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Carla Beatriz Meinerz - X Encontro Estadual de História – ANPUH-RS

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MEMÓRIAS DE PROFESSORES DE HISTÓRIA: REFLETINDO PRÁTICASPEDAGÓGICAS A PARTIR DE SI E NA RELAÇÃO COM O OUTRO<strong>Carla</strong> <strong>Beatriz</strong> <strong>Meinerz</strong>Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sulcarlameinerz@gmail.comResumo: O trabalho apresenta uma pesquisa em andamento na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educaçãoda Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Objetiva compreen<strong>de</strong>r os discursos e asações dos professores <strong>de</strong> história da re<strong>de</strong> pública portoalegrense, sobre o ensino <strong>de</strong>história, através do estudo <strong>de</strong> suas memórias. A hipótese é a <strong>de</strong> que as memórias doseducadores acerca dos processos <strong>de</strong> escolarização, especialmente aqueles relacionadosao conhecimento histórico, interferem na relação com seus alunos e na compreensão damaneira como eles constroem o conhecimento. Os educadores ainda têm dificulda<strong>de</strong> emconstruir propostas pedagógicas a partir das trajetórias <strong>de</strong> seus alunos, tendo ainda comoreferência suas próprias histórias <strong>de</strong> vida, que necessitam <strong>de</strong> reconhecimento ecompreensão.Palavras-chave: ensino <strong>de</strong> história – prática pedagógica – memóriaProfessores <strong>de</strong> história: trajetórias e memórias encarnadasPartir <strong>de</strong> sí es uma práctica al alcance <strong>de</strong> cualquiera, pero requiere elcompromisso <strong>de</strong> asumirla y la humildad <strong>de</strong> aceptar que nunca podremoscontrolar la capacidad, poco o mucha, <strong>de</strong> transformación que tiene em mí yen el mundo, porque vá más allá <strong>de</strong> lo que se pue<strong>de</strong> medir y controlar. El acto<strong>de</strong> partir <strong>de</strong> sí no necesita conocimientos especializados, sino apertura hacialo outro, que <strong>de</strong>be renovarse continuamente para dar inicio a uma nuevarealidad no prevista completamente. La palabra “práctica” aqui no significaejecutar, hacer algo ni llevar a cabo o aplicar uma teoria (MONTOYARAMOS, 2008, p. 97).Apresento essa epígrafe da professora <strong>de</strong> história e historiadora Maria MilagrosMontoya Ramos, incitando a pensar na prática pedagógica como algo que engendra,mas, sobretudo, ultrapassa a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> teorias, metodologias, currículos e


políticas públicas, constituindo-se a partir <strong>de</strong> trajetórias e memórias encarnadas emsujeitos sociais, no caso, educadores do campo da história.Penso que não é possível separar o “eu pessoal” do “eu profissional”,principalmente numa ativida<strong>de</strong> laboral em que as relações sociais são centrais. AntonioNóvoa (1996) afirma que a vida do profissional é, antes <strong>de</strong> qualquer coisa, a vida dapessoa que trabalha como professor. Por isso, a prática pedagógica inclui o indivíduo esuas singularida<strong>de</strong>s.Destaco que os projetos <strong>de</strong> investigação em que fui protagonista, como aquelesque resultaram na dissertação <strong>de</strong> mestrado e na tese <strong>de</strong> doutorado, estiveram conectadoscom a minha trajetória <strong>de</strong> vida pessoal, acadêmica e profissional, caracterizada pelabusca <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> autorreflexão e autocrítica. Com variações na intensida<strong>de</strong> e naexplicitação, consi<strong>de</strong>ro que toda pesquisa tem em seu processo e em seus resultados asubjetivida<strong>de</strong> daquele que investiga. Não é, portanto, um processo nem isento ou neutro,nem mecânico.Tenho direcionado minhas abordagens especialmente aos jovens estudantes, orabuscando a construção <strong>de</strong> seu conhecimento histórico, em específico, ora refletindosobre seus processos <strong>de</strong> escolarização, <strong>de</strong> forma geral. O <strong>de</strong>safio agora é o <strong>de</strong> retornarao campo <strong>de</strong> pesquisa do ensino <strong>de</strong> história, problematizado <strong>de</strong>ntro do contexto dacultura escolar em que se situa, com abordagem voltada para os professores.Sigo o pressuposto <strong>de</strong> que o saber científico é uma das formas <strong>de</strong> explicar osfenômenos da vida e as ciências sociais objetivam compreen<strong>de</strong>r as relações entre ossujeitos que compõem esses fenômenos. Os aportes científicos, situados a partir <strong>de</strong> umponto <strong>de</strong> vista sobre a realida<strong>de</strong>, ajudam a enten<strong>de</strong>r a complexida<strong>de</strong> social na qualestamos imersos, apontando para possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mudanças em nossas práticas.Contudo, a vida em socieda<strong>de</strong> escapa, muitas vezes, às explicações científicas. Oreconhecimento <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> compreensão, como aquelas advindas do sensocomum, da cultura e da tradição são fundamentais, pois também compõem formas <strong>de</strong>objetivação das relações e dos sujeitos sociais.A pesquisa em educação, concebida no campo das ciências sociais, po<strong>de</strong> ter umsentido <strong>de</strong> crítica e revisão <strong>de</strong> nossas práticas pedagógicas, na medida em queentrelaçamos essas últimas com nossos projetos <strong>de</strong> vida e compromissos sociais. Uma


investigação não terá o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> transformar imediatamente uma realida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> criarfórmulas rápidas, mas po<strong>de</strong>rá gerar processos <strong>de</strong> autorreflexão e autocrítica queimpulsionem nossas buscas por mudanças. Historiadores como Fernand Brau<strong>de</strong>l (1990)nos ensinam que as transformações <strong>de</strong> fundo em nossas mentalida<strong>de</strong>s, em nossasmaneiras <strong>de</strong> ver e <strong>de</strong> agir sobre o mundo, processam-se num tempo <strong>de</strong> longa duração,reincidindo no campo da cultura.A investigação relativa ao ensino <strong>de</strong> história, concebida no campo da educação,tem frutificado em nosso país através <strong>de</strong> jornadas, seminários, dissertações, teses epublicações acadêmicas. Tal produção contribui para a explicitação e a reflexão emtorno <strong>de</strong> nossas práticas enquanto professores <strong>de</strong> história, ao visar uma qualificação <strong>de</strong>nosso trabalho. Defendo a importância social do conhecimento histórico e por isso ovalor <strong>de</strong> sua experimentação qualificada na escola. Segundo pesquisadoras que tratamdas produções nessa área, como Selva Guimarães Fonseca (1995, 1997) e Flavia EloísaCaimi (2001, 2008), convivemos com uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneiras <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> fazero ensino <strong>de</strong> história. Para Caimi(2001), não é mais suficiente pensar a história apenas doponto <strong>de</strong> vista do ensino, é preciso refletir sobre a relação pedagógica presente emnossas práticas. Em outras palavras, é preciso consi<strong>de</strong>rar a prática pedagógica a partir <strong>de</strong>si e na relação com o outro. Nessa perspectiva, insiro o presente trabalho, como umapossível contribuição para a reflexão compartilhada em torno das práticas pedagógicasno ensino <strong>de</strong> história, com base nas memórias <strong>de</strong> alguns professores da área, assimcomo nos memoriais <strong>de</strong> estudantes em formação.Saliento ainda a existência, no campo das pesquisas em educação, <strong>de</strong> umaprodução interessante sobre histórias <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> professores, construindo essa relaçãoentre as práticas pedagógicas e as subjetivida<strong>de</strong>s dos sujeitos, a ressaltar autores comoAntonio Nóvoa, em Portugal, e Sandra Kramer, no Brasil. No campo específico doensino <strong>de</strong> história há a produção <strong>de</strong> Selva Guimarães Fonseca e <strong>de</strong> Flávia Eloísa Caimi,mas é necessário fazer um levantamento bibliográfico que aponte para os estudos nesseenfoque.O presente trabalho objetiva também analisar e divulgar as experiênciasrelacionadas às práticas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> história construídas nos processos <strong>de</strong> estágiodocente, assim como os memoriais construídos na disciplina introdutória do ensino <strong>de</strong>


história no Departamento <strong>de</strong> Ensino e Currículo da FACED/UFRGS. As práticasdocentes e os memoriais serão compreendidos como elementos <strong>de</strong> constituição dastrajetórias e das memórias dos futuros educadores no campo do ensino <strong>de</strong> história.Situando práticas pedagógicas no ensino <strong>de</strong> históriaO presente estudo não tem característica biográfica, mas busca reconhecerpráticas pedagógicas situadas no presente, a partir <strong>de</strong> discursos sociais e <strong>de</strong> relatos emtorno <strong>de</strong> trajetórias individuais <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> história, contextualizando-as numquadro <strong>de</strong> referência social e temporal. O quê constitui a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssaabordagem é o cruzamento entre a problemática da memória e da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, tantocoletiva quanto individual, pois a memória é um critério <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntização 1 , entendida emseu caráter múltiplo e dinâmico.Existem diferentes formas <strong>de</strong> versar sobre o tema da memória e diversos camposdo conhecimento teorizam sobre a mesma, a citar, a psicologia, a neurologia, asociologia, a antropologia, a história. Isoladamente, esses aportes não são suficientespara compreen<strong>de</strong>r as memórias dos professores na relação com o objeto <strong>de</strong> minhainvestigação.Para discutir o papel exercido pela memória na vida do indivíduo eespecificamente nas relações com a escola e com o conhecimento científico, proponhopensá-la, didaticamente, em dois aspectos: a memória, como processo individual, e amemória, como processo coletivo, sendo que ambos não po<strong>de</strong>m ser entendidosseparadamente. Segundo Catroga:Ninguém se recorda exclusivamente <strong>de</strong> si mesmo, e a exigência <strong>de</strong>fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, que é inerente à recordação, incita ao testemunho do outro; e,muitas vezes, a anamnesis pessoal é recepção <strong>de</strong> recordações contadas por1 Utilizo a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntização proposta por Alberto Melucci (2004). O autor, ao tratardo conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, propõe que se utilize o termo i<strong>de</strong>ntização, justificando que numa socieda<strong>de</strong>global, na qual a informação exerce um papel fundamental e as mudanças são aceleradas e cotidianas, apalavra i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> torna-se ina<strong>de</strong>quada para expressar as múltiplas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolha, sendonecessário falar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntização para expressar o caráter processual e autorreflexivo da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> nósmesmos. O conceito <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntização parece incorporar as idéias <strong>de</strong> movimento, <strong>de</strong>flexibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> multiplicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> inacabamento, que são fundamentais na constituição i<strong>de</strong>ntitária dossujeitos.


outros e só a sua inserção em narrações coletivas – comumente reavivadaspor liturgias <strong>de</strong> recordação lhes dá sentido (CATROGA, 2001, p. 45).O enfoque a ser <strong>de</strong>senvolvido quer compreen<strong>de</strong>r a articulação dos processosindividuais e sociais. Para isso, recorro a Maurice Halbswachs como um autorfundamental, porque <strong>de</strong>senvolve sua argumentação sobre a idéia básica <strong>de</strong> que amemória da pessoa está amarrada à memória do grupo e essa última à esfera maior datradição, que é a memória coletiva da socieda<strong>de</strong> e diferente, ainda, da memóriahistórica. A memória individual é um ponto <strong>de</strong> vista sobre a memória coletiva,conforme a posição ocupada pelo sujeito no seu grupo social e a relação que estabelececom outros grupos. A memória do grupo é constituída pelo conteúdo ético e estético domesmo e é a referência para enten<strong>de</strong>r o ponto <strong>de</strong> vista individual. Cada homem estámergulhado, simultânea e sucessivamente, em vários grupos, que possuem valores,crenças, atitu<strong>de</strong>s e comportamentos diante da vida cotidiana. A memória coletiva é oquadro <strong>de</strong> referência social e cultural para compreen<strong>de</strong>r o grupo e o indivíduo, relativaàs tradições presentes no grupo como parte <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>. Ela é um conceitochave, pois compreendo as práticas pedagógicas dos professores <strong>de</strong> história <strong>de</strong>ntro dastradições da comunida<strong>de</strong> em que vivem, nas quais estabelecem relações concretas esimbólicas com a escola, com o saber, com os valores aí presentes.Sustento o pressuposto básico <strong>de</strong> que a memória não é só lembrança. Engendraas experiências vividas no presente e relacionadas com o passado, implicando oreconhecimento, por um lado, das condições sociais em que se <strong>de</strong>senvolve e, por outro,do contexto <strong>de</strong> interação entre passado e presente em que se realiza, sob uma concepçãonão <strong>de</strong>terminista e sim criadora do tempo. O filósofo e psicanalista CorneliusCastoriadis (1982) propõe pensar o tempo como espaço <strong>de</strong> criação, no sentido <strong>de</strong>suscitar novas formas, outras possibilida<strong>de</strong>s. A história como força superior externa aoshomens, que os conduz como um trem, não existe. Há, sim, tempos históricos enquantoespaços <strong>de</strong> criação, condicionados pelas conformações sociais que lhes são próprias,mas abertos à transformação. O tempo histórico, <strong>de</strong>sse modo, torna-se dinâmico, espaçoem que passado e presente interagem, através da ação dos homens que constroem ereconstroem suas histórias e suas memórias.O tema da memória articula-se com outros conceitos fundamentais como o <strong>de</strong>


processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntização e construção <strong>de</strong> significados e faz alusão ao conjunto <strong>de</strong>representações e <strong>de</strong> ações sobre o mundo, os quais nos i<strong>de</strong>ntificam como indivíduospertencentes a uma socieda<strong>de</strong>. Está relacionado com o sentimento <strong>de</strong> integrar um grupo,que possui minimamente um espaço e um tempo <strong>de</strong>finidos, ou seja, uma históriacompartilhada. Quando relatamos nossas histórias <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra,estamos nos reconhecendo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto mais geral, estamos nos dando umlugar no mundo.A articulação entre a memória e a ação do professor <strong>de</strong> história enfatiza essefazer <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma perspectiva em que a interação e a relação pedagógica ganham umadimensão fundamental no pensar o ensino. Parte do pressuposto já encaminhado porFonseca (1997), no que diz respeito ao trato do que é ser professor no Brasil, para alémdo que seja apenas ensinar.Possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise em construçãoAlém <strong>de</strong> entrevistas abertas com professores <strong>de</strong> história e análise <strong>de</strong> memoriais<strong>de</strong> graduandos da área, utilizo grupos <strong>de</strong> discussão como prática metodológicaengendrando outras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise.A utilização dos grupos <strong>de</strong> discussão, e as entrevistas consecutivas aos mesmos,pressupõe a análise dos discursos sociais, ou seja, o reconhecimento das falas doscomponentes como representativas <strong>de</strong> um contexto social maior, por um lado, e oestabelecimento <strong>de</strong> conexões das mesmas com as práticas cotidianas, por outro lado.Realiza-se em dois níveis: o nível textual que busca a significação do que foi produzidona reunião, e o nível contextual que conecta esse discurso com o contexto social.Assim, o discurso não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado fora das condições sociais <strong>de</strong> sua produçãoe <strong>de</strong> seus produtores.Produz-se uma espécie <strong>de</strong> mapa discursivo com diferentes perspectivas sobre oassunto. Tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da posição social do sujeito, no caso dos professorespesquisados, a principal variante está relacionada com exercerem o magistério emescolas públicas. A análise reunirá elementos dos discursos produzidos nos grupos <strong>de</strong>discussão e nas entrevistas, procurando chaves para enten<strong>de</strong>r o fenômeno investigado,


no caso as memórias <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> história em interface com suas práticaspedagógicas, a partir <strong>de</strong> elementos unificadores e diferenciadores da ação.O resultado do grupo <strong>de</strong> discussão fica registrado numa gravação, que étranscrita e <strong>de</strong>ve ser acompanhada dos comportamentos relevantes observados no grupo(risos, burburinhos, expressões <strong>de</strong> aprovação ou reprovação, etc). A análise, assim, estápresente em todo o processo <strong>de</strong> investigação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a seleção dos componentes até aforma como se <strong>de</strong>senrola a discussão. Há uma análise projetada no momento em que sefaz um esboço dos componentes do grupo, uma análise preliminar durante a realizaçãodas reuniões e uma síntese final.A análise é feita baseada na articulação entre a síntese do discurso produzido nosgrupos, o marco teórico em que se insere a investigação e as intuições do pesquisador.Trata-se <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> interpretação, <strong>de</strong> uma leitura da realida<strong>de</strong> feita a partir daescuta e da fala, com a pretensão <strong>de</strong> construir um saber científico consciente e capaz <strong>de</strong>apresentar uma forma a mais <strong>de</strong> explicar os fenômenos da vida.Para produzir uma análise <strong>de</strong> discurso social, faz-se necessário criar algunsmecanismos <strong>de</strong> sistematização que permitam recompor os elementos centrais dodiscurso, assim como reconhecer as nuanças que aproximam ou separam as diferentesposições representadas no grupo. Uma forma <strong>de</strong> sistematização é, num primeiromomento, organizar os tipos <strong>de</strong> discurso segundo a posição <strong>de</strong> quem fala, para,posteriormente, <strong>de</strong>stacar o que é mais recorrente, o consenso e o dissenso, recuperandofinalmente a unida<strong>de</strong> do discurso do grupo. É importante observar que não se trata <strong>de</strong>fazer uma análise <strong>de</strong> conteúdo, nem lingüístico, nem psicanalítico, mas sim <strong>de</strong>reconstruir o sentido dos discursos em sua situação <strong>de</strong> enunciação, contextualizados emsua realida<strong>de</strong> micro e macrossituacional. Para tanto, é fundamental pensar também noque não é dito ou enunciado no grupo, mas aparece na prática <strong>de</strong> seus componentes,observada anteriormente. Os <strong>de</strong>scompassos entre o que se diz e o que se faz sãoessenciais para uma análise aprofundada do fenômeno em investigação.Estudos como os <strong>de</strong> Selva Guimarães Fonseca (1997) apontam para o fato <strong>de</strong>que as narrativas dos professores <strong>de</strong> história, sobre suas vidas profissionais nessecampo, justificam suas próprias trajetórias. Os professores dizem que se sentemeducadores e que gostam do que fazem. Pressuponho que minha investigação revele


novas narrativas <strong>de</strong> professores marcados pela complexida<strong>de</strong> que se apresenta nocontexto da cultura escolar mais recente. A perplexida<strong>de</strong>, o medo, o cansaço e a dúvidaencontram-se prioritariamente presentes num cenário <strong>de</strong> breves narrativas que secompõem fragmentadamente no discurso <strong>de</strong> professores em momentos <strong>de</strong> formaçãoespecífica, por exemplo. Também o medo é palavra que reinci<strong>de</strong> nos memoriais <strong>de</strong>jovens estudantes que se preparam para o ensino da história. É fácil encontrar atrajetória que leva a opção pelo curso <strong>de</strong> história, mas é caminho longo e difícil o <strong>de</strong>constituir-se e i<strong>de</strong>ntificar-se como professor. Caminho que passa pelas mazelas doscursos, do diálogo impreciso entre Universida<strong>de</strong> e Escola, entre Licenciatura eBacharelado, entre História e Educação.A escola pública brasileira tem uma trajetória que aponta para modificações,sendo que os processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização trouxeram os pobres para seu interior,gerando tensões próprias <strong>de</strong> uma nova interação e conflitos resultantes <strong>de</strong> uma estruturaorganizada em função <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> socialização <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> camadas médias.Alguns professores já reconhecem que a comparação com sua experiência <strong>de</strong>escolarização e <strong>de</strong> vida não é suficiente nem eficiente para lidar com seus alunosatualmente. Há uma comparação inevitável entre as trajetórias pessoais <strong>de</strong>escolarização dos educadores e as dos alunos, gerando um saudosismo e umaincompreensão. Como os fenômenos que se apresentam são novos, complexos,acelerados e a dinâmica do cotidiano escolar se impõe, as respostas dadas aindaescapam pouco do padrão institucional tradicional.Minhas observações <strong>de</strong>monstram que os educadores têm dificulda<strong>de</strong> emcompreen<strong>de</strong>r os processos <strong>de</strong> socialização próprios dos jovens da periferia urbana, porexemplo. Essas dificulda<strong>de</strong>s aparecem em outras investigações, como a <strong>de</strong> Zaluar, querealizou uma pesquisa sobre escolas públicas no Rio <strong>de</strong> Janeiro, abordando o tema daviolência urbana, da pobreza e do tráfico <strong>de</strong> drogas e constatou que:Os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> docentes e alunos nos mostram que a escola pública está<strong>de</strong>spreparada – consi<strong>de</strong>rando a precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos materiais e humanose a falta <strong>de</strong> projetos pedagógicos – para enfrentar o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> garantir aformação <strong>de</strong> crianças e adolescentes em geral con<strong>de</strong>nados a uma vida brevepela socialização dos códigos (ZALUAR, 2004, p. 104).


Pouco tenho ouvido sobre esperança ou prazer em estar na escola, em minhaspesquisas entre os educadores, embora sua ação, em muitos casos, <strong>de</strong>monstre essaexistência e exigência. Aqueles que não <strong>de</strong>sistem, que tentam coisas novas, que criamcoletivos para trocar experiências, po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como um indício daexistência <strong>de</strong>sses condimentos na prática cotidiana.Conviver nessas circunstâncias e possuindo uma história <strong>de</strong> vida, com processos<strong>de</strong> socialização e escolarização diferenciados, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma outra tradição cultural,gera variadas e intensas reações, não faltam professores <strong>de</strong>scontentes, com problemas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> física e mental e com a auto-estima abalada.A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar é reconhecida, mas os caminhos da mudança estão emconstrução, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> ações coletivas que se concretizam no cotidiano e que sãocapazes <strong>de</strong> criar laços e processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntização.Concluo com algumas palavras narradas por uma estudante a<strong>de</strong>ntra no universodo ensino <strong>de</strong> história: “Tenho medo <strong>de</strong>, como tantos, <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong> lutar e acreditar naEducação. (...) Sei que nem todos são obrigados a gostar <strong>de</strong> História e reconhecer aimportância que eu reconheço nela” (memorial A). No fio narrativo surge a lembrança<strong>de</strong> uma professora, representante do tipo estudado por Fonseca (1997) e que lhe <strong>de</strong>ixouuma receita didática: “amar o que fazia”. Transformar esse amor em objeto <strong>de</strong> análise,contextualizado nos <strong>de</strong>safios contemporâneos da escola e do ensino <strong>de</strong> história, aparececomo tarefa fundamental.Referências BibliográficasBRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. Lisboa: De Presença, 1990.CAIMI, Flávia Eloisa. Conversas e Controvérsias: o ensino <strong>de</strong> história no Brasil (1980-1998). Passo Fundo: UPF, 2001._____. Apren<strong>de</strong>ndo a ser professor <strong>de</strong> história. Passo Fundo: UPF, 2008.CALLEJO, Javier. Grupo <strong>de</strong> Discusión: introducción a una práctica <strong>de</strong> investigación.Barcelona: Ariel, 2001.CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Socieda<strong>de</strong>. 3. ed. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Paz e Terra, 1982.


CATROGA, Fernando. Memória e História. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.).Fronteiras do Milênio. Porto Alegre: Ed. da Universida<strong>de</strong>/UFRGS, 2001. P. 43-69.FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. Campinas: Papirus,1995._____. Ser Professor no Brasil: história oral <strong>de</strong> vida. Campinas: Papirus, 1997.HALBSWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.KRAMER, Sônia. Histórias <strong>de</strong> Professores. São Paulo: Ática, 1996.MEINERZ, <strong>Carla</strong> <strong>Beatriz</strong>. História Viva: a história que cada aluno constrói. PortoAlegre: Mediação, 2001._____. Adolescentes no Pátio, Outra Maneira <strong>de</strong> Viver a Escola. Porto Alegre: EditoraUniritter, 2009.MELUCCI, Alberto. O Jogo do Eu: a mudança <strong>de</strong> si em uma socieda<strong>de</strong> global. SãoLeopoldo: Ed. Unisinos, 2004.MONTOYA RAMOS, Maria Milagros. Enseñar: uma experiencia amorosa. Madrid:Sabina Editorial, 2008.NÓVOA, Antonio. Vidas <strong>de</strong> Professores. Porto: Porto Editora, 1996.

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