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1 VI COPEDI - CONGRESSO PAULISTA DE EDUCAÇÃO ... - USP

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1<br />

<strong>VI</strong> <strong>COPEDI</strong> - <strong>CONGRESSO</strong> <strong>PAULISTA</strong> <strong>DE</strong> EDUCAÇÃO INFANTIL E II<br />

<strong>CONGRESSO</strong> INTERNACIONAL <strong>DE</strong> EDUCAÇÃO INFANTIL<br />

Título: Ética na Educação Infantil: a construção de uma Cidadania responsável<br />

Eixo: 3<br />

Autora: Rose Mara Gozzi Carnelosso<br />

Resumo<br />

Este trabalho relata a importância de educar crianças à luz de princípios<br />

éticos na/para uma sociedade democrática no qual envolveram-se todos os<br />

funcionários das equipes de apoio da Creche/Pré-Escola Oeste/<strong>USP</strong>.<br />

A elaboração do projeto deu-se a partir de uma problemática trazida<br />

pelos funcionários: as dificuldades em dar limites às crianças. Nas discussões<br />

constataram que tinham dificuldades em educar crianças democraticamente,<br />

pois eles mesmos, quando pequenos, não tiveram experiências pessoais<br />

democráticas e sim autoritárias. Essa tomada de consciência promoveu<br />

debates sobre experiências pessoais, teorias e práticas.<br />

A experiência como gestora da Instituição possibilitou a constatação da<br />

importância de garantir espaços aos funcionários para manifestarem dúvidas e<br />

dificuldades, buscando soluções coletivamente à luz dos vários dispositivos<br />

legais e produções teóricas.<br />

1- MOTIVAÇÃO PARA INICIAR A PRÁTICA<br />

“Mas ser humano não é fazer-se a si mesmo junto com o outro,<br />

buscar a felicidade, construir todo dia um mundo novo? Se<br />

acreditamos nisso, há que arregaçar as mangas, pôr “mãos à<br />

obra” e, no apelo constante à reflexão ética, seguir fazendo<br />

com nossos filhos e alunos o caminho que leva à cidadania de<br />

verdade, ao espaço para a palavra e ação de todos, à justiça e<br />

à solidariedade, pelas quais vale a pena empreender a vida.”<br />

Terezinha A. Rios (2007) 1<br />

Este relato de experiência é fruto da reflexão sobre a importância de<br />

educar coletivamente crianças à luz de princípios éticos na/para uma<br />

sociedade democrática. Para tal, foi necessário envolver todos os funcionários<br />

1 Ética e Educação. Revista Emilie, ano 7, nº 9, 2007, pp.20-21


2<br />

das equipes: administrativa, cozinha, saúde, limpeza e zeladoria da<br />

Creche/Pré-Escola Oeste, localizada no campus da Universidade de São<br />

Paulo, lembrando o provérbio africano: “Para educar uma criança é preciso<br />

toda uma aldeia.”<br />

A necessidade dessa Formação em Serviço específica deu-se a partir de<br />

uma problemática trazida pelos próprios funcionários: as dúvidas e dificuldades<br />

de como colocar limites na relação com as crianças, sem ferir princípios de<br />

uma educação infantil democrática. Os funcionários relataram que tinham<br />

dificuldades em educar as crianças democraticamente, porque não tiveram<br />

experiências pessoais democráticas enquanto crianças e sim autoritárias, tanto<br />

no âmbito familiar quanto nas escolas. Diziam ainda que enquanto<br />

profissionais, não tiveram formação teórica a esse respeito como os<br />

professores.<br />

Assim, a possibilidade de refletir e debater junto com as equipes da<br />

Creche/Pré-Escola Oeste sobre a temática Ética na Educação Infantil:<br />

Cidadania responsável permitiu a sistematização de questões, o que<br />

possivelmente contribuirá para a compreensão da importância da formação em<br />

serviço também com as equipes de apoio em ambientes de Educação Infantil.<br />

2- PRETENSÃO DA PRÁTICA<br />

A partir da situação-problema trazida pelos funcionários da Creche/Pré-Escola<br />

Oeste/<strong>USP</strong>, organizar e elaborar espaços de formação em serviço que possam<br />

promover debates e transformações na relação junto às crianças à luz de<br />

princípios que dizem respeito à dignidade humana.<br />

2.1- CARACTERIZAÇÃO DO PÚBLICO ALVO<br />

Funcionários de vários segmentos de uma instituição pública de Educação<br />

Infantil da cidade de São Paulo: administração (02), cozinha (05), saúde (02),<br />

limpeza (07), e zeladoria (02).<br />

2.2- Objetivos


3<br />

Buscar soluções para as dificuldades enfrentadas pelos funcionários das<br />

equipes de apoio nas relações cotidianas com as crianças tendo como norte os<br />

princípios democráticos.<br />

2.3- Percurso Metodológico<br />

Tendo como principais objetivos a reflexão sobre as posturas das (os)<br />

funcionárias (os) e a importância de se construir coletivamente um ambiente<br />

sócio-moral na instituição de educação infantil à luz de princípios éticos,<br />

utilizamos os encontros de Formações Continuadas para promover discussões<br />

e reflexões sobre a temática.<br />

Para iniciar a primeira parte das reflexões foi necessário o levantamento<br />

dos conhecimentos prévios (experiências pessoais e conhecimentos teóricos)<br />

sobre o assunto de todos os participantes.<br />

Na segunda parte, foram realizadas leituras e discussões de textos<br />

teóricos 2 .<br />

Na terceira parte discutimos sobre as dificuldades e dúvidas dos<br />

funcionários nas situações cotidianas com as crianças, construindo<br />

coletivamente caminhos e soluções possíveis.<br />

3- CAMINHOS E POSSIBILIDA<strong>DE</strong>S: TEORIA E PRÁTICA<br />

3.1- Dispositivos legais<br />

As Instituições de Educação Infantil tem como finalidade promover a<br />

formação integral das crianças nos vários aspectos: físicos, afetivos, cognitivos,<br />

sociais, éticos e estéticos. E para que as crianças, suas famílias, educadores e<br />

funcionários sejam inseridos em uma vida plena de exercício da cidadania é<br />

necessário contemplar nas Propostas Pedagógicas de Educação Infantil, de<br />

acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (2010), os<br />

seguintes princípios:<br />

2 BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretária da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares<br />

Nacionais: apresentação dos temas transversais: ética. 2 ed. Rio de Janeiro:DR& A, 2000.<br />

KAMII, Constance. A autonomia como finalidade da Educação: implicação da Teoria de Piaget. In: - A criança e o<br />

número. 35ª ed. Campinas: Papirus, 2007


4<br />

1. Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da<br />

solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio<br />

ambiente e às diferentes culturas, identidades e<br />

singularidades.<br />

2. Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da<br />

criticidade e do respeito à ordem democrática.<br />

3. Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da<br />

ludicidade e da liberdade de expressão nas<br />

diferentes manifestações artísticas e culturais.<br />

Assim, cabe à instituição de educação Infantil criar ambientes nos quais<br />

crianças e adultos possam exercitar princípios éticos, políticos e estéticos,<br />

contemplando não só os conteúdos abordados nos projetos de trabalho, mas<br />

também nas relações interpessoais entre adultos, entre as crianças e entre<br />

adultos e crianças.<br />

No que se refere aos princípios éticos, podemos indagar: Por que esta<br />

temática é tão relevante para ser exercitada desde a educação infantil?<br />

Partimos do pressuposto que o homem vive em sociedade, convivendo<br />

constantemente com outros homens, assim cabe pensar como devemos agir<br />

perante o outro. Essa pergunta é a questão central da Moral e da Ética.<br />

Compreendemos que as pessoas não nascem boas ou ruins, mas que a<br />

sociedade educa moralmente seus cidadãos na relação com suas famílias,<br />

com os meios de comunicação, com as pessoas de seu convívio social, tanto<br />

na vida privada da criança como também na escola. Portanto, vale dizer que a<br />

escola tem um papel fundamental na formação moral das crianças, porém com<br />

limitações. Essas limitações incluem valores e regras que são transmitidos<br />

pelos (as) professores (as), funcionários (as) e demais crianças, pelas<br />

propostas desenvolvidas, pela organização institucional etc.<br />

Segundo Vries e Zan (1998, p.17) o ambiente sócio-moral “é toda a rede<br />

de relações interpessoais que forma a experiência escolar da criança”. Tal<br />

definição leva-nos a inferir que o ambiente sócio–moral deve ser debatido e<br />

construído com as crianças a partir de princípios que dizem respeito à<br />

dignidade humana e valores como diálogo, respeito mútuo, justiça e


5<br />

solidariedade, conforme referendado na Constituição Federal Brasileira de<br />

1988 e reiterado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (2000), exercitando<br />

progressivamente experiências significativas e respeitosas no convívio social.<br />

Assim, os adultos que atuam diretamente ou indiretamente com as<br />

crianças devem ter clareza do conjunto de valores para o bom convívio social<br />

no âmbito das instituições. Vale ressaltar que, se os adultos tiverem<br />

conhecimento e afinamento destes valores mínimos, porém indispensáveis<br />

para a construção e a manutenção de uma sociedade democrática, não<br />

correrão o risco de adentrarem no "relativismo moral", a compreensão de que<br />

cada pessoa é livre para escolher os valores que quiser, destruindo e<br />

enfraquecendo o sistema democrático do país.<br />

3.2- Limite educa!<br />

Quando pensamos sobre a palavra limite, algumas ideias vem a nossa<br />

mente: de fronteira, de linha que separa territórios, horizonte intransponível,<br />

ação de transpor etc.(TAILLE, 2010). Mas quando pensamos em colocar limites<br />

na relação com as crianças, outras dúvidas e inquietações surgem: Para que,<br />

por que e como colocar limites?<br />

Segundo Yves de La Taille (2010), o psicólogo americano Turiel, em<br />

suas pesquisas sobre o desenvolvimento moral na criança, constatou que há<br />

três tipos de educação moral no seio familiar, porém possíveis de se identificar<br />

também nas escolas, são eles: educação autoritária, educação por ameaça de<br />

retirada de amor e educação elucidativa.<br />

Educação autoritária: pode ser traduzida na imposição de regras.<br />

Esse tipo de educação moral é aquela que visa reafirmar o poder<br />

das autoridades e causar algum tipo de "dor" ou de ameaça.<br />

Educação por ameaça de retirada de amor: utiliza expressões que<br />

façam a criança compreender que, quando desobedece,<br />

entristece os adultos.<br />

Educação elucidativa: diante de uma ordem ou repreensão dada à<br />

criança vem acompanhada da explicação de sua razão de ser, em<br />

geral baseada nas consequências da infração e no bem-estar do<br />

outro.


6<br />

Vale dizer que as três formas de educação moral colocam limites: a<br />

primeira, de forma autoritária; o segundo, com um apelo para a afetividade; o<br />

terceiro, de forma explicativa. (TAILLE, 2010)<br />

Diante das três formas de educação moral apresentadas, cabe perguntar<br />

qual seria a ideal para/na sociedade democrática? Com certeza a resposta é a<br />

educação elucidativa, pois contribui para a autonomia moral da pessoa. No<br />

entanto, a maior dificuldade que encontramos hoje no cotidiano das instituições<br />

de educação infantil são adultos que não viveram experiências democráticas<br />

na infância, seja por terem vivido em períodos de ditadura, seja por terem<br />

vivido em períodos de transição. E são esses mesmos adultos que estão<br />

educando hoje as crianças na/para uma sociedade democrática. Sendo assim,<br />

é imprescindível que algo seja feito para possibilitar a transformação desse<br />

modo de educar.<br />

Acreditamos que essa transformação está para além do simples<br />

conhecimento dos dispositivos legais. A tomada de consciência dos adultos<br />

sobre a importância de educar na/para a democracia contribuirá para a<br />

formação moral das crianças, lembrando que as instituições educativas devem<br />

ser o berço para o exercício democrático.<br />

Assim, as formações em serviço podem ser um espaço precioso para<br />

debater questões fundamentais de princípios e valores para o convívio social<br />

tanto entre os adultos quanto na educação e na formação de crianças<br />

pequenas. A seguir contamos a experiência da formação de funcionários das<br />

equipes de apoio na Creche/Pré-Escola Oeste realizada ao longo do ano de<br />

2011.<br />

3.3- Formação em serviço<br />

Os encontros foram realizados mensalmente nas Formações em<br />

Serviço, com duração de 2 horas aproximadamente. Para começar discutimos<br />

como podemos contribuir para a construção da moralidade na criança, porém<br />

algumas perguntas foram necessárias para disparar as reflexões:<br />

Como vocês foram educados na infância pelos seus pais e<br />

na escola?


7<br />

Será que reproduzimos a educação moral que tivemos<br />

durante a infância com os nossos filhos, familiares e com<br />

as demais crianças?<br />

As perguntas afloraram no grupo muitos sentimentos e imagens de suas<br />

experiências tais como: saudade, amor, violência, afeto, angústia, tristeza,<br />

autoritarismo, admiração, punição, rigidez, conformismo etc. Um discurso entre<br />

os funcionários chamou a atenção: apesar das experiências negativas<br />

relatadas por alguns funcionários, também havia um sentimento de gratidão por<br />

seres humanos, homens e mulheres, do bem.<br />

No final da discussão, a grande maioria do grupo respondeu que para<br />

educar as crianças, inspiram-se nos modelos que tiveram em suas próprias<br />

infâncias, porém com menos violência física. Diante das discussões formulouse<br />

outra pergunta:<br />

Será que cabe essa educação moral vivenciada na infância<br />

na relação profissional com as crianças, pensando na<br />

construção e na manutenção de uma sociedade<br />

democrática?<br />

Constatou-se que a grande maioria do grupo nasceu antes do<br />

estabelecimento da Constituição Federal Brasileira de 1988, salvo duas<br />

funcionárias. Assim, resolvemos fazer um breve levantamento do momento<br />

político e histórico que as pessoas vivenciaram no Brasil. Para tal, preparou-se<br />

um vídeo que retratava o período da ditadura militar no país, abordando<br />

momentos de opressão, injustiça, violência, exclusão, censura e falta de<br />

liberdade de expressão.<br />

Após a contextualização histórica, o grupo chegou à conclusão de que<br />

não cabia essa forma de educação moral inspirada nas experiências pessoais,<br />

compreendendo que, se insistirmos em educar as crianças de uma forma<br />

autoritária e/ou na perspectiva de relativismo moral na e para uma sociedade<br />

democrática, podemos correr o risco de destruir a democracia e, no caso do<br />

Brasil, impedir a construção e o fortalecimento do país.<br />

Durante os debates, lembramos que a democracia foi conquistada pelos<br />

movimentos sociais, pelos quais muitas pessoas perderam suas vidas, seus<br />

familiares ou trazem sequelas desse período até os dias de hoje. Tal conquista,


8<br />

foi referendada na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada<br />

em 1988.<br />

Debateu-se, então, a necessidade de eleger valores ao convívio entre os<br />

membros de uma sociedade legitimados na Constituição Federal Brasileira.<br />

Voltando à pergunta central da Ética e da Moral (Como agir diante do outro?),<br />

pudemos responder: agir sempre de modo a respeitar a dignidade, sem<br />

humilhação ou discriminações em relação ao sexo e etnia como determina o<br />

art. 1º no dispositivo legal citado acima.<br />

Para ajudar a pensar nesses caminhos, abordamos um dos trechos dos<br />

Parâmetros Curriculares Nacionais: Apresentação dos temas transversais e<br />

ética (2000), texto que apresenta um conjunto central de valores para serem<br />

contemplados na formação das crianças. Esses conteúdos estão referenciados<br />

no princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamentos da Constituição<br />

Brasileira.<br />

Em grupo, lemos a 2ª parte do texto: Ética e localizamos os blocos de<br />

conteúdos que poderiam nos ajudar na reflexão sobre as relações com as<br />

crianças e também com os adultos para o bom convívio na instituição<br />

educativa. São eles: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade. A cada<br />

bloco de conteúdo fizemos uma síntese da implicação desses conceitos:<br />

Respeito mútuo - O exercício da cidadania pressupõe<br />

íntima relação entre respeitar e ser respeitado.<br />

Justiça – Os critérios essenciais para se pensar sobre a<br />

justiça: igualdade e equidade.<br />

Diálogo - Dialogar pede capacidade de ouvir o outro e de<br />

se fazer entender.<br />

Solidariedade - Doar-se a alguém sem esperar algo em<br />

troca, ajudar desinteressadamente.<br />

A situação-problema inicial trazida pelo grupo (Como colocar limite na<br />

relação com as crianças?) havia se transformado em: Como colocar limite na<br />

relação com as crianças sem ferir princípios e valores?<br />

Para responder esta pergunta, partimos do pressuposto de que o limite<br />

colocado com justificativa e abertura para questionamento educa as crianças<br />

para a compreensão das regras, contribuindo para o convívio social. O desafio


9<br />

agora seria como colocar limites sem ferir princípios e valores na e para uma<br />

sociedade democrática para não reproduzir as experiências pessoais de limites<br />

autoritários.<br />

No intuito de disparar um novo debate apresentamos no segundo<br />

encontro frases do cotidiano que os adultos utilizam para dar limites às<br />

crianças, são elas:<br />

Isso que você fez é muito feio!<br />

Se você não fizer isso, eu não gosto mais de você!<br />

Não faça isso porque o bicho papão vai te pegar.<br />

Eu fiquei triste com você. Veja, você mentiu!<br />

Faça isso. Pronto e acabou.<br />

Olha como você é um porquinho!<br />

Se vocês ficarem quietos vão ao parque.<br />

Não fale assim comigo eu não sou como seus amigos.<br />

Ao apresentar as frases do cotidiano, o grupo as reconheceu<br />

imediatamente, seja porque as utilizam ou porque já as ouviram no dia a dia.<br />

Discutimos como estas frases demonstram o poder que o adulto exerce sobre<br />

as crianças, com ameaças de retirada de amor, castigo e/ou recompensas.<br />

Concluímos a partir das discussões anteriores que esta forma de colocar<br />

limites na relação com as crianças não é ideal para a formação de sujeitos<br />

autônomos para atuar na/para uma sociedade democrática.<br />

Assim, fomos compreender como e quais são os processos em que um<br />

sujeito se torna moral. Para iniciar os estudos buscamos um dos pioneiros<br />

nessa reflexão: Jean Piaget.<br />

Segundo Piaget (1994), há três fases para o desenvolvimento moral que<br />

são:<br />

1- Anomia - A criança segue regras e rotinas no dia a dia, mas<br />

não está pensando racionalmente sobre o bem e o mal, o certo e<br />

errado.<br />

2- Heteronomia - A criança legitima a regra porque vem de uma<br />

autoridade. Nessa fase as crianças agem pelo dever, pela


10<br />

obediência em relação ao adulto. Não basta a razão, é preciso<br />

saber qual a fonte.<br />

3- Autonomia - a criança é capaz de julgar a regra<br />

independentemente de sua fonte e a compreende como<br />

importante.<br />

Discutimos à luz da teoria piagetiana (KAMII, 2007) que a punição sem<br />

relação com a causa pode acarretar três tipos de consequências que são:<br />

cálculo de risco, conformidade e revolta. Uma nova pergunta surgiu: Então,<br />

como o adulto pode ajudar as crianças a desenvolverem a autonomia moral?<br />

Um dos caminhos encontrados pelo grupo, inspirado no texto:<br />

Autonomia como finalidade da Educação: Implicações da teoria Piaget 3 , diante<br />

das inadequações de comportamento e quebra de regras pelas crianças é<br />

indagá-las sobre o ocorrido, buscando as sanções por reciprocidade: exclusão<br />

temporária ou permanente do grupo, apelar para a consequência direta e<br />

material do ato, privar a criança da coisa que ela usou mal ou reparar o que<br />

causou.<br />

Assim, as crianças pensarão sobre suas ações e o que podem acarretar<br />

para si e para o coletivo. Mas, vale dizer que, as sanções por reciprocidade só<br />

se diferenciarão das punições se estiverem carregadas de afeto e respeito<br />

mútuo entre adultos e crianças. Após a discussão teórica, o grupo colocou em<br />

movimento o conhecimento adquirido, revisitando as frases do cotidiano e<br />

constatando que todas ferem os princípios e valores discutidos nas formações<br />

em serviço.<br />

Em uma das reflexões sobre as frases mais comuns do cotidiano (Não<br />

fale assim comigo; eu não sou como seus amigos), o grupo de funcionários<br />

pensou que essa afirmação transmite às crianças que devemos respeitar<br />

somente os pais ou os adultos. Desta forma, não estamos ensinando às<br />

crianças a importância do respeito mútuo, pois seja qual for o gênero, grau de<br />

parentesco ou idade cronológica da outra pessoa, para o bom convívio social,<br />

temos que respeitar a todos!<br />

3 KAMII, Constance. A autonomia como finalidade da Educação: implicação da Teoria de<br />

Piaget. In: - A criança e o número, pp. 97-102.


11<br />

Reflexões como essa foram feitas em cada uma das frases<br />

apresentadas. E a cada reconstrução, muitas descobertas e indignações se<br />

manifestavam entre o grupo.<br />

4- Resultados Alcançados<br />

Durante os encontros, os próprios funcionários constataram que tinham<br />

dificuldades em educar as crianças democraticamente, possivelmente porque<br />

não tiveram na sua formação pessoal experiências democráticas, mas sim<br />

autoritárias, tanto no âmbito familiar quanto nas escolas. Com esse trabalho,<br />

puderam compreender a partir das reflexões sobre a história do Brasil e das<br />

pesquisas realizadas, as razões da importância dessa formação moral. Essa<br />

transformação ficou nítida em uma das avaliações:<br />

“Disciplina, autoritarismo, falta de diálogo e desrespeito<br />

não fazem mais parte do que penso para uma criança<br />

hoje (..).”<br />

Para além do trabalho de sensibilização, foi a tomada de consciência por<br />

parte das equipes que permitiu as transformações na relação dos adultos com<br />

as crianças e a compreensão do trabalho educativo realizado pela instituição.<br />

Alguns funcionários começaram a rever essas questões também na vida<br />

pessoal, principalmente na educação dos próprios filhos. De acordo com uma<br />

funcionária:<br />

“Que muitas coisas que foram ensinadas pela minha<br />

mãe e pessoas que cercaram a minha infância podem<br />

ser pensadas e mudadas, não é fácil saber que para ter<br />

um mundo melhor para os meus filhos vou ter que deixar<br />

de lado experiências que até o momento julgava certas<br />

pela pessoa que sou hoje.”<br />

Agora o grupo tem clareza do seu papel na formação moral das crianças<br />

e, com segurança, realizam as intervenções necessárias. Algumas professoras<br />

perceberam a mudança de postura desses funcionários:<br />

“Antes a abordagem junto às crianças era de forma<br />

autoritária. Agora, a funcionária é capaz de explicar para<br />

as crianças as ações como, por exemplo, durante as


12<br />

refeições. Houve uma transformação nesse diálogo com<br />

a criança.”<br />

Esta temática suscitou uma outra reflexão, agora sobre o trabalho em<br />

equipe dos vários segmentos à luz dos princípios aprendidos com os<br />

Parâmetros Curriculares Nacionais (2000). Depois dessa nova discussão,<br />

nasceu um documento construído coletivamente sobre a postura dos<br />

funcionários no trabalho. Esse documento está afixado no refeitório dos adultos<br />

para consulta, quando necessário.<br />

A experiência vivida como gestora, assim como pesquisadora da<br />

prática, possibilitou a constatação da importância de garantir espaços aos<br />

funcionários para que possam manifestar suas dúvidas e dificuldades. E juntos<br />

buscar soluções à luz dos vários dispositivos legais e produções teóricas,<br />

estabelecendo relações com suas experiências pessoais. Acreditamos que ao<br />

educar as crianças também nos educamos nesse processo dinâmico da<br />

Educação Infantil. E educamos de forma elucidativa. É a teoria na prática com<br />

os adultos. A avaliação de uma funcionária pode expressar a importância<br />

desses espaços para debates e reflexões:<br />

“Embora não tenha vindo de um tempo democrático,<br />

hoje percebo esse ambiente nessa instituição. Não tinha<br />

pensado nessa diferença. Ambiente sócio-moral para<br />

adultos e crianças? Só foi discutido aqui, para mim<br />

depois de 20 anos, é muito legal. Aprendi muito com a<br />

experiência (...)”<br />

5- Referências bibliográficas<br />

ALVES, Rubem. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse<br />

existir. São Paulo. Papirus, 2003.<br />

ARAUJO, Ulisses F & AQUINO, Julio. Os direitos humanos na sala de aula:<br />

a ética como tema transversal. São Paulo: Moderna, 2001.<br />

BRASIL. Constituição Federal. Brasília, 6 de outubro de 1988.<br />

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretária da Educação<br />

Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas<br />

transversais: ética. 2ª. ed. Rio de Janeiro:DR& A, 2000.


13<br />

BRASIL. Ministério da Educação/ Conselho Nacional de Educação – Câmara<br />

do Estado Básico. Diretrizes Curriculares Nacional para Educação Infantil.<br />

Brasília, 17 de dezembro de 2009.<br />

COMTE-Sponville, André. O pequeno tratado das grandes virtudes. 2ªed.<br />

São Paulo: Martins Fontes, 2009.<br />

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avessos. São Paulo: Summus, 2000.<br />

KAMII, Constance. A autonomia como finalidade da Educação: implicação<br />

da Teoria de Piaget. In: - A criança e o número. 35ª ed. Campinas: Papirus,<br />

2007.<br />

PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.<br />

RIOS, Terezinha A. Ética e Educação. Revista Emilie, ano 7, nº 9, 2007,<br />

pp.20-21.<br />

TAILLE, Yves de La. Limites: três dimensões educacionais. 3 ed. São<br />

Paulo: Ática, 2010.<br />

________. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. 1ª Ed. Porto<br />

Alegre: Artmed, 2006.<br />

VRIES, De Rheta; ZAN, Betty. A ética na Educação Infantil – o ambiente<br />

sócio moral na escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

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