da Saúde.<br />

Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho.<br />

Universidade Federal do Rio de Janeiro.<br />

Av. Carlos Chagas Filho S/N - Cidade Universitária<br />

Ilha do Fundão - Rio de Janeiro, RJ 21.941-902, Brasil.<br />

Fone: 55-021-2562-6562.<br />

O processo de avaliação só será iniciado se forem obedecidas todas as condições acima.<br />

Se o texto estiver de acordo com as normas aqui mencionadas, será registrado. A confirmação do recebimento<br />

e registro será enviada ao autor por e-mail. O texto será encaminhado ao Editor da área envolvida, sendo<br />

encaminhado a 2 (dois) Pareceristas membros do Comitê Científico da revista, ou para consultores ad hoc, em<br />

casos extraordinários. Os Pareceristas são escolhidos pelos Editores, entre pesquisadores de reconhecida competência<br />

acadêmica.<br />

A autoria do texto não é informada aos Pareceristas ou Consultores ad hoc, bem como a identidade destes<br />

não é informada aos Autores. Os Pareceristas tem o prazo de 3 (três) dias para informar se aceitam ou não a<br />

avaliação de um determinado texto (mencionando a razão do impedimento). Em caso de aceite, cada Parecerista<br />

tem o prazo de 15 (quinze) dias para elaboração de sua avaliação. Caso o texto não esteja dentro da expertise dos<br />

Pareceristas, será encaminhado, nas mesmas condições a Consultores ad hoc de reconhecido saber. Os Pareceristas<br />

e/ou Consultores ad hoc, após análise do texto, poderão opinar pela: recomendação, recomendação com restrições<br />

e não recomendação. O Autor receberá cópia dos pareceres dos Pareceristas/Consultores.<br />

Em caso de não recomendação, o Autor poderá submetê-lo novamente depois de cuidadosa revisão,<br />

considerando os pareceres recebidos. Salvo impedimento, o texto ressubmetido é encaminhado aos mesmos Pareceristas/Consultores<br />

ad hoc.<br />

Em caso de recomendação com restrições, o autor poderá apresentar em 60 (sessenta) dias a versão reformulada<br />

do texto para reapreciação, acompanhada de carta do autor aos Editores, informando as modificações<br />

efetuadas e justificando as não realizadas. Esta carta e o texto reformulado são encaminhados aos Editores, juntamente<br />

com a versão original e pareceres dos Pareceristas/Consultores para análise. Os Editores podem rejeitar<br />

as alterações e sugerir modificações (quantas vezes forem necessárias) ou indicar o texto reformulado para publicação.<br />

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O texto aceito será encaminhado para elaboração da Prova (*.pdf) e enviado ao autor para que seja conferida<br />

e devolvida com possíveis correções (exceto no título ou no nome do(s) autor(es)), no prazo de 3 (três)<br />

dias. A não devolução, no prazo estipulado, implicará na concordância do autor.<br />

A decisão final sobre a publicação de um texto cabe aos Editores, auxiliados pelos pareceres. O autor é<br />

comunicado sobre o resultado final da avalaição, por e-mail, indicando o volume, número e data prevista para<br />

publicação.<br />

Direitos Autorais<br />

São da revista eletrônica Ciências & Cognição os direitos autorais de todos os artigos por ela publicados.<br />

A reprodução de qualquer artigo em outras publicações, por quaisquer meios, requer autorização por escrito<br />

dos Editores. Reproduções parciais de artigos (resumo, abstract, mais de 500 palavras de texto, tabelas, figuras e<br />

outras ilustrações, arquivos sonoros ou de vídeo) deverão ter permissão por escrito dos Editores.<br />

APRESENTAÇÃO DO TEXTO<br />

Partes do Texto Original e Roteiro para Apresentação do Texto Original:<br />

Use itálico em palavras ou expressões a serem enfatizadas e para palavras estrangeiras. Use negrito a-<br />

penas nos título, subtítulos e nomes dos Autores. Não use palavras sublinhadas ao longo do texto, nem marcas<br />

d’água.<br />

• Título na língua empregada no artigo (fonte Times New Roman, tamanho 16, negrito, centralizado).<br />

• Título em inglês (fonte Times New Roman, tamanho 12, itálico, centralizado). No caso de artigos submetidos<br />

em lingua inglesa, deve ser apresentado ainda um título em português. Artigos submetido em espanhol<br />

devem conter títulos também em português e inglês.<br />

• Nome dos Autores (fonte Times New Roman, tamanho 12, negrito, centralizado). O(s) autor(es) para correspondência<br />

deve(m) ser sinalizado(s) com um asterisco. Usar indicativo para instituições diferentes entre<br />

os autores.<br />

• Afiliação institucional e o país (fonte Times New Roman 12, centralizado). Incluir nome da universidade,<br />

Institutos, Centros de Pesquisa, cidade, país.<br />

• Resumo (em português, entre 1000 e 1500 caracteres (incluindo espaços), fonte Times New Roman, tamanho<br />

12, justificado, recuo de 1,25cm nas margens direita e esquerda). O resumo deve apresentar brevemente<br />

os objetivos, método, resultados e discussão do estudo. Não precisa incluir informações sobre a literatura da<br />

área, nem referências bibliográficas. O objetivo deve ser claro, informando, caso for apropriado, qual o<br />

problema e as hipóteses do estudo. Para os relatos de pesquisa, o método deve oferecer informações breves<br />

sobre os participantes, instrumentos e procedimentos especiais utilizados. Apenas os resultados mais importantes,<br />

que respondem aos objetivos da pesquisa devem ser mencionados no resumo, sem detalhamento. É<br />

vetado o uso de abreviaturas não convencionais ou sem prévia colocação por extenso do termo abreviado.<br />

Artigos submetidos em espanhol devem conter ainda um resumen.<br />

• Palavras-chave (em português, fonte Times New Roman, tamanho 12, justificado e com recuo de 1,25cm<br />

nas margens direita e esquerda). No mínimo 3 e no máximo 6, letras minúsculas, separadas com ponto e vírgula.<br />

• Abstract (resumo traduzido para o inglês, fonte Times New Roman, tamanho 12, em itálico, justificado e<br />

com recuo de 1,25cm nas margens direita e esquerda). Deve corresponder ao conteúdo explicitado no Resumo.<br />

• Keywords (fonte Times New Roman, tamanho 12, em itálico, justificado e com recuo de 1,25cm nas margens<br />

direita e esquerda), palavras-chave traduzidas para o inglês, ou termos correspondentes.<br />

• Corpo do Texto: Quando o texto for um relato de pesquisa deverá apresentar Introdução, Materiais e Método<br />

(quando for o caso, ou Metodologia), Resultados, Discussão e Referências Bibliográficas, numerados<br />

em arábico, assim como possíveis subtítulos. Os Subtítulos devem aparecer em negrito, alinhados à<br />

margem esquerda, precedidos e seguidos de uma linha em branco. Em Revisões, pode-se utilizar o recurso<br />

de um Índice (sem paginação) apresentando a lista dos tópicos e dos subtópicos. Tabelas devem ser elaboradas<br />

separadamente, em documentos formato Word (*.doc), nomeados conforme estejam citados no texto.<br />

Indicar no texto o lugar onde serão incluídas.<br />

• Figuras, Fotos e áudios. As figuras contendo fotos ou gráficos devem ser enviadas separadamente, em<br />

arquivo anexo, no formato *.tiff (resolução de 300 dpi). Indicar no texto o lugar onde serão incluídas, com<br />

breve legenda para a mesma. Salvar os arquivos com nomes correspondentes (Exemplo: figura1.tiff). Arqui-<br />

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vos de áudio também devem ser enviados anexados, no formato *.mp3, já editados. Os arquivos serão incluídos<br />

exatamente onde indicados. Citar autoria, data e local de gravação. Não nos responsabilizamos pelo uso<br />

indevido das gravações por terceiros. Ao nomear imagens ou áudios não use letras maiúsculas, acentuação,<br />

espaços ou caracteres especiais. Verificar legibilidade de linhas e dados em gráficos e/ou tabelas.<br />

• Agradecimentos e créditos a instituições de financiamento deverão aparecer no final do texto e antes do<br />

item Referências Bibliográficas.<br />

• Referências Bibliográficas O periódico Cienc. Cogn. segue as normas internacionais da APA, e não a<br />

ABNT. Detalhamos das normas da APA na seção Normas para citações (ver abaixo).<br />

• Notas devem ser indicadas por algarismos arábicos, sobrescrito, no corpo do texto. Devem ser listadas após<br />

as Referências Bibliográficas, com o título Notas (não usar o recurso “Inserir Notas...” do Word).<br />

• Anexos (quando houver) devem ser indicados no corpo do texto e apresentados no final, após as Referências<br />

Bibliográficas/Notas, identificados por letras maiúsculas (Anexo A, etc.) e por títulos adequados. Usar anexos<br />

somente quando for imprescindível.<br />

• Autor para Correspondência. Deve incluir breve descrição sobre as atividades atuais do Autor: formação,<br />

vínculo atual, e-mail e homepage, caso haja. Se desejar, colocar endereço completo para correspondência.<br />

NORMAS PARA FAZER CITAÇÕES<br />

Observe rigorosamente as normas de citação. Todos os estudos referidos devem ser acompanhados dos<br />

créditos aos autores e das datas de publicação.<br />

Trabalho de única autoria: O nome do autor deve ser seguido da data de publicação, na primeira vez<br />

em que for citado, em cada parágrafo. Exemplos: (Santos, 2000) ou Santos (2000).<br />

Trabalhos com dois autores: Citar no texto os dois sobrenomes dos autores (usando o separador e)<br />

sempre que o artigo for referido, acompanhado da data do estudo entre parênteses. A citação também poderá ser<br />

feita com os sobrenomes entre parêntesis separados por uma vírgula do ano de publicação. Exemplo: “Santos e<br />

Silva (1999) dizem...” ou ... na época (Santos e Silva, 1999).<br />

Trabalhos com três ou mais autores: Quando a citação for inserida como parte do texto, citar apenas<br />

o sobrenome do primeiro autor, seguido de "e colaboradores" e da data de publicação entre parênteses (exemplo:<br />

Santos e colaboradores (2000) dizem...). Na seção de Referências Bibliográficas, todavia, todos os nomes dos<br />

autores deverão ser relacionados. A citação, no corpo do texto, também poderá ser feita apenas entre parênteses,<br />

onde o sobrenome do primeiro autor deverá ser seguido pela expressão et al. – em itálico – seguido por uma vírgula<br />

e o ano de publicação (Exemplo: Santos e colaboradores (2003) ou (Santos et al., 2003)).<br />

Citação de obras antigas e reeditadas: autor (data de publicação original/data de publicação consultada).<br />

Evite citações secundárias, quando o original pode ser recuperado com facilidade. Quando necessário, informar<br />

no corpo do texto o nome do autor que faz a citação original e a data de publicação do estudo, e, em nota,<br />

a referência bibliográfica original. Somente a obra efetivamente consultada deve ser listada nas referências<br />

bibliográficas. Usar, nos casos de citação secundária, os termos apud, op. cit., id. ibidem etc.<br />

Citação literal de texto: deve ser indicada colocando o trecho entre aspas e deve incluir a referência<br />

ao número da página da publicação da qual foi copiado (Santos, 2000: 16). Citações de mais de três linhas devem<br />

ser apresentadas em novo parágrafo, recuado de 0,5 cm da margem esquerda e direita.<br />

Lista de Referências Bibliográficas. Deixar uma linha em branco entre cada referência bibliográfica.<br />

Apresentar as referências em ordem alfabética, pelo sobrenome dos autores, apenas com as inicias em maiúsculo.<br />

Referências a vários estudos do mesmo autor são apresentadas em ordem cronológica, do mais antigo ao<br />

mais recente. Quando coincidirem autores e datas, utilizar letra minúscula como diferenciador após a data: Santos<br />

(2000a), Santos (2000b). Ao repetir nomes de autores não substituir por travessões ou traços. Não usar os<br />

comandos “sublinhado” ou “negrito” nesta seção. Os grifos, quando necessários, devemseguir os exemplos a-<br />

baixo.<br />

Exemplos de Citação na Lista de Referências:<br />

Artigo de Revista Científica<br />

Bloch, M. (1999). As transformações das técnicas como problema de psicologia coletiva. Signum, 1, 169-181.<br />

Artigo de Revista Científica Ordenada por Fascículo<br />

- Citar como no caso anterior, e acrescentando o número do fascículo, entre parênteses, sem sublinhar, imediatamente<br />

após o número do volume:<br />

Dunaway, D.K. (1991). The oral biography. Biography, 14 (3), 256-266.<br />

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Artigo de Revista Científica no Prelo<br />

- No lugar da data, indicar que o artigo está no prelo. Não referir data, volume, fascículo ou páginas até que o<br />

artigo seja publicado. No texto, citar o artigo indicando, entre parênteses, que está no prelo.<br />

Texto Publicado em Revista de Divulgação Comercial<br />

- Havendo indicação do autor, iniciar a citação pelo sobrenome e inicial do nome, seguido do ano, dia e mês entre<br />

parênteses, nome do artigo, nome da revista em itálico, volume e páginas:<br />

Toledo, R.P. (2001, 23 de maio). O santo de Assis – Jacques Le Goff. Veja, 20, 160.<br />

- Quando o texto não indicar o autor, iniciar com o título, seguido do ano, dia e mês, nome da revista em itálico,<br />

volume e páginas. Como no exemplo a seguir:<br />

As armas do barão assinalado (1998, maio). Bravo!, 8, 58-63.<br />

Livro com Autoria Única<br />

Halbwachs, M. (1925). Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: Presses Universitaires de France.<br />

Livro Organizado por um Editor<br />

Neisser, U. (Ed.). (1982). Memory observed: remembering in natural contexts. San Francisco: Freeman.<br />

Capítulo de Livro<br />

Benjamin, B.S. (1967). Remembering. Em: Donal, F. G. (Ed.). Essays in philosophical psychology (pp. 171-<br />

194). London: Macmillan.<br />

Capítulo ou Artigo Traduzido para o Português de uma Série de Múltiplos <strong>Vol</strong>umes<br />

Bausola, A. (1999). O Pragmatismo (Capovilla, A.P., Trad.). Em: Rovighi, S.V. (Ed.). História da Filosofia<br />

Contemporânea. Do século XIX à Neoescolástica (<strong>Vol</strong>. 8, pp. 459-471). São Paulo: Edições Loyola. (Original<br />

publicado em 1980).<br />

Livro Traduzido para o Português<br />

Foucault, M. (1992). As palavras e as coisas (Muchail, S.T., Trad.). São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora.<br />

(Original publicado em 1966).<br />

Texto Publicado em Enciclopédia<br />

Stroll, A. (1990). Epistemology. Em: The new encyclopedia Britannica (<strong>Vol</strong>.18, pp. 466-488). Chicago: Encyclopedia<br />

Britannica.<br />

Trabalho Apresentado em Congresso, mas Não-publicado<br />

Massimi, M. (2000, outubro). Identidade, tempo e profecia na visão de Padre Antônio Vieira. Trabalho apresentado<br />

na XXX Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Brasília, Brasil.<br />

Trabalho Apresentado em Congresso com Resumo Publicado em Anais<br />

Pantano, D.M. (1997). Epistemología, Historia y Psicología [Resumo]. Em: Sociedade Interamericana de Psicologia<br />

(Org.), Resumos/Abstracts, XXVI Congresso Interamericano de Psicologia (p. 85). São Paulo: SIP.<br />

Trabalho Apresentado em Congresso e Publicado em Anais<br />

Campos, R.H.F. e Lourenço, E. (1998). Psicologia da criança e direitos humanos no pensamento do Instituto<br />

Jean-Jacques Rousseau – Genebra – 1912-1940. Em: Faculdade de Educação da UFMG (Org.), Anais, V Encontro<br />

de Pesquisa da FAE (pp. 154-166). Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG.<br />

Teses ou Dissertações Não-publicadas<br />

Xavier, C.R. (2001). Encontros e permutas entre dois pensadores: um estudo sobre as correspondências entre<br />

Wolfang Pauli e Carl Gustav Jung. Dissertação de Mestrado, Programa de Estudos Pós-Graduados em História<br />

da Ciência, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.<br />

Obra Antiga e Reeditada em Data Posterior<br />

Descartes, R. (1989). Les passions de l'âme. Em: Alquié, F. (Ed.), OEuvres philosophiques de Descartes. Tome<br />

III (pp. 939-1103). Paris: Bordas. (Original publicado em 1649).<br />

Autoria Institucional<br />

American Psychological Association (1994). Publication manual (4ª ed.). Washington, DC: Autor.<br />

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Comunicação Pessoal<br />

Carta, mensagem eletrônica, conversa telefônica ou pessoal podem ser citadas, mas apenas no texto, apresentando<br />

as iniciais e o sobrenome do emissor e a data completa. Não inclua nas referências.<br />

Web Site ou Homepage<br />

Para citar um Web Site ou Homepage na íntegra, incluir o endereço no texto. Não é necessário listá-lo nas Referências.<br />

Artigos Consultados em Indexadores Eletrônicos<br />

Mello Neto, G. A. R. (2000). A psicologia social nos tempos de S. Freud. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Agosto<br />

2000, 16(2), 145-152. Retirado em 28/06/2001, no World Wide Web: www.scielo.br/ptp .<br />

Resumos Consultados em Indexadores Eletrônicos<br />

Fornari, A. (1999). Las experiencias de pasividad como desafío a la razón [Resumo]. Cadernos de Psicologia, 9<br />

(1). Retirado em 28/06/2000, de world wide web: http://psi.fafich.ufmg.br/cadernos/volume9.htm.<br />

Reprodução de Outras Publicações<br />

Citações (com mais de 500 palavras), reprodução de uma ou mais figuras, tabelas ou outras ilustrações,<br />

bem como de arquivos sonoros, devem ter permissão escrita do detentor dos direitos autorais do trabalho original<br />

para a reprodução especificada em Ciências & Cognição. A permissão deve ser obtida pelos Autores do trabalho<br />

submetido. Os direitos obtidos secundariamente não serão repassados em nenhuma circunstância.<br />

Desenhos e esquemas mesmo que modificados apenas serão admitidos com autorização. Entretanto, o<br />

Conselho Editorial coloca a disposição dos Autores, quando da diagramação da prova do artigo, de pessoal habilitado<br />

a formular esquemas e montagens adequadas ao padrão estilístico da publicação.<br />

ANEXO 1 - Carta de Autorização – Modelo<br />

CARTA DE AUTORIZAÇÂO<br />

O(s) autor(es) abaixo assinado(s) transfere(m) à Revista Ciências & Cognição, com exclusividade e sem ônus,<br />

todos os direitos de publicação, em qualquer meio, do artigo ........................<br />

Declara(m) e garante(m) que:<br />

- os procedimentos éticos referentes a um trabalho científico foram atendidos;<br />

- o artigo é inédito e não está sendo avaliado por outro periódico;<br />

- no caso de estudo com humanos, foi conduzido conforme os princípios da Declaração de Helsinki e de suas<br />

emendas, com o consentimento informado aprovado por Comitê de Ética devidamente credenciado e com a<br />

Resolução 1595/2000, do CFM*;<br />

- a responsabilidade pela informações e pelo conteúdo são do(s) autor(es);<br />

- não existe Conflito de Interesses em relação ao material apresentado.”<br />

Nome completo (autor responsável)<br />

Endereço postal completo<br />

Endereço para correspondência a ser citado no artigo<br />

Telefone / fax,<br />

E-mail<br />

Assinatura de todos os autores<br />

* Resolução n. 1.595, do Conselho Federal de Medicina de 18-5- 2000, é obrigatório que os autores de “artigos<br />

divulgando ou promovendo produtos farmacêuticos ou equipamentos para uso em Medicina declarem os agentes<br />

financiadores que patrocinaram suas pesquisas.<br />

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2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

C o g n i ç ã o<br />

2006; <strong>Vol</strong> 09<br />

<br />

© Ciências &<br />

– L. G. L.<br />

Freire é Psicólogo<br />

escolar,<br />

mestrando<br />

em Psicologia<br />

da Edu-<br />

– L.P.<br />

Rocha é Monitor<br />

de Neurofisiologia,<br />

Programa de<br />

Neurobiolo-<br />

- I.S. Pereira<br />

é graduando<br />

em<br />

Psicologia<br />

(UFC). E-<br />

mail<br />

para<br />

– A. L.<br />

Rolnik<br />

é<br />

Monitor<br />

de<br />

Neurofisiologia,<br />

Programa<br />

de Neurobio-<br />

(4) Já para a<br />

inteligência<br />

artificial fraca<br />

o computador<br />

é uma ferramenta<br />

útil<br />

(3) John Searle<br />

define<br />

intencionalidade<br />

como “a<br />

característica<br />

pela qual os<br />

(2) Tradução<br />

minha.<br />

No<br />

original:<br />

“What is it<br />

like, for instance,<br />

to use<br />

(1) Como se<br />

sabe,<br />

para<br />

demonstrar<br />

racionalmente<br />

a<br />

existência<br />

de todas as<br />

- F. Régis<br />

é Doutora em<br />

Comunicação<br />

e<br />

Cultura<br />

(ECO/UFRJ).<br />

Atua<br />

como<br />

- S. Jucá é<br />

Professor do<br />

CEFET-CE<br />

na Área da<br />

Indústria,<br />

graduado em<br />

(26) Tradução<br />

nossa:<br />

“em um sentido<br />

objetivo,<br />

real e físico,<br />

ao invés de<br />

(32) Tradução<br />

nossa:<br />

“Neste<br />

livro<br />

eu tentei um<br />

novo nível de<br />

descrição. Ele<br />

(23) Tradução<br />

nossa:<br />

“na<br />

percepção,<br />

a psique<br />

não adiciona<br />

elementos<br />

(19) Tradução<br />

nossa:<br />

“divide existência<br />

em um<br />

unificado<br />

reino<br />

eterno<br />

(17) Tradução<br />

nossa:<br />

“não são facilmente<br />

localizáveis<br />

fisicamente,<br />

(14) Tradução<br />

nossa:<br />

“Uma banana<br />

é comestível<br />

para<br />

um<br />

chimpanzé<br />

(<strong>13</strong>) Tradução<br />

nossa:<br />

“para as a-<br />

ções<br />

serem<br />

apropriadas e<br />

efetivas<br />

elas<br />

(11) Tradução<br />

nossa:<br />

“informação<br />

para especificar<br />

as utilidades<br />

do ambi-<br />

(9) Tradução<br />

nossa:<br />

“…<br />

atividades<br />

perceptuais<br />

são atividades<br />

do<br />

percebe-<br />

(10) Tradução<br />

nossa:<br />

“… informação<br />

sobre um<br />

mundo<br />

que<br />

circunda um<br />

(7) Tradução<br />

nossa:<br />

“se<br />

uma superfície<br />

terrestre<br />

normalmente<br />

horizontal …,<br />

(6) Tradução<br />

nossa: “a altura<br />

do joelho<br />

de uma criança<br />

não é a<br />

mesma altura<br />

(5) Tradução<br />

nossa:<br />

“uma<br />

específica<br />

combinação<br />

das<br />

propriedades<br />

de suas<br />

(3) Tradução<br />

nossa: “o que<br />

ele [ambiente]<br />

‘oferece’<br />

ao animal, o<br />

que ele ‘pro-<br />

(2) Tradução<br />

nossa:<br />

“percepção<br />

é vista<br />

como<br />

uma<br />

captação ativa<br />

de infor-<br />

(1) Tradução<br />

nossa:<br />

“as<br />

superfícies<br />

que separam<br />

as substâncias<br />

do meio no<br />

- F. I. da<br />

S. Oliveira é<br />

Mestre<br />

em<br />

Filosofia (Faculdade<br />

de<br />

Filosofia<br />

e<br />

-<br />

A.C.D.<br />

Miranda<br />

é<br />

Doutoranda no<br />

Programa<br />

de<br />

Pós Graduação<br />

em Engenharia<br />

- R.E.<br />

Eisenkraemer<br />

é Mestranda<br />

em<br />

Letras<br />

(UNISC), na<br />

-<br />

N.K.Freitas<br />

é Psicóloga e<br />

doutora<br />

em<br />

Psicologia.<br />

Atua<br />

como<br />

- P.L.M.<br />

Pederiva<br />

é<br />

Doutoranda<br />

(Faculdade de<br />

Educação,<br />

UnB).<br />

Atua<br />

- A.M.<br />

Tokumoto é<br />

Pesquisadora<br />

Associada<br />

(UNESP).<br />

Endereço<br />

- E.C. da<br />

Veiga é Doutora<br />

em Psicologia.<br />

Atua<br />

como Professora<br />

do Curso<br />

(4) A noção<br />

de jogo nos<br />

reporta à dimensão<br />

lúdica<br />

do fingimento<br />

– o faz<br />

(3) O neologismo<br />

enação<br />

corresponde à<br />

tradução<br />

do<br />

termo inglês<br />

enaction,<br />

(2) Segundo<br />

Deleuze,<br />

o<br />

atual e o virtual<br />

se opõem<br />

e se complementam,<br />

sen-<br />

(1) Adotamos<br />

aqui o termo<br />

mimesis<br />

na<br />

acepção corrente,<br />

de imitação.<br />

- M. I.<br />

Accioly<br />

é<br />

jornalista,<br />

consultora em<br />

comunicação<br />

corporativa e<br />

- J. Miquel-Vergés<br />

trabalha<br />

no<br />

Departamento<br />

de Tradução e<br />

Linguística<br />

-<br />

G.A.<br />

Castañon<br />

é<br />

graduado em<br />

Psicologia<br />

(UERJ) e em<br />

Filosofia<br />

(4) “O dialogismo<br />

é, para<br />

Bakhtin,<br />

um<br />

termo usado<br />

para designar<br />

a negociação<br />

(3) Heteroglossia<br />

são os<br />

diferentes<br />

discursos<br />

voltados para<br />

uma<br />

mesma<br />

(2) “A intertextualidade<br />

é<br />

o processo de<br />

incorporação<br />

de um texto<br />

em<br />

outro,<br />

(1) Bakhtin<br />

caracteriza a<br />

polifonia como<br />

a “multiplicidade<br />

de<br />

vozes e cons-<br />

- Â.Á.C.<br />

Dias é Doutora<br />

(Universidade<br />

de Londres).<br />

Atua<br />

como Profes-<br />

(2) Embora a<br />

professora N.<br />

tenha<br />

demonstrado<br />

aceitação<br />

na<br />

aplicação da<br />

(1) Recordamos<br />

que esta<br />

proposta contemplava<br />

em<br />

muito as propostas<br />

dos<br />

–<br />

E.D.C.W.<br />

Menegolo<br />

é<br />

Mestre<br />

em<br />

Educação<br />

(UFMT-<br />

Divulgação<br />

Científica<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

1 6 2 - 1 6 8<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

1 5 8 - 1 6 1<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

Ensaio<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

1 5 0 - 1 5 7<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

Ensaio<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

1 4 6 - 1 4 9<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

Ensaio<br />

Ensaio<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

1 3 7 - 1 4 5<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

1 3 1 - 1 3 6<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

Ensaio<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

1 2 0 - 1 3 0<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

Revisão<br />

Revisão<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

1 1 1 - 1 1 9<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

Revisão<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

9 7 - 1 1 0 .<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

9 1 - 9 6 .<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

Revisão<br />

Revisão<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

8 3 - 9 0<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

51%<br />

49%<br />

Categoria<br />

D: 8%<br />

Categoria<br />

C: 8%<br />

Categoria<br />

B: 36%<br />

Categoria<br />

A: 48%<br />

Artigo<br />

Científico<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

7 3 - 8 2<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

Artigo<br />

Científico<br />

ção 2006; <strong>Vol</strong> 09:<br />

6 4 - 7 2<br />

<br />

© C i ê n c i a s &<br />

C o g n i ç ã o<br />

S u b m e t i d o e m<br />

Artigo<br />

Científico

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