TODA FEITA: O CORPO E O GÊNERO DAS TRAVESTIS
TODA FEITA: O CORPO E O GÊNERO DAS TRAVESTIS
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voz, neologismo e entonação.<br />
Cor, ocasião, contexto, medida e outros atributos, proprie dades,<br />
modo, atitude, entonação formam, em vários gradientes sutis, uma<br />
operação analítica preciosa e permanentemente controlada pelo articulador<br />
dos sentidos, que a fl agra e conecta com o pressentido em<br />
outras séries.<br />
Outro ponto alto do trabalho: a performance sensível do etnó grafo,<br />
guiado pela insegurança, essa prima tão mal vista da sensibilidade e da<br />
responsabilidade. Há certezas demais em nossa tradição etnográfi ca.<br />
Benedetti é um belo antídoto à turma do “meninos, eu vi”. O tempo<br />
todo duvida do que vê e se pergunta se deve ver. (Isto terá alguma coisa<br />
a ver com Chuang-tzu, para quem o homem sábio acerta sempre porque<br />
está ansioso e indeciso quando tenta?) Observar o campo e interagir é<br />
nele um permanente auto-observar-se e uma auto-avaliação permanente.<br />
E isto é mais que teoria, método e técnica. É uma atitude necessária que<br />
subsume todas as outras dimensões e produz uma identidade ambígua<br />
e oscilante: a do etnógrafo.<br />
Como etnógrafo, lembra um garimpeiro, atento, paciente. Sua<br />
refl exão sobre o trabalho de campo é de raro equilíbrio. Nenhuma<br />
autocomplacência a se estender sobre o que não interessa a ninguém.<br />
E a ética corajosa de quem revela apenas as fraquezas inerentes a essas<br />
situações que realmente iluminam o objeto, ajudam na análise geral. Por<br />
outro lado, sabe compor as perspectivas – e desculpem a tensão entre as<br />
duas imagens – que terminam por confl uir, complementares, seja a do<br />
militante do GAPA, as entrevistas gravadas, as observações do fl âneur<br />
da Farrapos e os registros do visitante<br />
A idéia de “montagem” preside a cena. Seja na criatividade contida na<br />
produção do objeto. Seja no projeto das criaturas com as quais Benedetti<br />
interagiu e conversou. Seja no tipo particular de observação que exercitou<br />
ao longo do trabalho etnográfi co. Seja ainda no texto que articula<br />
tudo com brevidade e brilho. Se o etnógrafo revelou-se um garimpeiro<br />
paciente, o escritor revela-se um ourives preciso e discreto.<br />
Esta é uma etnografi a “toda feita”. Senhora de si mesma: autora de<br />
si.<br />
Na perspectiva da abolição dos falsos binarismos profundo-superfi -<br />
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