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Marido complacente NF.p65

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A SERPENTE<br />

Todo o mundo conheceu no início deste século<br />

a sra. presidenta de C..., umas das mulheres<br />

mais amáveis e a mais bonita de Dijon, e todo o<br />

mundo a viu afagar e manter publicamente em sua<br />

cama a serpente branca, que é o tema desta anedota.<br />

– Este animal é o melhor amigo que possuo –<br />

dizia um dia a uma senhora estrangeira que veio visitála<br />

e se mostrou curiosa da razão dos cuidados que a<br />

bela presidenta tinha por sua serpente. – Outrora amei<br />

com paixão – prosseguiu – um jovem encantador,<br />

forçado a se afastar de mim por obrigações militares.<br />

Fora outros modos de nos comunicarmos, exigiu<br />

que fizesse como ele e em determinadas horas,<br />

cada um por si, fosse para um lugar solitário para<br />

pensar exclusivamente em nosso afeto recíproco.<br />

Uma vez, às cinco da tarde, indo me fechar numa<br />

estufa de flores ao fundo do jardim, mantendo o<br />

nosso trato, percebi de repente a meus pé este animal,<br />

embora nenhuma espécie semelhante pudesse<br />

entrar na propriedade. Quis fugir, a serpente se estendeu<br />

diante de mim como a pedir misericórdia e<br />

me jurar que estava longe da idéia de me fazer mal.<br />

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Parei, observei-a. Vendo-me tranqüila, se aproximou,<br />

fez cem voltas muito ágeis a meus pés, não pude me<br />

impedir de tocá-la, passou delicadamente a cabeça na<br />

minha mão, peguei-a, pus sobre os joelhos, onde ela<br />

se enrolou e pareceu dormir. Uma preocupação me<br />

veio, lágrimas me subiram aos olhos sem que sentisse<br />

e molharam o belo animal. Despertado por minha dor,<br />

me observou, gemeu, ergueu a cabeça até meu seio,<br />

acariciando-o, e voltou a descer, desfeito. Ó céu sagrado,<br />

aconteceu, gritei, meu amante morreu! Deixei<br />

o funesto lugar, levando comigo a serpente a que um<br />

sentimento oculto parecia me ligar, a despeito de mim<br />

mesma. Fatais advertências de uma voz desconhecida<br />

de que interpretará como quiser os sinais, sra.,<br />

mas oito dias depois soube que meu amigo tinha sido<br />

morto na hora em que a serpente me apareceu. Nunca<br />

quis me separar dela, e já não me deixará enquanto<br />

viver. Depois me casei, mas com a expressa condição<br />

de a não tirarem de mim.<br />

Terminando de falar, a amável presidenta agarrou<br />

a serpente contra o peito e a fez dar cem belas<br />

voltas ante a dama que a interrogava.<br />

Como são inexplicáveis teus desígnios, Providência,<br />

se essa história é real como assegura toda a<br />

província da Borgonha!<br />

A GASCONADA<br />

Um oficial gascão obteve de Luís XIV uma<br />

gratificação de cento e cinqüenta pistolas e, com a<br />

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ordem na mão, entra, sem se anunciar, em casa do<br />

sr. Colbert, que estava na mesa com outras pessoas.<br />

– Quem dos senhores, por favor – diz com o<br />

sotaque que lhe mostrava a origem –, é o sr. Colbert<br />

– Eu – responde o ministro –, em que posso<br />

servi-lo<br />

– Um nada, apenas uma gratificação de cento<br />

e cinqüenta pistolas que é preciso me pagar no ato.<br />

O sr. Colbert, que viu que o personagem podia<br />

divertir, lhe pede licença para acabar de jantar e, para<br />

que ele se impaciente menos, convida-o a sentar-se.<br />

– Com prazer – responde o gascão –, tanto<br />

mais que ainda não jantei.<br />

Finda a refeição, o ministro, que tinha tido tempo<br />

de avisar o funcionário encarregado, diz ao oficial<br />

que pode subir ao escritório, onde o dinheiro o<br />

aguarda. O gascão vai, mas lhe entregam apenas cem<br />

pistolas.<br />

– Está brincando – diz o funcionário –, não vê<br />

que a minha ordem é de cento e cinqüenta<br />

– Sr. – respondeu o amanuense –, vejo perfeitamente<br />

a ordem, mas retenho cinqüenta pistolas pelo<br />

seu jantar.<br />

– Cinqüenta pistolas! Me custa vinte soldos na<br />

pensão.<br />

– Pode ser, mas aí não tem a honra de jantar<br />

com o ministro.<br />

– Seja – diz o gascão –, mas nesse caso guarde<br />

tudo, pois amanhã trago um dos meus amigos e<br />

ficamos quites.<br />

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A resposta e a brincadeira que a ocasionou<br />

divertiram por um instante a corte. Cinqüenta pistolas<br />

foram acrescidas à gratificação do gascão, que<br />

voltou triunfante à sua terra, gabando os jantares do<br />

sr. Colbert, Versalhes e o modo como aí recompensam<br />

as gasconadas.<br />

ABENÇOADA SIMULAÇÃO<br />

Há muita mulher imprudente que imagina que,<br />

desde que não dê tudo, pode, sem ofender, o marido,<br />

se permitir qualquer galanteria. Desse modo de ver as<br />

coisas, não raro resultam conseqüências mais perigosas<br />

do que se a queda fosse completa. O que aconteceu<br />

à marquesa de Guissac, mulher de relevo social<br />

em Nimes, no Languedoc, é uma prova dessa regra.<br />

Louca, estabanada, alegre, cheia de espírito e<br />

delicadeza, a sra. de Guissac acreditou que algumas<br />

cartas amorosas, escritas e recebidas entre ela e o<br />

barão d’Aumelas, não levariam a nada, primeiro por<br />

ficarem ignoradas, mas se, infelizmente, fossem descobertas,<br />

ela não seria recriminada, podendo provar<br />

inocência ao marido. Enganava-se. O sr. de Guissac,<br />

ciumento em excesso, desconfia da relação, interroga<br />

uma doméstica, consegue uma carta. Nela não<br />

acha o que legitime seus receios, mas mais do que é<br />

preciso para alimentar suspeitas. Nesse cruel estado<br />

de incerteza, se mune de um revólver e de um copo<br />

de limonada e entra furioso no quarto da mulher.<br />

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