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Como desenvolver uma consciência ecológica?1

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<strong>Como</strong> <strong>desenvolver</strong> <strong>uma</strong> consciência ecológica 1<br />

Philippe Pomier Layrargues<br />

Esta pergunta, que todos os educadores ambientais gostariam de ver respondida, é o título do<br />

artigo escrito por Vera Mandel, publicado no periódico francês La Recherche em 1992 2 . De fato,<br />

seu conciso mas provocante texto, revela detalhes extremamente importantes, que muitas vezes são<br />

esquecidos quando se trata do planejamento de programas de educação ambiental. Devido à<br />

relevância do assunto, vale a pena apresentar um breve relato de seus principais elementos de<br />

argumentação, que podem se tornar num eixo de reflexão para o educador ambiental.<br />

A autora questiona por que os indivíduos em geral são resistentes a mudanças de<br />

comportamentos, para passar a intervir positivamente na proteção do meio ambiente. Buscando<br />

respostas, Mandel se dirige a alguns estudos em psicologia social, cujos resultados apontam que a<br />

mudança comportamental não é propiciada, nem mesmo quando os indivíduos são esclarecidos por<br />

meio de dados científicos consistentes que demonstrem que suas práticas cotidianas são prejudiciais<br />

ao meio ambiente. Relatando alguns experimentos científicos, nos quais os pesquisadores<br />

procuraram fornecer informações ao público a respeito dos malefícios do tabagismo, do desperdício<br />

energético e da não separação do lixo, a resposta foi a mesma: praticamente não ocorreram<br />

mudanças de comportamento provocadas pelo acesso à informação científica.<br />

Uma conclusão plausível, evocada pelos pesquisadores e defendida por Mandel, é de que a<br />

simples alusão à probabilidade do risco, não é suficiente para desembocar em mudanças de<br />

atitudes. Isso porque o risco é normalmente recebido e interpretado como referente a um outro<br />

indivíduo, e não a si próprio. Acreditando que a probabilidade de ocorrência de um risco seja<br />

sempre baixa, não ocorrem mudanças comportamentais, e então, prevalece a inércia. Por<br />

conseguinte, os indivíduos normalmente apresentam <strong>uma</strong> percepção e comportamento<br />

absolutamente inadequados em relação à possibilidade de ocorrência do risco, fato amplamente<br />

relatado na literatura especializada. Para que um indivíduo demonstre estar concernido, apto a<br />

promover mudanças comportamentais, ele deveria sentir-se diretamente atingido pelo risco. Pensar<br />

que, por exemplo, apenas as gerações futuras podem sofrer as consequências de um possível efeito<br />

estufa, não se configura como um elemento capaz de provocar mudanças de comportamentos.<br />

Por outro lado, Mandel lembra que a sensibilização à degradação ambiental parece ser<br />

particularmente forte imediatamente após eventos catastróficos e dolorosos, como os<br />

derramamentos de petróleo e os acidentes nucleares ou com resíduos tóxicos, que provocam vítimas<br />

e danos visíveis. O resultado tem sido <strong>uma</strong> certa ação – ou reação – na medida em que se consegue<br />

tanto delimitar a magnitude do problema, como identificar com clareza os sujeitos causadores e<br />

atingidos.<br />

Por conseguinte, Mandel deduz que o conhecimento de um problema ambiental é condição<br />

necessária, mas não suficiente, para a mudança de valores que leve ao surgimento de atitudes<br />

positivas, desencadeando a criação de <strong>uma</strong> consciência ecológica. Ou seja, o domínio cognitivo não<br />

resulta linearmente em mudanças comportamentais. Existe algo a mais que deve ser considerado,<br />

além da simples transmissão de conteúdos esclarecedores ao público-alvo.<br />

Prosseguindo com o ensaio, Mandel entende que é necessária a identificação dos elementos<br />

determinantes dos comportamentos dos indivíduos diante da questão ambiental, o que compreende<br />

vários fatores: as características do problema – como as suas consequências de curto ou longo<br />

1 In: TAMAIO, I. & SINICCO, S. (Coords). Educador Ambiental: seis anos de experiências e debates. São Paulo:<br />

WWF. p. 95-99. 2000.<br />

2 Andel, V. Comment développer une conscience écologique La Recherche, 243(23):664-666. 1992.


prazo,os seus impactos perceptíveis ou imperceptíveis, duráveis ou temporários, reversíveis ou<br />

irreversíveis -, o perfil individual do sujeito – como os seus valores, idade, sexo, classe social,<br />

escolaridade –, e o contexto cultural onde ele se insere, <strong>uma</strong> vez que a conjunção desses fatores<br />

determinará o quanto o indivíduo pode sentir-se afetado pelo problema ambiental, a ponto de leválo<br />

ao engajamento ativo na resolução do problema considerado.<br />

Seria preciso, portanto, saber avaliar corretamente estas informações, pois elas explicam os<br />

comportamentos assumidos, e possibilitam a indicação de ações que possam gerar mudanças de<br />

comportamentos. Assim, o conhecimento das representações sociais que o público-alvo possui<br />

sobre o tema, se apresenta como um quadro diagnóstico da situação atual encontrada para a<br />

identificação dos fatores determinantes das atitudes dos indivíduos. De fato, se a educação<br />

ambiental se propõe a transformar valores para criar <strong>uma</strong> consciência ecológica condizente com<br />

comportamentos ambientais saudáveis, a primeira etapa a ser desenvolvida é o prévio mapeamento<br />

das representações do público-alvo, para estabelecer um elo entre a situação atual e a situação<br />

desejada, já que as respostas individuais aos problemas ambientais são diferentes.<br />

O ensaio de Mandel destinou-se a evidenciar o papel do psicólogo social no tratamento da<br />

questão ambiental, sobretudo no domínio da pesquisa aplicada à educação ambiental, onde tudo está<br />

por ser feito, <strong>uma</strong> vez que há <strong>uma</strong> enorme diversidade de variáveis a serem melhor compreendidas<br />

em suas funções determinantes da criação da consciência ecológica.<br />

Mas, no que se refere á educação ambiental, Mandel traz contundentes elementos de<br />

argumentação, para alimentar o debate sobre a abordagem dos conteúdos. Há duas correntes em<br />

discussão sobre o aspecto determinante da criação da consciência ecológica: <strong>uma</strong> positiva (o<br />

desenvolvimento do senso do prazer, alegria e maravilhamento do contato com a natureza); e <strong>uma</strong><br />

negativa (o choque traumático das experiências negativas). Apesar desta discussão não ser recente,<br />

já que Tanner (1978) havia abordado a questão no início da década de 70, defendendo a hipótese de<br />

que a abordagem positiva deve estar presente ao longo de todo o processo educativo, sendo<br />

acompanhada pela abordagem negativa apenas na fase final, o debate continua vivo, gerando<br />

polêmica entre os educadores ambientais, em busca da maior efetividade de suas práticas.<br />

A posição inicialmente defendida por Schoenfeld (1970) 3 , e que posteriormente ganhou<br />

ampla projeção, de que o temor do risco ambiental não seria o caminho correto para motivar a<br />

consciência ambiental, e sim o amor à natureza, é claramente derrubada com os argumentos de<br />

Mandel, que defende implicitamente a abordagem negativa. Pois se é o impacto da experiência<br />

negativa que está gerando alg<strong>uma</strong> consciência ecológica, conforme Mandel demonstrou, então não<br />

basta apenas <strong>desenvolver</strong> o sentimento de amor pela natureza, para se transformar comportamentos.<br />

Ou seja, aqui tudo indica que a abordagem negativa tenha <strong>uma</strong> maior eficácia que a positiva.<br />

Esta posição parece estar suficientemente defendida por Riechard (1993) 4 , quando o autor<br />

enfatiza que os educadores parecem perceber o estudo do risco ambiental como se estivesse fora de<br />

seu domínio, pois seria de competência específica de técnicos, e não de educadores. Todavia,<br />

considerando que a percepção do risco ambiental não é inata, e sim aprendida, o autor entende que,<br />

este assunto deveria ser abordado no interior da educação ambiental. Riechard conclui que enquanto<br />

os comportamentos ambientais sadios forem a finalidade última da educação ambiental, e isto<br />

depender da correta percepção do risco ambiental, então a alfabetização do risco através da<br />

abordagem negativa é o elo que falta na educação ambiental. Riechard compartilha da opinião de<br />

que os indivíduos, em geral, apresentam percepções distorcidas do risco ambiental, e assim, <strong>uma</strong><br />

necessidade básica ad educação ambiental seria aproximar a percepção do indivíduo ao significado<br />

real do risco, evitando-se tanto subestimá-lo como a superestimá-lo. Isso feito, a nova percepção<br />

naturalmente se materializa através da incorporação de novos comportamentos, que eliminam ou<br />

minimizam o potencial do risco.<br />

3 Schoenfeld, C. After teach-ins... what The Journal of Environmental Education, 2(1):6. 1970.<br />

4 Riechard, D.E. Risk Literacy: is it the missing link in environmental education The Journal of Environmental<br />

Education, 25(1):8-12. 1993.


Porém, em posição contrária, Shallcross (1996) 5 supõe que é a abordagem positiva e não a<br />

negativa, o elo que falta à educação ambiental para a criação da consciência ecológica. Shallcross<br />

defende o argumento de que os novos padrões comportamentais estão intimamente vinculados com<br />

mudanças de atitudes, e estas são derivadas sobretudo de processos afetivos positivos. Daí, entende<br />

que o sentido de prazer e deslumbramento com a natureza cria as oportunidades corretas para as<br />

mudanças de comportamento.<br />

Neste velho mas intrincado debate, a novidade é que existe <strong>uma</strong> cobrança por resultados,<br />

cada vez maior 6 , que demonstrem de fato a ocorrência de mudanças de comportamentos nos<br />

educandos, propiciadas pelo processo educativo. Se o objetivo de um programa de educação<br />

ambiental for “conscientizar o público”, que indicadores teremos para concluir que o processo<br />

obteve êxito Parece ser a hora – fugindo de tendências maniqueístas optando-se por um ou outro<br />

tipo de abordagem – de se pensar no desenvolvimento de pesquisas aplicadas à educação ambiental<br />

que dêem conta de esclarecer como abordar esta questão, para conferir <strong>uma</strong> maior eficácia à<br />

educação ambiental.<br />

Portanto, desconsiderando o que parece ser consenso, como é o caso por exemplo da não<br />

inclusão da educação ambiental como disciplina no ensino fundamental, da sua transversalidade no<br />

currículo, e da necessidade dos conteúdos abordados transcenderem o reducionismo biologizante, é<br />

necessário definirmos prioridades de ação concentrando nossos olhares sobre os dissensos. Qual é a<br />

correta medida da relação entre conteúdos e metodologias, domínio afetivo e cognitivo e abordagem<br />

positiva e negativa E sobretudo, qual é o tipo de consciência ecológica que está sendo criada a<br />

partir da miríade das combinações possíveis entre estas variáveis A questão não é simples, são<br />

inúmeros elementos em jogo apontados por Mandel. A equação a resolver é extremamente<br />

complexa, pois não há <strong>uma</strong> relação de causa e efeito direta que seja a determinante do<br />

desenvolvimento da consciência ecológica.<br />

5 Shallcross, A. Caring for the environment: can we be effective without the affective Environmental Education and<br />

Information, 15(2):121-134. 1996.<br />

6 Dietz, L.A. EA: precisamos mostrar resultados concretos. Educador Ambiental, 1(2):3. 1994.

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