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O Cuidado em Enfermagem* - Pensar Enfermagem

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verdade também que exist<strong>em</strong> profissões mais ligadas à pessoa humana enquanto tal; entre essasdestacam-se as relações de ensino e educação, de cuidado de saúde, de assistência social, deaconselhamento psicológico, espiritual ou religioso. Todas estas formas de encontro que visam ocrescimento da pessoa humana, ou a ajuda da pessoa nas suas situações de vulnerabilidade exig<strong>em</strong>,mais do que as outras, uma atitude ética. Assim é verdade que no seu des<strong>em</strong>penho, determinadasprofissões incorporam de modo privilegiado a atitude ética do encontro. Tal parece ser a profissãoligada ao cuidado de enfermag<strong>em</strong>. Mas o que especifica este cuidado é a sua relação ao corpo,cruzada coma relação com o t<strong>em</strong>po. O factor t<strong>em</strong>po é tão importante que merece reter a nossaatenção. Poder-se-ia também dizer que a relação entre professor, educador e educando acarreta ofactor t<strong>em</strong>po; mas aqui a relação com o corpo é vivida de modo diferente uma vez que não se tratado corpo doente ou vulnerável. Por isso a relação do cuidado enfermeiro confirma-se como relaçãoque liga essencialmente a competência técnica com a vivencia ética do encontro. O que é estranhoa este respeito, é o divórcio entre a teoria e a prática: <strong>em</strong> teoria todos os enfermeiros e enfermeiraso sab<strong>em</strong> porque isso faz actualmente parte do próprio currículo escolar; sab<strong>em</strong> que a prática da suaprofissão exige uma postura ética específica. Mas o espectáculo que oferec<strong>em</strong> os hospitais, tanto<strong>em</strong> Portugal como no estrangeiro, obriga-nos a verificar que ainda existe muitas vezes um terrívelhiato entre a competência técnica e a vivência ética do encontro. Qu<strong>em</strong> já esteve internado numestabelecimento de saúde ou visitou familiares internados verificou que, por múltiplas razões que nãovale a pena elencar aqui, o cuidado de enfermag<strong>em</strong> é vivido como relação de dominação técnicoprofissionale não como busca de encontro intersubjectivo. Não nos façamos ilusões: ainda são umaminoria as enfermeiras e enfermeiros que conseguiram de modo habitual incorporar a dimensãoplenamente ética no des<strong>em</strong>penho da sua profissão. Não se deve considerar este facto como umacritica radical ou exclusiva, uma vez que o mesmo acontece no pessoal docente, <strong>em</strong> todos os níveisde ensino. Que esta situação não nos desanime: a ética progride s<strong>em</strong>pre com minorias éticas, quedão o tom, seguidas pouco a pouco por outras pessoas, finalmente atraídas pelos seus ex<strong>em</strong>plos.O progresso ético de uma sociedade exige muitas gerações. Portanto, no cuidado enfermeirocruzam-se de modo específico, além das competências técnicas, as dimensões da corporeidade,da t<strong>em</strong>poralidade, da vulnerabilidade física ou mental e do encontro intersubjectivo.Será que existe uma diferença entre o cuidado prestado por uma mulher e o prestado por umahom<strong>em</strong>? A resposta afirmativa impõe-se; não se trata somente da diferença de género, mas de umfactor mais importante: a sexualidade não incide apenas ou primordialmente nas relações sexuaispropriamente ditas, mas, tal como mostra a fenomenologia do século XX, atravessa todos os nossoscomportamentos, todas a s nossas atitudes e relacionamentos. É o que a expressão «corpo sexuado»significa; ninguém esgota a humanidade do ser humano na sua própria pessoa. O ser humano nascee vive dividido, não só quantitativamente dividido dos outros <strong>em</strong> geral mas qualitativamente dividido<strong>em</strong> si mesmo, enquanto realiza apenas uma figura do humano, sendo hom<strong>em</strong> ou mulher. Maisainda, a divisão sexual, que abre o ser humano à alteridade e ao encontro sexual, atravessa todaa existência, e mantém-se mesmo na relação sexual, pois esta, qualquer que seja a felicidade quetraz consigo, nunca transforma cada um de nós numa identidade totalizadora do humano. Noutrostermos, mesmo no encontro da relação sexual propriamente dita, hom<strong>em</strong> e mulher permanec<strong>em</strong>singulares e diferentes. Esta diferença, que está na base do encanto espontâneo que a presençado outro sexo faz nascer - deixamos aqui fora da nossa análise a questão da homossexualidade- t<strong>em</strong> a sua raiz naquilo que se exprime como «corpo sexuado». O corpo sexuado está na basede toda a teoria da sexualidade, de tal modo que a própria sexualidade atravessa a vivência nãoapenas física, mas psicológica, social, espiritual e religiosa. Aplicando esta teoria ao des<strong>em</strong>penhoprofissional da enfermag<strong>em</strong>, não pod<strong>em</strong>os estranhar que o modo de viver a dimensão ética doencontro intersubjectivo seja diferente entre uma mulher e um hom<strong>em</strong>. Não ir<strong>em</strong>os deduzir que, naenfermag<strong>em</strong> há uma diferença de competência segundo os géneros, uma vez que esta diferençaultrapassa o nível da competência técnica. Poder<strong>em</strong>os concluir porém que não existe um únicopadrão de encontro ético intersubjectivo. Assim como a diferença inerente aos corpos sexuados,afecta toda a abertura ao mundo, do mesmo modo, ela configura ou colora de modo diferente anossa vida ética, espiritual e religiosa. Portanto a ética não impõe um padrão de comportamentoindiferenciado nos cuidados de enfermag<strong>em</strong>; pelo contrário, ela assume a diferença que provémda vivência dos corpos sexuados; hom<strong>em</strong> e mulher poderão assim ter uma postura igualmenteética, <strong>em</strong>bora fenomenologicamente diferente. Mas <strong>em</strong> todos os casos, ao preocupar-se com ooutro nas suas fraquezas e nas suas feridas físicas, ou mentais, a vivência ética inclui um factor deO cuidado <strong>em</strong>enfermag<strong>em</strong><strong>Pensar</strong> Enfermag<strong>em</strong> Vol. 14 N.º 1 1º S<strong>em</strong>estre de 20105

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