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aqui - História da Medicina

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4<br />

ALGUNS ASPECTOS DA VIDA E OBRA DE AMATO LUSITANO<br />

por Firmino Crespo*<br />

O meu convívio com Amato Lusitano através <strong>da</strong> sua<br />

obra principal - as Sete Centúrias de Curas <strong>Medicina</strong>is<br />

- foi uma extraordinária experiência de surpresas e<br />

ensinamentos sobre a vi<strong>da</strong> e a cultura humanas.<br />

Convém sublinhar que não foi fácil a tarefa de transferir<br />

para a língua portuguesa a obra em latim deste<br />

albicastrense ilustre que de seu nome português de<br />

João Rodrigues de Castelo Branco se mudou para o<br />

de Amatus Lusitanus. A língua latina era o instrumento<br />

internacional desse século renascentista em que se<br />

expressava a varia<strong>da</strong> divulgação <strong>da</strong> cultura europeia.<br />

Por isso, Amato Lusitano a utilizou com proficiência<br />

em todos os seus escritos. Um acaso providencial<br />

trouxe-me ao encontro <strong>da</strong> edição completa <strong>da</strong>s Sete<br />

Centúrias (Curationum <strong>Medicina</strong>lium Centuriae<br />

Septem), edita<strong>da</strong> em Bordeus, 1620, e dela me servi<br />

durante anos(40), como já disse no prefácio <strong>da</strong> edição<br />

completa portuguesa (1980 - Facul<strong>da</strong>de de Ciências<br />

Médicas - Lisboa), 1° volume. A leitura desse prefácio<br />

é imprescíndivel para quem tiver sério interesse no<br />

conhecimento <strong>da</strong> história <strong>da</strong> versão portuguesa <strong>da</strong>s<br />

Centúrias. Longo foi o percurso, mas a vontade de<br />

contribuir para a tradição cultural <strong>da</strong> minha pátria<br />

lusitana deu-me coragem nas horas de desânimo ou<br />

cepticismo. Vinham-me à lembrança as palavras<br />

sugestivas do nosso grande épico:”É fraqueza desistir<br />

<strong>da</strong> obra começa<strong>da</strong>”. Até que um dia apareceu alguém<br />

disposto a concretizar a obra, ele também beirão e<br />

médico como Amato Lusitano, interessado na edição<br />

integral <strong>da</strong>s Sete Centúrias. No meu prefácio referido<br />

exponho como se procedeu.<br />

Mas entremos no assunto desta minha conferência<br />

e apontemos alguns dos casos mais típicos <strong>da</strong> vasta<br />

clientela europeia que foi trata<strong>da</strong> por Amato Lusitano,<br />

e seja o primeiro caso um breve apontamento rural <strong>da</strong><br />

nossa Beira (e que ain<strong>da</strong> actualmente poderá<br />

acontecer). É ele a abertura <strong>da</strong> Primeira Centúria e<br />

descreve uma cena dramática cujos personagens são:<br />

uma mulher e sua filha de 13 anos que vão levar comi<strong>da</strong><br />

aos ceifeiros duma her<strong>da</strong>de próxima e ... uma víbora<br />

que atacou a rapariga. Imediatamente esta entra em<br />

pânico com dores. A mãe aflita trata logo de evitar<br />

que o veneno viperino se espalhe pelo corpo <strong>da</strong> linha.<br />

Com uma tira de casca de trovisco ali descoberto,<br />

aperta a parte superior <strong>da</strong> perna. De segui<strong>da</strong> deve ter<br />

voltado para casa <strong>da</strong> povoação (C. Branco) e recorreu<br />

aos cui<strong>da</strong>dos do médico local, que era o Dr. João<br />

Rodrigues (Amato Lusitano). O caso é sério, requere<br />

tratamento imediato, o que Amato Lusitano pratica<br />

salvando <strong>da</strong> morte por envenenamento a rapariga,<br />

escarificações <strong>da</strong> zona feri<strong>da</strong>, etc. E no comentário à<br />

cura explica-nos que fora uma víbora-macho a<br />

causadora do ataque e que a forma latina vipera<br />

provém <strong>da</strong> raiz etimológica vivípera e não ovípera.<br />

Outros casos de tratamento clínicos por<br />

envenenamento, ou intoxicação, apareceu nas<br />

Centúrias e um dos mais curiosos aconteceu na Itália.<br />

Amato Lusitano é chamado para ver e tratar uma<br />

família a sofrer de vómitos e dores após uma refeição<br />

em cujos ingredientes entraram frangos: Vem registado<br />

na cura 64 <strong>da</strong> 1ª Centúria. Apercebe-se de que em<br />

casa todos estavam a sofrer, excepto uma cria<strong>da</strong>,<br />

rapariga dos seus catorze anos, que nesse dia<br />

simulara jejum. De facto, após aplicar vomitos aos<br />

atacados descobre que a cria<strong>da</strong> a que nessa manhã<br />

fora aplica<strong>da</strong> uma sova pelo patrão, determinou vingarse<br />

e foi buscar ao quarto <strong>da</strong> senhora uma porção <strong>da</strong><br />

poma<strong>da</strong> por esta usa<strong>da</strong> para pintar as faces e em<br />

cuja confecção entrava sublimado com azougue. E<br />

salvou to<strong>da</strong> a família ataca<strong>da</strong>, em cujo número entrava<br />

um gato.<br />

Uma <strong>da</strong>s mais notáveis activi<strong>da</strong>des médicas, com<br />

investigação científica no campo <strong>da</strong> anatomia, é a <strong>da</strong><br />

descoberta <strong>da</strong> válvulas <strong>da</strong>s veias (veia ázigos) na<br />

circulação do sangue. O assunto tem sido tratado e<br />

analisado por muitos investigadores e médicos,<br />

portugueses e estrangeiros, universitários e<br />

historiadores. Vem primeiramente tratado na 52ª <strong>da</strong><br />

Centúria e volta a tratar do assunto na cura 70ª <strong>da</strong> 5ª<br />

Centúria. Mas a revelação de tal descoberta valeu a<br />

Amato Lusitano críticas várias por médicos e cientistas<br />

contemporâneos, neste grupo incluindo André Vesálio,<br />

de Antuérpia. Merece a pena ler a cura 29ª <strong>da</strong> 1ª<br />

Centúria pois nela relembra a sua activi<strong>da</strong>de anatómica<br />

na dissecação de corpos humanos e na universi<strong>da</strong>de<br />

de Ferrara, presidindo aos trabalhos laboratoriais,<br />

explicando-os enquanto o seu colega e amigo - João<br />

Baptista Canano ia praticando a dissecação<br />

anatómica.<br />

Mas não me devo alongar nesta parte <strong>da</strong> acção

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