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Michel p6ucaultNascimento <strong>da</strong> BiopoliticaCurso <strong>da</strong>do no College de France (1978-1979)Edi"ao estabeleci<strong>da</strong> por Michel Senellartsob a dire"ao deFran"ois Ewald e Alessandro FontanaTradw;aoEDUAROOBRANDAoRevisao <strong>da</strong> tradw;aoCLAUDIA BERLINERPaul~Michel Foucault nasceu em Poitiers, Fran~a, em 15de outubro de 1926. Em 1946 ingressa na Ecole Nonnale Superieure,onde conhece e mantem contato com Pierre Bourdieu,Jean-Paul Sartre, Paul Veyne, entre outros. Em 1949, conclui sualicenciatura em psicologia e recebe seu diploma em EstudosSuperiores de Filosofia, com uma tese sobre Hegel, sob a orienta,aode Jean Hyppolite. Morre em 25 de junho de 1984.Martins FontesSao Paulo 2008


ESI~ obr~ foi pllbIic~d~ origin~lmenle em fr~nces com 0 ti/uloNAISSANCE DE LA BIOPOLlTIQUEpar £ditions du SeuiI.Copyright © Seuil / G~Jlim~rd, 2004.Edi~iio est~beJecid~ por Michel Senell~r/sob ~ direfiio deFr~n~ois Ew~ld e Alessandro Fon/~n~.Copyright © 2OOS, Livr~ria Martins Fon/es Editora LldtI.,Silo P~ulo, p~raa presente edi~iio.fNDICEA


pecfficas <strong>da</strong> arte liberal de govemar: (1) A ,:onstitui~aodo mercado como lugar de fOl;na~aodever<strong>da</strong>de e nao mais apenas como dorrumo de JUrisdi~ao._ Questoes de metodo. Objetos <strong>da</strong>spesquisas empreendi<strong>da</strong>s em tome <strong>da</strong> loucura,<strong>da</strong> penali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de: :s~o~o de umahist6ria dos "regimes de vendi~ao . - Em quedeve consistir uma critica politica ~o saber. - (2)o problema <strong>da</strong> limita~ao do e".eraclo do poderpublico. Os dois tipos de solu~ao: 0, radlCalismojuridico frances e 0 utilitansmo mgles. - ~ '1 ues ­tao <strong>da</strong> "utili<strong>da</strong>de" e a limita~ao do exerClClO dopoder publico. - Obse~a~ao ~obre 0 estatut,: doheterogeneo em histona: 10gl_ca de"estrategl~contra 16gica dialetica. - A no~ao de mteressecomo operadora <strong>da</strong> nova arte de govemar.Aula de 24 de janeiro de 1979.;.; ····..··············As caracteristicas espeClficas <strong>da</strong> arte hberal degovemar (ll): (3) 0 problemado eqUllfbno ~uropeue <strong>da</strong>s rela~oes intemaclOnals; - 0 caleuloeconomico e politico no mercantihsmo. 0 jOnncipio<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de mercado segundo os fiSlOcratase A<strong>da</strong>m Smith: <strong>nascimento</strong> de um novomodelo europeu. - 0 aparecimento de ;,ma racionali<strong>da</strong>degovemamental_estendl<strong>da</strong> a esc~amundial. Exemplos: a quest~o do dlr~lto mantimo'os projetos de paz perpetua no seculo XVIll._ Os principios <strong>da</strong> nova arte liber~! de govem~:um "naturalismo govemamental ;. a produ~ao<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. - 0 problema <strong>da</strong> ar~ltragemliberal.Seus instrumentos: (1) a gestao dos pengose a ado~ao de mecanismos de seguran~a; (2) oscontroles disciplinares (0 panoptlsmo de Bentham);(3) as politicas intervenclOmstas. - A gestao<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de e suas crises.71Aula de 31 de janeiro de 1979.......................................... 103A fobia do Estado. - Questoes de metodo: sentidose implica~oes <strong>da</strong> coloca~aoentre parentesesde uma teoria do Estado na analise dos mecanismosde poder. - As praticas govemamentais neoliberais:0 liberalismo alemao dos anos 1948-1962;o neoliberalismo americano. - 0 neoliberalismoalemao (1). - Seu contexto politico-econornico.-o Conselho Cientffico reunido por Erhard em1947. Seu programa: libera~ao dos pre~os e lirnita~ao<strong>da</strong>s interven~oes govemamentais. - A viamedia defini<strong>da</strong> por Erhard em 1948 entre a anarquiae 0 "Estado-cupim". - Seu duplo significado:(a) 0 respeito a liber<strong>da</strong>de economica comocondi~ao <strong>da</strong> representativi<strong>da</strong>de politica do Estado;(b) a institui


<strong>da</strong>de necessario a defini,ao do objetivo neoliberal.- as obstaculos apolitica liberal naAlemanhadesde 0 seculo XIX: (a) a economia protecionistasegundo List; (b) 0 socialismo de Estado bismarckiano;(c) a implanta,ao, durante a PnmerraGuerra Mundial, de uma economia planific~<strong>da</strong>;(d) 0 dirigismo de tipo keynesiano; (e) a po~ticaeconomica do nacional-socialismo. - A cnticaneoliberal do nacional-socialismo a partir dessesdiferentes elementos <strong>da</strong> historia alema. - Conseqiienciasteoricas: extensao des sacritica ao NewDeal e aos planos Bevendge; dirigISmo e cresClmentodo poder estatal; a massifica,ao e ,a uniformiza¢o,efeitos do estatismo. - a que esta;mJogono neoliberalismo: sua nOVl<strong>da</strong>de em rela,ao ao liberalismoclassico. A teoria <strong>da</strong> concorrencia pura.Aula de 14 de feuereiro de 197? :.: . 179a neoliberalismo alemao (Ill). - Utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>sanalises historicas em rela,ao ao presente. - Emque 0 neoliberalismo se dis~gue do liberalismoclassico? - Seu desafio especifico: como regular 0exercicio global do poder politico com base nosprincipios de uma eco:,omla de mercado e astransforrna,6es que <strong>da</strong>l decorrem. - a descol~mentoentre a economia de mercado e as pohticasdo laissez-faire. - a coloquio Walter Lippmann(26-30 de agosto de 1938). - a problemado estilo <strong>da</strong> a,ao governarnental. Tres exemplos:(a) a questao dos monopolios; (b) a questao,<strong>da</strong>s"a,6es conforrnes". as fun<strong>da</strong>rnent~s <strong>da</strong> politicaeconomica segundo W. Eucken. A,oes regulad


tica ordoliberal. - Duas teses sobre 0 Estado totalitanoe 0 decrescimento <strong>da</strong> governam!'ntall<strong>da</strong>dede Estado no seculo XX. - Observa~oes sobrea difusao do modele alemao, na Fran~a e.;'osEstados Unidos. - 0 modelo neoliberal alemao eo projeto frances de uma "economla sOClal demercado". - 0 contexto <strong>da</strong> passagem~na Fran­~, a uma economia neoliberal. - A pohtica SOClalfrancesa: 0 exemplo <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de SOClal. - A dlSsocia~aoentre 0 economic? e 0 sOClal,;.egundoGiscard d'Estaing. - 0 pro]eto de um nnpostonegativo" e suas implica~oes SOClalS e politicas.Pohreza IIrelativa" e pobreza IIabsoluta". A renunciaapolitica do pleno emprego.297Aula de 14 de marfo de 1979 ··································o neoliberalismo americano. Seu contexto. ­Diferen~as entre os neoliberalismos amencano eeuropeu. - 0 neoliberalismo amencano comoreivindica~ao global, foco utopico e metodo depensamento. - Aspectos desse neohberahsmo:(1) A teoria do capltal humano. Os dOls_processos que ela representa: (a) uma mcursa,o <strong>da</strong>analise econ6mica no Intenor do seu propnocampo: critica <strong>da</strong> analise classica do tr~balho e:ntermos de fator tempo; (b) uma extensao ~a an~liseeconomica a campos considerados ate e...n~aonao-economicos. - A muta~ao episten:'0loglcaproduzi<strong>da</strong> pela analise neoliberal: <strong>da</strong> an ahse dosprocessos economicos aanalise <strong>da</strong> raclOnah<strong>da</strong>deinterna dos comportamentos humanos. - 0 trabalhocomo conduta economica. - Sua decomposi~aoem capital-competencia e ren<strong>da</strong>. - Aredefini~ao do homo oeconomu::


liberalismo americano. - Analise economica etecnicas comportamentais. - 0 homo oeconomicuscomo elemento basico <strong>da</strong> nova razao governamentalsurgi<strong>da</strong> no seculo xvm. - Elementospara uma historia <strong>da</strong> no~ao de homo oeconomicusantes de Walras e de Pareto. - 0 sujeito de interessena filosofia empirista inglesa (Bume). - Aheterogenei<strong>da</strong>de entre sujeito de interesse e sujeitode direito: (1) 0 carater irredutivel do interesseem rela~ao avontade juridica. (2) A logicainversa do mercado e do contrato. - Segun<strong>da</strong>inova~ao em rela~ao ao modelo juridico: a rela­~ao do sUjeito economico com 0 poder politico.Condorcet. A "mao invisivel" de A<strong>da</strong>m Smith: ainvisibili<strong>da</strong>de do vinculo entre a busca do lucroindividual e 0 aumento <strong>da</strong> riqueza coletiva. Caraternao-totalizavel do mundo economico. Anecessaria ignorancia do soberano. - A economiapolitica como critica <strong>da</strong> razao govemamental:exclusao <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de um soberanoeconomica, sob suas duas formas, mercantilistae fisiocratica. - A economia politica, cii'ncia lateralem rela~aoaarte de govemar.tOrico-na!"ral; (2) ela assegura a sintese espontanea?os mdlVlduos. Paradoxo do vinculo economico; (3) elae uma matriz perrnanente de poder politico; (4) ela COnstitUl0 motor <strong>da</strong> historia. - Aparecimento de um novosIstema de pensamento politico. - Conseqiiencias teoncas:(a) a questao <strong>da</strong>s rela~6es entre Estado e socie<strong>da</strong>de.As problematicas alema, inglesa e francesa· (b) aregulagem,do exercicio do poder: <strong>da</strong> sabedoria d~ pooc:peaos caJculos racionais dos govemados. - Conclusaogera!.f:~~;;o dXo ~~~;:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::indicesI~~~: ~~~ ~~~:: d~·p~~~~·~~·:::::::::::::::::::·········431441449467Aula de 4 de abril de 1979 .Elementos para uma historia <strong>da</strong> no~ao de homooeconomicus (II). - Volta ao problema <strong>da</strong> limlta­~ao do poder soberano pela ativi<strong>da</strong>de economica.- A emergencia de um novo campo, correlativo<strong>da</strong> arte liberal de govemar: a socie<strong>da</strong>de civil. ­Homo oeconomicus e socie<strong>da</strong>de civil: elementosindissociaveis <strong>da</strong> tecnologia govemamentalliberal.- Analise <strong>da</strong> no~ao de "socie<strong>da</strong>de civil":sua evolu~ao de Locke a Ferguson. 0 Ensaio sobrea histaria <strong>da</strong> soeie<strong>da</strong>de eivil de Ferguson (1787). Asquatro caracteristicas essenciais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civi]segundo Ferguson: (1) ela e uma constante his-397,


INOTAMichel Foucault ensinou no College de France de janeirode 1971 ate a sua marte, em junho de 1984 - com exce­,ao de 1977, quando gozou de urn ana sabatico. 0 titulo <strong>da</strong>sua cadeira era: Hist6ria dos sistemas de pensamento.Essa cadeira foi cria<strong>da</strong> em 30 de novembro de 1969, parproposta de Jules Vuillemin, pela assembleia geral dos professoresdo College de France em substitui,ao acadeira dehist6ria do pensamento filos6fico, que Jean Hyppolite ocupouate a sua morte. A mesma assembleia elegeu MichelFoucault, no dia 12 de abril de 1970, titular <strong>da</strong> nova cadeira'.Ele tinha 43 anos.Michel Foucault pronunciou a aula inaugural no dia 2de dezembro de 1970'.1. Michel Foucault encerrou 0 oplisculo que redigiu para sua can·di<strong>da</strong>tura com a seguinte formula; "Seria necessaria empreender a hist6riados sistemas de pensamento" ("Titres et travaux", in Dits et terits,1954-1988, ed. por D. Defert e F. Ewald, colab. J. Lagrange, Paris, Gallimard,1994, 4 vols.; ct. vol. I, p. 846) [Ed. bras.: Ditos e escritos, 5 vols.tematicos, Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 2006].2. Foi publica<strong>da</strong> pelas Editions Gallimard em maio de 1971 como titulo: COrdre du discours. [Ed. bras.: A ordem do discurso, Sao Paulo,Loyola, 1999.1l~ ...l_----===~~


XVINASCIMENTO DA BIOPOLtTICANOTAXVIIo ensino no College de France obedece a regras especificas.Os professores tern a obriga~ao de <strong>da</strong>r 26 horas deaula por ano (metade <strong>da</strong>s quais, no maximo, pode ser <strong>da</strong><strong>da</strong>na forma de seminarios'). Devem expor a ca<strong>da</strong> ano urna pesquisaoriginal, 0 que os obriga a sempre renovar 0 conteudodo seu ensino. A freqtiencia as aulas e aos seminarios einteirarnente livre, nao requer inscri~ao nem qualquer diploma.E 0 professor tambem nao fornece certificado algum'.No vocabulario do College de France, diz-se que os professoresnao tern alunos, mas ouvintes.o curso de Michel Foucault era <strong>da</strong>do to<strong>da</strong>s as quartasfeiras,do come~o de janeiro ate 0 fim de mar~o. A assistencia,numerosissima, composta de estu<strong>da</strong>ntes, professores epesquisadores, curiosos, muitos deles estrangeiros, mobilizavadois anfiteatros do College de France. Michel Foucaultqueixou-se repeti<strong>da</strong>s vezes <strong>da</strong> distancia que podia haverentre ele e seu "publico" e do pouco intercambio que a formado curso possibilitava 5 • Sonhava com urn seminario queservisse de espa~o para urn ver<strong>da</strong>deiro trabalho coletivo.Fez varias tentativas nesse sentido. Nos ultimos anos, no fim<strong>da</strong> aula, dedicava urn born tempo para responder as perguntasdos ouvintes.Eis como, em 1975, urn jornalista do Nouvel Observateur,Gerard Petitjean, transcrevia a atmosfera reinante: "QuandoFoucault entra na arena, rapido, decidido, como alguemque pula na agua, tern de passar por cima de varios corpos3. Foi 0 que Michel Foucault fez ate 0 inicio cla deca<strong>da</strong> de 1980.4. No ambito do College de France.5. Em 1976, na (vii) esperanc;a de reduzir a assistencia, MichelFoucault mudou 0 horMio do curso, que passou de 171145 para as 9 ciamanha. Cf. 0 inicio cia primeira aula (7 de janeiro de 1976) de I'll fautdejendre la societe". COUTS au College de France, 1976, ~d, por,M. Bertani,eA. Fontana, sob a dir. de F. Ewald e A. Fontana, Pans, Gallimard/Seuil,1997 [ed. bras.: Em defesa <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, Sao Paulo, Martins Fontes, 1999].para ches:ar a sua cadeira, afasta os gravadores para pousarseus papels, lira 0 paleto, acende urn abajur e arranca acern por hora. Voz!orte, eficaz, transporta<strong>da</strong> por alto-fam'ntes,uruca concessao ao modernismo de uma sala mal ilumma<strong>da</strong>pela luz que se eleva de umas bacias de estuque. Hatrezentos lugares e quinhentas pessoas aglutina<strong>da</strong>s, ocup,a~doto~o equalquer espa~olivre [...] Nenhum efeito oratono.Iiympldo e terrivelmente eficaz. Nao faz a menorconcessao ao Improviso. F?ucault tern doze horas por anopara explicar, num curso publico, 0 sentido <strong>da</strong> sua pesquisadurante 0 ano que acabou de passaro Entao, compacta 0malS quepode,e enche as margens como aqueles missivistasque am<strong>da</strong> tern muito a dizer quando chegarn ao fim <strong>da</strong>folha. 19h15. Foucault para. Os estu<strong>da</strong>ntes se precipitampara a sua mesa. Nao e para falar COm ele, mas para desligaros g;-a,,?~ores. Nao ha perguntas. Na confusao, Foucaultesta so. E Foucault comenta: "Seria born poder discutir0 que propus. As vezes, quando a aula nao foi boabastaria pouca coisa, uma pergunta, para por tudo no devi ~do lugar. Mas essa pergunta nunca vern. De fato, na Fran~a,o efelto d: gropo torna qualquer discussao real impossive!.E, como nao ha canal de retorno, 0 curso se teatraliza. Tenhocom as pessoas que estao aqui uma rela~ao de ator ou deacrobata. E, quando tennino de falar, uma sensarao de totalsoli<strong>da</strong>o... "f>'r. Michel F.?ucault abor<strong>da</strong>va seu ensino como pesquisad,?r.explora~oes para urn futuro livro, desbravamento tambernde campos de problematiza~ao, que se formulavammUlto malS como urn convite lan~ado a eventuais pesquisadores.Ii por ISS0 queos cursos do College de France nao repetemos IIvros pubhcados. Nao sao 0 esbo~o desses livroset;'lbora certos temas~ p~ssam ser comuns a livros e cursos~Tern seu estatuto propno. Originam-se de urn regime dis-6. Gerard Petitjean, "Les Grands Pretres de l'universite fran~aise"Le Nouvel Observateur, 7 de abril de 1975.'


XVIII NASCIMENTO DA BIOPOriTlCA NOTA XIXcursivo especifico no conjunto dos "atos filos6ficos".efetuadospor Michel Foucault. Neles desenvolve, em particular, 0programa de urna genealogi~ <strong>da</strong>s rela~6es saber/pode~emfun~ao do qual, a partir do InlCW dos anos 1970, refletira sobreseu trabalho - em oposi~ao ao de uma arqueologJa <strong>da</strong>sforma~6es discursivas que ele ate entao dominara'.Os cursos tambem tinham uma fun~ao na atuali<strong>da</strong>de.o ouvinte que assistia a eles nao fica~ apenas cati,,:,do pelorelato que se construia semana apos ~emana; ,nao ficavaapenas seduzido pelo rigor <strong>da</strong> exposl~ao: tambem encontravaneles uma luz sobre a atuali<strong>da</strong>de. A arte de Mi~helFoucault estava em diagonalizar a atua,li<strong>da</strong>de pela l;istona.Ele podia falar de Nietzsche ou de Aristotele.s, <strong>da</strong> pencla 1'SIquiatricano seculo XIX ou <strong>da</strong> pastoral cnsta, mas 0 ouvmtesempre tirava do que eie diZla urna ~uz sobre 0 preser;teesobre os acontecirnentos contemporaneos. A for~a propnade Michel Foucault em seus cursos vinha desse sunl cruzamentoentre uma fina erudi~ao, urn engajamento pessoal eurn trabalho sobre 0 acontecimento.* * *Os anos 1970 viram 0 desenvolvimento e 0 aperfei~oamentodos gravadores de fita cassete - a mesa de MichelFoucault iogo foi toma<strong>da</strong> por eles. Os cursos (e certos senunanos)foram conservados gra~as a esses aparelhos. .Esta edi~ao toma como referencia a palavra pronunCla<strong>da</strong>publicamente por Michel Foucal;lt e fomece a sua tran~cri~aomais literal possivel". Gostanamos de poder publica-7. Cf. em particular "Nietzsche, la genealogi~, l'hist~~": j~ C?its ~tEcrits, II, p. 137. [Ed. bras.: "Nietzsche, a genealogla e a histona , In Mlcrofisicado poder, Roberto Machado (org.), Rio de Janeiro, Gr~al, 1979.]8. Foram utiliza<strong>da</strong>s, em especial, as grava~6es realiza<strong>da</strong>s porGerard Burlet e Jacques Lagrange, deposita<strong>da</strong>s no College de France enoIMEC.la tal qual. Mas a passagem do oral ao escrito imp6e umainteIVen~aO do editor: e necessario, no minima, introduziruma pontua~aoe definir paragrafos. 0 principio sempre foio de ficar 0 mais pr6ximo possivel <strong>da</strong> aula efetivamentepronuncia<strong>da</strong>.Quando parecia indispensavel, as repeti~6esforam suprimi<strong>da</strong>s;as frases interrompi<strong>da</strong>s foram restabeleci<strong>da</strong>s e asconstru~6es incorretas, retifica<strong>da</strong>s.As reticencias assinalam que a grava~ao e inaudivel.Quando a frase e obscura, figura entre colchetes uma integra~aoconjectural ou urn acrescimo.Urn asterisco no ro<strong>da</strong>pe indica as variantes significativas<strong>da</strong>s notas utiliza<strong>da</strong>s por Michel Foucault em rela~ao aoque foi dito.As cita~6es foram verifica<strong>da</strong>s e as referencias aos textosutilizados, indica<strong>da</strong>s. 0 aparato cntico se limita a eluci<strong>da</strong>ros pontos obscuros, a explicitar certas alus6es e a precisaros pontos cnticos.Para facilitar a ieitura, ca<strong>da</strong> aula foi precedi<strong>da</strong> por urnbreve resumo que indica suas principais articula~6es.o texto do curso e seguido do resumo publicado noAnnualre du College de France. Michel Foucault os redigiageralmente no mes de junho, pouco tempo depois do fimdo curso, portanto. Era a oportuni<strong>da</strong>de que tinha para destacar,retrospectivamente, a inten~ao e os objetivos dele. Econstituem a melhor apresenta~aode suas aulas.Ca<strong>da</strong> volume termina com uma #situa\,ao", de responsabili<strong>da</strong>dedo editor do curso. Trata-se de <strong>da</strong>r ao leitor elementosde contexto de ordem biografica, ideo16gica e politica,situando 0 curso na obra publica<strong>da</strong> e <strong>da</strong>ndo indica~6esrelativas a seu lugar no ambito do corpus utilizado, a lim defacilitar sua compreensao e evitar os contra-sensos que poderiamse clever ao esquecimento <strong>da</strong>s circunstancias emque ca<strong>da</strong> urn dos cursos foi elaborado e ministrado..---------...t......----~~


xxNASCIMENTO DA BIOPOLtrlCANascimento <strong>da</strong> biopo/itica, curso ministrado em 1979, eeditado por Michel Senellart.* * *Com esta edi~ao dos cursos no College de France, verna publico urn novo aspecto d" "obra" de Michel Foucault.Nao se trata, propriamente, de ineditos, ja que esta edi­~ao reproduz a palavra proferi<strong>da</strong> em publico por MichelFoucault, excluindo 0 suporte escrito que ele utilizava e podiaser muito elaborado.Daniel Defert, que possui as notas de Michel Foucault,permitiu que os editores as consultassem. A ele nossos malsvivos agradecimentos.CURSOANO DE 1978-1979Esta edi~ao dos cursos no College de France foi autoriza<strong>da</strong>pelos herdeiros de Michel Foucault, que desejaramsatisfazer a forte deman<strong>da</strong> de que eram objeto, na Fran~acomo no exterior. E isso em incontestaveis condi~6es deserie<strong>da</strong>de. Os editores procuraram estar aaltura <strong>da</strong> confian­~a que neles foi deposita<strong>da</strong>.FRAN


AULA DE 10 DE JANEIRO DE 1979Questoes de meto<strong>da</strong>. - Supar que as universais nao existern.- Resumo do curso do ana precedente: 0 objetivo Iimitadodo gaverno <strong>da</strong> razao de Estado (politica externa) e 0 objetivDilimitado do Estado de paHoa (poIrtica internaJ. - a direitocomO principia de limita¢lo externa <strong>da</strong> raza.o de Estado. - Perspectivado curso deste ana: a economia polftica como principiade Iimita9lio interna <strong>da</strong> razao governamental. - Objeto geraIdesta pesquisa: a par sene de praticas/regime de ver<strong>da</strong>de e seusefeitos de inscrifiio no real. - 0 que eo liberalismo?[Voces conhecem] a citac;iio de Freud: "Acheronta moveboo'" Pois bern, gostaria de situar 0 curso deste ano sob 0 signode outra citac;iio menos conheci<strong>da</strong>, que foi feita por alguemmenos conhecido, bern, de certo modo, 0 estadistaingles Walpole', que dizia a proposito <strong>da</strong> sua maneira degovemar: "Quieta non movere"", "naD se cleve tocar no queesta quieto". E0 contrario de Freud, em certo senlido. Entiioeu gostaria, na ver<strong>da</strong>de, este ano, de continuar urn pouca aque eu linha comec;ado a lhes dizer ano passado, ou seja,reconstruir a historia do que poderiamos chamar de arte degovemar. "Arte de governar" - voces lembram em que senlidorestritivo eu a entendi, pois eu havia ulilizado a propriapalavra "govemar", deixando de lado to<strong>da</strong>s as mil maneiras,mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des e possibili<strong>da</strong>des que existem de guiar os homens,de dirigir sua conduta, de forc;ar suas ac;6es e reac;6es,etc. Eu havia deixado de lado, portanto, tudo 0 que normalmentese entende, tudo 0 que foi entendido por muito tempocomo 0 govemo dos filhos, 0 governo <strong>da</strong>s familias, 0 governode uma casa, 0 govemo <strong>da</strong>s almas, 0 governo <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des'etc. So havia considerado, e este ano tambem soconsiderarei, 0 governo dos homens na medi<strong>da</strong> em que, esomente na medi<strong>da</strong> em que, ele se apresenta como exercicio<strong>da</strong> soberania polilica.


4 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA AULA DE 10 DE JANEIRO DE 1979"Govemo" portanto no sentido estrito, mas "arte" tambem,"arte de govemar" no sentido estrito, pois por "arte degovemar" eu nao entendia a maneira como efetivamente asgovemantes govemaram. Niio estudei nem quero estu<strong>da</strong>ra pratica govemamental real, tal como se desenvolveu, determinandoaqui e ali a situa~iio que tratamos, os problemaspostos, as taticas escolhi<strong>da</strong>s, os instrumentos utihzados,forjados ou remodelados, etc. Quis estu<strong>da</strong>r a arte degovemar, isto e, a maneira pensa<strong>da</strong> de govemar 0 melharpossivel e tambem, ao mesmo tempo, a reflexiio sobre amelhor maneira possivel de govemar. Ou seja, procureiapreender a instancia <strong>da</strong> reflexiio na pratica de gov;mo esobre a pratica de govemo. Em certo sentido, se voces qillserem,0 que eu quis estu<strong>da</strong>r foi a consciencia de si do governo,e alias esse termo IIconsci€mcia de si" me incomo<strong>da</strong>,niio yOU emprega-lo porque preferiria dizer que 0 que e~procurei e gostaria tambem este ano de procurar captar ea maneira como, dentro e fara do govemo, em todo caso 0mais pr6ximo possivel <strong>da</strong> pratica govemamental, tentou-seconceitualizar essa pratica que consiste em govemar. Costariade tentar determinar a maneira como se estabeleceuo dominio <strong>da</strong> pratica do govemo, seus diferentes objetos,suas regras gerais, seus objetiv~s de conjunto,a fim de govemar<strong>da</strong> melhor maneira posslve!. Em suma e, eligamos, 0estudo <strong>da</strong> racionaliza~iio<strong>da</strong> pratica govemamental no exercicio<strong>da</strong> soberania politica.Isso implica imediatamente certa op~iio de metodo, sobrea qual procurarei enfim tomar urn dia de manelra malSdeti<strong>da</strong>, mas gostaria desde ja de lhes indicar que optar porfalar ou partir <strong>da</strong> pratica govemamental e, evidentemente,uma maneira explicita de deixar de lado como obJeto pnmelro,primitivo, <strong>da</strong>do, urn certo numero de no~6es, como, parexempla, 0 soberano, a soberania, 0 po:,o, as.suditos, 0 ~~tado,a socie<strong>da</strong>de civil- todos esses UniverSalS que a analIsesociol6gica, assim como a analise hist6rica e a analise <strong>da</strong>filosofia politica, utiliza para explicar efetivamente a praticagovemamental. Eu gostaria de fazer preclsamente 0 m-verso, isto e, partir dessa pratica tal como ela se apresenta,mas ao mesmo tempo tal como ela e refleti<strong>da</strong> e racionaliza<strong>da</strong>,para ver, a partir <strong>da</strong>i, como pode efetivamente 50 constituir,um certo numero de coisas, sobre 0 estatuto <strong>da</strong>s quaissera evIdent::mente necessaria se interrogar, que sao 0 Estadoe a socle<strong>da</strong>de, 0 soberano e os suelitos, etc. Em outraspal~vras, em vez de partir dos universais para deles deduzirfenomenos concretos, ou antes, em vez de partir dos universals~omo grade :Ie mteligibili<strong>da</strong>de obrigat6ria para urncerto ~urnero de praticas concretas, gostaria de partir dessaspraticas concretas e, de cetta modo, passar os universaispela grade dessas praticas. Niio que se trate do que se podenachamar de uma redu~iio historicista, redu~iio historicistaess~ que consi~tiria em que? Pais bern, precisamente,em partir desses umversais tais como siio <strong>da</strong>dos e em vercomo a hist6ria, ou os modula, ou os modifica, ou estabeIe­Ce Hnalmente sua niio-vali<strong>da</strong>de. 0 historicismo parte douniversal e passa-o, de certo modo, pelo ralador <strong>da</strong> hist6ria.Meu problema e 0 inverso elisso. Parto <strong>da</strong> decisiio, ao mesmotempo te6rica e metodol6gica, que consiste em dizer:suponhamos que os universais niio existem; e formulo nesse~omento a questiio il hist6ria e aos historiadores: comovoces podem escrever a hist6ria, se niio admitem a priorique algo como 0 Estado, a socie<strong>da</strong>de, 0 soberano os sudit.?os eXlste. E _ra a mesma questiio que eu formulava'quandom<strong>da</strong>gava, nao se a loucura eXlste, you examinar se a hist6­ria me <strong>da</strong>, me remete alga como a loucura; nao, ela nao meremete algo COmo a loucura, logo a loucura niio existe. Niioera esse 0 raciocinio, nao era esse 0 meto<strong>da</strong>, de fato. a metodoconsis~a em dizer: suponhamos que a loucura niioeXlsta. Qual e, por conseguinte, a hist6ria que podemos fazerdesses dlferentes acontecunentos, dessas diferentes praticasque, aparen;emente, s'; pautam por esse suposto algoque e a loucura? Portanto e exatamente 0 inverso do historicismoque eu gostaria de estabelecer aqui. Na<strong>da</strong>, portanto,de mterrogar os universais utilizando como metodo CrIticoa hist6ria, mas partir <strong>da</strong> decisiio <strong>da</strong> inexistencia dos uni-5


6 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCA AULA DE 10 DE JANEIRO DE 19797versais para in<strong>da</strong>gar que historia se pode fazer. Tomarei sobreisso mais deti<strong>da</strong>mente adiante'.Ano passado, voces se lembram, procurei fazer 0 estudode um desses episodios importantes, creio, <strong>da</strong> historiado govemo. Esse episodio era aquele, grosso modo, do aparecimentoe <strong>da</strong> instaura~aodo que na epoca se chamava derazao de Estado, num sentido infinitamente mais forte,mais estrito, mais rigoroso, mais amplo tambem que 0 sentidoque foi <strong>da</strong>do em segui<strong>da</strong> a essa no~ao". a que eu haviatentado identificar era a emergencia de um certo tipo de racionali<strong>da</strong>dena pnitica govemamental, urn certo tipo de racionali<strong>da</strong>deque permitiria regrar a maneira de governar combase em algo que se chama Estado e, em rela~ao a essa pniticagovernamental, em rela~ao a esse d.lculo <strong>da</strong> praticagovernamental, exerce a um so tempo 0 papel de um ja<strong>da</strong>do, visto que e ver<strong>da</strong>de que 0 que sera governado e umEstado que se apresenta como ja existente, que se governanlnos marcos de urn Estado, mas 0 Estado sera ao mesmatempo um objetivo a construir. a Estado e ao mesmo tempo0 que existe e 0 que ain<strong>da</strong> nao existe suficientemente.E a razao de Estado e precisamente uma pratica, ou antes,uma racionaliza~ao de uma pratica que vai se situar entreum Estado apresentado como <strong>da</strong>do e um Estado apresentadocomo a construir e a edificar. A arte de governar deveentao estabelecer suas regras e racionalizar suas maneirasde fazer propondo-se como objetivo, de certo modo, fazero dever-ser do Estado tornar-se ser. a dever-fazer do governodeve se identificar com 0 dever-ser do Estado. a Estadotal como e <strong>da</strong>do - a ratio governamental- e 0 que possibilitara,de maneira refleti<strong>da</strong>, pondera<strong>da</strong>, cakula<strong>da</strong>, faze-Iopassar ao seu maximo de ser. a que e g


8 NASCIMENTO DA BIOPOLiTlCA AULA DE 10 DE JANEIRO DE 1979 9Especifici<strong>da</strong>de e plurali<strong>da</strong>de do Estado. Essa especifici<strong>da</strong>deplural do Estado, procurei lhes mostrar por outro ladoque ela tomou corpo num certo numero de maneiras precisasde govemar, ao mesmo tempo manerras de govemare instituic;:6es correlativas a essas maneiras. Primeiro, dolade economico, era 0 mercantilismo, isto e, uma forma degovemo. 0 mercantilismo nao e urna doutrina economic!"e muito mais, e algo bern e1iferente de uma doutrina economica.Ecerta organiza,ao <strong>da</strong> produ,ao e dos circuitos comerciaisde acordo com 0 principio de que, primeiro, 0 Estadodeve se enriquecer pela acumula,ao monetana; segundo,deve se fortalecer pelo crescimento <strong>da</strong> popula,ao~terceirocleve estar e se manter num estado de concorrenClape~anente com as potencias ~strangeiras. Eis quanta aomercantilismo. A segun<strong>da</strong> manerra de 0 govemo se~do ~razao de Estado se organizar e tomar corpo numa prallca ea gestao interna, ista e, 0 que na epoca se chamava pelicia,isto e, a regulamenta,ao indefini<strong>da</strong> do pais de acordo como modelo de uma organiza,ao urbana densa. Enfim, terceiro,organiza,ao de urn exercito permanent':.e de uma diplomaciaigualmente permanente. OrganlZa,ao, por aSSlm e1izer,de urn aparelho diplomatico-militar permanente tendocomo objetivo manter a plurali<strong>da</strong>de dos Estados fora dequalquerabsor,ao imperial e de tal modo que certo eqUllibnopossa se estabelecer entre eles, sem que fir;almente unifica­,6es de tipo imperial possam se <strong>da</strong>r atraves ~a Europa.Mercantilismo portanto, Estado de pohcla por outrolado, balan,a europeia: tudo isso e que foi 0 corpo concr':.­to dessa nova arte de govemar que se pautava pelo pnncIpio<strong>da</strong> razao de Estado. Sao tres maneiras, soli<strong>da</strong>nas de restoumas <strong>da</strong>s outras, [de] governar de acordo com uma racionali<strong>da</strong>deque tern por principio e por dominio de aplica,aoo Estado. E foi ai que procurei lhes mostrar que 0 Estado,longe de ser uma especie de <strong>da</strong>do hist6rico-natural, que sedesenvolveria por seu pr6prio dinamismo como urn "monstrcfrio" 7 cuja sernente teria side joga<strong>da</strong> ~um momen~o<strong>da</strong>do na hist6ria e, pouco a pouco, a devorana, 0 Estado naoe isso, 0 Estado nao e urn monstro frio, e 0 correlato deuma certa maneira de govemar. E 0 problema esta em sabercomo se desenvolve essa maneira de govemar, qual asua hist6ria, como ela ganha, como ela encolhe, como elese estende a deterrninado dominio, como ela inventa, forma,desenvolve novas praticas - e esse 0 problema, e naofazer do [Estado]*, como no teatro de fantoches, uma especiede policial que viria reprimir as diferentes personagens<strong>da</strong> hist6ria.Vanas observa,6es a esse respeito. Primeiro esta: nessaarte de govemar pauta<strong>da</strong> pela razao de Estado, ha urntra,o que acreelito ser bastante caractenstico e importantepara compreender a continua,ao. Eque, vejarn bern, 0 Estado,ou melhor, 0 govemo segundo a razao de Estado, emsua politica extema, e1igarnos em suas rela,6es com os outrosEstados, se <strong>da</strong> urn objetivo que e urn objetivo limitado,ao contrano do que havia sido 0 horizonte, 0 projeto, 0 desejo<strong>da</strong> maioria dos govemantes e dos soberanos <strong>da</strong> I<strong>da</strong>deMedia, a saber: colocar-se com respeito aos outros Estadosnessa posi,ao imperial que the <strong>da</strong>ria, na hist6ria e na teofarnaao mesmo tempo, urn papel decisivo. Em compensa,ao,com a razao de Estado, admite-se que ca<strong>da</strong> Estado tern seusinteresses, que tern, por conseguinte, de defender, e defenderabsolutamente, seus interesses, mas que seu objetivonao deve ser alcan,ar no fim dos tempos a posi,ao unificadorade urn imperio total e global. Ele nao tern de sonharser urn e1ia 0 imperio do (i]timo e1ia. Ca<strong>da</strong> Estado deve seautolimitar em seus pr6prios objetivos, assegurar sua independenciae urn certo estado <strong>da</strong>s suas for,as que the permitanunca estar em situa,ao de inferiori<strong>da</strong>de, seja em rela,aoao conjunto dos outros paises, seja em rela,ao aos seus vizinhos,seja em rela,ao ao mais forte de todos os outrospaises - sao diferentes teorias <strong>da</strong> balan,a europeia <strong>da</strong> epoca,pouco importa. Mas, como quer que seja, e essa autoli-... Lapso manifesto. M. Foucault diz: a hist6ria


10 NASCIMENTO DA BIOPOmlCA AULA DE 10 DE JANEIRO DE 1979 11mitac;ao externa que caracteriza a razao de Estado tal comose manifesta na formac;ao dos aparelhos diplomatico-militaresdo secu10 XVII. Do tratado de VestefaJia a Guerra dosSete Anos - ou, digamos, as guerras revoludonartas que vaointroduzir uma dimensao bern diferente -, essa politica diplomatico-militarvai se pautar pelo principio de autolimitac;aodo Estado, pelo principio <strong>da</strong> concorrencia necessartae suficiente entre os diferentes Estados.Em compensac;ao, na ordem do que hoje se chamariade politica interna, 0 Estado de policia implica 0 que? Poisbem, ele implica justamente urn objetivo ou uma serie deobjetivos que poderiamos dizer ilimitados, pois se trata precisamente,no Estado de policia, para os que governam, deconsiderar e encarregar-se nao somente <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de dosgrupos, nao somente <strong>da</strong>s diferentes condic;6es, isto e, dosdiferentes tipos de individuos com seu estatuto particular,nao somente de encarregar-se disso, mas encarregar-se <strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de dos indivfduos ate em seu mais tenue grao. Nosgrandes tratados de policia dos secu10s XVII e XVIII, todosos que coligem os diferentes regulamentos e procuram sistematiza-Iosconcor<strong>da</strong>m quanto a isso e 0 dizem expressamente:0 objeto <strong>da</strong> policia e urn objeto quase infinito. auseja, como potencia independente em face <strong>da</strong>s outras potencias,quem governa de acordo com a razao de Estadotern objetivos limitados. Em compensac;ao, na medi<strong>da</strong> emque deve gem urn poder publico que regula 0 comportamentodos suditos, quem govema tern urn objetivo ilimitado.A concorrencia entre Estados e precisamente 0 ponto dearticulac;ao desses objetivos limitados e desses objetivos ilimitados,porque e precisamente para poder entrar em concorrenciacom os outros Estados, isto e, para se manter numcerto estado de equilibrio sempre desequilibrado, de equilibrioconcorrencial com os outros Estados, que quem governavai [ter de regulamentar a vi<strong>da</strong> dos] seus suditos, sua ativi<strong>da</strong>deecon6mica, sua produc;ao, 0 prec;o [pelo qual] vaovender as mercadorias, 0 prec;o pelo qual vao compra-Ias,etc. [...]. A limitac;ao do objetivo internacional do govemosegundo a razao de Estado, essa limitac;ao nas relac;6es internacionaistern por correlato a ilimita~ao no exerdcio doEstado de policia.A segun<strong>da</strong> observac;ao que eu gostaria de fazer sobreesse funcionamento <strong>da</strong> razao de Estado no seculo XVII e noinicio do seculo XVIII e que, evidentemente, 0 objeto interiorsobre 0 qual vai se exercer 0 governo segundo a razaode Estado ou, se quiserem, 0 Estado de policia, e ilimitadoem seus objetivos. No entanto, isso nao quer dizer de formaalguma que nao ha urn certo numero de mecanismos decompensa\ao, ou antes, urn certo numero de posit;oes a partir<strong>da</strong>s quais se vai procurar estabelecer uma linha de demarcac;ao,uma fronteira para esse objetivo ilimitado que eprescrito ao Estado de policia pela razao de Estado. Houvemuitas maneiras de buscar limites para a razao de Estado,do lado <strong>da</strong> teologia, claro. Mas gostaria de insistir num outroprincipio de limitac;ao <strong>da</strong> razao de Estado naquela epoca,que e 0 direito.De fato, aconteceu uma coisa curiosa. Eque, duranteto<strong>da</strong> a I<strong>da</strong>de Media, no Iundo 0 cresdmento do poder realse fez a partir de que? A partir do exercito, claro. Fez-se tamberna partir <strong>da</strong>s instituic;6es judiciarias. Foi como pedra angularde urn Estado de justic;a, de urn sistema de justic;a acompanhadode urn sistema armado, que 0 rei pouco a poucalimitou e reduziu os jogos complexos dos poderes feu<strong>da</strong>is.A pratica judiciaria havia sido 0 multiplicador do poder realdurante to<strong>da</strong> a I<strong>da</strong>de Media. Ora, quando se desenvolver, apartir do seculo XVI e principalmente do inicio do seculoXVII, essa nova racionali<strong>da</strong>de govemamental, 0 direito vaiservir ao contrario como ponto de apoio para to<strong>da</strong> pessoaque quiser, de uma maneira ou de Dutra, limitar essa extensaoindefini<strong>da</strong> de uma razao de Estado que toma carponum Estado de policia. A teoria do direito e as instituic;6esjudicianas vaa servir agora, nao roais como multiplicadoras,mas ao contrano como subtratoras do poder real. Assim eque, a partir do seculo XVI e durante todo 0 seculo XVII, vamosver desenvolver-se to<strong>da</strong> uma serie de problemas, de


12NASCIMENTO DA BIOPOLtrrCApolemicas, de batalhas politic~s, em tomo por exemplo <strong>da</strong>sleis fun<strong>da</strong>mentais do reino, leis fun<strong>da</strong>mentals do remo essasque os juristas vao objetar arazao de Estado


16 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 10 DE JANEIRO DE 197917momenta <strong>da</strong>do entrar ern socie<strong>da</strong>de. Nao, 0 principio dessalimita


18NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 10 DE JANEIRO DE 1979 19vemamental critica ou essa critica intema <strong>da</strong> razao gover-oscilar entre diferentes polos semanticos. Ora se trata de vinamentalvoces veem que ela nao vai mais girar em tomosar, atraves dessa expressao, certa analise estrita e limita<strong>da</strong><strong>da</strong> questa~ do direito, que ela nao vai mais girar em tomo ~a<strong>da</strong> produ,ao e <strong>da</strong> circula,ao <strong>da</strong>s riquezas. Ora por "econoquestao<strong>da</strong> usurpa,ao e <strong>da</strong> legltum<strong>da</strong>de do soberano.. Naomia politica" entende-se tarnbem, de forma mais ampla evai ter mais essa especie de aparenCla penal que 0 drrelto mais pratica, todo metodo de govemo capaz de assegurar apublico ain<strong>da</strong> tinha nos seculos XVI e XVII, quando dizla: seprosperi<strong>da</strong>de de uma na,ao. E, finalmente, [a] economia poosoberano desconsidera essa leI, deve ser pumdo com umalitica - por sinal e 0 termo que voces veem utilizado por Roussan,aode ilegitimi<strong>da</strong>de. To<strong>da</strong> a questao <strong>da</strong>!azao govema-seau em seu celebre verbete "Economia politica" <strong>da</strong> Encimentalcritica vai girar em tomo de como nao .govemar ,de-clopedia" -, a economia politica e uma especie de reflexaomais"'. Nao e ao abuso <strong>da</strong> soberania que se Val obJetar, e aogeral sobre a organiza,ao, a distribui,ao e a limita,ao dosexcesso do govemo. E e c?mparativa_mente ao excesso dopoderes numa socie<strong>da</strong>de. A economia politica, a meu ver, egovemo, ou em todo caso a delimlta,ao do que sena exces-fun<strong>da</strong>mentalmente 0 que possibilitou assegurar a autolimisivopara urn govemo, que se vai medir a raclOnah<strong>da</strong>de <strong>da</strong>ta


20 NASCIMENTO DA BIOPOUTICA AULA DE 10 DE JANEIRO DE 197921ti!ismo, que a balan,a europeia haviam tentado reaH:ar.Logo, a economia politica vai se a1ojar, em pnmelra msta~cia,no pr6prio bOjo dessa razao govemamental que os seculosXVI e XVII haviam definido e, nessa medid", por assimdizer, ela nao vai de forma algurna ter a posi,ao de exteriori<strong>da</strong>deque 0 pensamento juridico ~nha. _ _Em segundo lugar, a economia politica nao se propoeem absoluto como urna obje,ao extema arazao de Estadoe asua autonomia politica, ja que - e este e urn ponto quesera historicamente importante - a primeira conseqiienciapolitica <strong>da</strong> primeira reflexao economica qu; houve na hist6riado pensamento europeu, pOlS bem, tel preClsamenteuma conseqiiencia que vai totalmente de encontro ao quequiseram os juristas. Euma conseqiiencia .que condUl pelanecessi<strong>da</strong>de de urn despotismo total. A pnmerra e.conomlapolitica e, bem entendido, ados fisiocratas, e voces sabemque os fisiocratas (tomarei sobre ISS0 postenormente) conduiram,a partir <strong>da</strong> sua analise econornica, que 0 poder politicodevia ser um poder sem lirnita,ao extema, sem co:'­trapeso extemo, sem fronteira vin<strong>da</strong> de outra coisa que naoele pr6prio, e e isso que eles cha:naram de despoti~m,;". 0despotismo e urn governo econorruco, mas q~e nao e encerrado,que nao e desenhado em s,uas fronterras por na~aa1em de uma economia que ele propno definiu e ele propriocontrola totalmente. Do;spo.tismo, absol':to e, por conseguinte,nessa medi<strong>da</strong>, voces veem al tambem gue a linhade tendencia que havia sido desenha<strong>da</strong> pela razao de Estadonao foi inverti<strong>da</strong> pela econornia politica, pelo menos emprimeira instancia ou pelo menos nesse nivel, e que a econorniapolitica pode aparecer como estando na hnha reta deuma razao de Estado que <strong>da</strong>va ao monarca um poder totale absoluto.Em terceiro lugar, a economia politica, sobre 0 que elareflete precisamente? 0 que ela analisa? Nao a1go como direitosanteriores que teriam sido inscritos seja na naturezahumana, seja na hist6ria de urna socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>da</strong>. A economiapolitica reflete sobre as pr6prias praticas govemamentais,e ela nao interroga essas pniticas govemamentais erntermos de direito para saber se Sao legftirnas ounao. Ela naoas eneara sob 0 prisma <strong>da</strong> sua origem, mas soblQ dos seusefeitos, nao se perguntando por exemplo: 0 que e que autonzaurn soberano a cobrar impastos?, mas sirnplesmente:quando se cobra um imposto, quando se cobra esse impostoneSSe momento <strong>da</strong>do, de tal categoria de pessoas ou detal categoria de mercadorias, 0 que val acontecer? Pouco importaseresse direito legftirno OU nao*, 0 problema e saberqUalS efeltos ele tem e se esses efeitos sao negativos. Enessemomenta que se dira que 0 imposto em questao e i1egfhmoau que, em todo caso, nao tern razao de ser. Mas esempre no interior desse campo <strong>da</strong> pratica govemamentale em fun,ao dos seus efeitos, nao em fun,ao do que poderiafun<strong>da</strong>-la em direito, que a questao economica vai ser coloca<strong>da</strong>:quais sao os efeitos reals <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de aocabo do seu exercicio?, e nao: quais sao os direitos originanosque podem fun<strong>da</strong>r essa govemamentali<strong>da</strong>de? E a terceirarazao pela qual a economia politica pode, em sua reflexao,em sua nova racionali<strong>da</strong>de, ocupar urn lugar, por assim dizer,no pr6prio interior <strong>da</strong> pratica e <strong>da</strong> razao govemamentaisestabeleci<strong>da</strong>s na epoca precedente._ Quarta razao e,que, respondendo.a esse tipo de questao,a economla politica revelou a existencia de fenomenos,de processos e de regulari<strong>da</strong>des que se produzem necessariamenteem fun,ao de mecanismos inteligfveis. Esses mecanismosinteligiveis e necessarios podem, claro, ser contraria;Jospor certas formas de govemamentali<strong>da</strong>de, por certaspraticas govemamentais. Podem ser contrariados, podemser perturbados, podem ser obscurecidos, mas, COmo detodo :nodo nao sera possivel evita-los, nao se podera suspende-lostotal e definitivamente. Como quer que seja, elesrepercutirao sobre a pratica govemamental. Em outras palavras,0 que a economia politica descobre nao sao direitos>I- M. Foucault acrescenta: em termos de direito


22naturais anteriores ao exercfcio <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de, 0que ela descobre e uma certa naturali<strong>da</strong>de propria <strong>da</strong> pniticamesma do govemo. Ha uma natureza propria dos objetos<strong>da</strong> a~ao govemamentaJ. ill uma natureza propriadessa a~ao govemamental mesma, e e isso que a economiapolitica vai estu<strong>da</strong>r. Essa no~ao* <strong>da</strong> natureza vai portantomu<strong>da</strong>r inteiramente com 0 aparecimento <strong>da</strong> economia politica.A natureza nao e, para a economia politica, uma regiaoreserva<strong>da</strong> e originaria sobre a qual 0 exercicio do podernao deveria ter influencia, a nao ser ilegitima. A naturezae algo que corre sob, atraves, no proprio exercicio <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de.Ela e, por assim dizer, sua hipodermeindispensaveJ. Ea outra face de algo cuja face visivel, visivelpara os govemantes, e a propria a~ao destes. A propria a~aodestes tem uma cama<strong>da</strong> subjacente, ou melhor, tem outraface, e essa outra face e a governamentali<strong>da</strong>de. Pois bem, eprecisarnente isso que a economia politica estu<strong>da</strong> em suanecessi<strong>da</strong>de pr6pria. Nao um fundo, mas sim um correlatoperpetuo. Assim, por exemplo, e uma lei de natureza, explicaraoos economistas, a de que a popula~ao, por exemplo,se desloca para os salanos mais elevados; e uma lei de naturezaa de que uma tarifa aduaneira protetora dos altospre


24NASCIMENTO DA BIOPOLtrICAver<strong>da</strong>de: essas duas coisas sao introduzi<strong>da</strong>s na razao governamentalpelo vies <strong>da</strong> economia politica.Voces dirao que nao e sem duvi<strong>da</strong> a primeira vez que aquestao <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e a questao <strong>da</strong> autolirnita~ao<strong>da</strong> praticagovemamental se colocam. Afinal de contas, 0 que e que seentendia por sabedoria do principe, na tradi~ao?A sabedoriado principe era algo que fazia 0 principe dizer: conhe~omuito bem as leis de Deus, conhe~o muito bem a fraquezahumana, conhe~o muito bem rninhas proprias lirnita~6es,para nao lirnitar meu poder, para nao respeitar 0 direito domeu sudito. Mas ve-se bem que essa rela~ao entre principiode ver<strong>da</strong>de e principio de autolimita~ao e totalmente diferentena sabedoria do principe e no que esta emergindo agora,que e uma pratica govemamental que se preocupa comsaber quais vao ser, nos objetos que ela trata e manipula, asconseqiiencias naturais do que e empreendido. Os prudentesconselheiros que outrora definiam os limites de sabedoriaem fun~ao <strong>da</strong> presun~ao do principe ja nao tem na<strong>da</strong>a ver com esses especialistas econ6micos que estao aparecendoe, por sua vez, tern por tarefa dizer na ver<strong>da</strong>de aurn governo quais sao os mecanismos naturais do que elemanipula.Com a economia politica entramos portanto numa eracujo principio poderia ser 0 seguinte: um govemo nuncasabe 0 bastante que corre 0 risco de sempre govemar demais,ou tambem: um govemo nunca sabe direito como govemarapenas 0 bastante. 0 principio do maximo/minimona arte de govemar substitui aque1a no~ao do equih'brioequitativo, <strong>da</strong> "justi~a equitativa" que ordenava outrora a sabedoriado principe. Pois bem, eessa, a meu ver, na questao<strong>da</strong> autolimita~ao pelo principio <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, eessa a forrni<strong>da</strong>velcunha que a economia politica introduziu na presun­~ao indefini<strong>da</strong> do Estado de policia. Momento evidentementecapital ja que se estabelece em seus linearnentos maisimportantes, nao, e claro, 0 reinado <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de na politica,mas certo regime de ver<strong>da</strong>de que e caracteristico precisamentedo que poderiamos chamar de era <strong>da</strong> politica, cujoAULA DE 10 DE JANflRO DE 1979


26 NASCIMENTO DA BIOPOrirICA AULA DE 10 DEJANEIRO DE 197927submeti<strong>da</strong>s a demarca~ao do ver<strong>da</strong>deiro e do falso. Eportantoto<strong>da</strong> uma por~ao <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de governamental quevai passar assim para urn novo regime de ver<strong>da</strong>de, e esseregime de ver<strong>da</strong>de tern por efeito fun<strong>da</strong>mental deslocar to<strong>da</strong>sas quest6es que, precedentemente, a arte de governarpodia sllscitar. Essas questoes, outrora, eram: sera que governoefetivarnente de acordo com as leis morais, naturais,divinas, etc.? Era portanto a questao <strong>da</strong> conformi<strong>da</strong>de governamental.Depois, passou a ser, nos seculos XVI e XVII,com a razao de Estado: sera que governo bastante bern,com bastante intensi<strong>da</strong>de, com bastante profundi<strong>da</strong>de, combastantes detalhes para levar 0 Estado ate 0 ponto estabelecidopor seu dever-ser, para levar 0 Estado ao seu m:iximode for~a? E agora 0 problema vai ser: sera que governo bernno limite desse demais e desse pouco demais, entre essemIDdmo e esse minima que a narureza <strong>da</strong>s coisas fixa paramim, quero dizer, as necessi<strong>da</strong>des intrinsecas as opera~6esde governo? Eisso, aemergencia desse regime de ver<strong>da</strong>decom 0 principio de autolimita~ao do governo, 0 objeto queeu gostaria de tratar este ano.Afinal de contas, foi esse mesmo problema que eu mecoloquei a prop6sito <strong>da</strong> loucura, a prop6sito <strong>da</strong> doen~a, aprop6sito <strong>da</strong> delinqiiencia e a prop6sito <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de. Emtodos esses casos, naD se trata de mastrar como esses objetosficaram por muito tempo ocultos, antes de ser enfimdescobertos, nao se trata de mostrar como todos esses objetosnao sao mais que torpes ilus6es ou produtos ideo16gicosa serem dissipados a [luz] * <strong>da</strong> razao que enfim atingiuseu zenite. Trata-se de mostrar por que interferencias to<strong>da</strong>uma serie de praticas - a partir do momento em que saocoordena<strong>da</strong>s a urn regime de ver<strong>da</strong>de -, por que interferenciasessa serie de praticas pode fazer que 0 que nao existe(a loucura, a doen~a, a delinqiiencia, a sexuali<strong>da</strong>de, etc.) setomasse porero uma coisa, uma coisa que no entanto con->I- Lapso manifesto. M.F.: brumatinuava nao exism:do. au seja, nao [como] urn erro - quandodlgO que 0 que nao eXlste se toma uma coisa, nao quero dizerque se trat,a de m(~strar como urn erro pode efetivamenteser constrUldo -, nao como a ilusao pode nascer, mas [0que] eu gostana de mostra~ [10] que foi certo regime de ver<strong>da</strong>dee, p~r consegumte, nao urn erro que fez que uma coisaque nao eXlste possa ter se tornado urna coisa. Nao 10urna ilu~ao, ja que foi precisamente urn conjunto de praticas,~ de p~at1cas realS, que estabeleceu issa e, por isso, 0 marcaImpenosamente no real., a objeto,de todos esses empreendimentos concementesa loucura, a doen~a, a delinqiiencia, a sexuali<strong>da</strong>de e aqui­10 ,de que \hes falo agora 10 mostrar como 0 par "serie depraticas/regJme de ver<strong>da</strong>de" forma urn dispositivo de saber-poderque marca efetiva,;,ente no real 0 que nao existee submete-o legJtimamente a demarca~ao do ver<strong>da</strong>deiro edo falso.a que nao existe como real, 0 que nao existe comopertencente a urn regime de ver<strong>da</strong>deiro e falso 10 esse momento,nascoisas de que me ocupo atualmente, que assinala0 naSClmento dessa, bipolari<strong>da</strong>de dissimetrica <strong>da</strong> politic~e <strong>da</strong> econ,offila. A polihca e a economia, que miD sao neroCOlsas que e:x:ste~, nero erros, nero ilusoes, nero ideologias.Ealgo que nao eXlste e no entanto esta inscrito no reaL estandosubordmado a urn regime que demarca 0 ver<strong>da</strong>deiroe 0 falso.Pois. bern, e:se momenta cujo principal componenteprocurel mdlcar e, portanto, 0 momenta que se situa entre;;Valpole, de que l~~~ ~alava, e outro texto. Walpole dizia:quzeta nOn movere: r:-ao se dey: tocar no que esta quieto".Conselho de prudenCIa, sem duvi<strong>da</strong>, e ain<strong>da</strong> se estava nao!dem <strong>da</strong> sabedoria do principe, ou seja, se as pessoas estaoqUletas, se as pessoas nao se agitam, se nao ha descontentamento,nemrevolta, pois bern, fiquemos quietos. Sabedonado pnnclpe. Ele dizia isso, creio, por volta dos anos~740. Em 1751, umartigo anonimo 10 publicado no Journaleconomlque; fOJ escnto na ver<strong>da</strong>de pelo marques d'Argen-


28 NASCIMENTO DA BIOPOrlTICA AULA DE 10 DE JANEIRO DE 1979 29son", que acabava naquele momento de abandonar os negociosna Fran


30 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCAproblemas tem como nucleo centraL claro, esse algo que sechama popula~ao. Por conseguinte, e a partir <strong>da</strong>i que algocomo a biopolitica podera se formar. Parece-me, contudo,que a analise <strong>da</strong> biopolitica s6 podera ser feita quando secompreender 0 regime geral dessa razao govemamental deque !hes falo, esse regime geralque podemos chamar de 9uestaode ver<strong>da</strong>de - antes de malS na<strong>da</strong> <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de econOffilcano interior cia razao govemamental-, e, por conseguinte, sese compreender bem 0 que esta em causa nesse regime quee 0 liberalismo, 0 qual se op6e arazao de Estado, ou antes,[a] modifica fun<strong>da</strong>mentalmente sem talvez questionar seusfun<strong>da</strong>mentos. S6 depois que soubermos 0 que era esse regimegovemamental chamado liberalismo e que poderemos,parece-me, apreender 0 que e a biopolitica.Entao, desculpem-me, durante algumas sess6es, cujaquanti<strong>da</strong>de nao posso lhes dizer de antemao, YOU lhes falardo liberalismo. E para que as tematicas deste se mostremquem sabe um pouco mais claramente - pois afinal de contasque interesse tem falar do liberalismo, dos fisiocratas, ded'Argenson, de A<strong>da</strong>m Smith, de Bentham, dos utilitaristasAULA DE 10 DE JANEIRO DE 1979ing~eses,. senao porque, claro, esse problema do liberalismoesta efetivamente colocado para n6s em nossa atuali<strong>da</strong>dennediata e concreta?, De que se trata quando se fala de liberah~~o,9uando a nos rnesmos, atualrnente, e aplica<strong>da</strong> umap.ohtica hberaL e que rela~ao isso pode ter com essas questoesde drre!to que chamamos de liber<strong>da</strong>des? De que se tratamsso tudo,. ne,sse debate,de hoje em dia em que, curiosamente,os pnnclplOs economicos de Helmut Schmidt'" faz~n:urn eco bizarro a esta ou aquela voz que nos vern dosdlSS!dentes do Leste, todo 0 problema <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de do Iiberalisrr:o?Bem, e um problema que e nosso conte~poraneo.Entao, digam?s assim, depois de situar urn pouco 0 pontode ongem h!stonco .msso tudo, fazendo aparecer 0 que e,a meu ver,. a nova razao govemarnental a partir do seculoXVIII, <strong>da</strong>re! um pulo para a !rente e lhes falarei do Iiberalismoalemao contemporaneo, ja que, por paradoxal que seja,a hber<strong>da</strong>de nesta segun<strong>da</strong> metade do seculo XX - enfim, digamosmalS exatamente, 0 liberalismo - e uma palavra quenos vem <strong>da</strong> Alemanha.31- a <strong>da</strong>s riguezas? Sim, mas simplesmente como meios de pagamentoque se multiplicam ou escasseiarn,. estagnam au circulam. Mas, antes, osbens na mecli<strong>da</strong> em que sao prodw;6es, que sao titeis e utilizados, na medi<strong>da</strong>em que sao trocados entre parceiros econ6micos.- E tambem a [dos} individuos. Nao, porero, como suditos obedien·tes au ind6ceis, mas na medi<strong>da</strong> em que eles pr6prios estao ligados a essanaturali<strong>da</strong>de economica, em que sua quanti<strong>da</strong>de, sua longevi<strong>da</strong>de, suasatide, sua maneira de se comportar se encontram em rela


AULA DE 10 DE JANEIRO DE 1979 33NOTAS1. Cita epigr~e <strong>da</strong>Traumdeutung (Leipzig, Deutike, 1911, 1~ ed. 1900 I LInterpretahondes reves, trad. fro de 1. Meyerson, revista p~r .D. Berger, ~ns, PUF,.1971, p. 1) e retoma<strong>da</strong> no carpo do texto (,b.d:: p. 516): Flectere 51nequeo Superos, Acheronta movebo", "se eu nao.p~ss.o dobrar osdeuses de cima, moverei 0 Aqueronte". 0 mote Ja e clta,?o por ~.Foucault sem referen<strong>da</strong> expllcita a FreucL em La Volante de savozr,Pari Gallimard "Bibliotheque des histoires", 1976, p. 103 led. bras.:A v~tade de saber, Rio de Janeiro, Graal, 1979, p. 77]; '~Na ver<strong>da</strong>de,essa questao, tao repeti<strong>da</strong> em nossa epo~a [a proPOSl~O d? sexol,na<strong>da</strong> mais eque aforma recente de uma afinna\ao co~slderavel e ~euma prescri\ao secular: a ver<strong>da</strong>de esta ali, tratem de II surpreend~~la. Acheronta mavebo: velha decisao." Essa citac;ao, ant~~ de Freud, Jaera muito aprecia<strong>da</strong> por Bismarck, que a emprega ,v~as vezes. emseus Pensamentos e lembran(1ls (d. C. Schmitt; Theone du parltsan,trad. fro M.-L. Steinhauser, Paris, Calmann-Levy, 1972, p. 253, ed.orig.: Theorie des Partisanen,. Berlim, Duncker & Humblot, 1963). '_2. Robert Walpole, pnmelfo conde d: Orfor~ (1676-1745), lider do partido whig, que exerceu as fun


34NASCIMENTO DA BIOPOUTICA2001]: d. Dits et Ecrits, 1954-1988, ed. por D. Defert & F. Ewald, colab.J. Lagrange, Paris, Gallimard, 1994, 4 vols. [doravante, DE, emreferen<strong>da</strong> a essa ed.i~ao}, IV, n? 345, p. 634: a primeira escolha demeto<strong>da</strong> implica<strong>da</strong> pela "questao <strong>da</strong>s rela~6es entre sujeito e ver<strong>da</strong>de"consistia nwn 1/ceticismo sistematico em relac;ao a todos osuniversais antropo16gicos".5. M. Foucault naG toma sobre essa questao nas aulas seguintesdo curso.6. a. Securite, Territoire, population, aulas de 8, 15 e 22 de mar-,0 de 1978.7. Cf. ibid., aula de I? de fevereiro de 1978, pp. 112 e 118, n. 39.8. a. "II faut defendre la societe". Cours au College de France,1975-1976, ed. por M. Bertani e A. Fontana, Paris, Gallimard-LeSeuil, "Hautes Etudes", 1997.9. Jeremy Bentham (1748-1832), Method and Leading Featun!Sofan Institute ofPolincal Economy (including Finance) Considered NotOnly as a Science but as an Art (1800-1804), in Jeremy Bentham'sEconomic Writings, ed. estabeleci<strong>da</strong> porW. Stark, Londres, G. Allene Unwin, 1954, t. Ill, pp. 305-80. Eno fun <strong>da</strong> primeira parte, "TheScience", na sec;ao "Genesis of the Matter of Wealth", que Benthamintroduz a celebre distinc;ao entre sponte acta, agen<strong>da</strong> e nonagen<strong>da</strong>, que estrutura em segui<strong>da</strong> os tres capitulos ("Wealth", "Population"I "Finance/l) <strong>da</strong> parte seguinte, "The Art". as sponte a<strong>da</strong>sao as ativi<strong>da</strong>des economicas desenvolvi<strong>da</strong>s espontaneamente pelosmembros de uma comuni<strong>da</strong>de, sem nenhuma interven~ao dogovemo. As agen<strong>da</strong> e non agen<strong>da</strong> designam as ativi<strong>da</strong>des economicasdo govemo, conforme contribuam ou nao para aumentar a felici<strong>da</strong>de(maximiza~ao dos prazeres e minimiza~ao dos esfor~os),objetivo de to<strong>da</strong> a~ao poiitica. A demarca~ao dos dominios entreessas tres classes varia de acordo com 0 tempo e 0 lugar, sendo aextensao dos sponta acta relativa ao grau de desenvolvimento econ6micodos paises. M. Foucault faz uma breve alusao, novamente,a essa lista benthamista <strong>da</strong>s agen<strong>da</strong> na aula de 7 de mar~o de 1979(infra, p. 269), mas nao toma propriamente sobre 0 texto citado (anao ser, talvez, de forma indireta no fim <strong>da</strong> aula de 24 de janeiro(infra, pp. 90-1), a prop6sito do panoptismo como f6rmula geraldo govemo liberal).10. A formula "nao govemar demais" e do marques d'Argenson(d. infra, nota 16). Cf. igualmente B. Franklin, Principes ducommerce, citado e traduzido [em frances} por E. Laboulaye, emAULA DE 10 DEJANEIRO DE 1979 35sua introdw;ao para a coletanea de textos do mesmo autor Essais1e mor~le et d'economie polinque, Paris, Hachette, 5' ed., 1883 8·U~. solido escntor [frances} d.iz que emuito instruido em C;e~~i~poiiticanem demaiquem compreende,.to<strong>da</strong> a.forra desta maxim' -~. a. nao gover-outro mteresse publico./I (Laboulaye em nota ­S, maxIma q.ue talvez dlga malS respeito ao comercio doque a qualquermete a Quesnay.) , , re<strong>da</strong> En11 . Ess; :rerbete foi impresso pela primeira vez no volume Vcyclopedle, pp. 337-49, publicado em novembro de 1755 CfJe~n-J~cques Rousseau, Oeuvres completes Paris Gallimard ~'B"bliotheque de la Pleiade" t. III 1964 pp 24'1 78 's b ,1­f"S'" ., ' , ,. -.0 reessetextoc. Ja ecunte, Temtozre, Population, aula de I? de fevereiro de 1978'pp. 98 e 116, n. 21. '12. Cf. P P F. j. H. Le Mercier de La Riviere r:Ordre naturel tessentzel d~ societes politiques, Londres, chez Jea~ Nourse - Pari~chez I' I" Desamt, ( 1767 (sem nome de autor) , cap. 24 , "Du despoti' sme'ega ess;, texto .teve du~s reedi~6es no seculo XX: Paris P~euthdnerl' Collec,~on des economistes et des reformateurs ~o~Claux 'l e h' a France I , 1910, e Paris" Fayard "Corpus des oeuvres deph 10S0P Ie e,n angue fran,aise", 2000).1:.. R~ne-Louis de Voyer, marques d'Argenson (1694-1757)~;~;tan~ ~ Esta90 para os Negocios Estrangeiros de 1744 ~, ~u dO;Are Memozres et Journal, publica<strong>da</strong>s e anota<strong>da</strong>s pelomarques genson, Paris 1858 (uma rim' d'-~~c~mpleta, havia ~pareCido em 1835 ~a co~~;a~ ~':~di:i~a~~~Mem01res sur la. Revolution franraise") ~,onSI e de C 'd' eratzons . sur Ie~~u~e~ement ancien et preser:t de la France, Amster<strong>da</strong>m, Rey, 1764.e 01, com 0 abade de Samt-Pierre, urn dos membros assiduosdo Club de 1'Entresol, inaugurado em 1720, por iniciativa do abadeAlary, £. que 0 cardeal Fleury fechou em 1731 A exp e - "I'se II'" • r ssao alSzaireJa e re~or:ente no esbo~o de uma disserta~ao sobre a liber<strong>da</strong>dede comercw <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 31 de J'ulho de 1742 ITOU 1 tM'RmOIre, ed. p0r. J B. Rathery, Paris Renouard t N 1862' v' rna "M' e . eacom d'i' , , ,.,. emorreposer pour e Iberer par Ie pour et Ie contre et de .ddla France t devrait Iaisser . l'entree et la sorlI' e I'b d' I Cl er que1 res ans e royaumee outes marcha~dlses nationales et etrangeres").d 14. ~.-p. Abeille, Lettre d'un negociant sur la nature du commer­; es grams (Marselha, 8 de outubro de 1763), s.l.n.d.; reed. in id, r~llers op~~cules sur Ie commerce des grains: 1763-1764 introd ~mdlce analihco de E. Depitre, Paris, P. Geuthner, "Coll~ction des


36 NASCIMENTO DA BIOPOLmCAeconomistes et des reforrnateurs sociaux de la France"I 1911, p.103: "Nao possa terminar melhor esta Carta, senao aplicando aocomercio dos trigos em particular 0 que urn Negociante de Rauenrespondeu ao Sf. Colbert sobre 0 camercio em gera1: Deixai-nos fazer[Laissez-nous jaire]."15. M. Foucault naG volta a fazer referen<strong>da</strong> a esse texto.16. D'Argenson, "Lettre al'auteur ciu Journal economique ausujet de la Dissertation sur Ie commerce de M. Ie Marquis Belloni",Journal economique, abril de 1751, pp. 107-17; reed. in G. Klotz,org., Politique et Economie au temps des Lumieres, Publications del'UniversM de Saint-Etienne, 1995, pp. 41-4: "Conta-se que 0 senhorColbert reuniu varios deputados do comercio em sua casapara Ihes perguntar 0 que ele poderia fazer pelo camercio; 0 maissensata e menos bajulador entre eles disse-lhe esta simples frase:Deixai-nos Jazer. Ja se tera refletido 0 bastante sobre 0 grandesentido desse mote? Esta aqui nao e mais que uma tentativa decomentano" (p. 42). E em r:Eloge de Gournay, de Turgot, escrito em1759, que encontramos a primeira men\ao, no seculo XVIII, aonome de Le Gendre (liE eonheci<strong>da</strong> a resposta de Le Gendre ao sr.Colbert deixai-nos fazer", in Oeuvres de Turgot, ed. E. Daire, Paris,Guillaumin, 1844, t. I, p. 288; Turgot, Formation et Distribution desrichesses, Paris, Gamier-Flanunarion, 1997, pp. 150-1). - D'Argensone tarnbem autor <strong>da</strong> maxima "nao govemar demais" (d. G.Weulersse, Le Mouvement physiocratique en France, de 1756 tl 1770,Paris, Felix Alcan, 1910, 2 vols.: d. I, pp. 17-8), que cita este trecho<strong>da</strong> homenagem publica<strong>da</strong> nas Ephemerides du citoyen, junho de1768, p. 156: "Ele tinha composto urn livro cujo objeto e cujo tituloeram exeelentes: nao governar demais [pas trop gouverner]." Eleproprio afirma ter eserito urn tratado intitulado Pour gouvernermieux, if Jaudrait gouverner moins [Para govemar methor, seria precisogovemar menos], Memoires et Journal, op. cit., t. V, p. 362; citadoper A. Gneken, Die Maxime "Laissez Jaire et laissez passer", Berna,K. J. Wyss, 1886, p. 58.17. D'Argenson, "Lettre al'auteur du Journal economique...",art. citado, p. 44: "Sim, a liber<strong>da</strong>de regra<strong>da</strong> e clara sempre faramais pelo eomereio de uma na\ao do que a mais inteligente <strong>da</strong>sdomina\oes." Ele defende essa mesma posi\ao, a proposito do eomerciode eereais, num outro artigo doJournal economique, maio de1754, pp. 64-79: "Arguments en faveur de la liberte du commerceAULA DE 10 DE JANEIRO DE 1979des grains", reed. in G. Klotz, org., Politique et Economie op cz'tpp. 45-54. ..., . .,18. Helmut Schmidt (nascido em 1918): deputado do SPD noBund~stagem 1953, tomou-se ehaneeler em maio de 1974, depois<strong>da</strong> retira<strong>da</strong> de Willy Brandt. Fieando em minoria, cedeu 0 posto aHelmut Kohl em 1982.37


AULA DE 17 DE JANEIRO DE 1979o liberalismo e a adot;iio de uma nova arie de governarno semla XVIII. - As caracterfsticas especificas <strong>da</strong> arie liberalde governar: (1) A constitui¢.o do mereado como fugar de /ormapiode ver<strong>da</strong>de e niio mais apenas como dom{nio de jurisdi­(aa. - Questoes de meto<strong>da</strong>. Objetos <strong>da</strong>s pesquisas empreendi<strong>da</strong>sem torna <strong>da</strong> [aucum, <strong>da</strong> penali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de: eswbor;o de uma hist6ria dos "regimes de veridifi'io". - Em quedeve consistir uma mtica politica do saber. ~ (2) 0 problema<strong>da</strong> limitQ{:iio do exerdcio do poder pUblico. as <strong>da</strong>is tipos de 50­IUt;iio: 0 radicalismo jurfdico frances eo utiIitarismo ingles. - Aquestiio <strong>da</strong> "utili<strong>da</strong>de" e a limitafiio do exerdcio do poder puwbIica. - Observat;iio sabre a estatuto do heterogeneo em hist6­ria: 16gica de estrategia contra 16gica diaIetica. ~ A nOfiio de"interesse" como operadora <strong>da</strong> nova arte de govemar.Gostaria de burilar urn pouco as teses ou hip6teses quepropus na ultima vez acerca <strong>da</strong> arte de governar, acerca doque, a meu ver, euma nova arte de governar que corne~oua ser fonnula<strong>da</strong>, pensa<strong>da</strong> e desenha<strong>da</strong> mais ou menos emmeados do seculo XVIII. Essa nova arte de governar se caracterizaessencialrnente, creio eu, pela instaura~ao de rnecanisrnosa urn s6 tempo internos, numerosos e complexos,mas que tern por fun


40 NASCIMENTO DA BIOPOUTlCAfalar na ultima vez. Na ver<strong>da</strong>de, nao se deve esquecer queessa nova arle de governar ou essa arle de gov~rnar 0 menospossivel, essa arle de governar entre urn ma;amo e urnminima, e mais para 0 minima do que para 0 m~mof pOlSbern, essa arle tern de ser considera<strong>da</strong> uma especle de duplica


42 NASCIMENTO DA BIOPOLtrICA AULA DE 17 DE JANEIRO DE 1979 43mente, isso a que eu quis dizer. 0 que eu queria dizer, a queprocurei designar, era uma coisa que e, a meu ver, de umanatureza e de urn nivel urn pouco diferentes. 0 principiadessa conexao que eu procuro identificar, essa conexao entrepnitica de govemo e regime de ver<strong>da</strong>de, seria isto: [...]haveria portanto uma coisa que no regime de govemo, napnitica govemamental dos seculos XVI-XVII, ja <strong>da</strong> I<strong>da</strong>deMedia tambem, tinha constitufdo urn dos objetos privilegiados<strong>da</strong> interven~ao, <strong>da</strong> regula~ao govemamental, uma coisaque havia sido a objeto privilegiado <strong>da</strong> vigiIancia e <strong>da</strong>sinterven~oesdo govemo. E e esse lugar mesmo, e nao ateoria economica, que, a partir do seculo XVIII, vai se tamarurn lugar e urn mecanismo de forma~ao de ver<strong>da</strong>de. E, [emvez de] continuar a saturar esse lugar de forma~ao <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>decom uma govemamentali<strong>da</strong>de regulamentar indefini<strong>da</strong>,vai-se reconhecer - e eai que as coisas acontecem - quese deve deixa-Io agir com a minima possivel de interven­~oes, justamente para que ele possa formular a sua ver<strong>da</strong>dee prop6-la como regra e norma a pratica govemamental.Esse lugar de ver<strong>da</strong>de nao e, evidentemente, a cabe~a doseconomistas, mas 0 mercado.Digarnos as coisas mais claramente, se me permitem.o mercado, no sentido bastante geral <strong>da</strong> palavra, tal comofuncionou na I<strong>da</strong>de Media, no seculo XVI, no seculo XVII,ereie que poderiarnos rnzer, numa palavra, que era essencialmenteurn lugar de justi~a. Urn lugar de justi~a em quesentido? Em varios sentidos. Primeiro, claro, era urn lugardotado de uma regulamenta~ao extremamente prolifica eestrita: regulamenta~ao quanta aos objetos a levar aos mercados,quanta ao tipo de fabrica~ao desses objetos, quantaaorigem desses produtos, quanta aos direitos a serem pagas,quanta aos pr6prios procedimentos de ven<strong>da</strong>, quantaaos pre~os estabelecidos, claro. Logo, lugar dotado de regulamenta~ao- isso era a mercado. Era tambem urn lugar dejusti~a no sentido de que a pre~o de ven<strong>da</strong> estabelecido nomercado era considerado, alias tanto pelos te6ricos quantapelos praticos, urn pre~o justa au, em todo caso, urn pre~oque devia ser a justa pre~d, isto e, urn pre~o que devia mantercerta rela~ao com a trabalho feito, com as necessi<strong>da</strong>desdos comerciantes e, eclaro, com as necessi<strong>da</strong>des e as possibili<strong>da</strong>desdos consurnidores. Lugar de justi~a, a tal pontoque a mercado devia ser urn lugar privilegiado <strong>da</strong> justi~adistributiva, ja que, como voces sabem, para pelo menoscerto numero de produtos fun<strong>da</strong>mentais, como as produtosalimenncios, as regras do mercado faziam que se chegassea urn arranjo para que, se nao as mais pobres, pelo menosalguns dos mais pobres pudessem comprar coisas, assimcomo as mais ricas. Esse mercado era portanto, nesse sentido,urn lugar de justi~a distributiva. Enfim, era urn lugar dejusti~a na medi<strong>da</strong> em que a que devia ser essencialmenteassegurado no mercado, relo mercado, ou antes, pelas regulamenta~oesdemercado, era a que? A ver<strong>da</strong>de dos pre­~os, como diriamos hOje em dia? De jeito nenhum. 0 quedevia ser assegurado era a ausencia de fraude. Em outraspalavras, era a prote~ao do comprador. A regulamenta~aode mercado tinha par objetivo, portanto, de urn lado, a distribui~aotao justa quanta possivel <strong>da</strong>s mercadorias, e tamberna nao-roubo, a nao-delito. Em outras palavras, no fundo,a mercado era percebido naquela epoca como urn riscoque talvez a comerciante corresse de urn lado, mas a compradorcom to<strong>da</strong> certeza de outro. E era necessaria protegera comprador contra a perigo que representava uma mercadoriaruim e contra a fraude de quem a vendia. Era necessariaportanto assegurar essa ausencia de fraude quanta anaturezados objetas, quanta asua quali<strong>da</strong>de, etc. Esse sistema- regulamenta~ao, justa pre~o, san~ao <strong>da</strong> fraude - fazia portantoque a mercado fosse essencialmente, funcionasse realmentecomo urn lugar de justi~a, urn lugar em que deviaaparecer na troca e se formular nos pre~os alga que era ajusti~a, Digamos que a mercado era urn lugar de jurisdi~ao.Ora, e aqui que a mu<strong>da</strong>n~a se produz par certo numerode razoes que evocarei <strong>da</strong>qui a pouco. 0 mercado surgiu,em meados do seculo XVIII, como ja nao sendo, au antes,como nao devendo mais ser urn lugar de jUrisdi~ao. 0 mer-


44cado apareceu como, de urn lado, uma coisa que obedecia edevia obedecer a mecanismos "naturais"*, isto e, mecanismosespontaneos, ain<strong>da</strong> que nao seja possivel apreendiHosem sua complexi<strong>da</strong>de, mas espontaneos, tao espontaneosque quem tentasse modifid.-Ios s6 conseguiria alten,-los edesnatura-Ios. De outro lado - e e nesse segundo sentidoque 0 mercado se torna urn lugar de ver<strong>da</strong>de -, niio s6 eledeixa aparecer os mecanismos naturais, como esses mecanismosnaturais, quando os deixam agir, possibilitam a forma­~ao de certo pre~o que Boisguilbert' chamara de pre~o "natural",que os fisiocratas chamarao de "born pre~o"\ queposteriormente sera chamado de "pre~o normal" S , enfim,pouco importa, um certo pre~o natural, bom, normal, quevai exprimir a rela~iio adequa<strong>da</strong>, uma certa rela~iio adequa<strong>da</strong>entre custo de produ~ao e extensao <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>. 0 mercado'quando se deixa que ele aja por si mesmo de acordocom a sua natureza, com a sua ver<strong>da</strong>de natural, digamosassim, permite que se forme certo pre~o que sera metaforicamentechamado de pre~o ver<strong>da</strong>deiro, que as vezes seratambem chamado de justo pre~o, mas ja nao traz consigo,em absoluto, essas conota~6es de justi~a. Sera urn certo pre­~o que vai oscilar em torno do valor do produto.A importancia <strong>da</strong> teoria economica - quero dizer, dessateoria que foi edifica<strong>da</strong> no discurso dos economistas ese formou na cabe~a deles -, a importancia dessa teoria <strong>da</strong>rela~ao pre~o-valor vem precisamente do fato de que elapossibilita que a teoria economica indique urna coisa queagora vai ser fun<strong>da</strong>mental: que 0 mercado deve ser reveladorde algo que e como uma ver<strong>da</strong>de. Nao, e claro, que ospre~os sejam, em sentido estrito, ver<strong>da</strong>deiros, que haja pre­~os ver<strong>da</strong>deiros e pre~os falsos, nao e isso. Mas 0 que sedescobre nesse momento, ao mesmo tempo na pratica governamentale na reflexiio dessa pratica governamental, eque os pre~os, na medi<strong>da</strong> em que sao conformes aos meca-... Entre aspas no manuscrito.NASCIMENTO DA BIOPOLfTICAAULA DE 17 DE JANEIRO DE 1979nismos naturais do mercado, vao constituir um padrao dever<strong>da</strong>de que Val posslbilitar discernir nas praticas governamentalSas que sao corretas e as que sao erra<strong>da</strong>s. Em outraspalavras, 0 mecanl;,mo n~tural do mercado e a forma~ao deurn pre~o natural e que vao permitir - quando se ve, a partirdeles, 0 'lue _0 governo faz, as 'medi<strong>da</strong>s que ele toma, asregras que Impoe - falslficar ou verificar a pratica governamental.Na medl<strong>da</strong> e,:, que, atraves <strong>da</strong> troca, 0 mercadoperrrute hgar a produ~ao, a necessi<strong>da</strong>de, a oferta, a deman<strong>da</strong>,0 valor,. 0 P!e~o, etc., ele constitui nesse sentido um lugarde vendl~ao, quero dizer urn lugar de verifi' bil'dd Ifal ifi' bili' ' ca I a-e ,s ca <strong>da</strong>de para a pratica governamental'. Por cons,:gumte,0 mercado e que val fazer que urn bom governo janao seJa slmplesmente urn governo que funciona com basen~ Justi~a. 0 mercado e que vai fazer que 0 bom governo janao seJa somente um governo justo. 0 mercado e que vaifazer que 0 governo, agora, para poder ser um bom governo,~clOne com base na ver<strong>da</strong>de. Portanto, em to<strong>da</strong> eSSah,stona e ~a fo~a~iio de urna nova arte de governar, a economlapohlIca nao deve seu papel privilegiado ao fato deque dlt,,?a ao governo um bom tipo de conduta. A econom~apohticafOI Importante, inclusive em sua forrnula~aoteonca, na medi<strong>da</strong> em que (somente na medid -d 'd 'd a, mas e umame 1 a eVl entemente consideravel) indicou onde 0 gove:n0 deVla IT buscar 0 principio de ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua pr6priapratica governamental. Digamos em terrnos simples e barb~rosque? mercado, de lugar de jurisdi~iio que era ate 0ImClO ~o seculo XVIII, esta se tornando, por meio de to<strong>da</strong>sessas tecmcas que, por smal, evoquei ano passado a prop6­Sito <strong>da</strong> escassez alimentar, dos mercados de cereais etc 7urn Jugar que chamarei de lugar de veridi~iio. 0 m~rcaci~deve dizer a ver<strong>da</strong>de, deve dizer a ver<strong>da</strong>de em rela~iio a praticagovernamental. Seu papel de veridi~ao e que vai doravante~e de uma forma simplesmente secun<strong>da</strong>ria, c~mand~,?ltar, prescr~ver as mecanismos jurisdicionais ou a ausencl~de mecanlsmos jUrisdicionais sabre as quais deverase articular.45


46 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCAQuando eu falava do acoplamento realizado no seculoXVIII entre certo regime de ver<strong>da</strong>de e urna nova razao govemamental- e isso em liga~ao com a economia politica -,nao queria de modo algum dizer, portanto, que teria havido,por urn lado, forma~ao de um discurso cientifico e teoricoque seria a economia politica e, por outro lado, osgove,:­nantes teriam sido ou seduzidos por essa economla pohtica,ou obrigados a leva-la em conta por alguma pressaodeste OU <strong>da</strong>quele grupo social. Quis dizer que 0 mercado,objeto ha muitissirno tempo privilegiado pela pratica governamentale objeto mais privilegiado ain<strong>da</strong> nos seculos XVI eXVII, sob 0 regime de urna razao de Estado e de urn mercantilismoque fazia do comercio, precisamente, um dos principaisinstrumentos <strong>da</strong> for~a do Estado, tinha se tomado, agora,urn lugar de veridi~ao. Isso nao apenas, nao tanto porquesupostamente se entrou na era de uma economia mercantil- isso, ao mesma tempo que ever<strong>da</strong>de, nao esclarece na<strong>da</strong>-,nao porque as pessoas quiseram fazer a teoria racional domercado: foi 0 que fizeram, mas nao bastava. Na ver<strong>da</strong>de,para compreender como 0 mercado, na sua reali<strong>da</strong>de, tornou-separa a pratica govemamental um lugar de veridi~ao,seria necessano estabelecer 0 que eu chamaria de uma rela­~ao poligonal ou poliedrica, como voces preferirem, entrecerta situa~ao monetana, que era a do seculo XVIII, com, deurn lado, um novo afluxo de ouro e, [de outro], urna relativaconstancia <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s, urn crescimento economico e demograftcocontinuo na mesma epoca, uma intensifica~ao<strong>da</strong>produ~aoagricola, 0 acesso ii. pratica govemamental de ce,:­to numero de teemcos portadores, ao mesmo tempo, de metodose de instrumentos de reflexao e, enfim, a conforma~aoteorica de um certo nu.mero de problemas economicos.Em outras palavras, nao creio que seja necessario buscar- e, por conseguinte, nao ereio que se possa encontrar ­a causa* <strong>da</strong> constitui~ao do mercado como instiincia de ve-'" M. Foucault repete, enfatizando 0 artigo: a causaAULA DE 17 DEJANEIKO DE 197947ridi~ao. 0 que seria preciso fazer se quisessemos analisaresse fenomeno, absolutamente fun<strong>da</strong>mental a meu ver nahistoria <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de oCidentaJ, e~sa irrup~a; domercado como principio de veridi~ao, [serial simplesmenteefetuar, relacl~nando entre si os diferentes fenomenos queeu evocava ha pouco, a inteligibi1iza~ao" desse processo,mostrar como ele foi possive!... Isto e, nao se trata de mostrar- 0 que de todo modo e uma tarefa inutil- que ele terias~do. necessario, tampouco que eurn passivel, urn dos pas­SlvelS num campo determi;,ado de P?ssiveis. Digamos queo que permlte tom3"' mteligIvel 0 real e mostrar sirnplesmente'lueele f':l posslVe!. Que 0 real e possivel: e isso a sua inteligIbihza5ao.DIgamos de maneira geral que temos aqui,nessa hlstona de ~ercado JunsdlclOnal, depois veridicional,u~_desses ;nconta~elScruzarnentos entre jurisdi


48NASCIMENTO DA BIOPOLmCA AULA DE 17 DE JANEIRO DE 197949Do mesmo modo, estu<strong>da</strong>r as institui


50 NASCIMENTO DA BIOPOLtrICAde afinna<strong>da</strong>, porque, acreditem tambem, a menlira ou 0 errotambem constituem abusos de poder. A critica que lhes proponhoconsiste em determinar em que condi,6es e comquais efeitos se exerce uma veridi~ao,isto e, mais urna ve~furn tipo de formula,ao do ambito de certas regras de venfica,aoe de falsifica,ao. Par exemplo, quando digo que acritica consistiria em deterrninar em que condi,6es e comquais efeitos se exerce uma veridi,ao, voces veem que 0problema nao consistiria em dizer, portanto: vejam como apsiquiatria e opressiva, ja que .e falsa. Nao consistiria nemmesmo em ser urn pouco malS sofisticado e dizer: olhemcomo ela e opressiva, ja que e ver<strong>da</strong>deira. Consistiria em dlzerque 0 problema esta em trazer aluz as condi,6esque tiveramde ser preenchi<strong>da</strong>s para que se pudessem eIDltir ~obrea loucura - mas a mesma coisa valeria para a delmquencm,a mesma coisa valeria para 0 sexo - 0$ discursos que pode,:nser ver<strong>da</strong>deiros ou falsos de acordo com as regras que saoas <strong>da</strong> medicina ou as <strong>da</strong> confissao ou as <strong>da</strong> psicologia, poucoimporta, ou as <strong>da</strong> psicanaJise. , .Em outras palavras, para que tenha urn alcance pohtico,a analise tern de visar nao a genese <strong>da</strong>s ver<strong>da</strong>des ou amem6ria dos erros. Saber quando determina<strong>da</strong> ciencia come,oua dizer a ver<strong>da</strong>de, que importancia tern? Lembrar-sede todos os erros que os medicos cometeram ao falar sobreo sexo ou a loucura nao adianta na<strong>da</strong>... A meu ver, 0 quetern uma importancia politica atual e determinar que regimede veridi,ao foi instaurado num determmado momentoque e precisamente aquele a partir do qual podemosagora reconhecer, por exemplo, que as medicos do seculoXIX disseram tantas tolices sobre 0 sexo. Lembrar-se que osmedicos do seculo XIX disseram muitas tolices sobre 0 sexonao tern politicamente nenhuma importancia. S6 tern importanciaa determina,ao do regime de veridi,ao que lhespermitiu dizer como ver<strong>da</strong>delras e afirmar como ver<strong>da</strong>_delrasalgumas coisas que, alias, hoje sabemos talvez nao 0fossem tanto assim. E precisamente esse 0 ponto em que aanalise hist6rica pode ter urn alcance politico. Nao e umaAULA DE 17 DE JANEIRO DE 1979hist6ria do ver<strong>da</strong>deiro, nao e urna hist6ria do falso: a hist6­ria <strong>da</strong> veridi,ao e.que tern importancia politicamente. Era15S0 0 que eu quena lhes dizer a prop6sito dessa questao domercado ou, digamos, <strong>da</strong> conexao de urn regime de ver<strong>da</strong>deapratica govemamental.Segun<strong>da</strong> questao, segundo ponto sobre 0 qual gostariade burilar urn pouco 0 que disse a voces na ultima vez. Eulhes dizia, voces se lembram, que no regime <strong>da</strong> pura razaode Estado a govemamentali<strong>da</strong>de ou, em todo caso a linhade tendencia <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de era sem term~, nao tinhafun. Em certo sentido, a govemamentali<strong>da</strong>de era ilimita<strong>da</strong>.Era ~recisamente ,isso que caracterizava 0 que se chamaYa,na epoca, de pohcla, 0 que se chamara no fun do sec;.zloXVIII, e com urn,olh,?, ja retrospectivo, de Estado de polioa.0 Estado de policia e urn govemo que se confunde coma administra,ao, urn govemo que e inteiramente administrativoe uma administra,ao que tern para si, atras de si, 0peso mtegral de uma govemamentali<strong>da</strong>de.Eu havia procurado lhes mostrar como, na ver<strong>da</strong>de,essa govemamentali<strong>da</strong>de integral, essa govemamentali<strong>da</strong>decom linha de tendencia ilimita<strong>da</strong> teve, nao exatamenteurn limite, mas urn contrapeso na existencia tanto de instilui,6esjudicianas e de magistrados, como de discursos juridieoscentrados, precisamente, no problema de [saber] quedireito tern 0 sobe~ano de exercer seu poder e em que limite:de direlto a a,ao do soberano pode se inscrever. Logo,nao era algo completamente desequilibrado, nao era algocompletamente ilimitado na razao de Estado, mas havia urnsistema de, por assirn dizer, duas partes relativamente extemasuma aDutra.Eu !hes indiquei tambem que no novo sistema, nanova razao govemamental cria<strong>da</strong> no seculo XVIII, 0 sistemado govemo frugal ou 0 sistema <strong>da</strong> razao do Estado minimoimplicava algo bern diferente. Por urn lado, urna lirnita,ao e,p~r outro, uma limita,ao intema. Limita,ao intema, masnao se deve crer que seja uma limita,ao de natureza totalmentediferente do direito. Euma limita,ao que e sempre e51


52NASCIMENTO DA BIOPOLmCAapesar de tudo uma limita~aojuridica, pois 0 problerr: a estarecisamente em saber como, no regime <strong>da</strong> novarazao go­~emamental,dessa razao govemamental autolirmta<strong>da</strong>, es~alimita~ao pode ser formula<strong>da</strong> em termos de drrelto. Vocesveem como 0 problema e diferente, po~s, por urn lado, nosistema <strong>da</strong> antiga razao de Estado voces tinham uma govemamentali<strong>da</strong>dede tendencia indefini<strong>da</strong> com, no exten?r,urn sistema de direito que se opunha, que se opunha alias,dentro de limites politicos concretos e bern conheCidos: e~tre0 poder real [de urn lado] e os defensores <strong>da</strong> mstituI~aojudiciana, de outro. Trata-se, neste caso, de urn problemadiferente que e 0 seguinte: visto que a ~ovemamentah<strong>da</strong>detern de se autolimitar, como vai ser pOSSIVe! formular em dlreitaessa autolimitac;ao sem que, cor:n 1550, 0 gove~o seveja paralisado e, tambem, sem que seJa sufocado - e e exatamenteesse 0 problema - esse lugar de ver<strong>da</strong>de ~e que 0mercado era 0 exemplo privilegiado e que, a esse titulo, tinhade ser respeitado? Em termo~ claros, 0 p~oblema queval se colocar a partir do fim do seculo XVIII e 0 segumte.se ha uma economia politica, 0 que acontece com 0 direltopublico? au aln<strong>da</strong>: que bases podem ser encont;a<strong>da</strong>s parao direito que val articular 0 exercicio do poder publico, ViStaque existe pelo menc:s uma regiao - e outras.moos, se~duvi<strong>da</strong> - em que a nao-mterven~ao do govemo e absolu~amente necessaria, nao por raz5es de direito~ ~as por razoesde fato, ou antes, por razoes de ver<strong>da</strong>de? Ll~tado por reseitoaver<strong>da</strong>de, como e que 0 pod~r, como e que 0 gover­~o val poder formular esse respeito a ver<strong>da</strong>de em termos delei a respeitar?* Minal de contas, 0 fato de que as facul<strong>da</strong>:des de direito na Fran~a tenham sido por mwto tempo, ateestes Ultimos anos, igualmente faeul<strong>da</strong>des de economla politica,para grande mal-estar dos economlstas e dos Junstas,.. M Foucault acrescenta: Esse acoplamento que, a?ora, nOS p~re-e·•· ntre economia politica e direito pubhco... [frase maceestranhissunocaba<strong>da</strong>JAULA DE 17 DE JANEIRO DE 1979 53na<strong>da</strong> mals e que 0 prolongamento, certamente abusivo emtermos de historia, de urn fato originano fun<strong>da</strong>mental, queera 0 de que nao se podia pensar a economia politica, istoe, a liber<strong>da</strong>de de mercado, sem levantar ao mesmo tempo 0problema do direito publico, a saber, a limita~ao do poderpublico.Temos alias a prova disso em certo numero de coisasprecisas e concretas. Minal de contas, os primeiros economistaseram ao mesmo tempo juristas e gente que colocavao problema do direito publico. Beccaria, por exemplo, teoricodo direito publico essencialmente sob a forma do direitopenal, tambem era economista w • A<strong>da</strong>m Smith": basta ler Ariqueza lias na,oes, nem e preciso ler os outros textos de A<strong>da</strong>mSmith para ver que 0 problema do direito publico atravessainteiramente to<strong>da</strong> a sua analise. Bentham, teorico do direitapublico, era ao mesma tempo economista e escreveulivros de economia polftica". E, fora esses fatos que mostrama pertinencia originana do problema <strong>da</strong> economia politicalao] <strong>da</strong> limita~ao do poder publico, voces 0 encontrarao0 tempo todo nos problemas colocados no decorrer dosseculos XIX e XX sobre a legisla~ao economica, sobre a separa~aoentre 0 govemo e a administra~ao, sobre a constitui~aode urn direito administrativo, sobre a necessi<strong>da</strong>de ounaD <strong>da</strong> existencia de tribunais administrativos especificos1.1,etc. Nao era portanto urn desaparecimento do direito queeu evocava <strong>da</strong> Ultima vez ao falar <strong>da</strong> autolimita~ao<strong>da</strong> razaogovemamental, mas 0 problema posta pela limita~ao juridicade urn exercicio do poder politico que os problemas dever<strong>da</strong>de impunham estabelecer.Logo, poderiamos dizer, deslocamento do centro degravi<strong>da</strong>de do direito publico. a problema fun<strong>da</strong>mental, essencial,do direito publico ja naD vai ser tanto, como no seculoXVII, no seculo XVIII, como fun<strong>da</strong>r a soberania, em quecondi~oes 0 soberano pode ser legitimo, em que condi~oesele podenllegitimamente exercer seus direitos, e sim comopor limites juridicos para 0 exercicio de urn poder publico.Esquematicamente, pode-se dizer que, no fim do seculo


54XVIII e inicio do seculo XIX, foram propostas essencialmenteduas vias para essa elab?ra~ao: uma que chamarel; dlgamos,a via axiomatica, jundlco-dedUtiva, q,;,e fm ate,certoponto a via <strong>da</strong> Revoluc;ao Francesa - tambem podenamoschama-Ia de via rousseauniana*. Em que conslste? POlS bem,consiste justamente em partir, nao do govemo e <strong>da</strong> sua necessarialimitac;ao, mas em partir do direito, do direit? emsua forma classica, isto e, [em] procurar defimr quais sao osdireitos naturais ou originarios que pertence':.' a todos osindividuos, definir em segui<strong>da</strong> em que condlc;oes, po~ causade que, segundo que formali<strong>da</strong>des, Ideals ou hlstoncas,aceitou-se uma limitac;ao ou uma troca ~e dlrelto.. Conslstetambem em definir os direitos cuja cessao se ac_eltou e, aocantrano os direitos para os quais nenhuma cessao £01 acor<strong>da</strong><strong>da</strong>e ~ue permanecem, por consesuinte, em qualquercondiC;ao e sob todos os govemos pOSSIV';lS,OU em todo regimepolitico possivel, direitos imprescntivels. Enfim, a partir<strong>da</strong>i, e somente a partir <strong>da</strong>i, uma vez assun defimdos a dlvisaodos direitos, a esfera de soberama e os hmltes dodireito <strong>da</strong> soberania, pode-se entao deduzi~, maS somentededuzir, 0 que podemos chamar de frontelras <strong>da</strong> competenciado govemo, mas no ambito estabelecldo pela armaduraque constitui a pr6pria soberanla. Em outras palavras,esse procedimento consiste, em termos clar.?s e ~lIl:ple:, empartir dos direitos do homem para chegar a de~mltac;ao <strong>da</strong>govemamentali<strong>da</strong>de, passando pela conStitulc;a? do)oberano.Direi que e, grosso modo, a VIa revoluclOna"n~. Jj u~amaneira de colocar, logo de sai<strong>da</strong> e por uma especle de relnicioideal ou real <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, do Estado, do soberano edo govemo, 0 problema <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> mcesslblli<strong>da</strong>dedos direitos. Voces veem, portanto, que esse procedlmento,apesar de ter sid~ politi,ca e historicamente 0 proce~dimento dos revolucionanos, e um procedlmento que poNASCIMENTO DA BIOPOLtrICA AULA DE 17 DE JANEIRO DE 1979 55,. A outra via e chama<strong>da</strong>, no manuscrito (p. 15), de "via indutivae residual".dem?s dizer retroativo, OU retroaciomirio, na medi<strong>da</strong> em queconslste em retomar 0 problema do direito publico que eraexatamente aquele que os juristas nao haviam cessado deopor arazao de Estado dos seculos XVII e XVIII. E e nissoque voces tem uma continui<strong>da</strong>de entre os te6ricos do direitonatural do seculo XVII e, digamos, os juristas e os legisladores<strong>da</strong> RevoluC;ao Francesa.A outra via consiste, nao em partir do direito, mas empartir <strong>da</strong> pr6pria pratica governamental. Partir dessa praticagovemamental e procurar analisa-la, mas analisa-laem funC;ao de que? Em funC;ao dos limites de fato que podemser postos a essa governamentali<strong>da</strong>de. Limites defato que podem vir <strong>da</strong> hist6ria, que podem vir <strong>da</strong> tradiC;ao,que podem vir de um estado de coisas historicamente determinado,mas tambem podem ser e tambem devem serdeterminados como os limites de certo modo desejaveis,as limites adequados a serem estabelecidos justamente emfunC;ao dos objetivos <strong>da</strong> governamentali<strong>da</strong>de, dos objetoscom que ela li<strong>da</strong>, dos recursos do pais, sua populaC;ao, suaeconomia, etc. - em suma, a analise do governo, <strong>da</strong> suapratica, dos seus limites de fato, dos seus limites desejaveis.E deduzir, a partir <strong>da</strong>f, em que seria contradit6rio, ouabsurdo, 0governo mexer. Melhor ain<strong>da</strong>, e mais radicalmente,deduzir aquilo em que seria inutil 0 governo mexer.Inutil quer dizer que a esfera de competencia do governovai ser defini<strong>da</strong> agora e, se essa via for segui<strong>da</strong>, justamentea partir do que seria util e inutil 0 governo fazerou nao fazer. a limite de competencia do governo sera definidopelas fronteiras <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de de uma intervenC;aogovernamental. Colocar a um governo, a ca<strong>da</strong> instante, aca<strong>da</strong> momenta <strong>da</strong> sua aC;ao, a prop6sito de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>ssuas institui~6es, velhas ou recentes, a quesUio: e litil? eutil para que? dentro de que limites e util? a partir de quese torna inutil? a partir de que se toma nocivo? Essa questaonao ea questao revoluciomma: quais sao os meus direitosoriginais e como posso faze-los valer em face de um so-


56 NASCIMENTO DA BIOPOWICA AULA DE 17 DE JANEIRO DE 1979berano? Mas e a questao radical, e a questao do radicalismoIngles. 0 problema do radicalismo Ingles e 0 problema<strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de.Nao se deve pensar que 0 radicalismo politico Inglesna<strong>da</strong> mais e que a proje~ao, no plano politico, de uma ideologia,digamos, utilitari~ta. Ao ~ontrano, a partir ~e uma elabora~aointema, que e tambem uma elabora~ao perfeltamentepensa<strong>da</strong>, que e tambem uma reflexao perpetuamenteinvesti<strong>da</strong>, permea<strong>da</strong>, de elementos filos6ficos, te6ncos,juridicos, logo, a partir <strong>da</strong> priitica do govemo, definir qualdeve ser sua esfera de competencia, e defini-la em termosde utili<strong>da</strong>de. A partir disso, 0 utilitarismo aparece como algobern diferente de uma filosofia, algo bern diferente de umaideologia. 0 utilitarismo e uma tecnologia do govemo, assimcomo 0 direito publico era, na epoca <strong>da</strong> razao de Estadoa forma de reflexao ou, se quiserem, a tecnologia juridica'com a qual se procurava limitar a linha de tendencia indefini<strong>da</strong><strong>da</strong> razao de Estado.Uma observa~ao a prop6sito <strong>da</strong> palavra "radicalismo","radical". 0 termo "radical" havia sido empregado na Inglaterra(a palavra, creio eu, <strong>da</strong>ta do fim do ~eculo ~ ou doinicio do seculo XVIII) para deslgnar - e e 1550 que e mUltointeressante - a posi~ao dos que queriam fazer valer, em facedos abusos reais ou possiveis do soberano, as drreltos ongtnanos,os celebres direitos originarios que os povos anglosax6esteriam detido antes <strong>da</strong> invasao pelos normandos (falei-lhesdisso ha dois ou tres anos"). 0 radicalismo e isso.Ele consistia portanto em fazer valer os direitos originanos,no sentido em que 0 direito publico, em suas reflex6es hist6ricas,podia identificar os direitos fun<strong>da</strong>mentais. Agora, 0r~dicalismo ingles, a palavra "radical" vai designar a POSI~~ao que conslste em calocar continuan:ente ao gov~r:n0, agovemamentali<strong>da</strong>de em geral, a questao <strong>da</strong> sua utih<strong>da</strong>deou <strong>da</strong> sua nao-utili<strong>da</strong>de.Duas vias portanto: a via revolucionaria, articula<strong>da</strong> essencialmentesobre as posi~6es tradicionais do direito publico;e a via radical, articula<strong>da</strong> essencialmente sobre a novaeconomia <strong>da</strong>!azao de govemar. Duas vias que implicamduas concep~oes <strong>da</strong> leI, pois de urn lado, na via axiomaticarevoluclOnana, digamos assim a lei vai ser concebi<strong>da</strong> como'? C -'o que. omo a expressao de uma vontade. Vamos ter portantourn SIstema v~ntade-lei. Voc~s vao encontrar 0 problema<strong>da</strong> vontade, e claro, no proprio ceme de todos osproblemas de .direit?, 0 que tambem autentica 0 fato de queess.a problema~ca e uma problematica fun<strong>da</strong>mentalmenteJundica. A leI e concebl<strong>da</strong> portanto como a expressao deuma vontade, de uma vo~tade coletiva que manifesta a partede drrelto que os mdiVlduos aceitaram ceder e a parte queeles querem reservar. Na outra problematica, na via radicalutilitansta, a lei sera concebi<strong>da</strong> como efeito de uma transa­~ao que .vai colocar, de urn lado, a esfera de interven~ao dopo~er pubhco e, de outro, a esfera de independencia dos indiVl~UOS.Isso nos leva a outra distin~ao igualrnente importantiSSlma;de urn lado, vamos ter uma concep,ao <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>deque e uma concep~aojuridica - todo individuo detemongmalmente certa liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> qual cedera ou nao certaparte - e, de outro, a liber<strong>da</strong>de nao vai ser concebi<strong>da</strong> COmoexercicio de certo numero de direitos fun<strong>da</strong>mentais ela vaiser percebi<strong>da</strong> simplesmente como a independencia dos govemado~em rela~ao aos govemantes. Temos portanto duasconcep~oes absolutamente heterogeneas <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, umaconcebl<strong>da</strong> a partir dos di:eitos do homem, a outra percebi<strong>da</strong>a partir <strong>da</strong> mdependenCla dos govemados. 0 sistemados dlreltos do homem e 0 sistema <strong>da</strong> independencia dosgovemados sa,o dois sistemas que, nao digo que nao se penetram,mas tern uma ongem hist6rica diferente e comportamuma heterogenel<strong>da</strong>de, uma dispari<strong>da</strong>de que e, a meuver, essenclal. 0 problema atual do que chamamos direitosdo homem: bastaria ver onde, em que pais, como, sob queforma sao reivindicados, para ver que, de vez em quando,trata-se de fato <strong>da</strong> questao juridica dos direitos do homeme, no Dutro caso, trata-se dessa Dutra coisa que e, em rela-57


58NASCIMENTO DA BIOPOLiTICA AULA DE 17 DE JANEIRO DE 1979 59,ao a govemarnentali<strong>da</strong>de, a afirma,ao ou a reivindica,ao<strong>da</strong> independencia dos govemados._Dois carninhos para constituir em direito a regula,aodo poder publico, duas concep,oes <strong>da</strong> lei, duas concep,oes<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. Eessa arnbigUi<strong>da</strong>de que caracteriza, digarnos,o liberalismo europeu do seculo XIX e tambem do seculoXX. E, quando digo dois caminhos, quando digo duas vias,quando digo duas concep,oes <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, do direito, naoquero dizer que se trata de dois sistemas separados, estranhos,incompativeis, contradit6rios, totalmente excludentesurn em rela,ao ao outro, mas quero dizer que temos ai doisprocedimentos, duas coerencias, duas maneiras de fazer, porassim dizer, heterogeneas. E 0 que .0 preciso ter bem presente.0 que a heterogenei<strong>da</strong>de nunca .0 um principio de exclusaoou, se preferirem, a heterogenei<strong>da</strong>de nunca impedenem a coexistencia, nem a jun~ao, nem a conexao. Digamosque .0 precisamente ai e nesse genero de analise que sefazvaler, que enecessaria fazer valerI sob pena de calI no Slffiplismo,uma l6gica que nao seja uma l6gica dialetica. Porquea l6gica dialetica, 0 que e? Pois bem, a 16gica dialetica .0uma 16gica que poe em jogo termos contradit6rios no elementodo homogeneo. Proponho substituir essa l6gica <strong>da</strong>dialelica pelo que charnarei de 16gica <strong>da</strong> estrategia. E umal6gica <strong>da</strong> estrategia nao faz valer termos contradit6rios numelemento do homogeneo que promete sua resolu,ao numauni<strong>da</strong>de. A 16gica <strong>da</strong> estrategia tem por fun,ao estabelecerquais sao as conex6es possiveis entre termos dispares e quepermanecem dispares. A 16gica <strong>da</strong> estrategia .0 a 16gica <strong>da</strong>conexao do heterogeneo, nao .0 a 16gica <strong>da</strong> homogeneiza­,ao do contradit6rio. Rejeitemos portanto a 16gica <strong>da</strong> dialelicae procuremos ver (em todo caso .0 0 que procurarei lhesmostrar no curso) quais conexoes puderam manter unidos,puderam fazer conjugar-se a axiomalica fun<strong>da</strong>mental dosdireitos do homem e 0 ca!culo ulilitario <strong>da</strong> independenciados govemados.Gostaria de acrescentar uma coisa a esse respeito, masereio que seria lango demais, por issa tomarei mais tardesobre ela*. Gostaria simplesmente, a partir <strong>da</strong>i, de voltar uminstante ao que eu lhes dizia no inicio, a prop6sito do mercado- bem, este .0 urn ponto sobre 0 qual tomarei mais tarde".Mas 0 que quero mesmo assim salientar agorae que,entre esses <strong>da</strong>is sistemas heterogeneos - 0 <strong>da</strong> axiomatica revolucionana,do direito publico e dos direitos do homem, eo carninho empirico e utilitano que define, a partir <strong>da</strong> necessarialimita,ao do govemo, a esfera de independencia dosgovemados -, existe, evidentemente, uma conexao, conexaoincessante, to<strong>da</strong> uma serie de pontes, de passarelas, de.. M. Foucault passa rapi<strong>da</strong>mente por cima <strong>da</strong>s paginas 18-20 domanuscrito:"Encontrariamos evidentemente muitos exemplos disso no discursodos revolucionarios americanos. Talvez 0 pensamento revolucionario sejaprecisamente isto: pensar simultaneamente a utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> independencia ea axiomatica dos direitos (Revolu~o Americana).[po 18 bis] Essa heterogenei<strong>da</strong>de foi perfeitamente senti<strong>da</strong> pelos contemporaneos.Bentham, Dumont e os Direitos do Homem. E tem permanecidosensivel, nos tiltirnos dois secuIos, pois nunca se pOde encontrar ver<strong>da</strong>deiracoerenaa e equilibrio entre esses procedimentos. De rnaneira rnaci~a,mas nao sem alguns retrocessos, e a regula~ao do poder publico ern termosde utili<strong>da</strong>de que prevalece sabre a axiomatica <strong>da</strong> soberania em termos de direitosoriginarios. A utili<strong>da</strong>de coletiva (muito mais que a vontade coletiva)como eixo geral <strong>da</strong> arte de govemar.[po 19] Linha de tendencia gera!, mas que nao apaga a outra. Tantomais que as vezes ambas produzem efeitos similares, embora sem duvi<strong>da</strong>nao se possam sobrepor. Porque a axiornatica <strong>da</strong> soberania e leva<strong>da</strong> a enfatizarcom tanta fo~a os direitos imprescritiveis que, de fato, nao e possivelencontrar nela lugar para urna arte de govemar e para 0 exercicio de urn poderpublico, a nao ser que 0 soberano seja constituido juridicamente e demaneira tao forte como vontade coletiva que ele vai reduzir a pura ideali<strong>da</strong>de0 exerdcio dos direitos fun<strong>da</strong>mentais. Oriente totalitario. Mas ° radicalismo<strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de tambem vai ser levado, a partir <strong>da</strong> distin~ao 'utili<strong>da</strong>deindividuallutili<strong>da</strong>de coletiva', a fazer a utili<strong>da</strong>de geral prevalecer sabre autili<strong>da</strong>de individual e, por conseguinte, reduzir infinitarnente a independenciados govemados.[p. 20J Oriente <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de indefini<strong>da</strong>mente estendi<strong>da</strong>.


60 NASCIMENTO DA BIOPOWICA AULA DE 17 DE JANEIRO DE 197961jun


62 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 17 DE JANEIRO DE 1979 63tos ja que, como suditos, estes tinham com 0 soberano certarela,ao pessoal que fazia que 0 soberano pudesse, quaisquerque fossem os direitos dos proprios suditos, agir sobretudo. Em outras palavras, tinha-se uma a,ao direta do podersob a forma do soberano, sob a forma dos seus ministros,uma a,ao direta do govemo sobre as coisas e sobre aspessoas.A partir <strong>da</strong> nova razao govemamental- e e esse 0 pontode descolamento entre a antiga e a nova, entre a razao deEstado e a razao do Estado minimo -, a partir de entao 0govemo ja nao precisa intervir, ja nao age diretamente sobreas coisas e sobre as pessoas, so pode agir, so esta legitimado,fun<strong>da</strong>do em direito e em razao para intervir na medi<strong>da</strong>em que 0 interesse, as interesses, as jogos de interessetomam determinado individuo ou determina<strong>da</strong> coisa,determinado bem ou determina<strong>da</strong> riqueza, ou determinadoprocesso, de certo interesse para as individuos, ou para 0conjunto dos individuos, ou para os interesses de determinadoindividuo confrontados ao interesse de todos, etc. 0govemo 56 se interessa pelos interesses. 0 novo govemo, anova razao govemamental nao li<strong>da</strong> com 0 que eu charnariade coisas em si <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de, que Sao os individuos,que sao as coisas, que sao as riquezas, que sao as terras.Ja nao li<strong>da</strong> com essas coisas em si. Ele li<strong>da</strong> com estes fenomenos<strong>da</strong> polftica que precisamente constituem a polfticae as moveis <strong>da</strong> politica, corn estes fenomenos que sao asinteresses ou aquilo por intermedio do que determinadoindividuo, determina<strong>da</strong> coisa, determina<strong>da</strong> riqueza, etc. interessaaos outros individuos ou acoletivi<strong>da</strong>de.Ternos urn exemplo notavel disso, parece-me, no casodo sistema penal. Procurei lhes explicar" que, no fundo, napenali<strong>da</strong>de do seculo XVII e tambem do inicio do seculoXVIII, quando 0 soberano punia - era essa a ver<strong>da</strong>deira razaodo suplfcio -, ele intervinha individualmente, de certomodo, em todo caso como soberano, mas, se voces quiserem,intervinha fisicamente sobre 0 proprio corpo do individuo,e era isso que the <strong>da</strong>va 0 direito de suplfcio e 0 direitodo suplfcio publico: manifesta,ao do proprio soberano sobrealguem que havia cometido um crime e, ao cometer umcrime, havia lesado certo numero de pessoas, mas havia atingido0 soberano no proprio corpo do seu poder. Era esseo lugar de forma,ao, de justifica,ao, 0 proprio fun<strong>da</strong>mentodo suplfcio.A partir do seculo XVIII ([como] aparece claramenteem Beccaria'), 0 celebre principio <strong>da</strong> suavi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s penasmaisuma vez, enten<strong>da</strong>-se, isso DaD se refere a alguma mu<strong>da</strong>n,ana sensibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas -, 0 principio <strong>da</strong> modera,ao<strong>da</strong>s penas, no fundo, repousa em que, se alguem quisesseanalisa-10 melhor do que eu analisei? Pois bem, e 0seguinte: entre 0 crime, de um lado, e a autori<strong>da</strong>de soberanaque tem 0 direito de puni-Io, eventualmente de puni-Iocom a morte, interpos-se 0 que? A fina pelicula fenomenaldos interesses que sao, doravante, a unica coisa sobre a quala razao govemamental pode agir. E com isso a puni,ao aparececomo devendo ser calcula<strong>da</strong> em fun,ao, e claro, dos interesses<strong>da</strong> pessoa lesa<strong>da</strong>, <strong>da</strong> repara,ao dos <strong>da</strong>nos, etc. Doravante,porem, a puni,ao deve arraigar-se apenas no jogodos Interesses dos outros, do seu meio, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, etc.Interessa punir? Que interesse ha em punir? Que forma apuni,ao deve ter para que seja interessante para a socie<strong>da</strong>de?Interessa supliciar ou 0 que interessa e reeducar? E reeducarcomo, ate que ponto, etc., e quanto vai custar? A inser,aodessa pelicula fenomenal do interesse constituindo aunica esfera, ou antes, a unica superffcie de intetven~aopossivel do govemo - e isso que explica essas muta,oes quedevem ser to<strong>da</strong>s, como voces veem, referi<strong>da</strong>s a esse rearranjo<strong>da</strong> razao govemamental.o govemo em seu novo regime e, no fundo lurna coisaque ja nao tem de ser exerci<strong>da</strong> sobre sujeitos e sobre coisassujeita<strong>da</strong>s atraves desses sujeitos. 0 govemo vai se exerceragora sobre 0 que poderiamos chamar de republica fenomenaldos interesses. Questao fun<strong>da</strong>mental do liberalismo:


64 NASCIMENTO DA BIOPOLITICAqual 0 valor de utili<strong>da</strong>de do govemo e de to<strong>da</strong>s as a~6es dogovemo numa socie<strong>da</strong>de em que ea troea que determina 0ver<strong>da</strong>deiro valor <strong>da</strong>s eoisas?*Pois bern, ereio queeai que se eoloeam as quest6es fun<strong>da</strong>mentaisdo liberalismo. Foi ai que 0 liberalismo eoloeoua questao fun<strong>da</strong>mental do govemo, e 0 problema esta emsaber se to<strong>da</strong>s as formas politieas, eeonomieas, etc. que sequis opor ao liberallsmo podem efetivamente eseapar dessaquestao e <strong>da</strong> formula~ao dessa questao <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de deurn govemo num regime em que a troea eque determina 0valor <strong>da</strong>s eoisas.NorAS.. M. Foucault acrescenta: Valor de utili<strong>da</strong>de do govemo em facede urn sistema ern que a troca eque determina 0 ver<strong>da</strong>deiro valor <strong>da</strong>scaisas. Como isso e possivel?1. M. Foucault, no "Resumo do curso", remete a BenjaminFranklin (d. infra, p. 327). Cf., por exemplo, a carta de B. Franklina Charles de Weissenstein de 1" de julho de 1778 (in A. H. Smyth,org., The Writings ofBenjamin Franklin, NovaYork, Macmillan, 1905­1907, vol. VII, p. 168), citado por D. R. McCoy, "Benjamin Franklin'svision of a republican political economy for America", The Williamand Mary Quarterly, 3~ serie, vol. 35 (4), outubro de 1978, p. 617:"A virtuous and laborious people could always be 'cheaply governed'in a republican system."2. Eesse justa prec;o (justum pretium) que a escoIastica medieval,a partir cia doutrina aristotelica <strong>da</strong> justic;a comutativa (Eticanicomaqueia, livro V), havia estabelecido como modelo ideal <strong>da</strong>stransa~6es. Cf. S. L. Kaplan, Bread, Politics and Political Economy inthe Reign ofLouis XV, Haia, Martinus Nijhoff, 1976 / Le Pain, Ie PeupIeet ie Roi, trad. fro M.-A. Revellat, Paris, Perrin, "Pour l'histoire",1986, pp. 55-6: "0 tenente-geral de polieia, os delegados, os medidoresde cereais e os funcionanos locais insistern sern cessar no'justo pre~o' que se considerarn obrigados a garantir. [...JPara serequitativos, os pre~os nao devern nern 'revoltar' os cornerciantesnern 'lesar' os consurnidores. Eles sao estabelecidos de acordocom urn ideal de modera.;ao que tende a variar com as circunstancias.Urn pre~o e tido como justo quando os cornerciantes estabelecernurn lucro moderado e a massa do povo, que 'live num estadode miseria cronica, nao sofre exagera<strong>da</strong>mente, isto e, mais que


66NASCIMENTO DA BIOPOLITICAde costume. Em tempo normal, 0 justa pre~o e simplesmente 0pre~o corrente (como os te61ogos recomen<strong>da</strong>m) fixa<strong>da</strong> por umaestimativa comum, em vez de impasto pelas manobras dos comerciantesau pelas ordens do govemo." Cf. J. W. Baldwin, The MedievalTheories of the Just Price: Romanists, canonists and theologiansin the twelfth and thirteenth centuries, Filadelfia, American PhilosophicalSociety, 1959; J. A. Schumpeter, History of Economic Analysis,ed. manuscrita por E. Boody Schumpeter, Nova York, OxfordUniversity Press, 1954 / Histoire de ['analyse economique, trad. fro eorg. par E. Boody Schumpeter, R. Kuenne, J.-c. Casanova et al.,Paris, Gallimard, "Bibliotheque des sciences humaines", 1983, t. Ifpp. 139-40. Bibliografia complementar in S. 1. Kaplan, trad. cit., pp.441-2, nota 14 do cap. II. Sabre eSsa questao do pre,o, d. Les Motset les Choses, Paris, Gallimard, "Bibliotheque des sciences humaines",1966, cap.VI, se,ao Iv; "Le gage et Ie prix" (a questao do pre­\0 e essencialmente trata<strong>da</strong>, entaD, relativamente a fun\ao ciamoe<strong>da</strong>) led. bras.: "0 penhor e 0 pre~o", in As palavras e as coisas,Sao Paulo, Martins Fontes, 2002].3. Pierre Le Pesant, seigneur de Boisguilbert (1646-1714), autornota<strong>da</strong>mente do Detail de la France (1695) e do Traite de la nature,culture, commerce et interet des grains (1707). Econsiderado 0precursor dos fisiocratas. Cf. J. A. Schumpeter, Histoire de l'analyseeconomique, trad. cit., t. 1, p. 302, n. 1, e sobretudo A. Sauvy, Pierre deBoisguilbert, au la Naissance de I'ecanomie palitique, Paris, !NED, 1966,2 vols. - Parece no entanto que Boisguilbert nao empreg a 0 conceitode "pre~o natural". Fala as vezes de "pre


68 NASCIMENTO DA BIOPOLmCAstructuralisme", entrevista a G. Raulet (Telos, primavera de 1983),DE, IV; n? 330, pp. 438-41.10. Autor do celebre tratado Dei delitti e delle pene red. bras.:Dos delitos e <strong>da</strong>s penas, Sao Paulo, Martins Fontes, 2005], publicadoem Livomo em 1764, Cesare Bonesana, marques de Beccaria(1738-1794), obteve em 1769 a catedra de scienze camerali e economicheentao recem-fun<strong>da</strong><strong>da</strong> ern Milaa (rebatiza<strong>da</strong> por ele de catedrade economia politica), que ele abandonou, apes <strong>da</strong>is anas lecionando,por urn emprego na administra.;ao milanesa. Suas notaspara os cursos foram publica<strong>da</strong>s pela primeira vez em 1804 por P.Custodi, com 0 titulo de Elementi di economia pubblica (Scrittori italianidi economia politica: Parle moderna, vals. XI e XII, Milao, G. G.Destefanis). Cf. igualmente Discours de M.le Marquis Cesare BeccariaBonesana... professeur rayal de la chaire nouvellement etablie parordre de S. M. impen.ale pour Ie commerce et ['administration publique,prononce a son installation <strong>da</strong>ns Ies eeoles Palatines, trad. fro J.-A.Comparet, Lausanne, F. Grasset, 1769 (ed. orig.: Prolusione letta <strong>da</strong>lregia professore Marchese Cesare Beccaria Bonesana neIl'apertura dellanuova cattedra di scienze camerali ultimamente comen<strong>da</strong>ta <strong>da</strong>S.M.I.R.A., Floren,a, G. Allegrini e comp., 1769), e os Principes d'economiepolitique appliques aI'agriculture par I'auteur du "Traite desdelits et des peines", trad. do italiano por ***, Paris, VW Bouchard­Huzard, 1852. "0 essencial dos seus escritos econ6micos consistiuem seus relat6rios govemamentais" G. A. Schumpeter, Histoirede l'analyse economique, t. I, p. 255; ele qualifica Beccaria de "A<strong>da</strong>mSmith italiano", ibid., p. 256). Cf. Atti di governo de Beccaria, emcurso de publicat;ao nos dezessete volumes previstos <strong>da</strong> Edizionenazionale (5 volumes publicados: vols.VI-X, 1987-2000). Esses escritostratam <strong>da</strong>s mais diversas questoes: moe<strong>da</strong>s, minas, pesos emedi<strong>da</strong>s, manufaturas e comercio, feiras e mercados, etc. Devoessas precisoes arecente tese de Ph. Audegean, "Philosophie reformatrice.Cesare Beccaria et la critique des savoirs de sontemps: droit, rhetorique, economie", Universite de Paris I-Sorbonne,2003.11. A<strong>da</strong>m Smith (1723-1790), An Inquiry into the Nature andCauses ofthe Wealth ofNations, Londres, W. Straham & T. Cadell,1776 I Recherches sur la nature et les causes de la richesse des nations,trad. fro do conde Germain Garnier, revista por A. Blanqui,Paris, Guillaumin, 1843; ed. recente: Paris, Garnier-Flammarion,1991.AULA DE 17 DE JANE1RO DE 19796912. Cf. Jeremy Bentham's Economic Writings, op. cit. [supra, p.34, nota 9], e 1. W. Hutchison, "Bentham as an economist" Economic]oumal,LXVI, 1956, pp. 288-306.'13. M. Foucault retoma sobre estes wtirnos pontos na aula de21 de fevereiro de 1979 (infra, p. 230 ss.).14. Cf. "II faut defendre la societe", op. cit., aula de 4 de fevereirode 1976, pp. 84 S5. (a palavra "radicali5mo" nao e utiliza<strong>da</strong>entao por Foucault). Cf. as obras de Ch. Hill, que conhecia muitobern Foucault (ver a "Situat;ao do curso" de A. Fontana e M. Bertani,ibid., p. 262).15. Cf. infra, aula de 28 de mar,o de 1979, pp. 372 ss.16. ct. Surveiller et punir, Paris, Gallimard, "Bibliotheque deshistoires", 1975, pp. 51-8 led. bras.: Vigiar e punir, Petropolis, Vozes,1977]. Ver tambem a curso de 1972-1973, "La Societe punilive"(resumido em DE, II, pp. 456-70).17. C. Beccaria, Des delits et des peines, trad. fro M. Chevallier,Genebra, Droz, 1965, § XII, p. 24, "But des chatirnents"; cf. Surveilleret punir, pp. 106-34, "La douceur des pemes".


AULA DE 24 DE JANEIRO DE 1979As caracteristicas especificas <strong>da</strong> arte liberal de gClVen1ar(II): (3) 0 problema do equilibria europeu e <strong>da</strong>s relar;oes inter.nacionais. - a calcula economico e politico no mercantilismo.o prindpio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de mereado segundo as fisiocratas eA<strong>da</strong>m Smith: <strong>nascimento</strong> de um novo madelo europeu. - 0aparecirnento de uma racionali<strong>da</strong>de governamental estendi<strong>da</strong>it escala mundial. Exemplos: a questa.o do direito maritima; asprojetos de paz perpetua no seculo XVIII. - as prindpios <strong>da</strong>nova arte liberal de governar: urn "naturalismo governamental";a produ¢o <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. - 0 problema <strong>da</strong> arbitragem liberal.Seus instrumentos: (1) a gestiia dos perigos ea ado¢.o demecanismos de seguranfa; (2) as controles discipIinares (0 panoptismode Bentham); (3) as politicas interoencionistas. - Agestiio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de e suas crises.Na ultima vez, procurei esclarecer algumas <strong>da</strong>s queme pareciam ser as caracteristicas fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> arte liberalde govemar. Primeiro eu havia falado do problema <strong>da</strong>ver<strong>da</strong>de economica e <strong>da</strong> veridi,ao do mercado, depois doproblema <strong>da</strong> limita,ao <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de pelo calcu­10 de utili<strong>da</strong>de. Costaria agora de abor<strong>da</strong>r um terceiro aspecto,tambem fun<strong>da</strong>mental, a meu ver: 0 dos equilibriosinternacionais, enfim, a Europa e 0 espa


72 NASCIMENTO DA BIOPOWICA AULA DE 24 DE JANEIRO DE 197973cos determinados a priori. Objetivos ilimitados desse lado,objetivos limitados no exterior, na medi<strong>da</strong> em que encontramos,na epoca em que se constitui essa raziio de Estadoe em que se organiza esse Estado de policia, a busca e a organiza,iioreal de uma coisa que se cham~ balan,a europeia,cujo principio e 0 seguinte: fazer que nao haJa nenhumEstado que prevale


74 NASCIMENTO DA BlOPOLtrICA AULA DE 24 DE JANEIRO DE 197975ferentes. De fato, para os fisiocratas - mas, alia.s, para A<strong>da</strong>mSmith tamrem -, a liber<strong>da</strong>de de mercado pode e deve funcionarde tal maneira que vai se estabelecer, atraves de egra~as a essa liber<strong>da</strong>de de mercado, 0 que eles chamam depre~o natural ou bom pre~o, etc. Em todo caso, esse pre~onatural, ou esse bom pre


76 NASCIMENTO DA BlOPOLlTlCA AULA DE 24 DEJANEIRO DE 1979riquecimento de outros, mas como [urn] enriquecimentocoletivo, e urn enriquecimento indefinido. 0 can'ter indefinidodo desenvolvimento econornico <strong>da</strong> Europa e, par conseguinte,a existencia de urn jogo de resultado nao nulo implicam,bern entendido, que 0 muncio inteiro seja convocadoem tomo <strong>da</strong> Europa para trocar seus proprios produtose as produtos <strong>da</strong> Europa, num mercado que sera a mercadoeuropeu.Claro, nao quero dizer com isso que e a primeira vezque a Europa pensa no mundo au que a Europa pensa amundo. Quero dizer, simplesmente, que talvez seja a primeiravez que a Europa como uni<strong>da</strong>de economica, comosujeito economico se apresenta assim ao mundo au pensaa mundo como podendo e devendo ser seu domfnio economico.Ea primeira vez que a Europa, creio eu, aparece aseus proprios olhos como devendo ter a mundo como mercadoinfinito. A Europa ja nao esta simplesmente em estadode cobi~a em rela~ao a to<strong>da</strong>s as riquezas do mundo, quereluziam em seus sonhos au em suas percep~6es. A Europaesta agora em estado de enriquecimento permanente e coletivopar sua propria concorrencia, contanto que a mundointeiro constitua seu mercado. Em suma, a calculo de umabalan~a europeia, na epoca do mercantilismo, na epoca <strong>da</strong>razao de Estado, na epoca do Estado de policia, etc., era aque possibilitava bloquear as conseqiiencias de urn jogoeconornico que era concebido como finito*. Agora e a aberturade urn mercado mundial que vai permitir que a jogoeconomico nao seja finito e, por conseguinte, as efeitosconflituosos de urn mercado finito sejam evitados. Mas essaabertura do jogo economico para a mundo implica evidentementeuma diferen~a de natureza e de estatuto entre aEuropa e a resto do mundo. Ou seja, de urn lado a Europa,of. 0 rnanuscrito acrescenta, p. 5: "parando a parti<strong>da</strong> quando asper<strong>da</strong>s e os ganhos des diferentes parceiros se afastam demasia<strong>da</strong>mente<strong>da</strong> situa~ao inicial (problema pascaliano <strong>da</strong> interrup\ao <strong>da</strong> parti<strong>da</strong>)".as europeu.s e que serao as jogadores, e a mundo, bern, amundo.sera a que,esta em jogo. 0 jogo e na Europa, mas aque esta em Jogo e a mundo.Parece-me que temos ai uma <strong>da</strong>s caracteristicas fun<strong>da</strong>mentalsdessa nova arte de govemar que e indexa<strong>da</strong> aop~oble~a ,do mercado e <strong>da</strong> veridi~ao do mercado. Claro,nao esta at, nessa organizac;ao, em todo caso nessa reflexao"?bre ~ posi~ao recfpro_ca do mundo e <strong>da</strong> Europa, nao estaal a Imc:o <strong>da</strong> colomza~ao. Fazia tempo que ela havia come­~ado. Nao crelO tampouco que esteja ai a inicio do imperialismono sen~do m,odemo au contemporaneo do termo,porque_sem dUVl<strong>da</strong> e mais tarde, no seculo XIX, que se ve aformayao ~esse novo imperialismo. Mas digamos que temasal a InICIO de um novo,tipo de calculo planetaria na pralicagovemamental europela. Desse aparecimento de umanova forma de ra~lOnaii<strong>da</strong>deplanetaria, desse aparecimentode um novo calculo com as dimens6es do mundo, creioque podemos encontrar muitos indicios. Cito apenas algunsdeles., Tomem, par exemplo, a historia do direito maritima noseculo XVIII, a maneira como, em termos de direito internaClonal,procurou-se pensar 0 mundo, OU pelo menos 0rna.:, com~ ~m espa~o de livre concorrencia, de livre circul~~aomantt:na e" par conseguinte, como uma <strong>da</strong>s condi­~oes neces~anas a organiza~ao de um mercado mundial.To<strong>da</strong> a histona<strong>da</strong> pirataria, a maneira como ela foi ao mesmotempo uliliza<strong>da</strong>, incentiva<strong>da</strong>, combati<strong>da</strong>, suprimi<strong>da</strong>,etc., poden~ aparecer tambem como um dos aspectos dessa,elabora~ao de,um espa~o planetaria em fun~ao de certonumero d: pnnClplOs de direito. Digamos que houve umaJundifica~~odo mundo que deve ser pensa<strong>da</strong> em termos deorgamza~ao de um mercado.Outro exemplo desse aparecimento de uma racionali<strong>da</strong>degovemamental que tem par horizonte a planeta inteirooas proJetos de paz e de organiza~aointemacional no seculoXVIII.Se voces pegarem as que existiam, porque eleseXlstiram desde a seculo XVII, vao perceber que todos esses77


78 NASCIMENTO DA BIOPOUTICA AULA DE 24 DEJANEIRO DE 197979projetos de paz sao articulados es;;encialmente sobre 0equiHbrio europeu, justamente, IStO e, sobre a balan~a exata<strong>da</strong>s for~as reciprocas entre os diferentes Estados, entre osdiferentes Estados importantes, ou entre as diferentes coaliz6esde Estados importantes, ou entre os Estados Importantese uma coalizao de pequenos Estados, etc. A partir doseculo XVIII, a ideia de paz perpetua e a ideia de or;;aruza­~ao intemacional se articulam,penso. eu, de manelra bemdiferente. Nao e mais tanto a lirmta~ao <strong>da</strong>s for~as mtemasde ca<strong>da</strong> Estado que e invoca<strong>da</strong> como garanli_a e fun<strong>da</strong>mentode uma paz perpetua, e antes a ilirmta~ao do mercadoextemo. Quanto mais vasto 0 mercado extemo, menosfronteiras e limites haved., mais se tera msso a garanlia <strong>da</strong>paz perpetua.Se voces pegarem, por exemplo, 0 texto de Kant sob,;eo projeto de paz perpetua, que d,,;ta de 1795', do fim ~o seculoXVIII, vao encontrar um capItulo que se chama a garanlia<strong>da</strong> paz perpetua'''. E como essa garanlla <strong>da</strong> paz perpetuae concebi<strong>da</strong> por Kant? Pois be~, ele d1Z: ,no fundo, 0que garante essa paz perpetua atraves <strong>da</strong> hlstona e 0 quenos promete que ela podera efeli,:amente um dia adqUlllifigura e forma no interior <strong>da</strong> hlstona? A vontade dos homens,0 entendimento entre eles, as combina~6es polilic~se diplomalicas que conseguirem arquitetar, a orgamza~aode direitos que instaurarem entre Sl? De Jelto nenhum. Eanatureza h , assim como para as fisiocratas era a ~atureza quegaranlia a boa regula~aodo mercado. E como e que ,a natu·reza garante a paz perpetua? Pois bem~ dlz Kant, e mUltosimples. A natureza tem feito, afinal, COlsas absolutamentemaravilhosas, tanto assim que consegulU, por exemplo, fazernao somente animais, mas ate mesma pessoas Vlveremem paises impossiveis, completamente calcinados pelo solou gelados por neves etemas'. Pois bem, t:m ~ente qu~ Vlveai apesar dos pesares, 0 que prova que nao ha uma so part:do mundo em que os homens nao possam viver. Mas,para que os homens possam viver: eles precIsam poder ~ealimentar, produzir sua alimenta~ao, ter uma orgaruza~aosocial [e] trocar seus produtos entre si ou Com os homens deoutras regi6es. A natureza quis que 0 mundo inteiro emto<strong>da</strong> a sua superficie, fosse entregue aalivi<strong>da</strong>de econo:Wcaque e a <strong>da</strong> produ~ao e <strong>da</strong> troca. E, a partir <strong>da</strong>i, a naturezaprescreveu ao homem certo numero de obriga~6es que saoao mesmo tempo para 0 homem obriga~6es juridicas', masque a natureza de certa forma [lhe] ditou por baixo do pano,de certa forma delXou lmpressas na disposi~ao<strong>da</strong>s coisas, <strong>da</strong>geografia, do clima, etc. E quais sao essas disposi~6es?Pnmelro, que os homens possam, individualmente, teruns com 0: outros rela~6es de troca basea<strong>da</strong>s na proprie<strong>da</strong>de,etc., e e ISS0, essa preSCri~~o <strong>da</strong> natureza, esse preceito<strong>da</strong> ,natureza, que os homens vaG retomar como obriga~6esJundlcas, e assun teremos 0 direito civil111.Segundo, a natureza quis que os homens fossem repartidosatraves do mundo em regi6es dislintas e manlivessementre SI,.em c~<strong>da</strong> uma dessas regi6es, reIa~6es privilegJa<strong>da</strong>sque nao terao com Os habltantes <strong>da</strong>s outras regi6ese foi esse preceito <strong>da</strong> natureza que os homens retomara~em termos de direito ao conslituir os Estados, Estados separadosU?S dos Dutros e que mantinham uns corn as Dutroscerto numero de rela~6esjuridicas. Teremos, assim 0 direitointernacional ll . M~s,. alem disso, a natureza quis'que entreesses Estados eXlsllssem nao apenas rela~6es juridicasque garanllssem a independencia, mas tambem rela~6escomercl~ls que atravessam as fronteiras dos Estados e, porc~nsegum,te, tomam, de certa forma, porosa a independencJaJundlca deca<strong>da</strong> Estado". Essas reIa~6es comerciaispercorren: 0 mundo, do mesmo modo que a natureza quis,e na medl<strong>da</strong> em que a natureza quis, que 0 mundo inteirofosse povoado, e eisso que vai conshtuir 0 direito cosmopolitaou 0 direito comercial. E esse edificio _ direito civildireito intemacional, direito cosmopolita - na<strong>da</strong> mais e qu~a retoma<strong>da</strong> pelo homem, na forma de obriga~6es, do quehavJa sldo umprecelto <strong>da</strong> natureza". Podemos dizer [portanto]que 0 dlrelto, na medi<strong>da</strong> em que retoma 0 proprio preceito<strong>da</strong> natureza, podera prometer 0 que de certo modo ja


80 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA AULA DE 24 DE JANEIRO DE 1979estava esboc;ado, desde 0 primeiro gesto <strong>da</strong> natureza, quandoesta povoou 0 mundo inteiro': uma coisa como a pazperpetua. A paz perpetua e garanti<strong>da</strong> pela natureza, e essagarantia e manifesta<strong>da</strong> pelo povoamento do mundo inteiroe pela rede <strong>da</strong>s relac;6es comerciais que se estendem atrayesde todo 0 mundo. A garantia <strong>da</strong> paz perpetua e portanto,de fato, a planetarizac;ao comercia!.Seria sem duvi<strong>da</strong> necessaria acrescentar IDuitas coisase, em todo caso, responder desde ja a uma objec;ao. Quandoeu lhes digo que temos, nesse pensamento dos fisiocratas,de A<strong>da</strong>m Smith, de Kant tambem, dos juristas do secu­10 XVIII, a manifestac;ao de uma nova forma de calculo politicoem escala internacional, nao quero dizer, em absoluto,que qualquer outra forma, tanto de reflexao como decalculo e de analise, qualquer outra pratica governamentaldesaparece com isso. Porque, embora seja ver<strong>da</strong>de que nessaepoca se descobre urn mercado mundial e planetario,embora se afirme nesse momenta a posic;ao privilegia<strong>da</strong> <strong>da</strong>Europa em relac;ao a esse mercado mundial, se afume tambernnessa epoca a ideia de que a concorrencia entre Estadoseuropeus eurn fator de enriquecimento comum, comoa hist6ria prova por onde quer que a olhemos, isso nao querdizer que se entra numa epoca de paz europeia e de planetarizac;aopacifica <strong>da</strong> politica. Afinal de contas, com 0 secu­10 XIX, entra-se na pior epoca <strong>da</strong> guerra, <strong>da</strong>s tarifas aduaneiras,dos protecionismos economicos, <strong>da</strong>s economias nacionais,dos nacionalismos politicos, <strong>da</strong>s [maiores] guerrasque 0 mundo ja conheceu, etc. Creio, e e 0 que gostaria deIhes mostrar, que simplesmente aparece nesse momentocerta forma de reflexao, de analise e de caJculo, certa formade analise e de caleulo que se integra de certo modo a praticaspoliticas que podem obedecer perfeitamente a outrotipo de caleulo, a outra economia de pensamento, a outrapratica do poder. Bastaria por exemplo ver 0 que aconteceu* M. Foucault acrescenta: isso ja prometeno momento do tratado deViena, em 1815". Pode-se dizerque temos ai a manifestac;ao mais notavel do que havia sidopor tanto tempo buscado nos seculos XVII e XVIIL a saberuma balanc;a europeia. De que se tratava, na reali<strong>da</strong>de7 Poi~bern, tr~tava-5e,dep6r fim ao que tinha surgido como a ressurrelc;ao<strong>da</strong> ldela unperial com Napoleao. Porque e exatam~nteeste ~ paradoxo hist6rico de Napoleao: se, no tocant,:a sua pohtica mterna - 0 que fica patente nas intervenc;oesque ele faz,a no Conselho de Estado e na maneira comopensava sua pr6pria pnitica governamental" -, Napoleao e,';lamfestamente, de todo hostiJ aideia de urn Estado de po­IlCla, .0 seu p;oblema e efetivarnente saber como limitar domtenor a pratica ~o,:ernamental", por outro lado podemosdlZer que Napoleao e perfeltamente arcaico em Sua politicaexterna, na medl<strong>da</strong> em que qUlS reconstituir algo como aconfigurac;ao impe?al contra a qual to<strong>da</strong> a Europa havia seerguldo desde 0 seculo XVII. Para dizer a ver<strong>da</strong>de, a ideia1ll'~penal para Napo}eao - tanto quanta podemos reconstitul-Ia,apesar do silenclO espantoso dos historiadores sobreesse tema -, a ideia imperial de Napoleao parece ter responclidoa tres objetivos.!'rimeiro (acho que eu lhes clisse isso ano passado"), 0Impeno,.om termos de politica interna - a juJgar pelo queos histonadores e os juristas do seculo XVIII diziam do Impenocarolingi~"-, era a garantia <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des. E 0 Impenose opunha a monarquia, naD como urn "a mais" de poder,mas ao contrano como urn IIa menos" de pader e umagovernamentali<strong>da</strong>de minima. Por outro lado, 0 Imperio erauma m~nelra - ao ~ue parece a partir do que constituia alhmlta\ao dos obJetivos revolucionarios, ista €, revolucionaro ~un~d? inteiro -, uma maneira de retornar 0 projeto revoluclOnanoq?e acabav~defazer irrupc;ao na Franc;a em 1792­93, e retoma-lo na Idem - entao arcaica - de uma dominac;aoimperi~l herdeira <strong>da</strong>s formas carolingias ou <strong>da</strong> forma doSanto Impeno. Esse misto entre a ideia de urn Imperio quegarante mternar,:'ente as !lber<strong>da</strong>des, de urn Imperio que Senaa conformac;ao europela do proJeto revolucionario ilimi-81


82NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA AULA DE 24 DE JANEIRO DE 1979 83tado e, enfim, de urn Imperio que seria a reconstitui


84 NASCIMENTO DA BIOPOLITICAe muito moos a espontanei<strong>da</strong>de, a mecanica interna e intrinsecados processos economicos do que urna liber<strong>da</strong>de juriclicareconheci<strong>da</strong> como tal para os inclividuos. Ate em Kant,que nao e afinal tao economista assim, que e muito maisurn jurista, voces warn que a paz perpetua e garanti<strong>da</strong> naopelo clireito, mas pela natureza. De fato, e como que urn naturalismogovemamental que se esbo


86 NASCIMENTO DA BIOPOLITICAIsso nos leva a segun<strong>da</strong> razao, que e mais fun<strong>da</strong>mental,parece-me. Essa razao e que nao se deve considerar quea liber<strong>da</strong>de seja urn universal que apresentaria, atraves dotempo, uma realiza,ao progressiva, ou varia,oes quantitativas,ou amputa~6esmais au menos graves, ocultac;6es maisou menos importantes. Nao e urn universal que se particularizariacom 0 tempo e com a geogralia. A liber<strong>da</strong>de nao euma superficie branca que tern, aqui e ali e de quando emquando, espa,os negros mais ou menos numerosos. A liber<strong>da</strong>denunca e mais que - e ja e muito - uma rela,ao atualentre governantes e governados, uma rela,ao em que a medi<strong>da</strong>do "pouco demais'" de liber<strong>da</strong>de que existe e <strong>da</strong><strong>da</strong>pelo "mais ain<strong>da</strong>"" de liber<strong>da</strong>de que e pedido. De modoque, quando digo "liberal"***, tenho em mira, por conseguinte,uma forma de governamentali<strong>da</strong>de que deixaria maisespa,os brancos a liber<strong>da</strong>de. Quero dizer outra coisa.Se utilize a palavra "liberal", e, primeiramente, porqueessa pratica governamental que esta se estabelecendo naose contenta em respeitar esta ou aquela liber<strong>da</strong>de, garantiresta ou aquela liber<strong>da</strong>de. Mais profun<strong>da</strong>mente, ela e consumidorade liber<strong>da</strong>de. Econsumidora de liber<strong>da</strong>de na medi<strong>da</strong>em que s6 pode funcionar se existe efetivamente certonumero de liber<strong>da</strong>des: liber<strong>da</strong>de do mercado, liber<strong>da</strong>de dovendedor e do comprador, livre exercicio do direito de proprie<strong>da</strong>de,liber<strong>da</strong>de de discussao, eventualmente liber<strong>da</strong>dede expressao, etc. A nova razao govemamental necessitaportanto de liber<strong>da</strong>de, a nova arte governamental consomeliber<strong>da</strong>de. Consome liber<strong>da</strong>de, ou seja, e obriga<strong>da</strong> a produzi-Ia.Eobriga<strong>da</strong> a produzi-la, e obriga<strong>da</strong> a organiza-la. Anova arte governamental vai se apresentar portanto comogestora <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, nao no sentido do imperativo "seja livre",com a contradi,ao imediata que esse imperativo pode... Entre aspas no manuscrito, p. 13.** Entre aspas no manuscrito, p. 13.,,">t* Entre aspas no manuscrito, p. 13.AULA DE 24 DE JANEIRO DE 1979 87trazer. Nao e 0 "seja livre" que 0 liberalismo formula. 0 liberalismoformula simplesmente 0 seguinte: you produzir 0nec:ssano para tornarvoce livre.Vou fazer de tal modo quevoce tenha a hber<strong>da</strong>de de ser livre. Com isso, embora esseliberalismo nao seja tanto 0 imperativo <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, mas agestao e a organiza,ao <strong>da</strong>s condi,oes gra,as as quais podemosser livres, voces veem que se instaura, no eerne dessapratica lib~ral, uma rela,ao problematica, sempre diferente,sempre movel, entre a produ,ao <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de e aquilo que,produzindo-a, pode vir a limita-Ia e a destrui-la. 0 liberalismo,no sentido em que eu 0 entendo, esse liberalismoque podemos caracterizar como a nova arte de governarforma<strong>da</strong> n_o seculo J


88 NASaMENTO DA BIOPOLlTICAAULA DE 24 DE JANEIRO DE 197989cerao desde 0 inicio do seculo XIX tartfas aduaneiras protetoraspara salvaguar<strong>da</strong>r uma liber<strong>da</strong>de de comercio que estariacomprometi<strong>da</strong> pela hegemonia inglesa. Mesma COlSa,liber<strong>da</strong>de do mercado intemo, claro, mas para que haJamercado e preciso ademais que haja nao apenas vendedormas tambem comprador. Por consegumte, necessl<strong>da</strong>de, sepreciso, de sustentar 0 mercado e eriar compradores pormecanismos de assistencia. Para que haja liber<strong>da</strong>de do mercadointemo, nao pode haver efeitos monopolisticos. Necessi<strong>da</strong>dede uma legisla


90 NASCIMENTO DA BIOPOLfTICA AULA DE 24 DE JANEIRO DE 1979 91nao e simplesmente essa especie de prote


92 NASCIMENTO DA BIOPOLiTICA AULA DE 24 DE JANEIRO DE 197993panoptismo, para Bentham, e uma formula politica geralque caracteriza urn tipo de govemo. . _A terceira conseqiiencia (a segun<strong>da</strong> era a conJun~aoentre as disciplinas e oliberalismo) eo aparecimento ta;nbern,nessa nova arte de govemar, de mecarusmos que ternpar fun~ao produzir, insuflar, ampliar as liber<strong>da</strong>des, introduzirurn "a mais" de liber<strong>da</strong>de por meio de urn "a mais"de controle e de interven~ao. Ou seja, aqui 0 controle nao emais apenas, como no casa do panoptismo, 0 contrapesonecessario a liber<strong>da</strong>de. Ele e seu principio motor. Tambemencontrariamos para isso muitos exemplos, quando maisnao fosse 0 que aconteceu por exemplo na Inglaterra enosEstados Unidos no curso do seculo XX, digamos no cursodos anos 1930, quando, com 0 desenvolvirnento <strong>da</strong> crise economica,percebeu-se imediatamente DaD 56 as conseqiienciaseconomicas, mas tambem as consequencias politicas<strong>da</strong>quela crise economica, e viu-se nelas urn perigo para certonumero de liber<strong>da</strong>des considera<strong>da</strong>s fun<strong>da</strong>mentais. E apolitica do Welfare implanta<strong>da</strong> por Roosevelt,. par exemplo,a partir de 1932'" era uma manerra de garantir e de produzir,numa situa~ao perigosa de desemprego, malS hber<strong>da</strong>de:liber<strong>da</strong>de de trabalho, liber<strong>da</strong>de de consumo, hber<strong>da</strong>de politica,etc. A que pre~o? Ao pre~o, pre.cisamente, de to<strong>da</strong>uma serie de interven~6es, de interven~oesartificlals, de m­tervenI- Entre aspas no manuscrito.


94NASCIMENTO DA BIOPOmICAAULA DE 24 DE JANEIRO DE 197995<strong>da</strong>de, foram todos <strong>da</strong> ordem <strong>da</strong> intervenc;ao economica, istoe, <strong>da</strong> subjugac;ao ou, em todo caso, <strong>da</strong> intervenc;ao coercitivano dominio <strong>da</strong> pr


AULA DE 24 DE JANEIRO DE 1979 97NOTAS1. Cf. Securite, TetTitoire, Population, op. cit., aula de 22 de mar­,0 de 1978, pp. 295 55.2. Cf. esta formula de urn plumitivD de Law, no Mercure deFrance de abril de 1720, a proposito do comercio exterior: "De ordimlrio,urn naG pode ganhar sem que 0 Dutro perea" (citado porC. Lanere, L'Invention de l'economie au XVIII" sieele, Paris, PUF,"Leviathan", 1992, p. 102, a prop6sito cia concepr;ao mercantilistado comercio exterior).3. M. Foucault faz alusao ao meto<strong>da</strong> de ccilculo raciona! doacaso exposto por Pascal em 1654 e, roais precisamente, ao problemacia "propon;ao <strong>da</strong>s Ultimas ou <strong>da</strong>s primeiras parti<strong>da</strong>s": Unumjogo de n parti<strong>da</strong>s, que regra permite determinar a frar;ao do dinheirodo Dutro que coovern <strong>da</strong>r ao jogador A se paramos 0 jogoimediatamente antes <strong>da</strong> sua conclusiio" ou "imediatamente depois <strong>da</strong>primeira parti<strong>da</strong> ganho." (c. Chevaliey, Pascal. Contingence et probabilites,Paris, PUP, "Philosophies", 1995, p. 88). Cf. Blaise Pascal,Lettres aFermat de 29 de julho e de 24 de agosto de 1654, in Oeuvrescompletes, ed. L. Lafuma, Paris, Le Seuil, 1963, pp. 43-9.4. 1. Kant, Zum ewigen Frieden, Konigsberg, Friedrich Nicolovius,1795; Akademie Ausgabe, Bedim, 1912, t. VIII, pp. 341-86 IPro}et de pab: perpetuelle, trad. fro J. Gibelin, 5~ ed., Paris, Vrin, 1984(M. Foucault utilizava a primeira edi


98 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA(Russia, Gra-Bretanha, Austria e prussia). Tratava-se de estabe­Ieeer uma paz duradoura depois <strong>da</strong>s guerras napole6nicas e derefazer 0 mapa politico <strong>da</strong> Europa. Cf. Ch. K. Webster, The CongressofVienna: 1814-1815, Londres-NovaYork, H. Milford, OxfordUniversity Press, 1919; repro Londres, Thames and Hudson,1963.15. Cf. A. Marquiset, Napoleon stenographie au Conseil d'Etat,Paris, H. Champion, 1913; J. Bourdon, Napoleon au Conseil d'Etat, noteset procE~s-verbaux inedits de J.-G. Locre, secn~taire general auConseil d'Etat, Paris, Berger-Levrauit, 1963; Ch. Durand, Etudessur Ie Conseil d'Etat napoleonien, Paris, PDF, 1947; id., "Le fonetionnementdu Conseil d'Etat napoleonien", Bibliotheque de l'universited'Aix-MarseiIle, serie I, Cap, Impr. Louis Jean, 1954; id""Napoleon et Ie Conseil d'Etat pen<strong>da</strong>nt 1a seconde moitie dei'Empire", Etudes et Documents du Conseil d'Etat, n? XXII, 1969,pp.269-85.16. Cf. a entrevista de 1982, "Espace, savoir et pouvoir", trad.cit., (DE, N, n? 310), p. 272, em que Foucault expiica que Napoleaose situa "no ponto de ruptura entre a velha organiza~ao do Estadode policia do seeulo XVIII [...] e as formas do Estado modemo,de que foi 0 inventor". Em Sw"Veiller et punir, no entanto, Foucaultain<strong>da</strong> siruava 0 personagem napoleonico "no ponto de jun~ao entre0 exercicio monarquico e rirual <strong>da</strong> soberania e 0 exercicio hierarquicoe permanente <strong>da</strong> disciplina indefini<strong>da</strong>" (p. 219; ver a cita,aotira<strong>da</strong> de J. B. Treilhard, Expose des motifs des lois composant Iecode de procedure criminelle, Paris, 1808, s.n., p. 14).17. M. Foucault nao abor<strong>da</strong> esse ponto no curso de 1978, masno de 1976, "II faut defendre la societe", aula de 3 de mar,o de 1976,pp. 179-81 (a partir de J.-B. Dubos, Histoire critique de l'etablissementde fa monarehie fran,aise <strong>da</strong>ns les Gaules, Paris, 1734).18. Cf., por exemplo, Mably, Observations sur l'histoire de France,Genebra, 1765, livroVIII, cap. 7: "[...] surgira. entre nos um novoCarlos Magno? Devemos desejar isso, mas nao podemos esperar"(in Mably, Sur la theorie du pouvoir politique, textos escoihidos, Paris,Editions Sociales, 1975, p. 194).19. Klemenz Wenzel Nepomuk Lotar, principe de Metternich-Winneburg,dito Mettemieh (1773-1859), ministro austriaeodos Negocios Estrangeiros na epoca do congresso de y'iena. _20. M. Foucault nao torna sobre esse tema na contmuac;ao docurso.AULA DE 24 DE JANEIRO DE 1979 9921. Sobre essa evidencia, como princfpio de autolimita~aogovemamental, cf. Securite, Territoire, Population, aula de 5 de abrilde 1978, p. 361.22. A primeira caixa economica, concebi<strong>da</strong> como urn remediopreventivo para a imprevidencia <strong>da</strong>s classes inferiores, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong>em Paris em 1818. Cf. R. Castel, Les Metamorphoses de la questionsociale, Paris, Fayard, 1995; reed. Gallimard, "Folio Essais",1999, pp. 402-3.23. Cf. Les Anormaux. Cours au College de France, 1974-1975,ed. por V. Marchetti & A. Salomon;' Paris, Gallimard-Le Seuil,"Hautes Etudes", 1999, aula de 19 de mar,o de 1975, pp. 297-300.[Ed. bras.: Os anormais, Sao Paulo, Martins Fontes, 2001.]24. Recorde-se a maneira como, no ano precedente, Foucaulthavia corrigido sua analise anterior <strong>da</strong>s relac;5es entre tecnicas disdplinarese liber<strong>da</strong>des individuais (d. Serurite, Territoire, Population,aula de 18 de janeiro de 1978, pp. 49-50). E no proiongamento dessaprecisao, que faz <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de flO correlato [...] dos dispositivos de seguranc;a",que se inscreve 0 presente desenvolvimento.25. Convem lembrar que 0 panoptico, ou casa de inspe~ao,nao constituia simplesmente urn modele de organizac;ao peniten<strong>da</strong>ria,mas a "ideia de urn novo principio de construc;ao" capaz dese aplicar a todo tipo de estabelecimento. Cf. 0 titulo completo <strong>da</strong>primeira edic;ao: Panopticon, or the Inspection-House: Containing theidea ofa new principle ofconstruction applicable to any sort ofestablishment,in which persons ofany description are to be kept under inspection;and in particular to penitentiary-houses, prisons, houses of industry,work-houses, poor-houses, manufactories, mad-houses, lazarettos,hospitals, and schools; with a plan a<strong>da</strong>pted to the principle, Dublin,Thomas Byrne, 1791 (The Works of J. Bentham, ed. J. Bowring,Edimburgo, W. Thit, t. iY, 1843, pp. 37-66). Cf. a trad. fro de M. Sissung<strong>da</strong>s 21 cartas publica<strong>da</strong>s em Dublin e em Londres em 1791,que constituem a primeira parte do Panopticon, in J. Bentham, LePanoptique, Paris, Belfond, 1977, pp. 97-168 (ver nota<strong>da</strong>mente ascartas XVI-XXI). 0 tituio <strong>da</strong> tradu,ao franeesa de 1791 (que naocompreende as 21 cartas) era menos explfcito: Panoptique, Memoiresur un nouveau principe pour construire des maisons d'inspection, etnommement des maisons de force, Paris, Imprimerie nationale. Cf. Lepouvoir psychiatrique. Cours au College de France, 1973-1974, ed. porJ. Lagrange, Paris, Galiimard-Le Seuii, "Hautes Etudes", 2003, auia


100 NASCIMENTO DA BIOPOLITICAde 28 de novembro de 1973, pp. 75-6 led. bras.: 0 poderpsiquiatrico,Sao Paulo, Martins Fontes, 2006].26. M. Foucault faz sem duvi<strong>da</strong> referen<strong>da</strong> ao ConstitutionalCode, in Works, org. Bowring, 1849, t. IX (reed. por F. Rosen & j. H.Burns, Oxford, Clarendon Press, 1983), embora nao se trate propriamentede uma cod.ifica~ao cia legislar;ao inglesa. Enesse livra,de fata, cuja genese remonta aos anos 1820 (d. Codification Proposal,Addressed to All Nations Professing Liberal Opinions, Londres, j.M'Creery, 1822), cujo primeiro volume foi publicado em 1830(Constitutional Code for Use ofAll Nations and Governments ProfessingLiberal Opinions, Londres, R. Heward), que Bentham desenvolveusua teoria do govemo liberaL27. A frase, ao que parece, nao e de Bentham, mas traduz ainterpreta


AULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979A Jobia do Estado. - Questoes de meto<strong>da</strong>: sentidos e irnpli­CQfoes <strong>da</strong> colocafiio entre parenteses de uma teona do Estado naancilise dos meamismos de poder. - As praticas governamentaisneoliberais: 0 liberalismo alemiio dos anos 1948-1962; 0 neoliberalismoamericana. - a neoliberalismo alerniio (I). - Seu contextopolitico-econ6mico. - 0 Conselho Cientifico reunido porErhard em 1947. Seu programa: libera¢o dos prefos e limitafiio<strong>da</strong>s intervenfoes governamentais. - A via media defini<strong>da</strong> porErhard em 1948 entre a anarquia e 0 "Estado-cupim". - Seu duplosignificado: (a) 0 respeito aliber<strong>da</strong>de economica como eondipia<strong>da</strong> representativi<strong>da</strong>de politirn do Estado; (b) a institui¢o <strong>da</strong>liber<strong>da</strong>de econ6mica como estopim para aformafiio de uma 50­berania politica. - Caracteristica fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> governamentali<strong>da</strong>dealema contemporanea: a liber<strong>da</strong>de economica, fonte deIegitimi<strong>da</strong>dejundica ede consenso politico. - 0 crescimento economico,eixo de uma nova consciencia hist6rica que possibilita aruptura corn 0 passado. - A adesiio <strong>da</strong> Democracia Cristii e doSPD apolftica liberal. - Os prindpios Iiberais de governo ea ausenciade racionali<strong>da</strong>de governamentaI socialista.Todos voces, eclaro, conhecem Berenson, 0 historiador<strong>da</strong> artel. Ele ja era quase centemirio, ou seja, nao demorariamuito a morrer, quando disse algo assim: "Deus sabe quantoeu temo a destruiC;ao do mundo pela bomba atamica;mas ha pelo menos uma coisa que terno tanto quanta esta,que ea invasao <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de pelo Estado.'" Creio que temosai, no estado mais puro, mais decantado, a expressaode uma fobia do Estado cujo acoplamento com 0 medo <strong>da</strong>bomba atomica ecertamente urn dos trac;os mais constantes.0 Estado e 0 Momo, muito mais 0 Momo que 0 Estado,ou 0 Estado que vale tanto quanto 0 Momo, ou 0 Estado queimplica 0 ,homo, ou 0 Momo que implica e chama necessariamente0 Estado - temos ai to<strong>da</strong> uma temMica que vocesconhecem bern e, como veem, nao <strong>da</strong>ta de hoje, ja que.. ~-----------


104 NASCIMENTO DA BIOPOUTlCA AULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979 105Berenson a formulava por volta dos anos 1950-52. Fobia doEstado, portanto, que percorre muitos temas contemporaneose, com certeza, se DutriU ern muitas fantes desdeha rnuitfssimo tempo, sejam elas a experi€mcia sovieticadesde os anos 1920, a experiencia alema do nazismo, a planifica~aoinglesa do pas-guerra, etc. Fobia do Estado cujosagentes portadores tambem foram numerosissimos, poisvaG dos professores de economia politica inspirados noneomarginalismo austriacu' aos exilados politicos que, desdeos anos 1920, 1925, certamente tiveram na forma~ao <strong>da</strong>consciencia politica do mundo contemporaneo urn papelconsideravel, que talvez nunca tenha sido estu<strong>da</strong>do a fundo.Seria preciso fazer to<strong>da</strong> uma historia politica do exilioou to<strong>da</strong> uma historia do exJ1io politico, com os efeitos ideologicos,os efeitos teoricos e os efeitos praticos que ele teve.o exHio politico do fim do seculo XIX foi certamente urndos grandes agentes de difusao, digamos, do socialismo. Poisbern, creio que 0 exilio politico, a dissidencia politica do seculoXX foi por sua vez urn agente de difusao consideravel<strong>da</strong>quilo que poderiamos chamar de antiestatismo ou fobiado Estado.Para dizer a ver<strong>da</strong>de, eu nao queria falar de modo diretoe frontal dessa fobia do Estado porque, para mim, elaparece ser urn dos sinais maiores <strong>da</strong>s crises de govemamentali<strong>da</strong>dede que eu lhes falava <strong>da</strong> ultima vez, essas crises degovemamentali<strong>da</strong>de de que tivemos exemplos no seculo XVI(falei delas ano passado'), exemplos no seculo XVIII, to<strong>da</strong> aimensa, diticil e embrulha<strong>da</strong> critica do despotismo, <strong>da</strong> tirania,do arbitrio - tudo isso manifestava, na segun<strong>da</strong> metadedo seculo XVIII, uma crise de govemamentali<strong>da</strong>de. Poisbern, assim como houve critica do despotismo e fobia dodespotismo - enfim, fobia ambigua do despotismo no fimdo seculo XVIII -, tambem ha hoje, em rela~ao ao Estado,uma fobia talvez igualmente ambigua. Em todo caso, gostariade retomar esse problema do Estado, ou <strong>da</strong> questao doEstado, ou <strong>da</strong> fobia do Estado, a partir <strong>da</strong> analise dessa govemamentali<strong>da</strong>dede que ja lhes falei.E, evidenternente, voces me coloearao a questao, mefaraD a obje~ao: entao, mais uma vez VOCe renuncia a fazeruma teoria do Estado. Pois bern, YOU !hes responder que siro,renuncio, vou renunciar e cleva renunciar a fazer uma teoriado Estado, assim como podemos e devemos renunciar aurn almo~o indigesto. Quero dizer 0 seguinte: 0 que significarenunciar a fazer uma teoria do Estado? Se alguem medisser: na reali<strong>da</strong>de, voce elimina, nas analises que faz, apresen~a e 0 efeito dos mecanismos estatais; entao, responderei:na<strong>da</strong> disso, voce esta enganado ou quer se enganar,porque na ver<strong>da</strong>de nao fiz outra coisa senao 0 contranodessa elirnina~ao. Quer se trate <strong>da</strong> loucura, quer se trate cia:onstitui~ao dessa categoria, desse quase objeto natural quee a doen~a mental, quer se trate tambem <strong>da</strong> organiza~aodeuma medicina clinica, quer se trate <strong>da</strong> integra~ao dos mecanismose <strong>da</strong>s tecnologias disciplinares no interior do sistemapenal, seja como for tudo isso sempre foi a identifica­~ao <strong>da</strong> estatiza~ao progressiva, certamente fragmenta<strong>da</strong>,mas continua, de certo mimero de pra.-ticas, de maneiras defazer e, se quiserem, de govemamentali<strong>da</strong>des. 0 problema<strong>da</strong> estatiza~ao esta no proprio ceme <strong>da</strong>s questoes que procureicolocar.Mas se, em compensac;ao, dizer "renunciar a fazer umateoria do Estado" significa nao come~ar por analisar em sie por si a natureza, a estrutura e as fun~oes do Estado, se renunciara fazer uma teoria do Estado quiser dizer nao procurardeduzir, a partir do que e 0 Estado como uma especiede universal politico e, por extensao, 0 que pode ter sido 0estatuto dos loucos, dos doentes, <strong>da</strong>s crian~as, dos delinqiie~te~,etc., numa socie<strong>da</strong>de como a nossa, ent.3.o responderel:Slm, claro, a essa forma de anilise estou decidido arenunciar. Nao se trata de deduzir todo esse conjunto depraticas do que seria a essencia do Estado em si mesma epor si mesma. E preciso renunciar a tal analise, primeiro,simplesmente porque a historia nao euma ciencia dedutiva,segundo, por outra razao mais importante, sem duvi<strong>da</strong>,e mais grave: e que 0 Estado nao tern essencia. 0 Estado


106 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCA AULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979 107naO e urn universal, 0 Estado nao e em si uma fonte autonomade poder. a Estado na<strong>da</strong> mais e que 0 efeito, 0 perfil,0 recorte movel de uma perpetua estatiza,ao, ou de perpetuasestatiza,6es, de transa,6es incessantes que modificam,que deslocam, que subvertem, que fazem deslizar insidiosamente,pouco importa, as fontes de financiamento,as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de investimento, os centros de decisao, asformas e os tipos de controle, as rela,6es entre as autori<strong>da</strong>deslocais, a autori<strong>da</strong>de central, etc. Em suma, 0 Estado naotern entranhas, como se sabe, nao so pelo fato de nao tersentimentos, nero bons nero maus, mas nao tern entranhasno sentido de que nao tern interior. a Estado nao e na<strong>da</strong>mais que 0 efeito movel de urn regime de govemamentali<strong>da</strong>desmultiplas. E por isso que eu me proponho analisaressa anglistia do Estado, essa fobia do Estado, que me pareceurn dos tra,os caracteristicos de certas tematicas correntesna nossa epoca. au antes, proponho-me retoma-la etesta-la, mas sem procurar arrancar do Estado 0 segredo doque ele e, como Marx tentava arrancar <strong>da</strong> mercadoria 0 seusegredo. Nao se trata de arrancar do Estado 0 seu segredo,trata-se de passar para 0 lado de fora e interrogar 0 problemado Estado, de investigar 0 problema do Estado a partir<strong>da</strong>s praticas de govemamentali<strong>da</strong>de.Dito issol gostaria, nessa perspectiva, continuando 0 fio<strong>da</strong> analise <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de liberal, ver como ela seapresenta, como ela se pensa, como ao mesma tempo seaplica e se analisa a si mesma; em suma, como ela se programano momento atual. Eu Ihes havia indicado algumas<strong>da</strong>s que me parecem ser as caracteristicas de certo modo primeiras<strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de liberal, tal como aparece nomeado do seculo XVIII. Vou portanto <strong>da</strong>r urn pulo de doisseculos porque nao tenho a pretensao, e claro, de lhes fazera historia global, geral e continua do liberalismo do seculoXVIII ao seculo XX. Costaria simplesmente, a partir <strong>da</strong> maneiracomo se programa a govemamentali<strong>da</strong>de liberal atualmente,de tentar identificar e esclarecer certo numero deproblemas que foram recorrentes do seculo XVIII ao seculoXX. Se voces quiserem e reservando-me 0direito de fazermu<strong>da</strong>n,as - porque, como voces sabem, sou como 0 lagostim,ando de lade -, creio, espero, pode ser que estude sucessivamente0 problema <strong>da</strong> lei e <strong>da</strong> ordem, law and order, 0problema do Estado em sua oposi,ao a socie<strong>da</strong>de civil, ouantes, a aniilise <strong>da</strong> maneira como agiu e fizeram agir essaoposi,ao. E entao, se a sorte me sortir, chegaremos ao problema<strong>da</strong> biopolitica e ao problema <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Lei e ordem, Estadoe socie<strong>da</strong>de civil, politica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>: eis os tres temas quegostaria de procurar identificar nessa historia larga e longa,enfim, nessa historia duas vezes secular do liberalisma'.Tomemos entao, se voces quiserem, as coisas na etapaatual. Como se apresenta a programa,ao liberal ou, comose diz, neoliberal na nossa epoca? Voces sabem que ela eidentifica<strong>da</strong> sob duas formas principais, com urn ponto deancoragem e urn ponto historico diferentes, digamos: a ancoragemalema, que se prende a Republica de Weimar, acrise de 29, ao desenvolvimento do nazismo, acritica do nazismoe, enfim, areconstru,ao do pos-guerra. a outro pontode ancoragem e a ancoragem americana, isto e, urn neoliberalismoque se refere apolitica do New Deal, acritica <strong>da</strong>politica de Roosevelt" e vai se desenvolver e se organizar,principalmente depois <strong>da</strong> guerra, contra 0 intervencionismofederal, depois contra os programas de assistencia e outrosprogramas que foram implantados pelas administra­,6es, democratas principalmente,Truman', Kennedy', Johnson",etc. Entre essas duas formas de neoliberalismo quedemarco de uma maneira urn tanto arbitrana, claro, ha urngrande numero de pontes, por exemplo, a primeira delas eo inimigo comum, 0 adversano doutrinal maior, que e Keynes,claro"', que vai fazer que a critica a Keynes circule de urna outro desses dois neoliberalismos; a segun<strong>da</strong>, os mesmosobjetos de repulsao, a saber, a economia dirigi<strong>da</strong>, a planificat:;ao,0 intervencionisrno de Estado, 0 intervencionismo sabreas quanti<strong>da</strong>des globais, justamente, a que Keynes <strong>da</strong>vatanta importancia te6rica e, sobretudo, pra:tica; e, enfim, entreessas duas formas de neoliberalismo, to<strong>da</strong> uma serie de


108 NASCIMENTO DA BIOPOL!TICA AULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979 109pessoas, personagens, teorias, livros que circularam, os principaisligados, grosso modo, aescola austriaca, ao neomarginalismoaustriaco, a pessoas que em todo caso vem <strong>da</strong>i,como Von Mises", Hayek", etc. Alias, e principalmente doprimeiro, desse neoliberalismo digarnos alemao, para dizeras coisas muito grosseiramente, que eu gostaria de falar,tanto porque ele me parece teoricamente mais irnportanteque os outros, no que conceme ao problema <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de,como tambem porque nao tenho certeza deter tempo para falar suficientemente dos americanos.Vamos tamar entao, se quiserem, 0 exemplo alemao, 0neoliberalismo alemao". Abril de 1948 - bem, estou lhes [embrando,tenho ate vergonha, coisas arquiconheci<strong>da</strong>s - e, emto<strong>da</strong> a Europa, 0 reinado quase inconteste de politicas economicascoman<strong>da</strong><strong>da</strong>s por uma serie de exigencias bem conheci<strong>da</strong>s.Primeiro, a exigencia de reconstru\ao, isto e, reconversaode uma economia de guerra numa economia de paz, reconstitui~aode urn potencial economico destruido, integra­~ao tambem de novos <strong>da</strong>dos tecnol6gicos que puderam aparecerdurante a guerra, novos <strong>da</strong>dos demograficos, novos<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> geopolitica tambem.Exigencia de reconstru~ao,exigencia <strong>da</strong> planifica~aocomo principal instrumento dessa reconstru~ao,planifica­~ao requeri<strong>da</strong> tanto por necessi<strong>da</strong>des intemas como porcausa do peso representado pelos Estados Unidos, pela politicaamericana e pela existencia do plano Marshall", queirnplicava na pratica - salvo, precisamente, os casos <strong>da</strong> Alemanhae <strong>da</strong> Belgica, ja voltaremos a eles - urna planifica~aode ca<strong>da</strong> pais e certa coordena~ao dos diferentes pianos.Enfim, terceira exigencia, e a exigencia constitui<strong>da</strong> porobjetivos sociais que foram considerados politicamente indispensaveispara evitar que se repetisse 0 que acabava deacontecer, a saber, 0 fascismo e 0 nazismo na Europa, exigenciasque foram forrnula<strong>da</strong>s na Fran~a pelo CNR".Essas tres exigencias - reconstru~ao, planifica~ao e, grossomodo, digamos assirn, socializa~ao e objetivos sociais -,tudo isso implicando uma politica de interven~ao, de interven~aona aloca~aode recursos, no equilibrio dos pre~os, nomvel de poupan~a, nas op~oes de investimento, e uma politicade pleno emprego... Enfim, mais uma vez me desculpempor to<strong>da</strong>s essas banali<strong>da</strong>des, esta-se em plena politicakeynesiana. Ora, 0 Conselho Cientifico, que havia sido formadojunto <strong>da</strong> adrninistra~ao alema <strong>da</strong> economia", administra\aoessa que existia no que se chamava de "bizona", istoe, a zona anglo-americana, apresenta em abril de 1948 umrelat6rio, e nesse relat6rio e posta 0 seguinte principio, assimforrnulado: "0 Conselho Ii de opimao que a fun~ao dedire~ao do processo economico deve ser assegura<strong>da</strong> 0 maisamplamente possivel pelo mecanismo dos pre~os."" Resolu~aoou principio que havia sido aceito, como se soube maistarde, por unanirni<strong>da</strong>de. E foi simplesmente pela maioriados votos do Conselho que desse principio tirou-se a seguinteconseqiiencia: pede-se a libera~ao imediata dos pre­~os a fim [de se aproximarem dos]* pre~os mundiais. Grossomodo, se preferirem, principio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de pre~os epedido de libera~ao irnediata. Estamos numa ordem de decisoes,ou em todo caso de reivindica~oes, ja que 0 Conse­Iho Cientifico tem, claro, apenas voz consultiva, estamosnuma ordem de proposi~oes que nos faz pensar, em suasimplici<strong>da</strong>de elementar, no que os fisiocratas pediam ou noque Turgot decidiu em 1774'". Isso acontecia no dia 18 deabril de 1948. Dez dias depois, no dia 28, Ludwig Erhard'" ­que era responsavel, nao por esse Conselho Cientifico, porque0 havia reunido ao seu redor, mas pela administra~aoeconomica <strong>da</strong> bizona, em todo caso pela parte alema <strong>da</strong> administra~aoeconomica <strong>da</strong> bizona - faz na assembleia deFrankfurt''' um discurso em que retoma as conclusoes desserelat6rio". au seja, ele vai colocar 0 principio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>dede pre~os e pedir a libera~ao progressiva dos pre~os, masacompanha esse principio e a conclusao que dele tira de cer-"" M.E: de obter uma aproxima~aotendencial dosJ


110 NASCIMENTO DA BIOPOLfnCA AULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979111to niimero de considera,6es importantes. Ele diz a seguinte:liE, preciso libertar a economia <strong>da</strong>s injun~6es estatais."22"13 preciso evitar", diz tambem, "tanto a anarquia quanta aEstado-cupim", porque, diz ele, "somente um Estado queestabele,a ao mesmo tempo a liber<strong>da</strong>de e a responsabili<strong>da</strong>dedos ci<strong>da</strong><strong>da</strong>os pode legitimamente falar em nome dopOVO."2~ Voces veem que, aqui, esse liberalismo economica,esse principia de um respeito a economia de mercado quehavia sido formulado pelo Conselho Cientifico, esse principiase inscreve no interior de alga muito mais geral e que eum principia segundo a qual, de maneira gera!, as interven­,6es do Estado deveriam ser limita<strong>da</strong>s. As £ronteiras e as limites<strong>da</strong> estatiza,ao deveriam ser fixados e as rela,6es entreindividuos e Estado, regulamenta<strong>da</strong>s. Esse discurso deLudwig Erhard distingue de maneira bem niti<strong>da</strong> essas op­,6es liberais, que ele se dispunha a propor a assembleia deFrankfurt, de um certo numero de outras experiencias economicasfeitas naquela epoca e que, apesar do ambiente dirigista,intervencionista e keynesiano de to<strong>da</strong> a Europa, encontraramespa,o. Ou seja, a que aconteceu na Belgica,onde efetivamente tambem se escolheu uma politica liberal,a que aconteceu em parte tambem na Itol.lia, onde, soba impulso de Luigi Einaudi", que era naquele momenta diretordo Banco <strong>da</strong> Italia, certo numero de medi<strong>da</strong>s liberaishaviam sido toma<strong>da</strong>s - mas na Belgica e na Italia foram interven,6espropriamente economicas. Havia alga bem diferenteno discurso de Erhard e na op,ao que ele propos naquelemomenta. Tratava-se, a proprio texto diz, <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>dedo Estado.Se pegarmos a £rase em que Ludwig Erhard diz que epreciso libertar a economia <strong>da</strong>s injun,6es estatais, evitandotanto a anarquia quanta a Estado-cupim, porque "somenteurn Estado que estabele,a ao mesmo tempo as liber<strong>da</strong>des ea responsabili<strong>da</strong>de dos ci<strong>da</strong><strong>da</strong>os pode legitimamente falarem nome do povo", a que ela quer dizer? Na ver<strong>da</strong>de, essa£rase e bastante ambigua, no sentido de que podemos, e creioque devemos, compreende-Ia em <strong>da</strong>is niveis. Par urn lado,num nivel, digamos assim, trivial. Trata-se simplesmente dedlzer.que urn Estado que comete abusos de poder na ordeme~OnOI!ll~a, e de maneira.geral na ordem cia vi<strong>da</strong> politica,VIola direltos fun<strong>da</strong>mentals, que, par conseguinte, esse Estadoafeta hber<strong>da</strong>des essenciais e, par isso mesmo, perde decerto modo seus proprios direitos. Um Estado nao pode seexercer legJtimamente se viola a liber<strong>da</strong>de dos individuos.Perde seus dire~tos.0 texto nao diz que ele perde todos asseus dlreltos. Nao diz que perde, par exemplo, seus direitosde soberama. DIZ que perde seus direitos de representatlVl<strong>da</strong>de.OuseJa, urn Estado que viola as liber<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mental~,as direitos essenciais dos ci<strong>da</strong><strong>da</strong>os, ja nao erepresentab;odesses ci<strong>da</strong><strong>da</strong>os. Vernas, na reali<strong>da</strong>de, a queobJetivo tatico preciso corresponde uma £rase como essa.Trata-se de dlZer que a Estado nacional-socialista, que pre­C1sa~ente :nolava todos esses dlreltos, naD havia sido, naDpodIa ~~r VIsta retrospectivamente como naD tendo exercidolegJtimamente asua soberania, isto e, em linhas geraisq'!e as or~ens, ~s leIS, as regulamentos impastos aos ci<strong>da</strong><strong>da</strong>osalemaes nao estao ~nvali<strong>da</strong>dos e, com isso, nao se poderesponsabJ1lZar as alemaes pelo que foi feito no ambito leg;slabvoau reg;liamentar do nazismo, mas em compensa­,ao ele fOJ e esta retrospectivamente privado dos seus direitosde representativi<strong>da</strong>de, isto e, que a que ele fez nao podeser VIsta como tendo.sido feito em nome do povo alemao.To~o a problema, dlficihmo, <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de e do estatutoJundlco, a serem <strong>da</strong>dos as medi<strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s [sob] a nazisrnaesta presente nessa frase.Mas ha [tambem] urn ~entido ao mesmo tempo maisamplo, malS global e tambem malS sofisticado. Na ver<strong>da</strong>de,quando Ludwig Erhard diz que somente urn Estado quereconh~ce a hber<strong>da</strong>d~ economica e, par conseguinte, dol.espa,o a hber<strong>da</strong>de e as responsabili<strong>da</strong>des dos individuospode falar em nome do povo, ele tambem quer dizer a segumte,crelQ,eu. No fundo, diz Erhard, no estado atual <strong>da</strong>scOJsas - ~sto e, em 1948, antes de a Estado alemao ter sido reconstituldo,de as Estados alemaes terem sido constituidos-,


112 NASCIMENTO DA BIOPOLiTICA AUlA DE 31 DE JANEIRO DE 1979 113naG eevidentemente passivel reivindicar, para uma Alemanhaque nao esta reconstitui<strong>da</strong> e para urn Estado alemao areconstituir, direitos historicos que foram cassados pelapropria historia. Nao e possivel reivindicar uma legitimi<strong>da</strong>dejurfdica na medi<strong>da</strong> em que nao ha aparelho, nao ha consenso,nao ha vontade coletiva que possa manifestar-senuma situac;ao em que a A1emanha, por urn lado, esta dividi<strong>da</strong>e, por outro, ocupa<strong>da</strong>. Logo, nao ha direitos historicos,nao ha legitimi<strong>da</strong>de jurfdica para fun<strong>da</strong>r urn novo Estadoalemao.Mas suponhamos - e e isso que esta implicitamentedito no texto de Ludwig Erhard - uma moldura institucional,cuja natureza ou origem pouco importam, uma moldurainstitucional X. Suponhamos que essa moldura instituciana!X tenha por fun~ao, nao, eclaro, exercer a soberania,ja que, precisamente, na<strong>da</strong> pode fun<strong>da</strong>r, no estadoatual <strong>da</strong>s coisas, urn poder jurfdico de coerc;ao, mas simplesmenteassegurar a liber<strong>da</strong>de. Portanto, nao coagir, massimplesmente criar urn espac;o de liber<strong>da</strong>de, assegurar umaliber<strong>da</strong>de e assegura-la precisamente no dominio economico.Suponhamos agora que, nessa instituic;ao Xcuja fun­


114 NASCIMENTO DA BIOPOUTlCAtemporilnea*: na Alemanha con~emporanea, de 1948 atehoje, isto e, durante trinta anos, nao se deve conslderarquea ativi<strong>da</strong>de economica foi apenas urn dos rarnos <strong>da</strong> atiVl<strong>da</strong>de<strong>da</strong> na


116 NASCIMENTO DA BIOPOLmCAcoisas, que na<strong>da</strong> tern a ver, em suas estruturas ilus6rias OUem suas estruturas do simulacro, com 0 valor de uso <strong>da</strong>scoisas; a economia produz sinais, produz sinais politicosque perrnitem fazer funcionar as estruturas, produz mecanismose justifica~6es de poder. 0 mercado livre, economicamentelivre, liga politicamente e manifesta vinculos politicos.Urn Deutschmark salido, uma taxa de crescimento satisfataria,urn poder aquisitivo em expansao e uma balan~ade pagamentos favoravel sao na Alemanha contemporaneacertamente efeitos de urn born governo, mas sao tamb.om,e ate certa ponto mais ate, a maneira como se rnanifesta ese fortalece sem cessar 0 consenso fun<strong>da</strong>dor de urn Estadoque a hist6ri.a, au a derrota, ou a decisao dos vencedores,como voces preferirem, acabava de par fora <strong>da</strong> lei. 0 Estadorecupera sua lei, recupera sua lei juridica e recupera seufun<strong>da</strong>mento real na existencia e na pratica dessa liber<strong>da</strong>deeconomica. A histaria tinha clito nao ao Estado alemao.Agorae a economia que vai !he possibilitar afirmar-se. 0crescimento economico continuo vai substituir uma historia<strong>da</strong>uclicante. A ruptura <strong>da</strong> histaria vai portanto poder servlVl<strong>da</strong> e acelta como ruptura de memaria, na medi<strong>da</strong> emque vai se instaurar na Alemanha uma nova dimensao <strong>da</strong>temporali<strong>da</strong>de que nao sera mais a <strong>da</strong> histaria, que sera ad~ crescimento economico. Inversao do eixa do tempo, perffilssaodo esquecimento, crescimento economico - tudoisso esta, ereie eu, no amago <strong>da</strong> maneira como funciona 0sistema economico-politico alemao. A liber<strong>da</strong>de economicaco-produzi<strong>da</strong> pelo crescimento do bem-estar, do Estadoe do esquecimento <strong>da</strong> histaria.Temos aqui, na Alemanha contemporanea, urn Estadoque podemos dizer raclicalmente economico, tomando "radicalmente"no sentido estrito do termo: sua raiz .0, muitoexatamente, economica. Fichte, voces sabem - em geral, etudo 0 que se sabe de Fichte -, havia falado de urn Estadocomercial fechado~. Precisarei tornar sobre isso urn poucornais tarde 27 • Direi unicamente, para fazer umas simetriasurn tanto artificiais, que temos ai 0 contrmo de urn EstadoAULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979 117comercial fechado. Temos urna abertura comercial estatizante.Sera esse 0 primeiro exemplo de Estado economico,raclicalmente economico, <strong>da</strong> histaria? Seria 0 caso de perguntaraos historiadores, que compreendem a histaria muitome!hor do que eu. Mas, afinal, sera que Veneza era urnEstado raclicalmente economico? Podemos dizer que asProvincias Uni<strong>da</strong>s no s.oculo XVI, ain<strong>da</strong> no s.oculo XVII,eram urn Estado economico? Em todo caso, parece-me que,em rela,ao a tudo 0 que, desde 0 s.oculo XVIII, foi ao mesmotempo 0 funcionamento, a justificativa e a programa,ao<strong>da</strong> governamentali<strong>da</strong>de, temos algo novo. E, embora sejaver<strong>da</strong>de que permanecemos numa governamentali<strong>da</strong>de detipo liberal, ve-se 0 deslocamento que se deu em rela,ao aoque era 0 liberalismo programado pelos fisiocratas, porTurgot,pelos economistas do s.oculo XVIII, cujo problema eraexatamente inverso, pois no s.oculo XVIII eles tinham a seguintetarefa a resolver: tomemos urn Estado que existe, tomemosurn Estado legitimo, urn Estado que funciona ja noestilo <strong>da</strong> plenitude, <strong>da</strong> completude administrativa, na formade Estado de policia. 0 problema era: <strong>da</strong>do esse Estado,como vamos poder limita-lo e, principalmente, abrir espa­,0 para a necessaria liber<strong>da</strong>de economica no interior desseEstado existente? Pois bern, os alemaes tinham 0 problemaexatamente inverso para resolver. Supondo urn Estado quenao existe, como faze-lo existir a partir desse espa,o naoestatal que .0 0 de uma liber<strong>da</strong>de economica?Eis, creio, como podemos comentar - mais uma vez carregandobastante nas tintas, mas procurarei mostrar a vocescomo essas tintas nao sao arbitrarias - a frasezinha aparentementebanal do futuro chanceler Erhard do clia 28 de abrilde 1948. Claro, essa id.oia, essa formula,ao de 1948 naopode adquirir a espessura histarica de que lhes falei, senaona medi<strong>da</strong> em que se inscreveu, e rapi<strong>da</strong>rnente, em to<strong>da</strong>uma cadeia de decis6es e de acontecimentos sucessivos.Entao, 18 de abril, relatario do Conselho Cientifico; 28de abril, discurso de Erhard; 24 de junho de [19]48'", libera­,ao dos pre,os industriais, depois dos pre,os dos alimentos,


118 NASCIMENTO DA BIOPOL!TICAliberac;ao progressiva de todos os prec;os, mas relativamentelenta, alias. Em [19]52, liberac;ao dos prec;os do carvao e<strong>da</strong> eletrici<strong>da</strong>de, que sera, creio eu, uma <strong>da</strong>s ultimas libera­C;Des de prec;o que houve na Alemanha. E e somente em[19]53 que, agora para 0 comercio exterior, ha uma liberac;ao<strong>da</strong>s trocas que atinge urn percentual de mais ou menos80[%], 95%. Logo, em [19]52-53, a liberac;ao esta mais oumenos consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>.Outra coisa importante a notar e que essa politica deliberac;ao, sustenta<strong>da</strong> de fato mais ou menos explicitamentepelos americanos por motivos de que lhes falarei <strong>da</strong>qui apouco, havia suscitado muita desconfianc;a de parte dos outrosocupantes, essencialmente dos ingleses, que estavam empleno periodo trabalhista, keynesiano, etc.'" Tambem haviasuscitado na propria Alemanha muita resistencia, tanto maisque as primeiras medi<strong>da</strong>s de liberac;ao de prec;os nem tinhamsido toma<strong>da</strong>s e estes ja haviam comec;ado a subir. associalistas alemaes pedem a destituic;ao de Erhard em agostode 1948. Em novembro de 1948, greve geral contra a politicaeconomica de Erhard e pela volta a uma economia dirigi<strong>da</strong>.Fracasso <strong>da</strong> greve e estabilizac;ao dos prec;os em dezembrode 1948"'.A terceira serie de fatos importantes para identificar amaneira como se inscreveu na reali<strong>da</strong>de esse programa deque eu Ihes falava ha pouco foi uma serie de adesDes. Primeiro,adesao, muito precoce alias, <strong>da</strong> Democracia Crista,apesar de seus vinculos com te<strong>da</strong> uma economia social,crista, que nao era exatamente de tipo liberal. Adesao, coma Democracia Crista, dos teoricos cristaos <strong>da</strong> economia social,em particular os de Munique, como 0 famoso jesuitaOswald Nell-Breuning", que ensinava economia politicaem Munique". Adesao, muito mais importante ain<strong>da</strong>, claro,dos sindicatos. A primeira grande adesao, a mais oficial, amais manifesta, foi a de Theodor Blank", vice-presidente dosindicato dos mineiros e que declara que a ordem liberalconstitui uma altemativa vali<strong>da</strong> ao capitalismo e ao planismo".Pode-se dizer que essa frase e totalmente hipocrita OUAULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979119joga ingenuarnente COm muitas ambigiii<strong>da</strong>des porque, naver<strong>da</strong>de, ao dlZer que a ordem liberal constituia uma alternativaao capitalismo e ao planismo, voces veem to<strong>da</strong>s asdisslmetnas com que ele jogava, pois de urn lado a ordemliberal nunca havia pretendido ou certamente nao pretendia,na boca do futuro chanceler Erhard, ser uma altemati­~a ao capit.alismo, mas sim certa maneira de fazer 0 capitahsmofunclOnar. E, embora seja ver<strong>da</strong>de que ele se opunhaao planismo, alguem como Theodor Blank, com sua representatiVl<strong>da</strong>deslI:,dlcal, de urn lado, suas origens, sua ideo­10gla SOCial cnsta, etc., nao podia critica-lo tao diretamente.E, de fato, ele queria dizer que estava ali, nesse neoliberalisn:o,a pr?messa enfim realiza<strong>da</strong> de uma sintese, ou de umaVIa ,m:dIa! ou ?e uma terc«:ira ardem, entre capitalismo esocla~smo. Moos :zrna vez, nao era na<strong>da</strong> disso que estava emquestao. A frase e simplesmente [~estina<strong>da</strong> aJ dourar a pilulapara os smdlcatos de msplrac;ao cnsta <strong>da</strong> epoca.. Enfim e pnnclpalmente, adesao do SPD, adesao <strong>da</strong>soclal-democracla, adesao essa que se fez evidentementemUlto m~ls devagar do que ados outros, ja que, pratica­~ente ate 1950, a s?clal-democracla alema permaneceu fiela malOna dos pnnclpios gerais que sempre defendeu e quehavlam sid? os do soclallsmo de msplrac;ao marxista desdeo fim do seculo .XIX. No congresso de Hanover~, no congresso~e Bad Durkheim ain<strong>da</strong> em 1949, 0 Partido Socialist~alemao reconhece a vali<strong>da</strong>de historica e politica do prin­ClplO <strong>da</strong> l':ta de classes e continua fixando como objetivo asOClalizac;ao do~ meios de produc;ao". Born. Em [19]49,[19]50 am<strong>da</strong> esta filSSO. Em 1955, Karl Schiller", que vai sermalS tarde mmlslro <strong>da</strong> Economia e Financ;as <strong>da</strong> AlemanhaFederal~H, escreve urn livro que, evidenternente vai ter muitarepercussao, pois tern 0 titulo significativo de Socialismoe CO~C?rrenCla·'


120 NASOMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979121medi<strong>da</strong> justa e necessana"". [sso foi em 1955. Em 1959,congresso de Bad Godesberg", no qual a social-democraciaalema, primeiro, renuncia ao principia <strong>da</strong> passagem asocializa~iio dos meios de produ~iio; segundo e correlativamente,reconhece que a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> dos meiosde produ~iio, niio apenas e perfeitamente legftima, comotern direito aprote~iio e ao incentivo do Estado".Vale dizerque uma <strong>da</strong>s tarefas essenciais e fun<strong>da</strong>mentais do Estado eportanto proteger niio apenas a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> emgeral, mas a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> dos meios de produ~iio,sob reserva, acrescenta a mo~ao do congresso, de compatibili<strong>da</strong>decom "uma ordem social equitativa". Enfim, terceiro,0 congresso de Bad Godesberg aprova 0 principio deuma economia de mercado onde quer que - aqui tambemrestric;ao -, onde quer que IIreinem as condi


122 NASCIMENTO DA BIOPOLtrICA AULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979123guinte, para entrar no jogo politico <strong>da</strong> nova A1emanha, 0SPD tinha de aderir a essas teses do neoliberalismo, se naoas teses economicas OU cientificas OU teoricas, pelo menosa pratica geral, como pratica govemamental, desse neoliberalismo.De modo que 0 congresso de Bad Godesberg, 0 celebrecongresso <strong>da</strong> renuncia absoluta aos temas mais tramcionais<strong>da</strong> social-democracia, foi certamente a ruptura coma teoria marxista, foi a ruptura com 0 socialismo marxista,mas foi ao mesmo tempo - e e nisso que nao foi simplesmenteuma trai~ao, a naD ser que seja uma trai\,ao em termoshistoricos gerais, se voces quiserem - a aceita


124NASCIMENTO DA BIOPOmlCAAULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979125propoe uma racionali<strong>da</strong>de historica. Pode-se dizer tambemque ele detem, mostrou que detinha, tecnicas racionais deintervenc;ao, de intervenc;ao administrativa em areas comoa <strong>da</strong> saude, a <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social, etc. Racionali<strong>da</strong>de historica,racionali<strong>da</strong>de economica, racionali<strong>da</strong>de administrativa:to<strong>da</strong>s essas racionali<strong>da</strong>des podem ser reconheci<strong>da</strong>s aosocialismo ou, em todo caso, digamos que 0 problema podeser discutido e que nao se pode eliminar com um so gestoessas formas de racionali<strong>da</strong>de. Creio, no entanto, que naoha govemamentali<strong>da</strong>de socialista autonoma. Nao ha. racionali<strong>da</strong>degovemamental do socialismo. 0 socialismo, naver<strong>da</strong>de, como a historia mostrou, so pode ser posto empnitica se vinculado a diversos tipos de govemamentali<strong>da</strong>de.Govemamentali<strong>da</strong>de liberal e, nesse momento, 0 socialismoe suas formas de radonali<strong>da</strong>de desempenham 0 papelde contrapeso, de corretivo, de paliativo a perigos internos.Pode-se alias [recrimina-Io, como fazem os liberals,por] * ser ele proprio um perigo, mas, enfim, ele viveu, elefuncionou efetivamente, e temos exemplos disso em, no interiorde e vinculado a govemamentali<strong>da</strong>des liberais. Viu-see continua-se ven<strong>da</strong> 0 socialismo funcionar em govemamentali<strong>da</strong>desque pertenceriam sem duvi<strong>da</strong> muito mals aoque chamavamos no ano passado, voces se lembram, de Estadode policia"', isto e, um Estado hiperadministrativo, noqual entre govemamentali<strong>da</strong>de e administrac;ao ha de certomodo fusao, continui<strong>da</strong>de, constituic;ao de uma especie deblaeD maci~o; e, nesse momento, nessa govemamentali<strong>da</strong>dede Estado de policia, 0 socialismo funciona como a logica intemade um aparelho administrativo. Talvez haja aln<strong>da</strong> outrasgovemamentali<strong>da</strong>des as quais 0 socialismo tenha sevinculado. A ver. Mas, em todo caso, nao creio que haja porenquanto govemamentali<strong>da</strong>de autonoma do socialismo.Podemos tambem examinar as coisas de um outro anguloe dizer 0 seguinte: quando se cruza a fronteira que se-'* M.E: os liberais recriminam-lhe issopara as duas Alemanhas, a de Helmut Schmidt" e a de [ErichHone~ker"l *, quando cruzamos essa fronteira, e claro que aquestao que todo bom mtelectual ocidental se formula e aseguinte: onde esta 0 ver<strong>da</strong>deiro socialismo? Ali de onde euvenho ou la para onde eu vou? Ele esta a direita, a esquer<strong>da</strong>?Esta deste lado, esta <strong>da</strong>quele? Onde esta 0 ver<strong>da</strong>deirosocialismo?** Mas a pergunta "onde esta 0 ver<strong>da</strong>deiro socialismo?"acaso tem sentido? Sera que, no fundo, nao seria0 caso de dizer que 0 socialismo nao e mais ver<strong>da</strong>deiroaqui do que la, simplesmente porque 0 socialismo nao temde server<strong>da</strong>deiro? Enfim, quero dizer 0 seguinte: como querque seja, 0 socialismo esta vinculado a uma govemamentali<strong>da</strong>de.Aqui esta vinculado a certa govemamentali<strong>da</strong>de aliesta vinculado a outra govemamentali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>ndo aq~i eall frutos muito diferentes e, e claro, ao acaso de um galhomais au menos nonnal OU aberrante, os rnesmos frutos venenosos.Mas sera que se pergunta ao liberalismo 0 que semprese pergunta dentro do socialismo e a proposito dele: ver<strong>da</strong>delroou falso? Um liberalismo nao tem de ser ver<strong>da</strong>deironem falso. A um liberalismo pergunta-se se epuro, se eradical,se e conseqtiente, se emitigado, etc. Ou seja, perguntaseque regras ele estipula para si mesmo e como compensaos mecanismos de compensa~ao, como mede as mecanismosde medi<strong>da</strong> que instaurou no interior <strong>da</strong> sua govemamentali<strong>da</strong>de.Creio que se, ao contralio, esta-se tao fortementeinclinado a fazer ao socialismo esta pergunta indiscretasobre a ver<strong>da</strong>de que nunca se faz ao liberalismo, "voceever<strong>da</strong>deiro ou falso?", e justamente porque falta ao socialismouma racionali<strong>da</strong>de govemamental inmnseca e substitui-seessa [falta de] racionali<strong>da</strong>de govemamental, que eessencial nele e, creio, ate hoje nao supera<strong>da</strong>, substitui-se... M.E: nilo me lembro rnais como ele se chama, bern, pOlleoimporta>t* M. Foucault repete: Onde esta. 0 ver<strong>da</strong>deiro socialismo?


126 NASCIMENTO DA BIOPOLITICAesse problema <strong>da</strong> razao govemamental intema pela rela­,ao de conformi<strong>da</strong>de a urn texto. E e essa rela,ao de conformi<strong>da</strong>dea urn texto ou a uma serie de textos que e encarrega<strong>da</strong>de mascarar a falta de razao govemamental.Prop6e-se uma maneira de ler e de interpretar que devefun<strong>da</strong>r 0 socialismo, que-deve Ihe indicar quais sao os limites<strong>da</strong>s suas possibili<strong>da</strong>des e <strong>da</strong> sua eventual a,ao, quandono fundo aquilo de que ele necessitaria e definir para simesma sua maneira de fazer e sua maneira de govemar. Aimportancia do texto no socialismo e, a meu ver, proporcionalalacuna constitui<strong>da</strong> pela falta de uma arte socialistade govemar. Sob todo socialismo real, a todo socialismoposto em pnl.tica numa politica, deve-se perguntar portanto,nao a que texto voce se refere, voce esta traindo 0texto au nao, voce esta conforme ao texto ou nao, voce ever<strong>da</strong>deiro ou falso; mas deve-se perguntar simplesmente,e sempre the perguntar: qual e essa governamentali<strong>da</strong>denecessariamente extrinseca que faz voce funcionar edentro <strong>da</strong> qual somente voce pode funcionar? E, se essegenero de perguntas parece, afinal de contas, beirar demoos0 ressentimento, fa


128 NASCIMENTO DA BIOPOLiTICAnos 1925, <strong>da</strong> doutrina neoliberal posta em pnitica a partirde 1952.NOTASperava que possibilitasse a uni<strong>da</strong>de alema (contra a Austria), revelou-seservir de fato aInglaterra. Percebeu-se que MO se podia fazer a uni<strong>da</strong>de senaopor meio de uma politica revolucionaria e que a economia devia se inscreverna moldura nacionalista. List: National 6knnomie.[p. 24] N.B. 0 nacionalismo econcebido enta~ unicamente como urninstrumento -7 a era futura do liberalismo- E a partir de 70 [que] (ms.: onde] 0 liberalismo econ6mico / economiade mercado regido pela livre concorrencia e rejeitado- em nome <strong>da</strong> politica extema: luta contra a Inglaterra; a liber<strong>da</strong>dede mercado e urn instrumento de dontinao;:ao para a Inglaterra;- em nome <strong>da</strong> politica interna: e necessaria reintegrar 0 proletariadona socie<strong>da</strong>de alema.;- em nome <strong>da</strong> doutrina historicista que recusava 0 pressuposto denatureza, de lei natural como principia fun<strong>da</strong>dor de uma economia. A economianunca constitui mais que wna dimensao em configura


130 NASCIMENTO DA BIOPOUTICA6. Ct., supra, p. 92.7. Harry S. Truman (1884-1972), presidente dos Estados Unidosde 1945 a 1953.8. john F. Kennedy (1917-1963), presidente dos Estados Unidosde 1961 a 1963.9. Lyndon B. johnson (1908-1973), presidente dos EstadosUnidos de 1963 a 1969.10. john Maynard Keynes (1883-1946), economista britlinico,autor de A Treatise on Money, Londres-NovaYork, Harcourt, Brace& Co., 1930, e principalmente de The General Theory of Emplayment,Interest and Money, Londres, Macmillan & Co., 1936 / Theonegenerale de l'emploi, de ['interet et de la manna ie, tract. fro de J. deLargentaye, Paris, Payot, 1942. Nessa obra, cuja publica


132 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 31 DE JANEIRO DE 1979 133sejam incapazes de abte-Ios pelo trabalho, com gestao por partedos representantes dos interessados e do Estado'" (H. G. Galant,Histoire politique de la securiti sociale jran9aise, 1945-1952,Paris, Librairie A. Colin, "Cahiers de la Fon<strong>da</strong>tion nationale dessciences poliliques", 1955, p. 24). Cf., infra, aula de 7 de mar,ode 1979, p. 291, nota 25, sobre 0 plano frances de seguri<strong>da</strong>de socialde 1945.16. Conslituido em 19 de dezembro de 1947, esse ConselhoCientifico (wissenschaftliche Beirat) era composto metade por representantes<strong>da</strong> Escola de Friburgo (IN. Eucken, F. Bohm, A. Miiller-Armack,L. Miksch, A. Lampe, O.Veit...), metade por representantes<strong>da</strong>s doutrinas crista-social, como 0 jesuita O. von Nell­Breuning, e socialista, como K. Schiller, G. Weisser, H. Peter.17. Citado por F. Bilger, La Pensee economique liberale de I'Allemagnecontemporaine, op. cit., p. 211. Cf. Der wIssenschajtllche Bezratbeim Bundeswirtschaftsministerium, Gottingen, Schwartz, 5 vals.,1950-1961.18. Controlador-geral <strong>da</strong>s Finan,as de 1774 a 1776, no reinadode Luis XVI, Turgot, em conformi<strong>da</strong>de com .a doutrina dos ec,onomistase dos fisiocratas, havia decretado a liber<strong>da</strong>de de comerciode cereais (decreto de setembro de 1774) (ef. G. Weulersse, LaPhysiacratie saus Ie ministere de Turgot et de Necker (1774-1781). Poitiers,Impr. du Poitou, 1925; reed. PUP, 1950). Cf. F. Bilger, ap. Clt.,p. 215: "[...] ain<strong>da</strong> que Erhard nao tenha sido urn homem de partido,foi 0 Turgot de uma doutrina economica".19. Ludwig Erhard (1897-1977). Assistente, depois diretor ~oInstituto de Observac;ao Economica <strong>da</strong> Escola Supenor de Comerciode Nuremberg,. manteve-se distante do nazismo durante 0 IIIReich e se consagrou as suas pesquisas economicas. Dirigiu a administrac;ao<strong>da</strong> economia <strong>da</strong> bizona a partir de fevereiro de 1948.Deputado democrata-cristao, contribui~ em gr~nde medi~a pc:rraa adesao <strong>da</strong> CDU (Christlich-Demakratzsche-Unzan) aos pnnclplOs<strong>da</strong> "economia social de mercado". Em 1948, na decima quartareuniao plenaria do Conselho Economico, ele. havia trac;ad~ .asgrandes orientac;6es <strong>da</strong> sua polftica fu~a (pnmado <strong>da</strong> pohttc?monetana e <strong>da</strong> polftica de crescirnento, alinhamento dos prec;os aoferta de mercadorias, distribuic;ao equitativa e gradual <strong>da</strong> progressaodo bem-estar). Foi escolhido ministro <strong>da</strong> Economia porAdenauer em 1951 e e considerado 0 pai do "milagre economico(Wirtschaftswunder) alemao". Cf. J. Fran,ois-Poncet, La Palitiqueeconomique de I'Allemagne occidentale, ap. cit., pp. 74-5. Sobre seusconselheiros neoliberais, ef. N. Pietri, L'Allemagne de I'Ouest (1945­1969), SEDES, 1987, pp. 44-5; D. L. Bark e D. R. Gress, Histaire deI'Allemagne depuis 1945, Paris, R. Laffont, "Bouquins", 1992, pp.199-200. Cf. sua obra principal, Wahlstand fUr aile, Dusseldorf,Econ Verlag. 1957/ La prasperitl! pour taus, trad. fro F. Briere, prefaciode J. Rueff, Paris, PIon, "Tribune libre", 1959; e Deutsche Wirtschajtspalitik,der Weg der sanalen Marktwirtschajt, Frankfurt, Knapp,1962/ Une palitique de I'aban<strong>da</strong>nce (coletanea de arligos e discur­505,1945-1962), trad. fro L. Mozere, Paris, R. Laffont, 1963.20. A decima quarta reuniao plenana do Conselho Economicofoi realiza<strong>da</strong> em 21 de abril, e nao 28, como diz Foucault, a partirde F. Bilger, La Pensee ecanamique liberale..., p. 211.21. Rede vor der 14. Vollversammlung des Wmschaftsratesdes Vereinigten Wirtschaftsgebietes am 21. April 1948 in Frankfurt/Main.Discurso reproduzido in L. Erhard, Deutsche Wirtschaftspalitik,op. cit., e in W. StUtzel et al., org. Grundtexte zur SanalenMarktwirtschaft· Zeugnisse aus zweihundert Jahren ordnungspolitischerDiskussion, Bonn-Stuttgart-Nova York, Ludwig-Erhard-Sliftung.1981, pp.39-42.22. Ibid. (Grundtexte), p. 40: "Wenn auch nicht im Ziele volligeinig.. so ist doch die Richtung klar, die wir einzuschlagen haben- die Befreiung von der staatlichen Befehlswirtschaft, die aileMenschen in <strong>da</strong>s Entwiirdigende loch einer alles Leben tiberwuchemdenBiirokralie zwingt r...]" Trad. fro F. Bilger, La Pensee ecanamiqueliberale..., p. 211 ("a libertac;ao <strong>da</strong> economia <strong>da</strong>s injunc;6esestatais").23. Ibid.: liEs sind aber weder die Anarchie noch der Termitenstaatals menschliche Lebensfonnen geeignet. Nur wo Freiheitund Bindung zum verpflichtenden Gesetz werden, findet derStaat die sittliche Rechtfertigung,. im Namen des Volkes zu sprechenund zu handeln." Trad. fro F. Bilger, lac. cit. Conviria traduzirTennitenstaat por "Estado de cupins", expressao ja emprega<strong>da</strong> porW. Ropke em 1944, em Civitas Humana (ef. infra, p. 171, nota 21),a prop6sito do "perigo coletivista", p. 26: "Esse Estado de cupinsque vemos surgir nao destr6i somente todos os valores e conquistasdo progresso que, ap6s uma evoluc;ao de tres milenios, constituem0 que chamamos com orgulho de civiliza,ao ocidental, [...Jmas principalmente tira <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do individuo seu ver<strong>da</strong>deiro sentido,que reside unicamente na sua liber<strong>da</strong>de [...J"


134 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA24. Luigi Einaudi (1874-1961): professor de economia polfticaem Turim e Milao. Sua oposi\ao ao fascismo e seu apego ao liberalfsmofo~aram-no a emigrar para a Sui,a (1943-44). Govemadordo Banco <strong>da</strong> Italia (1945), deputado (1946), depois ministro <strong>da</strong>s Finan,as(1947). Foi eleito presidente <strong>da</strong> Republfca (1948-1955). ct.as suas Lezioni di politica economica, Turim, G. Emaudi, 1944.25. ct. Max Weber, Die protestantische Ethik und der "Geist" desKapitalismus (1905), in Gesammelte Aufsiitze zur Religionssoziologie,Tiibingen, J. C. B. Mohr, 1920, vol. I, pp. 1-236/ I:Ethique protestanteet l'Esprit du capitalisme, trad. fro J. Chavy, Pans, PIon, 1964;novas tradu\6es francesas de 1. Kalinowski, Paris, Flammanon,"Champs", 2000, e j.-P. Grossein, Paris, Gallimard, "Bibliothequedes sciences humaines" I 2003.26. Cf. Securite, Territoire, Population, aula de 11 de janeiro de1978, pp. 17 e 27, n. 26. .27. M. Foucault naG faz roais referen<strong>da</strong> a Fichte na conhnua­\8.0 do curso. Ele 0 menci~na, no entanto, :,as P?l9-nas do manuscritocorrespondente ao fim desta aula, nao utihza<strong>da</strong>s por ele, aproposito <strong>da</strong> Zollverein (ef. supra, nota*, p. 127). .. .28. Essa <strong>da</strong>ta de 24 de junho de 1948, que conslllUl efellvamenteuma vira<strong>da</strong> decisiva na hist6ria <strong>da</strong> Alemanha do pes-guerra(Erhard, com autoriza\ao do Conselho Economico, suprirniutodD cantrcle de pre\os sem pedir 0 cons:,.ntimento previo d?s govemosmilitares), deve ser posta em rela


136 NASCIMENTO DA BIOPOLtrrCA AULA DE 31 DE JANElRO DE 1979 13734. Cf. F. Bilger, La Pensee economique liberale..., p. 211: "Sindicalistacristao, vice-presidente do sindicato dos mineiros, acabavade tomar conhecimento <strong>da</strong>s obras cia Escola de Friburgo e haviaadmitido que a ordem liberal constituia uma altemativa vali<strong>da</strong>ao capitalisrno e ao planismo, que ele tambem rejeitava."35.9-11 de maio de 1946: primeiro congresso do SPD (SozialdemokratischePartei Deutschlands). Nele Schumacher foi confirma<strong>da</strong>na presidencia.36. Ver os textos citados por F. Bilger, La Pensee economique liberale...,p. 271.37. Karl Schiller (1911-1994), professor de economia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>dede Hamburgo, foi membra do parlarnento hamburguespelo SPD (1949-1957), reitor <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de local (1958-1959),depois senador encarregado cia economia em Bedim Ocidental(1961-1965), deputado no Bundestag (1965-1972) e ministro federalcia Economia (ver nota seguinte). Foi nomeado em 1947 para 0Conselho Cientifico cia administra~ao economica, fanna<strong>da</strong> porErhard.38. No governo <strong>da</strong> "grande coalizao" que reunia 0 CDU/CSUe 0 SPD, formado pelo chanceler cristao-democrata Kiesinger emdezembro de 1966. Exerceu essa fun\ao ate 1972 (acumulando aspastas <strong>da</strong> Economia e <strong>da</strong>s Finan\'as de 1971 a 1972). Sobre a suapolitica economica, d. D. 1. Bark e D. R. Gress, Histoire de l'Allemagne...,pp. 584-6.39. K. Schiller, Sozialismus und Wettbewerb, Hamburgo, Verlagsges.deutscher Konsumgenossenschaften, 1955.40. "Em 1953, ele havia forjado, a prop6sito <strong>da</strong> economia socialde mercado, uma expressao que definia os retoques que os social-democrataspodiam fazer: 'Concorrencia tanto quanta possivel,planifica\,30 tanto quanto necessario' (d. [H.] Korner et al.,Wirlschajtspolitik, Wissenschajt und politische Aufgabe, Bema, PaulHaupt, 1976, p. 86)" (D. L. Bark e D. R. Gress, Histoire de l'Allemagne...,pp. 428-9). Foi durante uma sessao do SPD sobre a politicaeconomica realiza<strong>da</strong> em Bochum, em fevereiro de 1953, queele formulou esse celebre slogan. A f6rmula e retoma<strong>da</strong> no prograrnado SPD em 1959 (d. a nota seguinte; D. L. Bark e D. R. Gress,ibid., p. 430). Cf. F. Bilger, La Pensee economique liberale..., prefaciode D.Villey, p. XN, e pp. 257-8.41. Reunido em congresso extraordimirio de 13 a 15 de novembrode 1959 em Bad Godesberg, 0 SPD adotou por uma maio-- .._-,~riade 324 votos contra 16 0 "programa de principio" (Grundsatzprogramm)que, rompendo com a inspira,ao marxista do programade Heidelberg (1925), assinalava uma vira<strong>da</strong> decisiva na linha dopartido.42. "A proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> dos meios de prodU\,30 merece aprote\,3o e 0 incentivo, desde que nao impe\,a a institui\30 de umaordem social equitativa. Pequenas e medias empresas eficazes merecemser consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s para que possam se afirmar no plano economicodiante <strong>da</strong>s grandes empresas" (Programme fon<strong>da</strong>mental duParti social-democrate allemand, trad. fro oficial publica<strong>da</strong> pelo SPD,Bonn, [s.d.], p. 21; citado por D. L. Bark e D. R. Gress, Histoire deI'Allemagne..., p. 430). Cf. F. Bilger, La Pensee economique liberale...,p. 273, que remete aqui ao artigo de W. Kreiterling, "La social-ctemocratierevise sa doctrine", Documents. Revue des questions allemandes,1959, pp. 652 sS.43. "Vma economia totalitaria ou ditatorial destr6i a liber<strong>da</strong>de.Epor isso que 0 Partido Social-Democrata alemao aprova umaeconomia livre de mercado onde quer que a concorrencia se afirme.Contudo, quando os mercados sao dominados por individuosou gropos, e necessario tomar medi<strong>da</strong>s mUltiplas para preservar aliber<strong>da</strong>de na economia. A concorrencia em to<strong>da</strong> a medi<strong>da</strong> do possIvel- a planifica\'ao tanto quanto necessario" (Programme fon<strong>da</strong>mental...,op. cit., p. 11; D. L. Bark e D. R. Gress, IDe. cit.). 0. F. Bilger,lac. cit.44. Kurt Schumacher (1895-1952): deputado no Reichstagentre 1930 e 1933, presidente do SPD de 1932 ate a interdi,ao dopartido, urn ano depois, passou dez anos em campo de concentra­\'03.0 no regime nazista. Em 1945, restabelece em Hanover a sededo SPD ressuscitado, declarando: "Ou conseguiremos fazer <strong>da</strong>Alemanha urn pais socialista no dominio economico e democraticono dOmInio politico, ou deixaremos de ser urn povo alemao"(citado por D. L. Bark e D. R. Gress, op. cit., p. 188).45. Cf. F. Bilger, La Pensee economique liberale..., p. 275: "Emfins de 1961, 0 professor Schiller foi chamado par Willy Brandtpara as fun\'oes de 'Wirtschaftssenator' [senador economico, istoe, ministro <strong>da</strong> Economia] em Bedim Ocidental, e considerava-seque ele se tornaria ministro <strong>da</strong> Economia num eventual governofederal socialista. Em suas novas fun\,oes, Schiller aplicou sistematicamente_uma polftica liberal, e urn dos seus ultimos discursosnuma sessao 'economica' do SPD em Essen, em outubro de 1963,


138 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCAprovocou ver<strong>da</strong>deira sensa~ao em te<strong>da</strong> a Alemanha, pela afinna­~ao extremamente clara cia sua adesao aeconomia de mercado epela rejeic;ao categ6rica cia planificac;ao, mesmo que pOlleD rigi<strong>da</strong>."46. Karl Herbert Frahm Brandt, dito Willy Brandt (1913-1992).Deputado pelo SPD no Bundestag de 1950 a 1957, prefeito de BerlimOcidental de 1957 a 1966, tomou-se em 1966 rninistro dos Neg6ciosEstrangeiros no govemo de coalizao de Kiesinger e foi eIeitochanceler em 1969.47. Thomas Hobbes (1588-1679), Leuiathan, Londres, A. Crooke,1651/ trad. fro F. Tricaud, Paris, Sirey, 1971. [Ed. bras.: Leuiatii,Sao Paulo, Martins Fontes, 2003.]48. john Locke (1632-1704), Two Treahses a/Government, escritospor volta de 1680-1683, publicados em 1690 (Londres, A.Churchill); 0 primeiro tratado foi traduzido em frances por F. Lessay(PUP, 1998), 0 segundo por D. Mazel (Amster<strong>da</strong>m, 1691), j.Fyot (pUP, 1953), B. Gilson (Vrin, 1967) e j.-F. Spitz (pUP, 1994).49. Cf. a obra de L. von Mises, Die Gemeinwirtschaft, Untersuchungentiber den Sozia/ismus, op. cit. [supra, p. 130, nota 11].50. Cf. Securite, Territoire, Population, aulas de 29 de marc;o e 5de abril de 1978.51. Cf. supra, aula de 10 de janeiro de 1979, p. 37, nota 18.52. Erich Honecker (1912-1994), nomeado primeiro-secretarioem 1971, depois <strong>da</strong> retira<strong>da</strong> de Walter Ulbricht.53. Na continui<strong>da</strong>de dessas analises, M. Foucault concebeuem 1983 um projeto de "livro branco" sobre a politica socialista:"as socialistas tem uma problematica do govemo ou tern apenasuma problematica do Estado?" (citado por D. Defert, "Chronologie",DE, I, p. 62). Afora as leituras feitas entao por Foucault (jaures,Blum, Mitterrand), esse projeto, parece, nao foi ah2m de umapasta com recortes de jomal.AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979o neoliberalismo alemtio (II). - Seu problema: como a liber<strong>da</strong>deeconomica pode ao mesmo tempo fun<strong>da</strong>r e limitar 0Estado? - Os te6ricos neoliberais: W Eucken, F. Bohm, A. Muller-Annack,F. von Hayek. - Max Weber e 0 problema <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>deirracional do capitalismo. As respostas <strong>da</strong> Escolade Frankfurt e <strong>da</strong> Escola de Friburgo. - 0 nazismo como campode adversi<strong>da</strong>de necessario adefinifao do objetivo neoliberal.- Os obstticulos apolitica liberal na Alemanha desde 0 seculoXIX: (a) a economia protecionista segundo List; (b) 0 socialismode Estado bismarckiano; (c) a implantafao, durante a PrimetraGuerra Mundial, de uma economia planifica<strong>da</strong>; (d) 0 dirigismode tipo keynesiano; (e) a politica economica do nacional-socialismo.- A critica neoliberal do nacional-socialismo apartir desses diferentes elementos <strong>da</strong> hist6ria alema. - Conseqii.enciaste6ricas: extensiio dessa mtica ao New Deal e aospIanos Beveridge; dirigismo e crescimento do poder estatal; amassificafiio e a unifonniza¢o, efeitos do estatismo. - 0 queestd em jogo no neoliberalismo: sua novi<strong>da</strong>de em relafiio ao liberalismocIdssico. A teotia <strong>da</strong> concorrencia pura.Costaria hoje de tentar terminar 0 que eu havia come­,ado a lhes dizer a proposito do neoliberalismo alemao dopos-guerra, esse neoliberalismo de que somas contemporaneose no qual estamos de fato implicados.Procure! lhes mostrar, voces se lembram, qual haviaside 0 problema colocado no seculo XVIII pela questao domercado. 0 problema era, de fato: como, no interior de urnEstado <strong>da</strong>do, cuja legitimi<strong>da</strong>de, bern entendido, nao podiaser posta em questao, pelo menos a partir <strong>da</strong>i, como erapossivel abrir espa,o para uma liber<strong>da</strong>de de mercado queera historicamente, que tambem era juridicarnente, umacoisa nova, na medi<strong>da</strong> em que, no Estado de policia tal comofuncionava no seculo XVIII, a liber<strong>da</strong>de se definia apenascomo liber<strong>da</strong>de de privilegios, liber<strong>da</strong>de reserva<strong>da</strong>, liber<strong>da</strong>-


140 NASCIMENTO DA BIOPOrJrlCA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979141de liga<strong>da</strong> a urn estatuto, liber<strong>da</strong>de liga<strong>da</strong> a uma profissao,liber<strong>da</strong>de liga<strong>da</strong> a uma concessao do poder, etc.? Liber<strong>da</strong>dede mercado como liber<strong>da</strong>de de deixar fazer [laissez faire],como, entao, ela era possivel no interior de urn Estadode policia? Era esse 0 problema, e a resposta <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo seculoXVIIL voces se lembram, era afinal muito simples econsistia em dizer: 0 que vai abrir espa


142 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 143liberais". Eele, portanto, urn dos conselheiros e, sem duvi<strong>da</strong>,0 principal dos conselheiros cienti£icos que Erhard'" haviareunido em 1948. Eucken esta portanto nessa comissao.TamMm esta Franz Bohm", justamente urn <strong>da</strong>queles juristasde Friburgo, fenomenologista de forma


144 NASCIMENTO DA BIOPOL!TICA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 145Weimar 0 problema jii estava posto, e jii e com ele que, desdeos anos 1925-1930, gente como Eucken, Bohm, Ropketinha de se defrontar.Evoquei igualmente algumas referencias biogriificaspara Ihes mostrar tarnbem uma coisa que mereceria ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong>mais a fundo (pelos que se interessam pela Alemanhacontemporanea). Ea curiosa vizinhan


146 NASCIMENTO DA BIOPOLITICAPrimeiro, definir urn objetivo. Esse objetivo, como vimos,como analisarnos na ultima vez 2 'J, era fun<strong>da</strong>r a legitirni<strong>da</strong>dede urn Estado a partir de urn espa~o de liber<strong>da</strong>de dosparceiros economicos. Eis 0 objetivo. Foi esse 0 objetivo de[19]48. Ja era, no lundo, 0 objetivo por volta dos anos 1925­1930, embora ain<strong>da</strong> fosse menos urgente, menos claro emenos nitido.Segundo, 0 que eles tinham de fazer era definir, nao simplesmentea serie de adversarios com os quais podiam sechocar para alcan~ar esse objetivo, mas, no lundo, qual erao sistema geral contra 0 qual podia se chocar esse objetivoe a busca desse objetivo, isto e, 0 conjunto que vai do obstacwoao inimigo e constitui, grosso nwdo, 0 campo de adversi<strong>da</strong>decom 0 qual teriam de se haver.E a terceira operac;ao, claro, era, para atravessar essecampo de adversi<strong>da</strong>de e atingir seu objetivo: como distribuirou redistribuir as recursos conceituais e tecnicos que eles tinhamasua disposi~ao. Sao estes dois ultimos pontos dessaanalise "estrategica"* que eu·gostaria de elaborar urn poucohoje.Como e que eles constituiram seu campo de adversi<strong>da</strong>de,isto e, como eles encontraram a logica global do conjuntode obstaculos inimigos ou adversarios que tinham deenfrentar? Eal que a experiencia do nazismo foi, ereio eu,muito importante. Claro, 0 pensamento liberal alemao, ain<strong>da</strong>que relativamente discreto, nao nasceu com a Escola deFriburgo. Ha anos e anos gente como LUjo Brentano"', porexemplo, ja tentava sustentar, manter os temas do liberalisrnaclassico numa atmosfera que, e evidente, naD the eramuito favoraveL Podemos dizer, de maneira muito esquematica,que havia na AJemanha desde praticamente 0 meadodo seculo XIX e chegando sucessivamente ao palco <strong>da</strong>historia, certo numero de obstaculos maiores, de criticas.. M. Foucault precisa: entre aspasAULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 147maiores ao liberalismo, apolitica liberal. Aqui tambem, esquematizandomuito:Em primeiro lugar, 0 principio que praticamente foiformulado em 1840 por List", de que nao pode haver, pelomenos para a AJemanha, compatibili<strong>da</strong>de entre uma politicanacional e uma economia liberal. 0 fracasso <strong>da</strong> ZollvereinJ2 em constituir urn Estado alemao a partir de urn Iiberalismoeconomico era de certo modo a prova disso. EList, os sucessores de List, estabeleceram como principioque a economia liberal, longe de ser a formula geral universalmenteaplicavel a to<strong>da</strong> politica economica, nao podiaser e na ver<strong>da</strong>de naD era mais que urn instrumento hiticoou que uma estrategia nas maos de certo numero depaises para obter uma posi~ao hegemonica e politicamenteimperialista sobre 0 resto do mundo. Em termos clarose Simples, 0 liberalismo nao e a forma geral que to<strong>da</strong> politicaeconomica deve adotar. 0 liberalismo e simplesmentea politica inglesa, e a politica <strong>da</strong> domina~ao inglesa. Etambem, de maneira geral, a politica a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong> a uma nac;aomaritima. Nessa medi<strong>da</strong>, a Alemanha, com sua historia,com sua posi~ao geogrMica, com todo 0 conjunto deinjun~6es em que e colhi<strong>da</strong>, nao pode adotar uma politicaeconomica liberal. Ela necessita de uma politica economicaprotecionista.Em segundo lugar, 0 segundo obstaculo, ao mesmotempo teorico e politico, que 0 liberalismo alemao havia encontradono fim do seculo XIX era 0 socialismo de Estadobismarckiano: para que a nac;ao alema existisse em sua uni<strong>da</strong>de,nao era necessario simplesmente que ela fosse protegi<strong>da</strong>contra 0 exterior por uma politica protecionista, eranecessario alem disso que, no interior, tudo 0 que pudessecomprometer a uni<strong>da</strong>de nacional fosse dominado, jugulado,e, de modo geral, era preciso que 0 proletariado, comoamea~a auni<strong>da</strong>de nacional e auni<strong>da</strong>de estata!, fosse efetivam!"ntereintegrado no seio do consenso social e pOlitico.E esse, em linhas gerais, 0 tema do socialismo de Esta-


148 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979149do bismarckiano. Segundo obst:kulo portanto a uma politicaliberal.o terceiro obstaculo, foi, e claro, a partir <strong>da</strong> guerra, 0 desenvolvimentode uma economia planifica<strong>da</strong>, isto e, aquelatecruca, que a Alemanha havia sido fon;a<strong>da</strong> a adotar por suasitua


150NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 151o nazismo e 0 produto de urn estado de crise extrema, e 0ponto derradeiro para 0 q~al eram conduZl<strong>da</strong>s uma economiae uma politica que nao puderam supera: suas contradi


152 NASOMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 153manha nacional-socialista, creio que 0 minimo que se podedizer e que, pelo menos numa primeira abor<strong>da</strong>gem, foi atentativa mais sistematica de par 0 Estado em estado de estiolamento.0 nazismo e 0 estiolamento do Estado por urncerta nurnero de razoes. 1550 fica claro, primeiro, na propriaestrutura juridica <strong>da</strong> Alemanha nacional-socialista, pois vocessabem muito bern que 0 Estado, naAlemanha nacionalsocialista,havia perdido seu estatuto de personali<strong>da</strong>de juridicana medi<strong>da</strong> em que, de direito, 0 Estado s6 podia serdefinido como instrumento de algo que era, este sim, 0 ver<strong>da</strong>deirofun<strong>da</strong>mento do direito, a saber, 0 povo, 0 Valk'''. 0Valk em sua organiza


154 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCA AUrA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 155crescimento de um poder estatal, ain<strong>da</strong> que [sob] formasaparentemente aberrantes em rela,ao ao Estado classico,sao coisas absolutamente liga<strong>da</strong>s uma aoutra.Enfim, 0 terceiro golpe que 0 nazismo permitiu que osneoliberais dessem em rela


156 NASCIMENTO DA BIOPOLiTlCA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 157ligado ao antiliberalismo, e nao ligado a urna economiamercantil.Para resumir tudo isso, 0 que constitui 0 ponto decisivo<strong>da</strong> experiencia nazista para os liberais de Friburgo e que elesacreditavarn poder estabelecer - e essa, digamos, sua escolhade adversano, a maneira como articularam esse campode adversi<strong>da</strong>de necessano para a defini


158NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 7 DE FEVERE/RO DE 1979 159como a defectibili<strong>da</strong>de que era critica<strong>da</strong> na economia demercado, como os efeitos destruidores que tradlclonalmenteeram objetados aeconomia de mercado, como 0 naZISmomostra que nao e aeconomia de mercado que se deveatribui-los, mas que, ao contnirio, a responsablli<strong>da</strong>~e poreles deve ser imputa<strong>da</strong> ao Estado e, de certo modo, as defectibili<strong>da</strong>desintrinsecas do Estado e <strong>da</strong> sua raclonah<strong>da</strong>depr6pria - pois bern, e preciso, por conseguinte, mverter m­teiramente as ancilises. Em vez de dizer, supondo uma econ~miade mercado relativamente livre, como 0 Estado deve limita-Iapara que seus efeitos sejam os menos noclVOS possiveis?,epreciso raciocinar de maneira totaln:ente dlf~r'~nte.Epreciso dizer: na<strong>da</strong> prova que a economla de mercadotenha defeitos, na<strong>da</strong> prova que ela tenha uma defectlblh<strong>da</strong>deintrinseca, ja que tudo 0 que Ihe atribuem como defeltoe como efeito <strong>da</strong> sua defectibili<strong>da</strong>de e ao Estado :tue se deveatribuir. Pais bern, fa~amos 0 inverso e pec;amos a eCOn?ffilade mercado muito mais do que the foi pedido no seculoXVIll, porque, no seculo XVIll, 0 que e que se pedia aeconomiade mercado? Que ela dissesse ao Estado: a partlr decerto limite, quando se tratar de certa questao,. e.a partir <strong>da</strong>sfronteiras de certo dominio, voce naD intervIra roms. 1550nao basta, dizem os ordoliberais. Visto que, de todo modo,o Estado e portador de defeitos intrinsecos e VlstO que na<strong>da</strong>prova que a economia de mercado tenha esses defeltos, p:,­c;amos aeconomia de mercado para ser em .51 ~~s~a, naoo principio de limita


160 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 7 DE FEVERE/KO DE 1979 161efeitos destruidores e nocivos do Estado, nisso todo a mundoesta de acordo. Mas, no bojo dessa cntica geral, dessacritica confusa, tanto que, alias, nos a encontramos sem muitadiferenc;a de Sombart a Marcuse, atraves e de certo modoa sombra dessa cntica, sera que a liberalismo vai efetivamenteconseguir fazer passar a que e seu ver<strong>da</strong>deiro objetivo,isto e, uma formalizaC;ao geral dos poderes do Estadoe <strong>da</strong> organizaC;ao <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de a partir de uma economia demercado? Sera que a mercado pode ter efetivamente umpoder de formalizaC;ao, tanto para a Estado como para a socie<strong>da</strong>de?Eesse a problema importante, capital, do liberalisrnoaNal, e e nessa medi<strong>da</strong> que ele representa, em rela­C;ao aos projetos liberais tradicionais, que vimos nascer noseculo XVIII, uma mutac;ao importantissima. Nao se trataapenas de deixar a economia livre. Trata-se de saber ateonde vao poder se estender as poderes de informaC;ao politicose sociais <strong>da</strong> economia de mercado. Eis 0 que esta emjogo. Pais bem, para responder"sim, a economia de mercadopode efetivamente enformar a Estado e reformar a socie<strong>da</strong>de,ou reformar 0 Estado e enformar a socie<strong>da</strong>de", asordoliberais realizaram certo numero de deslocamentos, detransformac;6es, de invers6es na doutrina liberal tradicional,e sao essas transformac;6es que eu queria explicar um poucoagora*.Entao, primeiro deslocamento, a <strong>da</strong> troca, urn deslocamentaque iria <strong>da</strong> troca aconcorrencia no principia do mercado.Para dizer as coisas, mais uma vez, bern grosseiramente,no liberalismo do seculo XVIII a mercado era definidopelo que? Ou melhor, era descrito a partir de que? Eleera definido e descrito a partir <strong>da</strong> troca, a troca livre entre<strong>da</strong>is parceiros que estabelecem par sua propria troca uma.. M. Foucault se interrompe aqui para dizer 0 seguinte:Percebo que esta tarde, mo sei se vou mesmo com~aragora.. Oguevoces querem? [Ouve-se "sim" na sa/a.] Cinco minutos, no maximo.equivalencia entre <strong>da</strong>is valores. 0 modelo e a principia domercado erarn a troca, e a liber<strong>da</strong>de do mercado, a nao-intervenc;aode um terceiro, de uma autori<strong>da</strong>de qualquer, afortiori <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de do Estado, era aplica<strong>da</strong>, evidentemente,para que a mercado fosse vali<strong>da</strong> e para que a equivalenciafosse de fato equivalencia. No maximo pedia-se ao Estadopara supervisionar a bam funcionamento do mercado,isto e, fazer de sorte que fosse respeita<strong>da</strong> a liber<strong>da</strong>de dosque trocam. 0 Estado, portanto, nao tinha de intervir no interiordo mercado. 0 que se pedia ao Estado, em compensaC;ao,era que interviesse na produC;ao, no sentido de que,diziam as economistas liberais do meado do seculo XVIII,aquila de que no fundo se necessita, quando se produz algumacoisa, isto e, quando se esta investindo trabalho emalguma coisa, [e]* que seja respeita<strong>da</strong> par todo a mundo aproprie<strong>da</strong>de individual dessa coisa que se produz. E era ai,nessa necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de individual para a produ­C;ao, que se pedia a autori<strong>da</strong>de do Estado. Mas, quanta aomercado, ele devia ser de certo modo um lugar desimpedidoe livre.Ora, para as neoliberais, a essencial do mercado naoesta na troca, nessa especie de situac;ao primitiva e ficticiaque as economistas liberais do seculo XVIII imaginavam.Esta em outro lugar. 0 essencial do mercado esta na concorrencia.Nisso, de resto, os neoliberais nao fazem maisque seguir to<strong>da</strong> uma evoluC;ao do pensamento, <strong>da</strong> doutrinae <strong>da</strong> teoria liberais no decorrer do seculo XIX. Praticamente,admite-se em quase to<strong>da</strong> a teoria liberal, desde a fim doseculo XIX, que 0 essencial do mercado e a concorrencia,isto e, que nao e a equivalencia, mas a desigual<strong>da</strong>de'·'. E aproblema concorrencia/monopolio, muito mais que a problemado valor e <strong>da</strong> equivalencia, e a que vai constituir a armaduraessencial de uma teoria do mercado. Nissa as ordoliberaisnao se diferenciam em na<strong>da</strong> do que havia sido a* M.F.: epreciso


162 NASCIMENTO DA BIOPOLIT1CAevolu~ilo hist6rica do pensamento liberal. Eles retomamessa concepr;;ao classica e retomam 0 prindpia <strong>da</strong> concorn?ncia,e somente <strong>da</strong> concorrencia, para assegurar a racionali<strong>da</strong>deeconomica. Ela pode assegurar a racionali<strong>da</strong>de economicamediante 0 que? Pais bern, mediante a formar;;ao depre~os, que, na medi<strong>da</strong> em que ha concorrencia plena e inteira,sao capazes de medir as grandezas econornicas €, porconseguinte, regular as escolhas.Eai, em rela~iloa esse liberalismo centrado no problema<strong>da</strong> concorrencia, a essa teoria do mercado centra<strong>da</strong> naconcorrencia, que as ordoliberais VaG introduzir uma coisaque [lhes] e, creio eu, especifica*. De fato, na concep~ilo digamosdo seculo XIX [e do] seculo XX, marginalista e neomarginalista<strong>da</strong> economia de mercado, diz-se 0 seguinte:como 0 mercado 56 pode funcionar com base na conCOI­Iencia livre e inteira, e necessario, por conseguinte, que 0Estado se abstenha de modificar 0 estado de concorrenciatal como ele existe e evite introduzir, por meio de fenomenosde monap6Ho, por meio de fenomenos de cantrale,etc., certo numero de elementos que modificariam esse estado<strong>da</strong> concorn§ncia. Ele cleve no maximo intervir para impedirque essa concorrencia seja altera<strong>da</strong> por este ou aquelefenomeno, como par exemplo 0 fenomeno do monop6lio.Eles continuam portanto a tirar desse principio <strong>da</strong> economiade mercado a mesma conclusao que era tira<strong>da</strong> no seculaXVIII, quando se definia a economia de mercado pela troca,a saber, 0 laissez-faire. Em outras palavras, para os liberals doseculo XVIII, como para os liberais do seculo XIX**, do principiacia economia de mercado extrai-se a necessi<strong>da</strong>de dolaissez-faire. Uns deduzem-no <strong>da</strong> troca, outros <strong>da</strong> concorn§ncia,mas de todo modo a conseqiiencia logica, a conseqiienciapolitica <strong>da</strong> economia de mercado e 0 laissez-faire.Pois bern, e ai que os ordoliberais rompem com a tradi~ilodo liberalismo dos seculos XVIII e XIX. Eles dizem: do>I- M.E: que e, creio eu, especifica a eles** M.E: xxAULA DE 7 DE FEVERE1RO DE 1979 163principio <strong>da</strong> concorrencia como forma organiza<strong>da</strong>ra domercado, nilo se pode e nilo se [deve]* tirar 0 laissez-faire.Por que? Porque, dizem eles, quando <strong>da</strong> economia de mercadovoce tira 0 principio do laissez-faire, e que no fundovoce ain<strong>da</strong> e prisioneiro do que se poderia chamar de uma"ingenui<strong>da</strong>de naturalista"**, ista e, voce considera que 0mercado, seja ele definido pela troca, seja ele definido pelaconcorrencia, e de qualquer modo uma especie de <strong>da</strong>do natural,a1go que se produz espontaneamente e que 0 Estadodeveria respeitar, na medi<strong>da</strong> em que e urn <strong>da</strong>do natural.Mas, dizem os ordoliberais - e ai que se pode facilmenteidentificar a influencia de HusserPIl -, isso e uma ingenui<strong>da</strong>denaturalista. Pois, de fato, 0 que ea concorrencia? Niloede modo algum urn <strong>da</strong>do natural. A concorrencia, em seujogo, em seus mecanismos e em seus efeitos positivos queidentificamos e valorizamos, nao eem absoluto urn fenomenonatural, nilo e 0 resultado de urn jogo natural dos apetites,dos instintos, dos comportamentos, etc. Na reali<strong>da</strong>de, aconcorrencia naD cleve seus efeitos senao aessencia que eladetem, que a caracteriza e a constitui. A concorrencia nao cleveseus efeitos beneficos a uma anteriori<strong>da</strong>de natural, a urn <strong>da</strong>donatural que ela traria consigo. Ela os deve a urn privilegio formal.Pois, de fato, 0 que ea concorrencia? Nilo e de modo algumurn <strong>da</strong>do natural. A concorrencia euma essencia. Pais,de fato, 0 que e a concorrencia? Nilo e de modo algum urn<strong>da</strong>do natural. A concorrencia e urn ddos']. A concorrencia eurn principio de fonnaliza\ad 2 . A concorrencia possui uma16gica intema, tern sua estrutura pr6pria. Seus efeitos s6 seproduzem se essa 16gica e respeita<strong>da</strong>. Ii, de certo modo, urnjogo formal entre desigual<strong>da</strong>des. Nilo e urn jogo natural entreindividuos e comportamentos.E, assim como para Husserl uma estrutura formal nilose oferece aintuiJ;ao sem urn certo numero de condiJ;oes,* M. Foucault repete: pode** Entre aspas no manuscrito.


164 NASCIMENTO DA BIOPOUTlCA AUlA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 165assim tambem a concorrencia como 16gica economica essencials6 aparecen\ e s6 produzin\ seus efeitos sob certonumero de condi


AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 167NOTAS1. Walter Eucken (1891-1950): expoente <strong>da</strong> escola neoliberalalema (Escola de Friburgo), cujas posic;6es foram expostas na revistaOrdo (cf. infra, nota 8). Depois de estu<strong>da</strong>r economia em Bonne Bedim, onde foi aluno de Heinrich Dietzel, adversario cia Escolahistorica, e de urna <strong>da</strong>s ultimas figuras desta ultima, HermannSchumacher, sucessor de Gustav Schmoller na Universi<strong>da</strong>de deBedim (Eucken, que foi seu assistente, rompeu com ele em 1923,ao constatar a incapaci<strong>da</strong>de que tinha 0 historicismo de <strong>da</strong>r umaresposta ao problema cia inflac;ao), foi nomeado professor em Tiibingenem 1925, depois em Friburgo em 1927, cnde viveu ate amorte. Cf. F. Bilger, La pensee economique liberale de I'Allemagne contemporaine,op. cit., pp. 39-70.2. Sabre as rela,6es de Eucken com Husser!, d. F. Bilger, ibid.,p. 47 ("Logo que chegou a ci<strong>da</strong>de, Eucken travail uma amizadeprofun<strong>da</strong> com Husser!, espirirualmente aparentado a Rudolf Eucken.Os dois homens mantiveram contatos freqiientes, infelizmentelogo interrompidos pela morte do fil6sofo. EWalter Euckenreconhece, em suas obras, a influencia do fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> fenomenologiasobre a forma


168NASCIMENTO DA BIOPOLfrlCA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 169marc;o de 1943, mas os debates entre economistas - nota<strong>da</strong>mentesobre a economia de transic;ao no periodo do p6s-guerra _ continuaramnUID ambito privado, no interior do "c!reula Beckerath".Eucken publicou varias artigos durante esse periodo. Cf. H. RietereM. Schmolz, "The ideas of German Ordoliberalism 1938-1945:pointing the way to a new economic order", The European Journalof the History of Economic Thought, I (1), outono de 1993, pp. 87­114; R. Klump, "On the phenomenological roots of German OrdnungstheOrie...",in op. cit., pp. 158-60.. 8. M. Foucault confunde aqui a <strong>da</strong>ta de publica


170 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 171im Deutschen Reich, 56, II, 1932) para aprofun<strong>da</strong>r e precisar 0 conceitade "sistema economico" (Wirtschaftssystem) introduzido parW. Sombart nos anos 1920 (Die Ordnung des Wirtschaftslebens, Berlim,Julius Springer, 1927; Die drei Nationalokonomien - Geschichteund System der Lehre von der Wirtschaft, Bedim, Duncker & Humblot,1930). Ele se inscrevia portanto, em parte, na continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong>problematica cia Escola hist6rica alema, atestando ao mesmo ternpouma preocupar;ao com uma analise tipol6gica mais rigorosa.Esse conceito e objeto de urn exame entico por W. Eucken, DieGrundlagen der NationalOkonomie, op. cit., pp. 71-4. Cf. H. Moller,"Wirtschaftsordnung, Wirtschaftssystern und Wirtschaftsstil: einVergleich der Auffassungen von W. Eucken, W. Sombart und A.Spiethoff', in Schmollers Jahrbuch fUr Gesetzgebung, Verwaltung undVolkswirtschaft, Berlim, Duncker & Humblot, 64, 1940, pp. 75-98.Em seus artigos dos anos 1950-1960, Miiller-Armack utiliza freqiientemente0 conceito de estilo para definir 0 programa de ar;aocia economia social de mercado (d., p. ex., "StH und Ordnung dersozialen Marktwirtschaft", 1952, in A. Miiller-Armack, Wirtschajtsordnungund Wirtschaftspolitik, Friburgo em Brisgau, Rombach,1966, pp. 231-42). 0. S. Broyer, "Ordnungstheorie et ordoliberalisme:les le\'ons de la tradition", in P. CommunI arg., L'Ordoliberalismeallemand..., op. cit., pp. 90-5.16. Wilhelm Ropke (1899-1966): professor de economia naUniversi<strong>da</strong>de de Marburgo, ate a sua demissao par motivos politicos.Adepto convicto do neomarginalismo, foi designado membrade uma comissao oficial para 0 estudo do desemprego em 1930­31. 0. F. Bilger, La Pense. economique liberale..., pp. 93-103; J. Fran­,ois-Poncet, La Politique economique..., pp. 56-7.17. Kurt von Schleicher (1882-1934): ministro <strong>da</strong> ReichswehrGunho de 1932), tomou-se chanceler sucedendovon Papen (dezembrode 1932), mas teve de ceder 0 posto a :Hitler em janeiro de 1933.Foi assassinado pelos nazistas no ano seguinte. Parece que, aqui,Foucault confunde Ropke e Riistow (d. infra, nota 23). Na ver<strong>da</strong>de,era a este ultimo que Schleicher pretendia confiar 0 ministeriodos Assuntos Economicos em janeiro de 1933.18.... onde conhece 0 soci6logo Alexander Riistow, tambememigrado (ef. ibid.).19. Em 1937. Ensinou ai no Instituto de Altos Estudos Internacionais.Tambem presidiu a Socie<strong>da</strong>de do Mont-Pelerin (d. supra,nota 12) de 1960 a 1962.20. W. Ropke, 1st die deutsche Wirtschajtspolitik richtig? Analyseund Kritik, Sttutgart, Kohlhammer, 1950 (ef. F. Bilger, La Pensee economiqueliberale..., p. 97); reed. in W. Stiitzel et al., orgs., Grundtexte zursozialen Marktwirtschaft, op. cit. [supra, p. 133, nota 21], pp. 49-62.21. W. Ropke, Die Gesellschaftskrisis der Gegenwart, Edenbach-Zurique,E. Rentsch, 1942, 4~ ed., 1945 / La Crise de notretemps, trad. fro H. Faesi e Ch. Reichard, Neuchiltel, Ed. de ,LaBaconniere,1945 (edi\'ao sem as numerosas anota\,oes e 0 mdlce);reed. "Petite Bibliotheque Payol", 1962. Esta obra foi proibi<strong>da</strong> naAlemanha pouco depois <strong>da</strong> sua publica\,ao (d. 0 Volkische Beobachterde 11 de julho de 1942). Os outros volumes que completamesse livro sao Civitas Humana: Grundfragen der GesellschaftsundWirtschaftsreform, Edenbach-Zurique, E. Rentsch, 1944/ CivitasHumana, ou les Questions fon<strong>da</strong>mentales de la Rtfonne economiqueet sociale: capitalisme, collectivisme, humanisme economique, ftat,societe, economie, trad. fro P. Bastier, Paris, Librairie de Medicis, 1946,e Internationale Ordnung, Edenbach-Zurique, E. Rentsch, 1945/ LaCommunaute internationale, trad. fro [anon.], Genebra, C. Bourquin("Bibhotheque du cheval aile"), 1947. Ropke tambem publicou,em 1945, urn livro sobre a "questao alema", Die deutscher Frage(Erlenbach-Zurique, E. Rentsch), onde recomen<strong>da</strong> a monarquiaconstitucional como meio de restabelecer 0 Rechtsstaat.22. E. Hussert Die Krisis der europiiischen Wissenschaften unddie transzendentale Phiinomenologie, W. Biemel, 1954 / La Crise dessciences europeennes et Ia Phenomenologie transcen<strong>da</strong>ntale, trad. fro G.Granel, Paris, Gallimard, 1976. Embora a obea, em sua versao definitiva,perten\,a aos escritos p6stumos de Bussert a primeiraparte, que foi objeto de duas conferencias, em Viena e Praga, em1935, foi publica<strong>da</strong> em Belgrado, em 1936, na revista de ArthurLiebert, Philosophia. E possivel portanto que Ropke tenha conhecidoesse texto. No entanto, nao faz nenhuma referen<strong>da</strong> explicitaa ele. Sua fonte, ou sua referencia implicita, e muito mais religiosado que filos6fica. Cf. Civitas Humana, trad. cit., p. 12: "[...) urnleitor atento <strong>da</strong> celebre e tao pouco conheci<strong>da</strong> enciclica QuadragesimoAnno (1931) nela descobrira uma filosofia social e economicaque, no fundo, leva amesma conclusao [que A crise do nosso tempo)".Sobre essa encfclica, ef. supra, p. 135, nota 31.23. Alexander Riistow (1885-1963), filho de urn general prussiano.Adepto de urn socialismo radical, pertenceu aprimeira gera\,aodo Jugendbewegung. Funciomirio, depois <strong>da</strong> Primeira Guerra


172NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 173MWldial, do ministerio <strong>da</strong> Economia,. torna-se em 1924 conselheirocientifico do Verein deutscher MaschinenbauanstaIten (VDMA,Confedera\ao dos Construtores Alemaes de Maquinas). Suas toma<strong>da</strong>sde pOSil;'30 a favor de urn liberalismo social tamararo-noalva dos comunistas e dos nacional-sociahstas. Exilado em 1933,obteve, gra,as aaju<strong>da</strong> de Ropke, urn cargo de professor de, historiaeconomica e social em Istambul, onde permaneceu ate 1947.Em 1950, sucedeu Alfred Weber na cadeira de sociologia economica.Suas obras principais sao: Das Versagen des Wirtschaftsliberalismusals religionsgeschichtliches Problem [0 fracasso do liberalismoeconomico, problema de hist6ria religiosa], Istambul, 1945, e suamonumental trilogia Ortsbestimmung der Gegenwart [Determina­,ao do lugar do presente], Erlenbach-Zurique, E. Rentsch, I. I, Ursprungder Herrschaft [Origem <strong>da</strong> domina,ao], 1950; I. II, Weg derFreiheit [0 caminho <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de], 1952; I. Ill, Herrschaft oder Fre,­heit [Domina,ao ou liber<strong>da</strong>de], 1955 (d. a resenha de C. J. Friedrich,"The political thought of Neo-liberalism", The Amencan PolincalScience Review, 49 (2), junho de 1955, pp. 514-25).24. Friedrich von Hayek: nascido em Viena no dia 8 de maiode 1899, estu<strong>da</strong> direito e ciencia politica emViena, onde faz 0 cursode economia politica de F. von Wieser (1851-1926) e participados seminarios informais organizados por Ludwig von Mises, entaofunciomirio <strong>da</strong> Camara de Comercio, em seu escrit6rio. Hayek,que ain<strong>da</strong> se inclina para 0 pensament? socializa~te dos fabiar:os,logo adere as teses ultrah~rais defendi<strong>da</strong>s por ~hses em seu ~vroLe Socialisme (1922), op. c,t. [po 130, nota 11]. D,retor do InstitutoVienense de Pesquisas Economicas (cujo vice-presidente era Mises),mu<strong>da</strong>-se <strong>da</strong> Austria para Londres em 1931. Nomeado professorde ciencias sociais e morais <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Chicago em1952, volta para a Alemanha em 1962, encerrando sua carreira naUniversi<strong>da</strong>de de Friburgo. Alem <strong>da</strong>s obras cita<strong>da</strong>s em nota (supra,p. 33, nota 3, e infra, nota 33), Hayek e autor de Prices and Producnon,Londres, Georges Routledge & Sons, 1931 / Pmet Produchon,trad. fro TRADECOM, Paris, Calmann-Levy, 1975, reed. Presses­Pocket, "Agora", 1985; Individualism and Economic Order, Chicago­Londres, University of Chicago Press - Routledge & Kegan Paul,1949; The Counter-Revolunon of Science: Studies of the abuse of reason,Glencoe, lil., Free Press, 1952 I Scientisme et Sciences sociales.Essai sur Ie mauvais usage de la raison, trad. fro (parcial) R. Barre, Paris,Pion, 1953, reed. Presses-Pocket, "Agora", 1986; Law, Legislanonand Liberty, vol. I, Rules and Order; vol. II, The Mirage of Social Just.ce;vol. IlL The Eblthcal Order ofa Free People Chicago-LondresUniversity of Chicago Press - Routledge & Ke~an Paul, 1973-1979/ DrOIt, LeglslatlOn et Liberte, trad. fro R. Audouin Paris PDF 3 vols1980-1983. ' , , .,. 25. P~oclc:ma<strong>da</strong> e~ 9 de novembro de 1918, quando do anun­CI0 <strong>da</strong> abdlca~ao de GUllherme II, dota<strong>da</strong> de uma constitui~ao em1919, a Republica de Weimar (1919-1933) teve de enfrentar dific~l<strong>da</strong>deseconomicas consideraveis, devi<strong>da</strong>s em particular a infla­~a.o acentua<strong>da</strong> pelo custo <strong>da</strong>s repara~5es de guerra e ao choque <strong>da</strong>cnse .de 1929, que favoreceram 0 crescimento dos movimentos extremlstas._26.MaxW~ber (1864-1920). Nao e seguro que Foucault fa,areferenCla aqUi a grande obra deste ultimo, Wirtschaft und GeselIschaft(Tubingen, J. c., B. Mohr, 1922; 4~ ed. por J. Winckelmann,1956/ Econom,e et soc'ete, I, trad. fro parcial de J. Chavy e E. de Dample~e,.Pans,. ~lon, 1971), mas sim a A tHea protestante e a espirito docapltalzsmo, J3 evoca<strong>da</strong> acima (d. supra, p. 134, nota 25).27. Sobre a abun<strong>da</strong>nte literatura que trata <strong>da</strong> rela~ao entreWeber e Marx, e os pontos de vista contraditorios que neles encontramos,d. C. Colliot-Thelene, "Max Weber et I'heritage de laconception materialiste de I'histoire", in Etudes weberiennes ParisPDF, "Pratiques tMoriques", 2001, pp. 103-32. ". 28. Max Horkheimer (1895-1973): co-fun<strong>da</strong>dor do Institut fUrSOllalJorsehung (InstItuto de Pesquisas Sociais), criado em FrankfurtemY~~3, que ele reorganizou a partir de 1931. Exonerado em1933, dmglU 0 anexo genebrino do Instituto, depois se instalouem NovaYork em 1934. Retornou aAlemanha em abril de 1948.29. Cf. supra, aula de 31 de janeiro de 1979, pp. 111-3.30. Ludwig Joseph (Lujo) Brentano (1844-1931): membro <strong>da</strong>Jovem Escola Historica, lidera<strong>da</strong> por Gustav von Schmoller (1838­1917). Cf. J. A. Schumpeter, Histaire de ['analyse economique, trad.c'l., I. III, pp. 87-8. F. Bdger (La Pensee economique ltberale..., pp. 25­6) apresenta-o Como "0 fun<strong>da</strong>dor do liberalismo alemao": "Eleprec;mizava urn liberalismo que devia se distinguir do liberalismol~?les por urn .program~ nao somente negativo, mas tambem po­SItIvo, em particular no ambito social. 0 Estado devia intervir, portanto,e B.re~tano fez parte do 'Verein fur Sozialpolitik', fun<strong>da</strong>dopelos soclal~s~as de Estado; ele apoiava a polftica social realiza<strong>da</strong>pelo Impeno, aprovava a forrna~ao dos sindicatos operarios que,


174 NASCIMENTO DA BIOPOLiTICAsegundo ele, possibilitavam restabelecer a equihbrio de for,as nomercado de trabalho."31. Friedrich List (1789-1846), Das nationale System der politischenOkonomie, Stuttgart-Tiibingen, Cotta, 1841 / Systeme nationald'economie politique, trad. fro H. Richelot, Paris, Capelle, 1857;reed. "Tel", 1998. Sabre 0 papel de List na genese cia "doutrina doprotecionismo educador", d. W. Ropke, La Crise de notre temps,trad. cit. [supra, nota 21], ed. de 1945, pp. 78-87.32. Deutscher Zollverein: uniao alfandegana dos Estados alemaesrealiza<strong>da</strong> no seculo XIX sob a dire~ao cia Prussia. Inicia<strong>da</strong> em1818, estendi<strong>da</strong> em 1854 it quase-totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>Alemanha, contribuiufortemente para a sua transforma~ao em grande patenciaeconomica. Ver, a esse respeito, as notas de Foucault nas Ultimaspaginas do manuscrito <strong>da</strong> aula precedente (supra, p. 127).33. Walter Rathenau (1867-1922): industrial judeu que, a partirde 1915, ocupou-se cia organizac;ao cia economia de guerra alerna.Ministro dos Neg6cios Estrangeiros em 1922, foi assassinadopor <strong>da</strong>is nacionalistas de extrema direita. Cf. W. Ropke, Civitas Humana,trad. cit., p. 144, nota 1 <strong>da</strong> p. 120: "0 eterno saint-simonismo,que herdou do seu fun<strong>da</strong>dor a ideia de urn planismo despotico,aparece-nos na figura de Walter Rathenau. As voltas, ele proprio,com urn tragico dilaceramento, acabou sendo vitima de umaepoca dilacera<strong>da</strong>. Foi tambem 0 que mais tarde se chamou de urn'teenocrata'." Cf. tambem F. Hayek, The Road to Serfdom, ChicagoUniversity Press - Londres, Routledge, 1944 / La Route de la servitude,trad. fro G. Blumberg, Paris, Librairie de Medicis, 1946; reed.Paris, PUF, "Quadrige", 1993, p. 126, que sahenta a influencia <strong>da</strong>ssuas ideias sobre as op~oes economicas do regime nazista.34. Cf. supra, nota 5.35. Cf. supra, nota 6.36. 0 plano quadrienal afirmava a priori<strong>da</strong>de absoluta dorearmamento. Sobre 0 papel e a organiza~ao do departamento doplano quadrienal dirigido par Goring, ef. F. Neumann, Behemoth:The structure and practice of National Socialism, Toronto, OxfordUniversity Press, 1944 / Behemoth. Structure et pratique du nationalsocialisme,trad. fro G. Dauve e J.-L. Boireau, Paris, Payot, "Critiquede la pohtique", 1987, pp. 239-42 (quadro, p. 244). Para uma sintesedos trabalhos mais recentes sobre esse momento <strong>da</strong> politicaeconomica alema, cf. L Kershaw, Nazi Dictatorship: Problems andperspectives of interpretation, Londres-NovaYork, E. Arnold, 1996 /AULA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 175Qu'est-ce que Ie nazisme? Problhnes et perspectives d'interpretation,trad. fro J. Cam~ud, Paris, Gallimard, "Foho Histoire", 1997, pp.113-5.Vertambem H. James, The German Slump: Politics and economics,1924-1936, Oxford, Clarendon Press - Nova York, OxfordUniversity Press, 1986.37. Cf. F. Hayek, La Route de la servitude, loc. cit. [supra, nota33]: "[Os] escritos [de Rathenau] contribuiram mais que todos asoutros para mol<strong>da</strong>r as opinioes economicas de to<strong>da</strong> uma gera~aocresci<strong>da</strong> durante e depois <strong>da</strong> guerra na Alemanha. Alguns dosseus colaboradores mais proximos mais tarde fariam parte do estado-maior<strong>da</strong> administra~ao do plano quadrienal de Goring."38. N omeado par Churchill, em 1940, presidente de urna comissaointerministerial encarrega<strong>da</strong> de propor melhorias no sistemaingles de prote,ao social, WtlIiam Beveridge (1879-1963) publicouem 1942 urn primeiro relatorio, Social Insurance and AlliedSeroices (Nova York, Agathon Press, 1969), em que preconizava acria~ao de urn sistema de prote~ao social generalizado, unificadoe centralizado, assim como a cria~ao de urn servi~o de saude gratuitoe acesslvel a todos; depois urn segundo, em 1944, Full employmentin a Free Society I Du travail pour tous <strong>da</strong>ns une societe libre,trad. fro H. Laufenburger e J. Domarchi, Paris, Domat-Montchrestien,1945, que contribuiu largamente para popularizar as teseskeynesianas. 0 primeiro relatorio nunca foi integralmente traduzidoem franc;es (sobre as sinteses, comentarios e analises publicadosem frances nos anos 1940, d. N. Kerschen, "L'influence du rapportBeveridge sur Ie plan fran,ais de securite sociale de 1945", Revuefran,aise de science politique, vol. 45 (4), agosto de 1995, p. 571).Cf. R. ServOlse, Le Premier Plan Beveridge, Ie Second Plan Beveridge,Pans, Domat-Montchrestien, 1946. M. Foucault evoca 0 plano Beveridgeem diversas conferencias e entrevistas. Cf. nota<strong>da</strong>mente:"Crise de la medecine au crise de l'antimedecine?" (1976), DE, iII,n? 170, pp. 40-2; "Un systeme fini face aune demande infinie"(1983), DE, IV, n? 325, p. 373.39. W. Ropke, "Das Beveridgeplan", Schweizerische MonatsheftefUrPolitik und Kultur, junho-julho de 1943. Essa critica do pIanoBeveridge e resumi<strong>da</strong> por "Ropke em Civitas Humana, trad. cit.,pp. 226-43 (ef. infra, aula de 7 de mar,o de 1979, p. 286, nota 5).Como nota K. Tribe, referindo-se a essa passagem do curso, emStrategies ofEconomic Order; German Economic Discourse 1750-1950Cambridge University Press, 1995, p. 240: "There is some artistic li~


176 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA AUlA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1979 177cenee at work here: for Ropke does not seem to have committedhimself in so many words."40. Sobre a estrutura juridica do Estado nacional-socialista,M. Foucault havia lido nota<strong>da</strong>mente as obras de M. Cot, La Conceptionhitlfnenne du droit, tese de direito, Toulouse, Impr. du Commerce,1938, e de R. Bannard, Le Droit et rEtat <strong>da</strong>ns la doctrine national-socialiste,Paris, Librairie Generale de Droit et de Jurisprudence,1936, 2" ed., 1939.41. Werner Sombart (1863-1941): urn dos principais representantes,com A. Spiethoff e M. Weber, <strong>da</strong> ultima gera,ao <strong>da</strong> Escolahist6rica alema. Professor de economia em Bedim a partir de1917. Sua primeira grande obra, Der moderne Kapitalismus (Leipzig,Duncker & Humblot, 1902), se inscreve na continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong>steses de Marx e Ihe vale uma reputa~ao de socialista. Em 1924, eleadere ao programa <strong>da</strong> revolw;ao conseIVadora e se torna, em 1933,membro <strong>da</strong> Akademiefir deutsches Recht. A despeito <strong>da</strong> sua adesaoao principio do Fuhrer, ele nao subscreve as teorias raciais nacional-so<strong>da</strong>listas.Seus Ultimos livros, inclusive Deutscher Sozialismus,serao mal recebidos pelo regime.42. Deutscher Sozialismus, Berlim-Charlottenburg, Buchholzund Weisswange, 1934 / A New Social Philosophy, trad. ingl. K. F.Geiser, Princeton-Londres, Princeton University Press, 1934 / LeSocialisme allemand: une theorie nouvelle de la societe, trad. fro G.Welter, Paris, Payot, 1938; reed. com prefacio de A. de Benoist, Pardes,IIRevolution conservatrice", 1990.43. Cf. H. Marcuse, One-dimensional Man: Studies in the ideologyof advanced industrial societies, Boston, Beacon Press, 1964 /L'Homme unidimensionnel, trad. fro M. 'Wittig, Paris, Minuit, 1968;reed. Seuit "Points", 1970.44. W. Sombart, Le Socialisme allemand, trad. cit., parte I, "L'ereeconomique", cap. 2, "La transformation de la societe et de l"Etat",e 3, "La vie spirituelle", ed. 1990, pp. 30-60.45. Cf. W. Sombart, Der moderne Kapitalismus / LApogee du capitalisme,trad. fro S. lankelevitch, Paris, Payot, 1932, parte III, cap.53, e Das Proletariat, Frankfurt/M., Rutter und Loening, 1906, emque denunciava a soli<strong>da</strong>o e 0 desarraigamento dos trabalhadoresproduzidos pela "era economica".46. Cf. G. Debord, La Societe du spectacle, Paris, Buchet-Chastel,1967. as livros de Marcuse e de Debord, a que Foucault fazaqui alusao, constituiam as duas grandes referencias <strong>da</strong> critica simacionistadesde 0 fun dos anos 1960 (cf. ja a ultima aula do cursoprecedente, 5 de abril de 1978, Securite, Territoire, Population, pp.346 e 368, n. 15).47. Cf. W. Ropke, Civitas Humana, trad. cit., pp. 118 e 121: "05ucesso dessa escola [saint-simonianaJ provinha do seguinte fato:tirava-se do cientificismo as Ultirnas conseqiiencias para a vi<strong>da</strong> sociale para a politica e chegava-se assim ameta inevitavel dessecaminho: ao coletivismo, que transporta para a pratica economicae politica a elimina


178 NASCIMENTO DA BIOPOLITICApela "Reduktion des tatsachlich Gegebenen auf reine Faile" (redu,aodo <strong>da</strong>do fatual a casas puros) (p.21).51. Sabre a intui~a.o cia essencia, ou erdos, em oposi~ao aintui~aoempirica, d. E. Husser!, Idees directrices pour une phtnomtnologie,trad. fro P. Ricoeur, Paris, Gallimard, 1950, pp. 19-24.52. F. Bilger, La Pensee economique liberale..., p. 155: "A teonacia concorrencia perfeita nao econsidera<strong>da</strong> pelos liberais uma teoriapositiva, mas uma teoria normativa, urn tipo ideal que eprecisose esforc;ar para alcant;ar."53. Cf. supra, p. 144.54. F. Bilger, La Pensee economique liberale..., p. 52: "A morfologiaeconomica {isto e, a anaIise tipo16gica dos sistemas economicos]proporciona, de acordo com Walter Eucken, 'urn vinculo solidoentre a visao empirica dos acontecimentos hist6ricos e a anaIisete6rica geral, necessaria acornpreensao <strong>da</strong>s relac;oes'." Sabre aarticular;a.o cia analise morfo16gica <strong>da</strong> moldura com a analise teoricados processos economicos no seio desta, d. ibid., pp" 54-5.AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979a neoliberalismo alemiio (III). - Utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s analiseshist6ricas em rela(iio ao presente. - Em que 0 neoliberalismo sedistingue do liberalismo classico? - Seu desafio espedfico:como regular 0 exercicio global do poder politico com base nosprincipios de uma economia de mercado e as transfonna(oesque <strong>da</strong>{ decorrem. - a descolamento entre a economia de mercadoe as politicas do laissez-faire" - a col6quio Walter LippMmann (26-30 de ogosto de 1938). - 0 problema do eshlo doa(ao governamental. Tres exemplos: (a) a questao dos monopoMlios; (b) a questao <strong>da</strong>s "a(oes confonnes". as fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong>politica economica segundo W Eucken. Ap3es reguladoras eap3es ordenadoras; (c) a polftica social. A critica ordoliberal <strong>da</strong>economia do bem-estar. - A socie<strong>da</strong>de como ponto de aplica(ao<strong>da</strong>s interven(oes governamentais. A "politica de socie<strong>da</strong>de"(Gesellschaftspolitik). - Pn"meiro aspecto dessa polftica: aformalizapio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de com base no modelo <strong>da</strong> empresa. ­Socie<strong>da</strong>de empresarial e socie<strong>da</strong>de judicitiria, duas faces de ummesmo fenomeno.Eu gostana de continuar hoje 0 que tinha come~ado alhes dizer a prop6sito do liberalismo alemao. Quando sefala do neoliberalismo, alemao ou nao, alias, enlim do neoliberalismocontemporiineo, obtem-se em geral tres tiposde resposta.Primeiro, esta: do ponto de vista economico, a que eaneoliberalismo? Na<strong>da</strong> mais que a reativa~ao de velhas teoriaseconomicas ja surra<strong>da</strong>s.Segundo, do ponto de vista sociol6gico, 0 que e 0 neoliberalismo?Na<strong>da</strong> mais que aquilo atraves do que passa ainstaura~ao, na socie<strong>da</strong>de, de rela~6es estritamente mercantis.Por lim, terceiro, de um ponto de vista politico, 0 neoliberalismona<strong>da</strong> mais e que uma cobertura para uma interven~aogeneraliza<strong>da</strong> e administrativa do Estado, intetven-


180 NASCIMENTO DA BIOPOLfTICA AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 181~ao tanto mais pesa<strong>da</strong> quanta mais insidiosa e quanta maisse mascarar sob os aspectos de urn neoliberalismo.Esses tres tipos de resposta, como voces percebem, fazero0 neoliberalismo aparecer como nao sendo, aflnal decontas, absolutamente na<strong>da</strong> QU, em todo caso, na<strong>da</strong> maisque a mesma coisa de sempre, e a mesma coisa de semprepiora<strong>da</strong>. Ou seja: e A<strong>da</strong>m Smith apenas urn pouco reativado;segundo, e a socie<strong>da</strong>de mercantil, a mesma que 0 livroI do Capital havia decodificado, denunciado; terceiro, e ageneraliza~ao do poder de Estado, isto e, e Soljenitsin' emescala planetana.A<strong>da</strong>m Smith, Marx, Soljenitsin, laissez-faire, socie<strong>da</strong>demercantil e do espetaculo, universe concentracionano eGulag: eis, grosso modo, as tres matrizes analiticas e criticascom as quais geralmente se abor<strong>da</strong> esse problema do neoliberalismo,0 que permite portanto nao fazer praticamentena<strong>da</strong> a seu respeito, refazer iterativamente 0 meSilla tipo decritica dos ultimos duzentos, cern, dez anos. Ora, 0 que eugostaria justamente de Ihes mostrar e que 0 neoliberalismoe, no fim <strong>da</strong>s contas, Dutra coisa. Grande coisa au paucacoisa, eu nao sei, mas certamente alguma coisa. Eeessa algumacoisa na sua singulari<strong>da</strong>de que eu gostaria de apreender.Porque, se e ver<strong>da</strong>de que pode haver certo numero deefeitos politicos importantes, podemos dizer preciosos, emfazer analises hist6ricas que Se apresentam, precisamente,como historicas e procuram detectar urn tipo de pniticas,de formas de institui~6es,etc., que possam ter tido cursoe lugar por certo tempo e em certos lugares, se pode ser importante,afinal, mostrar 0 que foi num momento <strong>da</strong>do, seila, urn [mecanisme de]* prisao ever qual e 0 efeito produzidopor esse tipo de analise puramente historica numa situa~aopresente, nao e em absoluto e nao e nunca para dizerimplicitamente, e com maior razao explicitamente, queo que era entao e 0 que e agora. 0 problema e deixar agir.. Conjectura: palavra inaudivel.o saber do passado sobre a experiencia e a pratica do presente.Nao e em absoluto para laminar 0 presente numaforma reconheci<strong>da</strong> no passado, mas que valeria no presenteoEssa transferencia dos efeitos politicos de uma analisehistorica sob a forma de uma simples repeti~ao e sem duvi<strong>da</strong>0 que ha que evitar a qualquer pre~o, e e por isso queinsisto nesse problema do neoliberalismo, para tentar separa-Io<strong>da</strong>s criticas que sao feitas a partir de matrizes historicaspura e simplesmente transpostas. 0 neoliberalismonao e A<strong>da</strong>m Smith; 0 neoliberalismo nao e a socie<strong>da</strong>demercantil; 0 neoliberalismo nao e 0 Gulag na escala insidiosado capitalismo.o que e portanto esse neoliberalismo? Na ultima vez,procurei lhes indicar pelo menos qual era 0 seu principioteorico e politico. Procurei Ihes mostrar como, para 0 neoliberalismo,0 problema nao era em absoluto saber, <strong>da</strong> mesrnamaneira que no liberalismo do tipo A<strong>da</strong>m Smith, no Iiberalismodo seculo XVIII, como, no interior de uma socie<strong>da</strong>depolitica ja <strong>da</strong><strong>da</strong>, era possivel recortar, arranjar urnespa~o livre que seria 0 do mercado. 0 problema do neoliberalismoe, ao contrario, saber como se pode regular 0exercicio global do poder politico com base nos principiosde uma economia de mercado. Nao se trata portanto de Iiberarurn espa~o vazio, mas de relacionar, de referir, de projetarnuma arte geral de govemar os principios formais deuma economia de mercado. Eesse, a meu verI 0 desafio. Eeu havia procurado lhes mostrar que, para conseguir fazeressa opera~ao, isto e, saber ate que ponto e em que medi<strong>da</strong>as principios fonnais de uma economia de mercado podiamindexar uma arte gera! de govemar, os neoliberais haviamsido obrigados a fazer 0 liberalismo classico passar porcerto numero de transforma~6es.A primeira dessas transforma~6es, que procurei lhesmostrar na ultima vez, era essencialmente a dissocia~ao entrea economia de mercado, 0 principio economico do mercado,e 0 principio politico do laissez-faire. Creio ter sidoesse descolamento entre a economia de mercado e as poli-


182NASCIMENTO DA BIOPOLtrrCAAULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979183licas de laissez-faire 0 que havia sido oblido, 0 que havia sidodefinido - em todo caso, 0 principio disso havia sido estabelecido- a partir do momenta em que os neoliberais 00­Vlam apresentado um~teoria ~a concorrencia pura, que fa­Zla surgrr essa cancarrenCla nao como urn <strong>da</strong>do primitivo enatural que estaria, de c,erta modo, no proprio principia, nofun<strong>da</strong>mento dessa socle<strong>da</strong>de, e bastaria de certo mododeixar subir de volta asuperficie e redescobrir; a concorren~cia, longe disso, era uma estrutura, uma estrutura dota<strong>da</strong> deproprie<strong>da</strong>des formais, [e] eram essas proprie<strong>da</strong>des formais<strong>da</strong> estrutura concorrencial que asseguravam e podiam assegurara regula


184 NASCIMENTO DA BIOPOWlCA AUlA DE 14 DE FEVERE/RO DE 1979 185eurn govemo ativo, eurn govemo vigilante, eurn govemointervencionista, e com f6rmulas que nem 0 liberalismo cl;,ssicado seculo XIX nem 0 anarcocapitalismo americana poderiamaceitar. Eucken, por exemplo, diz: "0 Estado e responsavelpelo resultado <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de econornica.'''' FranzBohm diz: "0 Estado deve dominar 0 devir economico.""Miksch diz: "Nessa politica liberal" - essa frase e importante-"e possivel que nessa politica liberal 0 numero <strong>da</strong>s intervenc;6eseconomicas seja tao grande quanto numa politicaplanificadora, mas sua natureza e diferente."l~ Pais bern,creio que temos aqui, nesse problema <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>s intervenc;6es,urn ponto a partir do qual poderemos abor<strong>da</strong>r 0que ha de especifico na politica neoliberal. 0 problema, emlinhas gerais, do liberalismo do seculo XVIII - inicio do seculoXIX, era, como voces sabem, demarcar entre as a~6esque deviam ser executa<strong>da</strong>s e as ac;5es que naD deviam serexecuta<strong>da</strong>s, entre as areas em que se podia intervir e as areasem que nao se podia intervir. Era a demarcac;ao <strong>da</strong>s agen<strong>da</strong>/nonagen<strong>da</strong>"'. Posic;ao ingenua aos olhos dos neoliberais,cujo problema nao e saber se ha coisas em que nao se podemexer e outras em que se tern 0 direito de mexer. 0 problemae saber como mexer. E0 problema <strong>da</strong> maneira de fazer,e 0 problema, digamos, do estilo govemamental.Para mostrar como os neoliberais definem 0 estilo deac;ao govemamental, vou tomar tres exemplos. Serei aomesmo tempo esquematico, breve e brutal. Mas voces vaover que sao coisas que voces certamente conhecem, ate porqueestamos nos banhando nelas. Gostaria simplesmentede lhes indicar, sem aprofun<strong>da</strong>r, de forma esquematica, trescoisas: primeiro, a questao do manapotio; segundo, 0 problema<strong>da</strong>quilo que os neoliberais chamam de ac;ao economicaconforme; terceiro, 0 problema <strong>da</strong> politica social. Depois,a partir <strong>da</strong>i, procurarei Ihes apontar algumas <strong>da</strong>s caracteristicasque me parecem especificas, justamente, a esseneoliberalismo e que 0 op6em absolutamente a tudo 0 quese imagina criticar em geral quando se critica a politica liberaldo neoliberalismo.Primeiro, portanto, a questao dos monop6lios. Maisuma vez me perdoem, e muito banal, mas creio que temosde passar por ai, nem que seja para atualizar alguns problemas.Digamos que, na concepc;ao ou numa <strong>da</strong>s concepc;6esclassicas <strong>da</strong> econornia, 0 monop6lio e considerado uma consequenciaem parte natural, em parte necessaria, <strong>da</strong> concorrenciano regime capitalista, ou seja, nao se pode deixara concorrencia se desenvolver sem que apares;am, ao mesmotempo, fenomenos monopolisticos que tern precisamentepor efeito limitar, atenuar, no limite ate mesmo anulara concorrencia. Seria portanto inerente a16gica hist6rico-economica<strong>da</strong> concorrencia suprimir a si mesma, teseessa que implica, evidentemente, que todo liberal que preten<strong>da</strong>garantir 0 funcionamento <strong>da</strong> livre concorrencia ternde intervir no interior dos mecanismos economicos, precisamentesobre aqueles que facilitam, trazem em si e determinam0 fenomeno monopolistico. Ou seja, se se quer salvara concorrencia dos seus pr6prios efeitos, e necessariointervir sobre os mecanismos economicos, as vezes. Eesseo paradoxo do monop6lio para uma economia liberal quecoloca 0 problema <strong>da</strong> concorn§ncia e aceita, ao mesmo tempo,a ideia de que 0 monop6lio faz efetivamente parte <strong>da</strong>l6gica <strong>da</strong> concorrencia. Claro, como voces podem imaginar,a posic;ao dos neoliberais vai ser bern diferente, e seu problemasera demonstrar que na ver<strong>da</strong>de 0 monop6lio, a tendenciamonopolistica nao faz parte <strong>da</strong> 16gica economica ehistorica <strong>da</strong> concorrencia. Ropke, na Gesellschajtskrisis, dizque 0 monop6lio e "um corpo estranho no processo economico"e que ele nao se forma espontaneamente 21 • Em apoioa essa tese, os neoliberais <strong>da</strong>o certo ntimero de argumentosque situo para voces apenas a titulo indicativo.Em primeiro lugar, argumentos de tipo hist6rico, a saber,que na ver<strong>da</strong>de 0 monop6lio, longe de ser urn fenomenode certo modo ultimo e recente na hist6ria <strong>da</strong> economialiberal, eurn fenomeno arcaico, e urn fenomeno arcaico quetern essencialmente por principio a intervenc;ao dos poderespublicos na economia. Minai, se ha monop6lio, e por-


186 NASCIMENTO DA BIOPOrlrlCAAULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 187que as poderes pUblicos, au as que naquele momenta <strong>da</strong>doasseguravam as fun~6es, a exercfcio do poder publico, concederamas corpora~6es e as fabricas privilegios, e porqueo~ ~stados ou as s~beranos concederam monopolios a indlVlduosau a famihas, em troca de certo numero de servi­~os financeiros na forma de uma especie de fiscali<strong>da</strong>de denva<strong>da</strong>au mascara<strong>da</strong>. Foi a caso, par exemplo, do monopohodos Fugger, concedldo par Maximiliano I em troca deservi~os financeiros". Em suma, a desenvolvimento, no decorrer<strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Media, de uma fiscali<strong>da</strong>de, condi~ao par suavez do creSClmento de urn poder centralizado, acarretou acria5ao dos monopolios. 0 monopolio, fen6meno arcaico efenomeno de interven~ao.Analise tambem juridica <strong>da</strong>s condi~6es de funcionamentado direito que possibilitaram au facilitaram a monopolio.. Em que as praticas de heran~a, em que a existencia deurn dlfelto <strong>da</strong>s socle<strong>da</strong>des par a~ao, em que tambem as direltosde patente, etc. puderam, par causa de urn funcioname:,tojuridico e nao [P?r] raz6es economicas, engendrar asfenomenos de monopolio? Aqui as neoliberais colocaramto<strong>da</strong> uma serie de problemas mais historicos e mais institucionaisdo que propriamente econ6micos, mas que abriramcammho para to<strong>da</strong> uma serie de pesquisas interessantissimassabre a quadro politico-institucional de desenvolviment.odo capitalismo, de que as americanos, as neoliberaisamencanos, tirarao proveito. As ideias de North'" par exempia,sabre a desenvolVlffiento do capitalismo estao exatamenten;ssa linha que foi aberta pelos neoliberais e cujaproblematica aparece claramente em vanas interven~6es docoloquio Lippmann.~utro arpumento para mostrar que a fenomeno mo­~opohsticonao pertence de plena direito e de plena IOgicaa e~onornla <strong>da</strong> ~oncorrenc~a ~ao. as ami.lises polfticas sabreo VInculo que ha entre a eXlstencla de uma economia nacional,a protecionismo alfandegario e a monopolio. Von Mises,por exernplo, faz to<strong>da</strong> uma serie de analises sabre issd 4 •Ele mostra que, par urn lado, ha uma facilita~ao do fenomenomonopolistico pela fragmenta~ao dos mercados nacionaisque, reduzindo as uni<strong>da</strong>des economicas a dimens6esrelativamente pequenas, possibilita efetivamente a existencia,no interior dessa moldura, de fenomenos de monop6­lio que naG subsistiriam numa economia mundia12~. Elemostra, roais positivamente, mais diretamente, como 0 protecionismo,decidido par urn Estado, s6 pode ser eficaz namedi<strong>da</strong> em que se cnam, se trazem aexistencia carteis oumonopolios capazes de controlar a produ~ao, a ven<strong>da</strong> paraa exterior, a nivel dos pre~os, etc."" Era, grosso modo, a politicabismarckiana.Em terceiro lugar, economicamente, as neoliberais chamama aten~ao para a seguinte. Eles dizem: e ver<strong>da</strong>de aque se diz na analise clcissica quando se mostra que, no capitalismo,a aumento necessano do capital fum constituiurn suporte inegavel para a tendencia a concentra~ao e aomonapcHo. Mas, dizem eles, primeiro essa tendencia aconcentra~aonaoconduz necessaria e fatalmente ao monopolio.Existe, e claro, urn 6timo de concentra


188 NASCIMENTO DA BIOPOLfnCA AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 189outras variaveis que serao dominantes em Qutros momentos.Em sua dinamica de conjunto, a economia cia concorrenciacomporta to<strong>da</strong> uma serie de variaveis em que a tendenciaaconcentra


190 NASCIMENTO DA BIOPOLITICAA


192 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCAMais interessantes, por nos aproximarem mais do objetoproprio, sao as a~6es ordenadoras. 0 que sao a~6es ordenadoras?Pois bem, [sao] a~6es que tem por fun~aointervirnas condic;6es do mercado, mas nas condic;6es mais fun<strong>da</strong>mentais,mais estruturais, mais gerais do que essas deque acabo de lhes falar. De fato, nao se deve rmnca esquecer0 principio de que 0 mercado e um regulador economicoe social geral, 0 que nao quer dizer, entretanto, que ele eum <strong>da</strong>do natural que pode ser encontrado na base <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.Ao contrano, ele constitui (perdoem-me lhes dizerisso mais uma vez), ele constitui, no topo, uma especie demecanisme sutil muito segura, mas 56 se funcionar bern ese na<strong>da</strong> vier perturba-lo. Por conseguinte, a preocupa~aoprincipal e constante <strong>da</strong> interven~ao governarnental, foradesses momentos de conjuntura de que lhes falava ha. pouco,devem ser as condic;6es de existencia do mercado, isto e,o que as ordoliberais chamam de "rnoldura"4{l.o que e uma politica de moldura? Creio que 0 exemploaparecera claramente se tomarmos um texto de Eucken,justarnente em suas Grundsiitze, isto e, um texto de 1952,em que ele retoma 0 problema <strong>da</strong> agricultura, <strong>da</strong> agriculturaa1ema, mas, diz ele, isso vale tambem para a maioria <strong>da</strong>sagriculturas europeias". Pois bem, diz ele, essas agriculturas,no fundo, nunca foram integra<strong>da</strong>s normalmente, completamente,exaustivamente a economia de mercado. Elasnao 0 foram por causa <strong>da</strong>s prote~6es aduaneiras que, emAULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 193to<strong>da</strong> a Europa, delimitaram, recortaram a agricultura europeia,os espa~os agricolas europeus; prote~6es aduaneirasque se tornavam indispensaveis ao mesmo tempo pelas eliferen~astecnicas e, de modo geral, pela insuficiencia tecnicade ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s agriculturas. Diferen~as e insuficiencias,to<strong>da</strong>s elas liga<strong>da</strong>s aexistencia de uma superpopula~aoquetomava inutil e, na ver<strong>da</strong>de, indesejavel a intervenc;ao, a inser~aodesses aperfei~oamentos tecnicos. Por conseguinte,se se quiser - 0 texto <strong>da</strong>ta de 1952 - fazer a agricultura europeiafuncionar numa economia de mercado, 0 que serapreciso fazer? Sera preciso agir sobre <strong>da</strong>dos que nao sao diretamenteclados economicos, mas sao clados condicionantespara uma eventual economia de mercado. Sera pr,:­ciso agir sobre 0 que, portanto? Nao sobre os pre~os, naosobre deterrninado setor, assegurando 0 apOlo a esse setorpoueD rentavel - tudo iSBa sao intervenc;6es ruins. As boasinterven~6esvao agir sobre 0 que? Pois bem, sobre a moldura.Isto e, em primeiro lugar, sobre a popula~ao. A popula~aoagricola e numerosa demai~ - pois entao sera preclsodiminui-la por meio de interven~oesque posslbllitem traIlsferenciasde popula~ao, que possibilitem uma mlgra~ao,etc. Sera preciso intervir tambem nas tecnicas, pondo adisposi~ao<strong>da</strong>s pessoas certo numero de ferramentas, peloaperfei~oamentotecnico de certo numero de.elementos ;elacionadosaos adubos, etc.; intervir sabre a tecmca tambempela forma~ao dos agricultores e pel~ ensino que lhes seraproporcionado, que lhes posslblhtara modlficar de fa~o astecnicas [agricolas]. Em terceiro lugar, modlficar tambem 0regime juridico <strong>da</strong>s terras, em particular com leis sobre aheranc;a, com leis sabre 0 arren<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>s terras, tentarencontrar os meios de fazer intervir a legisla~ao, as estruturas,a institui~ao de socie<strong>da</strong>des por a~ao na agr;cultura, etc.Em quarto lugar, modificar na medi<strong>da</strong> do possIVel a _aloca­~ao dos solos e a extensao, a natureza e a explora~ao dossolos disponiveis. Enfim, no limite, e preciso inteIVir sobreo c1ima 42 .Popula~ao, tecnicas, aprendizagem e educa~ao, regimejuridico, disponibili<strong>da</strong>de dos solos, dima: tudo iS50 sao eh,­mentos que, como voces veem, nao sao diretamente economicos,nao tocam nos mecanismos especificos do mercado,mas sao para Eucken as condi~6e5 em que sera possivel fazera agricu1tura funcionar como urn mercado, a agnc~lturanum mercado. A ideia nao era: <strong>da</strong>do 0 estado de COlsas,como encontrar 0 sistema economico capaz de 1evar emconta os <strong>da</strong>dos basicos propri05 <strong>da</strong> agricultura europeia?Mas sim: <strong>da</strong>do que 0 processo de regula~ao economico-politicoee nao pode ser senao 0 mercado, como modlficar essasbases materiais, cu1turais, tecnicas, juridicas que estao


194 NASCIMENTO DA BIOPOLiTlCA<strong>da</strong><strong>da</strong>s na Europa? Como modificar esses <strong>da</strong>dos, como modificaressa moldura para que a economia de mercado intervenha?E voces veem ai uma coisa sobre [a qual] tomareI<strong>da</strong>qUl a pouco: que, afinal, tanto a interven


196 NASGMENTO VA BIOPOLtrlCA AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 197que nao trabalhem, ou que haja salanos altos e salarios baixos,e preciso q.:'e os pre~os tambem subam e des~am, paraque as regula~oes se fa~am. Por conseguinte, uma politicasocial que tivesse por objeto principal a igualiza~ao, ain<strong>da</strong>que relativa, que adotasse como tema central a reparti~ao,ain<strong>da</strong> que relativa, essa politica social seria necessariamenteantieconomica. Vma politica social nao pode adotar aigual<strong>da</strong>de como objetivo. Ao contrano, ela deve deixar a desigual<strong>da</strong>deagir e como dizia... nao sei mais quem, acho queera Ropke que dlZla: as pessoas se queixam <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de,mas 0 que isso quer dizer? "A desigual<strong>da</strong>de e a mesmapara todos"", diz ele. F6rmula que, evidentemente, pode parecerenigmatica, mas que e facil compreender a partir domo~ento em que se considera que, para eles, 0 jogo economlco,com os efeitos desigualitarios que ele comporta, euma especie de regulador geral <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, a que, evidentemente,tod~s devem se prestar e se dobrar. Logo,na<strong>da</strong> de 19uallZa~ao e, por conseguinte, de modo mais preciso,na<strong>da</strong> de transferencia de ren<strong>da</strong> de uns para os outros.[Mais particularmente, uma transferencia de ren<strong>da</strong> e perigosaquando tira<strong>da</strong> <strong>da</strong> parte <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> que e produtora depoupan~a e de investimento.]* Por conseguinte, tira-la seriasubtrair do investimento uma parte de ren<strong>da</strong> e dedica-laao consuma. A unica coisa que se pode fazer ehrar dos rendimentosmais altos uma parte que, de qualquer modo, seriaconsagra<strong>da</strong> ao consuma OU, digamos, ao sobreconsumo,e transferir essa parte de sobreconsumo para os que,seja por raz6es de desvantagem definitiva, seja por raz6esde vicissitudes compartilha<strong>da</strong>s, se acham num estado desubconsumo. E na<strong>da</strong> mais. Logo, como veem, carater fiuitolimitado <strong>da</strong>s transferencias sociais. Em linhas gerais, trata-sesimplesmente de assegurar, nao a manuten~ao de um>I- Manuscrito, p. 16. Passagem inaudivel na grava~ao: [...] cia parte<strong>da</strong> ren<strong>da</strong> uma fatia que normalmente se dirigiria para a poupan~a ouo investimentopader aquisitivo, isso de forma alguma, mas de um minimovital para os que, de modo definitivo ou passageiro, nao poderiamassegurar sua pr6pria existencia*. Ea transferenciamarginal de um miiximo a um minimo. Nao e em absolutoo estabelecimento, a regula~ao tendente a uma media.Em segundo lugar, 0 instrumento dessa politica social,se e que podemos chamar isso de politica social, nao sera asocializa~ao do consumo e <strong>da</strong> ren<strong>da</strong>. S6 pode ser, ao contrano,uma privatiza~ao,ista €, naD se vai pedir asocie<strong>da</strong>deinteira para garantir os individuos contra os riscos, sejam osriscos individuais, do tipo doen~a ou acidente, sejam os riscoscoletivos, como os <strong>da</strong>nos materiais, por exemplo; nao sevai pedir it socie<strong>da</strong>de para garantir os individuos contra essesriscos. Vai-se pedir asocie<strong>da</strong>de, ou antes, aeconomia,simplesmente para fazer que todo individuo tenha rendimentossuficientemente elevados de modo que possa, sejadiretamente e a titulo individual, seja pela intermedia~aocoletiva <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des de aju<strong>da</strong> mutua, se garantir por simesmo contra os riscos que existem, ou tambem contra osriscos <strong>da</strong> existencia, ou tambem contra essa fatali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>existencia que sao a velhice e a morte, a partir do que constituisua pr6pria reserva priva<strong>da</strong>. Ou seja, a politica socialdevera ser uma politica que tera por instrumento, nao atransferencia de uma parte <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> ao outro, mas a capitaliza~aomais generaliza<strong>da</strong> possivel para to<strong>da</strong>s as classessociais, que tera por instrumento 0 seguro individual e mlltu~,que tera por instrumento enfim a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>.E 0 que os alemaes chamam de "politica social individual",em oposi~ao it politica social socialista"'. Trata-se de uma individualiza~ao<strong>da</strong> politica social, uma individualiza~ao pelapolitica social em vez de ser essa coletiviza~aoe essa socializa~aopor e na politica social. Em suma, nao se trata de as->I- 0 manuscrito acrescenta: "Mas, como nao se pode defini-lo 10minimo vital], sera sem duvi<strong>da</strong> a divisao <strong>da</strong>s transferencias de consumopossiveis."1


198 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCA AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 199segurar aos individuos uma cobertura social dos riscos, masde conceder a ca<strong>da</strong> urn uma especie de espa


200 NASCIMENTO DA BIOPOLiTICA AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 201guem, urn dos palestrantes, que, em 1939, sempre buscandoessa nova defini~ao do liberalismo, dizia: nao poderiamoschama-Io de "liberalismo socioI6gico""? Em todo caso,e um govemo de socie<strong>da</strong>de, e uma politica de socie<strong>da</strong>de 0que os neoliberals querem fazer. Alias, foi Miiller-Armackque deu it politic~ de Erhard 0 nome significativo de Gesellschaftspolitik".E uma politica de socie<strong>da</strong>de. As palavras,afinal, querem dizer 0 que [dizem] *, e a trajet6ria <strong>da</strong>s palavrasindica de fato os processos que elas podem indicar.Quando Chaban, em 1969-70, prop6e uma politica economicae social, ele a apresenta como urn projeto de socie<strong>da</strong>de,isto e, ele fara exatamente <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de 0 alvo e 0 objetivo<strong>da</strong> pratica govemamental". E nesse momenta passa-sede urn sistema, falando grosseiramente, de tipo keynesiano,que havia mals ou menos persistido na politica gaullista, auma nova arte de govemar, a que sera efetivamente retoma<strong>da</strong>por Giscard". Eesse 0 ponto de fralura: 0 objeto dea~ao govemamental e 0 que as alemaes chamam de IIdie 50­ziale Urnwelt""\ 0 ambiente social.Ora, em rela~ao a essa socie<strong>da</strong>de que se tomou portanto,agora, 0 pr6prio objeto <strong>da</strong> interven~ao govemamental,<strong>da</strong> prMica governamental, 0 que 0 governo sociol6gicoquer fazer? Ele quer fazer, e claro, que 0 mercado seja possive!.Tern de ser possivel se se quiser que desempenhe seupapel de regulador geral, de principio <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de politica.Mas 0 que isso quer dizer: introduzir a regula~ao domercado como principio regulador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de? Quereradizer a instaura~ao de uma socie<strong>da</strong>de mercantil, isto e, deuma socie<strong>da</strong>de de mercadorias, de consumo, na qual 0 valorde traea constituiria, ao meSilla tempo, a medi<strong>da</strong> e 0 criteriageral dos elementos, 0 principio de comunica~ao dos individuosentre si, 0 principio de circula~ao <strong>da</strong>s coisas? Em outraspalavras, tratar-se-ia, nessa arte neoliberal de governo, denormalizar e disciplinar a socie<strong>da</strong>de a partir do valor e <strong>da</strong> for->I- M.F.: querem dizerrna mercantis? Sera que DaD se volta, assim, aquele mode­10 <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de massa, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de consumo, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>dede mercadorias, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de do espetaculo, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>dedos simulacros, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de, que Sombart,em 1903, havia pela primeira vez definido?'" Nao creio.Nao e a socie<strong>da</strong>de mercantil que esta em jogo nessa novaarte de governar. Nao e isso que se trata de reconstituir. Asocie<strong>da</strong>de regula<strong>da</strong> com base no mercado em que pensamos neoliberais e uma socie<strong>da</strong>de na qual 0 que deve constiluir0 principio regulador nao e tanto a troca <strong>da</strong>s mercadoriasquanta as mecanismos <strong>da</strong> concorrencia. Sao esses mecanismosque devem ter 0 maximo de supemcie e de espessurapossivel, que tambem devem ocupar 0 maior volumepossivel na socie<strong>da</strong>de. Vale dizer que 0 que se procura obternao e uma socie<strong>da</strong>de submeti<strong>da</strong> ao efeito-mercadoria, euma socie<strong>da</strong>de submeti<strong>da</strong> it dinamica concorrencia!. Naouma socie<strong>da</strong>de de supermercado - uma socie<strong>da</strong>de empresanal.0 homo oeconomicus que se quer reconshtuir DaD e 0homem <strong>da</strong> troca, naG e 0 homem consumidor, e 0 homem<strong>da</strong> empresa e <strong>da</strong> produ~ao. Estamos, aqui, num ponto importantesobre 0 qual procurarei tornar urn pouco <strong>da</strong> pr6xirnavez. Converge nele te<strong>da</strong> uma serie de coisas.Primeira, claro, a analise <strong>da</strong> empresa, que tinha se desenvolvidodesde 0 seculo XIX: analise hist6rica, analise economica,analise moral do que e uma empresa, to<strong>da</strong> a seriedos trabalhos de Weber", Sombart", Schumpeter'" sobre 0que e a empresa sustenta efetivamente em grande parte aanalise ou 0 projeto neolibera!. E, por conseguinte, se haalgo parecido com urn retorno na politica neoliberal, nao ecertamente 0 retorno a uma pratica governamental do laissez-jaire,certamente nao e 0 retorno a uma socie<strong>da</strong>de mercantilcomo a que Marx denunciava no inicio do livro I doCapital. Procura-se voltar, isso sim, a uma especie de eticasocial <strong>da</strong> empresa, de que Weber, Sombart, Schumpeterprocuraram fazer a hist6ria politica, cultural e economica.Mais concretamente, digamos assim, em 1950 Ropke escreveuurn texto que se chama OrientQf;Jo <strong>da</strong> politica eco-


202 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCAn8mica alemii e foi publicado com urn prefacio de Adenauer"".Ropke, nesse texto, nessa carta, diz que 0 objeto <strong>da</strong> a~aogovemamental, 0 alvo final, 0 objetivo Ultimo, e 0 que? Poisbern, diz ele - e enumero os diferentes objetivos estabelecidos:primeiro, permitir a ca<strong>da</strong> urn, na medi<strong>da</strong> do possivel, 0acesso Ii proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>; segundo, redu~ao dos gigantismosurbanos, substitui~ao <strong>da</strong> politica dos grandes subUrbiospor uma politica de ci<strong>da</strong>des medianas, substitui~ao <strong>da</strong>politica e <strong>da</strong> economia dos grandes conjuntos por uma polfticae uma economia de casas individuais, incentivo as pequenasuni<strong>da</strong>des de cultivo e cria~ao no campo, desenvolvimentodo que ele chama de industrias nao-proletanas,isto e, 0 artesanato e 0 pequeno comercio; terceiro, descentraliza~aodos locais de moradia, de produ~ao e de gestao,corre~ao dos efeitos de especializa~ao e de divisao do trabalho,reconstru~ao organica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de a partir <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>desnaturais, <strong>da</strong>s farrulias e <strong>da</strong>s vizinhan~as; enfim, deurn modo geral, organiza~ao, adequa~ao e controle de todosos efeitos ambientais que podem ser produzidos, ou pelacoabita~ao <strong>da</strong>s pessoas, ou pelo desenvolvimento <strong>da</strong>s empresase dos centros de produ~ao. Trata-se, em linhas gerais,diz Ropke em 1950, de "deslocar 0 centro de gravi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> a~ao govemamental para baixo"".Pais bern, esse texto, como voces devem reconhecer, foirepetido 25.000 vezes nos Ultimos 25 anos. E, de fato, 0 queconstitui atualmente a tematica <strong>da</strong> a~ao govemamental, eseria certarnente equivocado ver nisso apenas uma coberlura,uma justifica~ao e urn biombo detras do qual outracoisa se desemola. Em todo caso, e preciso procurar toma­10 pelo que ele se propoe, isto e, por urn programa de racionaliza~aoe de racionaliza~ao economica. De que se trataentao? Pois bern, quando examinamos urn pouco melhor,podemos entender tudo isso como uma especie de retomoroais ou menos rousseaunianoanatureza, alga como 0 que,alias, Rustow chamava, com uma palavra bastante ambigua,de "VitalpoUtik", politica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>"'. Mas 0 que e essa Vita/po/itikde que Rustow falava e de que temos ai uma ex-AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 203pressao? Na ver<strong>da</strong>de, nao se trata, como ,:,oces veem, deconstituir uma trama social em que 0 mdlVlduo estana emcantata direto com a natureza, mas de constimir uma trarnasocial na qual as uni<strong>da</strong>des de base teriam precisamentea forma <strong>da</strong> empresa, porque 0 que e a proprie<strong>da</strong>de priva~a,senao uma empresa? 0 que e uma casa mdlVldual, senaouma empresa? 0 que e a gestao dessas pequenas comuru<strong>da</strong>desde vizinhan~a [...J*, senao outras formas de empresa?Em outras palavras, trata-se de generalizar, difundindoase multiplicando-as na medi<strong>da</strong> do possivel, as formas "empresa"que nao devern, justamente, ser conc~ntra<strong>da</strong>s .naforma nem <strong>da</strong>s grandes empresas de escala naclOnal ou m­temacional, nem tamp.o~co ~as grandes ;mpresas ,~o ~podo Estado. Eessa mulhphca~ao <strong>da</strong> forma empresa no m­terior do corpo social que constitui, a meu ver, 0 escopo <strong>da</strong>politica neoliberal.Trata-se de fazer do mercado, <strong>da</strong> co.ncorrenciae, por conseguinte, <strong>da</strong> empresa 0 que podenamoschamar de poder enformador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.E, nessa medi<strong>da</strong>, voces veem que estamos no ponto ~econfluencia em que sem duvi<strong>da</strong> e reativado urn certo numerode velhos temas sobre a vi<strong>da</strong> familiar, a co-propne<strong>da</strong>dee to<strong>da</strong> uma serle de temas entieos, que sao os temas enticosque vemos correr por to<strong>da</strong> parte contra a so~ie<strong>da</strong>demercantil contra a uniforrniza~ao pelo consumo. E e aSSlmque voee~ tern exatamente uma eonvergencia - s:m quehaja em absoluto algo como 0 resgate, palavra que nao querdizer rlgorosamente na<strong>da</strong> -, a melO eamln~o entre a er:tieaque era feita, digamos, num estilo sombartiano, a partlr de1900 mais ou menos, contra essa socle<strong>da</strong>de mercantil, umformizadora,etc., e os objetivos <strong>da</strong> politica govemamentalatual. Eles querem a mesma coisa. Simplesmente, enganam-seos entieos que imaginam, quando denunelam un:asocie<strong>da</strong>de, digamos, "sombartiana" entre aspas, quero dizer,essa socie<strong>da</strong>de uniformizadora, de massa, de consumo,,. Th.tas ou rres palavras inaudiveis


204 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA AUlA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 205de espetaculo, etc., eles se enganam quando creem que estaocriticando 0 que e 0 objetivo atual <strong>da</strong> politica govemamental.Eles criticam outra coisa. Eles criticam uma coisaque sem duvi<strong>da</strong> esteve no horizonte implicito ou explicito,querido ou nao, <strong>da</strong>s artes de govemar dos anos [20 aos 60] *.Mas nos superamos essa etapa. Nao estamos mais ai. A artede govemar programa<strong>da</strong> por volta dos anos 1930 pelos ordoliberaise que agora se tomou a programac;ao <strong>da</strong> maioriados govemos dos paises capitalistas, pois bern, essa programac;aonao visa em absoluto a constituic;ao desse tipo desocie<strong>da</strong>de. Trata-se, ao contrano, de obter uma socie<strong>da</strong>de indexa<strong>da</strong>,nao na mercadoria e na uniforrni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mercadoria,mas na multiplici<strong>da</strong>de e na diferenciac;ao <strong>da</strong>s empresas.Eis a primeira coisa que eu queria lhes dizer. A segun<strong>da</strong>- acho que nao you ter tempo agora -, segun<strong>da</strong> consequenciadessa arte liberal de govemar, [sao] as modificac;6esprofun<strong>da</strong>s no sistema <strong>da</strong> lei e na instituic;ao juridica.Porque, na ver<strong>da</strong>de, entre uma socie<strong>da</strong>de indexa<strong>da</strong> na forma<strong>da</strong> empresa [--.J ** e uma socie<strong>da</strong>de em que 0 principalservic;o publico e a instituic;ao judiciana, h3 urn vinculo privilegiado.Quanto mais voce multiplica a empresa, quantomais voce multiplica as empresas, quanto mais voce multiplicaos centros de formac;ao de uma coisa como uma empresa,quanto mais voce forc;a a ac;ao govemamental a deixaressas empresas agirem, mais, eclaro, voce multiplica assuperficies de amto entre ca<strong>da</strong> uma dessas empresas, maisvoce multiplica as ocasi6es de contenciosos, rnais voce multiplicatambern a necessi<strong>da</strong>de de uma arbitragem juridica.Socie<strong>da</strong>de empresarial e socie<strong>da</strong>de judiciana, socie<strong>da</strong>de indexa<strong>da</strong>aempresa e socie<strong>da</strong>de enquadra<strong>da</strong> por uma multiplici<strong>da</strong>dede instituic;6es judiciarias sao as duas faces de urnmesmo fenomeno.• M.E, 1920-1960** Algumas palavras quase inaudiveis: ao rneSffiO tempo (densifi·carla?) e (multiplica<strong>da</strong>?)Enisso que gostaria de insistir na proxima vez, desenvolvendotambem outras consequencias, outras formac;6esna arte neoliberal de govemar*.... M. Foucault acrescenta:Ah, sim, esperem, eu tinha mais uma coisa a Ihes dizer, desculpem.o semimlrio cleve comesar seglUl<strong>da</strong>, dia 26. Voces sabem, quer dizer, vocesque costumam vir sabem que esse seminario sempre suscita problemas.Urn semimlrio enonnalmente uma coisa em que se pode trabalhar com 10,20 au 30 pessoas. Ele mu<strong>da</strong> de natureza e, por conseguinte, de objeto e deforma a partir do momento em que somos 80 ou 100. Teria enta~ uma pequenaindicao:;ao a <strong>da</strong>r aqueles que nao se sentem ver<strong>da</strong>deiramente envolvidos:que eles fao:;am 0 favor..., bern. Segundo. Nesse semi.nario, trataremosessencialmente <strong>da</strong> analise <strong>da</strong>s transformao:;oes dos mecanismos juridicos e<strong>da</strong>s instituio:;oes judiciarias, e do pensamento do direito, no fun do seculoXIX. No entanto, eu gostaria de consagrar 0 primeiro semi.nario a algunsproblemas de metodo e talvez a discussoes sobre as coisas de que estou falandoatualmente no curso. Entao eu sugeriria a quem, mas somente aquem tiver tempo, a quem se interessar, etc., se quiserem me fazer pergun.tas, que me escrevam no correr <strong>da</strong> semana. Receberei as cartas quarta-feiraproxima, portanto, e na segun<strong>da</strong> 26 procurarei responder aos que me fizeramperguntas. E isso. E na outra segun<strong>da</strong>, no seminario, falaremos dos temas<strong>da</strong> hist6ria do direito.


AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 207NOTAS1. Alexandre lsaievitch Soljenitsin (nascido em 1918), escritorrusso, autor de uma obra consideravel (dentre as suas obras maiscelebres: Um dia de Ivan Denissovitch, 1962; 0 primeiro circulo, 1968;o pavilhao dos cancerosos, 1968). A publica~ao no estrangeiro, em1973, de a arquipelago Gulag, "ensaio de investiga~ao literaria"consagrado adescri~ao rninuciosa do universo concentracionanosovietico, valeu ao seu autor a prisao, a per<strong>da</strong> cia ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia sovieticae a expulsao do pais. No Ocidente, ela provocou urn vasto debatesabre a natureza repressiva do sistema sovietico (d. nota<strong>da</strong>mente0 livro de A. Glucksmann, La Cuisiniere et Ie Mangeurd'hommes. Essai sur les rapports entre Etat, Ie marxisme et les camps deconcentration, Paris, Le Seuil, "Combats", 1975, a que M. Foucaultfaz alusao em sua resenha de Les Maftres penseurs do mesmo autor,em 1977: "De Stalin, os estudiosos apavorados subiam emMarx como se fosse a sua arvore. Glucksmann teve 0 topete dedescer ate Soljenitsin" (DE, 1lI, n? 204, p. 278»). Na primeira edi,aode Surveiller et punir, em 1975, Foucault empregou a expressao "arquipelagocarcerano" (p. 304; reed. "Tel", p. 347), em homenagema Soljenitsin (ef. "Questions a M. Foucault sur Ia geographie"(1976), DE, 1lI, n' 169, p. 32). 0 nome de Soljenitsin, aqui, evoeapor metonimia 0 universo concentracionano e 0 Gulag.2. Fun<strong>da</strong>do em 1894, a fim de reunir livros, brochuras e peri6dicosl.1teis ao conhecimento <strong>da</strong> "questao social", 0 Musee Socialreune cole


208 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 2091938), [?] Mercier e A. Piatier. W. Eucken, convi<strong>da</strong>do, nao obteveautoriza~ao para sair cia Alemanha.8. Cf. supra, aula de 7 de fevereiro de 1979, p. 170-1, notas 16e 21.9.0. supra, aula de 31 de janeiro de 1979, p. 130, nota 11. Atradw;;ao francesa do livro de Von Mises, Ie Socialisme, acabava desair pela Ubrairie de Medicis (editora do livro de W. Lippmann).10. jacques Rueff (1896-1978): aluno <strong>da</strong> Escola Politecnica,inspetor de finan~as, diretor do Mouvement general des fonds(antiga dire,iio do Tesouro), na epoca <strong>da</strong> Frente Popular. Economistahberal, que estabeleceu experimentalmente 0 vinculo entredesemprego e custo excessive do trabalho ("lei Rueff"), consideravaque urn sistema de pre~o5 estavel e eficaz era 0 elemento centralde uma economia desenvolvi<strong>da</strong> e que a politica economica,para defende-lo, devia combater seus <strong>da</strong>is obshkulos principais: afalta de concorrencia e a int1a~ao. Ele havia publicado, antes do co­16quio, La Crise du capitalisme, Paris, Editions de la "Revue Bleue",1935. A Epitre aux dirigistes, Paris, Gallimard, 1949, retoma e desenvolvealgumas conclusoes do col6quio. Sua obra principal eI:Ordre social, Paris, Librairie du Recueil Sirey, 1945. Cf. sua autobiogralio,De ['aube au crepuscule, Paris, Plan, 1977. M. Foucault encontrou-sevarias vezes com ele.11. Robert Marjolin (1911-1986): economista frances, comissario-geraldo Plano Monnet para a Moderniza\ao e 0 Equipamento,em 1947, depois secretano-geral <strong>da</strong> Organiza\ao para aCoopera,ao Economica Europeia (OEEC) de 1948 a 1955. 0. suasmem6rias, Le Travail d'une vie (colab. Ph. Bauchard), Paris, R. Laffont,1986.12. Raymond Aron (1905-1983): fil6sofo e soci6logo, que viriaa se afirmar depois de 1945 como urn dos defensores mais engajadosdo pensamento liberat em nome de sua rejei\ao do comunismo,s6 havia publicado ate entao La Sociologie allemande contemporaine(Paris, Felix Alcan, 1935) e suas duas teses, Introductionala philosophie de [,histoire (Paris, Gallimard, 1938) e La Philosophiecritique de [,histoire (Paris, Vrin, 1938).13. Mais precisamente em 30 de agosto de 1938 (ef. ColloqueW Lippmann, p. 107).14. Mais exatamente: Centre international d't?tudes pour larenovation du liberalisme (a sigla CIRL foi adota<strong>da</strong> no fim do col6quio,d. p. 110, mas a ata deste ultimo e publica<strong>da</strong> com a siglaCRL). d. 0 extrato dos estatutos publicado na ata do co16quio: JlOCentre International d'Etudes pour la Renovation du Liberalisme ternpor objetivo pesquisar, determinar e <strong>da</strong>r a conhecer em que osprincfpios fun<strong>da</strong>mentais do liberalismo, principalmente 0 mecanismodos pre\os, mantendo urn regime contratual <strong>da</strong> produ\ao e<strong>da</strong>s trocas gue nao exclui as interven\oes resultantes dos deveresdos Estados, permitem assegurar aos homens, em oposi\ao as diretrizes<strong>da</strong>s economias planifica<strong>da</strong>s, 0 miximo de satisfa\ao <strong>da</strong>ssuas necessi<strong>da</strong>des e a Socie<strong>da</strong>de, as condi\oes necessarias ao seuequilibria e asua dura,iio" [n.p.]. Esse Centro Internacional foiinaugurado no Musee social, dia 8 de mar\o de 1939, com umaalocu\ao do seu presidente, Louis Marlio, membro do Institut surIe neoliberalisme, e uma conferencia de Louis Rougier sobre "Leplanisme economique, ses promesses, ses n?sultats". Esses textosestao reproduzidos, com as notas estenograficas de vanas interven\6es<strong>da</strong>s sess6es posteriores, no n? 12 <strong>da</strong> revista Les Essais,1961: Ten<strong>da</strong>nces modernes du liberalisme economique.15. Trata-se de L. Rougier, in Colloque W Lippmann, op. cit., p.18: "Somente depois de solucionar essas duas quest6es previas[(1) 0 declinio do liberalismo, fora de to<strong>da</strong> e qualquer interven,aodo Estado, seria inevitavel em conseqiiencia <strong>da</strong>s pr6prias leis doseu desenvolvimento? e (2) 0 liberalismo economico pode satisfazeras exigencias sociais <strong>da</strong>s massas?] poderemos abor<strong>da</strong>r as tarefaspr6prias do que se pode chamar de liberalismo positivo." Cf.igualmente L. Madio, ibid., p. 102: "Concordo com 0 sr. Rueff, masnao gostaria que se empregasse a expressao 'liberalismo de esquer<strong>da</strong>'[ef. j. Rueff, ibid., p. 101: '[0 texto de M. Lippmann] lan,aas bases de uma politica que, de minha parte, qualifico de politicaliberal de esquer<strong>da</strong>, porque tende a <strong>da</strong>r as classes mais desprovi<strong>da</strong>s0 maior bem-estar possive}'], porgue ela nao me parece corretae porgue creio que existem, atualrnente, mais ou menos as mesmasideias a esguer<strong>da</strong> e a direita. [...] Preferiria gue se chamasseessa doutrina de 'liberalismo positivo', 'liberalismo social' ou'neoliberalismo', mas nao a palavra esguer<strong>da</strong>, que indica uma posi\aopolitica."16. W. Ropke, La Crise de notre temps, trad. cit. [supra, p. 171,nota 21], parte II, cap. 3, p. 299: "A liber<strong>da</strong>de de mercado necessitade uma politica economica ativa e extremamente vigilante, mastamberh plenamente consciente de seus objetivos e <strong>da</strong> limita\aodo seu campo de ativi<strong>da</strong>de, uma politica que nunca se sinta ten-T


210 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 211ta<strong>da</strong> a superar os limites que lhe sao atribuidos por urn intervencionismoconforrnista."17. Citado, sem referen<strong>da</strong>, por F. Bilger, La Pensee economiqueliberale de l'Allemagne contemporaine, op. cit., p. 182.18. F. Bohm, Die Ordnung der Wirtschaft als geschichtliche Aufgabeund rechtsschopferische Leistung, Stuttgart-Bedim, Kohlhammer,1937, p. 10: "A principal exigencia de todD sistema economicodigno desse nome eque a dire~ao polftica se tome senhora ciaeconomia, tanto em seu conjunto como em suas partes; enecessanaque a politica economica do Estado dontine intelectual e rnaterialmentetodD 0 devir economico" (traduzido para 0 frances ecitado por F. Bilger, op. cit., p. 173).19. Foucault, aparentemente, reproduz de maneira bern livreaqui uma frase de Leonhard Miksch tira<strong>da</strong> de um artigo de 1949("Die Geldschopfungin der Gleichgewichtstheorie", Ordo, II, 1949,p. 327), cita<strong>da</strong> por F. Bilger, ibid., p. 188: "Ain<strong>da</strong> que 0 numero deintervenr;6es corretivas que parer;am necessarias se revefe taogrande que desse ponto de vista nao haveria mais diferen~a quantitativaem rela~ao aos prop6sitos dos planejadores, 0 principio expressoaqui nao perderia seu valor."20. Cf. supra, aula de 10 de janeiro de 1979, p. 17.21. W. Ropke, La Crise de notre temps, parte II, cap. 3, p. 300:"0 monop6Ho nao e apenas socialmente injustifid.vel, mas representatambem um corpo estranho no processo economico e umfreio it produthi<strong>da</strong>de total."22. W. Ropke, ibid., p. 302: "Devemos nos lembrar que, muitasvez.es, 0 pr6prio Estado, par sua ativi<strong>da</strong>de legislativa, administrativae juridica, e que criou as condi~6es que preparam a forma­~ao dos monop6lios. I...]A curnplici<strong>da</strong>de do Estado e patente emtodos os casas em que criou 0 monop6lio por meio de uma cartaque lhe concede privilegios, procedimento esse que foi muitas vezesempregado pelos primeiros monop6lios <strong>da</strong> Europa. Mas, janaquele momento, essa maneira de agir caracterizava 0 enfraquecimentodo Estado porque, muitas vezes, 0 govemo procurava libertar-se<strong>da</strong>s suas duvi<strong>da</strong>s, como Maximiliano I na Alemanha,quando concedeu monopolios aos Fugger."23. Douglass Cecil North (nascido em 1920), The Rise of theWestern World (colab. R-P. Thomas), Cambridge University Press,1973 / L'Essor du monde occidental: une nouvelle histoire economique,trad. fro j.-M. Denis, Paris, Flammarion, 'THistoire vivante", 1980.Cf. H. Lepage, Demain Ie capitalisme, Librairie Generale Fran~aise,1978; reed. "PlOOel", p. 34 e caps. 3 e 4 (esse livro e uma <strong>da</strong>s fontesutiliza<strong>da</strong>s por Foucault nas tiltimas aulas deste curso).24. a. Colloque W Lippmann, pp. 36-7.25.1. von Mises, ibid., p. 36: "0 proteciorUsmo fragmentou 0sistema economico numa multi<strong>da</strong>o de mercados distintos e, reduzindoa extensao <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des economicas, provocou a cria~ao decarteis."26. L. von Mises, loe. cit.: "0 protecionismo so pode ter resultadoseficazes sobre um mercado nacional, em que a produ~ao jaexcede a deman<strong>da</strong>, mediante a constituit;ao de urn cartel capaz decontrolar a produ~ao, a ven<strong>da</strong> ao exterior e os pret;os."27. A. Riistow, ibid., p. 41: "A tendencia a superar 0 6timo econamieo<strong>da</strong> eoneentra~ao nao pode evidentemente ser uma tendeneiade ordem economica, no sentido do sistema coneorreneial.E antes uma tendencia monopolizadora, neofeu<strong>da</strong>l, pre<strong>da</strong>t6ria,tendencia que nao pode ter sueesso sem 0 apoio do Estado, <strong>da</strong>sleis, dos tribunais, dos magistrados, <strong>da</strong> opiniao publica."28. W. Ropke, La Crise de notre temps, parte I, cap. 3, pp. 18055.; 0 autor op6e um eerto numero de argumentos tecnicos atesesegundo a qual "0 desenvolvimento tecnico [...] leva direto aunifica~aoca<strong>da</strong> vez mais acentua<strong>da</strong> <strong>da</strong>s empresas e <strong>da</strong>s industrias".29. Colloque W Lippmann, p. 41.30. Sobre essa "politica do como se" (Als-ob Politik), teoriza<strong>da</strong>por um dos disdpulos de Eucken, Leonhard Miksch (Wettbewerbals Aufgabe [A concorrencia como dever), Stuttgart-Bedim,W. Kohlhammer, 1937, 2~ ed., 1947), que permite noo confundir 0programa ordoliberal com a deman<strong>da</strong> de uma realiza~ao <strong>da</strong> eoncorrenciaperfeita, cf. F. Bilger, La Pensee economique liberale..., pp.82,155, e todo 0 cap. 3 <strong>da</strong> parte II, "La politique economique", pp.170-206; J. Fran,ois-Poncet, La Politique economique de I'Allemagneoccidentale, op. cit., p. 63.31. Sobre a distin~ao entre as "a~6es eonformes" e as "a~6esnoo-conformes", d. W. Ropke, Die Gesellschaftskrisis der Gegenwart,op. cit., 5~ ed., 1948, pp. 258-64 / trad. cit., pp. 205-11; Civitas Humana,trad. cit. [supra, p.171, nota 21), pp. 67-8. Cf. F. Bilger, op. cit.,pp. 190-2 (conformi<strong>da</strong>de "estatiea" e conformi<strong>da</strong>de "dinarniea"em rela~ao ao modelo baseado em Ropke).32. W. Eucken, Die Grundsatze der Wirtschaftspolitik, Bema­Tiibingen, Francke & J. C. B. Mohr, 1952.


212 NASCIMENTO DA BlOPOLITICA AULA DE 14 DE FEVERElRO DE 1979 21333. Cf. supra, aula de 7 de fevereiro de 1979, p. 168, nota 9. Cf.F. Bilger, La Pensee economique fiber-ale..., p. 62: "Assim esse livro ecomo 0 inverso exato do primeiro; depois cia economia politica, apolitica econ6mica."34. Essa distin~ao nao eexplicitamente fonnula<strong>da</strong> nas Grnndsatze(sabre a Ordnungspolitik, d. pp. 242 ss.). Foucault baseia-seaqui em F. Bilger, op. cit., pp. 174-88.35. Rudolf Eucken (1846-1926): professor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>dede Basileia em 1871, depois <strong>da</strong> de lena, em 1874, onde lecionouate se aposentar. Premia Nobel de literatura em 1908. Entre assuas obras principais: Geistige Stromungen der Gegenwart (Bedim,Verleger, 1904 / Les Grandes Courants de La pensee contemporaine,trad. fro <strong>da</strong> 4~ ed. par H. Buriot e G.-H. Luquet, prefacio de E. Boutroux,Paris, F. A1can, 1912); Hauptprobleme der Rellgionsphilosophieder Gegenwart (Berlim, Reuther und Reichard, 1907 I Problemes capltauxde la philosophie de la religion au temps prisent, trad. fro Ch.Brognard, Lausanne, Payot, 1910); Der Sinn und Wert des Lebens(Leipzig, Quelle & Meyer, 1908 I Le Sens et la Valeur de la vie, trad.fro <strong>da</strong> 3~ ed. par M.-A. Hullet e A. Leicht, prefacio de H. Bergson,Paris, FAlcan, 1912). 0 qualificativo "neokantiano", tornado semduvi<strong>da</strong> <strong>da</strong> apresenta,ao de F. Bilger (op. cit., pp. 41-2), define irnperfeitamentea sua filosofia - uma "filosofia cia ativi<strong>da</strong>de" -, quese vincula muito mais acorrente de espiritualismo vitalista, matiza<strong>da</strong>de religiosi<strong>da</strong>de, que se opunha entao na Alemanha ao intelectualismoe ao cientificismo (d. G. Campagnolo, "Les trois sourcesphilosophiques de la nfflexion ordoliberale", in P. Commun,org., L'Ordollberalisme allemand, op. cit. [supra, p. 166, nota 2]),pp. 138-43. A aproximac;ao sugeri<strong>da</strong> aqui por Foucault com 0 neokantismo,a prop6sito <strong>da</strong>s "ac;6es reguladoras", remete sem duvi<strong>da</strong>adistinc;ao kantiana entre os "principios constitucionais" e os"principios reguladores" na Critique de la raison pure [Crftica <strong>da</strong> razaopura], parte I, livro II, cap. 2, se,ao 3, § 3 ("Les analogies del'experience"), trad. fro A. Tremesaygues e B. Pacaud, 6~ ed., Paris,PUP, 1968, p. 176.36.A citac;ao na ver<strong>da</strong>de e de Ropke (como alias 0 manuscritoindica), La Crise de notre temps, parte II, cap. 2, p. 243: "Mas haoutra tarefa nao menos importante [que a elaborac;ao e 0 fortalecimento<strong>da</strong> 'terceira via'}, porque, no bojo <strong>da</strong> moldura permanentellegal e institucional, 0 processo economico sempre conduziri acertos atritos de natureza passageira e a modificac;6es que podemsuscitar estados de excec;ao, dificul<strong>da</strong>des de a<strong>da</strong>ptac;ao e repercuss6esduras sobre certos gropos."37. Cf. W. Eucken, Grundsiitze, livro V, cap. 19, p. 336: "Diewirtschaftspolitische Tatigkeit des Staates sollte auf die Gestaltungder Ordnungsformen der Wlrtschaft gerichtet sein, nicth auf dieLenkung des Wrrtschaftsprozesses./f38. Trata-se <strong>da</strong> "definic;ao limitativa <strong>da</strong> intervenc;ao conforme",segundo F. Bohm, "aquela que nao se choca com as tres'tendencias' fun<strong>da</strong>mentais do mercado: a tendencia areduc;ao doscustos, a tendencia areduc;ao progressiva dos lucros <strong>da</strong>s empresase a tendencia provisoria aelevac;ao desses lucros no caso de reduc;aodecisiva dos custos e de melhora <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong>de" (p. Bilger,La Pensee economlque liberale..., pp. 190-1).39. A atribuic;ao dessa £rase a Ropke parece equivoca<strong>da</strong>. Naoha vestigio dela tampouco no col6quio Lippmann nem na obra deBilger.40. Sabre essa no,ao [em alemao Rahmen (N. do 1.)], d. F.Bilger, La Pensee economique liberale..., 180-1: "Os 'ordoliberais' nao56 procuram restringir as intervenc;6es no processo [objeto <strong>da</strong>sac;6es reguladoras], como sao favoraveis aextensao <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>dedo Estado sobre a moldura. Porque 0 processo funciona mais oumenos bern confonne a moldura esteja mais ou menos bern estrutura<strong>da</strong>.[...] A moldura e a esfera propria do Estado, a esfera publica,onde ele pode plenamente exercer a sua func;ao 'ordenadora'.Ela contem hIdo 0 que nao surge espontaneamente na vi<strong>da</strong> economica:contem, assim, reali<strong>da</strong>des que, em virtude <strong>da</strong> interdependenciageral dos fatos sociais, determinam a vi<strong>da</strong> economica ou,ao contrmo, sofrem seus efeitos: os seres humanos e suas necessi<strong>da</strong>des,os recursos naturais, a populac;ao ativa e inativa, os conhecirnentostecnicos e cientificos, a organizac;ao polltica e juridica<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, a vi<strong>da</strong> intelectual, os <strong>da</strong>dos geogrificos, as classese gropos sociais, as estruturas mentais, etc."41. M. Foucault, em seu manuscrito, remete aqui, segundoBilger (op. cit., p. 181), a W. Eucken, Grundsiitze, pp. 377-8. Essa referen<strong>da</strong>,no entanto, e inexata. Eucken nao trata espe<strong>da</strong>lmente,nessa sec;ao <strong>da</strong> obra, de quest6es relativas aagriculhIra.42. Cf. F. Bilger, op. cit., p. 185: "10 necessaria preparar a agricu1turapara 0 mercado livre, cui<strong>da</strong>ndo para que to<strong>da</strong>s as medi<strong>da</strong>stoma<strong>da</strong>s a aproximem dessa meta e nao tenham conseqih~nciasnefastas imediatas sobre os outros mercados. Para alcanc;ar 0 re-


214 NASCIMENTO DA BIOPOLmCA AULA DE 14 DE FEVERElRO DE 1979 215sultado final, 0 Estado padeni intervir sabre os clados enumeradosanteriormente, que determinam a ativi<strong>da</strong>de agricola: a popula~aoocupa<strong>da</strong> na agricultura, a tecnica utiliza<strong>da</strong>, 0 regime juridico <strong>da</strong>sproprie<strong>da</strong>des, 0 solo disponivel, 0 pr6prio clima, etc./f Cf. ibid., p.181, a ala,ao de Eucken extrai<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Gnmdsiitze, p. 378: "Sem duvi<strong>da</strong>,hci limites para a ac;ao cia pol1tica economica sabre os cladosglobais. Mas ca<strong>da</strong> uma delas e influenciavel. Mesmo 0 clima deurn pais pode ser modificado pela interven~ao humana (Selbst <strong>da</strong>sKlima eines Landes kann durch menschliches Eingretfen veriindert werden).A fortiori, outros fatores, como a quanti<strong>da</strong>de de popula,ao,seus conhecimentos e aptid6es, etc. 0 maior campo de a~ao eoferecidopelo sexto <strong>da</strong>do, a ordem juridica e social."43. Politico holandes, Sicco Leendert Mansholt (1908-1995),vice-presidente (1967-1972), depois presidente <strong>da</strong> Comissao EuropHa(1972-73), que havia trabalhado desde 1946 para a edificac;aodo Benelux, depois do Mercado Comum, Elaborou dois pIanosagI'icoIas, 0 primeiro em 1953, visando substituir por uma politicaagricola comum as politicas nacionais; 0 segundo em 1968, no qualpropunha urn programa de reestruturat;aO <strong>da</strong> agricultura comunitana("plano Mansholt"). Cf. 0 Rapport de la Commission des Communauteseuropeennes (Plan Mansholt [. ..)), Bruxelas, [Secretariat generalde la CEE], 1968.44. Sobre essa nOt;ao de "ordem de concorrencia" (Wettbewerbsordnung),d. W. Eucken, "Die Wettbewerbsordnung und ihreVerwirklichung", Ordo, vol. 2, 1949, e 0 4~ livro, com 0 mesmo titulo,<strong>da</strong>s Grundsiitze, pp. 151-90.45. Arthur Cecil Pigou (1877-1959), economista britanico queopos uma economia de bem-estar, defini<strong>da</strong> pelo aumento mclximo<strong>da</strong>s satisfat;5es individuais, a economia de riqueza. Eautor deWealth and Welfare, Londres, Macmillan & Co., 1912 (a obra, profun<strong>da</strong>mentemodifica<strong>da</strong>, foi edita<strong>da</strong> em 1920, em Londres, pelaMacmillan, com 0 titulo de Economics ofWelfare). ct. K. Pribram, AHistory ofEconomic Reasoning, Baltimore, Md., johns Hopkins UniversityPress, 1983/ Les Fondements de la pensee economique, trad. froH. P. Bernard, Paris, Economica, 1986, pp. 466-7: "Concebido comouma teoria positiva 'realista', 0 bem-estar economico deve ser estu<strong>da</strong>doem termos de quanti<strong>da</strong>de e de repartit;ao dos valores, Demodo mais ou menos axiomatico, Pigou sup5e que - salvo certascircunstancias particulares - 0 bem-estar cresce quando aumenta0 volume <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> global real e a regulari<strong>da</strong>de do seu fluxo estamais bern assegura<strong>da</strong>, quando se reduz a penosi<strong>da</strong>de associa<strong>da</strong> asua produt;ao e a repartit;ao do dividendo nacional e modifica<strong>da</strong>em beneficio dos mais pobres."46. Essa formula, cuja atribuit;ao e incerta, nao se encontraem nenhum dos escrltos de Ropke consultados por Foucault.47. Cf. F. Bilger, La Pensee economique liberale..., p. 198: "Os'ordoliberais' nao consideram que e menos 'social' propor umapolitica social individualista do que uma politica social socialista."48. Cf. A Miiller-Arrnack, "Soziale Marktwirtschaft", in E.von Beckerath et aI" org., Handworlerbuch der Sozialwissenschaften,vol. 9, Stuttgart-Tiibingen-G6ttingen, G. Fischer, j. C. B. Mohr,Vandenhoeck & Ruprecht, 1956 (reed. in A. Miiller-Armack, Wirtschaftsordnungund Wirlschajtspolitik, op. cit. [supra, p. 169, nota 15],pp. 243-8) / "The meaning of the social market economy", trad.ingl. in A. Peacock e H. Wtllgerodt, Gennany's Social Milrket Economy...,op. cit. [supra, p. 168, nota 8], pp. 82-6. Foi em 1947 queMiiller-Armack empregou pela primeira vez a expressao, num relatorioas camaras de industria e comercio de Nordrhein-Westfalen(reeditado em seu livro Genealogie der sozialen Marktwirlschaft,Bema, Paul Haupt, 1974, pp. 59-65). Ela s6 entrou ver<strong>da</strong>deiramenteem circulat;ao depois de ter sido integra<strong>da</strong> ao programa <strong>da</strong>Uniao Democratica Crista na primeira campanha <strong>da</strong>s eleit;5espara 0 Bundenstag (Dusseldorfer Leitsiitze iiber Wirtschaftspolitik,Sozialpolitik und Wohnungsbau de 15 de julho de 1949).49. Sobre a politica neoliberal adota<strong>da</strong> na Frant;a, nos anos1970, d. infra, aula de 7 de mar,o de 1979.50. Sobre 0 conceito fisiocratico de "governo economico", cf.Securite, Territoire, Population, op. cit., aulas de 25 de janeiro de 1978,p. 88, n. 40, e de 1" de fevereiro de 1978, p. 116, n. 23.51. Essa expressao nao se encontra nas atas do CoUoque WLippmann (sem duvi<strong>da</strong> Foucault confunde-a com a expressao emprega<strong>da</strong>por 1. Marlio, p. 102, "liberalismo social": d. supra, nota15). Eia eemprega<strong>da</strong> entretanto por W. Ropke em Civitas Humana,trad. cit. [supra, p. 171, nota 211, p. 43: "0 liberalismo a que chegamosI...I poderia ser designado como urn liberalismo sociologicocontra 0 qual perdem 0 gume as armas forja<strong>da</strong>s contra 0 antigoliberalismo unicamente economico."52. ct. F. Bilger, La Pensee economique liberale..., p. 111 (quenao d. a fonte). 0 termo Gesellschaftspolitik s6 surge, ao que parece,nos escritos de A. Miiller-Annack a partir de 1960. Cf. "Die1


216 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 217zweite Phase der sozialen Marktwirtschaft. Ihre Erganzung durch<strong>da</strong>s Leitbild einer neuren Gesellschaftspolitik", 1960 (reed. in A.Miiller-Armack, Wirtschaftsordnung und Wirtschaftspolilik, pp. 267­91, e in W. Sliitzel et al., org., Grundtexte der sozialen Marktwirtschaft,op. cit. [supra, p. 133, nota 21J, pp. 63-78) e "Das gesellschaftspolitischeLeitbild der sozialen Marktwirtschaft", 1962 (reed. in Wirtschaftsordnung..., pp. 239-317). Ele define entao 0 programa, noplano cia politica interna, cia segun<strong>da</strong> fase cia constnu;ao cia economiasocial de mercado.53. Jacques Chaban-Delmas (1915-2000): primeiro-ministrona presidencia de Georges Pompidou, de 1969 a 1972. Seu projetode "nova socie<strong>da</strong>de" apresentado em seu discurso de posse, em16 de setembro de 1969, e inspirado por seus <strong>da</strong>is colaboradores,Simon Nora e Jacques Delors, provocou numerosas resistencias ciaparte conservadora. Denunciando "a debili<strong>da</strong>de cia nossa industria"f declarava nota<strong>da</strong>mente: "Mas aqui a economia se une apoliticae ao social. De fata, 0 funcionarnento defeituoso do Estado eo arcaismo <strong>da</strong>s nossas estruturas sociais sao obstaculos ao desenvolvimentoeconomico que nos enecessano. [...] a novo fermentode juventude, de cria~ao, de inven~ao, que sacode a nossa velhasocie<strong>da</strong>de, pode fazer crescer a massa de formas novas mais ricasde democracia e de participa~ao, em todos os organismos sociaisassim como num Estado menos rfgido, descentralizado. Podemosportanto empreender a constru~ao de uma nova socie<strong>da</strong>de" [fonte:vvww.assemblee-nat.frl.54. Valery Giscard d'Estaing (nascido em 1926): eleito presidente<strong>da</strong> Republica <strong>da</strong> Fran,a em maio de 1974. 0. infra, aula de7 de mar,o de 1979, pp. 272 e 289, nota 20.55. Expressao de Miiller-Armack, cita<strong>da</strong> par F. Bilger, La Penseeeconomique liberale..., p. 111. Cf. "Die zweite Phase der sozialenMarktwirtschaft", in op. cit. IYV. Sliitzel et aI., args.), p. 72.56. A <strong>da</strong>ta fomeci<strong>da</strong> por Foucault se baseia sem dlivi<strong>da</strong> nasreferencias de Sombart a seus trabalhos anteriores, em Le Socialismeallemand, trad. cit. [supra, p. 176, nota 42], ed. 1990, p. 48, n. 1,a prop6sito dos efeitos destrutivos <strong>da</strong> "era economica" sobre "oshomens do nosso tempo" no ambito <strong>da</strong> "vi<strong>da</strong> espiritual": fIVer minhasobras: Deutsche Volkswirtschaft (1903) [Die deutsche Volkswirtschaftim 19. Jahrhundert und im Anfang des 20. Jahrhundert (Berlim,G. Bondi)], Das Proletariat (1906) lop. cit., supra, p. 176, nota 45],Der Bourgeois (1913) [Der Bourgeois. Zur Geistesgeschichte des modernenWirtschaftsmenschen, Munique-Leipzig, Duncker & HumblotJ,Hiindler und Heiden (1915) [Hiindler und Heiden. PatriotischeBesinnungen, Munique-Leipzig, Duncker & Humblot]." Cf. tarnbernDer moderne Kapitalismus, op. cit. [supra, p. 176, nota 41J, parte1II, cap. 53 / trad. cit. [supra, p. 176, nota 45], t. II, pp. 404-35: "Ladeshumanisation de l'entreprise." Sobre as diferentes caracterfsticas<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista descritas por Foucault, d. nota<strong>da</strong>menteLe Socialisme allemand, pp. 49-52 e 56.57. Cf. supra, p. 173, nota 26.58. 0. W. Sombart, Der moderne Kapitalismus, parte I, caps.1-2/ trad. cit., t. I, pp. 24-41: "Le rOle du chef d'entreprise capitaliste"e "Les nouveaux dirigeants"; id., Gewerbewesen, 1: Organisationund Geschichte des Gewerbes, 2: Das Gewerbe im Zeitalter desHochkapitalismus, Leipzig, 1904; 2" ed. revista, Berlim, W. De Gruyter,1929; id., "Der kapitalistische Untemehemer", Archiv fUr Sozialwissenschaftund Sozialpolilik, 29, 1909, pp. 689-758.59. Joseph Schumpeter (1883-1950): foi em Theorie der wirtschaftlichenEntwicklung, publica<strong>da</strong> em 1912 (reed. Munique, Duncker& Humblot, 1934 / La Theorie de l'evolulion economique, trad. fr.J.-J. Anstett, Paris, Librairie Dalloz, 1935, com uma longa introdu­~ao de F. Perroux, "La pensee economique de Joseph Schumpeter";reed. 1999, sem a introd.), que 0 autor <strong>da</strong> monumental Historyof Economic Analysis lop. cit., supra, p. 65, nota 21 expos pelaprimeira vez sua concep~ao do criador de empresa que, por seuespirito pioneiro e sua capaci<strong>da</strong>de de inova~ao, era 0 ver<strong>da</strong>deiroagente do desenvolvimento economico. Cf. igualmente seu artigo"Untemehmer", in Handworterbuch der Staatswissenschaften, lena,1928, t. VIII. Essa teoria <strong>da</strong> au<strong>da</strong>cia empresarial esta na base <strong>da</strong>constata~ao pessimista enuncia<strong>da</strong> em 1942, em Capitalism, Socialismand Democracy (Nova York-Londres, Harper & Brothers I Capitalisme,Socialisme et Democratie, trad. fro G. Fain, Paris, Payot,1951; ver nota<strong>da</strong>mente, pp. 179-84, "Le crepuscule de la fonctiond'entrepreneur"), onde preve 0 advento <strong>da</strong> economia planifica<strong>da</strong>.0. infra, aula de 21 de fevereiro de 1979, pp. 242-4.60. W. Ropke, [st die deutsche Wirtschaftspolitik richlig?, op. cit.[supra, p. 171, nota 201.61. Ibid., e in W. Stiitzel et al., args., Gnmdtexte zur sozialenMarktwirtschaft, p. 59. A lista <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s propostas par Ropke,no entanto, nao corresponde exatamente aenumera~ao feita parFoucault: "Die Maf5nahmen, die hier ins Auge zu fassen sind [fur


218 NASCIMENTO DA BIOPOLiTICAeine grundsatzliche Anderung soziologischer Grundlagen (Entmassungund Entproletarisierung)], betreffen vor aIlem die Farderungder vvirtschaftlichen und sozialen Dezentralisation im Sinneeiner die Gebote der Wrrtschaftlichkeit beachtenden Streuung deskleinen und mittleren Betriebes, der Bevolkerungsverteilung zwischenStadt und Land und zwischen Industrie und Landwirtschaft,einer Auflockenmg der GrolSbetriebe und einer Forderung desKleineigentums der Massen und sonstiger Umstande, die die Verwurzelungdes heutigen GroBstadt- und lndustrinomaden begtinstigen.Es 1st anzustreben, <strong>da</strong>s Proletariat im Sinne einer freienKlasse von Beziehem Kurzfristigen Lohneinkommens zu beseitigenund eine neue Klasse von Arbeitem zu schaffen, die durch £igentum,Reserven, Einbethmg in Natur ind Gemeinschaft, Mitverantwortungund ihren Sinn in sich selbst tragende Arbeit zu vollwertigenBiirgen einer Gesellschaft £reier Menschen werden." Cf.o extrato de Civitas Humana (trad. cit., p. 250) reproduzido por F.Bilger, La Pensee economique liberale..., p. 103 ("deslocamento docentro de gravi<strong>da</strong>de social do alto para baixo").62. Rustow define assim essa Vitalpolitik: "[...J uma politicacia vi<strong>da</strong>, que naG seja orienta<strong>da</strong> essencialmente, como a politicasocial tradicional, para a aumento dos salarios e para a redu­~ao cia jorna<strong>da</strong> de trabalho, mas tome consciencia cla ver<strong>da</strong>deirasihJ.a~ao vital global do trabalhador, sua situa~ao real, concreta, ciamanha anoite e cia noite amanha", a higiene material e moral, 0sentimento de proprie<strong>da</strong>de, 0 sentimento de integrac;ao social,etc., seodo a seus olhos tao importantes quanta 0 salana e a jorna<strong>da</strong>de trabalho (citado por F. Bilger, op. cit., p. 106, que remeteapenas a "urn arligo publicado em Wirtschaft ohne Wunder". Tratasesem dtivi<strong>da</strong> de "Soziale Marktvvirtschaft als Gegenprogrammgegen Kommunismus und Bolschewismus", in A Hunold, org.,Wirtschaft ohne Wunder, Erlenbach-Zurique, E. Rentsch, 1953, pp.97-108).0., igualmente, do mesmo autor, "Sozialpolitik oderVitalpolitik",Mitteilungen der Industrie- und Handelskammer zu Dortmund,11, novembro de 1951, Dortmund, pp. 453-9; "Vitalpolitikgegen Vermassung", in A. Hunold, arg., Masse und Demokratie,Volkswirtschaftliche Studien fUr <strong>da</strong>s Schweizer Institut fUr Auslandsforschung,Erlenbach-Zurique, E. Rentsch, 1957, pp. 215-38. Sobrea Vitalpolitik, em contraste com a Sozialpolitik, d. C. J. Friedrich,"The political thought of Neo-liberalism", artigo citado [supra,p. 171, nota 23J, pp. 513-4. EA. MUller-Armack que compara asAULA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1979 219medi<strong>da</strong>s referentes ao conjunto do ambiente ("die Gesamtheit derymwelt lf ) com a Vitalpolitik: "Die mer erhobene Forderung diirfteIn etwa ~.em Wunsche nach einer Vitalpolitik im Sinne von Alexa~derRustow entsprechen, einer Politik, die jenseits des Okonomls~henaud die Vita~e Einheit des Menschen gerichtet ist" ("DieZW'elte Phase der sozlalen Marktswirtschaft", in op. cit. (VV. Stiitzelet al., orgs.), p. 71).1


AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979Segundo aspecto <strong>da</strong> "politica de socie<strong>da</strong>de", segundo asordoliberais: 0 problema do direito numa socie<strong>da</strong>de regula<strong>da</strong>segundo a modelo <strong>da</strong> economia concorrencial de mercado. - Retornoao co16quio Walter Lippmann. - Reflexoes a partir de urntexto de Louis Rougier. - (1) A idiia de urna ordem jurfdicoecon8mica.Redproci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s rela~oes entre as processos economicase a nwldura institucionai. - Objeto politico <strong>da</strong> discussao:o problema <strong>da</strong> sobrevivencia do capitalismo. - Dais problemascomplementares: a teona <strong>da</strong> concorrencia e a analise histon"cae sociol6gica do capitalismo. ~ (2) A questlio do interoencionisrnajuridico. - Recapitula¢.o hist6rica: a Estado de direito noseculo XVIII, em oposifiio ao despotismo e ao Estado de poUcia.Reelaborafiio <strong>da</strong> nOfiio no seculo XIX: a questiio <strong>da</strong>s arbitra·gens entre ci<strong>da</strong>diios e poder publico. a problema dos tribunaisadministrativos. - a projeto neoliberal: introduzir as principiosdo Estado de direito na ordem economica. - Estado de direito eplanificar;iio segundo Hayek. - (3) a crescimento <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>judiciaria. - Conclusiio geral: a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> arte neoliberalde governar na Alemanha. a ordoliberalismo em face do pessimismode Schumpeter.Na Ultima vez, procurei !hes mostrar que, no ordoliberalismo,estava implica<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong>de de uma GesellschaftspaUlik,como eles dizem, de uma politica de socie<strong>da</strong>de e deurn intervencionisrno social ao mesmo tempo ativo, mwtiplo,vigilante e onipresente. Logo, economia de mercado,por urn lado, e politica social ativa, intensa, intervencionista.Mas ha. que salientar cui<strong>da</strong>dosamente tambem que essapolitica social, no ordoliberalismo, nao tern par fun


222 NASCIMENTO DA BIOPoLlTICA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 223peID <strong>da</strong> economia de mercado fmas e, ao contrano, a tihllode condi


224 NASGMENTO DA BIOPOLfTlCAliberal nao e, portanto, em absoluto, ser consetvador, no sentido<strong>da</strong> manuten


226 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 21 DE FEVERElRO DE 1979 227urn regulamento corporativo, podem ser tambem uma lei.De todo modo, 0 economico nao eurn processo mecamcoou natural, nao e urn processo que se possa separar, a naoser por abstra


228NASOMENTO DA BIOPoLlTlCAAUlA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979229capitalismo it 16gica do capital e <strong>da</strong> sua acumula


230 NASCIMENTO DA BIOPOL!TlCA AUIA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 231prescri


232 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 233falar com freqiiencia?" 0 Estado de direito. Bern, creio quedevemos comec;ar bastante esquematicamente. Bern, perdoem-mea forma completarnente despoja<strong>da</strong> e sintetica doque yOU lhes dizer. No seculo XVIII, fim do seculo XVIII, iniciodo seculo XIX, aparece na teoria polftica e na teoria dodireito alemao essa nOC;ao de Estado de direito". 0 Estadode direito e 0 que? Pois bern, ele se define nessa epoca emoposiC;ao a duas coisas.Primeiro, em oposiC;ao ao despotismo, sendo 0 despotismoentendido como urn sistema que faz <strong>da</strong> vontade, particularou geral alias, do soberano, que em todo caso faz <strong>da</strong>vontade do soberano 0 principio <strong>da</strong> obrigaC;ao de ca<strong>da</strong> urn ede todos em relaC;ao ao poder publico. 0 despotismo e 0 queidentifica com a vontade do soberano 0 carater e a formaobrigat6ria <strong>da</strong>s injunc;oes do poder publico.Segundo, 0 Estado de direito tambem se opoe a umacoisa diferente do despotismo, que e 0 Polizeistaat, 0 Estadode polfcia. 0 Estado de polfcia e uma coisa diferente do despotismo,ain<strong>da</strong> que as vezes, concretamente, urn possa coincidircom 0 outro - enfim, que certos aspectos de urn possamcoincidir com certos aspectos do outro. 0 Polizeistaat - 0 quese entende par Estado de polfcia? 0 que se entende por Estadode polfcia e urn sistema no qual nao ha diferenc;a de natureza,nao ha diferenc;a de origem, nao ha diferenc;a de vali<strong>da</strong>dee, por conseguinte, nao ha diferenc;a de efeito entre, deurn lade, as prescric;oes gerais e permanentes do poder publico- grosso modo, se voces quiserem, 0 que se chamaria delei - €, de Dutro lado, as decis5es conjunturais, transit6rias,locais, individuais desse mesmo poder publico - se voces quiserem,0 nivel <strong>da</strong> regulamentac;ao. 0 Estado de policia e 0que estabelece urn continuum administrativo que, <strong>da</strong> leigeral amedi<strong>da</strong> particular, faz do poder publico e <strong>da</strong>s injunc;oesque este impoe urn s6 e mesmo tipo de principio e Iheconcede urn s6 e mesmo tipo de valor coercitivo. 0 despotismoreduz portanto, ou antes, faz tudo 0 que pode ser injunc;aodo poder publico originar-se <strong>da</strong> vontade do soberano,e somente dela. 0 Estado de polfcia estabelece, qualquerque seja a origem do carater coercitivo <strong>da</strong>s injunc;oesdo poder publico, urn continuum entre to<strong>da</strong>s as formas possiveisde injunC;ao desse poder publico.Pois bern, em relaC;ao tanto ao despotismo como ao Estadode polfcia, 0 Estado de direito vai representar a alterna:tiva positiva. Ou seja, primeirarnente, 0 Estado de dir;ltO edefinido como urn Estado em que os atos do poder publiconao poderao adquirir valor se nao forem enqua'!'ados em leisque os lirnitarn antecipa<strong>da</strong>rnente. 0 poder publico.age_ n~ambito <strong>da</strong> lei e nao pode agir senao no ambito <strong>da</strong> le1. Nao eportanto 0 soberano, a vontade do soberano, que ,vai ser 0principio e a origem do carater coercitivo do poder publico.v",ser a forma <strong>da</strong> lei. Onde ha forma <strong>da</strong> lei, e no espac;o definidopela forma <strong>da</strong> lei, 0 poderpublico pode legitimarnente tornar-secoercitivo. Ea primeira definiC;ao do Estado de direlto.Em segundo lugar, no Estado de direito ha urna diferenc;a denatureza, urna diferenc;a de efeito, uma diferenc;a de origementre as leis, que sao as medi<strong>da</strong>s gerais universalmente vall<strong>da</strong>se sao, em si mesmas, atas de soberania, e, de outra lado,as decisoes particulares do poderpublico. Em outras palavras,urn Estado de direito e urn Estado em que sao distingui<strong>da</strong>s,em seu principio, em seus efeitos e em suavali<strong>da</strong>de, as disposi,oeslegais, de urn lade, expressao <strong>da</strong> soberania, e as medi<strong>da</strong>sadministrativas, de outro. Foi grosso modo isso, essa teoriado poder publico e do direito do poder publico, que organizouno fim do seculo XVIII e no inicio do seculo XIX 0 que secharna de teoria do Estado de direito contra as formas de podere de direito publicos que funcionavam no seculo XVIII.Dupla teoria do Estado de direito ou, em todo caso, sepreferirem, os dois aspectos do Estado _de direito, urn emoposiC;ao ao despotismo, 0 outro que 0 opoe ao E,stado de poli<strong>da</strong>,eisso que voces encontram em to<strong>da</strong> uma sene de textosdo infcio do seculo XIX. 0 principal e, creio eu, 0 primeiro afazer a teoria do Estado de [direito]* e 0 de Welcker, cha-... M.E: policia


234 NASCIMENTO DA BIOPOLfITCAmado Os principios iiltimos do direito, do Estado e <strong>da</strong> punir;aode 1813 20 • Vo,;, <strong>da</strong>r urn peq~eno saito a£rente. Na segund~metade do seculo )(]X voces encontram outra defini


236 NASCIMENTO DA BIOPOLhICA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 237direito na ordem economica visava algo bern diferente. Visavato<strong>da</strong>s as formas de interven


238 NASCIMENTO DA BIOPOL!TlCA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 239que poderia, de certo modo, pairar acima do conjunto dosprocessos, definir fins para eles e subslltuIT esta ou ~quelacategoria de agentes para tomar esta ou aquela decI~ao: Naver<strong>da</strong>de 0 Estado deve ser cego aos processos economlcos.Nao se deve supor que ele salba tudo 0 que diz respeito - ouo conjunto dos fenomenos que digam respeito - a economia12 • Em surna, a economia, tanto para 0 Estado com? paraos individuos, deve ser urn jogo: urn cor;jun:o de atiVl<strong>da</strong>desregula<strong>da</strong>s - e voltamos aqui, como voces veem, ao que ~lziamosao come~ar -, nas quais no entanto as regras naosao decisaes toma<strong>da</strong>s por alguem pelos outros. Eurn conjuntode regras que determi;>a de quemodo ca<strong>da</strong> urn devejogar urn jogo de que ninguem: noliml~e,co;,hece 0 desenlace.A economia e urn jogo e a mslllu1


240 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 241porque de fato essa ideia de urn direito cuja forma geral fossea de uma regra de jogo que 0 poder publico imporia aosjogadores - mas apenas imporia aos jogadores, que permaneceriamsenhores de seu jogo - irnplica, eclaro, uma revaloriza


242 NASCIMENTO DA BIOPoLiTlCA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 243Vou parar aqui, se me permitem, nesta descric;ao doprograma ordoliberal formulado pelos alemaes desde 1930ate a fun<strong>da</strong>~ao, e ate 0 desenvolvimento, <strong>da</strong> economia alemacontemporiinea. Gostaria, no entanto, de !hes pedir trintasegundos, enfim, dois minutos a mais para lhes indicar ­como dizer? - urn modo de leitura possivel desses problemas.0 ordoliberalismo, portanto, projeta uma economia demercado concorrencial, acompanha<strong>da</strong> de um intervencionismosocial que, por sua vez, irnplica uma renovac;ao institucionalem tome <strong>da</strong> revaloriza~ao<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de "empresa"como agente economico fun<strong>da</strong>mental. Creio que temos ai,nao simplesmente a conseqiiencia pura e simples e a projec;aonuma ideologia, ou numa teoria economica, OU numaop~ao politica, <strong>da</strong>s crises atuais do capitalismo. Parece-meque 0 que se ve nascer ai e, por um periodo talvez breve outalvez um pouco mais longo, algo como uma nova arte degovemar, em todo caso urna certa renova~ao <strong>da</strong> arte liberalde governar. Creio que poderemos apreender a especifici<strong>da</strong>dedessa arte de govemar, suas implica~oes historicas epoliticas - e e nisso que eu gostaria de me deter alguns segundos,depois libero voces -, se as compararmos a Schumpeter".No fundo, esses economistas, seja Schumpeter, sejamRopke, Eucken, todos eles partem (insisti nisso e voltoa insistir) do problema weberiano que e a racionali<strong>da</strong>de e airracionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista. Schurnpeter como osordoliberais e os ordoliberais como Weber pensam que Marx,ern todo caso as rnarxistas, se enganam ao buscar a origemexclusiva e fun<strong>da</strong>mental dessa racionali<strong>da</strong>de/irracionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista na logica contraditoria do capital e <strong>da</strong>sua acumula~ao.Schumpeter e os ordoliberais consideramque nao hi; contradi~aointema na logica do capital e <strong>da</strong> suaacumula~ao e que, por conseguinte, de um ponto de vistaeconomico e puramente economico, 0 capitalismo e perfeitamenteviavel. Eis, grosso modo, 0 conjunto <strong>da</strong>s teses comunsa Schumpeter e aos ordoliberais.Eai que a diferen~a vai come~ar. Porque, para Schumpeter,embora seja ver<strong>da</strong>de que [no plano do] processo economicopuro 0 capitalismo nao e em absoluto contraditorioe, por conseguinte, embora 0 economico no capitalismo sejasempre viaveL na reali<strong>da</strong>de, diz Schumpeter, historicamente,concretamente, 0 capitalismo nao pode se dissociar detendencias monopolistas. Isso nao por causa do processoeconomico mas por raz5es que sao as conseqi.iencias sociaisdo processo de concorrencia, ou seja, a propria organiza~ao<strong>da</strong> concorrencia e a dinamica <strong>da</strong> concorrencia VaG exigir, eexigem necessariamente, uma organizac;ao ca<strong>da</strong> vez moosmonopolista. De modo que 0 fenomeno monopolista, paraSchurnpeter, e urn fenomeno social, conseqiiente em rela~aoadinamica <strong>da</strong> concorrencia, mas naD inerente ao processoeconomico <strong>da</strong> propria concorrencia. Ha uma tendencia itcentralizac;;ao, hi; urna tendencia a uma incorpora~ao<strong>da</strong> economiaa centros de decisao ca<strong>da</strong> vez mais proximos <strong>da</strong> administra~aoedo Estado"'. Isso e portanto a condena~ao historicado capitalismo. Mas nao condena~ao em termos decontradic;;ao: condena~ao em termos de fatali<strong>da</strong>de historica.Para Schumpeter, 0 capitalismo nao pode evitar essa concentra~ao,isto e, nao pode evitar que se realize, no propriobojo do seu desenvolvimento, urna especie de passagem aosocialismo, que e - pois e essa a defini~ao que Schumpeter<strong>da</strong> para 0 socialismo - "urn sistema no qual uma autori<strong>da</strong>decentral podera controlar os meios de produ~ao e a propriaproduc;;ao"". Essa passagem ao socialismo esta inscritaportanto na necessi<strong>da</strong>de historica do capitalismo, nao porum iIogismo ou uma irracionali<strong>da</strong>de propria <strong>da</strong> economiacapitalista, mas por causa <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de organizacional esocial que um mercado concorrencial traz consigo. Passa-seportanto ao socialismo com certo custo politico, e claro, queSchumpeter diz ser sem duvi<strong>da</strong> pesado para pagar, mas naoacha ser totalmente impossivel de pagar, isto e, nao e totalmenteinsuportavel nem incorrigivel, e, par conseguinte,vai-se em direc;;ao a uma socie<strong>da</strong>de socialista cuja estruturapolitica devera ser, evidentemente, altamente vigia<strong>da</strong> eelabora<strong>da</strong> para evitar certo pre~o que e, grosso modo, 0 tota-


244 NASCIMENTO VA BIOPOLiTlCA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 245litarismo". Eevitavel, e evitavel nao sem dificul<strong>da</strong>de. Digamosque, grosso modo, para Schumpeter nao vai ser facil, masvai acontecer. Vai acontecer e, se prestarmos bastante aten­


246 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCAnea e, por DutrO lado, tamhern num certa mimero de problemas,de teorias e de utopias liberais, tais como vemos sedesenvolver nos Estados Unidos. Entao, a proxima vez vou!hes falar, de urn lado, de certos aspectos <strong>da</strong> politica economicagiscardiana e, de outro, <strong>da</strong>s utopias liberais americanas*.NOTAS.. M. Foucault acrescenta:Bern, mio vou <strong>da</strong>r minha aula quarta-feira que vern, por questao decansa~ e para tomar urn pouco de fDlego. P~o-lhes desculpas. As aulas teraoprosseguimento <strong>da</strong>qui a quinze dias. a semimlrio, segun<strong>da</strong> que vern,mas a aula <strong>da</strong>qui a quinze dias.1. a. infra, pp. 240-1.2. a. supra, aula de 14 de fevereiro de 1979.3. a. infra, aulas de 21 de mar,o e 28 de mar,o de 1979.4. Milton Friedman (nascido em 1912): fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> correnteneoliberal americana, premio Nobel de economia em 1976, ficauconhecido no fun cia deca<strong>da</strong> de 1950 por sua reabilitac;ao cia teoriaquantitativa cia moe<strong>da</strong> (teoria dita "rnonetarista"). Parti<strong>da</strong>no de urnliberalismo intransigente e principal inspirador cia politica economicados Estados Unidos a partir <strong>da</strong> deca<strong>da</strong> de 1970 (foi conselheiroeconomico de Nixon e de Reagan quando cia candi<strong>da</strong>tura destes apresidencia), eautor de numerosas obras, entre as quais Capitalismand Freedom (The University of Chicago Press, 1962 / Capitalismeet libertI!, Paris, R. Laffont, 1971), onde a£irmava que 0 mecanismode mereado basta para regular a maioria dos problemas economicose sociais do nosso tempo. Cf. H. Lepage, Demain Ie capitalisme,op. cit. [supra, p. 210, nota 23], pp. 373-412, "Milton Friedman oula mort de Keynes".5. Louis Rougier (1889-1982), autor nota<strong>da</strong>mente de La Matiereet l'Energie, suivant Ia theorie de la relativite et la theorie desquanta, Paris, Gauthier-Villars, "Aetualites scientifiques", 1919; LesParalogismes du rationalisme. Essai sur la theorie de la connaissance,Paris, F. Alcan, "Bibliotheque de philosophie contemporaine", 1920;La Philosophie geometrique de Henri Poincare, Paris, F. Alean, "Bibliothequede philosophie contemporaine", 1920; La Structure des


248 NASCIMENTO DA BIOPOLfTICA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 249theories deductives, Paris, F. Alcan, 1921; La Matiere et /'Energie, Paris,Gauthier-Villars, 2' ed., 1921. Representante do cfrculo deVienana Franr;a, havia sido encarregado cia organiza~ao do grandeco16quio intemacional de filosofia cientifica realizado em Paris em1935. No plano economico e politico, havia escrito La Mystique democratique:ses origines, ses illusions, Paris, Flammarion, 1929; reed.Paris, Albatros, 1983 (pref. de A. de Benoist); La Mystique soviitique,Bruxelas, Equilibres, 1934, e acabava de publicar Les Mystiqueseconomiques, Paris, Librairie de Medicis, 1938, obra em que ele sepropunha mostrar "como as democracias liberais se transformamem regimes totalitarios por meio de reformas sociais inconsidera<strong>da</strong>se intervenr;6es abusivas dos paderes publicos, encorajados peloste6ricos <strong>da</strong> Economia dirigi<strong>da</strong>", sendo essa "a nova Mistica quecria 0 clima intelectual propfcio ao estabelecimento <strong>da</strong>s ditaduras"(pp. 8-9). Cf. M. Allais, Louis Raugier, prince de la pensee, Fon<strong>da</strong>tionde Lourmarin, Lyon, Impr. TOOer et fils, 1990 (bibliografia, pp. 55­71), e F. Denard, "Aux origines du neo-liberalisme en France.Louis Rougier et Ie Colloque Waiter Lippmann de 1938", Le Mouvernentsocial, 195, abril-junho de 2001, pp. 9-34.6. Sabre esse episodio controverso, d. R. O. Paxton, VichyFrance: Old guard and new order ]940-]944, NovaYork, A. A. Knopf,1972 I La France de Vichy, ]940-] 944, trad. fro C. Bertrand, Paris, LeSeuil, 1973, pp. 92-3:"As negocia~6esfranco-britiinicas que se desenrolamem Madri de setembro a fevereiro de 1941 entre os embaixadoresRobert de la Baume, sucedido por Fran~ois Pietri, e sirSamuel Hoare sao 0 ver<strong>da</strong>deiro vinculo entre Vichy e Londres.Poucos aspectos cia pontica de Petain deram ensejo, depois ciaguerra, a tantas mistifica\oes. Dais intermediarios oficiosos, LouisRougier, professor cia Universi<strong>da</strong>de de Besanr;on, e Jacques Chevalier,ministro <strong>da</strong> Educa~ao,depois <strong>da</strong> Saude em 1940 e 1941, gabar-se-aode ter negociado acoe<strong>da</strong>s secretos Churchill-petain.Se ever<strong>da</strong>de que Rougier esteve de fata em Londres em setembrode 1940, as anotar;6es do documento que ele traz nao sao <strong>da</strong> mao de'Winston Churchill, como ele pretende./f Cf. tamhem J. Lacouture,De Gaulle, Paris, Le Seuil, t. I, 1984, pp. 453-5.7.0 col6quio se realizou no Institut international de cooperationintellectuelle, de 26 a 30 de agosto de 1938 (d. supra, p. 207,nota 3).8. Colloque W Lippmann, op. cit., pp. 16-7.9. Sobre a "abstrac;ao isolante", condic;ao <strong>da</strong> morfologia economicasegundo Eucken, distinta <strong>da</strong> "abstra~ao generalizante" aplica<strong>da</strong>por Weber na formac;ao dos tipos ideais, d. F. Bilger, La Penseeeconomique liberale de l'Aliemagne contemporaine, op. cit., p. 52.10. F. Bilger, ibid., pp. 57-8.11. Cf. ibid., p. 58: "A ideia fun<strong>da</strong>mental de Walter Eucken, aque lhe possibilitou resolver a antinomia [entre hist6ria e teoriaeconomicaL e [a] distinc;ao entre a moldura que esta na hist6ria eo processo, que e, por sua vez, segundo a expressao de L. Miksch,'nao-hist6ria'. 0 processo e urn eterno recomec;ar que tambem ternurn tempo, urn tempo de certo modo interno. Mas a moldura, 0conjunto dos <strong>da</strong>dos, esta suhmetido ao tempo real, hist6rico, e evoluinum certo sentido."12. Leon WaIras (1834-1910): aluno <strong>da</strong> Escola de Minas deParis, tornou-se jornalista e, a partir de 1870, professor de economiapolftica em Lausanne. Preocupado em conciliar a livre concorrenciacom a justic;a social, elaborou, ao mesmo tempo que Jevons(Theory of Political Economy, 1871) e Menger (Grundsiitze derVolkwirtschatslehre, 1871), mas segundo uma via axiomatica que lheera pr6pria, uma nova teoria do valor basea<strong>da</strong> no principia <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>demarginal ("revolu~ao marginalista" de 1871-1874). Construiuurn modelo matematico, postulando 0 conhecimento perfeitamente"racional" do conjunto dos agentes, que devia possibilitar determinar0 equilibrio geral dos preC;os e <strong>da</strong>s trocas num sistema deconcorrencia pura. Principais obras: ctconomie politique et la Justice,Paris, Guillaumin, 1860; Elements d'economie politique pure, ouTheorie de la richesse sociale, Lausanne, 1874-1887; Theorie mathematiquede la richesse sociale, Lausanne, 1883; Emdes d'economie sociale,Lausanne-Paris, 1896, e Etudes d'economie appliquee, Lausanne­Paris, 1898.13. Alfred Marshall (1842-1924): economista britiinico, professorem Cambridge, autor de urn manual celebre: Principles ofEconomics, Londres, Macmillan & Co., 1890 / Principes d'economiepolitique, trad. fro <strong>da</strong> 4~ ed. por F. Sauvaire-Jour<strong>da</strong>n, Paris, V. Giardet E. Briere, 2 vols., 1906-1909. Procurando fazer a sintese <strong>da</strong> economiapolitica cIassica e do marginalismo, ressaltou a importanciado tempo como elemento capital do funcionamento do processode equilibrio (distinc;ao entre perfodos curtos e longos).14. Johann Gustavknut Wicksell (1851-1926): economista sueco,professor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Lund. Esforc;ou-se por superar a


250 NASCIMENTO DA BIOPOWlCA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 251teoria walrasiana do equilibria geral com seus tra~a1hos sabre asflutua,6es do nivel medio dos pre,os. E autor de: Uber Wert, Kapitalund Rente nach den neueren nanonalokonomischen Theorien [Valor,capital e ren<strong>da</strong>.. .], lena, G. Fischer, 1893; Geldzins und GilterpreiseUuro e pre,o], lena, G. Fischer, 1898; Vorlesungen tiber Nationalokonomieau!Grundlage des Marginalprinzipes [Curso de economia combase no principio marginal], lena, G. Fischer, 1928- (nenhumadessas obras esta traduzi<strong>da</strong> em frances).15. Q. supra, aula de 31 de janeiro de 1979, p. 134, nota 25.16. A expressao, aD que parece, etirarla cia seguinte £rase deF. Bilger, La Pensee economique liberale..., p. 65, a proposito <strong>da</strong> politicacientffica preconiza<strong>da</strong> por Eucken, com base ern sua morfologiaeconomica: "[...] depois de ter refutado a filosofia evolucionista,Eucken lembra que a maioria dos gropos se formou na hist6ria,nao por necessi<strong>da</strong>de tecnica, mas gra~as aausencia de urn ver<strong>da</strong>deirodireito economico consciente" .17. Sobre essa no,ao de Wirtschajlsordnung, d. W. Eucken,Die Grundlagen der Nationalokonomie, op. cit., 2~ ed., 1941, pp. 55-78.Q. igualmente 0 titulo do livro de MUller-Armack: Wirtschaftsordnungund Wirtschajlspolitik, op. cit.18. Alusao as polemicas levanta<strong>da</strong>s pela expulsao de KlausCroissant, 0 advogado do gropo Baader? Sobre esse acontecimento,cuja repercussao na Fran\a havia sido consideravel na epoca,ver Securiti, Temtoire, Population, op. cit., aula de 15 de mar,o de 1978,p. 287, n. 28 (sobre Jean Genet), e a "Situa,ao dos cursos", ibid.,p. 385. Cf. por exemplo 0 artigo de O. Wormser, embaixador <strong>da</strong>Fran\a em Bonn de 1974 a 1977, "Connaitre avant de juger", LeMonde, 5 de novembro de 1977: "0 que queriam Andreas Baadere seus amigos ao man<strong>da</strong>rem sequestrar 0 sr. Schleyer? Antes detudo, barganhar a liberta\ao deles contra a do presidente do patronatoe, com isso, desmoralizar 0 govemo federal; subsidiariamente,se 0 govemo federal nao se prestasse a essa troca, leva-10a renunciar ao 'Estado de direito', instaurado outrora com 0 concurso<strong>da</strong>s potencias ocidentais, para voltar a urn 'Estado' em quea violencia tomaria 0 lugar do direito, numa palavra, a urn autoritarismoproximo do nazismo."19. Cf.. H. Mohnhaupt, "CEtat de droit en Allemagne: histoire,notion, fonction", Cahiers de philosophie politique et juridique, n~24,1993, 'TEtat de droit", pp. 75-6: "A no,ao de Estado de direitona Alemanha era dirigi<strong>da</strong>, de urn lado, contra 0 Estado de policia,isto e, aadministra\ao no sentido de urn Estado-providencia, de outro,contra 0 Estado arbitrano do absolutismo. A combina\ao <strong>da</strong>sduas palavras, direito e Estado, fez sua apari\ao pela primeira vez naAlemanha em 1798, em Johann Wllhelm Petersen, que, com 0 nomede Placidus [Literatur der Siaats-Lehre. Ein Versuch, I, Estrasburgo,1798, p. 73], caracterizava com essa formula a doutrina juridica filos6ficade Kant, que ele havia intitulado de 'a critica ou a escola <strong>da</strong>doutrina do Estado de direito' [die kritische oder die Schule der Rechts­Staats-Lehre]." Cf. M. Stolleis, "Rechtsstaat", in Handwdrterbuch zurdeutschen Rechtsgeschichte, t. IV; Berlim, E. Schmidt, 1990, coL 367; id.,Geschichte des offentlichen Rechts in Deutschland, Munique, C. H. Beck,t. 1, 1988, p. 326 / Histoire du droit public en Allernagne, 1600-1800,trad. fro M. Senellart, Paris, PDF, 1998, p. 490.20. C. Th. Welcker, Die letzten GrUnde von Recht, Staat undStrafe, Giessen, Heyer, 1813, pp. 13-26. Cf. H. Mohnhaupt, art. cit.,p. 78: "[Ele reconstitufa] as seguintes etapas do desenvolvimentodo Estado: despotismo como Estado <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de, teocraciacomo Estado <strong>da</strong> cren\a e, a titulo de desenvolvimento supremo, 0'Estado de direito' como 'Estado <strong>da</strong> razao'.1f 0 manuscrito, p. 12,acrescenta as seguintes referencias: "Von Mohl, estudos sobre osEstados Unidos e 0 direito federal (Bundesstaatsrecht) [= Das Bundes-Staatsrechtder Vereinigten Staaten von Nord-Amerika, Stuttgart,1824], Polizeiwissenschajl nach den Grundsiitzen des Rechtsstaates.(rrubingen, Laupp], 2 vols., 1832[-1833)); F. J. Stahl, Philosophie desRechts [= Die Philosophie des Rechts nach geschichtlicher Ansicht,Heidelberg, j. C. B. Mohr, 2 vols., 1830-1837]."21. Rudolf von Gneist, Der Rechtsstaat, Berlim, J. Springer,1872; 2~ edi\ao com 0 titulo de Der Rechtsstaat und die Verwaltungsgerichtein Deutschland, Berlim, J. Springer, 1879. Foucault se ap6iaaqui na obra de F. Hayek, a que fara referencia posterionnente,The Constitution o!Liberty, op. cit. [supra, p. 33, nota 3], ed. 1976, p.200 (cap. 13: "Liberalism and administration: The Rechtsstaat") /trad. cit., pp. 200-1.22. Otto Bam, Der Rechtsstaat. Eine publizistische Skizze, Cassel,Wigand, 1864; reed. Aalen, Scientia Verlag, 1961. Cf. F. A. Hayek,lac. cit. I trad. cit., p. 200, sobre essa concep\ao "justicialista" doRechtsstaa!. Sobre esse ponto, d. M. Stolleis, Geschichte des offentlichenRechts in Deutschland, t. 2, Munique, C. H. Beck, 1992, p. 387.23. F. A. Hayek, The Constitution o!Liberty, pp. 203-4 / trad. cit.,p. 203, remete aqui it obra classica de A. V. Dicey, Lectures Introduc-


252 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 253tory to the Study ofthe Law ofthe Constitution, Londres, Macmillan& Co., 1886, que critica por "sua total incompreensao do USa dotermo [Rule oflaw I Staatsrecht] no Continente" (ibid., p. 484, n. 35 Itrad. cit., p. 477).24. Herdeiro do antigo Conselho do Rei, 0 Conselho de Estado,criado pela Constitui,ao do ano VIIl (15 de dezembra de1799), e 0 6rgao jurisdicional supremo cia Franc;a. "Desde a reforrnade 1953, reconhece ao contencioso tres tipos de recurso: emprimeira instancia, contra certos atos administrativos importantes,como os decretos, no tribunal de apelac;ao contra to<strong>da</strong>s as sentenc;asproferi<strong>da</strong>s pelos tribunais administrativos e no tribunal de cassac;aocontra as decis6es <strong>da</strong>s jurisd.i


254 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCA AULA DE 21 DE FEVEREIRO DE 1979 255principal funt;ao cia ordem espontanea existente do direito eregulara ordem espontanea cia vi<strong>da</strong> economica. Urn sistema consultivode direito desenvolve e garante as regras nas quais 0 sistema competitivode prodw;ao e de distribuit;ao age. Nenhurn sistema de mercadopode funcionar sem urn quadro juridico que garanta pacieresadequacios aproprie<strong>da</strong>de e fac;a os contratos sereffi respeitados".35. Q. "Le citron et Ie lait" (outubro de 1978), DE, III, n~ 246,p. 698: "Law and order: nao esimplesmente 0 lema do conservadorisrnoamericana, eurn monstro por hibri<strong>da</strong>c;ao. I...] Como se perguntaleite ou limao [no caso do eM (N. R. T.)], deve-se dizer lei ou ordemoCabe-nos tirar dessa incompatibili<strong>da</strong>de as lic;oes para 0 futuro./f36. M. Foucault nao torna sabre esse tema na aula seguinte.37. M. Foucault havia participado, em maio de 1977, <strong>da</strong>s jorna<strong>da</strong>sde reflexao do Sindicato cia Magistratura e discutido a obraLiberte, Libertes (1976), organiza<strong>da</strong> por R. Badinter; ele criticava "0crescente papel atribuido pelo partido socialista aos juizes e ao poderjudiciario como meio de regula~ao social" (D. Defert, "Chronologie",DE, I, p. 51). Esse texto saiu, depois <strong>da</strong> sua morte, no jomaldo Sindicato, Juslice, nO 115, junho de 1984, pp. 36-9 (nao republicadoem Dils el Ecrils).38. W. Ropke, La Crise de notre lemps, trad. cit. [po 128, nota 21],parte II, cap. 2, p. 253: "as lribunais de um pais sao [...] a ultimaci<strong>da</strong>dela cia autori<strong>da</strong>de do Estado e cia confian.;a no Estado, e urngovemo ain<strong>da</strong> nao estara em via de dissolw;ao enquanto essa ci<strong>da</strong>delaresistir. Seria desejavel portanto fazer os tribunais, muitomais que no passado, serem os 6rgaos cia politica economica oficial,e submeter asua decisao missoes que ate aqui eram confia<strong>da</strong>sas autori<strong>da</strong>des administrativas." Ele ve na jurisdit;ao americanados monop6lios, desde 0 "Shennan Act" de 2 de julho de 1890,o exemplo que permite "imaginar tal politica economica jurisdicional"(ibid.).39. Cf. supra, aula de 14 de fevereiro de 1979, p. 217, nota 59.40. Cf. j. Schumpeter, Capilalisme, Socialisme el Democratie,trad. cit. [supra, p. 217, nota 59], parte II, "Le capitalisme peut-ilsurvivre?". Ver notaclarnente, pp. 190-4, "La destruction du cadreinstitutionnel de la societe capitaliste" .41. Ibid., p. 224: "Por socie<strong>da</strong>de socialista designaremos urnsistema institucional em que uma autori<strong>da</strong>de central controla osmeios de prodw;ao e a pr6pria produr;ao, ou ain<strong>da</strong>, podemos dizer,em que os neg6cios economicos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de sao, em principio,<strong>da</strong> al,a<strong>da</strong> do setor publico, e nao do setor privado."42. Cf. ibid., parte IV, pp. 310-99, "Socialisme et democralie".Ver nota<strong>da</strong>mente a conc1usao, pp. 391 ss., sobre 0 problema <strong>da</strong> democraciaem regime socialista. "Nenhuma pessoa sensata podeencarar sem apreensao as conseqiiencias de uma extensao do meto<strong>da</strong>democratico (isto e, <strong>da</strong> esfera 'politica') a todos os assuntoseconomicos. Se ela acreditar que 0 socialismo democratico e precisamentesinonimo de tal extensao, essa pessoa concluira naturalmenteque 0 socialismo democratico esta fa<strong>da</strong>do ao fracasso. Noentanto, essa conclusao nao se impOe inevitavelmente. I...}a extensao<strong>da</strong> zona de gestao publica nao implica uma extensao correspondente<strong>da</strong> zona de gestao politica. Pade-se conceber que a primeirase amplie ate absorver todos os assuntos economicos <strong>da</strong> nar;ao,enquanto a segun<strong>da</strong> nao ultrapassaria as fronteiras defini<strong>da</strong>spelas limitar;oes inerentes ao metodo democratico" (pp. 394-5).


AULA DE 7 DE MAR


258 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 7 DE MAR(:O DE 1979 259tese algurna ser considerado nero urn principia em si nerourn valor explicativo que funcione logo de sai<strong>da</strong>. 0 propriotermo "poder" nao faz mais que designar urn [campo1* derelac;6es que tern de ser analisado por inteiro, e 0 que propuschamar de governamentali<strong>da</strong>de, ista e, a maneira como seconduz a conduta dos homens, nao e mais que uma propostade grade de aniilise para essas relac;6es de poder.Tratava-se portanto de testar essa noc;ao de govemamentali<strong>da</strong>dee tratava-se, em segundo lugar, de ver como essagrade <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>de - podemos supor que ela evali<strong>da</strong> quando se trata de analisar a maneira como se conduza conduta dos loucos, dos doentes, dos delinqiientes,<strong>da</strong>s crianc;as -, como essa grade <strong>da</strong> govemamentali<strong>da</strong>detarnbem pode valer quando se trata de abor<strong>da</strong>r fenomenosde outra escala, como por exemplo uma politica economica,como a gestao de todo urn corpo social, etc. 0 que eu queriafazer - e era esse 0 objeto <strong>da</strong> aniilise - era ver em que medi<strong>da</strong>se podia admitir que a aniilise dos micropoderes ou dosprocedimentos <strong>da</strong> govemarnentali<strong>da</strong>de nao esta, por definic;ao,limita<strong>da</strong> a uma area precisa, que seria defini<strong>da</strong> porurn setor <strong>da</strong> escala, mas deve ser considera<strong>da</strong> simplesmenteurn ponto de vista, urn metodo de decifrac;ao que pode servalido para a escala inteira, qualquer que seja a sua grandeza.Em outras palavras, a analise dos micropoderes nao euma questao de escala, nao e uma questao de setor, e umaquestao de ponto de vista. Born. Era essa, por assim dizer, a razaode metodo.Ha uma segun<strong>da</strong> razao pela qual me detenho nessesproblemas do neoliberalismo. Euma razao que charnarei demorali<strong>da</strong>de critica. De fato, a vista <strong>da</strong> recorrencia dos temas,poderiamos dizer que 0 que e posto em questao atualmentee a partir de horizontes extremamente numerosos e quasesempre 0 Estado: 0 Estado e seu crescimento sem fim, 0Estado e sua onipresenc;a, 0 Estado e seu desenvolvimento,. M.E: termoburocratico, 0 Estado com os germes de fascismo que elecomporta, 0 Estado e sua violencia intrinseca sob seu paternalismoprovidencial... Em to<strong>da</strong> essa tematica <strong>da</strong> critica doEstado, creio que ha dois elementos que sao importantes eque encontramos com muita constancia. .Em primeiro lugar, a ideia de que 0 Estado possU! emsi e por seu dinamismo proprio uma especie de forc;a de expansao,uma tendencia inmnseca a crescer, urn impe~~smoendogeno que 0 leva sem cessar a ganhar em superficle, emextensao, em profundi<strong>da</strong>de, em fineza, tanto e de tal modoque ele chegaria a se encarregar totalmente do que constituiriapara ele ao mesma tempo seu outro, seu extenor, seualvo e seu objeto, a saber: a socie<strong>da</strong>de civil. 0 primeiro elementoque me parece de fato percorrer to<strong>da</strong> a tematica geral<strong>da</strong> fobia do Estado e, portanto, essa forc;a intrinseca do Estadoem relac;ao ao seu objeto-alvo, que seria a socie<strong>da</strong>de civil.Em segundo lugar, segundo elemento que, parece-me,encontrarnos constantemente nesses temas gerais <strong>da</strong> fobiado Estado, e que ha urn parentesco, uma especie de continui<strong>da</strong>degenetica, de implicac;ao evolutiva entre diferentesformas de Estado: 0 Estado administrativo, 0 Estado-proVldencia,0 Estado burocratico, 0 Estado fascista, 0 Estado totalitario,sendo isso tudo, conforme as analises, mas poueDimporta, os ramos sucessivos de uma 56 e mesma arvore quecresceria em sua continui<strong>da</strong>de e em sua uni<strong>da</strong>de, a grandemore estatal. Essas duas ideias vizinhas uma <strong>da</strong> outra eque se sustentam reciprocamente - a saber, [primeiroJ, quea Estado tern uma forc;a de expansao sem fim em relac;ao aoobjeto-alvo socie<strong>da</strong>de civil; segundo, que as formas de Estadose engendram umas as outras a partir de urn dinamismoespecifico ao Estado -, essas duas ideias me parecem constituiruma especie de lugar-comum critico que encontramoscom muita freqiiencia na atuali<strong>da</strong>de. Ora, parece-me queesses temas poem em circula


260 NASCIMENTO DA BIOPOUTlCA AULA DE 7 DE MARC;:O DE 1979 261Primeiro, porgue ereio que essa tematica faz crescer, ecom uma veloci<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais acelera<strong>da</strong>, a intercambiabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s analises. E, de fato, a partir do momento emque se pode admitir que entre as diferentes formas de Estadoha essa continui<strong>da</strong>de ou esse parentesco genetico, a partirdo momento em que se pode determinar urn dinamismo evolutivoconstante do Estado, nesse momento torna-se possivelnao arenas apoiar as amilises umas nas outras, mas remeterumas as outras e fazer ca<strong>da</strong> uma perder 0 que deveriater de especifici<strong>da</strong>de. Finalmente, uma analise, por exemplo,<strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social e do aparelho administrativo emque ela repousa vai remeter, a partir de alguns deslizamentosde sentido e gra~as a algumas palavras com as quais sejoga, a analise dos campos de concentra~iio. E, no entanto,<strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social aos campos de concentra~iio, a especifici<strong>da</strong>dede analise requeri<strong>da</strong> se diJui'. Logo, infla~iio no sentidode que ha crescimento <strong>da</strong> intercambiabiJi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s analisese per<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua especifici<strong>da</strong>de.Essa critica me parece igualmente inflacionista par umasegun<strong>da</strong> raziio. A segun<strong>da</strong> raziio e que ela permite praticaro que poderiamos chamar de desqualifica~iiogeral pelo pior,na medi<strong>da</strong> em que, qualquer que seja 0 objeto <strong>da</strong> analise,qualquer que seja a tenui<strong>da</strong>de, a exigiii<strong>da</strong>de do objeto <strong>da</strong> analise,qualquer que seja 0 funcionamento real do objeto <strong>da</strong>analise, na medi<strong>da</strong> em que sempre se pode remete-lo, emnome de urn dinamismo inmnseco do Estado e em nome<strong>da</strong>s formas Ultimas que esse dinamismo pode assumir, a algoque vai ser 0 pior, pois bern, pode-se desqualificar 0 menospelo mais, 0 melhor pelo piOL Grosso modo, em suma, niioe que eu tome 0 exemplo do melhar, clara, mas imaginemospor exemplo que, Durn sistema como 0 nosso, urn manifestantequebre as vidra~as de urn cinema, seja levado aotribunal e receba uma condena~iio pesa<strong>da</strong> demais; vocessempre encontrariio quem diga que essa condena~iio e 0 sinal<strong>da</strong> fascistiza~iio do Estado, como se, muito antes de qualquerEstado fascista, niio tivesse havido condena~6es dessegenera - e bern piares.Terceiro fatar, terceiro mecanisme inflacionista que meparece caracterizar esse tipo de ancilises, e que essas analisespermitem evitar que se pague 0 pre~o do real e do atual,na medi<strong>da</strong> em que, de fato, em nome desse dinamismo doEstado, sempre se pode encontrar algo como urn parentescoou urn perigo, algo como 0 grande fantasma do Estadoparanoico e devorador. Nessa medi<strong>da</strong>, pouco importa finalmenteque influencia se tern sabre 0 real ou que perfil de atuali<strong>da</strong>de0 real apresenta. Basta encontrar, pela via <strong>da</strong> suspeitae, como ditia Fran~ois Ewald, <strong>da</strong> 1/demincia"·l, alga comoo perfil fantasistico do Estado para que ja niio se tenha necessi<strong>da</strong>dede analisar a atuali<strong>da</strong>de. A elisiio <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>deparece-me [ser] 0 terceiro mecanisme inflacionista que encontramosnessa crftica.Enfim, eu ditia que euma cntica inflacionista, essa cnticapelo mecanismo do Estado, essa critica do dinamismodo Estado, na medi<strong>da</strong> em que penso que ela niio opera suapropria critica, que niio opera sua propria analise. Ou seja,niio se pracura saber de onde vern realmente essa especie desuspeita antiestatal, essa fobia do Estado que circula atualmenteem tantas fonnas diversas do nosso pensamento. Ora,parece-me que esse genera de analise - e e por isso que insistisobre esse neoliberalismo dos anos 1930-1950 -, parece-meque essa critica do Estado, essa critica do dinamismointrinseco e como que irreprimivel do Estado, essa cntica<strong>da</strong>s formas do Estado que se encaixam umas nas outras, sechamam umas as outras, se apoiam umas nas outras e se engendramrecipracamente, parece-me que ja a encontramosperfeita e claramente formula<strong>da</strong> nos anos 1930-1945, tendo,entiia, urna localiza~iio bern precisa. Ela niio tinha, naquelaepoca, a far~a de circula~iio que tern agora. Encontrava-sebern localiza<strong>da</strong> no bojo <strong>da</strong>s op~6es neoliberais que estavamse formulando na epoca. Essa critica do Estado polimorfo,onipresente, onipotente era encontra<strong>da</strong> naqueles anas, quando0 intento do liberalismo, ou do neoliberalismo, ou, maisprecisamente ain<strong>da</strong>, do ordoliberalismo alemao era, ao mesmotempo, demarcar-se <strong>da</strong> critica keynesiana, fazer a critica


262 NASCIMENTO DA BIOPOLiTlCA AULA DE 7 DE MARi;O DE 1979 263<strong>da</strong>s politicas, digamos, dirigistas e intervencionistas tipo NewDeal e Frente Popular, fazer a critica <strong>da</strong> economia e <strong>da</strong> politicanacional-socialista, fazer a critica <strong>da</strong>s op


264 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 7 DE MAR(O DE 1979 265intensifica


I i266NASCIMENTO DA BIQPOLfTICA AULA DE 7 DE MAR


268 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 7 DE MAR


270NASCIMENTO DA BIOPOLfTlCAAULA DE 7 DE MARC;:O DE 1979271fracassaram ou mostraram seu limite dnlstico, no decorrerdos anos [19]55-[19]75; por que na Fran~a, ao contrano,essa mesma politica levou a resultados positivos. Pouco importa.Digamos que era essa a situa,iio inicial e a raziio pelaqual, mesmo sob 0 regime de De Gaulle, manteve-se, grossomodo, com to<strong>da</strong> uma serie de atenua~6es de tipo liberal,o essencial desses objetivos que podemos chamar de objetivosdirigistas, desses metodos dirigistas, desses procedimentosplanificadores centrados portanto no pleno empregoe na distribui~iio de bens sociais, coisas que 0 V Planoapresentava no estado moos nitido". Simplificando muito,podemos dizer que enos anos [19]70-[19]75, em todo casona deca<strong>da</strong> que esta tenniriando agora, que se coloca na Fran­~a 0 problema <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>~iio final desses objetivos e dessasformas de priori<strong>da</strong>de econ6rnico-politica. E nessa deca<strong>da</strong>que se coloca 0 problema <strong>da</strong> passagem global a uma economianeoliberal, isto e, grosso modo, 0 problema de alcan­~ar e de inserir 0 modelo alemiio. As raz6es, os pretextoseconomicos, as esnmulos economicos imediatos foram, evidentemente,a crise, tal como se apresentou, ista e, grossomodo, a pre-crise de antes de 1973, caracteriza<strong>da</strong> por urn crescimentoconstante do desemprego a partir de 1969, uma iriversiiodo saldo credor <strong>da</strong> balan~a de pagamentos, umainfla~iio crescente: todos esses sinais que indicavam, deacordo com as economistas, nao uma sih1a~aode crise keynesiana,ista e, uma crise de subconsumo, mas na reali<strong>da</strong>deuma crise no regime de investimentos. Ou seja, estimava-segrosso modo que essa crise se devia a erros na politica de irivestimento,nas op~6es de investimento, que nao haviamsido suficientemente racionalizados e programados. Sobreesse Iundo de pre-crise se desencadeia em [19]73 0 que sechamou de crise do petroleo, que na ver<strong>da</strong>de era 0 encarecimentodo pre~o <strong>da</strong> energia, encarecimento esse que niiose devia em absoluto a constitui~iio de urn cartel de vendedoresque impunha urn pre~o alto demOOs, mas era, ao contrano,simplesmente a diminui\=ao <strong>da</strong> influencia economicae politica do cartel dos compradores e a constitui~iio de urnpre~o de mercado para 0 petr6leo e, de modo moos geral,para a energia, ou, em todo caso, urna tendencia de 0 pre~o<strong>da</strong> energia chegar aos pre~os de mercado. Entiio, ve-se muitobern, nesse contexto (perdoem-me 0 carater tiio esquematicodisso tudo), como 0 liberalismo econornico podeaparecer, e pode efetivamente aparecer, como 0 unico caminhopossivel para solucionar essa pre-crise e sua acelera~iiopelo encarecimento do pre~o <strong>da</strong> energia. 0 liberalismo, istoe, a integra~iio total, sem restri~6es, <strong>da</strong> econornia francesanurna econornia de mercado iritema, europeia e mundial:era essa op~iio que aparecia em primeiro lugar como a Unicamaneira de poder rehficar op~6es erroneas de investimentofeitas durante 0 periodo precedente por causa decerto numero de objetivos dirigistas, de tecnicas dirigistas,etc.; portanto, 0 unico meio de retificar os erros de irivestimentolevando em conta esse novo <strong>da</strong>do que era a carestia<strong>da</strong> energia e, na reali<strong>da</strong>de, na<strong>da</strong> moos era que a constitui~iiode urn pre~o de mercado para a energia. A iriser~iio geral <strong>da</strong>economia francesa no mercado para retificar os erros de investimento,por urn lade, e para ajustar a econornia francesaao novo pre~o <strong>da</strong> energia era, portanto, a solu~iio que parecia6bvia.Voces me diriio, afinal, que esse e apenas moos urn dosepis6dios <strong>da</strong>quelas oscila~6es regulares e as vezes rapi<strong>da</strong>sque ocorreram na Fran,a desde a guerra, desde 1920 digamos,entre urna politica moos iritervencionista, moos dirigista,protecionista, interessa<strong>da</strong> nos equilibrios globOOs, preocupa<strong>da</strong>com 0 pleno emprego, e uma politica liberal moos abertaao mundo exterior, mais preocupa<strong>da</strong> com as tracas, a mae<strong>da</strong>.As oscila~6es, digamos, que marcaram 0 govemo Pinayem [19]51-52" e a reforma Rueff de [19]58", tambem representaminflex6es no rumo do liberalismo. Ora, creio que 0que esta em jogo agora e aquilo para que a crise economica,cujos aspectos procurei definir brevemente, serviu depretexto niio foi simplesmente uma dessas oscila~6es rumoa urn pouco mais de liberalismo contra urn pouco menDs dedirigismo. De fato, trata-se agora, parece-me, de to<strong>da</strong> a im-


272NASCIMENTO DA BIOPOLmCAAULA DE 7 DE MARC;:O DE 1979273plica


274 NASCIMENTO DA BIOPOWlCAmia, que nao e capaz de perturM-los. 0 que e interessanteever que 0 homem que esteve, nao na origem <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>deSocial na Fran,a, mas na origem <strong>da</strong> sua organiza,ao, queconcebeu seu mecanismo, Laroque 26 , num texto de 1947 ou48 27 , naD me lembro mais, <strong>da</strong>va precisamente esta explica­,ao, esta juslifica,ao <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social. Ele dizia, no exatomomento em que ela era cria<strong>da</strong>: nao se preocupem, a Seguri<strong>da</strong>deSocial nao e feita para ter efeitos economicos enao pode te-los, a nao ser efeitos beneficos'". Ele definia assima Seguri<strong>da</strong>de Social: nao e na<strong>da</strong> mais que uma tecnicaque permite fazer que ca<strong>da</strong> urn seja "posto em condi,oes deassegurar em to<strong>da</strong> e qualquer circunstancia a sua subsistenciae a <strong>da</strong>s pessoas a seu encargo"2Y. Assegurar sua SUbSlStenciae a subsistencia <strong>da</strong>s pessoas que estao a seu encargoquer dizer 0 que? Quer dizer simplesmente que sera e~tabelecidourn mecanisme tal que as encargos SOClaIS serao cabradosunicamente sobre 0 saJario, em outras palavras, vai-seacrescentar ao salano efelivamente pago em especie monetanaurn salano virtual; na ver<strong>da</strong>de, nao e que seja urn acrescimo,mas de fato se tera urn salario total em que uma partesera considera<strong>da</strong> na forma de salario propriamente dito ea outra na forma de presta,oes sociais. Em outras palavras,e 0 proprio salario, e a massa salarial que paga os encargossociais, e mais nenhuma outr" coisa. Euma soh<strong>da</strong>ne<strong>da</strong>deque nao e imposta aos nao-assalariados para os assalariados,e"uma soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de que eimposta a massa dos assalariados"para 0 seu unico e exclusivo beneficio, "para 0 beneficiode seus filhos e de seus idosos", diz Laroque"'. Demodo que nao se pode de maneira nenhuma dizer que essaSeguri<strong>da</strong>de Social vai onerar a econonua, Val pesar sobreela, vai fazer 0 pre,o de custo <strong>da</strong> economia crescer. Na ver<strong>da</strong>de,como a Seguri<strong>da</strong>de Social na<strong>da</strong> mais e que certa maneirade pagar algo que na<strong>da</strong> mais e que urn salario, ela na~ oneraa economia. Melhor ain<strong>da</strong>, ela, no fundo, permlte nao aumentaros salanos e, por conseguinte, tern como efeito aliviaros encargos <strong>da</strong> econornia, aplacando as conflitos sociais epossibilitando que as reivindica,oes de salario sejam menosAUlA DE 7 DE MARC;:O DE 1979 275agu<strong>da</strong>s e menos presentes. Eis 0 que dizia Laroque em 1947,48, para explicar 0 mecanisme <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong>de Social que eleproprio havia criado"... , .Trinta anos depOls, IStO e, em 1976, na Revue franr;azsedes affaires sociales, foi publicado urn relatorio muito interessante,por ter sido feito por alunos <strong>da</strong> ENA' a titul~ de estudo-balan,odos trinta anos de Segun<strong>da</strong>de Social . Essesalunos <strong>da</strong> ENA fazem a seguinte constata,ao. Primeiro, dizemeles a Seguri<strong>da</strong>de Social tern incidencias economicasconsider~veis, e essas incidencias estao liga<strong>da</strong>s, alias, apropriamaneira como foi defini<strong>da</strong> a base de ciilculo <strong>da</strong>s contribui,oes.De fato, a incidencia se produz sobre 0 custo do trabalho.Por causa <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, 0 trabalho toma-se malScaro. A partir do momento em que 0 trabalhoe mais caro,e evidente que havera sobre 0 emprego urn efelto restril1vo,logo urn aumento do desemprego"devido diretam.ente a urnaumento desse custo do trabalho. Efelto, [tambem], sobrea concorrencia intemacional, na medi<strong>da</strong> em que as diferen­,as de regime de seguri<strong>da</strong>de nos diferentes paises vao fazerque a concorrencia intemacional seja falsea<strong>da</strong>, e fa~sea<strong>da</strong>em detrimento dos paises em que a cobertura socIal e malScompleta, isto e, aqui tambem encontramos urn principio deacelera,ao do desemprego". Enfim, sempre por ~ausa dessaeleva,ao do custo do trabalho, as concentra,oes mdustriais0 desenvolvimento de tipo monopolista, 0 desenvolvime~to<strong>da</strong>s multinacionais serao acelerados. Logo, dizemeles, a politica de seguri<strong>da</strong>de tern incidencias economicasevidentes. , ..,.,Em segundo lugar, nao so essas consequenclas economicasaparecem em fun,ao do custo do trabalho e produzemurn aumento do desemprego, como, ain<strong>da</strong> por cima, apropria maneira como se estabelec~ urn teto par~ as contribui~6es,isto e, a maneira como ha dlferencla~ao entre as'" Ecole Nationale d'Administration [Escola Nacional de Administra~aol.(N. do T.)


276NASCIMENTO DA BIOPOLtrrCAAULA DE 7 DE MARC;O DE 1979277porcentagens de contribui,ao, essa diferen,a vai introduzire~eitos sobre a distribui,ao <strong>da</strong> ren<strong>da</strong>". E, apoiando-se numaSene de pesquisas que ja tinham sido feitas, puderam mostrarque, em vez de as redistribui,Des, considerando-se unifonnesos salanos, irem dos jovens aos velhos, dos solteirosaos que tern uma familia a seu encargo, <strong>da</strong>s pessoas que gozamde boa saude aos doentes, havia na ver<strong>da</strong>de, por causadesse teto maximo <strong>da</strong>s contribui,Des, uma abertura doleque de rendimentos reais que beneficiam os mais ricosem detrimento dos mais pobres. Logo, dizem eles, a Segun<strong>da</strong>deSOCIal, tal como vern funcionando ha trinta anos, introduzcerto numero de efeitos propriamente economicos.Ora, "0 objetivo <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social nao e e nao deve serde natureza economica. As mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des do seu financiamentonao deveriam ser, falseando a lei do mercado, urnelemento <strong>da</strong> politica economica. A Seguri<strong>da</strong>de Social devepermanecer economicamente neutra"~h. Voces encontramaqui, quase palavra por palavra, as coisas que eu tinha lhesdito na ultima vez (ou ha quinze dias, nao me lembro mais)a prop6sito <strong>da</strong> politica social tal como era concebi<strong>da</strong> pelosordoliberais alemaes".. .Ora, essa ideia de uma politica social cujos efeitos seriammterrarnente neutralizados do ponto de vista economico, vocesja VaG encontrar claramente formula<strong>da</strong> bern no infciodess~ periodo de instala,ao do modelo neoliberal na Fran,a,IStO e, em 1972, pelo ministro <strong>da</strong>s Finan,as <strong>da</strong> epoca, Giscardd'Estaing'". Numa comunica,ao de 1972 (foi num col6quioOI:ganizado por Stoleru);", ele diz 0 seguinte: as fun,Des econorrucasdo Estado, de todo Estado modemo, quais sao? Sao,em pnmelro lugar, uma redistribui,ao relativa <strong>da</strong> ren<strong>da</strong>; emsegundo, uma aloca,ao, na fonna de produ,ao de bens coletivos;em terceiro, urna regula,ao dos processos economicoscapaz de assegurar, diz ele, 0 crescimento e 0 pleno emprego"'-Temos ai os objetivos tradicionais <strong>da</strong> politica economicafrancesa que, ain<strong>da</strong> nessa epoca, DaD podiam ser questionados.Mas 0 que ele questiona, em compensa,ao, e 0 vinculoentre essas tres fun,Des economicas do Estado - redistribui,ao,a1oca,ao e regula,ao. Ele observa que, na ver<strong>da</strong>de, 0or,amento frances e constituido de tal modo que, no fim<strong>da</strong>s contas, as mesmas somas podem perfeitamente servirpara a constru,ao de uma rodovia au para detennina<strong>da</strong> aloca,aode tipo propriamente social". Ora, diz ele, isso e intoleravel.Seria preciso, numa politica sadia, "dissociar inteiramente0 que corresponde as necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> expansaoeconomica do que corresponde a preocupa,ao com a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>dee a justi,a social"". Em outras palavras, deveriahaver dois sistemas tao impenneaveis urn em rela,ao aooutro quanto possivel, dois sistemas a que corresponderiamdois tipos de imposto perfeitamente distintos, urn impostoeconomico e urn imposto social". Sob essa afinna,ao de princfpio,voces veem que encontramos essa ideia maior, de quea economia deve ter suas regras pr6prias e 0 social deve terseus objetivos proprios, mas que e necessano desco13-losde tal modo que 0 processo economico nao seja perturbadoou comprometido pelos rnecanismos sociais e que 0 mecanismosocial tenha uma limita,ao, de certo modo umapureza tal que nunca intervenha no processo economicopropriamente dito de fonna a perturba-Io.Problema: como se podera fazer funcionar semelhantedissociac;ao entre 0 economico e 0 social? Como sera passiveloperar esse descolarnento? Aqui tarnbem, sempre seguindoesse texto de Giscard, ve-se muito bern 0 que ele querdizer. Ele apela para urn principio de que ja Ihes falei, que ecomum ao ordoliberalismo alemao, ao neoliberalismo ame~ricana e que encontramos no neoliberalismo frances, a saber,0 d~ que a economia eessencialmente urn jogo, que aecon?mla se. des.envolve como urn jogo entre parceiros, quea socle<strong>da</strong>de mtelra deve ser pennea<strong>da</strong> por esse jogo economicoe que 0 Estado tern por fun,ao essencial definir as regraseconomicas do jogo e garantir que sejam efetivamentebern aplica<strong>da</strong>s. Quais sao essas regras? Elas devem ser taisque 0 jogo economico seja 0 mais ativo possive!, que beneficie,por conseguinte, 0 maior numero possivel de pessoas,com simplesmente - e e aqui que vamos ter a supertfcie de


278 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 7 DE MAR


280 NASCIMENTO DA BIOPOLiTlCA AULA DE 7 DE MARC;:O DE 1979 281quem dele tira proveito sao as mais rices, e tiram proveitosendo quem menos participa do seu financiamento. Logo, sese quer ter uma prote


282NASCIMENTO DA BIOPOLfTlCAAULA DE 7 DE MAR


284NASCIMENTO DA BIOPOUTICAAULA DE 7 DE MARC;O DE 1979285empresa concorrencial vai ser passivel acima do limiar, eter-se-a sirnplesmente uma seguran


AULA DE 7 DE MARC;:O DE 1979 287NOTAS1. Cf. supra, aula de 10 de janeiro de 1979, p. 36, nota 17.2. M. Foucault ja se havia exprimido em termos muito semelhantessabre esse tema, em novembro de 1977, em sua entrevistaa R. Lefort a prop6sito do caso Croissant (d. Securite, Tenitoire,Population, "Sihlation des cours", p. 385), opondo 0 argumento ciafascistiza~ao do Estado aanalise dos problemas reais que as 1/50_cie<strong>da</strong>des de seguranc;a" colocam ("Michel Foucault: la securite etrEtat", DE, III, n~ 213, p. 387).3. Alusao a uma conversa na qual F. Ewald, ent,3.0 assistentede M. Foucault no College de France, opunha denuncia a acusac;ao,a primeira feita em nome dos principios que ela denuncia e,por isso, fa<strong>da</strong><strong>da</strong> a permanecer abstrata, enquanto a segun<strong>da</strong>, porvisar nomea<strong>da</strong>mente uma pessoa, compromete muito mais quema formula (informa,ao comunica<strong>da</strong> por F. Ewald).4. W. Ropke, "Das Beveridgeplan", art. cit. [supra, p. 175, nota39J.5. A £rase e tira<strong>da</strong> na ver<strong>da</strong>de de Civitas Humana, trad. cit.[supra, p. 171, nota 2IJ, p. 239. Em suas notas, Foucault assinala a"critica mais detalha<strong>da</strong>" desenvolvi<strong>da</strong> no artigo citado, mas nao se[efere diretamente a ela. Ropke consagra as paginas 226-43 do seuliVIO acritica do plano Beveridge e precisa em nota, p. 245: "Eu mealonguei mais deti<strong>da</strong>mente sabre esse tema em Dutra oportuni<strong>da</strong>de[segue a referen<strong>da</strong> do artigo 'Das Beveridgeplan']", acrescentando:"Mas sabre essa quest.3.o deveremos reeorrer antes demais na<strong>da</strong> a. excelente obra do soci61ogo cat6lico (antes alemao ehoje lecionando nos Estados Unidos), Goetz Briefs: The Proletariat,NovaYork, 1937."6. F. Hayek, The Road to Serfdom, up. cit. I trad. cit., introd., p. 10.7. Trad. cit., ibid.: "Nao eaAlemanha de Hitler, aAlemanha<strong>da</strong> guerra atual que nosso pais se assemelha. Mas as pessoas queestu<strong>da</strong>m as correntes de ideias nao podem deixar de constatar queha mais que uma semelhanc;a superficial entre, de urn lado, as tendencias<strong>da</strong> Alemanha no curso <strong>da</strong> guerra precedente e depois delae, de outro, as correntes de ideias que hoje reinam em nosso pais.Na Inglaterra de hoje, assim como na Alemanha de ontem, temsea fume decisao de conseIVar para fins produtivos a organizac;aoelabora<strong>da</strong> para fins de defesa nacional."8. Ibid., p. 11: "Poucas pessoas estao prontas a reconhecerque a ascensao do fascismo e do nazismo foi, nao uma reac;ao contraas tendencias socialistas do periodo anterior, mas urn resultadoinevitavel dessas tendencias."9. Cf. supra, aula de 7 de fevereiro de 1979, pp. 150-1, a exposic;aodos mesmos argumentos por Ropke em 1943.10. M. Foucault, em 1980, tomara na ver<strong>da</strong>de uma direc;aobern diferente, pois, reatando sua tematica do curso de 1978, consagraraseu curso ("Do govemo dos vivos") ao problema do examede consciencia e <strong>da</strong> confissao no cristianismo primitivo. Cf. 0resumo do curso, DE, IV; n~ 289, pp. 125-9.11. Essa tinha sido a tese dos militantes esquerdistas <strong>da</strong> GaucheProh~tarienne.a. Les Temps Modernes 310 bis: Nouveau Fascisme,Nouvelle Democratie, 1972. Mas a obseIVac;ao de Foucault se relacionasobretudo aos debates sobre a Alemanha, a prop6sito doterrorismo, que corriam entao. A repressa.o policial contra a Frac;aodo ExercitoVermelho tinha se intensificado depois do assassinate dopresidente do patronato alemao, H. M. Schleyer, por membrosdo grupo em outubro de 1977. Alguns dias depois, Baader e VIDOSdos que estavam presos com ele foram encontrados mortos emsua cela na prisao de Stammheim, em Stuttgart. A tese oficial desuicidio foi objeto de viva contestac;ao. Foucault, ao mesmo tempoque apoiava Klaus Croissant, 0 advogado <strong>da</strong> FraC;ao do ExercitoVermelho ameac;ado de ser extraditado <strong>da</strong> Franc;a (d. "Va-t-on extraderKlaus Croissant?", DE, III, n~ 210, pp. 361-5, onde sem dtivi<strong>da</strong>pela prime-ira vez teoriza 0 IIdireito dos govemados, [...1mais preciso,mais historicamente determinado que os direitos do homem",


288 NASCIMENTO DA BIOPOLfrlCAp. 362), havia rompido com os que, ven<strong>da</strong> na Alemanha de HelmutSchmidt urn Estado fascistizante, caucionavam a luta terroristaoSabre a atitude de Foucault ante a 1/questao alema", d. Securite,Tenitoire, Population, "Situation des cours", pp. 386-7.12. Richard Nixon (1913-1994), presidente dos Estados Unidosde 1968 a 1974.13. James Earl (dito Jimmy) Carter (nascido em 1924), presidentedos Estados Unidos de 1976 a 1980.14. Raymond Barre (nascido em 1924): professor de cienciasecon6micas, ex-diretor de gabinete do ministro cia Industria Jean­Marcel Jeannenay;. depois comissano europeu em Bruxelas de julhode 1967 a dezembro de 1972, foi primeiro-ministro de agostode 1976 a maio de 1981 e, paralelamente, ministro cia Economia eFinan,as de agosto de 1976 a abril de 1978. Propos, em 22 de setembrode 1976, urn plano feite de medi<strong>da</strong>s de austeri<strong>da</strong>de, chama<strong>da</strong>mais tarde de "plano Barre", para combater a "estagflac;ao"(crescimento £raCD e inflac;ao forte) surgi<strong>da</strong> com a crise de 1974.Sabre os principios que inspiraram essa politica de luta contra ainfla,ao, ct. R. Barre, Une politique pour [,Avenir, Paris, PIon, 1981,pp. 24-7. Cf. tambem, no mesmo volume (pp. 98-114), a reprodu­~ao de uma entrevista a Jean Boissonnat, publica<strong>da</strong> na revista L'Expansionde setembro de 1978, "Dialogue sur Ie liberalisme", naqual, depois de rejeitar 0 diagnostico de uma crise do liberalismo,bern como a oposi~ao, a seu ver supera<strong>da</strong>, entre liberalismo e intervencionismo,R. Barre declara: liSe voce entende por liberalismoeconomico a doutrina do 'laissez faire, laissez passer', eu certamentenao sou liberal. Se voce entende por liberalismo economicoa gestao descentraliza<strong>da</strong> de uma economia modema, que combineao mesmo tempo a liber<strong>da</strong>de, acompanha<strong>da</strong> de responsabili<strong>da</strong>de,dos centros de decisao privados e a interven~ao reguladorado Estado, entao voce pode me considerar urn liberal" (pp. 105-6).Enunciando em segui<strong>da</strong> os principios em que deve se inspirar, emsua opiniao, a gestao de uma economia modema -livre escolha dosagentes economicos, responsabili<strong>da</strong>des do Estado em materia deregula~aoglobal <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de economica, de manuten~ao<strong>da</strong> concorrencia,de corre~aodos efeitos do mercado sobre 0 emprego, dedistribui~aomais equitativa <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> -, ele conclui: "Eis 0 meu liberalismo.Nao se diferencia muito do que pensam e fazem certosgovemos social-democratas" (p. 107). Em segui<strong>da</strong>, ele faz explicitamentereferenciaa"economia social de mercado", cujos resultadosAULA DE 7 DE MAR(:O DE 1979 289defende ante as criticas <strong>da</strong> Escola de Chicago: "[...} 0 liberalismoexacerbado <strong>da</strong> escola de Chicago nao pode inspirar uma polfticaeficaz" (p. 108).15. C. Stoffaes, La Grande Menace industrielle, Paris, Calmann­Levy, "Perspectives de l'economique", 1978; reed. aumenta<strong>da</strong>: LeLivre de Poche, "Pluriel", 1979 (cito dessa segun<strong>da</strong> edi,ao). Esselivro, que teve grande repercussao, se inscreve no prolongamentodo de L. Stoleru, I:Imperatij industriel, Paris, Le 5euil, 1969 ("50­mente urn novo imperativo industrial, replica do imperativo de industrializa~aolan~adoh.idez anos, perrnitir.i enfrentar essa grandeamea~a [do terceiro mundo em desenvolvimento e dos paisessuperindustrializados]", p. 48).16. Nascido em 1947, politecnico e engenheiro de Minas, diplomadoem Harvard, Christian Stoffaes era entao professor deeconomia industrial no Instituto de Estudos Politicos de Paris e,desde 1978, diretor do Centro de Estudos e de Previsao, criado porAndre Giraud, ministro <strong>da</strong> Industria.17. C. Stoffaes, La Grande Menace..., quarta capa: "Rejeitandoa tenta~ao de transpor apressa<strong>da</strong>mente os modelos alemao ejapones, 0 autor lan~a as bases de uma polftica industrial originalque perrnitiria enfrentar 0 grande desafio a que nosso pais estaconfrontado.O que esta em jogo: 0 futuro <strong>da</strong> economia francesa."18. Ibid., pp. 742-3 (palavras grifa<strong>da</strong>s por Stoffaes).19. Ibid., p. 743 Gogo depois <strong>da</strong> cita,ao precedente): "Se se quiserque as leis do mercado deem novo vigor aesfera economica,sera necessario que, paralelamente, a imagina~ao retome 0 poderna esfera coletiva. Ao contrmo do que se ouve com tanta freqiienciadizer, nao ha incompatibili<strong>da</strong>de entre uma economia de mercadoeficaz aberta ao mundo e urn projeto social avan~ado que iriamuito mais depressa no sentido de reduzir as desigual<strong>da</strong>des <strong>da</strong>sfortunas, <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> e <strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong>des e, sobretudo, de redistribuiros poderes na empresa e na vi<strong>da</strong> publica."20. Valery Giscard d'Estaing: ministro <strong>da</strong> Economia e Finan­,as de 1962 a 1966 rna Fran,a], na presidencia do general De Gaulle,e de 1969 a 1974, na de Georges Pompidou; presidente <strong>da</strong> Republicaa partir de maio de 1974.21. Q. supra, aula de 10 de janeiro de 1979, p. 17.22. Sobre 0 V Plano (1965-1970), ver 0 Rtipport sur les optionsprincipales du VC Plan de developpement economique et social, Paris, LaDocumentation fran~aise,1964. Cf. A. Gauron, Histoire economique


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292NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 7 DE MARr;:O DE 1979 293quanta a isso, ela tern uma importancia inegavel para a economiado pais."29. Ibid., p. 6: "A Seguri<strong>da</strong>de Social aparece~nos, ~ortanto,como agarantia <strong>da</strong><strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> urn de que em to<strong>da</strong>s as clr:u~st~ncIas elasera capaz de assegurar, em condi90es decentes, sua subslstenCIQ e a <strong>da</strong>spessoas a seu encargo." Esse principia havia sido formulado por P.Laroque ja em 1946 ("Le plan fran~ais de securite so<strong>da</strong>te", ~e::uefran,aise du travail, 56 (6), 1948, p. 621). 0. N. Kerschen, I;mfluencedu rapport Beveridge...", p. 577. , . .30. P. Laroque, liLa Securite sociale <strong>da</strong>ns l'econOffile fran~a~se",conferencia cita<strong>da</strong>, p. 17: 't..] 0 aumento dos en~arg?s ~OClc:ISincidiu integralmente sabre os salarios e I...] por 51 p~opno naoonerou de forma alguma os prec;os de custo cia econotma. N~ reali<strong>da</strong>de,a Seguri<strong>da</strong>de Social se limita a redistrib~r uma frac;ao ciamassa cia ren<strong>da</strong> dos assalariados. [...1Estamos dlante de uma soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>deimposta amassa dos assalariados, em beneficio de seusfilhos e de seus idosos".31. Ibid.: uPodemos ate mesmo ir mais longe e afirmar semparadoxo que a Seguri<strong>da</strong>de Social possibilitou uma redw;ao dosencargos que pesam sobre a economia do ~afs, ~vi~ando.~u~entosde salirios que, sem ela, teriam sido conslderavels e dificilrnenteevitaveis." .32. Revue jran9aise des affaires sociales, n~ especial: Perspectivesde la securite sociale, julho-setembro de 1976. Trata-se de urn conjuntode relatorios redigidos peIo; alunos <strong>da</strong> ENA (turma GUER­NlCA) no ambito dos seus semmanos, ca<strong>da</strong> urn desses semmanossendo concebido como " 0 estudo pluridisciplinar de urn problemaadministrativo com vistas a encontrar uma solw;ao 'operacional'para ele" (G. Dupuis, ibid., p.lY). M. Foucault se bas:ia, neste paragrafo,no primeiro relat6rio, "Le financement du regIme generalde securite sociale", redigido por P Begault, A. Bodon, B. Bonnet,j.-c. Bugeat, G. Chabost, D. Demangel, j.-M. Grabarsky, P. Masseron,B. Pommies, D. Postel-Vinay, E. Rigal e C.Vallet (pp. 5-66).33. M. Foucault resume aqui, despojando-a de todo 0 seutecnicismo, a analise desenvolvi<strong>da</strong> na segun<strong>da</strong> se\ao (ULe modede financement actuel du regime general n'est pas neutre au regardde l'activite econ,omiqu;,") <strong>da</strong> prim~i:aparte ('.'La necessite etles principes d'une reforme ) do rel~to~o supra~ltado, .~p. 21-?o paragrafo 2.3 ("L'incidence des cohsations sur 1emplOl ) terrmnacom estas palavras: "A base de calculo e 0 limite m


294 NASCIMENTO DA BIOPOLmCA(3) A fum;ao de regular;ao: 0 Estado regula e sustenta 0 crescimentoe 0 plena emprego com sua politica conjuntural lf .41. Ibid. (continua~ao <strong>da</strong> declara~ao precedente): "Ora, emboraessas tres funr;oes sejarn efetivamente distintas no plano intelectual,nao 0 sao na pratica: 0 mesmo impasto financia indiferentementeas rodovias e os deficits cia Seguri<strong>da</strong>de Social, 0 mesrnogasto serve ao mesmo tempo para produzir tendo em vista aumentara rede ferroviaria e para subvencionar as faroilias nurnerosasque viajam de trem."42. Ibid. (continua~ao <strong>da</strong> cita~ao precedente): "Eu me perguntose esse misto de generos econforme ajustir;a social e gostariade submeter aqui areflexao de voces uma ideia pessoal:Nao se deveria dissociar 0 que corresponde as necessi<strong>da</strong>descia expansao economica do que pertence apreocupar;ao com a 50­li<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e a justir;a social?"43. Ibid. (continuar;ao <strong>da</strong> citar;ao precedente): "Pode-se imaginarurn sistema em que ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>o pagaria seus impostos deduas fonnas distintas: 0 imposto economico e 0 imposto social?"44. Ibid., p. 439: "0 que caracteriza a economia de mercadoe, sobretudo:- que existem regras do jogo que permitem toma<strong>da</strong>s de decisaodescentraliza<strong>da</strong>s,- que essas regras sao as mesmas para todos."45. Ibid., p. 444: "[...J ain<strong>da</strong> havera por muitos anos urn enfrentamentoentre 0 mecanismo de produr;§.o e os mecanismos de proter;aodo individuo: isso significa que somente 0 Estado poder


AULA DE 14 DE MAR


298 NASCIMENTO DA BIOPOWlCA AULA DE 14 DE MAR(O DE 1979 299ralismo frances. au seja, os tres principais elementos de contextodesse desenvolvimento do neoliberalismo americanaforam primeiro, e claro, a existencia do New Deal e a criticaao New Deal e a essa politica que poderiamos chamar, grossomodo, de keynesiana, desenvolvi<strong>da</strong> a partir de 1933-34 porRoosevelt. a texto primeiro, fun<strong>da</strong>dor, desse neoliberalismoamericano, escrito em 1934 [por] Simons', que foi 0 pai<strong>da</strong> Escola de Chicago, e urn artigo que se chama "Urn programapositivo para 0 laissez-faire'''.a segundo elemento de contexte e, evidentemente, 0plano Beveridge e todos aqueles projetos de intervencionismoeconornico e de intervencionismo social que foram elaboradosdurante a guerra 5 • Todos esses elementos tao importantesque poderiamos chamar, se voces quiserem, depactos de guerra, esses pactos pelos termos dos quais os governos- essencialmente 0 governo ingles e ate certo pontoo governo americana - diziam as pessoas que tinham acabadode atravessar urna crise econornica e social multo grave:agora pedimos a voces para <strong>da</strong>rem a sua vi<strong>da</strong>, mas prometemosque, feito isso, voces manterao seus empregos ate 0tim dos seus dias. Todo esse conjunto de documentos, todoesse conjunto de amilises, de programas, de pesquisas seriainteressantissimo estu<strong>da</strong>-Io por si mesmo, porque me parece,salvo engano alias, que e a primeira vez afinal que na~6esinteiras fizeram a guerra a partir de urn sistema de pactos,que nao eram simplesmente os pactos internacionais de a1ian­~a entre potencia e potencia, mas uma [especie] de pactossociais segundo os quais [elas] prometiam - aqueles mesmosque [elas] pediam para fazer a guerra e <strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong>, portanto- urn certo tipo de organiza~ao economica, de organiza~aosocial, em que a seguran~a (seguran~a do emprego,seguran~a em rela~ao as doen~as, as diversas vicissitudes, seguran~aquanta a aposentadoria) seria assegura<strong>da</strong>. Pactosde seguran~a no momenta em que havia deman<strong>da</strong> de guerra.E a deman<strong>da</strong> de guerra por parte dos governos foi acompanha<strong>da</strong>continuamente e bern cedo - desde 1940, na Inglaterra,voces tern textos sobre esse tema - por essa oferta depacto social e de seguran~a. Foi contra esse conjunto de programassociais que, mais uma vez, Simons redigiu urn certonllinero de textos e de artigos criticos. a mais interessantee sem duvi<strong>da</strong> urn artigo que se chama "Program Beveridge:an unsympathetic interpretation''" - nem e preciso traduzir,o praprio titulo indica muito bern 0 sentido dessa critica.Em terceiro lugar, terceiro elemento de contexto, estaoevidentemente todos os programas sobre a pobreza, a educa~ao,a segrega~ao, que se desenvolveram naAmerica desdea administra~ao Truman' ate a administra~ao Johnson" eatraves desses programas, claro, 0 intervencionismo de Estado,0 crescimento <strong>da</strong> adrninistra~ao federal, etc.Creio que esses tres elementos - a politica keynesiana, ospactos sociais de guerra e 0 crescimento <strong>da</strong> administra~ao federalatraves dos programas econornicos e sociais -, foi tudoisso que constituiu 0 adversano, 0 a1vo do pensamento neoliberal,que foi aquilo em que ele se apoiou ou a que ele seopos, para se formar e para se desenvolver.Voces estao vendoque esse contexto imediato e evidentemente do mesmo tipo<strong>da</strong>quele que encontramos, por exemplo, na Fran~a, onde 0neoliberalismo tambem se definiu por oposi~ao a Frente Pepular",as politicas keynesianas do pas-guerra tel a planifica~ao.Penso no entanto que entre esse neoliberalismo a europeiae esse neoliberalismo aamericana hci certa numerode diferen~as maci~as. Elas tambem, como sabemos, saltamaos olhos. Vou simplesmente recor<strong>da</strong>-las. Primeiro, 0liberalismo americano, no momenta em que se formou historicamente,isto e, bern ce<strong>da</strong>, ja no seculo XVIII, nao seapresentou como na Fran~a a titulo de principio moderadorem rela~ao a uma razao de Estado preexistente, pois sao precisamente,ao contrano, reivindica~6es de tipo liberal, reivindica~6esessencialmente econornicas alias, que foram 0 pontode parti<strong>da</strong> histarico <strong>da</strong> forma~ao <strong>da</strong> independencia dosEstados Unidos"'. au seja, 0 liberalismo desempenhou nos EstadosUnidos, no periodo <strong>da</strong> guerra de Independencia, mais


300 NASCIMENTO DA BIOPOWlCA AUlA DE 14 DE MARC;:O DE 1979 301ou menos 0 mesmo papel, ou urn papel relativamente analogoao que 0 liberalismo desempenhou na A1emanha em1948. Foi a titulo de principio fun<strong>da</strong>dor e legitimador do Estadoque 0 liberalismo foi convocado. Nao e 0 Estado que seautolimita pelo liberalismo, e a exigencia de urn liberalismoque se toma fun<strong>da</strong>dor de Estado. [SSG, creio eu, e urn dostra~os do liberalismo americano.Segundo, 0 liberalismo americana nao parou de estar,e claro, no amago de todos os debates politicos dos EstadosUnidos por dois seculos, quer se trate <strong>da</strong> politica economica,do protecionismo, do problema do ouro e <strong>da</strong> prata, dobimetalismo; quer se trate do problema <strong>da</strong> escravi<strong>da</strong>o; querse trate do problema do estatuto e do funcionamento <strong>da</strong> institui~aojudiciana; quer se trate <strong>da</strong> rela~ao entre os individuose os diferentes Estados, entre os diferentes Estados e 0 Estadofederal. Podemos dizer que a questao do liberalismofoi 0 elemento recorrente de to<strong>da</strong> a discussao e de to<strong>da</strong>s asop~oes politicas dos Estados Unidos. Digamos, se voces quiserem,que enquanto na Europa os elementos recorrentes dodebate politico no seculo XIX foram, ou a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> na~ao,ou sua independencia, ou 0 Estado de direito, nos EstadosUnidos foi 0 liberalismo.Enfim, terceiro, em rela~a.o a esse fundo perrnanentedo debate liberal, 0 nao-liberalismo - quero dizer, essas politicasintervencionistas, seja uma economia de tipo keynesiano,sejam as programa~6es, as programas economicosou socials - se apresentou, principalmente a partir do meadodo seculo XX como urn corpo estranho, elemento amea~adortanto na medi<strong>da</strong> em que se tratava de introduzir objetivosque poderiamos dizer socializantes, como na medi<strong>da</strong> em quese tratava tambem de assentar intemamente as bases de urnEstado imperialista e militar, de tal sorte que a cntica dessenao-liberalismo pode encontrar uma dupla ancoragem: adireita, em nome precisamente de uma tradi~aoliberal historicae economicamente hostil a tudo 0 que pode soar socialista;e aesquer<strong>da</strong>, na medi<strong>da</strong> em que se tratava de fazernao apenas a critica mas tambern travar a luta cotidiana contra0 desenvolvimento de urn Estado imperialista e militar.Donde 0 equivoco, 0 que parece ser, [para] voces, urn equivocanesse neoliberalismo americana, pais nos 0 vemosaplicado, reativado, tanto adireita como aesquer<strong>da</strong>.Em todo caso, creio que podemos dizer 0 seguinte: porto<strong>da</strong>s essas razoes historicas totalmente banais que acabode evocar, 0 liberalismo americana nao e - como e na Fran~adestes dias, como ain<strong>da</strong> era na Alemanha no imediato p6sguerra- simplesmente uma op~ao economica e politicaforma<strong>da</strong> e formula<strong>da</strong> pelos govemantes ou no meio governamental.0 liberalismo, nos Estados Unidos, e to<strong>da</strong> umamaneira de ser e de pensar. Eurn tipo de rela~ao entre govemantese govemados, muito mais que uma tecnica dosgovemantes em rela~ao aos govemados. Digamos, se preferirem,que, enquanto num pais como a Fran~a 0 contenciosodos individuos em rela~ao ao Estado gira em tomo doproblema do servi~o e do servi~o publico, 0 contencioso nos[Estados Unidos] entre os individuos e 0 govemo adquire aocontrano 0 aspecto do problema <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des. Epor isso queeu ereie que 0liberalismo americana, atualmente, nae seapresenta apenas, nao se apresenta tanto como uma alternativapolitica, mas digamos que e uma especie de reivindica~aoglobal, multiforme, ambigua, com ancoragem adireitaeaesquer<strong>da</strong>. Etambem uma especie de foco utopico semprereativado. Etambem urn meto<strong>da</strong> de pensamento, uma gradede analise economica e sociologica.Vou me referir a alguemque nao e exatamente urn americana, pais e urn austriacode que falamos varias vezes, mas foi para a [nglaterra epara os Estados Unidos antes de voltar para a A1emanha.EHayek, que dizia, ha alguns anos: precisamos de urn liberalismoque seja urn pensamento vivo. 0 liberalismo sempredeixou por conta dos socialistas 0 cui<strong>da</strong>do de fabricar utopias,e foi a essa ativi<strong>da</strong>de utopica ou utopizante que 0 socialismodeveu muito do seu vigor e do seu dinamismo historico.Pois bern, 0 liberalismo tambem necessita de utopia.


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304 NASCIMENTO DA BIOPOLiTlCA AUIA DE 14 DE MARC;:O DE 1979 305o que tentOll fazer certa numero deles, sen<strong>da</strong> 0 primeiroTheodore Schultz", que, no correr dos anos 1950-60, publicouurn certo numero de artigos cujo inventano se encontranum livro publicado em 1971 chamado Investment in HumanCapital 111 • Gary Becker 19 publicou, mais ou menos nos mesmosanos, urn livro com 0 mesma tltulo 20 , e voces tern urnterceiro texto que e bastante fun<strong>da</strong>mental e mais concreto,mais preciso do que os outros, que e 0 de Mincer" sobre aescola e 0 salano, publicado em 1975".Para clizer a ver<strong>da</strong>de, essa critica que 0 neoliberalismofaz aeconomia cl


306 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 14 DE MARyO DE 1979 307tas classicos nunca encaram 0 objeto <strong>da</strong> economia senaocomo processos - do capital, do investimento, <strong>da</strong> maquina,do produto, etc.Ora, creio que e aqui que M que reinserir as amilisesneoliberais em seu contexto geral. 0 que, afinal, e a muta­~ao epistemol6gica essencial dessas analises neoliberais eque elas pretendem mu<strong>da</strong>r 0 que havia constituido de fatoo objeto, 0 dominio de objetos, 0 campo de referencia geral<strong>da</strong> analise economica. Praticamente, a amilise economicade A<strong>da</strong>m Smith, ate 0 inicio do seculo xx, tinha, como objeto,grosso modo, 0 estudo dos mecanismos de produ~ao,dos mecanismos de troca e dos fatos de consumo no interiorde uma estrutura social <strong>da</strong><strong>da</strong>, com as interferenciasdesses tres mecanismos. Ora, para as neoliberais, a analiseeconomica cleve consistir, naD no estudo desses mecanismos,mas no estudo <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong>s conseqtiencias doque chamam de op~6es substituiveis, isto e, 0 estudo e aanalise <strong>da</strong> maneira como sao alocados recursos raros parafins que sao concorrentes, ista e, para fins que sao altemativos,que nao podem se superpor uns aos outros". Em outraspalavras, tern-se recursos raros, tern-se, para a utilizas:aoeventual desses recursos raros, nao urn 56 fim ou fins quesao cumulativos, mas fins entre os quais epreciso optar, e aanalise economica deve ter por ponto de parti<strong>da</strong> e por quadrogeral de referencia 0 estudo <strong>da</strong> maneira como os individuosfazem a aloca~ao desses recursos raros para fins quesao fins altemativos.Eles adotam, ou antes, aplicam uma defini~aode objetoeconomico que havia sido proposta em 1930 ou 1932, naome lembro mais, por Robbins", que, pelo menDs desse pontode vista, tambem pode passar por urn dos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong>doutrina economica neoliberaI: "A economia ea ciencia docomportamento humano, a ciencia do comportamento humanacomo uma relas:ao entre fins e meios raros que ternusos mutuamente excludentes."" Voces veem que essa defini~ao<strong>da</strong> economia the prop6e como tarefa, nao a analise deurn mecanismo relacional entre coisas ou processos, do generocapital, investimento, prodw;ao, em que, nesse momenta,o trabalho se encontra de fato inserido somente a titulo deengrenagem; ela the <strong>da</strong> por tarefa a analise de urn comportamentohumano e <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de intema desse comportamentohumano. 0 que a analise deve tentar esclarecer equalcakulo, que alias pode ser despropositado, pode ser cego,que pode ser insuficiente, mas qual calculo fez que, <strong>da</strong>doscertos recursos raros, urn individuo ou individuos tenhamdecidido atribui-los a este fim e nao aquele. A economia janao e, portanto, a analise <strong>da</strong> 16gica hist6rica de ~rocesso" ea analise <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de intema, <strong>da</strong> programa~aoestrategica<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de dos individu?s.. , . ,E, com isso, 0 que querera dlzer fazer a analIse economicado trabalho, 0 que querera dizer reinserir 0 trabalhona analise economica? Nao: saber onde 0 trabalho se situaentre, digamos, 0 capital e a produ~ao. 0 problema <strong>da</strong> reintrodu~aodo trabalho no campo <strong>da</strong> analise economica naoconsiste em se perguntar a quanto se compra 0 trabalho, ouo que e que ele produz tecnicamente, ou qual valor 0 trabalhoacrescenta. 0 problema fun<strong>da</strong>mental, essencial, emtodo caso primeiro, que se colocara a partir do momentoem que se pretendera fazer a analise do trabalho em termoseconomicos sera saber como quem trabalha utiliza os recursosde que disp6e. Ou seja, sera necessario, para introduzir0 trabalho no campo <strong>da</strong> analise econ6mica, situar-sedo ponto de vista de quem trabalha; sera preciso estu<strong>da</strong>r 0trabalho como conduta economica, como conduta economicapratica<strong>da</strong>, aplica<strong>da</strong>, racionaliza<strong>da</strong>, cakula<strong>da</strong> por quemtrabalha. 0 que e trabalhar, para quem trabalha, e a que SIStemade op~ao, a que sistema de racionali<strong>da</strong>de essa ativi<strong>da</strong>dede trabalho obedece? E, com isso, se podera ver, a partirdessa grade que projeta sobre a ativi<strong>da</strong>de de trabalho urnprincipio de racionali<strong>da</strong>de estrategica, em que e como as diferenc;asqualitativas de trabalho podem ter urn efelto de tipoeconomico. Situar-se, portanto, do ponto de vista do traba-


308 NASCIMENTO DA BIOPOLiTICA AULA DE 14 DE MARC;:O DE 1979 309!hador e fazer, pela primeira vez, que 0 trabalhador seja naanalise economica nao urn objeto, 0 objeto de uma oferta ede uma procura na forma de fon;a de trabalho, mas urn sujeitoeconornico ativo.Pais bern, a partir dessa tarefa, como eque eles fazem?Alguem como Schultz, alguem como Becker diz: no fundo,por que e que as pessaas trabalham? Trabalham, e claro, parater urn salano. Ora, 0 que e urn salano? Urn salano e simplesmenteuma ren<strong>da</strong>. Do ponto de vista do trabalhador, 0 salanonao e 0 pre


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312 NASCIMENTO DA BIOPOUTICAAULA DE 14 DE MARC;:O DE 1979 313ele 10 a ren<strong>da</strong> nao pode ser dissocia<strong>da</strong> do individuo humanoque 10 seu portador". Entao, de que 10 composto esse capital?.E aqui q~e essa reintrodue;ao do trabalho no campo<strong>da</strong> analise econormca vai permitir passar agora, poruma especiede acelera


314 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA AULA DE 14 DE MARC;O DE 1979 315terei mesmo assim de encontrar para me casar alguem cujoequipamento genetico tambem seja bom.Voces veem muitobem como 0 mecanismo <strong>da</strong> prodw;ao dos individuos, aprodw;ao dos filhos, pode se encaixar em to<strong>da</strong> uma problematicaeconomica e social a partir desse problema <strong>da</strong> rari<strong>da</strong>dedos bons equipamentos geneticos. E, se voces quiseremter um filho cujo capital humano, entendido simplesmenteem termos de elementos inatos e de elementos hereditfuios,seja elevado, fica claro que sera necessario, <strong>da</strong>parte de voces, todo um investimento, isto e, ter trabalhadosuficientemente, ter ren<strong>da</strong> suficiente, ter uma condi


316 NASCIMENTO DA BIOPOmlCA AUlA DE 14 DE MARC;:O DE 1979317tambem - porque se sabe muito bern, justamente, que, paraurn mesmo tempo passado, pais cultos vao formar urn capitalhumano, para a crian


318NASCIMENTO DA BIOPOLtr!CAAUIA DE 14 DE MAR


320 NASCIMENTO DA BIOPOLtrICAde desenvolvirnento economico que poderiam ser orienta<strong>da</strong>s,que sao efetivamente orienta<strong>da</strong>s, para esses novos caminhos.Claro, nao se trata de eliminar os elementos, as conota


322 NASCIMENTO DA BIOPOL!TICA AUlA DE 14 DE MAR(:O DE 1979 323Mass., D. C. Heath and Co., 1970, e H. L. Miller, "On the ChicagoSchool of Economics", Journal ofPolitical Economy, vol. 70 (1), fevereirode 1962, pp. 64-9.3. Henry Calvert Simons (1889-1946), autor de Economic Policyfor a Free Society, University of Chicago Press, 1948.4. Trata-se de urn livro, A Positive Program for Laissez-Faire:Some proposals for a liberal economic poliey?, University of ChicagoPress, 1934i reed. in Economic Policy for a Free Society.5. Cf. supra, aula de 7 de fevereiro de 1979, p. 175, nota 38.6. H. C. Simons, "The Beveridge Program: an unsympatheticinterpretation", Journal ofPolitical Economy, vol. 53 (3), setembro de1945, pp. 212-33; reed. in Economic Policy for a Free Society, cap. 13.7. Cf. supra, aula de 31 de janeiro de 1979, p. 130, nota 7.8. Ibid., nota 9.9. Coliga~ao dos particlos de esquer<strong>da</strong> que exerceu 0 poder naFran,a de junho de 1936 a abril de 1938. Sob a presidencia de LeonBlum esse govemo impos vanas medi<strong>da</strong>s de reforrnas so<strong>da</strong>is (semanade 40 horas, ferias pagas, nacionalizayio <strong>da</strong>s ferrovias, etc.).10. Alusao aos acontecimentos que deflagraram a Guerra deIndependencia (1775-1783), em particular a "Boston Tea Party"(16 de dezembro de 1773), durante a qual colonos fantasiados deindios jogaram no mar uma carga de chi cia Companhia <strong>da</strong>s fndias,para a qual 0 Parlamento ingles acabava de abrir as portas domercado americana. 0 govemo ingles respondeu com uma seriede leis - "intolerable acts" - que provocaram a reuniao, em setembrade 1774, do I Congresso Continental na Filadelfia.11. Trata-se talvez, aqui, de uma refonnula~ao bastante livre<strong>da</strong>s reflexoes desenvolvi<strong>da</strong>s par Hayek no post-scriptum a The ConsiitutionofLiberty, op. cit. [supra, p. 33, nota 3], "Why I am not a Conservative",pp. 398-9 I trad. cit., pp. 394-5.12. Cf. H. Lepage, Demain Ie capiialisme, pp. 21-8; 326-72 (sabreG. Becker). Alguns capitulos desse livro foram publicados em1977 nas colunas de Rialites. 0 autor remete tambem, quanta aocapitulo sobre Becker, ao curso de Jean-Jacques Rosa, "Theoriemicro-economique", IEp, 1977. Cf. tambem M. Riboud e F. HernandezIglesias, "La theorie du capital humain: un retour aux classigues",in J.-J. Rosa e EAftalion, org., L'Economique retrouvee, op. cit.,pp. 226-49; M. Riboud, Accumulation du capital humain, Paris, Economica,1978 (essas duas obras figuravam na biblioteca de MichelFoucault).13. Cf. A. Smith, Recherches sur la nature et les causes de la richessede nations, livro I, caps. 1-3, trad. cit. [supra, p. 66, nota 11],ed. GF, pp. 71-89. Sabre a analise do trabalho par A. Smith, d. LesMots et les Choses, op. cit., pp. 233-8.14. David Ricardo (1772-1823), Des principes de I'economie politiqueet de /'imp6t (1817), cap. 1, se,ao II, trad. fro M. Constancio eA Fonteyraud, in Oeuvres completes Is.l., s.n.], "Collection desprincipaux economistes", 1847, pp. 14-6. Cf. M. Riboud e F. HernandezIglesias, "La theorie du capital humain...", in op. cit., p. 227:"lNa analise dos economistas classicos], 0 aumento do fator trabalhotraduz[ia] necessariamente urn numero adicional de trabalhadoresou de horas de trabalho por homem, isto e, um aumentode quanti<strong>da</strong>de." Cf. tarnbem as observa~oes de J. Mincer, emseu prefacio atese de M. Riboud, Accumulation du capital humain,op. cit., p. III: "A hipetese simplificadora <strong>da</strong> homogenei<strong>da</strong>de do fatortrabalho, feita por Ricardo, criou urn vazio cuja conseqiienciafoi deixar os esrudos <strong>da</strong> estrutura dos salarios e do emprego aosparti<strong>da</strong>rios do enfoque 'institucionalista' (esrudo dos tipos de rela~oesexistentes entre os trabalhadores e a dire


324 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 14 DE MARyO DE 1979 325sement humain et qualili de la population, trad. fro j. Challali, Paris,Bonnel,1983.18. T. W. Schultz, "Capital fonnation by education", Journal ofPolitical Economy, vol. 68, 1960, pp. 571-83; id., "Investment in humancapital", American Economic Review, vol. 51, mar~o de 1961,pp.1-17 (republicado na obra eponima lcita<strong>da</strong> abaixo), pp. 24-47);id' I "Reflections on investment in man", Journal of Political Economy,vol. 70 (5), parte 2, outubro de 1962, pp. 1-8; id., Investmentin Human Capital: The role of education and of research, NovaYork,The Free Press, 1971.19. Gary Becker (nascido em 1930): doutor em economia(Universi<strong>da</strong>de de Chicago, 1925), ensina em Columbia ate 1968 evolta a Chicago. Vice-presidente <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de do Mont-Pelerinem 1989. Premio Nobel em 1992. 0. H. Lepage, Demain Ie capitalisme,p. 323.20. G. Becker, "Investment in human capital: a theoreticalanalysis", Journal of Political Economy, vol. 70 (5), parte 2, outubrode 1962, pp. 9-49; artigo republicado, de fonna consideravelmentedesenvolvi<strong>da</strong>, in Human Capital: A theoretical and empirical analysiswith special reference to education, Nova York, National Bureau ofEconomic Research, 1964; 3~ ed., Chicago-Londres, The Universityof Chicago Press, 1993, pp. 29-158, "Investment in human capital:effect on earnings", pp. 29-58, e "Investment in human capital:rates of return", pp. 59-158.21. jacob Mincer, nascido na Polonia (1922); professor <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong>de de Columbia.22. J. Mincer, Schooling, Experience and Earnings, Nova York,National Bureau of Economic Research, Columbia University Press,1974; d. tambem "Investment in human capital and personal incomedistribution" (Journal ofPolitical Economy, vol. 66, agosto de1958, pp. 281-302), que Th. Schultz qualifica de "pioneering paper"(Investment in Human Capital, op. cit., p. 46, n. 33). Enesse artigoque a expressao "capital humano" aparece pela primeira vez(d. M. Beaud e G. Dostaler, La Pensee economique..., op. cit., p. 184).23. 0. G. Becker, The Economic Approach to Human Behavior,Chicago-Londres, University of Chicago Press, 1976, p. 4: ele rejeita"the definition of economics in terms of material goods" em beneficio<strong>da</strong> defini


326 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCA AULA DE 14 DE MARC;:O DE 1979 32730. T. W. Schultz, ibid.31. Q. G. Becker, "On the newTheoty of Consumer Behavior",Swedish Journal a/Economics, vol. 75, 1973, pp. 378-95, retomado inThe Economic Approach..., pp. 130-49. Cf. H. Lepage, Demain Ie capitalisme,cap. VIIL "La nouvelle theorie du consommateur (Les revolutionsde G. Becker)".32. G. Becker, The Economic Approach..., p. 134: "[...] this approachviews as the primaI)' object of consumer choice various entities'called commodities, from which utility is directly obtained.These commodities are produced by the consumer unit itselfthrough the productive activity of combining purchased marketgoods and services with some of the household's own time". Foino seu artigo "A Theory of the Allocation ofTime", Economic Journal,75, nO 299, setembro de 1965, pp. 493-517 (reed. in The EconomicApproach..., pp. 90-114), que G. Becker expos pela primeira vezessa an.ilise <strong>da</strong>s fun


AULA DE 21 DE MAR


330NASCIMENTO DA BIOPOLITlCAAULA DE 2J DE MARCO DE 1979331mos sem duvi<strong>da</strong> dizer, ja desde 0 fun do seculo XVIII, haviasido definido em oposi~iio aeconomia, em todo caso emcomplemento aeconomia, como aquilo que em si, por suasproprias estruturas e por seus proprios processos, niio pertenceaeconomia, apesar de a economia se situar no interiordesse campo. Em outras palavras ain<strong>da</strong>, e 0 problema <strong>da</strong>inversiio <strong>da</strong>s rela~oes do social com 0 economico que, a meuver, esta em jogo nesse tipo de analise.Retomemos, se voces quiserem, a tematica do liberalismoalemiio ou do ordoliberalismo. Voces se lembram quenessa concep~iio- a de Eucken, Ropke, Miiller-Annack, etc.- 0 mercado era definido como urn principio de regula~iioeconomica indispensavel aforma~iio dos pre~os e, por conseguinte,ao desenrolar conforrne do processo economico.Em rela~iio a esse principio de mercado como fun~iio reguladoraindispensavel <strong>da</strong> economia, qual era a tarefa do governo?Era organizar uma socie<strong>da</strong>de, implantar 0 que eleschamam de Gesellschajtspolilik tal que esses frageis mecanismasde mercado, esses fnigeis mecanismos concorrenciaispossam agir, possam agir livremente e de acordo com sua estruturapropria'. Vma Gesellschajtspolilik era portanto urnaGesellschaftspolilik orienta<strong>da</strong> para a constitui~iio do mercado.Era uma politica que devia assumir e levar em conta os processossociais a fun de abrir espa~o, no interior desses processossociais, para urn mecanismo de mercado. Mas essa po­Utica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, para chegar a constituir assim urn espa~ode mercado em que os rnecanismos concorrenciais poderiamagir realmente, apesar <strong>da</strong> sua fragili<strong>da</strong>de intrinseca, essaGesellschaftspolilik consistia em que? Num certo numero deobjetivos de que !hes falei, que eram, por exemplo, evitar acentraliza~iio, favorecer as empresas medias, apoiar 0 queeles chamam de empresas niio-proletanas, isto e, grosso modo,0 artesanato, 0 pequeno camercio, etc., multiplicar 0 acessoaproprie<strong>da</strong>de,procurar substituir 0 seguro individual pelacobertura social dos riscos, regular tambem todos os multiplosproblemas do ambiente.Essa Gesellschaftspolitik, evidentemente, comporta certontimero de equivocos e coloca certo numero de questoes.Questiio, por exemplo, do seu carater puramente optativo edo seu carater "leve"* em compara~ao corn os processos pesadose bern mais reais <strong>da</strong> economia. 0 fato, tambem, deque ela implica uma interven~iio,urn peso, urn campo, umaquanti<strong>da</strong>de de interven~oes extraordinariamente numerosas,a cujo respeito podemos nos in<strong>da</strong>gar se, efetivamente,elas de fato correspondem ao principio de que niio devemser intervenr;6es nos processos economicos, mas interven­,oes em prol do processo economico. Bern, to<strong>da</strong> urna seriede questoes e de equivocos, mas aquele sobre 0 qual eu gostariade insistir seria este: ha nessa ideia de urna Gesellschaftspalilikurna coisa que eu chamaria de urn equivoco economico-eticoem torno <strong>da</strong> propria no~iio de empresa, porquefazer urna Gesellschaftspolilik no sentido de Ropke, de Riistow,de Miiller-Annack quer dizer 0 que? Quer dizer, de urn lado,generalizar de fato a forma IIempresa lf no interir do c~rpoou do tecido social; quer dizer, retomar esse teCldo social efazer que ele possa se repartir, se dividir, se desdobrar, niiosegundo 0 grao dos individuos, mas segundo 0 grao <strong>da</strong> empresa.A vi<strong>da</strong> do individuo niio tern de se inscrever comovi<strong>da</strong> individual num ambito de grande empresa, que seria afirma ou, no limite, 0 Estado, mas [tern de] poder se inscreverno ambito de uma multiplici<strong>da</strong>de de empresas diversasencaixa<strong>da</strong>s e entrela~a<strong>da</strong>s, de empresas que estiio, para 0individuo, de certo modo ao alcance <strong>da</strong> mao, bastante limita<strong>da</strong>sem seu tamanho para que a a~iio do individuo, suasdecis6es, suas op~6es possam ter efeitos significativos e percepliveis,bastante numerosas tambem para [que ele] niiofique dependente de uma so; e, enfim, a propria vi<strong>da</strong> do individuo- com, por exemplo, sua rela~iio com a sua proprie<strong>da</strong>depriva<strong>da</strong>, sua rela~iio com a sua familia, com 0 seu casamento,com os seus seguros, com a sua aposentadoria - tern.. Entre aspas no manuscrito.


332NASCIMENTO DA BIOPOLITICAAUIA DE 21 DE MAR


334NASCIMENTO DA BIOPOLmCAAWA DE 21 DE MAR(O DE 1979335trocas monetanas. Essa generaliza


336 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 21 DE MARC;:O DE 1979 337as filhas de um capital humana pela menos taa eleva<strong>da</strong> quantoa deles, a que implica to<strong>da</strong> uma serie de investimentas:investimento financeiro, investimento em tempo tambem,de parte dos pais. Ora, esses investimentos nao sao possfveisse a familia e numerosa. Portanto, e a necessi<strong>da</strong>de deuma transmissao de capital humano para as filhos, pelo menosigual lao] que as pais detinham, I' isso que explica, segundoas neoliberais americanos, a carater mais lirnita<strong>da</strong><strong>da</strong>s familias ricas que <strong>da</strong>s farrulias pobres.Esempre nesse mesmo projeto de analisar, em termosecanomicos, tipos de rela


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340 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA AUlA DE 21 DE MARC;:O DE 1979 341d:sses dois usos (que eu evocava ha. pouco) <strong>da</strong> analise econ5'rrucaque eu gostana de lhes falar agora <strong>da</strong> maneira como[e] retomado 0 problema <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong>de numa serie deartigos de Ehrlich", de Stigler" e de Gary Becker'". A analiseque eles fazem cia crirninali<strong>da</strong>de aparece, no inieio, comourn retorno, 0 mais simples possivel, aos reformadores doseculo XVIII, a Beccaria" e principalmente a Bentham". E ever<strong>da</strong>de que, afinal de contas, quando se retoma 0 problema<strong>da</strong> reforma do direito penal no fim do seculo XVIII, percebe-seque a questao posta pelos reformadores era de fatouma questao de economia politica, no sentido de que se tratavade uma analise economica, ou de uma reflexao em todocaso de estilo economico, sobre a politica ou sobre 0 exerci­CIO do poder. Tratava-se de calcular economicamente, OU emtodo caso de criticar em nome de uma logica e de uma racionali<strong>da</strong>deeconomica, 0 funcionamento <strong>da</strong> justi,a penaltal como podia ser constata<strong>da</strong> e observa<strong>da</strong> no seculo XVIII.Daf, num certo numero de textos, mais <strong>da</strong>ros por certo emBentham do que em Beccaria, claros tambem em gente comoColquhoun", considera,6es grosseirarnente quanlifica<strong>da</strong>s sobre0 custo <strong>da</strong> delinqiiencia: quanta custa, para um pais ouuma CI<strong>da</strong>de em todo caso, os ladr6es poderem agir como bementen~em; 0 problema tambem do custo <strong>da</strong> propria praticaJudlclan~ e <strong>da</strong> institui,ao judiciarta tal como funciona; criticatambem <strong>da</strong> pouca eficacia do sistema punitivo: 0 fato,por exemplo, de que os suplicios ou 0 banimento nao linhamnenhum efeito sensivel sobre a baixa <strong>da</strong> taxa de criminali<strong>da</strong>de- na medi<strong>da</strong> em que se podia eslima-Ia nessa epoca-,mas, enfim, havia uma grade economica que era aplica<strong>da</strong>sob 0 raciocinio critico dos reformadores do seculo XVIII. Jainsisti sabre esse assunto 22 , naG voltarei a ele.Filtrando assirn to<strong>da</strong> a pratica penal atraves de um calculode utili<strong>da</strong>de, 0 que os reformadores buscavam era pre­Clsamente um sistema penal cujo custo, em todos os sentidosque acabo de evocar, fosse 0 mais baixo possiveL E creioque podemos dizer que a solu,ao esbo,a<strong>da</strong> por Beccaria,sustenta<strong>da</strong> por Bentham e finalmente escolhi<strong>da</strong> pelos legisladorese pelos codificadores do fim do seculo XVIII e iniciodo seculo XIX, essa solu,ao era 0 que? Pois bern, era uma solu,aolegalista. Essa grande preocupa,ao com a lei, esseprincipia incessantemente invocado de que, para que urnsistema penal fundone bern, enecessaria e, no limite, quasesuficiente uma boa lei, nao era outra coisa senao que umaespecie de vontade de procurar 0 que se chamaria, em termoseconomicos justamente, de redu,ao do custo de transa,ao.A lei e a solu,ao mals economica para punir devi<strong>da</strong>menteas pessoas e para que essa puni,ao seja eficaz. Primeiro,vai-se definir 0 crime como uma infrac;ao a uma leiformula<strong>da</strong>; logo, nao ha crime e e impossivel incriminar umate enquanto nao ha uma lei. Segundo, as penas devem serestabeleci<strong>da</strong>s, e estabeleci<strong>da</strong>s de uma vez por to<strong>da</strong>s, pela lei.Terceiro, essas penas devem ser estabeleci<strong>da</strong>s, na proprialei, de acordo com uma gra<strong>da</strong>,ao que acompanha a gravi<strong>da</strong>dedo crime. Quarto, 0 tribunal penal doravante so terauma coisa a fazer: aplicar ao crime, tal como foi caracterizadoe provado, uma lei que determina de antemao que penao criminoso deve receber em fun,ao <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de do seucrime2~. Mecaruca absolutamente simples, mecanica aparentementeobvia, que constitui a forma mals economica, istoe, menos onerosa e mais certeira, para obter a punit;ao e aelimina,ao <strong>da</strong>s condutas considera<strong>da</strong>s nocivas asocie<strong>da</strong>de.A lei, 0 mecanisme <strong>da</strong> lei foi adotado no poder penal, creioeu, no fim do seculo XVIII, como principia de economia, nosentido ao mesmo tempo lato e preciso <strong>da</strong> palavra "economia".0 homo pena/is, 0 homem que e penaiizavel, 0 homemque se exp6e alei e pode ser punido pela lei, esse homo penalise, no sentido estrito, um homo oeconomicus. E e a lei quepermite, precisamente, articular 0 problema <strong>da</strong> penali<strong>da</strong>decom 0 problema <strong>da</strong> economia.Aconteceu, de fato, no decorrer do seculo XIX, que essaeconomia levou a um efeito paradoxa!. Qual 0 principio, quala razao desse efeito paradoxal? Pois bem, uma ambigiii<strong>da</strong>dedevi<strong>da</strong> ao fato de que a lei como lei, como forma geral <strong>da</strong>economia penal, era evidentemente indexa<strong>da</strong> aos atos de


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346 NASCIMENTO DA BIOPOLmCA AULA DE 21 DE MAR(O DE 1979 347do poder sobre 0 individuo, vai ser essa especie de grade dohomo oeconomicus. a homo oeconomicus e a interface do governoe do individuo. E isso nao quer dizer de forma algumaque todo individuo, todo sujeito, e um homem economico.Vai-se passar portanto para 0 lado do sujeito individual,considerando-o homo oeconomicus, tendo como conseqiienciaque, se se define assim 0 crime como a ac;ao que 0 individuocomete assumindo 0 risco de ser punido pela lei, vocesveem que nao ha entao nenhuma diferenc;a entre umainfrac;ao ao codigo de transito e um assassinato premeditado.Isso quer dizer igualmente que, nessa perspectiva, 0 criminosonao e, de forma alguma, marcado ou interrogado apartir de caracteristicas morais ou antropologicas. a criminosonao e na<strong>da</strong> mais que absolutamente qualquer um. acriminoso e todo 0 mundo, quer dizer, ele e tratado comoqualquer outra pessoa que investe numa ac;ao, que esperalucrar com ela e aceita 0 risco de uma per<strong>da</strong>. a crirninoso,desse ponto de vista, nao e na<strong>da</strong> mais que isso e deve continuarsendo na<strong>da</strong> mais que isso. Nessa medi<strong>da</strong>, voces percebemque aquilo de que 0 sistema penal tera de se ocupar janao e essa reali<strong>da</strong>de dupla do crime e do criminoso. E umaconduta, e uma serie de condutas que produzem ac;6es, ac;6esessas cujos atores esperam um lucro, que sao afeta<strong>da</strong>s porum risco especial, que nao e simplesmente 0 <strong>da</strong> per<strong>da</strong> economica,mas 0 risco penal ou ain<strong>da</strong> 0 risco <strong>da</strong> per<strong>da</strong> economicaque e infligi<strong>da</strong> por um sistema penal. a proprio sistemapenalli<strong>da</strong>ra portanto, nao com criminosos, mas com pessoasque produzem esse tipo de ac;ao. Em outras palavras,ele tera de reagir a uma oferta de crime.Entao 0 que vai ser a punic;ao nessas condic;6es? Poisbem, a punic;ao - aqui tambem me remeto a definic;ao deBecker - e 0 meio utilizado para limitar as extemali<strong>da</strong>des"negativas de certos atos'". Voces veem que aqui tambem estamosbem proximos de Beccaria ou de Bentham, de to<strong>da</strong> aproblematica do seculo XVIII em que, como voces sabem, apunic;ao era justifica<strong>da</strong> pelo fato de que 0 ate pumdo era nocivoe que era por isso mesmo que se havia feito uma lei.Era tambem esse mesmo principio de utili<strong>da</strong>de que devia seraplicado amedi<strong>da</strong> <strong>da</strong> pumc;ao. Devia-se punir de maneiratal que os efeitos nocivos <strong>da</strong> ac;ao pudessem ser ou anuladosou prevemdos. Logo, continuamos b;m perto <strong>da</strong> problematicado seculo XVIII, mas, aqUl tambem, com uma mu<strong>da</strong>nc;aimportante. Enquanto a teoria classica procuravasimplesmente articular uns a outros diferentes efeitos heterogeneosesperados <strong>da</strong> punic;ao, ou seja, 0 problema <strong>da</strong> reparac;ao,que e urn problema civil, 0 probl.ema <strong>da</strong> rec~perac;aodo individuo, 0 problema <strong>da</strong> prevenc;ao em relac;ao aosoutros individuos, etc., os neoliberais vilo fazer uma arl1culac;ao,uma desarticulac;ao diferente <strong>da</strong> pumc;ao. Eles distinguemduas coisas, enfim, nao fazem malS que retomar, nofundo, uma problematica corrente no pensamento ou !'areflexao juridica anglo-saxa. Eles dizem: de um lado, ha alei, mas 0 que e a lei? A lei na<strong>da</strong> mais e que um interdito, ';a formulac;ao <strong>da</strong> interdic;ao, por um lado, eVldentemente, euma reali<strong>da</strong>de, uma reali<strong>da</strong>de institucional. Poder-se-Ia d,­zer, se preferirem, remetendo a outra problematica: e umspeech act que tem certo numero de efeitos'". Esse ato: porsinal, tem ele proprio certo custo, pois que a formulac;ao <strong>da</strong>lei implica um parlamento, uma discussao e toma<strong>da</strong>s de decisao.E, de fata, uma reali<strong>da</strong>de, mas nao eapenas essa reali<strong>da</strong>de.E ha tambem, por outro lado, 0 conjunto dos instrumentospelos quais vai se <strong>da</strong>r a essa ~terdic;aouma "forc;a':*real. Essa ideia de uma forc;a <strong>da</strong> leI e traduzl<strong>da</strong>, como vocessabem, por esta palavra, que encontrarnos c~m ta~;a freqiiencia,enforcement, e que se costuma tra?UZlr por reforc;o"<strong>da</strong> lei. Nao e isso. a enforcement oflaw e malS que a aplicac;ao<strong>da</strong> lei, pois se trata de uma serie bem diferente de mstrumentosreais que se tem de por em pratica para aplicar alei. Mas nao e 0 reforc;o <strong>da</strong> lei, e menos que 0 reforc;o <strong>da</strong> leI,na medi<strong>da</strong> em que reforc;o significaria que ela e demasiadofraca e que e necessario acrescentar um pequeno suplemen-... Entre aspas no manuscrito.


348 NASCIMENTO DA BIOPOUTICA AULA DE 21 DE MARCO DE 1979 349to ou toma-Ia mais severa. 0 enforcement oflaw e 0 conjuntode instrumentos postos em pratica para <strong>da</strong>r a esse ato deinterdi~ao, em que consiste a formula~ao <strong>da</strong> lei, reali<strong>da</strong>desocial, reali<strong>da</strong>de politica, etc.Esses instrumentos de "enfor~o"<strong>da</strong> lei - perdoem-meo neologismo dessa transcri~ao - vao ser 0 que? Pois bern,vao ser a quanti<strong>da</strong>de de puni~aoprevista para ca<strong>da</strong> urn doscrimes. Vao ser a importancia, a ativi<strong>da</strong>de, 0 zelo, a competenciado aparelho encarregado de detectar os crimes. Vaoser a importancia, a quali<strong>da</strong>de do apare!ho encarregado deacusar os criminosos e fomecer as pravas efetivas de quecometeram 0 crime.viio ser a maior ou menorrapidez dos juizesem julgar, a maior ou menor severi<strong>da</strong>de dos juizes nasmargens que !hes sao <strong>da</strong><strong>da</strong>s pela lei.Vao ser tambem a maiorou menor eficacia <strong>da</strong> puni\ao, a maior ou menor invariabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> pena aplica<strong>da</strong>, que a administra~ao penitencianapode modificar, atenuar, eventualmente agravar. Etodo esseconjunto de coisas que constitui 0 enfor~o <strong>da</strong> lei, tudo 0 quepor conseguinte vai responderaoferta de crime como conduta,de que lhes falei, com 0 que se chama de deman<strong>da</strong>negativa. 0 enfor~o <strong>da</strong> lei e 0 conjunto de instrumentos dea~ao sobre 0 mercado do crime que op6e aoferta do crimeuma deman<strong>da</strong> negativa. Ora, esse enfor~o <strong>da</strong> lei, evidentemente,nao enem neutro nem indefini<strong>da</strong>mente extensivel,e isso por duas raz6es correlativas.A primeira, claro, e a de que a oferta do crime nao e indefini<strong>da</strong>mentee uniformemente elastica, isto e, ela nao responde<strong>da</strong> mesma maneira a to<strong>da</strong>s as formas e a todos os niveisf<strong>da</strong>] deman<strong>da</strong> negativa que the e oposta. Enfim, paradizer as coisas de modo bern simples: voces tern certas formasde crime ou certas faixas de comportamento criminoso,que cedem muito facilmente a uma modifica~aoou a umaligeira intensifica~ao <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> negativa. Para tomar 0 exemplomais corrente: seja uma grande loja em que 20% do faturamento,digo isso de modo totalmente arbitrario, e desviadopelo raubo. Efacil, sem muita despesa de vigilanciaou de enfor~oexcessive <strong>da</strong> lei, suprimir os 10% acima de 10.Entre 5[%] e 10% ain<strong>da</strong> e relativamente facil. Chegar a reduzirabaixo de 5, ai fica bern dilicil, abaixo de 2, etc. Do mesmomodo, e certo que existe to<strong>da</strong> uma primeira faixa de crimespassionais que se pode fazer praticamente desaparecerfacilitando 0 div6rcio. E ha urn nucleo de crimes passionaisque 0 relaxamento <strong>da</strong>s leis sobre 0 div6rcio nao alterara.Logo a elastici<strong>da</strong>de, isto e, a modifica~ao <strong>da</strong> oferta em rela­~ao aos efeitos <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> negativa, nao e homogeneaconforme as diferentes faixas ou os diferentes tipos de a~aoexarninados.Em segundo lugar, e esse e outro aspecto que esta totalmenteligado ao primeiro, 0 proprio enfor~o tern urn custoe tern extemali<strong>da</strong>des negativas. Tern urn custo, ou seja, requerurna remunera~aoaltemativa. Tudo 0 que voce investirno aparelho de enfor~o <strong>da</strong> lei, voce nao podera utilizarde outro modo. Remunera~aoaltemativa, e evidente. E ternurn custo, au seja, comporta inconvenientes politicos, inconvenientessociais, etc. Logo, uma politica penal nao vaiter por objetivo, ou por alvo, 0 que era 0 objetivo e 0 alvo detodos os reformadores do seculo XVIII, quando eles criavamseu sistema de legali<strong>da</strong>de universal, a saber, 0 desaparecimentototal do crime. A lei penal, e to<strong>da</strong> a mecanica penalcom que sonhava Bentham, devia ser tal que, no tim <strong>da</strong>s contas,mesmo que na reali<strong>da</strong>de isso nao pudesse acontecer, janao houvesse crime. E a ideia do pan6ptico, a ideia de umatransparencia, a ideia de urn olhar que fixa ca<strong>da</strong> urn dos individuos,a ideia de uma gra<strong>da</strong>~ao <strong>da</strong>s penas suficientementesutil para que ca<strong>da</strong> individuo em seu calculo, em seuforo intimo, em seu cMeuio economica, possa se dizer: nao,se cometo esse crime, a pena a que me exponho e pesa<strong>da</strong>demais, por conseguinte nao vou cometer esse crime - essaespecie de anula~ao geral do crime que se tinha em miraera 0 principio de racionali<strong>da</strong>de, 0 principio organizador docalculo penal no espirito reformador do seculo XVIII. Aqui,ao contrario, a politica penal deve renunciar absolutamente,a titulo de objetivo, a essa supressao, a essa anula~ao exaustivado crime. A politica penal tern por principio regulador


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356 NASCIMENTO DA BIOPOWlCANOTAS- porgue a lei nao existe sem ele,- porque a lei eelastica,- porquee passivel calcuM-Io.Como permanecer no Rule oflaw? Como racionalizar esse enfoI'l;o,estan<strong>da</strong> entendido que a propria lei nao pode ser urn principia de racionaliza\ao?- pelo calculo dos custos- a utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei- e 0 custo do seu enfo~o- e pelo fata de que, se se quiser nao sair <strong>da</strong> lei e nao desviar sua ver<strong>da</strong>deirafun~o de regra do jogo, a temologia a utilizar nao sera a disciplina-normaliza~o,sera a a~o sobre 0 ambiente. Modificar a distribui~ao<strong>da</strong>s cartas do jogo, nao a mentali<strong>da</strong>de dos jogadores.(5~ pagina] Ternos ai uma radicaliza\ao do que as ordoliberais alemaesja haviam definido a prop6sito de uma ac;iio govemamental: deixar 0joga economko 0 mais livre possivel e fazer uma Gesellsclulftspolitik. Os Iiberaisamericanos dizem: essa Gesellschiljtspolitik, se se guiser mante-Ia naordem <strong>da</strong> lei, cleve ver ca<strong>da</strong> urn como urn jogador e s6 interviI' sobre umambiente em que ele podera jogar. Tecnologia ambiental que tem por aspectosprincipais:- a defini~ao ern torno do individuo de wn quadro suficienternenteflexivel para que ele possa jogar;- a possibili<strong>da</strong>de, para 0 individuo, de a regula~ao dos efeitos definirseu pr6prio quadroi- a regula~ao dos efeitos arnbientais- 0 nao-<strong>da</strong>no- a nao-absor~ao- a autonornia desses espa~os ambientais.W pagina] Nao urna individualiza~aounifonnizante, identificat6­ria, hierarquizante, mas wna arnbientali<strong>da</strong>de aberta as vicissitudes e aos fen6rnenostransversais. Laterali<strong>da</strong>de.Tecnologia do arnbiente, <strong>da</strong>s vicissitudes, <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des de Oogos?)entre dernan<strong>da</strong>s e ofertas.- Mas sera que isso e considerar que se esta li<strong>da</strong>ndo com sujeitos naturais?(jim do manuscrito)1. Cf. supra, aula de 14 de fevereiro de 1979, p. 199.2. Cf. F. Bilger, La Pensee economique liberale de /'Allemagnecontemporaine, op. cit., p. 186: "A politica sociol6gica se decompoe[...] em varias politicas particulares muito varia<strong>da</strong>s, sendo as principais,para esses autores, uma organiza\ao do espa\o economico,urn incentivo as pequenas e medias ernpresas e, sobretudo, umadesproletariza\ao <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de pelo desenvolvimento <strong>da</strong> poupan­


358 NASCIMENTO DA BIOPOLfrrCA AULA DE 21 DE MAR,O DE 1979 359cipio em cima do qual seria passivel erigir a socie<strong>da</strong>de inteira. Morale sociologicamente, eurn princfpia perigoso, mais dissolventedo que unificante. Para que a concorrencia nao aja como urn explosivosocial nem degenere ao mesmo tempo, ela pressup6e urnenquadramento ain<strong>da</strong> roais forte, fora cia economia, urn quadropolitico e moral muito roais solido".7. Ibid.: "[...] urn Estado forte, pairando bern acima dos groposde interesses famintos, uma morali<strong>da</strong>de economica bern eleva<strong>da</strong>,uma comuni<strong>da</strong>de nao desagrega<strong>da</strong> de homens dispostos acooperac;ao, naruralrnente emaizados e socialrnente integrados".8. Q. aula precedente (14 de mar~o), pp. 314-6.9. Jean-Lue Migue era, entao, professor cia Ecole nationaled'administration publique de Quebec.10. "Methodologie economique et economie non marchande",comunicac;ao ao Congresso dos Economistas de Lingua Francesa(Quebec, maio de 1976), reproduzi<strong>da</strong> em parte na Revued'economiepolitique, julho-agosto de 1977 (cf. H. Lepage, Demain Iecapitalisme, IIp. cit., p. 224).11. j.-L. Migue, ibid., citado por H. Lepage, op. cit., p. 346:"Vma <strong>da</strong>s grandes contribui~6es recentes <strong>da</strong> analise economicafoi aplicar integralmente ao setor domestico 0 quadro analitico tradicionalmentereservado afinna e ao consumidor. Fazendo do casaluma uni<strong>da</strong>de de produ~ao ao mesmo tih1.lo que a finna classica,descobre-se que seus fun<strong>da</strong>mentos analiticos sao na ver<strong>da</strong>de identicosaos <strong>da</strong> finna. Como na finna, as duas partes que formam 0casal evitam, gra~as a urn contrato que as liga por longos periodos,os custos de transa~ao e 0 risco de serem priva<strong>da</strong>s a todo instantedos inputs do c6njuge e, portanto, do output comum do casal. Comefeito, 0 que e 0 casal senao 0 compromisso contratual <strong>da</strong>s duaspartes para fornecer inputs espedficos e compartilhar em determina<strong>da</strong>spropor~6es os beneficios do output do casal? Assim, portanto,em vez de se envolverem num processo custoso para renegociare supervisionar incessantemente a incalculavel quanti<strong>da</strong>de decontratos inerentes as troeas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> domestica de todos os dias, asduas partes estabelecem num contrato de longo prazo os termosgerais <strong>da</strong> troca que os regerao."12. Cf. Moi, Pierre Riviere, ayant egorge rna mere, rna soeur et monfrere..., apresentado por M. Foucault, Paris, julliard, "Archives", 1973.[Ed. bras.: Eu, Pierre Riviere, que degolei minha mile, minha innil emeu irmao, Rio de janeiro, Graal, 1977.)13. Cria<strong>da</strong> em 1943, a American Enterprise Institute for PublicPolicy Research (AE!) tern sua sede em Washington. Ponta de lan~a<strong>da</strong> luta anti-regulamentar, representa, ain<strong>da</strong> hoje, com as suas publicac;oes(livros, artigos, relat6rios), urn dos mais importantes centrosde estudos (think tanks) do neoeonservadorismo americano.14. Entre essas outras agencias: a Consumer Safety ProductCommission, a Occupational Safety and Health Commission, a CivilAeronautics Board, a Federal Communications Commission, a SecurityExchange Commission (cf. H. Lepage, Demain Ie capitalisme, pp. 221-2).15. Como sugere a alusao ateoria dos speech acts, um poueomais abaixo (p. 347), esem duvi<strong>da</strong> aos trabalhos de j. R. Searle, entreos representantes americanos <strong>da</strong> filosofia analitica, que Fouraultfaz aqui referencia implicita. Cf. infra, pp. 361, nota 29. Aconferencia "La philosophie analytique de la politique", pronunria<strong>da</strong>em T6quio no ano precedente (DE, ill, n' 232, pp. 534-51),<strong>da</strong> outro testemunho do seu interesse, durante esses anos, pela"filosofia analitiea dos anglo-americanos": "Afinal, a filosofia analiticaanglo-saxa nao se atribui como tarefa refletir sobre 0 ser <strong>da</strong>linguagem ou sobre as estruturas profun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> lingua; ele refletesobre 0 uso eotidiano que se faz <strong>da</strong> lingua nos diversos tipos dediscurso. Trata-se, para a filosofia analitica anglo-saxa., de fazer umaamilise critica do pensamento a partir <strong>da</strong> maneira como se dizemas coisas" (p.541).16. I. Ehrlich, "The deterrent effect of capital punishment: aquestion of life and death", American Economic Review, vol. 65 (3),junho de 1975, pp. 397-417.17. George j. Stigler (1911-1991): professor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>dede Chicago de 1958 a 1981, pesquisador do National Bureau ofEconomicResearch de 1941 a 1976, dirigiu a Journal ofPolitical Economyde 1973 ate sua morte. Premio Nobel de ciencias economicas em1982. Foucault faz referencia aqui a "The optimum enforcement oflaws", Journal ofPolitical Economy, vol. 78 (3), maio-junho de 1970,pp.526-36.18. G. Becker, "Gime and punishment: an economic approach",Journal of Political Eronomy, vol. 76 (2), mar~o-abril de 1968, pp.196-217; republicado em id., The Economic Approach to Human Behavior,op. cit., pp. 39-85. Sabre os tres autores citados, cf. F. jenny,liLa theorie economique du crime: une revue de la litterature", in].-j. Rosa e F.Altalion, org., I:Economique retrouvee, op. cit., pp. 296­324 (artigo de que Foucault extrai aqui certo numero de informa-


360 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCA AUlA DE 21 DE MAR(O DE 1979 361,6es). Cf. tambem, desde entao, G. Radnitsky e P. Bemholz, orgs.,Economic Imperialism: The Economic Approach applied outside thefield ofeconomics, NovaYork, Paragon House, 1987.19. a. supra, aula de 17 de janeiro de 1979, pp. 68, nota 10.20. jeremy Bentham (cf. supra, aula de 10 de janeiro de 1979,p. 17); cf. nota<strong>da</strong>mente Traites de legislation civile et penale, ed. porE. Dumont, Paris, Boussange, Masson & Besson, 1802, e Theonedes peines et recompenses, ed. por E. Dumont Londres, B. Dulau,1811,2 vols. Essas a<strong>da</strong>pta,6es-tradu,6es de Dumont, a partir dosmanuscritos de Bentham, eque deram a conhecer 0 pensamentodeste Ultimo no inicio do seculo XIX. Sobre a genese cia edi\'ao dosTraitis de legislation civile et penale a partir dos manuscritos de Bentham'cf. a reedi,ao de E. Halevy, La Formation du radicalisme philosophique(t. 1, Paris, F. Alcan, 1901), Paris, PUP, 1995, apendice I,pp. 281-5. A primeira edi\'ao inglesa desses escritos <strong>da</strong>ta, no casodo primeiro, de 1864 (Theory of Legislation, traduzido a partir <strong>da</strong>edi,ao francesa por R. Hildreth, Londres, Kegan Paul, Trench, Tiibner)e, no caso do segundo, de 1825 (The Rationale ofReward, traduzidoa partir <strong>da</strong> edi,ao francesa por R. Smith, Londres, J. & j.Hunt) e 1830 (The Rationale of Punishment, traduzido a partir <strong>da</strong>edi,ao francesa por R. Smith, Londres, R. Heward).21. Cf. Patrick Colquhoun, A Treatise on the Police ofthe Metropolis,Londres, C. Dilly, 5? ed., 1797/ Traite sur la police de Londres,trad. fro Le Coigneux de Belabre, Paris, L. Collin, 1807.22. a. Surveiller et punir, op. cit., pp. 77-84.23. Sobre esses diferentes pontos, cf. "La verite des formesjuridiques" (1974), DE, II, n? 139, pp. 589-90.24. Cf. supra, p. 359, nota 18.25. Essa £rase nao se encontra no artigo de G. Becker. M. Foucaultbaseia-se na sintese dos trabalhos de G. Becker e G. J. Stiglerapresenta<strong>da</strong> por F. Jenny, "La theorie economique du crime ...", inop. cit" p. 298: "Rejeitando, aqui como nas outras areas <strong>da</strong> teoriaeconomica, todo juizo moral, 0 economista distingue as ativi<strong>da</strong>descriminais <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des legitimas com base unicamente no riscoque corre. As ativi<strong>da</strong>des criminais sao as que fazem 0 individuo quea elas se dedica correr urn risco particular: 0 de ser detido e condenadoa uma pena (multa, prisao, execw;ao)."26. 0 artigo I do C6digo Penal de 1810, que permaneceu emvigor em suas disposic;6es essenciais ate 1994, baseava a divisao <strong>da</strong>sinfrac;oes - contravenc;6es, delitos e crimes - na natureza <strong>da</strong> penadetennina<strong>da</strong>. Reservava a qualificac;ao de "crime" para a "infrac;aoque as leis punem com uma pena aflitiva ou infarnante".27. Sobre esse conceito, introduzido pela primeira vez por Pigouem 1920 em seu Economics of Welfare, op. cit. [supra, p. 214,nota 45J, cf. P. Rosanvallon, La Crise de l'ttat-providence, Paris, LeSeuil, ed. 1984, pp. 59-60; cf. tambemY. Simon, "Le marche et l'allocationdes ressources", in J.-J. Rosa e F. Aftalion, orgs., L'Economiqueretrotroee, p. 268: liAs extemali<strong>da</strong>des sao os custos e os beneffcios monetariosau nao-monetanos resultantes dos fenomenos de interdependenciasocial. [...] Para os teoricos <strong>da</strong> economia do bem-estar[...J, as extemali<strong>da</strong>des refletem urn fracasso do mercado no processode alocac;ao dos recursos e necessitarn <strong>da</strong> intervenc;ao publicapara reduzir a divergencia entre os custos so<strong>da</strong>is e privados."28. Cf. F. jenny, "La theorie economique du crime...", p. 298:"Embora 0 crime possibilite ao individuo que 0 comete maximizarsua utili<strong>da</strong>de propria, ele gera porem, no nivel <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, extemali<strong>da</strong>desnegativas. 0 nivel global dessa ativi<strong>da</strong>de ou dessa industriadeve portanto ser limitado. Vma <strong>da</strong>s fonnas de limitar asextemali<strong>da</strong>des negativas resultantes dos crimes e deter os criminosose infligir-lhes penas [...]".29. Foucault faz referen<strong>da</strong> aqui ateoria dos atos de discurso(speech acts) desenvolvi<strong>da</strong> par j. L. Austin (How To Do Things withWords, Londres, Oxford University Press, 1962 I Quand dire, c'estfaire, trad. fro G. Lane, Paris, Le Seui!, 1970), P. F. Strawson ("Intentionand convention in speech-acts", in Logico-Linguistic Papers,Londres, Methuen, 1971, pp. 149-69), e j. R. Searle (Speech Acts: Anessay in the philosophy oflanguage, Londres, Cambridge UniversityPress, 1969 / Les Actes de langage. Essai de philosophie du langage,trad. fro [s.n.}, Paris, Hermann, "Savoir: Lettres", 1972, com urn importanteprefacio de O. Ducrot, "De Saussure ala philosophie dulangage"), no ambito <strong>da</strong> lingUistica pragmatica de Wittgenstein.Esses quatro autores foram brevemente evocados por Foucaultnuma mesa-redon<strong>da</strong>, no Rio de janeiro, em 1973 (DE, II, n? 139, p.631), sobre "a analise do discurso como estrategia". Cf. tambem,sobre essa noc;ao de "speech act"-;rArcheo[ogie du savoir, Paris,Gallimard, "Bibliotheque des sciences humaines", 1969, pp. 110-1led. bras.: Arqueologia do saber, 7~ ed., Rio de Janeiro, ForenseVniversitaria, 2005], e a resposta de Foucault a Searle, com quemestava em'correspondencia, algumas semanas depois do fim destecurso: "Quanto aanalise dos atos de linguagem, estou plena-


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366 NASCIMENTO DA BIOPOLiTICA AULA DE 28 DE MAR


368NASCIMENTO DA BIOPOLiTIC1 AULA DE 28 DE MAR~O DE 1979 369seja: to<strong>da</strong> conduta que respon<strong>da</strong> de forma sistematica a modifica~oesnas variaveis do meio - em outras palavras, comodiz Becker, to<strong>da</strong> conduta "que aceite a reali<strong>da</strong>de'" - devepoder resultar de uma analise economica. 0 homo oeconomicuse aquele que aceita a reali<strong>da</strong>de. A conduta racional eto<strong>da</strong> conduta sensivel a modifica~oes nas variaveis do meioe que responde a elas de forma nao aleat6ria, de forma portantosistematica, e a economia podera portanto se definircomo a ciencia <strong>da</strong> sistematici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s respostas as variaveisdo ambiente.Defini~ao colossal que os economistas, claro, estao longede endossar, mas que apresenta certo numero de interesses.Urn interesse pratico, por assim dizer, na medi<strong>da</strong> emque, quando voce define 0 objeto <strong>da</strong> analise economica comoconjunto <strong>da</strong>s respostas sistematicas de urn individuo as variaveisdo meio, percebe que pode perfeitamente integrar aeconomia to<strong>da</strong> uma serie de tecnicas, dessas tecnicas queestao em curso e em yoga atualmente nos Estados Unidos esao chama<strong>da</strong>s de tecnicas comportamentais. Todos essesrnetodos cujas formas mais puras, mais rigorosas, mais estritasau mais aberrantes, como preferirem, sao encontra<strong>da</strong>sem Skinner' e consistem precisamente, nao em fazer aanalise do Significado <strong>da</strong>s condutas, mas simplesmente emsaber como urn <strong>da</strong>do jogo de estimulos podera, por mecanismosditos de refor~o, acarretar respostas cuja sistematici<strong>da</strong>depodera ser nota<strong>da</strong> e a partir <strong>da</strong> qual Sera possivel introduziroutras variaveis de comportamento - to<strong>da</strong>s essastecnicas comportamentais mostram bern como, de fato, apsicologia entendi<strong>da</strong> dessa maneira pode perfeitamenteentrar na defini~ao <strong>da</strong> economia tal como Becker a<strong>da</strong>. Sobreessas tecnicas comportamentais ha alguma literatura naFran~a.No Ultimo livro de Castel,A socie<strong>da</strong>de psiquidtrica avanra<strong>da</strong>,M urn capitulo sobre as tecnicas comportamentais evoces verao como e, muito exatamente, a aplica~ao, no interiorde urna situa~ao <strong>da</strong><strong>da</strong> - no caso, urn hospital, urnac1inica psiquiatrica -, de metodos que sao ao mesmo tempometodos experimentais e metodos que implicam uma analisepropriamente economica do comportamento'.Eu gostaria de insistir, hoje, no entanto, mms sobre outroaspecto. E que essa defini~ao que Becker <strong>da</strong> - a qual,mais uma vez, nao e a defini~ao reconheci<strong>da</strong> pela media,muito menos pela maiori", dos economistas - possibilitaapesar de tudo, nao obstante seu carater isolado, assinalarurn certo paradoxo, porque no £Undo 0 homo oeconomicus talcomo aparece no seculo XVIII - <strong>da</strong>qui a pouco torno sobreesse ponto -, esse homo oeconomicus funcionava como 0 quese poderia chamar de urn elemento intangivel em rela~aoaoexercicio do poder. 0 homo oeconomicus e aquele que obedeceao seu interesse, e aquele cujo interesse e tal que, espontaneamente,vai convergir com 0 interesse dos outros.o homo oeconomicus e, do ponto de vista de urna teoria dogoverno, aquele em que nao se deve mexer. Deixa-se 0 homooeconomicus fazer. E0 sujeito ou 0 objeto do laissez-faire. E,em todo caso, 0 parceiro de urn governo cuja regra e 0 laissez-faire.E eis que agora, nessa defini~ao de Becker tal comoeu !hes dei, 0 homo oeconomicus, isto e, aquele que aceita areali<strong>da</strong>de ou que responde sistematicamente as modifica­~5es nas variaveis do meio, esse homo oeconomicus aparecejustamente como 0 que e manejavel, 0 que vai responder sistematicamentea modifica~oes sistematicas que serao introduzi<strong>da</strong>sartificialmente no meio. 0 homo oeconomicus e aque­Ie que e eminentemente governavel. De parceiro intangiveldo laissez-faire, 0 homo oeconomicus aparece agora como 0correlativo de uma governamentali<strong>da</strong>de que vai agir sobreo meio e modificar sistematicamente as variaveis do meio.Creio que esse paradoxo permite identificar 0 problemade que eu queria lhes falar urn pouco e que e precisamente0 seguinte: sera que, desde 0 seculo XVIII, tratava-secom 0 homo oeconomicus de erguer diante de qualquer governopossivel urn elemento essencial e incondicionalmenteirredutivel por ele? Sera que, ao definir 0 homo oeconomicus,se tratava de indicar qual zona sera definitivamente inacessivela to<strong>da</strong> a~ao do governo? Sera que 0 homo oeconomicus e


370 NASCIMENTO DA BIOPOLfTICA AULA DE 28 DE MAR~O DE 1979371urn atomo de liber<strong>da</strong>de diante de to<strong>da</strong>s as condi


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374 NASCIMENTO DA BIOPOLfTICA AULA DE 28 DE MARC;:O DE 1979 375dlculo de interesse, ele constituiu urna forma, constituiu urnelemento que vai continuar ate 0 fim a apresentar certo interesse.Ese, por outro lade, ele jii niio apresenta interesse,na<strong>da</strong> pode me obrigar a continuar a obedecer ao contrato 19 .Logo, interesse e vontade juridica niio se substituem. a sujeitode direito niio vern tomar lugar no sujeito de interesse.a sujeito de interesse permanece, subsiste e continuaenquanto hii estrutura juridica, enquanto hii contrato. Portodo 0 tempo em que a lei existe, 0 sujeito de interesse continuaa existir. Ele extrapola permanentemente 0 sujeito dedireito. Ele e portanto irredutivel ao sujeito de direito. Niioe absorvido par ele. Ele 0 extrapola, 0 rodeia, e sua condi­~iio de funcionamento em permanencia. Logo, em rela~iioavontade juridica, 0 interesse constitui urn irredutivel. Primeiracoisa.Em segundo lugar, 0 sujeito de direito e 0 sujeito de interesseniio obedecem em absoluto amesma logica. a quecaracteriza 0 sujeito de direito? Eque ele tern de imcio direitosnaturais, claro. Mas ele se toma sujeito de direito, numsistema positivo, quando aceita, pelo menos, 0 principio deceder esses direitos naturais, quando aceita pelo menos 0principio de renunciar a eles, quando subscreve urna limita­~iio desses direitos, quando aceita 0 principio <strong>da</strong> transferencia.au seja, 0 sujeito de direito e por defini~iio urn sujeitoque aceita a negativi<strong>da</strong>de, que aceita a renuncia a si mesrna,que aceita, de certa modo, cindir-se e ser, nwn certa nivel,detentor de urn certo numero de direitos naturais e imediatose, em outro myel, aquele que aceita 0 principio de renunciara eles e vai com isso se constituir como urn Dutro sujeitode direito superposto ao primeiro. A divisiio do sujeito, aexistencia de uma transcendencia do segundo sujeito emrela~iio ao primeiro, uma rela~iio de negativi<strong>da</strong>de, de renlincia,de limita~ao entre urn e outro, e isso que vai caracterizara dialetica ou a mecanica do sujeito de direito, e e ai,nesse movimento, que emergem a lei e a proibi~iio.Em compensa~iio - e e ai que a aniilise dos economistasvai confluir com esse tema do sujeito de interesse e <strong>da</strong>ra ele uma especie de conteudo e,?pirico -, 0 s~jeito de interesseniio obedece em absoluto a mesma mecamca. a quea aniilise do mercado mostrou, por exemplo, 0 que evidenciararntanto os fisiocratas na Fran\a, quanta os economistasingleses, e inclusive teoricos como Mandeville 20 , foi que, nofundo na mecanica dos interesses, nunca se pede que urnindividuo renuncie ao seu interesse. Seja, por exemplo, 0que acontece no caso do mercado de cereais - voces se lembramfalamos disso na Ultima vez 21 -, suponhamos uma colheit~abun<strong>da</strong>nte num pais e escassez em outro. A legisla­~iio habitualmente estabeleci<strong>da</strong> na maioria dos paises, proibiaque se exportasse indefini<strong>da</strong>mente c: tngo do paIS ncopara os paises em que faltava para quenao houvesse escassezno pais que tinha reservas. A ,que os economlstas respondem:absurdo! Deixem a mecan,ca dos mteresses agu,deixem os vende<strong>da</strong>res de cereaIS despeJar sua mercadonanos paises em que ha escassez,:ID que0cereal e ~aro e emque 0 vendem facilmente, e ver~o que, .quanto rr;aIS e~es seguiremseu interesse, melhor ~ra? as COlS~s e voc:s t~rao u~ganho geral que vai se constiturr a pa;trr <strong>da</strong> propna maxImiza~iiodo interesse de ca<strong>da</strong> urn. Nao so ca<strong>da</strong> urn podeperseguir seu proprio interesse, mas ca<strong>da</strong> urn ;Jeve perseguirseu proprio interesse, deve persegtn~lo ate 0 fim procurandoleva-Io ao seu ponto maxImo, e e nesse m~mer:toque viio se encontrar os elementos a partir dos qUaIS? m­teresse dos outros nao s6 sera preservado, mas se vera porisso mesmo aumentado. Temos, portanto, com 0 sujeito deinteresse tal como os economistas 0 fazem funcionar umamecaruca totalmente diferente dessa dialetica do sujeito dedireito, ja que e uma mecanic~ egofsta, ~ ~a mecanicaimediatamente multiplica<strong>da</strong>ra, e uma mecamca sem transcendencianenhuma, euma mecanica em que a vontade deca<strong>da</strong> um vai se harmonizar espontaneamente e como queinvoluntariamente avontade e ao interesse dos outros. Estamosbern longe do que e a dialetica <strong>da</strong> renuncia, <strong>da</strong> transcendenciae do vinculo voluntiirio que se encontra na teoriajuridica do contrato. a mercado e 0 contrato funcionam


376NASCIMENTO DA BIOPOLfrICAAUlA DE 28 DE MARC;:O DE 1979 377exatarnente ao contnirio urn do outro, e tern-se na ver<strong>da</strong>deduas estruturas heterogeneas uma ii outra.Para resumir, poderiamos dizer que to<strong>da</strong> "I, d. t ~ a ana.use 0t n eresse no seeulo XVITI, que ii primeira vista pode parecer.gar-se sem malOr dificul<strong>da</strong>de ii teoria do contrato, essa analise,quando a,acompanhamos de perlo, produz na ver<strong>da</strong>deUma problema~ca que e, a meu ver, totalmente nova, totalmenteheterogenea aos elementos caracterislicos <strong>da</strong> doulrinado contrato e <strong>da</strong> doutrina do sujeito de direito*. Ii, de certorr:~do, no ponto de cruzamento entre essa conce aoempmca dO,sujeit? de interesse e as analises dos econo~_tas que sera posslvel definir urn sujeito, um sujeito ue esUJelto de mteresse e euja ac;ao tera valor ao mesmo t2m 0mUltiplica~or e benefico pela pr6pria intensificac;ao do i~teresse,~ e l~SO que caracteriza 0 homo oeconomicus. 0 homooeconomzcus e, a ~eu ver, no secu10 XVIII, uma figura absolutamenteheterogenea e nao superponfvel ao que poderiamoschamar de hormJundlcus ou homo legalis, se voces quiserem.. . EstabeleCl<strong>da</strong> essa heterogenei<strong>da</strong>de, creio ser necessanoIT malS longe e primeiro dizer 0 seguinte: nao a enas hauma heterogenei<strong>da</strong>de fonnal entre 0 sujeito econtmico e 0sUJelto de direlto, pelos molivos que acabo de !hes dizPar ~ er, masece-me, ate cerlo ponto por via de conseqtiencia, ueentre 0 sUJeltode dlrelto e 0 sujeito economico ha uma~ifen;nc;aessenClal na relaC;ao que eles mantem com 0 oderP?htico. Ou, s~ preferirem, a problemalica do homerrfecon,orrucocoloca a questao do fun<strong>da</strong>mento do poder e do exer­Cle:;; do poder Um tipo bem diferente de questao que naopoam colocar a figura e 0 elemento do homem juridicodo sUJelto de direito. Para compreender 0 que ha de radical~mente novo no homem economico do ponto de vista doproblema de poder e do exercicio legitimo do poder, gostaem- ~ 0 ~anus~rito acrescenta, p. 9: "a) Primeiro por Urn radicalismopmeo a rnaneua de Hume, b) depois por uma analise dos .mos de rnercado."mecarus-ria de comec;ar por!hes citar urn texto de Condorcet que meparece muito esclarecedor a esse respeito. Ele se encontra emOs progressos do espirito humano, na Nona epoca. Condorcetd.iz: seja 0 interesse de urn individuo isolado do sistema gera!de uma socie<strong>da</strong>de - ele nao quer dizer que 0 individuoesta isolado em relaC;ao ii socie<strong>da</strong>de (isto e, ele nao considefaum individuo sozinho), ele quer dizer: seja um individuona socie<strong>da</strong>de, mas do qual s6 se levara em conta seu interesse,e somente 0 seu -, pais bern, d.iz ele, esse interessepropriamente individual de a1guem que se encontra no interiordo sistema geral nao apenas de uma socie<strong>da</strong>de, mas<strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des, apresenta duas caracteristicas. Primeiro, eurn interesse que depende de urna infini<strong>da</strong>de de coisas. 0 interessedesse individuo vai depender de acidentes <strong>da</strong> naturezacontra os quais ele nao pode na<strong>da</strong> e que ele nao podeprever. Isso depende de acontecimentos politicos mais oumenos remotos. Em suma, a fruiC;ao desse individuo estaraliga<strong>da</strong> a um curso do mundo que 0 extrapola e !he escapapor to<strong>da</strong> parte. Segundo, segun<strong>da</strong> caracteristica, e que, apesarde tudo e em compensa~ao,Jlnesse caos aparente", dizCondorcet, "vemos entretanto, por uma lei geral do mundomoral, os esforc;os de ca<strong>da</strong> um por si mesmo servir ao bemde todos"". 0 que quer dizer que, de um lado, ca<strong>da</strong> um eefetivamente dependente de um todo que e incontrolavel,que e nao especificado, que e 0 curso <strong>da</strong>s coisas e 0 curso domundo. De certo modo, 0 acontecimento mais remoto quepode acontecer do outro lado do mundo pode repercutir nomeu interesse, e nao tenho como influir sobre ele. A vontadede ca<strong>da</strong> urn, 0 interesse de ca<strong>da</strong> urn e a maneira comoesse interesse e realizado ou nao, tudo isso esta ligado a umamassa de elementos que escapam aos individuos. Ao mesmotempo, 0 interesse desse individuo, sem que esse individuotampouco dele salba, sem que tampouco 0 queira, semque tampouco possa controla-Io, val se ver ligado a to<strong>da</strong> umaserie de efeitos posilivos que vai fazer que tudo 0 que [lhe]e proveitoso va ser proveitoso aos outros. De modo q;,eo homem economico se ve situado assim no que podena-__J


378NASCIMENTO DA BIOPOLITlCAAULA DE 28 DE MARyO DE 1979379mos chamar de campo de imanencia indefinido, que 0 Iiga,de um lado, sob a forma <strong>da</strong> dependencia, a to<strong>da</strong> uma sene~e aCldentes e 0 Iiga, de outro lado, sob a fonna <strong>da</strong> produ,ao,::0 provelto dos outros, ou que Iiga seu proveito iipro.du.;ao dos outros. A convergencia de interesses vernaSSlm refor,ar e sobrepor-se a essa dispari<strong>da</strong>de indefini<strong>da</strong>dos aCldentes., 0 homo oeconomicus ve:se portanto situado no que podenamoschamar de duplo mvoluntano: 0 involuntano dosaCldentes que the sucedem e 0 involuntario do ganho queele produz para os outros sem que 0 tenha pretendido. Esta19ualmente sltuado nurn duplo indefinido porque, por umlado, os aCldentes de que depende seu interesse pertencema um campo que nao se pode percorrer nem totalizar e, poroutro lado, 0 ganho 9ue ele vai produzir para os outros prod~ll;do0 se;, tambem .0 um indefinido, um indefinido quenao e_totalizav~l.Duplo involuntario, duplo indefinido, duplonao-tot~avel, Sem que por isso esses indefinidos, essesmvoluntanos, esses incontrolaveis desquaIifiquem 0 seumteresse, sem que lSSO desqualifique 0 calculo que ele podefazer para al~an,ar<strong>da</strong> melhor maneira possivel seu interess~.Ao contrano, esses indefinidos fnn<strong>da</strong>m de certo modo 0c:,!cuIo r.ropnamente individual que ele faz, <strong>da</strong>o-lhe consistenaa,<strong>da</strong>o-lhe efeito, inscrevem-no na reali<strong>da</strong>de e 0 ligam <strong>da</strong>melhor maneira possivel a todo 0 resto do mundo. Temosp0ri: anto UIIl sistema em que 0 homo oeconomicus vai dever 0carater POSlti".O do seu calculo a tudo 0 que, precisamente, escapa~o seu calculo. Chegamos aqui, evidentemente, ao textoque nao se pode evitar, que .0 0 de A<strong>da</strong>m Smith, 0 celebre tex­~o do capitulo 2 do livro IV; em que A<strong>da</strong>m Smith diz - .0 0umeo texto na Riqueza <strong>da</strong>s na9i5es, Como voces sabem, emque,elefala dessa celebre coisa -: "Preferindo 0 sucesso <strong>da</strong>md~stnanacional ao <strong>da</strong> indushia estrangeira, 0 cornercianteso pensaem,obter pessoalmente maior seguran,a; dirigmdoessa md~stria de maneira que seu produto tenha 0malOr valor posslvel, 0 comerciante pensa apenas em seu pr6->I- Palavra omiti<strong>da</strong> por Foucault.prio ganho; nesse e em muitos outros [casos]*, ele .0 conduzidopor uma mao invisivel para alcan,ar um fim que naoesta em absoluto nas suas inten,6es."~'Eis-nos portanto nocerne dessa problematica <strong>da</strong> mao invisivel que .0, por assimdizet, 0 correlativo do homo oeconomicus, ou antes, que eessaespecie de mecanica bizarra que faz fnncionar 0 homo oeconomicuscomo sujeito de interesse individual no interior deuma totali<strong>da</strong>de que the escapa, mas fnn<strong>da</strong> a racionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s suas op,6es egoistas. .o que .0 essa mao invisivel? Bem, costuma-se dizer quea mao invisivel se refere, no pensamento de Smith, a umotirnismo economico mais ou menos ponderado. Costumasedizer tambem que se cleve ver nessa mao invisivel comoque 0 resto de um pensamento teol6gico <strong>da</strong> ordem natural.Smith seria 0 individuo que teria mais ou menos implicitamente,com essa no,ao de mao invisivel, estabelecido 0 lugarvazio, mas apesar de tudo secretamente ocupado, deurn deus providencial que habitaria 0 processo economico,quase, digamos, como 0 Deus de Malebranche ocupa 0 mundointeiro, ate 0 menor gesto de ca<strong>da</strong> individuo, pelo intermediode urna extensao inteligivel de que tem 0 dominioabsoluto". A mao invisivel de A<strong>da</strong>m Smith seria urn poucocomo 0 Deus de Malebranche, cuja extensao inteligivel seriapovoa<strong>da</strong>, nao de linhas, de superficies e de corpos, maspovoa<strong>da</strong> de comerciantes, de mercados, de navies, de carro,ase de grandes estra<strong>da</strong>s. Por conseguinte, a ideia de queexiste como que uma transparencia essencial nesse mundoeconomico e de que, 50 a totali<strong>da</strong>de do processo escapa a ca<strong>da</strong>urn dos homens economicos, em cornpensa


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382NASCIMENTO DA BIOPOUrlCA AUrA DE 28 DE MAR(O DE 1979 383to, mais naD faz que interromper 0 an<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>s coisas emultiplicar as causas de queixas. To<strong>da</strong>s as vezes que 0 comercianteesquece seus interesses para se consagrar a projetosnaClOnaIS, 0 tempo <strong>da</strong>s visoes e <strong>da</strong>s quirneras esta proxirno."·loFerguson toma como exemplo estabelecimentos franceses eingleses na America e diz, analisando 0 modo de coloniza­,ao frances e ingles: os franceses chegaram com seus pro­Jetos, sua admmistra,ao, sua defini,ao do que seria melliorpara suas colonias na America. Construiram "vastos projetos"e esses vastos projetos nunca puderam ser IIrealizadossenao na ideia" e as colonias francesas <strong>da</strong> America fracassaram.Em ,compensa,ao" os ingleses chegaram para colomzara Amenca com 0 que? Com grandes projetos? De ma­TIelTa nenhurna. Com "vistas curtas". NaG tinham nenhum.outro projeto senao 0 proveito imediato de ca<strong>da</strong> urn, ou antes,ca<strong>da</strong> urn tinha em vista unicamente a vista curta do seuproprio projeto. Com isso, as industrias foram ativas e os estabelecimentosflorescerarn l1 . A economia, por conseguinte,a economia entendi<strong>da</strong> como pnitica, mas entendi<strong>da</strong> tambe:ncomo tipo de interven,ao do governo, como forma dea,ao do Estado ou do soberano, pois bern, a economia naopode deixar de ter a vista curta, e, se houvesse urn soberanoque pretendesse ter vista longa, 0 olhar global e totalizante,esse soberano nunea enxergaria mais que quimeras.A economia politica denuncia, no meado do seculo XVIII, 0paralogJsmo <strong>da</strong> totaliza,ao politica do processo economico.Que 0 soberano seja, que 0 soberano possa, que 0 soberanodeva ser ignorante, e 0 que A<strong>da</strong>m Smith diz no capitulo9 do livro N <strong>da</strong> Riqueza <strong>da</strong>s na('oes, esclarecendo perleitamente0 que quer dizer com a mao invisivel e a importiinciado adjetivo "invisivel". Smith diz 0 seguinte: "Todo homem,contanto que nao infrinja as leis <strong>da</strong> justi,a, deve poder aplicaro~de the aprouver seu interesse e seu capital."" Logo,pnnClplO do lazssez-fa,re, ca<strong>da</strong> urn em todo caso deve seguirseu mteresse. E com isso, diz ele de maneira relativamentehipocrita - bern, eu e que digo que e hipocrita -, 0 soberanonaD tern como naD se sentir avontade com isso, porque sevI' "livre de urn encargo de que nao poderia tentar se desincurnbir- a vigilancia de todos os processos economicos ­sem se expor infalivelmente a se ver 0 tempo todo enganadode mil maneiras"". Digo "frase hipocrita" porque se podemuito bern entende-la assim: se 0 soberano, que eurn homemso, rodeado de conselheiros mais OU menos fieis, empreendessea tarefa infinita de vigiar a totali<strong>da</strong>de do processoeconomico, ver-se-ia sem duvi<strong>da</strong> enganado por administradorese ministros infieis. Mas a frase quer dizer tambem quenao e simplesmente pela infideli<strong>da</strong>de dos seus ministros oupela complexi<strong>da</strong>de de urna administra,ao necessariamenteincontro1


384 NASCIMENTO DA BIOPOLfTICAinterior de urn Estado 0 que esta aparecendo como 0 essencial<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de urna socie<strong>da</strong>de, a saber, os processos economicos.0 liberalismo, em sua consistencia modema, come­,ou quando, precisamente, foi formula<strong>da</strong> essa incompatibili<strong>da</strong>deessencial entre, por urn lado, a multiplici<strong>da</strong>de nao-totalizaveldos sujeitos de interesse, dos sujeitos economicos e,por outro lado, a uni<strong>da</strong>de totalizante do soberano juridico.o grande esfor,o do pensamento jurfdico-politico, noeurso do seculo XVIII, para mostrar como, a partir de sujeitosde direito individuals, sujeitos de direito natural, podiasechegar aconstitui,ao de uma uni<strong>da</strong>de politica defini<strong>da</strong>pela existencia de urn soberano, individual ou nao, poucoimporta, mas detentor, por um lado, <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de dos seusdireitos individuais e principio, ao mesmo tempo, <strong>da</strong> limita,aodesses direitos, to<strong>da</strong> essa grande problematica nao eem absoluto completa<strong>da</strong> pela problematica <strong>da</strong> economia.A problematica <strong>da</strong> economia, a problematica do interesseeconomico obedece a urna configura,ao bem diferente, a umalogica bem diferente, a um tipo bem diferente de raciocfnioe a uma racionali<strong>da</strong>de bem diferente. De fato, 0 mundo politico-jurfdicoe 0 mundo economico aparecem, desde 0 seculoXVIII, como mundos heterogeneos e incompativeis.A ideia de uma ciencia economico-juridica erigorosamenteimpossivel e, alias, efetivamente, nunca foi constitui<strong>da</strong>. Aosoberano jurfdico, ao soberano detentor de direitos e fun<strong>da</strong>dordo direito positivo a partir do direito natural dos individuos,0 homo oeconomicus e alguem que pode dizer: tu naodeves, nao porque eu tenha direitos e tu nao tens 0 direito detocar neles; e isto e 0 que diz 0 homem de direito, 0 que dizo homo juridicus ao soberano: tenho direitos, confiei algunsa ti, ttl DaD deves toear nos outros, ou: confiei-te meus direitospara este ou aquele fim. 0 homo oeconomicus nao diz isso.Ele diz tambem ao soberano, e ver<strong>da</strong>de: tu nao deves; masdiz ao soberano: tu nao deves, por que? Tu nao deves porquenao podes. E tu nao podes no sentido de que "tu es impotente".E por que tu es impotente, por que tu nao podes?AUlA DE 28 DE MAR(:O DE 1979 385Tu nao podes porque tu nao sabes e tu nao sabes porque tunao podes saber. ,.Ou seja, temos al urn momento que e, a rneu ver, lffiportante:0 momenta em que a economia politica pode seapresentar como crftica <strong>da</strong> razao ~ovemament~."Critica",eu emprego agora no sentido propno e filosofico do termo".Afinal, Kant, um pouco mals tarde alias, diria ao homemque ele nao pode conhecer a totali<strong>da</strong>de do mundo.Pois bem, a economia politica tinha dito ao soberano, algumasdeca<strong>da</strong>s antes: tu tambem nao podes conhecer, tu naopodes conhecer a totali<strong>da</strong>d: doprocesso econo~ico.Nao hasoberano em economia. Nao ha soberano econOIDlCO. CrelOque temos ai um dos pontos afinal de cOI;tas importantissimasna hist6ria do pensamento econonuco, claro, masprincipalmente na historia <strong>da</strong> razao governament~.A au:sencia ou a impossibili<strong>da</strong>de de um soberano economlCO: eesse problema que sera finalmente colocado em to<strong>da</strong> a Europae em todo 0 mundo moderno pelas praticas governamentals,pelos problemas economicos, pelo socialismo,pela planifica,ao, pela economia do bem-estar. Todos os retornos,to<strong>da</strong>s as recorrencias do pensamento liberal e neoliberalna Europa dos seculos XIX e XX ain<strong>da</strong> constituem,sempre, urna certa maneira de colocar 0 proble~adessa impossibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> existencia de urn soberano econonuco. E tudoo que vai aparecer, ao contnirio, como planifica~~o,econorniadirigi<strong>da</strong>, socialismo, socialismo de Estado, Val ser 0 problemade saber se nao se pode superar, de certa forma, essamaldi,ao formula<strong>da</strong> pela economia politica, desde a suafun<strong>da</strong>


386 NASCIMENTO DA BIOPoLlTlCA AUIA DE 28 DE MAR(O DE 1979 387contexte imediato, e evidente que essa teoria <strong>da</strong> mao invisivel,entendi<strong>da</strong> como desqualificaC;iio <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de deurn soberano economico, e a recusa desse Estado de policiad~ que !hes falava ano passado". 0 Estado de policia, ou tambern0 Estado govemado pela raziio de Estado, com sua polilicamercantilista, era desde 0 seculo XVII 0 esforc;o feito,de forma perfeitamente explicita, para conslituir urn soberanoque ja niio seria soberano de direito ou em funC;iio deurn direito, mas seria igualmente urn soberano capaz de administrar,de administrar, e claro, os sujeitos sobre os quaisele exerce sua soberania, mas tamhem os processos economicosque podem se desenrolar entre os individuos, entre osgrupos, entre os Estados. 0 Estado de policia, 0 Estado talcomo vai faze-Io funcionar a polilica ao mesmo tempo voluntaristae mercantilista dos soberanos, ou em todo casode certos soberanos do seculo XVII e do seculo XVIII, comoo soberano frances - tudo isso repousa evidentemente nopostulado de que deve haver urn soberano economico. Aeconomia politica niio conslitui simplesmente uma refuta­C;iio <strong>da</strong>s doutrinas ou <strong>da</strong>s pralicas mercantilistas. A economiapolilica de A<strong>da</strong>m Smith niio mostra simplesmente comoo mercantilismo constitula urn erro teenieD au urn erro teorico.A economia polilica de A<strong>da</strong>m Smith, 0 liberalismo economico,constitui uma desqualificac;iio desse projeto polilicode conjunto e, mais radicalmente ain<strong>da</strong>, uma desqualificac;iiode uma raziio polilica que seria indexa<strong>da</strong> ao Estado easua soberania.Alias, e interessante ver a que, mais precisamente ain<strong>da</strong>,se op6e a teoria <strong>da</strong> miio invisivel. Ela se op6e, precisamente,ao que diziarn quase na mesma epoca QU, em todocaso, ao que acabavam de dizer alguns anos antes os fisiocratas,porque a posiC;iio dos fisiocratas e, desse ponto de vista,muito interessante e muito paradoxal. Os fisiocratas naFran~a fizerarn precisamente, sobre 0 mercado e as mecanismosde mercado, as analises de que ja Ihes falei variasvezes~7 e que provavam que 0 governo, que 0 Estado, que 0soberano niio deviam de forma alguma intervir na meciinicados interesses que fazia que as mercadorias fossem para ondeencontrassem mais facilmente compradores e pelo melhorprec;o. A fisiocracia era portanto urna crilica severa a to<strong>da</strong> aregulamentac;iio administraliva pela qual se exercia 0 poderdo soberano sobre a economia. Mas os fisiocratas logo acrescentavam0 seguinte: deve-se deixar os agentes economicoslivres, mas, primeiramente, ha que considerar que 0 territariointeiro de urn pais e, no fundo, proprie<strong>da</strong>de do soberanoOU, em todo caso, que 0 soberano eco-proprietano deto<strong>da</strong>s as terras do pais e, por conseguinte, co-produtor; 0que lhes permilia juslificar 0 imposto. Logo, na concepc;iiofisiocralica, 0 soberano vai ser, de certo modo, adequado deprincipio e de direito - e tambem de fato alias - a to<strong>da</strong> a produC;iioe a to<strong>da</strong> a alivi<strong>da</strong>de economica de urn pais, a titulo deco-proprietano <strong>da</strong>s terras e co-produtor do produto.Em segundo lugar, a existencia, dizem os fisiocratas, deurn Quadro Economico que possibilita acompanhar com exalidiio0 circuito <strong>da</strong> produC;iio e <strong>da</strong> conslituic;iio <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> <strong>da</strong>ao soberano a possibili<strong>da</strong>de de conhecer exatamente tudo 0que acontece no interior do seu pais e [0] poder, por conseguinte,[de] controlar os processos economicos. Ou seja, 0Quadro Economico vai proporcionar ao soberano urn principiode analise e como que urn principio de transparenciaem relac;iio a totali<strong>da</strong>de do processo economico. De sorteque, se 0 soberano deixa livres os agentes economicos, eporque sabe, e sabe grac;as ao Quadro Economico, ao mesmotempo 0 que acontece e como tern de acontecer. Logo,ele podera, em nome desse saber total, aceitar livre e racionalmente,ou antes, tenl de aceitar pela propria necessi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> raziio, do saber e <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, 0 principio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>dedos agentes economicos. De modo que entre 0 saber do soberanoe a liber<strong>da</strong>de dos individuos havera uma segun<strong>da</strong>adequac;iio.Enfim, em terceiro lugar, urn born govemo - justamenteo de urn soberano que conhece exatamente tudo 0 que aconteceno que conceme aos processos economicos grac;as aoQuadro Economico - devera explicar aos diferentes agentes


388 NASCIMENTO DA BIOPOUTICA AULA DE 28 DE MAR


AULA DE 28 DE MAR(O DE 1979 391NOTAS1. Ludwig von Mises, Human Action: A treatise on economics,op. cit. e trad. cit. [supra, p. 130, nota 11].2. Cf. nota<strong>da</strong>menteJournal ofPolitical Economy, vol. 70 (5), outubrode 1962, 2~ parte, coordenado porTh. Schultz, inteiramenteconsagrado ao problema do "investment in human beings".3. G. Becker, "Investment in human capital: a theoreticalanalysis", art. cit. [supra, p. 324, nota 18J.4.1. M. Kirzner, "Rational action and economic theory", JournalofPolitical Economy, vol. 70 (4), agosto de 1962, pp. 380-5.5. Cf. supra, aula de 14 de mar,o de 1979, pp. 324-5, notas 23e 25.6. Cf. G. Becker, "Irrational behavior and economic theoty",Journal ofPolitical Economy, vol. 70 (1), fevereiro de 1962, pp. 1-13;reed. in The Economic Approach to Human Behavior, op. cit. [supra,p. 324, nota 23], pp. 153-68.7. Ibid., p. 167: "Even irrational decision units must acceptreality and could not, for example, maintain a choice that was nolonger within their opportunity set. And these sets are not fixed ordominated by erratic variations, but are systematically changed bydifferent economic variables [... ]"8. Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), psic610go e psicolingiiistaamericana, eurn dos principais representantes <strong>da</strong> escolabehaviorista. Professor em Harvard desde 1947, publicou numerosasobras, entre as quais Science and Human Behavior, Londres,Collier-Macmillan, 1953; Verbal Behavior, Englewood Cliffs, NJ,Prentice Hall, 1957; Beyond Freedom and Dignity, NovaYork, A. A.Knopf, 1971 / Par-delilla liberte et la dignite, trad. fr.A.-M. e M. Richelle,Paris, R. Lalfont, "Libertes 2000", 1972. Hostil il utiliza,aode estatisticas, ele considera necessario estu<strong>da</strong>r os comportamentosindividuais, "0 que supoe dominar 0 ambiente em que eposto0 sujeito e definir medi<strong>da</strong>s de resposta que sejarn inforrnativas.[...] Quando urn sujeito se desloca em seu ambiente, alguns dosseus comportamentos produzem neste modifica~6es detectaveis(as contingencias de refor~o). A resposta operante euma classe derespostas defini<strong>da</strong> pelas conseqiiencias que ela tem para 0 sujeitoe emiti<strong>da</strong> numa situa~ao <strong>da</strong><strong>da</strong> sem que depen<strong>da</strong> causalmente deurn estimulo <strong>da</strong> situa~ao. Urn cantrole rigoroso <strong>da</strong>s contingenciasperrnite portanto selecionar condutas reiteraveis" (EncyclopaediaUniversalis, Thesaurus, 1975, vol. 20, p. 1797). a objetivo visado eportanto "selecionar as condutas pertinentes manipulando programasde refor,o" (ibid.).9. F. CasteL R. Castel e A. Lovell, La Sociiite psychiatrique wancte:Ie modele ami!ricain, Paris, Grasset, 1979, cap. 4, pp. 138-9, sobre aterapeutica comportamental (behavior modification), inspira<strong>da</strong> nosprincipios do condicionamento (Pavlov) e do behaviorismo (Thomdike,Skinner), em meio psiquJatrico (d. tambem cap. 8, pp. 299-302).10. Cf. agora 0 livro de P. Demeulenaere, Homo oeconomicus.Enquete sur la constitution d'un paradigme, Paris, PUF, "Sociologies",1996.11. Cf. supra, aula de 21 de fevereiro de 1979, p. 249, nota 12.12.Vilfredo Pareto (1848-1923, soci610go e economista italiano,sucessor de Walras na Universi<strong>da</strong>de de Lausanne), Manueld'economie politique (1906), in Oeuvres compldes, t. VII, Genebra,Droz, 1981, pp. 7-18. Cf. J. Freund, Pareto, la theone de /'i!quilibre,Paris, Seghers, 1974, pp. 26-7 (0 homo oeconomicus segundo Pareto)- obra li<strong>da</strong> por M. Foucault.13. John Locke (1632-1704), autor de Essay concerning HumanUnderstanding, Londres, printed by E. Holt for Th. Bassett, 1690 /Essai philosophique concernant /'entendement humain, trad. fro P. Coste,5" ed., 1755; repro Paris, Vrin, 1972.14. David Hume (1711-1776), An Inquiry concerning the PrinciplesofMorals (1751), Chicago, Open Court Pub. Co., 1921, apendiceI, "Concerning moral sentiment" I Enquete Sur Ies principes dela morale, trad. fro A. Leroy, Paris, Aubier, 1947, p. 154. Cito a passa-


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394 NASCIMENTO DA BIOPOWlCA AUlA DE 28 DE MAR


AULA DE 4 DE ABRIL DE 1979Elementos para urna hist6ria <strong>da</strong> no¢.o de homo oeconomicus(II). - Volta ao problema <strong>da</strong> limita¢o do poder soberanopela ativi<strong>da</strong>de economica. - A emergencia de urn novocampo, correlativo <strong>da</strong> arte liberal de governar: a socie<strong>da</strong>de civil.- Homo oeconornicus e socie<strong>da</strong>de civil: elementos indissociti:veis<strong>da</strong> tecnologia govemamentalliberal. - Andlise <strong>da</strong> no­¢o de "socie<strong>da</strong>de civil": sua evolu¢o de Locke a Ferguson. 0 Ensaiosabre a hist6ria <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil de Ferguson (1787).As quatro caracter£sticas essenciais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil segundoFerguson: (1) ela eurna canstante hist6rico~natural; (2) ela asseguraa sintese espontiinea dos individuos. Paradoxa do vfnculaecon6mico; (3) ela eurna matriz pennanente de paJer politico;(4) ela constitui a motor <strong>da</strong> hist6ria. - Aparecimento deurn novo sistema de pen.samento politico. - Conseqii.fncias te6­ricas: (a) a questJ.o <strong>da</strong>s rela¢es entre Estado e socie<strong>da</strong>de. Asproblemdticas alema, inglesa e francesa; (b) a regulagem doexerdcio do poder: <strong>da</strong> sabedoria do principe aos cdleulos racionaisdos gooernados. - Conclusiio gera!.Na ultima vez evoquei urn pouco esse tema do homooeconomicus que atravessou todo 0 pensarnento economico,sobretudo 0 pensamento liberal, desde aproxirna<strong>da</strong>mente 0meado do seculo XVIII. Eu havia procurado Ihes mostrarque esse homo oeconomicus constituia uma especie de Momode interesse insubstituivel e irredutiveI. Havia procurado lhesmostrar como esse atomo de interesse nao era superponivel,nem identificavel, nem redutivel ao que constitui no pensamentojuridico 0 essencial do sujeito de direito; que homooeconomicus e sujeito de direito nao eram portanto superponiveise que, afinal, 0 homo oeconomicus nao se integra aoconjunto de que faz parte conforme a mesma dialetica queo sujeito de direito em rela


398 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCA AUlA DE 4 DE ABRIL DE 1979 399conjunto dos outros sujeitos de direito por uma dialetica <strong>da</strong>renuncia a seus proprios direitos ou <strong>da</strong> transferencia dessesdireitos a outro, ao passo que 0 homo oeconomicus se integraao conjunto de que faz parte, ao conjunto economico nao poruma transferencia, [uma] subtra


400 NASCIMENTO DA BIOPOLfrICA AULA DE 4 DE ABRIL DE 1979 401seja 0 mercado, consiste em manter a pr6pria forma <strong>da</strong> razaogovernamental, a pr6pria forma <strong>da</strong> razao de Estado, fazendosimplesmente uma subtrac;ao, a do objeto mercado,ou do campo mercado, ou do campo economico. A segunciasolw;ao, ados fisiocratas, consiste em manter to<strong>da</strong> a extensao<strong>da</strong> esfera de ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> governamentali<strong>da</strong>de, masem modificar em seu fundo a pr6pria natureza <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>degovernamental, ja que se mu<strong>da</strong> 0 coeficiente, ja que se mu<strong>da</strong>o indexador, e de ativi<strong>da</strong>de governamental ela se torna passivi<strong>da</strong>dete6rica, ou ain<strong>da</strong> ela se torna evidencia.Na ver<strong>da</strong>de, nem uma nem outra soluC;ao podia ser outracoisa senao uma especie de virtuali<strong>da</strong>de te6rica e programaticaque nao teve seqiiencia real na hist6ria. Etodoum reequihbrio, todo um rearranjo <strong>da</strong> razao governamentalque se fez a partir desse problema do homo oeconomicus, <strong>da</strong>especifici<strong>da</strong>de do homo oeconomicus e <strong>da</strong> sua irredutibili<strong>da</strong>deaesfera do direito. Digamos mais precisamente 0 seguinte:o problema que e posto pelo aparecimento simultaneo ecorrelato <strong>da</strong> problematica do mercado, do mecanismo dosprec;os, do homo oeconomicus, e 0 seguinte: a arte de governardeve se exercer num espac;o de soberania - e isso e 0 pr6priodireito do Estado que diz -, mas a chatice, 0 azar ou 0 problemae que 0 espac;o de soberania e habitado ou povoadopor sujeitos economicos. Ora, esses sujeitos econ6micos, selevassemos as coisas ao pe <strong>da</strong> letra e se apreendessemos airredutibili<strong>da</strong>de do sujeito economico ao sujeito de direito,exigiriam, ou a abstenc;ao do soberano, ou que a racionali<strong>da</strong>dedo soberano, sua arte de governar, se inscrevesse sobo signo de uma racionali<strong>da</strong>de cientifica e especulativa. Comofazer para que 0 soberano nao renunciasse a nenhum dosseus campos de aC;ao, ou ain<strong>da</strong> para que 0 soberano nao seconvertesse em geometra <strong>da</strong> economia - como fazer? A teoriajuridica nao e capaz de assumir esse problema e de resolvera questao: como governar num espac;o de soberaniapovoado por sujeitos economicos, ja que precisamente ateoria juridica - a do sujeito de direito, ados direitos naturais,ados direitos concedidos por contrato, a <strong>da</strong>s delega-C;DeS -, tudo isso nao se ajusta e nao pode se ajustar (comoprocurei lhes mostrar na ultima vez) a ideia mecanica, apr6pria designaC;ao e acaracterizaC;ao do homo oeconomicus.Por conseguinte, nem 0 mercado em si mesma, em sua mecanicapr6pria, nem 0 Quadro cientifico de Quesnay, nem anOC;ao juridica de contrato podem definir, delimitar em quee como os homens economicos que povoam 0 campo <strong>da</strong> soberaniaserao governaveis*. A governabili<strong>da</strong>de ou a governamentabili<strong>da</strong>de- perdoem-me esses barbarismos - dessesindividuos que, como sujeitos de direito, povoam 0 espac;o<strong>da</strong> soberania, mas nesse espac;o de soberania sao aomesmo tempo homens economicos, sua governamentabili<strong>da</strong>des6 pode ser garanti<strong>da</strong>, e s6 pode ser efetivamente garanti<strong>da</strong>pela emergencia de um novo objeto, de uma novaarea, de urn novo campo que e, de certa modo, 0 correlativo<strong>da</strong> arte de governar que esta se construindo nesse momentoem funC;ao deste problema: sujeito de direito-sujeitoeconomico. Enecessano urn novo plano de referen<strong>da</strong>, eesse novo plano de referen<strong>da</strong> nao sera, evidentemente, nemo conjunto dos sujeitos de direito, nem a serie dos comerciantesou dos sujeitos economicos ou dos atores economicos.Esses individuos que sao Sim, sempre, sujeitos de direito,que sao sim atores economicos, mas nao podem ser "govemamentaveis"**nem a urn titulo nem a outro, s6 saogovernaveis na medi<strong>da</strong> em que se podera definir um novoconjunto que os envolvera, ao mesmo tempo a titulo desujeitos de direito e a titulo de atores economicos, mas faraaparecer, nao simplesmente a ligaC;ao ou a combinaC;ao dessesdois elementos, mas to<strong>da</strong> uma serie de outros elementos,em relaC;ao aos quais 0 aspecto sujeito de direito ou 0aspecto sujeito economico constituirao aspectos, aspectosparciais, integraveis, na medi<strong>da</strong> em que fazem parte de um.. M. Foucault acrescenta: eu ia dizendo govemo ., sim govemaveis.Manuscrito: "govemamentaveis"..... Entre aspas no manuscrito.


402 NASCIMENTO DA BIOPOLITICAconjunto complexo. E e esse novo conjunto que e, a meuver, caracteristico <strong>da</strong> arte liberal de govemar.Digamos ain<strong>da</strong> 0 seguinte: para que a govemamentali<strong>da</strong>depossa conservar seu carater global sobre 0 conjuntodo espa


404 NASCIMENTO DA BIOPOLfTlCA<strong>da</strong>de civil. Ela nao e esse <strong>da</strong>do historico-natural que viriade certo modo servir de pedestal, mas tambem de principiode oposi


406 NASCIMENTO DA BlOPOLlTlCAvil, nao existe na<strong>da</strong>, ou se algo existe, diz Ferguson, e algoque para nos e absolutamente inacessivel, a tal ponto recuadono fundo dos tempos, a tal ponto, de certo modo, antenorao que faz a hurnani<strong>da</strong>de do homem, que e impossivelsaber 0 que pode ter acontecido, 0 que pode ter sucedido~!es <strong>da</strong> existencia <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil. Ern outras palavras, naoe uti! colocar a questao <strong>da</strong> nao-socie<strong>da</strong>de. Que essa naosocie<strong>da</strong>deseja caracteriza<strong>da</strong> em termos de soli<strong>da</strong>.o, de isolamento,como se pudesse ter havido homens dispersos asslmna natureza, sem nenhuma uniao de nenhum tipo, semnenhum mew de se comunlcar, ou ain<strong>da</strong>, que essa nao-socie<strong>da</strong>deseja caracteriza<strong>da</strong>, como ern Hobbes, na forma <strong>da</strong>guerra perpHua ou <strong>da</strong> guerra de todos contra todos, comoquer que seja - soli<strong>da</strong>o ou guerra de todos contra todos ­tudo isso deve ser situado numa especie de pano de fund~mitico que nao adianta na<strong>da</strong> para a analise dos fenomenosque nos dizem respeito. A historia humana sempre existiu"por grupos", diz Ferguson na pagina 9 do primeira volume<strong>da</strong> sua Hist6ria <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil'. Na pagina 20, ele diz:IIa socie<strong>da</strong>de e tao antiga quanta 0 indivfduo", e seria taoinutil imaginar hornens que nao falem uns corn os outrosquanta irnaginar homens que nao teriam pes ou maos'. A linguag~m,a comunica


408 NASCIMENTO DA BIOPOLtrlCA AULA DE 4 DE ABRIL DE 1979 409cabana nao e a expressao natural e pre-social de alguma coisa.Nao se esta mais perto <strong>da</strong> natureza com uma cabana doque com urn palacio. Esimplesmente uma outra distribui­


410 NASOMENTO DA BIOPOLITICA AULA DE 4 DE ABRIL DE 1979 411e, digamos assim, nao local. A analise do mercado provaque em to<strong>da</strong> a supemcie do globo, afinal de contas, a multiplica~aodos ganhos se fara pela sfntese espontanea dosegoismos. Nao ha localiza~ao, nao ha territoriali<strong>da</strong>de naoha agrupamento singular no espa~o total do mercad;. Emcompensa~ao, na socie<strong>da</strong>de civil, esses la~os de simpatia, essesla~os de benevolencia sao, ao contrario, correlativos dela~os, como eu lhes dizia, de repugnancia, de nao-adesao,de ~ao-ben~~olt~ncia em rela~ao a alguns Dutros, ou seja, asocle<strong>da</strong>de cIvil sempre se apresentara como conjunto limitado,como co,:,junto. singular entre outros conjuntos. A so­Cle<strong>da</strong>de cIVIl nao sera a humani<strong>da</strong>de em geral; sera conjuntos,conjuntos do mesmo nivel au conjuntos de nivel diferenteque vao agrupar as individuos num certo nllinero denUdeos.,~ a socie<strong>da</strong>de civil, diz Fer~son, que faz que a indiVlduoabrace a causa de uma tnbo au de uma comuni<strong>da</strong>de"14.A socie<strong>da</strong>de civil nao ehumanitana, ecomunitana.E e~ de fato, a socie<strong>da</strong>de civil que veremos aparecer na familIa,na aldeia, na corpora~ao, que veremos aparecer emr:fveis, claro, mais elevados e ate na na.;ao, na nac;ao no senlldode A<strong>da</strong>m Smith, [no sentido que the e <strong>da</strong>do]* mais aumenos na mesma epoca na Fran~a. Essa na~ao e precisamenteuma <strong>da</strong>s formas maiores, [masJ somente uma <strong>da</strong>sformas possiveis, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil.Dito isse, voces veem que, em relac;ao a esses vinculos- vinculos que sao os do interesse desinteressado e adquirema forma de uni<strong>da</strong>des locais e de niveis diferentes** -, avinculo de interesse economico se encontra numa posic;aoambfgua.Voces veem que, por urn lado, 0 vinculo economico,0 processo economico que liga os sujeitos economicosuns aos outros, podera se alojar nesta forma que e a <strong>da</strong> multiplica~aoimediata e nao e a <strong>da</strong> renuncia [aJ direitos. Formalmente,portanto, a socie<strong>da</strong>de civil e efetivamente a quevai ser 0 veiculo do vinculo economico. Mas 0 vinculo economicovai desempenhar, no interior dessa socie<strong>da</strong>de civilem que ele pode se instalar, um papel muito curiosa, ja que,de um lado, ele vai vincular as individuos entre si pela convergenciaespontanea dos interesses, mas vai ser, ao mesmotempo, principia de dissocia~ao. Principio de dissocia~ao namedi<strong>da</strong> em que, em rela~ao aos vinculos ativos que serao as<strong>da</strong> compaixiio, <strong>da</strong> benevolencia, do amor ao proximo, do sentimentode comuni<strong>da</strong>de dos individuos uns em rela~ao aosoutros, a vinculo economico tendera - de certo modo marcando,acentuando, tomando mais incisivo 0 interesse egoistados individuos - a desfazer perpetuamente a que a vinculoespontaneo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil tera ligado. Em outraspalavras, 0 vinculo economico surge na socie<strong>da</strong>de civit s6 epossivel par meio [dela], une-a de certo modo, mas a desfazpela outra ponta. Assim e que na pagina 50 do primeirovolume dessa Histoire de la societe civile, Ferguson escreve aseguinte: nunca a vinculo entre as individuos e mais fortedo que quando a individuo nao ve interesse direto nele; nuncaa vinculo e mais forte entre os individuos do que quandose trata, vamos dizer, de se sacrificar, por exemplo, ou deaju<strong>da</strong>r um amigo au de preferir ficar na sua tribo a ir buscaralhures abun<strong>da</strong>ncia e seguran~a;;. Isso e muito interessante,corresponde exatamente aquilo mediante a que se definea racionali<strong>da</strong>de economica. Se 0 sujeito economico ve quepode luerar, por exemplo, comprando trigo no Cana<strong>da</strong> evendendo naAlemanha, ele faz isso. Faz isso porque sai ganhando,e alias todo a mundo vai sair ganhando. Em compensa~ao,as vinculos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil fazem que prefiramospermanecer em nossa comuni<strong>da</strong>de, mesmo encontrandoabun<strong>da</strong>ncia e seguran~a alhures. Logo, "num estado comercianteem que se sup6e que as individuos conhe~ampar experiencia propria a extensao do interesse que tem naconserva~ao do seu pafs*, enele, ha que convir, que 0 ho-"" M.F.: tal como eempregado** M. Foucault acrescenta: que (tern 0 aspecto?) de vinculos comunitarios[palavras dificilmente audiveis],. M. Foucault para aqui, nao conseguindo lee 0 que escreveu ("... bern,enfirn, escutem, 0 texto diz mais ou menos 0 seguinte, como nos manus-


412 NASCIMENTO DA BIOPOl1rlCA AULA DE 4 DE ABRIL DE 1979 413mem as vezes parece isolado e solitario. Ele encontrou umobjeto que 0 poe em concorrencia com seus semeIhantes"16.Por conseguinte, quanta mais se vai no sentido de um estadoeconomico, mais paradoxalmente 0 vinculo constitutivo<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil se desfaz e mais 0 homem e isolado pelovinculo economico que tem com todo 0 mundo e qualquerum. 13 esta portanto a segun<strong>da</strong> caractenstica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>decivil: uma sintese espontanea no interior <strong>da</strong> qual 0 vinculoeconomico encontra seu lugar, mas que 0 vinculo economicoamea~a sem parar.A terceira caractenstica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil e que ela euma matriz permanente de poder politico. De fato, nessasocie<strong>da</strong>de civil que desempenha, de certo modo, 0 papel espontaneode contrato social, de pactum unionis, como e queo poder vai vir a socie<strong>da</strong>de civil, 0 que vai ser 0 equivalentedo que os juristas chamavam de pactum subjectionis, pacto desujei~ao, que obriga os individuos a obedecer a alguns outras?Pais bern, assim como naD enecessaria urn pactum unionispara vincular os individuos na socie<strong>da</strong>de civil, nao e necessariaurn pactum subjectionis, naD sao necessanas a renunciaa certos direitos e a aceita~ao <strong>da</strong> soberania de algum outropara que 0 poder politico apare~a e atue no interior <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de civil. Hi forma~aoespontanea de poder - forma~aoespontanea de poder que se realiza como? Simplesmentepor um vinculo de fato que vai ligar entre si dois individuosconcretos e diferentes. De fato, essas diferen~as entre os individuosse traduzem, claro, por certo numero de papeis diferentesque eles vao ter na socie<strong>da</strong>de, tarefas diferentesque VaG assumir. Essas diferen~as espontaneas VaG induzirimediatamente divisoes do trabalho, e nao apenas divisoesdo trabalho na produ~ao,mas divisoes do trabalho no processopelo qual as decisoes de conjunto sao toma<strong>da</strong>s pelo grupo.critos cia I<strong>da</strong>de Media, 0 manuscrito esta urn pOlleD deteriorado"), mas acitac;ao que ele <strong>da</strong> eexata, salvo urn pequeno.detalhe ("deve-se supor queos individuos", em vez de Use sUpOe que os individuos").Uns VaG <strong>da</strong>r sua opiniao. Outros VaG <strong>da</strong>r ordens. Uns VaGrefletir, Qutros VaG obedecer. "Anteriormente a te<strong>da</strong> institui­~ao politica", diz Ferguson, "os homens sao dotados de umavarie<strong>da</strong>de infinita de talentos. Se voce os puser juntos, ca<strong>da</strong>urn encontrani. seu lugar. Eles van portanto aprovar au criticarou decidir todos juntos, mas examinam, consultam edeliberam em pon;oes mais seletas; como individuos, assumemou deixam de assumir a suprernacia."17 au seja, a decisaodo grupo aparece de fato na socie<strong>da</strong>de civil como adecisao de todo 0 grupo, mas quando se observa mais apura<strong>da</strong>mentecomo a coisa acontece: as coisas aconteceram,diz ele, por "por~oes mais seletas". Como individuos, unsassumiram a supremacia e os outros deixaram que assumissema supremacia sobre eles. Por conseguinte, 0 fato do poderprecede 0 direito que vai instaurar, justificar, limitar ouintensificar esse poder. Antes que 0 poder se regulamente,antes que ele se delegue, antes que ele se estabele~a juridicamente,ele ja existe. "Seguimos um chefe antes de pensarmosem discutir suas pretensoes ou de estabelecermosas formas para a sua elei~ao; e foi s6 depois de terem cometidomuitos erros na quali<strong>da</strong>de de magistrados [ou]* de suditosque os homens decidiram sujeitar 0 pr6prio governo aregras.'''" A estrutura juridica do poder vem sempre depois,aposteriori, depois do fato do pr6prio poder*'. [Portanto] naose pode dizer: os homens eram isolados, decidiram constituirurn poder e ei-los, pois, em estado de socie<strong>da</strong>de. Era, grossomodo, essa a amllise que se fazia no seculo XVII e no infciodo seculo XVIII. Nao se pode dizer tampouco: os homens seagrupam em socie<strong>da</strong>de e, uma vez agrupados em socie<strong>da</strong>de,eles [pensam]: como seria bom, ou comodo, ou util, estabelecerurn poder e regulamentar suas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des. Na... M.P.: 0 texto original <strong>da</strong> tradUl;ao de Ferguson, p. 174, diz: "e"...... M. Foucault acrescenta: Em suma, a socie<strong>da</strong>de civil secreta seupr6prio poder que naoenem a sua condi


414 NASOMENTO DA BIOPOLITlCA AULA DE 4 DE ABRIL DE 1979 415ver<strong>da</strong>de, a socie<strong>da</strong>de civil secreta em pennanencia, e desdea sua origem, urn poder que nao e nem sua condi,ao nemseu suplemento. "Urn sistema de subordina,ao", diz Ferguson,lie tao essencial aos homens quanta a propria socie<strong>da</strong>de."'"Ora, lembrem-se que Ferguson dizia: nao se podeconceber urn homem sem socie<strong>da</strong>de. Nao se pode conceberurn homem sem linguagem e comunica,ao com os outros,como tampouco se pode conceber urn homem sem pes esem maos. Logo, 0 hornern, sua natureza, seus pes, suas maos,sua linguagem, os outros, a comunica,ao, a socie<strong>da</strong>de, 0poder - tudo isso constitui urn conjunto soli<strong>da</strong>no que e precisarnentecaracteristico <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil.Quarta caracteristica. Essa socie<strong>da</strong>de civil constitui 0 quepoderiamos chamar, utilizando urn tenno muito mais tardioe ate certo ponto desqualificado agora, mas para 0 qualme parece que podemos encontrar aqui urn ponto de aplica,aoprimordial, de motor <strong>da</strong> historia. E0 motor <strong>da</strong> historia,porgue justarnente, se retomarmos as <strong>da</strong>is elementosde que acabo de !hes falar - por urn lado, a socie<strong>da</strong>de civile sintese espontiinea e subordina,ao espontanea e, [por outrolade], nessa sintese espontanea e nessa subordina,aoespontanea existe urn elemento que nela toma lugar naturalmentee que tambem e seu principio de dissocia,ao, a saber,0 egofsmo do homo oeconomicus, as procedimentos economicos-, teremos [em primeiro lugar], com essa ideia deque a socie<strong>da</strong>de civil e sintese e subordina,ao espontanea,o principia, au 0 terna, ou a ideia, ou a hipo.tese: se v?cesquiserem, de que estarnos diante de urn equihono estavel.Afinal de contas, como os homens se ligam espontaneamenteuns aos outros por vinculos de benevo]encia, ja quefonnam comuni<strong>da</strong>des, ja que nessas comuni<strong>da</strong>des as subordina,oesse estabelecem por consentimento imediato,isso naD deveria se alterar e hldo, por conseguinte, deveriapennanecer em seu lugar. E e, de fato, sob esse primeiro aspectoque aparece certo numero de comum<strong>da</strong>des - direi, sevoces quiserem: urn equilibrio funcional do conJunto. Descrevendoos selvagens <strong>da</strong> America do Norte, ou melhor, relatandoobserva,oes dos selvagens <strong>da</strong> America do Norte,Ferguson, na pagina 237 desse mesmo texto, diz: "Assim,sem nenhurna fonna fixa de governo, sem nenhurn vinculoexplicito de umao e por urn efeito no qual 0 instinto pareceter urn papel maior do que a razao, [as familias desses selvagens<strong>da</strong> America do Norte] se conduze~ com to<strong>da</strong> a inteligencia,0 concerto, 0 vigor de urna na,ao. Os estrangelros,sem conseguir descobrir direito quem e 0 magistrado, [...]encontram sernpre e em qualquer circunstancia urn conse­!ho com que negociar [...]. Sem policia, sem lei coercitiva, suasocie<strong>da</strong>de domestica funciona ordeiramente."20 Logo, vinculoespontiineo e equihorio espontaneo.No entanto, justarnente na medi<strong>da</strong> em que M, no interiordesse vinculo espontiineo, urn vinculo igualmente espontaneo,mas dissociativo, 0 desequihorio vai ser introduzidoau vai se introduzir espontaneamente, criar-se espontaneamente,pelo proprio fato <strong>da</strong> mecamca economica. Fergusonlogo invocara 0 egoismo puro e simples. "0 primeiro, porexemplo", diz ele, "que se pas sob 0 mando de urn chefenao desconfiava que <strong>da</strong>va 0 exemplo de uma subordina,aopennanente, que <strong>da</strong> ao homem arrogante urn pretexto deexigir dele urn servi,o e [ao]* homem avido urn pretextopara se apoderar <strong>da</strong>s suas posses."21 Logo, temos at um~mecarUsmode dissocia,ao devido simplesmente ao egOlsmodo poder. No entanto, mais freqiiente e constantemente,Ferguson faz agir como principio de dissocia,ao dos equilibriosespontaneos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil 0 interesse economicopropriamente dito e a propria maneira como 0 egoismo economicovai tamar forma. E e assim - aqui, remeto voces aesses textos, que sao celebres e famosos - [que] Fergusonexplica como as socie<strong>da</strong>des civis passaram regulannentepor tres fases: a fase <strong>da</strong> selvageria, a fase <strong>da</strong> barbane e a fase<strong>da</strong> civi1iza,ao". 0 que caracteriza a selvageria? Pois bern, precisamentee antes de mais na<strong>da</strong>, certa fonna de rea1iza,ao,"" M.P. (modificando urn pOlleo a eita\,ao): para


416 NASCIMENTO DA BIOPOLfr1CA AULA DE 4 DE ABRIL DE 1979 417de efetivac;ao dos interesses ou dos egoismos economicos.0 que 10 a socie<strong>da</strong>de selvagem? Ea socie<strong>da</strong>de de cac;a,10 a socie<strong>da</strong>de de pesca, 10 a socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produc;ao natural,sem agricultura, sem criac;ao de animais propriamente dita.Eportanto urna socie<strong>da</strong>de sem proprie<strong>da</strong>de, e nela encontramosalguns elementos, algum inicio de subordina


418 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCAem sua natureza, se nao em sua forma, do jogo economico,e issa que vai caracterizar a socie<strong>da</strong>de civil. Segundo,a socie<strong>da</strong>de civile a articula


420 NASCIMENTO DA BIOPOUTlCA10 0 que vai caracterizar certas fonnas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil, asque conhecemos". Voces tern, claro, Heger e, nao you falarsobre isso, 0 Estado como consciencia de si e realiza,ao etica<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil~o.Born, nao tenho tempo de insistir sobre ludo isso. Digarnos,se quiserem, que na Alemanha, por to<strong>da</strong> uma seriede razoes que voces podem facilmente imaginar, 10 nessestennos de oposi,ao e de rela,ao [entre] socie<strong>da</strong>de civil e Estadoque a analise <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil sera feita. Nunca se interrogaraa socie<strong>da</strong>de civil senao em fun,ao <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>deque ela tenha de suportar urn Estado, ou s6 se interrogarana mecli<strong>da</strong> em que 0 Estado for, em rela,ao a essa socie<strong>da</strong>decivil, seja 0 elemento contradit6no, seja, ao ccntrario, 0 elementorevelador e como que a ver<strong>da</strong>de enfim realiza<strong>da</strong>. NaInglaterra, a analise <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil sera feita, tambempor raz6es que voces irnaginarao facilmente, naD em termosde Estado, ja que 0 Estado nunca foi urn problema paraa Inglaterra, mas em tennos de governo. Ou seja, 0 problemasera saber: se 10 ver<strong>da</strong>de que a socie<strong>da</strong>de civile inteiramente<strong>da</strong><strong>da</strong>, se 10 ver<strong>da</strong>de que ela mesma assegura sua pr6priasintese, se 10 ver<strong>da</strong>de que ha uma especie de governamentali<strong>da</strong>deinterna asocie<strong>da</strong>de civil, que necessi<strong>da</strong>de M de urngoverno suplementar? Sera que 10 mesmo necessario urn governopara a socie<strong>da</strong>de civil? Ii essa questao que Paine colocarano fim do seculo XVIII e que vai atonnentar, apesarde ludo, a politica inglesa ate pelo menos 0 seculo XX: afinalde contas, sera que a socie<strong>da</strong>de nao poderia existir semgoverno, em todo caso sem outro governo fora 0 que ela criaespontaneamente, e sem que sejam necessarias institui~6esque, de certo modo, se encarreguem <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil e lheimponham limita,oes que ela nao aceita? Questao de Paine:"Nao se deve confunclir socie<strong>da</strong>de e governo", cliz ele."A socie<strong>da</strong>de 10 produzi<strong>da</strong> pelas nossas necessi<strong>da</strong>des, mas 0governo 10 produzido por nossas fraquezas. [...] A socie<strong>da</strong>deincentiva a rela,ao, 0 governo cria diferen,as. A socie<strong>da</strong>de 10AUlA DE 4 DE ABRIL DE 1979 421urn patrono [no sentido ingles do tenno, urn protetor; M.P.],o governo 10 urn punidor. Em to<strong>da</strong>s as circunstancias, a socie<strong>da</strong>~e10 uma ben,ao. 0 governo; na melhor <strong>da</strong>s hip6teses,nao passa de urn mal necessano, na pior e intoleravel.",'lNa Fran~a, 0 problema nunca se colocar~nos termos~;,gleses nem nos t:m:'0s alemaes* .. Nao 10 tanto 0 problemagoverno em rela,ao a socle<strong>da</strong>de clvil" ou 0 problema "Estado:ID rela~ao asocie<strong>da</strong>de civil" que vai se colocar. Vai ser,tam!'em nesse caso por motivos politicos e hist6ricos quevoces conhecem bern, uma outra maneira de colocar 0 problema.;raJ ser 0 problema do t


422 NASCIMENTO DA BlOPOLfTICAAULA DE 4 DE ABRIL DE 1979 423rem, 0 problema geral. Parece-me que 0 que vemos surgir apartir do seculo XVI, que vemos alias surgir ja na I<strong>da</strong>de Media,e a [seguinte] questao: 0 exercicio do poder, essa praticaafina! de contas bastante singular a que os homens naopodern escapar, ou a que 56 escapam em certos momentos,instantes, processos singulares e atas individuais ou coletivos,que colecam ao jurista, ao historiador, to<strong>da</strong> urna seriede problemas, como pode ser regulado e medido esse exerciciodo poder em quem govema? Pois bern, digamos de maneiramuito gera!, muito global, que por muito tempo a ideiade regular, de medir e, por conseguinte, de limitar 0 exercicioindefinido do poder foi busca<strong>da</strong> numa sabedoria de quemgovemasse. Sabedoria, era a velha resposta. Sabedoria querdizer governar de acordo com a ordem <strong>da</strong>s coisas. Quer dizergovemar segundo 0 conhecimento <strong>da</strong>s leis humanas edivinas. Isso quer dizer de acordo com 0 que Deus prescreveu.Quer dizer govemar de acordo com 0 que a ordem geraj<strong>da</strong>s coisas divinas e humanas pode nos prescrever. Emoutras palavras, quando se procurava entao identilicar aquiloem que 0 soberano devia ser sabio, quando se procurava saberem que devia consistir a sabedoria do soberano, no fundoprocurava-se regular 0 govemo pela ver<strong>da</strong>de.Ver<strong>da</strong>de dotexto religioso, ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> reve1a,ao, ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ordem domundo, era isso que devia ser 0 principio de regulamenta­,ao, de regulagem, melhor dizendo, do exercicio do poder.A partir dos seculos XVI-XVII - foi 0 que procurei Ihesmostrar ano passado -, a regulagem do exercicio do podernao me parece ser feita segundo a sabedoria, mas segundoo ca!culo, isto e, ca!culo <strong>da</strong>s for,as, ca!culo <strong>da</strong>s rela,6es, calculo<strong>da</strong>s riquezas, ca!culo dos fatores de poder. Ou seja, naose procura mais regular 0 govemo pela ver<strong>da</strong>de, procura-seregula-Io pela racionali<strong>da</strong>de. Regular 0 govemo pela racionali<strong>da</strong>dee, parece-me, 0 que se poderia chamar de formasmodemas <strong>da</strong> tecnologia govemamental. Ora, essa regulagempela racionali<strong>da</strong>de adquiriu sucessivamente duas formas,e aqui tambem esquematizo bastante. Pode se tratar, nessaracionali<strong>da</strong>de segundo a qual se regula 0 poder, <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>dedo Estado entendido como individuali<strong>da</strong>de soberana.A racionali<strong>da</strong>de govemamental, nesse momento - estamosna epoca <strong>da</strong> razao de Estado -, e a racionali<strong>da</strong>de dorroprio sober~no, a racionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quele que pode dizereu, 0 Estado . 0 que eVldentemente levantava uma serie~e pro~~en;~s. Primeiro, 0 qu~ e e~se "eu", ou ain<strong>da</strong>, 0 quee ,;sse eu que refere a raclOnah<strong>da</strong>de do govemo a suapropna raclOnali<strong>da</strong>de de soberano, maximizando seu prop_nopod,;r? E temos a questao juridica do contrato. Questaotambem de fato: como se pode exercer essa racionali<strong>da</strong>dedo soberano que pretende dizer "eu", quando se trata deproblemas como 0;' do mercado ou, de maneira geral. comoas processos econOffilCOS, em que a racionali<strong>da</strong>de nao 56 sedispensa facilmente de uma forma unitana, mas exclui totalmentetanto a forma unitana quanta 0 olhar sobranceiro?Donde, novo problema, passagem a uma nova forma deracionali<strong>da</strong>de como indexador de regulagem do governo.Trata-se,agora de regular 0 govemo nao pela racionali<strong>da</strong>dedo mdlVlduo soberano que pode dizer "eu, 0 Estado", [mas]pela racionali<strong>da</strong>dedos que Sa? govemados, dos que sao govemados.C?ffiO su~eltos econOffilCOS e, de modo mais geral,como sUJeltos de mteresse, interesse no sentido mais geraldo termo, [pela] racionali<strong>da</strong>de desses individuos na medi<strong>da</strong>em que, para satisfazer a es~es interesses no sentido geraldo termo, eles utilizam certo numero de meios e os utilizamcomo querem:,eessa racionali<strong>da</strong>de dos govemados que deveserVlr de pnnClplO de regulagem para a racionali<strong>da</strong>de do governo.EISS0, parece-me, que caracteriza a racionali<strong>da</strong>de liberal:como regular 0 govemo, a arte de govemar como [fun<strong>da</strong>r]*0 principio de racionaliza,ao <strong>da</strong> arte de govemar nocomportamento racional dos que sao govemados.E:ss~, parece-me, 0 ponto de clivagem, eessa a transforma,aounportante que procurei situar, 0 que nao quer dizer,longe disso, que a racionali<strong>da</strong>de do Estado-individuo ou,. M.F.: encontrar


424 NASCIMENTO VA BIOPOLITICAdo individuo soberano que pode dizer "eu, 0 Estado" estejaabandona<strong>da</strong>. Pode-se ate dizer, de maneira global, geral, queto<strong>da</strong>s as politicas nacionalistas, as politicas estatais, etc. VaGser politicas cujo principio de racionali<strong>da</strong>de sera indexado aracionali<strong>da</strong>de ou, digamos, em outras palavras, ao interessee aestrategia dos interesses do individuo soberano, ou doEstado, na medi<strong>da</strong> em que constitui uma individuali<strong>da</strong>desoberana. Do mesmo modo, poder-se-a dizer que 0 governoregulado pela ver<strong>da</strong>de nao I' tampouco urna coisa quedesapareceu. E, afinal de contas, 0 que I' uma coisa como 0marxismo, senao a busca de urn tipo de governamentali<strong>da</strong>deque sera indexado, claro, a uma racionali<strong>da</strong>de, mas urnaracionali<strong>da</strong>de que nao se apresentara tanto como a racionali<strong>da</strong>dedos interesses individuais quanta como a racionali<strong>da</strong>dede uma rustoria que se manifesta pouco a pouco comover<strong>da</strong>de? E I' russo que voces veem no mundo moderno, 0mundo que nos conhecemos desde 0 seculo XIX, to<strong>da</strong> umaserie de racionali<strong>da</strong>des governamentais que se acavalam, seapoiam, se contestam, se combatem reciprocamente. Artede governar pauta<strong>da</strong> pela ver<strong>da</strong>de, arte de governar pauta<strong>da</strong>pela racionali<strong>da</strong>de do Estado soberano, arte de governar pauta<strong>da</strong>pela racionali<strong>da</strong>de dos agentes econorrucos, de maneiramais geral, arte de governar pauta<strong>da</strong> pela racionali<strong>da</strong>de dosproprios governados. Sao to<strong>da</strong>s essas diferentes artes de governar,essas diferentes maneiras de calcular, de racionalizar,de regular a arte de governar que, acavalando-se reciprocamente,VaG ser, grosso modo, objeto do debate politicodesde 0 seculo XIX. 0 que I' a politica, finalmente, senao aomesmo tempo 0 jogo dessas diferentes artes de governarcom seus diferentes indexadores e 0 debate que essas diferentesartes de governar suscitam? Eai, parece-me, que nascea politica. Born, I' isso. Obrigado*... (Segue-se urn ceria al'UOrOfO.) M. Foucault responde brevemente auma serle de perguntas pontuais e pergunta a uma pessoa, nwn <strong>da</strong>do momento,se essa pessoa tern "<strong>da</strong>tilografias dos cursos que [ele deu] no anopassado e nos anoo precedentes", "porque eu nao tenho na<strong>da</strong>", diz ele.NOTAS1. John Locke, The Second Treatise ofGovernment (1690), cap.7, "Of political or civil society" / Ie Second Trait'; du gouvemement,trad. fro J-F. Spitz, Paris, PUF, "Epimi'thee", 1994, p. 56. (Cf. tambernsupra, p. 138, nota 48.)2. Q. supra, aula de 28 de mar,o de 1979, p. 394, nota 29. Comoprecisa C. Gautier, trad. cit. [ibid. J, p. 99, 0 Essay e na ver<strong>da</strong>de urna versaoconsideravehnente aumenta<strong>da</strong> de urn texto escrito em 1755-56,mas rno publicado, que tern por titulo Treatise on Refinement.3. a. sabre esse ponto P. Rosanvallon, Le Capitalisme utopique,Paris, Le Seuil, "Sociologie politique", 1979, pp. 68-9 (reed.com 0 titulo de Le Liberalisme economique. Histoire de l'idee de marchefParis, Le Seuil, "Points Essais", 1989). Foucault sali<strong>da</strong> esse "li­VIO importante", publicado na primavera de 1979, no "Resumo docurso" (d. infra, p. 435), e talvez tivesse conhecimento do seu conteudoquando <strong>da</strong>va seu curso.4. A. Ferguson, Essai sur l'histoire de la societe civile, trad. Desaint(cita<strong>da</strong> supra, p. 394, nota 29), t. I, I, 1, p. 9: "E necessario considerara especie humana pOI gropos, tal como sempre existiu"; ct.trad. Gautier, p. 109.5. Ibid., trad. Desaint, t. I, 1,1, p. 20; trad. Gautier, p. 111: "No[homemJ a socie<strong>da</strong>de se revela tao antiga quanta 0 individuo, e 0uso <strong>da</strong> lingua tao universal quanta 0 cia mao ou do pe."6. Ibid., trad. Desaint, t. I, I, 1, pp. 9-10: "A historia do individuonao e na<strong>da</strong> mais que 0 detalhe dos seus pensamentos e dos


426 NASCIMENTO VA BIOPOLITICA AUlA DE 4 DE ABRIL DE 1979 427seus sentimentos relativamente asua especie: ta<strong>da</strong>s as experienciasdesse genera tern de ser feitas em socie<strong>da</strong>des inteiras e nao emhomens tornados separa<strong>da</strong>mente. Suponharnos entretanto que sefizesse esse teste numa colonia de crian\as transplanta<strong>da</strong>s paralange do berc;o, que fossern deixa<strong>da</strong>s avontade para formar umasocie<strong>da</strong>de a parte, sem instrUl;6es, sem guia. Cabe erer que elasnaG nos proporcionariam mais que a repetic;ao <strong>da</strong>s mesmas coisasque ja se passaram em tantas partes diferentes cia terra. Veriamosos membros dessa pequena socie<strong>da</strong>de comer e <strong>da</strong>rmir, an<strong>da</strong>r emgrupo e brincar juntos, inventar uma linguagem a seu modo, brigar,dividir-se, querer ser uns para os outros os objetos mais importantes<strong>da</strong> cena e, no calor <strong>da</strong>s suas amizades e <strong>da</strong>s suas rivaliclades,fechar os allios para seu perigo pessoal e esquecer 0 cui<strong>da</strong>docom a sua pr6pria conserval,;aO"; d. trad. Gautier, p. 110.7. Ibid., trad. Desainl, t. I, I, 1, p. 20: "Se portanlo nos perguntaremonde se encontra 0 estado de natureza, responderemos: eaqui, quer estejamos na Franl,;a, no cabo <strong>da</strong> Boa Esperanl,;a ou noestreito de Magalhaes. Onde quer que esse ser ativo esteja exercendoseus talentos e agindo sobre os objetos que 0 rodeiam, to<strong>da</strong>sas situal,;oes sao igualmente naturais"; cf. trad. Gautier, p. 113.8. Ibid., trad. Desainl, t. I, I, 1, p. 21; trad. Gautier, p. 113.9. Ibid., trad. Desaint, lac. cit.: "Urn palacio esta longe <strong>da</strong> natureza,mas uma cabana nao esta menos."10. Ibid., trad. Desainl, t. I, I, 9, pp. 157-8: "Se 0 bern publicodeve ser 0 principal objeto dos individuos, e igualmente ver<strong>da</strong>deque a felici<strong>da</strong>de dos individuos e0 grande objeto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civiI.Pois como conceber urn publico feliz, se seus membros consideradossepara<strong>da</strong>mente nao 0 sao?"; trad. Gautier, p. 158: "[...]como conceber que urn povo possa ter acesso a urn bern, se seusmembros, considerados separa<strong>da</strong>mente, sao infelizes?"11. Ibid., trad. Desainl, t. I, I, 9, p. 157: "[0 homem] deve", sacrificarsua felici<strong>da</strong>de, sua liber<strong>da</strong>de, se elas forem incompativeiscom 0 bern <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de; ele etao-s6 uma pOrl,;aO de urn todo e,nessa quali<strong>da</strong>de, todo elogio que sua virtude merece se reduz aoelogio mais geral que se faz de urn membro de urn corpo qualquer,de urna parte de urn edificio, de uma pel,;a de uma maquina, quandose diz que sao bern feitos para 0 lugar que ocupam e produzemo efeilo que devem produzir"; cf. trad. Gautier, p. 158.12. Ibid., trad. Desainl, t. I, I, 9, p. 157 (cf. supra, nola 10).13. Cf. I, 3, "Dos principios de uniao entre oS homens", e I, 4,"Dos principios de guerra e de dissenso".14. Ibid., trad. Desainl, t. I, I, 2, p. 28: "[0 homem] lem umaparte de disposir;oes que tern por objetivo sua conservar;ao animale a propagal,;ao <strong>da</strong> sua ral,;a, e outras disposil,;oes que tendem aleva-Io asocie<strong>da</strong>de e, fazendo-o abral,;ar a causa de uma tribo oude uma comuni<strong>da</strong>de, tomam-no muitas vezes inimigo ou rival doresto dos homens"; d. trad. Gautier, p. 116.15. Ibid., trad. Desainl, t. I, I, 3, p. 50: "E lao pouco ver<strong>da</strong>deiroque os homens s6 se apegam asocie<strong>da</strong>de pelo motivo <strong>da</strong>s vantagensexteriores desta que geralmente e onde eles encontrammenos dessas vantagens que eles the sao mais dedicados, e seuapego nunca e mais firme do que quando e paga com tributos desangue"; d. trad. Gautier, p. 123.16. Ibid., trad. Desainl, t. I, I, 3, p. 51 (a ultima frase lerminapor lie usa-o com estes como age com a sua terra e 0 seu gado,conforme 0 ganho que dele lira"); cf. trad. Gautier, p. 123.17. Ibid., trad. Desainl, t. I, I, la, pp. 172-3: "Anleriormenle ato<strong>da</strong> instituir;ao politica, os homens sao dotados de uma varie<strong>da</strong>deinfinita de talentos, de quali<strong>da</strong>des, de temperas d'alrna diversas,de diversos graus de calor em suas paixoes, para poder desempenharuma infini<strong>da</strong>de de papeis diversos. Ponha-os juntos,ca<strong>da</strong> urn encontrara seu lugar; eles aprovam ou criticam em corpo,examinam, consultam, deliberam em porr;oes mais seletas; comoindividuos, assumem ou deixam assumir a supremacia [...]"; cf. trad.Gautier, p. 163.18. Ibid., trad. Desainl, I. I, I, la, p. 174; trad. Gautier, p. 163.19. Ibid., trad. Desainl, p. 172; trad. Gautier, pp. 162-3.20. Ibid., trad. Desainl, t. I, II, 3, pp. 237-8: "Assim, sem nenhumaforma fixa de govemo, sem nenhum vinculo de uniao e porurn efeito para 0 qual 0 instinto parece influir mais que a razao,elas se portaram com to<strong>da</strong> a boa inteligencia, 0 concerto e 0 vigorde nal,;oes. as estrangeiros, sem conseguir descobrir qual e 0 magistradoou em que base 0 senado e formado, encontram em todosos tempos urn conselho com 0 qual negociar e guerreiros pIOntospara combater. Sem policia, sem leis coativas, sua socie<strong>da</strong>dedomestica funciona ordeiramente; costumes isentos de disposir;oesviciosas sao uma salvaguar<strong>da</strong> mais segura contra os crimesdo que os melhores estabelecimentos publicos"; d. trad. Gautier,pp.186-7.


428 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA AULA DE 4 DE ABRIL DE 1979 42921. Ibid., trad. Desaint, t. If ill, 2, p. 336: "0 primeiro a se porsob 0 mando de urn chefe nao desconfiava que clava 0 exemplo deuma subordinac;ao permanente, que seria urn pretexto para 0 homemarrogante exigir dele servic;o e para 0 homem avido apoderar-se<strong>da</strong>s suas posses"; d. trad. Gautier, p. 221.22. Cf. as partes II e III. Sobre essas quatro etapas do desenvolvimentosociat M. Foucault havia lido, nota<strong>da</strong>mente, 0 livro deR. L. Meek, Economics and Ideology, and other essays, Londres, Chapman& Hall, 1967, pp. 34-40.23. Essai..., trad. Desaint, l. I, II, 2, p. 224: "Entre as na


430 NASCIMENTO DA BIOPOLITICAStanford University Press, 1950, p. 44), que ele havia lido ao prepararesse curso, e P. Rosanvallon, Le Capitalisme utopique, op. cit.,p.l~4: Embora.Thomas Paine (1737-1809) seja de fato de origemb~taruca, convern precisar no entanto que Common Sense foi pubhca~ocatorz~ meses ?epois <strong>da</strong> ~ua instalar.;ao na America e quee::se lIvro, escnto a pediclo de BenJamin Franklin, traduz as aspirar.;oesdo povo americana, no inicio <strong>da</strong> guerra de Independencia.32. Cf. "II faut defendre la societe", op. cit., aula de 10 de mar,ode 1976, pp. 193-212.RESUMO DO CURSO'o curso deste ano acabou sendo inteiramente consagradoao que devia formar apenas a sua introdUl;ao. 0 temaescolhido era portanto a "biopolitica": eu entendia por issoa maneira como se procurou, desde 0 seculo XVIII, racionalizaros problemas postos apratica govemamental pelos fenomenosproprios de um conjunto de viventes constituidosem popula,ao: saude, higiene, natali<strong>da</strong>de, longevi<strong>da</strong>de, ra­,as... Sabe-se 0 lugar crescente que esses problemas ocuparamdesde 0 seculo XIX e que desafios politicos e economicoseles vem constituindo ate hoje.Pareceu-me que nao se podia dissociar esses problemasdo ambito de racionali<strong>da</strong>de politica no interior do qual elesapareceram e adquiriram sua acui<strong>da</strong>de. A saber, 0 "liberalismo",ja que foi em rela,ao a ele que adquiriram 0 aspecto deurn ver<strong>da</strong>deiro desafio. Num sistema preocupado com 0 respeitodos sujeitos de direito e com a liber<strong>da</strong>de dos individuos,,. Publicado in Annuaire du College de France, 79" annee, Histoire dessystemes de pensee, anmEe 1978-1979, 1979, pp. 367-72. Republicado emDits et Ecrits, 1954-1968, editado por D. Defert e F. Ewald, com a colabora~aode J: Lagrange, Paris, Gallimard, "Bibliotheque des sciences humaines",1994,4 vols.; d. t. III, n? 274, pp. 818-25.


432 NASCIMENTO DA BIOPOLiTICA RESUMO 00 CURSO 433como e que 0 fenomeno Npopulac;ao" com seus efeitos eseus problemas especificos pode ser levado em conta? Emnome do que e segundo que regras pode ele ser administrado?0 debate que ocorreu na Inglaterra no meado do seculoXIX acerca <strong>da</strong> legisla~ao sobre a saude publica podeseIVir de exemplo.*o que se deve entender por "liberalismo"? Apoiei-menas reflex6es de Paul Veyne a proposito dos universais historicose <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de testar urn metodo nominalistaem historia. E, retomando urn certo numero de op~6es demeto<strong>da</strong> ja feitas, procurei analisar 0 "liberalismo", nao comouma teoria nero como uma ideologia, menos ain<strong>da</strong>, claro,como uma maneira de a Nsocie<strong>da</strong>de" lise representar...";mas como uma pratica, isto e, como uma "maneira de fazer"orienta<strong>da</strong> para objetivos e regulando-se por uma reflexaocontinua. 0 liberalismo deve ser analisado entao comoprincipio e metodo de racionaliza~ao do exercicio do governo- racionalizac;ao que obedece, e e essa a sua especifici<strong>da</strong>de,aregra intema <strong>da</strong> economia m


434 NASCIMENTO DA BIOPOLmCA RESUMO DO CURSO 435Estado. Eela - ao mesmo tempo a titulo de condi


436 NASCIMENTO DA BIOPOUTlCA RESUMO DO CURSO 437contratual que Ihe deu origem. Mas, na busca de uma tecnologialiberal de governo, veio a luz que a regulac;ao pelaforma jurictica constituia urn instrumento muito mais eficazdo que a sabedoria ou a moderac;ao dos governantes. (Osfisiocratas, de seu lado, por desconfiarem do direito e <strong>da</strong> instituic;aojuridica, tenctiam antes a buscar essa regulac;ao noreconhecimento, por urn despota de poder institucionalmenteilimitado, <strong>da</strong>s leis "naturais" <strong>da</strong> economia que se irnpunhama ele como uma ver<strong>da</strong>de evidente.) Foi na "lei" queo liberalismo buscou essa regulac;ao, nao por urn jurictismoque Ihe seria natural, mas porque a lei define formas geraisde intervenc;oes que excluem mecti<strong>da</strong>s particulares, individuais,excepcionais, e porque a participac;ao dos governadosna elaborac;ao <strong>da</strong> lei, num sistema parlamentar, constitui 0sistema mais eficaz de economia governamental. 0 "Estadode direito", 0 Rechtsstaat, 0 Rule oflaw, a organizac;ao deurn sistema parlamentar "realmente representativo" estiveram,durante todo 0 inicio do seculo XIX, estreitamente ligadosao liberalismo, mas assim como a economia pollticautiliza<strong>da</strong> de inicio como criterio <strong>da</strong> governamentali<strong>da</strong>de excessivaDaD era liberal, nem por natureza nem por virtude,e ate induziu rapi<strong>da</strong>mente atitudes antiliberais (seja na Nationaliikonomiedo seculo XIX ou nas economias planificadorasdo seculo XX), assirn tambem a democracia e 0 Estado dedireito nao foram necessariamente liberais, nem 0 liberalismofoi necessariamente democratico ou apegado as formasdo direito.Portanto, em vez de uma doutrina mais ou menos coerente,em vez de uma potitica que persegue urn certo numerade objetivos mais ou menDS definidos, eu estaria tentadoa ver no liberalismo uma forma de reflexao critica sobrea pratica governamental; essa critica pode vir de dentroou de fora; pode se basear em determina<strong>da</strong> teoria econornicaou se referir a determinado sistema juridico sem vinculonecessario e univoco. A questao do liberalismo, entencti<strong>da</strong>como questao do "governar demais", foi uma <strong>da</strong>s dimensoesconstantes deste fenomeno recente na Europa e que,aparentemente, surgiu primeiro na Inglaterra: a "vi<strong>da</strong> potitica".Ela e inclusive urn dos seus elementos constitutivos,se e que a vi<strong>da</strong> potitica existe quando a pratica governamentale lirnita<strong>da</strong> em seu excesso possivel pelo fato de ser objetodo debate publico quanta ao seu "bern ou mal", quanta aoseu IIdernais ou pouca demais".•Oaro, nao se trata aqui de urna "interpretac;ao" do liberalismoque se pretendesse exaustiva, mas de urn plano deanalise possivel- 0 <strong>da</strong> "razao governamental", isto e, dos tiposde racionah<strong>da</strong>de que sao postos em ac;ao nos procectimentospelos quais a conduta dos homens e conduzi<strong>da</strong> por meio deuma administrac;ao estatal. Procurei efetuar essa analise tomandodois exemplos contemporaneos: 0 liberalismo alemaodos anos 1948-1962 e 0 liberahsmo americana <strong>da</strong> Escolade Chicago. Em ambos os casos, 0 liberahsmo se apresentou,nurn contexte bern definido, como urna critica <strong>da</strong> irracionah<strong>da</strong>depropria do excesso de governo e como urn retorno auma tecnologia de governo frugal, como diria Franklin.Esse excesso foi, na Alemanha, 0 regime de guerra, 0nazismo, mas, para alem disso, urn tipo de economia dirigistae planifica<strong>da</strong> oriun<strong>da</strong> do periodo de 1914-1918 e <strong>da</strong>mobilizac;ao geral dos recursos e dos homens; foi tambem 0"sociahsmo de Estado". Na ver<strong>da</strong>de, 0 liberalismo alemaodo segundo pos-guerra foi definido, programado e ate, emparte, aplicado por homens que, a partir dos anos 1928­1930, haviam pertencido a Escola de Friburgo (ou que, pelomenos, tinham sido inspirados por ela) e tinham se exprimidomais tarde na revista Ordo. No ponto de cruzamento<strong>da</strong> filosofia neokantiana, <strong>da</strong> fenomenologia de Husserl e <strong>da</strong>sociologia de Max Weber, proximas em certos pontos doseconomistas vienenses, preocupados com a correla~ao quese manifesta na hist6ria entre processos economicos e estruturasjuridicas, homens como Eucken, W. Ropke, FranzBohm e Von Riistow haviam desenvolvido suas criticas em


438 NASCIMENTO DA BIOPOLlTlCA RESUMO DO CURSO 439tres frentes politicas diferentes: socialismo sovietico, nacional-socialismo,politicas intervencionistas inspira<strong>da</strong>s porKeynes; mas eles se voltavam contra 0 que consideravam umadversano unieo: urn tipo de govemo economico que ignoravasistematicamente as mecanismos de mercado, unicoscapazes de assegurar a regula


SITUAt.


442 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA SlTllAylO DO CURSO 443tema, sob a fanna <strong>da</strong> economia z . De fata, a economia polflicatraz em si a exigencia de uma autolimita,ao <strong>da</strong> razaogovemamental, basea<strong>da</strong> no conhecimento do curso natural<strong>da</strong>s coisas. Ela assinala portanto a irrup,ao de uma nova racionali<strong>da</strong>dena arte de governar: govemar menos, para tereficiencia maxima, em fun,ao <strong>da</strong> naturali<strong>da</strong>de dos fenomenoscom que se tem de li<strong>da</strong>r. Eessa govemamentali<strong>da</strong>de, liga<strong>da</strong>em seu esfor,o de autolimita,ao permanente aquestao<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, que Foucault chama de "liberalismo". a objeto docurso e, portanto, 0 de mostrar em que 0 liberalismo e condi,aode inteligibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> biopolilica:Com a emergencia cia economia politica, com a introdu­~ao do principia limitativo na pr6pria pratica govemarnentatrealiza-se uma substituic;ao importante, OU melher, uma duplicac;ao,pais os sujeitos de direito sabre os quais se exerce asoberania politica aparecem como uma popula~iioque urngovemo cleve administrar.Eai que a linha de organizac;ao de uma "biopolitica" encontraseu ponto de parti<strong>da</strong>. Mas quem nao ve que isso eapenasuma parte de alga bern mais amplo, que [e] essa nova razaogovemamental?Estu<strong>da</strong>r 0 liberalismo como quadro geral <strong>da</strong> biopolitica.·1a projeto anunciado e 0 seguinte: estu<strong>da</strong>r primeiro 0 liberalismoem sua formula,ao original e em suas versoes contemporaneas,a alerna e a americana, depois chegar ao problema<strong>da</strong> polflica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>'. Somente a primeira parte desseprograma sera realiza<strong>da</strong>, pois Foucault foi levado a desen-volver sua amilise do liberalismo alemao mais demora<strong>da</strong>mentedo que previa'. Esse interesse pela economia social demercado nao se deve apenas ao carater paradigmalico <strong>da</strong> experienciaalerna. Ele se explica tarnbem por raz6es de "rnorali<strong>da</strong>decntica" ante 1/essa especie de laxismo", que constitui,a seu ver, certa 1/critica inflacionista do Estado" pranta adenunciar 0 fascismo no funcionamento dos Estados democniticosocidentais 6 .A /Iquestao alemaN ve-se, assim, sirua<strong>da</strong>no ceme <strong>da</strong>s questoes metodol6gicas, hist6ricas e polilicasque formam a trama do curso.As aulas 2 e 3 (17 e 24 de janeiro de 1979) sao consagra<strong>da</strong>sao estudo <strong>da</strong>s caracterislicas especificas <strong>da</strong> arte liberalde govemar, tal como se esbo,a no seculo XVIII. Nelas,Foucault explicita, em primeiro lugar, 0 vinculo entre ver<strong>da</strong>dee govemamentali<strong>da</strong>de liberal, atraves <strong>da</strong> analise do mercadocomo lugar de veridi,ao, e precisa as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de limita,aointema que <strong>da</strong>i decorrem. Ele faz aparecer, dessemodo, as duas vias de limita,ao do poder publico, correspondentesa duas concep,oes heterogeneas <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de: a viaaxiomalica revolucionana, que parte dos direitos humanospara fun<strong>da</strong>r 0 poder soberano; e a via radical ulilitarista, queparte <strong>da</strong> pralica govemamental para definir, em termos deulili<strong>da</strong>de, 0 limite de competencia do govemo e a esfera de independenciados individuos.Vias distintas, mas nao excludentesuma <strong>da</strong> outra. Ea luz <strong>da</strong> sua intera,ao estrategica queconvem estu<strong>da</strong>r a hist6ria do liberalismo europeu desde 0seculo XIX. Eela tambem que ilumina, ou poe em perspec-2. No manuscrito sobre 0 "govemo", que serviu de introdm;ao aoseminario de 1979, Foucault descreve essa passagem como"0 grandedeslocamento cia veridic;ao juridica para a veridi~ao epistemica".3. Manuscrito <strong>da</strong> primeira aula. Cf. supra, aula de 10 de janeiro de1979, p. 28, nota '.4. Cf. ibid., pp. 28 55.0 projeto esboc;ado aqui e precisado (e, porisso, retrospectivamente aclarado) mais adiante: d. supra, aula de 31 dejaneiro de 1979, pp. 10755.5. Cf. supra, inicio <strong>da</strong> aula de 7 de mar


444 NASCIMENTO DA BIOPOLITICA SI111A


446 NASCIMENTO DA BIOPOLITlCAo sistema liberal necessita 12 • Assim, a socie<strong>da</strong>de representaao mesmo tempo 0 "conjunto <strong>da</strong>s condi


fNDlCE DAS NO


450NASCIMENTO DA BIOPOLiTlCAThIDICE DAS NO


452NASCIMENTO DA BIOPomlCAINDICE DAS NO


454NASCIMENTO DA BIOPOWlCAfNDICE DAS NOC;OES455(- coletivo e - indefinido):74-5(- do Estado, objeto <strong>da</strong>economia politica): 19(- pela politica de laissezfaire):140(- <strong>da</strong> Europa): 74-5(mecanismo de - mutuapela liber<strong>da</strong>de domercado, mundializa


456NASCIMENTO DA BIOPOLiTICAfNDICE DAS NOC;OES457(- e direito publico): 52-3; v.limita~ao(- e direitos do homem): 54(- e liber<strong>da</strong>defun<strong>da</strong>mental): 16; v.agen<strong>da</strong> e non agen<strong>da</strong>;Bentham(- e pura raziio de Estado):51-2(coisas em si <strong>da</strong> -): 62(pniticas <strong>da</strong> - e problemado Estado): 106; v. crisesgovemo(- economico): 19(- frugal: sistema <strong>da</strong> raziio doEstado minimo, sec. XVlII):40-1, 65 n. 1, 370, 437(- interventor): 186(- segundo a raziio deEstado): 9; v. arte degovemar(fronteiras <strong>da</strong> cornpetenciado -): 54(- dos homens): 3, 17(-liberal): 91, 189(criterio <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de do -):63-4; v. utili<strong>da</strong>deheterogenei<strong>da</strong>de: 57-8(- entre doutrina do contratoe doutrina do sujeito dedireito): 376; v. contrato,teoria juridica dohist6ria(- cia economia, porcruzamento cia analisehist6rica dos sistemas e<strong>da</strong> analise formal dosprocessos econ6m.icos):164(- do exilio politico): 104(- <strong>da</strong> governamentali<strong>da</strong>deoddental): 47(- do poder publico noOddente): 60(- <strong>da</strong> veridi~iio, dos regimesde veridi~iio): 49-50(- cia ver<strong>da</strong>de liga<strong>da</strong> a umahistoria do direito): 48(- do individuo): 425 n. 6; v.Ferguson(- do capitalismo): 226-9(- do direito): 48(- do direito maritimo, sec.XVIII): 77(- do direito deproprie<strong>da</strong>de): 60(- do governo): 5(- do liberalismo europeu):60,106(- do mercado jurisdicional,depois veridicional): 47(- do monopolio): 210 n. 22historicismo: 5; v. universaishomo oeconomicus: 345-6, 366,369-70, 399-401 .homogeneiza~ao doheterogeneo (convergenciados interesses): 378Imperio: 81; v. Estadosimposto negativo: 278-85, 294n.48independencia dosgovernados: 57individualiza~iio(- de e pela politica so<strong>da</strong>l[ordoliberais]): 197; v.politica social privatiza<strong>da</strong>individuo(s): 10,57,62individuos-sujeitos (dosoberano): 10,30infla~iio: 166 n. 1; v. criseecon6rnica; v. Eucken(- do saber): 342inflacionismo etitiee:intercambiabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>sanalises [neoliberalismo,1930-1945]: 259-60; vfobia do EstadoinstihIi~6es(- de encerramento): 47(- judicianas): 11-3(do primado <strong>da</strong> lei aoprimado <strong>da</strong> -): 240(- penais): 48interesse(s)(- e vontade juridic",[Blackstone s. XVII]): 372(caIculo do - niio-totalizavel)[A<strong>da</strong>m Smith]: 380(manipula~iio dos ­individuos e coletivos):61,89(prote~iio dos - individuais,coletivos, individuaislcoletivos); v. perigo,seguranc;a, pontica socialintervencionismoadministrativo: 239intervencionismo(- dos poderes publicos naeconomia): 107,127-8 n.',148-50,154-5,182,184, 189, 199(- federal): 107(- juridico): 223, 240-1; v.programa ordoliberal(- so<strong>da</strong>! ordoliberal, comocondi~ao depossibili<strong>da</strong>de de urnaeconomia de mercado):221-2, 240, 244-5(nao-intervencionismopolitico no campoeconomico[neoliberalismo]): 189intervenc;6es [do govemo](problema <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>s- ): 184; v. agen<strong>da</strong> e nonagen<strong>da</strong>irracionali<strong>da</strong>de economica(anula~iio <strong>da</strong> - por urnanova racionali<strong>da</strong>de social[Escola de Frankfurt]):144-5irracionali<strong>da</strong>de social(anula~iio <strong>da</strong> - por urnaredefini~iio <strong>da</strong>racionali<strong>da</strong>de economica[Escola de Friburgo]):144-5; v. weberianismo"jogo"(- no Estado de direito): 238(- <strong>da</strong> concorrencia): 72-3(- dos interesses): 62(regra do - economico:concorrencia e protec;aodo individuo [imposto


458NASCIMENTO DA BIOPOLiTICA1NDICE DAS NOr;OES459negativoJ): 277-9, 355 n.>1-; v. Stolerujuridifica


460NASCIMENTO DA BIOPOIJr:C\INDICE DAS No


462NASCIMENTO VA BIOPOLiTlCAINDICE VAS NOc;OES463penali<strong>da</strong>de(sec. XVII - sec. XVllI): 62(articula,ao <strong>da</strong> - com aeconomia): 341(problema <strong>da</strong> - modema): 48(a questao <strong>da</strong> -): 350perigo(- e liberalismo): 89-90; v.mecanisIDos deseguran,a/liber<strong>da</strong>de: 89-90planifica,ao: 149,236planismo(critica do -) [Ropke]: 136n.34, 175 nn. 38-39; v.Beveridge, Goring,Rathenau, Schachtplena empregoh objetivo <strong>da</strong>s politicassociais em tempo decrise): 272(- e intervencionismoestatal): 109, 130 n. 10; v.politica social; Keynespoder politico(- e economia de mercado):181poder real: 12-3politica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, Vitalpo/itik[Riistow]: 202,218 n. 62, 332politica de socie<strong>da</strong>de,Gesellschajtspo/itik(- ordoliberal: anula,ao dosmecanismosconcorrenciais): 195, 200,221-2(-, resposta a uma situac;aode crise economical: 272politica e economia(bipolari<strong>da</strong>de entre -): 27; v.arte de govemarpolitica(s)(- de moldura) [Eucken]:192-5(- economica "ativa","vigilante"): 208-9 n. 14(- economica protecionista[List, Rathenau]): 147-9(- nacional e economialiberal: problema decompatibili<strong>da</strong>de): 147(- social, seu objetivD numaeconomia de bem-estar):194-5; v. bern-estar,politicas de -, consumosocializado,intervencionismo social;vs. desigual<strong>da</strong>de; vs.Ropke(- social individual: acapitaliza,ao): 197; v.individualiza,ao(- social ordoliberal epolitica socialbismarckiana): 147-8; v.Brentano(- social individual e espa,oeconomico): 197; v.risco(s)(- social privatiza<strong>da</strong>, detransferencia): 199(- social e crise: seguri<strong>da</strong>desocial na Fran\a;encargos com base namassa salarial): 157, 175n. 38, 259-62, 273-6, 291-2 nn. 25-32; v.lvs. plenoernprego; Laroquepovo(- como comuni<strong>da</strong>de:nacional-socialismo):152-3; v. condu,ao,principio de -"pre\o de propor\ao": 66 n. 3"pre,o de rigor": 66 n. 3"pre,o natural" [Boisguilbert]:44,66 n. 3"pre\o normal": 44principio de regula,ao(- economical: 330(- do poder sobre 0individuo): 345-6principio juridico de Estado[ordoliberalismo]; v.intervencionismo juridico:222-3protecionismo econornico:147,174 n. 31; v. List,Ropkeracionali<strong>da</strong>de(- europeia: critica doexcesso de -) [Escola deFrankfurt]: 49(- irracional <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>decapitalista): 144; v. MaxWeber(nova - economica:anula,ao <strong>da</strong>irracionali<strong>da</strong>de social)[Eseola de Friburgo]: 144(nova - social: anula\ao <strong>da</strong>irracionali<strong>da</strong>deeconomical [Escola deFrankfurt]: 144radicalismo [Inglaterral; v.direitos originanos;utilitarismo, utili<strong>da</strong>derazao de Estado[segundo juristas]: 13-4(nova -): 73(- e Estado de policia,diferen,a de objetivos):10-2razao do Estado minima: 40razao govemamental: 16-20(- modema): 14razaojuridica: 13-4razao liberal: 29 n.•recursos raros: 148, 306-7, 312,366-7regula,ao do mercado e pelomercado: 77-8"regula.;ao intema" (por"transac;ao" entregovemantes e govemados):14-6; v. agen<strong>da</strong> e non agen<strong>da</strong>revoltas urbanas: 25revolucionana (axiomatica -):57risco(s),197-8Rule oflaw: 231, 235-8, 245,356 n. ',436sabedoria do principe(principio de autolimila,ao<strong>da</strong> pratica govemaroental) e"justit;a eqilitativa": 24-5,27,423


464NASCIMENro VA BIOPOLfITCAfNVICE VAS No


INDICE DOS NOMES DE PESSOASAbeille (L.-P.): 35 n. 14Adenauer (K): 132 n. 19, 135n. 33, 143, 202, 438Aftalion (p.): 321 n.!, 322 n. 12AlIais (M.): 248 n. 5AlIo (E.): 439Anderson (HA): 323 n. 17Argenson (R.-L. de Voyer d'):28, 30, 34 nn. 10 e 13, 36nn. 16-17, 127 n. *Aron (R.): 183, 208 n. 12Attali G.): 321 n. 1Attlee (C.R.): 135 n. 29Auboin (R.): 207 n. 7Audegean (P.): 68 n. 10Austin G.L.): 361 n. 29Baader (A): 250 n. 18Badinter (R.): 254 n. 37Bahr (0.): 251 n. 22Baldwin GW.): 66 n. 2Bark (D.L.): 133 n. 19, 135 n.31,137 nn. 42-44Barre (R.): 172 n. 24, 288 n. 14Bauchet (P.): 290 n. 22Baudin (L.): 183, 207 n. 6Bauer (C.): 167 n. 7Bazard (A): 177 n. 48Beaud (M.): 323 n. 17Beccaria (Cesare Bonesana):53, 63, 68 n. 10, 340, 343,346Becker (G.): 304, 308, 311, 322n. 12, 324 nn. 19, 20 e 23,325 nn. 25 e 28, 326 n. 31,340, 343, 346, 350, 359 n. 18,360 n. 25, 366-9, 390 n. 3Beckerath (E. von): 167 n. 7,215 n. 48Begault (P.): 292 n. 32Benoist (A de): 176 n. 42, 248n.5Bensen (D.H.): 419, 429 n. 28Bentham G.): 17, 30, 34 n. 9,53,69 n. 12, 91-2, 99 n. 25,


468 NASCIMENTO DA BIOPOLfTICAINDICE DOS NaMES DE PESSOAS 469100 n. 27, 340-3, 346, 360 n.20,392 n. 16Berenson (E.): 103, 129 nn. 1-2Bernholz (P.): 360 n. 18Bertani (E.): 34 n. 8Beveridge (W.): 150-1, 175 nn.38-39,194,198,262-3,269,286 nn. 4-5, 291 n. 25, 292n.29Bi<strong>da</strong>ult (G.): 131 n. 15Bilger (p.): 131 n. 13, 132 n. 17en. 18-19, 135 n. 31, 166nn. 1-2, 167 n. 3, 169 n. 14,170 nn. 16 e 20, 173 n. 30,178 nn. 52 e 54, 210 nn. 17­19,211 nn. 30-31 e 33-34,212 n. 35, 213 nn. 38-42 e47,215 n. 52, 216 n. 55, 218nn. 61-62, 249 nn. 9-11, 250n. 16, 357 n. 2, 444 n. 3Bismarck (0. E. L. Bismarck­Schbnhausen, 1815-1898):32 n.1Blackstone (W.): 372-3, 392Boissonnat (J.): 288 n. 14Bonnard (R.): 176 n. 40Bonnet (E.): 292 n. 32Bourdon (J.): 98 n. 15Bourgeois (M.): 207 n. 7Brandt (fI.K. Frahm, ditoWilly): [1913-1992,chanceler cia AlemanhaFederal]: 37 n. 18, 122, 137n. 45, 138 n. 46Brentano (L.): 128 n. " 146,173 n. 30Broyer (5.): 170 n. 15Bugeat (J.e.): 292 n. 32Carter (J.E.): [presidente dosEstados Unidos, 1976­1980J: 267, 288 n. 13Casanova (J.-c.): 66 n. 2Castel (p.): 368, 391 n. 9Castel (R.): 99 n. 22, 391 n. 9Castelreagh (R.H. Stewart): 82n. 'n. 16 Cazes (E.): 321 n. 1Blank (T.): 118-9, 135 n. 33 Chaban-Delmas (J.): 200, 216Blum (L.): [1872-1950, n.53presidente <strong>da</strong> Frente Chabost (G.): 292 n. 32Popular]: 138 n. 53, 322 n. 9 Chase (p.s.): 323 n. 17Boarman (p.M.): 135 n. 31 Chevalier (J.): 248 n. 6Bodon (A): 292 n. 32 Chevalley (e.): % n. 3Bbhm (p.): 132 n. 16, 142, 144, Churchill (W.L. Spencer):167 nn. 3 e 8, 168 n. 11, 184, [1874-1965, primeiro-210 n. 18, 213 n. 38, 437 ministro britamco]: 135 n.Bbhrn-Bawerk (E. von): 130 n. 29,175 n. 38, 223, 248 n. 611 Cohen (D.): 295 n. 48Boisguilbert (pierre Ie Pesant Colbert (J.-B.): [1619-1683]:de): 44, 66 n. 3 28,36 n. 14 LIColliot-Thelene (e.): 173 n. 27Colquhoun (P.): 340,360 n. 21Commun (P.): 167 n. 2, 170 n.15, 212 n. 35, 445 n. 9Comte (A): 177 n. 48Condillac (E. Bonnot de): 67n.6Condorcet (M.jAN. deCaritat de): 377, 393 n. 22Coppinger (N.): 439Cot (M.): 176 n. 40Croissant (K.): 250 n. 16, 287n. 11, 444 n. 7Custodi (P.): 68 n. 10Debord (G.): 176 n. 46Defert (D.): 34 n. 4, 138 n. 53,254 n. 37Delaporte (p.): 439Delbos (V.): 394 n. 24Deleuze (G.): 325 n. 28Delors (J.): 216 n. 53Demangel (D.): 292 n. 32Demeulenaere (P.): 391 n. 10Denord (p.): 248 n. 5Depitre (p.): 35 n. 14, 66 n. 4Detoeuf (A): 207 n. 7Diehl (K.): 167 n. 7Dietzel (fl.): 166 n. 1Dostaler (G.): 323 n. 17Dreyfus (fl.): 362 n. 29Drouin (P.): 321 n. 1Dubos (J.-B.): 98 n. 17Ducrot (0.): 361 n. 29Dupont de Nemours [Du Pontde Nemours] (p.S.): 66 n. 3Durand (e.): 98 n. 15Eatherly (E.): 352, 362 n. 34Ehrlich (I.): 340,350,353,359n. 16, 362 nn. 32 e 35Einaudi (L.): [1874-1961,presidente <strong>da</strong> Republica <strong>da</strong>ltalia]: 110, 134 n. 24EI Shakankiri (M.): 392 n. 16Erhard (L.): [1897-1977,chanceler <strong>da</strong> AlemanhaFederal]: 109-13,117-8,122,132 nn. 19 e 21, 134nn.28 e 30, 142, 198, 200,438Eucken (R.): 166 n. 2Eucken (W.): 132 n. 16, 141,144,166-7 nn. 1-2, 167 nn.4 e 7-9,169 n. 11, 170 n.15,177 n. 50, 208 n. 7, 211nn. 30 e 32, 330, 437Ewald (p.): 34 n. 4, 439Ferguson (A): 381, 394 n. 29,405-17,425-8 nn. 4-25Pichte (J.G.): 116, 127 n. 'Fisher (I.): 308, 325 n. 26Fleury (A-H. de, cardeal): 35n.13Fontana (A): 34 n. 8, 439Fran,ois-Poncet (J.): 131 n. 13,132 n. 19, 167 n. 6, 170 n.16,211 n. 30Franklin (E.): 34 n. 10, 65 n. 1,437Freud (5.): 3, 32 n. 1Freund (J.): 391 n. 12Friedman (M.): 169 n. 12, 223,247 n. 4-------.


470NASCIMENTO DA BIOPOLmCAINDICE OOS NOMES DE PESSOAS471Friedrich (Cj.): 172 n. 23, 218n.62Fugger [banqueiros, sees. XIV-XVI]: 186, 210 n. 22Galant (H.G.): 132 n. 15Gautier (C): 425 n. 2Giscard d'Estaing (y.)[presidente <strong>da</strong> Republica <strong>da</strong>Fran~a: 1974-1981]: 200,267-8, 272, 276-9, 284, 289n. 20, 293 n. 39Glucksmann (A): 206 n. 1Goring (H.) [1893-1946]: 149,151,167 n. 6, 174 n. 36, 175n.37Gournay (y. de): 36 n. 16Gress (D.R.): 133 n. 19, 135 n.31,137 nn. 42-44Grossmann-Doerth (H.): 167nn. 3 e 8Guattari (F.): 325 n. 28Guilherme II [1859-1941,imperador do Reich]: 173n.25Guillaume (M.): 321 n. 1Gurvitch (G.): 429 n. 29Halevy (E.): 360 n. 20, 392 n.14,392 n. 16Hayek (FA von): 33 n. 3, 108,123, 129 n. 3, 130 n. 11, 143,150,169 n. 12, 172 n. 24,174 n. 33, 175 n. 37, 183,223,236-8,251 nn. 21-23,252 nn. 25-29, 253 nn. 30­32,262-3 n. 19, 287 nn. 6-9,301, 322 n. 11, 394 n. 27Hegel (GW.F.): 420, 429 n. 30Hernandez Iglesias (F.): 323nn. 14 e 16,325 n. 27, 327n.32Hill (c.): 69 n. 14Hobbes (T.): 123, 138 n. 47,406,418Honecker (E.): 125, 138 n. 52Horkheirner (M.): 144, 173 n. 28Huismans (D.): 33 n. 4Hume (L.J.): 100 n. 27, 371,373,391 n. 14, 392 n. 15Hunold (A): 218 n. 62Husser! (E.): 142-3, 163-4, 166n. 2, 171 n. 22, 177-8 nn.50-51,437HyppoJite (J.): 429 n. 30jaures (J.): 138 n. 53jenny (F.): 360 n. 25, 361 n. 28jessen (H.): 167 n. 7johnson (L.B.) [presidente dosEstados Unidos: 1963­1969]: 107, 130 n. 9, 338jung-5tilling (J.H.): 419, 428n.27Kant (I.): 78, 84, 96-7 n. 2-13,385Kaplan (5.L.): 65 n. 2Kelsen (H.): 141,167 n. 3Kennedy (J.F.) [1917-1963,presidente dos EstadosUnidos: 1961-1%3]: 107,130 n. 8, 338Kerschen (N.): 175 n. 38, 291n.25Kershaw (I.): 174 n. 36Keynes (J. Mainard): 94, 107,130 n. 10, 303, 323 nn. 16­17,325 n. 24, 438Kiesinger (H.): 136 n. 38, 138n.46Kirzner (I.M.): 366, 390 n. 4Klotz (G.): 36 n. 16Klump (R.): 166 n. 2, 168 n. 7Kohl (H.): 37 n. 18Komer (H.): 136 n. 40KreiterJing (IN.): 137 n. 42Kuenne (R.): 65-6 n. 2Kunz (P.A): 131 n. 13, 207 n. 3Laboulaye (E.): 34 n. 10Lagrange (J.): 99 n. 25Lampe (A): 132 n. 16Larrere (c.): 96 n. 2Lautenbach (IN.): 141,148,167 n. 5Lavergne (B.): 207 n. 7Le Gendre [comerciante]: 28Le Mercier de la Riviere: 35 n.12Leilo XIII: 135 n. 31Lepage (H.): 322 n. 12,327 n.36,358 n. 10Uebert (A): 171 n. 22Lippmann (IN.): 183, 207 nn. 3e 5, 209 n. 15, 222, 248 n. 5,333List (F.): 128 n. " 147, 174 n.31Locke (J.): 123, 138 n. 48, 370,391n. 13, 404-5, 425 n. 1Locre (J.-G.): 98 n. 15Lovell (A): 391 n. 9Luxemburgo (R.): 327 n. 40Mably (G. Bonnot de): 98 n.18Malebranche (N.): 379, 393 n.24Mandeville (B.): 393 n. 20Mansholt (5. Leendert): 194,214 n. 43Mantoux (E.): 207 n. 7Marchetti (y.): 99 n. 23Marcuse (H.): 176 nn. 43 e 46MarjoJin (R.): 183, 208 n. 11MarJio (L.): 207 n. 7 e n. 14,209 n. 15, 215 n. 51Marquiset (A): 98 n. 15Marshall (A): 66 n. 5, 177 n.49, 229, 231, 249 n. 13Marshall (G.c.): 108, 131 n. 14Marx (K.): 123, 144, 173 n. 27,176 n. 41, 180, 201, 206 n. 1,242,304,317Maurice Florence: 33 n. 4Maximiliano I [1459-1519,imperador do SantoImperio RomanoGermiinico]: 186,210 n. 22McCoy (D.R.): 65 n. 1Meek (R.L.): 428 n. 22Menger (C): 130 n. 11Mercier (?): 208 n. 7Metternich [KW.N. Lotharvon Metternich-Winneburg,1773-1859]: 82, 98 n. 19Mevel (c.): 439Migue (J.-L.): 336, 358 n. 9


472NASCIMENTO DA BIOpoLfnCAINDICE DOS NOMES DE PESSOAS473Miksch (L.): 132 n. 16, 184,210 n. 19, 211 n. 30Miller (H.L.): 322 n. 2Mincer (J.): 304, 323 n. 14, 324n.21Mises (L. von): 108, 123, 129n.3, 130 n. 11, 138 n. 49,169 n. 12, 172 n. 24, 183,186-8, 208 n. 9, 211 nn. 25­26, 223, 366, 390 n. 1Mitterrand (p.): 138 n. 53Moller (H.): 170 n. 15Montesquieu: 418Moore (M.): 352, 362 n. 34Moulin (A-M.): 439Moulin (J.): 131 n. 15Millier-Annack (A): 132 n. 16,142,169 nn. 12 e 14, 170 n.15, 198, 200, 215 nn. 48 e52,216 n. 55, 250 n. 17,330-1Napoleiio: 81, 98Nell-Breuning (0. von, SD:118,132 n. 16, 135 nn. 31­32Nemo (P.): 131 n. 11Neumann (p.): 174 n. 36North (D.e.): 186, 210 n. 23Oncken (A): 36 n. 16Paine (T.): 420, 429 n. 31Pareto (V.): 370, 391 n. 12Pascal (B.): 96 n. 3Pasquino (P.): 439Pavlov (L.P): 391 n. 9Peacock (A): 168 n. 8, 215 n.48Perrow< (p.): 131 n. 11, 217 n.59Petain (P.) [1856-1961,marechal]: 223Peter (H.): 132 n. 16Piatier (A): 208 n. 7Pietri (N.): 133 n. 19Pigou (Ae.): 130 n. 10, 194,214 n. 45, 283, 361 n. 27Pio XI [1857-1939, AchilleRatti, papa]: 135 n. 31Polanyi (M.): 131 n. 11Pribrarn (K.): 214 n. 45, 325 n.27Priouret (R.): 321 n. 1Quesnay (p.): 35 n. 10, 401Rabinow (P.): 362 n. 29Radnitsky (G.): 360 n. 18Rathenau (W.): 148-9, 174 n.33,175 n. 37Revel (J.-F): 321 n. 1Riboud (M.): 322 n. 12, n. 14,n. 16, 325 n. 27, 326 n. 32Ricardo (D.): 303-4, 323 n. 14Riedel (M.): 428 n. 26Ritter (G.): 167 n. 7Riviere (P.): 337, 358 n. 12Robbins (L.e.): 306, 324 n. 24Rodrigues (B.-O.): 177 n. 48Roosevelt (pD.) [1882-1945,presidente dos EstadosUnidosJ: 92, 100 n. 28, 107,298Rbpke (W.): 133 n. 23, 143-4,150,169 n. 12, 171 n. 21,175 n. 39, 177 n. 47, 217 n.61, 330-1, 333, 357 nn. 6-7,437Rosa (J.-J.): 321 n. 1, 322 n. 12Rosanvallon (P.): 361 n. 27,425 n. 3, 430 n. 31, 435, 446n.13Rougier (L.): 207 nn. 3-5, 209nn. 14-15, 223-4, 230, 239,247-8 nn. 5-6Rousseau (J.-J.): 19,35 n. 1,418Rueff (J.): 133,183,208 n. 10,209 n. 15Riistow (pW. von): 143,170nn. 17-18, 171 n. 23, 183,187, 202, 211 n. 27, 218 n.62, 222, 331-2, 357 n. 5, 437Saint-Simon (CH. de Rouvroyde): 157, 177 n. 48Salomoni (A): 99 n. 23Salustio: 33 n. 3Sauvy (A): 66 n. 3Schacht (H.G.H.): 141, 149,167 n. 6Schiller (K.): 119, 122, 132 n.16, 136 nn. 37 e 39, 137 n.45Schleicher (K. von) [1882­1934, chanceler do Reich]:142, 170 n. 17Schlbzer (AL. von): 419, 429n.29Schmidt (H.): 31, 37 n. 18, 125Schmitt (C): 32 n. 1Schmoller (G. von): 166 n. 1,169-70 n. 15, 173 n. 30Schmolz (H.): 168 n. 7Schneilin (G.): 134 n. 28Schultz (TW): 304, 308, 312,323 n. 17 e n. 18, 325 nn. 29,33 e 35, 327 n. 37, 390 n. 2Schumacher (H.): 121, 134 n.28,166 n. 1Schumacher (K.): 137 n. 44Schumpeter (E. Boody): 66 n. 2Schumpeter (JA): 66 nn. 2-3,68 n. 10, 173 n. 30, 201, 217n. 59, 242-4, 254-5 nn. 40­42, 317-8, 325 n. 26Searle (J.R): 359 n. IS, 361 n.29Sellin (T.): 362 n. 32Senellart (M.): 33 n. 4, 441Servoise (R): 175 n. 38Silverman (H.J.): 321 n. 2Simon (Y.): 361 n. 27Simons (H. Calvert): 298, 322nn. 3 e 6Skinner (B.F.): 368,390 n. 8Smith (A): 30, 53, 68 nn. 10­11,74,75,80,83,180-1,253n. 32, 303, 306, 323 n. 13,379-82, 386, 388, 393 n. 23,394 nn. 25-28, 395 n. 32,405,410,435Smyth (A.H.): 65 n. 1Soljenitsin (AI.): 180, 206 n. 1Sombart (W.): 154-6, 160, 170n. 15, 176 nn. 41 e 44-45,201,216 n. 56, 217 n. 58


474Spiethoff (A): 170 n. 15, 176n.41Stephen (L.): 33 n. 3Stigler (G.).): 340, 350, 359 n.15, 360 n. 25, 362 n. 30Stoffaes (c.): 268, 279-80, 289nn. 15-19,294 n. 48Stolom (L.): 276, 279-81, 289n. 15,293 n. 39, 294 n. 46,n. 48-50, 321 n. 1Stolleis (M.): 441 n.•Strawson (P.E): 361 n. 29StUtzel (IN.): 133 n. 21-23Thorndike (E.L.): 391 n. 9Treilhard (J.-B.): 98 n. 16Tribe (K.): 175 n. 39Truman (B.S.) [1884-1972,presidente dos EstadosUnidos: 1945-1953J: 107,130 n. 7, 299Turgot (AR.).): 36 n. 16, 109,117, 127 n. " 132 n. 18Ulbricht (IN.): 138 n. 52NASCIMENTO VA BIOPOL!TlCAVeit (0.): 132 n. 16Veyne (P.): 33 n. 4, 432Villey (D.): 136 n. 40VIrgilio: 32 n. 1Walpole (B.): 33 n. 3Walpole (R.): 3, 14, 27, 32-3nn.2-3 .Walras (L.): 177 n. 49, 229,231, 249 n. 12, 370, 391 n.12Weber (A): 141, 172 n. 23Weber (M.): 115, 134 n. 25,144,164,173 nn. 26-27, 176n.41,201,225,231,24~245, 249 n. 9, 318Webster (C.K.): 98 n. 14Weisser (G.): 132 n. 16Wicksell (J.G.K.): 177 n. 49,229, 231, 249 n. 14Wieser (p. von): 130 n. 11, 172n.24Willgerodt (B.): 168 n. 8, 215n.48

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