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ain<strong>da</strong> que implicitamente, à existência de um Serviço<br />
de Saúde. Em to<strong>da</strong>s as exigências do Exposto só<br />
vemos o facultativo a atestar despesas e, mesmo<br />
assim, só em intenção.<br />
Esta análise do Exposto permite-nos, contudo,<br />
saber ou deduzir alguns aspectos pertinentes no<br />
campo <strong>da</strong> medicina <strong>da</strong> época: a existência de serviço<br />
de vacinação obrigatório e parece que geral, mas não<br />
se fala no tipo de vacinas que certamente distintos<br />
médicos <strong>aqui</strong> prontos saberão pormenorizar; que<br />
seriam vulgares doenças contagiosas (julgo que a mais<br />
perigosa e que a lei visava era a tuberculose de que<br />
morreu, nessa época, Júlio Dinis); a vulgari<strong>da</strong>de de<br />
doenças venéreas em mulheres o que a verificar-se<br />
representava uma chaga social a não negligenciar.<br />
Esta degra<strong>da</strong>ção moral frequente de muitas mulheres<br />
está ain<strong>da</strong> expressa na passagem do regulamento<br />
que refere “...deve providenciar-se para que sem ofensa<br />
do sexo e sem perturbação <strong>da</strong>s famílias honestas, as<br />
mulheres grávi<strong>da</strong>s sejam vigia<strong>da</strong>s, a fim de se evitar<br />
infanticídios e abusos de criação...”. O aborto seria<br />
pois um recurso vulgar com que as autori<strong>da</strong>des não<br />
concor<strong>da</strong>vam. Definitivamente, o Exposto era um ser<br />
entre a vi<strong>da</strong> e a Morte à nascença por impossibili<strong>da</strong>de<br />
de a mãe a criar, por motivos económicos ou sociais<br />
e morte na Ro<strong>da</strong> por abuso, incúria e corrupção que<br />
levava os míseros dinheiros destinados a ela, e a ter<br />
que se colocar à porta <strong>da</strong>s igrejas na caixa <strong>da</strong>s<br />
esmolas para Expostos.<br />
Fica-nos mesmo a ideia de que to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>des<br />
administrativas, menos os legisladores, ficavam felizes<br />
pelo desaparecimento dos Expostos e os facultativos<br />
eram postos com naturali<strong>da</strong>de à margem porque<br />
certamente não pactuariam com este estado de<br />
coisas, se chamados a intervir activamente.<br />
No ano de 1840, algumas câmaras como a de Braga,<br />
que se escusavam a pagar as suas quotas de<br />
Expostos, estranha e paradoxalmente, propuseram a<br />
legalização do que vinham praticando-a administração<br />
<strong>da</strong> Ro<strong>da</strong> poder receber até 10 filhos de pessoas<br />
miseráveis e indigentes, alimentandos-os durante um<br />
ano com leite, ao que Sua Magestade a Rainha<br />
respondeu negativamente pois isso iria prejudicar os<br />
Expostos.<br />
E é neste contexto de total desprezo por esta figura<br />
social, que ela luta naturalmente pela vi<strong>da</strong>, em<br />
condições de luta tão desiguais, que só por milagre<br />
vence nesta selecção natural duríssima .<br />
Mas alguns milagres sucederam mesmo! Quatro<br />
anos depois foi publicado o Regulamento <strong>da</strong><br />
Administração dos Expostos e Crianças Subsidia<strong>da</strong>s<br />
do Distrito de Castelo Branco que é claramente um<br />
avanço sobre o anterior, relativamente ao papel do<br />
facultativo. A Ro<strong>da</strong> termina e agora ao Exposto juntase<br />
a figura de “criança subsidia<strong>da</strong>”, filha de pessoas<br />
sem posses, na linha do que as autori<strong>da</strong>des<br />
pretendiam há anos, mas à custa do que se destinava<br />
ao Exposto e que o Regulamento de então não<br />
permitia.<br />
As crianças expostas em qualquer lado eram<br />
apresenta<strong>da</strong>s nas Câmaras Municipais que as<br />
entregavam directamente a amas de “amamentação<br />
provisória” para prover as primeiras e vigentes<br />
necessi<strong>da</strong>des dos Expostos e depois passavam a<br />
amas definitivas que, agora sim, deveriam ter<br />
informação do facultativo sobre se tinha ou não<br />
moléstias contagiosas. As amas definitivas eram<br />
obriga<strong>da</strong>s a apresentar as crianças para serem<br />
vacina<strong>da</strong>s, logo que recebessem aviso e, em caso de<br />
falecimento, participar aos regedores, apresentar a<br />
carta de criação ao pároco para, no verso, passar a<br />
certidão de óbito que, continua a não ser uma<br />
prerrogativa do facultativo.<br />
Continua o novo Regulamento a impor que,<br />
mensalmente, as crianças sejam observa<strong>da</strong>s no acto<br />
de pagamento à ama mas agora a criança é<br />
apresenta<strong>da</strong> ao Presidente <strong>da</strong> Câmara, aos facultivos<br />
municipais, além de outras personali<strong>da</strong>des.<br />
Os médicos municipais examinavam as amas e as<br />
crianças e propunha as diligências que julgassem<br />
convenientes, relativas à alimentação e tratamento <strong>da</strong>s<br />
crianças, opinião que ficava exara<strong>da</strong> em termo próprio.<br />
Estas preocupações agora tão claramente expressas<br />
mais reforçam as considerações negativas que<br />
exprimimos para o período anterior. Parecendo<br />
insignificantes eram de fundo e correspondiam, na sua<br />
essência, à plenitude do médico assumido<br />
administrativamente, de um médico que nos aparece<br />
como médico público e municipal, mu<strong>da</strong>nça<br />
institucional que não deontológica pois a deontologia<br />
médica não está em causa, uma vez que já no séc.<br />
XVI, Amato Lusitano vinca bem a sua preocupação<br />
por uma ética profissional no juramento com que<br />
finaliza a VlIª Centúria. Não se compreenderia que<br />
350 anos depois esse sentimento ético não estivesse<br />
bem arreigado nos professionais <strong>da</strong> saúde.<br />
Esta mu<strong>da</strong>nça do estatuto do facultativo,<br />
corresponde claramente a uma melhoria na condição<br />
dos Expostos, conforme comprovam documentos de<br />
outras regiões, já que não me foi possível detectar<br />
<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> nossa região.<br />
É a exaltação do facultativo que se extrai dos dois<br />
documentos que muito nos apraz registar nesta<br />
reunião de História <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>.<br />
3. Análise de livros de registos<br />
Passamos agora a debruçar-nos sobre o primeiro<br />
Livro de Registos de Expostos <strong>da</strong> Câmara Municipal<br />
de Castelo Branco do ano de 1782, anterior ao<br />
estabelecimento <strong>da</strong> Ro<strong>da</strong> na nossa ci<strong>da</strong>de.<br />
A simples existência deste livro mostra que, mesmo<br />
antes <strong>da</strong> oficialização <strong>da</strong> instituição, a Câmara Municipal<br />
era já a responsável pelo registo, controle e<br />
despesas dos Expostos.