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Sociedade<br />
Dr. Cícero Pereira Batista – Com muita determinação realizou o sonho de ser médico<br />
Hoje médico formado também irá compor o quadro da Clínica Santa Mônica<br />
Atua no programa de<br />
Atenção Domiciliar<br />
da Secretaria Municipal<br />
de Saúde. Já esteve em<br />
vários programas de televisão<br />
e atualmente ministra palestras<br />
em todo o país.<br />
Jovem brasiliense se torna<br />
médico com ajuda de livros<br />
encontrados no lixo e em paradas<br />
de ônibus. Órfão de pai<br />
e filho de mãe alcoólatra, ele<br />
precisou lutar contra a pobreza<br />
e o preconceito. Cícero Pereira<br />
Batista hoje ostenta com<br />
orgulho o certificado de conclusão<br />
do curso de medicina.<br />
Agora, o Dr. Cícero foi convidado<br />
para compor o quadro<br />
médico da clínica Santa<br />
Mônica, localizada no Jardim<br />
Brasília.<br />
Ele tinha tudo para dar errado.<br />
Mas decidiu contrariar os<br />
paradigmas de um garoto pobre,<br />
negro e criado em meio<br />
à violência, drogas e alcoolismo.<br />
Cícero Pereira Batista<br />
tem 33 anos que podem ser<br />
triplicados pelas experiências<br />
que viveu. Após tirar literalmente<br />
do lixo sua esperança<br />
de uma vida melhor, hoje comemora<br />
a conquista do diploma<br />
de médico conquistado<br />
graças à obstinação, como<br />
<br />
ABRIL / MAIO - 2015<br />
ele mesmo define.<br />
Foi na quadra 20 da QNL,<br />
mais conhecida como Chaparral<br />
e pelos altos índices de<br />
violência, que o então menino<br />
Cícero cresceu. Na época<br />
ainda era chamado de Juca<br />
pelos sete dos 20 irmãos que<br />
conseguiram sobreviver à pobreza.<br />
Quando tinha apenas três<br />
anos, o pai morreu e o futuro<br />
que já seria difícil se tornou<br />
pior. A mãe de Cícero encontrou<br />
no álcool a fuga para as<br />
mazelas da periferia que tomaram<br />
conta de sua casa.<br />
O irmão mais velho passou<br />
a traficar e usar drogas. Momentos<br />
que marcaram a<br />
mente de Juca.<br />
— Meu pai, antes de morrer,<br />
pediu ao meu irmão mais<br />
velho que cuidasse de nossa<br />
família, mas ele não suportou.<br />
Ele se envolveu com as<br />
drogas e passou a usá-las<br />
dentro de casa. Isso aqui era<br />
cheio de gente drogada. Eu<br />
via meu irmão cheirando cocaína<br />
ao meu lado.<br />
Em meio ao caos, Cícero<br />
buscou meios para sua própria<br />
subsistência. E o foi buscar<br />
no lixo o que comer. Entre<br />
lágrimas, ele lembra o que<br />
precisava fazer para comer e<br />
ajudar a irmã mais nova.<br />
— Eu tinha que chafurdar<br />
no lixo para encontrar comida.<br />
E muitas vezes encontrava<br />
pedaço de carne podre,<br />
iogurte vencido, resto de<br />
comida que ninguém queria.<br />
Era aquilo que me alimentava.<br />
E no meio do lixo surgiu<br />
a minha oportunidade de uma<br />
vida melhor.No meio aos restos,<br />
Cícero encontrava livros<br />
e discos de vinis velhos. Os<br />
livros passaram a ser o refúgio<br />
de tanta desgraça. Os<br />
vinis, a trilha de uma trajetória<br />
que ele jamais imaginava<br />
percorrer.<br />
— Eu lia tudo que encontrava<br />
pela frente. Eram livros<br />
velhos manchados pelo chorume<br />
de lixeiras de supermercados,<br />
mas era a única coisa<br />
que eu tinha. Os vinis eu escutava<br />
na casa de um vizinho.<br />
Beethoven e Bach foram<br />
minhas inspirações.A irmã de<br />
Cícero o matriculou na escola<br />
pública próxima a sua casa.<br />
Só conseguiu chegar ao ensino<br />
técnico graças à ajuda<br />
de professores e amigos. Decidiu<br />
fazer o curso de técnico<br />
em enfermagem que passou<br />
em segundo lugar na seleção<br />
feita pelo Cespe, banca que<br />
integra a UnB (Universidade<br />
de Brasília).<br />
Ao concluir o curso logo<br />
veio a primeira vitória. Foi<br />
aprovado no concurso da Secretaria<br />
de Saúde para técnico<br />
em enfermagem e passou<br />
a trabalhar no HRT (Hospital<br />
Regional de Taguatinga).<br />
Mas ainda era pouco para<br />
quem estava acostumado<br />
com tanta dificuldade. Então<br />
ele buscou o que já procurava<br />
desde a infância. Passou<br />
para o vestibular de medicina<br />
em uma faculdade particular<br />
de Araguari.<br />
Cícero estudava de segunda<br />
a sexta-feira e aos fins<br />
de semana tirava plantão de<br />
40 horas no HRT. Não tinha<br />
outro jeito. Acabava perdendo<br />
as aulas da manhã de<br />
segunda, mas tinha a ajuda<br />
dos professores. O salário<br />
que recebia ia todo para o<br />
pagamento da mensalidade.<br />
Sobrevivia de doação e da<br />
própria determinação.<br />
Como a rotina estava muito<br />
difícil, Cícero decidiu fazer o<br />
Enem e tirou nota suficiente<br />
para lhe garantir uma bolsa<br />
de estudos em uma faculdade<br />
particular do DF. Passou<br />
a estudar medicina no Gama<br />
onde enfrentou o preconceito<br />
racial e a rotina de estudos.<br />
Mas para quem trazia cicatrizes<br />
da infância, ser vítima de<br />
preconceito era apenas mais<br />
uma etapa a ser vencida.<br />
— Eu nunca pensei em<br />
desistir. Meus companheiros<br />
sempre foram os livros e a<br />
música clássica me dava leveza<br />
de espírito para seguir<br />
em frente. Eu pensava que se<br />
Beethoven se tornou um dos<br />
grandes compositores da história<br />
eu também poderia me<br />
tornar um bom médico.<br />
E deu certo. No dia 6 de junho<br />
deste ano, o menino Juca<br />
se tornou o Dr. Cícero Batista.<br />
Na formatura foi ovacionado<br />
por professores, colegas e<br />
os pais daqueles que costumavam<br />
discriminá-lo por ser<br />
negro e pobre.<br />
Hoje faz questão de contar<br />
a própria história no lugar<br />
onde tudo começou. A casa<br />
ainda sem nenhum conforto<br />
na QNL 20 é o lugar que abriga<br />
a mãe e os livros achados<br />
no lixo e nas paradas de ônibus.<br />
Os planos agora são outros,<br />
mas sempre focados em<br />
dias melhores.<br />
— Eu quero justificar a confiança<br />
que meus professores<br />
e meus amigos depositaram<br />
em mim. Por isso estou focado<br />
em me tornar um bom<br />
médico, dar uma vida melhor<br />
para minha mãe e depois me<br />
especializar em psiquiatria ou<br />
pediatria. Mas ainda penso<br />
estudar Direito, quem sabe.<br />
Acesse o site www.ciceropalestras.com