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Dear John<br />

Nicholas Sparks


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Dear John,<br />

Nicholas Sparks<br />

# Sinopse:<br />

Um rebelde raivoso, John deixou a escola e se alistou no exército, não sabendo o<br />

que mais fazer com a sua vida--até que ele encontra a garota dos seus sonhos, Savannah. Sua<br />

atração mútua cresce rapidamente e se transforma no tipo de amor que deixa Savannah<br />

esperando que John termine suas obrigações, e John querendo se acalmar com a mulher que<br />

capturou seu coração. Mas o 11 de setembro muda tudo. John sente que é seu dever se<br />

realistar. E lamentavelmente, durante a longa separação Savannah se apaixona por outra<br />

pessoa. "Querido John," a carta dizia... e com essas duas palavras um coração foi quebrado e<br />

duas vidas foram mudadas para sempre. De volta pra casa, John deve lidar com o fato de que<br />

Savannah, agora casada, ainda é o seu amor verdadeiro-e encarar a decisão mais difícil da<br />

sua vida.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Prologo<br />

Lenoir, 2006<br />

O que significa amar verdadeiramente outra pessoa?<br />

Havia um tempo na minha vida em que eu pensava que realmente sabia a resposta:<br />

significava que eu me importava com Savannah mais profundamente do que eu me<br />

importava comigo mesmo e que nós iríamos passar o resto das nossas vidas juntos. Não teria<br />

sido preciso muito. Uma vez ela me contou que a chave para a felicidade era sonhos<br />

alcançáveis, e que os dela não eram nada fora do comum. Casamento, família... o básico.<br />

Significava que eu teria um emprego fixo, a casa com a cerca branca, e uma minivan ou um<br />

SUV* grande o bastante para levar nossas crianças à escola, ou ao dentista, ou ao treino de<br />

futebol ou aos recitais de piano. Duas ou três crianças, ela nunca foi clara quanto à isso, mas<br />

o meu palpite é que quando o tempo viesse, ela teria sugerido que nós deixássemos a<br />

natureza seguir seu curso e deixar que Deus tomasse a decisão. Ela era assim-religiosa, eu<br />

quero dizer- e eu acho que isso foi parte da razão que eu me apaixonei por ela. Mas não<br />

importa o que estivesse acontecendo nas nossas vidas, eu podia me imaginar deitado ao lado<br />

dela na cama no fim do dia, abraçando-a enquanto nós conversávamos e ríamos, perdidos nos<br />

braços um do outro.<br />

*Tipo de carro grande.<br />

Não soa tão irreal, certo? Quando duas pessoas se amam? Isso era o que eu pensava<br />

também. E enquanto uma parte de mim ainda quer acreditar que é possível, eu sei que não<br />

vai acontecer. Quando eu for embora de novo, eu nunca vou voltar.<br />

Por enquanto, no entanto, sentarei na encosta da colina espiando a fazenda dela e


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

espararei ela aparecer. Ela não poderá me ver, é claro. No exército, você aprende a se<br />

camuflar nos seus arredores, e eu aprendi bem, porque eu não tinha nenhum desejo de morrer<br />

em algum depósito de lixo estrangeiro no meio do deserto do Iraque. Mas eu tinha que voltar<br />

para essa pequena cidade montanhosa da Carolina do Norte para descobrir o que aconteceu.<br />

Quando uma pessoa coloca alguma coisa em movimento, há um sentimento de mal-estar,<br />

quase arrependimento, até você descobrir a verdade.<br />

Mas disso eu estou certo: Savannah nunca saberá que eu estou aqui hoje.<br />

Uma parte de mim dói só com o pensamento de ela estar tão perto e ainda assim tão<br />

intocável, mas a história dela e a minha são diferentes agora. Não foi fácil pra mim aceitar<br />

essa simples verdade, porque houve um tempo em que nossas histórias eram as mesmas, mas<br />

isso foi há seis anos e duas vidas atrás. Há lembranças para nós dois, é claro, mas eu aprendi<br />

que as memórias podem ter uma presença física, quase viva, e nisso, Savannah e eu somos<br />

diferentes também. Se as dela são as estrelas no céu da noite, as minhas são os espaços<br />

vazios entre elas. E diferente dela, eu tenho sido sobrecarregado com perguntas que eu tenho<br />

feito a mim mesmo mil vezes desde a última vez que nós estivemos juntos. Por que eu fiz o<br />

que fiz? E eu faria de novo? Fui eu, você sabe, quem acabou tudo.<br />

Nas árvores ao meu redor, as folhas estão só começando a lentamente mudar pra cor de<br />

fogo, reluzindo enquanto o sol espia sobre o horizonte. Os pássaros começaram seus cânticos<br />

matinais, e o ar está perfumado com o aroma de pinho e terra; diferente do aroma de mar e<br />

sal da minha cidade natal. Logo, a porta da frente se abre, e é aí que eu a vejo. Apesar da<br />

distância entre nós, eu me pego prendendo a respiração enquanto ela caminha em direção ao<br />

amanhecer. Ela se espreguiça descendo os degraus da frente e segue para o outro lado. Além<br />

dela, o pasto dos cavalos brilha como um oceano verde, e ela passa pelo portão que leva até<br />

ele. Um cavalo solta um cumprimento, assim como outro, e meu primeiro pensamento é que<br />

Savannah parece muito pequena para estar se movendo tão facilmente entre eles. Mas ela<br />

sempre foi confortável com cavalos, e eles eram confortáveis com ela. Meia dúzia deles<br />

mordiscam a grama perto da estaca da cerca, e Midas, o Arabian whitesocked* dela dispara<br />

para um lado. Eu cavalguei com ela uma vez, felizmente sem danos, e eu estava me


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

segurando como podia, lembro de pensar que ela parecia tão relaxada na sela que poderia<br />

estar assistindo televisão. Savannah leva um tempo pra cumprimentar Midas agora. Ela<br />

esfrega o nariz dele enquanto murmura algo, dá tapinhas nas coxas dele, e quando se vira, ele<br />

empina as orelhas enquanto ela segue em direção ao celeiro.<br />

*Raça de cavalo.<br />

Ela desaparece, então emerge mais uma vez, carregando dois sacos-grãos de aveia, eu<br />

acho. Ela segura os sacos em cima de duas estacas da cerca, e alguns dos cavalos trotam em<br />

direção a elas. Quando ela dá um passo atrás para dar espaço, eu vejo seu cabelo esvoaçar na<br />

brisa antes que ela pegue uma sela e um freio. Enquanto Midas come, ela o prepara para a<br />

corrida, e alguns minutos depois ela o está guiando para fora do pasto, em direção às trilhas<br />

da floresta, com a mesma aparência que ela tinha seis anos atrás. Eu sei que não é verdade - a<br />

vi de perto ano passado e notei as primeiras linhas finas começando a se formar ao redor dos<br />

seus olhos - mas o prisma pelo qual eu a enxergo permanece pra mim inalterado. Para mim,<br />

ela sempre terá 21 anos e eu sempre terei 23. Minha estação fica na Alemanha; eu ainda<br />

tenho que ir à Fallujah ou a Bagdá ou receber a carta dela, que eu li na estação da estrada de<br />

ferro de Samawah nas primeiras semanas da minha campanha; eu ainda tenho que voltar pra<br />

casa depois dos eventos que mudaram o curso da minha vida.<br />

Agora, com 29 anos, eu às vezes me pergunto sobre as escolhas que fiz. O exército se<br />

tornou a única vida que eu conheço. Não sei se eu deveria estar irritado ou contente com esse<br />

fato; na maioria do tempo, eu me encontro alternando entre os dois sentimentos, dependendo<br />

do dia. Quando as pessoas perguntam, digo a elas que sou um grunhido, e não estou<br />

mentindo. Ainda vivo em uma base na Alemanha, tenho talvez cem mil dólares em<br />

economias e não tenho um encontro há anos.<br />

Eu não surfo mais, mesmo quando estou de licença, mas nos meus dias de folga eu<br />

dirijo minha Harley para o norte ou para o sul, pra onde quer que o meu humor me levar. A<br />

Harley foi à única coisa melhor que eu já comprei pra mim mesmo, embora tenha custado<br />

uma fortuna naquele tempo. Combina comigo, desde que eu me tornei um tipo de solitário. A<br />

maioria dos meus amigos deixaram o serviço, mas eu provavelmente vou ser mandado de


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

volta para o Iraque nos próximos meses. Pelo menos, estes são os rumores que circulam na<br />

base. Na primeira vez que eu encontrei Savannah Lynn Curtis - para mim, ela sempre será<br />

Savannah Lynn Crutis - eu nunca poderia prever que a minha vida iria terminar do jeito que<br />

está ou acreditar que faria do exército a minha carreira.<br />

Mas eu a encontrei; isso é o que faz a minha vida atual ser tão estranha. Eu me<br />

apaixonei por ela quando nós estávamos juntos, então me apaixonei mais profundamente por<br />

ela nos anos que nós ficamos separados. Nossa estória tem três partes: um começo, um meio<br />

e um fim. E embora esse seja o modo que todas as estória se desenrolam, eu ainda não<br />

acredito que a nossa não durou para sempre.<br />

Eu reflito essas coisas, e como sempre, nosso tempo juntos volta pra mim. Eu me acho<br />

lembrando como começou por enquanto essas memórias são tudo que me restaram.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

PARTE I<br />

Um<br />

Wilmington, 2000<br />

Meu nome é John Tyree. Eu nasci em 1977, e cresci em Wilmington, Carolina do Norte,<br />

uma cidade que orgulhosamente ostenta o maior porto do estado assim como uma longa e<br />

vibrante história, mas agora ela me parece mais uma cidade que aconteceu por acidente.<br />

Claro, o tempo era ótimo e as praias eram perfeitas, mas a cidade não estava pronta para<br />

a onda de ianques* aposentados do norte que queriam algum lugar barato para passar seus<br />

anos de ouro. A cidade fica localizada em uma ponta de terra relativamente pequena, cercada<br />

pelo Rio Cape Fear de um lado e o oceano do outro. A rodovia 17 - que leva a praia Myrtle e<br />

a charleston - divide a cidade e serve como sua estrada principal. Quando eu era criança, meu<br />

pai e eu podíamos dirigir da zona histórica perto do Rio Cape Fear até a praia Wrightsville<br />

em dez minutos, mas tantos semáforos e shopping centers têm sido adicionados que agora<br />

pode levar uma hora, especialmente nos finais de semana, quando os turistas vêm de montes.<br />

A praia de Wrightsville, localizada em uma ilha logo além da costa, está no ponto mais norte<br />

de Wilmington e é de longe uma das praias mais populares do estado. As casas ao longo das<br />

dunas são ridiculamente caras, e a maioria delas são alugadas por todo o verão. Os Outer<br />

Banks devem ter um apelo mais romântico por causa do isolamento deles e os cavalos<br />

selvagens e aquele vôo pelo qual Orville e Wilbur** são famosos, mas me deixe lhe dizer<br />

uma coisa, a maioria das pessoas que vão à praia nas férias se sentem mais em casa quando<br />

podem achar um McDonald's ou um Burger King por perto, para o caso dos pequenos não<br />

gostarem muito da comida local, e querem mais do que duas opções quanto a atividades


Dear John<br />

noturnas.<br />

Nicholas Sparks<br />

*Americanos do norte dos EUA.<br />

**Os irmãos Wright, oficialmente, reconhecidos pela Fédération Aéronautique<br />

Internationale, pelos Estados Unidos da América e pela maioria dos países do mundo por<br />

projetarem e por realizarem o primeiro vôo controlado num aparelho mais pesado que o ar.<br />

Como todas as cidades, Wilmington é rica em alguns lugares e pobre em outros, e desde<br />

que meu pai conseguiu um dos empregos mais estáveis e sólidos do planeta-ele dirigia uma<br />

rota de entrega de correspondência para o correio - nós ficamos bem. Não ótimos, mas bem.<br />

Nós não éramos ricos, mas vivíamos perto o bastante da área rica da cidade para eu<br />

freqüentar uma das melhores escolas de lá. Embora, diferente das casas dos meus amigos, a<br />

nossa casa fosse velha e pequena; parte da varanda tinha começado a vergar, mas o jardim<br />

era o que salvava a casa. Havia um grande carvalho no quintal, e quando eu tinha oito anos<br />

de idade construí uma casa na árvore com pedaços de madeira que eu peguei de uma<br />

construção. Meu pai não me ajudou com o projeto (se ele martelasse uma unha, podia ser<br />

chamado honestamente de um acidente); foi no mesmo verão que eu ensinei a mim mesmo<br />

como surfar. Acho que eu deveria ter me dado conta aí do quanto meu pai e eu éramos<br />

diferentes, mas isso só mostra o quão pouco você sabe sobre a vida quando se é uma criança.<br />

Meu pai e eu éramos tão diferentes um do outro quanto duas pessoas podem<br />

possivelmente ser. Ele era passivo e introspectivo, eu estava sempre me movimentando e<br />

odiava ficar sozinho; ele dava grande valor à educação, escola para mim era como um clube<br />

social com esportes inseridos. Ele tinha uma má postura e tendia a arrastar os pés quando<br />

andava; eu saltava aqui e ali, pedindo a ele pra marcar quanto tempo eu levava pra correr até<br />

o final do quarteirão e voltar. Eu era mais alto que ele quando estava na oitava série e podia<br />

ganhar dele na queda de braço um ano depois. Nossas características físicas eram<br />

completamente diferentes também. Enquanto ele tinha cabelos cor de areia, olhos cor de<br />

avelã e sardas, eu tinha olhos e cabelos castanhos e minha pele azeitonada escurecia para um<br />

forte bronzeado em maio. Nossas diferenças foram tomadas pelos nossos vizinhos como<br />

estranhas, eu acho, considerando que ele tinha me criado sozinho. Quando fiquei mais velho,<br />

algumas vezes eu ouvia eles cochichando sobre o fato de que minha mãe tinha fugido quando


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

eu tinha menos de um ano. Embora mais tarde eu tenha suspeitado que minha mãe tivesse<br />

encontrado outra pessoa, meu pai nunca confirmou isso. Tudo o que ele tinha dito era que ela<br />

tinha se dado conta que tinha cometido um erro casando tão jovem, e que ela não estava<br />

pronta para ser uma mãe. Ele nem tratava ela com desdém, nem a elogiava, mas se certificou<br />

que eu a incluísse nas minhas orações, não importando onde ela estivesse ou o que ela havia<br />

feito.<br />

"Você me lembra ela," ele tinha dito algumas vezes.<br />

Até hoje, eu nunca falei uma única palavra com ela, nem tenho nenhum desejo de falar.<br />

Eu acho que meu pai era feliz. Eu coloco assim porque ele raramente mostrava suas<br />

emoções. Abraços e beijos eram uma raridade pra mim quando eu estava crescendo, e<br />

quando aconteciam, eles geralmente pareciam sem vida, algo que ele tinha feito porque<br />

sentiu que tinha que fazer, não porque ele quisesse fazer. Eu sei que ele me amava pelo modo<br />

que ele se dedicou a cuidar de mim, mas ele tinha 43 anos quando me teve, e uma parte de<br />

mim acha que meu pai se daria melhor como um monge do que como um pai. Ele era o<br />

homem mais quieto que eu já conheci. Fazia poucas perguntas sobre o que estava<br />

acontecendo na minha vida, e do mesmo jeito que raramente ficava com raiva, ele raramente<br />

brincava. Vivia para a rotina. Fazia ovos mexidos, torradas e bacon para mim todas as<br />

manhãs e ouvia eu falar sobre a escola, no jantar que ele também tinha nos preparado. Ele<br />

marcava visitas ao dentista com dois meses de antecedência, pagava suas contas no sábado<br />

de manhã, lavava a roupa no domingo à tarde e saía de casa todo dia exatamente às 7:35 da<br />

manhã. Ele era socialmente estranho e passava longas horas sozinho todos os dias, deixando<br />

pacotes e maços de cartas nas caixas de correio ao longo da sua rota. Ele não namorava, nem<br />

passava noites de fim de semana jogando poker com seus colegas; o telefone podia ficar em<br />

silêncio por semanas. Quando tocava, ou era engano ou telemarketing. Eu sei o quanto deve<br />

ter sido difícil pra ele me criar sozinho, mas ele nunca reclamava, nem mesmo quando eu o<br />

desapontava.<br />

Eu passava a maioria das minhas tardes sozinho. Com as obrigações do dia finalmente


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

finalizadas, meu pai ia pra sua toca ficar com as suas moedas. Essa era a maior paixão da<br />

vida dele. Ele ficava muito contente quando sentado na sua toca, estudando uma carta de um<br />

negociador de moedas apelidado de Greysheet e tentando descobrir qual era a próxima<br />

moeda que ele devia adicionar a sua coleção. O herói do meu avô era um homem chamado<br />

Louis Eliasberg, um financiador de Baltimore que é a única pessoa a ter reunido uma coleção<br />

completa das moedas dos Estados Unidos, incluindo várias datas e marcas da Casa da<br />

Moeda. Sua coleção se igualava se não superasse a coleção do Smithsonian*, e depois da<br />

morte da minha avó em 1951, meu avô ficou obcecado com a idéia de construir uma coleção<br />

com o filho. Durante os verões, meu avô e meu pai viajavam de trem pra várias Casas da<br />

Moeda para coletar moedas de primeira mão ou visitavam vários eventos de moedas no<br />

sudeste. Logo, meu avô e meu pai estabeleceram relações com negociadores de moedas por<br />

todo o país, e meu avô gastou uma fortuna negociando e melhorando a coleção todos esses<br />

anos. Mas diferente de Eliasberg, contudo, meu avô não era rico-ele tinha um armazém em<br />

Burgaw que faliu quando a Piggly Wiggly** abriu suas portas por toda a cidade-e nunca teve<br />

chance de alcançar a coleção do Eliasberg. Mesmo assim, todo dólar extra se transformava<br />

em mais moedas. Meu avô vestiu a mesma jaqueta por trinta anos, dirigiu o mesmo carro a<br />

vida toda, e eu tenho certeza que meu pai foi trabalhar para o correio ao invés de ir para a<br />

faculdade porque não sobrou um centavo para pagar qualquer coisa além do Ensino Médio.<br />

Ele era um cara estranho, com certeza, assim como meu pai. Tal pai, tal filho, como diz o<br />

velho ditado. Quando o velho finalmente passou dessa pra melhor, ele especificou no<br />

testamento que a casa seria vendida e o dinheiro seria usado para comprar mais moedas, o<br />

que provavelmente seria o que meu pai teria feito de qualquer forma.<br />

*Instituição educacional e de pesquisa associada a um complexo de museus,<br />

administrada e fundada pelo governo dos Estados Unidos.<br />

**Rede de supermercados.<br />

Quando meu pai herdou a coleção, já era bem valiosa. Quando a inflação subiu para o<br />

telhado e o ouro atingiu $850 a onça*, valia uma pequena fortuna, mais do que o suficiente<br />

para o meu pai econômico se aposentar algumas vezes e mais do que valeria 25 anos depois.<br />

Mas nem meu avô nem meu pai tinham começado a colecionar pelo dinheiro; eles estavam<br />

nisso pela emoção da caçada e pelo laço que se criou entre eles.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Tinha alguma coisa excitante em longas e duras procuras por uma moeda específica,<br />

finalmente localizá-la, depois negociar para conseguí-la pelo preço certo. Algumas vezes eles<br />

podiam pagar por uma moeda, outras vezes não, mas cada peça que eles adicionavam à<br />

coleção era um tesouro. Meu pai esperava partilhar a mesma paixão comigo, incluindo o<br />

sacrifício que ela requeria. Crescendo, eu tive que dormir com cobertores extras no inverno, e<br />

eu só comprava um único par de sapatos por ano; nunca havia dinheiro para minhas roupas, a<br />

não ser que elas viessem do Exército da Salvação**. Meu pai nem tinha uma câmera. A única<br />

foto tirada de nós foi em um evento de moedas em Atlanta. Um negociador tirou nossa foto<br />

enquanto nós estávamos de pé em frente a sua barraca e depois nós enviou a foto. Por anos<br />

ela ficou empoleirada na mesa do meu pai. Na foto, o braço do meu pai estava jogado sobre<br />

os meus ombros, e nós dois estávamos sorrindo alegremente. Na minha mão, eu segurava um<br />

níquel búfalo 1926-D em condição de pedra preciosa, uma moeda que meu pai tinha acabado<br />

de comprar. Estava entre os níqueis búfalos mais raros, e nós acabamos comendo cachorro<br />

quente e feijão por um mês, visto que a moeda custou mais do que ele esperava.<br />

*Medida do sistema americano que corresponde a 31g mais ou menos.<br />

**Uma das maiores instituições de caridade do mundo.<br />

Mas eu não me importava com os sacrifícios - por um tempo de qualquer forma.<br />

Quando meu pai começou a falar comigo sobre moedas-eu devia estar na primeira ou<br />

segunda série na época-ele falou comigo como um igual. Ter um adulto, especialmente seu<br />

pai, tratando você como um igual é uma coisa importante para qualquer criança, e eu<br />

aproveitava a atenção absorvendo a informação. Logo eu podia lhe dizer quantas águias<br />

duplas Saint-Gaudens foram cunhadas em 1927 comparadas com 1924 e porque uma moeda<br />

de dez centavos Barber cunhada em Nova Orleans era dez vezes mais valiosa do que a<br />

mesma moeda cunhada no mesmo ano na Filadélfia. Eu ainda posso, a propósito. Ainda que,<br />

diferente do meu pai, eu comecei a parar com a minha paixão por moedas.<br />

Era tudo sobre o que meu pai parecia ter a capacidade de falar, e depois de seis ou sete<br />

anos de finais de semana passados com ele ao invés de com amigos, eu queria sair. Como a<br />

maioria dos garotos, eu comecei a me importar com outras coisas: esportes, garotas, carros e


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

música, primeiramente, e quando fiz 14 anos, eu passava muito pouco tempo em casa. Meu<br />

ressentimento começou a crescer também. Pouco a pouco, eu comecei a notar diferenças no<br />

modo que nós vivíamos quando me comparava com a maioria dos meus amigos. Enquanto<br />

eles tinham dinheiro para gastar indo ao cinema ou comprando um par de óculos estiloso, eu<br />

me achava procurando por moedas no sofá pra comprar um hambúrguer no McDOnald's.<br />

Mais do que alguns dos meus amigos receberam carros nos seus aniversários de 16 anos;<br />

meu pai me deu um dólar prateado Morgan de 1883 cunhado em Carson City. Os rasgos do<br />

nosso sofá usado eram cobertos por um cobertor, e nós éramos a única família que eu<br />

conheço que não tinha tv a cabo ou um forno microondas.<br />

Quando a nossa geladeira quebrou, ele comprou uma usada que era da cor do tom mais<br />

horroroso de verde do mundo, uma cor que não combinava com mais nada na cozinha. Eu<br />

ficava com vergonha só de pensar em chamar meus amigos para me visitar, e culpei meu pai<br />

por isso. Eu sei que era muito ridículo eu me sentir assim - se a falta de dinheiro me<br />

incomodava tanto, eu poderia ter aparado gramados ou arranjado empregos estranhos, por<br />

exemplo, mas as coisas eram assim. Eu era cego como um caracol e bobo como um camelo,<br />

mas mesmo que eu lhe dissesse que eu me arrependo da minha imaturidade agora, eu não<br />

posso desfazer o passado.<br />

Meu pai sentiu que alguma coisa estava mudando, mas ele estava perdido sobre o que<br />

fazer com a gente. Ele tentou, no entanto, do único modo que ele sabia, do único modo que o<br />

pai dele sabia. Ele falava sobre moedas-era o único assunto que ele podia discutir com<br />

facilidade-e continuou a fazer meus cafés-da-manhã e jantares; mas o nosso estranhamento<br />

cresceu com o tempo. Ao mesmo tempo, eu me afastei dos amigos que eu sempre conheci.<br />

Eles começaram a fazer panelinhas, baseadas principalmente em que filmes eles iriam ver ou<br />

nas últimas camisas que eles tinham comprado no shopping, eu percebi que estava olhando<br />

pra eles de fora. Que se danem, eu pensei. No Ensino Médio, existe sempre um espaço pra<br />

todo mundo, eu comecei a me juntar com o tipo errado de pessoas, pessoas que não davam a<br />

mínima pra nada, o que me deixava não dando a mínima também. Eu comecei a cabular<br />

aulas e a fumar e fui suspenso três vezes por brigar.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu desisti dos esportes também. Eu tinha jogado futebol americano, basquete e<br />

praticado corrida até o segundo ano, e embora meu pai algumas vezes perguntasse como eu<br />

tinha ido quando eu chegava em casa, ele parecia desconfortável se eu entrasse em detalhes,<br />

visto que era óbvio que ele não sabia nada de esportes. Ele nunca participou de um time na<br />

vida. Ele apareceu para um único jogo de basquete durante o meu segundo ano. Sentou nas<br />

arquibancadas, um estranho cara careca vestindo uma jaqueta de esportes usada e meias que<br />

não combinavam. Embora ele não fosse obeso, suas calças apertavam na cintura, fazendo-o<br />

parecer como se estivesse grávido de três meses, e eu sabia que não queria ter nada a ver com<br />

ele. Eu fiquei desconcertado com a sua aparência e depois do jogo eu o evitei. Não sinto<br />

orgulho de mim mesmo por isso, mas era assim que eu era.<br />

As coisas pioraram. No meu último ano, minha rebeldia atingiu um ponto alto. Minhas<br />

notas vinham escorregando por dois anos, mais por preguiça e falta de cuidado que por<br />

inteligência (eu gosto de pensar), e mais de uma vez meu pai me pegou entrando às<br />

escondidas em casa com bafo de birita. Eu fui escoltado até em casa pela polícia depois de<br />

ser encontrado em uma festa onde drogas e bebida eram evidentes, e quando meu pai me<br />

colocou de castigo, eu fiquei na casa de um amigo por algumas semanas depois de esbravejar<br />

com ele para cuidar da sua própria vida. Ele não disse nada quando eu voltei; ao invés disso,<br />

ovos mexidos, torradas e bacon estavam na mesa de manhã como sempre. Eu mal passei de<br />

ano, e suspeito que a escola deixou eu me formar simplesmente porque me queriam fora de<br />

lá. Eu sei que meu pai estava preocupado, e ele às vezes, do seu modo tímido, abordava o<br />

assunto da universidade, mas nesse tempo, eu já tinha decidido não ir. Eu queria um<br />

emprego, eu queria um carro, eu queria aquelas coisas materiais que eu tinha vivido dezoito<br />

anos sem.<br />

Eu não disse nada pra ele sobre isso de um jeito ou de outro até o verão depois da<br />

formatura, mas quando ele se deu conta que eu não tinha nem me inscrito em alguma<br />

universidade, ele se trancou em sua toca pelo resto da noite e não me disse nada durante o<br />

nosso ovos com bacon na manhã seguinte. Mais tarde naquele dia, ele tentou me envolver em<br />

outra discussão sobre moedas, como se estivesse se agarrando ao companheirismo que tinha<br />

de algum modo se perdido entre nós.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Lembra quando nós fomos para Atlanta e foi você que achou aquele níquel de cabeça<br />

de búfalo que nós procuramos por anos?" ele começou. "Aquele dia que tiraram a nossa foto?<br />

Eu nunca vou esquecer o quanto você estava animado. Me lembrou do meu pai e eu."<br />

Eu sacudi a cabeça, toda a frustração da vida com o meu pai vindo à superfície.<br />

"Eu estou de saco cheio e cansado de ouvir sobre moedas!" Eu gritei pra ele. "Não<br />

quero nunca mais ouvir falar sobre isso! Você devia vender essa maldita coleção e fazer outra<br />

coisa. Qualquer coisa!"<br />

Meu pai não disse nada, mas eu nunca esquecerei a sua expressão de dor quando ele<br />

finalmente se virou e se arrastou de volta até sua toca. Eu tinha machucado ele, e embora<br />

tenha dito a mim mesmo que não queria fazer isso, lá no fundo eu sabia que estava mentindo<br />

pra mim mesmo. A partir daí meu pai raramente puxou o assunto das moedas de novo. Nem<br />

eu. Se tornou um enorme abismo entre nós, e nos deixou sem nada a dizer um ao outro.<br />

Alguns dias depois me dei conta de que a nossa única fotografia tinha desaparecido,<br />

como se ele acreditasse que até mesmo a mínima lembrança de moedas me ofenderia.<br />

Naquele tempo provavelmente me ofenderia, e mesmo eu supondo que ele tinha jogado a<br />

foto fora, essa descoberta não me incomodou nem um pouco.<br />

Crescendo, eu nunca considerei entrar no exército. Apesar do fato de que o leste da<br />

Carolina do Norte é uma da áreas mais militarmente densas do país-você pode ver sete bases<br />

em algumas horas de passeio de carro por Wilmington-eu costumava pensar que a vida<br />

militar era para perdedores. Quem queria passar a vida recebendo ordem de um bando de<br />

homens de uniforme com crew-cut?* Eu não, e tirando os caras do ROTC**, nem muitas<br />

pessoas na minha escola. Ao invés disso, muitos que tinham sido bons alunos iam para a<br />

Universidade da Carolina do Norte ou para a North Carolina State, enquanto as crianças que<br />

não tinham sido bons estudantes ficavam pra trás, vagabundeando de um péssimo emprego a<br />

outro, bebendo cerveja e saindo por aí, e evitando a qualquer custo alguma coisa que


Dear John<br />

requeresse uma sombra de responsabilidade.<br />

Nicholas Sparks<br />

*Um tipo de corte de cabelo que é bem curtinho, tipo militar mesmo, sabem? Procurei<br />

uma tradução, mas a melhorzinha que eu achei foi "corte de cabelo à escovinha", aí não dá<br />

né?<br />

**Reserve Officer Training Corps, Subdivisão de Treinamento de Oficiais da Reserva,<br />

um tipo de colégio militar.<br />

Eu caí na última categoria. Nos dois primeiros anos depois da formatura, eu tive uma<br />

sucessão de empregos, trabalhando como garçom no Outback Steakhouse, recolhendo<br />

canhotos de ingressos no cinema local, carregando e descarregando caixas na Staples,<br />

fazendo panquecas na Waffle House, e trabalhando como caixa em alguns lugares turísticos<br />

que vendiam porcarias para as pessoas de fora da cidade. Eu gastava cada centavo que<br />

ganhava, não tinha nenhuma ilusão sobre ascender na escala profissional, e acabei sendo<br />

despedido de todo trabalho que eu tive. Por um tempo, eu não me importava. Estava vivendo<br />

minha vida. Eu era profissional em surfar e dormir até tarde, e visto que eu ainda estava<br />

vivendo em casa, nada do que eu ganhava era necessário pra coisas como aluguel ou comida<br />

ou seguro ou preparação para o futuro. Além disso, nenhum dos meus amigos estava melhor<br />

do que eu. Eu não me lembro de ser particularmente infeliz, mas depois de um tempo fiquei<br />

cansado da minha vida. Não a parte do surf - em 1996, os furacões Bertha e Fran atingiram a<br />

costa, e aquelas foram algumas das melhores ondas em anos - mas ir pro bar Leroy's depois<br />

do surf. Eu comecei a perceber que toda noite era a mesma. Eu bebia cerveja e esbarrava com<br />

alguém que conhecia da escola, e eles perguntavam o que eu estava fazendo e eu lhes dizia, e<br />

eles me contavam o que estavam fazendo, e não precisava ser um gênio pra se dar conta de<br />

que os dois estavam na estrada mais rápida pra lugar nenhum. Mesmo se eles tivessem suas<br />

próprias casas, o que eu não tinha, eu nunca acreditei neles quando me contavam que<br />

gostavam de seus trabalhos como cavadores de valeta ou limpadores de janela ou<br />

transportadores de Porta Potti*, porque eu sabia muito bem que nenhum desses trabalhos era<br />

o tipo de ocupação que eles cresceram sonhando em ter. Eu posso ter sido preguiçoso na sala<br />

de aula, mas eu não era burro.<br />

*Vaso sanitário portátil.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu fiquei com dúzias de garotas naquele período. No Leroy's sempre havia mulheres. A<br />

maioria eram relações que eu esquecia com facilidade. Eu usei mulheres, me permiti ser<br />

usado e sempre manti meus sentimentos pra mim mesmo. Apenas a minha relação com uma<br />

menina chamada Lucy durou mais que alguns meses, e por um tempo antes de nós<br />

inevitavelmente nos separarmos, eu pensei que estava apaixonado por ela. Ela era estudante<br />

na UNC* Wilmington, um ano mais velha que eu, e queria trabalhar em Nova York depois de<br />

se formar. "Eu me importo com você," ela me disse na nossa última noite juntos, "mas você e<br />

eu queremos coisas diferentes. Você poderia fazer muito mais com a sua vida, mas por<br />

alguma razão, está contente em simplesmente flutuar por ela." Ela hesitou antes de continuar.<br />

"Mas mais do que isso, eu nunca sei o que você realmente sente por mim." Eu sabia que ela<br />

estava certa. Logo depois ela foi embora em um avião sem se importar em dizer adeus. Um<br />

ano mais tarde, depois de conseguir o número com seus pais, liguei pra ela e nos falamos por<br />

vinte minutos.<br />

Estava noiva de um advogado, ela me disse, e estaria casada em Junho próximo.<br />

*Universidade da Carolina do Norte.<br />

A ligação me afetou mais do que eu pensei que me afetaria. Veio em um dia em que eu<br />

tinha acabado de ser demitido - de novo - fui me consolar no Leroy's, como sempre. O<br />

mesmo grupo de perdedores estava lá, e eu de repente me dei conta de que não queria passar<br />

outra tarde sem sentido fingindo que tudo na minha vida estava bem. Ao invés disso eu<br />

comprei um pacote de seis cervejas e fui sentar na praia.<br />

Era a primeira vez em anos que eu realmente pensava no que estava fazendo com a<br />

minha vida, e me perguntei se deveria seguir o conselho do meu pai e conseguir um diploma<br />

universitário. Porém, eu tinha ficado fora da escola por tanto tempo que a idéia me pareceu<br />

estranha e ridícula. Chame de sorte ou má sorte, mas nessa hora dois fuzileiros navais<br />

apareceram. Jovens e em forma, eles irradiavam fácil confiança. Se eles podiam fazer, falei<br />

pra mim mesmo, eu também podia.<br />

Refleti sobre isso alguns dias, e no final, meu pai teve alguma coisa a ver com a minha


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

decisão. Não que eu tenha falado com ele sobre isso, claro-nós não estávamos nos falando à<br />

essa altura. Eu estava indo a cozinha uma noite e o vi sentado à sua mesa, como sempre. Mas<br />

desta vez, eu realmente o analisei. Seus cabelos eram quase inexistentes, e o pouco que<br />

restou tinha se tornado completamente cinza acima das orelhas. Ele estava perto de se<br />

aposentar, e eu fui atingido pela noção de que eu não tinha o direito de continuar<br />

decepcionando-o depois de tudo que ele tinha feito por mim.<br />

Então eu ingressei no exército. Meu primeiro pensamento foi que eu iria me juntar a<br />

Marinha, visto que eles eram os caras com quem eu estava mais familiarizado. A praia de<br />

Wrightsville estava sempre lotada com jarheads* de Camp Lejeune ou Cherry Point, mas<br />

quando a hora chegou, eu escolhi o exército. Me dei conta que seguraria um rifle de qualquer<br />

maneira, mas o que realmente foi decisivo foi que o recrutador da Marinha estava em horário<br />

de almoço quando eu apareci e não estava disponível imediatamente, enquanto o recrutador<br />

do exército - cujo escritório era do outro lado da rua - estava. No final, a decisão pareceu<br />

mais espontânea do que planejada, mas eu assinei na linha pontilhada pra um alistamento de<br />

quatro anos, e quando o recrutador deu palminhas nas minhas costas enquanto eu saía porta a<br />

fora, eu me encontrei me perguntando no que eu tinha me metido. Isso foi no final de 1997, e<br />

eu tinha 20 anos de idade.<br />

*Membro da marinha americana. Quando usado por civis pode ser considerado<br />

depreciativo, mas é usado com frequência entre os marinheiros.<br />

O Boot Camp* em Fort Benning foi tão horrível como eu pensei que seria. A coisa toda<br />

parecia projetada para humilhar e fazer uma lavagem nos nossos cérebros pra seguirmos<br />

ordens sem perguntas, não importando o quão estúpidas elas fossem, mas eu me adaptei mais<br />

rapidamente do que muitos caras. Uma vez que eu passei por isso, escolhi a infantaria. Nós<br />

passamos os próximos meses fazendo muitas simulações em lugares como Lousisiana e o<br />

bom e velho Fort Bragg, onde nós basicamente aprendemos a melhor maneira de matar<br />

pessoas e quebrar coisas; e depois de um tempo, minha unidade, como parte da Primeira<br />

Divisão de Infantaria - mais conhecida como a Grande Vermelha - foi mandada para a<br />

Alemanha. Eu não falava uma palavra em alemão, mas não importava, visto que todo mundo<br />

com quem eu lidava falava inglês. Foi fácil no começo, então a vida no exército se instalou.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu passei sete meses preguiçosos nos Balcãs - primeiro na Macedônia em 1999, depois em<br />

Kosovo onde eu fiquei até o final da primavera de 2000. A vida no exército não pagava<br />

muito, mas considerando que não havia aluguel, gastos com comida e realmente nada com o<br />

que gastar meus salários até mesmo quando eu os recebia, eu tinha dinheiro no banco pela<br />

primeira vez. Não muito, mas o suficiente.<br />

*Lugar onde os soldados são treinados.<br />

Eu passei a minha primeira licença em casa completamente entediado.<br />

A minha segunda licença eu passei em Las Vegas. Um dos meus colegas tinha crescido<br />

lá, e três de nós ficamos na casa dos pais dele. Eu acabei com praticamente tudo que tinha<br />

economizado. Na minha terceira licença, depois de voltar de Kosovo, eu estava<br />

desesperadamente necessitando de uma pausa e decidi voltar pra casa, esperando que o tédio<br />

da visita fosse acalmar a minha mente. Por causa da distância, meu pai e eu raramente<br />

falávamos no telefone, mas ele me escrevia cartas que eram sempre seladas no primeiro dia<br />

de cada mês. Elas não eram como as que meus colegas recebiam de suas mães, irmãs e<br />

esposas. Nada muito pessoal, nada piegas, e nunca uma palavra que sugerisse que ele sentia a<br />

minha falta. E ele tão pouco mencionava moedas. Ao invés disso, ele escrevia sobre<br />

mudanças na vizinhança e muito sobre o tempo; quando eu escrevi para contar a ele sobre<br />

um fogo cruzado bem cabeludo que eu tive nos Balcãs, ele escreveu de volta pra dizer que<br />

estava feliz que eu tinha sobrevivido, mas não disse mais nada sobre isso. Eu sabia pelo<br />

modo que ele tinha expressado sua resposta que ele não queria ouvir sobre as coisas<br />

perigosas que eu fazia. O fato de eu estar em perigo o aterrorizava, então eu comecei a omitir<br />

as coisas assustadoras. Ao invés disso, eu mandava cartas sobre como o dever de guarda era,<br />

sem sombra de dúvida, o emprego mais entediante e a única coisa excitante que acontecia<br />

comigo era tentar adivinhar quantos cigarros os outros guardas fumariam em uma única<br />

tarde. Meu pai terminava cada carta com a promessa de que escreveria de novo logo, e mais<br />

uma vez, o homem não me decepcionou. Ele era, eu comecei a acreditar nisso a muito tempo,<br />

um homem muito melhor do que eu jamais serei.<br />

Mas eu tinha crescido nos últimos três anos. Sim, eu sei, sou um clichê ambulante -


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

entrar como um garoto, sair como um homem e tudo isso. Mas todo mundo no exército é<br />

forçado a crescer, especialmente se você é da infantaria como eu. Você é confiado com<br />

equipamento que custa uma fortuna, outros põem sua confiança em você, e se você estragar<br />

alguma coisa, a penalidade é bem mais séria do que ser mandado pra cama sem o jantar.<br />

Claro, há muita papelada e tédio, e todo mundo fuma e não consegue completar uma frase<br />

sem xingar e têm caixas de revistas safadas embaixo de suas camas, e você tem que<br />

responder aos caras da ROTC que acabaram de sair da universidade que acham que brutos<br />

como eu têm o QI de um Neanderthal; mas você é forçado a aprender a lição mais importante<br />

da vida, que é o fato de que você tem que aprender a viver com as suas responsabilidades, e é<br />

melhor você fazer isso direito. Quando recebe uma ordem você não pode dizer não. Não é<br />

exagero dizer que vidas estão por um fio. Uma decisão errada e o seu colega pode morrer. É<br />

esse fato que faz o exército funcionar. É esse o grande erro que as pessoas cometem quando<br />

se perguntam como os soldados podem colocar suas vidas em risco dia após dia ou como eles<br />

podem lutar por algo em que não acreditam. Nem todo mundo desacredita. Eu trabalhei com<br />

soldados de todos os lados do espectro político; encontrei alguns que odiavam o exército e<br />

outros que queriam fazer dele uma carreira. Encontrei gênios e idiotas, mas quando tudo é<br />

dito e feito, nós fazemos o que fazemos uns pelos outros. Por amizade. Não pelo país, não<br />

por patriotismo, não por que somos máquinas programadas para matar, mas por causa do cara<br />

ao seu lado. Você luta pelo seu amigo, para manter ele vivo, e ele luta por você e tudo no<br />

exército é construído sobre essa simples premissa.<br />

Mas como eu disse, eu tinha mudado. Entrei no exército como um fumante e quase<br />

coloquei um pulmão pra fora no Boot Camp, mas diferente de praticamente todos da minha<br />

unidade, eu parei e não encosto nessas coisas há mais de dois anos. Moderei minha bebedeira<br />

até o ponto que uma ou duas cervejas por semana eram suficientes, e deve fazer um mês que<br />

eu não tomo nenhuma. Meu recorde era sem sentido. Eu fui promovido de soldado raso à<br />

cabo e depois, seis meses mais tarde, à sargento, e descobri que tinha uma habilidade de<br />

liderar. Eu liderava homens em fogo cruzados e meu esquadrão estava envolvido na captura<br />

de um dos criminosos de guerra mais perigosos dos Balcãs. Meu oficial comandante me<br />

recomendou à Escola para Candidatos a Oficial (OCS), e eu estava debatendo se iria me<br />

tornar um oficial ou não, mas isso às vezes significava um emprego de escritório e ainda


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

mais papelada, e eu não estava certo se queria isso. Tirando o surfe eu não tinha feito<br />

exercício por anos antes de ingressar no serviço; na época que eu tirei minha terceira licença,<br />

ganhei 7 quilos de músculos e acabei com os pneuzinhos da minha barriga. Passava a maior<br />

parte do meu tempo livre correndo, praticando boxe e levantando peso com Tony, um fortão<br />

de Nova York que sempre gritava quando falava, jurava que tequila era um afrodisíaco, e era<br />

de longe o meu melhor amigo na unidade. Ele me convenceu a fazer tatuagens nos dois<br />

braços assim como ele, e a cada dia que passava, a memória de quem eu fora um dia se<br />

tornava mais e mais distante.<br />

Eu lia bastante também. No exército você tem um bocado de tempo pra ler, e as pessoas<br />

negociam livros aqui e ali ou alugam da biblioteca até que as capas estejam desgastadas. Eu<br />

não quero que você tenha a impressão de que eu me tornei um erudito, porque eu não me<br />

tornei. Eu não estava interessado em Chaucer, Proust, Dostoievski ou qualquer um desses<br />

caras mortos; eu lia principalmente mistérios, suspenses e os livros do Stephen King, criei<br />

uma ligação particular com Carl Hiaasen porque as palavras dele fluíam facilmente e ele<br />

sempre me fazia rir. Eu não podia evitar pensar que se a escola tivesse indicado esses livros<br />

nas aulas de inglês, nós teríamos muito mais leitores no mundo.<br />

Diferente dos meus colegas eu evitei qualquer perspectiva de companhia feminina.<br />

Parece estranho, certo? No auge da vida, um trabalho cheio de testosterona - o que poderia<br />

ser mais natural do que procurar por uma pequena libertação com ajuda feminina? Não era<br />

para mim. Embora alguns dos caras que eu conhecia namoravam e até casavam com algumas<br />

moradoras locais enquanto estavam com estação em Wiirzburg, eu tinha ouvido bastante<br />

estórias para saber que esses casamentos raramente davam certo. O exército era duro com<br />

relações em geral-eu havia visto bastante divórcios para saber disso - e embora eu não tivesse<br />

achado ruim a companhia de alguém especial, nunca aconteceu. Tony não entendia.<br />

"Você tem que vir comigo," ele suplicou. "Você nunca vem."<br />

"Não estou a fim."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Como você pode não estar a fim? Sabine jura que a amiga dela é linda. Alta e loira, e<br />

ela adora tequila."<br />

"Leve o Don. Eu tenho certeza de que ele gostaria de ir."<br />

"Castelow? De jeito nenhum. Sabine não o suporta."<br />

Eu não disse nada.<br />

"Nós só vamos nos divertir um pouco."<br />

Balancei minha cabeça, pensando que eu preferia ficar sozinho a voltar a ser o tipo de<br />

pessoa que eu era, mas me peguei me perguntando se acabaria sendo tão monge quanto meu<br />

pai. Sabendo que não poderia me fazer mudar de idéia, Tony não se importou em esconder<br />

sua chateação no seu caminho até a porta.<br />

"Eu não te entendo às vezes."<br />

Quando meu pai me pegou no aeroporto, ele não me reconheceu a princípio e quase<br />

pulou quando dei umas palmadinhas no ombro dele. Ele parecia ser menor do que eu me<br />

lembrava. Ao invés de me oferecer um abraço, apertou minha mão e me perguntou sobre o<br />

vôo, mas nenhum de nós sabia o que dizer depois disso, então saímos do aeroporto. Era<br />

estranho e desorientador estar de volta em casa, e eu me senti com os nervos à flor da pele,<br />

como da última vez que tinha tirado licença. No estacionamento, enquanto eu jogava minha<br />

bagagem na mala, vi na traseira do Ford Escort ancião dele um adesivo de pára-choque que<br />

dizia para as pessoas APOIAREM NOSSAS TROPAS. Eu não estava certo do que aquilo<br />

significava para o meu pai, mas fiquei contente em ver.<br />

Em casa, guardei minha bagagem no meu antigo quarto. Tudo estava onde eu me<br />

lembrava, os troféus empoeirados na minha estante e uma garrafa vazia de Wild Turkey no<br />

fundo da minha gaveta de roupas de baixo. A mesma coisa no resto da casa. O cobertor ainda


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

cobria o sofá, a geladeira verde parecia gritar que aquele não era o seu lugar, e a televisão<br />

pegava apenas quatro canais embaçados. Meu pai cozinhou spaghetti; sexta era sempre<br />

spaghetti. No jantar, nós tentamos conversar.<br />

"É bom estar de volta," eu disse.<br />

Seu sorriso foi breve. "Bom," ele respondeu.<br />

refeição.<br />

Tomou um gole de leite. No jantar, nós sempre bebíamos leite. Ele se concentrou na sua<br />

"Você se lembra do Tony?" Eu me aventurei. "Acho que eu o mencionei nas minhas<br />

cartas. De qualquer forma, veja só-ele acha que está apaixonado. O nome dela é Sabine, e ela<br />

tem uma filha de seis anos. O alertei de que essa pode não ser uma boa idéia, mas ele não me<br />

ouve."<br />

Ele cuidadosamente salpicou queijo Parmesão na sua comida, se certificando de que<br />

todos os lugares tivessem a quantidade perfeita. "Oh," ele disse. "Certo." Depois disso, eu<br />

comi e nenhum de nós disse nada. Bebi leite. Comi mais um pouco. O relógio fez tique-taque<br />

na parede.<br />

"Aposto que você está animado para se aposentar esse ano," sugeri. "Pense que você<br />

poderá finalmente tirar umas férias, ver o mundo." Eu quase disse que ele poderia vir me<br />

visitar na Alemanha, mas me segurei. Eu sabia que ele não iria e não queria colocá-lo contra<br />

a parede. Enrolamos nossos macarrões simultaneamente enquanto ele parecia ponderar o<br />

melhor jeito de responder.<br />

"Não sei," disse finalmente.<br />

Desisti de tentar falar com ele, e a partir daí os únicos sons eram aqueles vindos dos<br />

nossos garfos quando atingiam os pratos. Quando terminamos o jantar, tomamos nossos


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

caminhos diferentes. Exausto por causa do vôo, fui para a cama, acordando a cada hora como<br />

eu fazia quando estava na base. Na hora que eu me levantei pela manhã, meu pai já tinha ido<br />

para o trabalho.<br />

Comi e li o jornal, tentei falar com um amigo, sem sucesso, então peguei minha prancha<br />

de surfe na garagem e fui à praia. As ondas não estavam ótimas, mas não importava. Eu não<br />

tinha estado numa prancha havia três anos e estava meio enferrujado a princípio, mas até<br />

mesmo os menores dribles me fizeram desejar que minha estação fosse perto do oceano. Era<br />

começo de junho de 2000, a temperatura já estava quente e a água era refrescante. Do meu<br />

ponto de vantagem na minha prancha, eu podia ver pais levando seus pertences a algumas<br />

das casas além das dunas.<br />

Como eu mencionei, a praia de Wrightsville estava sempre lotada com famílias que<br />

alugavam por uma semana ou mais, mas ocasionalmente estudantes universitários de Chapel<br />

Hill ou Raleigh faziam o mesmo. Era o último grupo que me interessava, e eu notei um grupo<br />

de estudantes de biquínis pegando seus lugares no deque de trás de uma das casas perto do<br />

píer. Fiquei as observando por um momento, apreciando a vista, depois peguei outra onda e<br />

passei o resto da tarde perdido no meu próprio mundinho.<br />

Pensei em fazer uma visita ao Leroy's mas me dei conta de que nada nem ninguém<br />

tinha mudado além de mim. Ao invés disso, peguei uma garrafa de cerveja da loja da esquina<br />

e fui sentar no píer para aproveitar o pôr-do-sol. A maioria das pessoas pescando já tinham<br />

começado a ir embora e os poucos que restavam estavam limpando sua captura e jogando os<br />

restos na água.<br />

Com o tempo, a cor do oceano começou a mudar de cinza para laranja e depois<br />

amarelo. Nas barricadas além do píer eu podia ver os pelicanos em cima de golfinhos<br />

enquanto eles surfavam pelas ondas. Eu sabia que a tarde iria trazer a primeira noite de lua<br />

cheia - meu tempo no campo fez da realização quase instintiva. Eu não estava pensando em<br />

muita coisa, só deixando minha mente vaguear. Acredite em mim, conhecer uma garota era a<br />

última coisa que eu tinha em mente.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Foi quando eu a vi subindo o píer. Ou melhor, duas delas andando. Uma era alta e loira,<br />

a outra uma morena atraente, as duas um pouco mais novas que eu. Estudantes universitárias<br />

pareciam. As duas vestiam shorts e blusas que deixavam os ombros à mostra, e a morena<br />

carregava uma daquelas bolsas grandes de tricô que as pessoas às vezes trazem a praia<br />

quando planejam ficar por horas com as crianças. Eu podia ouví-las conversando e rindo,<br />

soando despreocupadas e prontas para as férias, quando elas se aproximaram.<br />

"Hey," eu chamei quando elas estavam perto. Não muito suave, e eu não posso dizer<br />

que esperava alguma coisa como resposta.<br />

A loira provou que eu estava certo. Ela olhou pra minha prancha e pra garrafa de<br />

cerveja na minha mão e me ignorou com um rolar de olhos. A morena, no entanto, me<br />

surpreendeu.<br />

"Oi, estranho," ela respondeu com um sorriso. Ela gesticulou em direção a minha<br />

prancha. "Aposto que as ondas foram ótimas hoje."<br />

O comentário dela me pegou de baixa guarda, e eu ouvi uma bondade inesperada em<br />

suas palavras. Ela e sua amiga continuaram descendo até o fim do píer, e eu me peguei a<br />

observando enquanto ela se apoiava na grade. Eu debati se deveria ou não ir até ela e me<br />

apresentar, então decidi que não. Elas não eram meu tipo, ou mais precisamente, eu não era o<br />

delas. Dei um longo gole na minha cerveja, tentando ignorá-las.<br />

Tentando como pudesse, no entanto, eu não conseguia impedir meu olhar de flutuar de<br />

volta para a morena. Tentei não escutar o que as duas garotas falavam, mas a loira tinha uma<br />

daquelas vozes impossíveis de ignorar.<br />

Ela falava sem parar sobre algum cara chamado Brad e o quanto ela o amava, e como a<br />

fraternidade dela era a melhor da UNC, e a festa que eles tiveram no fim do ano foi a melhor<br />

de todas, e que os outros deveriam se juntar a eles no próximo ano, e que muitas das amigas


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

dela estavam se agarrando com o pior tipo de caras de fraternidade, e uma delas até ficou<br />

grávida, mas a culpa era dela mesma visto que ela tinha sido alertada sobre o garoto. A<br />

morena não falava muito-eu não sabia se ela estava entretida ou entediada com a conversamas<br />

de vez em quando, ela ria. De novo, eu ouvi algo amigável e compreensivo na sua voz,<br />

alguma coisa semelhante a voltar pra casa, o que eu admito, não fez nenhum sentido.<br />

Enquanto eu colocava de lado minha garrafa de cerveja, notei que ela colocou a bolsa na<br />

grade.<br />

Elas tinham ficado lá por dez minutos mais ou menos antes de dois caras começarem a<br />

subir o píer - caras de fraternidade, eu adivinhei-vestindo blusas rosa e laranja da Lacoste<br />

sobre seus shorts da Bermuda. Meu primeiro pensamento foi que um daqueles dois devia ser<br />

o Brad sobre o qual a loira falava. Os dois carregavam cervejas e ficavam mais furtivos<br />

enquanto se aproximavam, como se pretendessem dar um susto nas garotas. Era mais que<br />

provável que as duas garotas queriam eles ali, e depois de um rápido susto, completo com um<br />

grito e alguns tapas amigáveis no braço, eles iriam voltar juntos, rindo e fazendo gozações ou<br />

o que quer que seja que casais universitários façam.<br />

Tudo devia ter acontecido desse jeito, porque os garotos fizeram exatamente o que eu<br />

pensei que eles fariam. Assim que eles chegaram perto, pularam nas garotas com um grito; as<br />

duas guincharam e fizeram o negócio das tapinhas amigáveis. Os garotos piaram e o camisa<br />

rosa derramou um pouco da sua cerveja. Ele se apoiou na grade, perto da bolsa e cruzou as<br />

pernas, com seus braços atrás dele.<br />

"Ei, nós vamos começar a fogueira em alguns minutos," o camisa laranja disse,<br />

colocando seus braços em volta da loira. Ele beijou o pescoço dela. "Vocês duas estão<br />

prontas para voltar?"<br />

"Pronta?" a loira perguntou, olhando para a amiga.<br />

"Claro," a morena respondeu.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

O camisa rosa se desencostou da grade, mas de algum modo sua mão deve ter batido na<br />

bolsa, porque ela escorregou, então caiu por cima da borda. O splash soou como se um peixe<br />

tivesse pulado.<br />

"O que foi isso?" ele perguntou, se virando.<br />

"Minha bolsa!" a morena gritou. "Você derrubou."<br />

"Desculpe," ele disse, não parecendo particularmente arrependido.<br />

"Minha carteira estava lá!"<br />

Ele franziu o cenho. "Eu pedi desculpas."<br />

"Você tem que ir pegar antes que afunde!"<br />

Os caras da fraternidade pareciam congelados, e eu sabia que nenhum dos dois tinha a<br />

intenção de pular na água e pegar a bolsa. Pra começar, eles provavelmente nunca iriam<br />

achá-la, e depois teriam que nadar até a areia, algo que não era recomendado se alguém<br />

tivesse bebido, o que eles obviamente tinham feito. Eu acho que a morena também leu a<br />

expressão do camisa rosa, porque eu vi ela colocando as duas mãos e um pé na grade. "Não<br />

seja boba. Já era," o camisa rosa declarou, colocando a sua mão nas dela para pará-la. "É<br />

muito perigoso para pular. Dever ter tubarões lá embaixo. É só uma carteira. Eu compro uma<br />

nova pra você."<br />

"Eu preciso daquela carteira! Todo o meu dinheiro está lá!"<br />

Não era da minha conta, eu sei. Mas tudo o que eu podia pensar enquanto me punha de<br />

pé e corria para a beira do píer era, Ah, que se dane ....


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Dois<br />

Eu acho que deveria explicar porque pulei em direção as ondas para recuperar a bolsa<br />

dela. Não foi porque pensei que ela iria me ver como algum tipo de herói, ou porque queria<br />

impressioná-la, ou nem mesmo porque eu me importava com quanto dinheiro ela iria perder.<br />

Teve a ver com a sinceridade do sorriso dela e pela amabilidade da sua risada. Até mesmo<br />

quando eu estava me atirando em direção a água, sabia o quão ridícula minha reação tinha<br />

sido, mas aí era muito tarde. Eu mergulhei, nadei pra baixo e emergi. Quatro rostos olhavam<br />

pra mim da grade. O camisa rosa estava definitivamente irritado.<br />

"Onde está?" Eu gritei pra eles.<br />

"Bem ali!" a morena gritou. "Acho que ainda consigo ver. Está descendo..."<br />

Eu levei um minuto para localizá-la no crepúsculo que escurecia e o ritmo do oceano<br />

estava fazendo o que podia para me jogar contra o píer. Nadei para o lado, então segurei a<br />

bolsa fora da água do melhor jeito que pude, apesar do fato de que ela já estava ensopada. As<br />

ondas fizeram com que o nado de volta a costa fosse menos difícil do que eu temia, e de vez<br />

em quando eu olhava pra cima e via as quatro pessoas me seguindo.<br />

Finalmente senti o raso e me arrastei pra fora das ondas. Sacudi a água do meu cabelo,<br />

comecei a andar na areia e encontrei com eles no meio da praia. Estendi a bolsa.<br />

"Aqui está."<br />

"Obrigada," a morena disse, e quando os seus olhos encontraram os meus eu senti um<br />

click, como uma chave virando em uma fechadura. Acredite em mim, não sou romântico, e<br />

enquanto ouvia tudo sobre amor à primeira vista, nunca acreditei, e ainda não acredito. Mas


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

mesmo assim, havia algo ali, algo reconhecidamente real, e eu não consegui desviar o olhar.<br />

De perto ela era mais linda do que eu tinha me dado conta, mas tinha menos a ver com<br />

o que ela aparentava do que com o que ela era. Não era só o seu sorriso com uma brecha nos<br />

dentes da frente, era o jeito casual com que ela mexia em uma mexa de cabelo, o modo fácil<br />

com que ela abraçava a si mesma.<br />

"Você não precisava ter feito isso," ela disse com alguma coisa maravilhada em sua voz.<br />

"Eu teria pego."<br />

"Eu sei." eu afirmei. "Eu te vi se preparando para pular."<br />

Ela inclinou a cabeça. "Mas você sentiu uma necessidade incontrolável de ajudar uma<br />

dama em perigo?"<br />

"Algo assim."<br />

Ela avaliou minha resposta por um momento, então voltou sua atenção para a bolsa.<br />

Começou a remover itens-carteira, óculos de sol, viseira, protetor solar-e estendeu tudo para<br />

a loira antes de espremer a bolsa.<br />

"Suas fotos molharam," a loira disse, olhando a carteira.<br />

A morena a ignorou, continuando a espremer de um lado e depois do outro. Quando ela<br />

finalmente estava satisfeita, pegou de volta os objetos e encheu a bolsa novamente.<br />

"Obrigada de novo," ela disse. Seu sotaque era diferente daquele do leste da Carolina<br />

do Norte, mais nasalado, como se ela tivesse crescido nas montanhas ou perto de Boone, ou<br />

perto da fronteira da Carolina do Sul a oeste.<br />

"Não foi grande coisa," eu murmurei, mas não me mexi.<br />

"Ei, talvez ele queira uma recompensa," camisa rosa falou, com a voz alta.


Dear John<br />

Ela olhou pra ele e depois pra mim. "Você quer uma recompensa?"<br />

Nicholas Sparks<br />

"Não." Balancei uma mão. "Fico feliz em ajudar."<br />

"Eu sempre soube que o cavalheirismo não estava morto," ela proclamou. Tentei captar<br />

uma nota de provocação, mas não ouvi nada no seu tom que indicasse que ela estava<br />

zombando de mim.<br />

Camisa laranja me olhou de cima a baixo, notando o meu crew-cut. "Você é da<br />

marinha?" perguntou. Ele apertou seus braços ao redor da loira de novo.<br />

Balancei a cabeça. "Eu não sou um dos poucos ou o orgulho. Eu queria ser tudo que<br />

podia, então me juntei ao exército."<br />

A morena riu. Diferente do meu pai, ela tinha na verdade visto os comerciais.<br />

"Meu nome é Savannah," disse. "Savannah Lynn Curtis. E estes são Brad, Randy e<br />

Susan." Ela estendeu a mão.<br />

"Sou John Tyree," eu disse, apertando a mão dela. Sua mão era quente, macia como<br />

veludo em alguns lugares, mas calejada em outros. Imediatamente tive consciência de quanto<br />

tempo fazia que eu tinha tocado uma mulher.<br />

"Bem, eu sinto como se devesse fazer algo por você."<br />

"Você não precisa fazer nada."<br />

"Você já comeu?" ela perguntou, ignorando meu comentário. "Estamos nos preparando<br />

para um churrasco, e tem muita comida. Gostaria de se juntar a nós?"<br />

Os garotos trocaram olhares. Randy de camisa rosa parecia desapontado e eu admito<br />

que isso me fez sentir melhor. Ei, talvez ele queira uma recompensa. Que idiota.<br />

"É, vamos," Brad finalmente apoiou, soando menos que animado. "Vai ser divertido.<br />

Nós alugamos a casa perto do píer." Ele apontou para uma das casas na praia onde meia<br />

dúzia de pessoas preguiçavam no deque.<br />

Mesmo que eu não tivesse nenhum desejo de passar mais tempo com mais irmãos de<br />

fraternidade, Savannah sorriu pra mim com tanta amabilidade que as palavras saíram antes<br />

que eu pudesse pará-las.<br />

"Parece legal. Deixa só eu pegar minha prancha lá no píer e logo estarei lá."


Dear John<br />

ignorou.<br />

Nicholas Sparks<br />

"Encontramos você lá," Randy falou. Deu um passo em direção a Savannah, mas ela o<br />

"Eu acompanho você," Savannah disse, se afastando do grupo, "É o mínimo que eu<br />

posso fazer." Ela ajeitou a bolsa no ombro. "Vejo vocês daqui a pouco, ok?"<br />

Começamos a andar em direção a duna, onde as escadas nos levariam ao píer. Seus<br />

amigos se demoraram um pouco, mas quando ela chegou ao meu lado, eles se viraram<br />

lentamente e começaram a andar pela praia. Do canto do olho, vi a loira virar a cabeça e nos<br />

olhar por entre os braços de Brad. Randy também olhou, emburrado. Eu não estava certo que<br />

Savannah tinha notado até nos andarmos alguns passos.<br />

"Susan provavelmente pensa que eu sou louca por fazer isso," ela disse.<br />

"Fazer o que?"<br />

"Andar com você. Ela acha que Randy é perfeito pra mim, e vem tentando fazer com<br />

que a gente fique junto desde que chegamos aqui essa tarde. Ele tem me seguido o dia todo."<br />

Balancei a cabeça, sem saber como responder. À distância, a lua, cheia e brilhante, tinha<br />

começado sua subida vagarosa do mar, e eu vi Savannah olhando pra ela. Quando as ondas<br />

arrebentavam e transbordavam, brilhavam prateadas, como se tivessem sido pegas pelo flash<br />

de uma câmera. Chegamos ao píer. A grade estava cheia de areia e sal e a madeira estava<br />

danificada pela maresia e começava a se despedaçar. Os degraus rangiam enquanto subíamos.<br />

"Onde é a sua estação?" ela perguntou.<br />

"Na Alemanha. Estou em casa de licença por algumas semanas para visitar meu pai. E<br />

você é das montanhas, eu presumo?"<br />

Ela me olhou surpresa. "Lenoir." Ela me analisou. "Me deixa adivinhar, meu sotaque,


Dear John<br />

certo? Você acha que eu falo como se fosse do interior, não é?"<br />

Nicholas Sparks<br />

"De jeito nenhum."<br />

"Bem, eu sou. Do interior, quero dizer. Cresci numa fazenda e tudo. E sim, eu sei que<br />

tenho um sotaque, mas me disseram que algumas pessoas acham charmoso."<br />

"Randy parecia achar que sim."<br />

Saiu antes que eu pudesse me segurar. No estranho silêncio, ela passou uma mão sobre<br />

os cabelos.<br />

"Randy parece ser um jovem legal," ela comentou depois de um tempo, "mas eu não<br />

conheço ele tão bem. Não conheço realmente a maioria das pessoas da casa, tirando Tim e<br />

Susan." Ela espantou um mosquito. "Você vai encontrar o Tim mais tarde. Ele é um cara<br />

ótimo. Você vai gostar dele. Todo mundo gosta."<br />

"E você realmente está aqui de férias por uma semana?"<br />

"Um mês, na verdade - mas não, não são realmente férias. Nós somos voluntários. Você<br />

ouviu falar do Habitat para a Humanidade, certo? Nós estamos aqui para ajudar a construir<br />

algumas casas. Minha família está envolvida nisso há anos."<br />

Por cima de seus ombros a casa parecia se tornar viva no escuro. Mais pessoas tinham<br />

se materializado, o volume da música tinha aumentado, e de vez em quando eu podia ouvir<br />

uma risada. Brad, Susan e Randy já estavam rodeados por um grupo de jovens bebendo<br />

cerveja e parecendo querer mais diversão e a chance de se agarrar com alguém do sexo<br />

oposto do que fazer uma boa ação. Ela deve ter notado a minha expressão e seguido o meu<br />

olhar.<br />

"Nós só começamos segunda. Eles vão logo descobrir que não se trata só de diversão e


Dear John<br />

jogos."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Eu não disse nada..."<br />

"Não precisou. Mas você está certo. Pra maioria deles é a primeira vez que trabalham<br />

com a Habitat, e só estão fazendo pra que tenham alguma coisa diferente para colocar no seu<br />

currículo quando se formarem. Não têm idéia de quanto trabalho está envolvido. Mas, no<br />

fim, o que importa é que as casas sejam construídas, e elas serão. Elas sempre são."<br />

"Você já fez isso antes?"<br />

"Todos os verões desde que eu fiz dezesseis anos. Costumava fazer com a nossa igreja,<br />

mas quando fui para Chapel Hill, começamos um grupo lá. Bem, na verdade, o Tim<br />

começou. Ele também é de Lenoir. Acabou de se formar e vai começar o mestrado esse<br />

outono. Conheço ele desde sempre. Ao invés de passar o verão trabalhando em empregos<br />

estranhos em casa ou fazendo estágios, achamos que porderíamos oferecer aos estudandtes<br />

uma chance de fazer a diferença. Todo mundo racha o dinheiro da casa e paga as próprias<br />

despesas pelo mês, e não cobramos nada pelo trabalho que fazemos nas casas. Era por isso<br />

que era tão importante eu pegar minha bolsa de volta. Não poderia comer durante todo o<br />

mês."<br />

"Tenho certeza que eles não deixariam você morrer de fome."<br />

"Eu sei, mas não seria justo. Eles já estão fazendo algo que vale a pena, e isso é mais<br />

que o bastante."<br />

Eu podia sentir meus pés escorregando na areia.<br />

"Por que Wilmington?" Eu perguntei. "Quero dizer, por que vir aqui construir casas ao<br />

invés de algum lugar como Lenoir ou Raleigh?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Por causa da praia. Você sabe como as pessoas são. É muito difícil conseguir que elas<br />

cedam seu tempo por um mês, mas é mais fácil se for em um lugar como este. E quanto mais<br />

pessoas você tiver, mais você pode fazer. Trinta pessoas se inscreveram esse ano."<br />

Eu assenti, consciente de quão perto um do outro nós caminhávamos. "E você também<br />

de formou?"<br />

"Não, vou fazer o último ano. E vou me especializar em educação especial, se essa era a<br />

sua próxima pergunta."<br />

"Era."<br />

"Eu previ. Quando se está na universidade, é isso que todo mundo te pergunta."<br />

"Todo mundo me pergunta se eu gosto de estar no exército."<br />

"Você gosta?"<br />

"Não sei."<br />

Ela riu, e o som foi tão musical que eu sabia que queria ouví-lo novamente.<br />

Alcançamos o fim do píer e eu peguei minha prancha. Joguei a garrafa vazia de cerveja<br />

na lixeira, ouvindo-a se chocar com o fundo. As estrelas vinham à tona acima das nossas<br />

cabeças, e as luzes das casas alinhadas ao longo das dunas me lembraram luminosas<br />

abóboras de Halloween.<br />

"Você se importa se eu perguntar o que te levou a se juntar ao exército? Levando em<br />

conta que você não sabe se gosta, quero dizer."<br />

Me levou um segundo pra descobrir como responder àquilo, e eu mudei a prancha de


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

surf pra o outro braço. "Acho que o mais seguro é dizer que, naquele tempo, eu precisei<br />

entrar."<br />

Ela esperou eu falar mais, mas quando eu não falei, simplesmente assentiu.<br />

"Aposto que você está contente de estar de volta em casa por um tempo," ela disse.<br />

"Sem dúvida."<br />

"Aposto que seu pai está contente também, não é?"<br />

"Acho que sim."<br />

"Ele está. Tenho certeza de que tem muito orgulho de você."<br />

"Espero que sim."<br />

"Você fala como se não tivesse certeza."<br />

"Você teria que encontrar meu pai para entender. Ele não é muito falante."<br />

Eu podia ver a luz da lua refletida em seus olhos escuros, e sua voz era macia quando<br />

ela falou. "Ele não precisa falar para ter orgulho de você. Ele deve ser o tipo de pai que<br />

demonstra isso de outras maneiras."<br />

Pensei sobre isso, esperando que fosse verdade. Enquanto considerava, ouvimos um<br />

grito alto vindo da casa e eu avistei algumas garotas perto do fogo. Um dos caras tinha os<br />

braços ao redor de uma garota e a empurrava pra frente; ela ria e lutava contra ele. Brad e<br />

Susan estavam agarrados ali perto, mas Randy tinha sumido.<br />

"Você disse que não conhece a maioria das pessoas com as quais vai morar?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela balançou a cabeça, seus cabelos varrendo seus ombros. Ajeitou outra mecha. "Não<br />

tão bem. Nós encontramos a maioria deles pela primeira vez na inscrição, e depois hoje<br />

quando chegamos aqui. Quero dizer, podemos ter nos visto pelo campus uma vez ou outra e<br />

eu acho que muitos deles já se conhecem, mas eu não. A maioria está em fraternidades. Eu<br />

ainda vivo em um dormitório. Mas eles são um bom grupo."<br />

Enquanto ela respondia, tive a sensação de que era o tipo de pessoa que nunca diria uma<br />

coisa ruim sobre ninguém. Sua consideração com os outros me ocorreu como refrescante e<br />

madura, e ainda, estranhamente, eu não estava surpreso. Era parte daquela qualidade<br />

indefinida que eu tinha sentido nela desde o começo, um comportamento que a diferenciava.<br />

"Quantos anos você tem?" eu perguntei enquanto nos aproximávamos da casa.<br />

"Vinte e um. Fiz aniversário no mês passado. E você?"<br />

"Vinte e três. Você tem irmãos ou irmãs?"<br />

"Não. Sou filha única. Só eu e meus pais. Eles ainda vivem em Lenoir, e ainda estão<br />

felizes depois de vinte e cinco anos. Sua vez."<br />

"O mesmo. A não ser por mim, sempre fomos só eu e meu pai." Eu sabia que minha<br />

resposta levaria a uma pergunta seguinte sobre o status da minha mãe, mas para a minha<br />

surpresa, ela não veio. Em vez disso, ela perguntou, "Foi ele que lhe ensinou a surfar?"<br />

"Não, isso eu aprendi sozinho quando era criança."<br />

"Você é bom. Estava te observando mais cedo. Faz parecer tão fácil. Me faz querer<br />

saber como surfar."<br />

"Ficaria feliz em te ensinar se você quiser aprender," me ofereci. "Não é tão difícil. Vou


Dear John<br />

estar aqui amanhã."<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela parou e fixou seu olhar em mim. "Agora, não faça ofertas que você não está certo se<br />

pretende manter." Ela estendeu a mão para o meu braço, me deixando sem fala, então indicou<br />

a fogueira. "Está pronto para conhecer algumas pessoas?"<br />

Eu engoli, sentindo uma secura repentina na minha garganta, o que foi simplesmente a<br />

coisa mais estranha que já aconteceu comigo.<br />

A casa era um daqueles monstros de três andares com uma garagem no térreo e<br />

provavelmente seis ou sete quartos. Um deque imenso circulava o andar principal; toalhas<br />

estavam estendidas nas grades, e eu podia ouvir o som de múltiplas conversas vindo de todas<br />

as direções. Havia uma churrasqueira no deque eu podia sentir o cheiro de cachorro-quente e<br />

frango cozinhando; o cara que estava debruçado em cima da churrasqueira estava sem camisa<br />

e vestia uma touca, tentando parecer um urbano legal. Não estava funcionando, mas isso me<br />

fez rir.<br />

Na areia em frente, a fogueira estava em um fosso, com várias garotas vestindo blusões<br />

de moletom maiores que elas sentadas ao redor, todas fingindo não estarem conscientes dos<br />

garotos ao redor delas. Enquanto isso, os garotos estavam em pé além delas, parecendo estar<br />

tentando posar de um modo que acentuasse o tamanho de seus braços ou esculpisse seus<br />

abdômens e agindo como se não notassem as garotas nem um pouco. Eu já tinha visto isso no<br />

Leroy's; cultas ou não, crianças ainda eram crianças. Eles estavam no começo dos vinte, e a<br />

luxúria estava no ar. Jogados na praia e na cerveja, e eu podia adivinhar o que aconteceria<br />

depois; mas eu já teria ido embora há muito tempo até lá.<br />

Quando Savannah e eu chegamos mais perto, ela diminuiu o passo antes de apontar.<br />

"Que tal ali, ao lado da duna?" ela sugeriu.<br />

"Claro."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Pegamos um lugar de frente para o fogo. Algumas outras garotas olharam, checando o<br />

cara novo, antes de se recolherem em suas conversas. Randy finalmente andou em direção ao<br />

fogo com uma cerveja, viu Savannah e eu e rapidamente nos deu as costas, seguindo o<br />

exemplo das garotas.<br />

"Frango ou cachorro-quente?" ela perguntou, parecendo indiferente a tudo isso.<br />

"Frango."<br />

"O que você quer beber?"<br />

A luz do fogo fez do seu olhar quase misterioso. "Qualquer coisa que você for beber<br />

está bom. Obrigado."<br />

"Volto logo."<br />

Ela foi em direção aos degraus, e eu me forcei a não segui-la. Ao invés disso, caminhei<br />

em direção ao fogo, tirei minha camisa e a coloquei em uma cadeira vazia, depois voltei para<br />

o meu lugar. Olhando pra cima, eu vi o touca paquerando Savannah, senti uma onda de<br />

tensão, então me virei para ter um controle melhor das coisas. Eu sabia pouco sobre ela e<br />

sabia menos ainda dobre o que ela pensou de mim. Além disso, eu não tinha nenhum desejo<br />

de começar alguma coisa que não poderia terminar. Iria embora em algumas semanas e nada<br />

disso ia chegar a alguma coisa; falei tudo isso pra mim mesmo, e acho que parcialmente me<br />

convenci de que iria pra casa assim que terminasse de comer, quando meus pensamentos<br />

foram interrompidos pelo som de alguém se aproximando. Alto e magro, com cabelo escuro<br />

que já estava habilmente partido para o lado, ele me lembrou daqueles caras que você<br />

conhece de tempos em tempos que parecem estar na meia-idade desde que nasceram.<br />

"Você deve ser o John," ele disse com um sorriso, agachando na minha frente. "Meu<br />

nome é Tim Wheddon." Ele estendeu a mão. "Ouvi falar do que você fez por Savannah - sei<br />

que ela estava grata por você estar lá."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Apertei sua mão. "Prazer em conhecê-lo."<br />

Apesar da minha cautela inicial, seu sorriso foi mais verdadeiro do que os de Brad e<br />

Randy tinham sido. Ele nem mencionou minhas tatuagens, o que é incomum. Acho que devo<br />

mencionar que elas não eram exatamente pequenas e cobriam a maior parte dos meus braços.<br />

As pessoas já me disseram que vou me arrepender quando for mais velho, mas quando as fiz,<br />

eu realmente não me importava. E ainda não me importo.<br />

"Se importa se eu sentar aqui?" ele perguntou.<br />

"À vontade."<br />

Ele se sentou confortavelmente, nem em cima de mim nem muito longe. "Fico feliz que<br />

você possa ter vindo. Quero dizer, não é muito, mas a comida é boa. Está com fome?"<br />

"Na verdade, estou faminto."<br />

"O surf faz isso com você."<br />

"Você surfa?"<br />

"Não, mas passar algum tempo no mar sempre me dá fome. Lembro disso das minhas<br />

férias quando criança. Nós costumávamos ir a Pine Knoll Shores todo verão. Você já esteve<br />

lá?"<br />

"Só uma vez. Tenho tudo de que preciso aqui."<br />

"É, acho que você tem." Ele acenou para a minha prancha. "Você gosta das pranchas<br />

longas, né?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Gosto das duas, mas as ondas daqui são melhores com as longas. Você precisa surfar<br />

no Pacífico para realmente aproveitar uma prancha pequena."<br />

ultimato."<br />

"Você já esteve lá? Havaí, Bali, Nova Zelândia, lugares assim? Eu li que eles são o<br />

"Ainda não," eu disse, surpreso que ele sabia sobre eles. "Uma dia, talvez."<br />

Um pedaço de lenha estalou, mandando pequenas faíscas para o céu. Juntei minhas<br />

mãos, sabendo que era a minha vez. "Ouvi dizer que você está aqui para construir algumas<br />

casas para os pobres."<br />

"Foi Savannah que lhe disse? É, esse é o plano, de qualquer forma. Elas são para<br />

algumas famílias realmente merecedoras, e com sorte, elas estarão em suas próprias casas no<br />

fim de julho."<br />

"É uma boa coisa o que você está fazendo."<br />

"Não sou só eu. Mas eu queria te perguntar uma coisa."<br />

"Deixe-me adivinhar, você quer que eu seja voluntário?"<br />

Ele riu. "Não, nada disso. Embora seja engraçado-eu já ouvi isso antes. As pessoas me<br />

vêem vindo e geralmente elas correm pro outro lado. Acho que sou muito fácil de entender.<br />

De qualquer forma, sei que é um chute de muito longe, mas eu estava me perguntando se<br />

você conhece meu primo. A estação dele é em Fort Bragg."<br />

"Sinto muito," eu disse. "Meu posto é na Alemanha."<br />

"No Ramstein?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Não. Essa é a base da força aérea. Mas eu estou relativamente perto. Por que?"<br />

"Eu estava em Frankfurt dezembro passado. Passei o natal lá com a minha família. É de<br />

onde nós somos originalmente, e meus avôs ainda vivem lá."<br />

"Mundo pequeno."<br />

"Você aprendeu alguma coisa em alemão?"<br />

"Nada."<br />

"Nem eu. A pior parte é que meus pais são fluentes e eu tenho ouvido alemão em casa<br />

por anos, e até tive aulas antes de ir. Mas não entendia, sabe? Acho que fui sortudo de passar<br />

nas aulas, e tudo o que eu podia fazer era balançar a cabeça na mesa do jantar e fingir que<br />

entendia o que todo mundo dizia. A única coisa boa era que meu irmão estava no mesmo<br />

barco, então podíamos nos sentir como idiotas juntos."<br />

Eu ri. Ele tinha um rosto aberto, honesto e sem querer, eu gostei dele.<br />

"Ei, posso pegar alguma coisa pra você?" ele perguntou.<br />

"Savannah está tomando conta disso."<br />

"Eu devia ter adivinhado. Anfitriã perfeita e tudo isso. Sempre foi."<br />

"Ela disse que vocês dois cresceram juntos."<br />

Ele assentiu. "A fazenda da família dela é logo ao lado da minha. Nós fomos as mesmas<br />

escolas e freqüentamos a mesma igreja por anos, e depois nós estávamos na mesma<br />

universidade. Ela é tipo minha irmã caçula. Ela é especial."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Apesar do comentário sobre a 'irmã', eu tive a impressão pelo modo como ele falou<br />

"especial" que seus sentimentos eram um pouco mais profundos do que ele deixava<br />

transparecer. Mas diferente de Randy, ele não pareceu com ciúmes sobre o fato de que ela<br />

tinha me convidado pra vir aqui. Antes que eu pudesse deixar minha imaginação vagar sobre<br />

isso, Savannah apareceu nas escadas e desceu para a areia.<br />

"Vejo que você conheceu o Tim," ela disse. Em uma mão estavam dois pratos com<br />

frango, salada de batata e batatas fritas; na outra, duas latas de Pepsi Diet.<br />

"É, eu só quis aparecer e agradecer pelo que ele fez," Tim explicou, "então decidi<br />

entediá-lo com estórias de família."<br />

"Bom. Eu estava esperando que vocês dois tivessem uma chance de se encontrar."<br />

Ela ergueu suas mãos; como Tim, ela ignorou o fato de que eu estava sem camisa. "A<br />

comida está pronta. Você quer meu prato, Tim? Eu posso ir lá e pegar outro."<br />

"Não, eu vou pegar," Tim disse, se levantando. "Mas obrigado. Vou deixar vocês dois<br />

atacarem." Ele sacudiu a areia dos shorts. "Ei, foi bom te conhecer, John. Se estiver na área<br />

amanhã, ou outro dia, você é sempre bem-vindo."<br />

"Obrigado. Foi bom te conhecer também."<br />

Um tempo depois, Tim estava subindo as escadas. Ele não olhou pra trás, apenas soltou<br />

um amigável olá para alguém vindo na direção oposta, depois seguiu o resto do caminho.<br />

Savannah me estendeu o prato e alguns utensílios plásticos, trocou de mãos e me ofereceu<br />

um refrigerante, então sentou ao meu lado. Perto, eu notei, mas não tão perto para tocar. Ela<br />

apoiou o prato no colo, estendeu a mão para a lata antes de hesitar. Ela segurou a lata.<br />

"Você estava bebendo cerveja mais cedo, mas disse pra pegar o que eu fosse pegar pra<br />

mim também, então eu te trouxe um desses. Eu não estava certa do que você queria."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"O refrigerante tá bom."<br />

exército."<br />

"Tem certeza? Tem muita cerveja nos freezers e eu já ouvi falar de vocês, caras do<br />

Eu bufei. "Tenho certeza," disse, abrindo minha lata. "Presumo que você não beba."<br />

"Não," ela disse. Nada de defensivo ou presunçoso em seu tom, eu notei, só a verdade.<br />

Gostei disso.<br />

Ela mordeu um pedaço do frango. Eu fiz o mesmo, e no silêncio me perguntei sobre ela<br />

e Tim e se ela sabia de como ele realmente se sentia em relação a ela. E me perguntei como<br />

ela se sentia em relação a ele. Havia algo ali, mas eu não conseguia descobrir o quê, a menos<br />

que Tim estivesse certo e fosse um negócio do tipo irmão. Eu de alguma forma duvidava que<br />

esse fosse o caso.<br />

"O que você faz no exército?" ela perguntou, finalmente pousando o garfo.<br />

"Sou sargento na infantaria. Esquadrão de armas."<br />

"Como é? Quero dizer, o que você faz todo dia? Você atira, explode coisas ou o que?"<br />

"Às vezes. Mas, na verdade, é bem entediante na maioria do tempo, pelo menos quando<br />

estamos na base. Nos reunimos de manhã, geralmente por volta das seis, nos certificamos<br />

que todos estão lá, então nos dividimos em batalhões para nos exercitarmos. Basquete,<br />

corrida, levantamento de peso, o que for. Às vezes tem aula naquele dia, qualquer coisa sobre<br />

montar e montar de novo nossas armas, ou uma aula de terreno noturno, ou nós vamos treinar<br />

tiros com fuzis, ou qualquer coisa. Se nada estiver planejado nós só voltamos pro quartel e<br />

jogamos videogames, lemos, malhamos de novo ou qualquer coisa pelo resto do dia. Depois<br />

nos reunimos de novo às quatro horas e resolvemos o que faremos no outro dia. Então


Dear John<br />

acabamos."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Videogames?"<br />

"Eu malho e leio. Mas meus colegas são especialistas nos jogos. E quanto mais violento<br />

o jogo for, mais eles gostam."<br />

"O que você lê?"<br />

Eu disse a ela, e ela levou em consideração. "E o que acontece quando você é mandado<br />

a uma zona de guerra?"<br />

"Então," eu disse, acabando meu frango, "é diferente. Há dever de guarda, e as coisas<br />

estão sempre quebrando e precisam ser consertadas, então você fica ocupado, mesmo que<br />

não esteja fora em patrulha. Mas a infantaria são as forças que ficam no chão, então nós<br />

passamos uma grande parte do nosso tempo longe do campo."<br />

"Você nunca fica com medo?"<br />

Procurei pela resposta certa. "Sim. Às vezes. Não é como se você andasse por aí<br />

aterrorizado o tempo todo, mesmo quando as coisas estão um inferno ao seu redor. É só que<br />

você está... reagindo, tentando ficar vivo. As coisas acontecem tão rápido que você não tem<br />

tempo para pensar em muita coisa a não ser fazer o seu trabalho e tentar não morrer.<br />

Geralmente te afeta mais tarde, quando você está mais tranqüilo. É aí que você se dá conta o<br />

quão perto esteve, e às vezes você tem tremedeiras e vomita ou qualquer coisa."<br />

"Não tenho certeza se conseguiria fazer o que você faz."<br />

Não tenho certeza se ela esperava uma resposta pra isso, então eu mudei de assunto.<br />

"Por que educação especial?" perguntei.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"É uma longa estória. Tem certeza de que quer escutar?" Quando eu assenti, ela deu um<br />

longo suspiro.<br />

"Tem esse garoto em Lenoir chamado Alan, e eu conheço ele por toda a minha vida. Ele<br />

é autista e por um bom tempo ninguém sabia o que fazer com ele ou como chegar a ele. Isso<br />

me pegou, sabe? Eu me sentia tão mal por ele, até mesmo quando era pequena. Quando<br />

perguntei aos meus pais sobre ele, eles disseram que talvez o Senhor tinha planos especiais<br />

pra ele. Não fez nenhum sentido no começo, mas Alan tinha um irmão mais velho que era tão<br />

paciente com ele o tempo inteiro. Quero dizer, sempre. Ele nunca se frustrou com ele, e<br />

pouco a pouco, ele ajudou Alan. Alan não é perfeito de maneira alguma - ele ainda vive com<br />

os pais, e nunca vai poder ficar sozinho - mas ele não é tão perdido como era quando novo, e<br />

eu decidi que quero ser capaz de ajudar crianças como Alan."<br />

"Quantos anos você tinha quando decidiu isso?"<br />

"Doze."<br />

"E você quer trabalhar com eles em uma escola?"<br />

"Não," ela disse. "Eu quero fazer o que o irmão do Alan fez. Ele usou cavalos." Ela<br />

pausou, juntando os pensamentos. "Com crianças autistas... é como se elas estivessem<br />

trancadas no seu próprio mundinho, então geralmente a escola e a terapia são baseadas na<br />

rotina. Mas eu quero mostrá-los experiências que podem abrir novas portas a eles. Eu já vi<br />

acontecer. Quero dizer, Alan estava aterrorizado com os cavalos de início, mas seu irmão<br />

continuou tentando, e depois de um tempo, Alan chegou ao ponto em que podia dar tapinhas<br />

neles, afagar seus focinhos, e mais tarde alimentá-los. Depois disso ele começou a montar, e<br />

eu me lembro de olhar para seu rosto a primeira vez que ele subiu... foi tão incrível, sabe?<br />

Quero dizer, ele estava sorrindo, tão feliz como uma criança pode ser. E é isso que quero<br />

proporcionar a esses jovens. Simplesmente... felicidade, mesmo que seja por um pequeno<br />

tempo. Foi aí que eu soube exatamente o que queria fazer com a minha vida. Talvez abrir um<br />

campo de montaria para crianças autistas, onde nós podemos realmente trabalhar com elas.


Dear John<br />

Então talvez elas possam sentir a mesma felicidade que o Alan sentiu."<br />

Nicholas Sparks<br />

lado.<br />

Ela pousou seu garfo como se estivesse envergonhada, então deixou o prato ao seu<br />

"Isso parece maravilhoso."<br />

"Vamos ver se acontece," ela disse, sentando de novo. "É só um sonho por enquanto."<br />

"Presumo que você goste de cavalos também?"<br />

"Toda garota gosta de cavalos. Você não sabia disso? Mas sim, eu gosto. Tenho um<br />

Arabian chamado Midas, e às vezes me mata que eu esteja aqui quando eu poderia estar<br />

montando ele."<br />

"A verdade vem à tona."<br />

"Como deveria. Mas ainda planejo ficar aqui. Vou montar o dia todo, todos os dias<br />

quando voltar. Você monta?"<br />

"Montei uma vez."<br />

"Você gostou?"<br />

"Estava dolorido no dia seguinte. Andar doía."<br />

Ela gargalhou e eu me dei conta que gostava de conversar com ela. Era fácil e natural,<br />

diferente de tantas pessoas. Acima de mim, eu podia ver o cinturão de Órion; logo além do<br />

horizonte na água, Vênus tinha aparecido e brilhava em um branco pesado. Garotos e garotas<br />

continuavam a correr escada acima e abaixo, paquerando com a coragem proporcionada pela<br />

bebida. Eu suspirei.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Eu acho devo ir andando pra ficar com meu pai um pouco. Ele provavelmente está se<br />

perguntando onde eu estou. Isso se ele ainda estiver acordado."<br />

"Você quer ligar pra ele? Pode usar o telefone."<br />

"Não, acho que vou indo. É uma longa caminhada."<br />

"Você não tem carro?"<br />

"Não. Peguei uma carona de manhã."<br />

"Quer que Tim te leve em casa? Tenho certeza que ele não se importaria."<br />

"Não, tudo bem."<br />

"Não seja ridículo. Você disse que era uma longa caminhada, certo? Vou pedir ao Tim<br />

para te levar. Vou chamá-lo."<br />

da casa.<br />

Ela correu antes que eu pudesse impeli-la, e um minuto depois Tim a seguia para fora<br />

"Tim fica feliz em te levar," ela disse, parecendo muito contente consigo mesma.<br />

Eu me virei para Tim. "Tem certeza?"<br />

"Nenhum problema," ele me assegurou. "Minha caminhonete está lá na frente. Você<br />

pode colocar sua prancha atrás." Ele indicou a prancha com a mão. "Precisa de ajuda?"<br />

"Não," eu disse, me levantando, "pode deixar." Eu fui até a cadeira e vesti a camisa,<br />

depois peguei a prancha. "Obrigada, a propósito."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"O prazer é meu," ele disse. Bateu nos bolsos. "Volto em um segundo com as chaves. É<br />

a caminhonete verde estacionada na grama. Te encontro lá na frente."<br />

Quando ele se foi, eu me virei para Savannah. "Foi bom te conhecer."<br />

Ela sustentou meu olhar. "Você também. Nunca tinha conversado com um soldado<br />

antes. Me senti meio que... protegida. Não acho que Randy me dará nenhum problema esta<br />

noite. Suas tatuagens provavelmente assustaram ele."<br />

Achei que ela tinha notado. "Talvez te veja por aí."<br />

"Você sabe onde eu estarei."<br />

Eu não tinha certeza se isso significava que ela queria que eu viesse visitá-la de novo ou<br />

não. De muitas formas, ela permanecia um completo mistério para mim. Então novamente,<br />

eu mal a conhecia.<br />

"Mas estou um pouco desapontada que você esqueceu," ela adicionou quase como um<br />

segundo pensamento.<br />

"Esqueci o que?"<br />

"Você não disse que ia me ensinar a surfar?"<br />

Se Tim teve alguma suspeita do efeito que Savannah tinha em mim ou que eu estaria<br />

visitando de novo no dia seguinte, ele não deu nenhuma indicação. Em vez disso se<br />

concentrou em dirigir, se certificando de que estava indo na direção certa. Ela era o tipo de<br />

motorista que parava o carro mesmo que a luz estivesse amarela e ele pudesse ter passado.<br />

"Espero que você tenha se divertido," ele disse. "Eu sei que é sempre estranho quando<br />

você não conhece ninguém."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Eu me diverti."<br />

você."<br />

"Você e Savannah realmente se deram bem. Ela é uma coisa, não é? Acho que gostou de<br />

"Tivemos uma boa conversa," eu disse.<br />

"Fico feliz. Estava um pouco preocupado sobre ela vir aqui. Ano passado os pais dela<br />

estavam conosco, então essa é a primeira vez que ela está por conta própria assim. Sei que é<br />

uma grande garota, mas esse não é o tipo de pessoa que ela geralmente convive, e a última<br />

coisa que eu queria era que ela ficasse se defendendo de garotos a noite toda."<br />

"Tenho certeza que ela agüentaria."<br />

"Você provavelmente está certo. Mas eu tenho a sensação que alguns desses garotos são<br />

muito persistentes."<br />

"É claro que eles são. Eles são garotos."<br />

Ele riu. "Acho que você está certo." Ele indicou a janela. "Pra onde agora?"<br />

O direcionei através de uma série de viradas, então finalmente disse para diminuir a<br />

velocidade do carro. Ele parou em frente a casa, onde eu podia ver a luz da toca do meu pai,<br />

brilhando amarela.<br />

"Obrigada pela carona," eu disse, abrindo a porta.<br />

"Sem problemas." Ele se debruçou sobre o assento. "E escute, como eu disse, sinta-se<br />

livre para aparecer na casa a qualquer hora. Nós trabalhamos durante a semana, mas finais de<br />

semana e noites geralmente são folgas."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Vou manter isso em mente," eu prometi.<br />

Uma vez dentro de casa, fui à toca do meu pai e abri a porta. Ele estava fitando o<br />

Greysheet e deu um pulo. Me dei conta de que ele não tinha me ouvido entrar.<br />

"Desculpe," eu disse, me sentando no único degrau que separava a toca do resto da<br />

casa. "Não quis assustá-lo."<br />

colocou.<br />

"Tudo bem," foi tudo o que ele disse. Debateu se colocaria o Greysheet de lado, então<br />

"As ondas estavam ótimas hoje," eu comentei. "Tinha quase esquecido o quanto a água<br />

é fantástica."<br />

Ele sorriu, mas não disse nada. Mudei ligeiramente de posição no degrau. "Como foi o<br />

trabalho?" perguntei.<br />

"O mesmo," ele disse.<br />

Mergulhou novamente em seus próprios pensamentos e tudo em que eu podia pensar<br />

era que a mesma coisa poderia ser dita de nossas conversas.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Três<br />

Surf é um esporte solitário, no qual longos períodos de tédio são alternados com<br />

atividades frenéticas, e lhe ensina a seguir a natureza em vez de lutar com ela... é sobre entrar<br />

na área. Isto é o que as revistas dizem, de qualquer modo, e eu concordo em grande parte.<br />

Não há nada tão excitante quanto pegar uma onda e ficar entre uma parede de água enquanto<br />

ela se enrola em direção a costa. Mas eu não sou como muitos desses caras bronzeados e com<br />

dreads no cabelo que surfam o dia todo, todos os dias, porque eles acham que é a coisa mais<br />

importante da sua existência. E não é. Pra mim, é mais pelo fato de que o mundo é<br />

loucamente barulhento quase todo o tempo e quando você está surfando, não é. Você é capaz<br />

de ouvir a si mesmo pensar.<br />

Era isso que eu estava dizendo a Savannah, de qualquer forma, quando estávamos indo<br />

em direção ao oceano no domingo de manhã. Pelo menos, era o que eu pensei que estava<br />

dizendo. Na maior parte, eu estava meio que só falando coisas desconexas, tentando não<br />

parecer tão óbvio sobre o fato de que eu realmente gostei de como ela ficava de biquíni.<br />

"Como andar a cavalo," ela disse.<br />

"Hã?"<br />

"Se ouvir pensando. É por isso que eu gosto de montar também."<br />

Eu tinha chegado lá alguns minutos antes. As melhores ondas eram geralmente de<br />

manhã cedo, e era um daqueles dias claros e com céu azul, um presságio de calor, o que<br />

significava que a praia ficaria lotada novamente. Savannah estava sentada nos degraus da<br />

varanda, enrolada em uma toalha, com os restos da fogueira diante dela. Apesar de que não<br />

havia dúvidas de que a festa tinha durado horas depois da minha partida, não havia uma<br />

única lata vazia ou lixo em lugar nenhum. Minha impressão do grupo se elevou um pouco.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Apesar da hora, o ar já estava quente. Nós passamos alguns minutos na areia perto da<br />

beira da água repassando o básico do surf, e explicando como subir na prancha. Quando<br />

Savannah achou que estava pronta, eu entrei na água carregando a prancha, andando ao lado<br />

dela.<br />

Havia apenas alguns surfistas lá, os mesmos que eu tinha visto no dia anterior. Estava<br />

tentando descobrir o melhor lugar pra levar Savannah pra que ela tivesse espaço suficiente<br />

quando me dei conta de que não podia mais vê-la.<br />

"Espera, espera!" ela gritou atrás de mim. "Para, para..."<br />

Eu me virei. Savannah estava na ponta dos pés, os salpicos de água molhando sua<br />

barriga e provocando arrepios pelo corpo todo. Parecia que ela queria elevar-se acima da<br />

água.<br />

"Deixa eu me acostumar com isso..." Deu alguns gritos rápidos e audíveis e cruzou os<br />

braços. "Wow. Isso é muito frio. Barbaridade!"<br />

Barbaridade? Não era exatamente algo que meus amigos diriam.<br />

"Você se acostuma," eu disse, sorrindo com afetação.<br />

"Eu não gosto de sentir frio. Eu odeio sentir frio."<br />

"Você vive nas montanhas, onde neva."<br />

"É, mas nós temos essas coisas chamadas jaquetas, luvas e toucas que vestimos pra<br />

ficarmos aquecidos. E a primeira coisa que fazemos pela manhã não é nos jogarmos em<br />

águas polares."


Dear John<br />

"Engraçado," eu disse.<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela continuou a pular. "É, muito engraçado. Quero dizer, Credo!"<br />

Credo? Eu sorri. A respiração dela aos poucos começou a se normaliza, mas a pele<br />

continuava arrepiada. Ela deu meia volta um passo a frente.<br />

"Dá mais certo se você simplesmente pular e mergulhar em vez de ficar se torturando<br />

aos pouquinhos," eu sugeri.<br />

―Você faz do seu jeito, eu faço do meu‖, ela disse, sem se impressionar com a minha<br />

experiência. ―Não acredito que você quis entrar agora. Pensei que viéssemos a tarde, quando<br />

a água não estivesse congelando‖.<br />

"Está fazendo quase 26 graus."<br />

"Tá, tá," ela disse, finalmente se aclimatando. Descruzando os braços, ela deu outra<br />

série de inspirações, então mergulhou talvez uma polegada. Tomando coragem, ela jogou um<br />

pouco de água nos braços. "Certo, acho que tô chegando lá."<br />

"Não se apresse por minha causa. Sério. Leve o tempo que precisar."<br />

"Eu levar mesmo, obrigada," ela disse, ignorando o tom provocador. "Certo," disse<br />

novamente, mais pra si mesma que pra mim. Deu um pequeno passo pra frente, depois outro.<br />

Enquanto se movia, seu rosto era uma máscara de concentração, e eu gostei do jeito que ele<br />

ficava. Tão sério, tão intenso. Tão ridículo.<br />

"Pare de rir de mim," ela disse, notando minha expressão.<br />

"Eu não estou rindo."


Dear John<br />

"Eu posso ver no seu rosto. Você está rindo por dentro."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Tá certo, eu vou parar."<br />

Eventualmente ela caminhou para se juntar a mim, e quando a água estava nos meus<br />

ombros ela subiu na prancha. Segurei a prancha no lugar, tentando novamente não ficar<br />

olhando pro corpo dela, o que não era fácil, considerando que ela estava bem na minha<br />

frente. Me forcei a monitorar as ondas atrás de nós.<br />

"E agora?"<br />

"Você lembra o que fazer? Remar com força, agarrar a prancha dos dois lados perto da<br />

frente e depois ficar em pé em cima dela?"<br />

"Entendi."<br />

"É meio difícil no começo. Não fique surpresa se você cair, mas se acontecer, só siga a<br />

onda. Normalmente você só aprende depois de algumas tentativas."<br />

"Certo," ela disse, e eu vi uma pequena onda se aproximando.<br />

"Prepare-se..." eu disse, contando o tempo da onda. "Certo, comece a remar..."<br />

Quando a onda nos atingiu, eu empurrei a prancha, nos dando algum impulso e<br />

Savannah pegou a onda. Eu não sei o que estava esperando, só que não era ver ela subir na<br />

prancha direto, manter o equilíbrio e pegar a onda todo o caminho de volta a costa, onde ela<br />

finalmente se extinguiu. Na água rasa, ela pulou da prancha enquanto diminuía a velocidade,<br />

e se virou num estilo dramático pra mim.<br />

"Como foi?" ela gritou.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Apesar da distância entre nós, eu não podia olhar pra outro lugar. Ah cara, eu pensei de<br />

repente, estou realmente com problemas.<br />

"Eu fiz ginástica olímpica por anos," ela admitiu. "Sempre tive um bom senso de<br />

equilíbrio. Acho que deveria ter dito algo sobre isso quando você estava me dizendo que eu<br />

ia cair."<br />

Passamos mais de uma hora na água. Ela subiu na prancha e pegou as ondas até a costa<br />

todas às vezes com facilidade; embora não conseguisse guiar a prancha, eu não tinha dúvidas<br />

de que se ela quisesse, seria capaz de controlar isso em pouco tempo.<br />

Mais tarde, retornamos para a casa. Esperei do lado de fora enquanto ela subia as<br />

escadas. Enquanto algumas pessoas tinham se levantado-três garotas estavam no deque<br />

olhando o oceano - a maioria ainda estava se recuperando da noite anterior e não estavam em<br />

nenhum lugar a vista. Savannah apareceu alguns minutos depois vestindo shorts e uma<br />

camisa, segurando duas xícaras de café. Ela sentou ao meu lado nos degraus enquanto nós<br />

olhávamos a água.<br />

"Eu não disse que você ia cair," eu esclareci. "Eu só disse que se você caísse, deveria<br />

seguir a onda."<br />

bom?"<br />

"Aham," ela disse, sua expressão travessa. Ela apontou a minha xícara. "Seu café está<br />

"Está ótimo," eu disse.<br />

"Tenho que começar meu dia com café. É meu único vício."<br />

"Todo mundo tem que ter um."<br />

Ela me olhou. "Qual é o seu?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Eu não tenho nenhum," eu respondi, e ela me surpreendeu me dando uma cotovelada<br />

brincalhona.<br />

"Sabia que a noite passada foi a primeira noite de lua cheia?"<br />

Eu sabia, mas pensei que seria melhor não admitir. "Sério?" eu disse.<br />

"Eu sempre amei luas cheias. Desde que era criança. Eu gostava de pensar que elas<br />

eram uma profecia de organização. Eu queria acreditar que elas sempre precediam coisas<br />

boas. Como se, se eu estivesse cometendo um erro, teria a chance de começar de novo."<br />

Ela não disse mais nada sobre isso. Em vez disso levou a xícara aos lábios, e eu olhei<br />

enquanto o vapor cobria sua face. "O que tem na sua agenda hoje?" eu perguntei.<br />

"Temos que ter uma reunião alguma hora hoje, mas além disso, nada. Bem, tirando a<br />

igreja. Pra mim, quero dizer. E, bem, quem mais quiser ir. O que me lembra, que horas são?"<br />

Chequei meu relógio. "Um pouco depois das nove."<br />

"Já? Acho que isso não me dá muito tempo. O culto é às dez."<br />

Eu assenti, sabendo que nosso tempo juntos tinha quase acabado. "Você quer ir<br />

comigo?" eu ouvi ela perguntar.<br />

"Pra igreja?"<br />

"Sim. Pra igreja," ela disse. "Você não vai?"<br />

Eu não tinha certeza do que dizer. Obviamente era importante pra ela, e embora eu<br />

tivesse a impressão de que minha resposta a desapontaria, não quis mentir. "Na verdade,


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

não," eu admiti. "Eu não vou à igreja há anos. Quero dizer, eu costumava ir quando era<br />

criança, mas..." desconversei. "Não sei o porquê," eu finalizei.<br />

Ela esticou as pernas, esperando pra ver se eu acrescentaria mais. Quando eu não o fiz,<br />

ela arqueou uma sobrancelha. "Então?"<br />

"O que?"<br />

"Você quer ir comigo ou não?"<br />

"Eu não tenho nenhuma roupa. Quer dizer, isso é tudo que eu tenho, e eu duvido que<br />

daria tempo ir em casa, tomar banho, e voltar a tempo. Se não, eu iria."<br />

Ela em olhou de cima a baixo. "Bom." Deu palmadinhas no meu joelho, a segunda vez<br />

que ela tinha me tocado. "Vou pegar algumas roupas pra você."<br />

"Você está ótimo," Tim me assegurou. "O colarinho está um pouco apertado, mas eu<br />

não acho que alguém vá notar."<br />

No espelho, eu vi um estranho vestindo calças cáqui, uma camisa apertada e gravata.<br />

Não conseguia lembrar da última vez que tinha vestido uma gravata. Não tinha certeza se<br />

estava feliz sobre isso ou não. Tim, enquanto isso, estava muito animado com a coisa toda.<br />

"Como ela te convenceu a isso?" ele perguntou.<br />

"Não faço idéia."<br />

você."<br />

Ele riu e se inclinando para amarrar seus sapatos, piscou. "Eu disse que ela gosta de<br />

Nós temos capelães no exército, e a maioria deles são caras bem legais. Na base, eu


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

conheci alguns deles muito bem, e um deles -Ted Jenkins -era o tipo de cara que você<br />

confiava. Ele não bebia, e eu não estou dizendo que ele era um de nós, mas era sempre bem<br />

vindo quando aparecia. Tinha uma esposa e dois filhos, e estava no serviço há quinze anos.<br />

Ele tinha experiência própria quando se tratava de brigas com a família e a vida militar em<br />

geral, e se você alguma vez sentasse para conversar com ele, ele realmente ouvia. Você não<br />

podia contá-lo tudo, afinal, ele era um oficial-e ele acabou repreendendo alguns caras do meu<br />

pelotão que admitiram suas aventuras um pouco livremente demais, mas o negócio era que<br />

ele tinha um tipo de presença que fazia você querer contar a ele mesmo assim. Eu não sei o<br />

que era, a não ser o fato de que ele era um bom homem e um ótimo capelão do exército. Ele<br />

falava sobre Deus tão naturalmente como você fala sobre o seu amigo, não daquele modo<br />

irritante e pregador que geralmente me tira a vontade. E ele não te pressionava a comparecer<br />

ao culto nos domingos. Ele tipo que deixava com você, e dependendo do que estava<br />

acontecendo ou de quanto às coisas estavam perigosas, ele podia se achar falando com uma<br />

pessoa, duas ou cem. Antes de meu batalhão ser mandado para os Balcãs, ele provavelmente<br />

batizou cinqüenta pessoas.<br />

Eu fui batizado quando criança, então eu não fui por aí, mas como disse, fazia muito<br />

tempo que eu tinha ido ao culto. Tinha parado de ir com meu pai muito tempo atrás, e não<br />

sabia o que esperar. Também não podia dizer que eu estava ansioso para ir, mas no fim, não<br />

foi tão ruim assim. O pastor foi discreto, a música foi legal, e o tempo não se arrastou do<br />

jeito que sempre fazia quando eu era pequeno. Não estou dizendo que tirei muito proveito do<br />

culto, mas mesmo assim fiquei feliz em ir, só assim eu poderia falar sobre alguma coisa nova<br />

com meu pai. E também porque me deu mais um pouquinho de tempo com Savannah.<br />

Savannah terminou se sentando entre Tim e eu, e eu fiquei olhando pra ela de canto de<br />

olho enquanto ela cantava. Ela tinha uma voz calma, discreta, mas estava sempre afinada e eu<br />

gostei do jeito que ela soava. Tim ficou concentrada na Sagrada Escritura, na saída, ele parou<br />

para falar com o pastor enquanto Savannah e eu esperávamos na sombra de uma magnólia lá<br />

na frente. Tim parecia animado enquanto conversava com o pastor.<br />

"Velhos amigos?" eu perguntei, indicando Tim com a cabeça. Apesar da sombra, eu


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

estava ficando com calor e podia sentir trilhas de transpiração começando a se formar.<br />

"Não. Acho que foi o pai dele que lhe falou desse pastor. Ele teve que usar o um mapa<br />

na internet noite passada pra achar esse lugar." Ela se abanou com a mão; em seu vestido de<br />

verão, ela me lembrou uma típica bela mulher do sul. "Fico feliz que você tenha vindo."<br />

"Eu também," concordei.<br />

"Está com fome?"<br />

"Chegando lá."<br />

"Temos comida na casa, se você quiser. E você pode devolver ao Tim suas roupas.<br />

Posso notar que está com calor e desconfortável."<br />

"Não é metade do calor que fazem capacetes, botas e roupa à prova de balas, acredite."<br />

Ela inclinou a cabeça dela pra mim. "Eu gosto de ouvir você falar sobre roupas de<br />

soldados. Não tem muitos caras na minha classe que falam como você. Acho interessante."<br />

"Você está caçoando de mim?"<br />

"Só tomando notas." Ela se encostou graciosamente na árvore. "Acho que o Tim está<br />

terminando."<br />

Segui o seu olhar, não notando nada de diferente. "Como você sabe?"<br />

"Vê como ele juntou as mãos? Significa que ele está se preparando para se despedir. Em<br />

um segundo, ele vai estender a mão, sorrir e assentir, então estará no caminho pra cá."<br />

Vi Tim fazer exatamente como ela previu e caminhar em nossa direção. Notei a


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

expressão divertida dela. Ela encolheu os ombros. "Quando você vive numa cidade pequena<br />

como a minha, não há muita coisa a fazer a não ser observar as pessoas. Você começa a ver<br />

padrões depois de um tempo."<br />

ia admitir.<br />

Provavelmente havia muita observação de Tim na minha humilde opinião, mas eu não<br />

"Oi..." Tim ergueu uma mão. "Prontos para voltar?"<br />

"Estávamos esperando por você," ela ressaltou.<br />

"Desculpe," ele disse. "Começamos a conversar."<br />

"Você começa a conversar com qualquer um e todo mundo."<br />

"Eu sei," ele disse. "Estou tentando em ser mais formal."<br />

Ela riu, e enquanto o papo familiar deles tinha me colocado momentaneamente fora do<br />

círculo de intimidade, tudo foi esquecido quando Savannah enrolou o braço no meu em nosso<br />

caminho de volta ao carro.<br />

Todos estavam acordados na hora que nós voltamos, e a maioria já estava em seus trajes<br />

de banho e trabalhando em seus bronzeados. Alguns preguiçavam no deque superior; a<br />

maioria se apinhava na praia. Música estrondava de um aparelho de som de dentro da casa,<br />

freezers de cerveja estavam reabastecidos e prontos, e alguns estavam bebendo; uma cerveja<br />

cairia bem, na verdade, mas levando em conta que eu tinha acabado de ir a igreja, achei que<br />

deveria passar.<br />

Mudei as roupas, dobrando as de Tim do jeito que eu tinha aprendido no exército,<br />

depois voltei à cozinha. Tim tinha feito um prato de sanduíches.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Sirva-se," ele disse, com um gesto. "Temos toneladas de comida. Eu deveria saber-fui<br />

eu quem passou três horas fazendo compras ontem." Ele enxaguou as mãos e as secou numa<br />

toalha. "Certo. Agora é minha vez de trocar de roupa. Savannah estará aqui em um minuto."<br />

Ele deixou a cozinha. Sozinho, eu olhei ao redor. A casa estava decorada naquele<br />

tradicional jeito de praia: muita mobília colorida de madeira, lâmpadas feitas de conchas,<br />

pequenas estátuas de faróis no consolo da lareira, pinturas pastosas da costa.<br />

Os pais de Lucy tinham um lugar assim. Não aqui, mas em Bald Head Island. Eles<br />

nunca alugaram, preferindo passar os verões lá. É claro que o velho ainda tinha que trabalhar<br />

em Winston Salem, e ele e a esposa voltavam alguns dias por semana, deixando a pobre Lucy<br />

completamente sozinha. Exceto por mim, claro. Se eles soubessem o que acontecia naqueles<br />

dias, eles provavelmente não nos deixariam sozinhos.<br />

"Olá," Savannah disse. Ela vestia o biquíni de novo, embora estivesse vestindo shorts<br />

por cima da parte de baixo. "Vejo que você voltou ao normal."<br />

"Como você sabe?"<br />

"Seus olhos não estão inchados porque seu colarinho está muito apertado."<br />

Eu sorri. "Tim fez alguns sanduíches."<br />

"Ótimo. Estou morrendo de fome," ela disse, se movimentando pela cozinha. "Você<br />

pegou um?"<br />

"Ainda não," eu disse.<br />

"Bem, vá em frente. Eu odeio comer sozinha."<br />

Ficamos na cozinha enquanto comíamos. As garotas deitadas no deque não tinham


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

percebido que nós estávamos lá e eu podia ouvir uma delas falando do que ela tinha feito<br />

com um dos caras na noite passada e nada do que ela dizia soava como se ela estivesse na<br />

cidade numa missão de boa vontade para com os pobres. Savannah enrugou o nariz como se<br />

dissesse, Muita informação, depois virou para a geladeira. "Preciso de uma bebida. Você quer<br />

alguma coisa?"<br />

"Água está bom."<br />

Ela se inclinou para pegar duas garrafas. Eu tentei não olhar, mas olhei de qualquer<br />

jeito e, francamente, eu gostei. Me perguntei se ela sabia que eu estava olhando e supus que<br />

ela sabia, porque quando ela se levantou e se virou pra mim, tinha aquele olhar divertido<br />

novamente. Ela colocou as garrafas no balcão. "Depois disso, você quer ir surfar de novo?"<br />

Como eu poderia resistir?<br />

Passamos a tarde na água. Embora tivesse adorando o close-up de Savannah deitada na<br />

prancha, gostei da vista dela surfando ainda mais. Pra melhorar ainda mais as coisas, ela<br />

pediu para me observar enquanto se esquentava na praia, e eu fui presenteado com a minha<br />

própria vista privada enquanto aproveitava as ondas.<br />

No meio da tarde nós estávamos deitados em toalhas perto um do outro, mas não tão<br />

perto, o resto do grupo estava atrás da casa. Alguns olhares curiosos vinham em nossa<br />

direção, mas na maioria, ninguém parecia notar que eu estava lá, a não ser Randy e Susan.<br />

Susan franziu o cenho intencionalmente pra Savannah; Randy, enquanto isso, estava contente<br />

de ficar com Brad e Susan segurando vela e chupando o dedo. Tim não estava a vista.<br />

Savannah estava deitada de barriga pra baixo, uma vista tentadora. Eu estava de costas<br />

ao seu lado, tentando cochilar no calor preguiçoso mas distraído demais com a presença dela<br />

para relaxar completamente.<br />

"Ei," ela murmurou. "Me fale sobre as suas tatuagens."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Rolei minha cabeça na areia. "O que tem elas?"<br />

"Não sei. Porque você as fez, o que elas significam."<br />

Me apoiei em um cotovelo. Apontei pra o meu braço esquerdo, que tinha uma águia e<br />

uma faixa. "Certo, essa é a insígnia da infantaria, e isso"apontei pra as palavras e letras "é<br />

como somos identificados: companhia, batalhão, regimento. Todo mundo no meu esquadrão<br />

tem uma. Nós fizemos logo depois do treinamento básico no Fort Benning em Georgia<br />

quando estávamos comemorando."<br />

"Por que diz 'Partida' embaixo dela?"<br />

"É meu apelido. Recebi durante o treinamento básico, cortesia do nosso amado sargento<br />

de treinamento. Eu não estava montando a minha arma rápido o bastante e ele basicamente<br />

disse que iria dar partida numa certa parte do meu corpo se eu não conseguisse deixar meu<br />

equipamento no ponto. O apelido pegou."<br />

"Ele parece agradável," ela brincou.<br />

"Ah, é. Chamávamos ele de Lúcifer pelas costas."<br />

Ela sorriu. "Pra que foi o arame farpado em cima dela?"<br />

"Nada," eu disse, sacudindo a cabeça. "Fiz essa antes de me alistar."<br />

"E o outro braço?"<br />

Um caractere chinês. Não queria entrar em detalhes naquela, então balancei a cabeça.<br />

"É do meu tempo de 'estou perdido e não dou a mínima'. Não significa nada."


Dear John<br />

"Não é um caractere chinês?"<br />

Nicholas Sparks<br />

"É."<br />

assim?"<br />

"Então o que significa? Tem que significar alguma coisa. Como bravura, honra ou algo<br />

"É uma profanação."<br />

"Ah," ela disse com uma piscadela.<br />

"Como eu disse, não significa nada pra mim agora."<br />

"Tirando que você nunca deve mostrá-la se um dia você for a China."<br />

Eu ri. "É, tirando isso," concordei.<br />

Ela ficou quieta por um momento. "Você era um rebelde, então?"<br />

tempo."<br />

Assenti. "Há muito tempo atrás. Bem, não tanto tempo assim. Mas parece muito<br />

"Foi isso que você quis dizer quando disse que o exército era uma coisa que você<br />

precisava naquele tempo?"<br />

"Foi bom pra mim."<br />

época?"<br />

Ela pensou sobre isso. "Me diga você teria pulado pra pegar minha bolsa naquela<br />

"Não. Provavelmente teria rido do que aconteceu."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

não.<br />

Ela avaliou minha resposta, como se estivesse se perguntando se acreditava em mim ou<br />

Finalmente, ela deu um longo suspiro. "Fico feliz que tenha se alistado então. Eu<br />

realmente precisava daquela bolsa."<br />

"Que bom."<br />

"O que mais?"<br />

"O que mais o que?<br />

"O que mais você pode me contar sobre si mesmo?"<br />

"Não sei. O que você quer saber?"<br />

"Me diga alguma coisa que mais ninguém sabe sobre você."<br />

Considerei aquela pergunta. "Eu posso te dizer quantas notas de dez dólares indianos<br />

com bordas onduladas foram cunhadas em 1907."<br />

"Quantas?"<br />

"Quarenta e duas. Elas não eram para o público. Alguns homens da Casa da Moeda<br />

fizeram para eles próprios e alguns amigos."<br />

"Você gosta de moedas?"<br />

"Não tenho certeza. É uma longa estória."


Dear John<br />

"Nós temos tempo."<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu hesitei enquanto Savannah se esticou para pegar sua bolsa. "Espera," ela disse,<br />

remexendo na bolsa. Puxou um tubo de Coppertone. "Você pode me contar depois de colocar<br />

protetor nas minhas costas. Sinto que estou ficando queimada."<br />

"Ah, eu posso, é?"<br />

Ela piscou. "É parte do trato."<br />

Eu apliquei o protetor nas costas e ombros dela e provavelmente me entusiasmei um<br />

pouco, mas me convenci de que ela estava ficando rosa e que uma queimadura do sol iria<br />

fazer do trabalho dela no dia seguinte horrível. Depois disso, passei os próximos minutos<br />

contando a ela sobre o meu avô e meu pai, sobre as exposições de moedas e o bom e velho<br />

Eliasberg. O que eu não fiz foi responder sua pergunta especificamente, pela simples razão<br />

de que eu não estava muito certo de qual era a minha resposta. Quando eu acabei ela se virou<br />

para mim.<br />

"E seu pai ainda coleciona moedas?"<br />

"O tempo todo. Pelo menos, eu acho. Nós não falamos mais de moedas."<br />

"Por que não?"<br />

Contei a ela aquela estória também. Não me pergunte o porque. Eu sabia que deveria<br />

estar mostrando o melhor de mim e escondendo as coisas ruins para impressioná-la, mas com<br />

Savannah não era possível. Por alguma razão, ela me fazia querer contar a verdade, mesmo<br />

que eu mal a conhecesse. Quando eu terminei, ela tinha uma expressão curiosa no rosto. "É,<br />

eu fui um idiota," eu disse, sabendo que haviam outras palavras, provavelmente mais precisas<br />

para me descrever naquela época, e todas eram profanas o suficiente pra ofendê-la.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Parece que sim," ela disse, "mas não era o que eu estava pensando. Eu estava tentando<br />

te imaginar naquela época, porque você não parece nada com aquela pessoa agora."<br />

O que eu poderia dizer que não soaria falso, mesmo que fosse verdade?<br />

Incerto, eu optei pela tática do meu pai e não disse nada.<br />

"Como é o seu pai?"<br />

Lhe dei uma rápida descrição. Enquanto eu falava, ela cavava a areia e deixava ela cair<br />

entre seus dedos, como se estivesse se concentrando na minha escolha de palavras. No fim,<br />

me surpreendendo de novo, eu admiti que nós éramos quase estranhos.<br />

"Vocês são," ela disse, usando aquele tom objetivo e sem julgamentos. "Você tem<br />

estado fora por alguns anos e até mesmo admite que mudou. Como ele poderia te conhecer?"<br />

Eu sentei. A praia estava lotada; era a hora do dia em que todo mundo que planejou vir<br />

já estava aqui e ninguém estava pronto para ir embora. Brad e Randy estavam jogando<br />

Frisbee na borda da água, correndo e gritando. Alguns outros andavam para se juntar a eles.<br />

"Eu sei," eu disse. "Mas não é só isso. Sempre fomos estranhos em relação ao outro.<br />

Quer dizer, é tão difícil falar com ele."<br />

Assim que falei isso, me dei conta de que ela era a primeira pessoa a quem eu tinha<br />

admitido isso. Estranho. Mas, a maioria das coisas que eu estava dizendo a ela soavam<br />

estranhas.<br />

"A maioria das pessoas da nossa idade diz isso sobre os pais."<br />

Talvez, eu pensei. Mas isso era diferente. Não era uma diferença de geração, era o fato<br />

de que para o meu pai, uma conversa informal normal era praticamente impossível, a não ser


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

que tivesse a ver com moedas. Eu não disse mais nada, contudo, e Savannah alisou a areia a<br />

sua frente. Quando falou, sua voz era suave. "Eu gostaria de conhecê-lo."<br />

Me virei para ela. "É mesmo?"<br />

"Ele parece interessante. Eu sempre amei pessoas que tem essa... paixão pela vida."<br />

"É uma paixão por moedas, não pela vida," eu a corrigi.<br />

"É a mesma coisa. Paixão é paixão. É a excitação entre os espaços tediosos, e não<br />

importa para onde ela é dirigida."<br />

Ela arrastou os pés na areia. "Bem, na maioria do tempo, de qualquer forma. Não estou<br />

falando de vícios."<br />

"Como você e a cafeína."<br />

Ela sorriu, mostrando a pequena abertura entre seus dentes da frente. "Exatamente.<br />

Pode ser moedas, esportes, política, cavalos, música ou fé... as pessoas mais tristes que eu já<br />

encontrei na vida são aquelas que não dão a mínima para nada. Paixão e satisfação andam de<br />

mãos dadas, e sem elas, qualquer felicidade é apenas temporária, porque não há nada que a<br />

faça durar. Eu adoraria ouvir o seu pai falar sobre moedas, porque é quando você vê o melhor<br />

de uma pessoa, e eu descobri que a felicidade alheia é geralmente contagiosa."<br />

Eu estava paralisados com suas palavras. Apesar de Tim ter dito que ela era ingênua, ela<br />

parecia muito mais madura do que a maioria das pessoas da nossa idade. E de novo,<br />

considerando o modo como ela ficava de biquíni ela poderia estar enumerando a lista<br />

telefônica que eu teria ficado impressionado.<br />

Savannah se sentou ao meu lado e o seu olhar seguiu o meu. O jogo de Frisbee estava a<br />

todo vapor; enquanto Brad lançava o disco, outros dois vinham correndo pegar. Os dois


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

mergulharam para pegá-lo simultaneamente, caindo na água rasa enquanto suas cabeças<br />

colidiam. O de short vermelho saiu sem nada, dizendo palavrões e segurando a cabeça, seu<br />

short coberto de areia. Os outros riram, e eu me peguei sorrindo e me contorcendo<br />

simultaneamente.<br />

"Você viu isso?" perguntei.<br />

"Espera," ela disse. "Volto já." Ela foi em direção ao cara de short vermelho. Ele a viu<br />

se aproximando e congelou, assim como o cara ao lado dele. Savannah, como eu me dei<br />

conta, tinha o mesmo efeito em todos os garotos, não só em mim. Eu podia vê-la falando e<br />

sorrindo, dando aquela olhada séria no cara, que assentia enquanto ela falava, parecendo um<br />

adolescente submisso. Ela voltou para o meu lado e se sentou novamente. Não perguntei,<br />

sabendo que não era da minha conta, mas eu sabia que estava telegrafando a minha<br />

curiosidade.<br />

"Normalmente eu não teria dito nada, mas pedi pra ele tomar cuidado com a linguagem<br />

por causa de todas as famílias que tem aqui, ela explicou. "Há muitas crianças pequenas por<br />

aqui. Ele disse que faria isso."<br />

Eu devia ter adivinhado. "Você sugeriu que ele falasse 'Barbaridade' e 'Credo' em vez do<br />

que ele disse?"<br />

Ela me deu um olhar travesso. "Você gostou dessas expressões, não foi?"<br />

"Estou pensando em passá-las para o meu esquadrão. Eles irão adicioná-las ao nosso<br />

fator intimidador quando estivermos derrubando portas e lançando LGFs."<br />

Ela gargalhou. "Definitivamente mais assustador do que palavrões, mesmo que eu não<br />

saiba o que é um LGF."<br />

"Lança-granadas-foguete." Sem querer, eu gostava mais dela a cada minuto que


Dear John<br />

passava. "O que você vai fazer hoje à noite?"<br />

Nicholas Sparks<br />

seu pai?"<br />

"Não tenho planos. Bem, a não ser pelo encontro. Por que? Quer me levar pra conhecer<br />

"Não. Bem, não essa noite, de qualquer forma. Depois. Hoje, eu queria lhe mostrar<br />

Wilmington."<br />

"Você está me chamando pra sair?"<br />

"Sim," admiti. "Te trago de volta quando você quiser. Sei que você tem que trabalhar<br />

amanhã, mas tem esse lugar ótimo que eu quero te mostrar."<br />

"Que tipo de lugar?"<br />

"Um lugar local. Especializado em frutos do mar. Mas é mais uma experiência." Ela<br />

colocou os braços em volta de seus joelhos.<br />

"Eu geralmente não saio com estranhos," ela disse finalmente, "e nós só nos<br />

encontramos ontem. Acha que posso confiar em você?"<br />

"Eu não confiaria," eu disse.<br />

Ela riu. "Bem, nesse caso, acho que posso fazer uma exceção."<br />

"É?"<br />

horas?"<br />

"É," ela disse. "Tenho uma queda por caras honestos com cabelo escovinha. Que


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Quatro<br />

Eu estava em casa às cinco e embora não me sentisse queimado do sol, aquela pele<br />

européia do sul novamente - o queimado ficou óbvio quando tomei banho. Meu peito e meus<br />

ombros arderam quando a água ricocheteou neles, e meu rosto me fez sentir como se eu<br />

estivesse com uma febre baixa. Depois, me barbeei pela primeira vez desde que cheguei em<br />

casa e vesti uma bermuda limpa e uma das minhas poucas camisas ultrapassadas<br />

relativamente boas que eu tinha, azul clara. Lucy tinha comprado e jurado que a cor era<br />

perfeita pra mim. Enrolei as mangas para cima e deixei a camisa desabotoada, então<br />

vasculhei meu armário à procura de um antigo par de sandálias.<br />

Através da rachadura da porta eu podia ver meu pai na sua mesa, e me ocorreu que pela<br />

segunda noite seguida eu tinha feito outros planos para o jantar. E eu nem tinha passado<br />

nenhum tempo com ele esse fim de semana. Ele não reclamaria, eu sabia, mas ainda assim<br />

senti uma pontada de culpa. Depois de pararmos de falar sobre moedas, o café da manhã e o<br />

jantar eram a única coisa que nós compartilhávamos e agora eu o estava privando até mesmo<br />

disso. Talvez eu não tivesse mudado tanto quanto pensava. Eu estava na sua casa e comenda<br />

da sua comida e estava para perguntá-lo se poderia pegar seu carro emprestado. Em outras<br />

palavras, levando minha própria vida e usando-o no processo. Me perguntei o que Savannah<br />

diria sobre isso, mas eu achava que já sabia a resposta. Savannah às vezes parecia muito com<br />

a pequena voz que tinha se instalado na minha cabeça mas nunca se importou em pagar<br />

aluguel, e nesse momento, ela sussurrava que se eu me sentisse culpado, talvez estivesse<br />

fazendo algo errado. Resolvi que passaria mais tempo com ele. Era uma saída fácil e eu<br />

admiti isso, mas não sabia o que mais fazer.<br />

Quando abri a porta, meu pai pareceu sobressaltado ao me ver. "Oi pai," eu disse, me<br />

sentando no lugar de sempre.<br />

"Oi, John." Assim que falou, ele olhou sua mesa e passou uma mão sobre o seu cabelo


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

ralo. Quando eu não disse mais nada, ele se deu conta de que deveria me fazer uma pergunta.<br />

"Como foi o seu dia?" ele finalmente me perguntou.<br />

Mudei de posição no meu lugar. "Foi ótimo, na verdade. Passei a maior parte do dia<br />

com Savannah, a garota de que lhe falei ontem à noite."<br />

"Ah." Seus olhos se viraram para o lado, se recusando a encontrar os meus. "Você não<br />

me contou sobre ela."<br />

"Não?"<br />

"Não, mas está tudo bem. Era tarde." Pela primeira vez ele pareceu se dar conta de que<br />

eu estava arrumado, ou pelo menos mais arrumado do que ele já tinha me visto, mas ele não<br />

conseguiu se obrigar a me perguntar nada.<br />

Eu dei um puxão na minha camisa, tirando ele do aperto. "É, eu sei, tentando<br />

impressioná-la, certo? Vou levar ela pra sair hoje à noite," eu disse. "Tudo bem se eu pegar o<br />

carro emprestado?"<br />

"Ah... tudo bem," ele disse.<br />

"Quer dizer, você vai precisar dele hoje? Posso ligar pra um amigo ou algo assim."<br />

"Não," ele disse. Enfiou a mão no bolso para pegar as chaves. Nove entre dez pais as<br />

teria jogado; o meu as estendeu para mim.<br />

"Você está bem?" perguntei.<br />

"Só cansado," ele disse.<br />

Me levantei e peguei as chaves. "Pai?" Ele ergueu o olhar novamente. "Me desculpe por


Dear John<br />

não jantar com você nessas últimas noites."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Tudo bem," ele disse. "Eu entendo."<br />

***<br />

O sol estava começando a sua lenta descida e quando eu arranquei com o carro, o céu<br />

era um redemoinho de cores suaves que contrastavam dramaticamente com o céu da noite<br />

que eu tinha conhecido na Alemanha. O trânsito estava horrível, como sempre em noites de<br />

domingo e eu levei quase trinta minutos enfumaçados para voltar à praia e estacionar.<br />

Empurrei a porta da casa sem bater. Dois garotos que estavam sentados no sofá<br />

assistindo a um jogo de baseball me ouviram entrar. "Hey," eles disseram, parecendo<br />

desinteressados e indiferentes.<br />

"Vocês viram Savannah?"<br />

"Quem?" um deles perguntou, obviamente prestando pouca atenção em mim.<br />

"Deixa pra lá. Eu encontro ela." Cruzei a sala até o deque traseiro, vi o mesmo cara da<br />

noite anterior na churrasqueira novamente e alguns outros, mas nenhum sinal de Savannah.<br />

Também não a vi na praia. Estava para voltar pra dentro quando senti alguém dando tapinhas<br />

no meu ombro.<br />

"Quem você está procurando?" ela perguntou.<br />

Eu me virei. "Uma garota," eu disse. "Ela tem tendência a perder coisas em píers, mas é<br />

uma aprendiz rápida quando se trata de surf."<br />

Ela colocou as mãos nos quadris e eu sorri. Estava de shorts e com uma blusa sem<br />

mangas com uma alça que passava pel sua nuca, deixando seu colo e a parte de cima das suas


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

costas descobertos, com um indício de cor em suas bochechas, eu notei que ela tinha<br />

colocado um pouco de rímel e batom. Mesmo adorando sua beleza natura0, sou um garoto da<br />

praia, ela estava ainda mais chamativa do que eu me lembrava. Senti o sopro de alguma<br />

fragrância de limão enquanto ela se inclinava em minha direção.<br />

"É tudo o que eu sou? Uma garota?" ela perguntou. Soava ao mesmo tempo brincalhona<br />

e séria, e por um minuto eu fantasiei envolvê-la com meus braços ali mesmo, naquele<br />

momento.<br />

"Ah," eu disse, me fingindo de surpreso. "É você."<br />

Os dois caras no sofá olharam rápido para nós e depois retornaram para a tela.<br />

"Pronta para ir?" perguntei.<br />

"Só tenho que pegar minha bolsa," ela disse. Ela pegou a bolsa do balcão da cozinha e<br />

começamos a caminhar para a porta. "E onde estamos indo, à propósito?"<br />

Quando a respondi, ela ergueu uma sobrancelha.<br />

"Você está me levando para comer em um lugar com a palavra cabana no nome?"<br />

"Eu só sou um cara mal pago do exército. É tudo que eu posso bancar."<br />

Ela me empurrou enquanto caminhávamos. "Tá vendo, é por isso que eu normalmente<br />

não saio com estranhos."<br />

A cabana de Camarão fica no centro de Wilmington, na área histórica que faz fronteira<br />

com o rio Cape Fear. Em uma ponta da área histórica estão seus típicos destinos turísticos:<br />

lojas de souvenires, alguns lugares especializados em antiguidades, alguns restaurantes<br />

elitizados, cafeterias e vários escritórios do estado. Na outra ponta, contudo, Wilmington


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

representava seu personagem como cidade portuária trabalhadora: grandes armazéns, mais de<br />

um permaneciam abandonados, e outros velhos prédios de escritórios apenas ocupados pela<br />

metade. Eu duvidava que os turistas que se amontoavam aqui no verão alguma vez vieram<br />

para esse lado. Essa foi a direção que eu tomei. Pouco a pouco a multidão se dispersava até<br />

que não sobrou ninguém na calçada enquanto a área ficava mais e mais arruinada.<br />

"Onde é este lugar?" Savannah perguntou.<br />

"Só um pouco mais adiante," eu disse. "Lá em cima, no final."<br />

"É um pouco fora do caminho, não é?"<br />

"É meio que uma instituição local," eu disse. "O dono não se importa se os turistas vêm<br />

ou não. Nunca se importou."<br />

Um minuto depois, diminuí a velocidade do carro e virei em um pequeno<br />

estacionamento ao lado de um dos armazéns. Algumas dúzias de carros estavam estacionados<br />

em frente à Cabana de Camarão, como sempre, e o lugar não havia mudado. Desde que o<br />

conheci parecia desmantelado, com uma ampla varanda desarrumada, pintura descascada e<br />

um teto torto que fazia parecer que o lugar estava prestes a desabar, apesar do fato de estar<br />

enfrentando furacões desde 1940. O exterior estava decorado com redes, capotas e placas de<br />

carros, uma velha âncora, remos e algumas correntes enferrujadas. Uma canoa quebrada<br />

estava perto da porta.<br />

O céu estava começando o seu escurecimento preguiçoso quando caminhamos até a<br />

entrada. Me perguntei se deveria pegar na mão de Savannah, mas no final eu não fiz nada.<br />

Apesar de ter tido algum sucesso induzido por hormônios com as mulheres, eu tinha<br />

pouquíssima experiência quando se tratava de garotas com quem eu me importava. Apesar do<br />

fato que apenas um dia tinha passado desde que nos conhecemos, eu já sabia que estava em<br />

território novo. Subimos na varanda envergada e Savannah apontou para a canoa.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Talvez seja por isso que ele tenha aberto um restaurante, porque o barco dele afundou."<br />

Pronta?"<br />

"Pode ser. Ou talvez alguém deixou isso aí e ele nunca se importou em removê-lo.<br />

"Como sempre estarei," ela disse e eu empurrei a porta.<br />

Não sei o que ela esperava, mas ela tinha uma expressão satisfeita no rosto enquanto<br />

entrava. Havia um longo bar em um lado, janelas que davam para o rio e na área central,<br />

bancos de piquenique de madeira. Algumas garçonetes com cabelos armado - elas não<br />

pareciam ter mudado mais que a decoração - se moviam entre as mesas, carregando bandejas<br />

de comida. O ar tinha o cheiro oleoso de comida frita e fumaça de cigarro; esmo assim, de<br />

alguma forma parecia certo. A maioria das mesas estava ocupadas, mas eu indiquei uma<br />

perto do jukebox*. Estava tocando uma música country do oeste, embora eu não soubesse<br />

dizer quem era o cantor. Sou mais um fã de rock clássico.<br />

*É uma máquina que toca músicas quando uma moeda é depositada nela.<br />

Fizemos nosso caminho por entre as mesas. A maioria dos clientes pareciam trabalhar<br />

duro pelo seu sustento: trabalhadores de construção, jardineiros, caminhoneiros e etc. Eu<br />

nunca tinha visto tantos bonés de baseball da NASCAR desde... bem, eu nunca tinha visto<br />

tantos. Alguns caras do meu esquadrão eram fãs, mas eu nunca saquei a graça de assistir a<br />

um grupo de marmanjos dirigirem em círculo o dia todo ou descobri porque eles não<br />

publicavam os artigos na seção de automóveis do jornal em vez de na seção de esportes. Nos<br />

sentamos um em frente ao outro e eu observei enquanto Savannah assimilava o lugar.<br />

habitual?"<br />

"Gosto de lugares assim," ela disse. "Quando você morava aqui era esse seu destino<br />

"Não, esse era mais um lugar para ocasiões especiais. Normalmente eu saía para um<br />

lugar chamado Leroy's. É um bar perto da praia de Wrightsville." Ela pegou um menu<br />

laminado que estava entre um porta guardanapos de metal e garrafas de ketchup e molho


Dear John<br />

picante Texas Pete.<br />

Nicholas Sparks<br />

"Isso é muito melhor," disse. Ela abriu o menu. "Agora, pelo que esse lugar é famoso?"<br />

"Camarão," eu disse.<br />

"Nossa, sério?" ela perguntou.<br />

"Sério. Todo tipo de camarão que você puder imaginar. Você sabe aquela cena de<br />

Forrest Gump quando Bubba estava contando a Forrest todos as formas de se preparar<br />

camarão? Grelhado, salgado, em churrasco, camarão Cajun, camarão ao limão, camarão<br />

Creole, coquetel de camarão... É esse o lugar."<br />

"De qual você gosta?"<br />

"Eu gosto deles resfriados com molho de coquetel do lado. Ou fritos."<br />

Ela fechou o menu. "Você escolhe," disse, empurrando o menu me minha direção. "Eu<br />

confio em você."<br />

Coloquei o menu de volta nos eu lugar, encostado no porta guardanapos.<br />

"Então?"<br />

"Resfriados. Em um balde. É a experiência consumada."<br />

Ela se inclinou por sobre a mesa. " Então quantas mulheres você já trouxe aqui? Para a<br />

experiência consumada, quero dizer."<br />

"Incluindo você? Deixe-me pensar." Bati os dedos na mesa. "Uma."


Dear John<br />

"Estou honrada."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Este era mais um lugar pra mim e meus amigos quando queríamos comer em vez de<br />

beber. Não havia comida melhor depois de um dia de surf."<br />

"Como eu descobrirei em breve."<br />

A garçonete apareceu e eu pedi o camarão. Quando ela perguntou o que queríamos para<br />

beber, eu ergui as mãos.<br />

"Chá, por favor," Savannah disse.<br />

"Traga dois" eu completei.<br />

Depois que a garçonete saiu, nos acomodamos em uma conversa fácil, ininterrupta<br />

mesmo quando nossas bebidas chegaram. Falamos sobre a vida no exército novamente; por<br />

alguma razão, Savannah parecia fascinada com ela. Ela também perguntou sobre crescer<br />

aqui. Contei a ela mais do que pensei que iria sobre meus anos no Ensino Médio e<br />

provavelmente demais sobre os três anos antes do meu alistamento.<br />

Ela ouviu atentamente, fazendo perguntas aqui e ali, e eu me dei conta de que já fazia<br />

um bom tempo desde que eu havia tido um encontro como este; alguns anos, talvez mais.<br />

Não desde Lucy, de qualquer forma. Eu não via nenhuma razão para isso, mas quando sentei<br />

diante de Savannah, tive que repensar minha decisão. Eu gostava de ficar sozinho com ela, e<br />

queria ver mais dela. Não só esta noite, mas amanhã e no dia seguinte. Tudo, desde a maneira<br />

fácil como ela ria, ao seu humor, à sua óbvia preocupação com os outros - me atingiam como<br />

novos e desejáveis. Então novamente, passar algum tempo com ela me fez perceber o quanto<br />

eu tinha sido solitário. Eu não tinha admitido isso para mim mesmo, mas depois de apenas<br />

dois dias com Savannah, eu sabia que era verdade.<br />

"Vamos colocar alguma música para tocar," ela disse, interrompendo meus


Dear John<br />

pensamentos.<br />

Nicholas Sparks<br />

Me levantei da minha cadeira, remexi meus bolsos à procura de alguma moeda de 25<br />

cents, e depositei na máquina. Savannah colocou as duas mãos no vidro e se inclinou para<br />

frente, como se lesse os títulos, depois escolheu algumas músicas. Quando voltamos à mesa,<br />

a primeira já estava tocando.<br />

"Sabe, acabei de me dar conta que só eu tenho falado a noite toda," eu disse.<br />

"Você é uma matraca," ela observou.<br />

Tirei meus talheres do guardanapo de papel que os envolvia. "E você? Você sabe tudo<br />

sobre mim, mas eu não sei nada sobre você."<br />

"Claro que sabe," ela disse. "Você sabe quantos anos eu tenho, qual faculdade eu<br />

freqüento, minha especialização e o fato de que eu não bebo. Sabe que eu sou de Lenoir,<br />

moro em uma fazenda, amo cavalos, e passo meus verões construindo casas para o Habitat<br />

para a Humanidade. Você sabe muita coisa."<br />

É, de repente me dei conta, eu sabia. Incluindo coisas que ela não tinha mencionado.<br />

"Não é o bastante," eu disse. "Sua vez."<br />

Ela se inclinou para frente. "Pergunte o que quiser."<br />

"Me conte sobre seus pais," eu disse.<br />

"Certo," disse ela, pegando um guardanapo. Ela secou a condensação de seu copo.<br />

"Meu pai e minha mãe são casados há vinte e cinco anos e ainda estão muito felizes e<br />

loucamente apaixonados. Eles se conheceram na faculdade na Appalachian State, e minha<br />

mãe trabalhou em um banco alguns anos até eu nascer. Desde então ela tem sido uma mãe<br />

caseira e ela foi o tipo de mãe que estava lá pra todo mundo também. Ajudante de sala de


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

aula, motorista voluntária, técnica do nosso time de futebol, cabeça da Associação de Pais e<br />

Mestres, todo esse tipo de coisa. Agora que eu vim embora ela passa o dia todo como<br />

voluntária de outras coisas - a biblioteca, escolas, a igreja, o que for. Meu pai é professor de<br />

história na escola e é técnico do time de vôlei feminino desde que eu era pequena. Ano<br />

passado elas chegaram a final estadual, mas perderam. Ele também é diácono na nossa igreja<br />

e coordena o grupo de jovens e o coral. Quer ver uma foto?"<br />

"Claro," eu disse.<br />

Ela abriu sua bolsa e tirou a carteira. Ela a abriu e empurrou por cima da mesa, nossos<br />

dedos se tocando. "Estão um pouco esfarrapadas nas bordas por causa da água do mar," ela<br />

disse, "mas dá pra ter uma idéia."<br />

Virei a foto. Savannah tinha mais características do pai do que da mãe, ou pelo menos<br />

tinha herdado os traços mais escuros dele.<br />

"Belo casal."<br />

"Eu os amo," ela disse, pegando a carteira de volta. "Eles são os melhores."<br />

"Por que você mora em uma fazenda se seu pai é professor?"<br />

"Ah, não é uma fazenda de trabalho. Era quando pertencia a meu avô, mas ele teve que<br />

vender pedaços para pagar os impostos dela. Quando meu pai a herdou estava reduzida a 4<br />

hectares com uma casa, estábulos e um curral. É mais um grande quintal do que uma<br />

fazenda. É como sempre nos referimos a ele, mas acho que passa a imagem errada, né?"<br />

pai?"<br />

"Eu sei que você disse que fez ginástica olímpica, mas você jogou vôlei no time do seu<br />

"Não," ela disse. "Quer dizer, ele é um ótimo técnico, mas sempre me encorajou a fazer


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

o que era certo pra mim. E não era vôlei. Eu tentei e foi legal, mas não era o que eu amava."<br />

"Você amava cavalos."<br />

"Desde que era uma garotinha. Minha mãe me deu uma estátua de um cavalo quando eu<br />

era bem pequena, e foi isso que começou a coisa toda. Ganhei meu primeiro cavalo no Natal<br />

quando tinha oito anos e ainda é o melhor presente de Natal que eu já recebi. Slocum. Ela era<br />

uma velha égua muito gentil e era perfeita pra mim. O acordo era que eu deveria cuidar delaalimentá-la,<br />

escová-la e manter sua baia limpa. Entre ela, a escola, a ginástica e tomar conta<br />

do resto dos animais, eu só tinha tempo pra isso."<br />

"O resto dos animais?"<br />

"Quando eu estava crescendo, minha casa era tipo uma fazenda mesmo. Cachorros,<br />

gatos, até uma lhama por um tempo. Eu era louca por animais perdidos. Meus pais chegaram<br />

ao ponto de nem discutir mais comigo sobre eles. Geralmente tinha quatro ou cinco deles de<br />

uma vez. Algumas vezes um dono vinha, esperando achar seu bichinho perdido, e saía com<br />

uma de nossas adições recentes se não achasse. Éramos como a libra*."<br />

* Desculpem, mas não consegui entender essa referência.<br />

"Seus pais eram pacientes."<br />

"Sim," ela disse, "eles eram. Mas eram loucos por animais perdidos também. Mesmo<br />

que negasse, minha mãe era pior que eu."<br />

A observei. "Aposto que você era uma boa aluna."<br />

"Invariáveis A's. Fui a oradora da minha classe."<br />

"Por que isso não me surpreende?"


Dear John<br />

"Não sei," ela disse. "Por quê?"<br />

Nicholas Sparks<br />

Não respondi. "Você já teve um namorado sério?"<br />

"Ah, agora estamos indo direto ao ponto, hein?"<br />

"Só estava perguntando."<br />

"O que você acha?"<br />

"Eu acho," eu disse, arrastando as palavras, "Eu não faço idéia."<br />

Ela riu. "Então... vamos deixar essa pergunta passar por agora. Um pouco de mistério é<br />

bom para a alma. Além disso, estou disposta a apostar que você pode descobrir por conta<br />

própria."<br />

A garçonete chegou com o balde de camarões e algumas garrafas de molho de coquetel,<br />

os colocou na mesa e reabasteceu nosso chá com a eficiência de alguém que tem feito isso<br />

por muito tempo. Ela virou nos seus sapatos de salto sem perguntar se queríamos mais<br />

alguma coisa.<br />

"Esse lugar é legendário por sua hospitalidade."<br />

"Ela só está ocupada," Savannah disse, pegando um camarão. "E além disso, acho que<br />

ela sabe que você está me interrogando e quis me deixar com o meu inquisidor."<br />

Ela quebrou o camarão e o descascou, depois mergulhou-o no molho antes de morder<br />

um pedaço. Peguei alguns da vasilha e coloquei no meu prato.<br />

"O que mais você quer saber?"


Dear John<br />

"Não sei. Qualquer coisa. Qual a melhor parte de estar na faculdade?"<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela pensou sobre isso enquanto reabastecia seu prato. "Bons professores," disse<br />

finalmente. "Na faculdade, às vezes você pode escolher seus professores se você tiver uma<br />

agenda flexível. É isso que eu gosto. Antes de começar, foi esse o conselho que meu pai me<br />

deu. Ele disse para escolher aulas baseadas no professor sempre que possível, e não na<br />

matéria. Quer dizer, ele sabia que existem algumas matérias que você tem que escolher se<br />

quiser se graduar, mas a razão dele era que bons professores não tem preço. Eles te inspiram,<br />

tem entretêm e você acaba aprendendo muitas coisas mesmo sem saber."<br />

"Porque eles são apaixonados pelas suas matérias" eu disse.<br />

Ela piscou. "Exatamente. E ele estava certo. Peguei aulas de matérias que eu nunca<br />

pensei que fosse me interessar e o mais distantes da minha especialização que você pode<br />

imaginar. Mas sabe de uma coisa? Eu ainda lembro dessas aulas como se ainda as estivesse<br />

tomando."<br />

"Estou impressionado. Pensei que você diria que ir à jogos de basquete fosse a melhor<br />

parte de estar na faculdade. É como uma religião em Chapel Hill."<br />

"Gosto disso também. Assim como gosto dos amigos que estou fazendo e viver longe<br />

de mamãe e papai e tudo isso. Aprendi muito desde que saí de Lenoir. Quer dizer, tive uma<br />

vida maravilhosa lá e meus pais são ótimos, mas eu estava... presa. Tive algumas<br />

experiências de abrir os olhos."<br />

"Como o que?"<br />

"Muitas coisas. Como sentir a pressão de beber ou me agarrar com um cara toda vez<br />

que eu saía. No meu primeiro ano, eu odiei a UNC. Não senti que fosse me enturmar, e eu<br />

não me enturmei. Implorei para meus pais me deixarem ir pra casa ou me transferir, mas eles<br />

não concordaram. Acho que eles sabiam que eu iria me arrepender a longo prazo e


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

provavelmente estavam certos. Foi só no meu segundo ano que encontrei algumas garotas<br />

que se sentiam do mesmo modo que eu sobre esse tipo de coisa e tem sido muito melhor<br />

desde então. Me juntei a alguns grupos de estudantes cristãos, passo as manhãs de sábado em<br />

um abrigo em Raleigh servindo os pobres, e não sinto nenhuma pressão para ir à essa ou<br />

àquela festa ou sair com esse ou aquele cara. E se eu for a uma festa, a pressão não me<br />

atinge. Eu só aceito o fato de que eu não tenho que fazer o que todo mundo faz. Posso fazer o<br />

que é certo pra mim."<br />

também.<br />

O que explicava por que ela estava comigo na noite passada, eu pensei. E agora<br />

Ela se animou. "É meio como você, eu acho. Nos últimos anos, eu cresci. Então, junto<br />

ao fato de que somos especialistas em surf também temos isso em comum."<br />

Eu ri. "É. Tirando que eu lutei muito mais do que você."<br />

Ela se inclinou para a frente novamente. "Meu pai sempre dizia que quando você está<br />

lutando com alguma coisa, olhe para todas as pessoas ao seu redor e perceba que cada uma<br />

delas que você vê está lutando com alguma coisa, e para elas, é tão difícil quanto o que você<br />

está passando."<br />

"Seu pai parece ser um homem esperto."<br />

"Minha mãe e meu pai são. Acho que os dois se formaram entre os cinco melhores na<br />

faculade. Foi como eles se conheceram. Estudando na biblioteca. Educação era muito<br />

importante para os dois e eles meio que fizeram de mim seu projeto. Quer dizer, eu lia antes<br />

de ir pra o jardim de infância, mas eles nunca fizeram parecer com uma tarefa. E eles têm<br />

falado comigo como se eu fosse adulta desde que eu me lembro."<br />

Por um momento, me perguntei o quanto minha vida seria diferente se eles tivessem<br />

sido meus pais, mas sacudi o pensamento para longe. Sabia que meu pai tinha feito o melhor


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

que podia, e eu não tinha nenhum arrependimento do modo como eu acabei.<br />

Arrependimentos sobre a jornada, talvez, mas não sobre o destino. Porque como quer que<br />

tivesse acontecido, de algum modo eu iria acabar comendo camarão em uma cabana<br />

deprimente do centro da cidade com uma garota que eu já sabia que nunca esqueceria.<br />

Depois do jantar, voltamos para a casa, que estava surpreendentemente calma. A música<br />

ainda tocava, mas a maioria das pessoas estavam relaxando ao redor do fogo, como se<br />

antecipassem a manhã. Tim estava entre eles, absorto em uma conversa séria. Me<br />

surpreendendo, Savannah pegou minha mão, me parando no caminho antes de alcançarmos o<br />

grupo.<br />

"Vamos dar uma caminhada," ela disse. "Quero deixar o jantar assentar só um pouco<br />

antes de sentar."<br />

Acima de nós, algumas nuvens finas estavam espalhadas entre as estrelas, e a lua, ainda<br />

cheia, pairava no horizonte. Uma brisa leve soprou na minha bochecha, e eu podia ouvir o<br />

movimento incessante das ondas enquanto elas rolavam para a costa. A maré tinha baixado e<br />

nós nos movemos para a areia mais dura e compacta perto da beira da água. Savannah<br />

colocou uma mão no meu ombro para manter o equilíbrio enquanto ela tirava uma sandália, e<br />

depois a outra. Quando ela terminou, eu fiz o mesmo, e demos alguns passos em silêncio.<br />

"É tão lindo aqui fora. Quer dizer, eu amo as montanhas, mas isso é maravilhoso a sua<br />

própria maneira. É cheio de... paz."<br />

Senti que as mesmas palavras poderiam ser usadas para descrevê-la, e eu não tinha<br />

certeza do que dizer.<br />

"Não acredito que só te conheci ontem," ela adicionou. "Parece que eu te conheço há<br />

muito mais tempo."<br />

A mão dela estava quente e macia na minha. "Estava pensando a mesma coisa."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela deu um sorriso sonhador, observando as estrelas. "Me pergunto o que Tim pensa<br />

sobre isso," ela murmurou. Ela me olhou. "Ele acha que sou um pouco ingênua."<br />

"Você é?"<br />

"Às vezes" ela admitiu, e eu ri.<br />

Ela continuou. "Quer dizer, se eu ver duas pessoas saindo para uma caminhada como<br />

essa, eu penso, "Ah, que fofo". Não penso, "eles vão transar atrás das dunas". O fato é que às<br />

vezes eles transam. Eu só nunca penso nisso de ante mão e sempre me surpreendo quando<br />

ouço sobre isso depois. Não posso evitar. Como noite passada, depois de você ir embora.<br />

Ouvi sobre duas pessoas aqui que fizeram isso e não pude acreditar."<br />

"Eu teria ficado mais surpreso se não tivesse acontecido."<br />

"É isso que eu não gosto na faculdade, à propósito. Muitas pessoas não acreditam que<br />

esses anos de atrevimento realmente contam, então é permitido você experimentar com... o<br />

que for. Há uma visão informal sobre coisas como sexo, bebidas e até drogas. Eu sei que isso<br />

soa muito careta, mas eu não entendo. Talvez tenha sido por isso que eu não quis ir sentar ao<br />

redor da fogueira como todo mundo. Pra ser honesta, estou um pouco desapontada com<br />

aquelas duas pessoas de quem ouvi falar, e eu não quero sentar lá e fingir que não estou. Sei<br />

que não devia julgar, e tenho certeza de que eles são boas pessoas por estarem aqui para<br />

ajudar, mas ainda assim, qual é o motivo? Você não deveria guardar coisas como essas para<br />

alguém que você ama? Para que realmente signifique alguma coisa?"<br />

Eu sabia que ela não queria respostas, e não ofereci nenhuma. "Quem lhe contou sobre<br />

aquele casal?" eu perguntei, em vez disso.<br />

"Tim. Acho que ele estava desapontado também, mas o que ele iria fazer? Expulsá-los?"


Dear John<br />

Tínhamos percorrido um bom caminho pela praia, e nos viramos.<br />

Nicholas Sparks<br />

À distância, eu podia ver o círculo de figuras em silhueta contra o fogo. A névoa<br />

cheirava a sal, e caranguejos se espalhavam para suas tocas na areia enquanto nos<br />

aproximávamos.<br />

"Me desculpe," ela disse. "Eu estava errada."<br />

"Sobre o que?"<br />

"Por ficar tão... chateada sobre isso. Eu não deveria julgar. Não é o meu lugar."<br />

"Todo mundo julga," eu disse. "É a natureza humana."<br />

"Eu sei. Mas... eu também não sou perfeita. No fim, é apenas o julgamento de Deus que<br />

importa e eu aprendi o bastante para saber que ninguém pode saber qual é a vontade de<br />

Deus."<br />

Eu sorri.<br />

"O que?" ela perguntou.<br />

"O modo como você fala me lembra o nosso capelão. Ele diz a mesma coisa."<br />

Nós caminhamos pela praia e quando nos aproximamos da casa, nos distanciamos da<br />

beira da água, em direção a areia fofa. Nossos pés deslizavam a cada passo e eu podia sentir<br />

Savannah colocar mais força no aperto de nossas mãos. Me perguntei se ela as soltaria<br />

quando chegássemos perto do fogo e fiquei desapontado quando ela o fez.<br />

"Hey," Tim nos chamou, sua voz amigável. "Vocês estão de volta."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Randy estava lá também e tinha no rosto sua expressão emburrada habitual.<br />

Francamente, eu estava ficando um pouco cansado do ressentimento dele. Brad estava atrás<br />

de Susan, que se apoiava em seu peito. Susan parecia estar indecisa entre fingir estar feliz,<br />

para poder descobrir os detalhes com Savannah e ficar chateada em apoio a Randy. Os<br />

outros, obviamente indiferentes, voltaram para suas conversas. Tim se levantou e veio até<br />

nós.<br />

"Como foi o jantar?"<br />

Shack."<br />

"Foi ótimo" Savannah disse. "Provei um pouco da cultura local. Fomos ao Shrimp<br />

"Parece divertido," ele comentou.<br />

Me esforcei para detectar algum traço de ciúme mas não achei nenhum. Tim fez um<br />

movimento por sobre o ombro e falou. "Querem se juntar a nós? Estamos só relaxando, nos<br />

preparando para amanhã."<br />

"Na verdade, estou com um pouco de sono. Eu só ia levar o John até o carro dele e<br />

depois ia entrar. À que horas devemos nos acordar?"<br />

"Seis. Tomaremos café e estaremos na construção amanhã às sete e meia. Não esqueça<br />

seu protetor solar. Ficaremos no sol o dia todo."<br />

"Vou me lembrar. Você deveria relembrar todo mundo."<br />

"Tenho que fazer isso," ele disse. "E lembrarei amanhã de novo. Mas espere só-algumas<br />

pessoas não irão ouvir e vão fritar."<br />

"Te vejo pela manhã," ela disse.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Certo." Ele virou sua atenção pra mim. "Fico feliz que você tenha aparecido hoje."<br />

"Eu também," eu disse.<br />

"E escute, se você ficar entediado pelas próximas semanas, podemos sempre usar uma<br />

ajuda extra."<br />

Eu ri. "Sabia que isso estava vindo."<br />

"Sou quem eu sou," ele disse, estendendo sua mão. "Mas de qualquer modo, espero vêlo<br />

novamente."<br />

Apertamos as mãos. Tim voltou para o seu lugar e Savannah indicou a casa com a<br />

cabeça. Andamos em direção a duna, paramos para colocar nossas sandálias de volta e depois<br />

seguimos o caminho de madeira, pela grama e ao redor da casa. Um minuto depois,<br />

estávamos no carro. No escuro, eu não podia enxergar a expressão dela.<br />

"Me diverti essa noite," ela disse. "E hoje."<br />

Eu engoli. "Quando eu posso te ver de novo?"<br />

Foi uma pergunta simples, até mesmo já esperada, mas fiquei surpreso ao ouvir o<br />

desejo no meu tom. Eu ainda nem a tinha beijado.<br />

"Eu acho," ela disse, "que isso depende de você. Você sabe onde eu estou."<br />

"Que tal amanhã à noite?" Falei sem pensar. "Sei de outro lugar que tem uma banda e é<br />

muito divertido."<br />

Ela colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha. "Que tal na noite depois dessa? Tudo<br />

bem? É só que o primeiro dia na construção é sempre... excitante e cansativo ao mesmo


Dear John<br />

tempo. Temos um grande jantar em grupo que eu realmente não deveria perder."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Sim, tudo bem," eu disse, achando que não estava tudo bem de jeito nenhum.<br />

"Ela deve ter ouvido alguma coisa na minha voz. "Como Tim disse, você é bem vindo<br />

para aparecer se quiser."<br />

"Não, tudo bem. A terça á noite está bom."<br />

Continuamos lá parados, num daqueles momentos estranhos que eu provavelmente<br />

nunca irei me acostumar, mas ela se virou antes que eu pudesse tentar um beijo.<br />

Normalmente, eu provavelmente teria mergulhado pra frente só pra ver o que aconteceria; eu<br />

posso não ter sido aberto sobre meus sentimentos, mas eu era impulsivo e rápido nas ações.<br />

Com Savannah, me senti estranhamente paralisado. Ela também não parecia estar com<br />

nenhuma pressa.<br />

Um carro passou, quebrando o feitiço. Ela deu um passo em direção à casa, então parou<br />

e colocou sua mão no meu braço. Em um gesto inocente, ela me beijou na bochecha. Foi<br />

quase um beijo de irmãos, mas seus lábios eram macios e seu aroma me engolfou, persistindo<br />

mesmo depois que ela se afastou.<br />

"Eu realmente me diverti," ela murmurou. "Não acho que irei esquecer desse dia por<br />

muito, muito tempo."<br />

Senti sua mão deixar meu braço e então em um sussurro ela desapareceu, subindo as<br />

escadas da casa.<br />

Mais tarde naquela noite em casa, me achei me revirando na cama, revivendo os<br />

eventos do dia. Finalmente me sentei, desejando que tivesse contado a ela o quanto o nosso<br />

dia tinha significado pra mim. Fora da minha janela, vi uma estrela cadente cruzar o céu em<br />

um brilhante risco branco. Eu queria acreditar que era uma profecia, embora de que, eu não


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

estava certo. Em vez disso, tudo o que eu podia fazer era sentir de novo o beijo gentil de<br />

Savannah na minha bochecha pela centésima vez e me perguntar como eu poderia estar me<br />

apaixonando por uma garota que eu só havia conhecido no dia anterior.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Cinco<br />

"Bom dia, pai," eu disse, cambaleando cozinha a dentro. Semicerrei meus olhos ao<br />

sentir a luz da manhã brilhosa e vi meu pai parado em frente ao fogão. O cheiro de bacon<br />

preenchia o ar.<br />

"Ah... oi, John."<br />

Me joguei na cadeira, ainda tentando acordar. "É, eu sei que é cedo pra eu estar<br />

acordado, mas eu queria te alcançar antes de você sair para o trabalho."<br />

"Ah," ele disse. "Tá certo. Deixe só eu preparar mais um pouco de comida." Ele<br />

pareceu quase animado, apesar dessa perturbação na rotina.<br />

Era momentos como esse que me deixavam saber que eu estava feliz por estar em casa.<br />

"Tem café?" eu perguntei.<br />

"Está na chaleira," ele disse.<br />

Me servi de uma xícara e caminhei até a mesa. O jornal, que já tinha chegado, estava<br />

em cima da mesa. Meu pai sempre o lia durante o café e eu sabia o bastante para não tocar<br />

nele. Ele sempre foi engraçado sobre ser o primeiro a lê-lo e sempre o lia na mesma ordem<br />

exata.<br />

Esperei meu pai perguntar como tinha sido a noite com Savannah, mas ele não disse<br />

nada, preferindo se concentrar na cozinha. Olhando o relógio, eu sabia que Savannah estaria<br />

indo pra construção em alguns minutos e me perguntei se ela estava pensando em mim tanto<br />

quanto eu estava pensando nela.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Na correria do que, sem dúvida, era uma manhã caótica pra ela, eu duvidava que ela<br />

estivesse. Essa descoberta me fez doer inesperadamente.<br />

"O que você fez na noite passada?" finalmente perguntei, tentando tirar Savannah da<br />

minha mente.<br />

Ele continuou a cozinhar como se não tivesse me ouvido. "Pai?" eu disse.<br />

"Sim?" ele perguntou.<br />

"Como foi na noite passada?"<br />

"Como foi o que?"<br />

"A sua noite. Algo excitante aconteceu?"<br />

"Não," ele disse, "nada." Sorriu pra mim antes de colocar algumas tiras de bacon na<br />

frigideira. Eu podia ouvir o chiado se intensificar.<br />

"Eu me diverti," eu me voluntariei. "Savannah é realmente especial. Fomos juntos à<br />

igreja ontem."<br />

De alguma forma eu pensei que ele me perguntaria mais sobre isso e vou admitir que<br />

queria que ele o fizesse. Imaginei que pudéssemos ter uma conversa de verdade, do tipo que<br />

outros pais devem ter com seus filhos, na qual ele sorri e talvez solta uma piada ou duas. Em<br />

vez disso, ele se virou pra outra boca do fogão. Colocou óleo em uma pequena frigideira e<br />

adicionou o ovo batido.<br />

"Você se importaria de colocar alguns pães na torradeira?" ele perguntou.<br />

Suspirei. "Não," eu disse, já sabendo que comeríamos em silêncio. "Sem problemas."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Passei o resto do dia surfando, ou em vez disso, tentando surfar. O oceano havia se<br />

acalmado durante a noite e as marolinhas não eram nada com o que se animar. Pra piorar,<br />

elas quebravam mais perto da costa do que estavam quebrando no dia anterior, então mesmo<br />

que eu achasse algumas que valessem a pena pegar, a experiência não duraria muito antes da<br />

onda se acabar. No passado, eu teria ido a Oak Island ou até dirigido até Atlantic Beach, onde<br />

eu poderia pegar uma carona até Shackleford Banks na esperança de achar algo melhor. Hoje<br />

eu apenas não estava no humor.<br />

Em vez disso, surfei no mesmo lugar dos últimos dois dias. A casa era um pouco mais<br />

pra longe da praia e parecia quase inabitada.<br />

A porta de trás estava fechada, as toalhas não estavam mais ali e ninguém passava pela<br />

janela ou saia para o deque. Me perguntei quando todos estariam voltando. Provavelmente lá<br />

pelas quatro ou cinco horas e eu já tinha tomado minha decisão de que já não estaria mais ali<br />

a essa hora. Não havia razão para estar aqui, em primeiro lugar e a última coisa que eu queria<br />

que Savannah pensasse era que eu era algum tipo de perseguidor.<br />

Fui embora lá pelas três e fui ao Leroy's. O bar estava mais escuro e deprimente do que<br />

eu me lembrava e eu odiei o lugar assim que passei pela porta. Sempre pensei nele como um<br />

bar profissional, como um bar para alcoólatras profissionais e tive a prova disso quando vi<br />

homens solitários erguendo copos das melhores bebidas do Tennesse, procurando por refúgio<br />

contra os problemas da vida. Leroy estava lá e ele me reconheceu quando eu entrei. Quando<br />

me sentei no bar, ele automaticamente trouxe um copo até a torneira de cerveja e começou a<br />

enchê-lo.<br />

"Há quanto tempo," ele comentou. "Você está se mantendo fora de problemas?"<br />

"Tentando," grunhi. Olhei o bar enquanto ele escorregava o copo na minha frente.<br />

"Gostei do que você fez com o lugar," eu disse, fazendo um sinal por cima do ombro.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Que bom. É tudo pra você. Vai comer alguma coisa?"<br />

"Não. Isso está bom, obrigado."<br />

Ele enxugou a bancada à minha frente depois lançou a toalha em trapos por cima do<br />

ombro e saiu para pegar o pedido de outra pessoa. Um momento depois, senti uma mão em<br />

meu ombro.<br />

"Johnny! O que você está fazendo aqui?"<br />

Me virei e vi um dos muitos amigos que eu tinha passado a desprezar.<br />

Era o jeito que era aqui. Eu odiava tudo no lugar, inclusive meus amigos e me dei conta<br />

de que sempre foi assim. Não tinha idéia de porque eu tinha ido, ou nem mesmo porque eu<br />

tinha feito dessa uma saída habitual, a não ser pelo fato de que tirando esse lugar eu não tinha<br />

mais nenhum aonde ir. "Oi, Toby," eu disse.<br />

Alto e raquítico, Toby se sentou ao meu lado e quando se virou para me encarar, vi que<br />

seus olhos já estavam injetados. Ele fedia como se não tivesse tomado banho há dias e sua<br />

camisa estava manchada. "Você ainda está fazendo o papel de Rambo?" ele perguntou,<br />

pronunciando as palavras indistintamente. "Parece que você andou malhando."<br />

"É," eu disse, não querendo entrar no assunto. "O que você está fazendo esses dias?"<br />

"Saindo, principalmente. Pelas últimas semanas, de qualquer forma. Eu estava<br />

trabalhando no Quick Stop até algumas semanas atrás, mas o dono era um verdadeiro<br />

babaca."<br />

"Ainda morando em casa?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Claro," ele disse, parecendo quase orgulhoso do fato. Ele inclinou a garrafa e deu um<br />

longo gole, depois se concentrou nos meus braços. "Você parece bem. Andou malhando?" ele<br />

perguntou de novo.<br />

"Um pouco," eu disse, sabendo que ele não se lembrava de já ter perguntado aquilo.<br />

"Você está grande."<br />

Não pude pensar em nada pra dizer. Toby tomou outro gole.<br />

"Ei, tem uma festa hoje na casa de Mandy," ele disse. "Você lembra da Mandy, né?"<br />

É, eu lembrava. Uma garota do meu passado que durou menos que um final de semana.<br />

Toby ainda estava falando.<br />

"Os pais dela estão em Nova York ou algum lugar assim e vai ser um estouro. Só<br />

estamos tendo uma pré festa pra nos colocar no humor apropriado. Quer se juntar a nós?"<br />

Ele indicou por cima do ombro quatro caras em uma mesa de canto aninhados com três<br />

jarras vazias. Reconheci dois da minha vida passada, mas os outros eram desconhecidos.<br />

assim."<br />

"Não posso," eu disse, "tenho que encontrar meu pai para jantar. Obrigado, mesmo<br />

"Ignore ele. Vai ser um estrondo. Kim vai estar lá."<br />

Outra mulher do meu passado, outra lembrança que me fez estremecer por dentro. Eu<br />

mal podia suportar a pessoa que eu costumava ser. "Não posso," eu disse, sacudindo a<br />

cabeça. Me levantei, deixando o copo quase cheio na minha frente. "Eu prometi. E ele está<br />

me deixando ficar com ele. Você sabe como é."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Isso fez sentido pra ele e ele assentiu. "Então vamos sair esse fim de semana. Alguns de<br />

nós vão para Ocracoke surfar."<br />

"Talvez," eu disse, sabendo que não havia chance.<br />

"Seu pai ainda tem o mesmo número?"<br />

"É," eu disse.<br />

Leroy's.<br />

Eu fui embora, certo de que ele não ligaria e de que eu nunca mais retornaria ao<br />

No caminho pra casa, comprei carne, um saco de salada, tempero e algumas batatas<br />

para o jantar. Sem um carro não era fácil carregar a sacola e minha prancha todo o caminho<br />

de volta pra casa, mas eu realmente não me importava de caminhar. Tinha feito isso por anos<br />

e meus sapatos eram muito mais confortáveis do que as botas que eu estava acostumado a<br />

usar.<br />

Assim que cheguei em casa, arrastei a churrasqueira da garagem junto com um saco de<br />

carvão e álcool. A churrasqueira estava empoeirada, como se não tivesse sido usada por anos.<br />

Eu a coloquei na varanda de trás da casa e tirei as cinzas antes de limpar as teias de aranha<br />

com uma mangueira e a deixei secando no sol. Dentro de casa, eu coloquei sal, pimenta e pó<br />

de alho nas carnes, enrolei as batatas em papel alumínio e as coloquei no forno, depois<br />

coloquei a salada em uma tigela. Quando a churrasqueira secou, acendi os carvões e servi a<br />

mesa do lado de fora.<br />

Meu pai entrou no momento em que eu estava colocando as carnes na churrasqueira.<br />

"Oi, pai," eu disse por cima do ombro. "Pensei em fazer um jantar pra nós hoje à noite."<br />

"Ah," ele disse. Pareceu levar um instante para compreender o fato de que ele não


Dear John<br />

cozinharia pra mim. "Certo," ele finalmente adicionou.<br />

Nicholas Sparks<br />

"Como você quer sua carne?"<br />

"Média," ele disse. Continuou em pé perto da porta de vidro corrediça.<br />

"Parece que você não tem usado a churrasqueira desde que eu fui embora," eu disse.<br />

"Mas você deveria. Não há nada melhor do que um bife grelhado. Minha boca estava se<br />

enchendo de água durante todo o caminho pra casa."<br />

"Vou trocar de roupa."<br />

"As carnes estarão prontas em dez minutos."<br />

Quando ele saiu, eu voltei á cozinha, peguei as batatas e a tigela de salada - junto com o<br />

tempero, a manteiga e o molho para carnes-e os coloquei na mesa. Ouvi a porta do terraço se<br />

abrir e meu pai apareceu carregando dois copos de leite, parecendo um turista de um<br />

cruzeiro. Ele vestia bermuda, meias pretas, tênis e uma camiseta florida havaiana. Suas<br />

pernas eram dolorosamente brancas, como se ele não vestisse bermuda há anos. Se é que ele<br />

já tinha vestido alguma vez. Pensando bem, acho que eu nunca tinha visto ele de bermuda.<br />

Dei o melhor de mim pra fingir que ele parecia normal.<br />

"Na hora certa," eu disse, voltando para a churrasqueira. Enchi os dois pratos com carne<br />

e coloquei um na frente dele.<br />

"Obrigado," ele disse.<br />

"Não há de que."<br />

Ele colocou salada no seu prato e polvilhou o tempero, depois desenrolou sua batata.<br />

Colocou manteiga, depois molho de carne, fazendo uma pequena poça. Normal e esperado, a


Dear John<br />

não ser pelo fato de que ele fez tudo isso em silêncio.<br />

Nicholas Sparks<br />

"Como foi seu dia?" eu disse, como sempre.<br />

"O mesmo," ele respondeu. Como sempre. Sorriu novamente, mas não disse mais nada.<br />

Meu pai, o anti social. Me perguntei de novo porque ele achava tão difícil conversar e<br />

tentei imaginar como ele era na sua juventude. Como ele tinha achado alguém pra casar? Eu<br />

sabia que a última pergunta soava mesquinha, mas não tinha vindo sem querer. Eu estava<br />

curioso de verdade. Comemos por um tempo, o ruído dos garfos era o único som que nos<br />

fazia companhia.<br />

"Savannah disse que queria lhe conhecer," eu disse finalmente, tentando novamente.<br />

Ele cortou sua carne. "Sua amiga?"<br />

Só o meu pai falaria desse jeito. "É," eu disse. "Acho que você iria gostar dela.<br />

Ele assentiu.<br />

"Ela estuda na UNC," expliquei.<br />

Ele sabia que era a vez dele e eu pude sentir o seu alívio quando outra pergunta veio à<br />

sua mente. "Como você a conheceu?"<br />

Contei a ele sobre a bolsa, detalhando a história, tentando fazê-la o mais humorada<br />

possível, mas o riso passou longe dele.<br />

"Isso foi típico de você," ele observou.<br />

Outro cortador de conversas. Cortei outro pedaço de carne. "Pai? Você se importa se eu


Dear John<br />

lhe fizer uma pergunta?"<br />

Nicholas Sparks<br />

"Claro que não."<br />

"Como você conheceu a mamãe?"<br />

Era a primeira vez que eu perguntava por ela em anos. Porque ela nunca tinha sido parte<br />

da minha vida, porque eu não tinha memórias dela, eu raramente sentia a necessidade de<br />

perguntar. Até mesmo agora, eu realmente não me importava; eu só queria que ele falasse<br />

comigo. Ele levou tempo colocando mais manteiga em sua batata e eu sabia que ele não<br />

queria responder.<br />

"Nos conhecemos em um pequeno restaurante," ele disse finalmente. "Ela era<br />

garçonete." Eu esperei. Me pareceu que nada mais viria.<br />

"Ela era bonita?"<br />

"Sim," ele disse.<br />

"Como ela era?"<br />

Ele machucou a batata e colocou sal com cuidado. "Ela era como você," ele concluiu.<br />

"Como assim?"<br />

"Humm..." ele hesitou. "Ela podia ser... teimosa."<br />

Eu não tinha certeza o que pensar e nem o que ele quis dizer. Antes que eu pudesse<br />

insistir nisso, ele se levantou da mesa e agarrou seu copo.<br />

"Você quer mais leite?" perguntou e eu sabia que ele não diria mais nada sobre ela.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Seis<br />

O tempo é relativo. Sei que não sou o primeiro a me dar conta disso, estou longe de ser<br />

um dos mais famosos e minha descoberta não teve nada a ver com energia, massa, a<br />

velocidade da luz ou qualquer coisa que Eisntein possa ter postulado. Em vez disso, tinha a<br />

ver com as longas e chatas horas que esperei por Savannah.<br />

Depois que meu pai e eu terminamos de jantar eu pensei nela; pensei nela novamente<br />

assim que acordei. Passei o dia surfando e apesar das ondas estarem melhores do que<br />

estavam no dia anterior, eu não conseguia me concentrar e decidi parar ao meio dia. Debati<br />

se compraria ou não um cheeseburger em uma pequena lanchonete na beira mar - os<br />

melhores hamburguês da cidade, à propósito - mas mesmo estando afim, eu simplesmente fui<br />

pra casa, esperando que pudesse convencer Savannah a comer um hambúrguer mais tarde. Li<br />

um pouco do livro mais novo do Stephen King, tomei banho e vesti um par de calças e uma<br />

camisa pólo, depois li por mais algumas horas antes de olhar para o relógio e me dar conta de<br />

que só tinham se passado vinte minutos. Foi isso que eu quis dizer com o tempo ser relativo.<br />

chaves.<br />

Quando meu pai chegou em casa, ele viu como eu estava vestido e me ofereceu suas<br />

"Está indo ver Savannah?" ele perguntou.<br />

"Sim," eu disse, me levantando do sofá. Peguei as chaves. "Vou voltar tarde."<br />

Ele coçou a cabeça. "Certo," ele disse. "Café amanhã?"<br />

"Certo." Por algum motivo que eu não pude entender, ele parecia quase assustado.<br />

"Certo," eu disse. "Vejo você mais tarde, tá?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Eu provavelmente estarei dormindo."<br />

"Não quis dizer literalmente."<br />

"Ah," ele disse. "Certo."<br />

Me encaminhei para a porta. Assim que a abri, ouvi ele suspirar. "Eu gostaria de<br />

conhecer Savannah também," ele disse com uma voz tão suave que eu mal ouvi.<br />

O céu ainda estava brilhante e o sol estava se inclinando por sobre a água quando eu<br />

cheguei à casa. Quando desci do carro, percebi que estava nervoso. Não conseguia me<br />

lembrar da última vez que alguma garota tinha me feito ficar nervoso, mas eu não podia<br />

dispensar o pensamento de que de alguma forma, as coisas podiam ter mudado entre nós. Eu<br />

não sabia como ou por que eu me sentia daquele jeito; tudo o que sabia era que ainda não<br />

tinha certeza do que faria se meus medos se confirmassem.<br />

Não me dei ao trabalho de bater e simplesmente entrei na casa. A sala estava vazia, mas<br />

eu podia ouvir vozes no hall e havia o grupo habitual de pessoas no deque traseiro. Saí para o<br />

deque, chamando por Savannah e me disseram que ela estava na praia.<br />

Desci para a areia e congelei quando a vi sentada perto da duna, junto a Randy, Brad e<br />

Susan. Ela não tinha me notado e eu ouvi ela rir de alguma coisa que Randy disse. Ela e<br />

Randy pareciam um casal tanto quanto Susan e Brad. Eu sabia que eles não eram, que eles<br />

provavelmente estavam só conversando sobre a casa que estavam construindo ou<br />

compartilhando experiências dos últimos dias, mas eu não gostei. Nem gostei do fato que<br />

Savannah estava sentada tão perto de Randy quanto ela esteve de mim. Enquanto estava em<br />

pé ali, me perguntei se ela sequer lembrava do nosso encontro, mas ela sorriu quando me viu<br />

como se nada estivesse errado.<br />

"Aí está você," ela disse. "Estava me perguntando quando você iria aparecer."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Randy sorriu, apesar do comentário dela, ele tinha uma expressão quase vitoriosa.<br />

Quando os gatos não estão, os ratos fazem a festa, ele parecia estar dizendo.<br />

Savannah se levantou e caminhou na minha direção. Ela estava vestindo uma blusa<br />

branca sem mangas e uma saia clara e solta que balançava quando ela andava. Eu podia ver a<br />

cor adicional em seus ombros que me dizia que ela tinha passado horas ao sol. Quando se<br />

aproximou, ela ficou na ponta dos pés e plantou um beijo na minha bochecha.<br />

"Oi," ela disse, colocando um braço em volta da minha cintura.<br />

"Oi."<br />

Ela se inclinou para trás ligeiramente, como se analisasse minha expressão. "Você<br />

parece ter sentido a minha falta," ela disse, sua voz provocando.<br />

Como sempre, eu não pude pensar em uma resposta e ela piscou com a minha<br />

inabilidade de admitir que eu tinha. "Talvez eu tenha sentido sua falta também," ela<br />

acrescentou.<br />

Toquei seu ombro nu. "Pronta pra ir?"<br />

"Como sempre estarei," ela disse.<br />

Começamos a andar em direção ao carro e eu peguei a mão dela, seu toque me fazendo<br />

sentir como se tudo estivesse certo com o mundo. Bem, quase...<br />

neutra.<br />

Eu me endireitei. "Vi você falando com o Randy," eu disse, tentando manter minha voz


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela apertou minha mão. "Você viu, não foi?"<br />

Tentei de novo. "Presumo que vocês puderam se conhecer enquanto estavam<br />

trabalhando."<br />

"Com certeza pudemos. Eu estava certa também. Ele é um jovem legal. Quando acabar<br />

aqui, ele vai pra Nova York fazer um estágio em Morgan Stanley."<br />

"Hmm," eu grunhi.<br />

Ela riu. "Não me diga que você está com ciúmes."<br />

"Não estou."<br />

estar."<br />

"Que bom," ela concluiu, apertando minha mão novamente. "Porque não há razão para<br />

Me agarrei a essas últimas palavras. Ela não precisava tê-las dito, mas eu não podia<br />

estar mais feliz porque ela tinha dito. Quando chegamos ao carro, abri sua porta.<br />

"Estava pensando em te levar no Oysters," eu disse. "É um clube noturno perto da praia.<br />

Eles terão uma banda mais tarde e nós podemos dançar."<br />

"O que iremos fazer até lá?"<br />

cedo.<br />

"Está com fome?" perguntei, pensando no cheeseburger que eu tinha passado mais<br />

"Um pouco," ela disse. "Fiz um lanche quando voltei, então ainda não estou com muita


Dear John<br />

fome."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Que tal caminharmos na praia?"<br />

"Hmm... talvez mais tarde."<br />

Era óbvio que ela já tinha algo em mente. "Por que você não me diz o que quer fazer?"<br />

Ela se iluminou. "Que tal irmos dar um oi ao seu pai?"<br />

Eu não tinha certeza se ouvira direito. "Sério?"<br />

"Sim, sério," ela disse. "Só por um tempinho. Depois podemos ir comer em algum lugar<br />

e ir dançar."<br />

Quando hesitei, ela colocou uma mão no meu ombro. "Por favor?"<br />

Eu não estava muito feliz em ir, mas o jeito que ela pediu fez com que fosse impossível<br />

pra mim dizer não. Estava me acostumando a isso, eu imagino, mas eu preferiria ter ela toda<br />

só para mim pelo resto da tarde. Também não entendi porque ela queria ver meu pai esta<br />

noite, a não ser que significasse que ela não estava tão animada quanto eu com a perspectiva<br />

de ficarmos sozinhos. Pra ser honesto, essa idéia me deprimiu. Ainda assim, ela estava de<br />

bom humor enquanto falava do trabalho que eles tinham feito nos últimos dois dias. Amanhã,<br />

planejavam começar as janelas. Randy, ela soltou, estava trabalhando ao seu lado nos dois<br />

dias, o que explicava a "amizade recém descoberta" deles. Foi como ela descreveu. Eu<br />

duvidava que Randy teria descrito seus interesses da mesma maneira.<br />

Estacionamos na garagem alguns minutos depois e eu notei uma luz na toca do meu pai.<br />

Quando desliguei o motor, brinquei com as chaves antes de sair do carro.<br />

"Eu te disse que meu pai é quieto, não disse?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Sim," ela disse. "Mas não importa. Eu só quero conhecê-lo."<br />

"Por quê?" eu perguntei. Sei o que pareceu, mas eu não pude evitar.<br />

"Porque," ela disse, "ele é sua única família. E foi ele quem te criou."<br />

Uma vez que meu pai tinha superado o choque do meu retorno com Savannah a<br />

reboque e as apresentações tinham sido feitas, ele passou a mão rapidamente por seu cabelo<br />

ralo e encarou o chão.<br />

"Desculpa nós não termos ligado antes, mas não culpe o John," ela disse. "Foi tudo<br />

minha culpa."<br />

"Ah," ele disse. "Tudo bem."<br />

"Pegamos você em uma má hora?"<br />

ele disse.<br />

"Não." Ele olhou pra cima, depois para o chão novamente. "É um prazer conhecê-la,"<br />

Por um momento, ficamos todos em pé na sala, nenhum de nós dizendo nada. Savannah<br />

estava com um sorriso fácil, mas eu me perguntei se meu pai sequer tinha notado.<br />

"Você quer beber alguma coisa?" ele perguntou, como se de repente lembrasse que era<br />

pra fazer o papel de anfitrião.<br />

moedas."<br />

"Estou bem, obrigada," ela disse. "John me disse que você é um colecionador de


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Ele se virou para mim, como se perguntasse se deveria responder. "Eu tento," ele disse<br />

finalmente.<br />

"Foi isso que nós interrompemos tão rudemente?" ela perguntou, usando o mesmo tom<br />

provocador que ela usava comigo. Para minha surpresa, ouvi meu pai dar uma risada<br />

nervosa. Não alta, mas uma risada, todavia: surpreendente.<br />

"Não, vocês não interromperam. Só estava examinando uma moeda nova que eu<br />

comprei hoje."<br />

Enquanto ele falava, eu podia senti-lo tentar calcular como eu reagiria. Ou Savannah<br />

não notou ou fingiu não notar. "Sério?" ela perguntou, "De que tipo?"<br />

Meu pai mudou o peso de um pé para o outro. Então, para a minha perplexidade, ele<br />

olhou para cima e perguntou, "Você quer ver?"<br />

Passamos quarenta minutos na toca. Na maior parte do tempo eu sentei na toca e ouvi<br />

meu pai contar estórias que eu sabia de cor. Como os colecionadores mais sérios, ele<br />

mantinha só algumas moedas em casa e eu não fazia a menor idéia de onde o resto delas<br />

estavam guardadas. Ele alternava parte da coleção a cada duas semanas, novas moedas<br />

aparecendo como se por mágica. Geralmente não havia mais do que uma dúzia por vez em<br />

seu escritório e nunca nada de valor, mas eu tinha a impressão de que ele poderia estar<br />

mostrando a Savannah um centavo comum de Lincoln e ela teria ficado encantada. Ela fez<br />

dúzias de perguntas, perguntas que eu ou qualquer livro de coleção de moedas poderiam ter<br />

respondido, mas enquanto os minutos passavam, suas perguntas se tornaram mais<br />

perspicazes. Em vez de perguntar por que uma moeda era particularmente valiosa, ela<br />

perguntava quando e onde ele a tinha encontrado e ela foi convidada a escutar contos de<br />

finais de semana tediosos da minha juventude, passados em lugares como Atlanta,<br />

Charleston, Raleigh e Charlotte.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Meu pai falou muito sobre essas viagens. Bem, para ele, de qualquer forma. Ele ainda<br />

tinha a tendência de se refugiar nele mesmo por longos períodos de tempo, mas<br />

provavelmente tinha falado mais nesses quarenta minutos do que tinha falado comigo desde<br />

que voltei pra casa. Da minha posição estratégica, vi a paixão a que ela tinha se referido, mas<br />

era uma paixão que eu já tinha visto antes milhares de vezes e não alterou minha opinião de<br />

que ele usava as moedas como um modo de evitar a vida ao invés de enfrentá-la. Eu tinha<br />

parado de conversar com ele sobre moedas porque queria conversar sobre outra coisa; meu<br />

pai parou de conversar porque ele sabia como eu me sentia e não podia falar de mais nada.<br />

E ainda assim...<br />

Meu pai estava feliz e eu sabia disso. Eu podia ver o modo como seus olhos brilhavam<br />

quando ele indicava uma moeda, chamando atenção para a marca da Casa da Moeda, ou quão<br />

novo o selo tinha sido, ou como o valor de uma moeda podia variar se ela tivesse flechas ou<br />

coroas. Ele mostrou a Savannah provas de moedas, moedas cunhadas em West Point, um dos<br />

seus tipos favoritos pra colecionar. Ele pegou uma lupa para mostrá-la as imperfeições na<br />

moeda e quando Savannah segurou a lupa, eu podia ver a animação no rosto do meu pai.<br />

Apesar dos meus sentimentos sobre moedas, eu não pude evitar sorrir, simplesmente por ver<br />

meu pai tão feliz.<br />

Mas ele ainda era meu pai e não havia milagre. Uma vez que ele tinha mostrado as<br />

moedas e contado a ela tudo sobre elas e como elas tinham sido coletadas, seus comentários<br />

ficaram mais e mais escassos. Ele começou a se repetir e percebeu isso, se refugiando e<br />

ficando ainda mais quieto. Com o tempo, Savannah deve ter sentido seu desconforto<br />

crescente porque ela indicou as moedas em cima da mesa. "Obrigada, Sr. Tyree. Sinto como<br />

se realmente tivesse aprendido algo." Meu pai sorriu, obviamente esgotado e eu tomei isso<br />

como minha deixa para me levantar.<br />

"É, foi ótimo. Mas nós deveríamos ir," eu disse.


Dear John<br />

"Ah... certo."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Foi ótimo conhecê-lo."<br />

Quando meu pai assentiu novamente, Savannah se inclinou e lhe deu um abraço.<br />

"Vamos fazer isso de novo alguma hora," ela sussurrou e embora meu pai tivesse<br />

abraçado ela, me lembrou dos abraços sem vida que eu recebera quando criança. Me<br />

perguntei se ela se sentia tão esquisita como ele obviamente se sentia.<br />

No carro, Savannah parecia perdida em pensamentos. Eu teria perguntado sobre suas<br />

impressões do meu pai, mas não estava certo se queria ouvir a resposta. Sei que meu pai e eu<br />

não tínhamos a melhor relação, mas ela estava certa quando disse que ele era a única família<br />

que eu tinha e tinha me criado. Eu podia reclamar dele, mas a última coisa que eu queria<br />

ouvir era alguém fazendo isso também.<br />

Ainda assim, eu não acho que ela iria dizer alguma coisa negativa, simplesmente<br />

porque não era da sua natureza e então ela se virou para mim.<br />

caloroso."<br />

"Obrigada por me trazer pra conhecê-lo," ela disse. "Ele tem um coração tão...<br />

Eu nunca tinha ouvido ninguém descrevê-lo dessa forma, mas eu gostei. "Fico feliz que<br />

você tenha gostado dele."<br />

"Eu gostei," ela disse, parecendo sincera. "Ele é... gentil." Ela me olhou. "Mas eu acho<br />

que entendo por que você teve tantos problemas quando era mais jovem. Ele não me pareceu<br />

o tipo de pai que estabelece leis."<br />

"Ele não era," eu concordei.


Dear John<br />

disso."<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela me mostrou uma carranca brincalhona. "E o seu antigo eu maligno tirou proveito<br />

Eu ri. "É, eu suponho que sim."<br />

Ela balançou a cabeça. "Você deveria saber."<br />

"Eu era só uma criança."<br />

"Ah, a velha desculpa da juventude. Você sabe que isso não justifica, não sabe? Eu<br />

nunca tirei proveito dos meus pais."<br />

"Sim, a criança perfeita. Acho que você já mencionou isso."<br />

"Você está zombando de mim?"<br />

"Não, é claro que não."<br />

Ela continuou a me encarar. "Eu acho que está," ela finalmente decidiu.<br />

"Certo, talvez um pouco."<br />

Ela pensou na minha resposta. "Bem, talvez eu tenha merecido isso. Mas só pra você<br />

saber; eu não era perfeita."<br />

"Não?"<br />

"Claro que não. Eu lembro claramente, por exemplo, que na quarta série eu tirei um B<br />

num teste."<br />

Eu fingi choque. "Não! Não me diga isso!"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"É verdade."<br />

"Como você conseguiu se recuperar?"<br />

"Como você acha?" Ela escolheu os ombros. "Disse a mim mesma que isso nunca mais<br />

aconteceria novamente."<br />

Eu não duvidava. "Já está com fome?"<br />

"Pensei que você nunca perguntaria."<br />

"O que você quer comer?"<br />

Ela amarrou o cabelo em um rabo de cavalo descuidado, depois respondeu. "Que tal um<br />

grande e suculento cheeseburger?"<br />

Assim que ela disse isso eu me peguei me perguntando se Savannah era boa demais pra<br />

ser verdade.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Sete<br />

"Eu tenho que admitir que você me leva pra comer nos lugares mais interessantes,"<br />

Savannah disse, olhando por cima do ombro. À distância, depois da duna, podíamos ver uma<br />

longa linha de clientes saindo do Joe's Burger Stand no meio de um estacionamento de<br />

cascalho.<br />

"É o melhor na cidade," eu disse, mordendo um pedaço do meu enorme hambúrguer.<br />

Savannah sentou perto de mim na areia, olhando a água. Os hamburguês estavam<br />

fantásticos, bem grossos e embora as batatas fritas estivessem um pouco oleosas demais, elas<br />

eram o que precisávamos. Enquanto comia, Savannah encarava o mar e na luz que diminuía<br />

eu me peguei pensando que ela parecia mais em casa aqui do que eu.<br />

Pensei sobre o modo como ela tinha falado com meu pai. Sobre o modo como ela falava<br />

com todo mundo, qualquer pessoa, inclusive comigo. Ela tinha a rara habilidade de ser<br />

exatamente o que as pessoas precisavam quando estava com elas e ainda assim permanecer<br />

ela mesma. Eu não podia pensar em mais ninguém que a lembrasse remotamente em<br />

aparência e personalidade e me perguntei novamente por que ela tinha simpatizado comigo.<br />

Nós éramos tão diferentes quanto duas pessoas podiam ser. Ela era uma garota da montanha,<br />

prendada e doce, criada por pais atentos, com um desejo de ajudar aqueles que precisam; eu<br />

era um cara tatuado do exército, difícil por fora e em grande parte um estranho na minha<br />

própria casa. Lembrando como ela tinha sido com meu pai, me peguei desejando que eu<br />

fosse mais como ela.<br />

"O que você está pensando?"<br />

Sua voz, ainda que gentil, me afastou dos meus pensamentos. "Estava me perguntando<br />

por que você está aqui," confessei.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Porque eu gosto da praia. Não posso fazer isso com muita freqüência. Não é como se<br />

tivesse ondas ou barcos de camarão lá de onde eu sou."<br />

Quando viu minha expressão, ela bateu levemente na minha mão. "Isso foi sem<br />

importância," ela disse, "Me desculpe. Estou aqui porque eu quero estar aqui." Coloquei de<br />

lado os restos do meu hambúrguer, me perguntando por que eu me importava tanto. Era um<br />

sentimento novo para mim, um que eu não tinha certeza se iria me acostumar com ele algum<br />

dia. Ela acariciou meu braço e virou para a água novamente. "Aqui é lindo. Tudo o que<br />

precisamos é de um pôr do sol sobre a água e seria perfeito."<br />

"Teríamos que ir para o outro lado do país," eu disse.<br />

"Sério? Você está querendo me dizer que o sol se põe no oeste?" Notei o brilho travesso<br />

nos olhos dela.<br />

"É o que eu ouço, de qualquer forma."<br />

Ela tinha comido só metade do seu cheeseburger e o colocou dentro da sacola, depois<br />

adicionou os restos do meu também. Depois de dobrar a sacola para que o vento não a<br />

levasse embora, ela esticou as pernas e se virou para mim, parecendo ao mesmo tempo<br />

namoradeira e inocente. "Quer saber no que eu estava pensando?" ela perguntou.<br />

Esperei, bebendo da visão que eu tinha dela.<br />

"Estava pensando que eu queria que você tivesse estado comigo durante os dois últimos<br />

dias. Quer dizer, gostei de conhecer todo mundo melhor. Almoçamos juntos e o jantar da<br />

noite passada foi bem divertido, mas parecia que algo estava errado, como se eu estivesse<br />

sentindo falta de alguma coisa. Só quando o vi caminhando na praia foi que me dei conta de<br />

que era você."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Engoli. Em outra vida, em outros tempos, eu a teria beijado, mas mesmo querendo, eu<br />

não beijei. Em vez disso, tudo o que eu fazia era encará-la. Ela encontrou meu olhar sem<br />

nenhum traço de constrangimento.<br />

"Quando você me perguntou por que eu estava aqui, fiz uma piada porque pensei que<br />

fosse óbvio. Passar meu tempo com você parece... certo de algum modo. Fácil, do jeito que é<br />

pra ser. Como é com os meus pais. Eles ficam confortáveis juntos e eu lembro de crescer<br />

pensando que um dia eu queria ter isso também." Ela fez uma pausa. "Queria que você os<br />

conhecesse algum dia."<br />

Minha garganta tinha ficado seca. "Eu também."<br />

próprios.<br />

Ela escorregou facilmente sua mão na minha, seus dedos se entrelaçando nos meus<br />

Ficamos sentados em um silêncio tranqüilo. Na beira da água, andorinhas do mar<br />

vasculhavam a areia em busca de comida; um grupo de gaivotas voou enquanto uma onda<br />

vinha. O céu tinha ficado mais escuro e as nuvens eram mais agourentas. Na praia mais<br />

acima, eu podia ver casais espalhados caminhando sob um céu arroxeado.<br />

Enquanto estávamos sentados juntos, o ar se encheu com o barulho das ondas<br />

quebrando. Me maravilhei com o quanto tudo parecia novo. Novo e ainda assim confortável,<br />

como se nos conhecêssemos desde sempre. Mas nós não éramos um casal de verdade. Nem,<br />

uma voz na minha cabeça me lembrou, era provável que fôssemos. Em pouco mais de uma<br />

semana, eu estaria voltando para a Alemanha e tudo isso estaria acabado. Eu tinha passado<br />

tempo suficiente com meus amigos pra saber que leva mais do que alguns dias especiais para<br />

uma relação que cruza o Oceano Atlântico sobreviver. Ouvi caras na minha unidade jurarem<br />

que estavam apaixonados depois de voltar da licença-e talvez eles estivessem - mas nunca<br />

durava.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Passar algum tempo com Savannah me fez me perguntar se era possível desafiar a<br />

norma. Eu queria mais dela e não importava o que acontecesse entre nós, eu já sabia que<br />

nunca esqueceria nada sobre ela. Apesar de parecer loucura, ela estava se tornando parte de<br />

mim e eu já temia o fato de que nós não poderíamos passar o dia de amanhã juntos. Nem o<br />

dia depois, ou o dia depois disso. Talvez, falei para mim mesmo, nós pudéssemos derrubar as<br />

apostas.<br />

"Olha ali!" A ouvi gritar. Ela apontou o dedo em direção ao oceano. "Na arrebentação"<br />

Examinei o oceano cinza mas não vi nada.<br />

Ao meu lado, Savannah de repente se levantou e começou a correr em direção a água.<br />

"Vem!" ela gritou por cima do ombro. "Rápido!"<br />

Me levantei e corri atrás dela, intrigado. Correndo mais rapidamente, eliminei a<br />

distância entre nós. Ela parou na borda da água e eu podia ouvir sua respiração rápida.<br />

"O que foi?" eu disse.<br />

"Bem ali!"<br />

Quando olhei, vi ao que ela estava se referindo. Três deles estavam pegando ondas, um<br />

após o outro, depois desaparecendo no raso, apenas para reaparecer de novo mais longe na<br />

praia.<br />

"Jovens botos," eu disse. "Eles passam pela ilha quase toda noite."<br />

"Eu sei," ela disse, "mas parece que eles estão surfando."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"É, acho que sim. Eles estão apenas se divertindo. Agora que todos estão fora d'água,<br />

eles se sentem seguros para brincar."<br />

"Quero entrar lá com eles. Sempre quis nadar com golfinhos."<br />

"Eles vão parar de brincar, ou simplesmente nadar mais pro fundo onde você não possa<br />

alcançá-los. Eles são divertidos desse jeito. Eu já os vi enquanto surfava. Se ficam curiosos,<br />

eles se aproximam alguns metros e te olham de cima a baixo, mas se você tentar seguí-los,<br />

eles vão te fazer comer poeira."<br />

Continuamos assistindo os botos enquanto eles se afastavam, eventualmente<br />

desaparecendo da visão sob um céu que tinha ficado opaco.<br />

"Nós deveríamos ir," eu disse.<br />

Voltamos ao carro, parando para pegar os restos do nosso jantar.<br />

"Não tenho certeza se a banda já está tocando, mas não deve demorar."<br />

"Não importa," ela disse. "Tenho certeza que podemos encontrar alguma coisa para<br />

fazer. Além disso, eu devo alertá-lo, não sou muito de dançar."<br />

"Não temos que ir se você não quiser. Poderíamos ir a outro lugar se você quiser."<br />

"Como aonde?"<br />

"Você gosta de barcos?"<br />

"Que tipo de barcos?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Dos grandes," eu disse. "Sei de um lugar onde você pode ver o USS North Carolina."<br />

Ela fez uma careta engraçada e eu sabia que a resposta era não. Não foi a primeira vez<br />

que eu desejei ter minha própria casa. Mas novamente, eu não tinha nenhuma ilusão de que<br />

ela me seguiria até lá se eu tivesse. Se eu fosse ela, não iria também. Sou apenas humano.<br />

"Espera," ela disse, "eu sei de um lugar que podemos ir. Quero lhe mostrar uma coisa."<br />

Intrigado, eu perguntei, "Onde?"<br />

Considerando que o grupo de Savannah tinha começado seu trabalho apenas ontem, a<br />

casa estava surpreendentemente encaminhada. A maior parte da estrutura já estava terminada<br />

e o teto também já tinha sido construído. Savannah olhou pra fora da janela do carro antes de<br />

se virar para mim.<br />

"Você quer caminhar por lá? Ver o que estamos fazendo?"<br />

"Eu adoraria," eu disse.<br />

A segui pra fora do carro, notando o jogo da luz da lua em seus traços. Quando pisei na<br />

terra do lugar da construção, me dei conta de que podia ouvir músicas de um rádio saindo de<br />

uma das janelas da cozinha dos vizinhos. A alguns passos da entrada, Savannah indicou a<br />

estrutura com um óbvio orgulho. Me aproximei o bastante para passar meu braço em volta<br />

dela e ela inclinou sua cabeça nos meus ombros enquanto relaxava.<br />

"Foi aqui que passei os últimos dois dias," ela quase sussurrou na quietude da noite. "O<br />

que você acha?"<br />

"É ótimo," eu disse. "Aposto que a família está emocionada."<br />

"Eles estão. E eles são uma família tão boa. Realmente merecem esse lugar, tem sido


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

um esforço tão grande para eles. O furacão Fran destruiu sua casa, mas como muitos outros,<br />

eles não tinham seguro de inundação. É uma mãe solteira com três filhos - o marido dela saiu<br />

de casa anos atrás-e se você conhecesse a família, os amaria. As crianças tem boas notas e<br />

cantam no coral jovem da igreja. E eles são tão educados e carinhosos... você percebe que a<br />

mãe deles deu duro pra se certificar que eles se dessem bem, sabe?"<br />

"Você os conheceu, eu presumo?"<br />

Ela acenou em direção a casa. "Eles estiveram aqui nos dois últimos dias." Ela se<br />

endireitou. "Você quer olhar por dentro?"<br />

Relutante, eu a soltei. "Vá na frente."<br />

Não era um lugar grande-mais ou menos do mesmo tamanho da casa do meu pai - mas<br />

o plano do teto era mais aberto, o que fazia com que a casa parecesse maior. Savannah me<br />

levou pela mão e me mostrou todos os cômodos, ressaltando características, a imaginação<br />

dela se enchendo com os detalhes. Ela refletiu sobre o papel de parede ideal para a cozinha e<br />

a cor dos ladrilhos da entrada, o tecido das cortinas da sala e como decorar a bancada em<br />

cima da lareira. Sua voz tinha a mesma admiração e alegria que ela tinha expressado quando<br />

viu os botos. Por um momento, eu tive uma visão de como ela devia ter sido quando criança.<br />

Ela me levou de volta para a porta da frente. À distância, os primeiros estrondos de<br />

trovões podiam ser ouvidos. Enquanto estávamos em pé no vão da porta, me aproximei dela.<br />

"Vai ter uma varanda também," ela disse, "com espaço suficiente para cadeiras de<br />

balanço ou até um balanço mesmo. Eles vão poder sentar aqui em noites de verão e se reunir<br />

depois da igreja." Ela apontou. "Aquela é a igreja deles. É por isso que esse lugar é tão<br />

perfeito pra eles."<br />

"Parece que você realmente os conheceu."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Não realmente," ela disse. "Falei com eles um pouco, mas estou só chutando tudo isso.<br />

Fiz isso com todas as casas que ajudei a construir-fico andando por elas e tentando imaginar<br />

como a vida dos donos vai ser. Fica muito mais divertido trabalhar assim."<br />

A lua estava escondida por nuvens, escurecendo o céu. No horizonte, um clarão, e um<br />

momento depois uma chuva fina começou a cair, batendo no chão. Os carvalhos alinhando a<br />

rua, pesados com folhas, farfalhavam na brisa enquanto os trovões ecoavam pela casa.<br />

"Se você quiser ir, é melhor irmos antes da tempestade começar."<br />

"Nós não temos nenhum lugar pra ir, lembra? Além disso, eu sempre amei tempestades<br />

de trovões."<br />

Puxei ela mais pra perto, inalando seu perfume. Seu cabelo tinha um cheiro doce, como<br />

morangos maduros.<br />

Enquanto observávamos, a chuva se intensificou em um constante toró, caindo do céu<br />

em diagonal. As lâmpadas da rua forneciam a única luz, deixando metade do rosto de<br />

Savannah nas sombras.<br />

Os trovões explodiam acima de nossas cabeças e a chuva começou a cair em chapas. Eu<br />

podia ver a chuva caindo no chão coberto de serragem, formando grandes poças na sujeira e<br />

eu estava agradecido porque apesar da chuva, a temperatura estava amena. Ao lado, eu notei<br />

alguns caixotes vazios. Sai do lado dela para pegá-los, depois comecei a empilhá-los em um<br />

assento improvisado. Não seria tão confortável, mas era melhor do que ficar em pé.<br />

Quando Savannah sentou ao meu lado, eu de repente soube que vir aqui tinha sido a<br />

melhor coisa a se fazer. Era a primeira vez que nós estávamos realmente sozinhos, mas<br />

sentados lado a lado era como se estivéssemos juntos desde sempre.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Oito<br />

Os caixotes, duros e impiedosos, me fizeram questionar a minha sabedoria, mas<br />

Savannah não pareceu se importar. Ou fingiu não se importar. Ela se inclinou pra trás, sentiu<br />

a beira do caixote traseiro pressionar sua pele, depois sentou direito novamente.<br />

"Desculpe," eu disse, "Pensei que seria mais confortável."<br />

"Tudo bem. Minhas pernas estão exaustas e meus pés doem. Isso é perfeito."<br />

Sim, eu pensei, era. Pensei nas noites que eu estava no dever de guarda e ficava<br />

imaginando sentar ao lado da garota dos meus sonhos e sentindo que tudo estava certo com o<br />

mundo. Agora eu sabia do que tinha sentido falta todos esses anos. Quando senti Savannah<br />

descansar a cabeça em meus ombros, me peguei desejando que não tivesse me alistado no<br />

exército. Queria que a minha base não fosse depois de um oceano, e queria ter escolhido um<br />

caminho diferente na vida, um que teria me deixado permanecer como uma parte do mundo<br />

dela. Ser um estudante em Chapel Hill, passar parte do verão construindo casas, cavalgar<br />

com ela.<br />

"Você está muito quieto," a ouvi falar.<br />

"Desculpe," eu disse. "Só estava pensando sobre hoje à noite."<br />

"Coisas boas, eu espero."<br />

"É, coisas boas," eu disse.<br />

Ela mudou de posição no assento e eu senti sua perna roçar a minha. "Eu também. Mas<br />

eu estava pensando no seu pai," ela disse. "Ele sempre foi como hoje? Meio tímido e


Dear John<br />

desviando o olhar quando fala com as pessoas?"<br />

Nicholas Sparks<br />

"Sim," eu disse. "Por quê?"<br />

"Só curiosidade," ela disse.<br />

Alguns metros mais longe, a tempestade parecia estar alcançando seu clímax enquanto<br />

outra chapa de chuva caía das nuvens. A água caía de todos os lados da casa como<br />

cachoeiras. Um clarão de novo, mais perto dessa vez e o trovão estrondou como um canhão.<br />

Se tivesse janelas eu imaginei que elas teriam chacoalhado nas suas molduras.<br />

Savannah se aproximou e eu coloquei meu braço em volta dela. Ela cruzou as pernas<br />

nos tornozelos e se encostou em mim, e eu senti como se pudesse segurá-la assim para<br />

sempre.<br />

"Você é diferente da maioria dos caras que eu conheço," ela observou sua voz baixa no<br />

meu ouvido. "Mais maduro, menos... irresponsável, eu acho."<br />

Eu sorri, gostando do que ela disse. "E não esqueça do meu corte de cabelo e das<br />

tatuagens."<br />

perfeito."<br />

"O cabelo, sim. Tatuagens... bem, elas meio que vem com o pacote, mas ninguém é<br />

Dei uma cotovelada nela e fingi estar magoado. "Bem, se eu soubesse como você se<br />

sente, não as teria feito."<br />

"Não acredito em você," ela disse, se ajeitando. "Mas me desculpe-eu não devia ter dito<br />

isso. Estava falando mais em como eu me sentiria fazendo uma. Em você, elas tendem a<br />

projetar uma certa... imagem e eu acho que encaixa."


Dear John<br />

"Que imagem é essa?"<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela apontou para as tatuagens, uma por uma, começando com o caractere chinês. "Essa<br />

aqui me diz que você vive a vida pelas suas próprias regras e nem sempre se importa com o<br />

que as pessoas pensam. A da infantaria mostra que você tem orgulho do que faz. E o arame<br />

farpado... bem, combina com quem você foi quando era mais jovem."<br />

"Esse é bem o perfil psicológico. Eu pensei que era só porque eu gostava das figuras."<br />

"Estou pensando em conseguir um diploma secundário em psicologia."<br />

"Acho que você já tem um."<br />

Embora o vento tivesse começado, a chuva começou a diminuir. "Você já se<br />

apaixonou?" ela perguntou, mudando de marcha de repente.<br />

Sua pergunta me surpreendeu. "Isso veio do nada."<br />

"Me disseram que ser imprevisível ajuda a aumentar o mistério feminino."<br />

"Ah, ajuda. Mas para responder a sua pergunta, eu não sei."<br />

"Como você pode não saber?"<br />

Eu hesitei, tentando pensar no que dizer. "Namorei uma garota alguns anos atrás, e na<br />

época, eu sabia que estava apaixonado. Pelo menos, era o que eu dizia a mim mesmo. Mas<br />

agora, quando penso novamente, eu só... não tenho mais certeza. Me preocupava com ela e<br />

gostava de passar o tempo com ela, mas quando não estávamos juntos, eu mal pensava nela.<br />

Estávamos juntos, mas não éramos um casal, se isso faz algum sentido." Ela considerou<br />

minha resposta mas não disse nada. Depois de um tempo, me virei pra ela. "E você? Já se<br />

apaixonou alguma vez?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

O rosto dela escureceu. "Não," ela disse.<br />

"Mas pensou que estava apaixonada. Como eu, certo?" Quando ela inspirou com força,<br />

eu prossegui. "No meu esquadrão, tenho que usar um pouco de psicologia também. E meus<br />

instintos me dizem que há um namorado sério no seu passado."<br />

Ela sorriu, mas havia algo triste em seu sorriso. "Eu sabia que você descobriria," ela<br />

disse em uma voz abatida. "Mas pra responder sua pergunta, sim, há. Durante o meu primeiro<br />

ano na faculdade. E sim, eu pensei que o amava."<br />

"Tem certeza de que você não o amava?"<br />

Ela levou um tempo pra responder. "Não," ela murmurou. "Não tenho certeza."<br />

A encarei. "Você não tem que me contar-"<br />

"Tudo bem," ela disse, erguendo a mão para me cortar. "Mas é difícil. Tentei esquecer<br />

isso, e é uma coisa que eu nunca contei nem mesmo aos meus pais. Ou a qualquer outra<br />

pessoa. É tão clichê, sabe? Garota de cidade pequena vai embora pra faculdade e conhece um<br />

veterano, que também é presidente da sua fraternidade. Ele é popular, rico e charmoso, e a<br />

pequena caloura está admirada que ele poderia se interessar por alguém como ela. Ele a trata<br />

como se ela fosse especial e ela sabe que outras calouras estão com inveja, então ela começa<br />

a se sentir especial também. Ela concorda em ir ao baile de inverno em um desses hotéis<br />

luxuosos fora da cidade, com ele e alguns outros casais, mesmo que ela tenha sido alertada<br />

que o garoto não é tão amável ou sensível como ele parece ser, e que na verdade, ele é o tipo<br />

de garoto que faz marcas no beira da cama para cada garota que pegou."<br />

Ela fechou os olhos, como se estivesse reunindo a energia para continuar.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Ela vai contra o melhor julgamento de seus amigos e mesmo que ela não beba e ele<br />

alegremente lhe traga um refrigerante, ela começa a ficar tonta e ele se oferece para levá-la<br />

de volta ao quarto do hotel para se deitar. E a próxima coisa que ela sabe é que eles estão na<br />

cama se beijando e ela gosta inicialmente, mas o quarto está mesmo girando e não ocorre a<br />

ela até mais tarde que talvez alguém - talvez ele - tenha colocado alguma coisa em sua bebida<br />

e que fazer outra marca com o nome dela tenha sido sua meta todo o tempo."<br />

Suas palavras começaram a vir rápidas, caindo umas sobre as outras.<br />

"E então ele começa a apalpar seus seios e o vestido dela é arrancado e então a calcinha<br />

dela é arrancada também, mas ele está em cima dela e ele é tão pesado e ela não consegue<br />

empurrá-lo, e ela se sente muito indefesa e quer que ele pare, porque ela nunca fez isso antes,<br />

mas então ela está tão tonta que mal consegue falar e não pode pedir ajuda, e ele<br />

provavelmente conseguiria o que queria com ela se outro casal não tivesse aparecido e ela sai<br />

cambaleando do quarto, chorando e segurando o vestido. De alguma forma ela encontra o<br />

caminho para o banheiro do lobby e fica lá chorando, e outras garotas com quem ela tinha<br />

viajado para o baile entram e vêem o rímel manchado e o vestido rasgado e ao invés de<br />

ajudarem, elas riem dela, agindo como se ela devesse saber o que aconteceria e como se ela<br />

tivesse tido o que merecia. Finalmente ela termina ligando para um amigo que pula no seu<br />

carro e dirige até lá para pegá-la, e ele foi esperto o suficiente para não fazer perguntas<br />

durante todo o caminho de volta."<br />

Quando ela acabou, eu estava rígido de raiva. Eu não sou santo com mulheres, mas<br />

nunca na minha vida pensei em forçar uma mulher a fazer algo que ela não queria.<br />

"Sinto muito," foi tudo que eu consegui juntar.<br />

"Você não precisa sentir. Não foi você que fez."<br />

"Eu sei. Mas não sei o que mais dizer. A menos..." eu parei e depois de um momento ela<br />

se virou para mim. Eu podia ver lágrimas correndo por suas bochechas e o fato de que ela


Dear John<br />

estivera chorando tão silenciosamente me fez doer.<br />

Nicholas Sparks<br />

"A menos que o que?"<br />

"A menos que você queira que eu... não sei. Acabe com ele?"<br />

Ela me deu uma pequena risada triste. "Você não tem idéia de quantas vezes eu qui<br />

simplesmente fazer isso."<br />

resto."<br />

"Eu farei," eu disse. "Só me dê um nome, mas prometo lhe deixar fora disso. Eu farei o<br />

Ela apertou minha mão. "Eu sei que você faria."<br />

"Estou falando sério," eu disse.<br />

Ela me deu um sorriso pálido, parecendo ao mesmo tempo experiente e dolorosamente<br />

jovem. "É por isso que eu não vou te dizer. Mas acredite, estou tocada. É muito doce da sua<br />

parte."<br />

Gostei do jeito que ela disse isso e sentamos juntos, com as mãos abraçadas apertado. A<br />

chuva havia finalmente parado e no seu lugar eu podia ouvir os sons do rádio do vizinho de<br />

novo. Eu não conhecia a música, mas reconheci como sendo alguma coisa da antiga era do<br />

jazz. Um dos caras no meu pelotão era fanático por jazz.<br />

"Mas de qualquer forma," ela começou, "era isso que eu quis dizer quando disse que<br />

meu ano de caloura não foi sempre fácil. E foi por isso que eu quis desistir. Meus pais, que<br />

Deus os abençoe, pensaram que eu estava só com saudade de casa, então eles me fizeram<br />

ficar. Mas... mesmo tendo sido ruim, aprendi algo sobre mim mesma. Que eu podia passar<br />

por uma coisa assim e sobreviver. Quer dizer, sei que poderia ter sido pior -muito pior -mas


Dear John<br />

pra mim, era tudo o que eu podia agüentar na época. E aprendi com isso."<br />

Nicholas Sparks<br />

Quando ela terminou, me peguei lembrando uma coisa que ela disse. "Foi Tim que<br />

trouxe você de volta do hotel aquela noite?"<br />

Ela olhou pra cima, assombrada.<br />

"Quem mais você chamaria?" eu disse como forma de explicar.<br />

Ela assentiu. "É, eu acho que você está certo. E ele foi ótimo. Até hoje, ele não<br />

perguntou nada de específico e eu não contei a ele. Mas desde então, ele tem sido um pouco<br />

protetor e eu não posso dizer que me importo."<br />

No silêncio, eu pensei na coragem que ela tinha mostrado, não apenas aquela noite, mas<br />

depois também. Se ela não tivesse me contado, eu nunca teria suspeitado que alguma coisa<br />

de ruim tinha acontecido a ela. Me maravilhei que, apesar do que tinha acontecido, ela tinha<br />

conseguido se segurar à sua visão otimista do mundo.<br />

"Prometo ser um perfeito cavalheiro," eu disse. Ela se virou pra mim.<br />

"Do que você está falando?"<br />

"Hoje à noite. Amanhã à noite. Quando for. Eu não sou como aquele cara."<br />

Ela passou um dedo pela minha mandíbula e eu senti minha pele formigar embaixo do<br />

seu toque. "Eu sei," ela disse, parecendo se divertir. "Por que você acha que eu estou aqui<br />

com você agora?"<br />

Sua voz foi tão carinhosa e de novo eu reprimi a vontade de beijá-la. Não era o que ela<br />

precisava, não agora, mesmo que fosse difícil pensar em outra coisa.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Você sabe o que Susan disse depois daquela primeira noite? Quando você foi embora e<br />

eu voltei para o grupo?"<br />

Eu esperei.<br />

"Ela disse que você parecia assustador. Como se você fosse a última pessoa na Terra<br />

com quem ela iria querer ficar sozinha."<br />

Eu sorri. "Já me disseram coisas piores," a assegurei.<br />

"Não, você não está entendendo. Estou dizendo que eu lembro de ter pensado que ela<br />

não sabia do que estava falando, porque quando você me entregou minha bolsa na praia, eu<br />

vi honestidade e confiança e até algum carinho, mas nada aterrorizante de jeito nenhum. Sei<br />

que parece assustador, mas eu senti como se já te conhecesse." Desviei o olhar sem<br />

responder. Abaixo do poste, a névoa estava subindo do chão, um resquício do calor do dia.<br />

Os grilos tinham começado seu barulho, cantando uns para os outros. Eu engoli, tentando<br />

amenizar a súbita secura na minha garganta. Olhei pra Savannah, depois para o teto, depois<br />

para os meus pés e finalmente de volta para Savannah novamente. Ela apertou minha mão e<br />

eu dei um trêmulo suspiro, me maravilhando com o fato de que enquanto estava em uma<br />

licença comum, em um lugar comum, eu tinha de alguma forma me apaixonado por uma<br />

garota extraordinária chamada Savannah Lynn Curtis.<br />

Ela viu minha expressão, mas a interpretou mal. "Me desculpe se te fiz ficar<br />

desconfortável," ela sussurrou. "Eu faço isso às vezes. Vou muito além, quero dizer. Eu só<br />

solto o que estou pensando sem levar em conta como isso vai atingir outras pessoas."<br />

"Você não me deixou desconfortável," eu disse, virando seu rosto pra o meu. "É só que<br />

eu nunca tive ninguém pra me dizer algo assim antes."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu quase parei aí, consciente de que se eu deixasse as palavras dentro de mim, o<br />

momento passaria e eu escaparia sem colocar meus sentimentos na linha.<br />

"Você não tem idéia do quanto os últimos dias têm significado pra mim," eu comecei.<br />

"Conhecer você foi a melhor coisa que já me aconteceu." Eu hesitei, sabendo que se parasse<br />

agora, nunca seria capaz de dizer a ninguém. "Eu te amo," sussurrei.<br />

Sempre imaginei que as palavras seriam difíceis de dizer, mas não foram. Em toda a<br />

minha vida, nunca tive tanta certeza de nada e por mais que eu esperasse um dia ouvir<br />

Savannah dizendo essas palavras para mim, o que mais importou foi saber que o amor era<br />

meu para dar, sem restrições ou expectativas.<br />

Lá fora o ar estava começando a esquentar e eu podia ver piscinas de àgua brilhando à<br />

luz da lua. As nuvens tinham começado a desaparecer e, entre elas, uma esporádica estrela<br />

piscou, como se para me lembrar do que eu tinha acabado de admitir.<br />

"Você alguma vez já imaginou algo assim?" ela se perguntou em voz alta. "Você e eu,<br />

quero dizer?"<br />

"Não," eu disse.<br />

"Me assusta um pouco."<br />

forma.<br />

Meu estômago pulou e imediatamente, eu tinha certeza que ela não se sentia da mesma<br />

"Você não precisa me dizer de volta," eu comecei. "Não foi por isso que eu disse-"<br />

"Eu sei," ela interrompeu. "Você não entende. Eu não estava assustada por que você me<br />

contou. Fiquei assustada porque eu também queria dizer: eu te amo, John."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Mesmo agora, ainda não tenho certeza de como aconteceu. Em um instante estávamos<br />

conversando e no seguinte ela se inclinou em minha direção. Por um segundo, me perguntei<br />

se beijá-la iria quebrar o feitiço sob o qual nós dois estávamos, mas era tarde demais para<br />

parar. E quando os seus lábios encontraram os meus, eu sabia que poderia viver até os cem<br />

anos e visitar todos os países do mundo, mas nada iria se comparar àquele momento que eu<br />

beijei pela primeira vez a garota dos meus sonhos e soube que meu amor duraria para<br />

sempre.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Nove<br />

Acabamos ficando fora até tarde. Depois que deixamos a casa, levei Savannah de volta<br />

à praia e nós andamos o grande pedaço de areia até ela começar a bocejar. Levei-a até a porta<br />

e nos beijamos novamente enquanto mariposas zumbiam na luz da varanda. Embora<br />

parecesse que eu tinha pensado muito em Savannah no dia anterior, não se comparava ao<br />

quão obcecado eu estava no dia seguinte, embora o sentimento fosse diferente. Me peguei<br />

sorrindo sem razão aparente, algo que até meu pai notou quando chegou em casa do trabalho.<br />

Ele não comentou-eu não esperava que ele comentasse, é claro - mas ele não se surpreendeu<br />

quando eu dei tapinhas nas suas costas quando descobri que ele planejava fazer lasanha. Falei<br />

incessantemente sobre Savannah e depois de umas duas horas ele voltou à sua toca. Mesmo<br />

que tivesse falado pouco, acho que ele estava feliz por mim e mais feliz ainda por eu querer<br />

compartilhar isso. Tive certeza disso quando voltei pra casa mais tarde naquela noite e<br />

encontrei um prato de recém cozinhados biscoitos de manteiga de amendoim na bancada,<br />

junto com um bilhete que me informava que leite podia ser encontrado na geladeira.<br />

Levei Savannah pra tomar sorvete, depois a levei para a parte turística de Wilmington.<br />

Passeamos pelas lojas, onde eu descobri que ela tinha um interesse por antiguidades. Mais<br />

tarde a levei pra ver o encouraçado, mas não ficamos muito tempo. Ela estava certa; era<br />

chato. Depois a levei pra casa, onde nos sentamos ao redor da fogueira com seus amigos.<br />

Nas duas noites seguintes, Savannah foi à minha casa. Meu pai cozinhou nas duas<br />

noites. Na primeira Savannah não perguntou nada sobre moedas ao meu pai e a conversa foi<br />

um esforço. Meu pai escutou na maior parte e embora Savannah continuou com um tom<br />

agradável e tentou incluí-lo, a força do hábito levou nós dois a falarmos um com o outro<br />

enquanto o meu pai se focava no seu prato. Quando ela foi embora, sua sobrancelha estava<br />

levantada e embora eu não quisesse acreditar que a primeira impressão dela a respeito dele<br />

havia mudado, eu sabia que isso tinha acontecido. Surpreendentemente, ela pediu pra voltar<br />

na noite seguinte, onde mais uma vez ela e meu pai ficaram na toca, discutindo moedas.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Enquanto os observava, me perguntei o que Savannah achava dessa situação a qual eu<br />

crescera acostumado. Ao mesmo tempo, eu rezei para que ela fosse mais compreensiva do<br />

que eu tinha sido. Assim que fomos embora, eu sabia que não tinha nada com o que me<br />

preocupar. Enquanto voltávamos de carro para a praia, ela falou sobre o meu pai em termos<br />

brilhantes, particularmente elogiando o trabalho que ele tinha feito me criando. Enquanto eu<br />

não estava certo do que achava disso, suspirei de alívio ao perceber que ela parecia ter<br />

aceitado meu pai pelo que ele era.<br />

Quando chegou o fim de semana, minha aparição na casa da praia estava se tornando<br />

um acontecimento regular. A maioria das pessoas na casa tinham aprendido meu nome,<br />

embora eles ainda demonstrassem pouco interesse em mim, tão exaustos que estavam pelo<br />

dia de trabalho duro. A maioria deles estava apinhada ao redor da televisão lá pelas sete ou<br />

oito, ao invés de bebendo e paquerando na praia. Todos pareciam queimados do sol e tinham<br />

Band Aids nos dedos para cobrir suas bolhas.<br />

No sábado à noite as pessoas tinham achado reservas adicionais de energia e eu apareci<br />

na hora em que um grupo de garotos estavam descarregando caixas e mais caixas de cerveja<br />

da mala de uma van. Eu os ajudei a carregá-las e me dei conta de que desde a primeira noite<br />

que eu tinha visto Savannah, eu não tinha bebido nem um gole de álcool. Como no final de<br />

semana anterior, a churrasqueira estava acesa e nós comemos perto da fogueira; depois<br />

saímos para uma caminhada na praia. Eu tinha levado um cobertor e uma cesta de piquenique<br />

cheia de lanches e enquanto estávamos deitados, assistimos a um show de estrelas cadentes,<br />

maravilhados com os fios brancos que cruzavam o céu. Foi uma daquelas noites perfeitas<br />

com brisa suficiente pra não nos deixar com frio ou com calor e nós conversamos e nos<br />

beijamos por horas antes de adormecer nos braços um do outro.<br />

Quando o sol começou sua ascensão do mar no domingo de manhã, me sentei ao lado<br />

de Savannah. Seu rosto estava iluminado com o brilho do amanhecer e seu cabelo caía no<br />

cobertor. Ela tinha um braço sobre a barriga e o outro acima da cabeça e tudo que eu pude<br />

pensar foi que eu gostaria de passar todas as manhãs pro resto da minha vida acordando ao<br />

lado dela.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Fomos à igreja novamente e Tim estava do seu jeito alegre de sempre, apesar do fato de<br />

que nós mal falamos com ele durante toda a semana. Ele me perguntou novamente se eu<br />

queria ajudar na casa. Contei à ele que eu estaria partindo na sexta-feira seguinte e portanto,<br />

não sabia de quanta ajuda eu poderia ser.<br />

"Acho que você está cansando ele," Savannah disse, sorrindo pra Tim.<br />

Ele levantou as mãos. "Pelo menos você não pode dizer que eu não tentei."<br />

Foi, talvez, a semana mais idílica que eu já passei. Meus sentimentos por Savannah<br />

tinham apenas ficado mais fortes, mas a medida que os dias passavam eu comecei a sentir<br />

uma ansiedade atormentadora com o quão cedo tudo isso estaria acabado. Sempre que esses<br />

sentimentos surgiam, eu tentava afastá-los, mas na noite de domingo, eu mal podia dormir.<br />

Em vez disso, eu me remexi na cama, e pensei em Savannah e tentei imaginar como eu<br />

poderia ser feliz sabendo que ela estava do outro lado do oceano rodeada de homens, um dos<br />

quais parece se sentir exatamente como eu me sinto em relação à ela.<br />

***<br />

Quando cheguei na casa na manhã de segunda-feira, não consegui encontrar Savannah.<br />

Pedi pra alguém olhar no quarto dela e enfiei minha cabeça em cada banheiro. Ela não estava<br />

no deque traseiro ou na praia com os outros.<br />

Desci até a praia e perguntei, recebendo, na maior parte das vezes, dar de ombros<br />

indiferentes. Algumas pessoas não tinham nem se dado conta de que ela havia ido embora,<br />

mas finalmente uma das garotas - Sandy ou Cindy, eu não tinha certeza - apontou para a praia<br />

e disse que tinha visto a cabeça dela naquela direção mais ou menos uma hora antes.<br />

Eu levei um bom tempo para achá-la. Caminhei pela praia nas duas direções, finalmente


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

vendo o píer perto da praia. Em um palpite, subi as escadas, ouvindo as ondas quebrarem<br />

abaixo de mim. Quando vi Savannah, achei que ela tinha vindo ao píer para procurar botos<br />

ou observar os surfistas. Ela estava sentada com seus joelhos pra cima, encostada em um<br />

pedaço de madeira e foi só quando me aproximei que percebi que ela estava chorando.<br />

Eu nunca sabia o que fazer quando vejo uma garota chorando. Honestamente, eu nunca<br />

sabia o que fazer quando via qualquer um chorando. Meu pai nunca chorou, ou se chorou,<br />

nunca foi na minha presença. E a última vez que eu chorara tinha sido na terceira série,<br />

quando caí da casa da árvore e torci meu pulso. Na minha unidade, tinha visto alguns caras<br />

chorando e eu geralmente dava tapinhas nas suas costas e depois saia andando, deixando os<br />

'por quês' e 'o que posso fazer' para alguém com mais experiência.<br />

Antes que eu pudesse decidir o que fazer, Savannah me viu. Ela rapidamente enxugou<br />

seus olhos vermelhos e inchados e eu a ouvi dar algumas fungadas. Sua bolsa, a que eu<br />

resgatei do oceano, estava espremida entre suas pernas.<br />

"Você está bem?" eu perguntei.<br />

"Não," ela respondeu e meu coração se apertou.<br />

"Você quer ficar sozinha?"<br />

Ela considerou. "Não sei," ela disse finalmente.<br />

bem."<br />

Não sabendo o que mais fazer, fiquei onde estava. Savannah suspirou. "Eu vou ficar<br />

Coloquei minhas mãos nos bolsos e assenti. "Você prefere ficar sozinha?" perguntei<br />

novamente.<br />

"Eu realmente tenho que lhe dizer?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu hesitei. "Sim."<br />

Ela deu uma risada melancólica. "Você pode ficar," ela disse. "Na verdade, vai ser legal<br />

se você chegar mais perto e sentar ao meu lado."<br />

Me sentei e então, depois de um breve momento de indecisão, coloquei meu braço ao<br />

redor dela. Por um momento, sentamos juntos sem dizer nada. Savannah inspirava<br />

lentamente e a sua respiração se tornou constante. Ela limpou as lágrimas que continuavam a<br />

cair por suas bochechas.<br />

"Comprei uma coisa pra você," ela disse depois de um tempo. "Espero que você<br />

concorde com isso."<br />

"Tenho certeza que está tudo bem," eu murmurei.<br />

Ela fungou. "Você sabe no que eu estava pensando quando vim aqui?" Ela não esperou<br />

por uma resposta. "Estava pensando em nós," disse. "O modo como nos conhecemos e como<br />

nos falam naquela primeira noite, como você mostrou suas tatuagens e deu o olhar maligno<br />

para o Randy. E a sua expressão boba quando fomos surfar pela primeira vez, depois que eu<br />

peguei a onda até a costa..."<br />

Quando ela parou de falar eu apertei sua cintura. "Tenho certeza que há um elogio aí em<br />

algum lugar."<br />

Ela tentou se recuperar com um sorriso trêmulo mas não teve muito sucesso. "Eu<br />

lembro de tudo sobre aqueles primeiros dias," ela disse. "E o mesmo acontece com o resto da<br />

semana. Passar algum tempo com o seu pai, sair pra tomar sorvete, até mesmo olhar para<br />

aquele barco idiota."<br />

"Nós não vamos voltar," prometi, mas ela ergueu as mãos para me parar.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Você não está me deixando terminar," ela disse. "E você não está entendendo. Eu estou<br />

dizendo que eu amei cada momento e eu não esperava isso. Eu não vim aqui para isso, assim<br />

como não vim aqui para me apaixonar por você. Ou, de uma maneira diferente, pelo seu pai."<br />

Submisso, eu não disse nada.<br />

Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. "Eu acho seu pai fantástico. Acho<br />

que ele fez um ótimo trabalho criando você e eu sei que você não acha, e..."<br />

Quando ela pareceu ficar sem palavras, eu balancei a cabeça, perplexo. "E é por isso<br />

que você estava chorando? Por causa de como eu me sinto em relação ao meu pai?"<br />

"Não," ela disse. "Você não estava ouvindo?"<br />

Ela pausou como se estivesse tentando organizar seus pensamentos caóticos. "Eu não<br />

queria me apaixonar por ninguém," ela disse. " Eu não estava pronta para isso. Já passei por<br />

isso uma vez e depois eu estava acabada. Eu sei que é diferente, mas você vai partir dentro de<br />

poucos dias e tudo isso vai terminar... e eu vou estar acabada novamente."<br />

"Não precisa terminar," eu protestei.<br />

"Mas vai," ela disse. "Eu sei que a gente pode escrever e falar ao telefone de vez em<br />

quando e podemos nos ver quando você vier para casa de licença. Mas não será a mesma<br />

coisa. Eu não vou poder ver suas expressões bobas. Nós não poderemos deitar na praia e<br />

observar as estrelas. Não poderemos sentar um em frente ao outro e conversar e dividir<br />

segredos. E eu não vou sentir seu braço ao meu redor, como sinto agora."<br />

Desviei o olhar, sentindo um senso crescente de frustração e pânico. Tudo o que ela<br />

estava dizendo era verdade.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Me ocorreu hoje," ela continuou, "enquanto eu estava olhando as prateleiras na<br />

livraria. Fui lá para lhe comprar um livro e quando o encontrei, comecei a imaginar como<br />

você reagiria quando eu o entregasse. O negócio era que eu sabia que te veria em poucas<br />

horas e então eu saberia e iria ficar tudo bem. Porque mesmo que você estivesse chateado, eu<br />

sabia que nós superaríamos porque poderíamos resolver cara a cara. Foi disso que eu me dei<br />

conta enquanto estava sentada aqui. Que quando estamos juntos, tudo é possível." Ela<br />

hesitou, então continuou. "Muito cedo isso não vai mais ser possível. Eu soube desde que nos<br />

conhecemos que você não ficaria mais de algumas semanas aqui, mas eu não achava que<br />

fosse ser tão difícil assim dizer adeus."<br />

"Eu não quero dizer adeus," eu disse, gentilmente virando seu rosto em direção ao meu.<br />

Abaixo de nós eu podia ouvir as ondas quebrando na madeira.<br />

Um bando de gaivotas passou no céu e eu me inclinei para beijá-la, meus lábios mal<br />

roçando os dela. Seu hálito cheirava a canela e menta e eu pensei de novo em voltar pra casa.<br />

Esperando tirar a mente dela de pensamentos tão deprimentes, lhe dei um aperto<br />

enérgico e apontei para a bolsa. "Então, que livro você comprou pra mim?"<br />

Ela pareceu confusa à princípio, mas depois se lembrou de que tinha mencionado o<br />

livro mais cedo. "Ah, sim, acho que é a hora pra isso, né?"<br />

Pelo modo como ela disse, eu de repente percebi que ela não tinha me comprado o<br />

último Hiaasen*. Esperei, mas quando tentei encontrar seus olhos ela virou.<br />

*Escritor de estórias de mistério.<br />

"Se eu der a você," ela disse, sua voz séria, "você tem que me prometer que vai ler."<br />

Eu não estava muito certo sobre o que achar disso. "Claro," eu disse, esticando a


Dear John<br />

palavra. "Eu prometo."<br />

Nicholas Sparks<br />

Ainda assim, ela hesitou. Depois estendeu a mão para a bolsa e puxou o livro. Quando<br />

ela o estendeu para mim, li o título. Á princípio, eu não sabia o que pensar. Era um livro-mais<br />

como um livro didático, na verdade sobre autismo e Asperger. Eu tinha ouvido sobre os dois<br />

distúrbios e supus que eu sabia o que a maioria das pessoas sabiam, o que não era muito. "É<br />

de uma das minhas professoras," ela explicou. "Ela é a melhor professora que eu tive na<br />

faculdade. Suas aulas estão sempre cheias e estudantes que não estão matriculados algumas<br />

vezes entram pra falar com ela. Ela é uma das mais importantes especialistas em todas as<br />

formas de distúrbios de desenvolvimento e é uma dos poucos que focalizou sua pesquisa em<br />

adultos."<br />

"Fascinante," eu disse, não me incomodando em esconder a minha falta de entusiasmo.<br />

"Acho que você pode aprender alguma coisa," ela pressionou.<br />

"Tenho certeza," eu disse. "Parece que tem um bocado de informação aqui."<br />

"Tem mais do que só isso," ela disse. Sua voz era quieta. "Eu quero que você leia por<br />

causa do seu pai. E o modo como vocês dois se dão."<br />

Pela primeira vez, me senti rígido. "O que isso tem a ver?"<br />

"Eu não sou uma especialista," ela disse, "mas esse livro foi indicado nos dois<br />

semestres que eu fiz com ela e eu o devo ter estudado toda noite. Como eu disse, ela<br />

entrevistou mais de trezentos adultos com distúrbios."<br />

Eu retirei meu braço. "E?"<br />

Eu sabia que ela tinha ouvido a tensão na minha voz e ela me estudou com um traço de


Dear John<br />

apreensão.<br />

Nicholas Sparks<br />

"Eu sei que sou só uma estudante, mas eu passo muitas das minhas horas no laboratória<br />

com crianças que têm Asperger... eu já vi de perto e eu também tive a oportunidade de<br />

encontrar alguns dos adultos que a minha professora entrevistou." Ela se ajoelhou à minha<br />

frente, estendendo a mão para tocar meu braço. "Seu pai é muito parecido com alguns deles."<br />

Acho que eu já sabia pra onde ela estava indo, mas por alguma razão eu queria que ela<br />

dissesse diretamente. "O que isso quer dizer?" eu exigi, me forçando a não sair.<br />

Sua resposta demorou para vir. "Eu acho que o seu pai pode ter Asperger."<br />

"Meu pai não é retardado..."<br />

"Eu não disse isso," ela disse. "Asperger é um distúrbio de desenvolvimento."<br />

"Não importa o que é," eu disse, minha voz se elevando. "Meu pai não tem. Ele me<br />

criou, ele trabalha, ele paga suas contas. Ele já foi casado."<br />

"Você pode ter Asperger e ainda funcionar..."<br />

Enquanto ela falava, me lembrei de uma coisa que ela tinha dito mais cedo.<br />

"Espera," eu disse, tentando lembrar de como ela tinha se expressado e sentindo minha<br />

boca ficar seca. "Mais cedo, você disse que achava que meu pai tinha feito um trabalho<br />

maravilhoso me criando."<br />

"Sim," ela disse, "e eu estava falando sério..."<br />

Minha mandíbula se apertou quando eu me dei conta do que ela estava realmente


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

dizendo e eu a encarei como se a estivesse vendo pela primeira vez. "Mas é porque você<br />

pensa que ele é como o Rain Man*. Que considerando o problema dele, ele fez um bom<br />

trabalho."<br />

*É um filme que tem um personagem autista.<br />

"Não... você não entende. Há um espectro de Asperger, de ameno a severo-"<br />

Eu mal a ouvi. "E você o respeita pela mesma razão. Mas não é como se você realmente<br />

gostasse dele."<br />

"Não, espera-"<br />

Eu me afastei e levantei. Subitamente precisando de espaço, caminhei para a grade<br />

oposta à ela. Pensei nos seus pedidos contínuos para visitá-lo... não porque ela queria passar<br />

algum tempo com ele. Porque ela queria estudá-lo.<br />

Meu estômago deu um nó e eu olhei pra ela. "Foi por isso que você apareceu, não foi?"<br />

"O que-"<br />

"Não porque gostava dele, mas porque você queria saber se estava certa."<br />

"Não-"<br />

"Pare de mentir!" eu gritei.<br />

"Eu não estou mentindo!"<br />

"Você estava sentada lá com ele, fingindo estar interessada em suas moedas, mas na<br />

verdade estava avaliando ele como um macaco na gaiola."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Não foi assim!" ela disse, se levantando. "Eu respeito seu pai-"<br />

"Porque você acha que ele tem problemas e os superou," eu rosnei, terminando a frase<br />

para ela. "Sim, eu entendi."<br />

"Não, você está errado. Eu gosto do seu pai..."<br />

"Por isso você administrou seu pequeno experimento, não foi?" Minha expressão era<br />

dura. "É, eu devo ter esquecido de que quando você gosta de alguém, faz coisas assim. É isso<br />

que você está tentando dizer?"<br />

Ela balançou a cabeça. "Não!" Pela primeira vez, ela parecia questionar o que tinha<br />

feito e seu lábio começou a tremer. Quando falou novamente, sua voz tremeu. "Você está<br />

certo. Eu não devia ter feito isso. Mas eu só queria que você o entendesse."<br />

"Por quê?" eu disse, dando um passo na direção dela. Eu podia sentir meus músculos<br />

tensos. "Eu o entendo bem. Cresci com ele, lembra? Eu vivi com ele."<br />

"Eu estava tentando ajudar," ela disse, os olhos abatidos. "Eu só queria que você fosse<br />

capaz de se relacionar com ele."<br />

"Eu não pedi a sua ajuda. Eu não quero a sua ajuda. E desde quando isso é da sua conta,<br />

de qualquer forma?"<br />

Ela se virou e limpou uma lágrima. "Não é," ela disse. Sua voz estava quase inaudível.<br />

"Eu achei que você iria querer saber."<br />

"Saber o que?" eu exigi. "Que você acha que tem alguma coisa de errado com ele? Que<br />

eu não deveria esperar ter uma relação normal com ele? Que eu tenho que falar sobre moedas<br />

se quiser falar com ele??"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu não escondi a raiva na minha voz e do canto dos meus olhos, vi alguns pescadores<br />

se virarem em nossa direção. Meu olhar os impediu de chegarem mais perto, o que<br />

provavelmente foi uma boa coisa. Enquanto nos encarávamos, eu não esperava que Savannah<br />

respondesse e francamente, eu não queria que ela respondesse. Eu ainda estava tentando tirar<br />

minha mente do fato de que as horas que ela tinha passado com meu pai não eram nada mais<br />

que uma farsa.<br />

"Talvez," ela sussurrou.<br />

Eu pisquei incerto de que ela tinha dito o que eu pensei que ela tinha dito. "O que?"<br />

"Você me ouviu." Ela me deu um pequeno encolher de ombros. "Talvez essa seja a<br />

única coisa sobre a qual você irá conversar com seu pai. Pode ser tudo o que ele possa fazer."<br />

de mim?"<br />

Senti minhas mãos se fecharem em punhos. "Então você está dizendo que tudo depende<br />

Eu não esperava que ela fosse responder, mas ela respondeu.<br />

"Eu não sei," ela disse, encontrando meus olhos. Eu ainda podia ver sua lágrimas, mas<br />

sua voz estava surpreendentemente firme. "Foi por isso que eu comprei o livro. Pra que você<br />

possa ler. Como você disse, você conhece ele melhor do que eu. E eu nunca disse que ele é<br />

incapaz de funcionar, porque obviamente ele funciona. Mas pense nisso. Suas rotinas<br />

imutáveis, o fato de ele não olhar para as pessoas quando fala com elas, a inexistência da sua<br />

vida social..."<br />

Eu girei, querendo atingir alguma coisa. Qualquer coisa. "Por que você está fazendo<br />

isso?" perguntei, minha voz baixa.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Porque se fosse comigo, eu iria querer saber. Eu não estou dizendo isso porque eu<br />

queria machucar você ou insultar seu pai. Eu lhe disse porque queria que você o entendesse."<br />

Sua honestidade fez com que ficasse dolorosamente claro que ela acreditava no que<br />

estava dizendo. Mesmo assim, não me importei. Me virei e fui em direção ao píer. Eu só<br />

queria ir embora. Daqui, dela.<br />

"Onde você vai?" eu a ouvi gritar. "John! Espera!"<br />

Eu a ignorei. Acelerei o passo e um minuto depois eu tinha alcançado as escadas. Corri<br />

escada abaixo, cheguei na areia e segui em direção à casa. Não fazia idéia se Savannah estava<br />

atrás de mim e enquanto me aproximava do grupo, rostos viravam em minha direção. Eu<br />

parecia zangado, e sabia disso. Randy estava segurando uma cerveja e deve ter visto<br />

Savannah se aproximando porque ele se moveu para bloquear meu caminho. Alguns dos seus<br />

irmãos de fraternidade fizeram o mesmo.<br />

"O que está acontecendo?" ele falou. "O que há de errado com Savannah?" o ignorei e<br />

senti ele agarrando meu pulso. "Ei, eu estou falando com você."<br />

Nenhum movimento. Eu podia sentir seu hálito de cerveja e sabia que o álcool tinha lhe<br />

dado coragem.<br />

"Me solta," eu disse.<br />

"Ela está bem?" ele exigiu.<br />

"Me solta," eu disse novamente, "ou eu quebro seu pulso."<br />

"Ei, o que está acontecendo?" eu ouvi Tim gritar de algum lugar atrás de mim.<br />

"O que você fez com ela?" Randy exigiu. "Por que ela está chorando? Você machucou


Dear John<br />

ela?"<br />

Nicholas Sparks<br />

alertei.<br />

Eu podia sentir a adrenalina surgir na minha corrente sanguínea. "Última chance," eu<br />

"Não há motivo pra isso!" Tim gritou, mais perto dessa vez. "Se acalmem, pessoal!<br />

Deixem pra lá!"<br />

Senti alguém tentando me agarrar pelas costas. O que aconteceu em seguida foi<br />

instintivo, dentro de uma questão de segundos. Bati meu cotovelo com força na sua barriga e<br />

ouvi uma súbita expiração gemida; então agarrei a mão de Randy e rapidamente a torci até<br />

seu ponto de estalo. Ele gritou e caiu de joelhos e naquele instante senti mais alguém<br />

correndo em minha direção. Balancei um cotovelo cegamente e o senti conectar; senti<br />

cartilagem se esmigalhar enquanto me virei, pronto para o próximo que viesse.<br />

"O que você fez?" ouvi Savannah gritar. Ela deve ter vindo correndo assim que viu o<br />

que estava acontecendo.<br />

Na areia, Randy estava se contraindo enquanto apertava o pulso; o cara que tinha me<br />

agarrado por trás estava arfando de quatro. "Você o machucou!" ela choramingou enquanto<br />

passava correndo por mim. "Ele só estava tentando parar a briga!"<br />

Eu me virei. Tim estava esparramado no chão, segurando o rosto, o sangue jorrando por<br />

entre seus dedos. A visão pareceu paralisar todos menos Savannah, que se ajoelhou ao seu<br />

lado. Tim gemeu e apesar das marteladas no meu peito, senti um caroço no meu estômago.<br />

Por que tinha que ter sido ele? Eu queria perguntar se ele estava bem; eu queria dizer a ele<br />

que não tinha tido a intenção de machucá-lo e que não era minha culpa. Eu não tinha<br />

começado isso.<br />

Mas não iria importar. Não agora. Eu não podia fingir que eles devessem perdoar e<br />

esquecer, não importava o quanto eu quisesse que não tivesse acontecido.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu mal podia ouvir Savannah se preocupar quando eu comecei a me afastar. Olhei para<br />

os outros cautelosamente, me certificando de que eles me deixariam partir, não querendo<br />

machucar mais ninguém.<br />

"Ah, Jesus... ah, não. Você está realmente sangrando... temos que te levar ao médico..."<br />

Continuei a andar para trás, então me virei e subi as escadas.<br />

Me movi rapidamente pela casa, depois de volta para o meu carro. Antes de me dar<br />

conta, eu estava na rua, amaldiçoando a mim e a toda a noite.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Dez<br />

Eu não sabia aonde ir, então dirigi sem rumo por um tempo, os acontecimentos da noite<br />

passada se repetindo na minha cabeça. Ainda estava com raiva de mim mesmo e do que eu<br />

tinha feito com Tim - não tanto com o que eu fiz com os outros, admito - e com raiva de<br />

Savannah pelo que tinha acontecido no píer.<br />

Eu mal podia me lembrar de como tinha começado. Em um minuto eu estava pensando<br />

em como eu a amava mais do que alguma vez já tinha imaginado possível, e no outro<br />

estávamos brigando. Eu estava revoltado com seu subterfúgio, mas ainda assim não<br />

conseguia entender porque estava com tanta raiva. Não era como se meu pai e eu fôssemos<br />

próximos; não era como se eu pensasse que o conhecesse. Então porque eu tinha ficado com<br />

tanta raiva? E porque ainda estava com raiva? Porque, a voz dentro de mim perguntou, há<br />

uma chance de ela estar certa?<br />

Não importava. Se ele fosse ou não, e daí? Como isso iria mudar alguma coisa? E por<br />

que isso era da conta dela?<br />

Enquanto dirigia, continuava mudando de raiva para aceitação e de volta pra raiva de<br />

novo. Me peguei revivendo a sensação do meu cotovelo esmagando o nariz do Tim, o que só<br />

fez piorar as coisas. Por que ele tinha vindo até mim? Por que não eles? Não tinha sido eu<br />

quem tinha começado.<br />

E Savannah... é, eu posso passar lá amanhã pra me desculpar. Eu sei que ela<br />

sinceramente acreditava no que dizia e que do jeito dela, estava tentando ajudar. E talvez, se<br />

ela estivesse certa, eu quisesse saber. Explicaria algumas coisas...<br />

Mas depois do que eu fiz com Tim? Como ela reagiria a isso? Ele era seu melhor amigo<br />

e mesmo que eu jurasse que tinha sido um acidente, importaria para ela? E o que eu tinha


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

feito com os outros? Ela sabia que eu era um soldado, mas agora que ela tinha visto uma<br />

pequena parte do que isso significava, ela ainda iria sentir o mesmo sobre mim?<br />

Quando cheguei em casa, era mais de meia-noite. Entrei na casa escurecida, me<br />

esgueirei para a toca do meu pai, depois para o quarto. Ele não estava acordado, é claro; ele<br />

ia para a cama na mesma hora todas as noites. Um homem de rotina, como eu sabia e<br />

Savannah tinha destacado.<br />

Engatinhei para a cama, sabendo que não dormiria e desejando que pudesse começar a<br />

noite novamente. Desde a hora que ela tinha me entregado o livro, de qualquer forma. Eu não<br />

queria mais pensar sobre nada disso. Eu não queria pensar sobre meu pai, Savannah, ou sobre<br />

o que eu tinha feito com nariz de Tim. Mas durante toda a noite eu encarei o teto, incapaz de<br />

escapar dos meus pensamentos.<br />

Me levantei quando ouvi meu pai na cozinha. Eu estava vestindo as mesmas roupas da<br />

noite anterior, mas duvidei que ele tivesse se dado conta disso.<br />

"Bom dia, pai," murmurei.<br />

"Oi, John," ele disse. "Quer tomar café-da-manhã?"<br />

"Claro," eu disse. "O café está pronto?"<br />

"No bule."<br />

Me servi de uma xícara. Enquanto meu pai cozinhava, notei as manchetes no jornal,<br />

sabendo que ele iria ler a seção de capa primeiro, depois a metropolitana. Ele ignoraria a<br />

seção de esportes e da vida. Um homem de rotina.<br />

"Como foi sua noite?" eu perguntei.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Como sempre," ele disse. Não me surpreendi quando ele não me perguntou nada de<br />

volta. Ao invés disso, ele correu a espátula pelos ovos mexidos. O bacon já estava chiando.<br />

Depois de um tempo, ele retornou para mim e eu já sabia o que ele perguntaria.<br />

"Se importa de colocar algum pão na torradeira?"<br />

Meu pai saiu para trabalhar exatamente às 7:35h.<br />

Assim que ele saiu eu examinei o jornal, desinteressado nas notícias, perdido sobre o<br />

que fazer depois. Eu não tinha vontade de surfar, ou até mesmo deixar a casa, e estava me<br />

perguntado se deveria voltar pra cama pra tentar descansar um pouco quando ouvi um carro<br />

estacionar na entrada da garagem. Imaginei que fosse alguém que viesse deixar um panfleto<br />

oferecendo um serviço de limpar calhas ou de lavar o molde do telhado; me surpreendi<br />

quando ouvi uma batida.<br />

Abrindo a porta, eu congelei, pego completamente fora de guarda. Tim mudou seu peso<br />

de um pé para o outro. "Oi, John," ele disse. "Eu sei que é cedo, mas posso entrar?"<br />

Um grande esparadrapo estava no seu nariz e a pele ao redor dos dois olhos estava<br />

machucada e inchada.<br />

"Sim... claro," eu disse, dando um passo para o lado, ainda tentando processar o fato de<br />

que ele estava aqui. Tim passou por mim e entrou na sala. "Eu quase não achei sua casa," ele<br />

disse. "Quando te deixei antes era tarde e eu não estava prestando muita atenção. Passei<br />

direto algumas vezes antes de finalmente registrar."<br />

Ele sorriu de novo e me dei conta de que ele carregava um pequeno saco de papel.<br />

"Quer café?" perguntei, saindo do meu estado de choque. "Acho que o que está no bule


Dear John<br />

ainda dá para uma xícara."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Não, tudo bem. Estava acordado a maior parte da noite e prefiro não beber cafeína.<br />

Quero me deitar quando voltar à casa."<br />

Assenti. "Ei, escuta... sobre o que aconteceu ontem à noite," eu comecei. "Me desculpe.<br />

Eu não queria..."<br />

Ele ergueu a mão para me parar. "Tudo bem. Eu sei que você não queria. E eu deveria<br />

saber. Eu deveria ter tentado agarrar um dos outros."<br />

O analisei. "Dói?"<br />

"Tudo bem," ele disse. "Só foi uma daquelas noites na sala da emergência. Levou algum<br />

tempo pra ver um médico, e ele queria chamar alguém pra ajeitar meu nariz. Mas eles<br />

juraram que vai ficar bom como novo. Eu posso ficar com um pequeno inchaço, mas estou<br />

esperando que me dê uma aparência mais marcada."<br />

Eu sorri, depois me senti mal por fazê-lo. "Como eu disse, me desculpe."<br />

"Eu aceito suas desculpas," ele disse. "E agradeço. Mas não foi por isso que eu vim<br />

aqui." Ele gesticulou para o sofá. "Se importa se sentarmos? Me sinto um pouco tonto."<br />

Sentei na ponta da cadeira reclinável, me inclinando pra frente com os cotovelos nos<br />

joelhos. Tim sentou no sofá, se contraindo enquanto tentava ficar confortável. Ele deixou a<br />

sacola de papel ao lado.<br />

passada."<br />

"Quero falar com você sobre Savannah," ele disse. "E sobre o que aconteceu noite<br />

O som do nome dela trouxe tudo de volta e eu desviei o olhar. "Você sabe que somos


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

bons amigos, né?" Ele não esperou por uma resposta. "Noite passada no hospital,<br />

conversamos por horas e eu só queria vir aqui para pedir a você pra não ficar com raiva dela<br />

pelo que ela fez. Ele sabe que cometeu um erro e que não era tarefa dela diagnosticar seu pai.<br />

Você estava certo sobre isso."<br />

"Então por que ela não está aqui?"<br />

"Neste momento, ela está na construção. Alguém tem que ficar responsável enquanto eu<br />

me recupero. E ela também não sabe que eu estou aqui."<br />

Sacudi a cabeça. "Não sei por que fiquei tão maluco, pra começar."<br />

"Porque você não queria ouvir," ele disse, sua voz quieta. "Eu costumava me sentir do<br />

mesmo jeito quando ouvia alguém falar do meu irmão, Alan. Ele é autista."<br />

Olhei pra cima. "Alan é seu irmão?"<br />

"Sim, por quê?" ele perguntou. "Savannah te contou sobre ele?"<br />

"Um pouco," eu disse, lembrando que até mais do que sobre Alan, ela falou do irmão<br />

que tinha sido tão paciente com ele, que a tinha inspirado a se especializar em educação<br />

especial.<br />

No sofá, Tim se contorceu quando tocou no machucado embaixo do olho. "E só pra<br />

você saber," ele continuou, "eu concordo com você. Não era tarefa dela, eu disse isso a ela.<br />

Lembra quando eu disse que ela era ingênua às vezes? Foi isso que eu quis dizer. Ela quer<br />

ajudar as pessoas, mas às vezes não acaba desse jeito."<br />

"Não foi só ela," eu disse. "Fui eu também. Como eu disse, eu exagerei."


Dear John<br />

O olhar dele era firme. "Você acha que ela pode estar certa?"<br />

Nicholas Sparks<br />

Juntei minhas mãos. "Não sei. Acho que não, mas..."<br />

"Mas você não sabe. E se for verdade, o que importa, certo?" Ele não esperou por<br />

resposta. "Eu já estive lá e fiz isso," ele disse. "Lembro do que eu e meu pai passamos com<br />

Alan. Por um tempo não sabíamos o que, ou se alguma coisa, estava errada com ele. E você<br />

sabe o que eu decidi depois de todo esse tempo? Não importa. Eu ainda o amo, e cuido dele e<br />

sempre irei. Mas... aprender sobre a situação dele ajudou a facilitar as coisas entre nós.<br />

Depois que eu soube... acho que só parei de ficar esperando que ele se comportasse de uma<br />

certa maneira. E sem expectativas, achei mais fácil aceitá-lo."<br />

Digeri isso. "E se ele não tiver Asperger?" perguntei.<br />

"Ele pode não ter."<br />

"E se eu achar que ele tem?"<br />

Ele suspirou. "Não é assim tão simples, especialmente em casos amenos," ele disse.<br />

"Não é como se você pudesse tirar sangue e fazer um teste. Você tem que chegar ao ponto em<br />

que acha que é possível e isso é o mais longe que você chegará. Mas você nunca saberá de<br />

certeza. E do que Savannah disse sobre ele, eu realmente não acho que muita coisa irá mudar.<br />

E porque iria? Ele trabalha, ele criou você... o que mais você poderia esperar de um pai?"<br />

Pensava sobre isso enquanto imagens do meu pai passavam na minha cabeça.<br />

"Savannah te comprou um livro," ele disse.<br />

"Não sei onde está," admiti.<br />

"Está comigo," ele disse. "Trouxe da casa." Ele me estendeu a bolsa de papel. De


Dear John<br />

alguma forma o livro parecia mais pesado do que estava na noite anterior.<br />

Nicholas Sparks<br />

"Obrigado."<br />

Ele se levantou e eu sabia que nossa conversa estava chegando ao fim. Ele se moveu<br />

para a porta, mas se virou com a mão na maçaneta.<br />

"Sabe que não tem que ler," ele disse.<br />

"Eu sei."<br />

Ele abriu a porta, então parou. Eu sabia que ele queria acrescentar mais alguma coisa,<br />

mas, me surpreendendo, ele não se virou. "Se importa se eu pedir um favor?"<br />

"Vá em frente."<br />

feliz."<br />

"Não parta o coração de Savannah, certo? Eu sei que ela te ama e só quero que ela seja<br />

Aí eu soube que estava certo sobre os sentimentos dele por ela. Enquanto ele caminhava<br />

para o carro, o observei da janela, certo de que ele estava apaixonado por ela também.<br />

Coloquei o livro ao lado e saí para uma caminhada; quando voltei para a casa, o evitei<br />

novamente. Não posso lhe dizer por que fiz isso, além de que ele me assustava de alguma<br />

forma.<br />

Depois de algumas horas, contudo, forcei a sensação a ir embora e passei o resto da<br />

tarde absorvendo o seu conteúdo e revivendo memórias do meu pai.<br />

Tim estava certo. Não havia nenhum diagnóstico bem definido, nenhuma regra clara e<br />

não havia como eu saber ao certo. Algumas pessoas com Asperger tinham QIs baixos,


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

enquanto outras, até pessoas com um autismo mais intenso-como o personagem de Dustin<br />

Hoffman em Rain Man - eram considerados gênios em assuntos específicos. Alguns podiam<br />

funcionar tão bem em sociedade que ninguém nem mesmo sabia; outros tinham que ser<br />

internados. Li perfis de pessoas com Asperger que eram prodígios em música ou matemática,<br />

mas eu aprendi que eles eram tão raros como prodígios entre a população geral. Mas, mais<br />

importante, eu aprendi que quando meu pai era jovem, haviam poucos médicos que<br />

entendiam as características ou os sintomas e que se algo tivesse dado errado, seus pais<br />

podiam nunca ter sabido. Crianças com Asperger ou autismo era geralmente tidas como<br />

retardadas ou tímidas, e se eles não fossem internados, os pais se confortavam com a<br />

esperança de que algum dia seus filhos iriam sair dessa situação. A diferença entre autismo e<br />

Asperger podia algumas vezes ser resumida pelo seguinte: Uma pessoa com autismo vive em<br />

seu próprio mundo, enquanto uma pessoa com Asperger vive em nosso mundo de uma<br />

maneira que ela própria escolhe.<br />

Por esse padrão, poderia ser dito que a maioria das pessoas tem Asperger. Mas havia<br />

algumas indicações de que Savannah estava certa sobre meu pai. Suas rotinas imutáveis, sua<br />

estranheza social, sua falta de interesse em assuntos que não fossem moedas, seu desejo de<br />

estar sozinho- tudo parecia caprichos que qualquer um poderia ter, mas com meu pai era<br />

diferente. Enquanto outros poderiam livremente fazer estas mesmas escolhas, meu pai-como<br />

algumas pessoas com Asperger - parecia ter sido forçado a viver uma vida com essas<br />

escolhas já predeterminadas. No mínimo, eu aprendi que isso pode explicar o comportamento<br />

do meu pai, e sendo assim, não era que ele não queria mudar, mas que ele não podia. Mesmo<br />

com toda a incerteza implicada, achei a descoberta confortante. E, me dei conta, explicava<br />

duas questões que sempre tinha me atormentado a respeito da minha mãe: O que ela tinha<br />

visto nele? E por que ela foi embora?<br />

Eu sabia que nunca saberia e não tinha intenção de ir mais longe.<br />

Mas com uma imaginação saltitante em uma casa silenciosa, eu podia imaginar um<br />

homem quieto que começou uma conversa sobre sua coleção rara de moedas com uma pobre


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

jovem garçonete em uma lanchonete, uma mulher que passava suas noites deitada na cama e<br />

sonhando com uma vida melhor. Talvez ela tenha flertado, talvez não, mas ele estava atraído<br />

por ela e continuou a aparecer na lanchonete. Com o tempo, ela deve ter sentido a bondade e<br />

paciência nele, que ele usaria mais tarde ao me criar.<br />

Pode ser possível que ela tenha interpretado sua natureza quieta precisamente também e<br />

sabia que ele demorava para se enraivecer e nunca era violento. Mesmo sem amor, deve ter<br />

sido o bastante, então ela concordou em casar com ele, pensando que eles venderiam as<br />

moedas e viveriam, se não felizes para sempre, pelo menos confortáveis para sempre. Ela<br />

engravidou e mais tarde, quando aprendeu que ele não poderia nem mesmo entender a idéia<br />

de vender as moedas, ela se deu conta de que tinha ficado presa a um marido que mostrava<br />

pequeno interesse por qualquer coisa que ela fizesse. Talvez a sua solidão sugou o melhor<br />

dela, ou talvez ela fosse só egoísta, mas de qualquer forma ela queria sair, e depois que o<br />

bebê nasceu, ela abraçou a primeira oportunidade de ir embora.<br />

Ou, eu pensei, talvez não.<br />

Eu duvidava de que algum dia fosse saber a verdade, mas eu realmente não me<br />

importava. Eu me importava, no entanto, com o meu pai e se ele estava angustiado com<br />

algumas redes defeituosas em seu cérebro, subitamente entendi que ele de alguma forma<br />

tinha formado uma lista de regras para a vida, regras que o haviam ajudado a se encaixar no<br />

mundo. Talvez elas não fossem muito normais, mas ele tinha, todavia, encontrado um modo<br />

de me ajudar a me tornar o homem que eu era. E para mim, isso era mais do que suficiente.<br />

Ele era meu pai e fez o que pôde. Eu sabia disso agora. E quando finalmente fechei o<br />

livro e o coloquei de lado, me encontrei encarando a janela, pensando em como eu estava<br />

orgulhoso dele enquanto tentava engolir o caroço na minha garganta.<br />

Quando ele voltou do trabalho, trocou de roupa e foi para a cozinha começar o


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

spaghetti. O analisei enquanto ele se movimentava, sabendo que estava fazendo exatamente o<br />

que me fez ficar com raiva de Savannah quando ela também fez. É estranho como<br />

conhecimento muda a percepção.<br />

Notei a precisão de seus movimentos - o modo como ele habilmente abriu a caixa de<br />

spaghetti antes de colocá-la de lado e o modo como ele trabalhava com a espátula em<br />

ângulos cuidadosamente certos enquanto assava a carne. Eu sabia que ele adicionaria sal e<br />

pimenta, e um momento depois, ele o fez. Eu sabia que ele abriria a lata de molho de tomate<br />

logo depois, e novamente, eu não estava errado. Como sempre, ele não perguntou sobre o<br />

meu dia, preferindo trabalhar em silêncio. Ontem eu atribuiria isso ao fato de sermos<br />

estranhos um ao outro; hoje eu entendia que havia uma possibilidade de que nós sempre<br />

seríamos. Mas pela primeira vez na minha vida, isso não me incomodou.<br />

Durante o jantar eu não perguntei sobre seu dia, sabendo que ele não responderia. Em<br />

vez disso, contei a ele sobre Savannah e como tinha sido o nosso tempo juntos. Mais tarde, o<br />

ajudei com os pratos, continuando a nossa conversa de uma só via. Assim que acabamos, ele<br />

pegou o pano novamente. Limpou a bancada uma segunda vez, então girou os trituradores de<br />

sal e pimenta até eles ficarem na mesma posição que estavam quando ele chegou em casa. Eu<br />

tinha a sensação de que ele queria acrescentar alguma coisa à conversa, mas não sabia como,<br />

mas eu supus que estava querendo fazer com que eu mesmo me sentisse melhor. Não<br />

importava. Eu sabia que ele estava pronto para se recolher para a toca.<br />

"Ei, pai," eu disse. "Que tal você me mostrar algumas das moedas que comprou<br />

recentemente? Eu quero ouvir tudo sobre elas."<br />

Ele me encarou como se não tivesse certeza de que tinha me ouvido corretamente, então<br />

olhou para o chão. Tocou seu cabelo ralo e eu vi a careca crescente no topo da sua cabeça.<br />

Quando ele olhou para mim novamente, parecia quase assustado.<br />

"Certo," ele disse finalmente.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Caminhamos até a toca juntos, e quando senti ele colocar uma mão gentil na minha<br />

costa, tudo o que eu podia pensar era que não tinha me sentido próximo dele assim há anos.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Onze<br />

Na noite seguinte, enquanto eu estava de pé no píer admirando a lua prateada no<br />

oceano, me perguntei se Savannah apareceria. Na noite anterior, depois de passar horas<br />

examinando moedas com meu pai e aproveitando a animação na sua voz enquanto ele as<br />

descrevia, dirigi até a praia. No assento ao meu lado estava o bilhete que eu escrevera pra<br />

Savannah, pedindo à ela para me encontrar aqui. Deixei o bilhete em um envelope que<br />

coloquei no carro de Tim. Eu sabia que ele passaria o envelope adiante sem abrir, não<br />

importava o quanto ele pudesse não querer. Pelo pequeno tempo em que eu o conhecia,<br />

acreditei que Tim, como meu pai, era uma pessoa muito melhor do que eu.<br />

Foi a única coisa que eu pude pensar em fazer. Por causa da briga, eu sabia que não era<br />

mais bem vindo na casa da praia; também sabia que não queria ver Randy ou Susan ou<br />

qualquer um dos outros, o que tornou impossível me comunicar com Savannah. Ela não tinha<br />

celular, nem eu sabia o número da casa da praia, o que deixou o bilhete como minha única<br />

opção.<br />

Eu estava errado. Tinha exagerado, e sabia disso. Não só com ela, mas com os outros na<br />

praia. Eu tinha simplesmente ido embora. Randy e seus amigos, mesmo que eles levantassem<br />

peso e se considerassem atletas, não tinham nenhuma chance contra alguém treinado para<br />

incapacitar pessoas rapidamente e eficientemente. Se fosse na Alemanha, eu teria sido<br />

trancado pelo que eu fiz. O governo não era muito carinhoso com aqueles que usavam<br />

habilidades adquiridas através dele de maneira que o governo não aprovava.<br />

Então eu deixei o bilhete, então olhei o relógio durante todo o dia seguinte, me<br />

perguntando se ela apareceria. Quando a hora que eu sugerira veio e passou, me achei


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

olhando compulsivamente por cima do ombro, dando um suspiro de alívio quando uma<br />

figura apareceu à distância. Pelo modo que ela se movia, eu sabia que tinha que ser<br />

Savannah. Me inclinei contra a cerca enquanto esperava por ela.<br />

Ela diminuiu o passo quando me viu, então parou. Nenhum abraço, nenhum beijo-a<br />

súbita formalidade me fez doer.<br />

"Recebi seu bilhete," ela disse.<br />

"Fico feliz que tenha vindo."<br />

"Tive que sair de fininho para ninguém saber que você estava aqui," ela disse. "Escutei<br />

algumas pessoas falando sobre o que elas fariam se você aparecesse novamente."<br />

"Desculpe," comecei subitamente. "Sei que você só estava tentando ajudar e eu<br />

interpretei de maneira errada."<br />

"E?"<br />

"E desculpe pelo que eu fiz com Tim. Ele é um cara ótimo e eu deveria ter sido mais<br />

cuidadoso."<br />

Ela não piscava. "E?"<br />

Arrastei meus pés, sabendo que não era realmente sincero no que estava prestes a dizer,<br />

mas sabendo que ela queria ouvir de qualquer forma. Suspirei. "E Randy e o outro cara<br />

também."<br />

Ainda assim, ela continuou a me encarar. "E?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Fiquei sem resposta. Vasculhei na minha mente antes de encontrar seus olhos. "E..."<br />

parei aos poucos.<br />

"E o quê?"<br />

"E..." eu tentei mas não consegui pensar em nada. "Não sei," confessei. "Mas seja o que<br />

for, me desculpe por isso também."<br />

Ela estava com uma expressão curiosa no rosto. "É isso?"<br />

Eu pensei. "Não sei mais o que dizer," admiti.<br />

Meio segundo depois eu notei o mínimo traço de um sorriso. Ela se moveu em minha<br />

direção. "É isso?" ela repetiu sua voz mais suave. Eu não disse nada. Ela chegou mais perto,<br />

me surpreendendo, escorregando seus braços em volta do meu pescoço.<br />

"Você não precisa se desculpar," ela murmurou. "Não há razão para estar arrependido.<br />

Eu provavelmente teria reagido da mesma forma."<br />

"Então por que o interrogatório?"<br />

"Porque," ela disse, "me mostra que eu estava certa a seu respeito em primeiro lugar. Eu<br />

sabia que você tinha um bom coração."<br />

"Do que você está falando?"<br />

"Só o que eu disse," ela respondeu. "Mais tarde - depois daquela noite, quer dizer - Tim<br />

me convenceu que eu não tinha o direito de dizer o que eu disse. Você estava certo. Eu não<br />

tenho a capacidade de fazer nenhum tipo de avaliação profissional, mas eu fui arrogante o<br />

suficiente para pensar que eu tinha. Em relação ao que aconteceu na praia, eu vi tudo. Não foi


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

sua culpa. Até mesmo o que aconteceu com Tim não foi sua culpa, mas foi bom ouvir suas<br />

desculpas de qualquer forma. Mesmo que só pra saber que você pode fazer isso no futuro."<br />

"Ela se inclinou em minha direção e quando eu fechei os olhos, eu sabia que não queria<br />

nada mais a não ser segurá-la assim para sempre.<br />

Mais tarde, depois de passarmos uma grande parte da noite conversando e nos beijando<br />

na praia, corri meu dedo sobre sua mandíbula e murmurei "Obrigado."<br />

"Pelo que?"<br />

"Pelo livro. Acho que entendo meu pai um pouco melhor agora. Nós nos divertimos<br />

noite passada."<br />

"Fico feliz."<br />

"E obrigado por ser quem você é."<br />

Quando ela franziu o cenho, eu beijei sua testa. "Se não fosse você," eu acrescentei, "eu<br />

não seria capaz de dizer isso ao meu pai. Você não sabe o quanto isso significa pra mim."<br />

***<br />

Embora ela devesse trabalhar na construção no dia seguinte, Tim tinha sido<br />

compreensivo quando ela explicou que seria a última chance de nos vermos antes de eu<br />

voltar para a Alemanha. Quando eu a peguei, ele desceu os degraus da casa e se abaixou ao<br />

lado do carro, seus olhos ficando no nível da janela. Os machucados tinham ficado pretos.<br />

Ele prendeu a mão na janela.<br />

"Foi um prazer conhecer você, John."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Você também," eu disse, sendo sincero.<br />

"Tome cuidado, certo?"<br />

"Vou tentar," respondi enquanto apertávamos as mãos, atingido pela sensação de que<br />

havia uma ligação entre nós.<br />

Savannah e eu passamos a manhã no Fort Fisher Aquarium, enfeitiçados pelas estranhas<br />

criaturas expostas lá. Vimos peixes-agulha com seus longos narizes e cavalos marinhos em<br />

miniatura; no tanque maior estavam tubarões e dourados. Rimos enquanto segurávamos os<br />

caranguejos eremitas e Savannah me comprou um chaveiro como souvenir da loja de<br />

presentes. Por alguma estranha razão havia um penguim nele, o que a divertiu sem fim.<br />

Mais tarde, eu a levei para um restaurante ensolarado perto da água e nós seguramos as<br />

mãos por cima da mesa enquanto observávamos os barcos à vela se balançando gentilmente<br />

nas ondas. Perdidos um no outro, mal reparamos no garçom, que teve que vir à mesa três<br />

vezes antes de nós termos aberto nossos cardápios.<br />

Me maravilhei com a forma fácil com que Savannah mostrava suas emoções e a ternura<br />

de suas expressões enquanto eu contava a ela sobre meu pai. Quando ela me beijou depois,<br />

eu provei da doçura do seu hálito. Peguei a sua mão.<br />

"Eu vou casar com você, você sabe."<br />

"É uma promessa?"<br />

"Se você quiser que seja."<br />

"Bem, então você tem que prometer que voltará pra mim quando sair do exército. Não<br />

posso casar com você se você não estiver por perto."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"É um acordo."<br />

Mais tarde, passeamos pelos terrenos da Oswald Plantation, uma lindamente restaurada<br />

casa anterior a Guerra Civil que ostentava alguns dos mais belos jardins do estado.<br />

Conversamos pelos caminhos de cascalho, contornando grupos de flores silvestres que<br />

floresciam milhares de cores diferentes no calor preguiçoso do sul.<br />

"Que horas seu vôo sai amanhã?" ela perguntou. O sol começava sua desceida gradual<br />

no céu sem nuvens.<br />

"Cedo," eu disse. "Provavelmente estarei no aeroporto antes de você acordar."<br />

Ela assentiu. "E você vai passar a noite de hoje com seu pai, né?"<br />

"Foi o que eu estava planejando. Eu provavelmente não tenho passado tanto tempo com<br />

ele como eu deveria, mas tenho certeza que ele entenderia-"<br />

Ela balançou a cabeça para me parar. "Não, não mude seus planos. Eu quero que você<br />

passe um tempo com o seu pai. Esperava que você passasse. É por isso que estou com você<br />

hoje."<br />

Caminhamos pela extensão de um elaborado caminho alinhado por sebes. "Então o que<br />

você quer fazer?" perguntei. "Sobre nós, eu quero dizer."<br />

"Não vai ser fácil," ela disse.<br />

"Eu sei que não," eu disse. "Mas não quero que tudo isso acabe." Parei, sabendo que<br />

palavras não seriam suficientes. Em vez disso, por trás, escorreguei meus braços em volta<br />

dela e apertei seu corpo contra o meu. Beijei sei pescoço e sua orelha, saboreando sua pele<br />

aveludada. "Eu vou ligar pra você o máximo que puder, escreverei quando não puder ligar e


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

vou pedir outra licença no próximo ano. Onde quer que você esteja, é pra lá que eu vou."<br />

Ela se inclinou para trás, tentando pegar um vislumbre do meu rosto. "Você vai?"<br />

Apertei ela. "É claro. Quer dizer, não estou feliz em te deixar e queria mais que tudo<br />

que minha base fosse perto daqui, mas isso é tudo o que eu posso prometer nesse momento.<br />

Posso pedir uma transferência assim que voltar, e eu irei, mas você nunca sabe como essas<br />

coisas são."<br />

"Eu sei," ela murmurou. Por alguma razão, sua expressão séria me fez ficar nervoso.<br />

"Você vai me escrever?" perguntei.<br />

"Doh," ela brincou, e meu nervosismo desapareceu. "É claro que sim," ela disse<br />

sorrindo. "Como você pode ao menos se importa em perguntar? Eu vou escrever o tempo<br />

todo. E só pra você saber, eu escrevo as melhores cartas."<br />

"Eu não duvido."<br />

"To falando sério," ela disse. "Na minha família, é isso que nós fazemos todas as férias.<br />

Escrevemos cartas para as pessoas que gostamos muito. Contamos a eles o que significam<br />

pra nós e o quanto estamos ansiosos para vê-los novamente."<br />

Beijei seu pescoço novamente. "Então, o que eu significo pra você? E quanto você está<br />

ansiosa pra me ver novamente?"<br />

Ela se inclinou pra trás. "Você vai ter que ler minhas cartas."<br />

Eu ri, mas senti meu coração se partir. "Vou sentir sua falta," eu disse.


Dear John<br />

"Eu também."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Você não parece tão triste em relação à isso."<br />

"É por que eu já chorei, lembra? Além do mais, não é como se nós nunca fôssemos nos<br />

ver novamente. Foi isso que eu finalmente me dei conta. É, vai ser difícil, mas a vida passa<br />

rápido-nos veremos de novo. Eu sei disso. Posso sentir. Do mesmo modo que posso sentir o<br />

quanto você se importa comigo e o quanto eu amo você. Meu coração sabe que isto não<br />

acabou e que nós vamos superar isso. Muitos casais superam. Também, muitos casais não<br />

superam, mas eles não têm o que nós temos."<br />

simples.<br />

Eu queria acreditar nela. Queria mais que tudo, mas me perguntei se era assim tão<br />

Quando o sol desapareceu abaixo do horizonte, caminhamos de volta ao carro e eu a<br />

levei à casa da praia. Parei um pouco abaixo na rua para que ninguém na casa pudesse nos<br />

ver e quando saímos do carro, pus meus abraços em volta dela. Nos beijamos e eu a segurei<br />

perto de mim, sabendo de certeza que o próximo ano seria o mais longo da minha vida.<br />

Desejei fervorosamente que nunca tivesse me alistado que eu fosse um homem livre. Mas eu<br />

não era.<br />

"Eu provavelmente devo ir agora."<br />

prometi.<br />

Ela assentiu, começando a chorar. Senti um nó se formar em meu peito. "Vou escrever,"<br />

"Certo," ela disse. Limpou suas lágrimas e pegou sua bolsa. Tirou de lá uma caneta e<br />

um pequeno pedaço de papel. Começou a rabiscar. "Esse é meu telefone e meu endereço de<br />

casa, certo? E meu e-mail também."


Dear John<br />

Eu assenti.<br />

Nicholas Sparks<br />

"Lembre-se que eu vou mudar de dormitório no próximo ano, mas eu lhe digo o<br />

endereço assim que souber. Mas você sempre pode me alcançar pelos meus pais. Eles vão<br />

passar adiante qualquer coisa que você mandar."<br />

"Eu sei," eu disse. "Você ainda tem minhas informações, certo? Mesmo que eu vá pra<br />

um missão em algum lugar, as cartas chegam até mim. E-mail também. O exército é muito<br />

bom em arrumar computadores, mesmo que seja no meio do nada."<br />

Ela abraçou os braços como uma criança triste. "Me assusta," ela disse. "Você ser um<br />

soldado, quer dizer."<br />

"Eu vou ficar bem," assegurei.<br />

Abri a porta do carro, então peguei minha carteira. Coloquei o bilhete que ela rabiscou<br />

dentro, então abri meus braços novamente. Ela veio até mim e eu a segurei por um longo<br />

tempo, marcando a sensação do corpo dela contra o meu.<br />

envelope.<br />

Dessa vez foi ela que se afastou. Enfiou a mão na bolsa novamente e puxou um<br />

certo?"<br />

"Escrevi isso pra você ontem à noite. Pra você ter algo para ler no avião. Não leia até lá,<br />

Assenti e a beijei mais uma vez, então escorreguei para atrás do volante do carro.<br />

Liguei o carro e enquanto eu começava a andar ela gritou, "Mande um olá ao seu pai por<br />

mim. Diga a ele que eu posso aparecer algum dia nas próximas semanas, está bem?"<br />

Ela deu um passo para trás quando o carro começou a balançar. Eu ainda podia vê-la<br />

pelo espelho retrovisor. Pensei em parar. Meu pai entenderia. Ele sabia o quanto Savannah


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

significava pra mim e ele iria querer que nós tivéssemos uma última noite juntos. Mas<br />

continuei, vendo sua imagem no espelho ficar mais e menor, sentindo meu sonho ir embora.<br />

O jantar com meu pai foi mais quieto do que o normal. Não tive energia para tentar uma<br />

conversa e até meu pai se deu conta disso. Sentei na mesa enquanto ele cozinhava, mas ao<br />

invés de se focar na preparação, ele olhava em minha direção aqui e ali com uma<br />

preocupação muda em seus olhos. Me sobressaltei quando ele desligou o fogão e se<br />

aproximou de mim.<br />

Quando estava perto, ele colocou uma mão na minha costa. Não disse nada, mas não<br />

precisava. Eu sabia que ele entendia que eu estava sofrendo e ficou lá em pé sem se mexer,<br />

como se tentasse absorver minha dor na esperança de tirá-la de mim e fazê-la dele próprio.<br />

De manhã, meu pai me levou até o aeroporto e ficou ao meu lado no portão enquanto eu<br />

esperava meu vôo ser chamado. Quando chegou a hora eu levantei. Meu pai estendeu a mão;<br />

o abracei ao invés disso. Seu corpo estava rígido, mas não me importei. "Te amo, pai."<br />

"Também te amo, John."<br />

"Encontre algumas moedas boas, certo?" acrescentei, me separando dele. "Quero ouvir<br />

tudo sobre elas."<br />

Ele olhou para o chão. "Eu gosto de Savannah," ele disse. "Ela é uma boa garota."<br />

Veio do nada, mas era exatamente o que eu queria ouvir.<br />

No avião, eu sentei com a carta que Savannah tinha escrito para mim, segurando ela no<br />

meu colo. Embora eu quisesse abrir imediatamente, esperei até que tivéssemos decolado. Da<br />

janela eu podia ver a linha da costa e procurei primeiro pelo píer, depois pela casa. Me<br />

perguntei se ela ainda estaria dormindo, mas eu queria pensar que ela estava na praia<br />

esperando o avião passar. Quando estava pronto, abri o envelope. Nele ela tinha colocado


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

uma fotografia dela mesma, e eu subitamente desejei que eu tivesse deixado uma de mim<br />

com ela também. Encarei seu rosto por um longo tempo, depois a coloquei de lado. Dei um<br />

longo suspiro e comecei a ler.<br />

Querido John,<br />

Há tanto que eu quero dizer a você, mas eu não tenho certeza por<br />

onde devo começar. Eu deveria começar lhe dizendo que te amo? Ou que<br />

os dias que passei com você foram os melhores da minha vida? Ou que no<br />

pequeno tempo que eu conheço você, comecei a acreditar que nós fomos<br />

feitos para ficar juntos? Eu poderia dizer todas essas coisas, e seriam<br />

todas verdade, mas enquanto eu as releio, tudo o que eu posso pensar é<br />

que eu queria estar com você, segurando sua mão e observando seu<br />

sorriso indescritível.<br />

No futuro, eu sei que vou reviver nosso tempo juntos mil vezes.<br />

Ouvirei sua risada e verei seu rosto e sentirei seus braços ao meu redor.<br />

Vou sentir falta de tudo isso, mais do que você possa imaginar. Você é<br />

um raro cavalheiro, John, e eu dou grande valor a isso em você. Em todo<br />

o tempo que ficamos juntos, você nunca me pressionou para dormir com<br />

você e eu não posso lhe falar o quanto isso significou para mim. Fez o<br />

que nós tivemos parecer ainda mais especial e é assim que eu sempre<br />

quero me lembrar de meu tempo com você. Como uma pura luz branca,<br />

um suspiro em que eu possa me segurar.<br />

Pensarei em você todos os dias. Parte de mim está com medo de<br />

que chegue um tempo em que você não se sinta da mesma forma em


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

relação a mim, que você de alguma forma esqueça o que vivemos, então é<br />

isso que eu quero fazer. Onde quer que você esteja, não importa o que<br />

esteja acontecendo na sua vida, quando for a primeira noite de lua cheiacomo<br />

era na primeira vez que nos encontramos-quero que você a encontre<br />

no céu noturno. Quero que você pense em mim e na semana que<br />

compartilhamos, porque onde quer que eu esteja, não importa o que<br />

esteja acontecendo na minha vida, é exatamente isso o que eu farei. Se<br />

não podemos ficar juntos, pelo menos podemos compartilhar isso e, talvez<br />

entre nós dois, podemos fazer isso durar pra sempre.<br />

Eu te amo, John Tyree e irei me segurar à promessa que você um<br />

dia me fez. Se você voltar, eu caso com você. Se você quebrar sua<br />

promessa, quebrará meu coração.<br />

Com amor,<br />

Savannah.<br />

Além da janela e através das lágrimas nos meus olhos, eu podia ver uma camada de<br />

nuvens se espalhar abaixo de mim. Não tinha idéia de onde estávamos. Tudo o que eu sabia<br />

era que queria fazer a volta e voltar pra casa, estar no lugar onde eu deveria estar.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Parte II<br />

Doze<br />

Horas depois, naquela primeira noite sozinho de volta na Alemanha, li a carta<br />

novamente, revivendo o nosso tempo juntos. Foi fácil; aquelas memórias já tinham<br />

começado a me assombrar e algumas vezes pareciam mais reais do que a minha vida como<br />

soldado. Eu podia sentir a mão de Savannah na minha e a via sacudir a água do mar do seu<br />

cabelo. Ri alto ao relembrar minha surpresa quando ela pegou a primeira onda até a praia.<br />

Meu tempo com Savannah me mudou e os homens no meu esquadrão observaram a<br />

diferença. Durante as próximas semanas, meu amigo Tony me atormentou infinitamente,<br />

convencido de que ele finalmente tinha se provado certo sobre a importância da companhia<br />

feminina. Foi minha culpa por ter contado à ele sobre Savannah. Tony, no entanto, queria<br />

saber mais do que eu queria dizer. Enquanto eu lia, ele sentou na cadeira à minha frente,<br />

sorrindo como um idiota.<br />

"Me conte de novo sobre o seu romance selvagem das férias," ele disse.<br />

Me forcei a manter os olhos na página, fazendo o meu melhor para ignorá-lo.<br />

"Savannah, certo? Sa-Va-nnah. Droga, eu amo esse nome. Parece tão... delicado, mas eu<br />

aposto que ela era uma tigresa na cama, certo?"<br />

"Cala a boca, Tony."<br />

"Não me venha com essa. Não fui eu que ficou cuidando de você todo esse tempo? Lhe


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

dizendo que você tinha que sair? Você finalmente escutou e agora é a hora do pagamento.<br />

Quero os detalhes."<br />

"Não é da sua conta."<br />

"Mas você bebeu tequila, certo? Eu te disse que funciona toda vez."<br />

Eu não disse nada. Tony jogou suas mãos para o alto. "Ah, vai - isso você pode me<br />

falar, não pode?"<br />

"Eu não quero falar sobre isso."<br />

"Porque você está apaixonado? É, foi isso que você disse, mas eu estou começando a<br />

pensar que você está inventando tudo isso."<br />

"É isso mesmo. Eu inventei. Acabamos com isso?"<br />

amor."<br />

Ele balançou a cabeça e se levantou da cadeira. "Você é um cachorrinho doente de<br />

Eu não disse nada, mas enquanto ele ia embora, eu sabia que ele estava certo. Eu estava<br />

louco por Savannah. Teria feito qualquer coisa pra estar com ela e pedi transferência para os<br />

Estados Unidos.<br />

Meu oficial comandante linha dura apareceu para dar sérias considerações. Quando ele<br />

perguntou o porquê, eu lhe falei sobre meu pai ao invés de Savannah. Ele ouviu por um<br />

tempo, depois se encostou na cadeira e disse, "As probabilidades não são boas ao menos que<br />

a saúde do seu pai seja um problema." Saindo do seu escritório, eu sabia que não iria a<br />

nenhum lugar pelo menos pelos próximos seis meses. Não me importei em esconder minha<br />

decepção e na próxima vez que a lua estava cheia, deixei o quartel e caminhei até um dos


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

gramados que nós usávamos para jogos de futebol. Me deitei de costas e encarei a lua,<br />

lembrando de tudo e odiando o fato de que eu estava tão distante.<br />

Desde o começo, as ligações e cartas entre nós eram regulares. Nós também<br />

enviávamos e-mails, mas eu logo descobri que Savannah preferia escrever e ela queria que eu<br />

fizesse o mesmo. "Eu sei que não é tão rápido quanto e-mail, mas é disso que eu gosto," ela<br />

me escreveu. "Eu gosto da surpresa de achar uma carta na caixa do correio e da antecipação<br />

ansiosa que eu sinto quanto me preparo para abri-la. Gosto do fato de que eu posso levá-la<br />

comigo para ler no meu tempo livre e que eu posso me encostar numa árvore e sentir a brisa<br />

em meu rosto quando vejo suas palavras no papel. Gosto de imaginar como você estava<br />

enquanto escrevia: o que você estava usando, as coisas ao seu redor, o modo como você<br />

segurava a caneta. Eu sei que é clichê e está provavelmente errado, mas eu continuo<br />

pensando em você sentado em uma tenda numa mesa improvisada, com uma lâmpada à óleo<br />

queimando ao seu lado enquanto o vento sopra do lado de fora. É muito mais romântico do<br />

que ler algo na mesma máquina que você usa para baixar músicas ou fazer uma pesquisa."<br />

Eu sorri com isso. Ela estava, afinal, errada sobre a tenda e a mesa improvisada ou a<br />

lâmpada à óleo, mas eu tinha que admitir que era uma visão mais interessante do que a<br />

realidade da lâmpada fluorescente e a mesa feita pelo governo dentro do meu quartel de<br />

madeira.<br />

Enquanto os dias e semanas passavam, o meu amor por Savannah parecia crescer mais<br />

e mais. Algumas vezes eu escapava dos caras para ficar sozinho. Levava a foto de Savannah<br />

e a segurava perto, estudando cada característica. Era estranho, mas tanto quanto eu a amava<br />

e lembrava do nosso tempo juntos, descobri que enquanto o verão se tornava outono e depois<br />

mudava para o inverno, eu estava mais e mais agradecido pela fotografia. Sim, me convenci<br />

de que podia lembrar dela exatamente, mas quando era honesto comigo mesmo, sabia que<br />

estava perdendo os detalhes. Ou talvez, me dei conta, eu nunca os tivesse notado. Na foto,<br />

por exemplo, descobri que Savannah tinha uma pequena pinta abaixo de seu olho esquerdo,<br />

algo que eu, de alguma forma, não tinha notado. Ou que, de perto, seu sorriso era<br />

ligeiramente torto. Essas eram imperfeições que de alguma forma a faziam perfeita aos meus


Dear John<br />

olhos, mas odiei o fato de que eu tinha que usar a foto para os descobrir.<br />

Nicholas Sparks<br />

De algum modo, segui com a minha vida. Tanto quanto eu pensava em Savannah, tanto<br />

quanto eu sentia falta dela, tinha um trabalho a fazer. Começando em setembro-devido a uma<br />

série de circunstâncias que até o exército tinha problemas em explicar-meu batalhão e eu<br />

fomos enviados a Kosovo pela segunda vez para nos juntarmos à Primeira Divisão Blindada<br />

em outra missão de paz enquanto todos os outros da infantaria estavam sendo mandados de<br />

volta pra Alemanha. Estava relativamente calmo e eu não disparei minha arma, mas isso não<br />

significa que eu passei meus dias colhendo flores e sentindo falta de Savannah. Limpei<br />

minha arma, fiquei de guarda procurando por algum louco e quando você é forçado a ficar<br />

alerta por horas, fica cansado quando a noite cai. Eu posso dizer honestamente que poderia<br />

passar dois ou três dias sem me perguntar o que Savannah estava fazendo ou até mesmo<br />

pensar nela. Isso fazia do meu amor menos real? Me fiz essa pergunta dúzias de vezes<br />

durante a viagem, mas sempre decidia que não, pela simples razão de que sua imagem me<br />

emboscava quando eu menos esperava, me derrotava com a mesma dor que eu tinha sentido<br />

no dia em que parti. Qualquer coisa podia despertá-la: uma conversa com um amigo, a visão<br />

de duas mãos se segurando, ou até mesmo o modo que alguns moradores da aldeia sorriam<br />

quando passavam.<br />

As cartas de Savannah chegavam a cada dez dias mais ou menos e formavam uma pilha<br />

quando eu voltei pra Alemanha. Nenhuma era como a que eu li no avião; a maioria era casual<br />

e informal e ela guardou a verdade sobre seus sentimentos até o final. Nesse meio tempo, eu<br />

conheci os detalhes de sua vida diária: que eles tinham acabado a casa um pouco depois do<br />

previsto, o que tinha feito as coisas mais difíceis na construção da segunda casa. Pra essa,<br />

eles tiveram que trabalhar durante longas horas, mesmo que todos envolvidos tivessem se<br />

aperfeiçoado mais em suas tarefas. Soube que depois de completar a primeira casa, tinham<br />

dado uma grande festa pra toda a vizinhança e que tinham brindado e brindado noite à<br />

dentro. Soube que os trabalhadores tinham celebrado indo ao Shrimp Shack e que Tim tinha<br />

dito que tinha uma atmosfera melhor do que qualquer restaurante que ele já tivesse ido.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Soube que ela tinha pegado a maioria das aulas de outono com os professores que tinha<br />

re<strong>querido</strong> e que estava animada para ter aulas de psicologia adolescente com um Dr. Barnes,<br />

que tinha um grande artigo publicado em algum exótico jornal psicológico. Eu não precisava<br />

acreditar que Savannah pensava em mim toda vez que ela martelava um dedo ou ajudava a<br />

colocar uma janela no lugar, ou que no meio de uma conversa com Tim, ela iria sempre<br />

desejar que fosse comigo que estivesse conversando. Eu gostava de pensar que o que<br />

tínhamos era mais fundo do que isso, e com o tempo, essa crença fez meu amor por ela ficar<br />

ainda mais forte.<br />

Claro, eu queria saber que ela ainda se importava comigo, e nisso, Savannah nunca me<br />

decepcionou. Acho que foi essa a razão pela qual guardei cada carta que ela mandou. No fim<br />

de cada carta sempre havia algumas frases, talvez até um parágrafo, que ela escrevia algo que<br />

me fazia parar, palavras que me faziam lembrar e eu me pegava relendo passagens e tentando<br />

imaginar sua voz enquanto as lia. Como isso, da segunda carta que recebi:<br />

Quando penso em você e eu e no que nós compartilhamos, sei que seria fácil para<br />

outros desconsiderar nosso tempo juntos como um simples produto dos dias e noites<br />

passados à beira mar, uma "aventura amorosa" que, a longo prazo, não iria significar<br />

absolutamente nada. É por isso que eu não conto às pessoas sobre nós. Elas não<br />

entenderiam e eu não sinto necessidade de explicar, simplesmente porque meu coração sabe<br />

o quanto foi real. Quando penso em você, não posso evitar um sorriso, sabendo que você me<br />

completou de alguma forma. Eu te amo, não só por agora, e eu sonho com o dia em que você<br />

me pegará nos braços novamente.<br />

Ou isso, da carta que ela enviou depois de eu ter mandado uma foto minha:<br />

E finalmente, quero te agradecer pela foto. Já coloquei na minha carteira. Você parece<br />

saudável e feliz, mas eu tenho que lhe dizer que chorei quando a vi. Não porque eu fiquei<br />

triste, embora tenha ficado, sabendo que não o verei - mas porque me fez feliz. Me lembrou<br />

de que você é a melhor coisa que já aconteceu comigo.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

E isso, de uma carta que ela tinha escrito enquanto eu estava em Kosovo:<br />

Tenho que dizer que a sua última carta me preocupou. Quero saber, eu preciso saber,<br />

mas prendo a respiração e fico assustada por você quando você me conta como é realmente<br />

a sua vida. Aqui estou, me preparando para ir pra casa pra Ação de Graças e me<br />

preocupando com provas, e você está em algum lugar perigoso, rodeado de pessoas que<br />

querem te machucar. Eu só queria que essas pessoas pudessem te conhecer como eu te<br />

conheço, porque aí você estaria seguro. Exatamente como eu me sinto segura quando estou<br />

em seus braços.<br />

O Natal naquele ano foi um assunto triste, mas é sempre triste quando se está longe de<br />

casa. Não foi o meu primeiro Natal sozinho durante meus anos em serviço. Todo feriado era<br />

passado na Alemanha e alguns rapazes no nosso quartel tinham armado uma árvore<br />

improvisada - uma lona verde enrolada em uma vara e decorada com pisca-piscas. Mais da<br />

metade dos meus colegas tinham ido pra casa-eu era um dos desafortunados que tinham que<br />

ficar para o caso dos nossos amigos, os russos, colocasse na cabeça que nós ainda éramos<br />

inimigos e a maioria dos outros foram até a cidade celebrar a véspera de natal ficando<br />

bêbados com cerveja alemã de qualidade. Eu já tinha aberto o pacote que Savannah me<br />

mandou - um suéter que me lembrava alguma coisa que Tim vestiria e um pacote de biscoito<br />

caseiro - e sabia que ela já tinha recebido o perfume que eu a enviara. Mas eu estava sozinho<br />

e como um presente a mim mesmo, embarquei em uma cara ligação com Savannah. Ela não<br />

esperava a ligação e eu relembrei a excitação em sua voz por semanas depois disso.<br />

Acabamos falando por mais de uma hora. Tinha sentido falta do som da voz dela. Tinha<br />

esquecido seu sotaque instável e a nasalização que se tornava mais pronunciada quando ela<br />

começava a falar rápido. Me encostei em minha cadeira, imaginando que ela estava comigo e<br />

ouvindo enquanto ela descrevia a neve que caía. Ao mesmo tempo, me dei conta de que<br />

também nevava do lado de fora da minha janela, o que, mesmo que só por um instante, fez<br />

sentir como se estivéssemos juntos.<br />

Em janeiro de 2001, eu já tinha começado a contar os dias pra quando eu a veria


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

novamente. Minha licença de verão seria em junho, e eu estaria fora do exército em menos de<br />

um ano. Tinha acordado de manhã e literalmente dito a mim mesmo que faltavam 360 dias,<br />

depois 359 e 358 até eu sair fora, mas eu veria Savannah em 178, depois 177, 176 e assim<br />

por diante. Era tangível e real, perto o bastante para me permitir sonhar em me mudar para a<br />

Carolida do Norte; por outro lado, infelizmente fez o tempo ir mais devagar. Não é sempre<br />

assim quando você realmente quer alguma coisa? Me lembrou de quando eu era garoto e os<br />

longos dias enquanto eu esperava que chegassem as férias de verão. Se não fossem as cartas<br />

de Savannah, eu não tenho dúvida de que a espera teria sido muito maior.<br />

Meu pai também escreveu. Não com a freqüência de Savannah, mas na sua própria<br />

agenda mensal. Para minha surpresa, suas cartas eram duas ou três vezes mais longas do que<br />

a única página a que eu estava acostumado. As páginas adicionais eram exclusivamente sobre<br />

moedas. No meu tempo livre, eu visitava o centro de informática e fazia uma pequena<br />

pesquisa por conta própria. Procurava por certas moedas, coletava a história e mandava a<br />

informação de volta em uma carta minha. Juro, da primeira vez que fiz isso, acho que vi<br />

lágrimas na próxima carta que ele me mandou. Não, não realmente - sei que era só minha<br />

imaginação porque ele nunca nem mencionou o que eu tinha feito - mas eu queria acreditar<br />

que ele tinha estudado as informações com a mesma intensidade que costumava estudar o<br />

Greysheet.<br />

Em fevereiro, fui mandado em manobras com outras tropas da NATO*: um daqueles<br />

"exercícios de finja que nós estamos em uma batalha em 1944," onde nós estávamos<br />

supostamente enfrentando uma investida violenta de tanques pelo interior da Alemanha.<br />

Meio inútil, se você me perguntar. Esses tipos de guerra acabaram há muito tempo, acabaram<br />

o modo como os galões espanhóis explodiam seus canhões de curto alcance e a cavalaria dos<br />

E.U.A. voltando pra o resgate. Nos dias de hoje, eles nunca dizem quem são os inimigos,<br />

mas todos sabem que são os russos, o que faz ainda menos sentido, visto que eles devem ser<br />

os aliados agora. Mas mesmo que eles não fossem, o simples fato é que eles não têm mais<br />

todos aqueles tanques funcionando e mesmo se eles estivessem secretamente construindo<br />

milhares em alguma fábrica na Sibéria com a intenção de dominar a Europa, qualquer onda


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

antecipada de tanques seria mais provavelmente confrontada com ataques aéreos e nossas<br />

próprias divisões mecanizadas ao invés de com a infantaria. Mas o que eu sei, certo?<br />

*Sigla para Organização do Tratado do Atlântico Norte.<br />

O tempo estava muito ruim também, com um frio estranhamente raivoso vindo do<br />

ártico assim que as manobras começaram. Foi épico, com a neve, chuva com neve, granizo e<br />

ventos atingindo 80km/h, me fazendo pensar nas tropas de Napoleão na retirada de Moscou.<br />

Estava tão frio que formou gelo nas minhas sobrancelhas, doía respirar e meus dedos se<br />

grudariam ao cano da arma se eu a tocasse acidentalmente. Deu muito trabalho descolá-las e<br />

eu perdi um pedaço de pele na ponta dos dedos no processo. Mas eu mantive meu rosto<br />

coberto e minha mão de reserva depois disso e marchei pela lama congelada trazida pela<br />

chuva de neve sem fim, dando o meu melhor pra não me tornar uma estátua de gelo enquanto<br />

fingia lutar com o inimigo.<br />

Passamos dez dias fazendo isso. Metade dos meus homens se machucaram por causa do<br />

frio, a outra metade sofreu de hipotermia e quando nós terminamos, meu batalhão estava<br />

reduzido a apenas três ou quatro homens, os quais acabaram na enfermaria quando voltamos<br />

à base. Inclusive eu. Toda a experiência foi a coisa mais ridícula e idiota que o exército já me<br />

fez fazer. E isso é alguma coisa, porque eu já tinha feito muita coisa idiota pelo bom e velho<br />

Tio Sam e pelo Grande Vermelho. No fim, nosso comandante caminhou pelas alas da<br />

enfermaria, parabenizando meu batalhão por um trabalho bem feito. Eu queria dizer a ele que<br />

talvez nosso tempo fosse melhor gasto aprendendo táticas de guerra modernas ou, pelo<br />

menos, dando uma olhada no canal do tempo. Mas em vez disso ofereci uma saudação e um<br />

reconhecimento, sendo o bom cara do exército que eu era.<br />

Depois disso, passei os próximos meses monótonos na base.<br />

Claro, fizemos as aulas ocasionais de armas e navegação e de vez em quando eu ia até a<br />

cidade beber uma cerveja com os caras, mas pela maior parte do tempo eu levantei toneladas<br />

de peso, corri centenas de quilômetros e acabei com Tony todas as vezes que nós estávamos<br />

no ringue de boxe. A primavera na Alemanha não foi tão ruim quanto eu pensei que seria


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

depois do desastre que nós passamos nas manobras. A neve derreteu, as flores saíram e o ar<br />

começou a esquentar. Bem, não muito esquentar, mas subiu acima de congelante e isso era o<br />

bastante para a maioria dos meus colegas e eu vestirmos shorts e jogar Frisbee ou softball do<br />

lado de fora. Quando junho finalmente chegou, me peguei ficando nervoso pra voltar pra<br />

Carolina do Norte. Savannah já tinha se formado e já estava na escola de verão tendo aulas<br />

pra sua especialização, então eu planejei viajar até Chapel Hill. Teríamos duas semanas<br />

gloriosas juntos, até mesmo quando eu fosse ver meu pai em Wilmington, ela planejava vir<br />

comigo - e eu me peguei me sentindo alternadamente nervoso, animado e assustado com esse<br />

pensamento.<br />

Sim, tínhamos nos correspondido pelo correio e conversado pelo telefone. Sim, eu tinha<br />

saído pra olhar a lua na primeira noite da lua cheia e em suas cartas ela me disse que também<br />

tinha olhado. Mas eu não a tinha visto durante quase um ano e não tinha idéia de como ela<br />

reagiria quando estivéssemos cara-a-cara novamente. Ela correria para os meus braços<br />

quando eu saísse do avião, ou sua reação seria mais contida, talvez um beijo gentil na<br />

bochecha? Cairíamos em uma conversa fácil imediatamente ou ficaríamos conversando sobre<br />

o tempo e nos sentindo estranhos perto um do outro? Eu não sabia e ficava deitado acordado<br />

à noite imaginando milhares de cenários diferentes. Tony sabia pelo que eu estava passando,<br />

embora fosse esperto o bastante para não chamar muita atenção para isso. Ao invés disso,<br />

enquanto a data se aproximava, ele me deu um tapa nas costas.<br />

"Você vai vê-la logo," ele disse. "Está pronto para isso?"<br />

"Sim."<br />

Ele sorriu com afetação. "Não se esqueça de comprar tequila no caminho pra casa."<br />

Fiz uma careta e Tony riu.<br />

"Vai ficar tudo bem" ele disse."Ela te ama,cara.Ela tem que amar,considerando o quanto<br />

você a ama."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Treze<br />

Em junho de 2001, me deram licença e eu fui para casa imediatamente, voando de<br />

Frankfurt à Nova York, e depois para Raleigh. Era uma noite de sexta e Savannah havia<br />

prometido que me pegaria no aeroporto antes de me levar para Lenoir para conhecer seus<br />

pais. Ela me lançou essa surpresinha um dia antes do meu vôo. Veja, eu não tinha nada contra<br />

conhecer seus pais. Tinha certeza que eles eram pessoas maravilhosas e tudo, mas se fosse<br />

por mim, preferiria ter Savannah toda para mim pelo menos pelos primeiros dias. É meio que<br />

difícil compensar o tempo perdido com pais por perto. Mesmo que nós não fôssemos além - e<br />

conhecendo Savannah, eu tinha certeza que nós não iríamos, mas ainda assim cruzava os<br />

dedos - como os pais dela me tratariam se eu ficasse com a filha deles até altas horas, mesmo<br />

que tudo o que fizéssemos fosse nos deitar embaixo das estrelas? Certamente ela era uma<br />

adulta, mas pais eram engraçados quando se tratava de seus próprios filhos, e eu não tinha<br />

ilusões de que eles seriam compreensivos sobre a coisa toda. Ela sempre seria a garotinha<br />

deles, se você entende o que quero dizer.<br />

Mas Savannah tinha uma razão quando me explicou. Eu tinha dois finais de semana<br />

livres e se eu planejava ver meu pai no segundo fim de semana, eu tinha que ver os dela no<br />

primeiro fim de semana. Além disso, ela estava tão animada com isso que tudo o que eu pude<br />

dizer foi que estava ansioso para conhecê-los. Ainda assim, me perguntei se eu seria capaz de<br />

até mesmo segurar sua mão, e especulei se poderia convencê-la a fazer um pequeno desvio<br />

no caminho até Lenoir.<br />

Assim que o avião pousou, minha expectativa cresceu e pude sentir meu coração<br />

estrondando. Mas eu não sabia como agir. Eu deveria correr para ela assim que a visse ou<br />

andar casualmente, calmo e sob controle? Eu ainda não tinha certeza, mas antes que eu<br />

pudesse insistir nisso, estava na esteira, subindo o corredor. Lancei minha bolsa-sacola sobre


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

os ombros enquanto saía na rampa que dava acesso ao terminal. Eu não a vi a princípio -<br />

muitas pessoas circulando. Quando examinei a área uma segunda vez, a vi à esquerda e me<br />

dei conta instantaneamente que todas as minhas preocupações eram sem sentido, ela me viu e<br />

veio correndo a toda. Mal tive tempo de soltar minha bolsa sacola antes que ela pulasse nos<br />

meus braços, e o beijo que se seguiu foi como nosso próprio reino mágico, completo com sua<br />

língua e geografia especiais, mitos fabulosos e maravilhas pelos tempos. E quando ela se<br />

afastou e murmurou, "Senti tanto a sua falta," eu senti como se tivesse sido colado<br />

novamente depois de passar um ano cortado em dois.<br />

Não sei quanto tempo ficamos em pé abraçados, mas quando finalmente começamos a<br />

nos mover em direção a esteira de bagagens, deslizei minha mão dentro da dela sabendo que<br />

a amava não apenas mais do que a última vez que a tinha visto, mas mais do que eu algum<br />

dia poderia amar alguém.<br />

No caminho falamos facilmente, mas fizemos um pequeno desvio. Depois de parar no<br />

acostamento, nos agarramos como adolescentes. Foi ótimo - vamos deixar assim-e algumas<br />

horas depois, chegamos à casa dela. Seus pais estavam esperando na varanda de uma<br />

elegante casa Vitoriana. Me surpreendendo, a mãe dela me abraçou assim que eu cheguei<br />

perto, depois me ofereceu uma cerveja. Recusei, principalmente por que sabia que seria o<br />

único bebendo, mas gostei do esforço. A mãe de Savannah, Jill, era muito parecida com<br />

Savannah: amigável, aberta e muito mais esperta do que parecia. O pai dela era exatamente o<br />

mesmo e me diverti os visitando. Não doeu que Savannah tenha segurado minha mão todo o<br />

tempo e parecia completamente à vontade. No fim da noite, fomos caminhar à luz da lua.<br />

Quando voltamos à casa, parecia quase como se nunca tivéssemos nos separado.<br />

Não preciso nem dizer que dormi no quarto de hóspedes. Não esperava que fosse de<br />

outra forma, e o quarto era muito melhor que a maioria dos lugares que eu havia ficado, com<br />

mobília clássica e um colchão confortável. O ar estava abafado porém, e eu abri a janela,<br />

esperando que o ar da montanha trouxesse um frescor. Tinha sido um longo dia-eu ainda<br />

estava com o horário da Alemanha - e peguei no sono imediatamente, só pra acordar uma<br />

hora depois quando ouvi minha porta abrir rangendo. Savannah, vestindo confortáveis


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

pijamas de algodão e meias, fechou a porta atrás de si e andou em direção a cama, na ponta<br />

dos pés.<br />

Ela colocou um dedo na frente dos lábios pra me manter calado. "Meus pais me<br />

matariam se soubessem que eu estou fazendo isso," ela murmurou. Se arrastou para a cama<br />

ao meu lado e ajeitou as cobertas, as puxando até o pescoço como se estivesse acampando no<br />

ártico. Coloquei meus braços ao redor dela, amando a sensação do seu corpo contra o meu.<br />

Nos beijamos e rimos por quase toda a noite, então ela se esgueirou de volta ao seu<br />

quarto. Adormeci novamente, provavelmente antes que ela alcançasse seu quarto e acordei<br />

com a visão da luz do sol jorrando da janela. O cheiro do café da manhã entrando no quarto e<br />

eu vesti rapidamente uma camisa e uma calça jeans e desci até a cozinha. Savannah estava na<br />

mesa, falando com sua mãe enquanto seu pai lia o jornal e eu senti o peso da presença deles<br />

quando entrei.<br />

Me sentei na mesa, e a mãe de Savannah me serviu uma xícara de café antes de colocar<br />

um prato de ovos com bacon na minha frente. Savannah, que estava sentada à minha frente já<br />

tomada banho e vestida, estava muito feliz e impossivelmente bonita na luz macia da manhã.<br />

"Dormiu bem?" ela perguntou, seus olhando brilhando travessos. Eu assenti.<br />

"Na verdade, eu tive o sonho mais maravilhoso," eu disse.<br />

"Oh?" a mãe dela perguntou. "Sobre o que foi?"<br />

Senti Savannah me chutar embaixo da mesa. Ela sacudiu a cabeça quase<br />

imperceptivelmente. Tenho que admitir que adorei a visão de Savannah se envergonhando,<br />

mas era o bastante. Fingi me concentrar. "Não consigo me lembrar agora," eu disse.<br />

"Odeio quando isso acontece," sua mão disse. "O café está bom?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Está ótimo," eu disse. "Obrigada." Olhei para Savannah. "Qual é a agenda de hoje?"<br />

gostaria?"<br />

Ela se inclinou por cima da mesa. "Pensei que nós podíamos ir cavalgar. Acha que você<br />

Quando eu hesitei, ela riu. "Você vai ficar bem," ela acrescentou. "Prometo."<br />

"É fácil pra você falar."<br />

Ela montou Midas; pra mim ela sugeriu um cavalo chamado Pepper, que seu pai<br />

montava geralmente. Passamos a maior parte do dia subindo por trilhas, galopando por<br />

campos abertos e explorando essa parte do mundo dela. Ela preparou um almoço de<br />

piquenique e comemos em um lugar que tinha vista de toda Lenoir. Ela apontou escolas que<br />

frequentou e casas de pessoas que ela conhecia. Me ocorreu que ela não apenas amava o<br />

lugar como nunca iria querer viver em outro lugar.<br />

Passamos seis ou sete horas nas selas e fiz o meu melhor para acompanhar Savannah,<br />

embora isso fosse perto de impossível. Não acabei com minha cara na terra, mas houve<br />

alguns momentos perigosos aqui e ali quando Pepper se comportou mal e levei tudo o que eu<br />

tinha pra me segurar. Não foi até Savannah e eu nos aprontarmos para o jantar que eu me dei<br />

conta no que tinha me metido, contudo. Pouco a pouco, comecei a me dar conta que a minha<br />

caminhada lembrava o andar de um animal de quatro patas. Os músculos anteriores das<br />

minhas pernas estavam como se Tony tivesse batido neles por horas.<br />

No sábado á noite, Savannah eu fomos jantar num aconchegante restaurante italiano.<br />

Depois disso, ela sugeriu que fôssemos dançar, mas aí eu mal podia me mover. Enquanto eu<br />

mancava em direção ao carro, ela adotou uma expressão preocupada e esticou o braço para<br />

me parar.<br />

Se inclinando ela agarrou minha perna. "Dói quando eu aperto aqui?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu pulei e gritei. Por alguma razão, ela achou divertido.<br />

"Por que você fez isso? Doeu!"<br />

Ela sorriu. "Estava só checando?"<br />

"Checando o que? Eu já lhe disse-estou inflamado."<br />

"Eu só queria ver se a pequena eu podia fazer um cara do exército grande e duro como<br />

você gritar."<br />

Esfreguei minha perna. "É, bem, não vamos mais testar isso, certo?"<br />

"Certo," ela disse. "Eu sinto muito."<br />

"Você não parece sentir."<br />

"Bem, eu sinto," ela disse. "Mas é meio que engraçado, não acha? Quer dizer, eu montei<br />

o mesmo tempo que você e eu, estou bem."<br />

"Você monta o tempo todo."<br />

"Eu não montava a mais de um mês."<br />

"É, bem."<br />

"Vamos lá. Admita. Foi engraçado, não foi?"<br />

"Nem um pouco."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

No domingo, fomos à igreja com a família dela. Eu estava muito inflamado pra fazer<br />

mais alguma coisa pelo resto do dia, então eu fiquei no sofá e assisti a uma partida de<br />

baseball com o pai dela. A mãe de Savannah trouxe sanduíches e eu passei a tarde<br />

estremecendo toda vez que tentava ficar confortável enquanto o jogo tinha entradas extras. O<br />

pai dela era fácil de conversar e a conversa flutuou da vida no exército para ensinar algumas<br />

das crianças que ele treinava e suas esperanças para o futuro delas. Gostei dele. Do meu<br />

lugar, eu podia ouvir Savannah e sua mãe conversando na cozinha, e de vez em quando<br />

Savannah vinha até a sala com uma cesta de roupas para dobrar enquanto sua mãe colocava<br />

outra carga na máquina de lavar. Embora tecnicamente fosse uma universitária formada e<br />

adulta, ela ainda trazia suas roupas sujas para a mãe lavar.<br />

Naquela noite, dirigimos de volta à Chapel Hill e Savannah me mostrou seu<br />

apartamento. Era escasso no departamento de móveis, mas era relativamente novo e tinha<br />

uma lareira a gás e uma varanda que tinha vista para o campus. Apesar do clima ameno, ela<br />

acendeu a lareira e lanchamos queijo e bolachas, o que, tirando cereal, era tudo que ela tinha<br />

para oferecer. Pareceu indescritivelmente romântico para mim. Conversamos até quase meianoite,<br />

mas Savannah estava mais quieta do que o normal. Algum tempo depois, ela caminhou<br />

até o quarto. Quando ela não voltou, fui encontrá-la. Estava sentada na cama, e eu parei na<br />

porta.<br />

Ela apertou as duas mãos e deu um longo suspiro. "Então...," ela começou.<br />

"Então...," eu respondi quando ela permaneceu em silêncio.<br />

Ela deu outro longo suspiro. "Está ficando tarde. E eu tenho aula cedo amanhã."<br />

Assenti. "Você deveria ir dormir."<br />

"É" ela disse. Assentiu como se não tivesse considerado isso e se virou para a janela.<br />

Pelas persianas eu podia ver raios de luz jorrando do estacionamento. Ela ficava fofa quando<br />

estava nervosa.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Então...," ela disse novamente, como se falasse com a parede.<br />

Levantei minhas mãos. "Por que eu não durmo no sofá?"<br />

"Você não se importa?"<br />

"Nem um pouco," eu disse. Na verdade, não era o que eu preferia, mas eu entendi.<br />

Ainda olhando pela janela, ela não se moveu para levantar.<br />

"Eu só não estou pronta," ela disse, sua voz suave. "Quer dizer, eu pensei que estava e<br />

uma parte de mim realmente quer isso. Tenho pensado sobre isso pelas últimas semanas e me<br />

decidi, e parecia certo, sabe? Eu te amo e você me ama, e é isso que as pessoas fazem quando<br />

estão apaixonadas. Era fácil dizer isso a mim mesma quando você não estava aqui, mas<br />

agora..." ela parou de falar.<br />

"Tudo bem," eu disse.<br />

Finalmente ela se virou pra mim. "Você estava com medo? Na sua primeira vez?"<br />

Me perguntei qual a melhor maneira de responder isso. "Acho que é diferente para<br />

homens e mulheres," eu disse.<br />

"É. Acho que sim." Ela fingiu ajeitar os cobertores. "Você está com raiva?"<br />

"Nem um pouco."<br />

"Mas está decepcionado."<br />

"Bem..." eu admiti e ela riu.


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Nicholas Sparks<br />

"Desculpe," ela disse.<br />

"Não há razão para se desculpar."<br />

Ela pensou nisso. "Então por que eu sinto como se tivesse que me desculpar?"<br />

"Bem, eu sou um soldado solitário," afirmei e ela riu novamente. Eu ainda podia ouvir<br />

o nervosismo nela.<br />

"O sofá não é muito confortável," ela se preocupou. "E é pequeno. Você não vai poder<br />

se esticar. E eu não tenho cobertores extras. Eu devia ter trazido alguns de casa, mas<br />

esqueci."<br />

"Isso é um problema."<br />

"É," ela disse. Eu esperei.<br />

"Acho que você poderia dormir comigo," ela arriscou.<br />

Esperei um momento que ela continuasse seu próprio debate interno. Finalmente ela<br />

deu de ombros. "Quer tentar? Só dormir, eu quero dizer?"<br />

"O que você quiser."<br />

Pela primeira vez, seus ombros relaxaram. "Certo, então. Decidimos. Só me dê um<br />

minuto para me trocar."<br />

Ela se levantou da cama, cruzou o quarto e abriu uma gaveta. O pijama que ela<br />

escolheu era parecido com o que ela tinha escolhido na casa dos pais e eu a deixei para voltar<br />

à sala, onde eu vesti um dos meus shorts de malhar e uma camisa. Quando retornei, ela já


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

estava embaixo dos cobertores. Fui para o outro lado e me arrastei para o seu lado. Ela<br />

ajeitou os cobertores antes de desligar a luz, depois deitou de volta, encarando o teto.<br />

Deitei de lado, a olhando. "Boa noite," ela murmurou.<br />

"Boa noite."<br />

Eu sabia que não dormiria. Não por um tempo de qualquer forma. Eu estava muito...<br />

incitado pra isso. Mas eu não queria ficar me remexendo, caso ela pudesse.<br />

"Ei," ela finalmente sussurrou de novo.<br />

"Sim?"<br />

Ela se virou para me encarar. "Eu só quero que você saiba que essa é a primeira vez que<br />

eu dormi com um homem. A noite toda, eu quero dizer. É um passo adiante, certo?"<br />

"É," eu disse. "É um passo adiante."<br />

Ela acariciou meu braço. "E agora se alguém perguntar, você vai poder dizer que nós<br />

dormimos juntos."<br />

"Verdade," eu disse.<br />

"Mas você não vai dizer a ninguém, vai? Quer dizer, eu não quero ficar com uma<br />

reputação, você sabe."<br />

Eu sufoquei uma risada. "Vai ser nosso segredinho."<br />

Os próximos dias caíram para um padrão relaxado e fácil. Savannah tinha aulas pela


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

manhã e geralmente acabava um pouco antes do almoço. Teoricamente, acho que me deu a<br />

oportunidade de dormir até tarde - algo que todo soldado sonha quando falam em sair de<br />

licença - mas anos de acordar antes do amanhecer era um hábito impossível de quebrar. Ao<br />

invés disso, eu acordava antes dela e fazia um bule de café antes de ir até à esquina pegar o<br />

jornal. Ocasionalmente, comprava alguns bagels ou croissants; outras vezes, nós<br />

simplesmente comíamos cereal em casa, e era fácil visualizar a nossa pequena rotina como<br />

uma prévia dos primeiros anos da nossa futura vida juntos, Um êxtase sem esforço que era<br />

quase bom demais pra ser verdade.<br />

Ou, pelo menos, eu tentei me convencer disso. Quando ficamos com seus pais,<br />

Savannah era exatamente a garota de quem eu lembrava. A mesma coisa na nossa primeira<br />

noite sozinhos. Mas depois disso... comecei a notar diferenças. Acho que eu não tinha me<br />

dado conta de que ela estava vivendo uma vida que parecia completa e realizada, mesmo sem<br />

mim. O calendário que ela mantinha na porta da geladeira listava algo para fazer todo dia:<br />

shows, palestras, meia dúzia de festas de vários amigos. Tim, eu notei, estava marcado para o<br />

almoço ocasional também. Ela estava pagando quatro cadeiras e ensinava outra como<br />

monitora e nas tardes de quinta, ela trabalhava com um professor no estudo de um caso que<br />

ela tinha certeza que seria publicado. Sua vida era exatamente do modo como ela descreveu<br />

nas cartas e quando retornava ao apartamento, ela me contava sobre o seu dia enquanto fazia<br />

algo para comer na cozinha. Ela amava o trabalho que estava fazendo e o orgulho no seu tom<br />

era evidente. Falava animadamente enquanto eu escutava e fazia perguntas suficientes para<br />

manter o fluxo da conversa.<br />

Nada anormal nisso, eu admiti. Eu sabia o bastante para me dar conta de que seria um<br />

problema maior se ela não dissesse nada sobre o seu dia. Mas a cada nova história me faz<br />

sentir naufragar,que me fazia pensar que não importava que nós mantivéssemos contato, não<br />

importava que nos importássemos um com o outro, ela e eu tomamos caminhos contrários.<br />

Desde a última vez que eu a tinha visto, ela havia completado sua graduação, lançado o<br />

capelo* para o alto na formatura, encontrado trabalho como assistente graduada, se mudado e<br />

mobiliado seu próprio apartamento. Sua vida havia entrado em uma nova fase, e enquanto eu<br />

achava possível dizer a mesma coisa sobre mim, um fato simples era que nada tinha mudado


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

muito na minha vida, a menos que você conte o fato que agora eu sei como montar e<br />

desmontar oito tipos de armas ao invés de seis e aumentei meu levantamento de peso em<br />

mais 13 quilos. E, é claro, eu havia feito minha parte dando aos russos algo para pensar se<br />

eles estivessem debatendo se deveriam ou não invadir a Alemanha com dúzias de divisões<br />

mecanizadas.<br />

*Chapéu de formatura.<br />

Não me entenda mal. Eu ainda estava louco por Savannah e havia momentos em que eu<br />

ainda sentia a força dos seus sentimentos por mim. Muitos momentos, de fato. Na maior<br />

parte, foi uma semana maravilhosa. Enquanto ela estava fora, eu caminhava pelo campus ou<br />

corria pela pista perto da casa de campo, aproveitando meu merecido tempo relaxado. Dentro<br />

de um dia eu achei uma academia que me permitia malhar pelo tempo que eu estivesse lá e<br />

porque eu estava de licença eles nem me cobraram nada. Eu geralmente tinha acabado de<br />

malhar e tomar banho na hora que Savannah voltava e nós passávamos o resto da tarde<br />

juntos. Na terça à noite nos juntamos a um grupo de colegas de classe dela para jantar no<br />

centro de Chapel Hill. Foi mais divertido do que eu pensei que seria, especialmente<br />

considerando que eu estava saindo com um grupo de caras da aeronáutica de escola de<br />

veraneio e a maior parte da conversa foi centrada em psicologia de adolescentes. Na quarta à<br />

tarde, Savannah me deu um tour das suas aulas e me apresentou aos professores. Mais tarde<br />

naquela tarde, nos encontramos com algumas pessoas as quais eu havia sido apresentado na<br />

noite anterior. Naquela noite, compramos comida chinesa e comemos na mesa do<br />

apartamento dela. Ela estava vestindo uma daquelas blusas de alças, que acentuavam seu<br />

bronzeado e tudo o que eu podia pensar era que ela era a mulher mais sexy que eu já havia<br />

visto.<br />

Na quinta, eu queria passar algum tempo sozinho com ela e decidi surpreendê-la com<br />

uma noite fora especial. Enquanto ela estava em aula e trabalhando no estudo do caso, eu fui<br />

ao shopping e gastei uma pequena fortuna em um terno e outra pequena fortuna em um par<br />

de sapatos. Eu queria vê-la vestida formalmente e fiz reservas nesse restaurante que o<br />

vendedor de sapatos tinha me dito que era o melhor da cidade. Cinco estrelas, menu exótico,


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

garçons vestidos impecavelmente, a coisa toda. Certamente eu não contei a Savannah sobre<br />

isso de antemão - deveria ser uma surpresa afinal de contas - mas assim que ela passou pela<br />

porta, eu descobri que ela já havia feito planos para passar outra noite com os mesmo amigos<br />

que nós havíamos visto nos últimos dias. Ela parecia tão animada que eu nunca me<br />

incomodei em contá-la o que eu havia planejado.<br />

Ainda assim, eu não estava apenas decepcionado, estava com raiva. Ao meu ver, eu<br />

estava mais do que feliz em passar uma noite com seus amigos, até mesmo uma noite<br />

adicional. Mas quase todo dia? Depois de um ano separados, onde nós tivemos tão pouco<br />

tempo juntos? Me incomodava que ela não parecia compartilhar do mesmo desejo. Pelos<br />

últimos meses eu havia imaginado que nós passaríamos o máximo de tempo juntos que<br />

pudéssemos, compensando o ano que passamos separados. Mas eu estava chegando à<br />

conclusão de que estava errado. O que significava... o que?<br />

Que eu não era tão importante para ela como ela era pra mim? Eu não sabia, mas dado o<br />

meu humor, eu provavelmente deveria ter ficado no apartamento e a deixado ir sozinha. Em<br />

vez disso, sentei afastado, me recusei a tomar parte na conversa e praticamente desviei o<br />

olhar de todos que olhavam na minha direção. Tinha ficado bom em intimidação com o<br />

passar dos anos e eu estava em uma forma rara naquela noite. Savannah sabia que eu estava<br />

com raiva, mas toda vez que ela perguntava se alguma coisa estava me incomodando, eu<br />

estava no meu melhor modo passivo-agressivo de negar que alguma coisa estava errada.<br />

"Só estou cansado," eu disse.<br />

Ela tentou melhorar as coisas, admito. Ela segurava minha mão aqui e ali e me dava um<br />

rápido sorriso quando achava que eu o veria, e me encheu de refrigerante e batatas fritas.<br />

Depois de um tempo, contudo, ela se cansou da minha atitude e desistiu.<br />

Não que eu a culpe. Eu tinha merecido e de alguma forma o fato de que ela tinha<br />

começado a ficar com raiva de mim me deixou enrubescer com isso, ao invés de sentir<br />

satisfação. Nós mal nos falamos no caminho para casa e quando fomos para cama, dormimos


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

em lados opostos do colchão. Pela manhã eu já tinha deixado pra lá, pronto para seguir em<br />

frente. Infelizmente, ela não.<br />

Enquanto eu estava fora pegando o jornal, ela deixou o apartamento sem tocar no café e<br />

eu acabei bebendo meu café sozinho.<br />

Eu sabia que tinha ido longe demais e planejei compensá-la assim que ela voltasse pra<br />

casa. Queria deixar claras as minhas preocupações, contá-la sobre o jantar que eu havia<br />

preparado e me desculpar pelo meu comportamento. Presumi que ela entenderia.<br />

Colocaríamos tudo para trás com um romântico jantar fora. Era o que eu achava que<br />

precisávamos, visto que íamos para Wilmington no dia seguinte para passar o fim de semana<br />

com o meu pai.<br />

Acredite ou não, eu queria vê-lo e assumi que ele estava ansioso para a minha visita<br />

também, do seu próprio modo. Diferente de Savannah, meu pai se superava em se tratando<br />

de expectativas. Pode não ter sido justo, mas Savannah tinha um papel diferente na minha<br />

vida naquela época. Balancei a cabeça. Savannah. Sempre Savannah. Tudo nessa viagem,<br />

tudo na minha vida, me dei conta, sempre tinha a ver com ela.<br />

À uma hora, eu tinha acabado de malhar, tomado banho, arrumado a maioria das<br />

minhas coisas e ligado para o restaurante para renovar minha reserva. Eu sabia da agenda de<br />

Savannah àquela altura e presumi que ela estaria chegando a qualquer minuto. Sem mais<br />

nada pra fazer, sentei no sofá e liguei a televisão. Programas de jogos, séries, programas de<br />

vendas e entrevistas eram entremeados com comerciais de advogados oportunistas. O tempo<br />

se arrastou enquanto eu esperava. Eu continuava andando até o pátio para olhar a vaga dela<br />

no estacionamento e chequei meu equipamento três ou quatro vezes. Savannah, eu pensei,<br />

estava certamente no caminho de casa, e eu me ocupei limpando a lava-louças. Alguns<br />

minutos depois, escovei meus dentes pela segunda vez, então olhei pela janela mais uma vez.<br />

Ainda sem Savannah. Liguei o rádio, ouvi algumas músicas e mudei de estação seis ou sete<br />

vezes antes de desligá-lo. Caminhei até o pátio novamente. Nada. Nessa hora, já eram quase


Dear John<br />

duas.<br />

Nicholas Sparks<br />

Me perguntei onde ela estaria, senti os resquícios da raiva crescendo novamente, mas os<br />

forcei a se afastar. Disse a mim mesmo que ela provavelmente teria uma explicação válida e<br />

repeti de novo quando esse argumento não se segurou. Abri minha bolsa e tirei de lá o último<br />

livro de Stephen King. Enchi um copo com água gelada, me acomodei no sofá, mas quando<br />

me dei conta de que estava lendo a mesma frase de novo, e de novo, coloquei o livro de lado.<br />

Outros quinze minutos se passaram. Depois trinta. Na hora que eu ouvi o carro de<br />

Savannah estacionando, minha mandíbula estava apertada e eu estava rangendo os dentes. Às<br />

três e quinze, ela empurrou a porta. Estava toda sorrisos, como se nada estivesse errado.<br />

"Oi, John," ela falou. Foi até a mesa e começou a desfazer sua bolsa. "Desculpe o<br />

atraso, mas depois da minha aula, uma estudante apareceu para me contar que ela tinha<br />

amado a minha aula e que por causa de mim ela queria se especializar em educação especial.<br />

Dá pra acreditar nisso? Ela queria dicas sobre o que fazer, que cadeiras pagar, quais<br />

professores eram os melhores... e o modo como ela ouviu minhas respostas..." Savannah<br />

sacudiu a cabeça. "Foi tão... recompensador. O modo como essa garota estava se segurando a<br />

tudo que eu dizia... bem, me faz sentir como se eu realmente estivesse fazendo a diferença<br />

para alguém. Você ouve professores falando sobre experiências como essa, mas eu nunca<br />

imaginei que aconteceria comigo."<br />

Forcei um sorriso e ela o tomou como um sinal para continuar.<br />

"De qualquer forma, ela perguntou se eu tinha algum tempo pra discutir isso e mesmo<br />

eu dizendo a ela que só tinha alguns minutos, uma coisa levou à outra e nós acabamos indo<br />

almoçar. Ela é mesmo especial, tem só dezessete anos mas se formou um ano mais cedo no<br />

ensino médio. Ela passou em algumas provas especiais, então ela já está no segundo ano da<br />

faculdade e vai pra escola de verão pra ir ainda mais longe. É impossível não admirá-la."


Dear John<br />

disse.<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela queria coro pra seu entusiasmo, mas eu não pude reuní-lo. "Ela parece ótima," eu<br />

Com a minha resposta, Savannah parecia realmente olhar pra mim pela primeira vez e<br />

eu não fiz nenhum esforço para esconder meus sentimentos.<br />

"O que há de errado?" ela perguntou.<br />

"Nada," eu menti.<br />

Ela colocou a bolsa de lado com um suspiro desgostoso. "Você não quer falar sobre<br />

isso? Ótimo. Mas você deveria saber que isso está ficando um pouco cansativo."<br />

"O que isso quer dizer?"<br />

Ela virou em minha direção. "Isso! O modo como você está agindo," ela disse. "Você<br />

não é tão difícil de interpretar, John. Você está com raiva mas não quer me dizer o porquê."<br />

Hesitei, ficando na defensiva. Quando finalmente falei, me forcei a manter a voz firme.<br />

"Certo," eu disse, "Eu achei que você estaria em casa horas atrás..."<br />

Ela ergueu os braços. "É por causa disso? Eu já te expliquei. Acredite ou não, eu tenho<br />

responsabilidades agora. E se eu não estou errada, eu me desculpei pelo atraso assim que<br />

passei pela porta."<br />

"Eu sei, mas..."<br />

"Mas o que? Minhas desculpas não foram boas o bastante?"<br />

"Eu não disse isso."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Então o que é?"<br />

Quando eu não pude achar as palavras, ela colocou as mãos nos quadris. "Você quer<br />

saber o que eu acho? Você ainda está zangado por causa de ontem à noite. Mas me deixe<br />

adivinhar - você também não quer falar sobre isso, certo?"<br />

Fechei meus olhos. "Ontem à noite você-"<br />

"Eu?" ela me interrompei e começou a sacudir a cabeça. "Ah, não, não me culpe por<br />

isso! Eu não fiz nada de errado. Não fui eu quem começou isso! Ontem à noite poderia ter<br />

sido divertido-teria sido divertido - mas você tinha que ficar lá sentado como se quisesse<br />

atirar em alguém."<br />

calado.<br />

Ela estava exagerando. Ou, novamente, talvez não. De qualquer forma, permaneci<br />

Ela continuou. "Sabia que eu tive que inventar desculpas pra você hoje? E como isso<br />

me fez sentir? Ali estava eu, soltando elogios pra você durante todo o ano, contando aos<br />

meus amigos que cara legal você era, o quão maturo você era, o quanto eu estou orgulhosa<br />

do trabalho que você está fazendo. E eles acabaram vendo um lado seu que nem mesmo eu<br />

tinha visto antes. Você foi... grosseiro."<br />

"Você já pensou que eu podia estar agindo daquela maneira porque não queria estar lá?"<br />

Isso a fez parar, mas só por um instante. Ela cruzou os braços. "Talvez o modo como<br />

você agiu ontem à noite foi a razão para eu me atrasar hoje."<br />

Sua afirmação me pegou de guarda baixa. Eu não tinha considerado isso, mas não era<br />

essa a questão.


Dear John<br />

"Sinto muito pela noite passada-"<br />

Nicholas Sparks<br />

"Você deve sentir!" ela gritou, me interrompendo novamente. "Eram meus amigos!"<br />

"Eu sei que eram seus amigos!" falei bruscamente, me levantando do sofá. "Estivemos<br />

com eles a semana toda!"<br />

"O que isso quer dizer?"<br />

"O que eu disse. Talvez eu quisesse ficar sozinho com você. Já pensou nisso?"<br />

"Você queria ficar sozinho comigo?" ela exigiu. "Bem, deixa eu te dizer, você não está<br />

agindo como se quisesse. Estávamos sozinhos essa manhã. Estávamos sozinhos quando eu<br />

entrei ainda agora. Estávamos sozinhos quando eu tentei ser legal e deixei tudo isso pra trás,<br />

mas tudo o que você quer fazer é brigar."<br />

"Eu não quero brigar!" eu disse, dando o melhor de mim pra não gritar mas sabendo<br />

que tinha falhado. Me virei, tentando manter minha raiva sob controle, mas quando falei<br />

novamente podia ouvir o agouro implícito em minha voz. "Só quero que as coisas voltem a<br />

ser o que eram. Como no verão passado."<br />

"O que tem o verão passado?"<br />

Odiei isso. Não queria contar a ela que já não me sentia importante. O que eu queria era<br />

como pedir a alguém para amar você e isso nunca funcionava. Ao invés disso, tentei usar o<br />

assunto.<br />

"No verão passado, parecia que tínhamos mais tempo juntos."<br />

"Não, não tínhamos," ela replicou. "Eu trabalhava nas casas o dia todo. Lembra?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela estava certa, é claro. Pelo menos parcialmente. Tentei novamente. "Não estou<br />

dizendo que faz sentido, mas parece que tínhamos mais tempo para conversar ano passado."<br />

"E isso está incomodando você? Que eu estou ocupada? Que eu tenho uma vida? O que<br />

você quer que eu faça? Abandonar as aulas a semana toda? Dizer que estou doente quando<br />

tenho que dar aulas? Pular as tarefas de casa?"<br />

"Não..."<br />

"Então o que você quer?"<br />

"Eu não sei."<br />

"Mas você quer me humilhar na frente dos meus amigos?"<br />

"Eu não humilhei você," protestei.<br />

"Não? Então por que Tricia me colocou de lado hoje? Por que ela sentiu a necessidade<br />

de me dizer que nós não tínhamos nada em comum e que eu podia fazer muito melhor?"<br />

Essa doeu, mas não tenho certeza se ela se deu conta de como isso soou.<br />

A raiva às vezes torna isso impossível, como eu bem sabia. "Eu só queria ficar sozinho<br />

com você na noite passada. É tudo o que eu estou tentando dizer."<br />

Minhas palavras não tiveram efeito nela.<br />

"Então por que você não me disse isso?" ela exigiu. "Disse algo como 'Tudo bem se<br />

fizermos outra coisa? Não estou a fim de sair com outras pessoas.' Era tudo o que você tinha


Dear John<br />

que dizer. Eu não leio mentes, John."<br />

Nicholas Sparks<br />

Abri minha boca para responder mas não disse nada. Ao invés disso, me virei e andei<br />

até o outro lado da sala. Olhei para a porta do pátio, não estava com raiva pelo que ela disse,<br />

só... triste. Me veio a mente que eu tinha de alguma forma, perdido ela, e eu não sabia se era<br />

porque eu estava fazendo uma tempestade em um copo d'água ou se porque eu entendia<br />

muito bem o que estava realmente acontecendo entre nós.<br />

Eu não queria mais falar sobre isso. Nunca fui bom em conversas e me dei conta de que<br />

o que eu realmente queria era que ela atravessasse a sala e colocasse seus braços ao meu<br />

redor, dissesse que ela entendia o que estava me incomodando e que eu não tinha nada com o<br />

que me preocupar.<br />

Mas nada disso aconteceu. Ao invés disso eu falei com a janela, me sentindo<br />

estranhamente sozinho. "Você está certa," eu disse. "Deveria ter lhe contado. E me desculpe<br />

por isso. E me desculpe pelo modo que eu agi na noite passada e me desculpe por ficar<br />

chateado com o seu atraso. É só que eu realmente queria te ver o máximo que pudesse nessa<br />

viagem."<br />

"Você diz isso como se não achasse que eu quero o mesmo."<br />

Me virei. "Pra ser honesto," eu disse, "não tenho certeza se você quer." Com isso,<br />

caminhei até a porta.<br />

Fiquei fora até a noite.<br />

Não sabia pra onde ir nem porque tinha saído, mas eu precisava ficar sozinho.<br />

Caminhei para o campus debaixo de um sol escaldante e me peguei me mudando de uma<br />

sombra de árvore para outra. Não chequei para ver se ela estava me seguindo; sabia que ela<br />

não estaria.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Depois de um tempo, parei e comprei uma água gelada no centro dos estudantes, mas<br />

embora estivesse relativamente vazio e o ar fosse refrescante, eu não fiquei. Senti a<br />

necessidade de suar, como se para me purificar da raiva, tristeza e decepção que eu não<br />

podia, das quais eu não conseguia me livrar.<br />

Uma coisa era certa: Savannah tinha entrado pela porta pronta para uma discussão. Suas<br />

respostas tinham vindo muito rápidas e me dei conta de que elas pareciam menos<br />

espontâneas do que ensaiadas, como se sua própria raiva estivesse cozinhando pela maior<br />

parte do dia. Ela sabia exatamente como eu agiria e embora eu merecesse sua raiva baseado<br />

na forma como eu agi na noite anterior, o fato de que ela não parecia se importar com a sua<br />

própria culpa ou meus sentimentos me atormentaram pela maior parte da tarde.<br />

As sombras ficaram maiores quando o sol começou a abaixar, mas eu ainda não estava<br />

pronto para voltar. Ao invés disso, comprei alguns pedaços de pizza e uma cerveja de uma<br />

daquelas barracas que dependiam dos estudantes para sobreviver. Acabei de comer, caminhei<br />

mais um pouco e finalmente comecei o caminho de volta pra o apartamento dela. A essa<br />

altura eram quase nove e a montanha-russa emocional na qual eu estivera me deixou<br />

acabado. Me aproximando da rua, notei que o carro de Savannah estava no mesmo lugar.<br />

Podia ver uma lâmpada ardendo dentro do quarto. O resto do apartamento estava escuro.<br />

Me perguntei se a porta estaria trancada, mas o trinco virou livremente quando eu<br />

tentei. A porta do quarto estava entreaberta, a luz escorria no corredor e eu debati se deveria<br />

me aproximar ou ficar na sala. Eu não queria encarar sua raiva, mas dei um longo suspiro e<br />

caminhei até o curto corredor. Enfiei minha cabeça pela porta. Ela estava sentada na cama<br />

vestindo uma camisa muitos números maior que ela. Ela desviou o olhar da revista que<br />

segurava e eu ofereci um sorriso cauteloso.<br />

"Oi," eu disse.<br />

"Oi."


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Desculpe," eu disse. "Por tudo. Você estava certa. Fui um idiota noite passada e não<br />

deveria ter envergonhado você na frente de seus amigos. E não deveria ter ficado tão zangado<br />

por que você estava atrasada. Não acontecerá novamente."<br />

Ela me surpreendeu dando tapinhas no colchão. "Vem aqui," ela sussurrou.<br />

Subi pela cama, me encostei no espelho da cama e deslizei meu braço em volta dela.<br />

Ela se inclinou contra mim e eu podia sentir o firme subir e descer de seu peito.<br />

"Eu não quero mais brigar," ela disse.<br />

"Eu também não."<br />

Quando afaguei seu braço, ela suspirou. "Onde você foi?"<br />

muito."<br />

"Lugar nenhum, na verdade," eu disse. "Só andei pelo campus. Comi pizza. Pensei<br />

"Sobre mim?"<br />

"Sobre você. Sobre mim. Sobre nós."<br />

Ela assentiu. "Eu também," ela disse. "Você ainda está com raiva?"<br />

"Não," eu disse. "Eu estava, mas estou muito cansado pra ainda estar com raiva."<br />

"Eu também," ela repetiu. Levantou a cabeça para me encarar. "Quero lhe contar uma<br />

coisa sobre o que eu estava pensando quando você não estava aqui," ela disse. "Posso fazer<br />

isso?"


Dear John<br />

"Claro," eu disse.<br />

Nicholas Sparks<br />

"Me dei conta de que sou eu quem deveria estar se desculpando. Sobre passar muito<br />

tempo com os amigos, quer dizer. Acho que foi por isso que fiquei com tanta raiva mais<br />

cedo. Eu sabia o que você estava tentando dizer, mas não queria ouvir porque sabia que você<br />

estava certo. Em parte, de qualquer forma. Mas sua argumentação estava errada."<br />

Olhei para ela incerto. Ela continuou.<br />

"Você acha que eu fiz você passar tanto tempo com meus amigos porque você não era<br />

tão importante pra mim quanto costumava ser, certo?" Ela não esperou por uma resposta.<br />

"Mas não é essa a razão. É exatamente o oposto. Eu estava fazendo isso porque você é muito<br />

importante pra mim. Não tanto porque eu queria que você conhecesse meus amigos, ou pra<br />

que eles pudessem lhe conhecer, mas por causa de mim."<br />

Ela parou insegura.<br />

"Não sei o que você está tentando dizer."<br />

você?"<br />

"Você lembra quando eu disse que tirava forças dos momentos em que estou com<br />

Quando assenti, ela passou os dedos pelo meu peito. "Eu não estava brincando a<br />

respeito disso. O verão passado significou tanto pra mim. Mais do que você pode imaginar, e<br />

quando você foi embora, eu fiquei em ruínas. Pergunte ao Tim. Eu mal trabalhava nas casas.<br />

Sei que te mandei cartas que fizeram você pensar que tudo estava bem, mas não estava. Eu<br />

chorava toda noite, e todo dia eu sentava na casa e ficava imaginando, esperando e desejando<br />

que você viesse correndo da praia. Toda vez que eu via alguém com cabelo à escovinha,<br />

sentia meu coração começar a bater mais rápido, mesmo que eu soubesse que não era você.<br />

Mas era isso. Eu queria que fosse você. Toda vez. Eu sei que o que você faz é importante e eu<br />

entendo que a sua base está a um mar de distância, mas não acho que entendia o quanto iria


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

ser duro quando você não estivesse por perto. Parecia que estava quase me matando e levou<br />

um longo tempo pra até mesmo começar a me sentir normal novamente. E nessa viagem,<br />

tanto quanto eu queria te ver, tanto quanto eu te amo, há essa parte de mim que está<br />

aterrorizada que eu vá ficar em pedaços novamente quando nosso tempo acabar. Estou sendo<br />

puxada em duas direções e a minha resposta foi fazer tudo que eu pudesse para que não<br />

tivesse que passar por tudo o que passei no último ano. Então tentei nos manter ocupados,<br />

sabe? Para impedir meu coração de ser partido novamente."<br />

Senti minha garganta apertada, mas não disse nada. Depois de um tempo; ela<br />

continuou. "Hoje eu me dei conta de que estava te machucando durante esse processo. Que<br />

não era justo com você, mas ao mesmo tempo, estou tentando ser justa comigo também. Em<br />

uma semana você irá embora novamente e sou eu que vou ter que descobrir como funcionar<br />

depois de tudo. Algumas pessoas podem fazer isso. Você pode fazer isso. Mas pra mim..."<br />

Ela encarou suas mãos, e por um longo tempo tudo estava quieto. "Não sei o que dizer,"<br />

eu finalmente admiti.<br />

Sem querer, ela riu. "Eu não quero uma resposta," ela disse, "porque eu não acho que<br />

exista uma. Mas eu sei que não quero te machucar. È tudo o que eu sei. Só espero que eu<br />

consiga achar um modo de ficar mais forte esse verão."<br />

"Podemos sempre malhar juntos," eu brinquei sem entusiasmo e fui gratificado ao ouvir<br />

o som da sua risada.<br />

"É, isso vai funcionar. Dez abdominais e eu estarei boa como nova, certo? Queria que<br />

fosse tão fácil. Mas eu vou conseguir. Pode não ser fácil, mas pelo menos não vai ser um ano<br />

todo dessa vez. Foi isso que eu continuei me lembrando hoje. Que você vai estar de volta<br />

para o Natal. Mais alguns meses e tudo isso estará acabado."<br />

Abracei ela, sentindo o calor do corpo dela contra o meu. Podia sentir seus dedos por<br />

cima do fino tecido da minha camisa e senti ela a puxar gentilmente, expondo a pele do meu


Dear John<br />

abdome. A sensação foi elétrica. Saboreei seu toque e me inclinei para beijá-la.<br />

Nicholas Sparks<br />

Havia um tipo diferente de paixão em seu beijo, algo vibrante e vivo. Senti sua língua<br />

contra a minha, consciente da forma que o corpo dela estava respondendo e respirei fundo<br />

enquanto seus dedos deslizavam em direção ao fecho do meu jeans. Quando escorreguei<br />

minhas mãos mais devagar, me dei conta de que ela estava nua por debaixo da camisa. Ela<br />

abriu o fecho e embora eu não quisesse nada mais que continuar, me forcei a retroceder, a me<br />

parar antes que isso fosse longe demais, para prevenir alguma coisa que eu ainda não estava<br />

certo que ela estava pronta.<br />

Senti minha própria hesitação, mas antes que eu pudesse insistir nela, ela abruptamente<br />

se sentou e tirou sua camisa. Minha respiração ficou mais forte enquanto eu a encarava, e<br />

tudo de uma vez, ela se inclinou pra frente e levantou minha camisa. Beijou meu umbigo e<br />

minhas costelas, depois meu peito e eu pude sentir suas mãos começando a abaixar meus<br />

jeans.<br />

Me levantei da cama e tirei minha camisa, depois deixei os jeans caírem no chão. Beijei<br />

seu pescoço e ombros e senti o calor do seu hálito na minha orelha. A sensação de sua pele<br />

sobre a minha foi como fogo, e começamos a fazer amor.<br />

Foi tudo que eu sonhei que seria, e quando acabamos, coloquei meus braços ao redor de<br />

Savannah, tentando gravar a memória de cada sensação. No escuro, murmurei o quanto a<br />

amava.<br />

Fizemos amor uma segunda vez e quando Savannah finalmente adormeceu, me peguei<br />

encarando-a. Tudo nela era requintadamente pacifico, mas por alguma razão, não pude evitar<br />

uma persistente sensação de temor. Tão carinhoso e excitante como tinha sido, eu não podia<br />

evitar me perguntar se havia tido um traço de desespero em nossas ações, como se<br />

estivéssemos nos agarrando a esperança de que isso sustentaria nossa relação por qualquer<br />

coisa que o futuro trouxesse.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Quatorze<br />

Nosso tempo restante na minha licença foi como eu tinha originalmente esperado.<br />

Tirando o fim de semana com meu pai - no qual ele cozinhou pra nós e falou sem descanso<br />

sobre moedas - ficávamos sozinhos o máximo possível. De volta a Chapel Hill, quando<br />

Savannah terminava suas aulas do dia, nossas tardes e noites eram passadas juntos.<br />

Caminhamos pelas lojas da rua Franklin, fomos ao Museu de História da Carolina do Norte<br />

em Raleigh e até passamos algumas horas no zoológico da Carolina do Norte. Na minha<br />

antepenúltima noite na cidade, fomos jantar no restaurante chique que o vendedor de sapatos<br />

havia me falado. Ela não me deixou espiar enquanto ela estava se arrumando, mas quando ela<br />

finalmente surgiu do banheiro, estava positivamente glamourosa. Fiquei encarando-a,<br />

pensando no quanto eu era sortudo de estar com ela.<br />

Não fizemos amor de novo. Depois da nossa noite juntos, acordei na manhã seguinte<br />

para encontrar Savannah me estudando, as lágrimas rolando por suas bochechas. Antes que<br />

eu pudesse perguntar o que havia de errado, ela colocou um dedo nos meus lábios e balançou<br />

a cabeça, me pedindo pra não falar. "Noite passada foi maravilhoso," ela disse, "mas não<br />

quero falar sobre isso." Ao invés disso, ela se enroscou ao meu redor e eu a segurei por um<br />

longo momento, escutando o som da sua respiração. Eu sabia então que algo havia mudado<br />

entre nós, mas naquela época, eu não tive a coragem de descobrir o que.<br />

Na manhã em que parti, Savannah me levou até o aeroporto. Sentamos no portão juntos,<br />

esperando pela chamada do vôo, seu polegar descrevendo pequenos círculos nas costas da<br />

minha mão. Quando chegou a hora de eu embarcar, ela caiu em meus braços e começou a<br />

chorar. Quando viu minha expressão, ela forçou uma risada, mas eu podia ouvir o pesar nela.<br />

"Sei que prometi," ela disse, "mas não posso evitar."<br />

"Vai ficar tudo bem," eu disse. "São apenas seis meses. Com tudo que está acontecendo


Dear John<br />

na sua vida, você vai se espantar com o quão rápido vai passar."<br />

Nicholas Sparks<br />

"É fácil falar," ela disse, fungando. "Mas você está certo. Eu vou ser mais forte dessa<br />

vez. Vou ficar bem."<br />

Examinei seu rosto procurando sinais de negação mas não achei nenhum. "Sério," ela<br />

disse. "Eu vou ficar bem."<br />

Assenti e por um longo momento nós simplesmente nos encaramos.<br />

"Você vai lembrar de olhar a lua cheia?" ela perguntou.<br />

"Todas as vezes," prometi.<br />

Compartilhamos um último beijo. A abracei com força e murmurei que a amava, depois<br />

me forcei a soltá-la. Joguei minha mochila sobre os ombros e subi a rampa. Espiando por<br />

cima do meu ombro me dei conta de que Savannah já havia ido embora, escondida em algum<br />

lugar na multidão.<br />

No avião, me deitei na poltrona, rezando para que Savannah estivesse dizendo a<br />

verdade. Embora eu soubesse que ela me amava e se importava comigo, de repente entendi<br />

que mesmo amor e cuidado nem sempre eram suficientes. Eles eram os tijolos concretos da<br />

nossa relação, mas instáveis sem a argamassa do tempo passado juntos, tempo sem a ameaça<br />

da separação iminente sobre nossas cabeças. Embora eu não quisesse admitir, havia mais<br />

sobre ela que eu não sabia. Eu não tinha me dado conta de como a minha licença no ano<br />

anterior a havia afetado e apesar de horas ansiosas pensando nisso, eu não tinha certeza de<br />

como isso iria afetá-la agora. Nossa relação, senti com um peso em meu peito, estava<br />

começando a parecer o movimento rotatório de um pião de criança. Quando estávamos<br />

juntos, tínhamos o poder de mantê-lo girando e o resultado era beleza, magia e um senso de<br />

maravilha quase infantil; quando separados, a rotação começava inevitavelmente a ficar mais<br />

lenta. Nos tornamos cambaleantes e instáveis e eu sabia que tinha que encontrar um modo de


Dear John<br />

impedir que caíssemos.<br />

Nicholas Sparks<br />

Tinha aprendido minha lição do ano anterior. Não só escrevi mais cartas da Alemanha<br />

durante julho e agosto, mas também telefonei pra Savannah mais freqüentemente. Ouvia<br />

cuidadosamente durante as ligações, tentando reconhecer quaisquer sinais de depressão e<br />

ansiando por ouvir palavras de afeto e desejo. No começo, eu ficava nervoso antes de fazer<br />

aquelas ligações; no fim do verão, eu esperava por elas. Suas aulas iam bem. Ela passou<br />

algumas semanas com os pais, depois começou o semestre de outono. Na primeira semana de<br />

setembro, começamos a contagem regressiva dos dias que faltavam para minha dispensa.<br />

Faltavam cem dias. Era mais fácil de falar de dias do que de semanas ou meses; de alguma<br />

forma fazia a distância entre nós diminuir para algo mais íntimo, algo que nós dois sabíamos<br />

que podíamos agüentar. A pior parte já tinha passado, lembrávamos um ao outro, e descobri<br />

que enquanto eu cortava os dias no calendário, as preocupações que eu tive sobre nosso<br />

relacionamento começaram a diminuir. Eu estava certo de que não havia nada no mundo que<br />

pudesse nos impedir de ficar juntos.<br />

Então o 11 de setembro veio.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Quinze<br />

De uma coisa tenho certeza: as imagens do 11 de Setembro ficarão comigo para<br />

sempre. Assisti à fumaça saindo das Torres Gêmeas e do Pentágono e vi o rosto sombrio dos<br />

homes à minha volta observando pessoas saltarem para a morte. Testemunhei o desabamento<br />

dos edifícios e a enorme nuvem de poeira e detritos que se formou em seu lugar. Me enfureci<br />

enquanto a Casa Branca era evacuada.<br />

Poucas horas depois, soube que os Estados Unidos iriam reagir ao ataque e que as<br />

forças armadas liderariam a reação. A base entrou em alerta máximo, e duvido que alguma<br />

vez tenha ficado tão orgulhoso dos meus homens. Nos dias que se seguiram, foi como se<br />

todas as diferenças pessoais e afiliações políticas de qualquer tipo derretessem. Por um curto<br />

período de tempo, todos nós fomos simplesmente americanos.<br />

Escritórios de recrutamento em todo o país começaram a encher com homens querendo<br />

se alistar. Entre nós já alistados, o desejo de servir era mais forte do que nunca. Tony foi o<br />

primeiro homem em meu esquadrão a se alistar por mais dois anos, e um a um, todos<br />

seguiram seu exemplo. Mesmo eu, que esperava a minha dispensa honrosa em dezembro e<br />

contava com os dias para voltar para Savannah, peguei a febre e acabei me alistando.<br />

Seria fácil dizer que fui influenciado pelo que acontecia à minha volta e por isso tomei<br />

a decisão. Mas isso seria apenas uma desculpa. Certo, eu fui de fato pego pela onda de<br />

patriotismo, mas, além disso, sentia-me obrigado pelos laços de amizade e da<br />

responsabilidade. Conhecia meus homens, me preocupava com eles, e o pensamento de<br />

abandoná-los em um momento como aquele me parecia incrivelmente covarde. Tínhamos<br />

passado por coisas demais juntos para eu sequer deixar o exército naqueles últimos dias de<br />

2001.<br />

Liguei para Savannah com a notícia. Inicialmente, ela foi solidária. Como todo mundo,


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

ela estava horrorizada com o que havia acontecido e entedia o senso de dever que pesava<br />

sobre mim, mesmo antes de eu tentar explicar. Ela disse que estava orgulhosa de mim.<br />

Mas a realidade logo apareceu. Ao escolher servir ao meu país, eu tinha feito um<br />

sacrifício. Embora a investigação sobre os autores do atentado tenha sido concluída<br />

rapidamente, 2001 terminou sem maiores sobressaltos para nós. Nossa divisão da infantaria<br />

não desempenhou qualquer papel na derrubada do governo Talibã no Afeganistão, uma<br />

decepção para todos no meu pelotão. Em vez disso, passamos a maior parte do inverno e da<br />

primavera treinando e nos preparando para a futura invasão ao Iraque.<br />

Foi por volta dessa época, acredito que as cartas de Savannah começaram a mudar. Se<br />

antes elas chegavam todas semanas, passaram a vir de dez em dez dias, e com o passar dos<br />

dias, tornaram-se quinzenais. Tentei consolar-me com o fato de que o tom das cartas não<br />

havia mudado, mas com o tempo isso também aconteceu. Não havia mais as longas<br />

passagens em que ela descrevia como imaginava nossa vida juntos, as passagens que, no<br />

passado, sempre me encheram de expectativa. Escrever sobre um futuro tão distante a fazia<br />

lembrar quanto tempo faltava, algo doloroso de pensar para nós dois.<br />

No final de Maio, consolei-me que pelo menos nos veríamos na minha próxima licença.<br />

O destino, porém, conspirou novamente contra nós poucos dias antes de eu voltar para casa.<br />

Meu comandante convocou uma reunião e, quando me apresentei em seu escritório, ele<br />

mandou eu me sentar. Meu pai, ele disse, tinha acabado de sofrer um ataque cardíaco, e ele já<br />

se antecipara e me concedera a licença adicional de emergência. Em vez de ir para Chapel<br />

Hill e passar duas semanas gloriosas com Savannah, viajei para Wilmington e fiquei ao lado<br />

da cama do meu pai, respirando o odor anticéptico que sempre me fez pensar mais na morte<br />

do que na cura. Quando cheguei, meu pai estava na unidade de terapia intensiva, e lá ele<br />

permaneceu durante a maior parte da minha licença. Sua pele tinha uma palidez acinzentada,<br />

e sua respiração era rápida e fraca. Na primeira semana, ele recuperava e perdia a<br />

consciência, mas quando ele estava acordado, vi emoções em meu pai que afloravam<br />

raramente, e nunca combinadas: o medo desesperado, a confusão momentânea, e uma


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

gratidão de cortar o coração por eu estar ao lado dele. Mais de uma vez, peguei sua mão,<br />

outra coisa inédita em minha vida. Por causa de um tubo introduzido em sua garganta, ele<br />

não podia falar, então eu conversei pelos dois. Embora eu contasse um pouco do que<br />

acontecia na base, falei principalmente sobre as moedas. Li o Greysheet quando saiu, e fui à<br />

casa dele pegar cópias antigas que ele mantinha arquivadas em sua gaveta e também as li.<br />

Pesquisei por moedas na internet - em sites como David Hall Rare Coins e Legend<br />

Numismatics-e contava para ele as que estavam em oferta, bem como quais eram os preços<br />

mais recentes. Os preços me espantaram. Com base nas moedas do meu pai que eu conhecia,<br />

comecei a suspeitar que a coleção dele, apesar da queda dos preços do ouro desde seu<br />

apogeu, valia provavelmente dez vezes mais do que a casa que ele tinha há anos. Meu pai,<br />

incapaz de dominar a arte da conversa mais simples, havia se transformado no homem mais<br />

rico que eu conhecia.<br />

Ele não se interessava pelo valor das moedas. Desviava os olhos sempre que eu os<br />

mencionava, e logo me lembrei do que por algum motivo eu havia esquecido: para meu pai, a<br />

busca pelas moedas sempre foi muito mais interessante do que as moedas em si e, para ele,<br />

cada moeda representava uma história com final feliz. Com isso em mente, fiz um grande<br />

esforço para lembrar todas as moedas que tínhamos encontrados juntos. Como meu pai<br />

mantinha registros impecáveis, eu os examinava antes de dormir e, pouco a pouco,, essas<br />

lembranças voltaram. No dia seguinte, eu relembrava ao lado dele as histórias de nossas<br />

viagens para Releigh, Charlotte ou Savannah. Embora nem mesmo os médicos soubessem ao<br />

certo se ele iria escapar, meu pai sorriu mais naquelas semanas do que em toda sua vida<br />

comigo. Ele foi para casa um dia antes da data da minha partida e o hospital tomou medidas<br />

para que alguém cuidasse dele enquanto ele continuava a se recuperar.<br />

Porém, se a estada no hospital reforçou minha relação com meu pai, ela não ajudou em<br />

nada meu relacionamento com Savannah. Não entenda mal, ela foi me encontrar sempre que<br />

pôde, e demonstrou apoio e simpatia. Mas, como passei tanto tempo no hospital, não foi o<br />

suficiente para cicatrizar as fissuras que começavam a aparecer no nosso relacionamento.<br />

Para ser honesto, eu nem sabia ao certo o que queria dela: quando ela estava lá, tinha vontade<br />

de ficar a sós com meu pai, quando ela não estava, sentia falta dela ao meu lado. De algum


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

modo, Savannah atravessou esse campo minado sem reagir a nenhum estresse que eu<br />

descontasse nela. Parecia entender meus pensamentos melhor do que eu e antecipar minhas<br />

necessidades.<br />

Ainda assim, precisávamos de um tempo para nós. Um tempo a sós. Se nosso<br />

relacionamento fosse uma bateria, o tempo que eu passava no exterior significava<br />

descarregamento contínuo, e nós precisávamos de tempo para a recarga. Uma vez, sentado ao<br />

lado de meu pai ouvindo o bip constante do monitor cardíaco, percebi que eu e Savannah<br />

passáramos menos de 4 dias das últimas 104 semanas juntos. Menos de 5 por cento. Mesmo<br />

com cartas e telefonemas, às vezes eu me pegava olhando para o nada e pensando em como<br />

resistíamos por tanto tempo.<br />

Saímos para caminhar ocasionalmente e jantamos juntos duas vezes. Como Savannah<br />

estava dando e tendo aulas novamente, era impossível para ela para ficar. Tentei não culpá-la<br />

por isso, salvo quando o fiz, e acabamos discutindo. Eu odiava aquilo, e ela também, mas<br />

nenhum de nós era capaz de evitar. Embora ela não dissesse nada, e ainda negasse quando<br />

confrontada, eu sabia que o problema subjacente era o fato de que eu deveria estar de volta<br />

de vez, quando não estava. Foi a primeira e única vez que Savannah mentiu para mim.<br />

Passamos por cima da briga o máximo que podíamos, e nossa despedida foi outro<br />

momento triste, embora menos do que da última vez. Seria reconfortante pensar que<br />

tínhamos nos habituado ou estávamos mais maduros. Porém, quando entrei no avião, sabia<br />

que algo irrevogável havia mudado entre nó<br />

Foi uma constatação dolorosa. Porém, na noite seguinte de lua cheia, vaguei pelo<br />

campo de futebol abandonado. Como eu tinha prometido, lembrei dos momentos que passei<br />

com Savannah na minha primeira folga. Também recordei minha segunda licença, mas<br />

curiosamente, não quis pensar na terceira, pois acho que sentia o que estava por vir.<br />

Conforme o verão avançava, meu pai continuou a se recuperar, embora lentamente. Em


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

suas cartas, ele contava que saia para passear no quarteirão três vezes por dia, todos os dias,<br />

exatamente por vinte minutos, mas até isso era difícil para ele. Se havia um lado positivo<br />

nisso tudo, foi proporcionar a ele algo em torno do qual organizar seu dia agora que ele<br />

estava aposentado, algo além de moedas. Além de mandar cartas, mesmo com mais<br />

freqüência, passei a telefonar para ele às terças e sextas-feiras, exatamente à uma hora,<br />

horário dos Estados Unidos, só para ter certeza que ele estava bem. Procurava sinais de<br />

cansaço em sua voz, e lembrava-lhe constantemente sobre comer bem, dormir bastante e<br />

tomar a medicação. Sempre fui o responsável pela maior parte da conversa. Papai achava as<br />

conversas telefônicas ainda mais dolorosas do que a comunicação cara a cara, e sempre soou<br />

como se quisesse desligar o telefone o mais rápido possível. Com o tempo, comecei a<br />

provocá-lo por causa disso, mas nunca tive certeza se entendia que eu estava brincando. Isso<br />

me divertia, e às vezes eu ria; embora ele nunca risse comigo, o tom de sua voz ficava mais<br />

alegre, ainda que temporariamente, antes de ele cair em total silêncio. Não tinha problema.<br />

Sabia que ele esperava os telefonemas com ansiedade. Ele sempre atendia ao primeiro toque,<br />

e foi fácil para mim imaginá-lo olhando o relógio, à espera da ligação.<br />

Agosto virou setembro e depois outubro. Savannah terminou suas aulas em Chapel Hill<br />

e voltou para casa para procurar um emprego. Nos jornais, eu lia sobre as Nações Unidas e<br />

como os europeus queriam encontrar um modo de nos impedir de entrar em guerra com o<br />

Iraque. AS coisas estavam tensas nas capitais dos nossos aliados na OTAN; no noticiário,<br />

sempre havia manifestações da população e declaração vigorosas dos governos, afirmando<br />

que os Estados Unidos estavam prestes a cometer um erro terrível. Enquanto isso, nossos<br />

líderes tentavam fazê-los mudar de idéia. Eu e todos no meu pelotão continuávamos a levar<br />

nossas vidas, treinando para o inevitável com sinistra determinação. Então, em novembro, eu<br />

e meu pelotão retornamos a Kosovo. Não ficamos muito tempo por lá, mas era mais do que<br />

suficiente. Eu já estava cansado dos Balcãs, estive lá quatro vezes, e já estava cansado das<br />

forças de paz. Mais do que isso, eu e todos no exército sabíamos que a guerra no Oriente<br />

Médio se aproximava, quisesse ou não a Europa.<br />

Nesse período, as cartas de Savannah ainda chegavam com alguma regularidade, assim<br />

como meus telefonemas para ela. Normalmente eu ligava antes do amanhecer, como sempre


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

por volta de meia-noite no horário dela. Porém, se no passado eu sempre consegui falar com<br />

ela, agora mais de uma vez ela não estava em casa. Embora tentasse me convencer de que ela<br />

tinha saído com os amigos ou com seus pais, era difícil evitar que meus pensamentos<br />

desembestassem. Depois de desligar o telefone, às vezes eu imaginava que ela conhecera<br />

outro homem e se apaixonara. Às vezes ligava mais de duas ou três vezes na hora seguinte,<br />

ficando com mais raiva a cada toque sem resposta.<br />

Quando ela finalmente atendia, eu pensava em perguntar onde ela estava, mas nunca o<br />

fiz. Nem sempre ela me contava voluntariamente. Sei que cometi um erro em manter o<br />

silêncio, simplesmente porque era impossível para mim esquecer o assunto, mesmo tentando<br />

me concentrar na conversa. Muito freqüentemente, eu estava tenso no telefone e as respostas<br />

dela eram igualmente tensas. Cada vez mais, nossas conversas deixaram de ser alegres<br />

demonstrações de afeto e viraram uma rudimentar troca de informações. Após desligar, eu<br />

sempre me odiava pelo ciúme que sentia e me castigava nos dias seguintes, prometendo não<br />

deixar que acontecesse novamente.<br />

Outras vezes, porém, Savannah parecia exatamente a mesma pessoa de quem eu me<br />

lembrava e demonstrava o quanto ainda gostava de mim. Durante tudo isso, continuei a amála<br />

com sempre e desejava ardentemente os momentos simples do passado. Eu sabia o que<br />

estava acontecendo, claro. Enquanto nos afastávamos, eu ficava cada vez mais desesperado<br />

para salvar o que antes havia entre nós; no entanto, como em um círculo vicioso, meu<br />

desespero fez com que nos distanciássemos ainda mais.<br />

Começamos a discutir. Como na briga que tivemos no apartamento dela durante minha<br />

segunda licença, eu não conseguia dizer o que estava sentindo. E, não importava o que ela<br />

dissesse, não conseguia deixar de pensar que ela estava me enganando ou nem mesmo<br />

tentava diminuir minhas preocupações. Eu odiava esses telefonemas ainda mais do que meu<br />

ciúme, mesmo sabendo que ambos estavam interligados.<br />

Apesar de nossas dificuldades, nunca duvidei de que conseguiríamos superar tudo. Eu<br />

queria uma vida com Savannah mais do que tudo.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Em dezembro, comecei a ligar com mais freqüência e fiz de tudo para controlar o<br />

ciúme. Forcei-me a ser animado ao telefone, na esperança de que ela gostasse de me ouvir.<br />

Pensei que as coisas estivessem melhorando, e aparentemente estavam mesmo. Porém,<br />

quatro dias antes do Natal, lembrei a ela que voltaria para casa em pouco menos de um ano.<br />

Em vez da resposta animada que eu esperava, ela ficou em silêncio. Ouvia apenas o som de<br />

sua respiração.<br />

"Você me ouviu?", perguntei.<br />

"Sim", disse ela, com voz suave. "É só que já ouvi isso antes."<br />

Era verdade, ambos sabíamos disso, mas eu não dormi direito por quase uma semana.<br />

A lua cheia apareceu na noite de Ano Novo, e embora eu tenha saído para admirá-la e<br />

recordar da semana em que nos apaixonamos, essas imagens estavam nebulosas, como se<br />

turvas pela tristeza imensa que sentia dentro de mim. No caminho de volta, vi dezenas de<br />

homens reunidos em círculos ou apoiados nas paredes dos prédios fumando cigarros, como<br />

se não tivessem qualquer preocupação. Gostaria de saber o que pensavam quando me viram<br />

passar. Será que perceberam que eu estava perdendo tudo o que importava para mim? Ou que<br />

eu desejava mais uma vez poder mudar o passado?<br />

Não sei, e eles não perguntaram. O mundo estava mudando rapidamente. As ordens que<br />

esperávamos chegaram na manhã seguinte, e alguns dias depois meu pelotão estava na<br />

Turquia onde começamos a nos preparar para invadir o norte do Iraque. Participamos de<br />

reuniões em que nos informaram nossas atribuições, estudamos a topografia, e repassamos<br />

planos de batalha. Havia pouco tempo livre, mas quando saímos da base, era difícil ignorar<br />

os olhares hostis da população. Ouvimos rumores de que a Turquia planejava negar o acesso<br />

às nossas tropas para a invasão e que estavam em andamento as negociações para garantir tal<br />

permissão. Há muito tínhamos aprendido a ouvir boatos com desconfiança, mas desta vez os<br />

rumores eram preciosos, e meu pelotão e outros foram enviados para o Kuwait para começar


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

tudo de novo. Desembarcamos no meio da tarde, sob um céu sem nuvens, rodeados de areia<br />

por todos os lados. Quase imediatamente fomos para um ônibus e viajamos por horas,<br />

acabando no que, essencialmente, era a maior cidade de tendas que já vi. O exército fez o<br />

máximo para torná-la confortável. A comida era boa e o posto de trocas tinha tudo o que<br />

precisávamos, mas era chato. O correio era ruim, não recebi nenhuma carta e as filas para<br />

usar o telefone tinham um quilômetro. Entre treinamentos, meus homens e eu nos<br />

sentávamos para conversar, tentando adivinhar quando começaria a invasão, ou praticávamos<br />

como colocar nossas roupas químicas o mais rápido possível. O plano era que meu pelotão<br />

reforçasse outras unidades de diferentes divisões em uma grande ofensiva sobre Bagdá. Em<br />

fevereiro, depois do que aprecia um zilhão de anos no deserto, meu esquadrão e eu<br />

estávamos tão prontos com sempre estivemos.<br />

Naquele ponto, muitos soldados estavam no Kuwait desde a metade de novembro e o<br />

círculo de rumores estava com toda força. Ninguém sabia o que estava por vir. Eu ouvi sobre<br />

armas químicas e biológicas; ouvi que Saddam tinha aprendido sua lição na tempestade do<br />

deserto e estava fortificando Guarda Replubicana em Bagdá, na esperança de um último ato<br />

de resistência sangrento. Em 17 de março, soube que haveria guerra. Na última noite no<br />

Kuwait, escrevi cartas para aqueles que eu amava, para o caso de não sobreviver: uma para<br />

meu pai e uma para Savannah. Naquela noite, embarquei em um comboio que se estendia por<br />

uma centenas de quilômetros até o Iraque.<br />

O combate era esporádico, ao menos inicialmente. Como nossa força aérea dominava<br />

os céus, tínhamos pouco a temer enquanto percorríamos, sobre tudo, estradas desertas. O<br />

exército iraquiano, em sua maior parte, não estava em lugar algum, o que só aumentava a<br />

minha tensão enquanto eu tentava antecipar o que meu pelotão enfrentaria mais tarde durante<br />

a campanha. Aqui e ali, ouvíamos falar sobre fogo inimigo, disparados de morteiros, e nós<br />

enfiávamos em nossas roupas protetoras apenas para descobrir que era alarme falso. Os<br />

soltados estavam tensos. Não dormi por três dias. Adentrando o Iraque, os conflitos<br />

começaram a aparecer,e foi então que aprendi a primeira lei associada a operação Iraque<br />

livre: civis e inimigos muitas vezes tinham exatamente a mesma aparência. Ouvíamos tiros lá<br />

de fora, atacávamos, e havia momentos em que não tínhamos certeza nem em que


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

atirávamos. Quando chegamos ao triângulo sunita, a guerra começou a se intensificar.<br />

Ouvimos falar de batalhas em Fallujah, Ramadi e Tikrit, todas travadas por outras unidades<br />

de outras divisões. Meu pelotão se juntou a Airborne Oitenta e dois em um ataque à<br />

Samawah, e foi lá que tivemos a primeira experiência real de combate.<br />

A força aérea tinha aberto caminho. Bombas, mísseis e morteiros explodiam desde o dia<br />

anterior. Quando atravessamos a ponte que levava à cidade, o meu primeiro pensamento foi<br />

de maravilhamento com a quietude. Meu batalhão foi designado para um bairro nos arredores<br />

da cidade onde deveríamos vasculhar casa a casa para eliminar os inimigos.<br />

Enquanto nos movíamos, as imagens vieram rápidas: os restos carbonizados de um<br />

caminhão, o corpo sem vida do motorista jogado ao lado, um prédio parcialmente demolido,<br />

ruínas de carros fumegantes aqui e ali. Tiros esporádicos de fuzil nos mantinham alertas.<br />

Enquanto patrulhávamos, ocasionalmente, os civis saíam correndo das casas com armas nas<br />

mãos, e fazíamos o máximo para salvar os feridos.<br />

No início da tarde, quando nos preparávamos para voltar, fomos atacados por um fogo<br />

pesado que tinha vindo de um prédio no final da rua. Estávamos em posição precária.<br />

Encostados nas paredes dois homens eram cobertura enquanto liderei o resto do pelotão<br />

através do corredor de balas para o local mais seguro do outro lado da rua; parecia quase um<br />

milagre quase ninguém ter sido morto. De lá, disparávamos milhares de rajadas contra a<br />

posição do inimigo, provocando a destruição total. Quando achei que era seguro, iniciamos a<br />

abordagem ao prédio, movendo-nos cautelosamente. Usei uma granada para destruir a porta<br />

da frente liderei meus homens até a entrada e coloquei a cabeça para dentro. A fumaça era<br />

espessa e o cheiro de enxofre empesteava o ar. O interior estava destruído, mas ao menos um<br />

soldado iraquiano tinha sobrevivido. Assim que nos aproximamos, ele começou a atirar do<br />

porão sob o piso. Tony foi atingido na mão, e todos nós atiramos centenas de vezes. O<br />

barulho era tão alto que não dava pra ouvir o som da própria voz, mas continuei apertando o<br />

gatilho, mirando em todos os lugares, no chão, nas paredes e no teto. Pedaços de gesso, tijolo<br />

e madeira voaram enquanto o local era dizimado. Quando finalmente paramos de atirar, tive<br />

certeza de que ninguém poderia ter sobrevivido, mas joguei outra granada em outra abertura


Dear John<br />

que levava ao porão só para garantir e corremos para fora por causa da explosão.<br />

Nicholas Sparks<br />

Após vinte minutos da experiência mais intensa da minha vida, a rua estava silenciosa,<br />

exceto pelo zumbido no meu ouvido e pelo som dos meus homens vomitando, praguejando e<br />

falando sobre o que acontecera. Enrolei a mão de Tony, e quando achei que todos estávam<br />

prontos, começamos a recuada do mesmo modo como chegáramos. Em tempo, fizemos o<br />

caminho de volta à estação ferroviária, que estava sob a guarda de nossas tropas, e<br />

despencamos. naquela noite, recebemos o nosso primeiro lote do correio em quase seis<br />

semanas.<br />

Na correspondência, havia seis cartas de meu pai. Mas apenas uma de Savannah, e sob<br />

a luz fraca eu comecei a ler.<br />

Querido John,<br />

Estou escrevendo esta carta na mesa da cozinha, e eu estou sofrendo porque não sei<br />

como dizer o que estou prestes a dizer. Parte de mim gostaria que você estivesse aqui para<br />

que eu pudesse fazer isso em pessoa, mas nós dois sabemos que é impossível. Então aqui<br />

estou, escolhendo as palavras, com lágrimas no rosto e com esperanças de que você, de<br />

alguma maneira me perdoe pelo que vou escrever.<br />

Sei que este é um momento terrível para você. Tento não pensar na guerra, mas não<br />

consigo evitar as imagens, e sinto medo o tempo todo. Assito ao noticiário e leio os jornais,<br />

sabendo que você está no meio disso tudo, tentando descobrir onde você está e o que está<br />

passando. Rezo todas as noites para que você volte para casa em segurança e continuarei a<br />

rezar. Nós vivemos algo maravilhoso, e quero que você nunca se esqueça disso. Nem quero<br />

que você pense não ter significado tanto para mim quanto eu signifiquei para você. Você é<br />

raro e lindo, John. Eu me apaixonei por você, mas, acima de tudo, conhecer você me fez<br />

perceber o que realmente significa o amor verdadeiro. Durante os últimos dois anos e meio,<br />

olhei para o céu a cada lua cheia e lembrei de tudo que passamos juntos. Lembrei como me<br />

senti confortável conversando com você naquela primeira noite. Lembrei a noite que fizemos<br />

amor. Sempre ficarei feliz por termos nos entregado um ao outro daquele jeito. Para mim,


Dear John<br />

significa que nossas almas estão ligadas para sempre.<br />

Nicholas Sparks<br />

Há tantas outras coisas. Quando fecho os olhos, vejo seu rosto; quando caminho, é<br />

quase como se conseguisse sentir sua mão na minha. Estas coisas ainda são reais para mim,<br />

mas onde uma vez elas me trouxeram conforto, hoje provocam dor. Entendi seus motivos<br />

para permanecer no exército, e respeito sua decisão. Ainda respeito, mas nós dois sabemos<br />

que nosso relacionamento mudou depois disso. Nós mudamos, e no fundo do seu coração,<br />

acho que você também percebeu isso. Talvez tenhamos passado tempo demais separados,<br />

talvez fôssemos de mundos diferentes. Eu não sei. Toda vez que brigávamos, eu me odiava<br />

por isso. De algum modo, mesmo amando um ao outro, perdemos a ligação mágica que nos<br />

manteve juntos.<br />

Sei que parece uma desculpa, mas por favor, acredite em mim quando digo que não<br />

queria me apaixonar por outra pessoa. Se eu não entendo exatamente como isso aconteceu,<br />

como você poderia? Não espero que você entenda, mas por tudo que passamos, não posso<br />

continuar mentindo para você. Mentir diminuiria tudo o que vivemos, e não quero fazer isso,<br />

embora saiba que você vai se sentir traído.<br />

Vou entender se você nunca mais quiser falar comigo, assim como vou entender se você<br />

disser que me odeia. Parte de mim também me odeia. Escrever esta carta me obriga a<br />

reconhecer isso. Quando olho no espelho, sei que vejo alguém que não tem certeza de<br />

merecer ser amada. Estou falando sério.<br />

Mesmo que você não queria ouvir, quero que você saiba que sempre será parte de mim.<br />

No tempo que passamos juntos, você conquistou um lugar especial no meu coração, que eu<br />

vou levar comigo para sempre e ninguém pode substituir. Você é um herói e um cavalheiro,<br />

você é gentil e honesto, mas, acima de tudo, você é o primeiro homem que amei<br />

verdadeiramente. E não importa o que o futuro traga, você sempre será, e sei que minha vida<br />

é melhor por causa disso.<br />

Sinto muito,<br />

Savannah.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Parte III<br />

Dezesseis<br />

Ela estava apaixonada por outra pessoa.<br />

Soube antes mesmo de terminar de ler a carta, e de uma hora para outra o mundo<br />

pareceu parar. Meu primeiro instinto foi dar um soco na parede, mas em vez disso amassei a<br />

carta e joguei-a fora. Fiquei com muita raiva na hora; mais do que me sentir traído, foi como<br />

se ela tivesse esmagado tudo que significava alguma coisa no mundo. Eu a odiava e odiava o<br />

homem sem nome e sem rosto que a roubara de mim. Fantasiava o que faria com ele se<br />

alguma vez cruzasse meu caminho, e a imagem não era bonita.<br />

Ao mesmo tempo, desejava falar com ela. Queria tomar um avião para casa<br />

imediatamente, ou pelo menos ligar para ela. Parte de mim não queria acreditar, não podia<br />

acreditar. Não agora, não depois de tudo o que havíamos passado. Faltavam apenas 9 meses.<br />

Depois de quase três anos, será que era assim tão impossível?<br />

Mas não fui para casa, nem telefonei. Não escrevi, nem tive qualquer outro contato com<br />

ela. Minha única ação foi recuperar a carta que eu jogara fora. Alisei-a o melhor que pude,<br />

coloquei-a de volta no envelope, e decidi carregá-la comigo como uma ferida de batalha. Ao<br />

longo das semanas seguintes, fui o perfeito soldado, refugiando-me no único mundo que<br />

ainda parecia real para mim. Eu me ofereci para todas as missões consideradas perigosas,<br />

mal falei com as pessoas da minha unidade, e por um tempo tive que fazer um grande esforço<br />

para não ser muito rápido no gatilho durante as patrulhas. Eu não confiava em ninguém e,<br />

embora não tenha sido responsável por ―incidentes‖ infelizes, como o exercito gosta de


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

chamar a morte de civis, estaria mentindo se alegasse ter sido paciente e compreensível ao<br />

lidar com os iraquianos de qualquer tipo. Apesar de quase não dormir, meus sentidos se<br />

aguçavam à medida que continuávamos a ofensiva sobre Bagdá. Ironicamente, apenas<br />

arriscando a vida eu encontrava alívio para a imagem de Savannah e o fato de nosso<br />

relacionamento ter terminado.<br />

Minha vida acompanhava as oscilações da sorte na guerra. Menos de um mês depois de<br />

eu receber a carta, Bagdá caiu e, apesar de um breve período auspicioso no inicio, as coisas<br />

ficaram piores e mais complicadas com o passar da semana e meses. Afinal, percebi que essa<br />

guerra não era diferente de qualquer outra. Guerras sempre se resumem à disputa de poder<br />

entre interesses conflitantes, mas esse entendimento não tornava mais fácil a vida no campo<br />

de batalha. No rescaldo da queda de Bagdá, cada soldado do meu pelotão foi obrigado a<br />

assumir os papéis de policiais e juízes. Como soldados, não fomos treinados para isso.<br />

Olhando de fora e em retrospecto, era fácil questionar nossas ações, mas no mundo real,<br />

em tempo real, as decisões nem sempre eram fáceis. Mais de uma vez fui abordado por civis<br />

iraquianos dizendo que um determinado individuo havia roubado este ou aquele item, ou<br />

cometido este ou aquele crime, e instado a tomar alguma atitude a respeito. Fomos enviados<br />

para manter alguma aparência de ordem- o basicamente significava matar insurgentes que<br />

tentavam nos matar, ou aos civis-, até os locais serem capazes de assumir o comando e lidar<br />

sozinhos com o problema. Esse processo em especial não foi fácil nem rápido, mesmo em<br />

lugares onde a calma era mais freqüente do que o caos. Nesse meio tempo, outras cidades se<br />

desintegram em meio ao caos, e éramos enviados para restaurar a ordem. Eliminávamos os<br />

insurgentes, mas como não havia tropas suficientes para ocupar e manter a cidade segura,<br />

eles voltavam assim que nos retirávamos. Havia dias em que meus homens percebiam a<br />

futilidade desse exercício em particular, mesmo sem questioná-lo abertamente.<br />

A questão é, não sei como descrever o estresse, o tédio e a confusão daqueles nove<br />

meses, exceto dizer que havia muita areia. Sim, sei que é um deserto, e sim passei muito<br />

tempo na praia, portanto deveria estar acostumado, mas a areia dali era diferente. Entrava nas<br />

roupas, nas armas, no nariz e entre os dentes. Quando cuspia sempre sentia areia na minha


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

boca. As pessoas ao menos conseguem entender isso, e aprendi que eles não querem ouvir a<br />

verdade de fato, ou seja, que na maior parte do tempo o Iraque não era tão ruim, mas as vezes<br />

era pior do que o inferno.Será que as pessoas realmente querem saber que vi um cara do meu<br />

pelotão atirar acidentalmente em uma criança que só estava no lugar errado na hora errada?<br />

Ou que vi soldados explodindo quando atingiam um IED- dispositivo explosivo improvisado<br />

– nas estradas próximas a Bagdá? Ou ainda que vi sangue empoçado nas ruas como água da<br />

chuva, com partes de corpos boiando? Não, as pessoas preferem ouvir sobre areia, porque<br />

isso mantém a guerra a uma distância segura.<br />

Cumpri meu dever do melhor modo possível, me alistei novamente e permaneci no<br />

Iraque até fevereiro de 2004, quando finalmente fui mandado de volta para a Alemanha.<br />

Logo que cheguei, comprei uma Harley e tentei fingir que saíra da guerra sem cicatrizes; mas<br />

os pesadelos eram intermináveis, e quase todas as manhãs eu acordava encharcado de suor.<br />

Durante o dia eu ficava o tempo todo no limite, e me enraivecia por qualquer coisa. Quando<br />

caminhava pelas ruas da Alemanha, achava impossível não observar cuidadosamente grupo<br />

de pessoas perambulando junto a edifícios e examinar atentamente as janelas do distrito<br />

empresarial procurando por atiradores. O psicólogo- todo mundo tinha que consultar umdisse<br />

que aquilo era normal e iria passar com o tempo, más às vezes eu me perguntava se isso<br />

realmente aconteceria.<br />

Depois que deixei o Iraque, o tempo que fiquei na Alemanha pareceu-me quase sem<br />

sentido. Claro, eu malhava de manha e tinha aulas sobre armas e navegação, mas as coisas<br />

haviam mudado. Devido ao ferimento na mão, Tony foi condecorado e dispensado após a<br />

queda de Bagdá, enviado diretamente de volta ao Brooklyn. Mais quatro de meus homens<br />

foram dispensados ao final de 2003, quando seu período de alistamento acabou; na cabeça<br />

deles- e na minha também-, haviam cumprido seu dever e era hora de cuidar de suas vidas.<br />

Eu, por outro lado, havia me alistado novamente. Não sabia se era a decisão certa, mas não<br />

sabia mais o que fazer.<br />

Porém, olhando meu pelotão, percebi de repente que estava deslocado. Meu grupo<br />

estava cheio de novatos, e apesar de considerá-los ótimos rapazes, não era a mesma coisa.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eles não eram os amigos com quem convivi no campo de treinamento e nos Balcãs, eu não<br />

tinha ido para a guerra com eles e, no fundo, sabia que nunca seria tão próximo deles quanto<br />

da minha antiga equipe. Eu era um estranho para a maior parte, e mantive-me assim. Eu<br />

malhava sozinho e evitava contato pessoal tanto quanto possível, e sabia o que pensavam de<br />

mim ao me ver passar: eu era o velho sargento rabugento, aquele que não queria nada além<br />

de garantir que eles voltariam a salvo para suas mães. Dizia isso ao meu pelotão o tempo<br />

todo enquanto treinávamos, e falava sério. Faria o que fosse preciso para mantê-los a salvo.<br />

Porém, como eu disse, não era a mesma coisa.<br />

Sem meus amigos, dediquei-me o máximo que pude ao meu pai. Depois do período em<br />

combate, passei uma licença prolongada com ele na primavera de 2004, e mais outra licença<br />

durante o verão. Ficamos mais tempo juntos nessas quatro semanas do que nos dez anos<br />

anteriores. Como ele estava aposentado, estávamos livres para passar o dia como<br />

desejássemos. Encaixei-me facilmente na rotina dele. Tomávamos café da manha, fazíamos<br />

três caminhadas e jantávamos juntos. No meio do tempo, conversávamos sobre moedas e até<br />

mesmo comprávamos algumas. A internet tornou tudo muito mais fácil do que antes. Embora<br />

q pesquisa não tenha sido tão emocionante, não sei se fez alguma diferença para o meu pai.<br />

Acabei conversando com vendedores com quem não falava havia mais de quinze anos, mas<br />

eles foram amistosos e prestativos como sempre e se lembraram de mim com prazer. O<br />

mundo da moeda era pequeno, percebi, e quando nossos pedidos chegavam- sempre eram<br />

expedidos via delivery noturno -, meu pai e eu revezávamos no exame das moedas,<br />

apontando eventuais falhas existentes e geralmente concordando com a nota atribuída pelo<br />

Professional Coin Grading Service(Serviço Profissional de Avaliação de Moedas), uma<br />

empresa que avalia a qualidade de qualquer moeda. Embora minha mente às vezes vagasse<br />

para outras coisas, meu pai era capaz de examinar uma única moeda durante horas, como se<br />

ela escondesse o segredo da vida.<br />

Não conversávamos sobre muitas outras coisas, porém, na verdade, não precisávamos<br />

conversar. Ele não tinha vontade de falar sobre o Iraque, eu também não. Nenhum de nós<br />

tinha uma vida social sobre a qual discutir- o Iraque não tinha me levado isso- e meu pai...<br />

bem, ele era meu pai, e não me incomodei em perguntar.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

No entanto, eu estava preocupado com ele. Nas caminhadas, ele respirava com<br />

dificuldade. Quando sugeri que vinte minutos talvez fosse muito tempo, mesmo em ritmo<br />

lento, ele respondeu que, segundo o médico, vinte minutos eram tudo de que ele precisava, e<br />

sabia que não poderia fazer nada para convencê-lo do contrario. Depois da caminhada, ele<br />

ficava muito mais cansado do que deveria e levava cerca de uma hora para que a cor de suas<br />

bochechas voltasse ao normal. Conversei com o médico, e as notícias não eram o que eu<br />

esperava. O coração do meu pai, ele me disse, sofrera um grande dano, e, na opinião dele, era<br />

um grande milagre ele estar de pé. Falta de exercício seria ainda pior.<br />

Pode ter sido essa conversa com o médico, ou talvez eu só quisesse melhorar meu<br />

relacionamento com meu pai, mas o fato é que, nessas duas visitas, nos demos muito melhor<br />

do que antes. Em vez de pressioná-lo constantemente para conversar, simplesmente me<br />

sentava com ele em seu escritório lendo um livro ou fazendo palavras cruzadas, enquanto ele<br />

examinava moedas. Havia algo pacífico e honesto nessa falta de expectativas, e acho que<br />

meu pai lentamente estava aprendendo a lidar com a nova situação entre nós. Às vezes, eu o<br />

pegava a me espreitar como se fôssemos estranhos. Passávamos horas juntos, a maioria em<br />

silêncio, e foi assim, de um jeito quieto e despretensioso, que finalmente nos tornamos<br />

amigos. Muitas vezes desejei que meu pai não tivesse jogado fora nossa fotografia, e quando<br />

chegou a hora de voltar à Alemanha, percebi que sentiria mais saudades do que nunca.<br />

O outono de 2004 passou lentamente, assim como o inverno e a primavera de 2005. A<br />

vida se arrastou sem grandes acontecimentos. Ocasionalmente, os boatos do meu eventual<br />

regresso ao Iraque interrompiam a monotonia dos dias, a idéia de voltar pouco me afetava.<br />

Iraque, tudo bem também. Mantinha-me informado sobre o que acontecia no Oriente Médio<br />

como todo mundo, mas assim que desligava a televisão ou colocava o jornal de lado, minha<br />

mente vagava para outros assuntos.<br />

Eu tinha vinte e oito anos então, e não conseguia evitar a sensação de que, embora<br />

tivesse experimentado mais coisas do que a maioria das pessoas da minha idade, minha vida<br />

ainda estava em suspenso. Entrei no exercito para amadurecer, embora fosse possível


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

argumentar que sim, às vezes me perguntava de isso de fato ocorrera. Eu não tinha casa nem<br />

carro; além de meu pai, estava completamente sozinho no mundo. Enquanto meus colegas<br />

recheavam suas carteiras com fotografias de filhos e esposas, na minha havia um único<br />

instantâneo desbotado de uma mulher que eu amara e perdera. Ouvia os soldados falarem de<br />

suas esperanças para o futuro, enquanto eu não tinha qualquer plano. Às vezes me perguntava<br />

o que meus homens pensariam sobre a minha vida, pois, em certos momentos, notava que<br />

eles me olhavam com curiosidade. Nunca contei a eles sobre meu passado ou abri<br />

informações pessoais. Eles não sabiam sobre Savannah, meu pai ou minha amizade com<br />

Tony. Essas lembranças eram minhas e só minhas, pois aprendi que PE melhor manter<br />

algumas coisas em segredo.<br />

****<br />

Em março de 2005, meu pai teve um segundo ataque cardíaco, que levou a uma<br />

pneumonia e a outra temporada na UTI. Depois que Le foi liberado, começou a tomar um<br />

medicamento que o impedia de dirigir, mas a assistente social do hospital ma ajudou a<br />

encontrar alguém para comprar os mantimentos de que ele necessitava. Em abril, ele voltou<br />

para o hospital, onde foi informado que teria que desistir de suas caminhadas diárias. Em<br />

maio, ele estava tomando uma dúzia de comprimidos diferentes por dia e passava a maior<br />

parte do tempo na cama. Suas cartas tornaram-se praticamente ilegíveis, não só porque ele<br />

estava fraco, mas também porque suas mãos começaram a tremer. Depois de insistir e<br />

implorar ao telefone,convenci uma vizinha- uma enfermeira que trabalhava no hospital locala<br />

cuidar dele regularmente, e suspirei aliviado contando os dias até minha licença em junho.<br />

Mas a doença do meu pai continuou a se agravar nas semanas seguintes, e pelo telefone<br />

percebia um cansaço que parecia aumentara cada vez que falava com ele. Pela segunda vez<br />

na vida, pedi uma transferência para casa. Meu comandante foi mais simpático do que antes.<br />

Nós chegamos a procurar- eu até preenchi os documentos para ser enviado a Fort Bragg para<br />

treinamento aéreo-, mas quando conversei novamente com o médico, fui informado que<br />

minha proximidade não ajudaria muito meu pai e que eu deveria considerar a hipótese de<br />

interná-lo em uma clínica. Meu precisava de mais cuidados do que poderia receber em casa,


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

ele me assegurou. Ele estava tentando convencê-lo havia algum tempo-, mas ele se recusava<br />

até eu voltar de licença. Por alguma razão, o medico explicou, meu pai estava determinado a<br />

me receber em sua casa uma ultima vez.<br />

Essa constatação foi esmagadora e, no taxi do aeroporto, tentei me convencer de que o<br />

médico estava exagerando. Mas não estava. Meu pai não conseguiu levantar do sofá quando<br />

abri a porta, e fiquei perplexo ao perceber que ele parecia ter envelhecido trinta anos durante<br />

o ano que ficamos sem nos ver. Sua pele estava acinzentada, e fiquei chocado com o quanto<br />

ele emagrecera. Com um nó na garganta, coloquei a mala para dentro.<br />

―Oi papai‖, disse.<br />

De inicio, não tive certeza de que ele me reconhecera, mas por fim ouvi um sussurro<br />

áspero. ―Oi John.‖<br />

Fui até o sofá e sentei-me ao lado dele. ―Você esta bem?‖<br />

―Bem‖, foi tudo o que ele disse, e ficamos um longo tempo assim, em silêncio.<br />

Finalmente levantei-me para inspecionar a cozinha, mas me assustei com o que vi.<br />

Havia latas de sopa vazias empilhadas por todos os lados, manchas no fogão e pratos<br />

embolorados amontoados na pia. O lixo estava superlotado. Obviamente a casa não era limpa<br />

há dias. Pilhas de correspondência fechadas inundavam a pequena mesa da cozinha. Meu<br />

primeiro impulso foi sair imediatamente para confrontar a vizinha que prometera cuidar dele.<br />

Mas isso teria que esperar.<br />

Primeiro, achei uma lata de sopa de frango e macarrão e esquentei-a no fogão imundo.<br />

Enchi uma tigela e levei para meu pai em uma bandeja. Ele sorriu fracamente, e notei sua<br />

gratidão. Ele comeu tudo, raspando o prato. Enchi outra tigela, cada vez mais irritado,<br />

imaginado a quanto tempo ele estava sem comer. Quando ele terminou o segundo prato,<br />

ajudei-o a deitar novamente no sofá, onde ele adormeceu em poucos minutos.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

A vizinha não estava, então passei a maior parte da tarde limpando a casa, começando<br />

pela cozinha e o banheiro. Fui trocar os lençóis da cama e descobri que estavam sujos. Fechei<br />

os olhos abafando a vontade de torcer o pescoço da vizinha.<br />

Quando a casa ficou razoavelmente limpa, sentei-me na sala de estar observando meu<br />

pai dormir. Ele aprecia tão pequeno debaixo do cobertor, e quando comecei acariciar seus<br />

cabelos, alguns fios saíram na minha mão. Comecei a chorar, com a certeza de que meu pai<br />

estava morrendo. Foi a primeira vez que chorei naquele ano, e a única vez na minha vida que<br />

chorei por mau pai, mas por muito tempo as lágrimas não cessariam.<br />

Sabia que ele era um homem bom, um homem amável, e apesar da vida difícil que<br />

levara, havia dado o seu melhor para me criar. Nunca levantou a mão com raiva, e comecei a<br />

me atormentar pensando em todos os anos que havia desperdiçado culpando-o. Lembrei-me<br />

de minhas duas ultimas visitas, e doeu pensar que nunca mais dividiríamos momentos como<br />

aqueles.<br />

Mais tarde, carreguei meu pai até a cama. Ele estava leve, muito leve. Ajeitei os<br />

cobertores sobre ele e fiz minha cama no chão ao lado, ouvindo sua dificuldade para respirar<br />

e seus chiados. Ele acordou com tosse no meio da noite e não conseguia parar de tossir.<br />

Quando estava pronto para levá-lo ao hospital, a tosse finalmente cedeu.<br />

Ele ficou aterrorizado quando percebeu aonde eu pretendia levá-lo. ―Ficar... aqui‖,<br />

confessou, com a voz fraca. ―Não quero ir‖.<br />

Eu estava dividido, mas ao final decidi não levá-lo. Para um homem de rotina, percebi,<br />

o hospital não era apenas um lugar estranho, era também uma zona perigosa de demandava<br />

mais energia do que ele dispunha. Foi então que percebi que ele novamente havia sujado os<br />

lençóis.<br />

Quando a vizinha apareceu no dia seguinte, suas primeiras palavras foram um pedido


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

de desculpas. Ela explicou q não limpava a cozinha havia vários dias porque uma de suas<br />

filhas ficou doente, mas trocou os lençóis diariamente e se certificou que havia várias latas de<br />

sopa. Frente a frente com ela na varanda, notei a exaustão em seu rosto, e todas as palavras<br />

de reprovação que estavam na minha garganta desapareceram. Disse que estava muito grato<br />

por tudo que ela fez, mais do que podia expressar.<br />

Eu sorri. Incentivada, ela prosseguiu.<br />

―mas preciso dizer que não pé sempre que ele me deixa entrar. Ele disse que não gosta<br />

de onde coloco as coisas. Ou do jeito que limpo. E de ter mudado uma pilha de papéis de<br />

lugar em cima da mesa dele. Normalmente eu ignoro, mas as vezes, quando ele esta se<br />

sentindo bem, é bastante inflexível sobre não me deixar entrar, e até ameaçou chamar a<br />

policia quando tentei passar. Eu não...‖<br />

Ela parou de falar, e eu terminei a frase para ela.<br />

―Você não sabe o que fazer.‖<br />

A culpa estava escrita claramente no rosto dela.<br />

―Está tudo bem‖, eu disse. ―Sem você, não sei o que ele faria.‖<br />

Ela acenou com alívio antes de desviar o olhar. ―Estou feliz que você esteja em casa‖,<br />

ela começou hesitante, ―queria falar com você sobre essa situação‖. Ela escovou um fiapo<br />

invisível em sua roupa. ―Conheço um lugar ótimo em que poderiam cuidar dele. Os<br />

funcionários são excelentes. As vagas são raras, mas conheço o diretor, e ele sabe quem é o<br />

medico do seu pai. Sei como é difícil ouvir isso, mas acho que é o melhor para ele, espero...‖<br />

Quando ela terminou, sem terminar a frase, percebi que se preocupava genuinamente<br />

com meu pai, e abri a boca pare responder. Mas não disse nada. Não era uma decisão tão<br />

simples como parecia. A casa dele era o único lugar que meu pai conhecia, o único lugar em


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

que ele se sentia confortável. O único lugar em que sua rotina fazia sentido. Se ir para o<br />

hospital o apavorava, ser obrigado a viver em lugar novo provavelmente o mataria. A questão<br />

resumia-se não a onde Lee morreria, mas como morreria. Sozinho em casa, onde dormia em<br />

lençóis sujos, e possivelmente pereceria de fome? Ou entre pessoas que o limpariam e o<br />

alimentariam, em um lugar que o aterrorizava?<br />

Com um tremor na voz que eu não conseguia controlar, perguntei: ―Onde fica?‖<br />

***<br />

Passei as duas semanas seguintes cuidando do meu pai. Fiz o melhor que pude, lia a<br />

Greysheet quando ele estava acordado e dormia no chão ao lado de sua cama. Ele se sujava<br />

todas as noites, e tive de comprar fraldas geriátricas para sua vergonha. Ele passava a tarde<br />

toda dormindo.<br />

Enquanto ele repousava no sofá, visitei várias clínicas. Não apenas a que a vizinha tinha<br />

recomendado, ma todas as outras em um raio de duas horas. No final, a vizinha tinha razão.<br />

O lugar que ela mencionara era limpo, os funcionários pareciam profissionais e, o mais<br />

importante, o diretor parecia ter um interesse pessoal em cuidar do meu pai, não sei se por<br />

causa da vizinha ou do médico que o atendia.<br />

O preço não foi um problema. A clinica era notoriamente cara, mas como meu pai tinha<br />

aposentadoria, Previdência Social, Medicare e seguro saúde privado (era fácil imaginá-lo<br />

assinando na linha pontilhada indicada pelos vendedores de seguros sem saber ao certo o que<br />

estava pagando), tive certeza que o único custo seria emocional. O diretor quarentão de<br />

cabelos castanhos, cujos modos gentis me lembraram TIM, foi compreensivo e não<br />

pressionou por uma decisão rápida. Entregou-me uma pilha de brochuras e formulários,<br />

desejando melhoras para meu pai.<br />

***


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Naquela noite, toquei no assunto da mudança com o meu pai. Eu iria embora dali a<br />

poucos dias e não tinha escolha, não importa o quanto eu quisesse evitar.<br />

Ele não disse nada enquanto eu falava, Expliquei minhas razões, minha preocupações,<br />

na esperança de me entender. Ele não fez perguntas, mas arregalou os olhos em coque, como<br />

se acabasse de ouvir uma sentença de morte.<br />

Quando terminei, precisava desesperadamente de um momento sozinho. Acariciei a<br />

perna dele e fui até a cozinha buscar um copo de água. Quando voltei para sala meu pai<br />

estava debruçado sobre o sofá, abatido e trêmulo, com o rosto entre as mãos. Foi a primeira<br />

vez que o vi chorar.<br />

***<br />

Na manha seguinte, comecei a embalar as coisas do meu pai. Esvaziei gavetas e<br />

arquivos, armários e guarda-roupas. Na gaveta de meias, achei meias; na gaveta de camisas,<br />

só camisas. No arquivo, tudo tabulado e ordenado. Não deveria ser surpresa para mim,<br />

porém, de certo modo, foi surpreendente. Ao contrario da maioria da humanidade, meu pai<br />

não tinha nenhum segredo. Não tinha vícios ocultos, diários, interesses ocultos, nenhuma<br />

caixa de coisas particulares que ele mantinha só para si mesmo. Não encontrei nada que<br />

jogasse luz sobre sua vida interior, nada que pudesse me ajudar a compreendê-lo melhor<br />

depois que ele partisse. Meu pai, soube então, era exatamente o que parecia ser, e de repente<br />

percebi o quanto o admirava por isso.<br />

***<br />

Quando terminei de recolher as coisas dele, encontrei meu pai acordado no sofá. Após<br />

comer regularmente por alguns dias, ele recuperara um pouco de força. Não havia qualquer<br />

brilho em seus olhos, e notei uma pá encostada na mesa. Ele me estendeu um pedaço de<br />

papel. Era uma espécie de mapa rabiscado às pressas por uma mão trêmula, intitulado<br />

―Quintal‖.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

―O que é isso?‖<br />

―É seu‖, ele disse e apontou para pá.<br />

Peguei a pá, segui as indicações no mapa até o carvalho no quintal, contei os passos e<br />

comecei a cavar. Minutos depois, a pá bateu no metal e eu encontrei uma caixa. E mais uma,<br />

embaixo dela. E outra do lado. No total dezesseis caixas pesadas. Sentei-me na varanda e<br />

enxuguei o suor do rosto antes de abrir a primeira.<br />

Já sabia o que iria encontrar, e fechei um pouco os olhos por causas das moedas de ouro<br />

brilhando ao sol forte do verão sulista. No fundo da caixa, encontrei o níquel búfalo 1926-D<br />

que tínhamos procurado e encontrado juntos, sabendo que era a única moeda que realmente<br />

significava algo para mim.<br />

***<br />

No dia seguinte, o ultimo da minha licença, resolvi as pendências da casa: cancelei os<br />

serviços, transferi a correspondência, consegui alguém para aparar a grama. Guardei as<br />

moedas desenterradas em um cofre no banco. Cuidar desses detalhes tomou a maior parte do<br />

dia. Mais tarde, dividimos uma ultima tigela de sopa de frango com macarrão e legumes<br />

cozidos para o jantar, antes que eu o levasse a clinica. Desfiz as malas dele, decorei o quaro<br />

com coisas de que ele gostava, e coloquei doze anos de edições da Greysheet no chão de<br />

baixo da escrivaninha. Mas não foi o suficiente, depois de explicar a situação para o diretor,<br />

voltei a casa para pegar outros badulaques, desejando o tempo todo conhecer meu pai o<br />

bastante para saber o que realmente importava para ele.<br />

Por mais que eu o tranqüilizasse, meu pai permaneceu paralisado de medo e seus olhos<br />

me dilaceravam. Mais de uma vez, fui golpeado pela constatação de que eu estava matandoo.<br />

Sentei ao lado dele na cama, consciente das poucas horas restantes antes de partir para o<br />

aeroporto.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

―Vai ficar tudo bem‖, disse. ―Eles vão cuidar de você.‖<br />

inaudível.<br />

As mãos dele continuavam tremer. ―Tudo bem‖, ele disso com a voz praticamente<br />

Senti as lagrimas começando a se formar. ―Quero dizer uma coisa para você ok?‖,<br />

respirei fundo, concentrando meus pensamentos. ―Só quero que você saiba que acho você o<br />

melhor pai do mundo. Você teve de ser ótimo para aturar alguém como eu.‖<br />

Meu pai não respondeu. No silêncio, senti tudo o que eu sempre quis dizer a ele aflorar<br />

à superfície, palavras que se formaram durante toda uma vida.<br />

―É verdade, pai. Desculpe por todas as coisas horríveis que fiz você passar, e desculpe<br />

por não ter estado presente o suficiente. Você é a melhor pessoa que já conheci. Você é o<br />

único que nunca teve raiva de mim, você nunca me julgou e, ao seu modo, me ensinou mais<br />

sobre a vida do que qualquer filho poderia querer. Sinto muito não poder estar presente<br />

agora, e me odeio por fazer isso com você. Mas estou com medo, pai. Eu não sei o que<br />

fazer.‖<br />

Minha voz soou rouca e irregular aos meus próprios ouvidos, e não queria outra coisa<br />

além de um abraço..<br />

―Ok‖, ele disse finalmente.<br />

Sorri para sua resposta. Não pude evitar.<br />

―Eu te amo, papai.‖<br />

A isso, ele sabia exatamente o que responder, pois sempre fizera parte da rotina.


Dear John<br />

―Também te amo, Jonh.‖<br />

Nicholas Sparks<br />

Abracei-o e em seguida me levantei para dar a ele a edição mais recente da Greysheet.<br />

Quando cheguei a porta, parei mais uma vez e olhei para ele.<br />

Pela primeira vez desde que ele chegou, o medo tinha quase desaparecido. Ele segurava<br />

o papel bem perto do rosto, e notei a página tremer ligeiramente. Seus lábios se moviam<br />

enquanto ele se concentrava nas palavras e detive-me a observá-lo, na esperança de<br />

memorizar aquele rosto para sempre.<br />

Foi a última vez que o vi vivo.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Dezessete<br />

Meu pai morreu sete semanas depois e eu recebi uma licença de emergência para ir ao<br />

funeral. O vôo de volta para os Estados Unidos foi um borrão. Tudo o que eu pude fazer foi<br />

olhar pela janela pra o cinza sem forma do oceano centenas de metros abaixo de mim,<br />

desejando que eu pudesse ter estado com ele em seus momentos finais. Eu não tinha feito a<br />

barba, tomado banho ou até mesmo mudado minhas roupas desde que ouvi as notícias, como<br />

se seguir com minha vida diária significasse que eu teria aceitado completamente que ele<br />

tinha partido.<br />

No terminal e na volta pra casa, me peguei ficando com raiva das cenas cotidianas ao<br />

meu redor. Vi pessoas dirigindo ou caminhando, entrando e saindo de lojas, agindo<br />

normalmente, mas para mim nada parecia normal de forma alguma.<br />

Foi só quando voltei à casa que lembrei de ter desativado os serviços quase dois meses<br />

antes. Sem luzes a casa parecia estranhamente isolada na rua, como se não pertencesse ali.<br />

Como meu pai, eu pensei. Ou eu, me dei conta. De alguma forma aquele pensamento<br />

possibilitou que eu me aproximasse da porta.<br />

Pendurado na moldura da porta havia um cartão de negócios de um advogado chamado<br />

William Benjamin; no verso, ele dizia representar meu pai. Com o serviço telefônico<br />

desconectado, eu liguei da casa da vizinha e fiquei surpreso quando ele apareceu na casa<br />

cedo na manhã seguinte, maleta em mãos.<br />

O levei pra dentro da casa suja e ele se sentou no sofá. Seu terno devia ter custado mais<br />

do que eu ganho em dois meses. Depois de se apresentar e lamentar minha perda, ele se<br />

inclinou pra frente. "Estou aqui porque gostava do seu pai," ele disse. "Ele foi um dos meus<br />

primeiros clientes, e nada paga isso, a propósito. Ele veio até mim logo depois que você<br />

nasceu para fazer um testamento, e todo ano, no mesmo dia, eu recebia uma carta dele


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

certificada que listava todas as moedas que ele tinha comprado. Expliquei a ele sobre<br />

impostos da propriedade, então ele os têm quitado pra você desde que você era criança."<br />

Eu estava muito chocado para falar.<br />

"De qualquer forma, seis semanas atrás ele me escreveu uma carta me informando que<br />

você finalmente estava de posse das moedas, e ele queria se certificar que tudo o mais estava<br />

em ordem, então eu atualizei seu testamento uma última vez. Quando ele me contou onde<br />

estava vivendo, percebi que ele não estava bem, então liguei pra ele.Ele não disse muito, mas<br />

me deu permissão pra falar com o diretor. O diretor me prometeu que iria me deixar saber<br />

quando ou se seu pai viesse a falecer para eu poder encontrar você. Então aqui estou."<br />

Ele começou a mexer em sua maleta. "Eu sei que você está lidando com os acordos do<br />

funeral e que essa não é uma boa hora. Mas seu pai me disse que você não deve permanecer<br />

aqui por muito tempo e que eu deveria cuidar dos assuntos dele. Foram palavras dele, a<br />

propósito, não minhas. Certo, aqui está." Ele me estendeu um envelope, cheio de papéis. "O<br />

testamento dele, uma lista de cada moeda da coleção, incluindo qualidade e o dia em que foi<br />

cunhada, e todos os acordos para o funeral-que é pré-pago, a propósito. Prometi a ele que<br />

veria os impostos durante todo o tempo até que o testamento fosse aprovado também, mas<br />

isso não será um problema, visto que o imposto é pequeno e você é seu único filho. E se você<br />

quiser, posso achar alguém para vender qualquer coisa que você não quiser mais e preparar a<br />

casa pra venda também. Seu pai disse que você não deve ter tempo pra isso também." Ele<br />

fechou a maleta. "Como eu disse, gostava do seu pai. Geralmente você tem que convencer as<br />

pessoas da importância dessas coisas, mas não seu pai. Ele era um homem metódico."<br />

"É." Assenti. "Ele era."<br />

Como o advogado disse, tudo tinha sido arrumado. Meu pai tinha escolhido o tipo de<br />

sepultura que ele queria, arrumado suas roupas e tinha até comprado o próprio caixão.<br />

Conhecendo ele, acho que deveria ter esperado, mas isso só reforçou minha crença de


Dear John<br />

que eu nunca tinha realmente entendido ele.<br />

Nicholas Sparks<br />

O funeral, em um dia quente e chuvoso de agosto, foi esparsamente presenciado. Dois<br />

colegas de trabalho, o diretor do asilo, o advogado e a vizinha que ajudou a cuidar dele foram<br />

os únicos ao meu lado no enterro. Partiu meu coração - o partiu em um milhão de pedaços -<br />

que em todo o mundo, apenas essas pessoas haviam visto o valor do meu pai. Depois que o<br />

pastor terminou as orações, ele sussurrou pra mim para ver se eu queria adicionar alguma<br />

coisa. Nessa hora, minha garganta estava muito apertada e me custou tudo que eu tinha para<br />

simplesmente sacudir a cabeça e negar.<br />

De volta em casa, sentei cauteloso na beira da cama do meu pai. A essa altura a chuva<br />

havia parado e os raios de sol cinza pendiam através da janela. A casa tinha um odor mofado,<br />

mas eu ainda podia sentir o cheiro do meu pai em seu travesseiro. Ao meu lado estava o<br />

envelope que o advogado tinha trazido. Tirei o seu conteúdo de dentro. O testamento estava<br />

em cima, como outros documentos. Entre eles, contudo, estava a fotografia emoldurada que<br />

meu pai havia removido de sua mesa há muito tempo atrás, a única foto existente de nós dois.<br />

Levei-a até meu rosto e a encarei até que as lágrimas encheram meus olhos.<br />

Mais tarde naquela tarde, Lucy, minha antiga ex, chegou. Quando ela estava na minha<br />

porta, eu não sabia o que dizer. A mulher estonteante dos meus anos selvagens tinha sumido;<br />

em seu lugar estava uma mulher vestindo um caro terno preto e uma blusa de seda.<br />

"Sinto muito, John," ela murmurou, vindo em minha direção. Nos abraçamos,<br />

apertando um ao outro e a sensação do seu corpo contra o meu foi como um copo de água<br />

gelada em um dia de verão. Ela estava com o mais suave cheiro de perfume, um que eu não<br />

podia adivinhar, mas me fazia pensar em Paris, mesmo que eu nunca tivesse ido lá.<br />

"Acabei de ler o obituário," ela disse depois de me soltar. "Me desculpe não poder ter<br />

ido ao funeral."


Dear John<br />

"Tudo bem," eu disse. Indiquei o sofá. "Quer entrar?"<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela sentou ao meu lado e quando vi que ela não estava usando sua aliança, ela<br />

inconscientemente moveu a mão.<br />

"Não deu certo," ela disse. "Me divorciei no ano passado."<br />

"Sinto muito."<br />

"Eu também," ela disse, pegando minha mão. "Você está bem?"<br />

"Sim," eu menti. "Estou bem."<br />

Conversamos um pouco sobre o tempo que passou; ela não acreditava na minha<br />

afirmação de que sua última ligação tinha me feito entrar no exército. Contei a ela que foi<br />

exatamente o que eu precisei no momento. Ela falou de sua profissão-ela ajudava a criar e<br />

montar espaços de varejo em lojas de departamento-e perguntou como era o Iraque. Contei a<br />

ela sobre a areia. Ela riu e não perguntou mais sobre isso. Algum tempo depois, nossa<br />

conversa diminuiu para um gotejar enquanto nos dávamos conta do quanto nós dois tínhamos<br />

mudado. Talvez fosse porque nós já tínhamos sido íntimos, ou talvez porque ela fosse uma<br />

mulher, mas eu podia senti-la me examinando e já sabia qual seria sua próxima pergunta.<br />

"Você está apaixonado, não está?" ela murmurou.<br />

Cruzei minhas mãos no meu colo e olhei a janela. Lá fora o céu estava novamente<br />

escuro e nublado, prevendo ainda mais chuva. "Sim," admiti.<br />

"Qual o nome dela?"<br />

"Savannah," eu disse.


Dear John<br />

"Ela está aqui?"<br />

Nicholas Sparks<br />

Eu hesitei. "Não."<br />

"Quer falar sobre isso?"<br />

Não, eu queria dizer. Não quero falar sobre isso. Aprendi no exército que estórias como<br />

a nossa eram entediantes e previsíveis, e embora todos perguntassem, ninguém realmente as<br />

queria ouvir. Mas contei a ela a estória do começo ao fim, com mais detalhes do que deveria,<br />

e mais de uma vez ela pegou minha mão. Eu não tinha me dado conta o quanto era difícil<br />

manter isso dentro de mim e na hora que parei, acho que ela sabia que eu precisava ficar<br />

sozinho.<br />

Ela beijou minha bochecha enquanto saía, e quando já tinha ido, andei pela casa por<br />

horas. Passei de cômodo a cômodo, pensando no meu pai e pensando em Savannah, me<br />

sentindo como um estrangeiro e gradualmente me dando conta que havia mais um lugar que<br />

pra onde eu tinha que ir.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Dezoito<br />

Naquela noite, dormi na cama do meu pai, a única vez que fiz isso na vida. A<br />

tempestade passou, e a temperatura subiu a níveis absurdos. Abrir as janelas não foi<br />

suficiente para refrescar, e rolei na cama durante horas. Quando me arrastei para fora da<br />

cama na manha seguinte, encontrei as chaves do carro do meu pai penduradas em um gancho<br />

na cozinha. Joguei minhas malas na traseira e peguei algumas coisas da casa que queria<br />

guardar. Pouca coisa além da fotografia. Depois liguei para o advogado e aceitei a oferta de<br />

encontrar alguém que desse um fim no resto das coisas e também de vender a casa. Joguei a<br />

chave na caixa do correio.<br />

Na garagem o motor levou alguns segundos para pegar. Tirei o carro e tranquei a porta<br />

da garagem. Do quintal, olhei a casa, pensando em meu pai e sabendo que nunca mais veria<br />

aquele lugar.<br />

***<br />

Dirigi até a clínica, peguei os pertences de meu pai e então saí de Wilmington pela<br />

interestadual em direção ao oeste, no piloto automático. Havia anos que eu não passava<br />

naquele trecho da estrada, e tinha apenas vaga idéia do trânsito, mas a sensação de<br />

familiaridade voltou em ondas. Passei pelas cidades de minha juventude e atravessei Raleigh<br />

em direção a Chapel Hill. Onde as memórias voltaram com dolorosa intensidade. Pisei no<br />

acelerador, tentando deixá-las para trás.<br />

Atravessei Burlington, Greensboro e Winston-Salem. Fiz uma única parada para<br />

abastecer no inicio do dia, quando comprei uma garrafa de água. Segui direto, só bebericando<br />

água, sem estomago para pensar em comer. Deixei a nossa fotografia no assento do carona, e<br />

vez ou outra tentava evocar o menino da foto. Por fim, fiz a conversão para o norte, seguindo<br />

pela estradinha que corta as montanhas de picos azuis ao sul e ao norte, suaves ondulações na


Dear John<br />

crosta terrestre.<br />

Nicholas Sparks<br />

Já era fim de tarde quando estacionei o carro e me registrei em um velho motel de beira<br />

de estrada. Meu corpo estava rígido e, após alongar alguns minutos, tomei banho e fiz a<br />

barba. Coloquei jeans limpos e uma camiseta. Cogitei pegar algo para comer, porem ainda<br />

estava sem fome. Com o sol baixo, o ar não tinha o mormaço úmido do litoral, e senti o<br />

cheiro das coníferas descendo das montanhas. Foi ali que Savannah nasceu, e de algum modo<br />

eu sabia que ela ainda estava lá.<br />

Embora pudesse ter ido à casa dos pais dela perguntar, descartei a idéia, sem saber<br />

como eles reagiram à minha presença. Decidi dirigir pelas ruas de Lenoir, passando pelo<br />

distrito comercial onde havia uma variada coleção de restaurantes fast-food, mas só<br />

desacelerei quando cheguei à parte menos genérica da cidade. Nessa área Lenoir parecia não<br />

ter mudado nada-turistas e recém-chegados eram bem vindos em visita, mas nunca seriam<br />

considerados gente do lugar. Estacionei em um velho salão de bilhar que me fez lembrar os<br />

lugares que freqüentava na juventude. Luminosos de neon faziam publicidade da cerveja nas<br />

janelas, e o estacionamento estava cheio. Era em um local como aquele que encontraria a<br />

resposta de que precisava.<br />

Entrei, Hank Willians tocava na jukebox, e rolos de fumaça de cigarro pairavam no ar.<br />

Quatro mesas de sinuca estavam agrupadas: todos os jogadores usavam bonés de baseball, e<br />

dois evidentemente tinham tabaco de mascar acumulado nas bochechas. Peixes gigantes<br />

empalhados decoravam as paredes, ao lado de memorabilia da NASCAR. Havia fotos tiradas<br />

em Talladega, Martinsville, North Wilkesboro e Rockinghan. Embora a minha opinião sobre<br />

o esporte não tivesse mudado, tal visão me deixou estranhamente à-vontade. No canto do bar,<br />

abaixo do rosto sorridente do falecido Dale Earnhardt *, havia uma jarra cheia de dinheiro,<br />

pedindo doações para ajudar uma vítima local do câncer. Sentindo um inesperado arroubo de<br />

simpatia, contribuí com alguns dólares.<br />

*Piloto de automobilismo que morreu em um acidente nas 500 milhas de Daytona em<br />

2001


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Sentei no bar e puxei conversa com o barman. Ele tinha mais ou menos minha idade e<br />

seu sotaque da montanha me lembrou Savannah. Depois de vinte minutos de conversa fiada,<br />

tirei a foto da Savannah da carteira e expliquei que era amigo da família. Citei os nomes dos<br />

pais dela e fiz perguntas demonstrando que eu estivera lá antes.<br />

Ele foi cauteloso, e com razão. Cidades pequenas protegem os seus. Mas acontece que<br />

ele passara alguns anos na marinha, e isso ajudou. Após um tempo, ele concordou em falar.<br />

―Sim, eu conheço ela‖, disse. ―Ela mora em Old Mill Road, perto da casa dos pais.‖<br />

Já passava das oito horas, e o céu estava escurecendo com a chegada da noite. Dez<br />

minutos depois, deixei uma gorjeta gorda no balcão e tomei o rumo da saída.<br />

***<br />

Curiosamente, não passava nada na minha cabeça enquanto dirigia até a região dos<br />

cavalos. Pelo menos, era assim que eu me lembrava da área na ultima vez que estive ali.<br />

Peguei uma estrada de constante subida, e comecei a reconhecer os pontos de referência da<br />

região; sabia que em poucos minutos passaria pela casa dos pais de Savannah. Quando o fiz,<br />

inclinei-me, sobre o volante, procurando pela próxima abertura na cerca até virar uma longa<br />

estrada de cascalho. Assim que fiz a conversão, notei uma placa pintada a mão indicando um<br />

lugar chamado ―Hope and Horses‖ **.<br />

**Em tradução literal: Esperança e Cavalos.<br />

O crepitar dos pneus sobre o cascalho era estranhamente reconfortante, e estacionei<br />

debaixo de um salgueiro, ao lado de uma pequena caminhonete velha. Observei a casa.<br />

Quadrada, de telhado pontudo, pintada de branco a e com uma chaminé que subia em direção<br />

ao céu, a casa parecia erguer-se da terra como uma imagem fantasmagórica de centenas de<br />

anos. Uma única lâmpada brilhava em cima da antiga porta de entrada, e um pequeno vaso<br />

de planta estava pendurado perto da bandeira americana, ambos balançando suavemente com


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

a brisa. Do lado da casa havia um velho celeiro e um pequeno curral; para além uma<br />

pastagem verde esmeralda delimitada por uma cerca branca, que se estendia até uma fileira<br />

de maciços carvalhos. Havia outra construção semelhante a uma cabana perto do celeiro, e<br />

nas sombras eu avistava os contornos de equipamentos agrícolas. Questionei novamente o<br />

que estava fazendo aqui.<br />

Não era tarde de mais para ir embora, mas não conseguia me obrigar a manobrar o<br />

carro. O céu ardia em vermelho e amarelo antes de o sol mergulhar para além do horizonte,<br />

lançando as montanhas na escuridão total. Saí do carro e comecei a me aproximar da casa. O<br />

orvalho na grama umedeceu as pontas dos meus sapatos, e senti o cheiro das coníferas mais<br />

uma vez. Ouvi o chilreio dos grilos e o canto constante de um rouxinol. Os sons davam-me<br />

força enquanto eu me aproximava do alpendre. Tentei descobrir o que diria se ela atendesse a<br />

porta. Ou o que eu diria se ele atendesse. Enquanto tentava decidir o que fazer, um retriever<br />

abanando a cauda se aproximou de mim.<br />

Estendi a mão, e ele me deu uma lambida amigável antes de fazer a volta e descer as<br />

escadas. Sua calda continuava abanando enquanto ele rodeava a casa. Ouvindo o mesmo<br />

chamado que me trouxera para Lenoir, deixei o alpendre e o segui. Ele mergulhou, arrastando<br />

a barriga no chão e rastejando por debaixo do último obstáculo da cerca, e então entrou no<br />

celeiro.<br />

Assim que o cão desapareceu, vi Savannah surgir do celeiro carregando retângulos de<br />

feno sob os braços. Os cavalos do pasto começaram a galopar naquela direção, enquanto ela<br />

distribuía o feno em vários comedouros. Eu continuava a avançar. Ela estava sacudindo o<br />

feno da roupa e se preparando para voltar ao celeiro quando, inadvertidamente, olhou na<br />

minha direção. Ela deu um passo, olhou novamente e congelou no lugar.<br />

Por um longo momento, nenhum de nós se moveu. Com seu olhar fixo no meu, percebi<br />

que fora um erro ter vindo, ter aparecido assim sem avisar. Sabia que deveria dizer algo,<br />

qualquer coisa, mas nada me veio à mente. Só conseguia olhar para ela.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

As memórias voltaram como uma avalanche, todas elas, e notei quão pouco ela mudara<br />

desde a última vez que nos vimos. Como eu, ela vestia jeans e uma camiseta manchada de<br />

terra, e suas botas de cowboy estavam desgastadas e arranhadas. De algum modo, aquele<br />

visual campestre lhe dava um charme rústico. Seu cabelo estava mais comprido, mas ela<br />

ainda tinha a pequena fenda entre os dentes da frente que eu sempre adorara.<br />

―Savannah‖, eu disse finalmente.<br />

Só depois de falar, percebi que ela ficara tão enfeitiçada quanto eu. De repente, ela<br />

abriu um sorriso largo e cheio de um prazer inocente.<br />

―John‖ ela gritou.<br />

―É bom ver você de novo.‖<br />

Ela balançou a cabeça, como tentando aclarar a mente, então apertou os olhos<br />

novamente. Quando finalmente se convenceu que eu não era uma miragem, partiu em minha<br />

direção e atravessou a porteira. Momentos depois, senti os braços dela em volta de mim, seu<br />

corpo quente e acolhedor. Por u segundo, era como se nada tivesse mudado entre nós. Quis<br />

que aquele abraço não terminasse nunca. Mas quando ela se afastou, quebrou a ilusão e nos<br />

tornamos estranhos outra vez. O rosto dela fazia a pergunta que eu tinha sido incapaz de<br />

responder durante a longa viagem até ali.<br />

―O que você esta fazendo aqui?‖<br />

Desviei o olhar. ―Não sei‖, disse. ―Só precisava vir.‖<br />

Embora ela não tenha perguntado mais nada, havia uma mistura de curiosidade e<br />

hesitação em sua expressão, como se ela não tivesse certeza de que queria uma explicação.<br />

Dei um pequeno passo para trás, abrindo espaço para ela. Identifiquei os contornos sombrios<br />

dos cavalos na escuridão e senti que os acontecimentos dos últimos dias aos poucos voltavam


Dear John<br />

para mim.<br />

Nicholas Sparks<br />

―Meu pai morreu‖, sussurrei, as palavras surgiram do nada. ―Acabo de vir do funeral.‖<br />

Ela ficou quieta. Sua expressão adquiriu a compaixão espontânea que tanto me atraiu<br />

no passado.<br />

―Oh, John... Sinto muito‖, murmurou.<br />

Ela se aproximou novamente, e desta vez havia urgência em seu abraço. Quando se<br />

afastou, metade do seu rosto ficou na sombra.<br />

―Como aconteceu?‖, ela perguntou, ainda segurando a minha mão.<br />

Percebi uma tristeza genuína em sua voz, e fiz uma pausa incapaz de resumir os últimos<br />

dois anos em uma única frase. ―É uma longa história‖, disse. Sob as luzes do celeiro, julguei<br />

detectar em seu olhar traços das memórias que ela queria manter enterradas, de uma vida<br />

muito antiga. Quando ela soltou minha mão, vi a aliança brilhando no dedo esquerdo. Essa<br />

visão foi como uma ducha de água fria, um choque de realidade.<br />

Ela compreendeu minha expressão. ―Sim‖, ela disse, ―estou casada.‖<br />

―Desculpe‖, disse, balançando a cabeça. ―Não deveria ter vindo.‖<br />

Surpreendendo-me, ela gesticulou ligeiramente. ―Tudo bem‖, disse, inclinando a<br />

cabeça. ―Como você me encontrou?‖<br />

―É uma cidade pequena.‖ Dei de ombros. ―Perguntei pra alguém.‖<br />

―E simplesmente... te contaram?‖


Dear John<br />

―Fui convincente.‖<br />

Nicholas Sparks<br />

Foi esquisito, e nenhum de nós sabia o que dizer. Parte de mim esperava continuar ali,<br />

enquanto conversávamos como velhos amigos sobre tudo o que havia acontecido conosco<br />

desde nosso último encontro. Outra parte de mim esperava que o marido dela aparecesse do<br />

nada a qualquer momento e, ou me estendesse a mão ou me desafiasse para uma briga. Em<br />

meio ao silêncio, um cavalo relinchou. Atrás dela havia quatro cavalos com as cabeças<br />

enfiadas no comedouro, metade nas sombras, metade iluminados pela luz do celeiro. Três<br />

outros cavalos, incluindo Midas, olhavam para Savannah como que perguntando se ela havia<br />

se esquecido deles. Savannah por fim fez um sinal por cima do ombro.<br />

―Tenho de cuidar deles também‖, disse ela. ―É a hora da comida, e eles estão ficando<br />

impacientes.‖<br />

Quando assenti, Savannah deu um passo para trás e virou-se. Assim que chegou ao<br />

portão, ela acenou. ‖Você quer me dar uma mão?‖<br />

Hesitei, olhando em direção a casa. Ela seguiu meu olhar.<br />

―Não se preocupe‖ disse. ―Ele não está, e sua ajuda seria muito bem vinda.‖ A voz dela<br />

estava surpreendentemente tranqüila.<br />

ajudar.‖<br />

Embora não soubesse como interpretar aquela resposta, concordei. ―Fico feliz em<br />

Resmunguei: ―vou tentar.‖<br />

mim.<br />

No celeiro, ela separou um pedaço de feno e, em seguida, mais dois e entregou-os a<br />

―Basta jogar nos comedouros perto dos outros. Eu estou indo pegar a aveia.‖


Dear John<br />

baldes.<br />

Nicholas Sparks<br />

Fiz o que ela mandou, e os cavalos se aproximaram. Savannah saiu carregando dois<br />

acidente.‖<br />

―É melhor você dar um pouco de espaço para eles, Eles podem derrubar você por<br />

Eu me afastei, e Savannah pendurou os baldes na cerca. O primeiro grupo de cavalos<br />

trotando em direção a eles. Savannah os observou com evidente orgulho.<br />

―Quantas vezes você tem que alimentá-los?‖<br />

―Duas vezes por dia, todos os dias. Mas há mais além da alimentação. Você ficaria<br />

surpreso em como eles são estabanados às vezes. O telefone do veterinário está na discagem<br />

rápida.‖<br />

Eu sorri. ―Parece muito trabalho.‖<br />

―É mesmo. Dizem que ser dono de um cavalo é como viver como uma âncora. A menos<br />

que você tenha alguém para ajudar, é difícil ficar longe, mesmo por um fim de semana.‖<br />

―Seus pais ajudam?‖<br />

―Às vezes. Quando realmente preciso deles. Eles moram atrás do morro, do outro lado<br />

da cerca. Mas o meu pai está ficando velho, e há uma grande diferença entre cuidar de um<br />

cavalo e cuidar de sete.<br />

―Vou acreditar na sua palavra.‖<br />

No doce abraço da noite, ouvindo o zumbido constante das cigarras, eu respirava a paz<br />

daquele refugio, tentando aquietar meus pensamentos acelerados.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

―Este é exatamente o tipo de lugar que imaginei como sua casa‖, finalmente disse.<br />

―Eu também‖, ela afirmou. ―Mas é muito mais difícil do que eu imaginava. Há sempre<br />

algo para consertar. Você não imagina quantos vazamentos havia no celeiro, e um bom<br />

pedaço da cerca desabou no último inverno. Foi nisso que trabalhamos durante toda a<br />

primavera.‖<br />

Embora tenha ouvido ela usar ―nós‖ e assumindo que se tratava de seu marido, eu ainda<br />

não estava pronto para falar sobre ele. Nem ela, ao que parece.<br />

―Mas é bonito aqui, mesmo com tanto trabalho. Em noites como esta, gosto de sentar<br />

no alpendre e apenas ouvir o mundo. Raramente se ouve barulho de carros e isso é tão...<br />

pacífico. Ajuda a clarear a mente, especialmente depois de um longo dia.‖<br />

Enquanto ela falava, observei como media as palavras, percebi seu desejo de manter a<br />

conversa em território seguro.<br />

―Aposto que sim.‖<br />

―Preciso limpar alguns cascos‖, ela anunciou. ―Você quer ajudar?‖<br />

―Não sei o que fazer‖, admiti.<br />

―É fácil, disse. ―Vou te mostrar.‖ Desapareceu no celeiro e saiu carregando o que<br />

parecia ser um par de pequenos pregos curvados. Ela me entregou um. Enquanto os cavalos<br />

comiam, ela se aproximou de um deles.<br />

―Você só tem agarrar perto do casco e levantar, enquanto segura a parte de trás da pata<br />

dele aqui‖, disse, demonstrando. Ocupado com o feno, o cavalo levantou a pata obediente.<br />

Ela apoiou o casco entre as pernas. ―Então, basta tirar a terra do casco. É só isso.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Fui até o cavalo ao lado dela e tentei replicar suas ações, mas nada aconteceu. O cavalo<br />

era excessivamente grande e teimoso. Eu puxei a pata e segurei no lugar certo. Depois puxei<br />

e segurei mais um pouco. O cavalo continuou a comer, ignorando meus esforços.<br />

―Ele não vai levantar a pata‖, reclamei. Ela terminou o casco que estava limpando,<br />

então se inclinou para o lado do meu cavalo. Um puxão e um apertão mais tarde, o casco<br />

estava no lugar, entre as pernas dela. ―Claro que vai. Só que ele sabe que você não tem idéia<br />

do que esta fazendo e esta desconfortável perto dele. Você tem que ser confiante.‖ Ela deixou<br />

cair o casco e tomei o seu lugar para tentar novamente. O cavalo ignorou-me mais uma vez.<br />

―Veja como eu faço‖, disse ela com cuidado.<br />

―Eu estava observando‖, protestei.<br />

Ela repetiu o procedimento, o cavalo levantou a pata. Um momento depois imitei o<br />

passo a passo e o cavalo me ignorou. Embora eu não possa alegar que consiga ler a mente de<br />

um cavalo, tive a estranha sensação de que ele se divertia com o meu sofrimento. Frustrado,<br />

bati e puxei incansavelmente até que, finalmente, como por magia, o cavalo levantou a pata.<br />

Apesar da precariedade do meu desempenho, senti uma onda de orgulho. Pela primeira vez<br />

desde que cheguei, Savannah riu.<br />

―Bom trabalho. Agora é só raspar fora a lama e partir para o próximo casco.‖<br />

Savannah tinha limpado os outros seis cavalos quando terminei meu primeiro. Quando<br />

terminamos, ela abriu a porteira e os cavalos trotaram para a pastagem escura. Eu não sabia o<br />

que esperar, mas Savannah foi para o galpão. Ela trazia duas pás nas mãos.<br />

―Agora é hora de limpar‖, disse ela, entregando-me uma pá.<br />

―Limpar?‖


Dear John<br />

―O chorume‖, disse. ―Caso contrário pode ficar muito espesso aqui.‖<br />

Nicholas Sparks<br />

Peguei a pá. ―Você faz isso todo dia?‖<br />

mão.<br />

―A vida é doce, não é?‖, ela provocou. Ela saiu novamente e voltou com um carrinho de<br />

Quando começamos a cavar o estrume, um pedaço de uma lua surgiu sobre as copas das<br />

arvores. Trabalhamos em silêncio, o tilintar das pás em ritmo constante enchia o ar. Quando<br />

acabamos, inclinei-me sobre minha pá e a observei. No escuro do celeiro ela parecia linda e<br />

fugaz como uma aparição. Ela não disse nada, mas pude sentir que me analisava.<br />

―Você esta bem?‖, finamente perguntei.<br />

―Por que você veio, John?‖<br />

―Você já me perguntou isso.‖<br />

―Sei que já perguntei‖, ela disse. ―Mas você ainda não respondeu.‖<br />

Estudei-a. Não, eu não tinha respondido. Não tinha certeza se podia me explicar, e<br />

transferi o peso de um pé para o outro. ―Não sabia para onde mais poderia ir.‖<br />

Surpreendendo-me, ela concordou. ―Uh-huh‖, admitiu.<br />

Foi a aceitação sem reservas em sua voz que me fez continuar.<br />

―estou falando sério‖, disse. ―De certo modo, você foi a melhor amiga que já tive.‖<br />

Notei a expressão dela amolecer. ―Tudo bem‖, ela disse. Essa resposta lembrou-me do<br />

meu pai e, depois de falar, talvez ela tenha percebido isso. Obriguei-me a examinar a


Dear John<br />

propriedade.<br />

Nicholas Sparks<br />

―Esta é a fazenda que você sonhava construir, não é?‖ perguntei. ―Hope and Horses é<br />

para crianças altistas, não?‖<br />

Ela passou a mão pelos cabelos, colocando uma mecha atrás da orelha. Parecia feliz de<br />

eu ter lembrado. ―Sim‖, disse ela. ―É.‖<br />

―É tudo o que você pensou que seria?‖<br />

Ela riu e ergueu as mãos. ―Às vezes‖, disse. ―Mas é muito mais difícil do que eu<br />

imaginava, e não pense que rende o suficiente para pagar as contas. Nós dois trabalhamos em<br />

outros empregos, e todos os dias percebo que não aprendi tanto na faculdade quanto<br />

imaginava.‖<br />

―Não?‖<br />

Ela balançou a cabeça. ―Algumas das crianças que aparecem aqui, ou no centro, são<br />

muito difíceis de tratar.‖ Ela hesitou, tentando encontrar as palavras certas. Finalmente,<br />

balançou a cabeça. ―Acho que pensei que todas seriam como Alan, sabe?‖ Ela olhou para<br />

cima. ―Você se lembra quando falei dele?‖<br />

Assenti com a cabeça e ela prosseguiu. ―Acontece que a situação de Alan era especial.<br />

Não sei, talvez por ele ter crescido em um rancho, mas ele se adaptou muito mais facilmente<br />

do que a maioria das crianças.‖<br />

Ela parou de falar, e olhei-a de modo inquisitivo. ―Lembro que não foi assim que você<br />

me contou a história. Pelo que me lembro, Alan ficou apavorado no início.‖<br />

―Sim, eu sei, mas enfim... ele se acostumou. E esse é o ponto. Não sei quantas crianças<br />

temos aqui que não se adaptaram em nada, não importa quanto tempo trabalhamos com elas.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Isto não é só uma coisa de final semana, algumas crianças freqüentaram regularmente por<br />

mais de um ano. Trabalhamos em um centro de avaliação do desenvolvimento, portanto<br />

passamos muito tempo com a maioria das crianças. Quando criamos o rancho, insisti em<br />

abri-lo para todas as crianças, independentemente da gravidade do transtorno. Sentimos que<br />

seria algo importante, mas com algumas crianças... Eu só queria saber como me comunicar<br />

com elas. Às vezes parece que estamos apenas andando em círculos.‖<br />

Percebi que Savannah repassava suas lembranças. ―Não quero dizer que estamos<br />

perdendo nosso tempo‖, ela prosseguiu. ―Algumas crianças realmente se beneficiaram com o<br />

que estamos fazendo. Elas vêm aqui, passam alguns fins de semana e é como... um botão de<br />

flor lentamente desabrochando em algo belo. Assim como foi com Alan. É como se você<br />

pudesse sentir a mente deles se abrindo para novas idéias e possibilidades. E quando estão<br />

cavalgando com um grande sorriso nos rostos, nada mais importa no mundo. É um<br />

sentimento inebriante, e você quer que aconteça mais e mais, com cada criança que chega. Eu<br />

costumava achar que era questão de persistência, que podíamos ajudar a todos, mas não<br />

podemos. Algumas das crianças não querem nem mesmo chegar perto do cavalo, quanto<br />

mais, montar.‖<br />

―Você sabe que não é sua culpa. Eu também não ficava muito entusiasmado com a idéia<br />

de montar, lembra?‖<br />

Ela riu, parecendo extremamente feminina. ―Sim, eu lembro. Na primeira vez que você<br />

subiu em um cavalo, estava mais assustado do que boa parte das crianças.‖<br />

―Não, não estava‖, protestei. ―E, alem disso, Pepper era arisco‖, insisti.<br />

―Falou como um verdadeiro novato‖, ela provocou. ―Mas mesmo que você esteja<br />

errado, fico tocada por ainda se lembrar.‖<br />

Sua jovialidade evocou uma onda de lembranças.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

―Claro que lembro‖, disse. ―Aquele foram os melhores dias da minha vida. Nunca vou<br />

esquecê-los.‖ Atrás dela, avistei o cão errante no pasto. ―Talvez por isso eu ainda não esteja<br />

casado.‖<br />

Ao ouvir essas palavras, o olhar dela vacilou. ―Eu também me lembro.‖<br />

―Você?‖<br />

―Claro‖, ela disse. ―Você pode não acreditar, mas é verdade.‖<br />

O peso das palavras dela encheu o ar.<br />

―Você é feliz Savannah?‖, finalmente perguntei.<br />

Ela abriu um sorriso irônico. ―A maior parte do tempo. Você não?‖<br />

―Não sei‖, disse, e ela riu novamente.<br />

―Essa é a sua resposta padrão, sabia? Quando é convidado a olhar para dentro de si e<br />

responder. É como um reflexo seu. Sempre foi. Por que você não pergunta o que realmente<br />

quer perguntar?‖<br />

―O que eu realmente quero perguntar?‖<br />

―Se amo o meu marido. Não é isso que você quer saber?‖<br />

Por um estante fiquei mudo, mas percebi que os instintos dela estavam corretos. Esse<br />

era o motivo real que me levara até ali.<br />

―Sim‖, ela disse afinal, novamente lendo minha mente. ―Eu o amo.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

A sinceridade inquestionável em sua voz me feriu, mas antes que eu pudesse refletir, ela<br />

se virou para mim novamente. A ansiedade cintilava em seu rosto, como se ela lembrasse<br />

algo doloroso. Mas logo passou.<br />

―Você já comeu?‖, ela perguntou.<br />

Eu ainda estava tentando entender o que acabar de acontecer. ―Não‖, eu disse. ―Na<br />

verdade, não tomei café da manha, nem almocei.‖<br />

Ela balançou a cabeça. ―Tenho umas sobras de cozido de carne em casa. Você tem<br />

tempo para jantar?‖<br />

Apesar de pensar mais uma vez no marido dela, assenti. ―Quero sim‖, disse.<br />

Partimos em direção a casa e paramos no alpendre onde se enfileiravam velhas botas de<br />

caubói cobertas de lama. Savannah segurou em meu braço de modo extraordinariamente fácil<br />

e natural, apoiando-se em mim para tirar as botas Talvez tenha sido esse toque que me deu<br />

coragem para olhar verdadeiramente para ela. Apesar do ar de mistério e maturidade que<br />

sempre me atraiu, também notei uma ponta de tristeza e hesitação. Para meu coração<br />

dolorido, essa combinação a tornava ainda mais bonita.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Dezenove<br />

Sua pequena cozinha era exatamente o que eu esperava de uma casa antiga<br />

provavelmente reformada meia dúzia de vezes durante o último século: chão de linóleo<br />

ligeiramente descascado perto das paredes; armários brancos funcionais e sem adornos —<br />

com a superfície grossa por causa das inúmeras camadas de tinta ao longo anos — e uma pia<br />

de aço inoxidável instalada abaixo de uma janela de madeira que deveria ter sido substituída<br />

anos antes. A bancada estava rachando, e encostado na parede, havia um fogão a lenha tão<br />

antigo quanto a própria casa. Em alguns pontos, notava-se a intromissão do mundo moderno:<br />

uma grande geladeira e uma lava-louças perto da pia; um microondas pendurado em canto,<br />

perto de meia garrafa de vinho tinto. Em alguns aspectos, lembrava a casa do meu pai.<br />

Savannah abriu um armário e pegou uma taça. ―Você quer uma taça de vinho?‖<br />

Eu balancei minha cabeça. ―Nunca fui muito de beber vinho.‖<br />

Fiquei surpreso por ela não guardar a taça diante da minha negativa. Em vez disso, ela<br />

pegou a garrafa de vinho e serviu; colocou a taça na mesa e se sentou diante dela.<br />

Sentamos à mesa e Savannah tomou um gole.<br />

―Você mudou‖, observei.<br />

Ela deu de ombros. ―Muitas coisas mudaram desde a última vez que vi você.‖<br />

Ela não disse mais nada e colocou a taça de volta na mesa. Quando falou novamente,<br />

tinha a voz suave. ―Nunca pensei que seria o tipo de pessoa que anseia por tomar uma taça de<br />

vinho à noite, mas eu sou.‖


Dear John<br />

ela.<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela começou a girar a taça na mesa, e eu me perguntava o que havia acontecido com<br />

―Sabe o engraçado?‖, ela disse. ―Eu realmente me importo com o sabor. Quando bebi<br />

minha primeira taça, não sabia o que era bom ou ruim. Agora sou bastante seletiva na hora de<br />

comprar.‖<br />

Eu não reconhecia plenamente a mulher sentada diante de mim e não sabia como reagir.<br />

―Não me entenda errado‖, ela prosseguiu. ―Ainda me lembro de tudo que meus pais me<br />

ensinaram, e quase nunca tomo mais de uma taça por noite. Mas como o próprio Jesus<br />

transformou água em vinho, acho que não deve ser um grande pecado.‖<br />

Sorri diante desse raciocínio, reconhecendo como era injusto esperar uma versão dela<br />

congelada no passado. ―Eu não perguntei nada.‖<br />

―Eu sei‖, ela disse. ―Mas você estava pensando.‖<br />

Por um momento, o único som na cozinha era o zumbido baixo da geladeira. ―Sinto<br />

muito por seu pai‖, ela disse, alisando uma rachadura no tampo da mesa. ―Realmente sinto.<br />

Não sei dizer quantas vezes pensei nele nos últimos anos.‖<br />

―Obrigado‖ disse eu.<br />

Savannah começou a girar a taça de novo, aparentemente perdida no redemoinho<br />

líquido. ―Você quer falar sobre isso?‖, ela perguntou.<br />

Eu não tinha certeza, mas ao recostar-me na cadeira, as palavras surpreendentemente<br />

vieram. Contei sobre o primeiro ataque cardíaco, e depois o segundo, sobre as visitas que fiz<br />

a ele nos dois anos anteriores. Contei sobre nossa crescente amizade, e o conforto que sentia<br />

ao lado dele. Falei das caminhadas que ele fazia que por fim teve de interromper. Contei


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

sobre meus últimos dias com ele e a agonia de interná-lo em uma clínica. Quando descrevi o<br />

enterro e a fotografia que encontrei no envelope, ela tomou minha mão.<br />

―Estou feliz que ele tenha guardado para você‖, ela disse, ―mas não fiquei surpresa.‖<br />

―Eu fiquei‖, disse, e ela riu. Era um som reconfortante.<br />

Ela apertou minha mão. ―Gostaria de ler ficado sabendo. Teria ido ao enterro.‖<br />

―Não foi nada demais.‖<br />

―Não tinha que ser. Ele era seu pai, e isso é tudo que importa.‖ Ela hesitou antes de<br />

soltar minha mão e tomou outro gole de vinho.<br />

―Você está pronto para comer?‖, ela perguntou.<br />

―Não sei‖, disse, ruborizando ao lembrar o comentário que ela fizera antes.<br />

Ela se inclinou para frente com um sorriso. ―Que tal eu esquentar um prato de cozido e<br />

vamos ver o que acontece?‖<br />

―Está gostoso?‖, perguntei. ―Quer dizer... quando nos conhecemos, antes, você nunca<br />

mencionou que soubesse cozinhar.‖<br />

―É a receita especial da família‖, disse ela, fingindo estar ofendida. ―Mas tenho de ser<br />

honesta: foi minha mãe quem fez. Ela trouxe ontem.‖<br />

―A verdade vem à tona‖, disse eu.<br />

―Essa é a coisa engraçada sobre a verdade‖, disse ela. ―Ela geralmente aparece.‖ Ela se<br />

levantou, abriu a geladeira e inclinou-se para examinar as prateleiras. Pensava na aliança em


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

seu dedo e em onde estaria seu marido quando ela ergue-se com o Tupperware nas mãos. Ela<br />

colocou algumas conchas de cozido em uma tigela e colocou-a no forno de microondas.<br />

―Você quer mais alguma coisa? Que tal pão e manteiga?‖<br />

―Seria ótimo‖, eu concordei.<br />

Poucos minutos depois, a refeição foi posta à minha frente e o aroma me fez ter<br />

consciência pela primeira vez, do quanto eu estava com fome. Surpreendendo-me, Savannah<br />

sentou em seu lugar novamente, segurando a taça de vinho.<br />

―Você não vai comer?‖<br />

―Não estou com fome‖, disse. ―Na verdade, não tenho comido muito recentemente.‖<br />

Ela tomou um gole enquanto eu dava minha primeira garfada e deixei o comentário passar.<br />

―Você estava certa‖, disse. ―Está delicioso.‖<br />

Ela sorriu. ―Mamãe é uma ótima cozinheira. Seria de imaginar que eu tivesse aprendido<br />

também, mas não. Estava sempre muito ocupada. Muito estudo quando era jovem e,<br />

ultimamente, muita reforma.‖ Ela apontou para a sala. ―É uma casa velha. Sei que não<br />

parece, mas trabalhamos muito aqui nos últimos dois anos.‖<br />

―Está ótima.‖<br />

―Você está apenas sendo educado, mas eu agradeço.‖ Ela sorriu. ―Você devia ter visto o<br />

lugar quando me mudei. Estava parecido com o celeiro, sabe? Precisava de um telhado novo,<br />

mas é engraçado, ninguém pensa no telhado quando está imaginando reformar. É uma<br />

daquelas coisas que todo mundo espera ter na casa, mas nunca pensa que um dia terá de<br />

trocar. Quase tudo que fizemos entra nessa categoria. As bombas do aquecedor, janelas<br />

térmicas, os danos causados por cupins... foram muitos e longos dias.‖ Ela tinha uma


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

expressão sonhadora no rosto. ―Fizemos a maior parte do trabalho nós mesmos. Como esta<br />

coza. Sei que precisamos de armários e piso novos, mas, quando nos mudamos, havia poças<br />

d‘água na sala de estar e nos quartos sempre que chovia. O que podíamos fazer? Tivemos de<br />

priorizar, e uma das primeiras coisas foi trocar todas as telhas do telhado. Devia estar quase<br />

40 graus e eu lá em cima com uma pá, arrancando telhas, criando bolhas nas mãos. Mas...<br />

parecia o certo, sabe? Dois jovens começando a vida, trabalhando juntos para reformar sua<br />

casa? Havia uma sensação de... união. Foi a mesma coisa quando fizemos o piso da sala de<br />

estar. Deve ter levado duas semanas para lixar e nivelar de novo. Pintamos e envernizamos e,<br />

quando finalmente pudemos andar sobre ele, parecia o alicerce para o resto de nossas vidas.‖<br />

―Você faz parecer quase romântico.‖<br />

―Foi, de certa forma‖, ela concordou, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.<br />

―Mas ultimamente não é tão romântico. Agora, só está ficando velho.‖<br />

Eu ri inesperadamente, em seguida tossi e procurei um copo que não estava lá.<br />

Ela empurrou a cadeira para trás. ―Deixa eu pega um pouco de água para você‖, ela<br />

disse. Ela encheu um copo da torneira e colocou-o diante de mim. Enquanto bebia, sentia que<br />

ela me observava.<br />

―O que foi?‖, perguntei.<br />

―Não acredito no quanto você está diferente.‖<br />

―Eu?‖, achei difícil de acreditar.<br />

―Sim, você‖, ela insistiu. ―Você está... mais velho.‖<br />

―Sim, eu sou mais velho.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

―Eu sei, mas não é isso. São seus olhos. Eles estão... mais sérios do que antes. Como se<br />

tivessem visto o que não deveriam. Exaustos, por algum motivo.‖<br />

Não disse nada em resposta, mas quando notou minha expressão, ela abanou a cabeça,<br />

envergonhada. ―Não deveria ter dito isso. Não imagino o que você passou nos últimos anos.‖<br />

Dei outra garfada no cozido, pensando em seu comentário. ―Deixei o Iraque no início<br />

de 2004‖, disse. ―Estou na Alemanha desde então. Só uma parte do exército fica lá de cada<br />

vez, e nos revezamos. Provavelmente vou acabar voltando, mas não sei quando. Esperamos<br />

que as coisas se acalmem um pouco ate lá.‖<br />

―Você já não deveria ter saído do exército?‖<br />

―Eu me alistei de novo‖, disse. ―Não havia motivo para não fazer isso.‖<br />

Ambos sabíamos a razão, e ela concordou. ―Quanto tempo agora?‖<br />

―Até 2007.‖<br />

―E depois?‖<br />

―Não tenho certeza. Posso ficar por mais alguns anos. Ou talvez vá para a faculdade.<br />

Quem sabe. Posso até me graduar em educação especial. Já ouvi maravilhas sobre a área.‖<br />

Seu sorriso era estranhamente triste e, por instantes, nenhum de nós disse nada. ―Há<br />

quanto tempo você está casada?‖, perguntei.<br />

Ela ajeitou-se na cadeira. ―Vai fazer dois anos em novembro.‖<br />

―Você se casou aqui?‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

―Como se eu tivesse escolha.‖ Ela revirou os olhos. ―A minha mãe realmente estava a<br />

fim dessa coisa de casamento perfeito. Sei que sou filha única, mas, em retrospecto, teria<br />

ficado mais feliz com algo muito menor. Cem convidados teria sido perfeito.‖<br />

―Você considera isso menor?‖<br />

―Comparado com o que foi? Sim. Não havia assentos suficientes para todos na igreja, e<br />

meu pai fala até hoje que vai passar anos pagando as contas. Ele está só me provocando, é<br />

claro. Metade dos convidados eram amigos dos meus pais, mas acho que é isso que acontece<br />

quando você se casa em sua cidade natal. Todo mundo, do carteiro ao barbeiro, é convidado.‖<br />

―Mas você está feliz por estar de volta?‖<br />

―É confortável aqui. Meus pais estão perto, e preciso disso, especialmente agora.‖<br />

Ela não entrou em detalhes, debando o comentário no ar. Eu pensava nisso — e em uma<br />

centena de outras coisas — quando me levantei da mesa e coloquei meu prato na pia. Depois<br />

de passar uma água no prato, ouvi-a dizer às minhas costas:<br />

―Pode deixar aí. Ainda não tirei a louça da máquina. Vou fazer isso mais tarde. Você<br />

quer mais alguma coisa? Minha mãe deixou duas tortas no balcão.‖<br />

―Que tal um copo de leite?‖, disse. Quando ela fez menção de se levantar, acrescentei:<br />

―Eu posso pegar. Só me diga onde estão os copos.‖<br />

―No armário da pia.‖<br />

Peguei um copo do armário e fui até a geladeira. O leite estava na prateleira de cima, e<br />

nas prateleiras inferiores havia pelo menos uma dúzia de recipientes Tupperware cheios de<br />

comida. Enchi o copo e voltei para a mesa.


Dear John<br />

―O que está acontecendo, Savannah?‖<br />

Nicholas Sparks<br />

Após essas palavras, ela virou-se para mim. ―O que você quer dizer?‖<br />

―Seu marido‖, disse.<br />

―O que tem ele?‖<br />

―Quando vou conhecê-lo?‖<br />

Em vez de responder, Savannah levantou da mesa levando a taça de vinho. Despejou o<br />

conteúdo na pia e em seguida pegou uma xícara e uma caixa de chá.<br />

―Você já conheceu‖, disse ela, virando-se. Ela endireitou os ombros. ―É Tim.‖<br />

***<br />

frente.<br />

Eu ouvia a colher batendo contra a xícara quando Savannah sentou novamente à minha<br />

―O quanto você quer saber?‖, ela murmurou, olhando a xícara de chá.<br />

―Tudo‖, disse eu. Eu me recostei na cadeira. ―Ou nada. Ainda não tenho certeza.‖<br />

Ela bufou. ―Acho que faz sentido.‖<br />

Eu uni as mãos. ―Quando começou?‖<br />

―Não tenho certeza‖, ela disse. ―Sei que parece loucura, mas não aconteceu como você<br />

provavelmente imagina. Não é que um de nós tenha planejado.‖ Ela colocou a colher na<br />

mesa. ―Mas, para dar alguma resposta, acho que começou no início de 2002.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Poucos meses depois que eu me realistei, percebi. Seis meses antes do primeiro ataque<br />

cardíaco do meu pai e exatamente na época em que notei que as cartas dela começaram a<br />

mudar.<br />

―Você sabe que éramos amigos. Mesmo ele estando na pós-graduação, acabamos<br />

fazendo algumas aulas no mesmo prédio durante meu último ano na faculdade. No fim das<br />

aulas, íamos tomar café ou acabávamos estudando juntos. Não eram encontros, nem<br />

ficávamos de mãos dadas. Tim sabia que eu estava apaixonada por você... mas ele estava<br />

presente, sabe? Ele ouvia quando eu falava o quanto sentia sua falta e como a distância era<br />

difícil. E foi difícil. Eu achava que você já estaria em casa nessa época.‖<br />

Quando ela ergueu o olhar, seus olhos estavam cheios do quê? Arrependimento? Não<br />

dava para saber.<br />

―De qualquer forma, passamos muito tempo juntos, e ele me consolava sempre que eu<br />

estava para baixo. Sempre me lembrava que você estaria aqui de licença antes do que eu<br />

esperava, e você não imagina o quanto eu queria ver você novamente. Então, seu pai ficou<br />

doente. Sei que você tinha de ficar com ele, eu nunca teria lhe perdoado se você não ficasse<br />

ao lado dele, mas não era o que precisávamos. Sei como isso parece egoísta, e me odeio por<br />

ter pensado assim. Mas parecia que o destino estava conspirando contra nós.‖<br />

Ela pôs a colher no chá e mexeu de novo, recolhendo seus pensamentos.<br />

―Naquele outono, após terminar todas as minhas aulas e voltar para casa para trabalhar<br />

no centro de aviação de desenvolvimento da cidade, os pais de Tim se envolveram em um<br />

acidente horrível. Eles estavam voltando de carro de Asheville, quando perderam a direção e<br />

foram parar do outro lado da pista, na contramão da rodovia. Uma carreta acabou batendo<br />

neles. O motorista do caminhão não ficou ferido, mas os pais de Tim morreram na batida.<br />

Tim teve de abandonar a escola — ele estava tentando entrar no doutorado —, para voltar e<br />

cuidar de Alan.‖ Ela fez uma pausa. ―Foi terrível para Tim. Não só ele tinha de lidar com a


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

perda - ele adorava os pais —, mas Alan também estava inconsolável. Ele gritava o tempo<br />

todo, arrancava os cabelos. O único que conseguia fazer com que ele parasse de se ferir foi<br />

Tim, mas isso drenou toda sua energia. Acho que foi quando comecei a vir para cá. Você<br />

sabe, para ajudar.‖<br />

Quando franzi a testa, ela acrescentou: ―esta era a casa dos pais de Tim. Onde Tim e<br />

Alan cresceram.‖<br />

Tão logo ela disse isso, a lembrança voltou. Claro que era a casa de Tim — uma vez ela<br />

me contou que ele morava no rancho ao lado dos pais dela.<br />

―Acabamos consolando um ao outro. Tentei ajudá-lo, ele tentou me ajudar e nós dois<br />

tentamos ajudar Alan. E, pouco a pouco, eu acho, começamos a nos apaixonar.‖<br />

Pela primeira vez, ela olhou nos meus olhos.<br />

―Sei que você deve estar irritado com Tim ou comigo. Provavelmente com os dois. E<br />

acho que merecemos. Mas você não sabe como foi aquela época. Tanta coisa acontecendo,<br />

tantas emoções o tempo todo. Eu me senti culpada com o que estava acontecendo, Tim se<br />

sentiu culpado. Mas, depois de um tempo, começamos a nos sentir como se já fôssemos um<br />

casal. Tim começou a trabalhar no mesmo centro de avaliação de desenvolvimento que eu, e<br />

decidiu que queria montar um programa de fim de semana no rancho para crianças autistas.<br />

Seus pais sempre quiseram que ele fizesse isso, então me voluntariei para trabalhar aqui<br />

também. Depois disso, passávamos quase todo o tempo juntos. Montar o rancho nos fez<br />

concentrar em algo, e também ajudou Alan. Ele ama cavalos e havia tanto para fazer que<br />

gradativamente ele se acostumou ao fato de seus pais não estarem por perto. Foi como se nós<br />

todos estivéssemos nos apoiando uns nos outros... De qualquer modo, ele me pediu em<br />

casamento no fim daquele ano.‖<br />

Quando ela parou, eu virei, tentando digerir suas palavras. Ficamos em silêncio por um<br />

tempo, ambos lutando com os próprios pensamentos.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

―Então, é essa história‖, concluiu. ―Não sei o quanto mais você quer saber.‖<br />

Eu também não tinha certeza.<br />

―Alan ainda mora aqui?‖, perguntei.<br />

―Ele tem um quarto no andar de cima. Na verdade, o mesmo quarto de sempre. No<br />

entanto, não é tão difícil quanto parece. Depois que ele termina de se alimentar e escovar os<br />

cavalos, geralmente passa a maior parte do tempo sozinho. Ele adora videogames. É capaz de<br />

jogar por horas. Ultimamente, não consigo fazê-lo parar. Ele jogaria a noite toda se eu<br />

deixasse.‖<br />

―Ele está aqui agora?‖<br />

Ela balançou a cabeça. ―Não‖, disse. ―Agora ele está com Tim.‖<br />

―Onde?‖<br />

Antes que ela pudesse responder, o cão começou a arranhar insistentemente a porta, e<br />

Savannah levantou-se para abri-la. O cão entrou com a língua para fora e abanando o rabo.<br />

Veio na minha direção e cheirou minha mão.<br />

―Ele gosta de mim‖, disse.<br />

Savannah ainda estava perto da porta. ―Ela gosta de todos. O nome dela é Molly. Inútil<br />

como cão de guarda, mas doce como uma flor. É só tentar evitar a baba. Ela vai babar em<br />

você todo, se você deixar.‖<br />

Olhei para o meu jeans. ―Deu para notar.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Savannah fez sinal por cima do ombro. ―Olha, lembrei que ainda tenho que guardar<br />

algumas coisas. Deve chover à noite. Não demoro muito.‖<br />

Notei que ela não tinha respondido a pergunta sobre Tim. Nem pretendia responder.<br />

―Você precisa de uma mão?‖<br />

―Na verdade não. Mas você é bem-vindo. A noite está bonita.‖<br />

Eu a segui, com Molly andando à nossa frente, tendo esquecido completamente que<br />

acabara de pedir para entrar na casa. Quando uma coruja apareceu entre as árvores, Molly<br />

correu na escuridão e desapareceu.<br />

Savannah colocou as botas novamente.<br />

Caminhamos em direção ao celeiro. Pensei em tudo o que ela disse e me questionei de<br />

novo porque tinha vindo. Não sabia se estava feliz por ela ter casado com Tim - já que eles<br />

pareciam perfeitos um para o outro - ou chateado pela mesma razão. Nem estava contente por<br />

finalmente saber a verdade. De algum modo, percebi, era mais fácil não saber. De repente,<br />

simplesmente me senti cansado.<br />

E, no entanto... sabia que ela estava escondendo algo. Ouvi em sua voz, na ponta de<br />

tristeza que não desaparecia. À medida que a escuridão nos envolvia, aguçava-se a percepção<br />

de como estávamos próximos, e me perguntei se ela sentia o mesmo. Mas ela não deu<br />

nenhum sinal disso.<br />

Os cavalos eram meras sombras na distância, manchas sem uma forma reconhecível.<br />

Savannah recolheu um par de rédeas, levou-as ao celeiro e pendurou-as em dois pinos.<br />

Enquanto isso,peguei as pás que havíamos usado e arrumei-as junto ao resto das ferramentas.<br />

Na volta, ela checou bem se havia trancado o portão.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Olhando para o relógio, vi que eram quase dez horas. Era tarde, e nós dois estávamos<br />

conscientes do horário.<br />

―Acho que devo ir andando‖, disse. ―É uma cidade pequena. Não quero ser a causa de<br />

qualquer fofoca.‖<br />

―Você provavelmente está certo.‖ Molly apareceu do nada, perambulando, e sentou-se<br />

entre nós. Ela se enrolou nas pernas de Savannah, indo para o lado. ―Onde você está<br />

hospedado?‖, ela perguntou.<br />

―Em um hotelzinho de beira de estrada. Na saída da cidade.‖<br />

Ela franziu o nariz, mesmo que por um instante. ―Conheço o lugar.‖<br />

―É uma espelunca‖, admiti.<br />

Ela sorriu. ―Não posso dizer que esteja surpresa. Você sempre teve faro para encontrar<br />

os lugares mais peculiares.‖<br />

―Como a Cabana do Camarão?‖<br />

―Exatamente.‖<br />

Enfiei as mãos nos bolsos, imaginando se seria a última vez que nos veríamos. Se fosse<br />

o caso, teria sido um absurdo anticlímax; eu não podia deixar tudo acabar em conversa<br />

afiada, mas não conseguia pensar em nada para falar.<br />

Na estrada em frente, os faróis de um carro em movimento iluminaram a propriedade<br />

quando passavam em velocidade pela casa.<br />

―Então acho que é isso‖, falei perplexo. ―Foi bom ver você de novo.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

―Você também, John. Estou contente que tenha vindo.‖<br />

Concordei novamente. Quando ela desviou o olhar, tomei como um sinal para partir.<br />

―Adeus‖, disse eu.<br />

―Adeus.‖<br />

Virei e comecei a andar para o carro, tonto ao pensar que tudo estava realmente<br />

acabado. Não sabia se esperava qualquer coisa diferente, mas o fim trouxe à tona todos os<br />

sentimentos represados desde que eu lera aquela última carta.<br />

Eu estava abrindo a porta do carro quando a ouvi gritar.<br />

―Ei, John?‖<br />

―Sim?‖<br />

Ela desceu da varanda e veio na minha direção. ―Você vai estar por aqui amanhã?‖<br />

Enquanto ela se aproximava, seu rosto parcialmente na sombra, tive certeza de que<br />

ainda estava apaixonado. Apesar da carta, apesar do seu marido. Apesar do fato de que nunca<br />

mais poderíamos ficar juntos.<br />

―Por quê?‖, perguntei.<br />

―Estava imaginando se você gostaria de aparecer. Por volta das dez. Tenho certeza que<br />

Tim gostaria de encontrar você...‖<br />

Eu estava balançando a cabeça antes mesmo de ela ter terminar. ―Não tenho tanta


Dear John<br />

certeza de que seja uma boa idéia.‖<br />

Nicholas Sparks<br />

―Você faria isso por mim?‖<br />

Sabia que ela queria que eu visse que Tim ainda era o mesmo homem de sempre e, de<br />

certo modo, sabia que ela estava me convidando porque queria meu perdão. Ainda assim...<br />

Ela pegou minha mão. ―Por favor. Significaria muito para mim.‖<br />

Apesar do calor da mão dela, eu não queria voltar. Não queria ver Tim, não queria ver<br />

os dois juntos ou sentar-me à mesa fingindo que tudo parecia bem. Mas havia algo<br />

melancólico naquele pedido, que tornou impossível declinar.<br />

―Ok‖, eu disse. ―Dez horas.‖<br />

―Obrigada.‖<br />

Um momento depois, ela se virou para voltar. Permaneci no local, observando-a subir<br />

no alpendre antes de entrar no carro. Virei a chave e esperei. Savannah estava no alpendre,<br />

acenando uma última vez. Acenei de volta e peguei a estrada, a imagem dela cada vez menor<br />

no espelho retrovisor. Ao observá-la, senti uma súbita secura na garganta. Não porque ela<br />

estava casada com Tim, e não porque iria vê-los juntos no dia seguinte. Mas porque,<br />

enquanto eu me afastava, vi Savannah em pé no alpendre, chorando.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Vinte<br />

Na manha seguinte encontrei Savannah em pé no alpendre,e ela acenou quando entrei<br />

no rancho. Ela se aproximou enquanto eu estacionava. Eu meio que esperava ver Tim na<br />

porta atrás dela, mas ele não apareceu.<br />

"Oi", disse ela, tocando meu braço. "Obrigada por ter vindo."<br />

"Imagina", eu disse, encolhendo os ombros relutante.<br />

Vislumbrei um lampejo de compreensão em seus olhos quando ela perguntou: "Você<br />

dormiu bem?"<br />

"Não muito."<br />

Ela deu um sorriso irônico. "Você está pronto?"<br />

"Como sempre."<br />

dirigir."<br />

"Tudo bem", ela disse. "Deixe-me apenas pegar as chaves. A menos que você queira<br />

Não entendi de primeira o que isso queria dizer. "Vamos sair?" Indiquei a casa.<br />

"Pensei que iríamos ver Tim."<br />

"Nós vamos", ela disse. "Ele não está aqui."<br />

"Onde ele está?"


Dear John<br />

Foi como se ela não tivesse ouvido. "Você quer dirigir?"<br />

Nicholas Sparks<br />

"Sim, acho que sim", disse, sem esconder a minha confusão, mas sabendo que ela de<br />

alguma forma esclareceria as coisas quando estivesse pronta. Abri a porta para ela e<br />

contornei o carro até o banco do motorista para sentar-me ao volante. Savannah passou a mão<br />

sobre o painel, como se estivesse tentando provar para si mesma que era real.<br />

"Eu me lembro deste carro." Tinha uma expressão de nostalgia. "Era do seu pai, certo?<br />

Uau, não acredito que ainda esteja andando."<br />

"Ele não dirigia tanto assim", disse. "Só ia trabalhar e fazer compras."<br />

"Ainda assim."<br />

Ela colocou o cinto de segurança, e me perguntava se ela passava a noite sozinha.<br />

"Para que lado?", perguntei.<br />

"Na estrada, vire à esquerda", disse ela. "Direto para a cidade."<br />

Nenhum de nós falou. Ela passou o tempo todo olhando pela janela do passageiro com<br />

os braços cruzados. Eu podia ter ficado ofendido, mas nada em sua expressão denunciava<br />

que aquela preocupação tinha a ver comigo, e deixei-a sozinha com seus pensamentos.<br />

Nos arredores da cidade, ela balançou a cabeça, como se repentinamente tomasse<br />

consciência do silêncio em que estávamos."Sinto muito," disse. "Acho que minha companhia<br />

deixa muito a desejar."<br />

"Tudo bem", disse, tentando mascarar a minha crescente curiosidade.


Dear John<br />

Ela apontou em direção ao pára-brisa. "Na próxima esquina, vire à direita."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Aonde estamos indo?"<br />

Ela não respondeu de imediato. Em vez disso, olhou pela janela do passageiro.<br />

"O hospital", disse finalmente<br />

***<br />

Segui-a através de corredores aparentemente intermináveis, até finalmente chegar à<br />

recepção dos visitantes. Atrás do balcão, um voluntário idoso estendeu uma prancheta.<br />

Savannah pegou a caneta e assinou seu nome automaticamente.<br />

"Você está firme, Savannah?"<br />

"Tentando", Savannah murmurou.<br />

"Vai ficar tudo bem. A cidade inteira está rezando por ele"<br />

"Obrigada", disse Savannah. Ela devolveu a prancheta e olhou para mim. "Ele está no<br />

terceiro andar", explicou. "Os elevadores ficam ali no corredor."<br />

Eu a segui com um nervoso no estômago. Chegamos ao elevador no momento em que<br />

algumas pessoas desciam. Quando as portas se fecharam, parecia que estávamos em um<br />

túmulo.<br />

As portas do elevador se abriram no terceiro andar, e Savannah seguiu pelo corredor<br />

comigo a reboque. Ela parou diante de um quarto que estava com a porta aberta e virou-se<br />

para mim.


Dear John<br />

"Acho que devo entrar primeiro", disse ela. "Voce pode esperar aqui?"<br />

Nicholas Sparks<br />

"Claro."<br />

Ela demonstrou gratidão e virou-se em seguida. Deu um longo suspiro antes de entrar<br />

na sala. "Oi <strong>querido</strong>", a ouvi dizer com a voz animada. "Você está bem?"<br />

Não ouvi mais do que isso nos dois minutos seguintes. Fiquei no corredor, absorvendo<br />

o mesmo ambiente estéril e impessoal que conhecera enquanto acompanhava meu pai. O ar<br />

cheirava a desinfetante genérico, e ví um auxiliar de enfermagem empurrar um carrinho com<br />

comida para dentro de um quarto. Na metade do corredor, notei um grupo de enfermeiras<br />

atrás de um balcão. Atrás da porta da frente, alguém vomitava.<br />

"Tudo bem", disse Savannah, colocando a cabeça para fora. Por baixo da aparência<br />

corajosa, eu ainda notava sua tristeza. "Pode entrar. Disse para ele esperar uma surpresa."<br />

Eu a segui, me preparando para o pior. Tim estava sentado na cama com um cateter<br />

ligado a seu braço. Parecia exausto, e sua pele estava translúcida de tão pálida. Ele havia<br />

emagrecido ainda mais do que meu pai, e quando o vi, meu único pensamento era que ele<br />

estava morrendo. Só a bondade em seus olhos não fora afetadas. Do outro lado da sala havia<br />

um jovem no final da adolescência, talvez com vinte anos, balançando a cabeça de um lado<br />

para o outro, e soube imediatamente que era Alan. O quarto estava repleto de flores: dezenas<br />

de buquês e cartões espalhados por todas as mesas.Savannah sentou na cama ao lado do<br />

marido e pegou sua mão.<br />

"Oi, Tim", eu disse.<br />

Ele parecia cansado demais para sorrir, mas conseguiu mesmo assim. "Oi, John. É<br />

bom ver você de novo."


Dear John<br />

"Você também", disse. "Como você está?"<br />

Nicholas Sparks<br />

hesitou.<br />

Assim que falei, percebi como soava ridículo. Tim devia estar acostumado, pois não<br />

"Estou bem", disse. "Estou me sentindo melhor agora."<br />

Concordei. Alan continuou a balançar a cabeça. Fiquei olhando para ele e me sentindo<br />

um intruso em eventos que gostaria de poder ter evitado.<br />

"Este é meu irmão, Alan" ele disse.<br />

"Oi, Alan."<br />

Como Alan não respondeu, Tim sussurrou: "Ei, Alan. Tudo bem. Ele não é médico. É<br />

um amigo. Vá dizer olá."<br />

Levou alguns segundos, mas Alan finalmente se levantou da cadeira. Ele caminhou<br />

com dificuldade pelo quarto e, apesar de não me olhar nos olhos, estendeu a mão. "Oi, eu sou<br />

o Alan", disse com a voz surpreendentemente monocórdia.<br />

"Prazer em conhecê-lo", respondi, apertando sua mão. Era flácida. Ele chacoalhou<br />

uma vez, depois soltou e voltou ao seu lugar.<br />

"Há uma cadeira se você quiser sentar", disse Tim.<br />

Atravessei o quarto e me sentei. Antes que pudesse falar, Tim respondeu à pergunta<br />

em minha cabeça.<br />

"Melanoma", disse ele. "Caso você esteja se perguntando."


Dear John<br />

"Mas você vai ficar bem, certo?"<br />

Nicholas Sparks<br />

Alan balançou a cabeça ainda mais rápido e começou a bater suas coxas. Savannah se<br />

virou. Eu já sabia a resposta e desejei não ter feito a pergunta.<br />

"Isso é o que os médicos acham", Tim respondeu. "estou em boas mãos". Sabia que a<br />

resposta era mais para Alan que para mim, e Alan começou a se acalmar.<br />

Tim fechou os olhos e os abriu novamente, tentando reunir forças. "Estou contente de<br />

ver que você voltou inteiro", disse ele. "Rezei por você o tempo todo que você esteve no<br />

Iraque."<br />

"Obrigado", disse eu.<br />

"O que você tem feito?Ainda no exército, suponho."<br />

Ele indicou meu corte de cabelo, e eu passei a mão no cabelo. "Sim. Parece que estou<br />

virando um dos soldados que se alistam pela vida toda."<br />

"Bom", disse ele. "O Exército precisa de pessoas como você."<br />

Não disse nada. A cena me pareceu surreal, era como ver a si mesmo em um sonho.<br />

Tim virou para Savannah. "Querida, você leva o Alan para pegar um refrigerante? Ele não<br />

bebeu nada desde cedo. E, se você puder, talvez consiga convencê-lo a comer."<br />

"Claro", disse ela. Savannah beijou-o na testa e levantou-se da cama. Ela parou na<br />

porta. "Vamos, Alan. Vamos pegar algo para beber, ok?"<br />

Para mim, parecia que Alan processava as palavras lentamente. Finalmente, ele se<br />

levantou e seguiu Savannah, ela colocou a mão nas costas dele a caminho do corredor.<br />

Quando os dois saíram, Tim me encarou novamente.


Dear John<br />

―Isso tudo é realmente muito difícil para Alan. Ele não está aceitando bem.‖<br />

Nicholas Sparks<br />

―E como poderia?‖<br />

―Mas não se engane com o gato de ele balançar a cabeça. Não tem nada a ver com<br />

autismo ou inteligência. É mais como um tique que ele tem quando está nervoso. A mesma<br />

coisa quando ele começou a bater nas coxas. Ele sabe o que está acontecendo, mas é afetado<br />

de um jeito que normalmente deixa os outros desconfortáveis.<br />

Unia as mãos. ―Não me deixa desconfortável‖, disse eu. ―Meu pai também tinha as<br />

dele. Ele é seu irmão, e é óbvio que está preocupado. Faz sentido.‖<br />

Tim sorriu. ―É gentileza sua dizer isso. Um monte de gente fica assustada.‖<br />

―Eu não‖, disse, balançando a cabeça. ―Sei que posso com ele.‖<br />

Extraordinariamente, ele riu, mas isso exigiu um grande esforço.<br />

―Tenho certeza que pode‖, disse. ―Alan é delicado. Provavelmente muito delicado. Ele<br />

nem mesmo mata moscas.‖<br />

Concordei, reconhecendo que toda aquela conversa era apenas o jeito dele de me<br />

deixar mais confortável. Não estava funcionando.<br />

―Quando descobriu?‖<br />

―Um ano atrás. Senti coceira em uma verruga na parte de trás da perna. Quando cocei,<br />

ela sangrou. Eu não me preocupei, é claro, até voltar a sangrar quando cocei de novo. Seis<br />

meses atrás, fui ao médico. Foi em uma sexta-feira. Fiz a cirurgia e comecei o tratamento<br />

com interferon* na segunda feira. Agora estou aqui."


Dear John<br />

"Você ficou esse tempo todo no hospital?"<br />

Nicholas Sparks<br />

"Não. Entro e saio. Normalmente, o interferon é administrado no ambulatório, mas eu<br />

e ele não nos damos muito bem. Tenho intolerância, então agora eles fazem aqui, para o caso<br />

de eu ficar muito enjoado ou me desidratar. Como aconteceu ontem."<br />

*Proteína produzida por animais usada no tratamento de câncer e de outras doenças.<br />

"Sinto muito", disse.<br />

"Eu também."<br />

Olhei ao redor e meus olhos pousaram sobre um porta-retratos barato na cabeceira de<br />

Tim no qual ele e Savannah aparecem em pé abraçando Alan. "Como Savannah está<br />

reagindo?", perguntei.<br />

"Como era de se esperar." Tim alisou uma dobra na sua ficha do hospital com a mão<br />

livre. "Ela tem sido ótima. Não só comigo, mas também com o rancho. Ela tem de cuidar de<br />

tudo ultimamente, mas nunca reclama. E sempre que está comigo, tenta ser forte. Ela vive me<br />

dizendo que tudo vai dar certo." Ele esboçou um sorriso amarelo. "Metade do tempo, ainda<br />

acredito nela."<br />

Quando não respondi, ele se esforçou para sentar mais reto na cama. Ele estremeceu,<br />

mas a dor passou, e ele voltou a si. " Savannah contou que você jantou no rancho na noite<br />

passada."<br />

"Sim", disse.<br />

"Aposto que ela ficou contente de ver você. Sei que ela sempre se sentiu mal por ter<br />

acabado do jeito que acabou, e eu também. Devo um pedido de desculpas a você."


Dear John<br />

"Não", levantei as mãos. "Está tudo bem."<br />

Nicholas Sparks<br />

Ele sorriu irônico. "Você só diz isso porque estou doente, e ambos sabemos disso. Se<br />

eu estivesse saudável, provavelmente você iria quebrar meu nariz de novo."<br />

"Talvez", admiti. Ele riu de novo, e desta vez ouvi o som da doença em sua risada.<br />

"Eu mereci", ele disse, alheio aos meus pensamentos. "Sei que você pode não<br />

acreditar, mas me sinto mal com o que aconteceu. Sei que vocês dois realmente gostavam um<br />

do outro."<br />

Debrucei-me, apoiando em meus cotovelos. "O que passou, passou", disse.<br />

Eu não acreditei, e ele não acreditou em mim quando eu disse isso. Mas foi o<br />

suficiente para nós dois deixarmos isso de lado. "O que te trouxe aqui? Depois de todo esse<br />

tempo?"<br />

"Meu pai faleceu", eu disse. "Na semana passada."<br />

Apesar da doença seu rosto refletiu uma simpatia genuína. "Sinto muito, John. Sei o<br />

quanto ele significava para você. Foi repentino?"<br />

"No final, sempre é. Mas ele estava doente havia algum tempo."<br />

"Isso não significa que seja mais fácil."<br />

Fiquei me perguntando se ele se referia só a mim ou a Savannah e Alan também.<br />

"Savannah me disse que você perdeu seus pais."<br />

"Acidente de carro", disse ele, forçando as palavras. "Foi... inacreditável. Tínhamos


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

acabado de jantar com eles duas noites antes, e no memento seguinte, eu estava tomando as<br />

providências para os enterros. Antes não parece real. Sempre que estou em casa, acho que<br />

vou ver minha mãe na cozinha meu pai cuidando do jardim." Ele hesitou, e eu sabia que ele<br />

estava revivendo tais imagens. Por fim, ele balançou a cabeça. "Isso aconteceu com você?<br />

Quando estava em casa?"<br />

"O tempo todo."<br />

Ele inclinou a cabeça para trás. "Parece que foram dois anos bem difíceis para nós<br />

dois. O suficiente para nos fazer duvidar da fé."<br />

"Até mesmo você?"<br />

Ele deu um sorriso indiferente. "Eu disse duvidar. Não disse que minha fé acabou."<br />

"Não, não creio que acabaria."<br />

Ouvi a voz de uma enfermeira se aproximando. Achei que ela fosse entrar, mas ela<br />

continuou seu caminho para outro quarto.<br />

"Estou feliz que você veio para ver Savannah", ele disse. "Sei que soa banal,<br />

considerando tudo o que vocês dois passaram, mas ela precisa de um amigo agora."<br />

Minha garganta estava apertada. "Sim", foi tudo que conseguiu pensar e dizer.<br />

Ele ficou quieto, e entendi que não diria mais nada sobre o assunto. Com o tempo, Tim<br />

pegou no sono e fiquei ali sentado olhando para ele, minha cabeça curiosamente vazia<br />

***<br />

"Desculpe não ter contado ontem", Savannah falou uma hora depois. Quando ela e


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Alan voltaram ao quarto e encontraram Tim dormindo, ela fez sinal para eu a seguir até a<br />

lanchonete. "Fiquei surpresa de ver você, e sabia que deveria ter contado, mas todas as vezes<br />

que eu tentei, simplesmente não consegui."<br />

Havia duas xícaras de chá na mesa, já que nenhum de nós tinha apetite. Savannah<br />

ergueu a xícara e colocou-a de volta.<br />

"É que ontem foi um daqueles dias, sabe? Passei horas no hospital, sob os olhares<br />

piedosos das enfermeiras e... bem, parece que eles me matam aos pouquinhos. Sei que isso é<br />

ridículo, já que Tim vai superar, mas é tão difícil vê-lo doente. Eu odeio. Sei que preciso estar<br />

presente para apoiá-lo e quero estar presente, mas a questão é que é sempre pior do que eu<br />

esperava. Ele ficou tão mal depois do tratamento ontem que pensei que ele estava morrendo.<br />

Ele não parava de vomitar, e quando não saía mais nada, ele vomitava seco. A cada cinco ou<br />

dez minutos, ele começava a gemer e se mexer na cama tentando evitar, mas não podia fazer<br />

nada. Eu o abracei e confortei, mas não sei nem como começar a descrever o quanto isso me<br />

deixa desamparada." Ela tirou o sachê de chá de dentro da água. "É assim toda vez", disse.<br />

Fiquei mexendo na asa da minha xícara. "Gostaria de saber o que dizer."<br />

"Não há nada que você possa dizer, eu sei. Por isso estou contando a você. Porque sei<br />

que você consegue lidar com isso. Realmente não tenho mais ninguém. Nenhum dos meus<br />

amigos pode entender o que estou passando. Minha mãe e meu pai têm sido ótimos, mas...<br />

Sei que farão qualquer coisa que eu pedir, estão sempre se oferecendo para ajudar, e mamãe<br />

traz comida para nós. Mas toda vez que aparece, ela está uma pilha de nervos, estão sempre à<br />

beira do choro. É como se ela morresse de medo de dizer ou fazer algo errado. Por isso,<br />

quando tenta ajudar, eu que tenho de apoiá-la em vez do contrário. Odeio falar isso dela,<br />

porque ela está dando o máximo, é minha mãe e eu a amo, mas queria que ela fosse mais<br />

forte, sabe?"<br />

Lembrando a mãe dela, assenti. "E o seu pai?"


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"O mesmo, mas de um jeito diferente. Ele evita o assunto. Não quer falar nada a<br />

respeito. Quando estamos juntos, conversa sobre o rancho, o meu trabalho, mas nada de Tim.<br />

É como se tivesse tentando compensar a preocupação incessante da minha mãe, mas nunca<br />

pergunta o que está acontecendo ou como eu estou suportando.‖ Ela balançou a cabeça. ― E<br />

por fim há Alan. Tim é tão bom com ele, e gosto de pensar que está ficando melhor, mas<br />

ainda... há momentos em que ele começa a se machucar ou quebrar as coisas, e eu acabo<br />

chorando porque não sei o que fazer. Não me interprete mal, eu tento, mas não sou Tim, e<br />

ambos sabemos disso.‖<br />

Nos olhamos nos olhos por um momento antes de eu desviar os meus. Tomei um gole<br />

de chá, tentando imaginar como era a vida dela agora.<br />

"Tim contou o que está acontecendo? O melanoma?"<br />

"Um pouco", disse. "Não o suficiente para saber a história toda. Ele disse que achou<br />

uma verruga que estava sangrando. Ele não deu importância por um tempo, até que foi<br />

procurar um médico."<br />

Ela assentiu. "É uma dessas coisas loucas, não? Quero dizer, se Tim tomasse muito<br />

sol, talvez eu entendesse. Mas foi na parte de trás da perna. Você o conhece, consegue<br />

imaginá-lo de bermuda? Ele quase nunca usa shorts, mesmo na praia, e sempre enchia todo<br />

mundo para passar protetor solar. Ele não bebe, não fuma, é cuidadoso com o que come.<br />

Mas, por algum motivo, teve um melanoma. Eles cortaram a área em volta da verruga e, por<br />

causa do tamanho, retiraram dezoito gânglios linfáticos. Dos dezoito, um deu positivo para<br />

melanoma. Ele começou o interferon, que é o tratamento padrão e dura um ano inteiro, e<br />

tentamos ficar otimistas. Mas depois as coisas começaram a dar errado. Primeiro com o<br />

interferon, depois ele teve celulite na incisão junto à virilha algumas semanas após a<br />

cirurgia."<br />

Quando franzi a testa, ela se deteve.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

"Desculpe. Estou tão acostumada a falar com médicos estes dias. Celulite é uma<br />

infecção da pele, e a de Tim foi muito grave. Ele passou dez dias na unidade de terapia<br />

internsiva por causa disso. Pensei que iria perdê-lo, mas ele é um lutador, sabe?Ele sarou e<br />

continuou o tratamento.Porém, no mês passado encontramos lesões cancerígenas perto do<br />

local do melanoma original. Isso, claro, significava outra rodada de cirurgia, e pior ainda,<br />

significava que o interferon provavelmente não estava funcionando tão bem quanto devia.<br />

Então ele fez uma tomografia PET e uma ressonância magnética, e eles encontraram algumas<br />

células cancerígenas no pulmão."<br />

Ela olhou para a xícara de chá. Eu estava sem palavras, e me sentia exausto. Ficamos<br />

em silêncio por um longo tempo.<br />

"Sinto muito", finalmente sussurrei.<br />

Minhas palavras a despertaram. "Não vou desistir", ela disse, sua voz começando<br />

oscilar. "Ele é um homem tão bom. Ele é doce, paciente, e eu o amo muito. Não é junto. Não<br />

faz dois anos que estamos casados."<br />

Ela olhou para mim e respirou fundo algumas vezes, tentando recuperar a compostura.<br />

"Ele precisa sair daqui. Deste hospital. A única coisa que eles fazem aqui é o<br />

interferon, e, como eu disse, não está funcionando como deveria. Ele precisa ir para algum<br />

lugar como o MD Anderson ou Mayo Clinic ou o Johns Hopkins. Há pesquisas de ponta em<br />

andamento nesses lugares. Se o inteferon não está funcionando, pode haver outra droga para<br />

adicionar- eles estão sempre fazendo combinações, mesmo experimentais. Estão fazendo<br />

bioquimioterapia e testes clínicos. MD Anderso deve começar a testar uma vacina novembronão<br />

para prevenção, como a maioria das vacinas, mas para tratamento-, e os dados<br />

preliminares tem mostrado bons resultados. Eu quero que ele faça parte dessa pesquisa."<br />

"Então vá", eu insisti.


Dear John<br />

Ela deu uma risada curta. "Não é assim tão fácil."<br />

Nicholas Sparks<br />

"Por quê? Parece bastante simples para mim. Assim que ele sair daqui, vocês entram<br />

no carro e vão."<br />

―Nosso seguro não pagará por isso‖, disse ela. ―Pelo menos não agora. Ele está<br />

recebendo o tratamento padrão. E, acredite se quiser, a companhia de seguros tem sido<br />

bastante sensível até agora. Eles pagaram todas as internações, todos os interferon, e todos os<br />

extras sem problemas. Eles até designaram uma assistente social para mim, e ela é simpática<br />

à nossa situação. Mas não há nada que ela possa fazer, pois o médico acha que é melhor<br />

darmos o interferon por mais tempo. Nenhuma companhia de seguros do mundo vai pagar<br />

por tratamentos experimentais. E nenhuma seguradora aceita pagar tratamentos fora do<br />

padrão, especialmente em outros Estados e quando não há certeza de que vão funcionar.‖<br />

―Processe-os se for preciso.‖<br />

―John, nossa seguradora não pestanejou para pagar todos os custos de UTI e<br />

internações extras, e a verdade é que Tim está recebendo o tratamento adequado. A questão é,<br />

não posso provar que Tim ficará melhor em outro lugar, recebendo tratamentos alternativos.<br />

Acho que poderia ajudá-lo, tenho esperança de que iria ajudá-lo, mas ninguém tem certeza<br />

absoluta.‖ Ela balançou a cabeça, ―De qualquer forma, mesmo se eu levar isso à justiça e a<br />

companhia de seguros acabar pagando tudo, isso leva tempo... exatamente o que não<br />

temos.‖Ela suspirou. ―Meu ponto em não se trata apenas de dinheiro, é um problema de<br />

tempo.‖<br />

―De quanto você está falando?‖<br />

―Muito. E se Tim acabar no hospital com infecção e for para a UTI de novo, não<br />

consigo nem imaginar. Mais do que eu jamais vou conseguir pagar, com certeza.‖<br />

―O que você vai fazer?‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

―Arrumar dinheiro,‖ ela disse. ―Não tenho escolha. E a comunidade tem ajudado. Tão<br />

logo souberam sobre Tim, fizeram reportagens na televisão local e no jornal, e as pessoas da<br />

cidade inteira prometeram começar a recolher dinheiro. Eles abriram uma conta bancária<br />

especial e tudo. Meus pais ajudaram. O lugar que nós trabalhamos ajudou. Os pais de<br />

algumas crianças com quem trabalhamos ajudaram. Ouvi dizer que ainda tem jarros com<br />

doações em muitos estabelecimentos.‖<br />

Lembrei-me da visão do frasco ao final do balcão no salão de bilhar, no dia em que<br />

cheguei a Lenoir. Eu tinha contribuído com dois dólares, mas de repente aquilo me pareceu<br />

completamente inadequado.<br />

―Falta muito?‖<br />

―Não sei.‖ Ela balançou a cabeça, como se não quisesse pensar a respeito. ―Isso<br />

começou há pouco tempo, e desde que Tim está em tratamento, eu fico aqui e no rancho. Mas<br />

estamos falando de um monte de dinheiro.‖ Ela afastou a xícara de chá e abriu um sorriso<br />

triste. ―Nem sei porque estou contando a você. Quer dizer, não posso garantir que nenhum<br />

desses lugares irá ajudá-lo. Só sei dizer que, se ele ficar, não vai sobreviver. Isso também<br />

pode acontecer nos outros lugares, mas pelo menos há uma chance... e agora, isso é tudo que<br />

tenho.‖<br />

Ela parou, incapaz de continuar, olhar perdido sobre a mesa manchada.<br />

―Você quer saber o que é louco?‖, ela perguntou afinal. ―Você é o único para quem<br />

contei tudo isso.Não sei como, sei que é a única pessoa que pode vir a entender o que estou<br />

passando, sem eu precisar escolher as palavras.‖Ela ergueu a xícara e abaixou-a novamente,<br />

―Sei que não é justo, considerando seu pai...‖<br />

―Tudo bem‖, tranqüilizei-a.<br />

―Talvez‖, ela disse. ―Mas também é egoísta. Você está tentando lidar com as próprias


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

emoções após perder seu pai, e aqui estou eu, sobrecarregando você com as minhas, sobre<br />

algo que pode ou não acontecer.‖ Ela se virou para olhar pela janela da lanchonete, mas eu<br />

sabia que ela não estava vendo o gramado inclinado do lado de fora.<br />

―Ei‖, eu disse, pegando a mão dela. ―Estou falando sério. Estou contente por você ter<br />

me contado, mesmo que seja só para desabar. Porque você acha que vim aqui? Porque eu<br />

precisava encontrar alguém que me ouvisse.‖<br />

Com o tempo, Savannah encolheu os ombros. ―Então somos assim, hein?Dois<br />

guerreiros feridos à procura de apoio.‖<br />

―Isso parece muito certo.‖<br />

Ela levantou os olhos e encarou os meus. ― Sorte nossa,‖ ela sussurrou.<br />

Apesar de tudo, senti meu coração saltar.<br />

―Sim‖, ecoei. ―Sorte nossa.‖<br />

***<br />

Passamos a maior parte da tarde no quarto de Tim. Ele estava dormindo quando<br />

chegamos, acordou por alguns minutos e depois dormiu novamente. Alan mantinha vigília ai<br />

pé da sua cama, ignorando minha presença e concentrado no irmão. Savannah alternou-se<br />

entre a cabeceira de Tim e cadeira ao meu lado. Quando ela se aproximava, falávamos da<br />

doença de Tim, de câncer de pele em geral, e das especificidades dos possíveis tratamentos<br />

alternativos. Ela passou semanas pesquisando na internet e conhecia em detalhes todas as<br />

pesquisas em curso. Sua voz nunca subiu acima do sussurro, ela não queria que Alan ouvisse.<br />

Quando ela terminou, eu sabia mais sobre melanoma do que imaginava ser possível.<br />

Pouco depois da hora do jantar, Savannah finalmente se levantou. Tim tinha dormido a


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

maior parte da tarde, e pelo beijo de despedida que ela lhe deu, ela acreditava que ele<br />

continuaria dormindo à noite também. Ela beijou-o uma segunda vez, depois pegou sua mão<br />

e indicou a porta. Saímos em silencio.<br />

―Direto para o carro‖, disse ela quando estávamos no corredor.<br />

―Você vai voltar?‖<br />

―Amanhã. Se ele acordar, não quero dar motivo para ele achar que tem que ficar<br />

acordado. Ele precisa descansar.‖<br />

―E o Alan?‖<br />

―Ele vai de bicicleta‖, disse ela. ―Ele vem de bicicleta todas as manhas e volta de<br />

bicicleta à noite. Ele não vai comigo, mesmo se eu pedir. Mas ele vai ficar bem. Vem fazendo<br />

a mesma coisa há meses.‖<br />

Poucos minutos depois, saímos do estacionamento do hospital e pegamos o trânsito da<br />

noite. O céu estava ficando cinza escuro, e nuvens pesadas se formavam no horizonte,<br />

pressagiando o mesmo tipo de tempestade que se vê no litoral. Savannah perdeu-se<br />

pensamentos e falou pouco. Em seu rosto, vi refletido o mesmo esgotamento que eu sentia.<br />

Não conseguia imaginar ter que voltar amanhã, depois de amanhã e no dia seguinte, sabendo<br />

o tempo todo que havia uma possibilidade de ele melhorar em outro lugar.<br />

Quando chegamos à entrada, olhei para Savannah e notei uma lágrima escorrendo<br />

lentamente em seu rosto. Essa visão partiu meu coração, mas quando ela notou que eu a<br />

observava, pareceu surpresa de estar chorando. Decidi estacionar embaixo do salgueiro, ao<br />

lado do caminhão velho. Foi quando as primeiras gotas de chuva começaram a bater no párabrisa.<br />

À medida que diminuía a marcha, me perguntei de novo se seria adeus. Antes que eu


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

pudesse pensar em algo para dizer, Savannah virou-se para mim. ―Você está com fome?‖,<br />

perguntou. ―Há uma tonelada de comida na geladeira.‖<br />

Algo naquele olhar me advertia que eu deveria declinar, mas acabei aceitando.<br />

―Adoraria comer algo‖, disse.<br />

hoje à noite.‖<br />

―Estou contente‖, ela respondeu, com voz suave. ―Realmente não quero ficar sozinha<br />

Saímos do carro, a chuva aumentou. Corremos até a porta da frente, mas quando<br />

chegamos ao alpendre, minhas roupas estavam molhadas. Molly nos ouviu, e assim que<br />

Savannah abriu a porta, o cachorro me ultrapassou disparado pela cozinha na direção da sala<br />

de estar. Observando o cão, pensei na minha chegada no dia anterior e o quanto as coisas<br />

haviam mudado no período em que ficamos separados. Era demais para processar. E como<br />

havia feito nas patrulhas no Iraque, blindei-me para focar apenas no presente e permanecer<br />

alerta ao que poderia vir a seguir. ―Tem um pouco de tudo‖, ela gritou a caminho da cozinha.<br />

―É assim que minha mãe lida com isso. Cozinhando. Temos cozido, chili, empadão de<br />

frango, porco grelhado, lasanha...‖ Ela tirou a cabeça de dentro da geladeira quando entrei na<br />

cozinha. ―Alguma coisa te parece apetitosa?‖<br />

―Qualquer coisa‖, disse. ―O que você quiser está ótimo.‖<br />

Notei um flash de decepção em seu rosto e imediatamente percebi que ela estava<br />

cansada de ter de tomar decisões. Limpei a garganta.<br />

―Lasanha parece bom.‖<br />

com fome?‖<br />

―Tudo bem‖, ela disse. ―Vou esquentar um pouco agora. Você está super faminto ou só<br />

Pensei a respeito. ―Só com fome, eu acho.‖


Dear John<br />

croutons.‖<br />

Nicholas Sparks<br />

―Salada? Posso colocar azeitonas pretas e tomate. Fica ótimo com molho rancheiro e<br />

―Parece ótimo.‖<br />

―Bom‖, disse ela. ―Não vai demorar.‖<br />

Observei Savannah tirar um pé de alface e tomates da gaveta inferior da geladeira. Ela<br />

lavou-os na torneira,cortou os tomates e a alface e jogou-os na tigela de madeira. Então<br />

cobriu a salada com azeitonas e colocou-a sobre a mesa. Serviu generosas porções de lasanha<br />

em dois pratos e pôs o primeiro no microondas. Havia uma firmeza em seus movimentos,<br />

como se as tarefas simples a tranqüilizassem.<br />

―Eu não sei sobre você, mas vou querer uma taça de vinho.‖ Ela apontou para um rack<br />

pequeno na bancada, perto da pia. ―Tenho um bom Pinot Noir.‖<br />

―Vou experimentar uma taça‖, disse. ―Você quer que eu abra?‖<br />

―Não, eu abro. Meu abridor é meio temperamental.‖<br />

Ela abriu o vinho e serviu dois copos. Logo ela se sentou à minha frente, nossos pratos<br />

servidos. A lasanha estava fumegante, e o aroma me fez lembrar como eu estava com fome.<br />

Experimentei e continuei a comer.<br />

―Uau‖,comentei. ―Está muito bom.‖<br />

―Está, não é?‖, ela concordou. Em vez de comer, porém, ela tomou um gole de vinho.<br />

―Também é a favorita de Tim. Depois que casamos, ele sempre pedia para minha mãe fazer<br />

uma travessa. Ela adora cozinhar, e fica feliz quando as pessoas gostam da comida dela.‖<br />

Observei-a correr o dedo pela borda do copo. O vinho vermelho capturava a luz como


Dear John<br />

a faceta de um rubi.<br />

Nicholas Sparks<br />

―Se você quiser mais, tem bastante‖, acrescentou ela. ―Acredite em mim, você estaria<br />

me fazendo um favor. Na maioria das vezes, a comida vai para o lixo. Sei que deveria dizer<br />

para ela fazer menos, mas ela não aceitaria bem.‖<br />

―É difícil para ela‖, disse. ―Ela sabe que você está sofrendo.‖<br />

―Eu sei.‖ Ela tomou outro gole de vinho.<br />

―Você vai comer, não vai?‖, apontei para o prato intocado.<br />

―Não estou com fome‖, disse ela. ―É sempre assim quando Tim está no hospital...<br />

Esquento alguma coisa, estou com vontade de comer, mas assim que coloco no prato, meu<br />

estômago vira.‖ Ela olhou para o prato, disposta a experimentar, em seguida, balançou a<br />

cabeça.<br />

―Faça por mim‖, pedi. ―Dê uma garfada. Você tem que comer.‖<br />

―Vou ficar bem‖<br />

Parei o garfo a caminho da boca. ―Faça por mim, então. Não estou acostumado com<br />

pessoas me olhando comer. É esquisito.‖<br />

―Ok.‖ Ela levantou o garfo, pegou um pedacinho minúsculo de comida e colocou na<br />

boca. ―Feliz agora?‖<br />

―Sim‖, bufei. ―Foi exatamente o que eu quis dizer. Estou muito mais confortável.<br />

Talvez possamos dividir um par de migalhas para a sobremesa. Até lá continue segurando o<br />

garfo e fingindo.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela riu. ―Estou feliz por você estar aqui‖. Disse. ―Atualmente, você é o único que<br />

sequer pensaria em falar assim comigo.‖<br />

―Assim como? Honestamente?‖<br />

―Sim‖, disse ela. ―Acredite ou não, pó exatamente o que quis dizer.‖ Ela largou o<br />

garfo e empurrou o prato de lado, ignorando meu pedido. ―Você sempre foi bom.‖<br />

―Eu lembro de pensar a mesma coisa sobre você.‖<br />

Ela jogou o guardanapo sobre a mesa. ―Tempo bom aquele, hein?‖<br />

O jeito que ela me olhou fez o passado retornar como uma avalanche, e por um<br />

momento revivi cada emoção, cada esperança e cada um de nossos sonhos. Ela era de novo a<br />

moça que conheci na praia com a vida toda pela frente, uma vida da qual eu queria fazer<br />

parte.<br />

Então, ela passou a mão pelos cabelos, e a aliança em seu dedo refletiu a luz. Baixei<br />

os olhos, concentrando-me no meu prato.<br />

―Algo assim.‖<br />

Dei mais uma garfada, tentando sem sucesso apagar as imagens. Assim que engoli,<br />

ataquei a lasanha novamente.<br />

―O que há de errado?‖, ela perguntou. ―Você está irritado?‖<br />

―Não‖, menti.<br />

―Você está agindo como se estivesse.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela era a mulher de que eu me lembrava, porém casada. Tomei um gole de vinho – um<br />

gole, observei, equivalia a todos os golinhos que ela tomara. Eu me recostei na cadeira. ―Por<br />

que estou aqui, Savannah?‖<br />

―O que quer dizer?‖, disse ela.<br />

―Isto‖, eu disse, indicando a cozinha ao redor. ―Me convidar para jantar, mesmo sem<br />

vontade de comer. Relembrar os velhos tempos. O que está acontecendo?‖<br />

―Não está acontecendo nada‖, ela insistiu.<br />

―Então o que é? Por que você me convidou para entrar?‖<br />

Em vez de responder a pergunta, ela levantou e encheu a taça de vinho. ― Acho que só<br />

preciso de alguém para conversar‖, ela sussurrou. ―Como eu disse, não posso falar com<br />

minha mãe ou meu pai, não posso falar nem com Tim desse jeito.‖ Ela parecia quase<br />

derrotada. ―Todo mundo precisa de alguém para conversar.‖<br />

Ela estava certo, e eu sabia disso. Foi a razão pela qual vim para Lenoir.<br />

―Eu entendo‖, disse, fechando os olhos. Quando abri os olhos de novo, vi que<br />

Savannah estava me avaliando. ―É só que não sei ao certo o que fazer com tudo isso. O<br />

passado. Nós. Você casada. Mesmo o que está acontecendo com Tim. Nada disso faz muito<br />

sentido.‖<br />

Seu sorriso estava cheio de desgosto. ―E você acha que faz sentido para mim?‖<br />

Eu não disse nada e ela colocou a taça de lado. ―Você quer saber a verdade?‖, ela<br />

perguntou, sem esperar por uma resposta. ―Só estou tentando chegar ao fim do dia com<br />

energia suficiente para enfrentar o dia seguinte.‖ Ela fechou os olhos como se fosse doloroso<br />

admitir, em seguida abriu-os novamente. ―Sei o que você ainda sente por mim, e gostaria de


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

te dizer que desejo secretamente saber tudo que aconteceu com você desde que enviei aquela<br />

carta horrível. Mas, sendo honesta?‖, ela hesitou. ―Não tenho certeza se quero realmente<br />

saber. Só sei que quando você apareceu ontem, me senti... melhor. Não ótima, não bem, mas<br />

também não me senti mal. É isso. Nos últimos seis meses, eu só me senti mal. Acordo todo<br />

dia nervosa, tensa, irritada, frustrada e aterrorizada com a idéia de perder o homem com<br />

quem casei. É só isso que sinto até o sol se pôr‖, ela prosseguiu. ―Todos os dias, o dia inteiro,<br />

nos últimos seis meses. Essa é a minha vida agora, mas a parte mais difícil é que daqui em<br />

diante só vai piorar. Agora tenho a responsabilidade adicional de tentar encontrar algum jeito<br />

de ajudar meu marido. De tentar encontrar um tratamento que o ajude. De tentar salvar a vida<br />

dele.‖<br />

Ela fez uma pausa e olhou atentamente para mim, tentando avaliar minha reação.<br />

Sei que havia palavras para confortar Savannah, mas como de costume, não sabia o<br />

que dizer. Só sabia que ela ainda era a mulher por quem me apaixonei, a mulher que eu<br />

amava, mas que jamais poderia ter.<br />

―Sinto muito‖, disse ela por fim soando cansada. ―Não quero colocar você em uma<br />

situação difícil.‖ Ela abriu um sorriso frágil. ―Apenas queria que você soubesse que estou<br />

feliz por você estar aqui.‖<br />

Eu me concentrei nos veios da madeira da mesa, tentando manter meus sentimentos<br />

sob controle. ―Bom‖, disse.<br />

Ela perambulou em volta da mesa. Serviu mais um pouco de vinho na minha tala,<br />

embora eu só tivesse tomado um gole. ―Abro meu coração e tudo o que você diz é ‗Bom‘?‖<br />

―O que você quer que eu diga?‖<br />

Savannah virou-se e foi em direção à porta da cozinha. ―Que também está feliz por ter<br />

vindo‖, disse com a voz quase inaudível.


Dear John<br />

na sala.<br />

Nicholas Sparks<br />

Com isso, ela saiu. Não ouvi a porta da frente se abrir, então deduzi que ela estivesse<br />

O comentário me incomodara, mas não estava disposto a ir atrás dela. As coisas<br />

tinham mudado entre nós, e não havia modo de voltarem a ser como antes. Comi mais uma<br />

garfada de lasanha em teimosa desobediência, perguntando o que ela queria de mim. Foi ela<br />

quem mandou a carta, foi ela quem terminou tudo. Foi ela quem se casou. Iríamos fingir que<br />

nada daquilo havia acontecido?<br />

Terminei de comer, levei os dois pratos para a pia e os enxagüei. Pela janela salpicada<br />

de chuva, vi meu carro e pensei que devia simplesmente sair sem olhar para trás. Seria mais<br />

fácil para nós dois assim. Mas quando vasculhava os bolsos em busca das chaves, congelei.<br />

Em meio ao tamborilar da chuva no telhado, ouvi um som proveniente da sala de estar, um<br />

som que desarmou minha raiva e confusão. Savannah, me dei conta, estava chorando.<br />

Tentei ignorar o som, mas não consegui. Peguei o vinho e entrei na sala.<br />

Savannah estava sentada no sofá, o copo de vinho em suas mãos. Ela levantou o rosto<br />

quando entrei.<br />

Lá fora, o vento aumentara, e a chuva caia ainda mais forte. Para além da janela da<br />

sala, um relâmpago brilhou, seguido pelo estrondo do trovão, longo e grave.<br />

Sentei ao lado dela, coloquei meu copo na mesa da centro e olhei ao redor. Em cima<br />

da lareira havia fotografias de Savannah e Tim no dia do casamento: uma onde eles cortavam<br />

o bolo, e outra na igreja. Ela estava radiante. Desejei que fosse eu a seu lado no retrato.<br />

―Desculpe‖, disse ela. ―Sei que não devia estar chorando, mas não posso evitar.‖<br />

―É compreensível‖, murmurei. ―Tem muita coisa acontecendo com você.‖


Dear John<br />

No silencio, ouvi as rajadas de chuva batendo contra as vidraças.<br />

Nicholas Sparks<br />

tenso.<br />

―Que tempestade‖, observei, agarrando-me às palavras para preencher o silêncio<br />

―Sim‖, ela disse, mal ouvindo.<br />

―Você acha que Alan vai ficar bem?‖<br />

Ela bateu os dedos contra o vidro. ―Ele não sai ate parar de chover. Ele não gosta de<br />

relâmpagos. Mas não deve durar muito. O vento vai empurrar a tempestade para a costa. Pelo<br />

menos, é assim que tem sido ultimamente.‖ Ela hesitou. ―Você se lembra da tempestade que<br />

enfrentamos? Quando levei você para a casa que estávamos construindo?‖<br />

―Claro.‖<br />

―Ainda penso naquela noite. Foi a primeira vez que disse que te amava. Eu estava me<br />

lembrando daquela noite outro dia. Estava sentada aqui como agora. Tim estava no hospital,<br />

Alan ficou com ele e, enquanto olhava a chuva, tudo voltou. A memória era tão viva, parecia<br />

que tinha acabado de acontecer. E então a chuva parou e sabia que era hora de alimentar os<br />

cavalos. Voltei à minha vida normal de novo, e de repente foi como se eu tivesse apenas<br />

imaginado tudo. Como se tivesse acontecido com outra pessoa, alguém que nem conheço<br />

mais.‖<br />

Ela se inclinou para mim. ―O que você mais se lembra?‖, ela perguntou.<br />

―De tudo‖, disse eu.<br />

Ela olhou para mim sob seus cílios. ―Nada se destaca?‖<br />

A tempestade lá fora tornou a sala escura e íntima, e senti um arrepio de ansiedade e


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

culpa sobre aonde aquilo iria parar. Eu a desejava mais do que já desejei qualquer pessoa,<br />

mas no fundo compreendia que Savannah não era mais minha. Senti a presença de Tim por<br />

todos os lados e sabia que ela estava fora de si.<br />

Tomei um gole de vinho, em seguida devolvi o copo à mesa.<br />

―Não.‖ Mantive a voz firme. ―Nada se destaca. Mas foi por isso que você quis que eu<br />

sempre olhasse para a lua, certo? Para me lembrar de tudo.‖<br />

Mas não disse que ainda saía para olhar a lua. Apesar da culpa que sentia por estar ali,<br />

me perguntava se ela também havia saído.<br />

―Quer saber do que eu mais me lembro?‖, ela perguntou.<br />

―Quando quebrei o nariz do Tim?‖<br />

―Não.‖ Ela riu, depois ficou séria. ―Da vez que fomos à igreja. Você se deu conta que<br />

foi a única vez que vi você usando gravata? Você devia se arrumar com mais freqüência.<br />

Ficou muito bonito.‖<br />

Ela refletiu um pouco antes de olhar para mim novamente.<br />

―Você está saindo com alguém?‖, perguntou.<br />

―Não.‖<br />

Ela assentiu. ―Foi o que imaginei. Senão você teria mencionado algo.‖<br />

Ela virou-se para a janela. À distância, via-se um dos cavalos a calope na chuva.<br />

―Eu vou ter que alimentá-los daqui a pouco. Tenho certeza que eles já estão querendo


Dear John<br />

saber onde estou.‖<br />

Nicholas Sparks<br />

―Eles vão ficar bem‖, assegurei.<br />

―Fácil para você dizer. Confie em mim, eles podem ficar tão esquisitos quanto pessoas<br />

quando estão com fome.‖<br />

―Deve ser difícil cuidar de tudo sozinha.‖<br />

―É. Mas que escolha eu tenho? Pelo menos o nosso patrão foi compreensivo. Tim está<br />

afastado e quando ele está no hospital, eles me deixar ficar fora o tempo que for preciso.‖<br />

Então, em tom de provocação, ela acrescentou: ―Assim como no Exército, certo?‖<br />

―Oh sim. Exatamente igual.‖<br />

Ela deu uma risadinha, depois ficou séria novamente.<br />

―Como foi no Iraque?‖<br />

descrever.‖<br />

Eu estava prestes a fazer o meu comentário usual sobre a areia, mas disse: ― É difícil<br />

Savannah esperou, e alcancei meu copo de vinho, detendo-me. Mesmo com ela, não<br />

tinha certeza se queria entrar nesse terreno. Mas estava acontecendo algo entre nós, algo que<br />

eu desejava, mas também não desejava. Obriguei-me a olhar para a aliança de Savannah e<br />

imaginar a traição que, sem dúvida, ela sentiria mais tarde. Fechei os olhos e comecei pela<br />

noite da invasão.<br />

Não sei quanto tempo falei, mas foi o suficiente para a chuva passar. Com o sol ainda<br />

completando sua lenta descendente, brilhavam no horizonte as cores do arco-íris. Savannah


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

reabasteceu sua taça. Quando terminei, estava totalmente exausto e sabia que não falaria<br />

daquilo nunca mais.<br />

Savannah permaneceu em silêncio, fazendo apenas perguntas ocasionais para<br />

demonstrar que estava ouvindo a tudo que eu contei.<br />

―É diferente do que eu imaginava‖, ela observou.<br />

―Sim?‖, perguntei.<br />

―Quando você passa os olhos pelas manchetes ou lê as histórias na maior parte do<br />

tempo, os nomes de soldados e de cidades iraquianas são apenas palavras. Mas para você, é<br />

pessoal... é real. Talvez real demais.‖<br />

Eu não tinha mais nada a acrescentar, e senti que ela tomava minha mão. Seu toque<br />

fez algo pular dentro de mim.<br />

―Queria que você não tivesse que ter passado por isso.‖<br />

Apertei a mão dela e senti a resposta na mesma intensidade. Quando ela finalmente<br />

soltou, a sensação do toque permaneceu e, como um velho hábito redescoberto, a vi colocar<br />

uma mecha de cabelo atrás da orelha. A visão me doeu por dentro.<br />

―É estranho como funciona o destino‖, disse, sua voz quase em um sussurro. ―Você<br />

imaginou que sua vida iria acabar assim?‖<br />

―Não‖, eu disse.<br />

―Nem eu‖, ela respondeu. ―Quando você voltou para a Alemanha, sabia que nós nos<br />

casaríamos um dia. Isso era mais certo do que qualquer coisa na minha vida.‖


Dear John<br />

Olhei para meu copo enquanto ela continuava.<br />

Nicholas Sparks<br />

―Então na sua segunda licença, tive ainda mais certeza. Especialmente depois que<br />

fizemos amor.‖<br />

―Não...‖, balancei a cabeça. ―Não vá por aí.‖<br />

―Por quê?‖, ela perguntou. ―Você se arrepende?‖<br />

agora.‖<br />

―Não.‖ Não podia suportar olhar para ela. ―Claro que não. Mas você está casada<br />

―Mas aconteceu‖, disse ela. ―Você quer que eu esqueça?‖<br />

―Não sei‖, disse. ―Talvez.‖<br />

―Não posso‖, ela disse, parecendo surpresa e magoada. ―Foi minha primeira vez.<br />

Nunca vou esquecer, e a seu próprio modo, será sempre especial para mim. O que aconteceu<br />

entre nós foi lindo.‖<br />

Não confiava em mim para responder, e depois de um momento, ela se recompôs.<br />

Inclinando-se à frente, ela perguntou: ―Quando você descobriu que eu tinha casado com Tim,<br />

o que achou?‖<br />

Esperei para responder, escolhendo minhas palavras com cuidado. ―Meu primeiro<br />

pensamento foi que, de certa forma, fazia sentido. Ele estava apaixonado por você há anos.<br />

Percebi assim que o conheci.‖ Passei a mão sobre o rosto. ―Depois, me senti... em conflito.<br />

Fiquei feliz por você ter escolhido alguém como ele, porque ele é um cara legal, e vocês dois<br />

têm muito em comum, mas então eu... fiquei triste. Não teríamos de esperar muito. Eu teria<br />

saído do exército há quase dois anos agora.‖


Dear John<br />

Ela apertou os lábios. ―Lamento‖, murmurou.<br />

Nicholas Sparks<br />

―Eu também.‖ Tentei sorrir. ―Se você quer minha opinião honesta, acho que você<br />

deveria ter esperado por mim.‖<br />

Ela riu honestamente, e fiquei surpreendido com o olhar de saudade em seu rosto. Ela<br />

pegou a taça de vinho.<br />

―Também estive pensando sobre isso. Onde estaríamos, onde seria nossa casa, o que<br />

estaríamos fazendo com nossas vidas. Especialmente, recentemente. Ontem à noite, depois<br />

que você saiu, só conseguia pensar nisso. Sei que parece terrível, mas, nos últimos dois anos,<br />

tenho tentando me convencer que nosso amor, mesmo sendo real, nunca teria durado.‖ Ela<br />

tinha a expressão desolada. ―Você realmente teria se casado comigo, não é?‖<br />

―Em um piscar de olhos. E ainda casaria, se eu pudesse.‖<br />

O passado de repente parecia pairar sobre nós, em sua esmagadora intensidade.<br />

―Foi real, não foi?‖ Sua voz tremia. ―Você e eu?‖<br />

O cinza do crepúsculo refletia em seus olhos enquanto ela esperava a resposta. Nos<br />

momentos que se seguiram, senti o peso do prognóstico de Tim pairando sobre nós. Meus<br />

pensamentos desembestados eram mórbidos e errados e, no entanto, eles existiam. Eu me<br />

odiava só de pensar na vida depois de Tim, desejando afastar tais pensamentos.<br />

E ainda assim, não conseguia. Só queria tomar Savannah em meus braços, abraçá-la,<br />

reconquistar tudo o que havíamos perdido nos anos que ficamos separados. Instintivamente,<br />

comecei a inclinar-me para ela.<br />

Savannah sabia o que estava por vir, mas não se afastou. Não no inicio. Com meus<br />

lábios se aproximando dela, no entanto, ela rapidamente se virou e derramou vinho em nós


Dear John<br />

dois.<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela deu um pulo, colocou a taça na mesa e puxou a blusa para longe da pele.<br />

―Sinto muito‖, disse.<br />

―Tudo bem‖, ela disse. ―Vou me trocar. Tenho que colocar de molho É umas das<br />

minhas favoritas.‖<br />

―Ok‖, disse.<br />

Observei-a sair da sala e atravessar o corredor. Assim que ela entrou no quarto da<br />

direita, eu praguejei. Balancei a cabeça diante da minha própria estupidez, então notei o<br />

vinho na minha camisa. Levantei-me e entrei no corredor, procurando o banheiro.<br />

Girei a maçaneta ao acaso, e dei de cara comigo mesmo no espelho do banheiro. Na<br />

imagem refletida ao fundo, vi Savannah pela porta entreaberta do quarto do outro lado do<br />

corredor. Ela estava sem blusa, de costas para mim, e embora eu tentasse, não consegui<br />

desviar o olhar.<br />

Ela deve ter sentido, pois olhos sobre os ombros na minha direção. Pensei que ela<br />

fosse fechar a porta de repente ou se cobrir, mas ela não o fez. Em vez disso, encarou-me nos<br />

olhos, querendo que eu continuasse olhando para ela. Então, devagar, se virou.<br />

Ficamos ali nos olhando através do reflexo do espelho, só o corredor estreito nos<br />

separava. Seus lábios estavam entreabertos, e ela levantou um pouco o queixo; mesmo se eu<br />

vivesse mil anos, jamais esqueceria como ela estava deslumbrante naquele momento. Não<br />

queria nada alem de atravessar o corredor e ir até lá, sabendo que ela me desejava tanto<br />

quanto eu a desejava. Mas fiquei onde estava, congelado pelo pensamento de que um dia ela<br />

me odiaria pelo que ambos obviamente queríamos.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

E Savannah, que me conhecia melhor do que ninguém, baixou os olhos como se de<br />

repente tivesse o mesmo entendimento. Ela me deu as costas no mesmo momento em que a<br />

porta da frente abriu, e ouvimos um gemido alto na escuridão.<br />

Alan...<br />

Eu me virei e corri para a sala de estar, Alan já tinha entrado na cozinha, e ouvi as<br />

portas dos armários sendo batidas, enquanto ele gemia, quase como se estivesse morrendo.<br />

Parei, sem saber o que fazer. Um momento depois, Savannah passou correndo e ajeitando a<br />

blusa.<br />

―Alan! Estou chegando!‖, ela gritou com a voz frenética. ―Vai ficar tudo bem!‖<br />

Alan continuou a gemer, e as portas a bater.<br />

―Você precisa de ajuda?‖, perguntei.<br />

―Não.‖ Ela sacudiu a cabeça. ―Deixa eu cuidar disso. Isso acontece algumas vezes<br />

quando ele chega no hospital.‖<br />

Ela correu para a cozinha, e mal pude ouvi-la falando com ele. Sua voz se perdia em<br />

meio ao clamor, mas tinha firmeza. Mudando um pouco de lugar, eu a vi ao lado dele,<br />

tentando acalmá-lo. Não parecia ter qualquer efeito, e senti desejo de ajudar, mas Savannah<br />

permaneceu calma. Ela continuou a falar com voz inalterada e colocou a mão sobre a dele,<br />

acompanhando o bater das portas.<br />

Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, o bate-bate ficou mais lento e<br />

rítmico; por fim lentamente cessou. Os gemidos de Alan seguiram o mesmo padrão. A voz de<br />

Savannah estava mais suave, e eu não podia mais distinguir as palavras.<br />

Sentei no sofá. Minutos depois, levantei e fui até a janela. Estava escuro, as nuvens


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

haviam se dissipado e havia um redemoinho de estrelas acima das montanhas. Curioso para<br />

saber o que estava acontecendo, fui até um ponto da sala de estar de onde vislumbrava a<br />

cozinha.<br />

Savannah e Alan estavam sentados no chão, encostados nos armários. Alan repousava<br />

a cabeça no colo dela, que acariciava seus cabelos com ternura. Ele piscava rapidamente,<br />

como se estivesse ligado e precisasse ficar sempre em movimento. As lágrimas brilhavam<br />

nos olhos de Savannah, mas havia concentração em seu olhar, e percebi que ela estava<br />

determinada a não demonstrar o quanto sofria.<br />

―Eu o amo‖, ouvi Alan dizer. A voz profunda do hospital desapareceu; aquele era o<br />

apelo dolorido de um garotinho assustado.<br />

com medo.‖<br />

―Eu sei, <strong>querido</strong>. Também o amo tanto. Sei que você está com medo, e também estou<br />

Ouvia no tom da voz que ela falava a verdade.<br />

―Eu o amo.‖, disse Alan repetidamente.<br />

―Ele vai sair do hospital em dois dias. Os médicos estão fazendo tudo o que podem.‖<br />

―Eu o amo.‖<br />

―Eu sei. Eu também amo. Mais do que você pode imaginar.‖<br />

Continuei a observá-los, sentindo-me um intruso, percebendo, de repente, que não<br />

pertencia àquele ambiente. Em todo o tempo que estive lá, Savannah não levantou os olhos, e<br />

me senti assombrado por tudo que havíamos perdido.<br />

Apalpei meu bolso, peguei as chaves e voltei-me para a saída, sentindo as lágrimas


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

queimando em meus olhos. Abri a porta, e apesar do rangido alto, sabia que Savannah não<br />

iria ouvir nada.<br />

Desci os degraus cambaleando, pensando se já me sentira tão cansado antes. E mais<br />

tarde, dirigindo de volta ao hotel, ouvindo o motor do carro parado nos semáforos, sabia que<br />

as pessoas na rua iriam ver um homem chorando, um homem cujas lagrimas pareciam não ter<br />

fim.<br />

***<br />

Passei o resto da noite sozinho no meu quarto de hotel. Lá fora, ouvia estranhos<br />

passando pela porta carregando suas bagagens. Quando carros entravam no estacionamento,<br />

meu quarto era momentaneamente iluminado pelos faróis que projetavam imagens<br />

fantasmagóricas nas paredes. Pessoas em movimento, pessoas tocando a vida em frente.<br />

Deitado na cama, sentia inveja e me perguntava quando poderia dizer o mesmo de mim.<br />

Nem me incomodei em tentar dormir. Pensei sobre Tim, mas, estranhamente, em vez<br />

da figura esquálida do quarto do hospital via apenas o jovem que conheci na praia, um<br />

estudante arrumadinho de sorriso fácil para qualquer um. Pensei em meu pai e imaginei<br />

como teriam sido suas ultimas semanas de vida. Tentei visualizar os funcionários ouvindo<br />

enquanto ele falava sobre moedas e rezei para que o diretor estivesse certo quando disse que<br />

meu pai morreu pacificamente durante o sono. Pensei sobre Alan e no mundo estranho<br />

habitado por sua mente. Mas, principalmente pensei em Savannah. Repassei tudo o que<br />

aconteceu naquele dia, e nutri-me interminavelmente do passado, tentando escapar do vazio<br />

que não desaparecia.<br />

De manha, vi o sol nascer, uma bolinha de ouro emergindo da terra. Tomei banho e<br />

coloquei os poucos pertences que trouxera para o quarto de volta no carro. Pedi o café da<br />

manha na lanchonete do outro lado da rua, mas quando o prato fumegante foi colocado na<br />

minha frente, empurrei-o de lado e peguei a xícara de café, pensando se Savannah já estava<br />

em pé, alimentando os cavalos.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Eram nove da manhã quando apareci no hospital. Assinei o registro e peguei o<br />

elevador para o terceiro andar; percorri o mesmo corredor do dia anterior. A porta de Tim<br />

estava entreaberta, e ouvi a televisão.<br />

Ele me viu e sorriu surpreso. ―Oi John‖, disse ele, desligando a televisão. ―Entre. Eu<br />

estava só matando o tempo.‖<br />

Sentei na mesma cadeira do dia anterior, e percebi que sua cor tinha melhorado. Ele se<br />

esforçou para sentar mais reto na cama, antes de se concentrar em mim novamente.<br />

―O que o traz aqui tão cedo?‖<br />

―Estou me preparando para ir embora.‖, disse. ―Tenho que pegar o avião para a<br />

Alemanha amanha. Você sabe como é.‖<br />

―Sim, eu sei.‖ Ele balançou a cabeça. ―Espero sair do hospital ainda hoje. Passei muito<br />

bem a noite passada.‖<br />

―Bom‖, eu disse. ―Estou contente por ouvir isso.‖<br />

Estudei-o, procurando sinal de desconfiança em seu olhar, qualquer noção do que<br />

quase aconteceu na noite anterior, mas não vi nada.<br />

―Por que você realmente veio aqui, John?‖, ele perguntou.<br />

―Não tenho certeza‖, confessei. ―Senti que precisava vê-lo. E que talvez você também<br />

quisesse me ver.‖<br />

Ele assentiu e virou para a janela; de seu quarto, não dava pra ver nada, exceto um<br />

grande ar condicionado. ―Quer saber o pior disso tudo?‖ Ele não esperou a resposta. ―Eu me<br />

preocupo com Alan‖, disse. ―Eu sei o que está acontecendo comigo. Sei que as chances não


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

são boas e que há uma grande probabilidade que eu não sobreviva. Posso aceitar isso. Como<br />

disse ontem, ainda tenho a minha fé. Sei, ou pelo menos eu espero que existe algo melhor<br />

esperando por mim. E Savannah... sei que ela vai ficar devastada se acontecer algo comigo.<br />

Mas sabe o que aprendi quando perdi meus pais?‖<br />

―Que a vida não é justa?‖<br />

―Sim, isso também. Mas também aprendi que é possível seguir em frente, não importa<br />

quanto pareça impossível. Com o tempo, a dor... diminui. Pode não desaparecer<br />

completamente, mas depois de um tempo não é massacrante. É o que vai acontecer com<br />

Savannah. Ela é jovem, ela é forte, e vai conseguir superar. Mas Alan... não sei o que vai<br />

acontecer com ele. Quem vai cuidar dele? Onde ele vai viver?‖<br />

―Savannah vai cuidar dele.‖<br />

―Eu sei que ela faria isso. Mas é justo com ela? Esperar que ela carregue essa<br />

responsabilidade?‖<br />

―Não importa se é justo. Ela não vai deixar que nada aconteça a ele.‖<br />

―Como? Ela vai ter de trabalhar, quem vai cuidar de Alan então? Além disso, ele ainda<br />

é jovem. Tem apenas dezenove anos. Esperar que ela cuide dele nos próximos cinqüenta<br />

anos? Para mim é fácil. Ele é meu irmão. Mas Savannah...‖, ele balançou a cabeça. ―Ela é<br />

jovem e bonita. É justo esperar que ela não se case de novo?‖<br />

―Do que você está falando?‖<br />

―Será que seu novo marido estará disposto a cuidar de Alan?‖<br />

Fiquei em silêncio, ele ergueu as sobrancelhas. ―Você estaria?‖, acrescentou.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Abri a boca para responder, mas as palavras não saíram. Seu rosto se tranqüilizou.<br />

―É o que penso deitado aqui. Quer dizer, quando não estou passando mal. Na verdade,<br />

penso em um monte de coisas. Inclusive você.‖<br />

―Eu?‖<br />

―Você ainda a ama, não é?‖<br />

Mantive a expressão serena, mas mesmo ele leu meu rosto. ―Tudo bem‖, disse. ―Já sei.<br />

Sempre soube.‖ Ele pareceu quase melancólico. ―Ainda lembro o rosto de Savannah na<br />

primeira vez que ela falou sobre você. Nunca tinha visto ela daquele jeito Fiquei feliz por ela,<br />

porque alguma coisa me fez confiar em você imediatamente. Ela sentiu muito a sua falta no<br />

primeiro ano que você ficou longe. Foi como se o coração dela se despedaçasse um<br />

pouquinho todo dia. Ela só pensava em você. Então descobriu que você não ia voltar,<br />

acabamos em Lenoir e meus pais morreram...‖ Ele não terminou. ―Você sempre soube que eu<br />

também esta apaixonado por ela, não é?‖<br />

Assenti.<br />

―Acho que sim.‖ Ele limpou a garganta. ―Eu a amava desde os doze anos. Mas só<br />

queria que ela fosse feliz. E, gradualmente, ela também se apaixonou por mim.‖<br />

―Por que você está me contando isso?‖<br />

―Porque‖, disse ele, ―Não foi igual. Sei que ela me ama, mas ela nunca me amou do<br />

jeito que ama você. Nunca teve uma paixão ardente por mim, mas estávamos levando uma<br />

vida boa junto. Ela ficou tão feliz quando começamos o rancho... e fiquei muito feliz de<br />

poder fazer algo assim para ela. Estávamos felizes. Então fiquei doente, mas ela está sempre<br />

aqui, cuidando de mim como eu cuidaria dela se fosse o contrário.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Ele parou em seguida, se esforçando para encontrar as palavras certas, e notei o<br />

tormento em sua expressão.<br />

―Ontem, quando você entrou, vi o jeito que ela olhava para você e entendi que ela<br />

ainda te ama. Mais do que isso, entendi que ela sempre vai te amar. Fiquei com coração<br />

partido, mas sabe de uma coisa? Ainda estou apaixonado por ela, e só quero que ela seja feliz<br />

na vida. Quero isso mais do que tudo. É tudo que eu sempre quis para ela.‖<br />

Minha garanta estava tão seca que eu mal conseguia falar. ―O que você está dizendo?‖<br />

―Estou dizendo para você não esquecer Savannah, se acontecer alguma coisa comigo.<br />

E prometa que vai adorá-la para sempre, assim como eu.‖<br />

―Tim...‖<br />

―Não diga nada, John‖. Ele ergueu a mão, tanto para me calar quanto para se despedir.<br />

―Basta lembrar o que eu disse, ok?‖<br />

Quando ele se virou, entendi que a conversa tinha acabado.<br />

Então caminhei calmamente para fora do quarto, fechando a porta atrás de mim.<br />

***<br />

Fora do hospital, apertei os olhos diante do sol forte da manhã. Ouvi pássaros<br />

cantando nas arvores, mas embora os procurasse, eles ficaram escondidos de mim.<br />

O estacionamento estava cheio. Aqui e ali, havia pessoas caminhando para a entrada<br />

ou voltando para os carros. Todos pareciam tão cansados quanto eu, como se o otimismo<br />

demonstrado aos entes <strong>querido</strong> no hospital desaparecesse assim que estivessem sozinhos. Sei<br />

que sempre é possível haver milagres, não importa o quanto a pessoa esteja doente, e as


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

mulheres na maternidade estavam alegres com seus recém-nascidos nos braços, mas a<br />

maioria dos visitantes, assim como eu, saía do hospital aos cacos.<br />

Sentei em um bando em frente ao hospital, perguntando por que tinha ido até ali,<br />

arrependido. Repasse minha conversa com Tim diversas vezes e a imagem de sua angústia<br />

fez-me fechar os olhos. Pela primeira vez em anos, meu amor por Savannah pareceu...<br />

errado. O amor deve trazer alegria, deve conceder paz, mas aqui e agora só provocava dor.<br />

Para Tim, para Savannah, até para mim. Eu não viera tentar seduzir Savannah ou arruinar um<br />

casamento... ou vim? Não tinha certeza se eu era tão nobre como imaginava, e tal constatação<br />

me fez sentir vazio como uma lata de tinta enferrujada.<br />

Tirei a foto de Savannah de minha carteira. Estaca amassada e gasta. Enquanto olhava<br />

aquele rosto, fiquei imaginando o que o próximo ano traria. Não sabia se Tim iria viver ou<br />

morrer, e nem queria pensar nisso. Sabia que, não importa o que acontecesse, a relação entre<br />

mim e Savannah jamais seria a mesma do passado. Nós nos conhecemos em um momento<br />

livre de preocupações e cheio de promessas; em seu lugar agora havia as duras lições do<br />

mundo real.<br />

Esfreguei as têmporas, impressionado com o pensamento de que Tim intuiu o que<br />

quase aconteceu entre mim e Savannah na noite anterior, que talvez ele até esperasse por<br />

isso. As palavras dele deixaram isso bem claro, assim como o pedido para que eu prometesse<br />

amá-la com a mesma devoção que ele. Entendi exatamente o que ele sugeriu que eu fizesse<br />

se ele morresse, mas de algum modo, sua permissão me fez sentir ainda pior.<br />

Finalmente me levantei e comecei a caminhar lentamente para o carro. Não sabia ao<br />

certo para onde ir, a não ser que precisava me afastar o máximo possível do hospital.<br />

Precisava sair de Lenoir, apenas para ter uma chance de pensar. Enfiei as mãos nos bolsos e<br />

pincei minhas chaves.<br />

Somente quando cheguei perto do meu carro, notei a caminhonete de Savannah<br />

estacionada ali ao lado. Savannah estava sentada no banco do motorista e , quando me viu


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

chegar, abriu a porta e saiu do carro. Ela esperou por mim, alisando a blusa enquanto me<br />

aproximava.<br />

Parei a poucos metros de distância.<br />

―John‖, ela disse, ―Você saiu sem se despedir na noite passada.‖<br />

―Eu sei.‖<br />

Ela assentiu ligeiramente. Nós dois compreendemos o motivo.<br />

―Como você sabia que eu estava aqui?‖<br />

―Eu não sabia‖, disse ela. ―Passei no hotel e me disseram que você fechou a conta.<br />

Quando cheguei aqui, vi seu carro e decidi esperar. Você falou com Tim?‖<br />

―Sim. Ele está bem melhor. Acha que vai sair do hospital ainda hoje.‖<br />

cidade?‖<br />

―Essa noticia é boa‖, ela disse. Apontou para o meu carro. ―Você está saindo da<br />

―Tenho de voltar. Minha licença está acabando.‖<br />

Ela cruzou os braços. ―Você iria se despedir?‖<br />

―Não sei‖, admiti. ―Não tinha pensado tão longe.‖<br />

Vi um flash de mágoa e decepção em seu rosto. ―O que você e Tim conversaram?‖<br />

Olhei para o hospital por cima do ombro e depois de novo para ela. ―Você deve fazer<br />

essa pergunta para ele.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Ela crispou os lábios, seu corpo endureceu. ―Então isso é adeus?‖<br />

Ouvi uma buzina na rua em frente e uma fila de carros parar de repente. O motorista<br />

de um Toyota vermelho manobrava para a outra pista, fazendo o máximo para contornar o<br />

tráfego. Enquanto observava, percebi que estava imobilizado e que ela merecia uma resposta.<br />

―Sim‖, disse, virando lentamente para ela. ―Acho que é.‖<br />

você?‖<br />

Os nós brancos dos dedos se destacavam contra seus braços. ―Posso escrever para<br />

Eu me esforcei para não desviar o olhar, desejando mais uma vez que nosso destino<br />

tivesse sido diferente. ―Não tenho certeza se é uma boa idéia.‖<br />

―Não entendo.‖<br />

―Sim, você entende‖, disse. ―Você é casada com Tim, não comigo.‖ Deixei as palavras<br />

assentarem, enquanto reunia forças para continuar a falar. ―Ele é um bom homem, Savannah.<br />

Um homem melhor do que eu, isso é certo, e estou feliz que você tenha se casado com ele.<br />

Por mais que te ame, não estou disposto a romper um casamento por causa disso. E, no<br />

fundo, acho que você também não. Mesmo que você me ame, você o ama também. Demorei<br />

um pouco para perceber isso, mas agora tenho certeza.‖<br />

lágrimas.<br />

Não mencionei o futuro incerto de Tim, e vi os olhos dela começando a encher de<br />

―Será que vamos nos ver de novo?‖<br />

―Não sei.‖ As palavras queimaram na minha garganta. ―Mas espero que não.‖


Dear John<br />

―Como você pode dizer isso?‖, ela perguntou com a voz vacilante.<br />

Nicholas Sparks<br />

―Porque significa que Tim vai ficar bem. E tenho a sensação de que tudo vai acabar<br />

como deveria.‖<br />

―Você não pode dizer isso! Você não pode prometer isso!‖<br />

―Não‖, disse. ―Eu não posso.‖<br />

―Então porque é que tem que acabar agora? Desse jeito?‖<br />

Uma lagrima escorreu em seu rosto, e apesar de saber que deveria simplesmente ir<br />

embora, dei um passo na direção dela. Cheguei perto e enxuguei a lagrima gentilmente. Nos<br />

olhos dela, vi medo e tristeza, raiva e traição. Mas acima de tudo, vi uma suplica para eu<br />

mudar de idéia.<br />

Engoli a seco.<br />

―Você é casada com Tim, e seu marido precisa de você. Todos vocês. Não há espaço<br />

para mim, e ambos sabemos que não deveria haver.‖<br />

Mais lagrimas começaram a correr pelo seu rosto, e senti meus olhos encherem de<br />

água. Inclinei-me, beijei Savannah suavemente nos lábios e a abracei com firmeza.<br />

―Eu te amo, Savannah, e sempre vou te amar‖, murmurei. ―Você é a melhor coisa que<br />

já me aconteceu. Você foi minha melhor amiga e minha amante, e não me arrependo de um<br />

só momento. Você fez eu me sentir vivo de novo, e acima de tudo, você me deu meu pai.<br />

Nunca vou me esquecer disso. Você sempre será a melhor parte de mim. Sinto que tenha de<br />

ser assim, mas tenho que partir, e você tem que ver seu marido.‖<br />

Enquanto eu falava, ela soluçava convulsivamente, e continuei a abraçá-la por um


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

longo tempo. Quando finalmente nos separamos, percebi que fora nosso ultimo abraço. Me<br />

afastei, olhando nos olhos de Savannah.<br />

―Eu também te amo, John‖, ela disse.<br />

―Adeus.‖ Acenei.<br />

E com isso, ela limpou o rosto e começou a caminhar em direção ao hospital.<br />

***<br />

Dizer adeus foi a coisa mais difícil que já fiz. Parte de mim queria dar meia volta,<br />

correr para o hospital e dizer que eu estaria sempre ao lado dela, contar a ela o que Tim havia<br />

me dito. Mas não o fiz.<br />

Na saída da cidade, parei em uma pequena loja de conveniência. Precisava de gasolina<br />

e enchi o tanque; comprei uma garrafa de água. No balcão, eu vi o pote colocado pelo<br />

proprietário para arrecadar dinheiro para Tim, e fiquei olhando. Estava cheio de moedas e<br />

notas de dólar; no rótulo, havia os dados de uma conta em um banco local. Pedi para trocar<br />

algumas notas por moedas de vinte e cinco centavos e o heme atrás do balcão me atendeu.<br />

Estava entorpecido no caminho de volta para o carro. Abri a porta e comecei a<br />

vasculhar os documentos que o advogado me entregara, procurando também por um lápis.<br />

Achei o que precisava e fui até o telefone público. Ficava perto da estrada, em meio ao<br />

barulho dos carros. Liguei para o serviço de informações e tive que apertar o telefone contra<br />

a orelha para ouvir a voz computadorizada me dar o número solicitado. Rabisquei em uma<br />

folha dos documentos e desliguei. Coloquei algumas moedas no aparelho, e fiz uma chamada<br />

interurbana. Ouvi outra voz eletrônica pedindo mais dinheiro. Coloquei mais moedas. Em<br />

breve, ouvi o telefone chamar.<br />

Quando foi atendido, disse quem eu era e perguntei se o homem se lembrava de mim.


Dear John<br />

―Claro que sim, John. Como vai?‖<br />

Nicholas Sparks<br />

―Bem, obrigado. Meu pai faleceu.‖<br />

Houve uma pequena pausa. ―Sinto muito em ouvir isso‖, disse ele. ―Você está bem?‖<br />

―Não sei‖, disse.<br />

―Posso fazer alguma coisa por você?‖<br />

Fechei os olhos, pensando em Savannah e Tim e esperando que, de algum modo, meu<br />

pai me perdoasse pelo que estava prestes a fazer. ―Sim‖, disse ao negociante de moedas. ―Na<br />

verdade, você pode sim. Quero vender a coleção de moedas do meu pai, e preciso do<br />

dinheiro o mais rápido possível.‖


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Epilogo<br />

Qual o real significado do verdadeiro amor?<br />

Penso de novo sobre isso sentado na encosta observando Savannah entre os cavalos.<br />

Por um momento, retorno à noite em que apareci no rancho para encontrá-la... mas essa<br />

visita, um ano atrás, parece mais e mais como um sonho.<br />

Vendi as moedas por menos do que valiam, e peça por peça. Sabia que os restos da<br />

coleção de meu pai seriam distribuídos entre pessoas que nunca se preocupariam com elas<br />

tanto quanto ele. No fim, salvei apenas o níquel cabeça de búfalo, porque simplesmente não<br />

suportei abrir mão dele. Além da foto, é tudo que sobrou do meu pai, e sempre carrego<br />

comigo. É um talismã da sorte, que traz consigo todas as lembranças do meu pai; vez ou<br />

outra tiro do bolso e olho para ele. Passo os dedos pela embalagem plástica onde guardo a<br />

moeda e em um instante vejo meu pai lendo a Greysheet em seu escritório ou sinto cheio de<br />

bacon fritando na cozinha. Descobri que ela me faz sorrir, e por um momento, sinto que não<br />

estou mais sozinho.<br />

Mas estou, e parte de mim sabe que sempre estarei. Detenho-me nesse pensamento<br />

enquanto procuro as figuras de Savannah e Tim ao longe, voltando para casa de mãos dadas;<br />

a forma que se tocam demonstra o afeto genuíno que sentem um pelo outro. Eles formam um<br />

belo casal, devo admitir. Tim chama Alan, que se junta a eles, e os três vão para dentro.<br />

Imagino por um momento sobre os detalhes de sua vida cotidiana, mas estou plenamente<br />

ciente de que não é da minha conta. Ouvi dizer, no entanto, que Tim não esta mais fazendo<br />

tratamento e muitas pessoas na cidade esperam que ele se recupere.<br />

Soube pelo advogado da cidade que contratei na ultima visita a Lenoir. Entrei no


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

escritório com um cheque e pedi que ele depositasse na conta aberta para financiar o<br />

tratamento de Tim. Eu conhecia os privilégios da relação advogado-cliente, e sabia que ele<br />

não diria nada a ninguém na cidade. Era importante não deixar Savannah saber o que eu tinha<br />

feito. Em qualquer casamento, só há espaço para duas pessoas.<br />

Entretanto, pedi ao advogado para me manter informado, e falei diversas vezes com ele<br />

no ano passado enquanto eu estava na Alemanha. Ele contou sobre quando contatou<br />

Savannah para dizer que um cliente queria fazer uma doação anônima e ser informado sobre<br />

o progresso de Tim. Ela desabou e caiu no choro quando ele disse a ela a quantia. Contou<br />

que, uma semana depois, ela levou Tim ao MD Anderson e ficou sabendo que ele era o<br />

candidato ideal para a vacina experimental que o instituto começaria a testar em novembro.<br />

Contou que, antes de começar o tratamento experimental, Tim fez bioquimioterapia e<br />

terapias auxiliares, e que os médicos estavam esperançosos de que isso mataria as células<br />

cancerígenas concentradas nos pulmões. Dois meses atrás, o advogado me ligou para contar<br />

que o tratamento tinha sido um sucesso, mais que os médicos esperavam, e agora Tim estava<br />

tecnicamente em remissão.<br />

Isso não garantia que ele iria viver até uma idade avançada, mas garantia uma chance<br />

de lutar, e isso é tudo que eu desejava para ambos. Queria que eles fossem felizes. Queria que<br />

ela fosse feliz. E, pelo o que eu tinha testemunhado hoje, eles eram. Vim porque precisava<br />

saber se tinha tomado a decisão certa ao vender as moedas por causa do tratamento de Tim;<br />

se tinha feito bem em nunca mais entrar em contato com ela. E, dali de cima, soube que a<br />

resposta era sim.<br />

Vendi a coleção porque finalmente compreendi o que o verdadeiro amor realmente<br />

significa. Tim havia me dito, e me mostrado, que o amor significava pensar mais na<br />

felicidade da outra pessoa do que na própria, não importa quão dolorosa seja sua escolha. Saí<br />

do quarto de hospital de Tim sabendo que ele estava certo. Mas fazer a coisa certa não foi<br />

fácil. Hoje em dia, levo a vida sentindo que falta algo, que preciso de algum modo tornar<br />

minha vida completa. Sei que meu sentimento por Savannah nunca mudará, e sempre terei<br />

dúvidas sobre a escolha que fiz.


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

E ás vezes me pergunto se Savannah sente o mesmo. O que, naturalmente, explica o<br />

outro motivo pelo qual vim a Lenoir.<br />

***<br />

Olho para o rancho quando a noite cai. É a primeira noite de lua cheia e, para mim, as<br />

lembranças sempre virão. Sempre vêm. Prendo a respiração quando a lua começa sua lenta<br />

ascensão sobre as montanhas, o brilho leitoso contornando o horizonte. As árvores se tornam<br />

prata líquida, e embora eu deseje mergulhar nas memórias agridoces, viro-me para observar o<br />

rancho novamente.<br />

Durante muito tempo, espero em vão. A lua continua sua lenta trajetória pelo céu. Uma<br />

a uma, as luzes da casa se apagam. Concentro-me ansiosamente na porta da frente, esperando<br />

pelo impossível. Sei que ela não vai aparecer, mas não consigo me forçar a ir embora. Inspiro<br />

lentamente, na esperança de chamá-la para fora. E quando finalmente, a vejo sair de casa,<br />

sinto um formigamento estranho na coluna, algo que nunca tinha experimentado antes. Ela<br />

para na escada, e então se vira parecendo olhar na minha direção. Congelo sem motivo, sei<br />

que é impossível ela me ver. De onde estou, observo Savannah fechar a porta<br />

silenciosamente atrás de si. Ela desce lentamente os degraus e vaga pelo jardim.<br />

Ela para e depois cruza os braços, olhando para trás, para se certificar que ninguém a<br />

seguiu. Finalmente, parece relaxar. Então, sinto como se estivesse presenciando um milagre,<br />

como, bem devagar, ela ergue o rosto para a lua. Eu a vejo sorver a imagem da lua cheia,<br />

inundada pelas memórias libertas, não desejando nada além de fazê-la saber que estou aqui.<br />

No entanto, fico onde estou e também olho para a lua. Por um breve instante, é como se<br />

estivéssemos juntos de novo.<br />

Fim


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Comunidade Traduções de Livros<br />

[http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=25399156]<br />

Tradução:<br />

Sara<br />

[http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=2722266572501826248]<br />

Isadora Guedes<br />

[http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=7247574743938055706]<br />

Renata Mallmann<br />

[http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=7007178818492852022]<br />

Ariane Ferreira<br />

[http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=16487373443441357697]<br />

Revisão:<br />

Dady<br />

[http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=584778662483173347]


Dear John<br />

Nicholas Sparks<br />

Skoob<br />

[http://www.skoob.com.br/usuario/mostrar/140942/perfil:on]<br />

Twitter<br />

[http://twitter.com/tdlivros]<br />

Blog<br />

[http://traducoesdelivros.blogspot.com]

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