Nome dos autores Hugo Cesar Bueno Nunes Mestre em ... - USP
Nome dos autores Hugo Cesar Bueno Nunes Mestre em ... - USP
Nome dos autores Hugo Cesar Bueno Nunes Mestre em ... - USP
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Nome</strong> <strong>dos</strong> <strong>autores</strong><br />
<strong>Hugo</strong> <strong>Cesar</strong> <strong>Bueno</strong> <strong>Nunes</strong><br />
<strong>Mestre</strong> <strong>em</strong> Educação Física pela Universidade São Judas Tadeu-SP - USJT (2010), graduado<br />
<strong>em</strong> Educação Física pelo Centro Universitário UNIFIEO (2004), Pós Graduação Lato Sensu<br />
na área de Gestão Escolar UNIG (2006) e cursando especialização (Lato Sensu) <strong>em</strong> Lutas e<br />
Artes Marciais (UGF). T<strong>em</strong> experiência na área de Educação Física, com ênfase <strong>em</strong> Educação<br />
Física escolar, atuando principalmente nos seguintes t<strong>em</strong>as: Escola; Currículo,<br />
Multiculturalismo. Integrante do GPEF (Grupo de Pesquisas <strong>em</strong> Educação Física escolar).<br />
Kátia Alves de Lima<br />
Graduada <strong>em</strong> Educação Física. Atualmente exerce o cargo de Especialista <strong>em</strong> Esporte e Lazer<br />
no SESI-SP. T<strong>em</strong> experiência na área de Educação Física escolar, Gestão de Clubes e<br />
Organização de Eventos Esportivos.<br />
Saulo Françoso<br />
Licenciatura plena <strong>em</strong> Educação Física - Faculdades Integradas de Guarulhos (2002).<br />
Especialização <strong>em</strong> Educação Física escolar - FMU (2005) e <strong>em</strong> Gestão escolar - UnG (2009).<br />
<strong>Mestre</strong> <strong>em</strong> Educação: Currículo - PUC-SP (2011). Atualmente exerce o cargo de Especialista<br />
<strong>em</strong> Esporte e Lazer no SESI-SP. (Grupo de Pesquisas <strong>em</strong> Educação Física escolar).<br />
Filiação Institucional<br />
Endereço<br />
Avenida Paulista, 1313 – Bela Vista – São Paulo/SP.<br />
Telefone para Contato: 55-11-3146-7683 / 55-11-9810-2075<br />
E-mail para contato: hnunes@sesisp.org.br e nuneshugo@live.com
2<br />
A proposta curricular de Educação Física do SESI-SP: um caminho que valoriza a voz<br />
<strong>dos</strong> professores<br />
Resumo<br />
A rede escolar SESI-SP, conta hoje, com 177 escolas distribuídas <strong>em</strong> 50 municípios no estado<br />
de São Paulo. O quadro efetivo de Educação Física escolar, é composto por 250 professores.<br />
No ano de 2011, o SESI-SP, por meio da Divisão de Esporte e Lazer, teve a iniciativa de<br />
construir uma proposta curricular para a área de Educação Física. Tal <strong>em</strong>preendimento teve<br />
orig<strong>em</strong> na constatação da miscelânea de produções e orientações que norteavam o trabalho<br />
docente e que gerava certa confusão conceitual <strong>em</strong> torno do que ensinar nas aulas do<br />
componente curricular educação física. Diversos relatos de professores <strong>em</strong> cursos de<br />
formação, dificuldades apontadas pelos profissionais que ocupam cargos de gestão e análises<br />
de especialistas técnicos da instituição sinalizavam tal probl<strong>em</strong>ática e expunham a<br />
necessidade de uma nova proposta para a área. O presente trabalho visa apresentar o percurso<br />
de construção da proposta curricular de Educação Física do SESI-SP (Serviço Social da<br />
Indústria de São Paulo). A escolha por um caminho d<strong>em</strong>ocrático, que envolve a participação<br />
coletiva <strong>dos</strong> docentes na escrita do documento, traz indicações de que é possível a formulação<br />
de políticas educacionais que consider<strong>em</strong> os professores como intelectuais transformadores,<br />
principais responsáveis pela construção de propostas curriculares.<br />
Palavras Chaves: Educação Física escolar; Currículo; Escola.<br />
Introdução<br />
A rede escolar SESI-SP, conta hoje, com 177 escolas distribuídas <strong>em</strong> 50 municípios<br />
no estado de São Paulo. O quadro efetivo de Educação Física escolar, é composto por 250<br />
professores.<br />
No ano de 2011, o SESI-SP, por meio da Divisão de Esporte e Lazer, teve a iniciativa<br />
de construir uma proposta curricular para a área de Educação Física. Tal <strong>em</strong>preendimento<br />
teve orig<strong>em</strong> na constatação da miscelânea de produções e orientações que norteavam o<br />
trabalho docente e que gerava certa confusão conceitual <strong>em</strong> torno do que ensinar nas aulas do<br />
componente curricular educação física. Diversos relatos de professores <strong>em</strong> cursos de<br />
formação, dificuldades apontadas pelos profissionais que ocupam cargos de gestão e análises<br />
de especialistas técnicos da instituição sinalizavam tal probl<strong>em</strong>ática e expunham a<br />
necessidade de uma nova proposta para a área.<br />
Neste percurso um grupo de três especialistas na área de Educação Física escolar do<br />
SESI-SP, os quais são responsáveis pela coordenação do referido componente curricular <strong>em</strong><br />
177 escolas de ensino básico do estado de São Paulo, juntamente com um grupo de
3<br />
professores vislumbraram a oportunidade de desenvolver novos rumos para o ensino da<br />
Educação Física escolar na rede SESI-SP.<br />
Este artigo pretende apresentar, por meio do relato de três profissionais responsáveis<br />
pela coordenação do projeto, o caminho escolhido pelo SESI-SP para a construção da<br />
proposta curricular – que ainda não se encerrou - confrontando as estratégias utilizadas para a<br />
elaboração do documento com a teorização curricular crítica.<br />
A fase preparatória do projeto<br />
O projeto, que compreende a construção de um documento que explicita os<br />
encaminhamentos pedagógicos para a área de Educação Física, foi elaborado pela equipe de<br />
Especialistas de Esporte e Lazer do SESI-SP. Desde o início, fica evidente a proposta de seus<br />
<strong>autores</strong>, <strong>em</strong> envolver a participação coletiva <strong>dos</strong> docentes na elaboração do documento. Na<br />
justificativa do projeto inicial, tal preocupação é explicitada:<br />
A DEL (Divisão de Esporte e Lazer) entende que tal documento poderá alinhar o<br />
trabalho de to<strong>dos</strong> os profissionais envolvi<strong>dos</strong> com a área de Educação Física escolar<br />
e consequent<strong>em</strong>ente poderá contribuir na melhoria da qualidade do ensino. A partir<br />
das teorias críticas e pós-críticas do campo curricular sab<strong>em</strong>os, entretanto, que<br />
qualquer construção dessa natureza precisa contar com a participação efetiva <strong>dos</strong><br />
sujeitos responsáveis pela sua consolidação na prática.<br />
Enquanto as teorias tradicionais do currículo reduz<strong>em</strong> a figura do professor à de um<br />
técnico competente, capaz de colocar <strong>em</strong> prática aquilo que os especialistas e teóricos<br />
(supostos intelectuais) produz<strong>em</strong> <strong>em</strong> seus gabinetes, as teorias críticas e pós-críticas rejeitam<br />
tal concepção e “depositam” no professor, o papel de intelectual transformador, principal<br />
responsável pela reflexão de sua prática e produtor de conhecimentos que contribu<strong>em</strong> para a<br />
elaboração de propostas educacionais.<br />
Utilizando o conceito de (Freire, 1987) de Educação Bancária, a qual é entendida<br />
como o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos aos alunos, nos<br />
negamos a transformar a formação docente <strong>em</strong> uma formação bancária, onde “deposita-se”<br />
no docente todo o conteúdo e a metodologia ideal para se trabalhar na escola. Parafraseando o<br />
autor, ninguém forma ninguém, ninguém forma a si mesmo, os educadores se formam entre si,<br />
mediatiza<strong>dos</strong> pelo diálogo.<br />
Após o projeto ter sido aprovado pela Superior Administração do SESI-SP, os<br />
coordenadores do projeto deveriam encontrar uma estratégia para comunicar e convidar os
4<br />
docentes que gostariam de fazer parte da construção. Durante o Treinamento Estadual de<br />
Professores, realizado <strong>em</strong> julho de 2011, onde estavam presentes to<strong>dos</strong> os professores e<br />
professoras de Educação Física da rede SESI-SP, foi entregue uma carta-convite a cada<br />
docente. Segue abaixo um trecho da carta entregue aos docentes:<br />
[...] entend<strong>em</strong>os que qualquer construção de proposta curricular precisa contar<br />
necessariamente com a participação efetiva <strong>dos</strong> sujeitos responsáveis pela sua<br />
consolidação na prática. Desta forma, mais do que consultá-los para opinar<strong>em</strong><br />
acerca do material produzido pelos especialistas, gostaríamos de convidá-los para<br />
fazer parte da equipe responsável pela construção do material. Em se tratando de um<br />
convite, frisamos que a participação é optativa, ou seja, o projeto acolherá apenas<br />
aqueles profissionais que tenham disponibilidade e desejo de participar.<br />
Em se tratando de uma ampla rede de ensino, que conta com um grande número de<br />
escolas e profissionais, tal estratégia eximiu a chance de algum professor não receber o<br />
convite para participar da elaboração da proposta. Do mesmo modo, o convite tira a<br />
obrigatoriedade de o professor participar da construção, deixando à sua disponibilidade e<br />
interesse a aceitação ou não do mesmo.<br />
O professor que d<strong>em</strong>onstrava interesse <strong>em</strong> participar da construção do documento,<br />
deveria comprometer-se com os seguintes critérios explicita<strong>dos</strong> na carta-convite:<br />
comprometer-se a participar <strong>dos</strong> encontros presenciais previstos pelo projeto; realizar as<br />
leituras (livros e textos) necessárias para o bom andamento do projeto; participar <strong>dos</strong> fóruns,<br />
chats, enquetes, organiza<strong>dos</strong> (à distância) pela DEL para discutir t<strong>em</strong>as condizentes com a<br />
proposta; colocar <strong>em</strong> prática, nas aulas de Educação Física escolar, os encaminhamentos<br />
defini<strong>dos</strong> nos encontros presenciais e à distância; e produzir registros (relatórios, filmagens,<br />
fotos, depoimentos) das aulas de Educação Física fundamentadas na concepção defendida<br />
pela equipe, apresentando-os quando necessário, nos encontros presenciais e/ou à distância.<br />
O projeto aprovado para a construção do documento cont<strong>em</strong>plava ainda, a contratação<br />
de um consultor externo, da área da educação, com experiência na elaboração de propostas<br />
curriculares oficiais, e a compra de livros que serviriam de aporte teórico para a escrita do<br />
texto.<br />
Na primeira reunião <strong>dos</strong> coordenadores do projeto ficou decidido o papel futuro deste<br />
consultor que seria conduzir os encontros presenciais, atuando como mediador <strong>dos</strong> debates e<br />
discussões. Portanto, a proposta é que o consultor não participaria da escrita do documento, já<br />
que a inteira responsabilidade pela tarefa estaria depositada nas mãos <strong>dos</strong> professores. O<br />
referencial teórico que subsidiaria a construção da proposta deveria partir do documento
5<br />
preliminar “Orientações Didáticas de Educação Física escolar”, escrito <strong>em</strong> 2011 e que<br />
norteava o trabalho docente no SESI-SP.<br />
Neste documento preliminar, a Educação Física é concebida no campo da linguag<strong>em</strong>,<br />
onde a cultura corporal é interpretada a partir das teorias pós-críticas do currículo,<br />
especificamente utilizando as produções teóricas <strong>dos</strong> Estu<strong>dos</strong> Culturais e do<br />
Multiculturalismo Crítico. Para subsidiar a elaboração da proposta, o SESI-SP disponibilizou<br />
para cada professor quatro livros, que “dialogam” com a concepção curricular pretendida:<br />
Documentos de identidade (Tomaz Tadeu da Silva), Compreender e transformar o ensino<br />
(Gimeno Sacristán e Pérez Gomez), Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas<br />
pedagógicas (Antonio Flávio Moreira e Vera Maria Candau) e Praticando Estu<strong>dos</strong> Culturais<br />
na Educação Física (Marcos Neira e Mario <strong>Nunes</strong>).<br />
O projeto <strong>em</strong> ação<br />
Após o convite realizado no “Treinamento de Professores”, 32 professores e<br />
professoras aceitaram participar do grupo responsável pela escrita do documento. Foram<br />
planeja<strong>dos</strong> para o ano de 2011, 4 encontros presenciais, que ocorreram nos meses de<br />
set<strong>em</strong>bro, outubro, nov<strong>em</strong>bro e dez<strong>em</strong>bro. Para <strong>em</strong>basar os trabalhos do primeiro encontro,<br />
foi solicitada a leitura prévia do artigo “Propostas pedagógicas ou curriculares: subsídios<br />
para uma leitura crítica”, de Sonia Kramer, professora do Departamento de Educação da<br />
PUC-Rio.<br />
Neste artigo, (Kramer, 1997) traz algumas contribuições para a análise crítica de<br />
propostas curriculares, levantando questionamentos que pod<strong>em</strong> servir de base para a sua<br />
elaboração e/ou avaliação. No primeiro encontro, as discussões foram travadas <strong>em</strong> torno <strong>dos</strong><br />
questionamentos levanta<strong>dos</strong> pela autora 1 , do contexto da instituição <strong>em</strong> que atuam 2 e acerca<br />
da concepção de Educação Física defendida no documento de “Orientações Didáticas” 3 .<br />
1 As seguintes questões foram probl<strong>em</strong>atizadas <strong>em</strong> pequenos grupos: “Entend<strong>em</strong>os que...”: Toda proposta é uma<br />
aposta? Uma proposta é construída no caminho? É uma promessa de algo melhor? Expressa valores que a<br />
constitu<strong>em</strong>? Necessita de condições de elaboração? Precisa trabalhar com as especificidades? Precisa que os<br />
professores acess<strong>em</strong> conhecimentos? Necessita de condições de impl<strong>em</strong>entação?<br />
2 Em pequenos grupos: “T<strong>em</strong>os Clareza sobre...”: O percurso histórico da Educação Física Escolar no SESI? Da<br />
Trajetória <strong>dos</strong> professores? As realidades das escolas? Qu<strong>em</strong> são as crianças e jovens? Os fundamentos teóricos?<br />
3 Trata-se do documento preliminar que norteava o trabalho pedagógico, citado anteriormente. Ainda <strong>em</strong><br />
pequenos grupos, os professores discutiram as seguintes questões: Qual a concepção da Educação Física no<br />
documento? Qual é o cidadão projetado? O que ele precisa aprender? O que o professor precisa saber?
6<br />
Nessa estratégia didática, foi possível observar posicionamentos polifônicos e ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po antagônicos, que caracterizam encontros dialógicos, onde to<strong>dos</strong> têm direito à<br />
voz. Enquanto alguns professores defendiam o argumento de que o SESI-SP é uma instituição<br />
conservadora, com um público b<strong>em</strong> definido e uniforme (filhos e filhas de industriários),<br />
outros ressaltavam a diversidade cultural que predominava no interior de cada escola e entre<br />
escolas de regiões diferentes. Após as discussões, o grupo concluiu que é lícito concordar que<br />
a diversidade cultural predomina na instituição.<br />
O conservadorismo da instituição, ressaltado por alguns professores, de certa forma,<br />
gerou dúvidas quanto à possibilidade de construir uma proposta pedagógica coletivamente e<br />
que posteriormente seria impl<strong>em</strong>entada <strong>em</strong> toda a rede escolar SESI-SP. O consultor l<strong>em</strong>brou<br />
os professores, que Paulo Freire, grande expoente da teorização curricular crítica,<br />
desenvolveu sua pedagogia libertadora, justamente no SESI de Pernambuco. Isso d<strong>em</strong>onstra<br />
que mesmo <strong>em</strong> instituições ou escolas que reproduz<strong>em</strong> os interesses da classe dominante,<br />
existe espaço para contestação e luta, já que como aponta (Giroux, 1983), a dominação não é<br />
um processo estático, pois o poder também não é unidimensional.<br />
Na discussão acerca das “Orientações Didáticas de Educação Física”, a maior parte<br />
<strong>dos</strong> professores d<strong>em</strong>onstrou desconhecimento da concepção curricular defendida pelo<br />
documento preliminar. Nenhum <strong>dos</strong> grupos apontou a concepção cultural como norteadora do<br />
currículo. Esse fato evidencia a enorme distância que existe entre o currículo prescrito e a<br />
prática docente cotidiana, principalmente quando o primeiro é elaborado s<strong>em</strong> a participação<br />
efetiva <strong>dos</strong> professores.<br />
Para subsidiar as discussões do segundo encontro, foi solicitada a leitura do capítulo 1<br />
<strong>dos</strong> livros “Compreender e transformar o ensino”, escrito por Pérez Gomez e<br />
“Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas”, elaborado por Vera<br />
Candau. Este encontro tinha como eixo central promover a discussão <strong>em</strong> torno da função<br />
social da escola cont<strong>em</strong>porânea e o debate acerca das questões multiculturais.<br />
Discutir a função social da escola é fundamental <strong>em</strong> qualquer construção curricular.<br />
Uma escola não poderá cumprir sua função social a contento enquanto a Educação Física<br />
continuar construindo muros ao seu redor e repetindo slogans sobre a especificidade da sua<br />
ação (NEIRA, 2011, p. 10). Historicamente, a Educação Física buscou sua legitimação no<br />
currículo, a partir de referenciais teóricos (física mecânica, fisiologia, psicologia) alheios ao<br />
campo educacional. Entretanto, atualmente no Brasil, predomina a produção de propostas
7<br />
curriculares do componente que buscam aporte teórico nas Ciências Humanas, de tal forma<br />
que se torna imprescindível sua articulação com a função social delegada à escola.<br />
Pérez Gómez (1998) indica duas funções prioritárias da escola no mundo<br />
cont<strong>em</strong>porâneo: a incorporação do/a cidadão/ã no mundo do trabalho e a formação do/a<br />
cidadão/ã para intervenção na vida pública. A partir do posicionamento do autor frente a essas<br />
funções, o grupo de professores defendeu que na sociedade atual pós-moderna, o mundo do<br />
trabalho requer atitudes e valores diferentes da assiduidade, submissão, disciplina e<br />
padronização, caraterísticas enaltecidas pela sociedade industrial moderna. Até porque grande<br />
parte <strong>dos</strong> trabalhadores na atualidade atua na informalidade, onde a capacidade de lidar com a<br />
imprevisibilidade é indispensável. Educar para a vida pública, para o grupo, significa formar<br />
um cidadão crítico, consciente de seus deveres e direitos, capaz de interferir politicamente na<br />
sociedade.<br />
Com base no texto de (Candau, 2010), foi elaborada uma estratégia na qual <strong>em</strong><br />
pequenos grupos, os professores deveriam refletir sobre como o SESI-SP enfrenta a<br />
diversidade cultural a partir das seguintes questões: Dentre as vertentes de multiculturalismo<br />
apresentada pela autora, qual está presente no cotidiano das aulas? Cada grupo deveria<br />
posicionar-se <strong>em</strong> relação às vertentes apresentadas por Candau.<br />
A autora aponta três diferentes abordagens multiculturais que estão na base das<br />
diversas propostas curriculares: o multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo<br />
diferencialista ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo interativo ou intercultural.<br />
No multiculturalismo assimilacionista promove-se uma política de universalização da<br />
escolarização, onde to<strong>dos</strong> são convida<strong>dos</strong> a participar do sist<strong>em</strong>a escolar, mas não se coloca<br />
<strong>em</strong> pauta o caráter monocultural e homogeneizador presente na sua dinâmica, tanto <strong>em</strong><br />
relação ao currículo quanto, por ex<strong>em</strong>plo, às estratégias utilizadas <strong>em</strong> sala de aula e os valores<br />
privilegia<strong>dos</strong> e defendi<strong>dos</strong> por determina<strong>dos</strong> grupos. Nessa vertente, os grupos minoritários<br />
dev<strong>em</strong> se incorporar à cultura heg<strong>em</strong>ônica.<br />
O multiculturalismo diferencialista ou monoculturalismo plural caracteriza-se pela<br />
ênfase no reconhecimento das diferenças. Na luta pela liberdade de expressão e afirmação das<br />
diferenças, Candau explica que algumas das posições nessa linha terminam por ter uma visão<br />
estática e essencialista da formação das identidades culturais. Infelizmente, esta proposta<br />
culmina na formação de comunidades culturais homogêneas com suas próprias organizações,<br />
entre elas as escolas, os clubes, associações entre outros. Sousa Santos (2003) adverte que tal<br />
perspectiva pode levar a um desenvolvimento de um novo apartheid cultural e que podia ser
8<br />
realizado através de um radicalismo excessivo, porque permitiria criar igualdade, mas <strong>em</strong><br />
separação.<br />
Já na perspectiva intercultural, uma das características básicas é a promoção<br />
deliberada da inter-relação entre os grupos culturais presentes <strong>em</strong> determinadas sociedades,<br />
rompendo assim tanto com a perspectiva diferencialista que favorece processos radicais de<br />
afirmação de identidades culturais especificas, como a perspectiva assimilacionista, que não<br />
valoriza a riqueza das diferentes culturas. Na perspectiva intercultural, as culturas estão <strong>em</strong><br />
contínuo processo de elaboração, de construção e reconstrução, não fixando assim as pessoas<br />
a determina<strong>dos</strong> padrões culturais engessa<strong>dos</strong>. Esta é a postura defendida por Candau (2010).<br />
Durante a exposição <strong>dos</strong> grupos ficou nítida a dificuldade de alguns professores<br />
situar<strong>em</strong> suas práticas <strong>em</strong> uma das abordagens e também, a confusão conceitual entre elas.<br />
Alguns grupos defenderam que trabalhavam na perspectiva intercultural, porém ao ser<strong>em</strong><br />
questiona<strong>dos</strong> sobre como colocavam <strong>em</strong> prática essa abordag<strong>em</strong> no cotidiano das aulas de<br />
Educação Física, constatamos a distância que estavam da mesma. Outros grupos defendiam<br />
uma perspectiva assimilacionista, gerando o conflito de opiniões entre os docentes.<br />
Pod<strong>em</strong>os avaliar resumidamente este segundo encontro do seguinte modo: <strong>em</strong>bora os<br />
posicionamentos <strong>dos</strong> professores apont<strong>em</strong> para uma aproximação do entendimento acerca da<br />
função social da escola, defendida por Pérez Gomez; as discussões <strong>em</strong> torno do<br />
multiculturalismo evidenciaram a necessidade de um maior aprofundamento da t<strong>em</strong>ática,<br />
principalmente na articulação das diferentes vertentes indicadas por Vera Candau com o<br />
currículo de Educação Física.<br />
Como tarefa para o terceiro encontro, definimos uma ferramenta eletrônica (Google<br />
Docs), onde os professores iniciariam o processo de escrita da proposta. Essa ferramenta<br />
possibilita que to<strong>dos</strong> possam escrever simultaneamente, independent<strong>em</strong>ente do t<strong>em</strong>po e<br />
espaço que cada um esteja ocupando, o que contribuiu para d<strong>em</strong>ocratizar de maneira ampla a<br />
participação de to<strong>dos</strong> na escrita do texto. A proposta era iniciar a escrita do capítulo “Função<br />
social da escola”, a partir das discussões e leituras realizadas. Para o próximo encontro, os<br />
professores ainda teriam que ler o livro “Documentos de identidade” de Tomaz Tadeu da<br />
Silva.<br />
O terceiro encontro teve início com a leitura coletiva do texto que estava postado no<br />
Google Docs (“A função social da escola”), onde a cada parágrafo realizávamos uma pausa,<br />
para que o grupo se posicionasse a respeito da coerência do mesmo com as discussões<br />
travadas nos encontros anteriores. Diante das dúvidas que ainda pairavam no imaginário <strong>dos</strong>
9<br />
docentes quanto à t<strong>em</strong>ática do multiculturalismo, foi combinado com o consultor que este<br />
encontro teria um caráter mais formativo. Assim, as diferentes propostas curriculares da<br />
Educação Física foram confrontadas com as teorias do currículo apresentadas no livro de<br />
Tomaz Tadeu da Silva.<br />
Três vídeos de aulas do componente curricular, pautadas nas teorias tradicionais,<br />
foram exibi<strong>dos</strong> ao grupo, que provocaram a seguinte reflexão: Quais conteú<strong>dos</strong> estão sendo<br />
ensina<strong>dos</strong>? O que o professor está priorizando? A partir disso, houve um intenso debate, onde<br />
foram esclarecidas muitas questões referentes às teorias curriculares, especialmente a<br />
teorização pós-crítica, que subsidia a construção do material.<br />
Essa estratégia foi fundamental para os professores tomar<strong>em</strong> consciência das teorias<br />
que subjaz<strong>em</strong> suas práticas. O consultor também conseguiu descontruir algumas<br />
representações enviesadas do currículo pós-crítico. Segundo (Silva, 2011, p.148-149) as<br />
teorias pós-críticas ampliam e modificam aquilo que a teorias críticas nos ensinaram. As<br />
teorias pós-críticas também se preocupam com a análise das relações de poder que envolv<strong>em</strong><br />
o currículo.<br />
Nas teorias pós-críticas, entretanto, o poder torna-se descentrado. O poder não t<strong>em</strong><br />
mais um único centro, como o Estado, por ex<strong>em</strong>plo. O poder está espalhado por toda<br />
a rede social [...] Em contraste com as teorias críticas, as teorias pós-críticas não<br />
limitam a análise do poder ao campo das relações econômicas do capitalismo. Com<br />
as teorias pós-críticas, o mapa do poder é ampliado para incluir os processos de<br />
dominação centra<strong>dos</strong> na raça, na etnia, no gênero e na sexualidade.<br />
Dentre as diversas teorias pós-críticas, o currículo cultural da Educação Física pauta-se<br />
prioritariamente <strong>em</strong> dois campos: os Estu<strong>dos</strong> Culturais e o Multiculturalismo Crítico.<br />
Enquanto as produções <strong>dos</strong> Estu<strong>dos</strong> Culturais ajudam a compreender as relações de poder e as<br />
questões de identidade e diferença que permeiam as manifestações da cultura corporal, o<br />
Multiculturalismo Crítico, além disso, ajuda na construção de estratégias de ação que visam o<br />
combate a todas as formas de preconceito. No currículo cultural da Educação Física, as aulas<br />
constitu<strong>em</strong>-se <strong>em</strong> um espaço para análise, discussão, vivência, ressignificação e ampliação<br />
<strong>dos</strong> saberes relativos às manifestações corporais, tendo como objetivo a formação de cidadãos<br />
capazes de desconstruir as relações de poder que historicamente impediram o diálogo entre os<br />
diferentes representantes das práticas corporais (NEIRA, 2011).<br />
Para aprofundar o conhecimento <strong>dos</strong> professores quanto à concepção cultural da<br />
Educação Física, para o próximo encontro foi solicitada a leitura do livro “Praticando<br />
Estu<strong>dos</strong> Culturais na Educação Física”. A obra, organizada pelos <strong>autores</strong> Marcos Neira e
10<br />
Mario <strong>Nunes</strong>, é dividida <strong>em</strong> duas partes: uma que aborda o currículo cultural da Educação<br />
Física, de forma conceitual e apontando caminhos para a prática pedagógica pautada nos<br />
Estu<strong>dos</strong> Culturais; e outra, que reúne diversos relatos de experiências de professores que<br />
colocam o currículo cultural de Educação Física <strong>em</strong> ação.<br />
Essa estratégia teve como objetivo oferecer condições para os docentes relacionar as<br />
t<strong>em</strong>áticas estudadas no decorrer <strong>dos</strong> encontros (função social da escola, multiculturalismo,<br />
teorização curricular pós-crítica) com a área de Educação Física, de forma a cont<strong>em</strong>plar na<br />
prática, os princípios e encaminhamentos pedagógicos do currículo cultural. No início do<br />
quarto encontro, os professores sinalizaram que sentiam grande dificuldade nessa conexão, e<br />
que com a leitura realizada, tal dificuldade foi <strong>em</strong> parte apaziguada.<br />
Novamente, foi realizada a leitura coletiva da produção do grupo referente à função<br />
social da escola, que provocou um intenso debate d<strong>em</strong>ocrático. Neste encontro, o texto foi<br />
finalizado. O encontro também serviu para o grupo posicionar-se frente aos <strong>em</strong>pecilhos<br />
enfrenta<strong>dos</strong> no processo. Embora o grupo tenha apontado que estavam dando conta das<br />
leituras recomendadas, muitos professores destacaram a dificuldade de colocar no papel as<br />
ideias discutidas nos encontros.<br />
Considerações preliminares<br />
Em t<strong>em</strong>pos onde predomina no cenário brasileiro a construção de propostas<br />
curriculares de cunho neoliberal, é de se exaltar a iniciativa do SESI-SP <strong>em</strong> considerar<br />
seriamente a inteligência e a capacidade <strong>dos</strong> professores, envolvendo-os efetivamente na<br />
elaboração do currículo de Educação Física da instituição. Certamente, são os professores os<br />
mais aptos a discutir as questões curriculares, já que cotidianamente são eles que estão na<br />
linha de frente da educação.<br />
Entend<strong>em</strong>os que este processo d<strong>em</strong>ocrático e dialógico é de extr<strong>em</strong>a importância na<br />
legitimação do currículo dentro das escolas. A participação <strong>dos</strong> professores na elaboração do<br />
currículo aponta para uma autêntica ação do currículo prescrito, ou seja, indica-nos que a<br />
probabilidade de o professor colocar <strong>em</strong> prática este currículo é muito maior, já que tal<br />
documento fora por eles escrito.<br />
Não pod<strong>em</strong>os esquecer, entretanto, que qualquer processo d<strong>em</strong>ocrático não está livre<br />
de conflitos. O diálogo, como na perspectiva defendida por Paulo Freire, exige conflito de<br />
ideias, de opiniões. Dessa forma, o processo de escrita coletiva e os próprios encontros
11<br />
presenciais foram marca<strong>dos</strong> por discussões muitas vezes “acaloradas”, que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />
finalizaram <strong>em</strong> consenso.<br />
Quase que de forma unânime, os pesquisadores do campo do currículo, defend<strong>em</strong> que<br />
este é inexoravelmente envolvido <strong>em</strong> questões de poder. Na prática, a construção da proposta<br />
curricular de Educação Física do SESI-SP confirma tal tese. Questões de ord<strong>em</strong><br />
administrativa, muitas vezes deixam este percurso mais difícil de ser alcançado. N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre,<br />
os especialistas que conduz<strong>em</strong> o processo detém autonomia nas decisões estratégicas. Este<br />
projeto, ou esta aposta, como prefere Sonia Kramer, exige certo investimento financeiro.<br />
Reunir presencialmente os professores, por ex<strong>em</strong>plo, requer destinar verba para pagamento de<br />
horas extras, transporte, alimentação, hospedag<strong>em</strong>, etc. Portanto, esses encontros precisam ser<br />
programa<strong>dos</strong> diante do orçamento aprovado. Algo que muitas vezes limita e atrapalha o<br />
processo.<br />
Embora enaltec<strong>em</strong>os a relevância deste processo, t<strong>em</strong>os também que ressaltar, que<br />
após o currículo prescrito estiver concluído, ele precisa “ganhar vida” nas escolas. Para tanto,<br />
cabe ao SESI-SP o desafio de pensar <strong>em</strong> uma política de formação permanente <strong>dos</strong><br />
professores, tanto <strong>dos</strong> que faz<strong>em</strong> parte do grupo de elaboração, como os outros professores da<br />
rede que por diversos motivos não estão participando. Caso isso não ocorra, o risco da<br />
proposta padecer na prática é iminente.<br />
De acordo com Moreira (2000), dominant<strong>em</strong>ente têm sido estudadas as reformulações<br />
curriculares oficiais que se realizam segundo a ótica neoliberal. Para o autor, as propostas<br />
curriculares que procuram caminhar <strong>em</strong> direção contrária ao discurso heg<strong>em</strong>ônico ainda têm<br />
sido pouco focalizadas no Brasil. Identificamos que a aposta do SESI-SP se encaixa nesse<br />
segundo grupo. Portanto, vale a pena investigar esse percurso de construção curricular, que<br />
está <strong>em</strong> plena fase de desenvolvimento, para que novas políticas educacionais sintam-se<br />
provocadas a considerar os professores como intelectuais transformadores, como defende<br />
Henry Giroux (1997).<br />
Referências bibliográficas<br />
CANDAU V. M. In: MOREIRA A. F; CANDAU V. M. (orgs.) Multiculturalismo: diferenças<br />
culturais e práticas pedagógicas. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.<br />
GIROUX, H. A. Teoria crítica e resistência <strong>em</strong> educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983.
12<br />
______. Professores como intelectuais transformadores. In: GIROUX, H. A. Os<br />
professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizag<strong>em</strong>. Artes<br />
Médicas: Porto Alegre, p. 157-164, 1997.<br />
KRAMER S. Propostas pedagógicas ou curriculares: subsídios para uma leitura crítica.<br />
Educação & Realidade, ano XVIII, n. 60, dez<strong>em</strong>bro/1997.<br />
NEIRA M. G. Educação Física. São Paulo: Blucher, 2011 (Coleção “A reflexão e a prática<br />
no ensino”).<br />
PÉREZ GÓMEZ A. I. As funções sociais da escola: da reprodução à reconstrução crítica do<br />
conhecimento e da experiência. In: GIMENO SACRISTÁN J; PÉREZ GÓMEZ A. I.<br />
Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Artmed, 2007.<br />
SESI-SP. Orientações Didáticas de Educação Física. São Paulo: SESI, 2011.<br />
SOUSA SANTOS, B. Dil<strong>em</strong>as do nosso t<strong>em</strong>po: globalização, multiculturalismo e<br />
conhecimento. Currículo s<strong>em</strong> fronteiras, v. 3, n. 2, p. 5-23, jul.-dez. 2003.