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Encontros e Caminhos - Ministério do Meio Ambiente

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<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>Secretaria ExecutivaDiretoria de Educação Ambiental<strong>Encontros</strong> e <strong>Caminhos</strong>:Formação de Educa<strong>do</strong>ras(es) Ambientais eColetivos Educa<strong>do</strong>res


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>Marina SilvaSecretaria ExecutivaCláudio Roberto Bertol<strong>do</strong> LangoneDiretoria de Educação AmbientalMarcos SorrentinoEndereço <strong>do</strong> Editor<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>, Diretoria de Educação AmbientalEsplanada <strong>do</strong>s <strong>Ministério</strong>s - Bloco B, sala 55370068-900 - Brasília - DFTel: 55 61- 4009.1207Fax: 55 61- 4009.1757e-mail: educambiental@mma.gov.brCentro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração.Esplanada <strong>do</strong>s <strong>Ministério</strong>s - Bloco B - Térreo70068-900 - Brasilia - DFTel: 55 61- 4009.1235Fax: 55 61- 4009.5222e-mail: cid@mma.gov.br


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>Secretaria ExecutivaDiretoria de Educação Ambiental<strong>Encontros</strong> e <strong>Caminhos</strong>:Formação de Educa<strong>do</strong>ras(es) Ambientais eColetivos Educa<strong>do</strong>resBrasília2005


Copyright © 2005 <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>Equipe TécnicaAna Luiza Castelo Branco Figueire<strong>do</strong>Anderson Guimarães PereiraÂngela Ferreira SchmidtAline Jesus VasconcelosGustavo Nogueira LemosHelena Macha<strong>do</strong> Cabral Coimbra AraújoIara CarneiroJacqueline Martins GomesJosé Vicente de FreitasMarcos SorrentinoMariana Stefanelli MascarenhasMaura Macha<strong>do</strong> SilvaMaurício Marcon Rebelo da SilvaPhilippe Pomier LayrarguesRenata Rozen<strong>do</strong> MaranhãoSemíramis Albuquerque BiasoliThaís Ferraresi PereiraCoordenaçãoLuiz Antonio Ferraro JúniorRevisãoLuiz Antonio Ferraro e Mariana S. MascarenhasCapa, Gravuras InternasArthur Arman<strong>do</strong> da Costa FerreiraDiagramaçãoJuliano Batalha Cappa<strong>do</strong>ciusNormalização bibliográficaHelionidia C. OliveiraImpresso no BrasilPrinted in Brazil358 23


PrefácioPre<strong>do</strong>mina, na cultura brasileira, a idéia de que a função maior daeducação ambiental é despertar a consciência ecológica na sociedade,sensibilizan<strong>do</strong> as crianças e os jovens - as futuras gerações - para acompreensão da problemática ambiental e a importância da aquisiçãode novos comportamentos e atitudes. Um trabalho cujo produto estariasempre posta<strong>do</strong> no futuro.Esse imaginário valoriza o papel da educação no seu esforço deformação <strong>do</strong>s novos cidadãos, porém é preciso ir além nas expectativasquanto às possibilidades da educação ambiental. Temos uma situaçãomundial problemática no que se refere ao uso <strong>do</strong>s recursos naturais <strong>do</strong>planeta. A dimensão social dessa situação requer ações de enfrentamentopara o tempo presente, junto aos usuários contemporâneos desses recursosnaturais. Isso significa desenvolver o esforço de contribuir para aaquisição <strong>do</strong> repertório da cultura da sustentabilidade em suas múltiplasdimensões, consideran<strong>do</strong> as práticas sociais, as relações produtivas emercantis, as instituições, as <strong>do</strong>utrinas político-ideológicas, as condiçõessocioeconômicas e culturais, e também para a compreensão da magnitude<strong>do</strong>s problemas ambientais atuais e <strong>do</strong> saber ambiental necessário àcompreensão da vida e da relação humano-sociedade-natureza.As respostas definitivas às questões contemporâneas requeremanálise <strong>do</strong> meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, eenvolvem aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,econômicos,científicos, culturais e éticos. Com esse entendimento, a educaçãoambiental, integrada às demais políticas públicas setoriais, assumedestacada posição para o diálogo, a parceria e a aliança, e pauta-se pelavertente crítica e emancipatória da educação, estimulan<strong>do</strong> a autonomia<strong>do</strong> educan<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> a desenvolver não apenas a ética ecológica noâmbito individual, mas também o exercício da cidadania.Esse mo<strong>do</strong> de fazer da educação ambiental requer <strong>do</strong>s educa<strong>do</strong>resum aprofundamento teórico e um aprendiza<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong>s de interagircom os educan<strong>do</strong>s que são necessários para traduzir o senti<strong>do</strong> crítico eemancipatório da educação ambiental em suas práticas pedagógicas.É isso que este livro oferece: um conjunto de reflexões que fazemsua contribuição para o esforço de edificar sociedades democráticas,que vem se agregar às várias formas e inúmeras iniciativas distribuídasem toda a nossa sociedade. Foi construí<strong>do</strong> de forma colaborativa, numademonstração de união da educação ambiental brasileira e de seu com-


promisso com a democracia participativa.Espero que este livro seja útil e prazeroso para seus leitores, poisoferece boas pistas para seguir caminhos pela educação ambiental, etrilhas sociodiversas, irmanadas na solidariedade e no esforço sincerode transformar o Brasil. Estamos juntos nestes caminhos, multiplican<strong>do</strong>nossa força e disposição.Meus sinceros agradecimentos aos autores deste livro, que atenderamgenerosamente ao convite <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> para produzir essasreflexões. Essa é uma parceria que muito nos anima.Marina SilvaMinistra <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>


IntroduçãoEste livro é um primeiro produto <strong>do</strong> processo de construção <strong>do</strong> “VCongresso Ibero-Americano de Educação Ambiental” e integra o conjuntode publicações da Diretoria de Educação Ambiental <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong><strong>Ambiente</strong>, que fornecem elementos para a formação de educa<strong>do</strong>res ambientaisna perspectiva crítica e emancipatória; como o “Identidades da EducaçãoAmbiental Brasileira”, pelo qual se discute as características identitárias dealgumas das modalidades mais freqüentes na educação ambiental existentesno país, fornecen<strong>do</strong> ao leitor a oportunidade de se reconhecer as distintasmas convergentes matrizes.É partin<strong>do</strong> da trajetória de cada um, de sua subjetividade própria,pessoal e única, mas com um desejo comum a muitos de nós – o de criaruma nova sociedade que possa ser considerada não apenas ecologicamenteresponsável, mas também socialmente justa e politicamente atuante, ou, emoutras palavras, uma sociedade sustentável – que este livro foi concebi<strong>do</strong>.Não poderia ser diferente. São diversos os tempos de cada um, ostempos pessoais de aprendiza<strong>do</strong>, impossíveis de serem padroniza<strong>do</strong>s, homogeneiza<strong>do</strong>se conti<strong>do</strong>s numa grade curricular única, por mais perfeita queseja. Não há garantia de uma devida aquisição de conhecimentos ou internalização,por parte <strong>do</strong> educan<strong>do</strong>, de conceitos e conteú<strong>do</strong>s programáticospreviamente enquadra<strong>do</strong>s, se ele não estiver permeável a essa conquista; nãohá garantia de que esse percurso proporcione uma nova leitura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,se ele não estiver em busca da satisfação de uma necessidade, emotiva oucognitiva, de aprendiza<strong>do</strong>. Afinal, cada trajetória de aprendiza<strong>do</strong> é única epara respeitar essa singularidade, mas também tirar proveito dela, novosformatos de processos de ensino-aprendizagem devem ser propostos, ensaia<strong>do</strong>s,critica<strong>do</strong>s, e avalia<strong>do</strong>s.Ainda mais em se tratan<strong>do</strong> de uma abordagem que não é hegemônicana educação ambiental. Partilhamos da perspectiva onde a vertente críticae emancipatória da educação, que por ter como base a educação popular,desvela a fusão entre a questão ambiental e a social; assim, se avolumam aspossibilidades concretas de simultaneamente transformar a realidade ambientale social <strong>do</strong> país. Essa vertente permite ainda a autonomia reflexiva <strong>do</strong>educan<strong>do</strong>, que busca e recebe informações que lhe instiguem a ponderar,avaliar, resignificar as opções que tem pela frente, para assumir novas atitudesperante o mun<strong>do</strong>, perante a vida. Aban<strong>do</strong>na a postura tradicional <strong>do</strong>minantena educação ambiental, que reforça as características hierárquicas eautoritárias, que opera com perspectivas prescritivas e normativas, deixan<strong>do</strong>


pouca margem de manobra para a reflexão <strong>do</strong> educan<strong>do</strong> decidir suas escolhasperante o vasto leque de opções e caminhos para a sustentabilidade.O importante a assinalar aqui é que o presente livro representa umacontribuição para a formação de educa<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>ras ambientais, que sepercebam por sua vez como sujeitos deflagra<strong>do</strong>res em um processo contínuode formação de novos educa<strong>do</strong>res ambientais, que têm à disposição um repertóriode conceitos específicos para a compreensão das características daeducação ambiental crítica e emancipatória. Essa é uma tentativa de reunir orepertório básico para se compreender o que se faz, ou seja, para se fazer umaeducação ambiental socialmente comprometida e engajada, ciente de suasintencionalidades, e não perdida na prática pela prática. São conceitos nemsempre familiares ao campo da educação ambiental, pois são origina<strong>do</strong>s emoutras matrizes políticas, especialmente <strong>do</strong> campo libertário e da educaçãopopular. Espera-se assim, fertilizar a educação ambiental com novas idéiasde campos de luta similares, espera-se fundar os pilares ideais para futurasalianças <strong>do</strong>s educa<strong>do</strong>res ambientais com outros grupos afins, que dêem maiorressonância aos embates político-ideológicos que enfrentam a servidão,exploração e opressão, enfim, que resultam simultaneamente na degradaçãoambiental, na desestruturação social e na alienação política.Desejamos uma educação ambiental que promova o diálogo da diversidadee a troca efetiva e afetiva de olhares e saberes, buscan<strong>do</strong> respostas erompen<strong>do</strong> a visão tradicional e utilitarista, reforçan<strong>do</strong> a noção de cuida<strong>do</strong>com o meio ambiente, despertan<strong>do</strong> em cada indivíduo o sentimento de pertencimento,participação e responsabilidade. É nessa direção que buscamosorientar nossas atividades e programas.Ao pensarmos inicialmente o arranjo <strong>do</strong> livro, sobre qual ordem oscapítulos deveriam seguir, nos deparamos com inúmeras possibilidades.Pensou-se, por exemplo, em dividir o livro em <strong>do</strong>is grandes blocos, umagregan<strong>do</strong> os capítulos que abordam os aspectos conceituais e outro osaspectos meto<strong>do</strong>lógicos. Outra possibilidade vislumbrada seria agregaros capítulos por afinidade temática, mas ao final, a opção escolhida foisimplesmente pela ordem alfabética <strong>do</strong>s vocábulos e isso com uma forterazão: o que confere a organicidade <strong>do</strong> livro, o que dá senti<strong>do</strong> a um materialcomo esse, é o próprio leitor com sua trajetória pessoal, o mo<strong>do</strong> como cadaum decide caminhar por esse roteiro. Quantos e quais textos lerá, em qualordem, é uma escolha pessoal.Enfim, convidamos os leitores a romperem a lógica seqüencial ecomeçar a trilhar nesse mosaico de reflexões seus próprios caminhos por estelivro, consideran<strong>do</strong> a existência de outros caminhos possíveis. Possibilitara interação é parte de um processo pedagógico, de construção individual e10


coletiva e ao mesmo tempo da educação ambiental que desejamos. As portasde entrada são inúmeras e o que norteia nossas escolhas é tu<strong>do</strong> aquilo quecarregamos: nossa formação, nossa história, nossos desejos e sonhos.Este livro foi concebi<strong>do</strong> para ser li<strong>do</strong> da forma que melhor lhe convier;não há uma receita única, pois são várias as possibilidades de encadeamentode um capítulo a outro, sem necessariamente ter que obedecer a uma seqüênciade início ao fim tal qual consta no índice <strong>do</strong> livro. Assim, consideran<strong>do</strong>as várias trajetórias possíveis de leitura, há em cada capítulo uma sugestãopara um percurso temático a seguir, basea<strong>do</strong> na conexão daquele tema comos temas afins, que auxiliam o aprofundamento <strong>do</strong> assunto inicial escolhi<strong>do</strong>para a leitura.O repertório de termos aqui apresenta<strong>do</strong>s representa um cardápiode opções de aprendizagem para educa<strong>do</strong>res ambientais e para grupos deeduca<strong>do</strong>res ambientais; a composição entre eles não é linear, mas sim comose fosse um vitral ou um mosaico, onde cada pedaço é parte da vida, dariqueza produzida por pessoas, por grupos de pessoas que vêm militan<strong>do</strong>no campo socioambiental e educacional. Sempre incompleto, esperan<strong>do</strong>novos pedacinhos, novos desenhos, novas trilhas pessoais pela educaçãoambiental. A trilha de cada um é pessoal, idiossincrática, inimitável, única.E ao mesmo tempo, a trilha de cada um é composta por pedacinhos detrilhas de outros, que ao percorrer o seu caminho, <strong>do</strong>aram um pouco de sipara nosso aprendiza<strong>do</strong>, seja numa conversa, num livro, num relato, numpequeno texto.Além <strong>do</strong>s textos, neste livro, a(o) educa<strong>do</strong>r(a) ambiental recebe umCD que contém um conjunto de entrevistas com os autores nas quais estescolocam a sua perspectiva sobre a concepção <strong>do</strong> sujeito da educação ambiental,a formação da(o) educa<strong>do</strong>r(a) ambiental e o papel <strong>do</strong>s conceitos nesteprocesso. A decisão de elaborar este conjunto de entrevistas foi tomada eimplementada durante a oficina de construção coletiva da formatação <strong>do</strong>livro, realizada em Capinas-SP, em agosto de 2005.A formação de educa<strong>do</strong>ras e educa<strong>do</strong>res ambientais prevista pelaDiretoria de Educação Ambiental <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> estápautada na idéia de que cada indivíduo, cada grupo, cada coletivo é responsávelpela sua constante formação por ser conhece<strong>do</strong>r de suas dificuldadese potencialidades e, dessa maneira, ser capaz de diagnosticar e interpretara realidade, sonhar sua transformação, planejar intervenções educa<strong>do</strong>ras,implementá-las e avaliá-las. Uma formação que se constrói pelos encontrosde saberes, de caminhos, de desejos e onde não há necessariamente “o”conhecimento que precisa ser reproduzi<strong>do</strong>, coisas para serem ensinadasou explicadas, mas realidades para serem compreendidas e transformadas.11


Essa concepção libertária de educação emana de Paulo Freire, da educaçãopopular, das práticas educacionais <strong>do</strong>s movimentos sociais e de outros educa<strong>do</strong>rese teóricos sociais e <strong>do</strong> ambientalismo. Seu fundamento político é ademocracia radical, que reconhece que cada ser humano detém o direito àparticipação, à definição <strong>do</strong> futuro e à construção da sua realidade e que odesafio para esta educação passa pela emancipação de <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>res,explora<strong>do</strong>s e explora<strong>do</strong>res.Enfim, ao assumir o desafio de contribuir para a construção de umasociedade sustentável, a Diretoria de Educação Ambiental <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong><strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> valoriza a perspectiva de uma educação ambientalvoltada para a formação <strong>do</strong> sujeito crítico, capaz de efetuar uma leitura <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> contextualizada histórica, social e politicamente, compreenden<strong>do</strong>suas relações com a questão ambiental; e, ainda, capaz de se mobilizar e seempoderar, desencadean<strong>do</strong> uma ação transforma<strong>do</strong>ra, ativa nos ambientesde vida ao qual pertence.12


Prefácio................................................................... 5Introdução .............................................................. 9AÇÃO COMUNICATIVA .............................................. 15Sergio Barreira F. TavolaroALTERIDADE ............................................................27Maria de Fátima Rodrigues MakiuchiBIORREGIONALISMO................................................. 37Michèle SatoCARDÁPIO DE APRENDIZAGEM.............................47Sandro TonsoCOLETIVOS EDUCADORES ...................................... 57Luiz Antonio Ferraro Júnior & Marcos SorrentinoCOMPLEXIDADE:........................................................ 71Aline ViégasCOMUNIDADES APRENDENTES.............................. 83Carlos Rodrigues BrandãoCOMUNIDADES INTERPRETATIVAS ..................... 93Maria Rita Avanzi & Marco A. S. MalagodiCONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO ....................... 103Maria de Lourdes Spazziani & Marlene F. C. GonçalvesCURRÍCULO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL ................. 115Ludmila Oliveira Holanda CavalcanteDEMOCRACIA...........................................................127Jean Pierre Leroy & Tania PachecoEDUCAÇÃO ............................................................... 141Antonio Carlos Rodrigues de AmorimEDUCOMUNICAÇÃO PARA COLETIVOSEDUCADORES ..................................................... 149Rachel TrajberESTRUTURAS E ESPAÇOS EDUCADORES ........... 159José MatareziHERMENÊUTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL......... 175Isabel Cristina Moura Carvalho & Mauro GrunINTERVENÇÃO EDUCACIONAL ..............................189Mauro GuimarãesINTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL............................... 201Eda T. de O. Tassara & Omar ArdansJUSTIÇA AMBIENTAL ............................................217Henri Acselrad13


PARTICIPAÇÃO.......................................................229Pedro JacobiPEDAGOGIA DA PRÁXIS.......................................237Moacir Ga<strong>do</strong>ttiPERTENCIMENTO ...................................................245Lais Mourão SáPESQUISA PARTICIPANTE....................................257Carlos Rodrigues BrandãoPESQUISA-AÇÃO....................................................267Marília Freitas de Campos Tozoni-ReisPESQUISA-AÇÃO-PARTICIPANTE (PAP):.............277Moema L. ViezzerPOTÊNCIA DE AÇÃO..............................................295Cláudia Coelho Santos & Alessandra Buonavoglia Costa-PintoSOCIOBIODIVERSIDADE ........................................ 303Antonio Carlos Sant’Ana DieguesSUSTENTABILIDADE................................................313Leila da Costa FerreiraTEORIA CRÍTICA .................................................... 323Carlos Frederico B. LoureiroTRANSDISCIPLINARIDADE.................................... 333Haydée Torres de OliveiraSOBRE OS AUTORES............................................. 34314


AÇÃO COMUNICATIVASergio Barreira F. TavolaroPalavras-chave: emancipação; modernidade; teoria crítica; racionalização;democracia participativa; movimentos sociais; burocratização; mercantilização.Quais as possibilidades de emancipação na modernidade 1 , contextoaparentemente cada vez mais <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por processos sociais, políticos,econômicos e culturais cuja dinâmica parece escapar ao controle <strong>do</strong>s indivíduosem seus mais diferentes âmbitos de sociabilidade? Em que medidaé possível dizer que ainda restam aos indivíduos capacidade de decisão eespaços de interação livres <strong>do</strong> assédio e manipulação das gigantescas corporaçõeseconômicas e <strong>do</strong>s diversos aparatos estatais, cada qual com sua lógicae necessidades peculiares, comumente alheios às motivações e interesses <strong>do</strong>scidadãos? Todas essas questões e dilemas são com freqüência enfrenta<strong>do</strong>spor educa<strong>do</strong>res, lideranças comunitárias, participantes de movimentos sociais,políticos, cientistas sociais, religiosos, pessoas comuns, dentre outros,em seu dia-a-dia. São elas também constitutivamente atreladas à noção deação comunicativa, tal e qual desenvolvida por Jürgen Habermas ao longode toda sua trajetória intelectual 2 .Vale lembrar que as sociedades modernas têm como um de seus traçosdefini<strong>do</strong>res, isto é, uma das principais características que as diferenciam deoutros tipos de sociedade, a racionalização das mais variadas esferas de1“Modernidade” é um termo-chave nas discussões sociológicas. Em linhas gerais, se refere aos padrõesde relações sociais, políticas e econômicas, além das próprias configurações culturais, que vieram ase consolidar gradualmente com o declínio das sociedades européias medievais. Dois <strong>do</strong>s eventosque marcaram a emergência da era moderna foram a Revolução Industrial inglesa e a RevoluçãoFrancesa, ambas no final <strong>do</strong> século XVIII. Ver HOBSBAWM, E. A Era das Revoluções, 1789-1848.Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1989.2A presente discussão da noção de ação comunicativa tem como referência principal as reflexões deJürgen Habermas, um <strong>do</strong>s principais expoentes da segunda geração da chamada Escola de Frankfurt,cujos precursores foram, dentre outros, Max Horkheimer, Theo<strong>do</strong>r A<strong>do</strong>rno, Herbert Marcuse,Walter Benjamin, Erich Fromm, e Friederich Pollock. Vale lembrar, o núcleo da agenda de pesquisae reflexão da Escola, primeiramente sistematiza<strong>do</strong> em 1937 por Horkheimer em “Teoria tradicionale teoria crítica”, foi o desenvolvimento de uma perspectiva explicativa e interpretativa crítica darealidade social. Ao mesmo tempo em que é legítimo considerá-lo herdeiro direto de tal linha depensamento, Habermas colocou-se como tarefa superar o que identificou como limitações cognitivase prático-éticas implícitas nos trabalhos da primeira geração da Escola de Frankfurt. A obra A Teoriada Ação Comunicativa, escrita ao longo da década de 1970, é, a um e só tempo, o resulta<strong>do</strong> finalde sua tarefa de superação e a semente para as reflexões em torno da construção de uma sociedadedemocrática cujos processos decisórios estejam fortemente atrela<strong>do</strong>s à prática racional-comunicativa,tal e qual desenvolvidas em seu Entre fatos e normas, publicada no início <strong>do</strong>s anos 1990. Para umbreve e esclarece<strong>do</strong>r retrato da Escola, ver FREITAG, B. Teoria Crítica: ontem e hoje. São Paulo:Brasiliense. 1986.3Max Weber é uma das figuras centrais <strong>do</strong> pensamento sociológico ao la<strong>do</strong> de Karl Marx e ÉmileDurkheim. Suas mais importantes contribuições teóricas e conceituais encontram-se reunidas 17 na


convívio social. Nesse exato senti<strong>do</strong>, tarefas político-administrativas são emlarga medida executadas por burocratas treina<strong>do</strong>s para lidar com problemascom o máximo possível de eficiência e neutralidade afetiva. Ao mesmotempo, os processos de produção da vida material, ou seja, de intercâmbiocom a natureza ten<strong>do</strong> em vista, em última instância, sua manipulação direcionadaao sustento <strong>do</strong>s seres humanos, se dá por meio de um conjuntode aparatos técnicos altamente desenvolvi<strong>do</strong>s e igualmente orienta<strong>do</strong>s pelabusca incessante de eficiência e otimização na utilização de recursos. Porfim, as sociedades modernas são também fortemente marcadas pela marginalizaçãode religiões e outros sistemas interpretativos da realidade física ehumana em favor da ciência e outras formas de explicação e compreensãoracionalmente fundamentadas. Assim, com a emergência da era moderna,normas de convívio e mesmo os elementos a partir <strong>do</strong>s quais as pessoasconstroem suas identidades pessoais e coletivas em boa medida deixam dese ancorar em concepções e interpretações tradicionais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Ora, emtais circunstâncias, o diagnóstico traça<strong>do</strong> pelo sociólogo Max Weber 3 –– que,por sinal, teve grande impacto na produção sociológica de to<strong>do</strong> o séculoXX, inclusive sobre os antecessores de Habermas na Escola de Frankfurt–– parecia se confirmar cada vez mais, qual seja, as sociedades modernasconstruíram uma “gaiola de ferro” para si mesmas: conforme Weber, nomun<strong>do</strong> moderno, os indivíduos tendem a interagir uns com os outros demaneira racional e instrumental, ou seja, como meios para a realização defins desconecta<strong>do</strong>s de valores supremos e coletivamente compartilha<strong>do</strong>s(Weber, 1989). Dessa maneira, aquele potencial emancipatório anuncia<strong>do</strong>pelo Iluminismo pretensamente implícito no processo de racionalização e“destradicionalização” <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> 4 teria, na verdade, assumi<strong>do</strong> uma facetasombria, aprisionante, reduzin<strong>do</strong> as atividades e manifestações humanas ameros apêndices da eficiência técnica. Segun<strong>do</strong> Weber, portanto, ao cabo daracionalização e burocratização das mais diversas esferas de ação e convíviosociais, todas aquelas possibilidades de autonomização e liberação viram-secompletamente frustradas.É por meio da noção de ação comunicativa que Jürgen Habermasprocurará mostrar que o potencial emancipatório implícito na modernidade,anuncia<strong>do</strong> pelo Iluminismo, não foi completamente perdi<strong>do</strong>, tal comoobra Economia e Sociedade (no Brasil, editada pela Editora da UnB). Weber qualifica o processode racionalização com a sugestiva expressão “desencantamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>“.4O espírito <strong>do</strong> “projeto Iluminista”, que coincidiria com o pre<strong>do</strong>mínio da Razão no mun<strong>do</strong>, é expressode maneira bastante fiel pelo filósofo Imannuel Kant em “O que é Ésclarecimento?”. Textos Seletos.Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1974. Segun<strong>do</strong> Kant, o Iluminismo (ou Esclarecimento) significava “asaída <strong>do</strong> homem de sua minoridade”, isto é, de sua “incapacidade de fazer uso de seu entendimentosem a direção de outro indivíduo”.18


haviam sugeri<strong>do</strong> Weber e a primeira geração da Escola. Para ele, é equivoca<strong>do</strong>afirmar que o mun<strong>do</strong> moderno se define única e exclusivamente pelaconsolidação de esferas sociais que aprisionam os indivíduos em redes desociabilidade que fogem completamente ao seu controle. Por um la<strong>do</strong>, esseé, sem dúvida, o caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da economia modernos, que constituem,segun<strong>do</strong> Habermas, o nível sistêmico da realidade social, onde prevalecea racionalidade de tipo instrumental (meio-fins) –– ou seja, o tipo deracionalidade que Weber associava à noção de “gaiola de ferro”. Ocorre,porém, que a racionalização não se limita à consolidação de um tipo derelação social pelo qual os indivíduos agem uns em relação aos outros comomeios para a realização de fins desvincula<strong>do</strong>s de valores e referências éticascompartilhadas. Habermas salienta que se por um la<strong>do</strong> a modernidade sefaz acompanhar por ganho inigualável de eficiência técnica e instrumental,características das esferas sociais sistêmicas, por outro, torna também possívelaos indivíduos interpretarem a si mesmos e as sociedades onde vivemde maneira crítica em seu cotidiano, em um nível da realidade social quedenomina como mun<strong>do</strong> da vida. O mun<strong>do</strong> da vida moderno compreende asesferas de convívio social em que se constituem e se reproduzem referênciasculturais, normativas e a construção de identidades subjetivas não maisancoradas em concepções de mun<strong>do</strong> mágicas, religiosas e/ou tradicionais.Isso se dá porque, para além da eficiência técnica e instrumental, a outrafaceta <strong>do</strong> processo de racionalização é exatamente o enfraquecimento detradições que gozavam de grande legitimidade enquanto referências aoconhecimento e interpretação da realidade (física, social e subjetiva), àreprodução de normas de conduta, e à construção de identidades subjetivase coletivas(Habermas, 1989). Portanto, na medida em que as sociedades seracionalizam, entendimentos em relação à realidade física, social e subjetiva<strong>do</strong>s indivíduos deixam de se amparar em sistemas religiosos e passam a serfruto de processos argumentativos, ou seja, de consensos racionalmenteconstruí<strong>do</strong>s através de interações sociais mediadas e constituídas pela linguagem(Habermas, 1984 e 1989).A idéia central para Habermas, portanto, é que o próprio processoargumentativo possui considerável potencial emancipatório: uma vez libertosde tradições e de redes de interação orientadas pela racionalidadeinstrumental (meio-fins), os processos de comunicação media<strong>do</strong>s pela linguagemvêem-se desimpedi<strong>do</strong>s a fim de que prevaleça “a força <strong>do</strong> melhorargumento”. Vale dizer, o melhor argumento não é aquele que se sobrepõeaos outros em virtude de sua força sagrada, mágica, tradicional, ou mesmoem razão de se achar militarmente ampara<strong>do</strong>, mas sim pelo fato de ser capazde proporcionar as melhores justificativas, racionalmente fundamentadas. Aracionalidade implícita na ação comunicativa não implica na existência de19


qualquer conteú<strong>do</strong> programático anterior ao próprio processo argumentativouma vez que, conforme assinala<strong>do</strong> anteriormente, concepções de mun<strong>do</strong>religiosas e tradicionais perderam legitimidade como referências para sepensar e agir nos mun<strong>do</strong>s objetivo (a realidade física), social (as normas ereferências culturais) e subjetivo (intimidade). A ação comunicativa revela,então, to<strong>do</strong> seu potencial emancipatório: ela envolve, sim, o estabelecimentode acor<strong>do</strong>s intersubjetivos quanto às condições ideais para o entendimentomútuo; mas, ao invés de limita<strong>do</strong>r e aprisionante, tal aspecto é pressupostoessencial para que um processo comunicativo livre e autônomo, guia<strong>do</strong> pelarazão, seja finalmente possível (Habermas, 1979).Entendida dessa maneira, a ação comunicativa pode nos ajudar acompreender duas ordens muito importantes de fenômenos que se desenrolaramde forma marcante a partir de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XX nas chamadassociedades modernas. Em primeiro lugar, joga luz sobre aqueles movimentossociais e populares de resistência às intervenções <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e das corporaçõeseconômicas em redes de sociabilidade espontâneas (desencadean<strong>do</strong> processosde burocratização e mercantilização) –– intervenções essas que Habermaschama de colonização sistêmica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> da vida. Os movimentosecológicos e feministas são aponta<strong>do</strong>s por ele como exemplos privilegia<strong>do</strong>sdessas formas de resistência, que procuram proteger esferas sociais cujadinâmica é lingüisticamente mediada a fim de que elas não sejam engolidaspela “racionalidade meios-fins” preponderante no funcionamento <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> e da economia. Em segun<strong>do</strong> lugar, joga luz sobre as lutas em tornoda construção de processos de tomada de decisão que sejam democráticospor excelência e que consigam tirar o maior proveito possível <strong>do</strong> potencialemancipatório implícito no processo argumentativo (Habermas, 1999).Ambos os casos sugerem a importância da construção e consolidação decondições para que a ação comunicativa possa prosperar e fazer valer seupotencial libertário em meio a cenários que se tornam cada vez mais complexos,plurais e permea<strong>do</strong>s por conflitos os mais diferentes, característicosdas modernas sociedades.Tais considerações tornam evidente a existência <strong>do</strong> entrelaçamento, deum la<strong>do</strong>, da prática de uma educação ambiental que se quer crítica e emancipa<strong>do</strong>rae, de outro, <strong>do</strong>s pressupostos e implicações da ação comunicativatal e qual concebida e desenvolvida por Jürgen Habermas e por outros quese propuseram a trabalhar a partir das implicações analítico-interpretativase políticas dessa noção. Primeiramente, tal perspectiva de educação ambientaltem por compromisso uma aproximação crítica em relação à realidadesocial e aos processos de interação homem-natureza: ao buscar a superaçãode dicotomias implícitas em paradigmas científicos positivistas, a educaçãoambiental auxilia o conhecimento <strong>do</strong> caráter histórico daquela interação e20


<strong>do</strong>s processos de poder e <strong>do</strong>minação nela envolvi<strong>do</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>, ao invésde assumir este ou aquele perfil de interação como da<strong>do</strong> e imutável, ajuda adescortinar os tipos de relação social e política que lhes são constitutivos eas razões e mecanismos através <strong>do</strong>s quais eles se reproduzem ou se modificam.Em segun<strong>do</strong> lugar, de maneira similar à noção de ação comunicativa(e, na verdade, dela fazen<strong>do</strong> uso), a educação ambiental crítica mostrasua força transforma<strong>do</strong>ra e libertária ao abrir-se para to<strong>do</strong> e qualquer tipode questionamento no tocante aos pressupostos das ações humanas e dasdiversas instituições sociais, políticas, econômicas e culturais: ao invés desimplesmente legitimar estruturas políticas, econômicas e sociais dadas, aeducação ambiental levanta perguntas a serem debatidas e consideradas arespeito das condições de sua perpetuação. Finalmente, a educação ambientalcrítica aponta para a construção de uma sociedade democrática cujasinstituições, processos e âmbitos de formação da vontade política e de tomadade decisões sejam consistentemente permeáveis à participação de cidadãoslivres e autônomos, a despeito da crescente complexidade e diferenciaçãocaracterística das modernas sociedades.Meto<strong>do</strong>logia e Avaliação a partir <strong>do</strong> ConceitoA incorporação da noção de ação comunicativa nas práticas de umaeducação ambiental que se quer crítica implica na a<strong>do</strong>ção de certas estratégiasde atuação. Essas, por sua vez, apontam para uma determinada meto<strong>do</strong>logiade ensino e ação atrelada a posturas e atitudes no dia-a-dia da prática educacional.Vale lembrar que já na primeira Conferência Intergovernamentalsobre Educação Ambiental, organizada pela UNESCO em 1977, em Tbilisi(Georgia, ex-URSS), sugeriu-se a implementação de programas de educaçãoambiental orienta<strong>do</strong>s à participação política a fim de que mudanças de valorese de comportamentos e práticas sociais necessárias à melhoria ambiental,em suas mais diversas dimensões, pudessem ser efetivamente alcançadas(Lima, 1999). Há aspectos implícitos na noção de ação comunicativa quepodem vir a favorecer mudanças tão ambiciosas quanto essas. Tais aspectos,uma vez internaliza<strong>do</strong>s em práticas e atividades educacionais, podem servircomo indica<strong>do</strong>res de sua real incorporação. Algumas das meto<strong>do</strong>logias deação podem ser descritas como se segue:1) A abordagem crítica de aspectos técnicos envolvi<strong>do</strong>s no tratamentode questões ambientais: a dimensão técnica de processos ecológicos ede soluções para problemas ambientais não deve obscurecer as implicaçõeséticas e morais atreladas a certas escolhas e tomadas de decisão.A despeito <strong>do</strong> fato de que muitos procedimentos técnicos têm, por simesmos, boa <strong>do</strong>se de neutralidade ética, suas escolhas tanto quanto21


as conseqüências de sua aplicação possuem uma grande quantidadede implicações morais e valorativas. A educação ambiental críticadeve, pois, estar atenta a tais escolhas e às possíveis conseqüênciasdelas, a fim de monitorar os processos de formação da opinião públicae de tomada de decisões.2) Isso significa que a educação ambiental crítica deve informar osindivíduos quanto às dimensões biológicas, ecológicas e econômicasda dinâmica ambiental conectan<strong>do</strong>-as aos aspectos éticos, morais epolíticos que permeiam a vida social e a relação ambiente-sociedade.Uma das questões mais centrais, portanto, é a de averiguar as bases<strong>do</strong> conhecimento e os pressupostos que orientam a produção daqueleconjunto de noções que irá informar os processos de tomada de decisõesque freqüentemente se legitimam única e exclusivamente apartir da imagem de “neutralidade técnica”.3) As práticas de uma educação ambiental crítica devem, conseqüentemente,estar atentas às cadeias de ação e às redes de poderenvolvidas nos processos de tomada de decisão: quem e em quecircunstâncias tal ou qual decisão foi tomada? Que setores da populaçãotenderão a se beneficiar no curto, médio e longo prazos? Poroutro la<strong>do</strong>, quais setores provavelmente serão prejudica<strong>do</strong>s? Quaisos argumentos utiliza<strong>do</strong>s para se justificar tais decisões?4) A educação ambiental crítica deve ainda estimular a participaçãopolítica democrática e a a<strong>do</strong>ção de desenhos institucionais quetornem os aparatos decisórios sensíveis e permeáveis às diferentesdemandas, especialmente daqueles setores normalmente incapazesde angariar recursos para se fazerem ouvir. Isso significa não tomarcertas idéias, noções e projetos como da<strong>do</strong>s e, sim, abrir-se ao diálogoe às diferentes reivindicações.Sugestão de AtividadesAlgumas atividades podem ser exercitadas como forma de exemplificaros efeitos da a<strong>do</strong>ção da ação comunicativa em práticas cotidianas:1) Fazer um levantamento coletivo de conceitos, noções e idéias quesão parte de nosso vocabulário cotidiano e que, dessa maneira, sãofacilmente tomadas como dadas, tais como, desenvolvimento sustentável,ecodesenvolvimento, conservacionismo, preservacionismo,22


natureza, dentre outros. Encarregar diferentes grupos da tarefa de ir embusca das origens de cada um desses conceitos e idéias, averiguan<strong>do</strong>os momentos em que ganharam expressão pública e as condições nasquais vieram a se tornar língua franca tanto no discurso oficial comoentre militantes e cidadãos comuns Trazer tais acha<strong>do</strong>s para to<strong>do</strong>s eabrir o espaço para uma discussão aberta quanto a seus diversos usose suas implicações. No processo de discussão <strong>do</strong>s acha<strong>do</strong>s, to<strong>do</strong>s osparticipantes da oficina devem apresentar seus comentários e críticascom base em justificativas racionalmente fundamentadas, de formatal que os pressupostos argumentativos sejam torna<strong>do</strong>s claros parato<strong>do</strong>s e dessa maneira avalia<strong>do</strong>s.2) Eleger alguns problemas ambientais candentes e simular situaçõesde formação da vontade política e de tomada de decisão. Dividir osparticipantes da oficina em diferentes grupos cada qual assumin<strong>do</strong> opapel <strong>do</strong>s diversos atores sociais presumivelmente envolvi<strong>do</strong>s. Reconstruiras razões apresentadas por cada um deles para suas respectivasescolhas e as justificativas que apresentaram. Elaborar diferentescenários a fim de salientar os possíveis encaminhamentos <strong>do</strong>s processosde decisão ten<strong>do</strong> em vista situações diversas de distribuição depoder e possibilidades de participação livre e autônoma.AprofudamentoPara uma consideração a respeito <strong>do</strong> potencial cognitivo e normativoda Teoria da Ação Comunicativa para se pensar a sociedade civil e os novosmovimentos sociais, ver:AVRITZER, L. A moralidade da democracia: ensaios em teoriahabermasiana e teoria democrática. Belo Horizonte: Perspectiva;Ed. UFMG, 1996.HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio deJaneiro: Biblioteca Tempo Universitário 84, 1989.Ainda no contexto intelectual brasileiro, o potencial da teoria da açãocomunicativa para se refletir a respeito de uma teoria da democracia e <strong>do</strong>snovos movimentos sociais foi salienta<strong>do</strong> em:BERNSTEIN, R. (Org.). Habermas and modernity. Cambridge,MA: MIT Press, 1985.CALHOUN, C. (Org.). Habermas and the Public Sphere. Cambridge,MA: MIT Press, 1996.COHEN, J.; ARATO, A. Civil Society and Political Theory. Cam-23


ALTERIDADEMaria de Fátima Rodrigues MakiuchiPalavras-chave: alteridade; diálogo; comunidade; responsabilidade; pertencimento;saber ambiental.Você poderia, por favor, me dizer o que aprendemos?Eu sei que parece absur<strong>do</strong>,Mas por favor, me diga quem eu sou. 5SupertrampÉ possível compreender o ser humano? Predizê-lo, esgotá-lo emexplicações?Somos seres inacaba<strong>do</strong>s, em permanente processo de definição. Criaturasambíguas e desejantes, necessitan<strong>do</strong> tornar-nos plenos e ao mesmotempo sempre em busca de senti<strong>do</strong>, construin<strong>do</strong> nosso mo<strong>do</strong> de ser nomun<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> desejo permanente que se faz como abertura ao outro,ao distinto, ao próprio mun<strong>do</strong>. Mas porque somos assim? Qual condiçãohumana nos coloca nesta posição?Os primeiros hominídeos emergiram <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> natural, onde estavammergulha<strong>do</strong>s, separan<strong>do</strong>-se dele na emergência da consciência e da autoconsciência,da distinção e <strong>do</strong> experienciar o mun<strong>do</strong> como algo diferentede si mesmos, como um outro, separa<strong>do</strong> e distante. Esta emergência é aemergência da identidade humana, da pessoa humana e se dá simultaneamenteao surgimento da alteridade – a alteridade é a condição de possibilidadeda pessoa humana. Somos o que somos porque o outro existe e suaexistência nos afirma.A alteridade é esta fratura na existência humana, a ruptura com estemun<strong>do</strong> natural que se dá a partir da consciência <strong>do</strong> “outro”, da distinçãoe da separação que se estabelece a partir daí. Esta fratura dilacera o serhumano: ele é incompleto, infinitamente distante <strong>do</strong> outro, solitário e sefaz como para<strong>do</strong>xo, pois o ser humano se percebe separa<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e aomesmo tempo imerso nele – distante e distinto. A alteridade é para<strong>do</strong>xal,pois une e separa o sujeito <strong>do</strong> objeto, desejo permanente de união que nãopode ser realiza<strong>do</strong>. O nascimento da pessoa humana como sen<strong>do</strong> relação éa tentativa, senão desesperada, de suturar esta fratura, de cruzar o abismo da5Won’t you please, please tell me what you’ve learned?/I know it sounds absurd,/Please tell me whoI am. (The Logical Song – Supertramp.)29


separação: aproximar-se <strong>do</strong> outro, tocar e dialogar com o outro, compreendero outro, unir-se ao outro.As mesmas perguntas feitas no início deste texto servem também parao meio ambiente: é possível compreender o meio ambiente? Predizê-lo?Esgotá-lo em explicações?Será que podemos ver o meio ambiente como um “outro”, uma alteridadereal capaz de nos surpreender?Os discursos ambientalistas contemporâneos tendem a buscar umaunidade entre o ser humano e a natureza: a natureza faz parte <strong>do</strong> homeme o homem faz parte da natureza, como se essa idéia pudesse salvar a naturezade sua destruição e com isso salvar o próprio homem. Mas a idéiada relação ser humano-ambiente precisa ser revista, afinal relação é algoque se estabelece, no mínimo, entre <strong>do</strong>is seres, entes, coisas, que remeteà própria construção que fazemos <strong>do</strong> ambiente e da sociedade que, apesarde mutuamente implica<strong>do</strong>s, possuem suas singularidades. Por isso, apesar<strong>do</strong>s discursos ambientalistas chamarem para a unidade entre a natureza e ahumanidade, a sociedade e o ambiente, seja pelo enraizamento biológico efísico <strong>do</strong> qual todas as espécies fazem parte, seja pela linguagem e cultura, énecessário admitir a separação que existe entre o outro (natureza, ambiente)e nós (humanos) para que uma relação se estabeleça e, com isso, emerjauma linguagem e diálogo próprios, pauta<strong>do</strong>s pela ética que surge quan<strong>do</strong>deixamos de ver o mun<strong>do</strong> como nosso espelho e aceitamos a possibilidadeda surpresa e <strong>do</strong> novo.Esta abertura à impossibilidade de saber tu<strong>do</strong>, e da possibilidade deser surpreendi<strong>do</strong> pelo outro (que não conheço completamente) é que tornao princípio da precaução, relaciona<strong>do</strong> às questões tecno-científicas-ambientais,um princípio crítico, responsável e ético – uma ética crítica, que secontrapõe por um la<strong>do</strong> ao utilitarismo e por outro à ingenuidade.O ser humano é relação – com outros homens e mulheres, consigomesmo e com o ambiente. E sempre que houver a possibilidade de atravésdas relações estabelecidas, reduzir o outro (seja ser humano ou ambiente)a um construto mental, a um conjunto de valores sociais, culturais e simbólicos,a uma classificação ou estereótipo, estaremos realizan<strong>do</strong> algumtipo de <strong>do</strong>minação. Assim, a única chance real de salvar o meio ambienteda degradação em curso é vê-lo como alteridade, articulan<strong>do</strong> a distinção aopertencimento na diversidade.Este ambiente que nos acolhe, também é alteridade no senti<strong>do</strong> maisestrito <strong>do</strong> termo. É um rosto que me apela, que nos apela enquanto nosacolhe. Ao mesmo tempo chama e responde a nós, humanos. O rosto deste30


ambiente às vezes é uma paisagem idílica, outras, um esgoto a céu aberto.Mas em ambos os casos um acolhimento que se fez como morada.Meto<strong>do</strong>logiaAs implicações meto<strong>do</strong>lógicas da inserção <strong>do</strong> conceito de alteridadeno âmbito da educação podem ser colocadas em três contextos específicos:a) no âmbito da relação educa<strong>do</strong>r-educan<strong>do</strong>A primeira crítica que se pode fazer é que a relação entre educa<strong>do</strong>re educan<strong>do</strong> não deve estar fundamentada nas noções de transmissão ouconstrução de saberes, mas originalmente no encontro onde o educa<strong>do</strong>r sereconhece responsável pelo outro, obriga<strong>do</strong> a dar-lhe resposta.Esta resposta é a acolhida <strong>do</strong> outro – aceitação de sua pessoa numarealidade concreta, sócio-histórica e cultural, não poden<strong>do</strong> ser este outroreduzi<strong>do</strong> a um aprendiz de “competências e habilidades” ou às suas condiçõessócio-históricas e culturais. O acolhi<strong>do</strong> é alguém singular, sob to<strong>do</strong>s os pontosde vista, que sente, pensa, tem prazer e vive no aqui e agora. Somenteassim, é possível garantir a educação como não sen<strong>do</strong> algo pretensamenteneutra, atemporal e deslocada da sociedade onde se vive.Dessa forma, esta pedagogia exige <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r, em primeiro lugar,a sensibilidade para a alteridade que o intima, que já é em si, a “saída desi em direção ao outro”, movimento de lançar pontes por sobre o abismoda fratura existencial. Nesse movimento o outro ensina; seu ensinamentoé moral - dá-se na manifestação de sua expressão assistida pela palavra,instauran<strong>do</strong> a linguagem e o discurso.Este discurso não é, contu<strong>do</strong>, um discurso vazio, informações soltas eabstratas, mas refere-se sempre ao mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> outro trazi<strong>do</strong> à palavra. Mais<strong>do</strong> que “contextualiza<strong>do</strong>”, como comumente se refere ao ensino moderno, odiscurso não é reflexo de um mun<strong>do</strong> da<strong>do</strong> e auto-evidente, mas reflexivo aopor em questão exatamente o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s fenômenos e das aparências ondea alteridade não tem vez. Assim, este discurso, também se faz como açãode resistência aos modelos que aceitam o “curso da história” ou a aceitaçãopacífica <strong>do</strong>s fatos, e nesse senti<strong>do</strong> é uma utopia concreta. Faz-se comocompromisso e engajamento – responsabilidade que já é ação, resposta.Entretanto, o compromisso e o engajamento não são anteriores– anterior é o Outro. Assim, uma tal educação não desenha, a priori, açõesde “engajamento”, de “problematização” ou de “diálogo” baseadas na pos-31


sibilidade de conhecer a realidade. Se há algum conhecimento da realidadepossível implican<strong>do</strong> na possibilidade de transformação social e política, eleserá sempre resposta ao Outro, à alteridade que nos apela, resposta comoacolhimento, ação e responsabilidade. Por isso, a esta educação chama-sede Educação para a Responsabilidade e tem na alteridade o fundamentode sua pedagogia.b) no âmbito <strong>do</strong> conhecimento que emerge no processoeducativoA educação ao assumir a alteridade como seu ponto de partida, supõeo diálogo como abertura, um diálogo que apresenta “mun<strong>do</strong>s” - o mun<strong>do</strong> decada sujeito no discurso. Esse diálogo não busca a coerência ou consensopor meio de uma racionalidade baseada em um discurso comum construí<strong>do</strong>desde fora da relação, mas almeja a paz – a unidade de uma pluralidadeque não forma uma totalidade fechada. No caso da educação ambiental, oambiente é, ao mesmo tempo, tema e exterioridade, ou seja, é também umOutro. Como tema é algo que é oferta<strong>do</strong> para discussão desde o Outro, algosobre o qual se pode falar. É nesta possibilidade de tematização <strong>do</strong> ambienteoferta<strong>do</strong> ao diálogo, como sen<strong>do</strong> o ambiente, a casa e o lugar de vida <strong>do</strong>sujeito, que o saber ambiental se faz pertinente.Mas não basta, por exemplo, o saber ambiental ter como horizonte aalteridade, ou seja, preservar e respeitar a alteridade como em alguns discursosinclusivos e de respeito às “diferenças” e à “diversidade”. Aqui há umperigo sutil, o de se deixar contaminar pela possibilidade de criar um outrométo<strong>do</strong> de conhecimento que mesmo aceitan<strong>do</strong> os limites das representaçõese significações realizadas pelo sujeito no ato de conhecer, baseie-sena liberdade de conhecer à revelia <strong>do</strong> Outro, conhecer sobre o Outro e nãoa partir <strong>do</strong> Outro - como revelação e abertura ao diálogo.Este saber ambiental sen<strong>do</strong> fruto de um diálogo de saberes será transdisciplinarna origem, pois transcende o conhecimento ancora<strong>do</strong> na relaçãocom objetos, isto é, a relação com um mun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>, transparente aos senti<strong>do</strong>s.Abre a perspectiva <strong>do</strong> inusita<strong>do</strong>; questiona os marcos econômicos sobre osquais são edifica<strong>do</strong>s os limites de possibilidades da realidade; questionaa própria realidade como ten<strong>do</strong> uma história linear e previsível; põe naberlinda o discurso moderno globalizante que homogeneiza a pluralidadecultural e a diversidade.c) no âmbito das relações sócio-políticas que se estabelecem32


A educação na perspectiva de uma pedagogia da alteridade criaespaços para que o mo<strong>do</strong> humano de se relacionar com e no mun<strong>do</strong> sejaresponsável, isto é, espaços para a emergência <strong>do</strong> discurso crítico, <strong>do</strong> diálogo<strong>do</strong>s saberes e <strong>do</strong> encontro de alteridades. Espaços que carreguem o germeda comunidade, <strong>do</strong> fortalecimento de identidades locais como resistência apasteurização <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> permitin<strong>do</strong> a criação de laços de pertencimentoe cuida<strong>do</strong>, laços ativos, cuja própria existência já é transformação.Estas comunidades, na perspectiva da educação, e em especial daeducação ambiental, são comunidades baseadas na noção <strong>do</strong> diálogo comoabertura ao Outro, comunidades que surgem a partir <strong>do</strong>s vínculos de confiançae responsabilidade que se estabelecem entre seus membros. Podemser comunidades de aprendizagem, na medida em que o conhecimentoemerge como oferta ao Outro e <strong>do</strong> Outro nas pontes de comunicação quese estabelecem entre as alteridades.Nesse senti<strong>do</strong> o educa<strong>do</strong>r/gestor ambiental ao responder ao Outrona sua responsabilidade, instituin<strong>do</strong> e median<strong>do</strong> um diálogo de saberes,deve saber que fomenta além da emergência de um novo conhecimento(saber/racionalidade), uma nova possibilidade de vinculação social entreos sujeitos <strong>do</strong> diálogo (<strong>do</strong> qual ele também faz parte), isto é, de uma novapráxis dirigida não apenas ao ambiente como exterioridade, centralizan<strong>do</strong>nas relações entre sociedade e natureza, mas à nossa vida social e as relaçõesque mantemos uns com os outros.Esta nova dimensão social é fomentada, no caso da gestão sócio-ambiental,a partir de um processo educativo, constituin<strong>do</strong>-se como possibilidadede sustentabilidade social e cultural, uma vez que aponta para novas formasde organização social enquanto é paz na pluralidade e diversidade cultural.Este é o espírito da comunidade, que não sen<strong>do</strong> sustentada por consensosa priori, da<strong>do</strong>s desde fora dela e passíveis de contaminação de um ideáriomoderno, tem por base a alteridade e o diálogo que surge no frente-a-frente.Esta comunidade é tecida por laços de confiança, onde os conflitossão entendi<strong>do</strong>s como parte de seu processo de crescimento e maturidade.Tal comunidade possui necessariamente uma arquitetura horizontal, ondeo poder circula e o conhecimento é uma elaboração coletiva que se rebatede forma original em cada integrante <strong>do</strong> grupo a partir da confrontação <strong>do</strong>svários “mun<strong>do</strong>s” que estes sujeitos apresentam, num movimento de retroaçãoe recorrência, entre o particular e o geral, entre o grupo e a pessoa.Avaliação a partir <strong>do</strong> ConceitoNa perspectiva da Educação para a responsabilidade, pautada pelaalteridade, o diálogo como abertura ao outro pode ser encara<strong>do</strong> como o33


principal indica<strong>do</strong>r para a avaliação de ações educativas em geral e voltadasao meio ambiente, em especial. A partir deste indica<strong>do</strong>r é possível sepensar num conjunto de indica<strong>do</strong>res deriva<strong>do</strong>s e que podem ser úteis paraa avaliação de um processo pauta<strong>do</strong> pela pedagogia da alteridade nas açõessócio-ambientais:34• Se há mudança de comportamento a partir <strong>do</strong> confronto com outraalteridade – o encontro como promotor de mudança;• Se há elaboração de discursos e saberes a partir das realidadesofertadas no encontro;• Se há coexistência na diversidade e mediação positiva de conflitos;• Se ocorre a formação de laços de confiança e responsabilidade entreos participantes da ação educativa;• Se ocorre a formação de estruturas organizacionais des-hierarquizadasno processo de ensino-aprendizagem e nas ações de gestãosócio-ambiental.Sugestão de AtividadesAlguns temas podem ser sugeri<strong>do</strong>s para facilitar um debate e apontara maneira como o Outro (ser humano, meio ambiente) é percebi<strong>do</strong> por cadaum <strong>do</strong>s integrantes da atividade educacional. Como sugestão para discussão,pode-se pedir que cada um <strong>do</strong>s integrantes <strong>do</strong> grupo fale sobre seu percursopessoal buscan<strong>do</strong> evidenciar:• as relações sociais que foram importantes na sua formação comopessoa humana;• a relação que cada um mantém com o meio ambiente e as respectivasvisões de natureza e ambiente;• a capacidade de resposta ao outro quan<strong>do</strong> somos solicita<strong>do</strong>s – nossaresponsabilidade pelo outro, pelo ambiente – como se traduz em açãoe engajamentos sociais?• as relações, pessoas e situações, que foram esquecidas na fala <strong>do</strong> ítem(a) – ou seja, discutir a pertinência em se dizer que toda relação quemantemos, seja dura<strong>do</strong>ura ou não, nos modifica de alguma maneirae nesse senti<strong>do</strong> é formativa.Como atividade prática o educa<strong>do</strong>r pode pedir que cada integrante


<strong>do</strong> grupo tire três fotos <strong>do</strong> seu ambiente local. A partir dessas fotos inicia-seum debate procuran<strong>do</strong> fazer emergir a percepção de ambiente que cada um<strong>do</strong>s participantes possui.Como atividade substitutiva a essa, o educa<strong>do</strong>r pode organizar umpainel com fotos variadas (recortes de revistas) conten<strong>do</strong> imagens de cidades,parques, animais, áreas degradadas etc., pedin<strong>do</strong> que cada um <strong>do</strong>sintegrantes <strong>do</strong> grupo escolha as três fotos com as quais mais se identifica<strong>do</strong> ponto de visita de sua visão de meio ambiente e natureza.AprofundamentoIndicar leitura para aprofundamento na questão da alteridade não éalgo fácil. Alteridade transita em textos de filosofia, psicologia, antropologia,enfim, em várias áreas <strong>do</strong> saber constituí<strong>do</strong>. O texto acima, contu<strong>do</strong>, serviu-se<strong>do</strong> aporte teórico da filosofia, em especial da leitura de Emmanuel Levinassobre o Outro e a responsabilidade que emerge nesta relação.Seu livro principal chama-se Totalidade e Infinito, mas sen<strong>do</strong> um textomuito denso, não é indica<strong>do</strong> para iniciar um aprofundamento no conceito dealteridade. Para esse início, sugerimos o livro organiza<strong>do</strong> por Ângela Arruda,com uma linguagem da Psicologia Social, em especial o texto de PedrinhoGuareschi – Alteridade e relação: uma perspectiva crítica. E ainda...ARRUDA, A. (Org.). Representan<strong>do</strong> a alteridade. 2. ed. Petrópolis,RJ: Vozes, 2002.LEFF, E. Racionalidad ambiental y diálogo de saberes: senti<strong>do</strong>sy senderos de um futuro sustentable. Revista Desenvolvimento e<strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>, n. 7, jan/jun, 2003.LEVINAS, E. Ética e infinito. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1982.MERINO, E.S.V. Pedagogia de la ética: de la responsabilidad a laalteridad. Revista Athenea Digital, n. 6, otõno, 2004. Disponívelem: http://antalya.uab.es/athenea/indice/index.html.PELIZZOLI, M.L. A relação ao outro em Husserl e Levinas.Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994.RUIZ, C.B. Os para<strong>do</strong>xos <strong>do</strong> imaginário. São Leopol<strong>do</strong>, RS: Ed.UNISINOS, 2003. [capítulo 1: O imaginário]35


BIORREGIONALISMO: A educação ambientaltecida pelas teorias biorregionaisMichèle SatoPalavras-chave: biorregião; diálogo de saberes; indica<strong>do</strong>res; cidadania;justiça ambiental; identidade.Imaginemos uma localidade rural, distante <strong>do</strong>s ruí<strong>do</strong>s das fábricas,fumaças de poluição, out<strong>do</strong>or <strong>do</strong> MacDonald, ou atropelamentos marca<strong>do</strong>spela inabilidade humana em se promover atenção à solidariedade no trânsito.Há um recanto <strong>do</strong>s pássaros, de tuiuiús com ninho na copa de uma árvore,sofren<strong>do</strong> pela envergadura de suas grandes asas e que, inevitavelmente, esbarramnos primeiros fios elétricos que trazem a modernidade em uma regiãodistante <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s de vida da sociedade branca, capitalista e ocidentalizadaem sua urbanidade. Esta região não está esquecida, seus habitantes fazemparte <strong>do</strong>s números que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD) contabiliza para aferir o índice de Desenvolvimento Humano(IDH), através de somente três indica<strong>do</strong>res: longevidade, escolaridade eProduto Interno Bruto (PIB). Seus habitantes recusam ser excluí<strong>do</strong>s da“qualidade de vida” e, teimosamente, lutam para que suas vidas sejam narradas- talvez para eles, Gabriel García Marques tenha razão: a vida não éapenas para ser vivida, mas deve ser lembrada e eloqüentemente narradapara que não se perca o fio da história.A pequena narrativa deste texto é sobre uma comunidade chamadaMimoso, que carrega sua trilha na carne e no coração de seus habitantes.Vilarejo pobre, sua <strong>do</strong>r se mistura com o canto <strong>do</strong>s cardeais, nos reflexossolares nas águas da baía Mariana, da verde gramínea que originou seunome, e nas espécies vivas que preenchem o alvorecer da esperança. Mimosoé também um local de seres encanta<strong>do</strong>s, com símbolos recria<strong>do</strong>spela memória viva de geração a geração, e também de padroeiros, santose milagres que permitem que o local jamais seja aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>. No mosaicobiorregional Pantaneiro, uma mítica de lendas e “causos” alia-se à espiritualidade,revelan<strong>do</strong> padroeiros à pesca, ao tempo bom, à terra fértil ou aoanúncio da chuva. Minhocão, Pé de garrafa, Tchá Mariana e outros seresencanta<strong>do</strong>s habitam o Pantanal, anuncian<strong>do</strong> que as expressões culturais sealiam à dinâmica da natureza.As mulheres rendeiras já aban<strong>do</strong>naram a concorrência com as redestêxteis das indústrias, que oferecem preços mais baixos na desleal competiçãode merca<strong>do</strong>. Os homens já não vivem mais da pesca e os casamentos39


consangüíneos estão cada vez menos freqüentes. O centro da comunidade éa escola Santa Claudina, que recebeu este nome em homenagem à mãe <strong>do</strong>então herói regional, Cândi<strong>do</strong> Mariano Ron<strong>do</strong>n. Mimoso não quer sucumbirao processo desintegra<strong>do</strong>r, e os conflitos diários, entre a fome e os impactosambientais, clamam pela sobrevivência digna das empoeiradas prateleirascom fotografias antigas, registros amarela<strong>do</strong>s na tirania <strong>do</strong> tempo que setornam labirintos sem fronteiras. Na parede da sala, fotografias de artistasse misturam em recortes de revistas, entre Xuxa, Brad Pitt, aviões, futebole uma variedade de santos e santas que buscam em sua mítica, seu jeitopróprio de tecer esperanças.É neste espaço da casa que a mítica pantaneira revela seus segre<strong>do</strong>s,mas longe de ser um santuário intocável, a exemplo <strong>do</strong> seu status de“patrimônio da humanidade”, a santidade semiológica se entrecruza com aexuberância ecológica, revelan<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> etimológico <strong>do</strong> santuário: é comose as raízes das árvores e da vegetação pantaneira mergulhassem na terracom sua copa tocan<strong>do</strong> o céu. E no meio deste espaço, concretiza o territóriointermediário da luta humana protegida pelas suas divindades.Seria um equívoco acreditar que a religiosidade da biorregião mascaraa luta política explícita na vida mimoseana. Inserida em projetos de EducaçãoAmbiental, Mimoso se recusa a aceitar o inexorável movimento daglobalização, projetada na homogeneidade da solidariedade absoluta entreto<strong>do</strong>s os povos, da eliminação das diferenças e da pulsação que segrega olocal <strong>do</strong> global. Heidegger diria que entre o desejo <strong>do</strong> ideal e o concreto <strong>do</strong>real há um enorme abismo que necessita ser supera<strong>do</strong>. A mudança de umasobrevivência predatória a uma vida ética requer instrumentos e educaçãoainda em plena construção local. Isso não implica, entretanto, desprezar acidadania planetária, mas antes, institui-se o desafio de sermos realmentejustos em construir a requerida cidadania local.Compreendemos que na riqueza das experiências realizadas no projetocomunitário de Educação Ambiental, há também o para<strong>do</strong>xo da estagnação.Se alguns olhares percebem o conhecimento indígena ou popular como“tradicionais”, ou “primitivos”, é preciso problematizar que esta assimetriaesconde uma hierarquia perversa da superioridade de quem estabelece edetermina a contemporaneidade. A contração <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, sob a égide <strong>do</strong>scontroles <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>res, “esconde a riqueza das experiências sociais <strong>do</strong>mun<strong>do</strong>... pois as entidades ou experiências específicas estão aprisionadasem escalas que as incapacitam serem alternativas credíveis na racionalidadeuniversal e <strong>do</strong>minante” (Santos, 2000, p. 49).Assim como as correntes filosóficas gerais, o biorregionalismo tambémtem suas várias características. Historicamente, ele nasceu nos Esta<strong>do</strong>s40


Uni<strong>do</strong>s, em plena efervescência da contracultura, no contexto das comunidadesalternativas da Califórnia, que buscaram um estilo alternativo de vidae se consagrou como parte da chamada “Ecologia Profunda” (Alexander,1996). Em oposição à ausência de sensibilidade ecológica, centralizada naespécie humana (antropocentrismo), a ecologia profunda reivindica pelaética da vida em sua plenitude (biocentrismo). Alguns autores acreditamque o amor pela terra de certas comunidades não foi fruto <strong>do</strong> movimentoecológico marca<strong>do</strong> pela contracultura, mas pela ausência de opção na vidaurbana que rege o princípio <strong>do</strong> desenvolvimento. Sua trajetória, assim, nãofoi em linha reta - enquanto alguns ainda buscam esta alternativa de vida,através da permacultura, hábito alimentar natural, ou mo<strong>do</strong> de vida menosconsumista, outros trilharam por um posicionamento mais político da histórialocal, interpretan<strong>do</strong> culturas e comunidades sem negligenciar o ambientenatural circundante das regiões. É nesta segunda vertente que adentramosno mun<strong>do</strong> da Educação Ambiental.Rompen<strong>do</strong> com a tradicional visão determinista que condena certaregião, a opção filosófica é tentar perceber um local com característicasgeográficas e biológicas inscritas numa história de vida. No cenário daglobalização, o biorregionalismo é uma tentativa, entre tantas outras possibilidades,de construir identidades fora <strong>do</strong>s centros hegemônicos, na relevânciadas lutas políticas em locais e territórios singulares. As metanarrativaspulverizaram as diferenças, dan<strong>do</strong> homogeneidade ao to<strong>do</strong> e suas partes. AEducação Ambiental inscrita no biorregionalismo reforça que a experiênciasocial é variada e múltipla, e para além <strong>do</strong> veredicto das ciências, <strong>do</strong> controleeconômico ou da exclusão social, pretende buscar alternativas que possibilitemo não desperdício das vivências locais. É a esperança de escreverum texto cultural (Geertz, 2002), vesti<strong>do</strong> de farrapos ou a moda de uma era,mas que contemple a etnografia sem me<strong>do</strong> da solidão, <strong>do</strong> desconforto físicoou da paciência em encontrar o fascínio cultural escrito na natureza.Na ebulição deste século XXI, o que prevalece não é a ingenuidadeda intocabilidade de santuários, mas a constatação de que as disparidadesaumentam cada vez mais, pois os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> poder não percebem “uma Terrasolidária”, nem um “futuro comum” à construção <strong>do</strong> “desenvolvimentosustentável”. A injustiça social e ambiental no Brasil é fruto de um olharimediatista e individualista das classes <strong>do</strong>minantes que operam mecanismosde exclusão social. A Rede Internacional de Justiça Ambiental (Acserald,2004) compreende a condição de existência política tendenciosa, cujos danosambientais sempre afetam os grupos de trabalha<strong>do</strong>res, as populações de baixarenda, os segmentos raciais discrimina<strong>do</strong>s e as parcelas marginalizadas quesão as mais vulneráveis da chamada cidadania.No caso específico de Mimoso, que resguarda ainda suas expressões41


culturais aliadas à beleza natural, os grandes impactos ambientais asseveramdrasticamente a população. A apropriação elitista de espaços e territóriosexige a construção de uma nova temporalidade histórica que denuncie asdisparidades e a concentração de renda somente nas mãos <strong>do</strong>s controla<strong>do</strong>res<strong>do</strong> poder. Face às injustiças ainda pulsantes fortes em Mimoso, a EducaçãoAmbiental assumida no interior <strong>do</strong> Grupo Pesquisa<strong>do</strong>r em Educação Ambiental(GPEA) tem o compromisso de construir alternativas de vida digna,primordialmente no âmbito local, pela ousadia da invenção pedagógicacapaz de criar e recriar movimentos de esperanças à tessitura da cidadanianacional.O resgate às lendas e “causos” da localidade, bem como as narrativasde vida das pessoas evidenciaram o reconhecimento de que to<strong>do</strong> saber éigual por direito e a formação <strong>do</strong> grupo pesquisa<strong>do</strong>r, entre a comunidadee a universidade, foi logo possível. Adentran<strong>do</strong> nas oficinas sociopoéticas,teatros, expressões artísticas e a aprendizagem com o corpo to<strong>do</strong> possibilitarama formação de uma comunidade de aprendizagem que interpretava adimensão ambiental na reinvenção educativa <strong>do</strong> fiar e desfiar democracia,entre os fóruns de discussões e reuniões de planejamento aos pequenos projetoscomunitários. Estavam também presentes as reuniões de avaliação, dasuperação da premiação e <strong>do</strong> castigo para uma tessitura <strong>do</strong> reconhecimento<strong>do</strong>s potenciais e sua sustentabilidade, bem como a autocrítica em desvendaras falhas e buscar as táticas de superação. E, obviamente, as festas comunitáriasestavam muito vivas, na meto<strong>do</strong>logia etnográfica que descarta ahierarquia de um festejo ao aconchego de um grupo pesquisa<strong>do</strong>r.O que se descortinava no palco era a vontade de tecer indica<strong>do</strong>resque se situassem além da economia, e que, sobremaneira, aban<strong>do</strong>nassem avisão paternalista de “geração de renda”, mas que se inscrevesse na ousadiada transformação. O sonho cidadão era construir uma linha de dignidade,que também pode ser interpretada como “não obedecer a nenhuma lei quenão seja instituída por ele mesmo” (Kant apud Abbagnano, 1998, p.276).No marco da cidadania existencialista, que projeta a vida como meta, nuncaapenas como meio, a linha de dignidade visa reduzir o espaço ambiental,estabelecen<strong>do</strong> um teto nas explorações da biorregião e um piso mínimo devida digna. As esperanças devem fluir por dentro da Educação Ambientale animá-la, revelan<strong>do</strong> que é possível aferir dignidade através <strong>do</strong> projeto decidadania.Foi concordan<strong>do</strong> com a frase de Jean Pierre Leroy (2005, p.24), queafirma que “a perda das raízes e da identidade é muito ligada à perda de umarelação com o meio ambiente”, que iniciamos compreenden<strong>do</strong> a percepção42


ambiental da comunidade e, vagarosamente, estamos construin<strong>do</strong> indica<strong>do</strong>ressociais qualitativos que possam oferecer uma identidade na “qualidadede vida” da biorregião. Para além das duvi<strong>do</strong>sas orientações internacionais,a noção de dignidade aproximou-se da cidadania, na tessitura conceitual dalinha de dignidade da biorregião.Na contemplação desta paisagem, bem aquém de um santuárioecológico, é possível que a fúria venha à tona de tempos em tempos, quepode ser sucumbida temporariamente na cotidianidade, mas que jamaisconsegue ser esquecida. Entretanto, os raios solares que ardem como fogonas águas pantaneiras podem transmudar a força da indignação em um poderque pode nos mover à concretização <strong>do</strong>s nossos desejos. Foi no territórioda luta e da vontade que emana da gente de Mimoso, que aprendemos ahistória cultural <strong>do</strong> espaço recorta<strong>do</strong> por fitofisionomias próprias, mas comgana política inscrita na mesma temporalidade. Mimoso é, assim, um outronome da cidadania.Para refletir no seu municípioVocê conhece o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de suaregião? Seu município está acima da linha de pobreza <strong>do</strong> Banco Mundial?É possível construir outros indica<strong>do</strong>res que possam revelar a “qualidade devida” de sua localidade? Quais são eles?Imagine uma educação de qualidade. Quais são os indica<strong>do</strong>res quepodem aferir uma educação verdadeiramente de qualidade? Formação deprofessores? Existência de materiais educativos? Salários dignos? Maisescolas?E um ambiente de qualidade? Quais indica<strong>do</strong>res poderão ser construí<strong>do</strong>spara se ter saúde, transporte, energia e moradia? Para além de indica<strong>do</strong>res,quais caminhos poderão ser trilha<strong>do</strong>s para que os danos ambientais nãosobressaiam nas populações de baixa renda? Como a Educação Ambientalpoderá contribuir neste processo de cidadania?Dicas de filmes1. Balada de NarayamaDireção: Shohei ImamuraRoteiro: A vida marcada pelo sofrimento e a hora da morte na montanhade Narayama pela sustentabilidade das próximas gerações.Informações e <strong>do</strong>wnload <strong>do</strong> filme: http://www.moviemartyr.com/2. Deus e o diabo na terra <strong>do</strong> sol43


Direção: Glauber RochaRoteiro: Um pobre homem da terra encontra Corisco durante a lutacontra o autoritarismo de fazendeiros ricos, e vê Corisco ser mortopela policia.Informações e <strong>do</strong>wnload <strong>do</strong> filme: msql/db/smakefil.htm3. O Sonho de RoseDireção: Tetê MoraisRoteiro: O filme retrata o resulta<strong>do</strong> da luta de algumas famílias pelareforma agrária 10 anos depois da morte de Rose.Informações e <strong>do</strong>wnload <strong>do</strong> filme: http://www.cinemabrasil.org.br/Para saber mais na InternetAbrin<strong>do</strong> a página <strong>do</strong> serviço de busca “Google” (http://www.google.com.br/), saiba dar as boas pistas para que você não se perca nas inúmerasinformações que surgem na tela <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r. Você pode usar o sinal +,ou simplesmente acrescentar aspas nas palavras desejadas.a) Ex1: biorregionalismo+educação+ambientalb) Ex2: “educação+ambiental”...biorregionalismoc) Ex3: “educação+ambiental”Estes três exemplos irão buscar especificamente o que você procura,evitan<strong>do</strong> o excesso de informação que se assemelha bastante ao consumoexagera<strong>do</strong> de uma era contemporânea. E ainda assim, observaremos que nãoteremos tempo para ler toda página que se apresenta e se desfila à construçãode nossos conhecimentos. Boa navegação!Livros e obras cita<strong>do</strong>s no textoABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: MartinsFontes, 1998.ACSERALD, H. Justiça ambiental: ação coletiva e estratégiasargumentativas. In: ACSERALD, H.; HERCULANO, S.; PÁDUA,J.A. (Org.). Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: RelumeDumará, p. 23-40, 2004.ALEXANDER, D. The need for a firmer theoretical foundation.Waterloo: University of Waterloo, 5 p. Disponível em: http://trum-44


peter.com.ca. Acesso em: 03 May 05, 1996.GEERTZ, C. Obras e vidas. O antropólogo como autor. Rio deJaneiro: UFRJ, 2002.LEROY, J.-P. Cidadania, sustentabilidade e dignidade: conceitosem busca de indica<strong>do</strong>res. In: PACHECO, T. (Org.). Linha de dignidade:construin<strong>do</strong> a sustentabilidade e a cidadania. Projeto BrasilSustentável e Democrático. Rio de Janeiro: Fase, p. 11-36, 2005.PETERS, F. Termos filosóficos gregos: um léxico histórico. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1974.SANTOS, B. A crítica da razão in<strong>do</strong>lente. Contra o desperdícioda experiência. São Paulo: Cortez, 2000.Livros e obras recomendadas:COUSIN, C. Trilhas e itinerários da educação ambiental nostrabalhos de campo de uma comunidade de aprendizagem. RioGrande, 2004. 145f. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em Educação Ambiental)– FURG.GREAT RIVER EARTH INSTITUTE. What is biorregionalism?Disponível em: www.greatriv.org.bioreg.org.GRÜN, M. Hermenêutica, biorregionalismo e educação ambiental.In: SAUVÉ, L.; ORELLANA, I.; SATO, M. (Dir.). Sujets choisisen éducation relative à l’environnement. D’une Amérique àl’autre. Montreal: ERE-UQAM, Tome I, p. 91-99, 2002.McGINNIS, M. Bioregionalism. The Encyclopedia of Religionand Nature. Disponível em: www.bioregionalism.org.POSO, A. Integridad y bioregionalismo. Unión de Grupo Ambientalistas.Disponible en: www.union.org.mx.RÍOS-NUÑES, R. Bioregionalismo: una discusión desde el desarrolloterritorial sustentable. Disponible en: www.monografias.SATO, M.; PASSOS, L.A. Biorregionalismo: identidade histórica ecaminhos para a cidadania. In: LOUREIRO, C.F.B.;LAYARGUES, P.; CASTRO, R.S. (Org.). Educação ambiental:repensan<strong>do</strong> o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, p. 221-252,2002.SATO, M. (Coord.). Senti<strong>do</strong>s pantaneiros: movimentos <strong>do</strong> projetoMimoso. Cuiabá: KCM, 2002.45


46STEUCKERS, R. Biorregionalismo. In: Primer Encuentro de laAmérica Románica de Política y Cultura Alternativas. (Viñadel Mar, Agosto-Septiembre de 1996). Disponible en: http://.foster.20megsffree.com.406.


CARDÁPIO DE APRENDIZAGEMSandro TonsoPalavras-chave: autonomia, emancipação, identidade, participação, diversidade,complexidade.A palavra “cardápio”, no contexto da Educação, não chegou agora.Além, é claro, <strong>do</strong>s cardápios das cantinas, <strong>do</strong> cardápio semanal prepara<strong>do</strong>pelas cozinheiras e por to<strong>do</strong>s os outros usos que envolvem o cotidiano daalimentação nas escolas, pode-se encontrar expressão como “Cardápio deProjetos”, “Cardápio de Saber”, “Cardápio de Idéias”, sempre com o senti<strong>do</strong>explícito de listas de “projetos”, “saberes” ou “idéias” colocadas à disposiçãode alguém supostamente interessa<strong>do</strong> nelas.Neste senti<strong>do</strong>, “Cardápio de Aprendizagem” não se constitui nummistério e sua idéia básica pode ser apreendida facilmente por qualquer pessoaque já tenha i<strong>do</strong> ou observa<strong>do</strong> um restaurante alguma vez na vida. É umelenco de atividades (“Ítens de Cardápio”) que têm por objetivo proporcionara formação, no caso, de Educa<strong>do</strong>res Ambientais na sua região.Da mesma forma, a aproximação entre “alimentação” e “educação”não é de to<strong>do</strong> estranha. Curiosamente, em Portugal, berço da nossa línguapátria, a palavra “CARDÁPIO” não existe e tem como sinônimo a palavra“EMENTA” que, por sua vez, no Brasil, tem o senti<strong>do</strong> empresta<strong>do</strong> à Educaçãocomo um resumo de uma disciplina.Também vem de Portugal uma aproximação que diversos autoresfazem, inclusive de mo<strong>do</strong> poético, entre SABER e SABOR. Lá, o verbo“saber” tem ainda no uso corrente o senti<strong>do</strong> de “ter conhecimento” e “tersabor”. Uma determinada comida sabe bem! Na Itália, quan<strong>do</strong> uma comidaestá sem gosto, diz-se que ela “non sa di niente” (“não sabe de nada”).Em latim, a raiz comum às duas palavras, “sapere” tinha o significa<strong>do</strong> de“ter gosto”. Aqui no Brasil, é muito comum as pessoas usarem a palavra“gosto” para expressões <strong>do</strong> tipo: “ter gosto pelos estu<strong>do</strong>s”. Assim como naliteratura, muitos filmes têm nos mostra<strong>do</strong> esta relação entre alimentação econhecimento, desde “Festa de Babete”, “Vatel”, “Tomates Verdes Fritos”,“Simplesmente Marta” até o recente, “O Tempero de Vida”; finalmente,nos jornais e na televisão, encontramos esta ligação em artigos e programascomo o “Saber-Sabor” idealiza<strong>do</strong> por Rubem Alves. As ligações são muitase você também deve ter a sua forma de ligar: saber, cardápio e sabor.49


Como seria?Não é difícil aceitarmos que nós nos alimentamos tanto de coisaspara comer, quanto de outras “coisas”, materiais e imateriais, que nos fazemcrescer, que nos restauram (daí a palavra “restaurante”). Coisas quealimentam o corpo; coisas que alimentam a alma:50“Você tem fome de quê?A gente não quer só comidaA gente quer comida diversão e arteA gente não quer só comidaA gente quer saída para qualquer parte”(Arnal<strong>do</strong> Antunes, em “Comida”)Com tu<strong>do</strong> isso, podemos começar a discorrer sobre a idéia de“Cardápio de Aprendizagem” especificamente na Formação de Educa<strong>do</strong>resAmbientais proposta pela Diretoria de Educação Ambiental <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong><strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>. Per<strong>do</strong>e-me, você Leitor, mas como educa<strong>do</strong>r e amanteda cozinha, da arte de alimentar e alimentar-se (aliás vários educa<strong>do</strong>res eeduca<strong>do</strong>ras gostam da culinária!), vou radicalizar nas metáforas gastronômicasda palavra “cardápio”. Ela é tão apropriada ao senti<strong>do</strong> educacional noqual está inserida neste texto que falan<strong>do</strong> da Culinária se fala da Educaçãoe vice-versa.Conceituação: FAST FOOD “versus” SLOWFOODApesar <strong>do</strong> uso destas expressões em inglês, já é de uso corrente emdiversas partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, a idéia de “fast food” como algo feito rápi<strong>do</strong>, padroniza<strong>do</strong>,produzi<strong>do</strong> em grandes quantidades. Por trás da idéia de produçãoem massa, para maior eficiência de produção e barateamento de custos, háoutros “custos” não internaliza<strong>do</strong>s (ou seja, não considera<strong>do</strong>s) pela economiacapitalista neoclássica. São custos que são “pagos” pelos indivíduos-consumi<strong>do</strong>resna forma de homogeneização <strong>do</strong>s gostos, das necessidades e <strong>do</strong>sdesejos de cada um, transforma<strong>do</strong>s em desejos da “maioria”.Se para o processo industrial em larga escala (ao qual a Educaçãotambém se adaptou), a fabricação de milhares de objetos idênticos gera achamada “economia de escala”, num processo de formação de pessoas, atentativa de forma(ta)ção das massas, de uniformização, de “pasteurização”da educação, produz “custos” humanos e sociais ainda não mensura<strong>do</strong>s. Osriscos da perda de IDENTIDADE, de PARTICIPAÇÃO no próprio destino,o bloqueio à EMANCIPAÇÃO, a destruição da AUTONOMIA, da POTÊN-CIA DE AÇÃO, são conseqüência diretas da massificação da Educação que


se quer questionar ao propor um “Cardápio de Aprendizagem” defini<strong>do</strong> porvocês próprios, nos seus “Coletivos Educa<strong>do</strong>res”, com suas definições <strong>do</strong>que seja prioritário para sua realidade socioambiental.É o oposto <strong>do</strong> “fast food” educacional; é o movimento “SLOWFOOD”, nasci<strong>do</strong> na Europa, em oposição à leviandade <strong>do</strong> ato de se alimentar,preocupan<strong>do</strong>-se com o quê comemos, como comemos e com quemcomemos. É uma oposição à opressão cultural que a comida “fast food”impõe ao se instalar (façam as perguntas abaixo, também, trocan<strong>do</strong> o contexto“gastronômico” pelo “educacional”):a) Pode um cardápio único, padroniza<strong>do</strong>, atender à fome de diferentespessoas nos 5 continentes?b) Pode-se uniformizar o mo<strong>do</strong> de preparo e a forma de servir osalimentos no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>?c) É possível que to<strong>do</strong>s os itens de cardápio estejam presentes duranteo ano to<strong>do</strong>, não importan<strong>do</strong> a época <strong>do</strong> ano e/ou o país?Os princípios <strong>do</strong> movimento “SLOW FOOD” apresentam muitasintonia com aqueles da Educação Ambiental crítica, emancipatória:a) utilizar somente alimentos cultiva<strong>do</strong>s/cria<strong>do</strong>s sem auxílio deagrotóxicos/hormônios;b) valorizar os agricultores/cria<strong>do</strong>res da própria região;c) servir somente produtos da estação, evitan<strong>do</strong> a produção/amadurecimentoartificial <strong>do</strong>s alimentos.Estes princípios lhe dizem algo? Soam familiares quan<strong>do</strong> os contextualizamosna Educação Ambiental. Como seriam os “Ítens de Cardápio”da sua região, neste perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> ano, se você tivesse um restaurante/escola“slow food”?A alimentação/educação “fast food” é um afastamento da nossa realidadesocioambiental regional, é uma artificialização da formação humana,um descolamento <strong>do</strong> território, da cultura. Um processo educativo não podeser importa<strong>do</strong> sem adaptações e apropriações específicas.E com relação às idéias, princípios de formação e conteú<strong>do</strong>s presentesnos currículos de sua região: são adequa<strong>do</strong>s? De onde vieram? Foramdiscuti<strong>do</strong>s coletivamente? Atendem a quais necessidades e/ou interesses?Representam uma busca de re-ligação entre pessoas da comunidade e entreestas e seu contexto socioambiental? São perguntas importantes que podem51


ajudar neste processo de fazer uma Educação Ambiental com a “sua”, a“nossa” cara! A cara de to<strong>do</strong>s e de cada um de nós!Meto<strong>do</strong>logia: cardápio não é um “PF” (pratofeito)O “prato feito”, ou seja, os programas de formação estrutura<strong>do</strong>s em“grades” e “disciplinas”, têm a característica de engessar o processo deformação, consideran<strong>do</strong> os educan<strong>do</strong>s como uma mesma massa uniforme,com mesmos desejos e mesmas lacunas. O “prato feito” é também o pratoúnico, sem possibilidades de escolha.A oportunidade, oferecida por um “cardápio”, é a de proporcionarum amplo leque de escolhas, de atividades de varia<strong>do</strong>s tipos em qualidadee quantidade, suficientes para atender à “fome de saberes” <strong>do</strong>s diversoseducan<strong>do</strong>s. Não engessar a formação é uma atitude política, na medida emque, desta forma, afirma-se a IDENTIDADE e DIVERSIDADE, acentua-se aposição de que somos to<strong>do</strong>s diferentes e que a diferença não é um problema,muito pelo contrário, é uma característica que deve ser valorizada, incentivan<strong>do</strong>que cada educan<strong>do</strong> busque os ítens que lhe sejam mais apropria<strong>do</strong>s,incentivan<strong>do</strong>-o na construção de sua AUTONOMIA.Na medida em que os educa<strong>do</strong>res que estamos envolven<strong>do</strong> têm asmais variadas histórias de vida e de construção pessoal, a maior variedadede ítens de cardápio, proporciona um processo mais adaptável a cada um:integran<strong>do</strong> saberes acadêmicos e populares; atividades prioritariamente deraciocínio, com atividades de sensibilização; debates de valores e atitudescom oferecimento de informações básicas, e assim por diante.Quanto mais varia<strong>do</strong> o “Cardápio”, maior a possibilidade de desenvolvimentosem necessidade de crescimento inútil, maior a possibilidadede crescimento sem descaracterização e finalmente, maior a possibilidadede caracterização que leve a um sentimento de PERTENCIMENTO a umaCOMUNIDADE DE APRENDIZAGEM, diversa e específica.Itens de cardápio: variedade e qualidadeOs Cardápios, seja no senti<strong>do</strong> material <strong>do</strong> objeto que nos entrega ogarçom ou no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu conteú<strong>do</strong>, não devem alimentar somente ocorpo. Lembrem-se da beleza de como podem ser confecciona<strong>do</strong>s, lembremse<strong>do</strong>s nomes <strong>do</strong>s pratos que nos trazem sensações pela sonoridade ou pelaspessoas e lugares que invocam: “molho roquefort”, “filé à provençal”, ou52


nos nossos cardápios caseiros: “o pudim da vovó”, “uma receita que veio<strong>do</strong> Japão”, “uma moqueca baiana”, etc.Da mesma forma, nossos “Cardápios de Aprendizagem” não podemse limitar à questão técnica e objetiva de oferecerem somente informações,mas devem propor atividades que brinquem conosco, que nos tragam àmemória a nossa história, que nos alimentem com poesia, que desenvolvamo senti<strong>do</strong> lúdico, afetivo e estético, enfim, o cardápio deve conter todas asformas que afetem o educan<strong>do</strong>. Lembre-se que afetividade e afeto vem dapalavra afetar; se queremos transformar nossos educan<strong>do</strong>s, devemos tocálose, para isso, a afetividade é fundamental. Nós obtemos o afeto de outroquan<strong>do</strong> possibilitamos que o outro se desenvolva em toda sua potencialidade:intelectual, artística, afetiva, etc.Neste senti<strong>do</strong>, os ítens de cardápio podem e devem ser o mais varia<strong>do</strong>spossível. Como num restaurante ou numa família, o cardápio é também umaforma de comunicação entre o(s) cozinheiro(s) e os que querem se alimentar.Normalmente, o cardápio apresenta o que de melhor a cozinha sabe fazer (àsvezes, aparece sob a forma de “sugestões <strong>do</strong> chef”). O cardápio deve tambémrepresentar a cultura da própria região na qual está inseri<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> se vaia um restaurante japonês ou a uma jantar de uma família italiana, tem-senaturalmente uma expectativa <strong>do</strong>s itens que “não devem faltar”, sob penade descaracterizar o local.O Cardápio de Aprendizagem para Formação <strong>do</strong>s Educa<strong>do</strong>res Ambientaisda sua região deve, portanto, apresentar ítens de diferentes naturezas:informativos (que tragam informações, conteú<strong>do</strong>s e diferentes tipos de conhecimentosnecessários para fazer com que o Educa<strong>do</strong>r Ambiental construaum repertório mínimo que permita participar de mo<strong>do</strong> ativo nas questõessocioambientais da sua região) e formativos (que proporcionem a construçãode meto<strong>do</strong>logias, valores, percepções e atitudes <strong>do</strong> próprio educa<strong>do</strong>r emformação). Da mesma forma, devem ser oferecidas atividades que permitamo desenvolvimento <strong>do</strong> senso estético e ético sobre a atuação da EducaçãoAmbiental e que ajudem o Educa<strong>do</strong>r a atuar de mo<strong>do</strong> cooperativo, críticoe produtor de autonomia entre seus educan<strong>do</strong>s.O cardápio de sua regiãoUm “Cardápio de Aprendizagem” também deve ser regional, ouseja, deve oferecer as melhores atividades que o Coletivo Forma<strong>do</strong>r tenhadesenvolvi<strong>do</strong> e, ao mesmo tempo, deve ser representativo da região naqual está inseri<strong>do</strong>. Obviamente, numa região de cultura extensiva de canade açúcar, de latifúndios, deve-se oferecer, por exemplo, uma atividade deapresentação/discussão desta temática no seu Cardápio, tanto porque deve53


existir um significativo conhecimento popular e acadêmico acumula<strong>do</strong> (pelaexperiência de vida cotidiana) quanto porque os Educa<strong>do</strong>res Ambientais devemesperar que esta temática esta incluída na sua formação, por considerá-laimportante para a discussão da qualidade de vida da população local.Em regiões com outras características, de mar, de montanhas, demigração estrangeira, de atividades econômicas específicas, estas deverãoaparecer das mais variadas formas como ítens <strong>do</strong> seu “Cardápio de Aprendizagem”:“curso de história regional”, “visitas a campo”, “estágios emprefeituras e órgãos regionais”, “debates temáticos com pessoas de diferentessetores”, “criação de jornais/boletins da região/bairro”, “criação deum cineclube com temáticas locais”, “valorização de ESTRUTURAS EESPAÇOS EDUCADORES locais” e dezenas de ítens que somente vocês,Leitor e colegas, com o conhecimento que têm, podem enumerar e criar. UmCardápio, assim concebi<strong>do</strong>, coletivo e diverso, garante a COMPLEXIDADEnum processo amplo e rico de formação de Educa<strong>do</strong>res Ambientais.Por outro la<strong>do</strong>, nas nossas compras em feiras/merca<strong>do</strong>s ou nosrestaurantes aparecem, com freqüência, a expressão: “frutas da estação”.Os cardápios, portanto não podem ser sempre os mesmos num mesmorestaurante (ou Coletivo Educa<strong>do</strong>r). As modificações sazonais <strong>do</strong> ambientetambém podem influenciar na riqueza e diversidade <strong>do</strong> Cardápio. Com asmodificações <strong>do</strong> ritmo de vida no ano, as atividades no Cardápio podem edevem variar para se adaptar a elas. Por exemplo, nos perío<strong>do</strong>s de chuvashá atividades específicas de observação e aprendizagem que não podem serfeitas em outras épocas <strong>do</strong> ano. Nos perío<strong>do</strong>s de colheitas, em certas regiões,há uma migração sazonal de trabalha<strong>do</strong>res que nos permite conhecê-los esaber que, em outros meses, esta população está em outras regiões.Um certo caminho propostoAinda, sobre os “Ítens de Cardápio”: algumas culinárias regionais,em especial a italiana, a francesa, e também a de nossa casa, têm uma certaordem de oferecimento das iguarias. To<strong>do</strong>s nós ouvimos, ao menos “ummilhão de vezes”, nossos pais nos impedin<strong>do</strong> de comer (e nem experimentar!)o <strong>do</strong>ce antes <strong>do</strong> salga<strong>do</strong>!Nas famílias e restaurantes italianos, temos o “antipasto” (entrada, queprepara o paladar, que deve ser apenas um convite e não saciar a fome), “ilprimo piatto” (o primeiro prato, ou seja, uma massa ou risoto, que acalma afome inicial e prepara para o prato principal), “il secon<strong>do</strong>” (o segun<strong>do</strong> prato,ou seja, uma carne acompanhada de legumes, que deve ser saboreada com54


prazer e não com fome), “la insalata” (as saladas que são de mais difícildigestão e devem chegar ao estômago quan<strong>do</strong> este estiver em plena atividadepara facilitar o aproveitamento das fibras), “i <strong>do</strong>lci o frutta” (a sobremesa de<strong>do</strong>ces ou frutas, que fornecem energia rápida – açúcares – para a conclusãoda digestão) e “il digestivo” (uma bebida alcoólica, também para facilitar adigestão). Este ritual, bem conheci<strong>do</strong> por alguns de nós que ainda o mantém,tem uma razão de ser. Segun<strong>do</strong> algumas culturas e pessoas, há uma certaordem para se alimentar, há alguns ítens que não podem faltar: “se não tiverarroz, não parece que eu comi!”.Reparem que cada ítem de cardápio está numa ordem e contribui parao processo to<strong>do</strong> da digestão. Será que na definição <strong>do</strong> “Cardápio de Aprendizagem”da sua região há alguns ítens que vocês consideram fundamentaispara a Formação <strong>do</strong>s Educa<strong>do</strong>res Ambientais? Há alguns ítens que vocêsvão considerar imprescindível que to<strong>do</strong>s façam? Alguma experiência pelaqual to<strong>do</strong>s devam passar? Algum curso que to<strong>do</strong>s devam fazer?Da mesma forma, há atividades <strong>do</strong> seu Cardápio que vocês desejamoferecer antes que outras? Atividades preparatórias a outras; atividades deestímulo a outras; atividades que facilitem o aproveitamento de posteriores...É claro que não se está propon<strong>do</strong> um engessamento (refuta<strong>do</strong> linhasacima!), mas há uma opção político-pedagógica que deve transparecer nocardápio, há uma opção política de formação de Educa<strong>do</strong>res Ambientaisda sua região que não deveria ser qualquer uma, mas uma própria ao seucontexto socioambiental.O “Cardápio de Aprendizagem” e vocêVocê pertence a uma Instituição educacional ou uma instituiçãoeduca<strong>do</strong>ra de alguma maneira? O que você acha que os futuros Educa<strong>do</strong>resAmbientais esperam que a sua Instituição ofereça para a formação deles?Você acha que você e/ou a sua Instituição podem contribuir para a formaçãodeles? Se sim, como? Qual o “Ítem de Cardápio” você tem a oferecer?Porque você considera que seria importante que eles “experimentassem” oseu ítem? Qual a relação <strong>do</strong> seu “Ítem de Cardápio” com os demais “Ítens”ofereci<strong>do</strong>s pelas outras instituições parceiras no Coletivo Educa<strong>do</strong>r de suaregião?Estas são questões importantes para a confecção e discussão “Cardápiode Aprendizagem” <strong>do</strong> seu Coletivo Educa<strong>do</strong>r, após a definição <strong>do</strong> ProjetoPolítico Pedagógico. É no “Cardápio” e nas sugestões de prioridades de ítens55


que a concepção de formação que vocês definiram vai se materializar.E mais! Estas questões também são importantes para que o educan<strong>do</strong>possa escolher melhor os ítens que mais atendam às suas necessidades: seusdesejos (prazer) e lacunas (fome), construin<strong>do</strong> um caminho único para cadaEduca<strong>do</strong>r Ambiental da sua região e, mesmo assim, forman<strong>do</strong> uma COMU-NIDADE DE APRENDIZAGEM que se reconhece pois foi construí<strong>do</strong> umsentimento de PERTENCIMENTO mesmo na DIVERSIDADE, próprio àsfamílias nos almoços de Domingo!56


COLETIVOS EDUCADORESLuiz Antonio Ferraro Júnior & Marcos SorrentinoPalavras-chave: comunidade; políticas públicas; ação-reflexão; pesquisaação-participante;território; alteridade; democracia; educomunicação;pertencimento; pesquisa-ação-participante.O coletivo educa<strong>do</strong>r é a união de pessoas que trazem o apoio desuas instituições para um processo de atuação educacional em um território.Deve se constituir como uma Comunidade Aprendente (Brandão,2005), uma Comunidade Interpretativa (Avanzi e Malagodi, 2005), umgrupo de Pesquisa-Ação-Participante-PAP (Viezzer, 2005), um grupo dePessoas que Aprendem Participan<strong>do</strong>-PAP (Sorrentino, 2005), forjan<strong>do</strong>-secomo uma Comunidade de Destino (Bosi, 1995) de Vida e de Senti<strong>do</strong>(Morais, 2005 e outros), uma Comunidade Afetiva (Halbwachs, 1990),um lugar/momento para os “bons encontros” (no senti<strong>do</strong> Espinosano 6 <strong>do</strong>sencontros que ampliam nossa potência de ação), enfim um grupo no qualeduca<strong>do</strong>res se articulam, pessoal e profissionalmente, para o Encontro (nosenti<strong>do</strong> Buberiano 7 <strong>do</strong> encontro humaniza<strong>do</strong>r) e para a Práxis (no senti<strong>do</strong>Gramsciano 8 , da ação-reflexão dialética na realidade histórica).Ao definir a idéia de Coletivo Educa<strong>do</strong>r que nos anima é importantereforçar as duas dimensões, subjetiva e objetiva, que fazem <strong>do</strong> ColetivoEduca<strong>do</strong>r um espaço tão útil quanto belo.A dimensão <strong>do</strong> belo é a <strong>do</strong> Coletivo Educa<strong>do</strong>r como um pouco daUtopia agora e aqui! Os que sonhamos um mun<strong>do</strong> em que as relaçõeshumanas e sociais não se resumam ao funcionalismo, ao utilitarismo, aomonetário, não resistiríamos se não pudéssemos viver isso já, no encontrocom aqueles companheiros e companheiras que fazem sentir que partilhamosbuscas que transcendem a nós mesmos, nosso tempo biológico,aqueles que ao final de uma conversa nos fazem ficar pensan<strong>do</strong>, encontran<strong>do</strong>o “Outro” (viven<strong>do</strong> a Alteridade enquanto um encontro humaniza<strong>do</strong>r)6Baruch de Espinosa, filósofo judeu-holandês <strong>do</strong> século XVII, sua principal obra é a “Ética demonstradaà maneira <strong>do</strong>s geômetras” publica<strong>do</strong> em português pela Abril Cultural.7Martin Buber, filósofo judeu-polonês, suas obras mais conhecidas são “Eu e tu”, “Socialismo Utópico”e “Sobre comunidade” trabalhou a questão da alteridade e da ética nas relações interpessoais.8Antonio Gramsci, pensa<strong>do</strong>r político italiano, sua principal obra são os “Dos Cadernos <strong>do</strong> Cárcere”,trabalhou temas como Esta<strong>do</strong> e sociedade civil, nesta citação destacamos sua concepção sobre aação política, para a qual podemos sugerir a obra de SEMERARO, G. Gramsci e a sociedade civil:cultura e educação para a democracia. Petrópolis: Vozes, 1999. 279p. .9Este programa está sen<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong> pela DEA/MMA e está disponível no site: www.mma.gov.59


e pensan<strong>do</strong> “que bom”, é o próprio destino busca<strong>do</strong> acontecen<strong>do</strong> aqui eagora. Esta é uma dimensão de transcendência que remete à reflexão sobreo Coletivo Educa<strong>do</strong>r e aos conceitos de Comunidade de Destino, ComunidadeAfetiva, Comunidade de Vida, ao espaço <strong>do</strong> Encontro, da Alteridade,da Potência de Ação. São espaços da “tecedura <strong>do</strong> coletivo nômade” e “daengenharia <strong>do</strong> laço social”, nos quais pre<strong>do</strong>minam a “hospitalidade”, a“capacidade de ser” e o “aumento da potência” (Levy, 1998).A dimensão <strong>do</strong> útil refere-se ao Coletivo Educa<strong>do</strong>r como grupo deprofissionais que se aproximam para superar lacunas e dificuldades e potencializaras qualidades e capacidades de cada instituição, de cada pessoa,para possibilitar processos de educação ambiental permanentes, articula<strong>do</strong>s,continua<strong>do</strong>s e volta<strong>do</strong>s a totalidade de habitantes de um determina<strong>do</strong>território. Constitui o núcleo de planejamento pedagógico de um amploprograma educacional e de desenvolvimento de processos formativos deforma<strong>do</strong>res de educa<strong>do</strong>ras(es) ambientais e seus grupos de Pesquisa-Ação-Participante. Grupo que compartilha observações, visões e interpretaçõesda mesma forma que planeja, implementa e avalia processos de formaçãode educa<strong>do</strong>res ambientais.JustificativaO papel de um Coletivo Educa<strong>do</strong>r é promover a articulação de políticaspúblicas, reflexões críticas, aprofundamento conceitual, instrumentalizaçãopara a ação, proatividade <strong>do</strong>s seus participantes e articulação institucional,visan<strong>do</strong> a continuidade e sinergia de processos de aprendizagemde mo<strong>do</strong> a percolar, de forma permanente to<strong>do</strong> o teci<strong>do</strong> social <strong>do</strong> territórioestipula<strong>do</strong>.Os Coletivos Educa<strong>do</strong>res favorecem a continuidade e permanência<strong>do</strong>s processos educacionais, a consistência e adequação das propostas deformação, a otimização de recursos locais, regionais e federais, a ampliaçãodas cargas horárias de formação, a articulação de programas e projetos dedesenvolvimento territorial sustentável, pois processos amplos, continua<strong>do</strong>se que perpassem to<strong>do</strong> o teci<strong>do</strong> social dependem de uma conjunção derecursos e competências que não se encontram numa única instituição.Por meio de Coletivos Educa<strong>do</strong>res as instituições e movimentosrelaciona<strong>do</strong>s ao campo da educação ambiental poderão articular suaspolíticas de formação de gestores públicos, conselheiros, técnicos, agentesde desenvolvimento local, educa<strong>do</strong>res, professores e lideranças em geral,assim como qualificar seus foros de participação social e suas intervenções60


educacionais voltadas à criação e ou aprimoramento de estruturas e espaçosque tenham potencialidade de atuação como educa<strong>do</strong>ras na direção dasustentabilidade.Quem compõeO Coletivo pode ser constituí<strong>do</strong> por educa<strong>do</strong>res de diferentes instituiçõesque desenvolvam ações formativas no campo da educação ambiental,da educação popular, da formação de professores, da extensão rural,da formação técnica socioambientalista, dentre os mais diferentes setores,nas Universidades, nas Secretarias de Educação, nas Secretarias de <strong>Meio</strong><strong>Ambiente</strong>, nos NEAs <strong>do</strong> IBAMA, nas ONGs, nas Pastorais, nas FederaçõesSindicais, nas CIEAs, nas Redes de Educação Ambiental, nos MovimentosSociais.ObjetivoO objetivo de um Coletivo Educa<strong>do</strong>r é promover reflexão crítica, aprofundamentoconceitual, instrumentalização para a ação, proatividade <strong>do</strong>s seusparticipantes e articulação institucional visan<strong>do</strong> a continuidade e sinergia deprocessos de aprendizagem de mo<strong>do</strong> a percolar, de forma permanente to<strong>do</strong> oteci<strong>do</strong> social da região foco. O Coletivo Educa<strong>do</strong>r deve ser demarca<strong>do</strong> porum território de pertencimento, que pode ser geográfico, setorial ou simbólico(Zaoual, 2003, fala <strong>do</strong>s Sítios Simbólicos de Pertencimento).Só um Coletivo contextualiza<strong>do</strong> é efetivamente capaz de responderaos desafios peculiares a cada território. A articulação <strong>do</strong>s esforços e avalorização das competências regionais permitem a consecução <strong>do</strong> objetivode democratizar uma política pública e não limitar sua execução a poucosprojetos piloto. A constituição <strong>do</strong> coletivo educa<strong>do</strong>r é estratégia essencialpara a implementação de políticas públicas federais, estaduais e municipaisde gestão e educação ambiental, além da elaboração de políticas públicas noâmbito <strong>do</strong>s contextos onde atuam. Por meio <strong>do</strong>s Coletivos Educa<strong>do</strong>res osdiversos <strong>Ministério</strong>s com atuação junto aos temas da educação ambiental,diversidade, qualidade de vida, autonomia, emancipação e participaçãosocial poderão articular suas políticas de formação de gestores públicos,conselheiros, técnicos, educa<strong>do</strong>res, professores e lideranças em geral.Como atuamColetivos Educa<strong>do</strong>res devem assumir-se enquanto grupo de Pes-61


quisa-Ação-Participante, isto implica em um processo permanente deação-reflexão, de pesquisa e intervenção, de análise, de delineamento participativode estratégias, implica também em procedimentos democráticos,não hierarquiza<strong>do</strong>s e transparentes.Os Coletivos Educa<strong>do</strong>res devem promover processos sincrônicos deformação de educa<strong>do</strong>res, educomunicação, educação por meio de foros ecoletivos e educação por meio de estruturas educa<strong>do</strong>ras, além <strong>do</strong>s cursos eprocessos continua<strong>do</strong>s de formação de educa<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>ras ambientais,numa perspectiva de capilarização para toda a base territorial ao qual sedestina, utilizan<strong>do</strong> distintas modalidades e estratégias de ensino/aprendizagem,através da constituição e articulação de diversos grupos de educa<strong>do</strong>resambientais (de acadêmicos a populares) que atuem nos mais diferentescontextos desse território. Estes grupos, articula<strong>do</strong>s com os Poderes PúblicosMunicipais e outras diferentes instituições (empresas, organizaçõesnão governamentais, movimentos sociais, movimentos sindicais, pastorais,etc...) avaliarão, planejarão e desenvolverão projetos e práticas voltadas àconstituição de cada município <strong>do</strong> território como um Município Educa<strong>do</strong>rSustentável – MES 9 e o território, como um to<strong>do</strong>, como um TerritórioEduca<strong>do</strong>r Sustentável.Um Coletivo de Educa<strong>do</strong>res Ambientais pesquisa seu contexto nosenti<strong>do</strong> de valorizar as diferentes práticas sociais existentes, para desenvolveruma capacidade de efetivo diálogo de saberes, pesquisa para conhecer asredes sociais, os fluxos de comunicação e, principalmente, pesquisa “com”e não apenas “sobre” ou “para” seus públicos.Frente a esta diversidade o Coletivo Educa<strong>do</strong>r deverá desenvolvermúltiplas estratégias, linguagens, espaços, meios e modalidades de formação.Um aspecto chave a ser desenvolvi<strong>do</strong> é o Cardápio Regional de AçõesFormativas que reúne as diferentes competências regionais nos formatosmais diversos, tais como oficinas, cursos, vídeos, palestras, disciplinas, espaçoseduca<strong>do</strong>res, textos, vivências para serem acessadas autonomamentepelos coletivos de educan<strong>do</strong>s. A idéia <strong>do</strong> cardápio dialoga com o conceitoda Sociologia das Emergências de Boaventura de Sousa Santos, os conhecimentos,técnicas, formas de produção, de consumo, de lazer, de expressãocultural, de arte, devem vir à tona através de uma sociologia das emergênciasque (re)coloque toda a riqueza de um da<strong>do</strong> contexto como opções para ocaminho; a pertinência de cada ítem deve ser julgada ética, política, técnicae esteticamente pelo grupo social, segun<strong>do</strong> múltiplos parâmetros, isto ajudaa enfrentar a “sociologia das ausências” que a racionalidade econômica opbr/educambiental62


era ao transformar em inútil, arcaico, anacrônico, dispensável, esquecível,aban<strong>do</strong>nável tu<strong>do</strong> o que não se inscreve na sociedade com valor de trocaviável. Assim, o cardápio é progressivo; conhecimento acadêmico e técnicocientífico estão mais presentes nas instituições como academias e ONGs,entretanto conforme o Coletivo Educa<strong>do</strong>r vai encontran<strong>do</strong> a sociodiversidade<strong>do</strong> contexto vão surgin<strong>do</strong> outros saberes: saberes barco, peixe, árvore,cesta, comida, jogos, festa. E como diz O’Connor (2003, p.49) “Qualquerque seja o caso, o que menos necessitamos é de fracionalistas, sectarismo,linhas corretas – ao contrário, precisamos examinar criticamente todasas fórmulas políticas desgastadas pelo tempo e desenvolver um espíritoecumênico para celebrar nossos bens comunais, velhos e novos, tanto comonossas diferenças.”Com quem atuaO público diretamente envolvi<strong>do</strong> no processo educativo, a ser implementa<strong>do</strong>pelo Coletivo Educa<strong>do</strong>r, deve ser composto, por exemplo, porlideranças comunitárias, professores, agentes de saúde, técnicos municipais,participantes de sindicatos e federações de trabalha<strong>do</strong>res, movimentos sociais,Ongs, etc. São grupos dialógicos empenha<strong>do</strong>s em interpretar o contextoe enfrentar as assimetrias de poder e linguagem dentro <strong>do</strong> grupo na definiçãoe busca <strong>do</strong> futuro deseja<strong>do</strong>.As intervenções educacionais desenvolvidas por estes Coletivos Educa<strong>do</strong>resvisam a formação de educa<strong>do</strong>res e de outros coletivos de Pesquisa-Ação-Participante constituí<strong>do</strong>s da máxima diversidade e representatividadesocial, cultural e política possível no contexto. Desta forma seus públicosenvolverão lideranças de movimentos, sindicatos, associações, técnicos deONGs, pastorais, prefeituras, órgãos públicos, empresas, professores, jovens,ambientalistas, anima<strong>do</strong>res culturais. A forma de constituir os gruposde educan<strong>do</strong>s deve vislumbrar o envolvimento de 100% <strong>do</strong>s setores e territóriosda região, poden<strong>do</strong> ser forma<strong>do</strong>s diferentes grupos homogêneos ouheterogêneos. É objetivo que estes grupos de educan<strong>do</strong>s vão se articulan<strong>do</strong>como Comunidade Interpretativa e de Aprendizagem e que atuem juntoscomo grupo de Pesquisa-Ação-Participante.ExemplosRUPEA: a Rede Universitária de Programas de Educação Ambientalé um exemplo de um Coletivo Educa<strong>do</strong>r setorial, ou seja, volta<strong>do</strong> ao63


setor acadêmico. Há nas universidades brasileiras um grande número deiniciativas no campo da formação de educa<strong>do</strong>res ambientais, entretanto,cada universidade isoladamente carece de recursos, de espaços institucionais,de quantidade de profissionais engaja<strong>do</strong>s na área. Três Universidades(UESB-Universidade Estadual <strong>do</strong> Su<strong>do</strong>este Baiano, UEFS – UniversidadeEstadual de Feira de Santana e USP- Universidade de São Paulo), em 1999,começaram a se articular para que cada uma delas pudesse, partilhan<strong>do</strong>recursos, profissionais e materiais, realizar um programa de formação deeduca<strong>do</strong>res ambientais. Esta iniciativa, que se provou extremamente frutíferapara todas as envolvidas deu origem à RUPEA que hoje articula mais de12 universidades que têm partilha<strong>do</strong> e desenvolvi<strong>do</strong> projetos em comum,refleti<strong>do</strong> e sugeri<strong>do</strong> políticas públicas em diálogo com o Órgão Gestor daPNEA.Organizações e Movimentos de Monte Santo (BA): criada em 1997,a partir de uma articulação das comunidades da região de Monte Santo, aEFASE (Escola Família Agrícola <strong>do</strong> Sertão) foi criada em virtude da necessidadesentida pelos camponeses de oferecer a seus filhos e filhas uma educaçãoformal que não os desvalorizasse, não os estimulasse ao afastamentodas comunidades e que ao contrário fortalecesse os vínculos com o campo,com suas comunidades e com uma ação voltada ao desenvolvimento local.O sucesso desta escola foi fruto não somente da mobilização comunitária,mas também de um conjunto de instituições da região que foram respaldan<strong>do</strong>sua construção. Hoje a EFASE desempenha um papel articula<strong>do</strong>r interinstitucional,agregan<strong>do</strong> instituições como PROCUC (Programa Curaçá-Uauá-Canu<strong>do</strong>s), IRPAA (Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada),MPA (Movimento <strong>do</strong>s Pequenos Agricultores), CPT (Comissão Pastoral daTerra), Sindicato <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais (STR) de Monte Santo, STR deItiúba, Prefeitura Municipal de Itiúba (através de sua secretaria de educação),Central das Associações de Fun<strong>do</strong> de Pasto de Senhor <strong>do</strong> Bonfim, CETA(Movimento Estadual de Trabalha<strong>do</strong>res(as) Acampa<strong>do</strong>s(as) e Assenta<strong>do</strong>s(as)da Bahia e UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana) em diversosprojetos de formação de educa<strong>do</strong>res e agentes de desenvolvimento comunitário.Hoje, esta articulação envolve (e é envolvida por) aproximadamente12 municípios e 150 comunidades rurais. Há partilha de responsabilidades,construção democrática <strong>do</strong>s projetos, articulação de competências (cardápiosde aprendizagem) e um grande avanço no senti<strong>do</strong> de superar sombreamentose concorrências entre ações das instituições dan<strong>do</strong> lugar a uma sinergia dasações no âmbito regional.Coletivo de Cuiabá e região: já toman<strong>do</strong> por base a teoria sobre ColetivosEduca<strong>do</strong>res que temos sistematiza<strong>do</strong> a partir de inúmeros referenciaisteóricos e práticos (como os exemplos acima), a DEA/MMA desde 200464


começou, em parceria com o Programa Pantanal, a estimular a criação de 8Coletivos Educa<strong>do</strong>res no âmbito da Bacia <strong>do</strong> Alto Paraguai (esta<strong>do</strong>s de MT eMS). Foram realizadas reuniões para discutir a proposta com as instituiçõesda região e hoje, o Coletivo Educa<strong>do</strong>r de Cuiabá reúne diversas instituiçõesde diferentes setores como UFMT (Universidade Federal <strong>do</strong> Mato Grosso),ECOPANTANAL - Instituto de Ecologia e Populações Tradicionais <strong>do</strong>Pantanal, Federação <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Mato Grosso, REMTEA(Rede Matogrossense de Educação Ambiental), UNEMAT (UniversidadeEstadual <strong>do</strong> Mato Grosso), IBAMA-NEA, SEMA (Secretaria Estadual de<strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>), SEDUC (Secretaria Estadual de Educação e Cultura),INCRA, SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), UNIRON-DON (Faculdades Integradas Cândi<strong>do</strong> Ron<strong>do</strong>n), CEFET-MT, ADERCO(Associação de Defesa <strong>do</strong> Rio Coxipó), AMEMATOGROSSO (AssociaçãoMatogrossense de Ecologia), UNIVAG-Centro Universitário, FORMAD(Fórum Matogrossense de <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e Desenvolvimento). Atualmente,este coletivo já possui um amplo cardápio de aprendizagem regional, umcorpo de profissionais para orientação de educan<strong>do</strong>s, seu projeto políticopedagógico elabora<strong>do</strong>, já vem desenvolven<strong>do</strong> projetos de formação internae neste momento (set/2005) está em processo de formatação de váriosconvênios que garantam a sustentabilidade <strong>do</strong> processo independente <strong>do</strong>estímulo federal.Coletivo Educa<strong>do</strong>r da Bacia <strong>do</strong> Paraná III e Entorno <strong>do</strong> ParqueNacional <strong>do</strong> Iguaçu: A proposta surgiu da articulação entre a equipe daItaipu Binacional e da DEA com o intuito de desenvolver um Programa deEducação Ambiental com base na proposta (ProFEA) da DEA/MMA naregião da Bacia <strong>do</strong> Rio Paraná III, que envolve 34 municípios. Após essesdiálogos e discussões sobre o programa elabora<strong>do</strong> pela DEA, o passoseguinte foi a assinatura de um convênio entre a Itaipu Binacional e oMMA, além da consolidação de parceria com o IBAMA através <strong>do</strong> ParqueNacional <strong>do</strong> Iguaçu. Hoje o Coletivo Educa<strong>do</strong>r envolve além da Itaipu-Binacional e <strong>do</strong> Ibama-Parque Nacional <strong>do</strong> Iguaçu instituições de diversossetores como a UNIOESTE, Secretaria de Educação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Paraná,Secretaria Municipal de <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> de Foz <strong>do</strong> Iguaçu, as Prefeituras<strong>do</strong>s 34 municípios, a SANEPAR, o MST, a ONG Maytenos, UNIGUAÇU,EMATER-PR, AMOPE (Associação <strong>do</strong>s Municípios <strong>do</strong> Oeste <strong>do</strong> Paraná),Conselho <strong>do</strong>s Municípios Lindeiros <strong>do</strong> Lago. A partir <strong>do</strong> estabelecimentode parcerias foi definida a constituição de um Coletivo composto por trêsnúcleos articula<strong>do</strong>s: Cascavel, Foz <strong>do</strong> Iguaçu e Tole<strong>do</strong>. Foi elabora<strong>do</strong>, atravésde reuniões de trabalho nos núcleos, um Projeto Político Pedagógico para ocoletivo como um to<strong>do</strong>, conten<strong>do</strong> ítens de cardápios compartilha<strong>do</strong>s entre ostrês núcleos. Já se desenvolveram discussões sobre critérios de seleção <strong>do</strong>s65


Forma<strong>do</strong>res de Educa<strong>do</strong>res Ambientais Populares nos núcleos e semináriosde formação e apropriação crítica da proposta pelo grupo das instituições.Atualmente está em andamento o processo seletivo <strong>do</strong>s educan<strong>do</strong>s (PAP3– forma<strong>do</strong>res de educa<strong>do</strong>res ambientais populares) e está previsto o primeiromódulo de formação para novembro de 2005.Alguns passos para organizar os Coletivos Educa<strong>do</strong>res• Reunião de Articulação: uma instituição articula<strong>do</strong>ra, setorial outerritorial, reúne um pequeno conjunto de instituições que tambémdesempenham atividades formativas no campo da educação ambiental,educação popular, educomunicação ambiental, formação deeduca<strong>do</strong>res, formação de professores... Nesta reunião, é apresentadae debatida a proposta de um Programa de Formação de Educa<strong>do</strong>resAmbientais (poden<strong>do</strong>-se tomar por base o programa elabora<strong>do</strong> e disponibiliza<strong>do</strong>pela DEA/MMA), inicia-se um primeiro levantamentodas ações realizadas ou planejadas e das outras instituições que possamcontribuir com o Coletivo Educa<strong>do</strong>r. Uma agenda de trabalhopode ser organizada para socialização interna às instituições, paramapeamento e articulação de outras instituições correlatas. É importanteque se defina um recorte territorial prévio a ser envolvi<strong>do</strong> peloColetivo Educa<strong>do</strong>r.• Oficina de trabalho para Constituição <strong>do</strong> Coletivo Educa<strong>do</strong>r:com o objetivo de constituir e planejar o trabalho <strong>do</strong> Coletivo Educa<strong>do</strong>rdebate-se e aprofunda-se o entendimento e comprometimentocom uma perspectiva crítica, emancipatória e popular de educaçãoambiental, sistematizam-se as experiências acumuladas pelas instituiçõespresentes para formação <strong>do</strong> primeiro Cardápio Regional deAções Formativas, avaliam-se as estratégias mais interessantes paraenvolvimento da região, seus poderes públicos e sociedade civil. Paraa operacionalização das ações pode-se dividir o Coletivo Educa<strong>do</strong>r emsubgrupos ou núcleos que possam ter uma agenda mais sistemática deencontros. Quan<strong>do</strong> necessário, pode-se definir um Grupo Articula<strong>do</strong>roperacional, representativo <strong>do</strong> Coletivo Educa<strong>do</strong>r.• Articulação Político-Institucional: o grupo articula<strong>do</strong>r <strong>do</strong> ColetivoEduca<strong>do</strong>r buscará envolver instituições que possam dar tanto umsuporte logístico-financeiro quanto político-pedagógico à proposta.O mapeamento <strong>do</strong>s recursos financeiros, materiais e humanos dis-66


poníveis é chave para a exeqüibilidade da proposta. Outro papel destaetapa de articulação político-institucional é criar as bases jurídicasnecessárias para o envolvimento <strong>do</strong>s profissionais e suas instituiçõesno Coletivo Educa<strong>do</strong>r.• Aprofundamento e debate sub-regional: em cada sub-região osmembros <strong>do</strong> Coletivo Educa<strong>do</strong>r sistematizam seu cardápio, definemcompetências para tutoria de educan<strong>do</strong>s e planeja os demais papéis.É de fundamental importância que este grupo sub-regional inicie ummapeamento das experiências sociais <strong>do</strong>s locais, as redes sociais, asestruturas educa<strong>do</strong>ras, os grupos, a segmentação social e outros aspectosfundamentais para a seleção de educan<strong>do</strong>s, para a valorização dasexperiências populares, para o diálogo de saberes e para a ampliação<strong>do</strong> cardápio. A formação <strong>do</strong>s grupos de Pesquisa-Ação-Participantede educan<strong>do</strong>s pode estar sob a responsabilidade de uma instituiçãoou de frações <strong>do</strong> Coletivo Educa<strong>do</strong>r que, neste caso, reportam-se aele como referência para coordenação das ações na região (como noexemplo <strong>do</strong> coletivo <strong>do</strong> Paraná-III).• Elaboração da proposta de formação: numa oficina, em umoutro momento ou a partir de um grupo menor <strong>do</strong> Coletivo Educa<strong>do</strong>relabora-se uma proposta de Formação Continuada de Pessoasque Aprendem Participan<strong>do</strong>, construin<strong>do</strong> a sua sincronicidade comos demais processos formativos desenvolvi<strong>do</strong>s ou planeja<strong>do</strong>s peloColetivo.• Seleção de educan<strong>do</strong>s e desenvolvimento das propostas de formação:o Coletivo Educa<strong>do</strong>r deverá articular to<strong>do</strong> o processo seletivo<strong>do</strong>s forma<strong>do</strong>res de educa<strong>do</strong>res ambientais de mo<strong>do</strong> a envolver a diversidadesocial e territorial <strong>do</strong> contexto em questão. As propostas deformação desenvolvidas pelos núcleos deverão atingir um profun<strong>do</strong>diálogo e interdependência, inclusive permitin<strong>do</strong> que os educan<strong>do</strong>spercebam-se como parte de um processo regional-nacional, servin<strong>do</strong>se<strong>do</strong> amplo conjunto de opções -cardápio- resultante <strong>do</strong> mesmo.• Avaliação/re-planejamento e articulação permanentes: o ColetivoEduca<strong>do</strong>r deverá se reunir para avaliar o andamento das propostas,desenvolver estratégias de avaliação <strong>do</strong>s projetos de intervenção <strong>do</strong>seducan<strong>do</strong>s, re-orientar as propostas de formação, elaborar materiais deapoio pedagógico e sempre que necessário constituir grupos temáticostransversais às sub-regiões atenden<strong>do</strong> às necessidades de conteú<strong>do</strong>s67


e instrumentos <strong>do</strong>s educan<strong>do</strong>s.Algumas perguntas orienta<strong>do</strong>ras1) Quem são as instituições de nosso território que, de alguma forma,promovem processos de formação ou intervenções educacionais?2) Quais os desafios da educação ambiental crítica no nosso contexto?3) Que formação devemos ter e oferecer enquanto educa<strong>do</strong>res eeduca<strong>do</strong>ras ambientais?4) Como um programa de educação ambiental poderia envolverTODO o nosso contexto?5) Como nossas instituições devem se articular para realizar um programacontinua<strong>do</strong> de Formação de Educa<strong>do</strong>res Ambientais?6) Quem são, no nosso contexto, as pessoas que poderiam desempenharo papel de forma<strong>do</strong>res de educa<strong>do</strong>res ambientais popularesde mo<strong>do</strong> a envolver TODAS as pessoas?AprofundamentoFilme: “Quase <strong>do</strong>is irmãos”Direção: Lúcia Murat; Duração: 102 minutosConta a história de <strong>do</strong>is personagens de origens distintas, um presocomum e um preso político que tornan<strong>do</strong>-se amigos dentro da prisãosão articula<strong>do</strong>res de movimentos coletivos de naturezas distintas.Curtas: Brasil AlternativoDireção: Renato Levi; Produção: TV Cultura e Instituto Ecoar paraa CidadaniaSão 6 curtas relatan<strong>do</strong> experiências de articulação entre pessoas egrupos buscan<strong>do</strong> melhor qualidade de vida.Referências BibliográficasBOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo:Companhia das Letras, 1995.68


BARBIER, R. Pesquisa-ação na instituição educativa. Rio deJaneiro: Zahar, 1985._____. A pesquisa-ação. Brasília: Ed. Plano, 2002.BRANDÃO, C.R. (Org.). Pesquisa participante. 3 ed. São Paulo:Brasiliense, 1981._____. O ardil da ordem, caminhos e armadilhas da EducaçãoPopular. 2. ed. Campinas: Papirus, 1984._____. (Org.). Repensan<strong>do</strong> a pesquisa participante. São Paulo:Brasiliense, 1999._____. A pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa notrabalho <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r. São Paulo: Cortez, 2003.CARVALHO, I.C.M. A invenção <strong>do</strong> sujeito ecológico: senti<strong>do</strong>se trajetórias da educação ambiental no Brasil. Porto Alegre: Ed.Universidade <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul.GUIMARÃES, M. A formação de educa<strong>do</strong>res ambientais.Campinas: Papirus, 2004.HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice,1990.LÉVY, P. A inteligência coletiva - por uma antropologia <strong>do</strong>ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Diretoria de EducaçãoAmbiental. Textos diversos. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/fea/index.htm.O’CONNOR, J. Es posible el capitalismo sostenible? In: ALI-MONDA, H. (Comp.). Ecología política: naturaleza, sociedad yutopia. 1. ed. 1. reimp. Buenos Aires: CLACSO, p. 27-52, 2003.ZAOUAL, H. Globalização e diversidade cultural. São Paulo:Cortez, 2003.SOUSA SANTOS, B. A crítica da razão in<strong>do</strong>lente: contra o desperdícioda experiência. São Paulo: Cortez, 2000._____. Por uma sociologia das ausências e das emergências.Disponível em: http://www.ces.fe.uc.pt/bss/<strong>do</strong>cumentos/sociologia_das_ausencias.pdf.69


COMPLEXIDADE:uma palavra com muitos senti<strong>do</strong>sAline ViégasPalavras-chave: ciência; educação; crítica; holismo; paradigma.Observamos o termo complexidade em muitos <strong>do</strong>s discursos que tentamexplicar/compreender várias das problemáticas multidisciplinares da atualidade:histórico-sociais, sócio-econômicas, político-econômicas, sócio-afetivas,etc. Uma análise um pouco mais detalhada <strong>do</strong>s discursos que permeiam aeducação ambiental também aponta para a presença deste termo com bastantefreqüência, pois ela se debruça sobre a compreensão da dimensão sócio-ambientalda realidade. Porém, o senti<strong>do</strong> mais freqüente <strong>do</strong> uso desta palavra, nasmais diversas dimensões, é o de negação; ou seja, é a negação de que estasproblemáticas possam ser compreendidas por um modelo que simplifique arealidade. Vamos tentar aprofundar um pouco mais esta discussão.O conhecimento científico herda<strong>do</strong> da ciência moderna tem seusalicerces num paradigma <strong>do</strong>minante 10 , intitula<strong>do</strong> por Edgar Morin (1997a)como paradigma da simplificação (redução/separação), pois ao focar naparte, fragmenta a noção <strong>do</strong> real. Portanto, um <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s mais observa<strong>do</strong>spara a palavra ‘complexidade’ na educação ambiental é o de que é impossívelexplicarmos/compreendermos os problemas sócio-ambientais dentro<strong>do</strong> paradigma cartesiano 11 . Mesmo consideran<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> mais restrito dapalavra ‘sócio-ambiental’, podemos compreender esta idéia da negação àsimplificação: as questões sobre as quais a educação ambiental se debruçasão, ao mesmo tempo, sociais e ambientais.A negação ao reducionismo cartesiano não é uma idéia nova. Oholismo há algum tempo, e ainda atualmente, vem conquistan<strong>do</strong> espaçonos discursos sobre educação ambiental. A idéia de que existe ‘um to<strong>do</strong>orgânico’ que se sobrepõe às partes aparece “quase como um contrapontoepistemológico ao reducionismo cartesiano” (Grün, 1996, p. 65). Porém,a complexidade agrega novos conceitos para a compreensão da realidadesócio-ambiental, interpretan<strong>do</strong>-a como uma relação complexa, perman-10Souza Santos (1987) utiliza este termo em referência ao paradigma que regeu/rege a ciência modernaEdgar Morin (1997b) o compreende como estruturas de pensamento que de mo<strong>do</strong> inconscientecomandam nosso discurso.11Ver discussão sobre o cientificismo mecanicista cartesiano que perpassa por vários autores quediscutem a questão ambiental (como por exemplo, Mauro Grün, 1996).73


ente e recíproca entre elementos das sociedades humanas e elementos danatureza.Morin nos diz que precisamos avançar para além <strong>do</strong> pensamento reducionistae <strong>do</strong> pensamento holista, pois os <strong>do</strong>is são mutilantes. O primeiromutila a visão <strong>do</strong> to<strong>do</strong> em prol da visão das partes, o segun<strong>do</strong> mutila a visãodas partes em prol da visão <strong>do</strong> to<strong>do</strong>. Este autor cunha um senti<strong>do</strong> paradigmáticopara a complexidade: “a complexidade não é um conceito, mas umaforma de enxergarmos a realidade” (Morin, 1999), pois se apresenta comouma compreensão <strong>do</strong>s desafios que precisamos enfrentar no momento daação devi<strong>do</strong> ao conhecimento incompleto que temos da realidade.Estes desafios não são pequenos, pois aprendemos e ensinamos separan<strong>do</strong>.Entre tantas outras disjunções separamos a razão e o sentimento, osujeito e o objeto, o social e o natural, o indivíduo <strong>do</strong> coletivo. Podemosapreender nos discursos esta limitação compreensiva sobre a complexidadedas questões sócio-ambientais: por diversas vezes, a palavra complexidade éutilizada com um esvaziamento de senti<strong>do</strong> ou acompanhada por explicaçõescom uma roupagem reducionista ou holista.Por uma compreensão complexa das questões sócio-ambientaisNa perspectiva da complexidade moriniana “o real excede sempre oracional” (Morin, 1999, p. 169) e por isso a tentativa de compreendermosum mun<strong>do</strong> complexo é uma permanente superação da nossa capacidade deentender o mun<strong>do</strong>. Desta perspectiva des<strong>do</strong>bram-se duas conseqüências: acada momento de compreensão de uma realidade complexa se depreendeum novo real a ser persegui<strong>do</strong> e que este movimento incessante de compreensão<strong>do</strong> real está intimamente associa<strong>do</strong> à visão <strong>do</strong> real que acabamosde construir.Neste senti<strong>do</strong>, objeto e sujeito-conceptor 12 passam a fazer partede um mesmo movimento de apreensão <strong>do</strong> real/construção <strong>do</strong> real. Esteanelamento 13 de idéias, ao mesmo tempo em que enriquece a nossa visão12Segun<strong>do</strong> Morin (1999), <strong>do</strong>is (<strong>do</strong>s treze) princípios da inteligibilidade para uma visão complexa <strong>do</strong>universo são “a relação ineliminável entre o observa<strong>do</strong>r-conceptor e o objeto-concebi<strong>do</strong>” e “a possibilidadee necessidade de uma teoria científica <strong>do</strong> sujeito” (pp.329 a 334). Desta forma, o autorcunha o termo sujeito-conceptor com o senti<strong>do</strong> de que o observa<strong>do</strong>r é sempre um sujeito que mantémuma relação permanente com o objeto num movimento de apreensão/construção da realidade.13A idéia de anel gerativo e regenerativo, unin<strong>do</strong> alguns conceitos disjuntos no paradigma cartesiano,é uma idéia recorrente no pensamento de Edgar Morin. Esta idéia de anelamento na relação entresujeito-objeto nos incita a avançar sob uma visão de síntese que os dissolve em uma totalidadeindistinta (como ocorre no holismo).14A noção de comunidades interpretativastrazida neste verbete está baseada na obra de Boaventura de74


empobrecida de sujeito e objeto, traz para dentro deste anel a incerteza <strong>do</strong>objeto (<strong>do</strong> real a ser concebi<strong>do</strong>) e <strong>do</strong> sujeito (<strong>do</strong> indivíduo que concebe estereal - o conceptor), revelan<strong>do</strong>, conseqüentemente, a permanente incerteza<strong>do</strong> conhecimento.Morin (1999a) indica treze princípios (não definitivos) na tentativa declarear esta trilha paradigmática da complexidade. Impossível seria, nestetexto, esclarecermos to<strong>do</strong>s. Porém, um deles indica para a compreensão daordem organizacional complexa <strong>do</strong>s sistemas auto-organiza<strong>do</strong>s, propon<strong>do</strong>um diálogo entre os conceitos de ordem, desordem e organização na tentativade compreendermos as várias dimensões <strong>do</strong>s fenômenos sem os reduzir àsunidades elementares (físicas, biológicas ou humanas), mas operan<strong>do</strong> umacomunicação entre elas.Podemos tentar conceber a expressão fenomênica de um sistemacomplexamente organiza<strong>do</strong> a partir das relações existentes entre “o to<strong>do</strong>”e “a parte”. Segun<strong>do</strong> Morin (1997), se no cartesianismo o to<strong>do</strong> é inferiorà soma das partes e no holismo o to<strong>do</strong> é superior à soma das partes, nacomplexidade o to<strong>do</strong> é, ao mesmo tempo, superior, inferior e diferente dasoma das partes. É superior à soma das partes porque somente no nível daconstituição <strong>do</strong>s sistemas, desabrocham (emergem), nos seus elementos eno to<strong>do</strong>, características que são peculiares <strong>do</strong> pertencimento ao sistema (quenão se apresentam nos elementos quan<strong>do</strong> estes estão isola<strong>do</strong>s). É inferior àsoma das partes porque na constituição <strong>do</strong>s sistemas complexamente organiza<strong>do</strong>ssurgem imposições que limitam a expressão <strong>do</strong>s elementos dentrodaquele sistema. E, é diferente da soma das partes porque os elementos,quan<strong>do</strong> pertencentes a um sistema, apresentam características diferentesdaquelas quan<strong>do</strong> estão isola<strong>do</strong>s ou quan<strong>do</strong> pertencentes a outros sistemas(devi<strong>do</strong> às emergências e às imposições que se constituem na própria formação<strong>do</strong> sistema). Estas afirmativas demonstram que a relação estabelecidaem um sistema organiza<strong>do</strong> é mais complexa <strong>do</strong> que uma relação de soma,justaposição ou mera subordinação.Adentrar na compreensão da desordem-ordem-organização <strong>do</strong>ssistemas complexos auto-organiza<strong>do</strong>s é conceber a própria auto-organização<strong>do</strong> sistema. Na seção a seguir, um pequeno exemplo poderá ilustrar adimensão educacional deste tipo de compreensão.Complexidade e educação ambiental críticaGrande parte das práticas intituladas como sen<strong>do</strong> de educação ambientalainda se apresentam em uma perspectiva conserva<strong>do</strong>ra. Isto porque,segun<strong>do</strong> Guimarães (2004), estas estão presas a uma “armadilha paradigmática”.Esta armadilha paradigmática impossibilita que os educa<strong>do</strong>res75


ambientais implementem práticas educativas em uma perspectiva crítica,mesmo quan<strong>do</strong> sensibiliza<strong>do</strong>s e motiva<strong>do</strong>s por esta perspectiva da educaçãoambiental. Segun<strong>do</strong> Guimarães, esta armadilha paradigmática nos leva auma “limitação compreensiva e incapacidade discursiva” (Viégas, 2002)sobre a problemática sócio-ambiental.Avançarmos na compreensão da complexidade <strong>do</strong>s fenômenos sócioambientaisé um <strong>do</strong>s elementos de instrumentalização na formação crítica<strong>do</strong>s educa<strong>do</strong>res ambientais. O exemplo a seguir (coleta<strong>do</strong> em uma turma de1ª série <strong>do</strong> ensino fundamental) gera algumas reflexões neste senti<strong>do</strong>, porémmuito caminho ainda há de ser trilha<strong>do</strong> na pesquisa em educação ambientaldentro <strong>do</strong> enfoque paradigmático da complexidade moriniana.“E, de repente, uma intrusa lagarta”?... ou a instauração de umanova ordem organizacional?“Dentro <strong>do</strong> Jardim Botânico, Vera e Eva conduziam a turma em direçãoàs palmeiras imperiais. Haviam acaba<strong>do</strong> de mostrar árvores de pau-brasile de explicar a importância destas no contexto histórico brasileiro. Afinalde contas, este era o ano da comemoração <strong>do</strong>s 500 anos <strong>do</strong> descobrimento<strong>do</strong> Brasil e as árvores de pau-brasil e as palmeiras imperiais mereciamuma atenção especial de to<strong>do</strong>s que por ali passavam.Vera, a coordena<strong>do</strong>ra pedagógica da série, por diversas vezes, pedira queas crianças procurassem “pistas” de animais nos locais por onde passavam.Também, por diversas vezes, as crianças apontaram para algumas ‘pistas’que não foram muito valorizadas.Porém, desta vez, não ocorreu a mesma coisa. A presença da lagarta gerouum grande rebuliço. As reações eram diversas. Alguns alunos queriamolhá-la, outros queriam tocá-la, pisá-la; outros, ainda, protegê-la. Algumascrianças empurravam para ver, fotografar a lagarta ou para permitir queela fosse filmada. Os professores somente observavam.Logo depois, Eva, a professora da turma, tenta desviar a atenção das criançaspara as palmeiras imperiais. Queria explicar às crianças a históriadaquelas palmeiras, a relação delas com a história <strong>do</strong> Jardim Botânico ecom a história <strong>do</strong> Brasil.(Viégas, 2002, p.91,92 e 93)Vera, ao incitar os alunos a observarem animais, enxergava-os naposição de observa<strong>do</strong>res à parte <strong>do</strong> objeto a ser observa<strong>do</strong>. Eles, alunos eprofessores, observa<strong>do</strong>res em campo, num espaço natural, dele não faziam76


parte: observariam aquela lagarta, um elemento da natureza que seguia oseu trajeto à procura de alimento ou de abrigo. Tu<strong>do</strong> com uma ordem prédeterminada,um percurso, um fim.Porém, este não foi o movimento real. A lagarta não teve o papel demero objeto isola<strong>do</strong> diante <strong>do</strong> grupo de alunos e professores, não foi umsimples elemento da natureza a ser observa<strong>do</strong>. A sua presença causou nosalunos e nos professores uma impressão e uma reação. A frágil ordem queexistia no universo organiza<strong>do</strong> (forma<strong>do</strong> pelo conjunto de alunos-professoresem um contexto singular) fora rompida pela presença da lagarta e pelareação das pessoas que lá estavam.A ordem complexa é singular a um determina<strong>do</strong> tempo e espaço.Determina o sistema organiza<strong>do</strong>, porém também é determinada pelas novasinterações que ocorrem no sistema; é capaz de desenvolver-se. A lagartafora um acontecimento para as pessoas que compunham aquele grupo, umacontecimento que estabeleceu novas interações no universo anteriormenteorganiza<strong>do</strong> e uma desordem na organização anteriormente estabelecida.Esta desordem será gera<strong>do</strong>ra de novas interações e de nova ordem, já quea desordem participa e coopera na formação da ordem organizacional(complexa).A nova face da desordem (a desordem gerativa) desvenda-nos ummun<strong>do</strong> complexo, em constante transformação, marca<strong>do</strong> pelas desordens quegeram constantes e novas interações. Em nível fenomênico, a perturbação(desordem) causada pela presença da lagarta gerara novas interações (açõese reações <strong>do</strong>s participantes da organização em formação). Os movimentosda lagarta e <strong>do</strong> grupo de alunos e professores estariam, a partir daquelemomento (que é um tempo histórico no qual o contexto deixa e dita as suasmarcas no presente para o tempo futuro), marca<strong>do</strong>s pela desordem geradapor este fato imprevisto. O devir da lagarta e daquele grupo social estariammarca<strong>do</strong>s pelas novas interações que ocorreriam a partir <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de desordemque se instaurava.O fato imprevisto (o aparecimento da lagarta), que gerou uma desordemem relação à ordem estabelecida anteriormente, produziu reações/açõespor parte das pessoas. Porém as reações são mais <strong>do</strong> que ações, elas provocaminterações. As interações são ações e reações recíprocas que “modificam ocomportamento ou a natureza <strong>do</strong>s elementos, corpos, objetos ou fenômenos”(Morin, 1997, p.53). Estas interações, subseqüentes à desordem, nãosão previsíveis probabilisticamente, pois são encontros aleatórios; porém,estes encontros aleatórios produzem efeitos (determinações singulares) quesão próprios <strong>do</strong> contexto onde os encontros ocorrem. Estas determinaçõessingulares impõem regras às interações, regras estas que dão o “primeiro77


osto” da nova ordem organizacional que se funda – são as imposições.A reação <strong>do</strong>s alunos, ante a lagarta, era diversa: alguns queriam tocála,outros pisá-la, outros ainda protegê-la. Eva e Vera reagiam tentan<strong>do</strong> nãointerferir no percurso que a lagarta traçava, queriam só observá-la e tentavammostrar aos alunos (através <strong>do</strong> exemplo de uma atitude de observa<strong>do</strong>r) queeles deveriam fazer o mesmo. Nos <strong>do</strong>is casos as ações e reações das pessoas(interações) são determinadas pela visão de mun<strong>do</strong> simplifica<strong>do</strong>ra/reducionista,em que a lagarta é vista como um elemento isola<strong>do</strong> de um objeto maisamplo (a natureza) que está sen<strong>do</strong> observa<strong>do</strong> por um observa<strong>do</strong>r à parte. Esteobserva<strong>do</strong>r (que no caso era o grupo social forma<strong>do</strong> por alunos/professores)não deveria sofrer interferências deste objeto observa<strong>do</strong> e, ao mesmo tempo,teria pleno <strong>do</strong>mínio/controle sobre a situação da observação/manipulação<strong>do</strong> objeto, deven<strong>do</strong> para isto saber observá-lo, inquiri-lo.Portanto, a imposição que surgiu <strong>do</strong>s encontros aleatórios causa<strong>do</strong>spela desordem (gerada a partir <strong>do</strong> fato imprevisto) foi a ‘visão de mun<strong>do</strong>’<strong>do</strong> grupo social forma<strong>do</strong> por alunos-professores. Esta imposição regeu eestabilizou as primeiras inter-relações que configuravam a ordem de umanova organização que se formava (fundada sob a égide de uma ordem queproporcionava regularidade e estabilidade às inter-relações). A ordem, destanova organização que se funda (organização mais ampla que incluía o devir<strong>do</strong> grupo social alunos-professores e o devir da lagarta), só se expressaquan<strong>do</strong> a organização se apresenta através de um quadro de inter-relações(interações mais estáveis) entre o grupo social e a lagarta.Da mesma forma, na própria constituição <strong>do</strong>s sistemas organiza<strong>do</strong>s,emergem propriedades ou qualidades novas. Qualidades estas que provémdas inter-relações entre as partes e que são consideradas como produtosda organização - as emergências. As emergências são traços próprios deum sistema e se apresentam como qualidades fenomênicas que emergem apartir <strong>do</strong> momento em que as inter-relações tornam-se necessárias e o aspectoglobal surge. ‘O sentimento’ é uma qualidade própria a este sistemae que emergiu a partir das inter-relações entre as partes deste metassistemaforma<strong>do</strong>, ou seja, é “uma qualidade nova emergente da unidade global” quese formou (Morin, 1997a, p.103).O sentimento que emerge é o de ‘poder sobre a vida da lagarta’ e eleé um traço fenomênico relativo às inter-relações iniciais que organizarameste sistema (já que a inter-relação advém da imposição inerente à formação<strong>do</strong> sistema - a visão de mun<strong>do</strong> simplifica<strong>do</strong>ra/reducionista <strong>do</strong> grupo social).No nível das partes, também emergem sentimentos: o sentimento de podertotal (poder manipular impunemente a lagarta), de poder com temor (podermanipulá-la com cuida<strong>do</strong> para não se queimar), de poder com pena (não78


manipulá-la por sentir pena dela), pois até mesmo a piedade é um sentimentode poder pleno sobre o outro - o poder de decidir sobre a vida <strong>do</strong> outro. Estesentimento só é adquiri<strong>do</strong> e desenvolve-se nas pessoas porque elas são partee participantes deste sistema organiza<strong>do</strong>.Tanto a imposição (visão de mun<strong>do</strong>) quanto a emergência (o sentimento)nos fazem conceber uma idéia de transformação das partes quan<strong>do</strong>participantes de um to<strong>do</strong> organizacional. Portanto, ao mesmo tempo emque a unidade global (o sistema) toma forma, suas partes se transformam(expressam características próprias à sua inserção no sistema). Neste senti<strong>do</strong>,“o sistema é ao mesmo tempo superior, inferior e diferente da somadas partes” (Morin, 1997a, p.111).A desordem instaurada pela presença da lagarta não foi compreendidapelas professoras como um momento gera<strong>do</strong>r de novas interações, massim como uma confusão que deveria ser abafada (a desordem é concebidacomo um acaso). Isto pode ser observa<strong>do</strong> nos enuncia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s professores,ao longo deste trecho da excursão.Desta forma, a ‘compreensão de mun<strong>do</strong>’ das sociedades atuais soba lente de um paradigma simplifica<strong>do</strong>r-reducionista tanto nos limita nacompreensão de elementos ainda considera<strong>do</strong>s tão disjuntos (natureza, sociedade,pensamento, sentimento) quanto nos mantém aprisiona<strong>do</strong>s a umaincapacidade de criarmos discursos (como indivíduos e grupo social) sobreum mun<strong>do</strong> complexamente organiza<strong>do</strong>.Reflexões críticas em busca de práticas diferenciadasSegun<strong>do</strong> Guimarães (2004, p.173), um <strong>do</strong>s eixos para a formação deeduca<strong>do</strong>res ambientais é “exercitar o esforço de ruptura com a armadilhaparadigmática”. Por isto as situações colocadas a seguir são um exercíciopara a reflexão sobre nossas práticas, ainda tão ancoradas em um pensamentosimplifica<strong>do</strong>r-reducionista. Não quero dizer que estas práticas nuncasejam válidas, mas sim que precisamos refletir sobre as ações educativasque implementamos e o ‘pano de fun<strong>do</strong>’ que as alicerça.Não existe receita. Portanto, para cada uma das situações seguemalgumas questões que provocam ‘a nossa forma de pensar’, no senti<strong>do</strong> dabusca de novas práticas que tragam novas reflexões, novas práticas,...• Conscientizar as pessoas sobre quais são as atitudes ecologicamentecorretas (como por exemplo: não matar os animais, não cortar árvores,não poluir as águas,...)79


O somatório de indivíduos informa<strong>do</strong>s sobre as atitudes corretaspara com o ambiente trará, como conseqüência, a mudança da realidadesócio-ambiental?A transmissão de conhecimentos corretos sobre as relações ecológicaspresentes em determina<strong>do</strong>s ambientes será o suficiente para resolver asquestões sócio-ambientais da atualidade?• Incentivar a coleta de latas de alumínio para a reciclagemQual motivo real leva o Brasil a ser o país que mais recicla latas dealumínio no mun<strong>do</strong>?Por que as empresas que coletam latas de alumínio não se preocupamcom o canu<strong>do</strong> plástico que sempre as acompanha (e que, quase sempre édeixa<strong>do</strong> no chão, na areia da praia, por quem coleta as latas)?• Propor campanhas para coleta seletiva de algum resíduo sóli<strong>do</strong> queseja produzi<strong>do</strong> pela comunidadeDepositar o lixo em vasilhames específicos de coleta seletiva resolveo problema da destinação <strong>do</strong> lixo da comunidade? Por quê?Que outras ações da sociedade, nas suas mais diversas esferas, precisamser implementadas junto com a coleta seletiva <strong>do</strong> lixo?Leituras para um aprofundamentoReferências BibliográficasGRÜN, M. Ética e educação ambiental: a conexão necessária.São Paulo: Papirus, 1996.GUIMARÃES, M. A formação de educa<strong>do</strong>res ambientais. SãoPaulo: Papirus, 2004.MORIN, E. O Méto<strong>do</strong> I, a natureza da natureza. Portugal: PublicaçõesEuropa-América Ltda., 1997(a)._____. Complexidade e ética da solidariedade. CASTRO, G. de;CARVALHO, E. de A.; ALMEIDA, M.C. de. (Coord.). In: Ensaiosde complexidade. Porto Alegre: Sulina, 1997(b)._____. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1999.80


SOUSA SANTOS, B. Um discurso sobre as ciências. Portugal:Afrontamento, 1987.VIÉGAS, A. A educação ambiental nos contextos escolares:para além da limitação compreensiva e da incapacidade discursiva.Niterói. 2002. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em Educação). Faculdadede Educação, UFF.Bibliografia sugerida (além da que já foi citada no texto)GUIMARÃES, M.; VIÉGAS, A. Crianças e educação ambientalnas escolas: associação necessária para um mun<strong>do</strong> melhor? RevistaBrasileira de Educação Ambiental, Brasília, n. zero, p. 56-62,2004.LOUREIRO, C.F.B. Trajetórias e fundamentos da educaçãoambiental. São Paulo: Cortez, 2004.MORIN, E. Por uma Reforma <strong>do</strong> Pensamento. In: PENA-VEGA(Org.). O pensar complexo. Rio de Janeiro: Garamond, 1999._____. Articular saberes. In: ALVES, N.; GARCIA, R. L. (Org.). Osenti<strong>do</strong> da escola. Rio de Janeiro: DP&A, p. 65-80, 2000,PENA-VEGA, A. O despertar ecológico. Edgar Morin e a ecologiacomplexa. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.81


COMUNIDADES APRENDENTESCarlos Rodrigues BrandãoPalavras-chave: aprender; ensinar; ensinar-aprender; solidário; conhecimento;partilha; <strong>do</strong>cência; conhecer; conhecimento partilha<strong>do</strong>; pesquisaparticipante; aprender-com-o-outro; solidariedade; co-responsabilidade.Da turma de alunos à comunidade aprendenteMuitas vezes somos leva<strong>do</strong>s a pensar que ensinar e aprender é umaviagem de ida e volta que se passa em salas de aula, na escola. A escola éo lugar social da educação. Esta é uma idéia correta, mas não inteiramente.A educação que vivemos na escola, como estudantes, como professores,como as duas “coisas” ao mesmo tempo, é uma fração importante de nossoaprendiza<strong>do</strong>, mas não única. A educação escolar é um momento de umprocesso múltiplo, de vários rostos e vivi<strong>do</strong> entre diferentes momentos, aque costumamos dar o nome de socialização.Alguns estudiosos <strong>do</strong> assunto sugerem mesmo que ao longo de nossasvidas vivemos pelo menos duas dimensões <strong>do</strong> acontecimento da socialização.Vivemos desde o momento de nosso nascimento (alguns dizem quedesde a nossa concepção) uma longa, fecunda e complexa socializaçãoprimária.É quan<strong>do</strong> aprendemos conosco mesmos, com o lidar com o nossocorpo, atividade a que crianças pequeninas dedicam boa parte de seus dias.Aprendemos com o conviver com os mun<strong>do</strong>s de nosso mun<strong>do</strong>. Aprendemosatravés de inúmeras e diferentes interações com nossa mãe, com nosso pai,com cada um e com os <strong>do</strong>is ao mesmo tempo. E com as outras pessoas denossos círculos de vida: os outros integrantes da família nuclear, nossosparentes, vizinhos, amigos e tantos outros.Ao longo de nossa vida – e não apenas durante a infância e a a<strong>do</strong>lescência– convivemos em e entre diferentes grupos sociais. E dentro delesaprendemos: nossos grupos de idade (como uma “turma de amigos”), nossosgrupos de interesse (como um time de futebol), nossas equipes de vida ede trabalho. Cada um deles aporta uma fração daquilo através <strong>do</strong> que, aospoucos e ao longo de toda a vida, nós nos socializamos. Nós aprendemos,em diferentes e integradas dimensões de nós mesmos, os diversos saberes, assensações, as sensibilidades, os senti<strong>do</strong>s, os significa<strong>do</strong>s e as socialibidadesque, juntas e em interação em nós e entre nós, nos tornam seres capazes de85


interagir com uma cultura e em uma sociedade.Quase todas as sociedades – a menos que uma delas seja uma pequenae muito simples tribo indígena - criam, transformam e preservam unidadessociais, ou instituições dedicadas especialmente a experiências mais motivadase mais sistemáticas <strong>do</strong> ensinar-e-aprender. Elas respondem por nossasocialização secundária. Assim, aprendemos a lidar com uma dimensãoda gramática da língua em casa, junto a nossos pais e outros, quan<strong>do</strong> umdia começamos a falar. Mas quase sempre é na escola e sob os cuida<strong>do</strong>s deuma profissional <strong>do</strong> ramo que aprendemos a lidar com outras dimensões denossa língua: o ler e escrever.Não somos quem somos, como seres humanos, porque somos racionais.Somos humanos e somos racionais porque somos aprendentes. Somosseres dependentes por completo <strong>do</strong> que aprendemos. Aprendemos bem mais<strong>do</strong> que os simples adestramentos <strong>do</strong>s animais com quem compartimos oplaneta Terra. Aprendemos não apenas os saberes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> natural, masa complexa teia de símbolos, de senti<strong>do</strong>s e de significa<strong>do</strong>s que constituemo mun<strong>do</strong> da cultura.Quase tu<strong>do</strong> o que nós vivemos em nossas relações com outras pessoasou mesmo com o nosso mun<strong>do</strong>, como no próprio contato direto com anatureza, pode ser, também, um momento de aprendiza<strong>do</strong>. Podemos estarou não conscientes disto, mas cada troca de palavras, cada troca de gestos,cada reciprocidade de saberes e de serviços com uma outra pessoa, costumaser também um momento de aprendizagem.De uma para a outra, as pessoas que se encontram, conversam, dialogam,deixam passar de si mesmos à outra algo de suas palavras, de suasidéias, de seus saberes, de suas sensibilidades. Queren<strong>do</strong> ou não (mas émelhor estar queren<strong>do</strong>) estamos, no conviver com outros e com o mun<strong>do</strong>,nos ensinan<strong>do</strong> e aprenden<strong>do</strong>.Acostuma<strong>do</strong>s ao mun<strong>do</strong> da escola, acabamos por imaginar que oprocesso formal da educação ao mesmo tempo aproxima e opõe uma pessoa-que-sabe-e-ensinae pessoas-que-não-sabem-e-aprendem. De algummo<strong>do</strong> é assim mesmo que se dá o ensinar-e-aprender. E o respeito quepraticamente todas as culturas têm pela pessoa e pela figura <strong>do</strong> “mestre”, ébem uma imagem deste fato universal.Mas, olha<strong>do</strong> de perto e de dentro, podemos pensar que ninguém ensinaninguém, porque o aprender é sempre um processo e é uma aventura interiore pessoal. Mas é verdade também que ninguém se educa sozinho, pois oque eu apren<strong>do</strong> ao ler ou ao ouvir, provém de saberes e senti<strong>do</strong>s de outraspessoas. Chega a mim através de trocas, de reciprocidades, de interações86


com outras pessoas.Conhecimentos, valores, teorias e receituários <strong>do</strong> “como fazer naprática”, estão permanentemente em fluxo, sen<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>s, transmiti<strong>do</strong>sde uma pessoa a outra. E a própria idéia de pessoa já é a de um organismooriginal e único, transforma<strong>do</strong> pela socialização através de múltiplos momentosde aprendizagem. Pessoa: o ser humano capaz de conviver socialmenteem um mun<strong>do</strong> interativo de cultura.Temos o costume de imaginar que apenas pessoas treinadas para tantosão capazes de ensinar, de educar. Assim é de fato, em várias situações. Masao revermos a nossa própria vida passada e presente, nós nos damos contade que não é sempre assim e nem bem assim. A começar por nossos pais eoutras pessoas “mais velhas” da família, boa parte <strong>do</strong> que aprendemos noscomeços de nossas vidas provém de pessoas que não fizeram cursos especiaispara serem os nossos primeiros educa<strong>do</strong>res. E quan<strong>do</strong> chegamos à escolae convivemos com pessoas especializadas em ensinar, já aprendemos umaimensa parte <strong>do</strong> que nos acompanhará ao longo de toda a vida.Do lar ao círculo mais amplo de parentes e de vizinhos, deles aospequenos grupos sociais em que vivemos a nossa vida de to<strong>do</strong>s os dias, deum time de futebol a uma igreja, a uma equipe de trabalho, a uma outra, daassociação de mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bairro, estamos sempre envolvi<strong>do</strong>s em e participan<strong>do</strong>de pequenas e médias comunidades de vida e de destino. De lazer, devocação, de trabalho, de participação social. De conviver entre gestos quedão senti<strong>do</strong> à família, ao grupo, à equipe, mas que, cada um a seu mo<strong>do</strong>, sãotambém protagonistas de cenas e cenários <strong>do</strong> ensinar-e-aprender.Ao la<strong>do</strong> da sala de aulas e da turma de alunos, vivemos situaçõespedagógicas em diferentes unidades de partilha da vida. Em cada uma delase da interação entre todas elas é que ao longo de nossas vidas nós nos vemosàs voltas com trocas de significa<strong>do</strong>s, de saberes, de valores, de idéias e detécnicas disto e daquilo.Assim é que podemos chamar cada uma destas unidades de vida e dedestino de comunidades aprendentes. Pares, grupos, equipes, instituiçõessociais de associação e partilha da vida. Lugares onde ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> que sefaz como o motivo principal <strong>do</strong> grupo (jogar futebol, reunir-se para viveruma experiência religiosa, trabalhar em prol da melhoria da qualidade devida no bairro, e assim por diante) as pessoas estão também inter-trocan<strong>do</strong>saberes entre elas. Estão se ensinan<strong>do</strong> e aprenden<strong>do</strong>.Com o crescimento e a diversificação das unidades de ação social,como as organizações não-governamentais, essa dimensão educativa presenteem qualquer uma delas, tornou-se cada vez mais clara e mais motivada.87


Algumas destas “agências de fazer e aprender” atuam no campo da própriaeducação, como os grupos e os movimentos de educação ambiental, ou asdiferentes associações de pais e mestres.Outras atuam na área da saúde, <strong>do</strong>s direitos humanos, da promoçãoe valorização <strong>do</strong> trabalho da mulher. Atuam no campo <strong>do</strong> cooperativismo,como uma cooperativa de produção de agricultura orgânica; atuam como umsindicato de classe, uma associação de mora<strong>do</strong>res, uma comunidade eclesialde base a serviço de igreja, um movimento em favor da preservação <strong>do</strong> meioambienteou, de maneira mais direta, de proteção <strong>do</strong> “mico leão-<strong>do</strong>ura<strong>do</strong>”.Ao la<strong>do</strong> daquilo a que elas se destinam por vocação direta, em todas elasexiste também uma dimensão educativa. Tanto é assim que todas as pessoasque participam de uma ou algumas dessas unidades sociais de vida, de trabalhoou de ação social reconhecem sempre “o tanto que eu aprendi ali”.Muito bem. Assim, ao la<strong>do</strong> das instituições sociais de educação formal,como uma escola municipal, um colégio estadual ou uma universidadefederal, convivemos to<strong>do</strong>s os dias e ao longo de toda a vida com váriascomunidades de trabalho, de serviço de participação e de mútuo ensinoaprendizagem.Dentro e fora da escola estamos sempre envolvi<strong>do</strong>s comdiferentes tipos de comunidades aprendentes.Estamos sempre, de um mo<strong>do</strong> ou de outro, trabalhan<strong>do</strong> em, conviven<strong>do</strong>com ou participan<strong>do</strong> de unidades sociais de vida cotidiana ondepessoas aprendem ensinan<strong>do</strong> e ensinam aprenden<strong>do</strong>. Pode bem ser que emalgumas delas haja especialistas em ensinar - os diferentes tipos de educa<strong>do</strong>rase educa<strong>do</strong>res - e não-especialistas que aprendem. Mesmo um time defutebol de bairro tem o seu técnico, e é de se esperar que ele saiba ensinarao “time” os segre<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ofício.No entanto, no interior de qualquer grupo humano que seja cria<strong>do</strong>para viver ou fazer qualquer coisa, todas as pessoas que estão ali, sãofontes originais de saber. Cada um <strong>do</strong>s integrantes de um grupo humanotrabalha, convive e/ou participa, a partir e através daquilo que trás como osconhecimento, as sensibilidades e os senti<strong>do</strong>s de vida origina<strong>do</strong>s de suasexperiências pessoais e interativas. E em cada uma ou um de nós elas sãoúnicas e originais.Conhecimentos, práticas e habilidades são diferentes uns <strong>do</strong>s outros,umas das outras, como os/as <strong>do</strong> servente de pedreiro, <strong>do</strong> pedreiro, <strong>do</strong> mestrede obras e <strong>do</strong> engenheiro. São diferentes, mas não são desiguais.Nós nos acostumamos em ordenar e classificar conhecimentos eculturas mais ou menos assim: “selvagens” e “civiliza<strong>do</strong>s”; “populares” e“eruditas”, “cultos” e “incultos”. No entanto, na realidade, cada “tipo cultural88


de saber” (como a de nossa religião, de nossa família, de nossa comunidade)e cada “unidade pessoal de saber” (como cada um de nós) cria, renova,guarda e comparte com os outros a partir de eixos e feixes de conhecimentospróprios. Saberes de pensamento e ação, significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e senti<strong>do</strong>sde vida vivi<strong>do</strong>s e pensa<strong>do</strong>s de uma forma única e criativa. Algo que, porisso mesmo, possui em si um valor não comparável com outros.Como o foco de nossa conversa neste livro é a sustentabilidade ea co-responsabilidade social no que toca a questão ambiental, a partir<strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s <strong>do</strong> “lugar onde eu moro” e <strong>do</strong> “lugar onde nós vivemos”,podemos tomar este próprio campo de saberes e de ações sociais como umbom exemplo.Tu<strong>do</strong> o que tem a ver com a natureza <strong>do</strong>s sistemas vivos e as suasinterações entre eles e com o que existe em nosso planeta, tem si<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong>cientificamente pela ecologia. Esta ciência praticada em universidades eem outros centros de saber, de educação e de ação ambiental em to<strong>do</strong> omun<strong>do</strong>, deriva de um nome muito bonito: eco = oikos, uma palavra gregaque significa: casa. Logia é uma outra palavra de origem grega, que significa“conhecimento”, “saber”.Assim como biologia significa: o estu<strong>do</strong> da vida. Ecologia quer dizer,portanto: “o estu<strong>do</strong> da casa”. Qual casa? A nossa: o planeta Terra, sua naturezae a complexa interação entre os seres vivos, entre eles e com o to<strong>do</strong><strong>do</strong> ambiente onde vivem e se reproduzem.Ora, algumas pessoas pensam que to<strong>do</strong> o conhecimento váli<strong>do</strong> e útilsobre os sistemas vivos e sobre as interações entre eles e o ambiente, provémda ecologia e de outras ciências afins. No entanto, anos, séculos, milêniosantes <strong>do</strong> surgimento da “ecologia científica”, muitos outros povos, cria<strong>do</strong>resde outras diferentes culturas, já geraram e aperfeiçoaram outras formas depesquisa e de compreensão da vida, <strong>do</strong>s sistemas vivos (inclusive nós, sereshumanos) e de suas relações com o ambiente, com a natureza.Da mesma maneira e em uma escala mais próxima, sabemos hoje quequan<strong>do</strong> temos pela frente o desafio de nos unirmos para pensar e praticaralguma ação social em favor <strong>do</strong>s direitos humanos, da qualidade de vida eda integridade <strong>do</strong> meio ambiente, o que cada pessoa e cada grupo de pessoasaporta tem o seu valor.Há um conhecimento que é propriamente científico e provém de unidadessociais e de pessoas que estudaram para tornar confiável e proveitosoeste conhecimento. Mas tão váli<strong>do</strong> quanto este é o conhecimento e o mo<strong>do</strong>de ver e agir de outras pessoas e de outras unidades sociais: as tradiçõespopulares <strong>do</strong>s agricultores e outras mulheres e homens liga<strong>do</strong>s a diferentes89


tipos de trabalhos com a terra; o saber <strong>do</strong>s artistas, <strong>do</strong>s artesãos, o saber<strong>do</strong>s nossos povos indígenas. E como nos temos volta<strong>do</strong> a eles em buscade respostas a perguntas que fazemos e que não conseguimos respondersozinhos!Assim, ao la<strong>do</strong> de uma ecologia científica, podemos estender o nossoolhar e perceber por toda a parte uma variedade de outras ecologias. Deoutros sistemas culturais de saberes, valores e sensibilidades a respeito danatureza e das múltiplas maneiras como os seus elementos e seres vivosinteragem e se relacionam. Quan<strong>do</strong> pensamos criar uma agenda de princípiose de preceitos para o cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong> meio ambiente, podemos partir também daidéia de que entre diferentes pessoas e grupos humanos existem e co-existemdiversos sistemas de uma lógica da natureza e de uma ética <strong>do</strong> ambiente.Tanto no momento de um trabalho participativo de produção de conhecimentosa respeito <strong>do</strong> meio ambiente em que vivemos a vida de to<strong>do</strong>s osdias, quanto nos momentos de planejar ações e estabelecer procedimentos,nada enriquece mais o que se investiga, o que se sabe e compreende e o que sefaz, <strong>do</strong> que a soma de diferentes contribuições. A integração entre diferentesexperiências de vida, entre diversos mo<strong>do</strong>s de sentir e pensar.Na gestão solidária e co-responsável de nossa casa comum de nossaoikos, que se estende <strong>do</strong> quintal de minha casa ao to<strong>do</strong> da Casa Terra ondevivemos, to<strong>do</strong>s os conhecimentos que formam a sua logia – o seu saber sobrecomo cuidar da casa – são igualmente váli<strong>do</strong>s e são proveitosos.É por isto que sobretu<strong>do</strong> em trabalhos de educação ambiental, adimensão da comunidade aprendente é tão essencial. Qualquer que seja ocontexto em que se esteja viven<strong>do</strong> uma experiência de educação ambiental,as pessoas que se reúnem em “círculos de experiências e de saberes”,possuem de qualquer maneira algo de seu, de próprio e de originalmenteimportante. E o trabalho é mais fecun<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> em uma comunidadeaprendente, to<strong>do</strong>s têm algo a ouvir e algo a dizer. Algo a aprender e algo aensinar. Lugares de trocas e de reciprocidades de saberes, mas também devidas e de afetos, onde a aula expositiva pode ser cada vez mais convertidano círculo de diálogos.Alguns pesquisa<strong>do</strong>res de pedagogia têm procura<strong>do</strong> mesmo compreenderde uma outra maneira o próprio processo <strong>do</strong> ensinar-e-aprender.Podemos com eles partir da idéia de que a menor unidade <strong>do</strong> aprender nãoé cada pessoa, cada aluno, cada estudante toma<strong>do</strong> em sua individualidade.Ela é o grupo que se reúne frente à tarefa partilhada de criar solidariamenteseus saberes. É a pequena comunidade aprendente, através da qual cadaparticipante ativo vive o seu aprendiza<strong>do</strong> pessoal.90


Há uma idéia que poderia nos ajudar a encerrar estas reflexões provisórias.Em geral pensamos que compreendemos algo quan<strong>do</strong> incorporamoso que não era conheci<strong>do</strong>, compreendi<strong>do</strong> e agora é. Esta é uma visão correta,mais limitada a respeito <strong>do</strong> ensinar-e-aprender. Na verdade, se tu<strong>do</strong> na vidasão trocas e interações, conosco mesmos, com nossos outros, com a vida ecom o mun<strong>do</strong>, se tu<strong>do</strong> são diálogos contínuos, múltiplos e crescentes, entãona verdade conhecemos e compreendemos algo quan<strong>do</strong> fazemos parte <strong>do</strong>scírculos de vida e de saber em que “aquilo” é compreendi<strong>do</strong>.Eis o que poderia ser uma nova concepção <strong>do</strong> viver como partilharexperiências, saberes e sensibilidades em situações e contexto regi<strong>do</strong>s cadavez mais pela partilha, pela cooperação, ela solidariedade, pela gratuidade.Por tu<strong>do</strong> aquilo que sonha construir os caminhos em direção ao “mun<strong>do</strong>da vida”. O justo oposto de uma educação regida pelo individualismo, pelacompetição, pelo exercício <strong>do</strong> poder e pelo interesse utilitário que transformapessoa em merca<strong>do</strong>ria e a própria vida em merca<strong>do</strong>.Alguns conceitos para reflexão:Sustentabilidade - o mo<strong>do</strong> solidário de relações entre o homem, avida e o mun<strong>do</strong>. Solidariedade - o mo<strong>do</strong> sustentável, generoso eco-responsável de as pessoas e os grupos humanos interagirem entreeles. Complexidade - um mo<strong>do</strong> novo criativo, solidário e sustentávelde as pessoas se relacionarem com o conhecimento, com a pesquisa,com a educação (no senti<strong>do</strong> Edgar Morin <strong>do</strong> termo) Criatividade- o mo<strong>do</strong> inova<strong>do</strong>r e integrativo <strong>do</strong>s três outros eixos de as pessoasse sentirem solidariamente co-reponsáveis pela criação contínua,cotidiana e históricas de suas vidas, de seus mun<strong>do</strong>s sociais e de seuscenários naturais de vida e de trabalho.Referências BibliográficasASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente.Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.BRANDÃO, C.R. A canção das sete cores – educan<strong>do</strong> para apaz. São Paulo: Ed. Contexto, 2005._____. Aqui é onde eu moro, aqui nós vivemos – escritos paraconhecer, pensar e praticar o município educa<strong>do</strong>r sustentável.Brasília: <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>, 2005.FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra,1996.91


COMUNIDADES INTERPRETATIVASMaria Rita Avanzi & Marco A. S. MalagodiPalavras-chave: interpretação; comunicação; argumentação; encontro;conflitos; diferenças; tradução; hermenêutica; horizontalidade; diálogo;grupos.O que significa a expressão comunidades interpretativas 14 ? É algumméto<strong>do</strong> que podemos aplicar em nossa atuação como educa<strong>do</strong>res ambientais?É parte de uma teoria que nos ajuda a (re)pensar nossa práticasocial? É um sonho que queremos ver se realizar, assim como as sociedadessustentáveis?Poderíamos apresentá-las, em poucas palavras, como encontro entrediferentes interpretações da realidade, construin<strong>do</strong> uma compreensão maisampla que não seria alcançada por um intérprete individualmente.Para melhor esclarecermos a frase acima, podemos destacar o pressupostode que os conhecimentos sobre nós próprios, sobre o outro, sobreo mun<strong>do</strong>, produzi<strong>do</strong>s a partir de cada horizonte histórico-cultural, sãoincompletos por si. Sejam eles científicos, populares, <strong>do</strong> senso comum, sãoto<strong>do</strong>s interpretações em constante processo de busca sem possibilidade deuma síntese final. Na reciprocidade, no encontro entre diferentes formas deconhecer, seriam construídas novas possibilidades de compreender o mun<strong>do</strong>,às quais não teríamos acesso individualmente, em nosso horizonte históricoculturalespecífico. Daí vem o substantivo comunidade, pois estamos falan<strong>do</strong>da importância <strong>do</strong> outro em nosso movimento de produzir senti<strong>do</strong>s esignifica<strong>do</strong>s ao procurarmos construir compreensão acerca <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Emoutras palavras, a comunidade refere-se à reciprocidade que se estabeleceentre indivíduos que partilham territórios físicos ou simbólicos.Sousa Santos. Em vários momentos de seus escritos, Santos se refere a essa proposta de confrontocomunicativo, utilizan<strong>do</strong> também outras expressões enquanto a constrói. Destacamos aqui três momentos,em cada qual o autor traz novos elementos para melhor apresentar sua proposta: a) no livroIntrodução a uma ciência pós-moderna (1989) usa apenas a expressão comunidades de saber que sãotratadas como contextos dada social cotidiana, grupos estruturais de relações sociais, sensos comuns,representa<strong>do</strong>s pelos espaços: <strong>do</strong>mésticos, da produção, <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, da cidadania, da comunidade eo espaço mundial; b) em Pela mão de Alice (1995) ele ora nomeia esse processo como comunidadesinterpretativas ora como comunidades argumentativas, aparentemente como sinônimos, enfatizan<strong>do</strong>a importância da argumentação; c) em A crítica da razão in<strong>do</strong>lente trata de comunidades retóricascomo sen<strong>do</strong> as próprias comunidades interpretativas, discutin<strong>do</strong> o campo de conhecimento da retóricae buscan<strong>do</strong> na reinvenção de suas dinâmicas argumentativas elementos para o desenvolvimento <strong>do</strong>spotenciais emancipatórios (os neoauditórios e as neocomunidades).15Sobre este estu<strong>do</strong> etimológico pode ser consultada a obra de Grondim, J. Introdução à hermenêuticafilosófica. São Leopol<strong>do</strong>, Ed. Unisinos, 1999. Ver também o verbete hermenêutica nesta publica-95


Portanto, a qualidade diferencial dessa comunidade, foco deste texto,é o fato dela ser considerada interpretativa. O ato de interpretar é próprio deuma orientação filosófica chamada hermenêutica 15 que o traz, em sua origemetimológica, relaciona<strong>do</strong> tanto com o expressar (dizer/falar), como comaquilo que fica oculto no que foi fala<strong>do</strong>. Portanto, interpretar seria procuraro senti<strong>do</strong> interno por detrás <strong>do</strong> que foi expresso e, assim, projetar possíveissenti<strong>do</strong>s visan<strong>do</strong> à compreensão. No processo de interpretação está implica<strong>do</strong>também o traduzir em algo compreensível um senti<strong>do</strong> estranho.Trazen<strong>do</strong> as proposições da abordagem interpretativa para o exercíciode elaboração deste verbete, podemos dizer que nós, autor e autora <strong>do</strong>mesmo, também assumimos a incompletude de nossa contribuição para estadiscussão cujo propósito é relacionar a noção de comunidades interpretativasa práticas de educação ambiental. Somos intérpretes que buscamosdesenvolver um trabalho de tradução da noção proposta por Boaventurade Sousa Santos, revisitan<strong>do</strong>-a em seu contexto próprio e buscan<strong>do</strong> relaçõescom reflexões teórico-meto<strong>do</strong>lógicas sobre educação ambiental queconstruímos a partir de nossa inserção histórica como pesquisa<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>res.O leitor e leitora deste texto também são intérpretes <strong>do</strong> que aquiapresentamos e projetarão, a partir de seu horizonte, outros senti<strong>do</strong>s paraa relação. Assim como, anteriormente à elaboração <strong>do</strong> presente texto, osorganiza<strong>do</strong>res desta publicação identificaram a pertinência <strong>do</strong>s verbetes aquiapresenta<strong>do</strong>s para fundamentar práticas de educação ambiental crítica. Estásen<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong>, portanto, no plano da produção e compreensão de um textoescrito, um exercício de fusão de horizontes <strong>do</strong>s muitos atores envolvi<strong>do</strong>s,portanto um exercício interpretativo.Vamos pensar agora que parte de nossa vida social cotidiana se fazde permanentes tentativas de comunicar ao(s) outro(s) as interpretações esenti<strong>do</strong>s que construímos, para buscar um maior entendimento coletivo, paraexplicitar nossos desentendimentos, para pedir ajuda, para melhor transformarmosuma situação, para acordar as regras da nossa convivência, e poraí vamos. Não é difícil pensarmos que esses encontros comunicativos comoutras pessoas exigem de nós um grande esforço de tradução.O trabalho de tradução é um procedimento inerente às comunidadesinterpretativas, uma vez que estas pressupõem um encontro/confronto entrediferentes formas de interpretar. Através da tradução o que se busca é a comunicaçãoentre saberes e práticas que ali se encontram/confrontam, visan<strong>do</strong>identificar preocupações comuns entre os grupos culturais que participam<strong>do</strong> encontro e respostas que cada cultura oferece a estas preocupações.ção.16A este respeito cf. Grondim (op. cit.); Almeida, C.; Flickinger, H.G. & Rohden, L. Hermenêuticafilosófica: nas trilhas de Hans-Georg Gadamer. Porto Alegre, Edipurs, 2000.96


O objetivo maior deste trabalho de tradução é ampliar a capacidade dearticulação entre indivíduos, grupos e movimentos. As comunidades interpretativasseriam, portanto, comunidades políticas. Não uma exposiçãodas idéias próprias para retornarmos ao nosso espaço familiar tal qual delesaímos, mas um encontro desestabiliza<strong>do</strong>r que transforma nossas certezas,nossa compreensão e nossa ação sobre o mun<strong>do</strong>.É importante pensar na disposição à desestabilização das certezase, ainda, considerar o fato que nem sempre chegamos coletivamente a umacor<strong>do</strong> sobre o que o mun<strong>do</strong> tem si<strong>do</strong>, é, ou deveria vir a ser, conviven<strong>do</strong> deforma mais ou menos tensa entre diferentes crenças, percepções, desejos einteresses. Diversas formas de saber são assim confrontadas cotidianamenteem muitas escalas das interações humanas, seja entre diferentes culturas e atémesmo dentro de uma mesma cultura. Nesses confrontos, alguns saberes sepretendem mais verdadeiros que outros e, uma vez não contesta<strong>do</strong>s, acabamten<strong>do</strong> realmente maior poder para construir as realidades que desejam, emprejuízo de realidades alternativas que parecem assim menos legítimas.Interpretações hegemônicas da realidade dão sustento e são sustentadas porpráticas sociais também hegemônicas. Na cultura ocidental, o conhecimentotécnico-científico pre<strong>do</strong>mina sobre outros conhecimentos, silencian<strong>do</strong> outrasformas de interpretar a realidade.A proposta das comunidades interpretativas é justamente favorecer areinvenção de alternativas de prática social, assim como a legitimação daspráticas silenciadas de hoje e de ontem, ten<strong>do</strong> como ponto de partida a horizontalidadeentre diferentes formas de conhecimento. Fundamental, portanto,é garantir e expandir a democraticidade interna dessas comunidades, isto é, aigualdade <strong>do</strong> acesso ao discurso argumentativo. Torna-se fundamental, dessemo<strong>do</strong>, buscarmos a radicalidade democrática, iniciada pela igual possibilidadede acesso a esse discurso argumentativo, consideran<strong>do</strong> que as própriashabilidades de argumentação em jogo são muito diferentes. Uma vez que o<strong>do</strong>mínio das regras argumentativas está fortemente liga<strong>do</strong> à cultura científicaé fácil entendermos que as relações entre ela e as culturas silenciadas forame continuam sen<strong>do</strong> muito desproporcionais na possibilidade de expressão erealização e, conseqüentemente, na construção de confrontos comunicativos.É por isso que os trabalhos na perspectiva das comunidades interpretativasexigem o desenvolvimento <strong>do</strong> potencial de comunicação e de entendimento<strong>do</strong> outro, a habilidade para o uso interativo e dialógico da linguagem; mastambém exigem uma autocrítica constante quanto à influência da culturatecnico-científica na qual nos socializamos e a partir da qual, entre outras,construímos nossas interpretações <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.97


Mas por que propor a promoção de comunidades interpretativas?O que se busca é a construção de um conhecimento-emancipação (Santos,2002), ten<strong>do</strong> a solidariedade como forma de saber em contraposiçãoao colonialismo, que se constitui como incapacidade à reciprocidade e aconceber o outro a não ser como objeto. Não se trata de aceitar sem críticaos conhecimentos <strong>do</strong> senso comum, mas transformá-los na situação dediálogo com os saberes técnico-científicos, também trabalha<strong>do</strong>s de maneiracrítica, transforman<strong>do</strong> ambos em um novo senso comum, em conhecimentosargumentativos. As comunidades interpretativas seriam, portanto, umaforma deliberada de fortalecer o potencial emancipatório <strong>do</strong>s contextos deinteração social, tal como sempre existiram. A comunidade seria porta<strong>do</strong>rade um valor relativo que depende da profundidade e <strong>do</strong> alcance <strong>do</strong> conhecimento-emancipaçãoque conseguirá produzir, ou seja, que depende datrajetória a ser percorrida <strong>do</strong> colonialismo (nova imagem para a ignorância)à solidariedade (nova imagem para o conhecimento).Quais relações arriscar entre as comunidades interpretativas e a educaçãoambiental? Poderíamos partir de uma possível contribuição a partirda promoção de um encontro/confronto comunicativo entre as diversasconotações que as práticas de educação ambiental assumem. Isto implicariaem reconhecer as diferenças silenciadas sob o consenso da expressãoeducação ambiental, explicitá-las em um processo argumentativo que tenhacomo ponto de partida a horizontalidade no tratamento destas diferentespráticas, buscan<strong>do</strong> não um novo silenciamento das práticas não hegemônicasem busca de estatutos de verdade. A busca seria pela ampliação de nossacompreensão a respeito <strong>do</strong> que seja sua ou suas identidades, consideran<strong>do</strong>como ponto de chegada algo que não produziríamos individualmente dadaa incompletude de nossas interpretações, consideran<strong>do</strong>, no entanto, que esteproduto também está marca<strong>do</strong> pelo inacabamento.Do mesmo mo<strong>do</strong>, as práticas de educação ambiental realizadas nosmais diferentes contextos histórico-culturais poderiam promover comunidadesinterpretativas entre educa<strong>do</strong>res e educan<strong>do</strong>s, ou mesmo entre diversosatores sociais envolvi<strong>do</strong>s nos conflitos sócio-ambientais que estejamem foco. Sob esta perspectiva a educação ambiental não teria o papel deexplicar e transmitir verdades a respeito <strong>do</strong> tema, mas promover a manifestaçãodas diferentes formas de compreendê-lo. O papel <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r e daeduca<strong>do</strong>ra seria mais o de promover a manifestação das diferentes interpretações,garantin<strong>do</strong> a horizontalidade entre elas, o acesso à argumentação eo desenvolvimento da habilidade argumentativa. Não significa omitir seusconhecimentos, mas reconhecê-los como formas incompletas de interpretar,explicitan<strong>do</strong> as concepções e as premissas que os embasam.98Podemos ilustrar com um exemplo que poderia ser a própria concep-


ção de ambiente ou de sustentabilidade que embasa nossa prática educativa.Se entendemos que ambiente ou sustentabilidade são conceitos unívocos,estamos possivelmente silencian<strong>do</strong> outras interpretações e reforçan<strong>do</strong> ahegemonia de uma forma de saber sobre as demais. Seria o caso de expora construção deste conhecimento, promoven<strong>do</strong> seu confronto com outrossaberes e práticas sociais, buscan<strong>do</strong> o encontro de preocupações comuns esoluções particulares trazidas a partir de cada contexto histórico-cultural.Ao promovermos comunidades interpretativas é possível que passemosa encontrar, por um la<strong>do</strong>, preocupações comuns a diferentes grupos querecebem denominações diferenciadas em cada um deles, e, por outro, práticase preocupações diferenciadas sen<strong>do</strong> expressas por homônimos.Meto<strong>do</strong>logia e Avaliação a partir <strong>do</strong> ConceitoDestacamos abaixo alguns elementos que poderiam sugerir esboçosde méto<strong>do</strong> para o deflagrar e o avaliar de comunidades interpretativas. Mais<strong>do</strong> que etapas a serem cumpridas, se trata de uma postura a ser desenvolvidae apropriada como resposta ao que cada contexto coloca como desafio.Diálogo como abertura: é o que nos ensina a perspectiva da hermenêuticafilosófica 16 , trata-se de nos colocarmos frente ao outro numa atitude de escuta,consideran<strong>do</strong> que no encontro será possível acessar um conhecimento queaté então não estava disponível. Isto requer uma desestabilização <strong>do</strong> quenos é familiar, de nossas certezas e pressupostos, portanto, deve provocarperguntas. Não se trata de assumir uma postura de absorção frente ao quenos chega, mas enfrentar a tensão entre aquilo que nos é familiar e o que seapresenta como estranho. Por outro la<strong>do</strong>, não se trata de utilizar a perguntacomo técnica didática, saben<strong>do</strong> as respostas de antemão, mas como umabusca de um saber que não se sabe. Um possível indica<strong>do</strong>r avaliativo a esterespeito seria perceber se saímos <strong>do</strong> encontro diferentes da maneira quenele adentramos.Trabalho de tradução: Boaventura de Sousa Santos 17 identifica-o comoprocedimento que permite criar inteligibilidade recíproca entre saberes epráticas sociais - tanto aqueles que estão disponíveis como aqueles possíveisde serem construí<strong>do</strong>s. Para tanto, este procedimento não atribui a nenhumconjunto de experiências o estatuto de totalidade exclusiva. O autor aponta17Cf. Santos, B. S. S. “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências” RevistaCrítica das Ciências Sociais, Lisboa, n. 63, out 2002. (disponível no sítio: www.ces.fe.pt/bss/<strong>do</strong>cu-99


como desafios de um trabalho de tradução <strong>do</strong>is momentos: a) desconstrutivo,identifican<strong>do</strong> traços de <strong>do</strong>minação e resíduos de colonialismo que venhamse estabelecer entre saberes e práticas que se encontram nas comunidadesinterpretativas; b) reconstrutivo, revitalizan<strong>do</strong> as possibilidades de práticase saberes historicamente silencia<strong>do</strong>s pelo processo de <strong>do</strong>minação. Otrabalho de tradução pode ser deflagra<strong>do</strong> tanto numa situação de encontroentre duas ou mais culturas como entre diferentes formas de ação social emum mesmo contexto cultural. Uma das pistas para indica<strong>do</strong>res de avaliaçãodeste procedimento que pode ser inferida a partir das proposições de Santosé perceber se o encontro se dá de maneira cosmopolita. Alguns elementosque nos ajudariam na construção destes indica<strong>do</strong>res: a) a decisão, sobre o queserá posto em contato e com quem, cabe a cada saber e prática social; b) oencontro tem que ser resulta<strong>do</strong> da conjugação de tempos, ritmos e oportunidadesde seus participantes e não da imposição por parte de um participantehegemônico; c) o trabalho de tradução deve ser realiza<strong>do</strong> por participantes<strong>do</strong>s grupos que utilizam os saberes e práticas que estão na situação de encontro;d) percepção <strong>do</strong>s diferentes ritmos com que os saberes e práticas sociaisestabelecem articulação entre palavras e silêncios, bem como os diferentessignifica<strong>do</strong>s atribuí<strong>do</strong>s ao silêncio pelas diferentes culturas.O espaço comunicativo é pressuposto e busca: precisamos inicialmentecriar um espaço de comunicação horizontal, convidan<strong>do</strong> os participantes aaceitarem-no como acor<strong>do</strong> inicial, ou seja, como pressuposto. Ao mesmotempo, possibilitar a expressão de to<strong>do</strong>s e construir uma boa qualidadeargumentativa é uma dimensão que buscamos conquistar. Contribui para amotivação de tal busca um ambiente cada vez mais prazeroso e de confiança.Como indica<strong>do</strong>res podemos sugerir: a) a quantidade e qualidade dasexpressões, perceben<strong>do</strong> se estão distribuídas de maneira mais ou menosequilibrada entre os participantes; b) a própria opinião <strong>do</strong>s participantesquanto à ampliação/redução das potencialidades que esse ambiente comunicativooferece, ao longo de sua dinâmica; c) o aumento <strong>do</strong> desacor<strong>do</strong> entreos participantes sobre as pretensões de verdade <strong>do</strong> saber científico.Esclarecimento das intenções, crenças e expressões <strong>do</strong>s participantes:integra<strong>do</strong> às demais pistas de méto<strong>do</strong> é desejável que cada participante assumao desafio de ser cada vez mais honesto e transparente com os demais arespeito de suas intenções, expressões e buscas, o que será difícil acontecermentos).18Atributos mentais presentes na espécie humana que são desenvolvi<strong>do</strong>s em contato com os grupossociais, tais como: memória mediada, atenção voluntáia, reflexão, generalização, abstração, trans-100


caso este se sinta de algum mo<strong>do</strong> ameaça<strong>do</strong> ou constrangi<strong>do</strong>. Outro desafioassocia<strong>do</strong> a este é o de tentarmos comunicar cada vez melhor o que estamosqueren<strong>do</strong> dizer, sem perdermos a espontaneidade. Possíveis indica<strong>do</strong>res deavaliação para essa postura: a) a explicitação <strong>do</strong> desacor<strong>do</strong> entre os participantesna definição coletiva <strong>do</strong> “certo”, <strong>do</strong> “bom”, <strong>do</strong> “justo”, <strong>do</strong> “correto”,<strong>do</strong> “belo”... indican<strong>do</strong> que estamos efetivamente desconstruin<strong>do</strong> tanto omonopólio interpretativo de uns quanto a renúncia à interpretação de outros;b) manifestação espontânea <strong>do</strong> participante quanto ao esclarecimento de suaspróprias intenções, crenças e formas de se expressar, indican<strong>do</strong> um possívelaumento de consciência sobre seus desejos e pensamentos.AprofundamentoNo decorrer <strong>do</strong> texto foram aponta<strong>do</strong>s, através das notas de rodapé,possíveis caminhos para aprofundamento a respeito da noção de comunidadesinterpretativas e de sua inserção no pensamento de Boaventura deSousa Santos. Caberia ainda citar a este respeito, o trabalho de investigaçãocoordena<strong>do</strong> pelo autor e que vem sen<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong> por pesquisa<strong>do</strong>res egrupos sociais nos países: Moçambique, Brasil, Portugal, Colômbia, África<strong>do</strong> Sul e Índia. A este respeito, pode ser consultada a coleção:Reinventar a Emancipação Social: Para Novos Manifestos. Volumespublica<strong>do</strong>s: a) Santos, Boaventura de Sousa (org.) Democratizar a democracia:Os caminhos da democracia participativa. Porto, Afrontamento, 2003;b) Santos, Boaventura de Sousa (org.) Produzir para viver: Os caminhos daprodução não capitalista. Porto, Afrontamento, 2003; c) Santos, Boaventurade Sousa (org.) Reconhecer para libertar: Os caminhos <strong>do</strong> cosmopolitismocultural. Porto, Afrontamento, 2004; d) Santos, Boaventura de Sousa (org.)Semear outras soluções: Os caminhos da biodiversidade e <strong>do</strong>s conhecimentosrivais. Porto, Afrontamento, 2004; e) Santos, Boaventura de Sousa (org.)Trabalhar o mun<strong>do</strong>: Os caminhos <strong>do</strong> novo internacionalismo operário.Porto, Afrontamento, 2004.Santos, B. S. A crítica da razão in<strong>do</strong>lente (2001) e Santos, B. S. “Parauma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências” RevistaCrítica das Ciências Sociais, Lisboa, n. 63, out 2002. (disponível no sítio:www.ces.fe.pt/bss/<strong>do</strong>cumentos).Para uma reflexão a respeito da hermenêutica e de sua relaçãocom a educação e a educação ambiental, sugerimos:101


AVANZI, M.R. Teci<strong>do</strong> a muitas mãos: experiencian<strong>do</strong> diálogosna pesquisa em educação ambiental. São Paulo, 2005. Tese(Doutora<strong>do</strong>) - USP, Faculdade de Educação.CARVALHO, I.C.M. A invenção <strong>do</strong> sujeito ecológico: senti<strong>do</strong>se trajetórias em educação ambiental. Porto Alegre, 2001. Tese(Doutora<strong>do</strong>) - UFRGS, Faculdade de Educação.GRÜN, M. Ética e educação ambiental: a conexão necessária.Campinas, Papirus, 1996.HERMANN, N. Hermenêutica e educação. Rio de Janeiro,DP&A, 2003.A respeito da relação entre comunidades interpretativas eeducação ambiental, podem ser consulta<strong>do</strong>s:AVANZI, M.R. (op. Cit.). 2005.MALAGODI, M.A.S. Em busca de conceitos para o trabalho comprocessos coletivos (e conflituosos) de interpretação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. In:II Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduaçãoem <strong>Ambiente</strong> e Sociedade. Indaiatuba, 2004.102


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CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTOMaria de Lourdes Spazziani & Marlene F. C. GonçalvesPalavras-chave: desenvolvimento humano; construtivismo; interacionismosocial; ensino-aprendizagem; subjetividade; teoria histórico-cultural; mediação;psicogênese; educação escolar; cognição; afetividade; linguagem;cultura.Imagens <strong>do</strong> conceitoA palavra construção, segun<strong>do</strong> Houaiss (2001, p.813), remete aconjunto de atividades necessárias para construir algo (...) trabalho deorganização e criação de algo (...) maneira como algo esta sen<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>,entre tantas outras referências. E conhecimento, segun<strong>do</strong> o mesmoautor, refere-se a ato ou efeito de apreender intelectualmente, de perceberum fato ou uma verdade; cognição, percepção.Mas, qual a imagem que fazemos quan<strong>do</strong> dizemos ou pensamos“construção <strong>do</strong> conhecimento”?Podemos imaginar que é um processo pareci<strong>do</strong> à construção de ummuro, em que cada tijolo representa um conhecimento aprendi<strong>do</strong> que vaise encaixan<strong>do</strong>, forman<strong>do</strong> as estruturas cognitivas e sen<strong>do</strong> aciona<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>dele necessitamos. Outra imagem que tem si<strong>do</strong> associada a esse conceitoé da biblioteca. Cada livro no arquivo representan<strong>do</strong> um tipo de conhecimento,que organizaríamos em acor<strong>do</strong> com as nossas formas de ver omun<strong>do</strong>. Poderíamos também imaginar, de mo<strong>do</strong> mais anárquico, uma sériede pontos de idéias espalha<strong>do</strong>s ou dispostos sem hierarquia que são aciona<strong>do</strong>se organiza<strong>do</strong>s em acor<strong>do</strong> com as solicitações <strong>do</strong> contexto interno ouexterno ao sujeito.Não pretendemos esgotar aqui as possibilidades que esse termosuscita, pois na história <strong>do</strong> ocidente, os pré-socráticos (540 a.C.) já sedebruçavam em explicações de como o ser humano apreende o mun<strong>do</strong> (oconhecimento).Como já apontamos inicialmente, pensar em construção <strong>do</strong> conhecimentoé levar a discussão sobre as idéias que têm marca<strong>do</strong> as propostase práticas pedagógicas atuais. Para tanto, vamos nos deter nos estu<strong>do</strong>s dePiaget, que repercute nos modelos pedagógicos construtivistas, e de Vigotskie Wallon que mais recentemente tem si<strong>do</strong> alia<strong>do</strong> às teorias progressistas emeducação.105


Referências <strong>do</strong> conceitoO conceito ‘construção <strong>do</strong> conhecimento’ ganha impulso na formulaçãodas teorias pedagógicas a partir <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da psicologia <strong>do</strong> desenvolvimentohumano, no inicio <strong>do</strong> século XX, especialmente advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>Construtivismo de Jean Piaget (1896-1980), <strong>do</strong> Interacionismo Social deVigotski (1896-1934) e da Psicogênese da Pessoa por Wallon (1879-1962).As pesquisas destes três teóricos têm fundamenta<strong>do</strong> as propostas educacionaisda atualidade e de forma geral apoiam-se na capacidade de interatividade<strong>do</strong> ser humano com o ambiente físico e social.Relaciona<strong>do</strong> estritamente aos processos educativos escolares ounão, construir conhecimento está atrela<strong>do</strong> a compreender o binômio ensino-aprendizagemcom senti<strong>do</strong>s completamente diferentes aos que temoshistoricamente atribuí<strong>do</strong>.Pensamos que é importante destacar a compreensão de Piaget.Ele destaca que o desenvolvimento cognitivo lógico-matemático, ênfaseprimordial de seus estu<strong>do</strong>s, é um processo social, embora o ponto centralde sua argumentação seja que os elementos cognitivos básicos já estãopresentes no indivíduo e são transforma<strong>do</strong>s (reordena<strong>do</strong>s, hierarquiza<strong>do</strong>s,reestrutura<strong>do</strong>s, etc.) pela interação <strong>do</strong> indivíduo com o meio, não fazen<strong>do</strong>muita distinção em este ser o meio físico ou social. Piaget compreende queo conhecimento tem atributos internos ao individuo, portanto, é construí<strong>do</strong>de dentro para fora.Já Vigotski e Wallon fazem uma interpretação marxista <strong>do</strong> desenvolvimentohumano, destacan<strong>do</strong> o papel da comunidade na construção <strong>do</strong>conhecimento, visto como um processo chama<strong>do</strong> sócio-histórico, que ocorrede fora para dentro. É importante aqui destacar esse ponto de divergênciaentre esses três teóricos, pois suas idéias têm repercuti<strong>do</strong> e influencia<strong>do</strong> osprocessos de ensino-aprendizagem nas proposições curriculares de nossopaís de ponta a ponta.Embora o ser humano tenha potenciais inatos de conhecimento ecognição, as funções psicológicas superiores 18 tipicamente humanas - queenvolvem o controle consciente <strong>do</strong> comportamento, ação intencional e aliberdade <strong>do</strong> indivíduo em relação às características <strong>do</strong> momento e espaçopresentes resultam, em sua maior parte, de um processo social de aprendizageme desenvolvimento. Assim, se o sujeito humano é isola<strong>do</strong> <strong>do</strong> contato dacultura humana, não desenvolve suas capacidades cognitivas básicas, queferência, entre outras.19Refere-se aos processos <strong>do</strong> desenvolvimento humano em que o foco está volta<strong>do</strong> para o conhecimentode si mesmo.106


são alicerçadas historicamente na sociedade de seu tempo.Assim compreenden<strong>do</strong> o ser humano, temos aposta<strong>do</strong> que a construção<strong>do</strong> conhecimento, em qualquer área temática, tem relação diretacom as formas de constituição da subjetividade 19 . Ou seja, a subjetividadede cada sujeito é fruto da qualidade <strong>do</strong>s processos interativos oportuniza<strong>do</strong>sno contexto social e <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> a eles. Entender os conceitosou as idéias explicitadas por um sujeito, significa compreender a ele próprioe estender nosso olhar para aspectos que o circundam num determina<strong>do</strong>contexto social. (Gonçalves Rey, 2001)Também para Wallon o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> desenvolvimento humano sóé possível a partir da integração desses <strong>do</strong>is aspectos: a construção dasubjetividade (elaboração <strong>do</strong> eu, com pre<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> aspecto afetivo) e aconstrução <strong>do</strong> real 20 (pre<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> aspecto cognitivo). Ambos se alternampor to<strong>do</strong> o desenvolvimento humano, realizan<strong>do</strong>-se no meio social em queestá inseri<strong>do</strong> o sujeito. O homem, portanto, é um ser social, e a cultura naqual se insere vai indicar suas possibilidades na constituição de si mesmoe no conhecimento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que o cerca.Da mesma forma, o Interacionismo Social proposto pela Psicologiade Vigotski, entende as concepções ou os significa<strong>do</strong>s que atribuímos àscoisas, como resulta<strong>do</strong> das interações sociais, ten<strong>do</strong> por base a linguagem.Portanto, a interpretação que damos ao mun<strong>do</strong> se dá a partir de experiênciaspropiciadas pela interação com o seu meio ambiente físico e cultural,sempre media<strong>do</strong> pelo outro. As coisas <strong>do</strong> entorno acabam por nos invadir eficaríamos de um jeito e não de outro, se as coisas, pessoas, bichos e plantasque nos circundam, fossem outras (Park e Iório, 2004, p.8).O processo de conhecimento fundamenta-se na idéia de um sujeitointerativo, que não é só receptivo ao que vem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior, enem apenas ativo, impulsiona<strong>do</strong> pelos seus impulsos internos e inatos. Osujeito(S¹)constrói seus conhecimentos e saberes sobre si e sobre o mun<strong>do</strong>(O) em situações dialógicas sempre mediadas por outros sujeitos (S²) diretaou indiretamente. É o que tem si<strong>do</strong> chama<strong>do</strong> <strong>do</strong> modelo SSO, decorrenteda interpretação sobre a teoria histórico-cultural propostos por Vigotski. Ainterpretação que damos aos conhecimentos, saberes e experiências pressupõema mediação 21 de outros sujeitos. Essa mediação não está limitadaà presença física <strong>do</strong>s outros sujeitos, ela se revela nos produtos culturaisproduzi<strong>do</strong>s, tais como nos livros, nos mo<strong>do</strong>s de utilização <strong>do</strong>s objetos con-20Refere-se aos processos <strong>do</strong> desenvolvimento humano em que pre<strong>do</strong>mina o conhecimento sobre omun<strong>do</strong> objetivo/exterior ao individuo.21Processo de inserção de elementos culturais na relação homem-mun<strong>do</strong>, promoven<strong>do</strong> a constituiçãoe transformação das funções psicológicas superiores.107


struí<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s naturais, entre outros. (Góes, 2001)O que propicia o desenvolvimento <strong>do</strong> ser humano e conseqüentementea compreensão que tem sobre o seu meio são os processos de imersão nacultura e emergência da individualidade. É um processo que se faz maispor revolução <strong>do</strong> que por evolução, o sujeito se faz como ser diferencia<strong>do</strong><strong>do</strong> outro, mas forma<strong>do</strong> na relação com o outro; singular, mas constituí<strong>do</strong>socialmente e, por isso, numa composição individual, mas não homogênea(Smolka e Góes, 1995, p.10).Toda atividade humana é fruto <strong>do</strong>s diferentes senti<strong>do</strong>s que caracterizamo mun<strong>do</strong> histórico e social da pessoa. A educação escolar recebeinfluências <strong>do</strong>s construtos anteriores que o sujeito traz de outras experiências,influencian<strong>do</strong> o sucesso ou o fracasso das propostas pedagógicas, quer seja,na teoria, na meto<strong>do</strong>logia ou nas práticas educativas.No que se refere às proposições que embasam a construção <strong>do</strong> conhecimentoem Educação Ambiental, esta tem si<strong>do</strong> reconhecida, desde a Conferênciade Estocolmo (ONU, 1972), como uma área crítica para promovertransformações nos mo<strong>do</strong>s de compreensão e de relação da humanidadecom o seu entorno. Para tanto, um <strong>do</strong>s pilares para o desenvolvimento daeducação ambiental é identificar as concepções sobre as questões sócioambientaise orientar e inspirar o desenvolvimento de sujeitos para que seapropriem de uma atitude crítica, dialética e participativa e de conhecimentosrelaciona<strong>do</strong>s a essa realidade.A educação ambiental, pela sua própria especificidade em potencializarações interdisciplinares, participativas e de incremento da cidadania, temsi<strong>do</strong> um componente importante para se repensar as teorias e práticas quefundamentam as ações educativas, quer nos contextos formais ou informais,com finalidades de constituírem verdadeiras comunidades de aprendizagem.As comunidades de aprendizagem passam a ser compreendidas como umespaço de convergência, divergência e contradição social, no qual entramem jogo inúmeros senti<strong>do</strong>s e significações da sociedade, presente em outrasformas de vida social, e que historicamente se têm manti<strong>do</strong> ocultas às teoriase às pesquisas educativas <strong>do</strong>minantes.A função primordial da educação não é somente oferecer possibilidadede conhecimentos, mas propiciar o desenvolvimento <strong>do</strong> indivíduo naquiloque concerne a uma atuação competente no processo de seu aprendiza<strong>do</strong> ede construção de sua subjetividade no contexto da vida cotidiana.Os mecanismos de promoção <strong>do</strong> desenvolvimento humano sãorelaciona<strong>do</strong>s a um processo extremamente complexo em que fazem parte22Alguns demarcadamente marxistas (com a visão da educação como aparelho ideológico em função<strong>do</strong> capital) alguns mais culturalistas (com a visão da educação em função das relações de poder na108


elementos de simbolização <strong>do</strong>s sujeitos implica<strong>do</strong>s e elementos construí<strong>do</strong>sque se confrontam e adquirem senti<strong>do</strong> pela afetividade <strong>do</strong> sujeito comprometi<strong>do</strong>nessa construção.Isto faz <strong>do</strong> desenvolvimento um processo contraditório e não linear, que não podeser reduzi<strong>do</strong> a um padrão. O desenvolvimento, o compreendemos desta forma,como processo vivo e contraditório, em que senti<strong>do</strong>s subjetivos de diferentesprocedências sociais se configuram no processo dialógico <strong>do</strong> sujeito em seusdiferentes espaços sociais (Gonçalves Rey, 2001, p.4).Voltan<strong>do</strong> às imagens iniciais, podemos agora associar cada vivência,cada experiência compartilhada naquele grupo social, como tijolos quevão sen<strong>do</strong> organiza<strong>do</strong>s ou prioriza<strong>do</strong>s numa construção particular por cadaum. Ao mesmo tempo em que se constrói tal conhecimento, esses tijolostransforma<strong>do</strong>s vão originan<strong>do</strong> outros, sen<strong>do</strong> espalha<strong>do</strong>s e passan<strong>do</strong> a fazerparte da construção de outras pessoas, juntos forman<strong>do</strong> o grupo cultural aque pertencem, dinâmico, sujeito a contínuas transformações.Construir conhecimentos é um processo discursivo sócio-histórico noqual os resulta<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> ponto de vista da aprendizagem, são determina<strong>do</strong>sconjuntamente pelos esforços de to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s. A contextualizaçãocontínua e cumulativa de eventos e a criação de um “conhecimento comum”através <strong>do</strong> discurso são, portanto, a própria essência da educação comoprocesso psicológico e cultural.Mo<strong>do</strong>s de trabalhar o conceitoOs processos humanos de compreensão sobre as questões sócio-ambientaisdevem ser investiga<strong>do</strong>s a partir das relações das ações <strong>do</strong> sujeito no seucontexto micro e/ou macro. Entendemos que aprendiza<strong>do</strong> e desenvolvimentosão processos colaborativos e sociais que não podem ser “ensina<strong>do</strong>s”, dentro<strong>do</strong>s moldes tradicionais de realização da educação, mas são constituí<strong>do</strong>s apartir das “experiências” reais vivenciadas por cada sujeito, quer seja nointerior da escolarização formal ou em outros contextos.Assim, para estudarmos questões ambientais locais temos que considerarque as condições atuais <strong>do</strong> ecossistema de cada região ou localidadeinfluenciam a estratégia de sobrevivência a ser construída pelos grupossociais <strong>do</strong> seu entorno. Cada membro de uma comunidade de aprendizagemtem que construir o seu entendimento da problemática focalizada e oprofessor ou educa<strong>do</strong>r social atua como media<strong>do</strong>r deste processo. As situações-problemanas quais aprendizes e educa<strong>do</strong>r se debruçam precisam deverdadeira investigação, que promovam em primeira instância perguntasque provoquem a necessidade de serem respondidas.109


Portanto, meto<strong>do</strong>logicamente, estabelecemos que ensino e pesquisafazem parte de um mesmo processo, o processo <strong>do</strong> aprender. Paulo Freire(1997) afirmava:Esse que-fazeres se encontram um no corpo <strong>do</strong> outro. Enquanto ensino, continuo buscan<strong>do</strong>,reprocuran<strong>do</strong>. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago.Pesquiso para constatar e, constatan<strong>do</strong>, intervenho, intervin<strong>do</strong> educo e me educo. Pesquisopara conhecer o que ainda não conheço e comunicar e anunciar a novidade (apudBrandão, 2003, p.71).A construção de conhecimentos acontece no plural, pois cada sujeitoaprendenteestabelece relações com os fatos, temas, problemas foca<strong>do</strong>s ebusca soluções-respostas, a partir de horizontes ou de cenários construí<strong>do</strong>s.Isto é o que possibilita a maior (e talvez única) oportunidade de aprendiza<strong>do</strong>e desenvolvimento e, conseqüentemente, devem ser adequadamente inseridase exploradas pelo educa<strong>do</strong>r.É importante considerar ainda o papel <strong>do</strong> contexto (social, econômico,político, etc) no qual o estudante se encontra, já que as “ferramentas” cognitivasdas quais o estudante dispõe são originadas deste contexto. A vivênciade cada membro da comunidade de aprendizagem (na sala de aula oucontextos-outros) deve ser relacionada com as experiências ali focalizadas.Imagens, notícias e histórias pessoais devem ser incorporadas às atividadesali propostas, assim como, simulações, imitações, brincadeiras, jogos, literaturas,poesias e músicas advindas de uma ampla e fecunda bibliografiade campos vizinhos <strong>do</strong>s temas sócio-ambientais propostos.110Avaliação a partir <strong>do</strong> ConceitoPensan<strong>do</strong> no processo de avaliação da construção <strong>do</strong> conhecimentohá um deslocamento bastante sensível na maneira formal e tradicional dese compreender a avaliação. Não se trata simplesmente de sair de um instrumentofundamentalmente objetivo para um outro subjetivo, ou seja, <strong>do</strong>conhecimento padrão e único, para o conhecimento plural e idiossincrático.Na verdade, avaliar o processo de construção <strong>do</strong> conhecimento significacompreender os processos comunicativos estabeleci<strong>do</strong>s entre os sujeitos(falas, desenhos, histórias pessoais, perspectivas de futuro) por meio dasdiferenças existentes e quais os diálogos estabeleci<strong>do</strong>s sobre as questões outemas estuda<strong>do</strong>s nos espaços entre os sujeitos.As identidades e as interações <strong>do</strong>s e entre os atores de um acontecimento incorporam asubjetividade e só podem ser compreendidas através de uma compreensão da interioridadede/entre sujeitos. Seres humanos não apenas agem responden<strong>do</strong> a determinantesexternos. Eles geram gestos e criam fatos causa<strong>do</strong>s não pelo poder puro e simples defatores de várias ordens, mas pelo mo<strong>do</strong> como eles são percebi<strong>do</strong>s como fenômenos car-


ega<strong>do</strong>s de saberes, senti<strong>do</strong>s e sentimentos, e que, portanto, só podem ser investiga<strong>do</strong>s(avalia<strong>do</strong>s) e compreendi<strong>do</strong>s a partir de sua realidade como significa<strong>do</strong>! (Brandão, 2003,p.95).Há diversos mo<strong>do</strong>s de compreensão sobre os significa<strong>do</strong>s de certostemas sócio-ambientais ou não. Portanto, deve-se propiciar o diálogo entreessas concepções, não como uma superior à outra, mas como possibilidadesde entendimento das experiências atuais vivenciadas pelos sujeitos/atores<strong>do</strong> conhecimento, das idéias e práticas historicamente construídas e aindafortemente presentes, e de formas de intervenção realmente significativaspara a construção de outras consciências.A utilização de diferentes estratégias para discutir a questão <strong>do</strong> ambientefísico e social local possibilita aproximações da realidade <strong>do</strong> aluno,poden<strong>do</strong> contribuir tanto para proposta de ensino da escola quanto para aconstituição <strong>do</strong>s sujeitos imersos nas práticas escolares. Temas ambientaisfazem parte das vivências e reflexões cotidianas <strong>do</strong>s alunos, possibilitan<strong>do</strong>interfaces constantes entre subjetividade e condições materiais de sobrevivência.A valorização de suas idéias e conceitos sobre determinada questãoincentiva o envolvimento <strong>do</strong>s jovens e aumenta sua auto-estima, promoven<strong>do</strong>uma participação proativa, ou seja, contribuin<strong>do</strong> para a potência deação. Essa é uma questão de grande relevância quan<strong>do</strong> se trata da apatiaque as crianças e jovens vêm demonstran<strong>do</strong> no desenvolvimento das tarefasescolares.Trata-se de valorizar uma outra dimensão da avaliação, no senti<strong>do</strong> detransformar a própria prática educativa. Assim, as estratégias pedagógicasque se iniciam pelo diálogo com os saberes <strong>do</strong>s alunos têm maiores chancesde despertar o interesse e o envolvimento <strong>do</strong>s mesmos. E é o que a escolapública tanto necessita: a presença de projetos que proporcionem diferentesmaneiras de se trabalhar com os temas.Cabe destacar que a Educação Ambiental, por seu caráter interdisciplinare transdisciplinar, configura-se potencialmente promissora para acriação de alternativas pedagógicas, quer seja <strong>do</strong> ponto de vista teórico,meto<strong>do</strong>lógico, ou de ambos. Nesse contexto, a avaliação também tem seupapel revisto.Oficinas de vivência – Sugestão de AtividadesComo desenvolver processos que promovam deliberadamente a valorizaçãoda construção <strong>do</strong> conhecimento como algo que parta <strong>do</strong> social e ganhe111


as marcas da subjetivação de cada sujeito? Através de ações educativas emoficinas de vivências de sensibilização e de percepção ambiental.Uma das possibilidades é a proposta de trabalho que prioriza a fala(o discurso) <strong>do</strong>s sujeitos e as imagens (figuras ou fotos) que selecionamlivremente para expressarem suas idéias/concepções sobre as questões quepretendem investigar/conhecer. Essas atividades precisam ser submetidas aregistros diários, gravações e fotografias, em acor<strong>do</strong> com as característicasdas intervenções e dentro das possibilidades e disponibilidades <strong>do</strong>s recursostécnicos. As expedições investigativas constituem o passo seguinte nessetrabalho, voltan<strong>do</strong>-se para a interpretação, com a finalidade de identificar eanalisar as concepções <strong>do</strong>s sujeitos relativas ao meio ambiente levan<strong>do</strong>-se emconta a abordagem processual.Nesta atividade pode-se solicitar aos participantes que escolham erecortem figuras ou textos que signifiquem o meio ambiente, disponibiliza<strong>do</strong>em revistas, jornais e folhetos diversifica<strong>do</strong>s. O uso de figuras/fotos possibilitaa presença de uma narrativa não verbal e imagética como forma de contribuirpara explicitar a consciência <strong>do</strong>s jovens sobre o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> conceito meioambiente. Segun<strong>do</strong> Damásio (2000) imagens, figuras, desenhos consistemna idéia não lingüística <strong>do</strong> que são as coisas, as ações, os eventos e asrelações (p.239).Embora no contexto escolar prevaleça uma prática centrada emformulações verbais, propomos aqui um diálogo com outras linguagensimagéticas, de origem visual, para compreender o processo de construção <strong>do</strong>conhecimento. Por isso, advogamos uma parceria entre a linguagem verbal eo uso de imagens como forma de buscar compreensões mais significativas <strong>do</strong>universo de representações apresentadas pelos sujeitos sobre determinadastemáticas no espaço escolar.Se as atividades forem gravadas em fitas cassetes e transcritas, ampliasea possibilidade de análise e discussão sobre o próprio processo da construção<strong>do</strong> conhecimento sobre os temas propostos, enfatizan<strong>do</strong>-se situaçõesque tenham passa<strong>do</strong> despercebidas no momento da própria construção.Sugestões e referênciasa) Materiais de apoio - Filmes:• O Milagre de Annie Sullivan, 1962• Mentes que brilham (Little man tate), de Jodie Foster, 1991• Nell, de Michael Apted, 1994• O Garoto Selvagem (L’enfant sauvage), 1969, de François Truffaut112


Documentários ou vídeos dirigi<strong>do</strong>s à formação de professores:• Jean Piaget - Coleção Grandes Educa<strong>do</strong>res, da ATTA Mídia e Educação• Lev Vygotsky - Coleção Grandes Educa<strong>do</strong>res, da ATTA Mídia e Educação• Henri Wallon - Coleção Grandes Educa<strong>do</strong>res, da ATTA Mídia e Educação• As Borboletas de Zagorsky, apresenta<strong>do</strong> pela TV Cultura de São Paulo• Repensan<strong>do</strong> a prática pedagógica na sala de aula, No. 7, <strong>do</strong> PROCAP– Programa de Capacitação de Professores <strong>do</strong> Governo de Minas GeraisLiteratura:• A História de minha vida, Helen Keller, Ed. Antroposófica• História sem fim, de Michael Ende, Ed. Martins Fontes• Palavras, palavrinhas e palavrões, de Ana Maria Macha<strong>do</strong>, Ed.Codecri• A terra <strong>do</strong>s meninos pela<strong>do</strong>s, de Graciliano Ramos, Ed. RecordPoesias:• Furundun, de Carlos Rodrigues Brandão• Mude, de Clarice LispectorMúsicas:• O outro, de Mario de Sá-Carneiro e Adriana Calcanhoto• Construção, de Chico Buarqueb) Textos para um maior aprofundamentoI) Na psicologia histórico-culturalDANTAS, H. A infância da razão. São Paulo: Manole Dois, 1990.GONÇALVES, M.F.C. Relações entre desenvolvimento da linguagemescrita e afetividade. In: GONÇALVES, M.F.C. (Org.).Educação escolar: identidade e diversidade. Florianópolis: Insular,2003.LURIA, AR. A construção da mente. São Paulo: Ícone, 1987.PIAGET, J. Seis Estu<strong>do</strong>s de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense,1967.VIGOTSKI, L.S. Psicologia pedagógica. São Paulo: MartinsFontes, 2001.113


_____. A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,1993._____. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes,1989.II) Na pesquisa sobre construção de conhecimentoBRANDÃO, C.R. A pergunta a várias mãos: a experiência dapesquisa no trabalho <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r. São Paulo: Cortez, 2003.FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra,1997.GÓES, M.C.R.; SMOLKA, AL.B. As significações nos espaçoseducacionais: interação social e subjetivação. Campinas, SP:Papirus, 2001.GONÇALEZ REY, F.L. A pesquisa e o tema da subjetividadeem educação. Anais, 24 ª Reunião anual da Anped. Caxambu, MG,2001.c) Pesquisas sobre processo de construção <strong>do</strong> conhecimentoPARK, M.B.; IÓRIO, S.A. Arte, educação e projetos: TaoSigulda para crianças e educa<strong>do</strong>res. Jundiaí, SP: Árvore <strong>do</strong> SaberEdições e Centro de Estu<strong>do</strong>s Pedagógicos, 2004.SMOLKA, A.L.B.; GÓES, M.C.R. (Org.). A linguagem e o outrono espaço escolar. Campinas: Papirus, 1995.SPAZZIANI, M.L. Environmental education transforming aschool’s fraternity social actions: Study case in a public schoolin Ribeirao Preto, SP, Brazil. I ISCAR- (Anais) Sevilha, Espanha,2005._____. O meio ambiente para jovens <strong>do</strong> grêmio estudantil: umacontribuição aos estu<strong>do</strong>s sobre a subjetividade. Anais da 27ª.Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG, 2004.SPAZZIANI, M.L.; SORRENTINO, M. O projeto de intervençãoeducacional na formação de educa<strong>do</strong>res ambientais. Textoproduzi<strong>do</strong> para o curso de especialização “Formação de educa<strong>do</strong>resambientais para sociedades sustentáveis”. Piracicaba: São Paulo:ESALQ/USP, 2000.VIEIRA, M.M.P.; SILVA, M.M.P. Visão de meio ambiente dealunos de uma escola de formação pedagógica. Anais da SBPC,2002.114


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Currículo e Educação Ambiental:trilhan<strong>do</strong> os caminhos percorri<strong>do</strong>s, entenden<strong>do</strong>as trilhas a percorrerLudmila Oliveira Holanda CavalcantePalavras chaves: educação ambiental crítica; currículo; projetos políticopedagógicos; cardápio; teorias críticas.Assim como na educação ambiental, o campo de estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> currículoapresenta-se como um território de vários <strong>do</strong>nos e poucos acor<strong>do</strong>s. Ambastemáticas, embora cruciais para a importância da discussão da questãoambiental no patamar educacional, parecem ter visibilidade periférica nocotidiano de suas significações.O campo de estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> currículo percorre uma estrada cheia de bifurcações:em muitas destas a educação ambiental tem estações, mas poucas sãoas evidências de que as paradas são percebidas como eixos de convergênciascom um tremen<strong>do</strong> potencial deflagra<strong>do</strong>r de uma reflexão política que, naminha opinião, é quase inadiável, sobre educação, ambiente e sociedade.Compreenden<strong>do</strong> o campo de estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> currículoOs estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> currículo (como proposta pedagógica a ser desenvolvidanas escolas) iniciaram-se nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s <strong>do</strong> início <strong>do</strong> século XX, quan<strong>do</strong>devi<strong>do</strong> a um processo de re-ordenamento da sociedade americana, estudiososquestionavam o trabalho educacional volta<strong>do</strong> para uma formação demasiadamenteteórica e humanista, longe da realidade social que vivenciavam ede difícil interação com as demandas sociais existentes.Na época, surgem duas abordagens educacionais <strong>do</strong> pensamento curricular,a primeira com o educa<strong>do</strong>r Bobbitt que influencia<strong>do</strong> pelas teoriasde Frederick Taylor, sobre o trabalho e a disciplina <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r (muitosde vocês já devem ter ouvi<strong>do</strong> falar da expressão taylorismo), associava aescola ao trabalho da fábrica e a via como um importante instrumento deformação de indivíduos preocupa<strong>do</strong>s com a eficiência e a organização <strong>do</strong>trabalho no senti<strong>do</strong> de potencializar sua produção. Nesta perspectiva, cadaqual deve ter sua função definida no tempo e no espaço, não há interação,nem tempo para discussão, apenas a concentração dividida nas suas atividades,visan<strong>do</strong> sempre a produtividade (vejam como se assimila à visão que117


temos das nossas disciplinas escolares!).A proposta de Bobbitt é ainda lapidada pelo teórico educacional RalphTyler e é a partir dele que o currículo organizacional ganha mun<strong>do</strong>. Nós noBrasil a conhecemos como teoria educacional tecnicista, fortemente implementadanas nossas escolas na década de 60, durante o governo militar.A segunda abordagem americana surge com o filósofo John Deweyque, com uma visão mais progressista, discutia a relação da formação <strong>do</strong>sindivíduos na escola para o processo de construção da democracia na sociedade.Nesta, a perspectiva centrava-se na pessoa e no seu bem estar nomun<strong>do</strong>, visan<strong>do</strong> potencializar os indivíduos e suas necessidades, respeitan<strong>do</strong>os seus potenciais de conhecimento e seus ritmos de aprendizagem assimcomo, sua visão de mun<strong>do</strong> e suas opções na vida, tu<strong>do</strong> em função de umdiscurso democrático. Dewey também trouxe influências importantes parao trabalho educacional no Brasil, e foi a partir destas que nós conhecemos,na década de 30, o escolanovismo.Ambas abordagens surgiam como uma resistência ao currículo clássicoaté então trabalha<strong>do</strong> nas escolas americanas, que traziam o referencialda classe <strong>do</strong>minante, com a sedução <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s literários e <strong>do</strong> latim e representavama busca por um conhecimento demasiadamente abstrato, teóricoe que parecia ser de pouca serventia para a sociedade de classes americana.Entre as duas, a abordagem tecnicista foi a vertente mais fortemente divulgadae a<strong>do</strong>tada como proposta curricular “padrão” pelos pedagogos eestudiosos educacionais, pois parecia estar mais voltada para “a realidade<strong>do</strong> aluno”. Esta foi também a versão mais comumente a<strong>do</strong>tada nas escolas<strong>do</strong> nosso país.Embora buscan<strong>do</strong> a transformação desta escola, ambas abordagens,a tecnicista/tecnocrata e a progressista, não chegaram a questionar a transformaçãoda sociedade discriminatória na qual tais valores hierárquicos sedisseminavam. Ou seja, questionavam a escola e o conhecimento escolarno processo de formação <strong>do</strong> indivíduo, mas estavam longe de prepararestes indivíduos para o enfrentamento das relações de poder na sociedadecapitalista da qual faziam parte.É a partir da década de 70, sob a influência das teorias educacionais,que, em diferentes partes <strong>do</strong> globo, começamos a repensar o currículo dentrodeste cenário de construção educacional e a relação desta com a sociedade.As teorias educacionais críticas trouxeram para o debate a discussão dafunção social da escola e, sob diferentes prismas, começam a tecer um novoolhar sobre a educação e sua relação com a sociedade.118


Na França, o filósofo Althusser (1983) denunciava a escola como um<strong>do</strong>s aparelhos ideológicos <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, Bourdieu e Passeron (1975) apontavamos perigos da educação escolar como um fator de subordinação das classesmenos favorecidas; na Inglaterra, Bernstein (1975) ilustrava os códigos de<strong>do</strong>minação sócio cultural trabalha<strong>do</strong>s na escola e Michael Young (1971)evidenciava a relação entre o conhecimento escolar e o controle social;no Brasil, Paulo Freire (1970) surgia com a educação bancária; nos EUA,Samuel Bowles e Herbert Gintis (1976) desvelavam a escola como propaga<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>s ideais capitalistas, mais tardiamente, Michael Apple (1979) surgiacom a discussão de ideologia e currículo e Henry Giroux (1987) relacionoua política cultural e a pedagogia.Estes movimentos acadêmicos que aconteciam de forma quase simultâneaem diferentes partes <strong>do</strong> globo, estavam atentos aos riscos que aeducação e seu sistema escolar traziam para o enfrentamento das questõessociopolíticas e econômicas da sociedade contemporânea. Ao questionar aescola enquanto instrumento de relações de poder na sociedade, despertampara uma nova perspectiva no Campo de Estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> Currículo.É neste perío<strong>do</strong> de efervescência teórica que surge nos EUA o movimento<strong>do</strong>s re-conceptualistas (a revisão <strong>do</strong> conceito de currículo escolar),que junto com os estu<strong>do</strong>s europeus (Inglaterra principalmente), negavam ocurrículo técnico e discutiam o impacto deste no processo de manutençãodas relações de poder desiguais da sociedade ocidental.Este movimento abarcava várias visões de criticidade sócio política 22que, neste processo de re-avaliação <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> currículo no trabalhoeducacional trazem, em contraposição à teoria convencional <strong>do</strong> currículo,as teorias críticas <strong>do</strong> currículo. Estas, mesmo na sua diversidade, têmcomo ponto em comum a idéia de que o “currículo” está intrinsecamenterelaciona<strong>do</strong> às questões de poder na sociedade.As Teorias Convencional e Críticas, fazem <strong>do</strong> campo de estu<strong>do</strong><strong>do</strong> Currículo uma arena política de demasiada importância para o nossotrabalho educacional (SILVA, 1996). Neste texto, não sen<strong>do</strong> possível umaanálise minuciosa desta discussão, nos deteremos na versão mais imediatadeste território político, apresentan<strong>do</strong> a visão convencional <strong>do</strong> currículo ea visão crítica, para a partir disto, situarmos tais perspectivas no trabalhocom Educação Ambiental e justificarmos, ainda que de forma embrionária, asociedade – classe, gênero, etnia, religião...). Neste território teórico, a partir da década de 90, vaisurgir de forma mais sistemática a discussão das teorias pós críticas de currículo, adicionan<strong>do</strong> aodebate as questões como subjetividade, identidade, complexidade, trazen<strong>do</strong> referenciais outros parao universo <strong>do</strong> campo de estu<strong>do</strong> currícular. (Silva, 2004).23Procure mais sobre Educação Ambiental Emancipatória nesta publicação.24Para a compreensão desta discussão teórica procurem o livro Documentos de Identidade – umaintrodução às teorias <strong>do</strong> currículo de Tomaz Tadeu da Silva, 2004.119


opção política que a Educação Ambiental crítica e emancipatória 23 tem feitono trabalho com o processo de construção de conhecimento sócio-ambiental(dentro e fora da escola!!!).Uma perspectiva regula<strong>do</strong>ra na teoria convencional<strong>do</strong> currículoA visão de currículo convencional, vinda <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s ereiteradamente assimilada no Brasil da década de 60, aju<strong>do</strong>u a pensar efortalecer a idéia de um conteú<strong>do</strong> escolar dentro de uma perspectiva pragmáticae funcional da escola como instituição responsável pela formação<strong>do</strong>s indivíduos que atuam na sociedade capitalista.A “grade curricular”, como costumamos denominar a organização,priorização e formação de uma proposta de ensino, refere-se a umorganograma fixo e eficientemente compartimenta<strong>do</strong> onde se encontramas caixinhas disciplinares conten<strong>do</strong> o quê, como e quan<strong>do</strong> devemos nosdeparar com o “conhecimento elabora<strong>do</strong>” na nossa vida escolar. Esta gradecurricular, até hoje no nosso vocabulário, é permeada de significa<strong>do</strong> e traz oreferencial <strong>do</strong> trabalho “fabril” que Bobbitt vislumbrou, o qual nos colocadiante de um processo organizacional que pouco discute, dialoga e enfrenta,que basicamente organiza “o conhecimento” no tempo (carga horária) eespaço (disciplinas), dividin<strong>do</strong>-os em especificidades que não representama dinâmica da realidade.Para este Currículo Convencional, existe um conhecimento universalque deve ser valoriza<strong>do</strong> e reconheci<strong>do</strong> como o conhecimento da humanidade;uma cultura e uma idéia de evolução <strong>do</strong> pensamento social a partirde sociedades “civilizadas” e reconhecidamente importantes na história dahumanidade; a ciência como a principal (quan<strong>do</strong> não a única!) referênciapossível no processo de conhecimento escolar e um saber hierarquiza<strong>do</strong> eacumula<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong> tempo. O currículo é visto como um instrumento decompetência pedagógica, técnica e politicamente neutralizada, que “apenas”organiza o conhecimento elabora<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong> na escola. Por tu<strong>do</strong> isto, aescola passa a ser o lugar onde se aprende a viver socialmente e onde naturalmentese adquire o status de formação para a vida em sociedade. Nestaperspectiva existe uma hierarquia de saberes, e a escola/educação formal élugar onde nos apropriamos <strong>do</strong> saber “mais adequa<strong>do</strong> socialmente”.Por onde caminham as críticas das Teorias Críti-25Por espaços pedagógicos podemos nos referir a contextos para além da escola que também cumpremo seu papel educacional, que também trazem um currículo em suas propostas de ação educativa,120


cas?Como já afirmamos, dentro deste universo de negação à Teoria Convencional<strong>do</strong> Currículo, existem diferentes visões teóricas que muitas vezesse chocam (os marxistas por exemplo criticam os adeptos da fenomenologia– outra corrente analítica – de se incomodarem apenas com as descrições<strong>do</strong>s contextos escolares, sem aprofundarem-se na estruturas macro de poder,por outro la<strong>do</strong> os fenomenologistas reagem avisan<strong>do</strong> que focalizan<strong>do</strong> nomacro sem se deter nos contextos particulares, serão poucas as contribuiçõespara a transformação <strong>do</strong> social...) 24 . Neste texto, colocaremos em linhasgerais, por onde passa os pontos convergentes da resistência ao CurrículoConvencional, não nos deten<strong>do</strong> nas abordagens que tais vertentes utilizampara com ele se confrontarem.Podemos dizer que foi na Inglaterra no início <strong>do</strong>s anos 70, com omovimento acadêmico conheci<strong>do</strong> como a Nova Sociologia da Educação, queos teóricos da educação e da sociologia, vislumbraram denominar a discussãosobre o currículo e a relação deste com as visões de sociedade, educação eprodução <strong>do</strong> conhecimento, como Teoria Crítica <strong>do</strong> Currículo.O livro de Young (1971) sacudiu as discussões educacionais em torno<strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho com o conhecimento escolar e as manutenções<strong>do</strong> status quo na sociedade. Este movimento, junto com estu<strong>do</strong>s e reflexõesem diferentes partes <strong>do</strong> globo, ajudaram a aglutinar uma perspectiva teóricade análise <strong>do</strong> currículo que desconstruía de forma surpreendente, a idéia deneutralidade e competência técnica antes atribuída ao processo de seleçãode conteú<strong>do</strong>s escolares.A partir desta perspectiva, o currículo deixa de ser apenas uma questãoorganizacional para ser uma dinâmica sócio educacional carregada de senti<strong>do</strong>sna qual estão inseridas as relações com o poder, a cultura e a ideologia;passa a ser compreendi<strong>do</strong> nos processos de regulação das prioridades deconhecimento escolar; nos ditames pedagógicos; nas nuances <strong>do</strong> territórioescolar; refleti<strong>do</strong>s na organização <strong>do</strong> espaço; no que está exposto em suasparedes, nas suas dinâmicas de relação social, no seu calendário escolar(fiquemos atentos ao currículo oculto - Silva, 1992; Santomé 1995).Para a educação ambiental esta discussão “subliminar” <strong>do</strong> processode seleção de conteú<strong>do</strong>s e práticas escolares é central no amadurecimentoda concepção de Educação Ambiental que se naturaliza, formaliza e ganhaespaço. Por tu<strong>do</strong> isto, o campo de estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> currículo pode trazer importantesreflexões para o campo de estu<strong>do</strong> da Educação Ambiental, pelas suascomo por exemplo: comunidades, sindicatos, conselhos, associações de mora<strong>do</strong>res...26Ecossistema comunicativo abrange a organização <strong>do</strong> ambiente, a atuação <strong>do</strong>s atores, a disponibilidade121


interfaces políticas, culturais e pedagógicas.122O currículo e a educação ambiental – “compran<strong>do</strong>uma briga” importante!!!As diferentes concepções de currículo e as análises teóricas que delassurgem, são produtos sociais construí<strong>do</strong>s historicamente e representam umadinâmica relacional entre visão de sociedade e visão de educação. Por tu<strong>do</strong>isto, nós educa<strong>do</strong>res ambientais não podemos nos isentar desta discussãoe precisamos ficar sempre atentos ao que ingenuamente acreditávamos seruma questão “técnica” e neutralizada politicamente.Bem, não é difícil imaginar porque o campo de estu<strong>do</strong> e trabalho comeducação ambiental tem tu<strong>do</strong> a ver com todas estas questões... O “quê” eo “como” trabalhamos com Educação Ambiental tem a ver com o porquêtrabalhar com Educação Ambiental! Este porquê vai poder explicar o nívelde comprometimento que estamos estabelecen<strong>do</strong> com as reflexões sobre asquestões ambientais.Precisamos diferenciar as atividades em educação ambiental <strong>do</strong> projetopolítico da educação ambiental. A primeira centra-se nas oportunidadesque temos de trazer a questão ambiental para a pauta de discussão (semana<strong>do</strong> meio ambiente, dia da árvore, projeto de reciclagem, reportagens sobre oefeito estufa...) a segunda centra-se no compromisso de colocar tais questõesdentro de uma plataforma política definida, que está atrelada às discussõesde poder na sociedade e que devem ser trazidas para o universo de reflexãopedagógica haven<strong>do</strong> ou não esta oportunidade. Ou seja, vamos discutir/enfrentaras questões ambientais e não apenas reconhecer que estas existem,quan<strong>do</strong> nos for apropria<strong>do</strong> discuti-las.O trabalho com Educação Ambiental deve partir <strong>do</strong> pressuposto deque existe um tensionamento na relação sociedade e ambiente, e este tensionamentosurge de relações de poder historicizadas, não naturalizadas epassíveis de transformação.Princípios meto<strong>do</strong>lógicos para o trabalho com EducaçãoAmbiental e currículo• A perspectiva crítica de currículo busca estabelecer uma reflexãosobre a responsabilidade de to<strong>do</strong>s frente as questões socioambientais.Isto implica em não centrarmos a Educação Ambiental em umadisciplina, ou não territorializarmos sua discussão como da “área biológica”,“da geografia”... a Educação Ambiental é território de to<strong>do</strong>s


e deve ser trabalhada com responsabilidade a partir de uma visão demun<strong>do</strong> e sociedade que está inserida no projeto político pedagógico<strong>do</strong> espaço no qual atuamos.• Os espaços pedagógicos são uma dinâmica construída socialmente,não poden<strong>do</strong> haver proprietários nem superiores, suas decisões precisamser construídas de forma democrática e participativa e devembuscar trabalhar os tensionamentos existentes na nossa sociedade.• As opções <strong>do</strong> “quê” estudar, “quan<strong>do</strong>” e de “como” devem ser dialogadase pautadas em análises mais participativas. O trabalho compesquisa permite aos educan<strong>do</strong>s fluir em suas reflexões; a pedagogiade projetos (Leite, 1996) no âmbito escolar pode ser uma boa opçãopara fugir às obviedades <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s disciplinares. As opções deconteú<strong>do</strong>s (Cardápio Curricular), quan<strong>do</strong> possível, podem ajudar asuprir muitas das demandas surgidas em grupos.• O trabalho com a produção de conhecimentos não pode ser hierarquiza<strong>do</strong>.O conhecimento trazi<strong>do</strong> de casa/outros contextos é importantee deve ser não apenas “leva<strong>do</strong> em consideração”, mas busca<strong>do</strong>e valoriza<strong>do</strong> como contribuição importante.• As questões ambientais demandam uma análise sistemática, a discussãodeve sempre ser pautada nos porquês, entenden<strong>do</strong> a realidadecomo um processo historicamente construí<strong>do</strong> na relação ambiente esociedade.Dicas de avaliação <strong>do</strong> nosso espaço pedagógico 25• Estamos valorizan<strong>do</strong> as falas de to<strong>do</strong>s, escutan<strong>do</strong> as diferenças eencaminhan<strong>do</strong> suas reflexões?• Estamos buscan<strong>do</strong> a reflexão ou apenas trazen<strong>do</strong> informações?Articulamos nossas discussões ou fragmentamo-as no tempo e noespaço?• Estamos buscan<strong>do</strong> as diferentes versões da história ou apenas noscentran<strong>do</strong> nas mais “evidentes”?• Estamos toman<strong>do</strong> decisões conjuntas ou repassan<strong>do</strong> decisões depoucos?• Estamos pratican<strong>do</strong> nossas falas, ou apenas jogan<strong>do</strong> teorias no ar?• Dicas de questões problematiza<strong>do</strong>ras<strong>do</strong>s recursos e tecnologias, as ações conjuntas que envolvem um processo comunicativo. Trata-sede uma apropriação conceitual, que pode parecer estranha para ambientalistas, mas traduzida aopensarmos em “ecologia social”.123


• Quem decide o que é “conhecimento escolar”? Por que se decideassim?• Por que existem conhecimentos mais importantes que outros?• Como esta carga horária é definida? Por que existem disciplinas“chaves” e disciplinas menos importantes? Por que nem sempre temostempo para os temas transversais na escola?• Por que a visão de cultura tem uma referência? Onde ficam asdiferentes visões de cultura das diferentes formas de vida em sociedade?• Por que estudamos apenas uma versão da história? Por que valorizamosa versão <strong>do</strong>s brancos, <strong>do</strong>s coloniza<strong>do</strong>res, <strong>do</strong>s poderosos?• Por que a linguagem adequada é sempre a de quem tem poder nasociedade?• Por que o “certo” e o “erra<strong>do</strong>” é sempre dito e pouco explica<strong>do</strong>?Sugestão de vídeoNarra<strong>do</strong>res de Javé – direção de Eliane Café – duração 1h 20m.Dicas de leituraMOREIRA, A.F.; SILVA, T. T. (Org.). Currículo, cultura e sociedade.8 ed. São Paulo: Cortez, 2005.SILVA, T.T. Documentos de identidade - uma introdução àsteorias <strong>do</strong> currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.Dicas de leituraALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Rio: Graal,1983.APPLE, M. Ideologia e currículo. São Paulo. Brasiliense, 1982._____. Educação e poder. Artes Médicas. Porto Alegre, RS, 1989._____. A política <strong>do</strong> conhecimento oficial: faz senti<strong>do</strong> a idéia deum currículo nacional? In: MOREIRA, A.F.; SILVA, T.T. (Org.).Currículo, cultura e sociedade. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2004.BERNSTEIN, B. Class, codes and control. Lon<strong>do</strong>n,Routledgeand Kegan Paul, v. 3, 1975.BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. A reprodução. Rio: Francisco124


Alvez, 1975.BOWLES, SAMUEL E GINTIS, H. Schooling in capitalistAmerica. Lon<strong>do</strong>n: Routledge and Kegan Paul, 1976.CAVALCANTE, L.O.H. Convidan<strong>do</strong> a pedagogia para o diálogocom a educação ambiental crítica. 2005. No prelo.CORAZZA, S. O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticasem educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.GIROUX, H. Escola crítica e política cultural. São Paulo: Cortez.1987_____. Cruzan<strong>do</strong> as fronteiras <strong>do</strong> discurso educacional – novaspolíticas em educação. Porto Alegre, RS: Ed. Artes Médicas Sul,1999.LIMA, I.C.; ROMÃO, J. (Org.). Negros e currículo. Florianópolis:Núcleo de estu<strong>do</strong>s negros, 1997.LEITE, L.H.A. Pedagogia de Projetos - Intervenção no presente.In: Revista Pedagógica, Dimensão, Belo Horizonte, v. 2, n. 8,1996.MACEDO, R.S. Currículo e complexidade. A perspectivacrítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salva<strong>do</strong>r:Edufba, 2002.SANTOMÉ, J.T. El curriculum oculto. Madrid: Morata, 1995._____. Identidades terminais - as transformações na políticada pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis, RJ: Vozes,1996._____. A economia política <strong>do</strong> currículo oculto. In: SILVA, T.T.da. O que produz e o que reproduz em educação. Porto Alegre:Artes Médicas, 1992.VEIGA, I.P. (Org.). Escola: espaço <strong>do</strong> projeto político pedagógico.São Paulo: Papirus, 1998.125


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DEMOCRACIAJean Pierre Leroy & Tania PachecoPalavras-chave: cidadania; direitos; igualdade; eqüidade; justiça; ética;dignidade; cultura; liberdade; pluralismo; conflito; solidariedade; utopia.1. Origens, história e conceitosTo<strong>do</strong>s nós freqüentemente ouvimos falar (e até falamos, também) quealguém é “um verdadeiro democrata” ou, ao contrário, que uma decisão ouatitude foi “profundamente anti-democrática”. Mas quantas vezes paramospara pensar no que isso significa de fato? Será que já fomos ao dicionáriopara ver afinal qual o senti<strong>do</strong> real desses termos tão presentes no nossodia-a-dia? Ou será que fazemos parte da turma que “não liga muito paraessas coisas de política”, pois “tem coisas mais importantes com as quais sepreocupar”? Se você optou por ler este trabalho, temos a certeza de que nãose deixa incluir nesse grupo. Ao contrário, como uma pessoa preocupadacom a construção da cidadania, sabe que para isso a democracia é um bemessencial. Por isso mesmo, talvez seja interessante aprofundar a questão,pensar um pouco e mais a respeito...Comecemos pela história: a palavra democracia chegou ao portuguêsatravés <strong>do</strong> termo latino democratia, mas a criação original foi grega. Demokratiapartia de duas raízes: demo (povo) e krateein (regra, lei). Os gregosconstruíam, assim, a base de uma teoria segun<strong>do</strong> a qual a forma mais purade governo seria aquela na qual o Esta<strong>do</strong> fosse controla<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o povo,cada cidadão e cidadã partilhan<strong>do</strong> de forma eqüânime direitos, deveres eresponsabilidades e participan<strong>do</strong> pessoalmente <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> poder. Esseideal das cidades-esta<strong>do</strong> da Grécia antiga surgia em oposição aos regimespolíticos existentes até então: a monarquia (governo de uma só pessoa) e aaristocracia (governo de um grupo reduzi<strong>do</strong> de pessoas).Entre os filósofos da época, houve inclusive quem defendesse o termo“isonomia”, com o senti<strong>do</strong> de “igualdade perante e das leis”, como o quemelhor definiria as bases <strong>do</strong> governo desejável para to<strong>do</strong>s. De qualquerforma, a verdade é que a democracia jamais foi posta em prática pelosgregos ou por seus contemporâneos, nesse senti<strong>do</strong> ideal. Basta dizer que,de forma diferenciada, as mulheres, os “metecos” (estrangeiros que viviamnas cidades) e os escravos eram por eles excluí<strong>do</strong>s da cidadania.Ao longo <strong>do</strong>s séculos, a concepção de democracia sofreria diversas129


transformações, conforme mudavam as civilizações e as circunstâncias emque elas viviam. Passan<strong>do</strong> pelos romanos e por autores medievais, a noçãoora se desvirtuava, ora se enriquecia. E, aos poucos, as idéias de democracia ede república – res (coisa) + publica – iriam se misturan<strong>do</strong> e confundin<strong>do</strong>.O debate ganharia um novo alento a partir da Revolução Francesa.Para Saint Just e Robespierre, a democracia deveria varrer definitivamenteda França o despotismo, instauran<strong>do</strong> o “reino da virtude”. Mas vale umaden<strong>do</strong> que nos dá pistas sobre o tipo de democracia com a qual eles sonhavam:segun<strong>do</strong> Robespierre, as “molas propulsoras” desse Governo populardeveriam ser, ao mesmo tempo, o terror e a virtude. E ele esclarecia que“sem a virtude, o terror é funesto; e a virtude, sem o terror, é impotente”! Ogrande teórico da democracia moderna seria, entretanto, Rousseau. No seuContrato Social, os ideais republicano e democrático se fundiriam na defesada soberania popular, à qual competiria, através da formação de uma vontadegeral inalienável, indivisível e infalível, o poder de fazer as leis.Seria precisamente a partir da visão de Rousseau que, ao longo<strong>do</strong>s séculos XIX e XX, liberalismo e socialismo defenderiam, cada um aseu mo<strong>do</strong>, a idéia de estarem lutan<strong>do</strong> por ou pon<strong>do</strong> em prática regimesdemocráticos em diferentes países. De um la<strong>do</strong>, Benjamim Constant, Alexisde Tocqueville e John Stuart Mill, entre outros, apontavam a democraciarepresentativa ou parlamentar como a única forma de governo compatívelcom um Esta<strong>do</strong> liberal. De outro, teríamos, na visão de diferentes autoresde esquerda (começan<strong>do</strong> pelo próprio Marx e sua análise da Comuna deParis, no 18 Brumário), o imperativo da participação direta <strong>do</strong>s cidadãos nadireção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, organiza<strong>do</strong>s em conselhos ou em formas assemelhadasde ação coletiva, como imprescindível para a existência da democracia.Na crítica de Norberto Bobbio (1986), entretanto, tanto no liberalismocomo no socialismo, o ideal democrático viria a representar um elementointegrante (como “reforço da base popular <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”) e necessário (sem ela,não se alcança a “profunda transformação da sociedade que os socialistasdas diversas correntes sempre tiveram como perspectiva”), mas não constitutivo.Para ele, o que muda na <strong>do</strong>utrina socialista a respeito da <strong>do</strong>utrinaliberal é o mo<strong>do</strong> de entender o processo de democratização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Foraisso, para uns e para outros Bobbio afirma que ela foi-se tornan<strong>do</strong> um meroreceituário de prática política, basea<strong>do</strong> no respeito a determinadas “regrasde jogo” ou a certos “procedimentos universais”.A crítica tem procedência. Foi precisamente assim que chegamosaos dias de hoje, nos quais o conceito de democracia mais que nunca émotivo de disputas. Fala-se de liberalismo ou de socialismo democráticos,130


emprestan<strong>do</strong> à democracia valor de adjetivo e significa<strong>do</strong> essencialmente“comportamental”, em lugar de “substancial”. A essa democracia formal,na qual os representantes eleitos exercem o poder em nome <strong>do</strong> povo, masraramente o fazem a favor de e para este mesmo povo, terminan<strong>do</strong> semprepor basear suas práticas nos determinantes econômicos e nas necessidadesdas elites, autores de esquerda opõem a democracia substantiva, ou a radicalizaçãoda democracia.governo?2. Democracia, questão de fun<strong>do</strong> ou méto<strong>do</strong> dePara nós, a visão de democracia como valor universal transcende asnoções de forma e de méto<strong>do</strong>. Seu alicerce é construí<strong>do</strong> a partir da concepçãode que o poder não deve ser apenas proveniente <strong>do</strong> povo ou garantira sua participação efetiva nas decisões que envolvem a forma e o méto<strong>do</strong>como deve ser exerci<strong>do</strong>. Acima de tu<strong>do</strong>, é essencial considerar “para quê”e “com que fins” se direciona seu uso; o que fazemos com ele; quem sãoos beneficiários e quais os benefícios dele provenientes. É uma busca permanentepela igualdade.E aqui vale um parêntese: dizer que cada cidadão compartilha o poder,que cada um é igual perante a lei, é uma ilusão quan<strong>do</strong> sabemos que o poder<strong>do</strong> dinheiro e a força estão nas mãos de minorias, quan<strong>do</strong> as condiçõessociais, econômicas e culturais em que vive a maioria das pessoas não lhespermites exercer a sua cidadania e faz com que a república continue sen<strong>do</strong>propriedade de alguns. A força e a lei, desvia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seu papel democráticode assegurar a plena realização <strong>do</strong>s direitos humanos, civis, políticos e,também, econômicos, sociais, culturais e ambientais (DhESCAs), perpetuamesse esta<strong>do</strong> de coisa. Por outro la<strong>do</strong>, um <strong>do</strong>s perigos da democracia é o deo cidadão achar que tem to<strong>do</strong>s os direitos, esquecen<strong>do</strong> que, ao defenderdireitos iguais para to<strong>do</strong>s, a democracia ao mesmo tempo limita os direitosde cada um. A educação para a democracia, a compreensão e a defesa <strong>do</strong>interesse geral são pontos fundamentais, mas não suficientes. O poder <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>, pela lei e pelo monopólio da força, deve se manifestar também parapromover a igualdade. Fechemos o parêntese.Isso nos leva a ir adiante na força de nossas convicções: entendemosa democracia como processo. Um processo que tem como cenário as circunstânciasdadas que nos cercam e que estão sempre em mutação contínua.Do ponto de vista político (e sócio-econômico), ora conquistamos vitórias,ora somos obriga<strong>do</strong>s a recuar; ora optamos por “empates”. Soman<strong>do</strong>-se aisso, basta considerarmos as transformações que ocorreram ao longo <strong>do</strong>131


século XX e nestes primeiros anos <strong>do</strong> século XXI, para entendermos que,paralelas às lutas contra a miséria e a exclusão e pela justiça social e ambiental,as imensas conquistas da ciência e da tecnologia vêm redeterminan<strong>do</strong>com inusitada freqüência as nossas necessidades. Finalmente, temos aindaa utilização da máquina publicitária/mídia, determinan<strong>do</strong> nossos desejose transforman<strong>do</strong> o potencial de consumo como um índice cada vez maispresente e contundente <strong>do</strong> que temos e, acima de tu<strong>do</strong>, somos.Em contraposição e, ao mesmo tempo, dan<strong>do</strong> continuidade a esseraciocínio, vale salientar que exatamente o conflito - tão temi<strong>do</strong> por uns,tão critica<strong>do</strong> por outros – é parte essencial e substancial para a constituiçãoda democracia. A tu<strong>do</strong> custo, as elites e os que exercem a <strong>do</strong>minaçãoideológica sobre o mun<strong>do</strong> buscam instaurar a “democracia <strong>do</strong> consenso”.Através dela, pretendem construir uma falsa unanimidade, calan<strong>do</strong> as vozesdissonantes. Esse “idílio <strong>do</strong> consenso”(Ranciere, 1996) promove a morteda política, submeten<strong>do</strong>-a ao econômico e inviabilizan<strong>do</strong> assim o debatesobre as decisões e orientações <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> desenvolvimento, tornadasintangíveis. O pluralismo político fica limita<strong>do</strong> a questões secundárias, opensamento único prevalece, e a nação se apresenta na sua unidade aparente,sua “homogeneidade”.Ora, a democracia só é construída a partir da heterogeneidade e <strong>do</strong>sdissensos, das divergências de opinião e das diversidades culturais, da hetero<strong>do</strong>xia<strong>do</strong>s sonhos e da reafirmação das utopias. Esses são os ingredientesque permitem que a democracia se manifeste, “como vontade de unificara sociedade sem abolir suas divisões, de determinar um espaço político noqual a divisão una”(Chatelet, 1983).É importante ressaltar, finalmente, uma questão aparentementecontraditória, mas de importância fundamental: a democracia que hojeconstruímos jamais será alcançada, na medida em que é e será sempre determinadapor uma utopia em constante transformação. A cada passo da<strong>do</strong>no senti<strong>do</strong> de chegar a ela e mesmo a cada vitória, ela irá se metamorfosearem algo novo, agregan<strong>do</strong> novas necessidades. Assim, a distância que nossepara <strong>do</strong> nosso alvo de alguma forma se manterá, pois, na medida em queo destino e o caminho estarão sempre sen<strong>do</strong> corrigi<strong>do</strong>s, acresci<strong>do</strong>s de mudançasde rumos ou da clarificação de novos horizontes. E é isso, acima detu<strong>do</strong>, que torna fascinante a nossa busca: o fato de que estaremos sempreaprimoran<strong>do</strong>-a e, nesse processo, aperfeiçoan<strong>do</strong> a nós mesmos, às nossassociedades, à nossa cidadania e às relações que marcam a nossa permanênciacom e neste planeta.Tu<strong>do</strong> isso implica, forçosamente, na formação de uma consciência e132


de uma vontade coletiva, que questione o poder das elites; o uso que é da<strong>do</strong>à ciência e à tecnologia; a mercantilização <strong>do</strong>s valores que determinam nossaética, nossos sonhos e desejos. Mais: implica na própria re-significação dapalavra democracia e <strong>do</strong> conceito por ela expresso, crescentemente alvosde apropriação e de uso falacioso por aqueles e aquelas que buscam a morteda política ou sua transformação em mero instrumento para a manutençãode seus privilégios.3. Educação Ambiental e DemocraciaA noção de democracia não pode prescindir da dimensão <strong>do</strong> meio ambiente.Nossas relações humanas dependem, até mesmo no que diz respeitoà nossa sobrevivência, das relações que mantemos com a natureza e com oplaneta, em si. Assim como de nada adianta ciência e tecnologia avançaremde forma aética, indiscriminada, acrítica em seus objetivos e instrumentos,a defesa <strong>do</strong> direito a uma vida de qualidade para to<strong>do</strong>s os seres humanosdeve ultrapassar de muito a garantia da satisfação das necessidades básicas.Isso envolve nossas relações com a própria Terra: seu ar, água, solo, clima,riquezas etc.No dizer de Ricar<strong>do</strong> Petrella (2004), nossos sonhos foram aprisiona<strong>do</strong>snum campo cerca<strong>do</strong>, defini<strong>do</strong> pelos grupos <strong>do</strong>minantes, e isso reduziu nossacapacidade de imaginar e de criar à mera “gestão <strong>do</strong> possível”. É contra essecenário que devemos nos insurgir, se desejamos construir um mun<strong>do</strong> maisjusto e democrático. A partir desta proposta, gostaríamos de destacar algunspontos específicos que se colocam como premissas e como desafios para aeducação ambiental que caminha no senti<strong>do</strong> da democracia:3.1. A Educação ambiental como educação para a cidadania,para a virtudeAcima <strong>do</strong>s interesses particulares, acima da privatização e da mercantilizaçãoda natureza, a educação ambiental trabalha a afirmação deque os recursos naturais e o meio ambiente são “bens comuns” <strong>do</strong> país eda humanidade. Acima <strong>do</strong>s interesses particulares, há o interesse geral dahumanidade, a de hoje e a <strong>do</strong> futuro, de que cuidemos bem da nossa herança.No mesmo movimento reflexivo, o educan<strong>do</strong> é convida<strong>do</strong> a mudar depostura ou fortalecê-la, a mudar ou fortalecer a sua relação com seu meioambiente, e a se inserir na tarefa democrática de fazer prevalecer o interessecoletivo da humanidade.3.2. Educação ambiental e igualdade133


Sem reconhecimento <strong>do</strong>s direitos humanos, não há democracia possível.Para os pobres, os excluí<strong>do</strong>s, os invisíveis ou qualquer qualificaçãoque se dê aos desiguais e subalternos, é quase impossível fazer valer seusdireitos. E o tamanho da injustiça aumenta. Os mesmos que vêem nega<strong>do</strong>seu direito à educação, à saúde, à moradia, ao emprego de qualidade,vêem nega<strong>do</strong> seu direito ao meio ambiente. A educação ambiental tem aresponsabilidade de mostrar que os países que provocam o efeito estufaestão fazen<strong>do</strong> crescer a desigualdade entre eles e os países pobres; que sãoprincipalmente os habitantes desses últimos que mais sofrem as conseqüênciasdas catástrofes decorrentes das mudanças climáticas; que são aspopulações pobres que sofrem os impactos de um desenvolvimento que,no mesmo movimento, destrói a elas junto com a natureza, aprofundan<strong>do</strong> adesigualdade. A Educação Ambiental tem que mostrar que a luta pelo meioambiente é uma luta pela igualdade, e que a luta pela igualdade é uma lutapela democracia.3.3. Educação ambiental e conflitoA educação ambiental é uma educação amorosa, educação <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>para com a terra e para com a humanidade; educação para a paz, poisa guerra aniquila a vida, e a violência ofende a dignidade da humanidade.Mas a Educação Ambiental, para que se chegue lá, diz que é preciso enfrentaras desigualdades e os que a promovem. A Educação Ambiental recusaa idéia veiculada pela democracia liberal de que, cada um ten<strong>do</strong> um voto,to<strong>do</strong>s teriam igual oportunidade de participar da política e das decisõessobre nosso futuro. Não aceita que o planeta e a vida se tornem merca<strong>do</strong>riaou lixeira da humanidade. Quer reatar os laços humanos esgarça<strong>do</strong>s pela<strong>do</strong>minação de uma minoria sobre o resto da humanidade e sobre a natureza,a partir de um claro reconhecimento das responsabilidades diferenciadas ede ações de reparo.Nesse senti<strong>do</strong>, a Educação Ambiental não pode passar por cima dasdiferenças e da diversidade humana. Pelo contrário, associa a rica diversidade<strong>do</strong> planeta (ecossistemas, vida, paisagens etc) à boa parte da diversidadehumana (culturas, formas produtivas, prática políticas, etc.) no tempo e noespaço. Por isso, a Educação Ambiental não pode aceitar que uma aparenteunidade <strong>do</strong>s cidadãos em torno da pátria negue a sua diversidade.3.4. Educação ambiental e modelo de desenvolvimento134


Em nome <strong>do</strong> “desenvolvimento sustentável”, colocan<strong>do</strong> o crescimentoa qualquer custo como meta e o cuida<strong>do</strong> para com o meio ambiente sob acondução <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, nega-se não só o princípio da eqüidade nas nossasrelações com a natureza como, ainda, a ética, o direito à diversidade e compromete-sea própria democracia. Esquece-se de que ela é fruto de decisõesda sociedade, e que não são os bens materiais que a definem, mas os valores,a concepção de mun<strong>do</strong> dessa sociedade, fazen<strong>do</strong> valer sua vontade ao longo<strong>do</strong> tempo e das gerações, através de processos democráticos. Esquece-se queo “desenvolvimento” que se quer é o da própria humanidade em consonânciacom a natureza, que será múltiplo e varia<strong>do</strong>, pois só pode ser busca e frutodesta humanidade na sua múltipla diversidade.Essa concepção nos orienta para a radicalização da democracia e abusca de outras formas de participação democrática para além da representação,pois nem os sábios, nem as elites poderão dar conta desse projeto.3.5. Educação ambiental e exercício da políticaA seguir uma corrente da economia ambiental, a preservação da naturezaseria mais garantida se fosse privatizada e se lhe fosse da<strong>do</strong> valor demerca<strong>do</strong>ria, pois a gente cuida melhor <strong>do</strong> que é seu. A nossa relação com omeio ambiente sairia então da esfera política para se restringir às esferas dapropriedade particular e <strong>do</strong> comércio. Contra a generalização dessa idéia, aEducação Ambiental opõe a sua reflexão sobre a natureza como bem comum,herança da humanidade, e afirma que seu manejo, para a humanidade de hojee a <strong>do</strong> futuro, é tarefa e a ser discutida e compartilhada democraticamente,de maneira responsável e solidária; que é tarefa eminentemente política.Estende inclusive a reflexão e a ação democráticas à dimensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.À luz da democracia, definimos sustentabilidade como “o processopelo qual as sociedades administram as condições materiais da sua reprodução,redefinin<strong>do</strong> os princípios éticos e sócio-políticos que orientam adistribuição <strong>do</strong>s recursos ambientais”. Em lugar de colocar a sustentabilidadecomo algo já defini<strong>do</strong>, ela passa a ser tarefa nossa, pela qual se resgata acidadania, se instaura o conflito na busca da boa sociedade e de um outrodesenvolvimento. Nesse senti<strong>do</strong>, podemos estabelecer como nossa tarefamaior, a de forjar uma educação que nos ofereça as bases para construirmosum projeto civilizatório basea<strong>do</strong> numa outra relação dentro de cadasociedade; das sociedades entre si; e da humanidade com o meio ambientee com os recursos naturais <strong>do</strong> planeta.135


4. Meto<strong>do</strong>logia: democracia e maiêuticaComeçamos este texto falan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s gregos; talvez convenha retornar aeles, neste momento em que vamos discutir brevemente como se dará a nossaatuação como educa<strong>do</strong>res. Sócrates chamava de “maiêutica” o processo queutilizava com seus discípulos. A palavra tem significa<strong>do</strong> expressivo: parto.Em lugar de se colocar no alto de uma torre de marfim, de um pedestal oude uma cátedra, discorren<strong>do</strong> com brilho fulgurante sobre os mais diferentesassuntos, o filósofo caminhava com eles pelos campos, deixava-se ficarcom eles, senta<strong>do</strong>s ou deita<strong>do</strong>s sobre a relva, e, pacientemente, conversava.Fazia perguntas, ouvia, questionava, ouvia, trocava idéias e, delicadae sutilmente, como uma hábil parteira, induzia seus alunos a “descobrir”dentro de si o conhecimento e a trazê-lo à luz. Generosamente, abria mão<strong>do</strong> papel de “vanguarda” que sem dúvida era seu e levava-os pelo caminhoda autodescoberta, oferecen<strong>do</strong> a cada um a chance da verdade adquiridacomo uma vitória pessoal e uma certeza inquestionável.Essa ainda pode ser uma boa postura inicial: em lugar de buscar aadmiração <strong>do</strong>s “discípulos”, socializar e trocar conhecimentos, construin<strong>do</strong>meios para estabelecer, de forma horizontal e democrática, a verdade comum.Se a democracia é um processo, como já dissemos, e um processo de construçãocoletiva, a educação para a democracia será também um processo,e será também coletiva. Nesse senti<strong>do</strong>, ela supõe colocar-se em atitude deabertura à mudança, em atitude de “libertação”, como dizia Paulo Freire. Eele acrescentava, comparan<strong>do</strong> o processo educativo à libertação: “Ninguémliberta ninguém, ninguém se liberta a si mesmo: os homens se libertam emcomunhão”. E ainda: “ninguém educa ninguém – ninguém se educa a simesmo – os homens se educam entre si, mediatiza<strong>do</strong>s pelo mun<strong>do</strong>”. Assim,o educa<strong>do</strong>r ambiental se coloca numa atitude despojada, de aprendiz da democracia,de caminhante, de artesão. Junto com as pessoas, o grupo, partepara a descoberta. A partir daí, podemos levantar algumas possibilidadesde questões sobre o como fazê-lo:4.1 aprender a distinguir criticamente entre a democracia sen<strong>do</strong>praticada como simples forma ou méto<strong>do</strong> de governo e a democraciasubstantiva, radical, construída a partir <strong>do</strong>s conflitos, buscan<strong>do</strong>a igualdade entre os seres humanos e novas relações com o meioambiente. Engajar-se e comprometer-se com ela;4.2 inconformar-se com o sofrimento das pessoas e o drama quehoje vivem a humanidade e o planeta. Ser sensível à voz <strong>do</strong>s quegritam no deserto, sem eco; fazer emergir a fala daqueles a quem foinegada a voz; transformar em palavras e denunciar a vida destruídae a natureza saqueada;136


4.3 paralelamente, escutar criticamente o discurso <strong>do</strong>minante e confrontá-locom o grito e o silêncio <strong>do</strong>s oprimi<strong>do</strong>s. Identificar e exporas contradições que geram os questionamentos;4.4 vincular-se afetivamente ao território, à cultura e ao meio socialonde vive. Observar a riqueza produzida pela sociedade e identificar,por trás <strong>do</strong>s bens, tu<strong>do</strong> que veio da natureza e tu<strong>do</strong> que volta a ela.Indagar: quem se beneficia deles? Quem fica à margem? A que preçoe como isso ocorre? Como mudar esse esta<strong>do</strong> de coisas?;4.5 fazer a ligação entre o local e o global, entre o imediato e autopia. Trabalhar na elaboração e na efetivação de soluções para odesenvolvimento aqui e agora, onde os participantes se confrontemcom a necessidade de rever valores; de diagnosticar problemas; dediscutir propostas; de debater formas para viabilizá-las, sempre deforma participativa;4.6 estabelecer relações pedagógicas (Gramsci) para transformar osenso comum, a cultura e a concepção de mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s participantes,de forma a que venham a ser eles próprios cria<strong>do</strong>res de novas utopias,sempre na perspectiva de construção de um projeto de futuro para ahumanidade e o planeta que tenham por base o prima<strong>do</strong> da ética e <strong>do</strong>respeito aos direitos humanos e ambientais;4.7 entender que esse processo educativo jamais será forja<strong>do</strong> a partirde conversas entre quatro paredes. É necessário usar como méto<strong>do</strong> aPesquisa Ação Participante, comprometida com a horizontalidade ecom a transformação social. Sair para a roça ou para o bairro; para orio, mar, floresta, cerra<strong>do</strong> ou caatinga; para a usina ou para o mangue;para o congresso e para o tribunal. Lá, desencadear um processodemocrático, que tenha como ponto de partida a realidade concretae, por objetivo, mudar uma situação de exclusão e de destruiçãoambiental;4.8 lembrar que o conhecimento provém da ação transforma<strong>do</strong>ra,como também nos mostra Gramsci. A ação elaborada pelos que nosprecederam nos educou. A ela acrescentamos nossa própria práticae, a partir das nossas experiências, construímos o acúmulo que darámaior solidez à nossa ação cidadã, à nossa participação para com ademocracia;4.9 a democracia não é um pacote pronto; jamais estará contida numareceita. A construção <strong>do</strong> conhecimento e a construção da democraciaseguem juntas, no mesmo processo. Não haverá um mapa <strong>do</strong> caminhoa percorrer, já que a democracia é uma invenção permanente. Atuarsempre, pois, no senti<strong>do</strong> de sensibilizar e conquistar os participantespara o desafio <strong>do</strong> aprimoramento e a autotransformação.137


1385. Avaliação a partir <strong>do</strong> Conceito5.1. A prática educacional conseguiu se adequar à realidade <strong>do</strong> grupoe à de cada membro?5.2. O processo no interior <strong>do</strong> grupo foi efetivamente horizontal edemocrático? Seus membros conseguiram se expressar e participarde forma respeitosa e igualitária?5.3. Sentem-se mais capazes para atuar de forma autônoma, crítica einova<strong>do</strong>ra em outros processos formativos, volta<strong>do</strong>s para a construçãoda ética, da democracia e da justiça ambiental?5.4. Basea<strong>do</strong>s no que vivenciaram, sentem-se aptos para construirum Projeto Político Pedagógico para uma intervenção que tenha ademocracia como tema?5.5. Ao final <strong>do</strong>s trabalhos, a noção que levam da importânciada democracia e da urgência <strong>do</strong> combate às diferentes formas dedesigualdade está construída essencialmente a partir de um conhecimentoracional, ou está embasada, antes de tu<strong>do</strong>, num sentimento deresponsabilidade pessoal e coletiva na defesa <strong>do</strong>s direitos e da justiça,social e ambiental?6. Sugestões para possíveis oficinas e/ou atividadescom a comunidadeDependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> lugar onde mora o grupo, solicitar que: (1) diagnostiquemconflitos ambientais existentes na região; (2) determinem quais osantagonistas envolvi<strong>do</strong>s na questão (setores da população, empresas, órgãospúblicos); (3) busquem informar-se melhor sobre suas causas e conseqüências;(4) discutam as alternativas para fazer face à questão, incluin<strong>do</strong> possíveisalia<strong>do</strong>s a serem conquista<strong>do</strong>s; (5) elaborem, em conjunto, possíveisestratégias para buscar a solução para o problema. Exemplos de possíveistemáticas e questões:1) Estu<strong>do</strong> da bacia hidrográfica da região onde o grupo mora, queabastece a cidade ou da qual os jornais falam, em torno da qual seráfeita alguma obra, grande ou pequena. Que empreendimentos e queinteresses usam as águas da bacia? Quem discute e define as prioridades?Que legislação existe sobre isso? De que informação sedispõe? Segun<strong>do</strong> o grupo, que usos deveriam ser prioriza<strong>do</strong>s? Comoisso deveria ser decidi<strong>do</strong>? Como fariam para elaborar um plano epara executá-lo;2) Levantamento sobre indústrias polui<strong>do</strong>ras existentes na região,


que causem danos não só aos trabalha<strong>do</strong>res, como ao meio ambiente,às suas famílias, aos mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> entorno. O que pode serfeito para modificar esse esta<strong>do</strong> de coisas? O que já foi feito? Comquais resulta<strong>do</strong>s? Os trabalha<strong>do</strong>res têm consciência de que estão seexpon<strong>do</strong> a perigos? Ou que seus trabalhos resultam em perigo para acoletividade? Que estratégia poderia ser construída a respeito? Comquem se poderia contar, como parceiros?3) Como está estabelecida a relação entre danos ambientais e pobreza?Quais os extratos da população atingi<strong>do</strong>s pela definição, pelos poderespúblicos, sobre onde devem situar-se os lixões, por exemplo?O saneamento básico, o fornecimento de água potável nas casas,os postos de saúde, as escolas, os aparelhos de cultura e lazer estãouniformemente distribuí<strong>do</strong>s pelos diferentes bairros e populações?Ou há evidências de privilégios e, até, de racismo ambiental? Comomodificar isso? O que fazer a respeito?4) Qual a capacidade que o grupo atribui à população no que dizrespeito a participar de decisões quanto a políticas públicas? Háorçamento participativo no governo local? A população luta por issoe atua, de fato, no senti<strong>do</strong> de assumir sua fatia de poder nas decisõespolíticas? Ou simplesmente se deixa levar? O que fazer a respeito?5) Quais os principais sonhos e utopias que movem a comunidade?Mais verde ou mais asfalto? Carro novo ou garantia de melhor transportecoletivo? Ética ou consumo desenfrea<strong>do</strong>? Ter ou ser?Sugestões de leituraKit.Tu<strong>do</strong> ao mesmo tempo agora; um outro Brasil é possível.Disponível na Ed. Fase. [Video e CD com programas de rádio]BOBBIO, N. Democracia. In: MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G.Dicionário de política. 2.ed. Brasília: Universidade de Brasília,1986.CHATELET, F. ; PISIER-KOUCHNER, E. As concepções políticas<strong>do</strong> século XX. História <strong>do</strong> pensamento político. Rio deJaneiro: Zahar, 1983.PETRELLA, R. Désir d’humanité: le droit de rêver. Bruxelas:Labor, 2004.139


140RANCIERE, J. O desentendimento. São Paulo: Editora 34, 1996.134 p.


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EDUCAÇÃOAntonio Carlos Rodrigues de AmorimPalavras-chaves: amizade; política; escola; multiplicidades; cultura.Quan<strong>do</strong> se encontraram as palavras Educação e Ambiental, na gêneseda Educação Ambiental, des<strong>do</strong>brou-se uma tal afinidade, proximidade e encantamento,que nos pareceu surgir uma boa amizade, marcada pela políticade respeito, de verdade e de companheirismo. O amigo, afinal, é aquele paraquem nos dirigimos à busca de nós mesmos, numa inversão ou reflexo daimagem <strong>do</strong> que mais gostamos em nós. Nas relações de amizade, a intimidadeé condição para que algo nos toque, nos aconteça e nos transforme.A imagem Educação Ambiental no espelho da realidade sócio-culturalé esboçada no encontro entre a Educação e as discussões, os temas, osvalores, as preocupações e as ações políticas, sociais, culturais e científicasde diferentes grupos e movimentos ambientalistas. Não poderíamos indicarque a Educação Ambiental seja um resulta<strong>do</strong> natural, óbvio e trivial desseencontro, embora os movimentos sociais tenham práticas que possam serconsideradas ações educativas (no senti<strong>do</strong> de formar sujeitos, produzir conhecimentose lidar com a tensão constante entre instruir e regular valores emoral). Pois bem, o que de constrange<strong>do</strong>r e desestabiliza<strong>do</strong>r teria a Educaçãona Educação Ambiental? Não é uma questão simplesmente de agregação?Não é uma cópia, que tem uma pequena variação devi<strong>do</strong> ao contexto em queestá inserida (como educação sexual, educação infantil, educação alimentar,educação para o trânsito)?A intimidade criada pela Educação e Ambiental, condicionante deuma política da amizade, gerou significa<strong>do</strong>s que representavam da melhorforma possível esta relação e que são varia<strong>do</strong>s pelas condições históricas. Aintimidade, nesta política da amizade, é tensa e permeada por forças/intensidadesque partem tanto de uma palavra quanto da outra, e se encontram,arrastam e fogem pelo meio.Tratemos apenas de uma das forças/intensidades nos entremeiosEducação na Educação Ambiental: o que quer da Educação uma EducaçãoAmbiental? Ao invés de buscar por definições, o glossário irá perguntar pelosefeitos que tal desejo gera para o campo da Educação Ambiental.Por linhas muito variadas, as práticas, conhecimentos e meto<strong>do</strong>logiasparticipativas, colaborativas e de ação-intervenção de correntes da educa-143


ção popular interessaram à Educação Ambiental devi<strong>do</strong> aos pressupostos eaos resulta<strong>do</strong>s associa<strong>do</strong>s à transformação social que delas advinham. Aspossibilidades de constituição, pela Educação, de sujeitos críticos, autônomos,participativos e emancipa<strong>do</strong>s vão ao encontro de várias intenções<strong>do</strong>s movimentos ambientalistas, em especial aqueles que trabalham emespaços não institucionaliza<strong>do</strong>s. A Educação, inspirada, por exemplo, empedagogias da autonomia, <strong>do</strong> da emancipação e o conceito de liberdadesão referências significativas na produção de senti<strong>do</strong>s para a EducaçãoAmbiental. A Educação Ambiental é povoada, então, de posturas, idéias epráticas que referendam as relações bastante fortes entre ações educativas,condições sociais específicas e transformação da realidade (vida, sujeitos,sociedade, ideologias etc.).Um outro conjunto de linhas, menos varia<strong>do</strong>, mas poderoso, é aglutina<strong>do</strong>quan<strong>do</strong> a Educação Ambiental ramifica-se para os espaços educativosinstitucionaliza<strong>do</strong>s, com destaque para as escolas. Ao contrário da identificaçãoque ocorre com a educação popular, nas escolas as fronteiras são amarca principal no que acontece: evidenciam-se fortemente os territórios<strong>do</strong> ensino das ciências, ensino da biologia, os estu<strong>do</strong>s de natureza (pelaEcologia e a Geografia), a transversalidade <strong>do</strong> currículo que propõe para o<strong>Ambiente</strong> uma possibilidade de síntese e organização <strong>do</strong>s conhecimentosescolares. A intimidade exigida nesse caso apostou na conscientização,emancipação e crítica a partir de um conjunto de conhecimentos, valores eações que se depararam com os efeitos da disciplina (mo<strong>do</strong> de organização<strong>do</strong>s conhecimentos e da constituição de si em que a escola se fundamentadesde a modernidade). Estava-se diante de um engano irreparável? Nãoera bem isso que se procurava? Passemos a outras questões? Educação eEducação Ambiental não podem deixar de la<strong>do</strong>, aban<strong>do</strong>nar, esquecer essasexperiências <strong>do</strong> encontro com/na escola...Um <strong>do</strong>s efeitos importantes desse encontro, foram as multiplicidadesque o campo da Educação gerou para a Educação Ambiental, com a exploraçãode temas relativos ao ensino das temáticas ambientais, à organizaçãocurricular e seus contextos quan<strong>do</strong> as temáticas ambientais são foco deatenção, às políticas públicas em educação, aos movimentos que articulamescola e cultura pelos entremeios das questões ambientais, às questõesrelativas à aprendizagem da comunidade e em especial as relações entreconcepções, sensibilidades, racionalidades e mudanças das relações entrehomens/mulheres /crianças com o ambiente. Um outro efeito deste encontrofoi a explicitação de uma tensão, na Educação Ambiental, entre as práticasdentro e fora da escola, essas últimas consideradas menos qualificadas parao que se desejava. Por linhas desviantes, o encontro com a escola gerou naEducação Ambiental a percepção de que poderia ser “sem efeito” a reafir-144


mação das mesmas relações entre formas e conteú<strong>do</strong>s, teorias e práticas,conhecimentos e sujeitos, embora ocorren<strong>do</strong> em locais diversos, maisdinâmicos ou mesmo mais potencializa<strong>do</strong>res de transformações sociais. Aimagem no espelho, olhos <strong>do</strong> amigo, é, em certa medida, acusa<strong>do</strong>ra, instávele emocionada.A Educação, conjunto de ramificações sem eixos localiza<strong>do</strong>s e estáveis,na interação com as discussões com os estu<strong>do</strong>s de cultura, mídia,gênero, etnia e comunicação, produz para a Educação Ambiental o assombrode se efetuarem suas práticas sem necessariamente explicitar os sujeitos, osconhecimentos, os grupos sociais e os espaços a que se destinam. Quan<strong>do</strong>a Educação passa a produzir senti<strong>do</strong>s em uma sociedade de consumo, defragmentação da percepção <strong>do</strong> real, da centralidade nas culturas, <strong>do</strong> questionamentoà idéia de verdade e a ênfase nas relações de poder e de controle,a Educação Ambiental recheia-se de questionamentos a alguns de seus pressupostose volta-se a circular por entre seus sonhos e ideais e compromissos:a quem/a quê se destina a luta? O que a Educação Ambiental está queren<strong>do</strong>fazer com nós mesmos? As armas são as mesmas?Se a Educação Ambiental nomeia-se Educação e Ambiental, é importantemeto<strong>do</strong>logicamente um caminhar por entre os três conjuntos designificações que foram apresenta<strong>do</strong>s, a partir da escolha de acontecimentosque se autodenominam de ambientais e/ou que sejam interessantes ao grupode trabalho. A Educação Ambiental, como política de amizade, tem nosespaços públicos a sua possibilidade de invenção, consideran<strong>do</strong>-se dimensõesperformativas da ação humana e as possibilidades de constituição dasidentidades que o espaço público permite.Meto<strong>do</strong>logicamente, um trabalho poderia orientar-se pelo deslocamentoentre as linhas de subjetividade, conhecimento e cultura, colocan<strong>do</strong>questões para a insistente relação com o mun<strong>do</strong> que na contemporaneidadeestá marcada na esfera <strong>do</strong> priva<strong>do</strong>, <strong>do</strong> individual. Trazen<strong>do</strong> para este textoHanna Arendt, imaginemos que a Educação seja um local para a açãopolítica, posto que produz múltiplas possibilidades de ação, múltiplos espaçospúblicos a serem cria<strong>do</strong>s e redefini<strong>do</strong>s constantemente, sem precisar desuporte institucional. Esta potencialidade não é um privilégio, uma singularidade,mas um campo de criação de espaços públicos em que os sujeitospossam agir, começar a experimentar, criar algo novo.Os efeitos de uma imaginação da Educação Ambiental como aquiapresentada aponta anarquicamente para a Educação como campo <strong>do</strong>s possíveise a aposta no inespera<strong>do</strong>, no inaudito <strong>do</strong> acontecimento e, nele, aquiloque nos espreita, nos espera e nos faz des<strong>do</strong>brar. A Educação Ambiental,também derivada de uma amizade, é, pois, o caminho <strong>do</strong> meio, as curvas e145


os sulcos <strong>do</strong>s rios, a passagem por entre as margens.Não é possível, com esta compreensão, colocá-la em categorias ousugerir que possamos, com ela, transcender às experiências e ao que circunscrevesuas peculiaridades, suas singularidades, suas cicatrizes. Mas,pensemos, é possível com esta Educação alçarmos vôos em/para/<strong>do</strong> ummun<strong>do</strong> melhor? Justiça, solidariedade, amor, companheirismo, esperança etransformação... O quanto é importante colocar apostas de gerar diferençasnos sujeitos, conhecimentos, culturas em um campo, espaço, pensamentoEducação Ambiental? Como evitar o risco de criar uma nova cristalização,uma estabilidade agonizante, um mo<strong>do</strong>, regula<strong>do</strong>r e cruel, de traçar umnovo território?Suspeitar que a Educação seja naturalmente Educação Ambientalou que seja nela incluída sem conflitos, sem negociações, sem redes depoder, é um interessante começo de conversa e de trocas de olhares para ocomum.Buscar lidar menos com a identificação <strong>do</strong> que seja um conceito, umaidéia ou uma teoria da Educação, e propor formas de trabalho em que osseus efeitos sejam potencializa<strong>do</strong>res de um campo de possíveis, talvez sejauma atitude política coerente.Parece-me importante apostar que as diferenças, em sua fuga constanteda unidade, da homogeneização e <strong>do</strong> consenso, são os movimentos de transformaçãoem redes de relações e de configuração <strong>do</strong>s espaços públicos.Para tanto, a escuta sensível é fundamental para a constituição deuma Educação de multiplicidades; assim como é importante, e não menos<strong>do</strong>loroso, lançarmo-nos no mun<strong>do</strong> livres das amarras das certezas, dasfortes convicções advindas <strong>do</strong> “deve ser” e da intensidade <strong>do</strong> encontro como Outro. Afinal de contas, nunca é demais (re)afirmar que ao controle, aopoder, à determinação, o campo da Educação tem-nos mostra<strong>do</strong> a existênciade táticas de resistência, de tolerância, de hospitalidade e de fuga.Apostemos em uma Educação como amizade e exercício político,um apelo a experimentar formas de sociabilidade e comunidade, a proporalternativas às formas tradicionais de relacionamento.Foram companheiros da escrita deste texto o livro de Franciso Ortega,Por uma política da amizade: Arendt, Derrida, Foucault (Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2000), assim como lampejos da experiência de trabalho comvários colegas que trabalham com os escritos de Paulo Freire, de Foucaulte de teorizações a respeito da experiência, como Walter Benjamin e JorgeLarrosa. Tornar-se-ia imensa a listagem de bibliografia e/ou experiênciasque trabalham a Educação na sua relação com a Educação Ambiental, por146


isso opto por indicar esses autores como as fontes de inspiração e fica oconvite para a leitura de suas obras.147


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EDUCOMUNICAÇÃO PARA COLETIVOSEDUCADORESRachel TrajberPalavras-chave: comunicação socioambiental; educomunicação; interdisciplinaridade;ecossistemas comunicativos; gestão da comunicação;educação para os meios.Em seu romance El Habla<strong>do</strong>r (O fala<strong>do</strong>r) (1987), Mario Vargas Llosamostra um índio machiguenga que viaja pela Amazônia peruana levan<strong>do</strong>a memória coletiva de história, mitos e notícias entre as diversas aldeiasde seu povo. Esse personagem pode ser considera<strong>do</strong> um educomunica<strong>do</strong>r.Educomunicação – escrito junto assim é um nome bastante recente, mas asaproximações entre educação e comunicação certamente vêm de longa data.Entre os povos originais <strong>do</strong> planeta, educação, informação e comunicaçãosempre circularam juntos na voz <strong>do</strong>s conta<strong>do</strong>res de histórias.No século XX, com a institucionalização da escola, da educaçãoformal e simultaneamente a crescente massificação das linguagens e <strong>do</strong>smeios de comunicação – rádio, livros, TV, jornais, cinema, internet...– observamos <strong>do</strong>is grandes movimentos que ora juntam, ora separam asduas. Essas integrações se processam tanto no interior da escola como nosveículos de comunicação, com maior ou menor intensidade.No início <strong>do</strong> século, o pedagogo Celestin Freinet propõe a participaçãoe integração família/ comunidade/escola, valoriza o ponto de vista e apalavra da criança na produção <strong>do</strong> conhecimento, utilizan<strong>do</strong> técnicas comoo desenho e o texto livres, aulas-passeio, correspondência interescolar, ojornal, o livro da vida (diário e coletivo). Mas na maioria das escolas seoptava por méto<strong>do</strong>s mais rígi<strong>do</strong>s e tradicionais. No Brasil <strong>do</strong>s anos 40,Monteiro Lobato criou o Sítio <strong>do</strong> Pica-pau Amarelo, a Matemática e aGramática de Emília para educar de forma divertida e mobilizar os jovenspara os temas nacionais a partir da literatura. Mas foi manti<strong>do</strong> longe daescola.Na segunda metade <strong>do</strong> século, com a expansão <strong>do</strong>s meios de comunicação,pedagogos se preocupan<strong>do</strong> com como defender nossos filhos <strong>do</strong>impacto negativo <strong>do</strong>s meios de comunicação trabalharam na leitura críticada mídia. Ao mesmo tempo, a educação popular inspirada em Paulo Freireconsiderava a comunicação como fundamental para a co-participação <strong>do</strong>ssujeitos no ato de conhecer. É nesse senti<strong>do</strong> freireano, que a Comunicação151


Socioambiental se insere como uma das estratégias propostas na dimensãodifusa <strong>do</strong>s Coletivos Educa<strong>do</strong>res, envolven<strong>do</strong> a universalização <strong>do</strong> direitoà comunicação, a produção descentralizada de materiais e campanhas educacionaiscomo expressão <strong>do</strong>s conhecimentos locais, a gestão participativa<strong>do</strong>s meios com a finalidade educacional e de enraizamento das PolíticasPúblicas de Educação Ambiental.Nos anos 80, o argentino Mario Kaplún, cria o termo de Educomunicação,ainda com uma postura voltada mais para a leitura crítica damídia. Muito embora a análise e a prática realizadas por Paulo Freire eKaplún continuem presentes na concepção de Educomunicação, o senti<strong>do</strong>desse termo se ampliou e conta com des<strong>do</strong>bramentos, pesquisas, trabalhose debates. Mas o que pouca gente sabe é que os conteú<strong>do</strong>s da EducaçãoAmbiental fazem parte das origens brasileiras desse novo campo de pesquisaacadêmica e intervenção social que promove práticas democráticas etransforma<strong>do</strong>ras de comunicação. Isso foi conta<strong>do</strong> pelo professor Ismar deOliveira Soares <strong>do</strong> Núcleo de Comunicação e Educação da Universidadede São Paulo (NCE-USP), um <strong>do</strong>s inicia<strong>do</strong>res dessa verdadeira revolução,dizen<strong>do</strong> que suas primeiras preocupações sobre a prática geraram projetoscom a intencionalidade de educar ambientalmente.Nesse senti<strong>do</strong>, a Educação Ambiental tem quase que legitimidadepara atuar nesse campo emergente de disputas por não se constituir nem noâmbito da educação tradicional, nem no da comunicação, tornan<strong>do</strong>-se umcampo de convergência, não só dessas duas áreas - comunicação e educação– ao envolver a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.Ismar de Oliveira Soares entende que educomunicação é “um campode implementação de políticas de comunicação educativa, ten<strong>do</strong> comoobjetivo geral o planejamento, a criação e o desenvolvimento de ecossistemaseducativos media<strong>do</strong>s por processos de comunicação e pelo uso dastecnologias da informação”. Seus objetivos específicos, segun<strong>do</strong> Soares,são: promover o acesso democrático <strong>do</strong>s cidadãos à produção e difusãoda informação; identificar como o mun<strong>do</strong> é edita<strong>do</strong> nos meios; facilitar oprocesso ensino-aprendiza<strong>do</strong> através <strong>do</strong> uso criativo <strong>do</strong>s meios de comunicaçãoe de suas tecnologias (estes – os meios de comunicação - vistos apartir não da tecnologia em si, mas de suas características e da importânciade se ter acesso a eles); e promover a expressão comunicativa <strong>do</strong>s membrosda comunidade educativa.A educomunicação pode ajudar a enfrentar o desafio de construiruma sociedade brasileira educada e educomunican<strong>do</strong> ambientalmente paraa sustentabilidade, promoven<strong>do</strong> mudanças que permeiem o cotidiano detodas as pessoas. Para tal, trata-se de ocupar espaços comunicativos que152


potencializem a voz de educa<strong>do</strong>ras e educa<strong>do</strong>res ambientais, por intermédio<strong>do</strong> uso de veículos de mídia.Ações de educomunicação: possibilidades para osColetivos Educa<strong>do</strong>resComo isso se dá? Com base em uma ampla pesquisa feita em 1998com 178 países, os pesquisa<strong>do</strong>res da USP chegaram a algumas dimensõesde como pode se dar a ação comunicativa no espaço educativo, seja ele deeducação formal ou não formal.1) A gestão da comunicação nos espaços educativos - a EducomunicaçãoAmbiental pode garantir o uso adequa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s meios e o exercício plenoda comunicação em espaços educativos como escolas, ONGs e movimentossociais pela defesa <strong>do</strong> meio ambiente e qualidade de vida, com profissionaisda informação como professores e jornalistas, com as redes de comunicação,com diversos promotores de mudanças sociais e políticas tanto voltadas paraseus próprios participantes, como com públicos mais amplos.A gestão da comunicação, no senti<strong>do</strong> em que pretendemos atuar, implicaem uma visão não compartimentada <strong>do</strong> saber, uma visão de sociedadena qual existe um entrelaçamento entre cultura, comunicação e meio ambiente.Trata-se de como utilizar a comunicação para ampliar os complexosdiálogos que a educação ambiental promove e se envolve, tecen<strong>do</strong> laçosentre as relações seres humanos/seres humanos e seres humanos/ambientenatural ou construí<strong>do</strong>; consideran<strong>do</strong> as relações sociais, a valorização dasemoções, a compreensão científica e política da complexidade ambiental,incentivan<strong>do</strong> saberes ambientais e fortalecen<strong>do</strong> a potência de ação nosdiversos atores e grupos sociais que trabalham na perspectiva da criaçãode um futuro sustentável. E comunican<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> isso para educar, em umprocesso continua<strong>do</strong> de intervenção com a sociedade.A Educação Ambiental precisa saber se expressar em múltiplas linguagens,para além da fala e da escrita, experimentan<strong>do</strong> as linguagens daimagem, <strong>do</strong> som e <strong>do</strong> movimento em suas integrações com o uso das novastecnologias da informação e da comunicação, principalmente a Internet.2) A educação para os meios – esta dimensão envolve a formaçãode leitores críticos frente aos meios, com capacidade de análise com vistasà democratização da mídia; media<strong>do</strong>res da recepção, vistos como pólosvivos da comunicação – que compreendem e negociam significa<strong>do</strong>s emuma cultura produzida por poderosas imagens, palavras e sons; formação degrupos organiza<strong>do</strong>s ou ONGs de ação política contra os abusos de violência,mercantilismo, propaganda enganosa, baixaria, sexo. A postura <strong>do</strong> jornalismo153


perante situações de conflito ambiental e de interesses, longe de ser neutra,deve ser analisada e debatida de forma crítica e criteriosa.3) O uso <strong>do</strong>s veículos de mídia mobilizan<strong>do</strong> a comunidade - acomunidade pode ser a escolar, ONGs para a produção da comunicação – acidadania organizada em sociedades diversas, mutantes e cada vez mais complexasse baseia no acesso à informação e ao conhecimento para substituira hegemonia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s ou de setores sociais específicos poroutros atores envolvi<strong>do</strong>s em uma permanente negociação <strong>do</strong>s conflitos.Coletivos Educa<strong>do</strong>res utilizam esses recursos na perspectiva da cidadaniaambiental, o que implica na democratização das informações, <strong>do</strong>acesso ao conhecimento e das tecnologias utilizadas, desenvolven<strong>do</strong> ecossistemascomunicativos 26 .154Meto<strong>do</strong>logia: o desafio da gestão participativaVamos pensar sobre como grupos e coletivos forma<strong>do</strong>res em EducaçãoAmbiental podem atuar conjuntamente em uma política de processos comunicativospara a construção de municípios ou territórios educa<strong>do</strong>res sustentáveis.Administrar a educomunicação na dimensão da gestão participativa– conjunta, não individual – representa o desafio de realizar intervençãosocial, de forma dialógica, a partir da tomada de decisões coletivas.Para propor sugestões iniciais de gestão participativa da educomunicação,tomamos como base as propostas de Ismar de Oliveira Soares,adaptadas à linha de ação “Comunicação para a Educação Ambiental”<strong>do</strong> Programa Nacional de Educação Ambiental - ProNEA e integradas aalguns <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s da I Oficina de Comunicação e Educação Ambientalrealizada pela DEA.Pesquisa-ação-participanteAções de educomunicação não prescindem da pesquisa-ação-participante,pois estão fundamentadas no resgate da memória comunicativae ambiental, e da conseqüente intervenção social, ambas com profundasraízes locais. Algumas questões precisam ser levantadas.1. O que já existe de materiais de educação ambiental na comunidade localou na região? (vídeos, programas de rádio, publicações, folhetos, músicas...)?27Ismar de Oliveira Soares, cita<strong>do</strong> por Gracia Lopes Lima.28Atualmente com dimensão de Programa, a Trilha da Vida (Re)Descobrin<strong>do</strong> a Natureza com osSenti<strong>do</strong>s surgiu como projeto de Educação Ambiental Comunitária e em Unidades de Conservação.Configura-se como um Experimento Educacional Transdisciplinar cria<strong>do</strong> e desenvolvi<strong>do</strong>, desde 1997,


2. Quais são as pessoas que conhecemos com projetos, atividades, interesseou potencial para atuarem como educomunica<strong>do</strong>res ambientais?3. Em nossa comunidade, quais são os educomunica<strong>do</strong>res, os protagonistas<strong>do</strong>s processos educomunicacionais, presentes nos grandes meios de comunicação,nos canais e rádios educativas e comunitárias, nos movimentos sociaise, até mesmo em empresas? (esses profissionais apresentam como senti<strong>do</strong> emeta definida de suas ações a utopia da construção da cidadania 27 ?).4. Temos estruturas de apoio à produção tanto formais como não-formais,tanto públicas como particulares (ONGs, instituições governamentais, cursos,instituições de ensino superior ou escolas com estúdios de rádio, TV,vídeo, grava<strong>do</strong>ras)?5. Temos estruturas de difusão (rádio comunitária, Internet, TV comunitáriaou TV aberta, legislação que possibilite a inserção de conteú<strong>do</strong>s de educomunicaçãoem rádios locais ou TVs a cabo)?6.Como fazer para identificar as faltas e lacunas com direito a pleito legal(espaços com demanda por radiocomunicação, projetos em andamento,locais com falta de rádios ou TVs educativas e comunitárias)?Compartilhar informações e cardápiosColetivos Educa<strong>do</strong>res podem disponibilizar suas pesquisas, materiais,cursos no SIBEA (www.mma.gov.br), em outros portais de conteú<strong>do</strong>s,páginas de redes, de emissoras de rádio e TV, entre outros.A cultura de redes é ainda nova e estamos descobrin<strong>do</strong> caminhos, masé importante que os Coletivos Educa<strong>do</strong>res participem. O trabalho educativoem rede potencializa uma real horizontalidade e circularidade de saberes, poderese significa<strong>do</strong>s. Em Educação Ambiental existem redes locais, regionais,estaduais, ten<strong>do</strong> a REBEA, a Rede Brasileira de Edução Ambiental como arede de redes. A REBECA – Rede Brasileira de Educomunicação Ambiental,ainda em fase de estruturação, se propõe a reunir profissionais dacomunicação interessa<strong>do</strong>s em educação ambiental, educa<strong>do</strong>res que atuamcom comunicação, gestores públicos, ambientalistas, pesquisa<strong>do</strong>res paradebater sobre esse campo inova<strong>do</strong>r <strong>do</strong> conhecimento. Existem ainda aEducom - Rede Brasileira de Educomunica<strong>do</strong>res e a Rede Latino-Americanae Caribenha de Educomunicação, animada a partir de Cuba.pelo Laboratório de Educação Ambiental (LEA) <strong>do</strong> Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e <strong>do</strong>155


Uma maneira interessante de utilizar redes como espaços democráticosde informações em múltiplas linguagens seria criar conjuntamente, deforma coordenada, campanhas temáticas e programas de educomunicaçãoambiental. Os programas seriam produzi<strong>do</strong>s e veicula<strong>do</strong>s localmente etambém em rede por Coletivos Educa<strong>do</strong>res, Ongs, universidades, escolas,construí<strong>do</strong>s a partir de processos educativos participativos continua<strong>do</strong>s ediversifica<strong>do</strong>s, mas ten<strong>do</strong> um objetivo em comum: ampliar o enraizamento daEducação Ambiental e garantir a cada cidadão o acesso e o uso democrático<strong>do</strong>s recursos da comunicação.Uso <strong>do</strong>s recursos da mídia de massas como formade mobilizaçãoColetivos Educa<strong>do</strong>res, gestores da ação educomunicativa ambiental,podem tanto incentivar, quanto orientar ou mesmo produzir conteú<strong>do</strong>s parameios principalmente jornais, rádio e TV. Eles podem planejar e implementarações educativas no espaço da educação presencial e a distância. Aprodução participativa <strong>do</strong>s meios permite fomentar sistemas solidários deprodução e veiculação de comunicação ambiental; debater a gestão popularnos meios de comunicação de massa (em sua maioria privada e altamentecomercial); alimentar canais públicos com conteú<strong>do</strong>s socioambientais comlinguagens inova<strong>do</strong>ras e meto<strong>do</strong>logias participativas; “ambientalizar” osveículos de comunicação comerciais de alcance nacional.A meta <strong>do</strong>s Coletivos Forma<strong>do</strong>res é ampliar a capacidade expressivadas pessoas, entendidas como parte de comunidades aprendentes, independentementeda condição social, grau de instrução, ou inserção no merca<strong>do</strong>.Contribuin<strong>do</strong> com isso para a defesa <strong>do</strong> ‘livre fluxo’ da informação no âmbitoglobal, in<strong>do</strong> além <strong>do</strong> conceito de ‘liberdade de expressão’, volta<strong>do</strong> para osdireitos <strong>do</strong>s proprietários <strong>do</strong>s veículos de informação e comunicação.É a partir desse novo contexto de educomunicação que os ColetivosEduca<strong>do</strong>res surgem como organizações de intervenção e transformaçãosocial.Produção popular de comunicação ambiental eformação de educomunica<strong>do</strong>res ambientaisComo a gestão da educomunicação deriva de uma práxis pedagógica,onde a ação/prática se encontra sempre interligada organicamente à reflexão/teoria,será preciso constituir cardápios específicos de formação deeducomunica<strong>do</strong>res ambientais. Dada a novidade <strong>do</strong> campo educomuni-156


cativo, é necessário um esforço de formação permanente não apenas paraeduca<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>ras, mas para toda a comunidade educativa envolvidano processo de crescimento <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s sujeitos ecológicos.Somente para citar alguns exemplos, em to<strong>do</strong> o Brasil, ONGs como oCala Boca já Morreu (SP), a Cipó (BA), o Saúde e Alegria (AM), o Grupode Trabalho Amazônico – GTA atuam com muita força para a formaçãode educomunica<strong>do</strong>res e em projetos de educação utilizan<strong>do</strong> os meios.Verifica-se que o envolvimento de múltiplos segmentos educa<strong>do</strong>resda sociedade nos Coletivos Educa<strong>do</strong>res, tanto no que se refere a instituiçõese grupos profissionais, como o respeito ao equilíbrio de gênero,grupo cultural e diversidade étnico-racial, aumenta a capacidade de criare propor linguagens e técnicas. Essa diversidade traz pluralidade no uso<strong>do</strong>s meios e amplia os espaços de comunicação.Finalmente, uma das dimensões essenciais da gestão em educomunicaçãoé colaborar para que os educa<strong>do</strong>res e os educan<strong>do</strong>s se apropriemconceitual e praticamente <strong>do</strong>s recursos da comunicação, de mo<strong>do</strong> que setransformem em produtores de cultura utilizan<strong>do</strong> as novas linguagens emeios.Referêncis BibliográficasBELTRAND, M.V. (Org.). Manual de comunicação e meio ambiente.São Paulo: Ed. Fundação Peirópolis, 2004.BUBER, M. Do diálogo e <strong>do</strong> dialógico. São Paulo: Perspectiva,1982.CITELLI, A. Comunicação e educação - a linguagem em movimento.São Paulo: Ed. SENAC, 1999.FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? 10 ed. São Paulo: Paz eTerra, 1992._____. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.FOUCAULT, M. A ordem <strong>do</strong> discurso. São Paulo: Martins Fontes,1978.FÓRUM DE ONGS BRASILEIRAS. <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e desenvolvimento:uma visão das ONGS e <strong>do</strong>s movimentos sociaisbrasileiros. Relatório <strong>do</strong> Fórum das ONGS brasileiras preparatóriopara a Conferência da Sociedade Civil sobre <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> eDesenvolvimento. Rio de Janeiro, 1992.GUTIERREZ, F. Linguagem total: uma pedagogia <strong>do</strong>s meios de157


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ESTRUTURAS E ESPAÇOS EDUCADORES:Quan<strong>do</strong> espaços e estruturas se tornam educa<strong>do</strong>resJosé MatareziPalavras-chave: trilha da vida; experimento educacional transdisciplinar;esperança; espaços e estruturas educa<strong>do</strong>ras; vivência; eventos heurísticos;narrativas; mapas mentais; espaços escolares; diversidade biológica e cultural.“...É sempre bom lembrarQue um copo vazioEstá cheio de arQue o ar no copoOcupa o lugar <strong>do</strong> vinhoQue o vinho busca ocupar o lugarDa <strong>do</strong>rQue a <strong>do</strong>r ocupa a metadeDa verdadeA verdadeira natureza interiorUma metade cheiaUma metade vaziaUma metade tristezaUma metade alegriaA magia da verdade inteiraTo<strong>do</strong> poderoso amorÉ sempre bom lembrarQue um copo vazioEstá cheio de ar”Abrin<strong>do</strong> e crian<strong>do</strong> espaços para o diálogo...Gilberto GilAs estruturas e os espaços educam? Podem os espaços e as estruturasse tornarem educa<strong>do</strong>res? O que é preciso para isso? Neste texto buscorespostas que estão longe de serem conclusivas, pois no atual estágio dasreflexões e elaborações teóricas é natural se ter mais dúvidas e perguntas<strong>do</strong> que respostas e certezas. O que me proponho é compartilhar algumasreflexões sobre como e quan<strong>do</strong> um determina<strong>do</strong> espaço e/ou estrutura setorna educa<strong>do</strong>r/educa<strong>do</strong>ra. Em especial a partir <strong>do</strong> experimento educacio-161


nal transdisciplinar Trilha da Vida: (Re)Descobrin<strong>do</strong> a Natureza com osSenti<strong>do</strong>s 28Espaço e Esperança: uma origem em comumPara estes propósitos e com especial significa<strong>do</strong> para os senti<strong>do</strong>sda Educação Ambiental Crítica, gostaria de ressaltar a associação entre aspalavras “espaço” e “esperança”. Isto por entender que to<strong>do</strong> ato educativo,to<strong>do</strong> processo de ensino-aprendizagem, toda relação pedagógica, to<strong>do</strong> sentirpensar,toda construção de conhecimento, to<strong>do</strong> religar com a natureza ecultura traz em si uma desejada esperança e ocupa um determina<strong>do</strong> espaço,num lugar num da<strong>do</strong> momento de nossa história de vida, tornan<strong>do</strong>-se umautopia concretizável. Um certo “vir a ser”, “esperar” por algo associa<strong>do</strong>com “des<strong>do</strong>brar”, “crescer”, “florescer”, “concretizar”, “(trans)formar”,“participar”, “pertencer”, “comunicar”, “aprender”, “educar”, “emancipar”,“libertar”. Segun<strong>do</strong> Manoel Whitaker Salles (2002, págs 93-94):“Ter esperança, claro, é “esperar” por algo. A palavra nasce no substantivo latinospes, “esperança”, através <strong>do</strong> verbo sperare, que já tinha o mesmo senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> nossopróprio “esperar”. A idéia está na raiz in<strong>do</strong>-européia *spe-, “des<strong>do</strong>brar”, “crescer”,“florescer”, que também originou próspero (<strong>do</strong> latim prosper; pro+spero, “aconteci<strong>do</strong>como espera<strong>do</strong>”, “bem-sucedi<strong>do</strong>”) e o inglês speed, “velocidade”. A esperança é umsentimento que cresce e se des<strong>do</strong>bra, infinitamente, à frente de quem a experimenta. Éum esperar movimenta<strong>do</strong>, não estaciona<strong>do</strong>: um movimento de alma” (grifo meu). Poisentão, etimologicamente, a esperança é um espaço mental – ou sentimental. O fato é queas palavras esperança e espaço 29 têm muito a ver uma com a outra; esta última vem <strong>do</strong>latim spatium, que nasce provavelmente daquela mesma raiz *spe-, pois o que cresce e sedes<strong>do</strong>bra ocupa evidentemente um espaço, “crian<strong>do</strong>-o” idealmente.”Eu acrescentaria transforman<strong>do</strong>-o utopicamente. E quem de nós edu-Mar (CTTMar) da Universidade <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Itajaí (UNIVALI) sempre em parceria com ONG’s einstituições de ensino. O Projeto teve inicio pela parceria com a ONG Movimento Verde Mar Vida– MVMV (Florianópolis, SC – 1998 a 2000), juntamente com o projeto “Utopias ConcretizáveisInterculturais” da FURG/DLA (Rio Grande, RS), sen<strong>do</strong> atualmente realiza<strong>do</strong> em parceria com aONG Voluntários pela Verdade Ambiental (Itajaí, SC), com o CEMESPI/SME/PMI (Itajaí, SC) ecom a Faculdade Intermunicipal <strong>do</strong> Noroeste <strong>do</strong> Paraná (FACINOR – Loanda, PR). Entre 1998 e2000 teve apoio da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza (FBPN).29[LATIM spatium, “espaço” < RAIZ INDO-EUROPÉIA *spe- “crescer” > LATIM spes, “esperança”> sperare, “esperar (algo favorável)” > LATIM VULGAR *sperantia]. Salles, Manoel Whitaker,2002. Há também uma discussão teórica e histórica entre as ciências sociais e naturais sobre ostermos: “meio”, “ambiente”, “meio ambiente”, “território”, “lugar” e “espaço”, sen<strong>do</strong> considera<strong>do</strong>sem muitos casos como sinônimos, apesar da clara distinção destes termos em especial no campoda geografia.30A cooperação e o conflito são entendi<strong>do</strong>s como complementares. Friedberg (1995) utiliza a expressãocooperação conflitiva, Galtung (2003) afirma que um conflito entre duas pessoas significa que existeum laço comum e, se existe uma incompatibilidade, existe também um problema comum e umconvite à solução. FRIEDBERG, Erhard. Organização. In: BOUDON, Raymond(direção). Trata<strong>do</strong>de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995, pp. 375-412. Galtung, J. O caminho é a meta:162


ca<strong>do</strong>ras/es ambientais não somos, por natureza e princípio, esperançosos,utópicos e humanamente apaixona<strong>do</strong>s pela possibilidade de um mun<strong>do</strong>sustentável, em paz? Um mun<strong>do</strong> de pessoas solidariamente felizes. Ummun<strong>do</strong> repleto de pessoas capazes de lidar com a cooperação e o conflito30como complementares.Enten<strong>do</strong> que os termos “estruturas” e “espaços educa<strong>do</strong>res” sãorecentes e surgem para abarcar algumas das dimensões pertinentes à EducaçãoAmbiental crítica, popular, transforma<strong>do</strong>ra e emancipatória 31 . NoPrograma Municípios Educa<strong>do</strong>res Sustentáveis (MES) <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong><strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> (MMA, 2005), os “espaços educa<strong>do</strong>res são aqueles capazesde demonstrar alternativas viáveis para a sustentabilidade, estimulan<strong>do</strong>as pessoas a desejarem realizar ações conjuntas em prol da coletividade ereconhecerem a necessidade de se educarem, neste senti<strong>do</strong>”.Assim, fica evidente que os esforços para inserção da Educação Ambiental32 , em to<strong>do</strong>s os níveis e esferas da sociedade, devem ocorrer tambémna perspectiva de que os espaços e/ou estruturas, com as quais convivemose interagimos cotidianamente, sejam <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de características educa<strong>do</strong>rase emancipatórias, que contenham em si o potencial de provocar descobertase reflexões, individuais e coletivas simultaneamente, a exemplo <strong>do</strong> poderprovoca<strong>do</strong>r e até transforma<strong>do</strong>r de uma obra de arte.Mas como estes espaços e estruturas se tornam “educa<strong>do</strong>res”,repletos de esperança, de utopias concretizáveis? O que é preciso para isto?O que a Trilha da Vida e a Educação Ambiental têm a nos ensinar sobreisto? Como podemos perceber e revelar os diferentes níveis de realidadesa partir de um mesmo espaço/lugar? Como explicitar/manejar, nestes espaçose estruturas, os pilares de regulação e emancipação 33 que movem associedades?Gandhi hoje. São Paulo: Palas Athena, 2003.31Uma referência a esta perspectiva da Educação Ambiental é o livro “Identidades da Educação AmbientalBrasileira” edita<strong>do</strong> pelo MMA/Brasília, 2004.32“Promover a Educação Ambiental em to<strong>do</strong>s os níveis de ensino e a conscientização pública para apreservação <strong>do</strong> meio ambiente” é o que diz o inciso VI <strong>do</strong> parágrafo 1 o . <strong>do</strong> Artigo 225 da ConstituiçãoFederal de 1988. Assim se coloca a missão de pensar democraticamente a Educação Ambientaldisseminada em to<strong>do</strong>s os espaços e estruturas da sociedade.33Na perspectiva apresentada por Boaventura Souza Santos no livro Critica da Razão In<strong>do</strong>lente, 2000.34As palavras em negrito sugerem m possí vel percurso de leitura a ser trilha<strong>do</strong> no espaço interior destapublicação.35Foi com esta frase que um <strong>do</strong>s jovens integrantes da Rede da uventude pelo <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> (RE-JUMA) traduziu parte de sua vivencia na Trilha da Vida durante o V Fórum Brasileiro de Educaçãombiental, corri<strong>do</strong> em Goiânia (GO), no perío<strong>do</strong> de 3 a 6 de novembro de 2004.36Secretaria Municipal de Educação. Departamento de Ensino undamental. Diretrizes Básicas para a163


Meto<strong>do</strong>logia 34Já está bem disseminada a idéia de que a nossa formação e educaçãose processam nos diversos espaços e lugares de nossa vida cotidiana, poisaprendemos ao longo de toda a vida. Situamo-nos no espaço e no tempode forma vivencial, interagin<strong>do</strong>, conviven<strong>do</strong>, interpretan<strong>do</strong>, aprenden<strong>do</strong> econstruin<strong>do</strong> conhecimento nas inter-relações com as pessoas e os ambientes(natural e construí<strong>do</strong>). Assim posso considerar que to<strong>do</strong> espaço e/ouestrutura traz em si características educativas, mas não necessariamentese constitui num espaço e/ou estrutura educa<strong>do</strong>ra, é preciso haver intencionalidadeeduca<strong>do</strong>ra, ou seja, intenção a propiciar-se aprendizagem aosnossos interlocutores.Aqui precisamos nos deter sobre a questão das características destaaprendizagem que desejamos suscitar. Pode ser a de que o outro aprendatu<strong>do</strong> (ou quase tu<strong>do</strong>) o que vou ensinar-lhe, ou pode ser a de que ele incrementea sua capacidade de aprendizagem partin<strong>do</strong> de sua peculiar trajetóriade vida e seguimento na(s) direção(ões) que os seus aprendiza<strong>do</strong>s vão lhepropician<strong>do</strong> optar.Peguemos o exemplo de uma faixa de pedestre. Pode ser apenaspintura no asfalto, provocan<strong>do</strong> aleatoriamente reações diversas nos usuáriosdaquele espaço desde questionamentos estéticos, até reflexões sobre a importância<strong>do</strong> respeito ao pedestre e sobre as leis de trânsito, passan<strong>do</strong> pelasreclamações <strong>do</strong>s motoristas que precisem se deter (perder tempo) diantede pedestres que a utilizam! Podem ser também objeto de um programa deensino sobre direitos e deveres no trânsito, cidadania, legislação, fiscalizaçãoe punições para infratores. Mas pode ainda ser um espaço que propiciaaprendiza<strong>do</strong>s sobre o respeito à VIDA; a atenção ao próximo; o cuida<strong>do</strong>com o mais fraco no momento que estou mais potente e poderoso; o respeitoàs distintas condições de existência e a compreensão da diversidadede situações e olhares sobre um encontro.Certamente questões como identidade e alteridade; pertencimento ecomplexidade; participação e controle social, farão parte <strong>do</strong>s debates entreos educa<strong>do</strong>res que desejam utilizar a faixa de pedestres como estruturaeduca<strong>do</strong>ra. Propiciar o debate destes conceitos e/ou a interiorização destesvalores/comportamentos/conhecimentos, pode ser a intencionalidadeeduca<strong>do</strong>ra daqueles que pensam as faixas de pedestres para além de umaobrigação legal ou um mecanismo para enfrentar as dramáticas estatísticasda violência no trânsito. Desenhar processos educa<strong>do</strong>res que propiciem aEducação da Rede Municipal de Itajaí – Educação Ambiental. Itajaí: PMI/SED, 2003. 110p. Il.37er sobre atitude, pesquisa e ação transdisciplinar no texto Transdisciplinaridade de Haydèe Torres164


emergência destes e de outros conceitos/termos/questões vai ser obra e artede cada grupo e tanto mais o processo terá potencialidade de ser educa<strong>do</strong>rquanto mais ele for participativo e transparente, enuncian<strong>do</strong> claramente osseus objetivos e intenções e possibilitan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s e a qualquer um, acessoa sua problematização e aprimoramento racional.Educação Ambiental: provocan<strong>do</strong> ‘buracos’ paraa gente preencher...A frase/conceito, “a Trilha da Vida provoca um monte de buracospra gente preencher” 35 , extraída de um <strong>do</strong>s relatos <strong>do</strong> coletivo de jovensque vivenciaram o experimento educacional Trilha da Vida no V FórumBrasileiro de Educação Ambiental, permite evidenciar o potencial educa<strong>do</strong>ra partir de vivências significativas e provoca<strong>do</strong>ras de descobertas. Este provocar“buracos”, “espaços”, “vazios” para as pessoas preencherem contémum forte simbolismo e significações esclarece<strong>do</strong>ras. Ainda mais quan<strong>do</strong> estaidéia-chave emerge no contexto de um evento nacional de Educação Ambientalque teve como lema “o meio ambiente começa no meio da gente”.Pode-se depreender daí <strong>do</strong>is tipos de espaços/movimentos. Um interior eoutro exterior cujas delimitações/dimensões são relativizadas de acor<strong>do</strong>com os diferentes senti<strong>do</strong>s e significa<strong>do</strong>s que cada um atribui, mas quecertamente está condiciona<strong>do</strong> não apenas ao nosso corpo, autoconsciência,subjetividade e identidade (o “eu interior”), mas também às estruturas eespaços que constituem a sociedade e o lugar onde vivemos. Assim possoconsiderar que o “meio ambiente” e a Educação Ambiental começam dentrode mim e também dentro de nós enquanto coletivo, grupo, movimento,sociedade. Onde há espaços a preencher e transformar e/ou onde é precisocriar o próprio espaço de ação e transformação capazes de preencher ovazio social externo e o vazio pessoal interno. Lembran<strong>do</strong> que espaço estáassocia<strong>do</strong> a esperança que é um movimento de alma.Educação Ambiental em Espaços Escolares: a vidacomo escolaExistem espaços e estruturas que são reconhecidamente próprios daeducação como a sala de aula e a escola, por exemplo. São chama<strong>do</strong>s espaçosescolares, constituí<strong>do</strong>s historicamente. Via de regra, as escolas constituemespaços padroniza<strong>do</strong>s em quase to<strong>do</strong>s os lugares, cujas formas e estruturasde Oliveira.38Ver referências no exto Hermenêutica e Educação Ambiental: o educa<strong>do</strong>r como intérprete de IsabelCristina Moura Carvalho e Mauro Grün, nesta publicação.165


foram pensadas para atender determinadas funções e objetivos pedagógicos,muitas vezes de disciplina, reclusão, proteção, controle e vigilância, portantode regulação e não necessariamente de emancipação. Durante a elaboraçãodas diretrizes municipais de educação ambiental <strong>do</strong> município de Itajaí(SC) 36 , juntamente com professores e professoras municipais, levantou-seas questões: “Até que ponto as escolas poderão abrir espaço para as atividadestransdisciplinares, tão necessárias e tão rupturantes? Estará a escolapreparada para a Educação Ambiental?” Fica explicito nestas questões asdiferentes formas de espacialização da Educação Ambiental e o quanto édesafia<strong>do</strong>r a sua efetivação enquanto teoria e prática transdisciplinar 37 .É quase impossível se falar ou pensar a educação escolar sem associarimediatamente a imagem de uma sala de aula. E uma sala de aula dificilmentedifere ou muda de uma escola para outra, de uma série para outra, seja ondefor. É sempre uma sala quadrada ou retangular, com janelas, uma porta, umquadro negro, a mesa da professora e cerca de 30 a 40 carteiras enfileiradaspara os alunos e alunas. O que pode mudar são as representações, a posturae atitude <strong>do</strong>s educa<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>ras frente a “sala de aula”. Como educa<strong>do</strong>rambiental é instigante a idéia de mexer nas estruturas e espaços desta“sala de aula” e construir uma nova ambientação que provoque os corpos,emoções e mentes a terem novas sensações e descobertas. Ou seja, mexernestas estruturas e espaços para ampliar as possibilidades de inserção daEducação Ambiental.Foi com a Trilha da Vida móvel que ousamos tranformar uma “salade aula” numa Floresta Atlântica com toda a sua diversidade biológica ecultural, como uma grande instalação de arte a ser explorada e vivenciadacom to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s, excetuan<strong>do</strong>-se temporariamente a visão. A “sala deaula” continuou quadrada/retangular com uma porta de entrada, mas comum universo de possibilidades, uma concretude interna, vários níveis derealidades, diversidade de leituras, descobertas, aprendiza<strong>do</strong>s, compreensõese interpretações 38 . Vista de fora não revela o mun<strong>do</strong> interior a ser explora<strong>do</strong>,senti<strong>do</strong>, descoberto, percebi<strong>do</strong>, refleti<strong>do</strong>, interpreta<strong>do</strong> e representa<strong>do</strong> porquem se dispuser a interagir com este novo espaço e estruturas educa<strong>do</strong>ras.As vivências ocorrem em grupos que geram narrativas. Estas narrativasfaladas, quan<strong>do</strong> emergem no grupo, são tematizações que refletem e revelamuma série de vivencias, informações, conceitos e teorias que cada pessoa39Do latim a palavra miniatus, “avermelha<strong>do</strong>”, passou ao italiano como miniatura, significan<strong>do</strong> inicialmente“iluminura”, “pequena bra de arte”, e evoluin<strong>do</strong> com o tempo para o significa<strong>do</strong> atual:“qualquer coisa representada em ponto pequeno”. Salles, Manoel Whitaker, 2002. Pág. 151. Conceitotambém sistematiza<strong>do</strong> por Wilhelm Walgenbach a partir <strong>do</strong>s aportes de Friedrich Fröebel eWolfgang Klafki.40A timologia da palavra heurística é a mesma que a da palavra eureka, cuja exclamação se atribui aArquimedes. Pode ser considerada como a arte ciência da descoberta e da invenção.166


traz consigo e que normalmente são diferentes <strong>do</strong>s demais integrantes <strong>do</strong>grupo. Com este experimento educacional transdisciplinar, aparentementesimples, consegue-se operacionalizar rupturas paradigmáticas essenciais paraa efetivação da Educação Ambiental crítica em espaços escolariza<strong>do</strong>s.Seja como for, no contexto da Trilha da Vida tal espaço/estruturapara se tornar educa<strong>do</strong>r/educa<strong>do</strong>ra, portanto assumi<strong>do</strong>s como experimentoeducacional, precisa conter as essencialidades e miniaturas 39 capazes deprovocar, nas pessoas com as quais se relaciona/interage, uma série deeventos heurísticos 40 , eventos de descoberta. Cleusa Peralta (2002, p. 122),traz a sistematização de Wilhelm Walgenbach 41 , que conceitua miniaturacomo um objeto ou um conjunto de elementos que, juntos, formam umaidéia-chave a ser vivenciada, simulada ou desenvolvida pelo grupo. Assimuma miniatura pode ser um ambiente, um cenário, ou um caminho a sertrilha<strong>do</strong>, que contém uma idéia-chave, que contém uma metáfora, uma provocaçãocapaz de gerar descobertas (eureka). Para Peralta (op.cit. p. 119),os sujeitos sempre se tornam protagonistas <strong>do</strong> ato pedagógico, provoca<strong>do</strong>por experiências estéticas. São essas provocações – os experimentos – queestimulam os educan<strong>do</strong>s a refletirem sobre suas próprias teorias e vivenciasanteriores. Para Walgenbach (2000), os experimentos educacionais são,ainda, dinâmicas de trabalho em grupo, desenvolvidas com o objetivo depromover uma pesquisa no campo teórico da educação.Avaliação a partir <strong>do</strong> ConceitoNa busca de indica<strong>do</strong>res e parâmetros de avaliação pode-se valer deaspectos qualitativos próprios da Educação Ambiental Crítica conformeaponta<strong>do</strong> por Carlos Frederico B. Loureiro nesta publicação. Sen<strong>do</strong> queos mapas mentais e as narrativas geradas pelas vivências <strong>do</strong>s grupos sãoexcelentes materiais e formas não apenas de avaliação mas também paraaprofundamento e sistematização <strong>do</strong> próprio grupo. Se forem grupos comforte identidade comunitária associada ao bairro/escola ou mesmo parque/unidade de conservação, pode-se valer ainda das histórias de vida (pessoal,coletiva e <strong>do</strong> lugar onde se vive) que afloram facilmente nos diálogos emgrupo. Criatividade e Aprender Fazen<strong>do</strong> em coletivo (observação-registro-41Wilhelm Walgenbach, pedagogo e pesquisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Instituto de Pedagogia das Ciências Naturais – IPN(Universidade de Kiel, Alemanha).42Pode-se considerar a Trilha da Vida como um item <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s Cardápios de prendizagem sercontextualiza<strong>do</strong> e compartilha<strong>do</strong> em rede.43Uma clara alusão a educação “maiêutica” conforme o texto Democracia <strong>do</strong>s autores Jean PierreLeroy e Tânia Pacheco, nesta publicação.44Além <strong>do</strong> livro existe um excelente <strong>do</strong>cumentário em vídeo com duração de 27 minutos que traz umasíntese da temática abordada.45Paradigmas são, como define Morin ( ): “estruturas de pensamento que de mo<strong>do</strong> inconsciente coman-167


eflexão-ação) são indica<strong>do</strong>res importantes para a configuração <strong>do</strong>s espaçose/ou estruturas educa<strong>do</strong>ras.168Sugestão de AtividadesA Trilha da Vida enquanto experimento educacional transdisciplinar:o labirinto...Essencialmente este programa propõe aos seus participantes umacaminhada com os olhos venda<strong>do</strong>s e descalços por uma trilha cuida<strong>do</strong>samenteelaborada visan<strong>do</strong> uma vivência de (re)descoberta da natureza. Outrasetapas precedem e sucedem esta caminhada às cegas, que é constantementemonitorada por componentes da equipe de trabalho. Ao to<strong>do</strong> a vivênciaestrutura-se em torno de quatro grandes etapas: o momento inicial onde éfeita uma dinâmica de recepção ao grupo, explanan<strong>do</strong> sobre as característicassócio-ambientais <strong>do</strong> local e onde são compartilhadas informações eorientações sobre a vivência; o momento da caminhada individual dentroda trilha com os olhos venda<strong>do</strong>s e descalços, o momento da confecção <strong>do</strong>smapas cognitivos (mapas mentais) e o momento final <strong>do</strong> relato em grupo. Apartir <strong>do</strong>s relatos (narrativas) das vivências individuais e apresentação <strong>do</strong>smapas cognitivos, propicia-se um diálogo/conversa e reflexão em grupo,compartilhan<strong>do</strong>-se as descobertas e experiências vividas. Neste momentoconstitui-se a “comunidade transdisciplinar” de aprendizagem, possibilitan<strong>do</strong>a construção de conhecimento, tanto individual como coletivo emdiversos níveis (lógico racional, intuitivo, simbólico, metafórico, teorético,teórico). Estas narrativas são registradas para aprofundamento <strong>do</strong> grupo ematividades de pesquisa <strong>do</strong> próprio grupo. A Trilha da Vida pode ser visitadapor diferentes públicos, desde crianças até i<strong>do</strong>sos, incluin<strong>do</strong> porta<strong>do</strong>res denecessidades especiais, sen<strong>do</strong> que as pessoas com visão utilizam vendas.A trilha da vida pode ser fixa ou móvel. A vivência na trilha fixa propiciaum deslocamento no espaço e no tempo aos participantes de diferenteslocalidades que se predispõem a viajar até o Ribeirão da Ilha (Florianópolis,SC), no Parque Natural das Pedras Vivas. Este deslocamento é fundamentalpara que as vivências se tornem significativas, pois colocam as pessoas emcontato com outras realidades além <strong>do</strong> seu cotidiano, de estranhamento diante<strong>do</strong> “outro”, constituin<strong>do</strong>-se numa característica marcante <strong>do</strong>s ExperimentosEducacionais Transdisciplinares. Neste caso, as pessoas viajam/se deslocamem busca <strong>do</strong> contato com a Mata Atlântica e ecossistemas costeiros <strong>do</strong> sulda Ilha de Santa Catarina.A segunda consiste na simulação de um ambiente natural de FlorestaAtlântica ou outro Bioma Brasileiro dentro de escolas, parques ou eventos.Esta trilha móvel é montada dentro de salas de aula ou ao ar livre (depen-


den<strong>do</strong> das condições climáticas e infra-estrutura local), utilizan<strong>do</strong>-se de umasérie de elementos naturais e culturais. Aqui se inverte a condição inicialdas pessoas se deslocarem ao encontro da “Floresta”, sen<strong>do</strong> que, agora éa “Floresta” que se desloca até o encontro <strong>do</strong>s grupos de pessoas. Outroponto inova<strong>do</strong>r é o fato de se levar para a sala de aula e até ao encontrodas pessoas a complexidade e diversidade cultural e ambiental peculiar daFloresta Atlântica ou <strong>do</strong> bioma da região, juntamente com toda a evoluçãohistórica da humanidade. A trilha “móvel” como é comumente chamada,possui muitas limitações, especialmente quanto às condições para montagem(espaço e tempo), número limita<strong>do</strong> de pessoas atendidas e ausência detempo para continuidade <strong>do</strong> processo que envolve a vivência na Trilha daVida. Por isso é que se está priorizan<strong>do</strong> a difusão da meto<strong>do</strong>logia mediantea implementação de uma Rede de Núcleos Dissemina<strong>do</strong>res 42 , visto que a suamontagem e funcionamento exigem um árduo trabalho em equipe habilitadae com conhecimento e vivencia neste processo/procedimento.Em ambos os contextos, a montagem da Trilha da Vida se assemelhaa uma grande instalação de arte com inúmeras miniaturas provoca<strong>do</strong>ras deeventos heurísticos, caracterizan<strong>do</strong> um grande “labirinto” a ser percorri<strong>do</strong>,desvenda<strong>do</strong> e desvela<strong>do</strong>, conforme evidencia os seguintes relatos:Quan<strong>do</strong> eu entrei tive uma sensação de me<strong>do</strong>, de labirinto... a gente sempre tem me<strong>do</strong>de entrar numa situação quan<strong>do</strong> a gente não tem <strong>do</strong>mínio e não conhece a dimensão dacoisa, aí eu coloquei assim a trilha e aqui assim... as primeiras formas re<strong>do</strong>ndas e depoisas outras formas quadradas... pontiagudas que a gente vai ven<strong>do</strong> também na evoluçãoque a gente se percebe no homem, na historia da humanidade e também a evolução daforma......tinha umas horas que ficava meio perdi<strong>do</strong>, dava umas inseguranças... ficava meioenrola<strong>do</strong>... parava, pensava bem... aquela árvore gran<strong>do</strong>na... nossa abracei, me deu umasegurança. .me deu uma firmeza de continuar legal......o fato de ter esses elementos culturais e históricos numa conexão, permite fazer umasíntese <strong>do</strong> que agente pode chamar de vida, mas teve alguns momentos em que não tinhainstrução, que eu achei que são importantes também, como aquele momento em que ocaminho se divide, e provavelmente se eu não tivesse a experiência anterior eu iria ficarali alguns minutos, me decidin<strong>do</strong> eu tomei a decisão bem rápi<strong>do</strong>, que basicamente eu fuime influencian<strong>do</strong> pelo o que os outros relataram que foi o barulho <strong>do</strong>s pássaros, mas enfim,mais a frente tinha um nó, eu identifico como se fosse um nó, nó no senti<strong>do</strong> simbólico,tinha ali umas pedras, e eu senti um pouco perdi<strong>do</strong>, enrola<strong>do</strong>......eu acho que a trilha ela permite essas pequenas descobertas, né, de que encontrar outroser, eu acho que é muito interessante muito sintético, eu acho que resume mesmo o senti<strong>do</strong>,apesar das limitações <strong>do</strong> lugar eu acho que faz jus ao nome trilha da vida, e é isso....que vontade de criar raízes então essa também foi a minha vontade, de criar raízes...dam nosso discurso” e que poderiam ser traduzi<strong>do</strong>s por essa expressão <strong>do</strong> nosso cotidiano – “nãosei porque fiz, mas fiz porque as coisas sempre foram assim por aqui”.169


Na Trilha da Vida a estratégia de eliminar temporariamente a visão<strong>do</strong>s participantes (utilizan<strong>do</strong> uma venda) foi a forma encontrada para colocaro sujeito e o coletivo em situação de estranhamento, de desconhecimento ede despertar os demais senti<strong>do</strong>s que estão via de regra a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>s, anestesia<strong>do</strong>s.É fato comprova<strong>do</strong> que ao perdemos um <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s, os demaisacabam sen<strong>do</strong> estimula<strong>do</strong>s, utiliza<strong>do</strong>s, potencializa<strong>do</strong>s e valoriza<strong>do</strong>s deforma diferenciada. Para isso basta um simples exercício de caminhada comos olhos fecha<strong>do</strong>s. Você pode fazer esta experiência em qualquer espaçoconheci<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> que é prudente poder contar com a ajuda de alguém paralhe cuidar/guiar com segurança.A proposta da Trilha da Vida não é conceituar de fora, mas fazerbrotar de dentro 43 . Não é definir conceitos mas vivenciá-los to<strong>do</strong>s, percebêlos,significá-los. A contribuição da Trilha da Vida é propiciar a vivência,a experimentação concreta e sensível de to<strong>do</strong>s estes princípios e conceitoselenca<strong>do</strong>s como chaves para uma Educação Ambiental critica, popular,emancipatória e transforma<strong>do</strong>ra.O que torna um espaço vazio cheio de significa<strong>do</strong>s e aprendiza<strong>do</strong>sé a qualidade e função das relações que mantenho com este espaço e comsuas estruturas. São as mediações, vivências, interpretações, representações,significações, reflexões e ações que faço neste/deste espaço/lugar, nestas/destas estruturas e relações. São os objetivos pedagógicos que, intencionaisou não, estabeleço nos múltiplos cotidianos em que vivo. Assim <strong>do</strong>is movimentossão possíveis e coexistem: um que parte de mim e outro que parte<strong>do</strong>s espaços e estruturas com as quais convivo. Portanto influencio nesteespaço/estrutura e sou influencia<strong>do</strong> por ele. Movimento e sou movimenta<strong>do</strong>por ele. Pois, é sempre bom lembrar que um espaço vazio pode estar cheiode ar, de esperanças, possibilidades, descobertas, aprendiza<strong>do</strong>s, vida.AprofundamentoQuanto às relações históricas entre sociedade e natureza, vale a penaler O Buraco Branco no Tempo 44 de Peter Russel (1992), a trilogia Ismael,Meu Ismael e A Historia de B de Daniel Quinn (1998, 1999, 2000), EcologiaHumana, Ética e Educação: a mensagem de Pierre Dansereau organiza<strong>do</strong>por Paulo Freire Vieira e Mauricio Andrés Ribeiro (1999) e Ética e Educação46É reconhecer, entre outras coisas, a simultaneidade e reciprocidade entre a unidade e a multiplicidade.Unitamultiplex de Morin (2000).47Guimarães (2004), “O ambiente educativo não é o espaço físico escolar. O ambiente educativose constitui nas relações que se estabelecem (...) entre escola e comunidade, entre comunidade170


Ambiental: a conexão necessária de Mauro Grün (1996).A respeito da Educação <strong>do</strong> Sensível e Experimentos Educacionais,destaco as contribuições recentes de pesquisa<strong>do</strong>res, educa<strong>do</strong>res e arte-educa<strong>do</strong>rescomo:João-Francisco Duarte Jr, autor <strong>do</strong> livro “O Senti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Senti<strong>do</strong>s: aeducação (<strong>do</strong>) sensível” (Editora Criar, 2001) Wilhelm Walgenbach (1996,2000); Cleusa Helena Guaita Peralta (2002) e Nara Crizel Marone (2000),os quais apontam caminhos para este despertar coletivo <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s atravésda educação estética e experimentos educacionais associa<strong>do</strong>s a educaçãoambiental e que ajudam a fundamentar a Trilha da Vida.Sobre “espaços educa<strong>do</strong>res”, sugiro os livros:ALVES, N.; SGARBI, P. Espaços e imagens na escola. Rio deJaneiro: DP&A, 2001.BRANDÃO, C.R. Aqui é onde eu moro, aqui nós vivemos: escritospara conhecer, pensar e praticar o Município Educa<strong>do</strong>rSustentável. Programa Nacional de Educação Ambiental. Brasília:MMA, 2005. 180 p.GADOTTI, M.; PADILHA, P.R.; CABEZUDO, A. Cidade educa<strong>do</strong>ra:princípios e experiências. São Paulo: Cortez; Instituto PauloFeire. Buenos Aires: Ciudades Educa<strong>do</strong>ras America Latina, 2004.VILELA, M. <strong>do</strong>s A. (Org.). Tempos e espaços de formação.Chapecó: Argos, 2003. 240 p.Especificamente sobre a “Trilha da Vida” consultar:ACAUAN, R.C. COLUVI: conhecen<strong>do</strong> o lugar onde vivo.Monografia (Curso de Oceanografia) – CTTMar, UNIVALI. 2003.MATAREZI, J.; BONILHA, L.E.C.; MENTGES T. A educaçãoambiental comunitária no litoral brasileiro e o papel da universidade.In: VIEIRA, P.F. (Org.). Conservação da diversidadebiológica e cultural em zonas costeiras: enfoques e experiênciasna América Latina e no Caribe. Florianópolis: APED, 2003. 528 p.TRILHA da vida: (re)descobrin<strong>do</strong> a natureza com os senti<strong>do</strong>s.Revista de Educação Ambiental da FURG. <strong>Ambiente</strong> & Educação,v. 5/6, p. 55-67, 2000/2001. Rio Grande, FURG.SCHMIDT, A.F. Trilha da vida e ambientes de aprendizagem:171


uma análise na busca de convergências. São Paulo, 2003. Programade Pós-Graduação em Educação: Currículo - PUC/SP. [Orientaçãoda Prof. Dra. Maria Cândida Moraes]Referências Bibliográficas:BRASIL. Constituição da República Federativa <strong>do</strong> Brasil. Brasília:Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s, 1988.KLAFKI, W. Educação ambiental: considerações básicas sobre umprograma de educação ambiental. <strong>Ambiente</strong> & Educação, RioGrande, FURG, v. 1, 1996.MARONE, N.R.C. Espelho: um recorte na grande complexidade– estu<strong>do</strong> de uma alternativa transdisciplinar como possibilidadepara a formação de professores. Pelotas, 2000. Dissertação(Mestra<strong>do</strong> em Educação) - FaE, UFPel.MARONE, N.R.C.; PERALTA, C.; WLAGENBACH, W. Projetosde Educação Ambiental na região de Rio Grande, RS. <strong>Ambiente</strong>& Educação, Revista de Educação Ambiental da FURG, v. 1, p.13-26, 1996.MORIN, E.; Le MOIGNE, J.-L. A inteligência da complexidade.São Paulo: Ed. Peirópolis, 2000.PERALTA C.H.G. Experimentos Educacionais: Eventos HeirísticosTransdisciplinares em Educação Ambiental. In: RUSCHEIN-SKY, A. (Org.). Educação ambiental: abordagens múltiplas. PortoAlegre, Artmed, 2002._____. O conceito utopias concretizáveis – elemento gera<strong>do</strong>r deum programa de educação ambiental centra<strong>do</strong> na interdisciplinaridade.Rio Grande, 1997. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em EducaçãoAmbiental) - FURG.PINEAU, G. O senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> senti<strong>do</strong>. In: NICOLESCU, B. et al.Educação e transdisciplinaridade. Brasília: UNESCO, 2000.SALLES, M.W. Dentro <strong>do</strong> dentro: os nomes das coisas. SãoPaulo: Mercuryo, 2002.SANTOS, B. de S. A crítica da razão in<strong>do</strong>lente – contra o desperdícioda experiência. São Paulo: Cortez, 2000.WALGENBACH, W. Conceitos Básicos de Educação Ambiental:<strong>do</strong> Ponto de Vista da Educação Categorial. Considerações Básicassobre um Programa de Educação Ambiental. Revista <strong>Ambiente</strong>172


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HERMENÊUTICA E EDUCAÇÃO AMBIEN-TAL: o educa<strong>do</strong>r como intérpreteIsabel Cristina Moura Carvalho & Mauro GrunPalavras-Chave: hermenêutica; educação ambiental compreensiva; sujeitointérprete; experiência; historicidade.Hermenêutica: uma introdução ao conceitoSegun<strong>do</strong> o filósofo Hans-Georg Gadamer (1900-2002), autor da obracapital da hermenêutica <strong>do</strong> séc. XX, Verdade e Méto<strong>do</strong>, a hermenêutica é tãoantiga quanto a filosofia. É traduzida em vários dicionários como “a arte oua técnica da interpretação”. Tem uma origem mitológica no deus Hermes,deus mensageiro que é quem lida com o significa<strong>do</strong>. Ao longo <strong>do</strong>s séculosdesenvolveram-se várias hermenêuticas. Hermenêutica jurídica, hermenêuticateológica e a hermenêutica filosófica, que abordaremos logo a seguir.A hermenêutica filosófica de Gadamer tem alguns antecessores ilustres:Shleirmacher (1768-1834), Dilthey (1833-1911) e Heidegger (1889-1976), entre outros. Shleirmacher foi o primeiro a desenvolver a concepçãode círculo hermenêutico. Para Shleirmacher, a compreensão se dá semprede uma forma circular, oscilan<strong>do</strong> numa relação recíproca entre o singular eo to<strong>do</strong> <strong>do</strong> qual esse singular faz parte. Shleirmacher desenvolveu essa estruturaentre o to<strong>do</strong> e as partes no âmbito da interpretação de textos. Dilthey,por sua vez, estende para to<strong>do</strong> o <strong>do</strong>mínio da compreensão histórica ou dasciências humanas. Foi exatamente essa compreensão <strong>do</strong> particular a partir<strong>do</strong> to<strong>do</strong>, e deste a partir <strong>do</strong> particular que Dilthey transpôs para o mun<strong>do</strong> dahistória. Para Dilthey é necessário entender um texto a partir dele mesmo.Isso designa compreende-lo objetivamente, uma vez que ele é a manifestaçãoindividual de um contexto mais amplo. Assim, para Dilthey a concepçãometo<strong>do</strong>lógica <strong>do</strong> círculo hermenêutico apresenta como característica gerala objetividade. Esse, segun<strong>do</strong> Gadamer, é o ponto nodal <strong>do</strong> fracasso deDilthey: o objetivismo.A estrutura circular da compreensão adquire um novo significa<strong>do</strong> comMartin Heidegger, pois o círculo não se degenera em círculo vicioso, massim numa possibilidade mais positiva para o conhecimento, possibilidadeesta que só ocorre quan<strong>do</strong> não deixamos que as intenções prévias, ou préjuízos,as pré-concepções sejam suplantadas pelo tema científico. “Para o177


intérprete, o deixar guiar-se pela coisa mesma não é uma decisão “valente”tomada de uma vez para sempre, mas é “a tarefa primeira, permanente eúltima” (Gadamer, 1998, p.144).Gadamer, seguin<strong>do</strong> Heidegger, nos diz que quem pretende ler um textofaz sempre um projeto, antecipan<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> conjunto. A compreensão<strong>do</strong> texto consiste, basicamente, na elaboração desse projeto, fazen<strong>do</strong>constantes revisões que acabam por aprofundar o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> que está emquestão. A hermenêutica é uma tarefa de justificação sem fim, de mo<strong>do</strong>que estas revisões não acabam nunca geran<strong>do</strong> novos projetos que estão emconstante reelaboração das interpretações. Gadamer observa que “tem seusenti<strong>do</strong> afirmar que o intérprete não aborda o “texto” a partir de sua inserçãono preconceito prévio; e sim, que põe expressamente à prova o preconceitono qual está instala<strong>do</strong>, isto é, põe à prova sua origem e validez” (Gadamer,1998, p.144-145). Anteriormente a Heidegger o círculo hermenêutico semanteve sempre em uma relação formal entre o individual e o global.Gadamer nos alerta para o fato que o iluminismo atribuiu uma carganegativa ao conceito de pré-juízo. “Há um preconceito contra os preconceitosno Iluminismo”, diz Gadamer. Gadamer procura desvendar o senti<strong>do</strong>positivo dessa idéia através da reabilitação <strong>do</strong>s preconceitos. O Iluminismoconsidera o juízo como um pré-juízo mal fundamenta<strong>do</strong>. Testa (2004) noslembra que para Gadamer, aos olhos <strong>do</strong> Iluminismo, a falta de uma fundamentaçãonão deixa espaço a outros mo<strong>do</strong>s de certeza, pois significa que ojuízo não tem um fundamento na coisa, que é um juízo sem fundamento.Essa é uma conclusão típica <strong>do</strong> espírito <strong>do</strong> racionalismo. Sobre ele repousa odescrédito <strong>do</strong>s pré-juízos em geral e a pretensão <strong>do</strong> conhecimento científicode excluí-los totalmente.A intenção de Gadamer é livrar o círculo hermenêutico <strong>do</strong> historicismoingênuo, mostran<strong>do</strong> como é que se constitui verdadeiramente a ciência dahistória como uma experiência.“Como já foi visto, quan<strong>do</strong> uma particularidade não se encaixa no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> to<strong>do</strong>,somos obriga<strong>do</strong>s a corrigi-lo, amplian<strong>do</strong>-o até que efetivamente se torne uma totalidadede senti<strong>do</strong>. Isso nos obriga também, em cada correção, a antecipar uma nova totalidade,de tal mo<strong>do</strong> que em to<strong>do</strong> o processo hermenêutico funciona um pré-juízo que Gadamerdenomina de ‘antecipação da completude’” (Testa, 2004, p.90).Gadamer, no entanto, diz que a razão não é <strong>do</strong>na de si mesma, ahistória, manifestada através da tradição é anterior a qualquer compreensão.Somos nós que pertencemos a história e não ela a nós. Gadamer, portanto,qualifica e reabilita os preconceitos. Para Gadamer o círculo hermenêuticonão deve ser concebi<strong>do</strong> de maneira puramente formal. Existe uma circularidadehermenêutica na qual o intérprete se faz um media<strong>do</strong>r constituinte178


entre o texto e a totalidade que o texto subentende.Uma educação ambiental compreensivaSeguin<strong>do</strong> as conseqüências de uma perspectiva hermenêutica tal comoexposto anteriormente temos que considerar a linguagem, enquanto meioda experiência de compreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, isto é, o locus onde se realizaa simultaneidade, a análise e a aplicação, interpretação e compreensão, etambém o encontro entre o eu e o mun<strong>do</strong>. Neste senti<strong>do</strong>, a linguagem não sedeixa capturar pela expectativa objetifica<strong>do</strong>ra de um código transparente quesupõe uma comunicação <strong>do</strong> tipo explicativa, onde os senti<strong>do</strong>s estão fixa<strong>do</strong>spreviamente e ensina<strong>do</strong>s/explica<strong>do</strong>s a outrem, como na educação bancáriacriticada por Paulo Freire. Ao contrário, a linguagem como a entende ahermenêutica, se constitui enquanto abertura à significação, aonde o jogo daprodução de senti<strong>do</strong>s vai se dar através da dialogicidade e da interpretação,numa perspectiva de produção de conhecimento pela via que a hermenêuticadesigna como compreensiva (em oposição a via explicativa)O contexto biologizante das ciências naturais, apoia<strong>do</strong> numa ecologiacientífica, muitas vezes leva a uma visão da Educação Ambiental comodifusão/explicação de informações corretas e <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r ambiental comoum leitor literal <strong>do</strong> livro da natureza. Contu<strong>do</strong>, desde uma perspectiva compreensivao saber ambiental é justamente aquele que transborda o campodas ciências ambientais e emerge desde um espaço de exclusão gera<strong>do</strong> nodesenvolvimento das ciências, centradas em seus objetos de conhecimentoe que produz o desconhecimento de processos complexos que escapam aexplicação destas disciplinas”. (Leff, 1998). Como já apontou Gaudiano(1999), é justamente o deslocamento teórico-filosófico <strong>do</strong> ambiental emrelação às ciências naturais que marca o campo discursivo de uma EducaçãoAmbiental não naturalista.O educa<strong>do</strong>r ambiental como intérpreteToman<strong>do</strong> a via hermenêutica como caminho, nos parece que umamaneira produtiva de compreender a experiência <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r ambientalseria tomá-lo como um intérprete de seu contexto, ao mesmo tempo emque é um sujeito interpreta<strong>do</strong>. Ou seja, as margens de interpretação <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>rambiental são limitadas pelas injunções <strong>do</strong> contexto, levan<strong>do</strong> a caboa condição auto-reflexiva em que, ao mesmo tempo em que interpreta, éinterpreta<strong>do</strong>. Educar e compreender torna-se, portanto, uma aventura onde179


o sujeito e os senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> estão se constituin<strong>do</strong> mutuamentena dialética da compreensão/interpretação.Perde-se a segurança de uma consciência observa<strong>do</strong>ra e decodifica<strong>do</strong>raque promete correspondência e controle <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s. Diferentementede um sujeito-observa<strong>do</strong>r de uma Educação Ambiental explicativa oubancária, situa<strong>do</strong> fora <strong>do</strong> tempo histórico e perseguin<strong>do</strong> os senti<strong>do</strong>s verdadeiros,reais, permanentes e inequívocos; o sujeito-intérprete estaria diantede um mun<strong>do</strong>-texto, mergulha<strong>do</strong> na polissemia e na aventura de produzirsenti<strong>do</strong>s, a partir de seu horizonte histórico.Esta perspectiva implica ainda na recusa da dicotomia entre o plano<strong>do</strong> pensamento e o da ação. Os senti<strong>do</strong>s produzi<strong>do</strong>s por meio da linguagemsão a condição de possibilidade <strong>do</strong> agir no mun<strong>do</strong>. Não há ação possívelnum vácuo de senti<strong>do</strong>. Toda ação decorre de certa compreensão/interpretação,de algo que faz senti<strong>do</strong>. Num universo habita<strong>do</strong> por inúmeras chavesde senti<strong>do</strong>. Desta forma, assim como interpretar não seria um ato póstumoe complementar à compreensão, agir não corresponderia à conseqüência— enquanto des<strong>do</strong>bramento, ato segun<strong>do</strong> ou posterior à reflexão — mas aação estaria implicada no ato mesmo de compreender/interpretar.Bem ao contrário de uma visão objetiva<strong>do</strong>ra, onde interpretar omeio ambiente seria captá-lo em sua realidade factual, descrever suas leis,mecanismos e funcionamento, trata-se aqui de evidenciar os horizontes desenti<strong>do</strong>s histórico-culturais que configuram as relações com o meio ambientepara uma determinada comunidade humana e num tempo específico.Com isto, o que se está aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> é um conceito realista ou naturalistade meio ambiente, onde este é reduzi<strong>do</strong> as suas condições e leis físicas defuncionamento. Na perspectiva interpretativa, a Educação Ambiental seposiciona face ao conceito de meio ambiente como realidade passível dediversas leituras. Numa Educação Ambiental interpretativa torna-se fundamentalconsiderar a historicidade das questões ambientais.Isto significa reconhecer que, se o educa<strong>do</strong>r ambiental é um intérprete,o solo onde se move é o das interpretações estruturantes <strong>do</strong> ideário ambientalcontemporâneo, marca<strong>do</strong> pela tensão entre o repúdio e o enaltecimentoda natureza. O fazer educativo tem como matéria prima esta espécie degramática <strong>do</strong>s valores ambientais da sociedade. É dentro deste repertóriode senti<strong>do</strong>s sociais que a educação, enquanto prática interpretativa, acionaênfases e constrói, dentro de sua autonomia relativa, uma via compreensiva<strong>do</strong> meio ambiente enquanto campo complexo das relações entre naturezae sociedade. O educa<strong>do</strong>r ambiental, neste senti<strong>do</strong>, seria um intérprete <strong>do</strong>snexos que produzem os diferentes senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ambiental em nossa sociedade.Ou ainda, em outras palavras, um intérprete das interpretações socialmente180


construídas. Assim, a Educação Ambiental enquanto uma prática interpretativaque desvela e produz senti<strong>do</strong>s, estaria contribuin<strong>do</strong> para a constituiçãode um horizonte compreensivo das relações sociedade-natureza.Por tu<strong>do</strong> o que dissemos até aqui, a preocupação tão recorrente nocampo educativo com a “avaliação” da ação educativa traz um complexodesafio. No círculo da compreensão as relações dicotômicas tendem a serdiluídas e, portanto, a idéia de causa-efeito ou ainda objetivo-resulta<strong>do</strong> implícitasem várias meto<strong>do</strong>logias de avaliação ficam sem senti<strong>do</strong>. Talvez oque possamos pensar, para ser coerentes com os pressupostos apresenta<strong>do</strong>s,é que a avaliação nesta perspectiva seria uma prática igualmente dialógicae investigativa, igualmente produtora de novos senti<strong>do</strong>s sobre a ação que,reflexivamente, se transformaria neste processo. O que poderia ser objetode pergunta permanente para o educa<strong>do</strong>r intérprete é a indagação sobre ossenti<strong>do</strong>s produzi<strong>do</strong>s nas atividades realizadas em contextos de educaçãoambiental tais como: Que tipo de experiência social e ambiental se produzem sua prática educativa? Quais percepções sobre as relações individuaise sociais com o ambiente já existem e quais estão se construin<strong>do</strong> junto aosgrupos e pessoas? Como estas percepções e conhecimentos, as já existentese as novas, se vinculam ao mun<strong>do</strong> de vida destes grupos, de mo<strong>do</strong> a fazersenti<strong>do</strong>? Como este encontro entre educa<strong>do</strong>r e grupos sociais produz novascompreensões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>do</strong> ambiente para ambos?Uma educação ambiental compreensiva emaçãoHá muitas maneiras de fazer educação ambiental desde uma perspectivacompreensiva. Inúmeras atividades podem ser realizadas nesta direção.Trata-se, sobretu<strong>do</strong> de manter uma postura e um olhar atento ao diálogo,ao Outro e ao ambiente em sua outridade. De to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, podemos citarexperiências interessantes que podem ser estes espaços de diálogo, autoesclarecimento e produção de novos conhecimentos cheios de senti<strong>do</strong> experiencial.Alguns exemplos seriam: trilhas de interpretação que não se limitama serem explicativas de um ecossistema, mas oferecem oportunidades parauma compreensão mais ampla de aspectos socioambientais <strong>do</strong> lugar e darelação que os usuários têm com o espaço; incursões para conhecimentode realidades socioambientais <strong>do</strong> entorno (escolar, <strong>do</strong> bairro etc); análiseda paisagem em suas várias dimensões (histórica, cultural, natural, etc.); etantas outras. A questão não é exatamente ditar uma receita <strong>do</strong> que fazer,mas, formar uma escuta, uma postura e um olhar que vão conduzir este fazerpara uma experiência dialógica e compreensiva.181


182I. O reca<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio, o reca<strong>do</strong> de Nancy e a nossaescutaA título de exemplo, destacamos um trabalho que nos parece estar nadireção de uma educação ambiental compreensiva. Trata-se <strong>do</strong> belo livrode Nancy Mangabeira Unger que faz uma hermenêutica das populaçõesribeirinhas <strong>do</strong> Rio São Francisco. A autora acompanhou uma peregrinaçãopelo Rio e neste percurso que dá título ao livro: “Da foz a nascente” podeouvir, num diálogo aberto e sensível, a rica experiência <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> destesgrupos e seu particular mo<strong>do</strong> de convivência com a natureza e a comunidade.Como filósofa ela foi intérprete e media<strong>do</strong>ra, trazen<strong>do</strong> estas ricas visões demun<strong>do</strong> para um diálogo com a filosofia e com as preocupações ambientais.Sem reduzir nunca o saber <strong>do</strong>s ribeirinhos, faz de Seu Valdemar (um deseus principais informantes) um parceiro de suas reflexões e diálogos coma filosofia. Destacamos a reflexão de Nancy sobre o conhecimento:O reca<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio Para Nancy Mangabeira Unger, “um pensamentode controle não entra em diálogo. Não é atravessa<strong>do</strong> pelo Logos. Já nopensamento que historicamente desencadeia uma transformação, pensaré ser, é crescer-junto, é nascer com. É abdicar <strong>do</strong> lugar <strong>do</strong> tirano, isto é,daquele que determina o real e faz a si mesmo” sem depender de nenhumaoutra instância. Acompanhar o advento de um tempo inaugural requeruma disponibilidade de esperar o inespera<strong>do</strong>. O inespera<strong>do</strong> não é fruto deuma lógica de resulta<strong>do</strong>s. (...) Significa que precisamos de um saber queconviva com o mistério, com a alteridade, com outras formas de relacionamentocom o real”. (Unger, 2001:137) Em outra passagem muito expressivadeste mo<strong>do</strong> de conhecer como conviver, Nancy reflete sobre uma falade seu Valdemar que diz: “Dia 04 de outubro nos estávamos celebran<strong>do</strong>o dia de São Francisco, e de frente, onde estavam as embarcações, ospeixes começavam a cabrear. E ai eu estendi a mão e disse: ‘gente, to<strong>do</strong>mun<strong>do</strong> veja o tanto que os peixes ta alegre com o momento e que estamoscelebran<strong>do</strong>, em nome <strong>do</strong> rio e em nome <strong>do</strong> peixe’ “ (Unger: 69). Esterelato soma<strong>do</strong> a outros que são destaca<strong>do</strong>s no livro levam Nancy a citarum belo poema taoísta que se chama “A alegria <strong>do</strong>s peixes”. Ao final aautora comenta: “O poema nos fala de um diálogo entre <strong>do</strong>is amigos queatravessam um rio. A alegria <strong>do</strong>s amigos que conversam e caminham pelabeira <strong>do</strong> rio e a alegria <strong>do</strong>s peixes que pulam e correm é a mesma alegriade viver no mesmo rio. O senti<strong>do</strong> essencial <strong>do</strong> poema se sintetiza na afirmação:‘ conheço a alegria <strong>do</strong>s peixes através de minha própria alegria,à medida que vou caminhan<strong>do</strong> à beira <strong>do</strong> mesmo rio”. A co-pertinênciade peixes, homens e rio propicia as condições para o conhecimento <strong>do</strong>Outro e de sua experiência. Nesta dimensão <strong>do</strong> pensar, o ato de conhecernão é somente uma operação lógica, um ato <strong>do</strong> intelecto. Também não se


eduz a uma experiência empírica. Na medida em que acolhe a presença<strong>do</strong>s seres e das coisas, o conhecimento é afinidade e correspondência. Édesta correspondência que provém a possibilidade de conhecer a alegria<strong>do</strong> outro através da própria alegria” (Unger, 2001: 70)II. Manoel de Barros: o hermeneuta e seu desobjetoDesobjeto “O menino que era esquer<strong>do</strong> viu no meio <strong>do</strong> quintalum pente. O pente estava próximo de não ser mais um pente. Estariamais perto de ser uma folha dentada. Dentada um tanto que já se haviaincluí<strong>do</strong> no chão que nem uma pedra, um caramujo, um sapo. Era algumacoisa nova o pente. O chão teria comi<strong>do</strong> logo um pouco de seus dentes.Camadas de areia e formigas roeram seu organismo. Se é que um pentetem organismo. O fato é que o pente estava sem costela (...) Perdera suapersonalidade. Estava encosta<strong>do</strong> às raízes de uma árvore e não servia maisnem pra pentear macaco. O menino que era esquer<strong>do</strong> e tinha cacoete prapoeta, justamente ele enxergara o pente naquele esta<strong>do</strong> terminal. E o meninodeu pra imaginar que o pente, naquele esta<strong>do</strong>, já estaria incorpora<strong>do</strong>à natureza como um rio, um osso, um lagarto. Eu acho que as árvorescolaboravam na solidão daquele pente “. (Manoel de Barros. Memóriasinventadas; a infância. Rio de Janeiro, Editora Planeta, 2003)O poema de Manoel de Barros nos remete ao tempo da dissolução<strong>do</strong> objeto e <strong>do</strong>s múltiplos destinos de um desobjeto. Um pente, agora converti<strong>do</strong>em matéria da solidão das árvores, em novos devires de rio, ossoe lagarto. O artefato se translada à natureza e torna-se objeto-ponte, íconeda passagem entre mun<strong>do</strong>s. E, então, advém uma nova epifania. A coisadesobjetificada é içada pelo olhar <strong>do</strong> poeta na tessitura da trama narrativa,como causa da instauração de novos senti<strong>do</strong>s. Assim, as palavras, em suafunção narrativa, fundam mun<strong>do</strong>s para viver. Mun<strong>do</strong>s verdadeiros, porqueinventa<strong>do</strong>s. Com a reflexão hermenêutica algo semelhante se passa. Osconceitos com os quais pensamos o real também criam mun<strong>do</strong>s. E, aqui,igualmente poderíamos dizer, mun<strong>do</strong>s verdadeiros porque inventa<strong>do</strong>s.III. De como inventamos a nós mesmos e aos outrosatravés <strong>do</strong> diálogo e da narrativa183


184Os narra<strong>do</strong>res de Javé. Eliane Caffé, 2003.Nada mudaria a rotina <strong>do</strong> pequeno vilarejo de Javé se não fosse o fatode cair sobre ele a ameaça repentina de sua extinção: Javé deverá desaparecerinunda<strong>do</strong> pelas águas de uma grande hidrelétrica. Diante da infausta notícia,a comunidade decide ir em defesa de sua existência pon<strong>do</strong> em prática umaestratégia bastante inusitada e original: escrever um <strong>do</strong>ssiê que <strong>do</strong>cumenteo que consideram ser os “grandes” e “nobres” acontecimentos da história<strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> e assim justificar a sua preservação. Uma tarefa difícil porquenem sempre os habitantes concordam sobre qual, dentre todas as versões,deverá prevalecer na memória <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong>. Na construção deste <strong>do</strong>ssiê,inicia-se um duelo poético entre os conta<strong>do</strong>res que disputam com suashistórias - muitas vezes fantásticas e lendárias - o direito de permaneceremno patrimônio de Javé.Recomendamos este filme para discutir as questões relativas a construção,sempre negociada, <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s coletivos e individuais para as narrativasque conferem identidade a um grupo e a um lugar. Também mostraa disputa pela história “verdadeira” e as múltiplas versões co-existentes emuma mesma narrativa.IV. Mo<strong>do</strong>s de “ler” o meio ambiente: uma sugestãode atividade“Ler” o meio ambiente é apreender um conjunto de relações sociais eprocessos naturais, captan<strong>do</strong> as dinâmicas de interação entre as dimensõesculturais, sociais e naturais na configuração de dada realidade socioambiental.Para chegar a isso, não basta observar passivamente o entorno, mas éimportante certa educação <strong>do</strong> olhar, aprender a “ler” e compreender o quese passa a nossa volta. Uma atividade que pode ser utilizada nesse aprendiza<strong>do</strong>é a chamada “leitura da paisagem”. Trata-se de um roteiro de açãoparticipativa para levantamento das características de dada região, rural ouurbana.A seguir, apresentamos uma versão para a Educação Ambiental dameto<strong>do</strong>logia de leitura da paisagem. Esta atividade foi retirada <strong>do</strong> livro“Educação Ambiental: a formação <strong>do</strong> sujeito ecológico”, publica<strong>do</strong> em2003 pela Editora Cortez, cuja referência completa está na bibliografiadeste artigo. O livro inclui outras sugestões de atividades voltadas para aeducação ambiental desde uma perspectiva hermenêutica, também chamadacompreensiva ou interpretativa.A leitura da paisagem


PressupostosAs realidades de determinada região não são homogêneas. Por isso, éimportante que o trabalho de reconhecimento das condições socioambientais<strong>do</strong> lugar atente para a identificação das relações entre as diferentes unidadesambientais e os processos de desenvolvimento histórico presentes.Correlacionan<strong>do</strong> informações e experiências já existentesO trabalho deve começar pelo levantamento das experiênciase informações já existentes no grupo local. Histórias de vida, históriasdas experiências produtivas, mapas, fotografias, estu<strong>do</strong>s, artigose publicações existentes, etc. devem ser reuni<strong>do</strong>s e ser objeto deatividade grupal, pela qual se possam correlacionar essas diversasfontes de informação e ampliar a visão sobre as realidades históricase ambientais da região.Aprenden<strong>do</strong> a reler a paisagem que já se conheceNa saída a campo, o objetivo é observar a heterogeneidade histórica,cultural, econômica e ambiental, identifican<strong>do</strong> e descreven<strong>do</strong> a região naqual determinada comunidade (bairro, , município, vila, etc) se insere.Meto<strong>do</strong>logia• Reunir um grupo (de mora<strong>do</strong>res, alunos, agricultores, etc. — conformeos objetivos <strong>do</strong> trabalho em Educação Ambiental) que possaconversar com outros habitantes sobre a região, para levantamentode informações.• Compartilhar no grupo as informações recolhidas. É o momentoda sistematização <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, confecção de mapas e/ou visualizaçãoda região com suas diferentes unidades ambientais, históricas eculturais.• Identificar problemas ambientais que afetam a região e visualizá-losno mapa confecciona<strong>do</strong> coletivamente.• Definir o percurso da saída a campo, de mo<strong>do</strong> que se passe pelosprincipais pontos defini<strong>do</strong>s como importantes (selecionar os pontoscríticos/ problemáticos e também as paisagens mais bonitas eagradáveis), para a compreensão socioambiental da região.185


• Organizar uma saída a campo em grupo para observação <strong>do</strong>s lugaresidentifica<strong>do</strong>s.• Retorno. Discussão das observações de campo realizadas pelo grupo.Comparação <strong>do</strong> que foi visto com o mapa anteriormente feito, correçõese complementações para a síntese final <strong>do</strong> mapa regional.• Com base na análise das unidades e <strong>do</strong>s problemas socioambientaisda região, elaborar um plano de ação de Educação Ambiental juntocom a comunidade para atuar sobre um ou mais problemas e/ou oportunidadesde valorização <strong>do</strong> patrimônio ambiental local, identifica<strong>do</strong>se prioriza<strong>do</strong>s pelo grupo.Referências Bibliográficas:FRUCHON, P. (Org.). O problema da consciência histórica.Hans-Georg Gadamer. Rio de Janeiro: Ed. Fundação GetúlioVargas, 1998.GADAMER, H.G. Verdade e méto<strong>do</strong>: traços fundamentais deuma hermenêutica filosófica. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.GAUDIANO, E. G. Otra lectura a la historia de la educación ambientalen América Latina y el Caribe. In: Tópicos en EducaciónAmbiental, Mundi Prensa, n. 1, v. 1, p. 9-26, 1999.LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidad, complejidad, poder.México: Siglo Veintinuno Editores; UNAM/PNUMA, 1998.TESTA, E. Hermenêutica filosófica e histórica. Passo Fun<strong>do</strong>:UPF, 2004.Bibliografia complementar sugerida sobre hermenêuticae educação:HERMANN, N. Hermenêutica e educação. Rio de Janeiro,DP&A, 2003. (Coleção o que você precisa saber sobre)STEIN, E. Aproximações sobre hermenêutica. Porto Alegre,EDIPUCRS, n. 40, 1996. (Coleção Filosofia, 40)UNGER, N.M. Da foz à nascente: o reca<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio. São Paulo:Cortez, 2001._____. Fundamentos filosóficos <strong>do</strong> pensamento ecológico. SãoPaulo: Loyola, 1991.186


Produção bibliográfica <strong>do</strong>s autores sobre educaçãoambiental desde uma perspectiva hermenêutica:GRÜN, M. Ética e educação ambiental: a conexão necessária.Campinas: Papirus, 1996._____. O conceito de holismo em ética e educação ambiental. In:SATO, M.; CARVALHO, I. C.M. (Org.). Educação ambiental:pesquisa e desafios. Porto Alegre, Artmed, 2005. No prelo._____. A outridade da natureza. ANPED, GE EducaçãoAmbiental, 2003.CARVALHO, I.C.M. A invenção <strong>do</strong> sujeito ecológico: senti<strong>do</strong>se trajetórias da educação ambiental no Brasil. Porto Alegre: Ed.Universidade <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul._____. Educação ambiental: a formação <strong>do</strong> sujeito ecológico. SãoPaulo: Cortez, 2004.187


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INTERVENÇÃO EDUCACIONAL:Do “de grão em grão a galinha enche o papo”ao “tu<strong>do</strong> junto ao mesmo tempo agora”Mauro GuimarãesPalavras-chave: interdisciplinar; dialógico; dialético; complexidade; práxis;participação.Educação é tu<strong>do</strong>?Há muito que escutamos este jargão de que a Educação é tu<strong>do</strong>, o queleva a concluirmos que, portanto é a solução para to<strong>do</strong>s os problemas dasociedade. Este parece ser um grande consenso já de algum tempo e quevem sen<strong>do</strong> constantemente repeti<strong>do</strong> e reafirma<strong>do</strong>. Porque essa crença é tãofacilmente assimilada no senso comum? Quais os reflexos disso ao pensarmose fazermos uma intervenção educacional?Esta visão de consenso a respeito da Educação como solução paratu<strong>do</strong> é conseqüência de uma compreensão que reflete a lógica <strong>do</strong> “de grãoem grão a galinha enche o papo”. Quan<strong>do</strong> baseamos nossa compreensãono referencial paradigmático 45 da sociedade moderna, chama<strong>do</strong> por Morinde paradigma da disjunção, da separação, se constrói historicamente umavisão de mun<strong>do</strong> em que a realidade vista como um to<strong>do</strong> é entendida comosen<strong>do</strong> o somatório de suas partes. Seguin<strong>do</strong> essa mesma lógica/racionalidadecompreendemos a sociedade (to<strong>do</strong> – o papo da galinha) como sen<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong>da soma de seus indivíduos (partes – os grãos). O que não deixa de sertambém real, mas será essa uma verdade que exclui outras possibilidades?Será uma verdade absoluta, única?Por que essa lógica nos leva a achar que a Educação é tu<strong>do</strong> e que porsua intervenção se resolverá to<strong>do</strong>s os problemas da sociedade? Porque elanos é extremamente familiar, mesmo que inconscientemente, por se situarreferenciada na estrutura de pensamento hegemônica em nossa sociedade.Um <strong>do</strong>s aspectos <strong>do</strong> paradigma da sociedade moderna que nos importa paraentendermos isso é o cientificismo cartesiano. Esse produz um conhecimentoda realidade (to<strong>do</strong>/sociedade) de forma fragmentada (partes/indivíduos), pordelimitar seu objeto de estu<strong>do</strong>, aprofundá-lo especializan<strong>do</strong> e crian<strong>do</strong>, comoe sociedade, entre seus atores, nos embates ideológicos por hegemonia; portanto, é movimentocomplexo das relações.”48Segun<strong>do</strong> o Dicionário Brasileiro de Ciências Ambientais: “Sinergia: fenômeno que ocorre quan<strong>do</strong> a191


conseqüência, fronteiras disciplinares bem demarcadas. Ao direcionarmos oolhar individual e dessa sociedade foca<strong>do</strong> na parte/indivíduo, desfocamos dasrelações que também são constituintes da realidade. O real em sua complexidadese constitui e é constituinte das interelações entre as partes, da interação daspartes com o to<strong>do</strong> e <strong>do</strong> to<strong>do</strong> nas partes, abrin<strong>do</strong> muitas possibilidades e incertezas.Ao focarmos na parte e nos desconectarmos destas relações, simplificamose reduzimos a compreensão da realidade em sua complexidade. Mas isso nãofunciona? Produz conhecimentos que não são verdades? Não, isso funciona,produz verdades (que por seus caráteres reduzi<strong>do</strong>s e simplifica<strong>do</strong>s tendem a nosapresentarem soluções como caminhos únicos) que referenciam uma racionalidadeque estrutura de forma hegemônica a realidade social contemporânea,mas, no entanto, a crise socioambiental nos aponta para as limitações destasverdades cientificistas.A tendência da particularização, da individualização ao extremo chegaao individualismo exacerba<strong>do</strong>, à competição selvagem, ao sectarismo, àdesigualdade, à violência, em um esta<strong>do</strong> de dissolução de uma realidadeconjunta, coletiva. Para se manter e existir nesta condição necessita estabelecerrelações de <strong>do</strong>minação de um sobre o outro. Quan<strong>do</strong> esse outro é umoutro indivíduo temos o cerne da crise social, quan<strong>do</strong> o outro é a naturezadesvela-se a crise ambiental na sua dimensão mais ampla que engloba osocial.É neste contexto que se concebe de forma <strong>do</strong>minante (hegemônica)a compreensão da intervenção educacional. Se a sociedade é o resulta<strong>do</strong> dasoma de seus indivíduos, seguin<strong>do</strong> essa lógica, focamos a intervenção educacionalna transformação <strong>do</strong> indivíduo, já que soman<strong>do</strong> os indivíduos transforma<strong>do</strong>steremos como resulta<strong>do</strong> uma nova sociedade com seus problemassupera<strong>do</strong>s. Assim sen<strong>do</strong>, pode-se chegar a pensar que a educação é realmentetu<strong>do</strong>. Manten<strong>do</strong> a lógica simplista e reducionista, concebemos o indivíduode forma fragmentada e autônoma - isola<strong>do</strong>, sem relação, sem influência <strong>do</strong>to<strong>do</strong>. Sua parte da razão se sobrepõe (<strong>do</strong>mina) às demais dimensões <strong>do</strong> serhumano e, ao aplicarmos isso no processo educativo, teremos o pre<strong>do</strong>míniode uma Educação, e a Ambiental em particular, centrada na transmissão deconhecimentos ecologicamente corretos; a “educação bancária” de PauloFreire. O que se espera com isso é que o indivíduo ao receber esses conhecimentos,utilize da razão para <strong>do</strong>minar comportamentos inadequa<strong>do</strong>s e seauto-transforme em um indivíduo ecologicamente correto e, com o tempo,quan<strong>do</strong> tivermos muitos destes indivíduos soma<strong>do</strong>s, teremos uma nova sociedade;ou seja, de grão em grão a galinha enche o papo. Será tão simplesassim? Se assim fosse já estaríamos próximos de uma sociedade sustentável,pois hoje a grande maioria da população <strong>do</strong> planeta já sabe sinceramente que192


é importante a preservação da natureza e, no entanto, a natureza nunca foi tãodegradada como nos dias de hoje.A Educação Ambiental ao reproduzir esta lógica <strong>do</strong>minante estaráescorregan<strong>do</strong> em uma “casca de banana”, que denominei de “ArmadilhaParadigmática” (2004), em que a limitação em compreender uma realidadecomplexa, por apoiar-se no paradigma da disjunção (Morin), provoca umaincapacidade discursiva para lidar com a complexidade das questões ambientais.De forma recíproca, a incapacidade de falar da complexidade <strong>do</strong>real, provoca a manutenção de uma compreensão limitada sobre ele. Quan<strong>do</strong>limita<strong>do</strong>s por uma compreensão de mun<strong>do</strong> que espelha a racionalidadehegemônica, isso tende a gerar práticas incapazes de fazer diferente <strong>do</strong>“caminho único” prescrito por essa racionalidade, manten<strong>do</strong> a hegemonia.As práticas resultantes subordinadas a esta armadilha paradigmática, pornão perceber (estar inconsciente), tendem a reproduzir o fazer pedagógicoda Educação tradicional (faz-se porque sempre foi assim), sufocan<strong>do</strong> aperspectiva crítica e criativa no processo pedagógico. Desta forma reproduzseuma Educação Ambiental, que em sua intervenção educacional adquirecaráter conserva<strong>do</strong>r por não estar apta a transformar esta realidade.Educação não é tu<strong>do</strong>, mas sem ela nada se transformaTransforma desde que estejamos comprometi<strong>do</strong>s com seu carátercrítico e emancipatório. Romper com a perspectiva de que “de grão em grãoa galinha enche o papo” como sen<strong>do</strong> única, passa pela aceitação de que a intervençãoeducacional se dá também no “tu<strong>do</strong> junto ao mesmo tempo agora”.Essa é uma “abordagem relacional” (Moraes, 2003) que fundamenta açõespedagógicas baseadas no estu<strong>do</strong> das relações 46 , para a criação de condiçõesque contribuam para a construção de um conhecimento integra<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,consideran<strong>do</strong> a complexa rede de conexões <strong>do</strong>s seus componentes físicoquímicos,biológicos, socioeconômicos e culturais.Romper com visões simplistas e reducionistas, que olham para osfenômenos buscan<strong>do</strong> interpretá-los encaixan<strong>do</strong>-os em uma lógica mecanicistae linear, é estar consciente da influência <strong>do</strong>minante <strong>do</strong>s paradigmasna visão de mun<strong>do</strong> individual e coletiva historicamente construída na/dasociedade moderna. Mas só saber isso pelo uso da razão é insuficiente, éreduzi<strong>do</strong> e simplista também. É preciso, como intervenção educacional,a construção de um ambiente educativo 47 de conscientização, que vá dadenúncia à compreensão-construção de uma realidade socioambiental em suainteração de duas causas provoca um efeito total maior <strong>do</strong> que a soma <strong>do</strong>s efeitos das duas , agin<strong>do</strong>separadamente. Por extensão, qualidade de qualquer fenômeno no qual um to<strong>do</strong> é mais ativo, eficiente193


complexidade. Conscientização como sen<strong>do</strong> um processo <strong>do</strong> indivíduo, masna relação com o outro, em que o que está interioriza<strong>do</strong> pela razão e emoção,na consciência, se exterioriza pela ação refletin<strong>do</strong> essa interioridade. É aconsciência em ação – conscientização. Separarmos razão e emoção, teoriae prática, reflexão e ação, dicotomizan<strong>do</strong> estas dualidades sem relacioná-lasé estarmos presos à armadilha paradigmática.Uma forma de construirmos esse ambiente educativo de conscientização,causa<strong>do</strong>r de rupturas na ordem estabelecida, é promoven<strong>do</strong> a reflexãocrítica que se dá pela práxis segun<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> Freireano, “que implica a açãoe a reflexão <strong>do</strong>s homens sobre o mun<strong>do</strong> para transformá-lo” (Freire, 1992).Nesta perspectiva dialética/dialógica de compreender o real, o indivíduose transforma transforman<strong>do</strong> a sociedade e, reciprocamente, na sociedadeem transformação, o indivíduo se transforma, isso supera (sem negar) aidéia de que a sociedade é o resulta<strong>do</strong> da soma de seus indivíduos, em quepara transformá-la temos que primeiro transformar os indivíduos. Na compreensãoda/na sociedade moderna prevalece a concepção de que “de grãoem grão a galinha enche o papo”; ou seja, 1+1=2. Na perspectiva dialética(Marx)/dialógica (Freire) <strong>do</strong> pensamento complexo (Morin) é “tu<strong>do</strong> juntoao mesmo tempo agora”, em que na interação <strong>do</strong> 1 com o 1 temos um resulta<strong>do</strong>maior que 2, porque na interação das partes-to<strong>do</strong> em sua complexidadepodemos gerar sinergia 48 .Uma intervenção educacional crítica e emancipatória assume suadimensão política. É uma Educação Ambiental comprometida com a transformaçãoda realidade rumo a sutentabilidade socioambiental e percebe oambiente educativo como movimento, mas um movimento aderi<strong>do</strong> ao darealidade socioambiental, onde se contextualiza. Essa adesão é que possibilitaà intervenção educacional transformar a realidade socioambientale isso se dá por uma práxis educativa (reflexão-ação) que potencializa aação cidadã de sujeitos individuais e coletivos que resistem ao caminhoúnico imposto pela racionalidade <strong>do</strong>minante. O que pode promover essaresistência 49 capaz de transformar uma realidade, como uma força contrahegemônica, é o movimento coletivo conjunto, entendi<strong>do</strong> não apenas comoa soma de indivíduos forman<strong>do</strong> um coletivo (1+1=2), mas entenden<strong>do</strong> tameprodutivo <strong>do</strong> que a soma de suas partes.” (Lima e Silva et al, 1999.)49Resistência entendida no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> movimento dialético, em que ao se opor a antítese a uma teseproduz-se uma síntese, resultan<strong>do</strong> em uma realidade qualitativamente transformada.50“O que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, maso seu pensamento-linguagem referi<strong>do</strong> à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a suavisão de mun<strong>do</strong>, em que se encontram envolvi<strong>do</strong>s seus ‘temas gera<strong>do</strong>res’.” (Freire, 1992).51“Com um mínimo de conhecimento da realidade, podem os educa<strong>do</strong>res escolher alguns temas básicosque funcionariam como ‘codificações de investigação’. Começariam assim o plano com temasintrodutórios, ao mesmo tempo que iniciariam a investigação temática para o des<strong>do</strong>bramento <strong>do</strong>programa, a partir destes temas”. (Freire, 1992)194


ém que um indivíduo com (em interação) outro, constitui um conjunto emmovimento que é gera<strong>do</strong>r de sinergia (1 com 1 > 2). Essa força de resistênciasignificativa é que pode mudar o curso da história pela práxis de sujeitosindividuais e coletivos.Essa intervenção educacional rompe com o foco na particularização/individualização e se abre para a vivência de que a Educação se dá na relação<strong>do</strong> um com o outro, <strong>do</strong> um com o mun<strong>do</strong>. Estimula a renúncia ao que estáestabeleci<strong>do</strong> e não deve ser reproduzi<strong>do</strong> e predispõe ao ousar para a construção<strong>do</strong> novo, da construção de utopias no senti<strong>do</strong> freireano <strong>do</strong> “inédito viável”.To<strong>do</strong>s esses princípios educativos de intervenção podem ancorar e estarancora<strong>do</strong>s por propostas de ações interdisciplinares em educação ambiental,quan<strong>do</strong> estas se propõem a promover a atitude interdisciplinar (Fazenda,1993), com abertura ao outro e ao diálogo. Essa é uma estratégia de ação que,na sua perspectiva relacional, busca superar as fronteiras disciplinares e <strong>do</strong>sdiferentes saberes, construin<strong>do</strong> um conhecimento amplia<strong>do</strong> e mais complexoda realidade, para que a intervenção educacional esteja apta a transformá-la.Visto assim, a intervenção educacional pode ser concretizada na forma deprojetos de intervenção comunitária, em que as meto<strong>do</strong>logias participativasse coadunam com os princípios aqui apresenta<strong>do</strong>s e seus atores são dinamiza<strong>do</strong>ressociais que buscam ampliar a participação <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> social, atravésde uma mobilização que coloque a ação em movimento.Parou por que? Por que parou?Nessa concepção a intervenção educacional é um movimento numaperspectiva relacional de transformações individuais e coletivas. Avaliar aefetividade desta intervenção é perceber se esse movimento está em curso.Gutierrez (1999) nos diz que “educar-se é impregnar de senti<strong>do</strong> as práticasda vida cotidiana”. Perceber a construção de novos senti<strong>do</strong>s na transformaçãodas práticas cotidianas é um importante indica<strong>do</strong>r deste processo.A existência de uma práxis educativa (como categoria de análise) queé relacional demonstra a coerência a esta concepção de intervenção educacional.Uma teoria que não se volta para subsidiar uma prática pedagógica,ou uma prática pedagógica que não alimente uma elaboração teórica; umareflexão descontextualizada da ação é “bla, bla, bla”, assim como uma açãosem reflexão (como muitos projetos de lixo/reciclagem em Educação Ambiental)é “ativismo”, como dizia Freire; o isolamento de uma intervençãolocalizada sem relacioná-la com um entorno mais amplo é romper com aperspectiva da interação local-global-local (como na educação trancada195


dentro <strong>do</strong>s muros escolares); to<strong>do</strong>s esses indicativos de dicotomização,parcialização, reduzin<strong>do</strong> e simplifican<strong>do</strong> o processo apontam para que acomplexidade <strong>do</strong> movimento parou. E se parou, parou por que? A atitudecrítica passa pela permanente avaliação <strong>do</strong> processo educativo na dimensãoindividual, coletiva e na interação destes.A gente não quer só comida, queremos o que?A intervenção educacional pode ser concretizada em intervençõesna realidade socioambiental local, através de projetos pedagógicos em umaperspectiva freireana. Neste senti<strong>do</strong>, o projeto é uma oportunidade de se criarum movimento no cotidiano de inserção crítica <strong>do</strong>s atores. O projeto é umdesafio que se coloca para, ao entender a realidade, procurarmos enfrentaros problemas transforman<strong>do</strong> a realidade e a nós, reciprocamente.O Projeto, como uma prática participativa e problematiza<strong>do</strong>ra, que seestabelece no cotidiano, tem como seu ponto de partida a realidade local, ocotidiano. É nessa realidade que se buscará, pela investigação, o “universotemático”; mas que seja uma “temática significativa” para os que participam<strong>do</strong> processo, não o tema escolhi<strong>do</strong> por técnicos, especialistas, professor,diretor ou projetos fecha<strong>do</strong>s de órgãos públicos, ong’s e empresas. Nessainvestigação é que surgem os “temas gera<strong>do</strong>res” 50 de uma realidade, que“não lhes apareça como algo fatal e intransponível, mas como uma situaçãodesafia<strong>do</strong>ra, que apenas o limita” (Freire, 1992), para que não gere umapassividade diante de um sentimento de impotência. É perceber a realidadecomo uma construção histórica, “por isso mesmo, capaz de ser transformadapor eles.” (Idem).Essa é a etapa <strong>do</strong> diagnóstico que subsidia o plano de ação em quese pensará as estratégias pedagógicas para se trabalhar os temas gera<strong>do</strong>res.Nesses temas se encontrarão contempla<strong>do</strong>s os problemas socioambientaislocais, mas contextualiza<strong>do</strong>s em uma realidade global. Assim se partepara a execução das atividades planejadas, com o intuito de se inserir nomovimento de transformação da realidade socioambiental. É fundamentala participação de to<strong>do</strong>s em todas as etapas <strong>do</strong> processo (tradicionalmente, aparticipação se restringe à execução de tarefas) para que haja um sentimentode pertencimento às ações realizadas.Como ressaltamos, o fazer diferente requer esforço, já que não éespontâneo, preso à armadilha paradigmática, e o planejamento de projetos52Esta expressão, proposta inicial de título para o presente livro, inspirou este texto que foi desenvolvi<strong>do</strong>a partir de análises sugeridas por diferentes senti<strong>do</strong>s que poderiam ser atribuí<strong>do</strong>s ao significa<strong>do</strong> dareferida expressão, estruturan<strong>do</strong> o argumento nele constituí<strong>do</strong>.53Seguin<strong>do</strong> Piaget (1968), um ato de consciência está sen<strong>do</strong> entendi<strong>do</strong> como um ato de significação,196


em Educação Ambiental faz parte desse esforço de superação <strong>do</strong> ativismoque vem pre<strong>do</strong>minan<strong>do</strong>.Uma técnica relatada por Guerra (2004) que pode contribuir noplanejamento de projetos de intervenção educacional é o “Mapa Falante”,utiliza<strong>do</strong> para auxiliar no levantamento de da<strong>do</strong>s e questões que irão aceleraras discussões sobre meio ambiente em sua comunidade.A técnica consiste em fazer um registro gráfico, em uma grande folhade papel, de uma determinada área, para que possamos discutir a sua melhorgestão – conservação, utilização, etc. O espaço em questão pode ser a escola,seu entorno, uma rua, uma praça, uma comunidade, enfim, o objeto de estu<strong>do</strong>terá a sua dimensão relacionada ao interesse <strong>do</strong> grupo envolvi<strong>do</strong>. O trabalhodeverá ser feito em grupos e é interessante que tenhamos mais de um grupoconstruin<strong>do</strong> o mapa de uma área, pois quanto maior for o número de pessoasenvolvidas na sua confecção, mais ricas serão as representações.É importante destacar que, ao iniciarmos um trabalho de estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>meio, há uma tendência das pessoas de só apontarem pontos negativos.Porém, as comunidades não se resumem a problemas. Nelas encontramosexperiências positivas e muitas potencialidades a serem discutidas e/oudesenvolvidas. Além disso, por meio das discussões que ocorrem durantea elaboração <strong>do</strong> mapa, grande parte da história da comunidade vai sen<strong>do</strong>resgatada.Quanto maior for o número de informações, mais aprofunda<strong>do</strong> será oconhecimento da realidade. Além das informações obtidas, o mapa falantepossibilita uma visão espacial da área em questão, o que muitas vezes faltaaos atores.Após a confecção <strong>do</strong>s mapas pelos grupos, cada um deverá fazer umaapresentação <strong>do</strong> seu aos demais. Ao final <strong>do</strong> processo, as questões comunitáriasmais significativas devem ser destacadas para serem trabalhadas– os critérios para definição da questão mais significativa/prioritária quefuncionará como eixo temático ou tema gera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> projeto, serão defini<strong>do</strong>spelo grupo – e o mapa poderá ser afixa<strong>do</strong> em um espaço, para que possamoster as questões de interesse sempre facilmente visualizadas e listadas emordem de prioridade para serem desenvolvidas em um projeto com duraçãoe meto<strong>do</strong>logia a serem defini<strong>do</strong>s pelo grupo.Neste tipo de atividade surgem também conceitos e noções importantespara a compreensão das questões ambientais pelos atores e suas práxis conseqüentes.Compreender os embates hegemônicos que constituem a realidadeem sua complexidade é perceber, entre outros, “a junção de conceitos quelutam entre si” (Morin, 1999). Desta forma, seria interessante, como um <strong>do</strong>s197


primeiros passos desse caminhar crítico, trabalhar a construção conceitual apartir de alguns conceitos/noções, entendi<strong>do</strong>s como “temas introdutórios” 51 ,minimamente: meio ambiente; problemas ambientais; desenvolvimento sustentável;cidadania. “Na proporção em que discutem ..., vão explicitan<strong>do</strong> seunível de consciência da realidade, no qual estão implícitos vários temas. Vãoreferin<strong>do</strong>-se a outros aspectos da realidade, que começa a ser descoberta emuma visão crescentemente crítica. Aspectos que envolvem também outrostantos temas.” (Freire, 1992). Com a problematização das questões, novostemas vão surgin<strong>do</strong> <strong>do</strong> próprio grupo em formação e, no processo conjuntode reflexão crítica, será possível tecer uma rede de conceitos/noções (quepode ser visualiza<strong>do</strong> no quadro negro/painel), inter-relacionan<strong>do</strong>-os e apresentan<strong>do</strong>os nexos conti<strong>do</strong>s, que explicitam seus senti<strong>do</strong>s ao vislumbrarmosuma totalidade mais complexa. Denomino essa atividade de “tecen<strong>do</strong> a redecomplexa <strong>do</strong> conhecimento”, que busca trabalhar a limitação compreensivae a incapacidade discursiva (armadilha paradigmática), elaboran<strong>do</strong> novossenti<strong>do</strong>s, provoca<strong>do</strong>ra de uma prática diferenciada, que numa nova relaçãocom o mun<strong>do</strong> se abre para novas percepções, alimentan<strong>do</strong> a reflexão-açãonuma práxis <strong>do</strong> processo de conscientização.Para ir mais fun<strong>do</strong>CARVALHO, I.C. de M. Educação ambiental: a formação <strong>do</strong>sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2004.FAZENDA, I.C.A. (Org.). Práticas interdisciplinares na escola.2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.FREIRE, P. Pedagogia <strong>do</strong> oprimi<strong>do</strong>. 20 ed. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1992.GUERRA, F. Educação Ambiental, escola e transformação darealidade. In: Cadernos de fundamentação em educação ambiental.Ciclos Consultoria Ambiental. Fundação Vale <strong>do</strong> Rio Doce,2004. (Impresso)GUIMARÃES, M. A formação de Educa<strong>do</strong>res Ambientais.Campinas: Papirus, 2004GUTIÉRREZ, F.; PRADO, C. Ecopedagogia e cidadania planetária.São Paulo: Cortez, 1999.LOUREIRO, C.F.B.; LAYRARGUES, P.P.; CASTRO, R.S. de.situa<strong>do</strong> portanto na esfera cognitivo-intelectual sem considerar as dimensões afetivas a ele subjacentes.54Fordismo é o nome atribuí<strong>do</strong> à combinação de normas de produção, normas de consumo e instituiçõesregula<strong>do</strong>ras que asseguraram o crescimento prolonga<strong>do</strong> das economias ocidentais nos trinta198


(Org.). Educação Ambiental: repensan<strong>do</strong> o espaço da cidadania.São Paulo: Cortez, 2002.MORAES, E.C. de. Abordagem relacional: uma estratégia pedagógicapara a educação científica na construção de um conhecimentointegra<strong>do</strong>. Anais, IV ENPEC, 2003.MORIN, E. Os sete saberes necessários a educação <strong>do</strong> futuro.São Paulo: Cortez, 2000._____. Ciência com consciência. 3. ed. Rio de Janeiro: BertrandBrasil, 1999.199


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INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL: Desvendan<strong>do</strong>o sujeito histórico e desvelan<strong>do</strong> os fundamentosda educação ambiental críticaEda T. de O. Tassara & Omar ArdansPalavras-chave: ação comunicativa; arqueologia virtual <strong>do</strong> presente; autocrítica;conhecimento histórico; cooperação; emancipação; identidade;maiêutica.Educar e socializar, em muitos aspectos, têm o mesmo significa<strong>do</strong>.Educar significa atuar nos processos socializa<strong>do</strong>res de indivíduos e grupos,influin<strong>do</strong> sobre as possíveis configurações que emergirão destas ações educativo-socializa<strong>do</strong>ras– os sujeitos a serem constituí<strong>do</strong>s por este agir educativo.Os atributos de tais sujeitos poderão corresponder ou não, em sua totalidadeou parcialidade, àqueles imagina<strong>do</strong>s como atributos desejáveis pelos agentessocializa<strong>do</strong>res nas suas ações educativas. Ou seja, o agir educativo podeser mais ou menos eficaz na produção de um sujeito tal como idealiza<strong>do</strong>pelos agentes, atores ou instituições educa<strong>do</strong>ras. Se o processo socializa<strong>do</strong>rincorpora em sua busca aspectos socioambientais, pode-se denominá-lo de“educação ambiental”.Nesse senti<strong>do</strong>, o que poderia vir a significar “desvendan<strong>do</strong> princípiosda perspectiva crítica da Educação ambiental crítica” 52 , em termos de suasbuscas de influência sobre sujeitos de linguagem e de ação? Para elucidaresta questão tem-se que esclarecer o que se entende por “desvendan<strong>do</strong>princípios” e o que se entende, ainda, por “educação ambiental crítica”.G. Agamben (2003) afirma que a uma imprecisão terminológicacorresponde pontualmente uma imprecisão conceitual, concluin<strong>do</strong> que aterminologia é o momento propriamente poético <strong>do</strong> pensamento e, portanto,escolhas terminológicas nunca são neutras. A escolha de um termo, ou deuma expressão, implicaria em uma tomada de posição quanto à natureza<strong>do</strong> que se pretende investigar conceituan<strong>do</strong> e à lógica mais adequada parafundamentar compreensões subjacentes ao ato de conceituação.A expressão “desvendan<strong>do</strong> os princípios da perspectiva crítica da EducaçãoAmbiental” como uma totalidade, <strong>do</strong> ponto de vista de sua estruturaanos que se seguiram ao pós-II Guerra Mundial. A produção e o consumo de massas – ou seja, emescalas elevadas - juntamente com a elevada intensidade de uso de energia fóssil estão entre suascaracterísticas básicas.203


lógica, sugere diferentes significações. Ou seja, pode ser interpretada atravésde diversos significa<strong>do</strong>s constituin<strong>do</strong>-se em uma expressão polissêmica.Identificar os significa<strong>do</strong>s consiste em ato intelectual <strong>do</strong> desvelar.Desvelar significa retirar o véu, aquilo que oculta fatos, objetos eações expressos em palavras, imagens, senti<strong>do</strong>s e interpretações que os comunicam.Significa, portanto, um exercício de identificação de significa<strong>do</strong>satravés de processos de pensamento que visam esclarecer como os mesmos(os significa<strong>do</strong>s) fundamentam subseqüentes explicações sobre a produçãoe a interpretação de suas determinações. Ou seja, significa inter-relacionar(no pensamento) línguas, linguagens, pensamentos, lógicas e Lógica noperscrutar <strong>do</strong>s véus que obnubilam a atribuição de significa<strong>do</strong>s.Véus, delimitan<strong>do</strong> cenários, transformam imagens que ocultam emmiragens, esmaecen<strong>do</strong>-as, permitin<strong>do</strong> apenas vislumbrá-las, instigan<strong>do</strong> àpercepção de seus contornos e cores e, ao mesmo tempo, geran<strong>do</strong> a ilusão deque as imagens visualizadas são “a realidade”. Não permitem, portanto, queo alimento de buscas persistentes de esclarecimento atue sobre o pensamentoretiran<strong>do</strong> o mistério que envolve o objeto. Dessa forma, objetos “vela<strong>do</strong>s”são obstáculos à constituição <strong>do</strong> conhecimento. Isto significa que reduzir ocaráter onírico e fugidio com que o objeto vela<strong>do</strong> se apresenta ao sujeito <strong>do</strong>conhecimento é condição necessária, embora não suficiente, para o conhecimento.Portanto, o ato de desvelar significa a constituição de um conhecimentoapoia<strong>do</strong> sobre uma filologia da polissemia de termos para conduzira uma conceituação esclarecida <strong>do</strong>s mesmos – um pré-requisito essencial,um ato intelectual, um processo de pensamento que, na tradição metódica<strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s humanísticos, é considera<strong>do</strong> fundamental para propiciar umasubseqüente comunicação intersubjetiva competente.Se desvelar, como já foi dito, significa retirar o mistério <strong>do</strong> objeto,desvendar significa, em contraposição, tirar a venda <strong>do</strong>s olhos <strong>do</strong> sujeitoque o observa. Isto posto, pode-se concluir que a práxis lingüística, ao nãoreconhecer diferenças de significa<strong>do</strong> entre os <strong>do</strong>is termos, já se apresentacomo um véu oculta<strong>do</strong>r de uma relevante oposição semântica no que serefere ao acesso ao conhecimento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.O indivíduo pode ser analisa<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> o substrato de três componentes– a psicológica (caracterizada por sua ontogênese), a psicossocial(resultante <strong>do</strong>s processos de sua socialização) e a gnosiológica (ou <strong>do</strong> conhecimento- as diferentes manifestações de possibilidades gnosiológicasestão incluídas nesta categoria “<strong>do</strong> conhecimento” situan<strong>do</strong>-se, entre elas,a epistêmica, referente ao conhecimento deriva<strong>do</strong> da norma de produçãocultural erudita, ou seja, <strong>do</strong> pensamento teórico-científizante).204A Educação Ambiental é um opera<strong>do</strong>r que deve transformar indi-


víduos em sujeitos compatíveis com o sujeito idealiza<strong>do</strong> pela teoria quesustenta a própria educação ambiental. Para uma educação comprometidacom ideologias que preconizam a valorização da diversidade (social,política, de discursos, de filiação histórico-teórica na tradição, de raízeshermenêuticas <strong>do</strong>s conceitos, de formas de entendimento) e da cooperaçãoentre os indivíduos no grupo e entre os grupos (com horizontalidade de podernas decisões e autonomia na organização e gestão das ações coletivas), osindivíduos em processo educativo deverão necessariamente conviver coma diversidade, compartilhan<strong>do</strong> experiências de maneira associativa. Assim,<strong>do</strong> ponto de vista lógico, tais indivíduos, coloca<strong>do</strong>s, pelos procedimentoseducativos frente à diversidade e à cooperação, deveriam necessariamentehistoricizar seus processos pregressos de socialização, conscientizan<strong>do</strong>-sesobre suas específicas circunstâncias vitais e socioambientais. O sujeitoemergente deste processo é o sujeito histórico.Ao la<strong>do</strong> deste sujeito, poderá se constatar, também, a presença deindivíduos refratários, por seus limites cognitivos e/ou psicológicos, a essatransformação. Seriam, por assim dizer, “ingênuos” frente a uma possívelhistoricização de sua própria história, em contraposição com o sujeitohistórico oriun<strong>do</strong> <strong>do</strong> encontro cooperativo com a diversidade, necessariamenteautônomo na afirmação de sua especificidade histórica.Nesses termos, ao não separar os véus <strong>do</strong> objeto (mun<strong>do</strong>) das vendas<strong>do</strong> sujeito (olhar), o emprego (pragmática) indiferencia<strong>do</strong> entre o desvendare o desvelar constitui-se em obstáculo frente à referida conscientização, pois,impede a manifestação <strong>do</strong> sujeito gnosiológico (<strong>do</strong> conhecimento); a operação<strong>do</strong> filtro ideológico e, portanto, a ação <strong>do</strong> sujeito no nível psicossocial;e, também, a emergência <strong>do</strong> sujeito no nível psicológico, pela repressão <strong>do</strong>protagonismo ético-político.Sob tal perspectiva, o conhecimento consistiria em uma interaçãodialética entre o sujeito e o objeto <strong>do</strong> conhecimento (A<strong>do</strong>rno, 1969) que,em reciprocidade, se constroem. Construin<strong>do</strong> méto<strong>do</strong>s e objetos, metamorfoseia-sea interação entre sujeito e objeto, transforman<strong>do</strong>-os ad infinitum,significan<strong>do</strong> que esta construção – o conhecimento historiciza<strong>do</strong>, traz imanentea destruição <strong>do</strong> objeto pregresso <strong>do</strong> conhecimento. Com base nestasconsiderações, um fato social resultaria sempre, para o sujeito, em umadinâmica interação entre olhares e o mun<strong>do</strong>, implican<strong>do</strong> que conhecer passea significar operar conscientemente 53 desvelamentos e desvendamentos, emum processo ininterrupto de metamorfoses, simultaneamente construtivo e55O Clube de Roma é a instituição que encomen<strong>do</strong>u o Relatório de pesquisa que tomou o nome de Limitesao Crescimento que, no início <strong>do</strong>s anos 1970, simulava as perspectivas futuras da economia mundial,apontan<strong>do</strong> os riscos de crise <strong>do</strong> capitalismo por carência de insumos materiais e energéticos.205


destrutivo. (W. Benjamin apud Canevacci, 1993, p. 18).Retoman<strong>do</strong> a análise da expressão que deu início ao presente texto(v. nota 1), consiste, a mesma, em pré-requisito para a delimitação de umcampo semântico capaz de, pelo aumento da precisão de seu significa<strong>do</strong> intersubjetivocompartilha<strong>do</strong>, constituir-se em núcleo eletivo para fundamentarlinguagem e ação orquestradas na direção de um protagonismo histórico-social– um movimento de atores sociais participantes na busca de construçãooriginal de novas e/ou transformadas configurações <strong>do</strong> sócio-ambiente, davida social: novas e/ou transformadas interações humanas no espaço social,físico, geográfico, político, cultural, filosófico e pedagógico.Tal como proposto por Milton Santos e referi<strong>do</strong> por Aziz Ab´Saber,ambiente pode ser defini<strong>do</strong>, de forma sintética, como “a organização humanano espaço total que compreende to<strong>do</strong>s os fragmentos territoriais queo compõem”. (Santos, 1982; Ab´Saber, 2002, 2004) A amplitude de suadefinição coloca os limites <strong>do</strong> ambiente em suas inter-relações no planeta esuas determinações na história, plural e multi-referenciada. Ou seja, o ambienteconfigura-se mediante processos que inter-relacionam a totalidade deelementos componentes da história natural, humana e política na ocupaçãoda terra, condiciona<strong>do</strong>s, por sua vez, e condicionantes da geografia física,humana e política.Cada instante destas inter-relações produz um momento específico<strong>do</strong> ambiente, em uma dinâmica ininterrupta na qual se inscreve a açãohumana. Supor que o ambiente é a organização humana no espaço total,pressupõe o caráter arbitrário de sua produção, produção esta condicionadapela geografia <strong>do</strong> presente em relação à qual as ações humanas (ouas intervenções) constroem as geografias futuras. Se esta produção podeser pensada no senti<strong>do</strong> de sua determinação voluntária, então esta questãoconsiste em uma complexa inter-relação de dimensões teóricas, técnicas,filosóficas, éticas e políticas.Ao introduzirem em sua definição o espaço total, os referi<strong>do</strong>s geógrafosinscrevem esta possibilidade nos limites <strong>do</strong> planeta, ou seja, nosistema-mun<strong>do</strong>. Portanto, cumulativamente, a assunção de tal conceituaçãopara o ambiente implica no seu caráter socioambiental e envolve a complexaabrangência de inter-relações entre forças locais (que definem geografias territoriaislocais) e seus limites técnicos, políticos e geopolíticos, configuran<strong>do</strong>um sistema de análise de problemáticas ambientais. Neste quadro, tornamse,então, inseparáveis, embora distinguíveis, as categorias de ambienteconstruí<strong>do</strong>, ambiente natural, forças locais e forças globais. Dessa forma,o socioambiente resulta, em cada instante, das possibilidades políticas etécnicas de construção da geografia planetária, apesar de que circunscritas206


aos <strong>do</strong>mínios territoriais. Em síntese, ambiente é, para nós, geografia emprocesso político, coletivo e participativo, de construção histórica.Na leitura da referida expressão em análise aponta-se, ainda, namesma, para o particípio presente <strong>do</strong> verbo desvendar, o qual estrutura seusenti<strong>do</strong> acoplan<strong>do</strong>-o ao atrator “educação ambiental”; o alvo <strong>do</strong> “desvendan<strong>do</strong>”é, portanto, o objeto <strong>do</strong> desvendar. O particípio presente, derivan<strong>do</strong><strong>do</strong> gerúndio latino, é uma forma verbal que, concomitantemente com adesignação de uma ação no presente, transfere ao significa<strong>do</strong> desta açãouma conotação de atemporalidade permanente. “Desvendan<strong>do</strong>”, portanto,significa, a permanência <strong>do</strong> ato <strong>do</strong> esclarecimento <strong>do</strong> olhar <strong>do</strong> sujeito queobserva os objetos (a serem) desvela<strong>do</strong>s.No entanto, na expressão em análise, o ato de desvendar se qualificapelo substantivo “princípios”, comprometen<strong>do</strong> a ação de desvendar comuma forma de conhecimento, o conhecimento teórico-científico. Sob talnorma, conhecer significa criticar argumentos valida<strong>do</strong>s constituintes deuma demonstração. Demonstrar, por sua vez, significa comprovar atravésde argumentos julga<strong>do</strong>s pertinentes, construí<strong>do</strong>s a partir de princípios cujaverdade é verificada pela propriedade <strong>do</strong> emprego da língua na representação<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> real. Significa, portanto, desenvolver uma linguagem queopere a língua de forma a conciliar significa<strong>do</strong>s, nela compartilha<strong>do</strong>s, comraciocínios que os inter-relacionem e a leitura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, consistentes noinstante da própria demonstração. Este é um méto<strong>do</strong> intelectual de críticaque caracteriza o méto<strong>do</strong> lógico da ciência moderna. Por outro la<strong>do</strong>, na expressãoem análise, o termo crítica também qualifica o objeto <strong>do</strong> desvendar– uma “perspectiva crítica da educação ambiental”. Será que o significa<strong>do</strong><strong>do</strong> termo crítica, implícito no desvendamento de princípios, é o mesmoque subjaz ao senti<strong>do</strong> a ele atribuí<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se designa uma determinadaperspectiva da educação ambiental como crítica?Do ponto de vista <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> lógico, característico <strong>do</strong> pensamentoteórico-científico, como já referi<strong>do</strong>, crítica significa o questionamento deverdades. No entanto, verdades argumentativas constituem-se em conclusõesvalidadas através de demonstrações lógicas, o que implica em que, criticálas,significa questionar a semântica com a qual as asserções, neles contidas,podem ser ou foram julgadas verdadeiras ou falsas. Desta forma e sob talperspectiva, significa desvelar significa<strong>do</strong>s, aumentan<strong>do</strong>, através de análiseshistórico-filológicas, o rigor <strong>do</strong> emprego terminológico. Significa aindaaumentar a precisão, através de exercícios histórico-hermenêuticos, dasdefinições subjacentes aos conceitos a eles correspondentes. Nesse senti<strong>do</strong>,criticar significa desvendar desvelan<strong>do</strong> os objetos-substrato das semânticasoperadas nas validações de demonstrações argumentativas. Esta forma decrítica produz um conhecimento histórico sobre o processo civilizatório no207


qual se inscreve.Em se tratan<strong>do</strong> de argumentos, no entanto, manifesta-se uma outraforma de crítica, aquela que consiste no questionamento das verdades quesubjazem aos pressupostos que sustentam as conclusões validadas pelasdemonstrações que os compõem (os argumentos); ou seja, a crítica de seusprincípios. Isto significa que o conhecimento cresce tanto pela relação entreas premissas e as conclusões nos argumentos, quanto pela caducidade dasverdades produzida pela negação da validade <strong>do</strong>s princípios que se constituíramna base de sustentação <strong>do</strong>s argumentos. Essa caducidade, produtoda crítica de princípios, permite a expansão das fronteiras <strong>do</strong> conhecimentoteórico-científico, para além <strong>do</strong>s argumentos critica<strong>do</strong>s, ad infinitum.Com base no já exposto e em analogia com o pensamento platônicosocrático,pode-se concluir que o conhecimento consiste em uma interaçãoentre atos de desvendar e desvelar. O méto<strong>do</strong> intelectual de crítica, comoforma de conhecimento, consistiria em uma interação dinâmica entre o pensarcorreto, defini<strong>do</strong> em função da propriedade <strong>do</strong> emprego terminológico(pedagogicamente emula<strong>do</strong> pela maiêutica, segun<strong>do</strong> proposto por Sócrates)e os argumentos gera<strong>do</strong>res de induções lógicas (dialética socrática). ParaSócrates, o pensar correto teria que ser produzi<strong>do</strong> por uma ação externa,uma pedagogia dialógica, materializan<strong>do</strong>-se no procedimento maiêuticoaplica<strong>do</strong> em uma interlocução com o mun<strong>do</strong>, que para nós implica, também,em uma leitura condicionada ad hoc pela língua. Propõe-se assim umaforma de intervenção pedagógica comprometida com o diálogo na buscade emulação de um pensar correto. Uma intervenção que, se conduzida deforma sistemática e contínua, constituir-se-ia em processo socializa<strong>do</strong>r eportanto, de forma derivada, em educacional.A análise lógica <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> da expressão “desvendar princípiosda perspectiva crítica da educação ambiental”, contu<strong>do</strong>, aponta ainda paraoutras duas possíveis interpretações, poden<strong>do</strong> significar: desvendar osprincípios que estruturariam uma crítica da educação ambiental ou desvelar(descobrir), através de um exercício de indução lógica, os princípiosque sustentariam uma escola de educação ambiental centrada sobre umaperspectiva crítica.No primeiro caso, significaria criticar as diversas perspectivas daeducação ambiental, cotejan<strong>do</strong> as características pedagógicas por elaspreconizadas com as dimensões semânticas, compon<strong>do</strong> a conceituação deeducação ambiental eleita e avalian<strong>do</strong>-se a compatibilidade entre princípios,argumentos e práticas por elas propostos. Poder-se-ia verificar que, destacrítica, resultariam conseqüências positivas para o aprimoramento <strong>do</strong> teordemocrático da vida social, principalmente no que se refere à explicitação208


das faces ideológicas que subjazem às pedagogias socializa<strong>do</strong>ras, definin<strong>do</strong>modelos idealiza<strong>do</strong>s de homem, de sociedade e de humanidade. Alémdisso, o conhecimento deriva<strong>do</strong> desta crítica consistiria, no mínimo, a partirda referida avaliação, em possibilidades de construção de um panoramahistórico das filosofias sociais e ideologias que as sustentam, presentes emuma dada configuração histórico-social; consistiria também, para os sujeitosda adesão a cada uma delas, em um instrumento eventualmente mobiliza<strong>do</strong>rde autocrítica e, portanto, possibilita<strong>do</strong>r de uma redução da alienação subjacenteàs escolhas não conscientes ou às razões desconhecidas da adesão.Contu<strong>do</strong>, traçar este panorama de forma exaustiva, como seria necessário,apresenta-se como tarefa de grande escala, fugin<strong>do</strong> às possibilidades dapresente análise, por ausência de elementos materiais e não-materiais queseriam necessários para tal. No segun<strong>do</strong> caso, a compreensão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>da qualificação “perspectiva crítica” referir-se-ia a uma abordagem críticada educação ambiental. Dessa forma, desvendar princípios transformar-se-iaem desvelar ou descobrir princípios que podem vir a sustentar coerentementeargumentos considera<strong>do</strong>s váli<strong>do</strong>s, por sua vez, sustenta<strong>do</strong>res da formulaçãocoerente de práticas a eles correspondentes e deles derivadas.O que significaria “uma perspectiva crítica da educação ambiental”,se for entendida como uma educação ambiental crítica?Já foi traça<strong>do</strong> um contexto para a compreensão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> termo“crítica” quan<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong> como caracterizan<strong>do</strong> um méto<strong>do</strong> de constituiçãode conhecimento. Implica nos procedimentos lógicos de questionamento deverdades nos argumentos. No entanto, como tradição intelectual, a críticapode ser inscrita em um panorama de análise que consistiria no questionamento<strong>do</strong>s processos constitutivos <strong>do</strong> pensamento hegemônico e de suareprodução ao longo da história da civilização ocidental. Consistiria aindana análise das relações desta reprodução e da <strong>do</strong>minação política, a partirde seu encontro com as diversidades culturais humanas, produtoras de suashistoricizações. Além disso, consistiria também na análise <strong>do</strong> processode <strong>do</strong>minação <strong>do</strong>s homens pela alienação provocada pelo seqüestro <strong>do</strong>conhecimento, impedi<strong>do</strong>r da crítica necessária à constituição autônoma <strong>do</strong>conhecimento e <strong>do</strong> protagonismo histórico <strong>do</strong> sujeito. Portanto, crítica, nestesenti<strong>do</strong>, conota-se se comprometen<strong>do</strong> com o objeto central <strong>do</strong> pensamentoda tradição denominada Teoria Crítica da Sociedade (Escola de Frankfurt),cujo núcleo de investigação é a alienação e, seu contrário, a emancipaçãohumana <strong>do</strong> processo de submissão ou de inclusão na <strong>do</strong>minação. Tal <strong>do</strong>minaçãosustenta-se necessariamente na impossibilidade, por ignorância ouimpedimento, da crítica <strong>do</strong> processo histórico-social no qual a mesma seinclui.209


No estu<strong>do</strong> das possibilidades de enfrentamento da alienação, torna-senecessário focalizar seus componentes: a positividade lógica (Caorsi, 1994),que subjaz à alienação política e a negatividade psicológica (Freud, 1925;Dor, 1988), que não permite a consciência <strong>do</strong> sofrimento gera<strong>do</strong> pela negação<strong>do</strong> estabeleci<strong>do</strong>, pela incapacidade de enfrentar o “núcleo <strong>do</strong>gmático-intuitivo<strong>do</strong> pensamento” (Habermas, 1981a). A primeira, aquilo que Caorsi(1994) chama de “positividade lógica”, diz respeito à origem da alienaçãona ausência de informações que nunca foram apresentadas ao sujeito; não háo não, inviabilizan<strong>do</strong> a negação. Isso é completamente diferente de o sujeitoestar sob a negação “freudiana” (Freud, 1925), situação de alienação quenão é produzida pela ausência <strong>do</strong> não, mas pela incapacidade <strong>do</strong> psiquismoem suportar o confronto com sua história, com sua identidade; uma formaalienada que não vem da ausência da informação, mas da impossibilidadede que esta opere no raciocínio <strong>do</strong> indivíduo. O resulta<strong>do</strong>, a alienação,é o mesmo, mas o processo de sua manifestação tem que ser enfrenta<strong>do</strong>tratan<strong>do</strong>-se diferencialmente <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is referi<strong>do</strong>s componentes que podemestar em permanente interação.Portanto, as ações pedagógico-educativas têm que se focar nos <strong>do</strong>isprocessos respeitan<strong>do</strong> suas propriedades específicas, requeren<strong>do</strong> práticas eprocedimentos fundamenta<strong>do</strong>s em critérios diferentes. O primeiro (sobrea positividade lógica) implicaria no oferecimento de informações a seremdisciplinadas por uma seleção de processos basea<strong>do</strong>s em critérios lógicos,pedagógicos e ideológicos. O segun<strong>do</strong> (a negatividade psicológica) implicariaem uma complexa configuração investigativa voltada, estrategicamente,para a construção de procedimentos capazes de produzir interações desbloquea<strong>do</strong>rasdessas mesmas negatividades. A operação de ambas dimensõesconstitui-se em intervenção psicossocial comprometida, porque necessária,com a busca da desalienação.Nesses termos, uma educação ambiental crítica deve significar aoperação de uma intervenção psicossocial, uma orquestração de ações(práticas pedagógico-educativas) expressan<strong>do</strong> linguagens estruturadaspara produzir esclarecimento emancipatório (em diante, emancipação)de sujeitos e grupos. Tal emancipação, por hipótese, é ao mesmo tempopossibilita<strong>do</strong>ra e dependente de uma crítica capaz de desvelar e desvendarargumentos, princípios, sintaxes e significa<strong>do</strong>s. Operar linguagens significasempre manipular retóricas, que podem ser comprometidas com a persuasãonas direções preconizadas pelas correspondentes pedagogias. Se a pedagogiatraz, em sua essência, a busca da emancipação crítica, ela implicanecessariamente na crítica contínua <strong>do</strong>s processos persuasivos através daexplicitação de seus propósitos e fundamentos (transparência). Como taispropósitos e fundamentos são sujeitos à caducidade produzida pela crítica,210


isto implica necessariamente, um caráter de sincero desejo de comunicaçãoentre discípulos e tutores, diluin<strong>do</strong> as fronteiras hierárquicas entre ambos(horizontalidade).Esta ação comunicativa (Habermas, 1981b), objetivan<strong>do</strong> a desinstrumentalizaçãode pré-conceitos e vieses ideológicos, requisito parauma condução democrática, não autoritária, de grupos, implica um compromissodialógico radical, no senti<strong>do</strong> de uma produção de interações emreciprocidade, avançan<strong>do</strong> no crescimento de conhecimentos gera<strong>do</strong>s pelatroca de visões, experiências e expressões – a intersubjetividade ilesa (idem,ibid.). Tal compromisso dialógico, portanto, traduz-se na horizontalidade<strong>do</strong> poder que, no entanto, não se confunde com homogeneização, face àsheterogeneidades de conhecimentos (gnosiológicas) e de capacidade críticade seus componentes. A busca de produção de uma situação de convíviosocial comprometida com a emancipação de seus membros, reveste-se deum compromisso dialógico horizontal transparente e volta<strong>do</strong> para a rupturade impedimentos psicológicos e eliminação de ausências cognitivas, ambosmantene<strong>do</strong>res da alienação que inviabiliza a crítica.A necessidade da implementação de intervenções psicossociais comprometidascom a busca de esclarecimento emancipatório, com o diálogo,com a horizontalidade e transparência <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> poder de informar eformar, transfere às instâncias condutoras das mesmas, um poder de determinaçãode processos transforma<strong>do</strong>res nas interações entre os membros <strong>do</strong>sgrupos e entre os indivíduos e a sociedade. O ideal de construção de espaçossociais de intersubjetividade ilesa traz como conseqüência que indivíduossitua<strong>do</strong>s nas instâncias condutoras e, portanto, no topo de relações hierárquicas,devam diminuir, entre as mesmas e demais instâncias participantes, seupoder de intervenção, eliminan<strong>do</strong> fronteiras entre lideranças (vanguardas) elidera<strong>do</strong>s, ao longo <strong>do</strong> processo de convívio intragrupos. Esta redução, nolimite auto-anulação <strong>do</strong> papel de vanguarda, implica na transformação <strong>do</strong>satores sociais participantes, em uma única categoria, sem anular as diferençashumanas entre eles. Essa categoria utópica seria a de sujeito histórico,protagonista de seu próprio processo emancipatório.<strong>Encontros</strong> humanos que se constituam em grupos de pensamento edecisão tal como os supradescritos e que, portanto, deverão ser capazes deproduzir linguagem e ação intersubjetiva comprometidas com pedagogiasemancipa<strong>do</strong>ras, são análogos às situações denominadas por Kurt Lewinde “laboratórios sociais” (Lewin, 1948). Tais laboratórios seriam estrutura<strong>do</strong>sde forma a facultar interações orientadas pela busca de construçãode espaços de locução (Habermas, 1981b) sustenta<strong>do</strong>res, por hipótese, dadesalienação. As características estruturais destes espaços direcionariam osmesmos, em sua dinâmica evolutiva, à consecução das metas contidas na211


utopia da democracia radical lewiniana. O que caracteriza essa utopia? Umavida social baseada na expressão imanente <strong>do</strong> ser, cuja práxis materializa odireito universal de se ser o que se é, sen<strong>do</strong>. (Espinosa).Para um direcionamento na produção de tais resulta<strong>do</strong>s, mostra-senecessária à implementação de procedimentos de intervenção psicossocialemula<strong>do</strong>res da intersubjetividade ilesa e soberana. Seguin<strong>do</strong> os raciocíniosde Lewin e de Habermas, mediante tais processos (laboratórios, espaçosde locução) haveria uma alteração no nível de consciência <strong>do</strong>s indivíduosparticipantes, previsível de manifestar-se também no grupo, poden<strong>do</strong> seraferida como uma conseqüência da transcendência das imagens de si e <strong>do</strong>soutros. Ainda nesta direção, o caráter de horizontalidade e de responsabilidade<strong>do</strong> poder transferi<strong>do</strong>s a instâncias hierarquicamente superiores no quese refere à capacidade autônoma <strong>do</strong> exercício e da propagação da crítica,reflete também, necessariamente, um comprometimento ético incluí<strong>do</strong> naconcepção da democracia radical lewiniana.Esta busca de expressão imanente pari passu com a de produção <strong>do</strong>esclarecimento emancipatório faz com que se manifestem e se exacerbem,ao longo <strong>do</strong> processo de intervenção psicossocial, as heterogeneidades <strong>do</strong>sparticipantes. Essas heterogeneidades são resultantes <strong>do</strong>s específicos processosde socialização aos quais os sujeitos foram, ou estão, submeti<strong>do</strong>s,implican<strong>do</strong> em semelhanças e/ou diferenças situadas no nível psicossocial,idiossincrasias situadas no nível psicológico e diversidades situadas no nível<strong>do</strong> conhecimento. Dessa forma, o compromisso ético com a utopia radicallewiniana relaciona-se necessariamente com a busca de fortalecimentodas especificidades identitárias; em outras palavras, tal compromisso éticovincula-se, por lógica, à necessidade de processos de intervenção volta<strong>do</strong>spara o questionamento das determinações das identidades de to<strong>do</strong>s e de cadaparticipante <strong>do</strong> grupo no processo. Este questionamento (uma maiêutica)induz a reflexividade <strong>do</strong> processo de socialização visan<strong>do</strong> o encontro de cadasujeito com a sua própria gênese e história. Perseguir esta meta significapossibilitar, e conviver com, a emergência de conflitos entre indivíduos (noplano psicológico), disputas políticas entre grupos (no plano - psicossocial- ideológico e <strong>do</strong> poder) e diversidades histórico-culturais entre, no limite,sociedades (no plano da norma de produção <strong>do</strong> conhecimento).Identidade é um processo dinâmico que relaciona a história <strong>do</strong> sujeitoe os elos sociais <strong>do</strong>s quais ele é porta<strong>do</strong>r, história esta escrita através de recortesque, embora arbitrários, estabelecem uma cronologia para a existênciapregressa, configuran<strong>do</strong> uma sucessão de imagens atemporais. O sujeito quetem clareza de sua história pode operar de forma autônoma os elos sociais<strong>do</strong>s quais é porta<strong>do</strong>r, constituin<strong>do</strong>-os como substrato da própria identidade.Tal processo, emula<strong>do</strong> pela reflexividade da socialização, se manifesta212


mediante momentos identificatórios de significação consciente e, portanto,auto-reflexivos, avaliativos (<strong>do</strong> ponto de vista ético, estético e político),prospectivos e críticos, refletin<strong>do</strong> modelos e suas simbologias, às quais osujeito teve acesso na constituição de sua condição humana. Dessa forma,instantes de identidade seriam incompatíveis com esta<strong>do</strong>s de alienação.As sociedades estratificadas contemporâneas, definin<strong>do</strong> fronteiras de<strong>do</strong>minação que se expandem e impõem modelos de êxito e superioridade,sustentam-se, isomorficamente, sobre a estratificação identitária <strong>do</strong>s diferentesgrupos sociais que as compõem. Nesse senti<strong>do</strong>, organizam segmentossociais em função de ausências em relação a modelos de identidade <strong>do</strong>minante,constituin<strong>do</strong> modelos identitários negativos, ou pseu<strong>do</strong>-identidades,porque defini<strong>do</strong>s em relação a um padrão externo aos sujeitos.A força política da <strong>do</strong>minação consiste no seu potencial de criarmodelos, impon<strong>do</strong>-os por meio de símbolos gera<strong>do</strong>res de substratos deidentidade que produzem estranhamento, ou distância, e retiram as identidades<strong>do</strong> ethos próprio, pela transformação de seus símbolos constituintesem meros signos esvazia<strong>do</strong>s de conteú<strong>do</strong>.A alienação pela inviabilização da consciência identitária, não opõeresistências à <strong>do</strong>minação implican<strong>do</strong> na incorporação, pelos indivíduos,de símbolos esvazia<strong>do</strong>s da história de sua constituição. Nesse senti<strong>do</strong>, aimposição de modelos de identidade implica, em sua assunção, no fortalecimentode pseu<strong>do</strong>-identidades. A identidade sustenta<strong>do</strong>ra de <strong>do</strong>minaçãoatua pela imposição de símbolos aos outros, negan<strong>do</strong> a sua alteridade. Nonível psicossocial, a política seria exercida, portanto, através de movimentosde aceitação, negação ou confronto entre identidades e alteridades; não háidentidades isoladas (“homens-fronteira” de Hartog, 1996) corresponden<strong>do</strong>a centralidades modelares hermeticamente fechadas. A recusa da alteridade,sob esse ponto de vista, é uma tentativa de fixação desta centralidade, o quevem a dar em uma subjugação da consciência por um modelo inquestionável,crian<strong>do</strong>, no cruzamento da positividade lógica (ignorância) e da negatividadepsicológica (impedimento) uma tipologia de formas de alienação segun<strong>do</strong> asconfigurações da identidade ou da pseu<strong>do</strong>-identidade. A desalienação, portanto,nas suas diferentes formas de manifestação, consistiria em um processode fortalecimento pari passu da identidade, para cuja produção poder-se-iautilizar o modelo proposto por Sousa Santos (1994) de uma “arqueologiavirtual <strong>do</strong> presente”, escutan<strong>do</strong> e auscultan<strong>do</strong> silêncios e silenciamentos eidentifican<strong>do</strong> loci mantene<strong>do</strong>res da alienação, ten<strong>do</strong> em vista propiciar adesalienação. Este espaço de troca, laboratórios sociais volta<strong>do</strong>s para criaçãode espaços de locução e de intersubjetividade ilesa, propiciaria o encontro deum novo campo de ação da crítica possibilitan<strong>do</strong> o exercício hermenêuticono plano das trocas horizontais (sincronia) e verticais (diacronia). No limite213


da radicalidade desta perspectiva, a intersubjetividade ilesa, a democracia, ofortalecimento identitário <strong>do</strong>s membros <strong>do</strong>s grupos nos espaços de aberturade locução pela reflexividade da socialização, são manifestações de um processogenuíno, sensu stricto, de crítica, engloban<strong>do</strong> as suas possibilidadespolíticas de manifestação nos níveis filológicos, hermenêuticos, históricose lógicos. Nesse momento, a crítica ultrapassa a norma de produção dentroda qual o sujeito <strong>do</strong> conhecimento se manifesta, constituin<strong>do</strong>-se em umacrítica transcendental. Tal processo de crítica concretizaria manifestaçõesde uma emancipação universal.Com base no argumento previamente desenvolvi<strong>do</strong> sob forma deuma demonstração de um sistema de condições necessárias (intervençãopsicossocial) para produzir uma educação ambiental crítica, tais condições,absolutamente indissociáveis, exigiriam que:a) a busca emancipatória se processe por meio de intervenções emsituações de laboratório social, condicionadas a uma ética da democraciaradical lewiniana;b) a busca de relações sociais transparentes e horizontais se processeatravés da intersubjetividade ilesa e através da redução gradativa <strong>do</strong>poder externo na determinação das transformações identitárias;c) a busca <strong>do</strong> fortalecimento da identidade se processe através dareflexividade da socialização;d) as buscas afirmadas em a), b) e c) se fundamentem sobre a críticafilológica, hermenêutica e lógica gerada pelo questionamento deverdades subjacentes às semânticas e sintaxes presentes nas configuraçõesideológicas ocultas;e) as condições requeridas segun<strong>do</strong> expressas nos itens a), b), c) ed) se estruturem sob forma de uma arqueologia virtual <strong>do</strong> presentepara produzir o desvelar e o desvendar das normas culturais e de seussilenciamentos no processo de <strong>do</strong>minação.Em síntese, tais condições necessárias, uma vez satisfeitas, configurariamuma possibilidade lógica de transcendência crítica na dinâmicada construção <strong>do</strong> socioambiente, visto como geografia em processopolítico, coletivo e participativo, de construção histórica. Quantoàs condições suficientes, imprescindíveis para a ocorrência radicalda emancipação e da democracia demonstran<strong>do</strong> sua real existência,ficam as mesmas dependentes <strong>do</strong> conhecimento a ser desenvolvi<strong>do</strong> e214


comprometi<strong>do</strong> logicamente com a produção <strong>do</strong>s efeitos previstos paraa intervenção psicossocial, nos indivíduos, grupos e sociedades.Referências Bibliográficas:AB´SABER, A. Entrevista concedida a Marcello Tassara parao vídeo-<strong>do</strong>cumentário “USP Recicla”. São Paulo: CECAE-USP,2002._____. Refletin<strong>do</strong> sobre questões ambientais. Psicologia USP, v.16, n. 1/2, 2005.ADORNO, T.W. Sobre sujeito e objeto. In: Palavras e sinais.Modelos críticos 2. Petrópolis: Vozes, p. 181-201, 1969. 1995.[Tradução de: Maria H. Ruschel]AGAMBEN, G. Stato di eccezione. Torino: Bollati Boringhieri.Ed. Bras., 2003._____. Esta<strong>do</strong> de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. [Traduçãode: Iraci D. Poleti]CANEVACCI, M. A cidade polifônica. 2. ed. São Paulo: Estu<strong>do</strong>Nobel, 1993.CAORSI, C.E. Lógica, filosofia y psicoanálisis. Montevideo:Roca Viva, 1994.DOR, J. L´a-scientificité de la psychanalyse. Paris: Editionsuniversitaires. 2 v. [Tradução Brasileira: v. 1: A cientificidadeda psicanálise] A alienação da psicanálise. Porto Alegre: ArtesMédicas, 1993. [Tradução de: Patrícia C. Ramos].FREUD, S. La negación. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu.1979, v. 19, p. 253-257, 1925. [Tradução de: José LuizEtcheverry]HABERMAS, J. Dialéctica de la racionalización. In: COTAREL-LO, R.G. [Tradutor]. Ensayos políticos. Barcelona: Península, p.137-176, 1981(a)_____. Teoría de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987.2 v.1981(b) [Tradução de: Manuel Jimenez Re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>]HARTOG, F. Memória de Ulisses. Narrativas sobre a fronteirana Grécia antiga. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004. [Traduçãode: Jacynto L. Brandão]LEWIN, K. Problemas de dinâmica de grupo. 2. ed. São Paulo:Cultrix, 1973.[Tradução de: Miriam Moreira Leite]215


PIAGET, J. Le estructuralisme. Paris: P.U.F., 1968.SANTOS, M. Pensan<strong>do</strong> o espaço <strong>do</strong> homem. 5. ed. São Paulo:EDUSP, 2004, 1982.SOUSA SANTOS, B. de. Pela mão de Alice. O social e o políticona pós-modernidade. Porto: Afrontamento, 1994.216


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JUSTIÇA AMBIENTAL: Narrativas de resistênciaao risco social amplia<strong>do</strong>Henri AcselradPalavras-chave: justiça ambiental; modernização ecológica; desigualdadeambiental; racismo ambiental; risco ambiental; deslocalização; chantagemlocacional.A noção de “justiça ambiental” exprime um movimento de ressignificaçãoda questão ambiental. Ela resulta de uma apropriação singular datemática <strong>do</strong> meio ambiente por dinâmicas sociopolíticas tradicionalmenteenvolvidas com a construção da justiça social em senti<strong>do</strong> amplo. Este processode ressignificação está associa<strong>do</strong>, por certo, a uma reconstituição dasarenas onde se dão os embates sociais pela construção <strong>do</strong>s futuros possíveis.Nestas arenas, a questão ambiental mostra-se cada vez mais central e vistacrescentemente como indissociável das tradicionais questões sociais <strong>do</strong>emprego e da renda.Convém ressaltar preliminarmente que não me refiro aqui à “justiçaambiental” como conceito pertinente a tal ou qual disciplina jurídica ou sociológica,mas como categoria construída na vida social por atores coletivosconcretos, correntemente designa<strong>do</strong>s de forma genérica como movimentossociais. Num perío<strong>do</strong> histórico em que os imperativos da liberalização <strong>do</strong>smerca<strong>do</strong>s abafam qualquer pretensão de fazer valer direitos e proteger sociabilidadesmenos predatórias, não importa tanto assumir uma perspectivanormativa quanto ao que seria socialmente desejável e como alcançá-lo, massim entender o mo<strong>do</strong> como os próprios atores têm construí<strong>do</strong> suas questõese, no caso da temática ecológica, o mo<strong>do</strong> como estes atores associam seusambientes a valores.Ao falarmos de uma ressignificação da questão ambiental, convémfazer uma breve revisão <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s que lhes foram, na história recente,atribuí<strong>do</strong>s. Desde o princípio, a questão ambiental esteve investida de distintossenti<strong>do</strong>s, ora contracultural, ora utilitário. O primeiro constituiu ummovimento de questionamento <strong>do</strong> estilo de vida que tem justifica<strong>do</strong> o padrão<strong>do</strong>minante de apropriação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> material – consumismo dito fordista 54 ,56Por hetero<strong>do</strong>xia econômica designamos o conjunto heterogêneo de esforços de problematização<strong>do</strong> pensamento econômico <strong>do</strong>minante – dito neoclássico – que fazem intervir variáveis políticas eculturais como capazes de modificar, de algum mo<strong>do</strong>, o comportamento econômico-tipo da racionalidadeinstrumental pressuposta pelos economistas orto<strong>do</strong>xos, questionan<strong>do</strong>, por conseqüência, acapacidade <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> por si só promover o crescimento e a distribuição da riqueza.219


industrialização químico-mecanizada da agricultura etc. O segun<strong>do</strong>, umsenti<strong>do</strong> utilitário protagoniza<strong>do</strong> inicialmente pelo Clube de Roma 55 que,após trinta anos de crescimento econômico nos países capitalistas centrais,preocupava-se em assegurar a continuidade da acumulação <strong>do</strong> capital,economizan<strong>do</strong> recursos em matéria e energia.O economista hetero<strong>do</strong>xo 56 Georgescu Roegen intervinha então nodebate alertan<strong>do</strong>: economizar quantidades de matéria e energia apenas retardao problema. Não caberia só economizar recursos, mas se perguntar sobreas razões pelas quais nos apropriamos da matéria e da energia. Ecologia,dizia ele, não se traduz apenas em quantidades escassas, mas na qualidadedas relações sociais que fundam os usos sociais <strong>do</strong> planeta. Eis, segun<strong>do</strong>aquele autor, a questão ecológica de fun<strong>do</strong>: usamos os recursos planetáriospara produzir ara<strong>do</strong>s ou canhões?Uma razão utilitária e uma razão cultural disputavam assim, desde oinício, a arena de construção da questão ambiental. Para a razão utilitáriahegemônica, o meio ambiente é uno e composto estritamente de recursosmateriais, sem conteú<strong>do</strong>s sócio-culturais específicos e diferencia<strong>do</strong>s; é expressoem quantidades; justifica interrogações sobre os meios e não sobreos fins para os quais a sociedade se apropria <strong>do</strong>s recursos <strong>do</strong> planeta; pressupõeum risco ambiental único, instrumental – o da ruptura das fontes deabastecimento <strong>do</strong> capital em insumos materiais e energéticos, assim como daruptura das condições materiais da urbanidade capitalista – ou seja, o riscode inviabilização crescente da cidade produtiva, por poluição, congestionamentoetc. Da<strong>do</strong> este ambiente único, objeto instrumental da acumulaçãode riqueza, a poluição é apresentada como “democrática”, não propensa afazer distinções de classe.Uma razão cultural, por sua vez, se interroga sobre os fins pelosquais os homens se apropriam <strong>do</strong>s recursos <strong>do</strong> planeta; o meio ambiente émúltiplo em qualidades sócio-culturais; não há ambiente sem sujeito – ouseja, ele tem distintas significações e lógicas de uso, conforme os padrõesdas distintas sociedades e culturas. Os riscos ambientais, nesta ótica, sãodiferencia<strong>do</strong>s e desigualmente distribuí<strong>do</strong>s, dada a diferente capacidade <strong>do</strong>s57A noção de “modernização ecológica”, segun<strong>do</strong> Blowers, designa o processo pelo qual as instituiçõespolíticas internalizam preocupações ecológicas no propósito de conciliar o crescimento econômicocom a resolução <strong>do</strong>s problemas ambientais, dan<strong>do</strong>-se ênfase à adaptação tecnológica, à celebraçãoda economia de merca<strong>do</strong>, à crença na colaboração e no consenso, cf. A. Blowers, “EnvironmentalPolicy: Ecological Modernization or the Risk Society”, in Urban Studies, vol. 34, n.5-6, p.845-871,1997 – p.853-34.58“Tragédia <strong>do</strong>s comuns” é a parábola segun<strong>do</strong> a qual o ecólogo conserva<strong>do</strong>r Garret Hardin pretendeurepresentar a problemática ecológica como escassez resultante <strong>do</strong> fato de que recursos como o ar, aágua e a biodiversidade são de uso comum, não sen<strong>do</strong> pois ainda objeto da propriedade rivada.59Deslocalização é o termo que descreve o fato de determina<strong>do</strong>s empreendimentos serem retira<strong>do</strong>s de220


grupos sociais escaparem aos efeitos das fontes de tais riscos. Ao evidenciara desigualdade distributiva e os múltiplos senti<strong>do</strong>s que as sociedadespodem atribuir a suas bases materiais, abre-se espaço para a percepção e adenúncia de que o ambiente de certos sujeitos sociais prevaleça sobre o deoutros, fazen<strong>do</strong> surgir o que se veio denominar de “conflitos ambientais”.O ambiente passa assim a integrar as questões pertinentes à cultura <strong>do</strong>sdireitos - o direito metafórico de gerações futuras, num primeiro momento,constitutivo de um conflito também metafórico entre sujeitos presentes esujeitos não nasci<strong>do</strong>s; mas, em seguida, a percepção de que, para além dametáfora <strong>do</strong> conflito intergeracional, haveria que se considerar também aconcretude <strong>do</strong>s conflitos ambientais realmente existentes, protagoniza<strong>do</strong>spor sujeitos co-presentes. E os sujeitos co-presentes <strong>do</strong>s conflitos ambientaissão aqueles que denunciam a desigualdade ambiental, ou seja, a exposiçãodesproporcional <strong>do</strong>s socialmente mais desprovi<strong>do</strong>s aos riscos das redestécnico-produtivas da riqueza ou sua despossessão ambiental pela concentração<strong>do</strong>s benefícios <strong>do</strong> desenvolvimento em poucas mãos. A poluiçãonão é, nesta perspectiva, necessariamente “democrática”, poden<strong>do</strong> afetarde forma variável os diferentes grupos sociais.Às duas razões aqui esboçadas, correspondem <strong>do</strong>is modelos de açãoestratégica. A razão utilitária configurou a estratégia dita de modernizaçãoecológica 57 , pela afirmação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, <strong>do</strong> progresso técnico e <strong>do</strong> consensopolítico. A “sociedade de proprietários” propugnada pelo neo-conserva<strong>do</strong>rismonorte-americano é seu norte: uma revolução da eficiência é evocadapara economizar o planeta, dan<strong>do</strong> preço ao que não tem preço. A razão culturaldeu, por seu la<strong>do</strong>, origem a uma ação que denuncia e busca superar adistribuição desigual <strong>do</strong>s benefícios e danos ambientais. Consideran<strong>do</strong> quea injustiça social e a degradação ambiental têm a mesma raiz, haveria que sealterar o mo<strong>do</strong> de distribuição – desigual - de poder sobre os recursos ambientaise retirar <strong>do</strong>s poderosos a capacidade de transferir os custos ambientais<strong>do</strong> desenvolvimento para os mais despossuí<strong>do</strong>s. Seu diagnóstico assinalaque a desigual exposição aos riscos deve-se ao diferencial de mobilidadeentre os grupos sociais: os mais ricos conseguiriam escapar aos riscos e osmais pobres circulariam no interior de um circuito de risco. Donde, a açãodecorrente visan<strong>do</strong> combater a desigualdade ambiental e dar igual proteçãoambiental a to<strong>do</strong>s os grupos sociais e étnicos.seus locais de implantação para serem relocaliza<strong>do</strong>s em outro ponto, região ou país onde as condiçõespolítico-institucionais sejam mais favoráveis a acumulação de riqueza – tais como normas ambientaisfrouxas, direitos sociais revistos e leis urbanísticas flexibilizadas.60Reprodução social é o mecanismo através <strong>do</strong> qual cada sociedade repõe no tempo suas relaçõessociais básicas - ou seja, no caso da sociedade capitalista, procedimentos que repõem a condição <strong>do</strong>capital enquanto capital e <strong>do</strong> assalaria<strong>do</strong> enquanto assalaria<strong>do</strong>.221


Trata-se pois - é o que se delineia progressivamente ao partir <strong>do</strong>s anos1990 – de um embate entre <strong>do</strong>is projetos, reunin<strong>do</strong> discursos, concepções,instituições e práticas diferentes. A modernização ecológica recusa regulaçõespolíticas; propõe-se a dar preço ao que não tem preço; opõe a lógica<strong>do</strong>s interesses à lógica <strong>do</strong>s direitos; tende a equacionar o meio ambiente nalógica da propriedade privada - a “tragédia <strong>do</strong>s comuns” 58 é o paradigmaque aponta a privatização <strong>do</strong>s bens comunais como solução para seu usoeconômico (na contramão das conquistas de movimentos como o dasquebradeiras que afirmam territorialidades e sistemas jurídicos heterogêneos...);o “meio ambiente” é visto como oportunidade de negócios (videconcepções vigentes em segui<strong>do</strong>s Planos Plurianuais de Investimento); omeio ambiente e a sustentabilidade tornam-se categorias importantes para acompetição inter-territorial e interurbana; para atrair capitais, a “ecologia”e a “sustentabilidade” podem tornar-se apenas um símbolo, uma marca quese quer atrativa.A estratégia ancorada na noção de Justiça ambiental, por sua vez,identifica a desigual exposição ao risco como resulta<strong>do</strong> de uma lógica quefaz com que a acumulação de riqueza se realize ten<strong>do</strong> por base a penalizaçãoambiental <strong>do</strong>s mais pobres. A operação desta lógica estaria associadaao funcionamento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de terras, cuja “ação de coordenação” fazcom que práticas danosas situem-se em áreas desvalorizadas, assim comoà ausência de políticas que limitem a ação deste merca<strong>do</strong>. Tal segmentaçãosócio-territorial tem se aprofunda<strong>do</strong> com a globalização <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s e aabertura comercial – a saber, maior liberdade de movimento e deslocalização<strong>do</strong>s capitais 59 , queda <strong>do</strong> custo de relocalização e incremento <strong>do</strong> poder deexercício da chantagem locacional pelos capitais que podem usar a carênciade empregos e de receitas públicas como condição de força para imporpráticas poluentes e regressão <strong>do</strong>s direitos sociais. A denúncia da operaçãodestes mecanismos, juntamente com a construção de capacidade organizativae de resistência à chantagem de localização serão, conseqüentemente,instrumentos da redefinição das práticas sociais e técnicas de apropriação<strong>do</strong> meio, de localização espacial das atividades e de redistribuição <strong>do</strong> podersobre os recursos ambientais.61Bullard, R.D. Environmental Justice: Strategies for building healthy and sustainable communities,paper presented at the II World Social Forum, Porto Alegre, feb. 2002 e H. Acselrad, “Justiça Ambiental– ação coletiva e estratégias argumentativas”, in H. Acselrad – S. Herculano – J. A. Pádua(orgs.), Justiça Ambiental e Cidadania, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2004.62Cf. Declaração de Fundação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, in in H. Acselrad – S. Herculano– J. A. Pádua (orgs.), Justiça Ambiental e Cidadania, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2004.63Mallerba, J., <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>, classe e trabalho no capitalismo global: uma análise das novas formasde resistência a partir da experiência da CPO, in Encontro da ANPPAS, mimeo., Indaiatuba, 2004.222


O que está efetivamente em jogo neste embate? Tu<strong>do</strong> sugere quese trate <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como se organizam as condições materiais de produçãoe reprodução da sociedade 60 - mais especificamente, como se distribuemno espaço biofísico distintas formas sociais de apropriação <strong>do</strong>s recursosambientais, e como nesta distribuição a permanência no tempo de umaatividade é afetada pela operação de outras práticas espaciais. Ou seja,como para a expansão da monocultura <strong>do</strong> eucalipto, perdem os quilombolassuas terras e fontes de água; como para a expansão da soja transgênicasão inviabilizadas as atividades <strong>do</strong>s pequenos agricultores orgânicos;como por causa da produção de energia barata para as multinacionais<strong>do</strong> alumínio perdem os pesca<strong>do</strong>res e ribeirinhos <strong>do</strong> Tocantins sua capacidadede pescar; como para a produção de petroquímicos, perdem ostrabalha<strong>do</strong>res definitivamente sua saúde pela contaminação por poluentesorgânicos persistentes.Justiça Ambiental é, portanto, uma noção emergente que integra oprocesso histórico de construção subjetiva da cultura <strong>do</strong>s direitos no bojode um movimento de expansão semântica <strong>do</strong>s direitos humanos, sociais,econômicos, culturais e ambientais. Na experiência recente, a justiça ambientalsurgiu da criatividade estratégica <strong>do</strong>s movimentos sociais, alteran<strong>do</strong>a configuração de forças sociais envolvidas nas lutas ambientais e, emdeterminadas circunstâncias, produzin<strong>do</strong> mudanças no aparelho estatal eregulatório responsável pela proteção ambiental.Na experiência histórica recente, o Movimento de Justiça Ambientalsurge nos EUA a partir de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos 1980, denuncian<strong>do</strong> a lógicasócio-territorial que torna desiguais as condições sociais de exercício <strong>do</strong>sdireitos. Ao contrário da lógica dita “Nimby” – “not in my backyard”(não no meu quintal), os atores que começam a unificar-se neste movimentopropugnam a politização da questão <strong>do</strong> racismo e da desigualdadeambientais, denuncian<strong>do</strong> a lógica que acreditam vigorar <strong>do</strong> “sempre noquintal <strong>do</strong>s pobres” 61 .No Brasil, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, criada em 2001,expande a abrangência da denúncia para além da questão <strong>do</strong> racismo ambientalna alocação de lixo tóxico, que fun<strong>do</strong>u a organização nascida nomovimento negro <strong>do</strong>s EUA. A definição de justiça ambiental ampliou-se,designan<strong>do</strong> o conjunto de princípios e práticas que:64Capacidade de inscrição congruente: mover-se e transformar-se em consonância com a dinâmica <strong>do</strong>meio, em coexistência e coerência com o outro (Cf. Maturana, 2000).65Eco-organização: o mo<strong>do</strong> e a dinâmica de organização <strong>do</strong>s ecossistemas, a partir das interações entrea diversidade de seres vivos e a base física que o constituem (Cf. MORIN, 1997).66Subjugação e sujeição: to<strong>do</strong> ser vivo subjuga o meio onde existe e <strong>do</strong> qual se alimenta, mas somenteos humanos são capazes de transformar a subjugação <strong>do</strong> meio em sujeição, no senti<strong>do</strong> deque podem anular totalmente a autonomia <strong>do</strong>s outros seres vivos e <strong>do</strong> ecossistema como um to<strong>do</strong>,223


a) asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou declasse, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientaisnegativas de operações econômicas, de decisões de políticase de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausênciaou omissão de tais políticas;b) asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos recursosambientais <strong>do</strong> país;c) asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso<strong>do</strong>s recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização defontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos eparticipativos na definição de políticas, planos, programas e projetosque lhes dizem respeito;d) favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentossociais e organizações populares para serem protagonistasna construção de modelos alternativos de desenvolvimento, queassegurem a democratização <strong>do</strong> acesso aos recursos ambientais e asustentabilidade <strong>do</strong> seu uso.” 62No Encontro da Rede realiza<strong>do</strong> em 2004, clarificaram-se as linhasde confronto <strong>do</strong> conjunto <strong>do</strong>s atores e movimentos sociais ali representa<strong>do</strong>sa um modelo de desenvolvimento volta<strong>do</strong> à produção de divisas a qualquercusto. Na Amazônia, por exemplo, se denunciou as injustiças associadas aosmecanismos da acumulação primitiva, caracteriza<strong>do</strong>s pelo seqüenciamentoentre grilagem de terras, exploração madeireira, desmatamento, criação extensivae entrada da soja de alta tecnologia – uma espécie de “ornitorrinco”aplica<strong>do</strong> ao território, usan<strong>do</strong>, por analogia, o termo usa<strong>do</strong> pelo sociólogoFrancisco de Oliveira para designar esta articulação singular entre formasmodernas e globalizadas de produção com formas primitivas de exploração<strong>do</strong> trabalho e extração de riqueza.Frente à integração mercantil da Amazônia, com exclusão ou integraçãosubordinada das populações locais, esboçam-se os caminhos alternativosde uma articulação territorial das formas locais de produção com o merca<strong>do</strong>interno, sem submissão destrutiva aos agentes fortes no merca<strong>do</strong> mundial.Tais lutas localizadas no território são aquelas que politizam a questão ambientale colocam em discussão o modelo de desenvolvimento que articulaas diferentes práticas espaciais. Os protagonistas destas lutas caracterizam-sepela pretensão a resistir à “chantagem locacional <strong>do</strong>s investimentos” e pelacolocan<strong>do</strong>-os inteiramente a serviço de suas próprias necessidades (ver a questão <strong>do</strong>s transgênicose da biotecnologia) (Idem, 1997).67Enquanto a interdisciplinaridade é uma atitude que busca a construção de objetos e meto<strong>do</strong>logias224


disposição a discutir as condições em que se pretende efetuar a integraçãodas populações locais ao merca<strong>do</strong>. Vemos assim constituírem-se sujeitoscoletivos que exigem amplo acesso às informações relevantes sobre o uso<strong>do</strong>s recursos ambientais e pretendem acesso justo e eqüitativo aos recursosambientais <strong>do</strong> país – eis um exemplo de como a noção de justiça ambientalvem se materializan<strong>do</strong> na experiência brasileira recente.Em acepção ampliada e reinterpretada pelos atores sociais <strong>do</strong> país,são compreendi<strong>do</strong>s, assim, como sujeitos da resistência à produção dedesigualdades ambientais:• as vítimas da contaminação de espaços não diretamente produtivos– entorno de grandes empreendimentos porta<strong>do</strong>res de risco e periferiasdas cidades onde são localizadas instalações ambientalmenteindesejáveis (lixões, depósitos de lixo tóxico etc). A desigualdaderesultaria, neste caso, da menor capacidade <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res destasperiferias se fazerem ouvir nas esferas decisórias ou mesmo de seuconsentimento - dada a carência de emprego, renda, serviços públicosde saúde e educação - na expectativa de que tais empreendimentostragam algum tipo de beneficio localiza<strong>do</strong>;• as vítimas da contaminação produtiva interna aos ambientes de trabalhoindustrial e agrícola, pela qual interesses econômicos lucrariam com adegradação <strong>do</strong>s corpos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, via desinformação, contrainformação,mascaramento de informação e chantagem <strong>do</strong> emprego 63 ;• as vítimas da despossessão de recursos ambientais – fertilidade <strong>do</strong>ssolos, recursos hídricos e genéticos assim como territórios essenciaisà reprodução identitária de comunidades e grupos sócio-culturais - porgrandes projetos infra-estruturais e empreendimento produtivos quedesestabilizam as práticas espaciais de populações tradicionais.As lutas por justiça ambiental combinam assim:1) defesa <strong>do</strong>s direitos a ambientes culturalmente específicos – comunidadestradicionais situadas na fronteira da expansão das atividadescapitalistas e de merca<strong>do</strong>;2) defesa <strong>do</strong>s direitos a uma proteção ambiental eqüânime contra asegregação sócio-territorial e a desigualdade ambiental promovidascomuns entre grupos de disciplinas científicas, a transdisciplinaridade é uma atitude que busca inserire compreender o pensamento científico no contexto das visões de mun<strong>do</strong> vigentes na sociedadeatual. (Cf. Nicolescu, 2000).225


226pelo merca<strong>do</strong>;3) defesa <strong>do</strong>s direitos de acesso eqüânime aos recursos ambientais,contra a concentração das terras férteis, das águas e <strong>do</strong> solo seguro nasmãos <strong>do</strong>s interesses econômicos fortes no merca<strong>do</strong>; mas também,4) defesa <strong>do</strong>s direitos das populações futuras. Como? Pela interrupção<strong>do</strong>s mecanismos de transferência <strong>do</strong>s custos ambientais <strong>do</strong>desenvolvimento para os mais pobres. Pois o que os movimentospor justiça ambiental tentam mostrar é que enquanto os malesambientais puderem ser transferi<strong>do</strong>s para os mais pobres, a pressãogeral sobre o ambiente não cessará. Fazem assim a ligação entre odiscurso genérico sobre o futuro e as condições históricas concretaspelas quais, no presente, se está definin<strong>do</strong> o futuro. Aí se dá ajunção estratégica entre justiça social e proteção ambiental: pelaafirmação de que para barrar a pressão destrutiva sobre o meio deto<strong>do</strong>s, é preciso começar protegen<strong>do</strong> os mais fracos.Ora, a “chantagem locacional <strong>do</strong>s investimentos” é o mecanismocentral, nas condições de liberalização hoje prevalecente, para a imposiçãode riscos ambientais e de trabalho às populações destituídas. Poisem ausência de políticas ambientais de licenciamento e fiscalização deatividades apropriadas e sem políticas sociais e de emprego consistentes,as populações mais pobres e desorganizadas tenderiam a sucumbir àspromessas de emprego “quaisquer que sejam seus custos”. A dinâmicadestes movimentos nos ensina, portanto, que a condição de destituiçãode certos grupos sociais é um elemento-chave a favorecer a rentabilizaçãode investimentos em processos poluentes e perigosos. É por issoque, para os setores populares mais organiza<strong>do</strong>s, é cada vez mais claraa fusão entre risco ambiental e insegurança social – peças centrais dareprodução das desigualdades nos tempos de liberalização da economia.Torna-se assim também crescentemente difundi<strong>do</strong> o entendimento de quea proteção ambiental não é causa restrita de classes médias urbanas, masparte integrante das lutas sociais das maiorias. É através de estratégiasargumentativas e formas de luta inova<strong>do</strong>ras que os atores sociais, cujaspráticas aqui analisamos, têm procura<strong>do</strong> fazer <strong>do</strong> ambiente um espaçode construção de justiça e não apenas de realização da razão utilitária<strong>do</strong> merca<strong>do</strong>.Referências BibliográficasACSELRAD, H. Justiça Ambiental – ação coletiva e estratégiasargumentativas. In: ACSELRAD, H.; HERCULANO, S.; PÁDUA,


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PARTICIPAÇÃOPedro JacobiPalavras-chave: participação; democracia; cidadania; educação ambiental;agenda 21; programas educativos; emancipação; mobilização.O conceito de participação está associa<strong>do</strong> à democracia deliberativae à existência de uma esfera pública. De uma certa forma, isto deve serentendi<strong>do</strong> como parte <strong>do</strong> vínculo histórico da democracia com a criação denovos direitos. Precisamos nos remeter ao referencial teórico (T.H.Marshall- Cidadania, classe social e status), que reflete sobre a sucessiva criação eexpansão <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s cidadãos na sociedade moderna. A constituiçãode direitos civis, políticos e sociais baseia-se no exercício de práticas decidadania que garantem a sua liberdade como cidadãos. Deve ser ressalta<strong>do</strong>,entretanto, que as diferenças entre as sociedades modernas são muito significativas.Enquanto algumas sociedades avançaram muito, notadamentenos esta<strong>do</strong>s de bem-estar social, na maioria <strong>do</strong>s países, as desigualdadesmateriais impedem a efetiva realização de liberdades, ao que se deve acrescentaros déficit de formação política de opinião e da possibilidade de efetivaparticipação nos processos decisórios. Embora afirmar que participação <strong>do</strong>scidadãos seja um componente fundamental de uma forma democrática degoverno seja praticamente uma obviedade, existem diversos aspectos quedevem ser considera<strong>do</strong>s. Entretanto devem ser colocadas algumas questões,participação em que? Para quê? E como?As leituras são diversas e principalmente desde o início da décadade 1980, no Brasil e na América Latina, a partir da volta da vigência dasinstituições democráticas formais básicas, o avanço <strong>do</strong> processo de construçãodemocrática contribui para fortalecer uma visão sobre construção decidadania e participação, que assumem um papel estratégico na compreensãoda formação de novas identidades no contexto societal, assim como daemergência de novas formas de ação coletivas e de aprendizagem políticanuma perspectiva emancipatória.A década de 1990 se caracteriza por um movimento muito intensode forças sociais que se engajam em praticas que demandam participação,através de um conceito que se apóia em trabalhos <strong>do</strong> filósofo alemão JürgenHabermas, Públicos Participativos. Este conceito agrega cidadãos organiza<strong>do</strong>sque lutam pela superação da sua exclusão social e política através dadeliberação pública, onde a premissa central é a da existência de espaçospúblicos – encontros abertos e públicos, que representam os instrumentos231


essenciais para melhorar a vida democrática através da ampliação da presençade atores sociais que representam a diversidade e heterogeneidadeda nossa sociedade.A participação deve ser entendida como um processo continua<strong>do</strong>de democratização da vida <strong>do</strong>s cidadãos, cujos objetivos são: 1) promoveriniciativas a partir de programas e campanhas especiais visan<strong>do</strong> o desenvolvimentode objetivos de interesse coletivo; 2) reforçar o teci<strong>do</strong> associativoe ampliar a capacidade técnica e administrativa das associações e 3)desenvolver a participação na definição de programas e projetos de interessecoletivo, nas suas diversas possibilidades.O surgimento de políticas públicas pautadas pelo componente participativo,está relaciona<strong>do</strong> com as mudanças na matriz sociopolitica através deum maior questionamento sobre o papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> como principal agenteindutor das políticas sociais. A noção de participação é pensada principalmentea partir da ótica <strong>do</strong>s grupos interessa<strong>do</strong>s e não apenas da perspectiva<strong>do</strong>s interesses globais defini<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong>. O principal problema que secoloca é o de se construir uma ordem societária baseada na articulação dademocracia política com a participação social, representada por uma maiorpermeabilidade da gestão às demandas <strong>do</strong>s diversos sujeitos sociais e políticos.Essa perspectiva abre a possibilidade de pensar a articulação entre aimplantação de práticas descentraliza<strong>do</strong>ras e uma engenharia institucionalque concilia participação com heterogeneidade, formas mais ativas de representatividadee reforçan<strong>do</strong> a reciprocidade face à dimensão de organizaçãomolecular da sociedade.A formulação mais recorrente está estruturada em torno <strong>do</strong> aprofundamento<strong>do</strong> processo democrático, e <strong>do</strong> seu impacto na ampliação da capacidadede influência sobre os diversos processos decisórios em to<strong>do</strong>s os níveisda atividade social e das instituições sociais. Nesse senti<strong>do</strong>, a participaçãosocial se caracteriza como um importante instrumento de fortalecimento dasociedade civil, notadamente <strong>do</strong>s setores mais excluí<strong>do</strong>s; na medida em quea superação das carências acumuladas depende basicamente da interaçãoentre agentes públicos e priva<strong>do</strong>s no marco de arranjos sócio-institucionaisestratégicos. A participação social se enquadra no processo de redefiniçãoentre o público e o priva<strong>do</strong>, dentro da perspectiva de redistribuir o poder emfavor <strong>do</strong>s sujeitos sociais que, geralmente, a ele não têm acesso.A efetiva participação requer princípios para o desenvolvimento dalegitimidade democrática: a igualdade e o pluralismo políticos, a deliberaçãoe a solidariedade. Assim, pode-se afirmar que, apesar de alguns avanços, aparticipação cidadã associada a um projeto de ampliação da esfera públicadepende da capacidade de cada sociedade para ampliar a institucionalidade232


pública e para fortalecer a comunidade cívica.O tema da participação também dialoga com o conceito capital social.Este é defini<strong>do</strong> como o conjunto de normas sociais e redes de cooperaçãoe de confiança, bem como as instituições e práticas culturais que dão intensidadee qualidade à dimensão das relações interpessoais num processoparticipativo que permeia o desenvolvimento de políticas públicas para odesenvolvimento sustentável e para o fortalecimento da sociedade civil edas práticas democráticas.Meto<strong>do</strong>logiaA participação deve ser um eixo estruturante das práticas de EducaçãoAmbiental e, consideran<strong>do</strong> o quadro de agravamento cotidiano da criseambiental, esta representa um instrumento essencial para a transformaçãodas relações entre sociedade e ambiente.A relação entre meio ambiente e educação para a cidadania assumeum papel cada vez mais desafia<strong>do</strong>r demandan<strong>do</strong> a emergência de novossaberes para apreender processos sociais que se complexificam e riscosambientais que se intensificam.As políticas ambientais e os programas educativos relaciona<strong>do</strong>s à conscientizaçãoda crise ambiental demandam crescentemente novos enfoquesintegra<strong>do</strong>res de uma realidade contraditória e gera<strong>do</strong>ra de desigualdades quetranscendem a mera aplicação <strong>do</strong>s conhecimentos científicos e tecnológicosdisponíveis.O desafio que se coloca é de formular uma educação ambiental queseja crítica e inova<strong>do</strong>ra, deven<strong>do</strong> ser acima de tu<strong>do</strong> um ato político volta<strong>do</strong>para a transformação social. O seu enfoque deve buscar uma perspectiva deação holística que relaciona o ser humano, a natureza e o universo, toman<strong>do</strong>como referência que os recursos naturais se esgotam e que o principal responsávelpela sua degradacão é o ser humano.Quan<strong>do</strong> nos referimos à educação ambiental, a situamos num contextomais amplo, o da educação para a cidadania, configuran<strong>do</strong>-se comoelemento determinante para a consolidação de sujeitos cidadãos. O desafio<strong>do</strong> fortalecimento da cidadania para a população como um to<strong>do</strong>, e não paraum grupo restrito, se concretiza a partir da possibilidade de cada pessoa serporta<strong>do</strong>ra de direitos e deveres e se converter, portanto, em ator co-responsávelna defesa da qualidade de vida.O principal eixo de atuação da Educação Ambiental deve buscar acimade tu<strong>do</strong>, a solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença através de for-233


mas democráticas de atuação baseadas em práticas interativas e dialógicas.Isto se consubstancia no objetivo de criar novas atitudes e comportamentosface ao consumo na nossa sociedade e de estimular a mudança de valoresindividuais e coletivos.Como se relaciona educação ambiental com a cidadania? Cidadaniatem a ver com o pertencimento e identidade numa coletividade. A EducaçãoAmbiental como formação e como exercício de cidadania tem a ver comuma nova forma de encarar a relação <strong>do</strong> homem com a natureza, baseadanuma nova ética, que pressupõe outros valores morais e uma forma diferentede ver o mun<strong>do</strong> e os homens.A educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar esensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participaçãoem potenciais caminhos de dinamização da sociedade e de concretização deuma proposta de sociabilidade baseada na educação para a participação.O complexo processo de construção da cidadania no Brasil,num contexto de agravamento das desigualdades, é perpassa<strong>do</strong> por umconjunto de questões que necessariamente implicam na superação dasbases constitutivas das formas de <strong>do</strong>minação e de uma cultura políticabaseada na tutela.O desafio da construção de uma cidadania ativa se configura como elementodeterminante para constituição e fortalecimento de sujeitos cidadãosque, porta<strong>do</strong>res de direitos e deveres, assumam a importância da aberturade novos espaços de participação.234Avaliação a partir <strong>do</strong> ConceitoA dimensão cotidiana da educação ambiental leva a pensá-la enquantosomatória de práticas e, conseqüentemente, entendê-la na dimensão de suapotencialidade de generalização para o conjunto da sociedade.À luz <strong>do</strong> conceito de participação e, articulan<strong>do</strong>-o com o desafiopolítico da sustentabilidade, apoia<strong>do</strong> no potencial transforma<strong>do</strong>r das relaçõessociais que representam, situa-se o processo da Agenda 21. Este se encontraestreitamente vincula<strong>do</strong> ao processo de fortalecimento da democraciae da construção da cidadania. Os indica<strong>do</strong>res educacionais se situam numcontexto de analisar o alcance das atividades coletivas e da criação de espaçosque fortaleçam as relações de interdependência e enraizamento quepossibilitem uma abertura à interdisciplinaridade e a uma visão global queamplie o potencial de agregação de atores no processo. Um <strong>do</strong>s aspectos quedevem ser muito enfatiza<strong>do</strong>s, e que estão associa<strong>do</strong>s ao tema da cidadaniae <strong>do</strong>s direitos, é o da co-responsabilização <strong>do</strong>s cidadãos. Para tanto, devem


ser estimuladas atividades que dentro de uma abordagem participativa reforcema responsabilidade e o compromisso <strong>do</strong>s atores envolvi<strong>do</strong>s com aproblemática <strong>do</strong>s recursos naturais, a partir das relações ambientais na escola,no seu entorno, na comunidade e nas interações entre os cidadãos.Atividades SugeridasA premissa básica é que se amplie o capital social, sen<strong>do</strong> os cidadãosparticipativos, motiva<strong>do</strong>s a desenvolver práticas cooperativas a partir deuma concepção horizontal, que reforça o pertencimento, a reciprocidade,a confiança no outro e a atuação em redes de sociabilidade. O principaldesafio de atividades de educação ambiental está associa<strong>do</strong> com a capacidadede consolidar um compromisso de envolvimento e sensibilização <strong>do</strong>sdiversos atores sociais nas atividades, como ó caso de Agenda 21. As açõese atividades devem mobilizar o sentimento de pertencimento e estimularas comunidades a, por meio <strong>do</strong> exercício ativo de sua cidadania, caminharrumo à sua autonomia e emancipação.Torna-se importante possibilitar que os próprios participantes apontemsuas prioridades e desejo de aprendizagem.Deve se estimular o enraizamento <strong>do</strong>s conceitos, uma aprendizagemconstruída conjuntamente e, à guisa de exemplo, a implementação de umaAgenda 21 Local construída participativamente. Isto abre o espaço paraestabelecer vínculos afetivos, espaços de locução e estimular uma gestãocompartilhada das práticas. Deve se garantir também, e através de um grandeesforço de cooperação e diálogo, a manutenção de canais de comunicaçãodemocráticos e o compromisso <strong>do</strong>s atores envolvi<strong>do</strong>s, visan<strong>do</strong> ampliar osprocessos de aprendizagens sociais, individuais e institucionais que potencializema transformação <strong>do</strong>s atuais padrões de uso e distribuição <strong>do</strong>srecursos naturais, em direção a formas mais sustentáveis de relação <strong>do</strong> serhumano com a natureza.AprofundamentoReferências Bibliográficas:AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. A inovação democrática noBrasil. São Paulo: Cortez, 2003.D´ ARAÚJO, M.C. Capital social. Rio de Janeiro: JorgeZahar Editor, 2003.235


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PEDAGOGIA DA PRÁXISMoacir Ga<strong>do</strong>ttiPalavras chaves: planetarização; globalização; cidadania; sustentabilidade;currículo; pedagogia da práxis; ecopedagogia.Nas últimas duas décadas <strong>do</strong> Século 20 assistimos a grandes mudanças,tanto no campo sócio-econômico e político, quanto no campo dacultura, da ciência e da tecnologia, mas, sobretu<strong>do</strong>, no campo da ecologia.As Conferências sobre <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e Desenvolvimento de Estocolmo(1972) e <strong>do</strong> Rio de Janeiro (1992) foram <strong>do</strong>is grandes marcos dessas mudanças.Vimos ainda grandes movimentos sociais, como os que ocorreramno leste europeu, no final <strong>do</strong>s anos 80, culminan<strong>do</strong> com a queda <strong>do</strong> murode Berlim. Não fazemos uma idéia clara ainda <strong>do</strong> que deverá representar,para to<strong>do</strong>s nós, a globalização crescente da economia, das comunicações eda cultura. Finalmente, as transformações tecnológicas tornaram possívelo surgimento da era da informação.É um tempo de expectativas, de perplexidade e da crise de concepçõese paradigmas, não apenas porque estamos inician<strong>do</strong> a caminhada de umnovo milênio, época de balanço e de reflexão, época em que o imaginárioparece ter um peso maior. É um momento novo e rico de possibilidades.Por isso, cola<strong>do</strong>s ao nosso tempo, não podemos falar <strong>do</strong> futuro da educaçãoem geral e da educação ambiental, em particular, sem certa <strong>do</strong>se de cautela.É com essa cautela que eu gostaria de examinar alguns conceitos da teoriae da prática da educação em geral e da educação ambiental em particular,que, seguin<strong>do</strong> a tradição filosófica, chamo de categorias apoian<strong>do</strong>-me numaPedagogia da práxis. A perplexidade e a crise de paradigmas não podem seconstituir num álibi para o imobilismo.Por que Pedagogia da práxis?Inspirei-me em Marx, Gramsci e Paulo Freire para escrever o livroPedagogia da práxis, publica<strong>do</strong> em 1994 pela Editora Cortez. A pedagogiada práxis é a teoria de uma prática pedagógica que procura não esconder oconflito, a contradição, mas, ao contrário, entende-os como inerentes à existênciahumana, explicita-os e convive com eles. Ela se inspira na dialética.O referencial maior dessa pedagogia é o conceito de práxis.Práxis, em grego, significa literalmente ação. Assim, Pedagogia dapráxis poderia ser confundida com a pedagogia da ação defendida pelo239


movimento da Escola Nova. Poderia ser considerada como uma versãoda pedagogia pragmática que entende a práxis como prática estritamenteutilitária, reduzin<strong>do</strong> o verdadeiro ao útil. Ao contrário, mais <strong>do</strong> que a EscolaNova, a pedagogia da práxis evoca a tradição marxista da educação, emboraa pedagogia aqui apresentada transcenda o marxismo. Na nossa visão, práxissignifica ação transforma<strong>do</strong>ra. É essa a acepção que assumimos aqui.A pedagogia da práxis pretende ser uma pedagogia para a educaçãotransforma<strong>do</strong>ra. Ela radica numa antropologia que considera o homem umser incompleto, inconcluso e inacaba<strong>do</strong> e, por isso, um ser cria<strong>do</strong>r, sujeitoda história, que se transforma na medida mesma em que transforma omun<strong>do</strong>.Toda pedagogia refere-se à prática, pretende se prolongar na prática.Não tem senti<strong>do</strong> sem ela, pois é ciência da educação. Mas não só. Fazerpedagogia é fazer prática teórica por excelência. É descobrir e elaborar instrumentosde ação social. Nela se realiza de forma essencial a unidade entreteoria e prática. A pedagogia como teoria da educação não pode abstrair-seda prática intencionada. A pedagogia é sobretu<strong>do</strong> teoria da práxis.Já se passaram onze anos desde que publiquei meu livro Pedagogiada práxis. Depois dele publiquei Pedagogia da Terra (Peirópolis, 2000)que considero como um prolongamento da pedagogia da práxis. Devemoscontinuar produzin<strong>do</strong> “pedagogias”, como nos aconselhava Paulo Freire.Nesse senti<strong>do</strong>, gostaria de colaborar com essa iniciativa <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong><strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>, preocupa<strong>do</strong> com a formação crítica <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>rambiental e apresentar mais algumas categorias (ou conceitos) que apontempara uma educação <strong>do</strong> futuro possível. Elas indicam o surgimento de temascom importantes conseqüências para a educação.As categorias “contradição”, “determinação”, “reprodução”, “mudança”,“trabalho”, “práxis”, “necessidade”, “possibilidade” aparecemfreqüentemente na literatura pedagógica contemporânea, sinalizan<strong>do</strong> jáuma perspectiva da educação como práxis transforma<strong>do</strong>ra. Essas categoriastornaram-se clássicas na explicação <strong>do</strong> fenômeno da educação, principalmentea partir de Hegel e de Marx. A dialética constitui-se, até hoje,no paradigma mais consistente para a análise <strong>do</strong> fenômeno da educação.Podemos e devemos estudá-la e estudar todas as categorias acima apontadas.Elas não podem ser negadas pois muito ajudarão na leitura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> daeducação atual. Elas não podem ser negadas ou desprezadas como categorias“ultrapassadas”. Mas também podemos, ao pensar a educação <strong>do</strong> futuro,nos ocupar mais especificamente de outras categorias nascidas ao mesmotempo da prática da educação e da reflexão sobre ela. Eis algumas delas, atítulo de exemplo.240


1) Cidadania. O que implica também tratar <strong>do</strong> tema da autonomia (Freire,1997), da questão da participação, da educação para e pela cidadania. Educarpara a cidadania ativa tornou-se hoje projeto e programa de muitas escolase de sistemas educacionais.2) Planetaridade. A Terra é um “novo paradigma” (Boff, 1994). Queimplicações tem essa visão de mun<strong>do</strong> sobre a educação? O que seria umaecopedagogia (Gutiérrez e Cruz Pra<strong>do</strong>, 1999) e uma ecoformação (Pineau,1994)? O tema da cidadania planetária pode ser discuti<strong>do</strong> a partir destacategoria.3) Sustentabilidade. O tema da sustentabilidade tem origem na economia(desenvolvimento sustentável) e na ecologia, para inserir-se definitivamenteno campo da educação, sintetizada no lema “uma educação sustentável paraa sobrevivência <strong>do</strong> planeta” (Ângela Antunes, 2002). O que seria uma culturada sustentabilidade? Esse tema deverá <strong>do</strong>minar muitos debates educativosdas próximas décadas.4) Virtualidade. Esse tema implica toda a discussão atual sobre a educaçãoa distância e o uso <strong>do</strong>s computa<strong>do</strong>res nas escolas e da Internet (Levy, 2001).A informática associada à telefonia nos inseriu definitivamente na era dainformação. Quais as conseqüências para a educação, para a escola, para aformação <strong>do</strong> professor e para a aprendizagem? Como fica a educação dianteda pluralidade <strong>do</strong>s meios de comunicação: eles nos abrem os novos espaçosda formação ou irão substituir a escola?5) Globalização. O processo da globalização está mudan<strong>do</strong> a política,a economia, a cultura, a história... portanto também a educação (Santos,2000). É um tema que deve ser enfoca<strong>do</strong> sob vários prismas. Para pensara educação <strong>do</strong> futuro, precisamos refletir sobre o processo de globalizaçãoda economia, da cultura e das comunicações.6) Transdisciplinaridade. Embora com significa<strong>do</strong>s distintos, certas categoriascomo transculturalidade, transversalidade, multiculturalidade eoutras, como complexidade e holismo, também indicam uma nova tendênciana educação que será preciso analisar (Nicolescu, 1999). Como relacionarmulticulturalidade e currículo? É necessário realizar o debate <strong>do</strong>s temas“transversais” ou “gera<strong>do</strong>res” (Paulo Freire) e de uma educação sem discriminaçãoétnica, cultural, de gênero.7) Dialogicidade, dialeticidade. Não podemos negar a atualidade de certascategorias freireanas e marxistas, a validade de uma pedagogia dialógicaou da práxis. Marx, em O Capital, privilegiou as categorias hegelianas241


“determinação”, “contradição”, “necessidade”, “possibilidade”. A fenomenologiahegeliana continua inspiran<strong>do</strong> nossa educação e deverá atravessaro milênio.Essas, eu diria, são as novas categorias da pedagogia da práxis. Aanálise dessas categorias, a identificação da sua presença na pedagogiacontemporânea, pode constituir-se, sem dúvida, num grande programaeducacional.O que me motivou a escrever Pedagogia da práxis foi essa vontadede contribuir para com o debate de uma pedagogia que é, ao mesmo tempo,uma pedagogia da esperança e da luta. Estou ciente de que no meu livro,publica<strong>do</strong> em 1994 e hoje traduzi<strong>do</strong> em diversas línguas, não tratei deto<strong>do</strong>s os temas, de que existem muitos outros desafios para a educação. Areflexão crítica não basta, como também não basta a prática sem a reflexãosobre ela.A pergunta que eu poderia fazer agora é como a pedagogia da práxispode servir para uma educação ambiental.O Fórum Global 92 se constituiu num evento <strong>do</strong>s mais significativos<strong>do</strong> final de século XX: deu grande impulso à globalização da cidadania.Hoje, o debate em torno da Carta da Terra está se constituin<strong>do</strong> num fatorimportante de construção desta cidadania planetária. Qualquer pedagogia,pensada fora da globalização e <strong>do</strong> movimento ecológico, tem hoje sériosproblemas de contextualização e de sustentação.De certa forma, o encontro entre a pedagogia da práxis e a educaçãoambiental deu-se na Rio-92 com as primeiras reflexões sobre a ecopedagogia.A ecopedagogia não quer oferecer apenas uma nova visão da realidade. Elapretende reeducar o olhar. Reeducar o olhar significa desenvolver a atitude deperceber e não ficar indiferente diante das agressões ao meio ambiente, criarhábitos alimentares novos, evitar o desperdício, a poluição sonora, visual,a poluição da água e <strong>do</strong> ar etc. e intervir no senti<strong>do</strong> de reeducar o habitante<strong>do</strong> planeta. “Enquanto o ambientalismo superficial apenas se interessa porum controle e gestão mais eficazes <strong>do</strong> ambiente natural em benefício <strong>do</strong>‘homem’, o movimento da ecologia fundamentada na ética reconhece queo equilíbrio ecológico exige uma série de mudanças profundas em nossapercepção <strong>do</strong> papel que deve desempenhar o ser humano no ecossistemaplanetário” (Gutiérrez e Pra<strong>do</strong>, 1999:33).A Pedagogia da Práxis, inserida na tradição marxista renovada dapedagogia, não se contrapôs à ecopedagogia como pedagogia liberta<strong>do</strong>ra.Não aban<strong>do</strong>namos as categorias críticas (marxismo, libertação) mesmoincorporan<strong>do</strong> categorias pós-críticas (significação, representação, cultura,242


multiculturalismo). Fundamentamos a ecopedagogia numa concepçãocrítica da educação, levan<strong>do</strong> em conta os novos paradigmas da ciência eda pedagogia, sem dicotomizá-los burocraticamente, mas tiran<strong>do</strong> deles asnecessárias lições para poder continuar caminhan<strong>do</strong>. A ecopedagogia trouxemais uma contribuição à pedagogia da práxis que é o conceito de “cidadaniaplanetária” (Gutierrez e Cruz Pra<strong>do</strong>, 1999). O conceito de cidadania ganhanova dimensão. Como cidadãos/ãs <strong>do</strong> planeta nos sentimos como seresconviven<strong>do</strong> no planeta Terra com outros seres viventes e inanima<strong>do</strong>s. Esseprincípio deve orientar nossas vidas, nossa forma de pensar a escola e apedagogia com a qual nos educamos.Existe uma concepção capitalista de desenvolvimento sustentávele que é sustentada por uma parcela <strong>do</strong> movimento ecológico. Ela pode seconstituir numa armadilha para a ecopedagogia. Por isso a ecopedagogia nãopode inspirar-se apenas numa concepção de desenvolvimento. O desenvolvimentosustentável, a nosso ver, só pode, de fato, enfrentar a deterioração davida no planeta na medida em que está associa<strong>do</strong> a um projeto mais amplo,que possibilite o advento de uma sociedade justa, eqüitativa e includente,o oposto <strong>do</strong> projeto neoliberal e neoconserva<strong>do</strong>r. Só com o apoio forte <strong>do</strong>strabalha<strong>do</strong>res da cidade e <strong>do</strong> campo, <strong>do</strong>s movimentos sociais e populares,podemos construir um novo modelo de desenvolvimento e de educaçãoverdadeiramente sustentáveis.Podemos dizer que a educação para a cidadania planetária está apenascomeçan<strong>do</strong> e que ela deve nos levar a uma educação para a cidadaniacósmica. Os desafios são enormes tanto para os educa<strong>do</strong>res quanto para osresponsáveis pelos sistemas educacionais. Mas já existem certos sinais, naprópria sociedade, que apontam para uma crescente busca não só por temasespiritualistas e de auto-ajuda, mas por um conhecimento científico maisprofun<strong>do</strong> <strong>do</strong> universo.O interesse por questões globais e pelo cosmos está atrain<strong>do</strong> muitomais <strong>do</strong> que os físicos de hoje. E não só cientistas, mas também o grandepúblico. Há muita procura hoje por conhecimentos sobre o universo. É umfato auspicioso verificar que se busca saber mais não apenas sobre o homem,mas também sobre o planeta e o universo (Gleiser, 1997).Os currículos escolares, numa visão ecopedagógica, deverão incluir,desde o estu<strong>do</strong>s infantis, não apenas o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> ambiente natural, o entorno,os contextos urbanos, mas a história da Terra e <strong>do</strong> Universo. A ecopedagogianos ensina a olhar para o céu.Educar para a cidadania planetária implica muito mais <strong>do</strong> que umafilosofia educacional, <strong>do</strong> que o enuncia<strong>do</strong> de seus princípios. A educaçãopara a cidadania planetária implica uma revisão <strong>do</strong>s nossos currículos,243


uma reorientação de nossa visão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> da educação como espaço deinserção <strong>do</strong> indivíduo não numa comunidade local, mas numa comunidadeque é local e global ao mesmo tempo. Educar, então, não seria como diziaEmile Durkheim, a transmissão da cultura de uma geração para outra, masa grande viagem de cada indivíduo no seu universo interior e no universoque o cerca.244Referências BibliográficasANTUNES, A. Leitura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> no contexto da planetarização:por uma pedagogia da sustentabilidade. São Paulo, 2002. Tese(Doutora<strong>do</strong>) – Faculdade de Educação da Universidade de SãoPaulo.BOFF, L. Nova era: a civilização planetária. São Paulo: Ática,1994.FÓRUM GLOBAL 92. Trata<strong>do</strong>s das ONGs, aprova<strong>do</strong>s noFórum Internacional das Organizações Não Governamentais eMovimentos Sociais no âmbito <strong>do</strong> Fórum Global ECO 92. Riode Janeiro: Fórum das ONGs, 1992.FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários àprática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.GADOTTI, M. Pedagogia da práxis. São Paulo, Cortez, 1995._____. Pedagogia da terra. São Paulo: Peirópolis, 2000.GLEISER, M. A dança <strong>do</strong> universo: <strong>do</strong>s mitos da criação ao bigbang. São Paulo: Companhia das letras, 1997.GUTIÉRREZ, F.; PRADO, C. Ecopedagogia e cidadania planetária.São Paulo: Cortez, 1999.LEVY, P. A conexão planetária: o merca<strong>do</strong>, o ciberespaço, a consciência.São Paulo: Editora 34, 2001.MORIN, E.; KERN, A.B. Terre-Patrie. Paris: Seuil, 1993.NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. SãoPaulo: Trion, 1999.PINEAU, G. (Org.). De l´air: essai sur l´écoformation. Paris: Païdéia,1992.SANTOS, M. Por uma outra globalização: <strong>do</strong> pensamento único àconsciência universal. São Paulo: Record, 2000.SCHMIED-KOWARZIK, W. O futuro ecológico como tarefa dafilosofia. São Paulo: IPF, 1999. (Cadernos de Ecopedagogia, v. 4)


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PERTENCIMENTOLais Mourão SáPalavras-chave: complexidade; educação ambiental; crise socioambiental;interdisciplinaridade; transdisciplinaridade; cultura; identidade humana;autopoiese.Uma das noções mais relevantes para a compreensão da crise socioambientalque vivemos hoje, é a noção de pessoa humana.A ideologia individualista da cultura industrial capitalista modernaconstruiu uma representação da pessoa humana como um ser mecânico,desenraiza<strong>do</strong> e desliga<strong>do</strong> de seu contexto, que desconhece as relações queo tornam humano e ignora tu<strong>do</strong> que não esteja direta e imediatamente vincula<strong>do</strong>ao seu próprio interesse e bem-estar.Esta visão particularista e fragmentada <strong>do</strong> ser humano tem si<strong>do</strong> amplamenteapontada não somente como uma das causas, mas como o principalobstáculo para a superação da incapacidade política de reverter os riscosambientais e a exclusão social.A história das formas pelas quais a espécie humana tem construí<strong>do</strong> asua inserção ecológica mostra que a capacidade de inscrição congruente 64da organização social na eco-organização 65 , principalmente a partir da <strong>do</strong>mesticaçãodas espécies vivas e das revoluções tecnológicas, apresenta umavariedade de momentos críticos de diversas ordens, onde se romperam oslimites dentro <strong>do</strong>s quais a vida pode se manter de mo<strong>do</strong> sustentável.O rompimento desses limites não é, portanto uma novidade da sociedadecontemporânea, mas o atual patamar de intervenção antropossocialna biomassa parece representar um limiar entre subjugação e sujeição 66 quenunca antes foi ultrapassa<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> tão radical.A degradação socioambiental se traduz na perda <strong>do</strong>s saberes práxicosque sustentavam as relações de mútuo pertencimento entre o humano e o68Anel recorrente: relação circular espiralada entre conceitos ou fenômenos, conectan<strong>do</strong> o fim ao inícioe produzin<strong>do</strong> as condições necessárias para a continuação <strong>do</strong> ciclo em novos patamares.69Dialógica: lógica que admite a simultaneidade de relações de complementaridade, antagonismoe/ou concorrência.70Sigo, alteran<strong>do</strong> em alguns casos a ordem original, as idéias de Luis Gabarrón e Libertad HérnandezLanda, em investigación participativa (1994). Raras vezes encontrei uma síntese tão oportuna comoesta e em sua íntegra e com os comentários <strong>do</strong>s autores, ela pode ser encontrada entre as páginas28 e 44.71Um <strong>do</strong>s autores mais originais nesta direção é Oscar Jara. Um de seus últimos trabalhos aborda a247


seu meio. O pesca<strong>do</strong>r perde o conhecimento rico e profun<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar e a suaperícia; o caça<strong>do</strong>r perde a arte estratégica e sutil de ler os indícios e vestígios,o agricultor perde a ligação com o planeta, o cosmos, o ecossistema.Dessa forma, forjam-se pessoas dependentes de relações artificiais devida (principalmente no meio urbano, mas não apenas aí), comandadas pormecanismos centraliza<strong>do</strong>res cujo mo<strong>do</strong> de operação desconhecem.Diz-se, então que os humanos perderam a capacidade de pertencimento.As ideologias contemporâneas sobre o desenvolvimento econômicoancoram-se numa crença irracional que inverte radicalmente a afirmação<strong>do</strong> sábio chefe indígena Seattle, ou seja, elas parecem acreditar que “nadaque acontecer à Terra afetará os filhos da Terra”.Trata-se, realmente de uma representação idealizada sobre os poderesmilagrosos da tecno-ciência, como se esta fosse um instrumentoneutro, desvincula<strong>do</strong> das intenções emanadas <strong>do</strong> projeto de sociedade<strong>do</strong>minante, e como se fosse possível deter o avassala<strong>do</strong>r processo deglobalização da pobreza sem reverter o não menos avassala<strong>do</strong>r processode concentração da riqueza.Esta crença cultural na eficácia milagrosa de um conhecimento puramenteinstrumental é produzida e reproduz o desenraizamento <strong>do</strong>s humanosde seu solo biológico e planetário, oculta a complexidade da vida e desligao humano de seus vínculos intrínsecos com a ordem cósmica.A transformação deste padrão é obviamente um problema educacional,no seu senti<strong>do</strong> mais amplo e intrínseco, psico-cultural e sociopolítico,pois se trata de fazer emergir <strong>do</strong> inconsciente coletivo da humanidade suasexperiências de pertencimento, trazer para a luz da consciência os conteú<strong>do</strong>socultos na sombra de nossa solidão como partes desgarradas de um mun<strong>do</strong>parti<strong>do</strong>.Porém as estratégias apontadas para o enfrentamento desta situaçãodentro <strong>do</strong> campo ambiental e, mais especificamente, da educação, ainda seencontram aquém de uma compreensão deste tipo.A noção de pertencimento que aparece nos discursos e práticas deEducação Ambiental não é um conceito que já se encontre formal e racionalmentedefini<strong>do</strong>, <strong>do</strong> qual seja possível identificar uma nítida trajetória.Pelo contrário, trata-se de uma noção fluida e escorregadia, utilizada quasesempre de mo<strong>do</strong> superficial e ingênuo.A intenção de qualificar o mo<strong>do</strong> de relação entre os humanos e anatureza passa por uma diversidade de senti<strong>do</strong>s que vai desde a suposiçãode uma identidade imediata <strong>do</strong> humano com o biológico até as mais sofisti-248


cadas posições humanistas sobre a autonomia e o poder de construção deuma nova natureza por parte da vontade humana.A noção de pertencimento aparece também nas discussões sobre arelação entre ética e sustentabilidade, referin<strong>do</strong>-se a uma possibilidade detransformação de comportamentos, atitudes e valores para formação de pessoase relações capazes de protagonizar um novo paradigma (Jara, 2001).No senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> pertencimento social, desde o início <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>Tönnies e Weber teorizaram sobre o fundamento da comunidade em laçospessoais de reconhecimento mútuo e no sentimento de adesão a princípiose visões de mun<strong>do</strong> comuns, que fazem com que as pessoas se sintam participantesde um espaço-tempo (origem e território) comum.Vale destacar também o senti<strong>do</strong> trazi<strong>do</strong> pela vertente da EcologiaProfunda, a partir de Arne Naess, que traz uma abertura epistemológica paraa inclusão da subjetividade como fonte de conhecimento. Nesta vertente, osenti<strong>do</strong> de pertencimento é sublinha<strong>do</strong> como uma capacidade humana deempatia entre subjetividades, desde que o humano reconheça a subjetividadecomo uma qualidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vivo e entre em comunicação intersubjetivacom ele. No entanto, a questão ainda fica incompleta, na medida em quenão se incorpora o conhecimento lógico objetivo nessa visão de pertencimento.As reflexões que se seguem visam apontar algumas diretrizes paraa incorporação crítica da noção de pertencimento nas propostas de EducaçãoAmbiental, de mo<strong>do</strong> que os educa<strong>do</strong>res possam operacioná-las paraa sua prática.Vamos considerar aqui <strong>do</strong>is pontos importantes para essa construção: oenraizamento físico e biológico <strong>do</strong> sujeito humano e a sua condição culturalpropriamente humana.A solidariedade entre os filhos <strong>do</strong> solO enraizamento físico e biológico <strong>do</strong> sujeito humano é uma referêncianecessária na construção da idéia de pertencimento <strong>do</strong> sujeito vivo às suaspré-condições de vida, ou seja, a nossa auto-compreensão humana comoco-existentes em um cosmos e em um oikos.Todas as culturas humanas têm produzi<strong>do</strong> explicações a respeito denossa condição de filhos <strong>do</strong> universo, quer seja na linguagem mítica, ou nalinguagem científica da sociedade atual. E isto acontece porque precisamosdestas respostas para construir a plenitude de nossa identidade humana e<strong>do</strong> nosso morar no mun<strong>do</strong>.249


Seja qual for a resposta que a<strong>do</strong>temos para explicar o mo<strong>do</strong> de existência<strong>do</strong> universo, ela sempre nos remete à nossa própria existência comoseres desse universo, a cujo destino estamos inexoravelmente presos. Poroutro la<strong>do</strong>, as representações <strong>do</strong> pertencimento ao mun<strong>do</strong> vivo enfocam aconstituição existencial subjetiva que partilhamos com as demais espéciesplanetárias, em meio à sua enorme diversidade.A visão <strong>do</strong> pensamento complexo, no quadro inter e transdisciplinar 67da ciência contemporânea (Edgar Morin, Humberto Maturana, Henri Atlan,entre outros), por exemplo, propõe ao pensamento científico uma habilidadede lidar com os aparentes para<strong>do</strong>xos, reconsidera<strong>do</strong> a dicotomia entreautonomia e dependência entre os seres vivos nos ecossistemas e, portanto,entre o humano e o meio onde ele existe.Dessa forma, os organismos individuais podem ser vistos ao mesmotempo a partir da sua dependência <strong>do</strong> código genético da espécie e a partirda sua condição de seres autônomos, cujas interações espontâneas são coforma<strong>do</strong>rasda eco-organização.Solidários e competi<strong>do</strong>res, na diversidade reprodutiva das espécies ena solidariedade competitiva das cadeias alimentares, os seres interdependentessustentam os pequenos e médios ciclos da vida no planeta. Trabalhan<strong>do</strong>nas associações e nos antagonismos para si e para os seus, sustentama estabilidade dinâmica <strong>do</strong> to<strong>do</strong>.Nessa, como em tantas outras cosmologias ancestrais, a solidariedadeprecisa ser mais forte que a competição, para a sustentabilidade da organizaçãoviva. Seja uma ameba, seja um humano, o indivíduo vivo é vistosimultaneamente como um ser de carências e de liberdades, em sua duplaidentidade: egoísta e ecológica.Pelo ângulo da identidade egoísta, Maturana denominou os sistemasvivos de autopoiéticos, por sua capacidade circular e autônoma de construirseus próprios componentes, definir seus limites e sua organização. Ao mesmotempo em que se transmite geneticamente, a auto-organização <strong>do</strong> ser vivoforma um organismo capaz de computar informação sobre si e sobre o mun<strong>do</strong>externo, acumulan<strong>do</strong> experiência, memória, crian<strong>do</strong> estratégias de vida, euma existencialidade própria (história).Por seu egocentrismo, o ser individual vive uma solidão existencial,ou seja, uma nítida fronteira que o separa <strong>do</strong> seu meio externo, onde estãoos outros seres. Porém, esta mesma condição de solidão, incerteza e sepasistematizaçãode experiências participativas na educação popular. A leitura de trabalhos sobrea sistematização de ações sociais populares resulta muito oportuna porque ela representa, a seumo<strong>do</strong>, uma atualização para os anos 80, 90 e seguintes, das propostas originais de estilos participativosna América Latina. Entre os livros anteriores, ver: Conocer la realidad para transformala250


ação engendra também um princípio de inclusão, ou seja, impele à buscada comunicação informacional e cognitiva com esse meio externo e comesses outros. A necessidade de associar-se a outros seria, então um aspectoindissociável da organização viva <strong>do</strong> indivíduo-sujeito. As relações intersubjetivasformam circuitos trans-subjetivos que geram organizações desegun<strong>do</strong> grau, como os organismos complexos <strong>do</strong>s mamíferos, e de terceirograu, como as sociedades animais e humanas.Nessa visão, os indivíduos-sujeitos se incluem em relações de pertencimentosem perder sua identidade particular, realizan<strong>do</strong> simultaneamentea distinção individual e o pertencimento societário, a inclusão identitária ea exclusão egocêntrica.Quanto mais complexos na sua constituição biológica, mais autônomose dependentes são os indivíduos, e maiores as suas chances de enfrentardesafios e riscos, assim como maiores são as suas necessidades de afeição,nutrição e proteção.Se aceitarmos essas premissas, podemos então dizer que esta capacidadee necessidade própria <strong>do</strong>s indivíduos-sujeitos vivos se desenvolve em seumais alto grau nos humanos e se constitui no fundamento <strong>do</strong> pertencimentoe da compreensão humana <strong>do</strong> sujeito vivo.Natureza e sociedadePor outro la<strong>do</strong>, ao indagarmos sobre o que distingue a natureza humanana dimensão da vida, encontramos uma nova premissa. A construçãoda noção de pertencimento humano exige um passo além, que permita inscrevera lógica da vida nas condições específicas <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de organizaçãoda sociedade humana.Para não cair no reducionismo biológico, temos que pensar o pertencimentohumano ao oikos e ao socius naquilo que lhe é inerentementeespecífico, ou seja, na condição propriamente humana de nossa identidadecultural.O que acontece em termos de complexificação da vida, quan<strong>do</strong> setrata da espécie humana? Se a autonomia <strong>do</strong> indivíduo vivo se sustentaem sua capacidade de aprendizagem, pela qual ele é capaz de enfrentar asincertezas ecológicas elaboran<strong>do</strong> estratégias de cognição e comportamentopróprias e únicas, no caso da espécie homo emerge uma revolução mental,na qual o crescimento e reorganização <strong>do</strong> cérebro mamífero permite novascompetências e autonomias, até a criatividade e inventividade humanas,engendran<strong>do</strong> a consciência e o pensamento.251


Morin (1999) propõe que a cultura seja considerada como um capitalgenético de segun<strong>do</strong> grau, que provê uma nova base de informações eprogramas de saberes, normas, comportamentos que organizam a relaçãosociedade-natureza. Trata-se de uma outra e mais complexa dimensão depertencimento.A nova base organizacional trazida pela cultura se inscreve e se veiculapor meio da linguagem e da comunicação. Maturana diz que o humanovive imerso na linguagem, como o meio comunicacional onde se formame se transformam as aptidões mentais, psicológicas e afetivas. É nela que acultura reproduz em cada sujeito a complexidade social, ao mesmo tempoem que neles se transforma.Pelo processo comunicativo da socialização internaliza-se um padrãocultural externo ao indivíduo, forma<strong>do</strong> da acumulação de aquisiçõescoletivas, transforman<strong>do</strong>-o em sujeito construí<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong>s limites de umdetermina<strong>do</strong> universo cultural.As mitologias e ritualísticas antigas costumam expandir essa capacidadehipercomplexa de criação e recriação atribuin<strong>do</strong>-a ao mun<strong>do</strong> vivoem geral, um mo<strong>do</strong> de representação que é chama<strong>do</strong> de animismo. Dessaforma, o pensamento mítico ancestral afirma o que, de resto, é também umaconclusão <strong>do</strong> pensamento complexo contemporâneo: para o humano, nãohá como ver o mun<strong>do</strong> senão pela dinâmica da criação cultural.Se é verdade que toda visão humana de mun<strong>do</strong> é estritamente umavisão cultural, de cujos limites jamais poderemos escapar (seja ela mítica,ideológica, filosófica ou científica), também é certo que o padrão culturalé aberto e se transforma, exatamente na práxis <strong>do</strong>s indivíduos-sujeitosinterconecta<strong>do</strong>s, na relação de pertencimento entre os ecossistemas e associedades humanas.O que temos chama<strong>do</strong> de consciência ecológica seria o resgate dessacondição de pertencimento na práxis humana, recolocan<strong>do</strong> a produção <strong>do</strong>conhecimento no anel recorrente 68 que liga sociedade e natureza.É nesse senti<strong>do</strong> que podemos afirmar: os humanos somos pertencentesao mun<strong>do</strong> físico, parentes de to<strong>do</strong>s os seres vivos, mas ao mesmo tempodistancia<strong>do</strong>s e estranhos a eles; somos profundamente enraiza<strong>do</strong>s em nossosuniversos culturais que ao mesmo tempo nos abrem e nos fecham as portasde outros possíveis conhecimentos.(1991); Investigación participativa – una dimensión integrante de la educación popular (1990).Em português pode ser li<strong>do</strong> o seu livro: Para sistematizar experiências (1996).252


O princípio <strong>do</strong> pertencimento parece, assim, traduzir-se como umadialógica 69 entre semelhança e estranhamento.Na visão ancestral das sociedades antigas, onde mito, filosofia, éticae ciência estavam profundamente entrelaça<strong>do</strong>s e indissocia<strong>do</strong>s, semelhançae identificação são aquilo que nos torna capazes de compreensão da e nasubjetividade, estabelecen<strong>do</strong> uma comunicação com base na afetividade,isto é, na possibilidade de sermos diretamente afeta<strong>do</strong>s pelo outro. Poroutro la<strong>do</strong>, é no estranhamento, na radicalidade da diferença, que mora apossibilidade de um conhecimento objetivo, distancia<strong>do</strong> o suficiente parapermitir uma compreensão complexa da diferença <strong>do</strong> outro.Parece, então que o princípio <strong>do</strong> pertencimento traz em seu bojo aquestão da subjetividade como uma dimensão intrínseca <strong>do</strong> conhecimentovivo e humano, e que integrá-la é condição de acesso à objetividade, istoé, à possibilidade de um conhecimento que se sabe pertencente e se quercompatível com a complexidade <strong>do</strong> vivi<strong>do</strong>.Sugestões meto<strong>do</strong>lógicasDepois dessa discussão conceitual, vem a pergunta: como fazer parainserir estas idéias na prática <strong>do</strong>(a) educa<strong>do</strong>r(a) ambiental?Precisamos, então, de algumas indicações para que o princípio <strong>do</strong>pertencimento possa permear a construção de estratégias meto<strong>do</strong>lógicas.Elas são registradas a seguir sob a forma de “sinais de alerta”:1) Fique atento ao seu próprio mo<strong>do</strong> de construir essa noção e façadeste exercício uma reflexão sobre a sua própria prática;2) Permita que idéias aparentemente contraditórias e opostas convivamnuma visão de complementaridade e reconheça a possibilidadede sua convivência lógica com as relações de antagonismo. Porexemplo: perceba a dupla identidade egoísta e ecológica <strong>do</strong>s seresvivos, sua capacidade de estabelecer relações de pertencimento semperder a identidade particular, sen<strong>do</strong> ao mesmo tempo autônomos edependentes;3) Não perca de vista a necessidade de inscrever as percepções extraídas<strong>do</strong> pertencimento ecológico nas condições específicas <strong>do</strong> mo<strong>do</strong>de organização da sociedade humana;72Termo latino que significa esforço de ou esforço para permanecer na existência conservan<strong>do</strong> seuesta<strong>do</strong>.253


4) Procure perceber a relatividade, a diversidade, os limites e potenciais<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> pelo qual a cultura organiza a inserção biológica <strong>do</strong>shumanos, em suas manifestações míticas, ideológicas, filosóficas ecientíficas;5) Ao cuidar das relações humanas, considere sempre a diversidadedas experiências de mun<strong>do</strong> e as possibilidades de convivência naresponsabilidade pela vida no planeta;6) Esteja atento(a) à confluência entre a pessoa e o coletivo, às diferençasde poder e à possibilidade de autoria comum das regras demútua convivência.Quanto à possibilidade de avaliar a prática da educação ambiental emfunção <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> pertencimento, uma sugestão é que os indica<strong>do</strong>resconsiderem as modificações na capacidade de auto-organização das pessoase grupos, no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> desenvolvimento da inteligência (individual e coletiva)para elaborar estratégias cognitivas e de comportamento que integrema incerteza e os riscos para lidar com as mudanças.Para desencadear o debate e promover situações pedagógicas utilizan<strong>do</strong>este princípio é importante reconhecer a existência de uma pedagogiada eco-organização, ou seja: a escola da vida como uma máquina de ensinarque não fornece as informações, mas as condições <strong>do</strong> conhecimento, desafian<strong>do</strong>a inteligência e estimulan<strong>do</strong> a criação de estratégias cognitivas.Idéias matrizes para atividades:• Trabalhar com a condição existencial subjetiva que partilhamos comas demais espécies planetárias.• Identificar o grau de diversidade viva (natural e cultural) no contextolocal, e considerar criticamente suas conseqüências sobre a construçãoda noção de pertencimento.• Comparar a relação de <strong>do</strong>minância entre os princípios da solidariedadee da competição na organização <strong>do</strong>s ecossistemas e nas relaçõeshumanas da sociedade atual.• Significar o enraizamento humano no mun<strong>do</strong> físico e no mun<strong>do</strong> biológico,e suas implicações para a compreensão <strong>do</strong>s jogos sociais.• Levantar e debater as cosmologias a respeito da relação sociedade-254


natureza, na linguagem mítica, ideológica, filosófica e científica, emsociedades antigas e atuais.• Mapear a ideologia individualista nas situações cotidianas e atuarpedagogicamente no senti<strong>do</strong> de fazer pontes com níveis de realidadeesqueci<strong>do</strong>s.• Identificar padrões de <strong>do</strong>minação <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s tecnológicos contemporâneosde organização humana sobre autonomia <strong>do</strong>s indivíduossujeitos.Bibliografia citada e para aprofundamento <strong>do</strong>tema:ALMEIDA, M. da C. de et al. Ética, solidariedade e complexidade.São Paulo: Palas Athena, 1998.ATLAN, H. Entre o cristal e a fumaça: ensaio sobre a organização<strong>do</strong> ser vivo. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.BRANDÃO, C.R. Outros olhares, outros afetos, outras idéias:homem, saber e natureza. In: Somos as águas puras. São Paulo:Papirus, p.71-135, 1994.BOFF, L. Ethos mundial. Um consenso mínimo entre os humanos.Brasília: Letraviva, 2000.CHEFE SEATTLE. Carta ao presidente <strong>do</strong>s EUA, em 1854,divulgada pela UNESCO em 1976. In: FARIA, A.A. da C. (Org.).<strong>Encontros</strong> fortuitos. Reflexões sobre a natureza. São Paulo: Ed.SENAC, 2002.DRENGSON, A.; INOUE, Y. The Deep Ecology Movement:an introductory anthology. Berkeley, California: North AtlanticBooks, 1995.JARA, C.J. As dimensões intangíveis <strong>do</strong> desenvolvimento sustentável.Brasília: Instituto Interamericano de Cooperação para aAgricultura - IICA, 2001.LUTZEMBERGER, J. Hipótese Gaia. Disponível em: http://www.arvore.com.br. Acesso em: maio de 2005.MATURANA, H. Transdisciplinaridade e Cognição. In: NICO-LESCU, B. (Org.). Educação e transdisciplinaridade. Brasília:UNESCO, p. 83-114, 2000.MORIN, E. O Méto<strong>do</strong>. A Natureza da natureza. Volume I. 3 ed.255


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PESQUISA PARTICIPANTECarlos Rodrigues BrandãoPalavras-chave: aprender; ensinar; ensinar-aprender; solidário; conhecimento;partilha; <strong>do</strong>cência; conhecer; conhecimento partilha<strong>do</strong>; pesquisaparticipante; aprender-com-o-outro; solidariedade; co-responsabilidade.A pesquisa participante hoje: alguns princípios desua atualidadeAlguns nomes, algumas idéias de ontem e de agoraQualquer que seja o nome originalmente da<strong>do</strong> às diversas propostas dealternativas participativas na investigação social - “pesquisa participante”,auto-diagnóstico”, “pesquisa ação”, “pesquisa participativa”, “investigaçãoação participativa” - podemos reconhecer algumas convergências entre elas,aqui no Brasil e na América Latina.• As diferentes propostas e experiências surgem mais ou menos aomesmo tempo, entre as décadas <strong>do</strong>s anos 60 e 80 em poucos lugaresda América Latina, mas em pouco tempo elas se difundem por to<strong>do</strong>o Continente.• Elas se originam dentro de diferentes unidades de ação social queatuam preferencialmente junto a grupos ou comunidades populares.Em sua maioria, elas serão postas em prática dentro de movimentossociais populares emergentes, ou se reconhecem estan<strong>do</strong> a serviçode tais movimentos.• Elas herdam e re-elaboram diferentes fundamentos teóricos ediversos estilos de construção de modelos de conhecimento socialatravés da pesquisa científica. Não existe na realidade um modeloúnico ou uma meto<strong>do</strong>logia científica própria a todas as abordagensda pesquisa participante.• Entre as suas diferentes opções, de mo<strong>do</strong> geral, as alternativas participativasse reconhecem como integradas em projetos de envolvimentoe mútuo compromisso de ações sociais de vocação popular.Nisto, geralmente elas colocam face-a-face pessoas e agências sociais“eruditas” (como um sociólogo, um educa<strong>do</strong>r de carreira ou uma Ongde direitos humanos) e “populares” (como um indígena tarasco, um259


operário sindicaliza<strong>do</strong> argentino, um camponês semi-alfabetiza<strong>do</strong><strong>do</strong> Centro-Oeste <strong>do</strong> Brasil, ou o Movimento <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>resRurais Sem-Terra). Assim, elas partem de diferentes possibilidadesde relacionamentos entre os <strong>do</strong>is pólos de atores sociais envolvi<strong>do</strong>s,interativos e participantes.• As pesquisas participantes atribuem aos agentes-populares diferentesposições na gestão de esferas de poder ao longo no processo dapesquisa, assim como na gestão <strong>do</strong>s processos de ação social dentroda qual a pesquisa participante tende a ser concebida como uminstrumento, um méto<strong>do</strong> de ação científica, ou um momento de umtrabalho popular de dimensão pedagógica e política quase sempremais amplo e de maior continuidade <strong>do</strong> que a própria pesquisa.• Via de regra, as diferentes alternativas da pesquisa participante surgemem intervalos entre a contribuição teórica e meto<strong>do</strong>lógica vindada Europa e <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América <strong>do</strong> Norte, e a criação ourecriação original de sistemas africanos, asiáticos e latino-americanosde pensamentos e de práticas sociais. Não é raro que uma abordagemque se auto-identifica como “dialética” empregue, na prática, procedimentosformais e quantitativos próprios a abordagens meto<strong>do</strong>lógicasde cunho neopositivista.Após esta listagem de pontos mais ou menos comuns, seria proveitosofazermos aqui uma síntese de alguns princípios operativos que foram mais oumenos comuns e que fundamentaram as experiências originais da pesquisaparticipante aqui no Brasil e em praticamente toda a América Latina. Mesmoque eles possam parecer, aos olhos de hoje algo radicais e, por isto mesmo,ultrapassa<strong>do</strong>s, devemos levar em conta a sua relativa atualidade, sobretu<strong>do</strong>nas experiências que preservam vínculos entre a pesquisa participante e osmovimentos sociais.Alguns fundamentos e alguns princípios convergentese atuaisPodemos seguir as idéias de <strong>do</strong>is mexicanos, Luis Gabarron e LibertadLanda, tal como elas foram escritas em um excelente pequeno livro,infelizmente nunca traduzi<strong>do</strong> para o português 70 .Lembramos que essa listagem de “princípios de ação” vale com73Axioma: uma proposição evidente por si mesma, um conjunto de princípios não demonstráveis.74Que remete ao conceito de epistemologia: stu<strong>do</strong> <strong>do</strong> campo, <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s limites da produçãode conhecimento.75Durante a realização de um <strong>do</strong>s Fóruns Leituras de Natureza, em 23 de junho de 2002, no LEPA/260


maior fidelidade para as idéias e as propostas de pesquisa participanteque defendiam ou seguem defenden<strong>do</strong> uma aliança direta de enlace entrenós e os movimentos populares. É bem evidente que esses princípios daação social através da investigação científica não correspondem a todasas alternativas <strong>do</strong>s tempos de origem da pesquisa participante entre nós.Ampliamos a forma como, no texto original, cada um <strong>do</strong>s “princípios” éapresenta<strong>do</strong>, buscan<strong>do</strong> tornar mais atuais as palavras originais em que nosestamos basean<strong>do</strong>. Logo a seguir, comentamos alguns deles em conjunto.• O ponto de origem da pesquisa participante deve estar situa<strong>do</strong> emuma perspectiva da realidade social, tomada como uma totalidade emsua estrutura e em sua dinâmica. Mesmo que a ação de pesquisa emesmo que as ações sociais associadas a ela sejam bem locais e bemparciais, incidin<strong>do</strong> sobre apenas um aspecto de toda uma vida social,nunca se deve perder de vista as integrações e interações que compõemo to<strong>do</strong> das estruturas e das dinâmicas desta mesma vida social.• Deve-se partir da realidade concreta da vida cotidiana <strong>do</strong>s própriosparticipantes individuais e coletivos <strong>do</strong> processo, em suas diferentesdimensões e interações. A vida real, as experiências reais, as interpretaçõesdadas a estas vidas e experiências, tais como são vividas epensadas pelas pessoas com quem interatuamos.• Os processos e as estruturas, as organizações e os diferentes sujeitossociais devem ser contextualiza<strong>do</strong>s em sua dimensão histórica, pois éo acontecer de momentos da vida vivi<strong>do</strong>s no fluxo de uma história, e éa integração orgânica <strong>do</strong>s acontecimentos de tal dimensão, aquilo queem boa medida explica as dimensões e interações <strong>do</strong> que chamamosuma realidade social.• A relação tradicional de sujeito-objeto entre investiga<strong>do</strong>r-educa<strong>do</strong>re os grupos populares deve ser progressivamente convertida emuma relação <strong>do</strong> tipo sujeito-sujeito, a partir <strong>do</strong> suposto de que todasas pessoas e todas as culturas são fontes originais de saber. A partir,também, da consciência de que é da interação entre os diferentes conhecimentosque uma forma partilhável de compreensão da realidadesocial pode ser construída através <strong>do</strong> exercício de uma pesquisa. Oconhecimento científico e o popular articulam-se criticamente em umterceiro conhecimento novo e transforma<strong>do</strong>r.• Deve-se partir sempre da busca de unidade entre a teoria e a261


prática, e construir e re-construir a teoria a partir de uma seqüênciade práticas refletidas criticamente. A pesquisa participante deve serpensada como um momento dinâmico de um processo de ação socialcomunitária. Ela se insere no fluxo desta ação e deve ser exercidacomo algo integra<strong>do</strong> e, também, dinâmico.• As questões e os desafios surgi<strong>do</strong>s ao longo de ações sociais definema necessidade e o estilo de procedimentos de pesquisa participante.O processo e os resulta<strong>do</strong>s de uma pesquisa interferem nas práticassociais e, de novo, o seu curso levanta a necessidade e o momentoda realização de novas investigações participativas.• A participação popular comunitária deve se dar, preferencialmente,através de to<strong>do</strong> o processo de investigação-educação-ação. De umamaneira crescente, de uma para outras experiências, as equipes responsáveispela realização de pesquisas participativas devem incorporare integrar agentes assessores e agentes populares.• O ideal será que em momentos posteriores exista uma participaçãoculturalmente diferenciada, mas social e politicamente equivalente eigualada, mesmo que entre pessoas e grupos provenientes de tradiçõesdiferentes quanto aos conteú<strong>do</strong>s e aos processos de criação social deconhecimentos.• O compromisso social, político e ideológico <strong>do</strong>/da investiga<strong>do</strong>r(a)é com a comunidade, é com pessoas e grupos humanos populares,com as suas causas sociais. Mesmo em uma investigação ligada aum trabalho setorial e provisório, o propósito de uma ação social devocação popular é a autonomia de seus sujeitos na gestão <strong>do</strong> conhecimentoe das ações sociais dele derivadas. É, também, a progressivaintegração de dimensões de conhecimento parcelar da vida social, emplanos mais dialeticamente interliga<strong>do</strong>s e inter-dependentes.• Deve-se reconhecer e deve-se aprender a lidar com o caráter políticoe ideológico de toda e qualquer atividade científica e pedagógica. Apesquisa participante deve ser praticada como um ato de compromissode presença e de participação claro e assumi<strong>do</strong>.• Não existe neutralidade científica em pesquisa alguma e, menosainda, em investigações vinculadas a projetos de ação social. Noentanto, realizar um trabalho de partilha na produção social de con-262


hecimentos, não significa o direito a pré-ideologizar partidariamenteos pressupostos da investigação e a aplicação de seus resulta<strong>do</strong>s.• Na maior parte <strong>do</strong>s casos, a pesquisa participante é um momento detrabalhos de educação popular realiza<strong>do</strong>s junto com e a serviço decomunidades, grupos e movimentos sociais, em geral, populares. É <strong>do</strong>constante diálogo não <strong>do</strong>utrinário de parte a parte que um consensosempre dinâmico e modificável deve ir sen<strong>do</strong> também construí<strong>do</strong>.Uma verdadeira pesquisa participante cria solidariamente, mas nuncaimpõe partidariamente conhecimentos e valores.• A investigação, a educação e a ação social convertem-se em momentosmeto<strong>do</strong>lógicos de um único processo dirigi<strong>do</strong> à transformaçãosocial. Mesmo quan<strong>do</strong> a pesquisa sirva a uma ação social local elimitada como foco sobre uma questão específica da vida social, é oseu to<strong>do</strong> o que está em questão.• E é a possibilidade de transformação de saberes, de sensibilidadese de motivações populares em nome da transformação da sociedadedesigual, excludente e regida por princípios e valores <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> debens e de capitais, em nome da humanização da vida social, que osconhecimentos de uma pesquisa participante devem ser produzi<strong>do</strong>s,li<strong>do</strong>s e integra<strong>do</strong>s como uma forma alternativa emancipatória desaber popular.Naquilo que as aproxima, as alternativas de pesquisa participanteda tradição brasileira e latino-americana, sonharam inovar as abordagensconhecidas e praticadas como ações sociais com base em conhecimentoscientíficos, através <strong>do</strong> aporte de novas alternativas de trabalho junto a grupose a comunidades populares. Observam-se hoje em dia uma grande variedadede alternativas. De mo<strong>do</strong> geral, os seus ganhos teóricos e ideológicos forame seguem sen<strong>do</strong> maiores <strong>do</strong> que as suas realizações práticas.Dos anos 60 e 70 até os dias de hoje, as suas diversas alternativaspretendiam re-criar os termos da crítica científica e política às relaçõestradicionais entre o conhecimento produzi<strong>do</strong> através de pesquisas científicase as ações sociais associadas a elas ou delas derivadas. Elas aspiravam eseguem aspiran<strong>do</strong> diferentes dimensões de transformações de ações sociaisde vocação comunitária e popular, a partir de uma elaboração sistemática deconhecimentos. De saberes e de valores construí<strong>do</strong>s solidariamente gera<strong>do</strong>satravés de pesquisas sociais colocadas a serviço de experiências co-participadasde criação coletiva de saberes, a partir <strong>do</strong> enlace entre profissionaise/ou militantes agencia<strong>do</strong>s e as pessoas, grupos e comunidades populares.263


Este é também o duplo senti<strong>do</strong> da idéia de totalidade nas propostasoriginais das pesquisas participantes. Em um primeiro momento elas aspiramser algo historicamente aberto às novas idéias holísticas e transdisciplinares<strong>do</strong>s “novos paradigmas” e seus preceitos de totalizações complexas. Osfundamentos originais são direta ou indiretamente marxistas e, em vários<strong>do</strong>cumentos, as pesquisas participantes aparecem como uma “abordagemdialética 71 ”. Hoje esta postura mais centraliza<strong>do</strong>ra tem si<strong>do</strong> bastante revisitada.Surgem novas idéias e novas alternativas de interação entre antigos enovos “paradigmas” obrigan<strong>do</strong> a diálogos inevitáveis e fecun<strong>do</strong>s hoje emdia. A contribuição de um sociólogo como Boaventura de Souza Santos é,neste contexto, muito relevante. Uma das principais características das alternativasparticipativas é a sua diferenciação. Não reconhecemos hoje emdia uma tendência única ou <strong>do</strong>minante. Uma única teoria, um único méto<strong>do</strong>de trabalho e nem mesmo um único horizonte de ação social.Assim, a idéia de uma compreensão totalizante da realidade socialtem a ver com a integração de to<strong>do</strong>s os conhecimentos parcelares em estruturasdinâmicas e integradas de fatores e de processos sociais, de tal mo<strong>do</strong>que qualquer que seja o “foco <strong>do</strong> conhecimento” no ponto de origem (umapesquisa relativa a condições locais de saúde, por exemplo), a pesquisa deveráenvolver, sempre que possível, as interações entre os diferentes planose <strong>do</strong>mínios de estruturas e processos inter-determinantes da sociedade.Uma atenção especial deve ser sempre dada à dinâmica das relaçõese <strong>do</strong>s processos envolvi<strong>do</strong>s na investigação, pois uma dimensão históricaestá sempre e inevitavelmente presente.Essa dinâmica da história é importante na reconstrução <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>próximo, ela o é, mais ainda, no olhar entre o presente e o futuro. Pois,aqui, não se trata de conhecer para “promover” ou para “desenvolver” algo,mas para transformar o to<strong>do</strong> em que este “algo” existe como está e, assim,deve ser transforma<strong>do</strong> junto com o to<strong>do</strong> social de que é parte. Na pesquisaparticipante sempre importa conhecer para formar pessoas populares motivadasa transformarem os cenários sociais de suas próprias vidas e destinose, não apenas, para resolverem alguns problemas locais restritos e isola<strong>do</strong>s,ainda que o propósito mais imediato da ação social associada à pesquisaESALQ/USP.264


participante seja local e específico. A idéia de que somente se conhece oque se transforma é inúmeras vezes evocada até hoje.A este princípio de totalização associa-se a idéia de que, como integrantesde momentos da educação popular e de toda a desejada dinâmica<strong>do</strong>s movimentos populares, a pesquisa participante integra quatro propósitosque vale reunir aqui:1) Em suas variedades e variações, as abordagens participativasrespondem de maneira direta às finalidades práticas e sociais a quese destinam, como um meio de conhecimento de questões sociais aserem participativamente trabalhadas;2) Elas pretendem ser instrumentos pedagógicos e dialógicos de aprendiza<strong>do</strong>partilha<strong>do</strong> e, portanto, como vimos, possui organicamenteuma vocação educativa e, como tal, politicamente forma<strong>do</strong>ra;3) As abordagens de pesquisa de vocação participativa aspiram participarde processos mais amplos e contínuos de construção progressivade um saber mais partilha<strong>do</strong>, mais abrangente e mais sensívelàs origens <strong>do</strong> conhecimento popular;4) Em boa parte das experiências, as alternativas participativas sereconhecem vinculadas de algum mo<strong>do</strong> com a educação popular.Através dela, elas se identificam como um serviço ao empoderamento<strong>do</strong>s movimentos populares e de seus integrantes.Nestas e em outras opções, as alternativas participativas através dapesquisa abrem-se de maneira múltipla e fecunda a outros campos de açãosocial. Um deles, e um <strong>do</strong>s mais enfatiza<strong>do</strong>s hoje em dia, é o das pesquisase ações ambientalistas. De fato, um <strong>do</strong>s campos onde com mais criatividade,multiplicam-se experiências de investigações participativas, associadas aalguma forma de ação comunitária, é o das ações ambientais.Bibliografia (envolven<strong>do</strong> os textos cita<strong>do</strong>s e outrosúteis)BARBIER, R. A pesquisa-ação. Brasília: Ed. Plano, 2002.BONILLA, V.; CASTILLO, G.; FALS BORDA, O.; LIBREROS,A. Causa popular, ciência popular: uma meto<strong>do</strong>logia <strong>do</strong> conheci-265


mento científico através da ação. In: BRANDÃO, C.R. Repensan<strong>do</strong>a pesquisa participante. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1999.BRANDÃO, C.R. (Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Ed.Brasiliense, 2001._____. (Org.). Repensan<strong>do</strong> a pesquisa participante. São Paulo:Ed. Brasiliense, 1999.DE SHUTTER, A.; YOPO, B. Desarrollo y perspectivas de la investigaciónparticipativa. In: VERAJANO, G.M (Org.). La investigaciónparticipativa en América Latina. Pátzcuaro: CREFAL,1983.FERNANDEZ, W.; TANDON, R. (Ed.). Participatory researchand evaluation. Nova Delhi: Indian Social Institute, 1981.GAJARDO, M. Pesquisa Participante na América Latina. SãoPaulo: Ed. Brasiliense, 1986.GABARRON, L.R.; LANDA, L.H. Investigación participativa.Cadernos Meto<strong>do</strong>lógicos 10, Madrid: Centro de InvestigacionesSociológicas, 1994._____. Para sistematizar experiências. João Pessoa: Ed. UniversidadeFederal da Paraíba, 1996.JARA, O. Conocer la realidad para transformala. San José:ALFORJA, 1991._____. Investigación participativa: una dimensión integrante dela educación popular. San José: ALFORJA, 1990.MOSCOVICI, S. Society and theory in social psychology. In: IS-RAEL, J.; TAJFEL, H (Comp.). The context of social psychology,a critical assessment. Nova York: Academic Press, 1972.OZANIRA, M.da S. e S. Refletin<strong>do</strong> a pesquisa participante. SãoPaulo: Cortez, 1991.THIOLLENT, M. Meto<strong>do</strong>logia da pesquisa-ação. São Paulo:Cortez, 2002.266


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PESQUISA-AÇÃO: Compartilhan<strong>do</strong> saberes;Pesquisa e Ação educativa ambientalMarília Freitas de Campos Tozoni-ReisPalavras-chave: produção de conhecimentos; ação educativa; participação;parcerias; pesquisa qualitativa; meto<strong>do</strong>logia de pesquisa.As diferentes formas de pensar e agir na educaçãoambientalO tema ambiental tem feito parte das preocupações humanas já háalgumas décadas. Qualquer reflexão acerca dessa temática nos leva a pensara educação ambiental como estratégia na busca de uma sociedade maisequilibrada, de uma sociedade sustentável. Desta forma, a educação ambientalvem se consolidan<strong>do</strong> como prática educativa na educação escolar e naeducação que acontece fora da escola, em to<strong>do</strong>s os espaços de convivênciacotidiana de nossas vidas.Embora a educação ambiental já seja reconhecida como uma necessidadeda sociedade contemporânea, não é uma modalidade de educaçãocujos princípios, objetivos e estratégias educativas são iguais para to<strong>do</strong>saqueles que a praticam. Isso significa dizer que há diferenças conceituais queresultam na construção de diferentes práticas educativas ambientais. Essasdiferenças conceituais podem ser sintetizadas em alguns grandes grupos: osque pensam que a educação ambiental tem como tarefa promover mudançasde comportamentos ambientalmente inadequa<strong>do</strong>s – a educação ambiental defun<strong>do</strong> disciplinatório e moralista, como “adestramento ambiental” – aquelesque pensam a educação ambiental como responsável pela transmissão deconhecimentos técnico-científicos sobre os processos ambientais que teriamcomo conseqüência o desenvolvimento de uma relação mais adequada com oambiente – a educação ambiental centrada na transmissão de conhecimentos– e aqueles que pensam a educação ambiental como um processo político deapropriação crítica e reflexiva de conhecimentos, atitudes, valores e comportamentosque têm como objetivo a construção de uma sociedade sustentável<strong>do</strong> ponto de vista ambiental e social - a educação ambiental transforma<strong>do</strong>rae emancipatória. Podemos perceber, nessas diferentes abordagens, que aeducação ambiental pode ter uma perspectiva adapta<strong>do</strong>ra, na medida em queparte de uma análise não-crítica das relações sociais e históricas <strong>do</strong>s sujeitoscom o ambiente, ou pode ter uma perspectiva transforma<strong>do</strong>ra, partin<strong>do</strong> de269


uma análise crítica das relações <strong>do</strong>s sujeitos com o ambiente em que vivem eque são determinadas pelas formas históricas da organização das sociedades,cuja marca tem si<strong>do</strong> a desigualdade social. Se o pensar e agir educativo sobreo ambiente exige definição conceitual, é importante também que a educaçãoambiental seja estudada, seja analisada e refletida para que, mais competentee conseqüente, conceitual e praticamente, cumpra seu papel responden<strong>do</strong>as expectativas que temos cria<strong>do</strong> sobre sua atuação.270A pesquisa em educação ambientalA educação ambiental é educação, portanto, a pesquisa em educaçãoambiental tem como principal tarefa produzir conhecimentos sobre os processoseducativos em que se envolve. Partin<strong>do</strong> da idéia de que a educaçãoambiental, transforma<strong>do</strong>ra e emancipatória, trata mais diretamente <strong>do</strong>saspectos sócio-ambientais das relações humanas, a pesquisa em educaçãoambiental tem como objetivo principal produzir conhecimentos pedagógicospara a consolidação da dimensão ambiental na educação. Esse é o primeiroponto a ser considera<strong>do</strong> na construção da identidade da pesquisa em educaçãoambiental: trata-se de produção de conhecimentos para a ambientalizaçãoda educação.Um segun<strong>do</strong> ponto a ser considera<strong>do</strong> é que, como na educação, apesquisa em educação ambiental é essencialmente qualitativa. Essencialmenteporque é parte da essência da educação a necessidade de explorar,nos espaços ocultos das ações educativas cotidianas, uma realidade diversa,dinâmica, complexa e específica. Para ser compreendida, da forma maisabrangente possível, essa realidade não pode ser somente quantificável, épreciso buscar nesta atividade educativa significa<strong>do</strong>s, motivos, aspirações,crenças, valores e atitudes (Minayo, 2002). Não há razão para confrontarmosa pesquisa quantitativa com a pesquisa qualitativa, apenas precisamosimprimir à exploração da realidade educacional, um caráter qualitativo, istoé, qualquer que sejam os da<strong>do</strong>s revela<strong>do</strong>s no processo de investigação dessarealidade, as análises exigem interpretações qualitativas.A necessidade de dar à pesquisa em educação e à pesquisa em educaçãoambiental a qualidade meto<strong>do</strong>lógica necessária para que a produçãode conhecimentos que a caracteriza tenha relevância científica é o terceiroponto a ser considera<strong>do</strong>. É preciso, com seriedade e criatividade, construirmeto<strong>do</strong>logias de pesquisa em educação ambiental relevantes no campo dainvestigação científica. A meto<strong>do</strong>logia na investigação científica não podeser uma “camisa de força” que aprisione os pesquisa<strong>do</strong>res e a realidadepesquisada num compartimento pseu<strong>do</strong>-científico impedin<strong>do</strong> o movimentodinâmico dessa realidade, exige flexibilidade para adaptar-se aos diferentes


temas e objetivos, mas exige também rigor meto<strong>do</strong>lógico adequa<strong>do</strong> paraapontar caminhos e garantir legitimidade à produção <strong>do</strong>s conhecimentossobre os processos pedagógicos próprios desta área.O quarto ponto refere-se à relevância social da pesquisa em educaçãoambiental. Os processos educativos, assim como os processos ambientais,carregam em si características sócio-históricas. Portanto, a produção deconhecimentos - ou a prática social de conhecimento (Santos, 1989) - na áreada educação ambiental tem que ter como principal compromisso contribuirpara que esses processos se tornem ambiental e socialmente significativos. Aneutralidade das ciências tem si<strong>do</strong> já há algum tempo questionada e, na áreadas ciências humanas, relevância científica – que não significa neutralidade– só tem senti<strong>do</strong> se a produção <strong>do</strong>s conhecimentos sobre a realidade tiversignifica<strong>do</strong> social, tiver coerência com os referenciais políticos e sociais quefundamentam o processo de investigação.Como quinto ponto, a pesquisa em educação ambiental exige pensaras configurações internas desse processo educativo. Se, por um la<strong>do</strong>, aeducação ambiental é educação, por outro ela tem especificidades. Nessesenti<strong>do</strong>, identificar os princípios teórico-meto<strong>do</strong>lógicos <strong>do</strong>s processoseducativos ambientais nos ajuda a pensar suas necessidades investigativas.Temos defendi<strong>do</strong> a idéia que a educação ambiental, para ser educação críticae transforma<strong>do</strong>ra, educação emancipatória, tem que ser um processo coletivo,dinâmico, complexo e contínuo de conscientização e participação socialque articule também a dimensão teoria e prática, além de ser um processonecessariamente interdisciplinar.Se esses são os princípios da educação ambiental, busquemos napesquisa em educação uma meto<strong>do</strong>logia que possibilite realizar tambémna produção de conhecimentos sobre o ambiente social e sobre os processospedagógicos da educação ambiental esses princípios. Uma dessaspossibilidades é a meto<strong>do</strong>logia da pesquisa-ação-participativa, que vem seconsolidan<strong>do</strong> como uma meto<strong>do</strong>logia adequada à consecução <strong>do</strong>s objetivoscientíficos e sociais da pesquisa em educação ambiental no senti<strong>do</strong> queestamos aqui discutin<strong>do</strong>.A pesquisa-ação-participativa na educação ambientalA meto<strong>do</strong>logia da pesquisa-ação-participativa articula, radicalmente,a produção de conhecimentos, a ação educativa e a participação <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s,isto é, produz conhecimentos sobre a realidade a ser estudadae, ao mesmo tempo, realiza um processo educativo, participativo, para271


o enfrentamento dessa mesma realidade. Essa modalidade da pesquisaqualitativa também é conhecida como pesquisa participante, pesquisaparticipativa ou simplesmente pesquisa-ação, é “uma modalidade novade conhecimento coletivo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> e das condições de vida de pessoas,grupos e classes populares” (Brandão, 1981, p. 9) ou, ainda, umamodalidade alternativa de pesquisa qualitativa que coloca a ciência aserviço da emancipação social, trazen<strong>do</strong> alguns desafios: o de pesquisare o de participar, o de investigar e educar, realizan<strong>do</strong> também a articulaçãoentre teoria e prática (Demo, 1992). Ezpeleta (1989) enfatiza adimensão política da meto<strong>do</strong>logia chaman<strong>do</strong> a nossa atenção para anecessidade de garantir a participação democrática <strong>do</strong>s sujeitos envolvi<strong>do</strong>s.Tomar como ponto de partida os problemas reais para, refletin<strong>do</strong>sobre eles, romper com a separação entre teoria e prática na produçãode conhecimentos sobre os processos educativos é uma das principaiscaracterísticas dessa meto<strong>do</strong>logia de pesquisa discutida por Gómez etall (1999). Brandão (1999) denomina de pesquisa participante aquela quepermite radicalizar a participação política <strong>do</strong>s “participantes”. A pesquisaaçãoque tem como ponto de partida a articulação entre a produção deconhecimentos para a conscientização <strong>do</strong>s sujeitos e solução de problemassocialmente significativos também é discutida por Thiollent (2000).To<strong>do</strong>s esses autores nos ajudam a compreender que essa modalidadede pesquisa tem o propósito de compartilhar saberes produzi<strong>do</strong>spelos diferentes sujeitos envolvi<strong>do</strong>s no processo de educação e pesquisa;aqui os participantes deixam de ser “objetos” de estu<strong>do</strong> para serem pesquisa<strong>do</strong>res,produtores de conhecimentos sobre sua própria realidade.O sujeito que vive a realidade sócio-ambiental em estu<strong>do</strong> é, portanto,um sujeito-parceiro das investigações definidas participativamente, umpesquisa<strong>do</strong>r comunitário que constrói e produz conhecimentos sobreessa realidade em parceria com aquele que seria identifica<strong>do</strong>, numaoutra modalidade de pesquisa, como pesquisa<strong>do</strong>r, aqui defini<strong>do</strong> comopesquisa<strong>do</strong>r acadêmico.Pesquisa<strong>do</strong>res Acadêmicos e Pesquisa<strong>do</strong>res Comunitários tornamse,então, parceiros de investigação da realidade e da realização da açãoeducativa sobre ela, compartilham conhecimentos que trazem de suasdiferentes experiências sócio-históricas com o objetivo de promover,pela ação-reflexão-ação, transformações na realidade sócio-ambientalque investigam. Desta forma, cada um tem um papel no delineamento,coletivo e participativo – democrático – das investigações pretendidas,isto é, as respostas <strong>do</strong> que se vai investigar, como se vai investigar, paraque se vai investigar são compartilhadas e coletivamente respondidas.Os temas de pesquisa têm um importante papel nesta meto<strong>do</strong>logia: ao272


invés de serem trata<strong>do</strong>s com objetivos em si mesmos, transformam-seem temas gera<strong>do</strong>res de conhecimentos sobre a realidade em estu<strong>do</strong>,construí<strong>do</strong>s e produzi<strong>do</strong>s participativamente.Para nos auxiliar na compreensão <strong>do</strong>s aspectos teóricos e práticosda pesquisa-ação-participativa, tomemos o clássico caso conduzi<strong>do</strong> porMoreno (1997) no início <strong>do</strong> século XX, um <strong>do</strong>s precursores desta modalidadede pesquisa. Ainda como estudante de medicina, Moreno já sepreocupava com grupos socialmente excluí<strong>do</strong>s realizan<strong>do</strong> um trabalhocom um grupo de prostitutas <strong>do</strong> Distrito Luz Vermelha de Viena:“Aqui se achava uma classe inteira de gente segregada pelo resto da sociedade, nãopor causa de sua religião ou caráter étnico, mas por causa de seu trabalho. Elaseram inaceitáveis para os burgueses, os marxistas, até mesmo para os criminosos.Estes, após cumprirem suas sentenças, são novamente pessoas livres. Mas essas mulheresestavam perdidas para toda a eternidade. Não tinham nenhum direito civil. Nãohavia leis nem mecanismos sociais para proteger seus interesses “(Moreno, 1997,p.65).Moreno começou a freqüentar suas casas, acompanha<strong>do</strong> de umamigo médico especialista em <strong>do</strong>enças venéreas; antes de tu<strong>do</strong>, teveque vencer a resistência dessas mulheres acostumadas a abordagem dereligiosos que freqüentemente tentavam faze-las mudar de vida. Morenopretendia ajudá-las a se organizar e não aceitar como fato inalterável oestigma que as oprimiam. Aos poucos elas foram se envolven<strong>do</strong> e construíramformas coletivas de enfrentamento da discriminação.“No final de 1913, as prostitutas realizaram um encontro de grandes proporções emum <strong>do</strong>s maiores salões de Viena, o Sofiensal. Já nessa ocasião, havia uma verdadeiraorganização com dirigentes eleitas. Elas dirigiam a reunião. Dr. Gruen e Sr. Colbertencontravam-se no palco. Eu estava lá apenas como um “civil” e fiquei na platéia. Asmoças estavam muito orgulhosas de si naquela noite” (Moreno, 1997, p.67).O filme “Bagdá Café” também nos ajuda a compreender os processosparticipativos na transformação das condições de vida das pessoasenvolvidas, embora não traga um processo participativo para nossaapreciação, mas seu contrário. A personagem principal <strong>do</strong> filme cheganum posto de abastecimento de combustível de beira de estrada ondevive uma família em situação bastante precária. A personagem, umaestrangeira em viagem pelos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, ao se estabelecer naquelelocal modifica as condições de vida cotidiana dessa família. No entanto,como não tem sua ação pautada pela participação <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong>vai embora tu<strong>do</strong> volta a ser como antes, reorganizan<strong>do</strong>-se novamente comsua volta. Trata-se de uma interessante oportunidade de pensarmos sobrea necessidade da participação <strong>do</strong>s sujeitos na organização e transformação273


de suas condições de vida.Também o filme chinês “Nenhum a Menos” nos mostra a importânciae a possibilidade de participação das crianças em seu processo educativo.A menina que “está” professora, envolve as demais num processo dereflexão e ação em busca da solução de um problema: trazer de volta um<strong>do</strong>s alunos que migrou para a cidade. A forma espontânea e radicalmentecoletiva em que acontece o processo de produção da solução <strong>do</strong> problema,emocionantemente tratada no filme, ajuda-nos a compreender os processosinvestigativos e educativos coletivos e participativos.Um outro filme, “Cobaias”, nos traz também oportunidade de reflexãosobre a necessidade de superação <strong>do</strong> paradigma científico da ciência moderna- base epistemológica das pesquisas participativas - neutra, manipulatória eexcludente. A partir de num caso real - uma pesquisa médica sobre a sífilis- temos a explicitação <strong>do</strong> cinismo perverso com que o interesse científico, aneutralidade da ciência, trata o processo de pesquisa. Vários homens negrose pobres são trata<strong>do</strong>s como cobaias na investigação da cura da <strong>do</strong>ença.Tomemos agora como exemplo de pesquisa-ação-participativa emeducação ambiental uma proposta de investigação <strong>do</strong>s problemas ambientaissignificativos para uma determinada comunidade. Ao invés de sairmos acampo entrevistan<strong>do</strong> mora<strong>do</strong>res para identificar esses problemas e depoisanalisá-los em nossa mesa de estu<strong>do</strong>s e, concluir sobre os problemas ambientaise suas soluções para essa comunidade, investimos esforços na formaçãode um grupo comunitário, nossos parceiros que, participan<strong>do</strong> ativamentenesta investigação, identifica, compreende, cria e propõe, junto conosco,soluções mais adequadas ao enfrentamento coletivo desses problemas.Algumas diretrizes para a realização da pesquisa-ação-participativaem educação ambiental, indica<strong>do</strong>res para a realização de projetos que buscamqualidade meto<strong>do</strong>lógica e relevância social podem ser elencadas:274• O trabalho realiza<strong>do</strong> é coletivo, compartilha<strong>do</strong>, caracteriza umaparceira entre o saber acadêmico e o saber não acadêmico?• O trabalho realiza<strong>do</strong> cria oportunidades reais e concretas de participação<strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s, garantin<strong>do</strong>-lhes tomada de decisões coletivasem to<strong>do</strong> processo?• O trabalho realiza<strong>do</strong> caracteriza-se como atividade de pesquisa,isto é, relaciona-se à produção de conhecimentos ambientais e pedagógicos?• O trabalho realiza<strong>do</strong> desenvolve ações educativas ambientais de


forma crítica e emancipatória, superan<strong>do</strong> as tendências tradicionaisde educação e ensino?• Os temas ambientais trata<strong>do</strong>s são amplos o suficiente para se tornaremtemas gera<strong>do</strong>res de reflexão e ação sobre o ambiente?• O trabalho realiza<strong>do</strong> tem perspectiva de continuidade para os envolvi<strong>do</strong>s?Assim, podemos perceber que os fundamentos políticos-sociais dapesquisa científica sob a meto<strong>do</strong>logia da pesquisa-ação-participativa emeducação ambiental refere-se, em especial, a necessidade de superar ummodelo de ciência fundamenta<strong>do</strong> na separação entre o saber científico e osaber popular, entre a teoria e a prática, entre o conhecer e o agir, entre aneutralidade e a intencionalidade. Modelo que revela intenções de <strong>do</strong>minaçãoconstruídas historicamente em nossas sociedades desiguais. Essa modalidadede pesquisa refere-se a possibilidade de radicalizar a participação <strong>do</strong>s sujeitos,valorizan<strong>do</strong> suas experiências sociais a ponto de tomá-las como pontode partida - e de chegada - na produção de conhecimentos para a educaçãoambiental. Refere-se, portanto, a valorização <strong>do</strong> diálogo entre as pessoase entre elas e o ambiente (Brandão, 2003). Aqui, os interesses sociais sãoarticula<strong>do</strong>s aos interesses científicos e os conhecimentos produzi<strong>do</strong>s sãoradicalmente articula<strong>do</strong>s às necessidades <strong>do</strong>s participantes (Santos, 2004).Concluin<strong>do</strong>, construir práticas inova<strong>do</strong>ras de pesquisa em educaçãoambiental significa, além de contribuir para a construção de um campoteórico-meto<strong>do</strong>lógico necessário para o desenvolvimento e consolidação dainvestigação em educação ambiental, contribuir também para a consolidaçãoteórico-meto<strong>do</strong>lógica da reestruturação política da pesquisa acadêmica comoinstrumento de produção e apropriação social e democrática <strong>do</strong>s conhecimentosna construção de uma sociedade mais justa e democrática.BibliografiaBRANDÃO, C.R. (Org.). Pesquisa participante. 3 ed. São Paulo:Brasiliense, 1981._____. (Org.). Repensan<strong>do</strong> a pesquisa participante. São Paulo:Brasiliense, 1999._____. A pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa notrabalho <strong>do</strong> educa<strong>do</strong>r. São Paulo: Cortez, 2003.DEMO, P. Meto<strong>do</strong>logia científica em ciências sociais. 2. ed. SãoPaulo: Atlas, 1992.275


EZPELETA, J.; ROCKWELL, E. Pesquisa participante. SãoPaulo: Cortez, 1989.GÓMEZ, G.R.; FLORES, J.G.; JIMÉNEZ, E.G. Meto<strong>do</strong>logía dela investigación cualitativa. Málaga: Ediciones Aljibe, 1999.MINAYO, M.C. Pesquisa Social: teoria, méto<strong>do</strong> e criatividade.Petrópolis: Vozes, 2002.MORENO, J.L. Autobiografia. São Paulo: Saraiva, 1997.SANTOS, B.S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio deJaneiro: Graal, 1989._____. A universidade no século XXI: para uma reformademocrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez,2004.THIOLLENT, M. Meto<strong>do</strong>logia da pesquisa-ação. São Paulo:Cortez, 2000.276


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PESQUISA-AÇÃO-PARTICIPANTE (PAP):Origens e avançosMoema L. ViezzerPalavras-chave: conhecimento; participação; pesquisa social; meto<strong>do</strong>logia;observação participante; coletivo.O primeiro Simpósio Mundial sobre Pesquisa-Participante, realiza<strong>do</strong>em Cartagena-Colombia em 1977, é considera<strong>do</strong> por muitos autores comosua plataforma de lançamento. Esse Simpósio abriu a porta para um lequeexpressivo de ensaios no campo científico e no campo político, pois essetipo de pesquisa se reconhece dialeticamente, em ambos os espaços.Foi principalmente a partir de então que a pesquisa-ação-participativapôde ser ensaiada na prática, através de méto<strong>do</strong>s que procuram combinaro conhecimento com a eficácia da transformação e/ou <strong>do</strong> desenvolvimentosocial.O Contexto inicialNão foi simplesmente <strong>do</strong> desejo de militantes <strong>do</strong>s movimentos sociaisque, por coincidência, eram pesquisa<strong>do</strong>res e planeja<strong>do</strong>res que teveorigem a PAP. Orlan<strong>do</strong> Fals Borda em seu texto intitula<strong>do</strong> “Conocimientoy Poder Popular” (1983) demonstra como não é possível explicar o aparecimentoda pesquisa-ação-participante nem captar seu senti<strong>do</strong> fora <strong>do</strong>contexto econômico, social e científico da região latino-americana a partir<strong>do</strong>s anos 60. Os ingredientes que a foram compon<strong>do</strong> provêm <strong>do</strong> impactocausa<strong>do</strong> pelas teorias da dependência (Car<strong>do</strong>so, Furta<strong>do</strong>) e da exploração(Gonzáles, Casanova); a contra-teoria da subversão (Camilo Torres); ateologia da libertação (Gutierrez); as técnicas dialógicas (Paulo Freire) e areinterpretação das teses de compromisso e de neutralidade <strong>do</strong>s cientistas,tomadas de Marx e Gramsci.Assim como aconteceu no continente latino-americano, a pesquisaação-participanteteve particular acolhida em países da Ásia, como revelamdiversas publicações <strong>do</strong> Participatory Research Institute of Asia, dirigi<strong>do</strong>durante anos por Rajesh Tan<strong>do</strong>n (PRIA, 1977). Mas também nos países “centro”,numerosos escritores e escritoras, pensa<strong>do</strong>res e pensa<strong>do</strong>ras começarama procurar responder à necessidade de apreender os fenômenos intelectuaise políticos que provêm da “periferia” mundial e harmonizá-los com seuspróprios esquemas de explicação e ação. Um <strong>do</strong>s exemplos mais marcantes279


foi, nos anos 70, o envolvimento de <strong>do</strong>utores e mestres da Universidade deBrighton/Sussex em relação à observação-participante que, posteriormente,evoluiu para a pesquisa-participante e, depois, para pesquisa-ação-participantecomo o diagnóstico rural participativo, por exemplo.O desenvolvimento desse tipo de pesquisa está liga<strong>do</strong> também àstransformações sociais ocorridas na América Latina (particularmente emBolívia, Chile, Argentina, Peru, Brasil) que modificaram, na década de 70,o locus onde se realizava a pesquisa social. O fechamento de universidadese centros de pesquisa pelas ditaduras militares e a exclusão de cientistassociais das universidades e instituições <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, levaram muitos intelectuaise educa<strong>do</strong>res a forjar novos centros de trabalho (geralmente ONGs), apartir <strong>do</strong>s quais pretendiam continuar sua contribuição ao debate ideológicoe à colocação de alternativas sociais, em contato estreito com realidadessociais específicas.Nessa nova prática de produzir conhecimento, muitos pesquisa<strong>do</strong>res epesquisa<strong>do</strong>ras se encontraram com profissionais e educa<strong>do</strong>res que começavama formular o que se denominaria, posteriormente, “educação popular”e questionavam as formas de “produzir saber” e de “educar”, reivindican<strong>do</strong>a contribuição e a criatividade <strong>do</strong>s diversos setores populares na produção<strong>do</strong> saber e na transmissão <strong>do</strong> mesmo. Esta aproximação levou vários pesquisa<strong>do</strong>rese pesquisa<strong>do</strong>ras a inserir em suas preocupações científicas novostemas sociais, mais próximos às questões <strong>do</strong> cotidiano. Remontam destaépoca vários textos que aproximam o mo<strong>do</strong> capitalista de pensar ao mo<strong>do</strong>capitalista de produzir.Entretanto, essa assunção de profissionais com perspectivas novas,foi desaproveitada durante anos, devi<strong>do</strong> à a<strong>do</strong>ção esquemática e reducionista<strong>do</strong> marxismo que restringia a compreensão da transformação social,outorgan<strong>do</strong> qualidade e potencialidade revolucionária exclusivamente ao“proletaria<strong>do</strong>”, o que levou a negligenciar o estu<strong>do</strong> da dinâmica social maisampla e a inter-relação das diferentes classes e grupos sociais.Foi comum, entre militantes sociais e políticos e também entre muitosestudiosos, reduzir todas as contradições sociais às contradições de classe,entendida de maneira economicista e sem capacidade de considerar outrascontradições: de gênero ou de raça/etnia, por exemplo, ou de localizaçãourbano/rural, relegan<strong>do</strong>-as a questões ideológicas de segunda importânciaou sem relevância.Lamentavelmente, este processo levou, em certos casos, à fragmentaçãodas práticas de pesquisa, levan<strong>do</strong> alguns pesquisa<strong>do</strong>res a reduzi-las asimples descrições ou sistematizações da realidade social e não a interpretaçõese reconstruções da mesma, à luz <strong>do</strong>s avanços teóricos e das urgências280


de caráter estratégico. Inclusive se chegou a ter, em certos contextos, umaespécie de “reprodução ao inverso” da teoria da tábua rasa, ou seja: no afãde opor-se aos pesquisa<strong>do</strong>res sociais que tratavam os setores populares comomentes vazias, dispostas a aceitar única e exclusivamente o conhecimento<strong>do</strong>s especialistas, muitos pesquisa<strong>do</strong>res se dispuseram a repetir, sem mediações,o conhecimento trazi<strong>do</strong> pelos grupos populares, reiteran<strong>do</strong>, assim,o empirismo recusa<strong>do</strong> anos atrás.Outro problema encontra<strong>do</strong> na prática social da pesquisa foi a nãoavaliaçãoda relação entre pesquisa<strong>do</strong>res e setores populares, das práticassociais que pretendiam induzir e o respeito ou não da identidade socialdiferenciada e das contribuições específicas de cada setor.Uma dificuldade característica desses anos se devia ao fato de que osnovos centros onde se encontravam os grupos de pesquisa<strong>do</strong>res excluí<strong>do</strong>sdas instituições tradicionais, eram sustenta<strong>do</strong>s com o apoio de agênciasexternas de cooperação, cujo interesse era beneficiar os setores menos favoreci<strong>do</strong>sda população de forma imediata e através de ações que pudessemser facilmente avaliadas. Com esse tipo de pressão, muitos pesquisa<strong>do</strong>resnão encontravam tempo para pensar nos pressupostos de suas atividades,nas formas de diferenciar as necessidades reais da população das necessidadesatribuídas ou induzidas em tal ou qual setor social e muito menosencontravam tempo para propor a produção de pesquisas sobre problemasde fun<strong>do</strong>, liga<strong>do</strong>s à forma de reprodução social vigente e às perspectivas denovos estu<strong>do</strong>s e ações a longo prazo.Esses problemas, limitações e percalços com os quais nos defrontávamosao tratar de definir o que é pesquisa-ação-participante, dada a novidadeda mesma, fez com que muitas pesquisas fossem assim denominadas, ora semser pesquisa, ora sem ser participante ou sem incluir a ação transforma<strong>do</strong>ra,como eixo de ligação entre ambas.A PAP revisitadaAlgumas questões de fun<strong>do</strong> já eram colocadas, transcenden<strong>do</strong> asformas e os níveis que a pesquisa-ação-participante adquiria. Entre elas,vale citar Carlos Rodrigues Brandão em seu livro “O ardil da ordem”(1984)onde o autor coloca a real possibilidade da pesquisa participante ser “umaarmadilha de imposição ao povo de uma lógica de conhecimentos que éfamiliar aos pesquisa<strong>do</strong>res, por ser parte <strong>do</strong> nosso “território simbólicode classe”, ao invés de ser um instrumento a seu serviço, a partir de seupróprio mo<strong>do</strong> de pensar”. Como diz o autor: “a questão fundamental não éa participação de setores populares em atividades de produção científica deconhecimento social; é a determinação de como aqueles que podem pro-281


duzir cientificamente tal conhecimento colocam o seu trabalho participan<strong>do</strong>de projetos de efetivo interesse político das classes populares, para que aparticipação não seja um ardil, mas um serviço”.Por sua vez, Michel Thiollent (1994) ao abordar o tema da “Pesquisa-Ação” comentou: “É freqüentemente discutida a real contribuição da pesquisa-açãoem termos de conhecimento. Na prática, nem toda pesquisa-açãochega a contribuir para a produção de conhecimentos novos. Aliás, sejamquais forem as suas orientações, nem todas as pesquisas particulares podemter essa pretensão”, mesmo em se tratan<strong>do</strong> da comunidade científica.A socióloga Nelly Stronquist, em texto escrito sobre avaliação depesquisas participantes apoiadas pelo IDRC-International DevelopementResearch Center <strong>do</strong> Canadá (1983) considerou a pesquisa-ação uma dasrecentes inovações da pesquisa social. “Este méto<strong>do</strong> oferece maiores vantagens<strong>do</strong> que a pesquisa clássica quan<strong>do</strong> o que se quer é a mudança sociale se busca incorporar os grupos explora<strong>do</strong>s e oprimi<strong>do</strong>s. Algumas de suascaracterísticas, como a integração <strong>do</strong>s atores que participam <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> numafunção participativa, a natureza transacional da recompilação e análise deda<strong>do</strong>s e a importância atribuída à união entre a reflexão e a prática, favorecemo desenvolvimento da sociedade civil e fazem com que o méto<strong>do</strong> mereçamaior estu<strong>do</strong> e apoio”.O conceito da PAP foi assim sintetiza<strong>do</strong> por Orlan<strong>do</strong> Fals Borda(1983): “Trata-se de uma meto<strong>do</strong>logia dentro de um processo vivencial,um processo que inclui simultaneamente educação de adultos, pesquisacientífica e ação social ou política, e no qual se consideram como fontesde conhecimento: a análise crítica, o diagnóstico de situações e a práticacotidiana”.As colocações anteriores têm muito a ver com as reflexões feitasno âmbito da PAP sobre conceitos, tais como: - o conceito de intelectualorgânico; - o objetivo final das pesquisas sociais em relação à comunidadecientífica e a realidade social; - a interação entre a capacidade de produziro saber e articular o poder.A partir da década de 80, o Conselho de Educação de Adultos para aAmérica Latina - CEAAL começou a acumular uma vasta experiência sobreo tema, particularmente a partir <strong>do</strong> 3º Encontro Latinoamericano sobrepesquisa-ação-participante realiza<strong>do</strong> em Piracicaba/SP, onde se constituiua Rede Latinoamericana de Pesquisa Participante, a qual desenvolveu trabalhoscom pesquisa<strong>do</strong>res/as e educa<strong>do</strong>res/as de vários países <strong>do</strong> continente,articulan<strong>do</strong>-se com outras redes PAP através <strong>do</strong> Conselho Internacional deEducação de Adultos – ICAE que havia inicia<strong>do</strong> uma rede internacionalPAP em 1976 (Hall, 1997).282


Um <strong>do</strong>s aspectos a serem ressalta<strong>do</strong>s na evolução da PAP é a lenta“passagem” <strong>do</strong>s termos “a comunidade, os pobres, os marginaliza<strong>do</strong>s, osexplora<strong>do</strong>s” para inclusão de questões transversais que revelam as diferençasentre os seres humanos como gênero, raça/etnia, diferentes habilidades enecessidades, sexualidade, exercício <strong>do</strong> poder, entre outros.Quan<strong>do</strong> uma pesquisa é ação participante?Durante décadas falou-se a partir <strong>do</strong> binômio pesquisa<strong>do</strong>res/gruposestuda<strong>do</strong>s. Até na atualidade alguns dizem que uma pesquisa é participantequan<strong>do</strong> os pesquisa<strong>do</strong>res sociais saem <strong>do</strong> seu escritório para pesquisar emcampo. Outros acham que a pesquisa é participante quan<strong>do</strong> os grupos participam,dão entrevistas, opiniões ou aplicam questionários. Na realidade, apesquisa é participante não só porque a pesquisa<strong>do</strong>ra ou pesquisa<strong>do</strong>r socialsaem <strong>do</strong> escritório para trabalhar em campo, mas também porque os gruposenvolvi<strong>do</strong>s saem <strong>do</strong> silêncio e <strong>do</strong> espaço de opressão que a sociedade lhes impõe,para participar de um processo onde aprendem a descobrir, compreendere analisar a realidade e repassar adiante o conhecimento adquiri<strong>do</strong>.Marja Liisa Swantz, da Universidade de Dar Es Salam na Tanzânia, jáapontava em 1974 alguns elementos fundamentais de uma pesquisa participante:“As estratégias de pesquisa a<strong>do</strong>tadas nos países em desenvolvimentocomo Tanzânia geralmente têm si<strong>do</strong> calcadas nos padrões das universidades<strong>do</strong> norte. Ao planejar uma pesquisa sobre algum assunto relativo ao desenvolvimento,há que se procurar , em primeiro lugar, responder a algumasquestões: quem são os beneficiários desta pesquisa? Quais seus objetivos?Quem será envolvi<strong>do</strong>? Que foco e méto<strong>do</strong>s deveriam ser usa<strong>do</strong>s para que apesquisa possa trazer os maiores ganhos possíveis para o desenvolvimentodeste país? Pesquisa e pesquisa<strong>do</strong>r tornam-se assim agentes <strong>do</strong> desenvolvimentoe de mudanças no processo enquanto a pesquisa está sen<strong>do</strong> feita...”(Swuantz, 1974).A PAP na Educação AmbientalFoi no bojo das reflexões e ações da Rio 92 que os conceitos e práticasde Educação Popular começaram a dialogar com a Educação Ambiental.Algumas produções significativas são demonstrativas deste processo. Umadelas é o Trata<strong>do</strong> de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis eResponsabilidade Global produzi<strong>do</strong> participativamente durante um ano eaprova<strong>do</strong> durante a Jornada Internacional de Educação Ambiental, parte <strong>do</strong>Fórum de ONGs e Movimentos Sociais, com educa<strong>do</strong>ras e educa<strong>do</strong>res <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> inteiro presentes na Rio 92.283


Outro exemplo foi o projeto “Aprendizagem Transforma<strong>do</strong>ra atravésda Ação Ambientalista” realiza<strong>do</strong> pelo Transformative Learning Center daUniversidade de Toronto, Canadá em 8 países de 6 regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (Ásia,África, América Latina, Caribe, Europa e América <strong>do</strong> Norte) com foco notema da produção de alimentos e a partir <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong>.Da mesma forma, o Manual Latinoamericano de Educ-Ação Ambiental(1995), traz como um <strong>do</strong>s elementos constitutivos da Educação Ambientala Pesquisa-Ação-Participante, incluin<strong>do</strong> grandes temas de integraçãolatinoamericana.Nessa época, o Instituto ECOAR para a Cidadania começou a utilizar aPAP como parte constitutiva de sua meto<strong>do</strong>logia de trabalho junto aos AtoresSociais envolvi<strong>do</strong>s em projetos educativos ambientais da instituição.Na década de 90, várias universidades começaram a absorver e aceitaros conceitos, categorias e práticas de PAP, incluin<strong>do</strong>-a no universo acadêmicocomo possível forma de produção <strong>do</strong> conhecimento.O ProNEA/MMA dá um salto qualitativo em relação ao conceitoe prática da meto<strong>do</strong>logia PAP no contexto da Formação de Educa<strong>do</strong>res eEduca<strong>do</strong>ras Ambientais: estu<strong>do</strong>, coleta e análise de da<strong>do</strong>s, prática de aprendizageme ensino, tornam-se componentes da PAP conduzida inicialmentepor um coletivo facilita<strong>do</strong>r (PAP1), Coletivos Educa<strong>do</strong>res (PAP2) de novoscoletivos que se ampliam (PAP3, PAP4), cada qual com dinâmicas diferentesde acor<strong>do</strong> com as metas a serem atingidas e o grau de envolvimento daseduca<strong>do</strong>ras e educa<strong>do</strong>res envolvi<strong>do</strong>s.Outro aspecto que diferencia a atual proposta <strong>do</strong> ProNEA em relaçãoà PAP tal como se deu historicamente, é seu raio de atuação. A maioria dasiniciativas anteriores conhecidas limitavam-se a grupos menores, localiza<strong>do</strong>s,ou com grupos homogêneos quan<strong>do</strong> se realizavam com grupos dediferentes regiões.A introdução da meto<strong>do</strong>logia PAP concebida pelo ProNEA representa,neste senti<strong>do</strong>, um grande avanço para uma prática nova de “encontrode saberes” e de tratamento diferencia<strong>do</strong> das informações recolhidas.Representa também uma iniciativa facilita<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> compromisso que devearticular universidades, órgãos públicos, empresas, igrejas, organizaçõesda sociedade civil e cidadãs/ãos da região em relação à necessidade de,juntos, “desvendar a realidade para transformá-la” em função da melhoriada qualidade <strong>do</strong> ambiente e de vida de to<strong>do</strong>s os seres que compõem “acomunidade de vida”, conforme os princípios e valores para um futurosustentável recolhi<strong>do</strong>s na Carta da Terra e no Trata<strong>do</strong> de Educação Ambientalpara Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, os <strong>do</strong>is284


pilares planetários que orientam educa<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>ras ambientais <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> inteiroNovos desafios no contexto da Educação AmbientalA aprendizagem transforma<strong>do</strong>ra através da ação ambientalista nosremete à revisão <strong>do</strong>s princípios e valores que podem assegurar um futurosustentável, como propõe a Carta da Terra. Os ambientalistas, incluí<strong>do</strong>s oseduca<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>ras ambientais, perceberam que a situação atual emque se encontra o Planeta Terra deve-se à nossa alienação em relação aos“demais integrantes da Natureza, às outras formas de vida com as quaispartilhamos o mun<strong>do</strong>.Em suas reflexões sobre as origens da PAP levanta umaquestão importante:“Podemos co-construir conhecimento com o universo restante da Natureza?”Começamos, talvez muito tarde, a perceber que a espécie humanachegou a uma forma de viver que nos deixa tristes, pobres, solitários, assusta<strong>do</strong>sou marginaliza<strong>do</strong>s. Vivemos num mun<strong>do</strong> onde os poderes <strong>do</strong>minantesincentivam e agüentam uma visão consumista da utopia <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> global,numa espécie de “máquina de matar”. Os padrões de <strong>do</strong>mesticação alia<strong>do</strong>saos discursos científicos que, há pouco mais de 500 anos chegaram a nósda Europa branca e machista, pregan<strong>do</strong> a separação entre mente e corpo,pensamentos e emoções, levaram a distanciar-nos <strong>do</strong>s antigos conhecimentose sabe<strong>do</strong>ria acumula<strong>do</strong>s principalmente pelas comunidades indígenas e pelasmulheres ao longo de milênios.A pesquisa participante é uma proposta para a ação centrada emcompreensões renovadas e transforma<strong>do</strong>ras em relação à construção <strong>do</strong>conhecimento entre seres humanos. Nosso discurso dirige-se ao contexto,estratégias de identidade social, redes de poder, buscan<strong>do</strong> novas formas deconhecimento em lugares que estão fora <strong>do</strong>s muros <strong>do</strong> poder <strong>do</strong>minante.Por vezes temos a impressão de haver acha<strong>do</strong> novas formas de cocriarconhecimento. Mas como imaginamos isso acontecen<strong>do</strong> entre nós– seres humanos – co-crian<strong>do</strong> conhecimento com outras formas de vida,outras espécies, árvores, rochas, rios e mares? Como estes “outros” quecompõem a comunidade de vida podem ser pesquisa<strong>do</strong>res participantes?Como dar visibilidade ao duplo aspecto da Natureza, por um la<strong>do</strong> comolócus de produção de novo conhecimento e ao mesmo tempo participanteprivilegiada na criação de novas formas de conhecimento onde as demais285


espécies com as quais partilhamos este planeta podem ser parceiras menossilenciosas? (Hall, 1997).Meto<strong>do</strong>logiaA evolução da PAP em suas diferentes denominações – PesquisaParticipante, Pesquisa-Ação, Pesquisa-Ação-Participante, Pessoas queaprendem Participan<strong>do</strong> traz algumas questões meto<strong>do</strong>lógicas de fun<strong>do</strong> queprecisam ser resgatadas e observadas na construção de Coletivos Forma<strong>do</strong>rese de Aprendizagem em PAP:a) A<strong>do</strong>tar princípios e valores que apontam para um futurosustentável. No contexto atual <strong>do</strong>s conhecimentos e da consciência dahumanidade, a PAP precisa demonstrar claramente o reconhecimento deGaia como um ser vivo, a mãe Terra, Pachamama <strong>do</strong>s quéchuas e aymarás,Tekohá <strong>do</strong>s guaranies. Este é o princípio a partir <strong>do</strong> qual devem orientar-seas concepções e meto<strong>do</strong>logias a<strong>do</strong>tadas na PAP aplicada à Formação deEduca<strong>do</strong>ras e Educa<strong>do</strong>res Ambientais e <strong>do</strong> qual derivam os respectivosprocessos, méto<strong>do</strong>s, técnicas ou ações específicas.A Carta da Terra, o Trata<strong>do</strong> de Educação Ambiental para SociedadesSustentáveis e Responsabilidade Global são <strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos básicosque nos remetem aos numerosos trabalhos relaciona<strong>do</strong>s com esta questãofundamental para qualquer pessoa, grupo, instituição ou rede que almeja amudança das relações entre os seres humanos, uma vez que essas relaçõestêm conexão direta com as relações da Humanidade com a Natureza da quala Humanidade também faz parte, conforme amplamente demonstra<strong>do</strong> pelossegui<strong>do</strong>res da Ecologia Profunda e similares.b) Situar-se no planeta. Transcenden<strong>do</strong> o slogan “pensar globalmentee atuar localmente”, a meto<strong>do</strong>logia de PAP leva a “pensar e atuar local eglobalmente”, uma vez que tu<strong>do</strong> o que fazemos é reflexo de nosso modelomental. O modelo de “Desenvolvimento” econômico, social e político aoqual nos alinhamos reflete-se em nossas opções e decisões, por exemplo, naforma de se tratarem os rios ou de lidar com as sementes - vegetais, animaisou humanas. Este é o “local” que está no “global” ou o “modelo global”que se cristaliza no “âmbito local” que transcende, de longe, as divisõesterritoriais político-administrativas. O âmbito da Educação Ambiental nãose restringe a representações geográficas limitadas aos desenhos e limitesgeopolíticos (nos níveis internacional, nacional, municipal), procuran<strong>do</strong>guardar como referencial primeiro as relações <strong>do</strong>s seres humanos com anatureza em qualquer espaço em que as mesmas se dão.Na mesma lógica, os processos de PAP revisitam a noção de “centro”286


<strong>do</strong> universo. “Aqui nós vivemos, aqui nós moramos”, aqui é o “Pedaço <strong>do</strong>Planeta” <strong>do</strong> qual somos os principais responsáveis. Como conseqüência,para nós, “o centro <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é aqui” (Brandão, 2004). A partir desde nosso“centro” nos re-situamos frente ao universo como um to<strong>do</strong> e aprendemosa conviver com ele.Esta diversidade de situações e aproximações faz <strong>do</strong>s processos PAPverdadeiros laboratórios de meto<strong>do</strong>logia onde prima a revisão de paradigmaque, por sua vez, leva à revisão de méto<strong>do</strong>s e técnicas tradicionais de pesquisae de ação socioambiental.c) Passar <strong>do</strong> paradigma de educa<strong>do</strong>r-bancário para o de aprendizeduca<strong>do</strong>r.Esta mudança facilita a integração em comunidades e coletivos deaprendizagem plurais. A partir da opção por esta “passagem” é que se deverever também os méto<strong>do</strong>s, técnicas e dinâmicas participativas e educativas,as quais devem fazer parte <strong>do</strong> cardápio de formação com avaliações específicas,uma vez que, por trás de uma meto<strong>do</strong>logia, sempre está em primeiroplano uma determinada ideologia.d) Desenvolver sinergia de interesses entre atores sociais. universidades,igrejas, órgãos <strong>do</strong> poder público e ONGs ou Movimentos Sociais eoutros que se envolvem em processos PAP necessitam passar por processosde aprendizagens comuns e diferenciadas, a partir <strong>do</strong>s objetivos comunsestabeleci<strong>do</strong>s. Isto traz, como conseqüência, o necessário envolvimento daslideranças das instituições que se envolvem nos processos e não somentedas pessoas que diretamente participam dele. To<strong>do</strong> processo PAP deve teresta questão presente <strong>do</strong> início ao final, com momentos especiais dedica<strong>do</strong>sa manter a sinergia de interesses, trazen<strong>do</strong> o melhor para a roda de “Pessoasque Aprendem Participan<strong>do</strong>”, a qual transcende cada uma das instituiçõesparticulares nela envolvidas.e) Trabalhar em diferentes níveis de abstração teórica. Na pesquisaacadêmica, conforme se trate de uma monografia, de uma dissertação demestra<strong>do</strong>, de tese de <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> ou pós-<strong>do</strong>utora<strong>do</strong>, os níveis de abstraçãoteórica exigi<strong>do</strong>s para estu<strong>do</strong>s de um mesmo tema são diferentes. O mesmodeve ocorrer numa PAP. Isto leva a considerar, desde o planejamento,diferentes níveis formas de observação, de estu<strong>do</strong> e análise que facilitemao invés de dificultar processos de efetiva apropriação <strong>do</strong> conhecimento darealidade em diferentes níveis e formas de absorção.Aqui entram em jogo muitas decisões. Entre elas, a solução de umproblema para pesquisa<strong>do</strong>res acadêmicos ou de instituições que desenvolvempesquisa aplicada: a questão <strong>do</strong> tempo para a realização da mesma em suasdistintas variáveis. As agendas <strong>do</strong>s vários atores sociais são diversificadase dependem, em boa parte, das agendas institucionais. Há que lembrar que287


os setores populares também têm suas agendas. Por exemplo: as famíliascamponesas dependem, para o exercício de suas funções, <strong>do</strong> sol, <strong>do</strong> frio, <strong>do</strong>vento, de época de colheita e plantio, inclusive para envolver-se em reuniõesPAP. Geralmente, os profissionais pesquisa<strong>do</strong>res propõem cronogramaspareci<strong>do</strong>s com outras pesquisas e os grupos envolvi<strong>do</strong>s não conseguemchegar ao final <strong>do</strong> processo.Conseqüentemente, em função de seus compromissos, os pesquisa<strong>do</strong>rese pesquisa<strong>do</strong>ras partem para novas pesquisas, de acor<strong>do</strong> com as normase demandas de suas instituições, enquanto os grupos estuda<strong>do</strong>s voltam a sermeros informantes num outro contexto, onde o direito à palavra e à reflexãotalvez lhes seja concedi<strong>do</strong>, mas lhes são negadas as possibilidades de análise<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e a teorização sobre os mesmos, assim como a participação nasdecisões a serem tomadas na realização de projetos da própria PAP.f) Buscar méto<strong>do</strong>s e técnicas apropriadas. Aplicar a meto<strong>do</strong>logiada PAP a partir desta perspectiva, traz como necessidade a utilização deméto<strong>do</strong>s e técnicas adequadas a este propósito, as quais vêm sen<strong>do</strong> utilizadaspor pesquisa<strong>do</strong>res e cientistas, embora não sejam ainda muito difundidas nouniverso acadêmico. Fals Borda (1985) resumiu estas técnicas em quatrograndes eixos: -pesquisa coletiva; - recuperação crítica da história; - valorizaçãoda cultura popular; - produção e difusão <strong>do</strong> novo conhecimento entreos grupos participantes da pesquisa e outros similares.O Conselho Internacional de Educação, na publicação sobre “Aprendizagempara Ação Ambientalista - das Palavras à Ação”, retoma algumasquestões práticas relacionadas ao tema. Entre os méto<strong>do</strong>s e técnicas utilizadasna PAP como forma de pesquisa que também é ação educativa, tais como: aa<strong>do</strong>ção-difusão de novas idéias, a chamada à mudança de comportamento,méto<strong>do</strong>s e técnicas para construção de consensos, produção de materiaiseducativos, uso de computa<strong>do</strong>res nos processos de Educação Ambiental,construção de redes de educação ambiental, entre outros.A PAP nos remete, em última instância, à concepção global da lógicainterna que deve atravessar to<strong>do</strong> o processo de conhecimento da realidadeem vista de sua transformação. Os méto<strong>do</strong>s e técnicas podem e devemser diversifica<strong>do</strong>s em função das condições concretas com as quais nosdefrontamos.g) Elaborar produtos diversifica<strong>do</strong>s. Esta não é uma questãosecundária e deve ser bem trabalhada nos processos de PAP em função<strong>do</strong>s objetivos a serem alcança<strong>do</strong>s. Ou seja, os mesmos da<strong>do</strong>s recolhi<strong>do</strong>snos processos PAP através das reuniões, seminários, cursos, levantamentobibliográfico ou trabalho em campo, podem e devem ser decodifica<strong>do</strong>sem diferentes níveis de abstração teórica e em diferentes linguagens e ex-288


pressões, em diferentes tipos de instrumento de apoio às ações educativaspara os grupos envolvi<strong>do</strong>s, sejam eles grupos de base que apenas se iniciamna análise da realidade, lideranças sociais ou acadêmicos e cientistas.Os mesmos da<strong>do</strong>s podem ser sintetiza<strong>do</strong>s e analisa<strong>do</strong>s em diferentesníveis e em diferentes formas que podem variar e incluir: mapas, gráficos,quadros, técnicas e dinâmicas indutivas, cartilhas, peças de teatro, programasde rádio, vídeos, bem como artigos, ensaios, monografias, dissertações eteses, como também podem ter como resulta<strong>do</strong> específico uma horta comunitáriaque produz merenda para a escola ou uma nascente limpa, uma mataciliar devidamente recolocada, um viveiro ou um abastece<strong>do</strong>uro comunitárioem mãos <strong>do</strong>s produtores conscientes e organiza<strong>do</strong>s para proteger o quelhes cabe cuidar como também um processo desencadea<strong>do</strong> em um espaçouniversitário demonstrativo <strong>do</strong>s 5Rs. Enfim, há que se definir o que se quercomo resulta<strong>do</strong>s e como os mesmos podem ser demonstra<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong>sprocessos da PAP.Tu<strong>do</strong> isto requer um planejamento inicial e avaliações no decorrer <strong>do</strong>processo PAP, pois, de forma geral, os intelectuais acadêmicos e os peritosde órgãos governamentais ou de ONGs que realizam pesquisas, produzem oresulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecimento adquiri<strong>do</strong> através da redação de um texto, o qualpassa a circular entre os membros da comunidade científica ou das agênciasque, eventualmente, podem utilizar os resulta<strong>do</strong>s para a definição de seusprogramas, sem beneficiar as comunidades/grupos participantes.Elaborar resulta<strong>do</strong>s em diferentes níveis de abstração teórica nãosignifica fazer ciência “de segunda categoria” reservada ao povo, enquantoa “de primeira” continua com os intelectuais. Pelo contrário, significa colocarao alcance de to<strong>do</strong>s o mesmo conhecimento adquiri<strong>do</strong> nas formas maisapropriadas para a compreensão de cada um e de to<strong>do</strong>s os participantes daPAP. Se aceitamos que, em ciência não existe uma só verdade, somos leva<strong>do</strong>stambém a aceitar que não existe uma só forma de dizer a verdade quedescobrimos, o conhecimento que construímos coletivamente.h) Relação entre pesquisa<strong>do</strong>res/as e grupos das comunidades.Brandão, em 1984, dizen<strong>do</strong> retomar idéias aprendidas de José de SouzaMartins, lembra a importância de aceitar a desigualdade existente entre osagentes de mediação: os pesquisa<strong>do</strong>res e pesquisa<strong>do</strong>ras, quase sempre denível universitário e a comunidade, construída por lavra<strong>do</strong>res, operários,grupos de mulheres de bairros pobres da periferia das cidades ou da árearural.Tal desigualdade não se resolve meto<strong>do</strong>logicamente. Tão poucose resolve na relação de compromisso entre os <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s, nem, de mo<strong>do</strong>289


específico, no interior de uma pesquisa participante. Constituída por relaçõesdesiguais de estrutura social, de saber e de poder, tal desigualdade éconstitutiva da própria ação media<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> agente a quem, não raro, “gostamosde dar o nome de intelectual orgânico a serviço da classe popular”.A questão fundamental, diz Brandão, é a de saber colocar a desigualdadea serviço de uma proposta que tende, justamente, a eliminar as diferençasatuais, num mun<strong>do</strong> onde a diferença que faz a liberdade não se estabeleçasobre a desigualdade que gera e preserva a opressão.Se aceitamos esta desigualdade colocada a serviço, por que não aceitarque no conhecimento comum que construímos através da PAP, os níveis depercepção também não são idênticos?No contexto em que se definiu a PAP como um <strong>do</strong>s fatores de transformaçãosocial, é importante sempre relembrar que as relações de produção<strong>do</strong> conhecimento adquirem tanto valor quanto as relações de produçãomaterial. Conhecimento é poder. Por isto é importante remover as relaçõesde produção <strong>do</strong> conhecimento que tendem a sustentar ideologicamente aestrutura das relações sociais desiguais existentes das forças destrutivas dasociedade e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.Neste contexto, vale retomar, como um tema novo, a questão levantadapor Budd Hall sobre nossa relação de seres humanos com as demais espéciesda Natureza e o que as mesmas têm a oferecer enquanto seres participantesna meto<strong>do</strong>logia PAP.i) A necessária revisão institucional. Nenhum pesquisa<strong>do</strong>r ou pesquisa<strong>do</strong>ralogra desenvolver, individualmente, um processo PAP. Ele é, pornatureza, multi, inter e transdisciplinar. Isto leva a repensar as pesquisas emsua globalidade, envolven<strong>do</strong> setores anteriormente excluí<strong>do</strong>s. Leva tambéma repensar as formas de aplicação <strong>do</strong> conhecimento adquiri<strong>do</strong>, que podemestar em mãos de outros pesquisa<strong>do</strong>res e educa<strong>do</strong>res ou profissionais deoutras áreas a envolver-se no tema.Uma experiência muito comentada nas rodas PAP foi a da Universidadede Dar-Es-Salam, na Tanzânia, na época de Julio Nyerere, onde gruposde profissionais logravam envolver diferentes áreas de conhecimento daUniversidade na concepção, desenvolvimento e aplicação da PAP. Os projetosde pesquisa desenvolvi<strong>do</strong>s por alguns profissionais, eram utiliza<strong>do</strong>spor outros na formação e capacitação ou em laboratórios ou como tambémem novas pesquisas que os da<strong>do</strong>s da anterior faziam emergir, ten<strong>do</strong> comofoco maior o beneficio da comunidade, “numa visão de recuperação da identidadenacional anti-colonialista, onde a pesquisa já não era um ato neutroe desapaixona<strong>do</strong>, mas um ato de solidariedade de compromisso concreto apartir da produção <strong>do</strong> conhecimento” (Hall, 1997).290


O Programa de Formação de Educa<strong>do</strong>res e Educa<strong>do</strong>ras Ambientais,construí<strong>do</strong> com base na meto<strong>do</strong>logia PAP revisitada e aplicada específicamenteàs questões ambientais, é uma proposta muito especial de diálogointerinstitucional que requer aceitação, diálogo e aprendizagem por parte<strong>do</strong>s indivíduos que entram “na roda” PAP, mas também das instituições nosquais eles atuam.Avaliação a partir <strong>do</strong> ConceitoA complexidade da PAP enquanto instrumento teórico e práticapolítica de aprendizagem para a ação transforma<strong>do</strong>ra traz a necessidade deavaliação constante <strong>do</strong> ponto de vista das concepções, meto<strong>do</strong>logia, méto<strong>do</strong>se técnicas utiliza<strong>do</strong>s, bem como <strong>do</strong> aspecto relacional que envolve sinergiade interesses em função da sustentabilidade.• Processos PAP devem passar por avaliações - ex-ante, durante,ex-post - adapta<strong>do</strong>s aos ciclos da Pesquisa Ação Participante escolhidae to<strong>do</strong>s devem incluir o aspecto participativo como parte <strong>do</strong>processo;• O monitoramento das ações planejadas nos diferentes níveis einstituições em que se desenvolve a PAP é parte da avaliação permanente;• As sessões presenciais de formação <strong>do</strong>s Coletivos Educa<strong>do</strong>res PAP1, 2 e 3, são momentos especiais de avaliações periódicas de processosPAP, onde educa<strong>do</strong>ras e educa<strong>do</strong>res podem, em conjunto, revisar ateoria que orienta a prática da PAP conforme critérios trabalha<strong>do</strong>s econsensos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s.• A criação de indica<strong>do</strong>res para a avaliação de processos PAP pararefletir os conceitos e meto<strong>do</strong>logias a<strong>do</strong>tadas é fundamental para assegurara coerência e êxito <strong>do</strong> processo.• To<strong>do</strong>s os elementos que integram a PAP devem ser avalia<strong>do</strong>s:coletivos forma<strong>do</strong>res, cardápios, estruturas, enraizamento e capilaridade,etc., conforme projeto político pedagógico e meto<strong>do</strong>logiasa<strong>do</strong>tadas.291


292Sugestão de AtividadesSão muitas as sínteses e as novas aprendizagens que a PAP trazcomo necessidade. Salientamos algumas:• Origem, histórico e atualidade da PAP e sua contribuição para a construçãode Sociedades Sustentáveis com Responsabilidade Global.• A PAP como elemento constitutivo de processos de EducAçãoAmbiental.• Como transcender, na prática, a dualidade ainda persistente entrepesquisa<strong>do</strong>res em relação a sujeitos mais próximos ao objeto de estu<strong>do</strong>e intervenção da PAP.• Formas adequadas de aproximação entre instituições que se envolvemem Projetos PAP para os momentos e questões específicastais como: aceitação <strong>do</strong> “encontro de saberes” e constituição dascomunidades interpretativas e de aprendizagem.• Méto<strong>do</strong>s e técnicas facilita<strong>do</strong>res de processos educativos para “Pessoasque Aprendem Participan<strong>do</strong>”.• “Eu sou o Centro de uma Rede de Relações”: a meto<strong>do</strong>logia da PAPcomo forma de revisão de hábitos de vida para a sustentabilidade daspessoas e de seu ambiente.• “Nós somos os nós”: a meto<strong>do</strong>logia <strong>do</strong> trabalho em Redes para osColetivos Forma<strong>do</strong>res PAP em seus diversos níveis para enraizamentoe capilaridade da PAP.• “De dentro pra fora...”. A Ecologia Interior como forma de apropriaçãode conteú<strong>do</strong>s e meto<strong>do</strong>logias para a praxis educativa transforma<strong>do</strong>radas pessoas que facilitam processos educativos com outras pessoas,grupos e instituições através da Pesquisa Ação Participante.AprofundamentoBARBIER, R. Pesquisa-ação na instituição educativa. Rio deJaneiro: Zahar, 1985.BRANDÃO, C.R. Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense,1981._____. O ardil da ordem, caminhos e armadilhas da educação


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POTÊNCIA DE AÇÃOCláudia Coelho Santos & Alessandra Buonavoglia Costa-PintoPalavras-chave: ética; emancipação; conatus; saberes; argumentação;encontros.ConceitoPodemos afirmar que potência de ação está relacionada à nossa capacidadede agir no mun<strong>do</strong> e de transformar a realidade em que vivemosna direção <strong>do</strong> que desejamos. O termo nos reporta ao século XVII, maisprecisamente à obra <strong>do</strong> filosofo holandês Baruch de Espinosa (1632-1677)e a sua luta contra a servidão. Segun<strong>do</strong> Espinosa, o que nos move é a buscada liberdade e da felicidade e esta busca relaciona-se, indissociavelmente,à nossa capacidade de expressar e realizar nossos desejos.A filosofia espinosana considera que para ser feliz é necessário seguiro caminho da razão, compreendida não como negação <strong>do</strong>s afetos, mas comoum produto deles, pois “pensamos e agimos não contra os afetos, mas graçasa eles” (Chauí, 1995). O ser humano é fundamentalmente um ser passional,um ser afetivo, que tanto pode ser leva<strong>do</strong> pelas paixões (o que significa ser oseu servo), quanto pode agir por meio delas (o que significa ser racional).A ação é um efeito resultante de uma idéia que é claramente concebida,ação é o desejo que é defini<strong>do</strong> pela potência <strong>do</strong> homem, ou seja, pelarazão. Assim sen<strong>do</strong>, a ação ética é sempre uma coisa boa, pois de acor<strong>do</strong> comChauí (2003) na ação “os homens desenvolvem a percepção da utilidade,reconhecem o que possuem em comum com os outros e em que concordam”.Portanto, o que move o sujeito não é a razão, mas sim o desejo; a razão éapenas um instrumento para a realização <strong>do</strong> que se deseja (Andrade, 1997apud Santos, 2002).Espinosa afirma que a única forma de sermos livres e, portanto, felizesé conhecen<strong>do</strong>. E conhecer algo de forma efetiva é “conhecer pela causa”.Portanto é fundamental que tenhamos consciência da causa primeira de nossosdesejos, pois são estes que impulsionam nossas ações, ten<strong>do</strong> a alegria ea tristeza o papel de direcionar o movimento no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> incremento oudiminuição de nossa potência de ação (Costa-Pinto, 2003). Para exemplificar,pensemos na seguinte situação: “Podemos (...) dizer que juntamos recursosfinanceiros para garantir a casa própria, mas o que move este poupar nãoé a casa em si, mas a segurança e o conforto que ela representa, sen<strong>do</strong> esta297


a causa primeira (...) de nosso desejo pela casa e <strong>do</strong> ato de poupar (Costa-Pinto, 2003).Assim, o processo de aprendizagem <strong>do</strong> homem caminha no senti<strong>do</strong>de buscar atrair as coisas que lhe dão prazer, isto é, aumentam sua força oupotência de existir e agir, e de afastar-se das coisas e ou relações que lhecausem sofrimento e que, conseqüentemente, diminuam sua potência deação (Deleuze, s/d).De certa forma a potência de ação pressupõe uma atitude inconformista,pois busca a construção de caminhos de transformação da realidadecom base na consciência sobre o que desejamos, na percepção <strong>do</strong> outrocomo interlocutor para construção de tal transformação e no conhecimentodas regras que regem os processos que se deseja modificar.Existem duas dimensões da potência de ação: uma individual (quevisa o auto-conhecimento, a percepção de si) e outra coletiva (assente nacomposição <strong>do</strong>s sujeitos, que exige o conhecimento das regras que regema sociedade política e aponta para a necessidade de abertura para o aprendiza<strong>do</strong>a partir <strong>do</strong> conhecimento e da prática <strong>do</strong> outro). Mas, como afirmaSawaia (2001), “potência de ação é da ordem <strong>do</strong> encontro, pois remete aooutro, incondicionalmente”.Espinosa enfatiza a importância de nos organizarmos coletivamente:“Se duas pessoas concordam entre si e unem as suas forças, terão mais poderconjuntamente e, conseqüentemente, um direito superior (…) que cada umadelas não possui sozinha e, quanto mais numerosos forem os homens quetenham posto as suas forças em comum, mais direito terão eles to<strong>do</strong>s” (1983).Os homens, ao se unirem, não fazem pactos nem contratos, mas formam amultidão ou a massa como algo novo: o sujeito político; e, ao constituíremesse sujeito único criam um individuo coletivo cujo conatus 72 é superior emais forte ao de to<strong>do</strong>s os sujeitos isola<strong>do</strong>s (Chauí, 1995).Percebe-se, assim, que a associação <strong>do</strong>s humanos em grupos – cooperativas,associações, sindicatos, etc., potencializa o seu direito natural deexistir, já que se unem para suplantar o me<strong>do</strong>, o ódio e todas as coisas e ousentimentos que possam trazer sofrimento e reduzi-los ao esta<strong>do</strong> de servidão.E é nessa busca de liberdade e felicidade que, com base na experiência e nareflexão, viabilizamos diferentes formas de organização da vida coletiva,rejeitan<strong>do</strong> umas, preferin<strong>do</strong> outras, mas sempre exercen<strong>do</strong> o direito deescolher (Santos, 2002). Conforme Espinosa, uma coletividade possui umconatus próprio, coletivo e, portanto, uma potência de ação desmesurada-298


mente maior que as potências individuais (Costa-Pinto, 2003).Espinosa diz, ainda, que somos capazes de: a) fomentar bons encontros- aqueles que aumentam nossa potência de ação, pois fortalecemnossa autonomia de ser e estar no mun<strong>do</strong> em liberdade, na medida em quepropicia a descoberta de capacidades, potencialidades e talentos individuaise coletivos; e b) evitar os maus encontros - aqueles que aumentam nossacapacidade de padecer e ou sofrer, diminuin<strong>do</strong> nossa potência de ação aonos conduzir para uma condição de subalternização e servidão. Contu<strong>do</strong>, serlivre não significa fazer o que se quer no momento em que ser quer, e simempreender de maneira responsável e consciente ações coletivas.Meto<strong>do</strong>logia (práxis educativa)A incorporação <strong>do</strong> conceito de potência de ação às práticas educativasem Educação Ambiental visa o fortalecimento <strong>do</strong>s sujeitos (individuais e coletivos),o que implica que estas sejam baseadas em princípios democráticose nos desejos e conhecimentos daqueles que a integram; exige que educan<strong>do</strong>se educa<strong>do</strong>res compartilhem suas experiências e se apropriem <strong>do</strong> processo detransformação que se deseja realizar internalizan<strong>do</strong> suas causas, uma vez quetal processo deve ser construí<strong>do</strong> e implementa<strong>do</strong> coletivamente. Torna-se,assim, possível a realização de bons encontros que possibilitem a ocorrênciade mudanças internas em cada um <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s no processo educativoatravés da revisão de conceitos e pré-conceitos, bem como mudanças napostura <strong>do</strong> coletivo em questão, uma vez que há uma relação recursiva emque o coletivo estimula cada um <strong>do</strong>s sujeitos e estes, por sua vez, estimulame compõem o coletivo.Para que o potencial emancipatório dessas práticas educativas seconsolide é essencial estimular os bons encontros “com profundidadeemocional e continuidade no tempo, mas atuan<strong>do</strong> no presente, para evitara responsabilidade abstrata <strong>do</strong> cidadão” (Sawaia, 2001). Isso significa queas ações implementadas devem vislumbrar um mun<strong>do</strong> melhor a partir <strong>do</strong>presente e da avaliação das alternativas que hoje se mostram disponíveis.Para tanto, ressaltamos algumas condições a seremobservadas:• A a<strong>do</strong>ção de uma prática pedagógica não impositiva e construídade forma participativa.• O reconhecimento e a valorização <strong>do</strong>s saberes de cada participante,299


entenden<strong>do</strong> que o conhecimento é uma produção social e coletiva.• O estabelecimento de um espaço de comunicação basea<strong>do</strong> naconfiança <strong>do</strong>s sujeitos que permita que os mesmos expressem seusdesejos e sentimentos.• A busca por um projeto de futuro construí<strong>do</strong> processualmente pormeio da reflexão, <strong>do</strong> esforço e da adesão voluntária e responsável deto<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s.Sugerimos, também, três perguntas orienta<strong>do</strong>ras que devem serconsideradas quan<strong>do</strong> atividades que anseiem incrementar/aumentar apotência de ação <strong>do</strong>s participantes forem planejadas:a) Por que o tema ou assunto em questão necessita ser aborda<strong>do</strong>? Ouseja, esse assunto é importante para a minha sobrevivência e motivaa minha ação?b) O que conhecemos e o que ainda precisamos conhecer a respeito<strong>do</strong> tema ou assunto em questão?c) Existe algo que articule to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s em uma ação coletiva?d) O que podemos realizar de imediato e o que planejar para açõesde médio e longo prazo?Tais questões propiciam a reflexão e auto-reflexão crítica sobre: oque, o porquê, o como e o quan<strong>do</strong> desejamos transformar. É justamente esteprocesso reflexivo que irá permitir e garantir a expressão da práxis emancipatória(reflexão-ação que expressa os desejos de seus promotores).300Avaliação a partir <strong>do</strong> ConceitoA avaliação das práticas educativas que visam o incremento dapotência de ação <strong>do</strong>s sujeitos (individuais ou coletivos) deve se basear emindica<strong>do</strong>res de eficácia, tais como:• A capacidade de enunciação <strong>do</strong>s desejos (partilha <strong>do</strong> que nos motiva.);• A capacidade de argumentação e negociação;• A capacidade de construir, implementar e planejar projetos comuns.Sugestão de filmesBagdad Café – Direção de Percy Adlon.Sinopse: Numa estrada deserta situada em algum ponto entre a Disneylândiae Los Angeles, encontra-se um café estranho, chama<strong>do</strong> “BagdadCafé”. Por essa estrada empoeirada, viaja a personagem principal, Sra.


Jasmin Munchstettneer (Marianne Sagebrecht), empresária de Rosenheim,Alemanha Ocidental, uma gorda alemã vestida com um terno masculinoe um chapéu de plumas. Está acompanhada por seu mari<strong>do</strong> que começa ater problemas com o carro. Depois de uma discussão ele engata a primeiramarcha deixan<strong>do</strong>-a sozinha na estrada com apenas uma mala. E assim elasegue pelo meio <strong>do</strong> deserto, arrastan<strong>do</strong> sua bagagem. Quis o destino que elachegasse a um local na Califórnia onde existe apenas um motel em péssimascondições ao la<strong>do</strong> de um posto de gasolina e um café igualmente precário.A presença da Sra. Jasmin no local provoca muitas transformações.Narra<strong>do</strong>res de Javé – Direção de Eliane CafféSinopse: Nada mudaria a rotina <strong>do</strong> pequeno vilarejo de Javé se nãofosse o fato de cair sobre ele a ameaça repentina de sua extinção: Javé deverádesaparecer inunda<strong>do</strong> pelas águas de uma grande hidrelétrica. Dianteda infausta notícia, a comunidade decide ir em defesa de sua existênciapon<strong>do</strong> em prática uma estratégia bastante inusitada e original: escrever um<strong>do</strong>ssiê que <strong>do</strong>cumente o que consideram ser os “grandes” e “nobres” acontecimentosda história <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> e assim justificar a sua preservação. Seaté hoje ninguém se preocupou em escrever a verdadeira história de Javé,tal tarefa deverá agora ser executada pelos próprios habitantes. Como amaioria <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de Javé são bons conta<strong>do</strong>res de histórias, mas malsabem escrever o próprio nome, é necessário conseguir um escrivão à alturade tal empreendimento. É designa<strong>do</strong> o nome de Antônio Biá, personagemanárquico, de caráter duvi<strong>do</strong>so, porém o único no povoa<strong>do</strong> que sabe escreverfluentemente. Apesar de polêmico, ele terá a permissão de to<strong>do</strong>s para ouvir eregistrar os relatos mais importantes que formarão a trama histórica <strong>do</strong> vilarejo.Uma tarefa difícil porque nem sempre os habitantes concordam sobrequal, dentre todas as versões, deverá prevalecer na memória <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong>.Na construção deste <strong>do</strong>ssiê, inicia-se um duelo poético entre os conta<strong>do</strong>resque disputam com suas histórias - muitas vezes fantásticas e lendárias - odireito de permanecerem no patrimônio de Javé.Sugestão de leiturasCHAUÍ, M. Da realidade sem mistérios ao mistério <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.São Paulo: Brasiliense, 1999._____. Espinosa, uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna,1995._____. O desafio filosófico de Espinosa. Folha de São Paulo, SãoPaulo, 09/jan. Caderno: livros, 1994.301


CHAUÍ, M. Introdução à leitura de Espinosa. São Paulo, 1970.Tese (Doutora<strong>do</strong>) – FFLCH; USP.COSTA-PINTO, A.B. Em busca da potência de ação: educaçãoambiental e participação na agricultura caiçara no interior da áreade Proteção Ambiental de Ilha Comprida, SP. São Paulo, 2003.Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) - PROCAM - Programa de pós-graduaçãoem Ciência Ambiental, USP.DELEUZE, G. Espinoza e os signos. Porto, Portugal: Rés-Editora,[s.d.].ESPINOSA, B. de. Pensamentos metafísicos. Trata<strong>do</strong> da correção<strong>do</strong> intelecto. Ética. Trata<strong>do</strong> político. Correspondência.3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (coleção: Os pensa<strong>do</strong>res)[Seleção de textos: Marilena Chauí]FERREIRA, M.L.R. A dinâmica da razão na filosofia de Espinosa.Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian e Junta Nacional deInvestigação Científica, 1997.HARDT, M. Gilles Deleuze: um aprendiza<strong>do</strong> em filosofia. SãoPaulo: Editora 34, 1996.SANTOS, C.C. Formação de educa<strong>do</strong>res ambientais e potênciade ação: um estu<strong>do</strong> de caso. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestra<strong>do</strong>)– ESALQ, USP.SAWAIA, B.B. Participação social e subjetividade. In: SORREN-TINO, M. (Org.). Ambientalismo e participação na contemporaneidade.São Paulo: Educ-FAPESP, 2001.SAWAIA, B.B. A crítica ético-epistemológica da psicologia socialpela questão <strong>do</strong> sujeito. In: Psicologia e Sociedade – Revista daAssociação Brasileira de Psicologia Social, ABRAPSO, v. 10, n.2, São Paulo, 1998._____. Uma contribuição ao debate sobre a pesquisa ação participante.In:_____. A consciência em construção no trabalho de construçãoda existência. São Paulo, 1987. Tese (Doutora<strong>do</strong>) - PUC, PsicologiaSocial.SCRUTON, R. Espinosa. São Paulo: Ed. UNESP, 2000.SILVEIRA, N.da. Cartas a Spinoza. Rio de Janeiro: Ed. FranciscoAlves, 1999.302


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SOCIOBIODIVERSIDADEAntonio Carlos Sant’Ana DieguesPalavras-chave: sociobiodiversidade; populações tradicionais; interdisciplinaridade;uso sustentável de recursos naturais; história ecológica; unidadesde conservação.IntroduçãoA questão e o próprio termo biodiversidade são recentes, aparecen<strong>do</strong>nos anos 80 na Estratégia Mundial para a Conservação, lançada pela UICN(União Mundial para a Conservação, 1980). Nesse <strong>do</strong>cumento, os objetivosbásicos da conservação são: manutenção <strong>do</strong>s processos ecológicosessenciais; preservação da diversidade genética; e utilização sustentada dasespécies e ecossistemas.A preservação da diversidade biológica está contemplada principalmentena manutenção da diversidade genética, cuja preservação é necessáriatanto para assegurar o fornecimento de alimentos, de fibras e medicamentosquanto para o progresso científico e industrial. E ainda, para impedir quea perda das espécies cause danos ao funcionamento eficaz <strong>do</strong>s processosbiológicos (Sumário da Estratégia, versão brasileira, 1984).Nos <strong>do</strong>cumentos mais recentes da UICN, como o From strategy toaction (1988), há uma primeira vinculação entre a manutenção da diversidadebiológica (entendida como diversidade de espécies e de ecossistemas)e a diversidade cultural. Esse <strong>do</strong>cumento afirma que “a destruição da vidaselvagem e florestas hoje tem relativamente pouco a ver com as espéciesem si, mas é decorrência das relações entre a população e a natureza e dasrelações entre as pessoas.” (p.33) .Assim como, avalia que, até agora:“o movimento conservacionista foi lidera<strong>do</strong> por naturalistas, incluin<strong>do</strong> ama<strong>do</strong>res ebiólogos treina<strong>do</strong>s. Ainda que sua contribuição tenha si<strong>do</strong> essencial, eles foram incapazesde resolver os problemas básicos da conservação porque os fatores limitantes não são deordem ecológica, mas principalmente políticos, econômicos e sociais. As opiniões para aconservação têm que ser procuradas entre os políticos, sociólogos rurais, agrônomos eeconomistas. Em última análise, os usuários <strong>do</strong>s recursos naturais locais são aqueles quetomam as decisões.” (1988, p. 33)E, ainda, enfatiza a importância <strong>do</strong> conhecimento das populações305


locais (traditional groups) para assegurar a diversidade biológica.A biodiversidade tornou-se um tema de interesse internacionalem razão da rápida destruição de espécies e ecossistemas, motivada,em geral, pela expansão das atividades urbano-industriais. Em 1992,foi objeto de um trata<strong>do</strong> internacional importante, a Convenção da DiversidadeBiológica.Entre as várias declarações e recomendações dessa Convençãoestão o respeito e a manutenção <strong>do</strong>s conhecimentos e práticas tradicionaise no Artigo 8º., recomenda que os benefícios deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> usodesse conhecimento sejam também distribui<strong>do</strong>s entre as comunidades queo detém.“Em conformidade com as legislações nacionais, (a Convenção deve) respeitar, preservare manter o conhecimento, inovações e práticas de comunidades indígenas e locais queapresentam estilos de vida relevantes para a conservação e o uso sustenta<strong>do</strong> da diversidadebiológica e promover sua aplicação ampla com a aprovação e o envolvimento <strong>do</strong>spossui<strong>do</strong>res de tais conhecimentos, inovações e práticas e encorajar a distribuição <strong>do</strong>sbenefícios deriva<strong>do</strong>s de tais conhecimentos, inovações e práticas”. (Artigo 8º. j)Além disso, no Artigo 10º., a Convenção determina que cada partecontratante:“proteja e encoraje o uso tradicional <strong>do</strong>s recursos biológicos de acor<strong>do</strong> com as práticasculturais compatíveis com a conservação ou os requisitos <strong>do</strong> uso sustentável”. E também“apoie as populações locais para desenvolver e implementar ações de recuperação emáreas degradadas onde a diversidade biológica tenha si<strong>do</strong> reduzida.” (Artigo 10 d).306O conhecimento sobre a BiodiversidadeÉ sabi<strong>do</strong> que o Brasil é, possivelmente, o país da maior megadiversidade<strong>do</strong> planeta, ten<strong>do</strong> a maior entre todas as plantas superiores, peixes deágua <strong>do</strong>ce e mamíferos, a segunda em anfíbios, a terceira em aves e a quintaem répteis.São 55 mil espécies vegetais ou 22% <strong>do</strong> total <strong>do</strong> planeta, 524 mamíferos(<strong>do</strong>s quais 131 endêmicos), 517 anfíbios (294 endêmicos), 1.622 aves (191endêmicas) e 468 répteis (127 endêmicos) além de 3 mil espécies de peixesde água <strong>do</strong>ce entre 10 a 15 milhões de espécies (Primeiro Relatório Nacionalpara a Convenção da Biodiversidade Biológica-Brasil, MMA, 1998).Mas o que é menos conheci<strong>do</strong> é que o Brasil é também um país demegadiversidade sócio-cultural, representada por 215 povos indígenas


diferentes, com mais de 170 línguas diversas, além de uma dezena depopulações tradicionais, fruto da miscigenação entre índios, coloniza<strong>do</strong>rese negros, com línguas e quase-dialéticos distintos (caipira, caiçara,sertanejo, caboclos ribeirinhos, entre outros). Essas populações, distribuídasem to<strong>do</strong> o território nacional têm um conhecimento aprofunda<strong>do</strong> <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> natural, conhecen<strong>do</strong> e manejan<strong>do</strong> um grande número de espéciesda flora e fauna. Sem esse conhecimento seria impossível sobreviver emambientes complexos e distintos como a Floresta Amazônica, a MataAtlântica, o Cerra<strong>do</strong>, rios e mares.Um <strong>do</strong>s debates atuais sobre o tema diz respeito à própria noçãode biodiversidade.Até recentemente, o estu<strong>do</strong> da biodiversidade era objeto exclusivo<strong>do</strong>s cientistas naturais, mas começa a ganhar espaço também entre oscientistas sociais, particularmente na antropologia e na etno-ciência.Para as ciências naturais, a biodiversidade pode ser definidacomo a variabilidade entre seres vivos de todas as origens, inter alia,a terrestre, a marinha e outros ecossistemas aquáticos e os complexosecológicos <strong>do</strong>s quais fazem parte: isso inclui a diversidade no interiordas espécies, entre as espécies e entre espécies e ecossistemas (Artigo2º. da Convenção da Diversidade Biológica). Na concepção da corrente<strong>do</strong>minante nas ciências naturais, a biodiversidade é uma característica<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> chama<strong>do</strong> natural, produzida exclusivamente por este e analisadasegun<strong>do</strong> as categorias classificatórias propostas pelas ciências oudisciplinas científicas, como a botânica, genética, a biologia etc.Por outro la<strong>do</strong>, as populações tradicionais (povos indígenas,caiçaras, caboclos, ribeirinhos, sertanejos e outros) não só convivem coma biodiversidade, mas nomeiam e classificam as espécies vivas segun<strong>do</strong>suas próprias categorias e nomes. Uma importante diferença, no entanto,é que essa natureza diversa não é vista necessariamente como selvagemem sua totalidade; ela foi e é <strong>do</strong>mesticada e manipulada pelos seres humanoshá milhares de anos. Uma outra diferença é que essa diversidadeda vida não é vista como “recurso natural”, mas sim como um conjuntode seres vivos que tem um valor de uso e um valor simbólico, integra<strong>do</strong>numa complexa cosmologia.Nesse senti<strong>do</strong>, pode-se falar numa etno-bio-diversidade, isto é, ariqueza da natureza da qual participam os humanos, nomean<strong>do</strong>-a, classifi-307


can<strong>do</strong>-a, <strong>do</strong>mestican<strong>do</strong>-a, mas de nenhuma maneira selvagem e intocada.Estu<strong>do</strong>s recentes (Balée, 1993; Gomez-Pompa, 1971, 1972 e outros)afirmam que a manutenção, e mesmo o aumento, da diversidade biológica nasflorestas tropicais, está relacionada intimamente com as práticas tradicionaisda agricultura itinerante <strong>do</strong>s povos primitivos. O sistema regenerativo dafloresta úmida parece estar muito bem adapta<strong>do</strong> às atividades <strong>do</strong> homemprimitivo. A pequena clareira aberta na mata para a pequena agriculturadas comunidades tradicionais, seu plantio, colheita e aban<strong>do</strong>no após o decréscimoda produção agrícola (shifting agriculture) é semelhante àquelaproduzida pela destruição ocasional das florestas por causas naturais comoa queda de árvores e fogo. Esse tipo de atividade pode ainda ser visto emmuitas áreas tropicais, onde um padrão de mosaico pode ser encontra<strong>do</strong>,com a ocorrência de grandes porções de floresta úmida primária e porçõesde floresta perturbada de diferentes idades a partir <strong>do</strong> momento de seu aban<strong>do</strong>no.Vários estu<strong>do</strong>s dessa série de sucessões já existem e, em muitos casos,tendem a concordar que a agricultura itinerante tem si<strong>do</strong> um meio naturalpara usar as propriedades regenerativas da floresta úmida em benefício <strong>do</strong>homem (Gomez-Pompa, 1972).Gomez-Pompa também afirma que vários autores descobriram quemuitas espécies <strong>do</strong>minantes das selvas “primárias” <strong>do</strong> México e AméricaCentral são, na verdade, espécies úteis que o homem <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> protegeue que sua abundância atual está relacionada com este fato. A seguir, lançaa hipótese de que a variabilidade induzida pelo homem no meio ambientedas zonas tropicais é um fator que favoreceu, e favorece notavelmente, avariabilidade das espécies e provavelmente sua especiação(1971).Se essas hipóteses vierem a ser comprovadas, e muitos estu<strong>do</strong>s recentesapontam nessa direção (Oliveira, 1992), é inevitável repensar o conceitode “florestas naturais” e sua modalidade de conservação em unidades ondese proíbem práticas tradicionais <strong>do</strong>s povos indígenas, seringueiros, ribeirinhos,caiçaras, entre outros. Além disso, torna-se necessário resgatar ossistemas tradicionais de manejo ainda hoje pratica<strong>do</strong>s por essas populações,pois essas técnicas têm contribuí<strong>do</strong> significativamente para a manutenção dadiversidade biológica. No Brasil são relevantes os trabalhos de Posey (1987),onde se atesta que, ao la<strong>do</strong> de espécies <strong>do</strong>mesticadas/semi-<strong>do</strong>mesticadas,os Kayapó usualmente transplantam várias espécies da floresta primáriapara os antigos campos de cultivo, ao longo de trilhas e junto às aldeias,forman<strong>do</strong> os chama<strong>do</strong>s “campos de floresta”. Esses nichos maneja<strong>do</strong>s foramdenomina<strong>do</strong>s por Posey de ilhas naturais de recursos e são amplamenteaproveitadas no dia-a-dia indígena, bem como durante as longas expediçõesde caça que duram vários meses (Posey, 1987). Balée (1992) demonstraque a floresta secundária tende a alcançar a floresta primária em termos de308


diversidade ao longo <strong>do</strong> tempo, o que pode ocorrer em menos de 80 anos.A diversidade em número de espécies entre as duas florestas é semelhante:360 na secundária e 341 na primária.Os trabalhos acima cita<strong>do</strong>s atestam o grande cabedal de conhecimentodas populações indígenas e tradicionais sobre o comportamento da florestatropical. Eles apontam também para a necessidade de se incorporarem essaspopulações no manejo dessas áreas. Gomez-Pompa & Kaus (1992) vãomais além ao afirmar:“Sem todas essas práticas culturais humanas que vão junto com ohábitat, as espécies se perderão para sempre. E no entanto, essa dimensãoda conservação tem si<strong>do</strong> negligenciada na nossa própria tradição de manejode recursos naturais.”(1992: 274).Pode-se, portanto, concluir que a biodiversidade pertence tanto ao<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> natural e <strong>do</strong> cultural, mas é também fruto da cultura enquantoconhecimento que permite as populações tradicionais entendê-la, representálamentalmente, manuseá-la, transferir espécies de um lugar para outro e,freqüentemente, adensá-la, enriquecen<strong>do</strong>-a local e regionalmente.Nesse senti<strong>do</strong> os seres vivos, em sua diversidade, participam, de umaou outra forma <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong> ou pelo menos identifica<strong>do</strong>, seja como<strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>, seja como não-<strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>, mas conheci<strong>do</strong>. Eles pertencema um lugar, um território enquanto locus em que se produzem as relaçõessociais e simbólicas das comunidades humanas que aí vivem.Finalmente, um outro aspecto que mostra a divergência <strong>do</strong>s enfoquessobre as estratégias de conservação da biodiversidade diz respeito aos critériosusualmente utiliza<strong>do</strong>s para se definir “hot spots” (lugares-chave) para aconservação da biodiversidade: esses critérios são quase que totalmente deordem biológica, mesmo em se tratan<strong>do</strong> de áreas habitadas por populaçõestradicionais.Dentro de possíveis novos parâmetros de uma etnoconservaçãopoderia se pensar em critérios decorrentes das paisagens criadas pelas populaçõestradicionais, como foram descritas anteriormente. Um <strong>do</strong>s critériosa ser incorpora<strong>do</strong> é o da existência de áreas de alta biodiversidade decorrente<strong>do</strong> conhecimento e <strong>do</strong> manejo tradicional ou etnomanejo realiza<strong>do</strong>pelas populações tradicionais indígenas e não-indígenas. Essas populaçõestradicionais, ao invés de serem expulsas de suas terras para a criação deum parque nacional, passariam a ser valorizadas e recompensadas pelo seuconhecimento e manejo que deram origem a esses mosaicos de paisagensque incluem um gradiente de florestas pouco ou nada tocadas por elas atéaquelas manejadas. Ter-se-ia, sem dúvida, mapas de áreas críticas para a309


conservação da diversidade diferentes daqueles gera<strong>do</strong>s em workshopsfinancia<strong>do</strong>s por instituições ambientalistas internacionais. Evidentemente,esses mapas somente poderiam ser realiza<strong>do</strong>s com a utilização de indica<strong>do</strong>resde biodiversidade que não são somente de ordem biológica, mas tambémcultural, provenientes de uma nova etnociência da conservação.Essa nova alternativa poderia ser realizada por inventários da etnobiodiversidaderealmente participativos, com plena anuência e cooperaçãodas populações tradicionais, maneja<strong>do</strong>ras da biodiversidade.O que alguns cientistas naturais chamam de biodiversidade, traduzidaem longas listas de espécies de plantas ou animais, descontextualizadas<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio cultural é muito diferente da biodiversidade em grande parteconstruída e apropriada material e simbolicamente pelas populações tradicionais.A mesma coisa pode ser afirmada sobre o conceito de manejo. Adefinição apresentada no Glossário de Ecologia, da ACIESP (1987) é sintomáticanesse senti<strong>do</strong>:“Aplicação de programas de utilização <strong>do</strong>s ecossistemas, naturais ou artificiais, baseadaem teorias ecológicas sólidas, de mo<strong>do</strong> que mantenha, da melhor forma possível as comunidadesvegetais e/ou animais como fontes úteis de produtos biológicos para o homem, etambém como fontes de conhecimento científico e de lazer.”Fica claro nessa definição que existe somente o manejo chama<strong>do</strong>“científico”, dentro <strong>do</strong>s parâmetros da ciência cartesiana, basea<strong>do</strong> em “teoriasecológicas sólidas”. Seria importante que se definisse o que são teoriasecológicas sólidas num <strong>do</strong>mínio científico em que as hipóteses e teoriasmudam tão rapidamente. Veja-se, por exemplo, o caso da teoria <strong>do</strong>s refúgios,que serviu de base e critério na década de 70-80 para o estabelecimento deparques nacionais na Amazônia, verdadeiras ilhas de conservação e quedepois passou ao desuso e foi substituída por outras teorias e critérios.Para esse manejo científico, exige-se, por exemplo, o “conhecimentoprofun<strong>do</strong> <strong>do</strong> ecossistema”, mesmo quan<strong>do</strong> se sabe que as informaçõescientíficas necessárias não são facilmente disponíveis e que os limites <strong>do</strong>secossistemas variam segun<strong>do</strong> a formação de cada cientista, seja ele biólogo,pedólogo, botânico, etc.Para o etnocientista, o manejo é realiza<strong>do</strong> também pelas populaçõestradicionais indígenas e não-indígenas. Para Balée (1993) esse manejoimplica na manipulação de componentes inorgânicos ou orgânicos <strong>do</strong>meio-ambiente, que traz uma diversidade ambiental líquida maior quea existente nas chamadas condições naturais primitivas onde não existepresença humana.310


Para esse autor, a questão transcende a distinção habitual entrepreservação e degradação, na medida em que ao contrário da preservação,o manejo implica em interferência humana. Num ecossistema maneja<strong>do</strong>,algumas espécies podem se extinguir como resulta<strong>do</strong> dessa ação, ainda queo efeito total dessa interferência possa resultar num aumento real da diversidadeecológica e biológica de um lugar específico ou região.O que se propõe é uma cooperação orgânica entre o conhecimentoe práticas científicas e <strong>do</strong> conhecimento tradicional no estu<strong>do</strong> e manejoda biodiversidade. Para tanto, é preciso, antes de tu<strong>do</strong>, se reconhecer aexistência, nas sociedades tradicionais, de outras formas, igualmente racionais,de se perceber a biodiversidade, além daquelas oferecidas pelaciência moderna.Referências Bibliográficas:ACIESP. Glossário de Ecologia. São Paulo, 1987.BALÉE, W. Footprints of the Forest: Ka’apor ethnobotany - thehistorical ecology of plant utilization by an Amazonian People.New York: Columbia Univ. Press, 1993BALICK, M.; COX, P. Plants, people and culture: the science ofethnobotany. New York: Scientific American Library, 1996.DESCOLLA, P. Ecologia e Cosmologia. In: CASTRO, E.; PIN-TON, F. Faces <strong>do</strong> Trópico Úmi<strong>do</strong>. Belém: Ed. Cejup, 1997.DIEGUES, A.C. O mito moderno da natureza intocada. SãoPaulo: Hucitec, 1996.GOMEZ-POMBA, A Posible papel de la vegetación secundária emla evolución de la flora tropica.Biotropica, v. 3, n. 2, p. 124-35.GOMEZ-POMPA, A.; KAUS, A. Taming the wilderness myth.Bioscience, v. 42, n. 4, 1992.GOMES-POMPA, A.; VASQUES-YANEZ, C. The tropical rainforest:a non renewable resource. Science, v. 177, p. 762-5, 1972.IUCN. World Conservation Strategy. Gland, Suiça: Gland, Suiça1988, From Strategy to Action, 1980.LEVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. Campinas: Papyrus,1989.MMA. Primeiro Relatório Nacional para a Convenção da Biodiversidade-Brasil.Brasília, 1998.311


312POSEY, D. Manejo da floresta secundária: capoeira, campos ecerra<strong>do</strong>s (Kayapó). In: RIBEIRO, B (Org.). Suma etnológicabrasileira. Petrópolis: Vozes, v.1, 1987.


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SUSTENTABILIDADE: Uma abordagemhistórica da sustentabilidadeLeila da Costa FerreiraPalavras-chave: produção; consumo; tecnologias; recursos naturais; economia;política.O termo sustentabilidade foi cunha<strong>do</strong> com o propósito de nos remeterao vocábulo sustentar. Sustentar algo, ao longo <strong>do</strong> tempo - a dimensão delongo prazo já se encontra incorporada nessa interpretação -, para que aquiloque se sustenta tenha condições de permanecer perene, reconhecível ecumprin<strong>do</strong> as mesmas funções indefinidamente, sem que produza qualquertipo de reação desconhecida, manten<strong>do</strong>-se estável ao longo <strong>do</strong> tempo. Entreos inúmeros conceitos de sustentabilidade que já foram elabora<strong>do</strong>s ao longo<strong>do</strong>s últimos anos, o que se pretende, enfim, é encontrar os mecanismos deinteração nas sociedades humanas que ocorram numa relação harmoniosacom a natureza.À luz <strong>do</strong>s recentes da<strong>do</strong>s que rompem em definitivo com a hipótesede que as causas <strong>do</strong> esgotamento <strong>do</strong>s recursos recai unicamente sobre ocrescimento populacional busca-se alternativas de produção e consumo querespeitem os ciclos naturais em suas próprias temporalidades. Acelerar osprocessos bio-geo-ecológicos em função da crescente velocidade humana deconsumo representa insustentabilidade e, portanto, a questão reside em encontrarmeios de evitar a escassez e o esgotamento <strong>do</strong>s recursos naturais.Ao nos debruçarmos sobre estu<strong>do</strong>s antropológicos enfocan<strong>do</strong> associedades primitivas, encontramos elementos que nos indicam uma nítidapresença <strong>do</strong> critério básico de sustentabilidade: a não interferência humanaacima <strong>do</strong>s limites de capacidade de suporte da natureza para se restituí-la emsua composição original. A convivência (residual) de sociedades indígenasainda hoje, seja em ecoregiões de alto valor de biodiversidade, a exemplodas florestas tropicais, seja em eco regiões áridas e de condições extremasde sobrevivência humana, a exemplo <strong>do</strong> pólo ártico, revela que suas práticasprodutivas não deixam cicatrizes em seus respectivos ambientes cotidianosde vida.Shiva (199l) nos fornece os melhores indícios que mostram quetais sociedades não se percebem dissociadas da natureza, numa relação deexterioridade, a exemplo <strong>do</strong> que ocorre com a sociedade moderna. Pelocontrário, entendem-se como entidade integrante da natureza. Viven<strong>do</strong>315


sob completa relação com os fatores ambientais, buscan<strong>do</strong> uma regularidademínima diante da oscilação <strong>do</strong>s ciclos da natureza O comportamentoprodutivo das sociedades primitivas é guia<strong>do</strong> por normas justificadas pelatradição e costume.Recuan<strong>do</strong> no passa<strong>do</strong>, o mesmo se pode dizer com relação à sociedadegrega pré-socrática, no século IV a-C. A mitologia grega está recheada dereferências baseadas na natureza, conforme ressalta MaCormick (1992),há nas palavras <strong>do</strong> autor, o acolhimento da força natural, e não uma propensãode substituí-la. Esta propensão para substitur a norma natural pelanorma humana, poderia desembocar na hibris, que era a referência teóricaa desordem, instabilidade, desestruturação, desarmonia e desequilíbrio; oresulta<strong>do</strong> da transposição <strong>do</strong>s limites ecossistêmicos que podem em últimainstância, acarretar o esgotamento <strong>do</strong>s recursos naturais.O que se desfruta desses mecanismos em tais sociedades é a buscaconstante da sustentabilidade.Sustentabilidade: em busca de uma definição conceitualAntes de mais nada, é necessário lembrar que o termo sustentabilidade,de acor<strong>do</strong> com Paehlke(1989), foi cunha<strong>do</strong> em 1713 por Carlowitz,visan<strong>do</strong> o uso <strong>do</strong> solo cultivável que garantisse rendimentos estáveis alongo prazo para a produção florestal. Yearley (1996) acrescenta ainda queexiste uma distinção a fazer entre sustentabilidade ecológica e a sustentabilidadeambiental: a primeira refere-se ao estágio cliímax de um ecossistemanatural, onde os fluxos de entrada e saída de matéria e energia semantém equivalentes a longo prazo, configuran<strong>do</strong> a maturidade <strong>do</strong> sistema,espontaneamente por conta da própria natureza. Já a segunda, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong>mesmo princípio, envolve a intervenção humana através <strong>do</strong> gerenciamentoambiental, produzin<strong>do</strong> balanços energéticos que equilibram artificialmenteo sistema, contrabalançan<strong>do</strong> os estoques de energia e matéria que sãoutiliza<strong>do</strong>s como matéria-prima na esfera produtiva humana.Por sua vez, discorren<strong>do</strong> sobre meto<strong>do</strong>logias para a contabilidadeambiental, Spaargaren et al. (2000) identificam a existência de duas correntesa respeito da dimensão da delimitação <strong>do</strong> esgotamento <strong>do</strong>s recursosnaturais: uma que segue o padrão da fraca sustentabilidade, na qual seacredita ser possível a substituição absoluta <strong>do</strong> capital natural pelo capitalmaterial, onde a tecnologia tem perfeitas condições de promover o processode transformação, desde que determina<strong>do</strong> montante de recursos oriun<strong>do</strong>s316


<strong>do</strong> crescimento econômico seja investi<strong>do</strong> exclusivamente nesta função, eoutra que segue o padrão de forte sustentabilidade, na qual as duas formasde capital não são substituíveis e, assim, o crescimento econômico necessariamenteteria que ser condiciona<strong>do</strong> à manutenção constante <strong>do</strong> estoquede capital natural, ou seja, mantidas as bases físicas da natureza inalteradas,por intermédio <strong>do</strong> estabelecimento de instrumentos políticos.Percebe-se haver um tom de otimismo tecnológico bastante pronuncia<strong>do</strong>no primeiro caso, pois se considera que há a disposição da sociedadede risco (Beck, 1992) um quantum tecnológico suficientemente eleva<strong>do</strong> paraevitar os efeitos colaterais negativos da intervenção humana na biosfera,o que em última instância, desobriga a necessidade de implementação depolíticas preventivas. De qualquer forma, os autores ressaltam que essas consideraçõesevidenciam que o nível de consumo <strong>do</strong> capital natural é importanteíndice de sustentabilidade, apesar <strong>do</strong> ambiente ser ainda incipientementevaloriza<strong>do</strong> pelo merca<strong>do</strong>. Ou seja, o uso, o esgotamento e a degradação <strong>do</strong>srecursos naturais não estão inseri<strong>do</strong>s nos custos de produção e consumo.Operacionalmente, Guimarães( 2001) sugere então que,“em primeiro lugar, para caso de gestão <strong>do</strong>s recursos naturais renováveis, <strong>do</strong>isprincípios destacam-se como fundamentais. Por um la<strong>do</strong>, as taxas de utilização devemser equivalentes às taxas de reposição. Por outro la<strong>do</strong>, as taxas de emissão de efluentesdevem ser iguais à capacidade de assimilação <strong>do</strong>s ecossistemas em que tais efluentessão lança<strong>do</strong>s. O anterior significa que as taxas de recuperação e as taxas de regeneraçãodevem ser tratadas como capital natural”. (Ibid, p.64).A incapacidade de manutenção dessas taxas deve ser tratada, portanto,como consumo de capital, isto é, não sustentável. Em segun<strong>do</strong> lugar,para o caso <strong>do</strong>s recursos não renováveis, consideran<strong>do</strong>-se que o própriocaráter de ‘não renovável’ impede uma utilização indefinidamente sustentável,há que limitar o seu ritmo de utilização ao ritmo de desenvolvimentoou descoberta de novos substitutos.Isto requer, entre outros aspectos, que os investimentos realiza<strong>do</strong>spara a exploração de recursos naturais não-renováveis devam vir acompanha<strong>do</strong>sde investimentos equivalentes na busca de substitutos.Com isso, o autor afirma que para os recursos naturais renováveis,podemos pensar no padrão da fraca sustentabilidade, enquanto que paraos recursos naturais não renováveis, vale a forte sustentabilidade.Precisamos, ainda, fazer uma importante distinção entre <strong>do</strong>is outrosconceitos, quan<strong>do</strong> enfocamos o panorama da escassez <strong>do</strong>s recursos: háa escassez absoluta, que se refere ao esgotamento propriamente dito <strong>do</strong>317


estoque de recursos, e há a escassez relativa, que diz respeito aos padrõesinsustentáveis de produção e consumo, que atuam como fatores limitantes<strong>do</strong> esgotamento.Contu<strong>do</strong>, Paehlke (1989) sinaliza que foi um erro interpretar a finitude<strong>do</strong>s recursos, com a conseqüente escassez e esgotamento, como se isso fossedetermina<strong>do</strong> por uma relação de causalidade linear, cuja variável fosse oquantum tecnológico da sociedade em questão. Esse panorama revela quea sociedade percebe apenas a escassez absoluta, e não a relativa, apesar <strong>do</strong>autor mostrar que a relativa é a mais presente na atualidade.Devemos neste momento, lembrar que Morrison (1995) e Cahn(1995), por exemplo, identificam que tanto os padrões de consumo da pobrezacomo da riqueza, juntos contribuem para a deterioração da capacidadede suporte <strong>do</strong> planeta. No entanto, enfatizam que a força propulsora <strong>do</strong>minante<strong>do</strong> esgotamento <strong>do</strong>s recursos naturais situa-se no padrão de consumo<strong>do</strong>s países altamente industrializa<strong>do</strong>s. O padrão de produção e consumo<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, por exemplo, definitivamente não é generalizável aoconjunto da humanidade, porque não é sustentável. Conseqüentemente,a atenção deve ser deslocada da questão tecnológica como entendimentoda escassez absoluta, para voltar-se a questão política e sociológica, paraenfrentar a escassez relativa. A partir desta consideração, vislumbra-se commaior evidência que podemos transcender a dimensão puramente ambientalda sustentabilidade, e envolver alguns parâmetros políticos-institucionaisque dizem respeito às normas e critérios sociais para apropriação <strong>do</strong> capitalnatural (Yearley, 1996).Já temos reuni<strong>do</strong>s aqui, informações suficientes para perceber que asustentabilidade referida no discurso ecológico oficial refere-se exclusivamenteà ambiental.A preocupação central reside na maneira como a sociedade complexadeve se relacionar diretamente com o ambiente, ou seja, estabelecem-sevínculos explícitos na interação sociedade/natureza, que são media<strong>do</strong>sunicamente pela tecnologia.Todavia, podemos adiantar que a sustentabilidade comporta váriasdimensões. A sustentabilidade torna-se um conceito transversal que abrangetodas as dimensões da vida humana, não apenas as relações diretas com anatureza.Neste senti<strong>do</strong> associamos fortemente a idéia de sustentabilidade comoutras três dimensões sociais já consagradas dentro <strong>do</strong> pensamento político<strong>do</strong> século XX: democracia, eqüidade e eficiência.318


A definição <strong>do</strong> conceito complexo de sociedade eqüitativa, eficientee democrática foi desenvolvida por Ferreira e Viola (1997).Na sociedade democrática o governo é eleito em eleições livrescompetitivas e as regras escritas da sociedade na forma de lei regulamefetivamente as relações sociais. Numa sociedade democrática os direitosindividuais têm correlatos nos deveres coletivos e os interesses coletivostêm pre<strong>do</strong>mínio sobre os interesses individuais.Na sociedade eqüitativa to<strong>do</strong>s os indivíduos (independente de gênero,origem social, raça, idade, cre<strong>do</strong> e ideologia) têm as mesmas oportunidadespara se desenvolverem enquanto tais. Numa sociedade eqüitativa o herda<strong>do</strong>tem uma importância mínima e o adquiri<strong>do</strong> tem importância máxima.As dimensões fundamentais da sociedade eficiente são: a avaliaçãocusto-benefício na tomada de decisões, uma equilibrada combinação decompetição e cooperação nas regras <strong>do</strong> jogo e uma promoção contínua <strong>do</strong>desenvolvimento científico-tecnológico.Uma sociedade sustentável é aquela que mantém o estoque decapital natural ou compensa pelo desenvolvimento <strong>do</strong> capital tecnológicouma reduzida depleção natural, permitin<strong>do</strong> assim o desenvolvimento dasgerações futuras. Numa sociedade sustentável o progresso é medi<strong>do</strong> pelaqualidade de vida (saúde, longevidade, maturidade pisicológica, educação,ambiente limpo, espírito comunitário e lazer criativo) ao invés de puroconsumo material.Problemas• Definição: o termo sustentabilidade é largamente cita<strong>do</strong> nas ciênciassociais e naturais e é considera<strong>do</strong> um objetivo “ecologicamentesaudável” a ser alcança<strong>do</strong>. Entretanto, são inúmeras as definições encontradasna literatura. Dentre as definições, a encontrada no relatórioBrundtlant (1987) é considerada por ecológos como Erhlich (1994)como irreal em termos ambientais, pois implicaria em um aumentosignificativo de produção; Goldman (1995) alerta para as diferentesdefinições de biólogos, ecólogos e economistas; Daly (1994) descrevea sustentabilidade forte e fraca e Holling (1994) a considerasob para<strong>do</strong>xos. Um desses para<strong>do</strong>xos é levar em conta que atitudesecológicas também levam a instituições de manejo mais rígidas esociedades mais dependentes.• Escala: consideran<strong>do</strong> dada definição de sustentabilidade, ou várias319


em diferentes contextos, há que se levar em conta a questão da escala.Se podem ser consideradas variáveis para escalas mais finas e outrasvariáveis para escalas mais globais. Devem ocorrer também variáveisque transitam por várias escalas: Quais são? Como se relacionam?Em termos aplica<strong>do</strong>s, como se dá a relação local-global em termosde instituições, por exemplo, ou mesmo em termos <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>.• Sustentabilidade: forte e fraca: como essas definições são descritaspara modelos sociais, ecológicos e econômicos? O que representam,por exemplo: a) um modelo local de sustentabilidade fraca? b) ummodelo global de sustentabilidade fraca? c) um modelo local de sustentabilidadeforte? d) um modelo global de sustentabilidade forte?AprofundamentoBECK, U. Risk society: towards a new modernity. Lon<strong>do</strong>n: SagePublications, 1992BERKES, F.; FOLKE, C. Linking social and ecolological sytemsfor resilience and sustainability. Cambridge U. Press, 1998.CAHN, A.M. Environmental deceptions.The tension betweenLiberalism and Environmental Policymaking in the UnitedStates. New York: State University Press, 1995.COMISSÃO Mundial sobre <strong>Meio</strong> ambiente e Desenvolvimento.Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas,1987.DALY, H.E. Operationalizing sustainable development by investingin natural capital. In: JANSSON, A.; HAMMER, M.; FOLKE,C.; COSTANZA, R. (Ed.). Investing in natural capital. Covelo,CA: Island Press, 1994.EHRLICH, P. Ecological economics and the carrying capacity ofearth. In: JANSSON, A; HAMMER, M.; FOLKE, C.; COSTAN-ZA, R (Ed.). Investing in natural capital. 1994.FERREIRA, L.; VIOLA, E. Incertezas de sustentabilidade naglobalização. Campinas: UNICAMP, 1997.FERREIRA, L.C. A questão ambiental. Sustentabilidade ePolíticas Públicas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Editorial Boitempo,2003._____. Em busca da sustentabilidade no Vale <strong>do</strong> Ribeira. SãoPaulo: Nepam/SEMA, 1997.320


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TEORIA CRÍTICACarlos Frederico B. LoureiroPalavras-chave: emancipação; racionalidade; dialética; diálogo; auto-crítica;pedagogia crítica.A expressão “Teoria Crítica” está vinculada às reflexões e formulaçõesproduzidas pelo Instituto de Pesquisa Social, conheci<strong>do</strong> internacionalmentecomo Escola de Frankfurt em função de sua localização geográfica inicialna Alemanha. Funda<strong>do</strong> em 1923, o instituto se tornou uma das mais influentesorientações filosóficas nos países ocidentais, com enorme aceitação eutilização de seus conceitos e méto<strong>do</strong> no campo educacional.A Escola de Frankfurt foi criada por um grupo de intelectuais com oobjetivo de contribuir com pesquisas que permitissem a compreensão críticae global da sociedade contemporânea. Para isso, se utilizou da teoria e <strong>do</strong>méto<strong>do</strong> dialético formula<strong>do</strong> por Karl Marx em diálogo com outros pensa<strong>do</strong>res,dentre eles Weber, Hegel e Freud, em busca da construção de umavisão integra<strong>do</strong>ra de ciência e filosofia e de uma atuação transforma<strong>do</strong>ra dasrelações sociais. Tem como algumas de suas características: (1) a análise <strong>do</strong>sprocessos de legitimação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na sociedade de consumo; (2) a críticaao uso ideológico da ciência e da tecnologia na reprodução da sociedade;(3) a negação da neutralidade <strong>do</strong> conhecimento científico; (4) o exame minuciosoda “indústria cultural” que, no capitalismo, fabrica necessidadesmateriais e simbólicas favoráveis ao individualismo, à competitividadedesigual e ao consumismo; (5) a argumentação em favor da racionalidadeemancipatória e da liberdade; (6) a crítica à racionalidade instrumental, porfavorecer processos inerentes à acumulação capitalista (eficiência produtiva,quantificação da realidade e dicotomia sociedade-natureza).Pela Escola de Frankfurt passaram nomes consagra<strong>do</strong>s como: FriedrichPollock (economia), Otto Kircheimer (ciência política), Theo<strong>do</strong>r W.A<strong>do</strong>rno, Leo Löwenthal e Walter Benjamin (cultura); Max Horkheimer,Herbert Marcuse, Alfred Schmidt e Jürgen Habermas (filosofia); ErichFromm (psicanálise). Além desses, outros pensa<strong>do</strong>res de destaque, quemarcam o pensamento contemporâneo, mantiveram estreito intercâmbiocom os frankfurtianos, dentre os quais estão Wilhelm Reich (psicoterapiacorporal e sexualidade) e Bertholt Brecht (artes e política). No campo estritamenteda educação, esse diálogo se torna visível nas figuras proeminentesde Henri Giroux, um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res da denominada “pedagogia crítica”,Peter McLaren e Paulo Freire, educa<strong>do</strong>res que muito influenciam os estu<strong>do</strong>s325


e práticas pedagógicas no Brasil, Europa e Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.Em termos históricos, a expressão foi formulada por Max Horkheimer,que presidiu por quase três décadas a Escola de Frankfurt, ao publicar oconheci<strong>do</strong> texto “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, no ano de 1937.Para este, a teoria tradicional é toda aquela que se produz como válida pelaciência <strong>do</strong>minante (positivista), ten<strong>do</strong> por características: (1) a abstraçãoconceitual sem vinculação com a realidade concreta, ao partir de modelosque pressupõem a sociedade como algo da<strong>do</strong>, sem historicidade; e (2) aneutralidade e a objetividade <strong>do</strong> conhecimento na explicação <strong>do</strong> funcionamentoda sociedade. Tais características ignoram o movimento da história, ossujeitos e a ciência como prática social inserida em um conjunto complexode relações sociais e suas implicações econômicas, políticas, ideológicase de poder. Romper com essas características conserva<strong>do</strong>ras e a<strong>do</strong>tar umposicionamento de permanente questionamento com vistas a construirconhecimentos que sirvam para a emancipação e para a transformação dasociedade é a finalidade primeira e última da Teoria Crítica.Nos dias atuais, é possível dizer que há uma utilização expandidada “crítica” como pressuposto de todas as abordagens questiona<strong>do</strong>ras dasociedade e de como nos constituímos em determina<strong>do</strong> contexto, recusan<strong>do</strong>as formas de aceitação passiva da realidade. Com isso, tornou-se um mo<strong>do</strong>dialético e conceitualmente amplo de investigar o que ocorre em grupos einstituições em sociedade, buscan<strong>do</strong> compreender de que mo<strong>do</strong> as redesde poder se definem, são mediadas e podem ser transformadas. Nesse senti<strong>do</strong>,a “crítica” envolve, no que se refere à fundamentação teórica, não sóautores da Escola de Frankfurt e os que a estes estão afina<strong>do</strong>s pelo uso <strong>do</strong>méto<strong>do</strong> dialético, mas autores mais ou menos próximos, como Bourdieu eFoucault. É com essa conotação mais “aberta” que encontramos a utilizaçãoda “crítica” na Educação Ambiental.No que se refere à vinculação entre Teoria Crítica e Educação Ambiental,há algumas premissas da primeira, amplamente utilizadas pelasegunda:• A crítica (à sociedade, à ciência e à argumentação) e a autocrítica(pessoal) são princípios meto<strong>do</strong>lógicos;• A verdade científica está em sua comprovação prática na história, noconhecimento poder ser aplica<strong>do</strong> para ajudar a humanidade a superaras relações de <strong>do</strong>minação, alienação e expropriação. No mais, a puraabstração conceitual só possui veracidade em termos formais, muitasdas vezes servin<strong>do</strong> como fator de reprodução social;326


• Teoria e prática não estão descoladas. Conhecer e agir são dimensõespróprias que ganham condição para transformar a realidade à medidaque se relacionam e se constituem mutuamente. O conhecimento “<strong>do</strong>que é” (teoria) e a ação em busca <strong>do</strong> “que queremos que seja” estãounidas e é através dessa indissociação que tomamos consciência denós mesmos e <strong>do</strong> outro no mun<strong>do</strong>;• Ciência e valores culturais estão liga<strong>do</strong>s e não há como separá-losna pesquisa. Devemos admitir que sempre analisamos os fenômenosa partir de uma determinada interpretação, de um código de valorese de certas concepções teóricas que “iluminam” nosso olhar da realidade.A objetividade científica está na explicitação de nossa posiçãoteórica e na análise honesta da realidade à luz de tal teoria, permitin<strong>do</strong>a compreensão e o questionamento formula<strong>do</strong> por outro;• A ciência crítica é revolucionária, visa superar a dicotomia sujeitoobjetoe a mercantilização da vida. Estas são entendidas como característicasinerentes ao metabolismo da sociedade capitalista, conduzin<strong>do</strong>o ser humano a um esta<strong>do</strong> de alienação diante de si mesmo, daespécie e a uma condição de “ruptura” entre sociedade-natureza;• A ciência crítica se faz partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> princípio de que nada, nenhumfato ou fenômeno é compreensível em si mesmo, mas somente emrelações, forman<strong>do</strong> uma totalidade complexa. Aqui não há um to<strong>do</strong>absoluto, mas totalidades em movimento de mútua constituição entrepartes e to<strong>do</strong>s, que são compreendi<strong>do</strong>s racionalmente pela práxis(vinculação teoria-prática).Meto<strong>do</strong>logiaO méto<strong>do</strong> por excelência da Teoria Crítica é a dialética, destacadamenteem sua formulação a partir de Marx, que pode ser apresentada muitoresumidamente como sen<strong>do</strong> um caminho de pensar e agir relacional e integra<strong>do</strong>rvolta<strong>do</strong> para o entendimento das múltiplas determinações e contradiçõesque definem a história, num contínuo movimento, e para a transformaçãosocial, pensan<strong>do</strong> esta como sen<strong>do</strong> a vinculação entre mudanças objetivas,subjetivas, culturais e da estrutura econômica.A dialética, a partir da Teoria Crítica, é utilizada de diferentes formas,dependen<strong>do</strong> da ciência que desta se apropria. Contu<strong>do</strong>, em todas essas modalidadesé comum o respeito não somente aos princípios já menciona<strong>do</strong>s,mas a explícita vinculação entre casos estuda<strong>do</strong>s e contexto, e entre análisesculturais e processos econômicos e históricos. Isso possibilita a compreensão327


complexa de cada fenômeno estuda<strong>do</strong> e de como este se situa na sociedade,estabelecen<strong>do</strong> um movimento crítico de superação das relações sociaisestabelecidas.No campo da educação, as meto<strong>do</strong>logias que classicamente expressamas posições da Teoria Crítica, e da perspectiva crítica em geral, são asde cunho participativo (pesquisa-ação participante, pesquisa participante,investigação-ação, investigação-militante etc.). No Brasil, estas variações setraduziram na utilização intensa da Pesquisa Participante, tradicionalmentevinculada à educação popular, e na Pesquisa-Ação Participante, denominaçãocomum entre educa<strong>do</strong>res ambientais. Além disso, o méto<strong>do</strong> dialético, talcomo utiliza<strong>do</strong> na Teoria Crítica, se manifestou nas tendências pedagógicasdenominadas de “pedagogia crítica” e de “pedagogia freireana”, dentreoutras de cunho libertário.328Avaliação a partir <strong>do</strong> conceitoNuma perspectiva crítica, o principal indica<strong>do</strong>r de sucesso de umaação educativa ambiental está não no alcançar metas previamente definidas,mas em se estabelecer um processo de aprendizagem que seja participativo,emancipatório e transforma<strong>do</strong>r. Nesse senti<strong>do</strong>, a dimensão quantitativa ficasubmetida e vinculada à dimensão qualitativa.Os principais elementos a serem observa<strong>do</strong>s na verificação dacoerência entre princípios teóricos-críticos e a prática em Educação Ambientalsão:• Envolvimento <strong>do</strong>s diferentes grupos sociais que compõem determinadainstituição ou ambiente (escola, comunidade, unidade deconservação, empresa, sindicato, família etc.) em todas as etapas deum projeto, programa ou ação;• Dentro <strong>do</strong>s grupos sociais envolvi<strong>do</strong>s, a participação equilibrada degênero, etnia e faixa etária (nesse último caso, dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipode ação planejada);• Capacidade coletiva de identificar e resolver problemas;• Intencionalidade no ato educativo, que não é um fenômeno neutroe sim político, basea<strong>do</strong> em processos críticos e emancipatórios;• Não centralização e distribuição justa de atribuições entre os participantes.To<strong>do</strong>s são participantes <strong>do</strong> processo e, apesar das especificidadesfuncionais, não pode haver hierarquia de poder que expresse a


estrutura social desigual e classista da sociedade capitalista.;• Conhecimento construí<strong>do</strong> pelo diálogo e pelo enfrentamento deposições e idéias;• Capacidade <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s no processo educativo relacionaremproblemas ambientais com o contexto social em que se situam, forman<strong>do</strong>a consciência crítica da sociedade e das relações sociais;• Diálogo e explicitação de conflitos para o encontro das alternativasadequadas aos problemas coletivamente identifica<strong>do</strong>s, semperseguições de caráter pessoal, favorecen<strong>do</strong> a aprendizagem e aconvivência democrática, plural e respeitosa;• No caso <strong>do</strong> ensino formal: (1) vinculação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> curricularcom a realidade de vida da comunidade escolar; (2) aplicação práticae crítica <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> apreendi<strong>do</strong>; (3) articulação entre conteú<strong>do</strong>e problematização da realidade de vida, da condição existencial eda sociedade; (4) projeto político-pedagógico construí<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong>participativo; (5) aproximação escola-comunidade; (6) possibilidadeconcreta <strong>do</strong> professor articular ensino e pesquisa, reflexão sistematizadae prática <strong>do</strong>cente.Atividades SugeridasAs dinâmicas, simulações e jogos que trabalham com a participação,a contextualização histórica <strong>do</strong>s problemas ambientais, a análise crítica dasrelações sociais, direta ou indiretamente, servem como exercício da TeoriaCrítica. Como não é possível detalhar algumas destas aqui e objetivan<strong>do</strong>estabelecer uma “provocação reflexiva”, colocamos a seguir questões parao debate:• As meto<strong>do</strong>logias que têm por pressuposto a participação são influenciadaspor abordagens teóricas inseridas no campo emancipatório,dentre estas, a Teoria Crítica. É possível identificar na prática <strong>do</strong>seduca<strong>do</strong>res ambientais que atuam com tais meto<strong>do</strong>logias os seusprincípios aqui descritos?• Porque na Educação Ambiental, mesmo entre aqueles que secolocam sintoniza<strong>do</strong>s com a perspectiva crítica, há quem reduza oprocesso educativo à transmissão linear de conhecimentos e à mudançaindividual de comportamentos, sem problematizar a realidadesocial na qual nos inserimos, a qual constituímos e pela qual somosconstituí<strong>do</strong>s?329


330• Se para a Educação Ambiental a crítica emancipatória e a participaçãosão indissociáveis de sua identidade como campo de conhecimentoe ação, porque persistem dualismos entre razão-emoção,individual-coletivo, sujeito-objeto e social-natural na prática <strong>do</strong>seduca<strong>do</strong>res ambientais?• Como, pela crítica, podemos estabelecer o diálogo entre as ciências,construin<strong>do</strong> a interdisciplinaridade?• É possível consolidar um currículo na escola compatível com aTeoria Crítica em sua vinculação com a Educação Ambiental?• Qual é a contribuição da Teoria Crítica na construção de “sociedadessustentáveis”?• Qual é a contribuição da Educação Ambiental no processo complexoe dinâmico de transformação social?AprofundamentoAs experiências de Educação Ambiental que, de fato, se utilizam daanálise relacional, historicizada e crítica da sociedade e das meto<strong>do</strong>logiasparticipantes seguem os princípios da Teoria Crítica (práxis, questionamentopermanente, ciência entendida como prática social, superação da dicotomiasujeito-objeto, entre outros). Assim, a melhor forma de se conhecer a aplicaçãoprática da Teoria Crítica é procurar as iniciativas que atuam sob oprisma da transformação social e da emancipação pela crítica da realidadee pela ação política <strong>do</strong>s grupos envolvi<strong>do</strong>s com o processo educativo, embusca de novas formas de ser e de constituir relações na natureza.No que se refere a indicações bibliográficas básicas, é difícil selecionarpoucas obras produzidas, dada a magnitude <strong>do</strong> que foi publica<strong>do</strong> por estatradição desde o início <strong>do</strong> século XX. Mas, dentre estas, podemos destacarcomo textos de fundamentação geral da Teoria Crítica:ADORNO, T.W.; HORKHEIMER, M. Dialética <strong>do</strong> esclarecimento.Rio de Janeiro: Zahar, 1994._____. Textos escolhi<strong>do</strong>s. Vida e obra. São Paulo: Editor Abril,1991. (Coleção Os pensa<strong>do</strong>res)ASSOUN, P.L. A escola de Frankfurt. São Paulo: Ática, 1991.DUARTE, R. A<strong>do</strong>rno/Horkheimer e a dialética <strong>do</strong> esclarecimento.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.FREIRE, P. Pedagogia <strong>do</strong> oprimi<strong>do</strong>. 41 ed. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 2002.FREITAG, B. Teoria crítica ontem e hoje. 5 ed. São Paulo:Brasiliense, 2004.


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332ZAKRZEVSKI, S.B.; BARCELOS, V. (Org.). Educaçãoambiental e compromisso social. Erechim: EDIFAPES,2004.


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TRANSDISCIPLINARIDADEHaydée Torres de OliveiraPalavras-chave: transdisciplinaridade; interdisciplinaridade; partilha desaberes; diálogo; diferentes perspectivas de realidade; educação ambientalemancipatória.Conceito, história, relação com a Educação AmbientalPara um histórico mais detalha<strong>do</strong> <strong>do</strong> surgimento <strong>do</strong> termo Transdisciplinaridade,vale a pena ler e estudar o texto de Sommerman (1999), quenos traz como uma primeira referência na literatura um texto decorrente daexposição oral de Jean Piaget em Paris, num colóquio sobre Interdisciplinaridade,em 1970, embora desde a década de 50 outros pesquisa<strong>do</strong>res efilósofos viessem falan<strong>do</strong> e escreven<strong>do</strong> sobre a necessidade <strong>do</strong> diálogo entreos diferentes campos <strong>do</strong> saber.O primeiro <strong>do</strong>cumento sobre transdisciplinaridade é conheci<strong>do</strong> comoDeclaração de Veneza, assina<strong>do</strong> por diversos cientistas que participaram<strong>do</strong> Colóquio “A Ciência diante das fronteiras <strong>do</strong> conhecimento”, no ano de1986. Um segun<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento importante, chama<strong>do</strong> Ciência e Tradiçãofoi gera<strong>do</strong> em 1991, no Congresso “Ciência e Tradição: perspectivas transdisciplinarespara o século XXI”, também organiza<strong>do</strong> pela UNESCO emParis. Em Arrábida, Portugal, realiza-se, em 1994, o I Congresso Mundial daTransdisciplinaridade, quan<strong>do</strong> se publica a Carta da Transdisciplinaridadee, em 1997, ocorre o II Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, emLocarno, Suíça (os <strong>do</strong>cumentos menciona<strong>do</strong>s encontram-se disponíveis emwww.cetrans.com.br ).Para falarmos de transdisciplinaridade é preciso dizer, antes de tu<strong>do</strong>,que há inúmeras formas de defini-la, segun<strong>do</strong> a perspectiva de diferentesautoras e autores, decorrentes da amplitude de sua abrangência (Weill, 1993,p.35). Segun<strong>do</strong> Sommerman (1999), há pesquisa<strong>do</strong>res que a definem comoa “efetivação de uma axiomática 73 comum a um conjunto de disciplinas”,representan<strong>do</strong> um grau mais profun<strong>do</strong> de comunicação/imbricação entrediferentes disciplinas, que para muitas autoras e autores, refere-se à interdisciplinaridade;para outros transdisciplinaridade significa “o reconheci-335


mento da interdependência de to<strong>do</strong>s os aspectos da realidade”, perspectivaque temos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>.Para Carvalho (1998, p.21) pensar na interdisciplinaridade nos remetea alguns questionamentos, como: “de onde vem essa proposta? É mais umameto<strong>do</strong>logia? É um princípio educativo? É uma outra lógica de organizaçãocurricular <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s? São os conteú<strong>do</strong>s comuns a duas ou maisdisciplinas? Tem que ver com a formação de equipes de profissionais dediferentes áreas? A interdisciplinaridade é um pouco de tu<strong>do</strong> isso e muitomais: é uma maneira de organizar e produzir o conhecimento, procuran<strong>do</strong>integrar as diferentes dimensões <strong>do</strong>s fenômenos estuda<strong>do</strong>s. Pretende-se,dessa forma, superar uma visão especializada e fragmentada <strong>do</strong> conhecimento,rumo à compreensão da complexidade e da interdependência<strong>do</strong>s fenômenos da natureza e da vida. Podemos nos referir a ela tambémcomo uma nova postura, ou uma nova atitude diante <strong>do</strong> ato de conhecer”.Julgo que esta postura é pertinente também para pensarmos e praticarmosa transdisciplinaridade.Embora não seja o momento de nos aprofundar na exploração <strong>do</strong>conceito de interdisciplinaridade, cabe destacar que a idéia central <strong>do</strong> mesmogira em torno da relação entre disciplinas, cujos interesses próprios sãopreserva<strong>do</strong>s. Já os princípios da transversalidade e da transdisciplinaridadebuscam superar o conceito de disciplina, através da intercomunicação entreas disciplinas, tratan<strong>do</strong> de um tema/objetivo/problema comum (transversal).Esta é mais uma razão para defender que temáticas transversais como aambiental não sejam trabalhadas por uma nova disciplina, mas através deprojetos, capazes de promover a confluência de conhecimentos e saberesdiversos para a emergência de um olhar mais holístico das realidadesconsideradas e da construção coletiva e cooperativa de soluções para osproblemas vivi<strong>do</strong>s.A transdisciplinaridade, que se situa na conceituação que assumimos,num campo mais amplo <strong>do</strong> conhecimento humano, representa a busca deuma axiomática comum entre ciências, arte, filosofia, religião e conhecimentosempíricos/tradicionais, entre outros. Neste caso, fala-se em umatransdisciplinaridade geral, que abarcaria todas as esferas através das quaisos seres humanos buscam explicar e compreender a realidade, produzin<strong>do</strong>conhecimentos em cada uma delas. Vamos considerar então que o encontrointerdisciplinar, entendi<strong>do</strong> como interação ou síntese entre duas ou váriasdisciplinas favorece a emergência da transdisciplinaridade; que a transdisciplinaridadeé uma das possibilidades de construir respostas para a soluçãoda crise de fragmentação tanto <strong>do</strong> ser humano, em seus aspectos racionais,afetivos, subjetivos, como <strong>do</strong> conhecimento, o que compromete a compreensão<strong>do</strong>s processos de produção de conhecimento sobre a realidade 74 ,336


geran<strong>do</strong> incapacidade de compreender e enfrentar os diferentes contornosda crise que vivenciamos no mun<strong>do</strong> moderno (ecológica, civilizatória, <strong>do</strong>conhecimento, da ética, de percepção).Para D’Ambrósio (1997) a transdisciplinaridade é o reconhecimentode que não há espaço nem tempo culturais privilegia<strong>do</strong>s que permitamjulgar e hierarquizar – como mais corretos ou verdadeiros – complexos deexplicações e de convivência com a realidade. É, portanto, uma posturatranscultural de respeito pelas diferenças, de solidariedade na satisfação dasnecessidades fundamentais, e de busca de uma convivência harmoniosa coma natureza. Na apresentação <strong>do</strong> II Congresso Mundial de Transdisciplinaridade,encontramos a afirmação de que a transdisciplinaridade é uma novaabordagem científica, cultural, espiritual e social, e diz respeito àquilo queestá ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das disciplinas e alémde qualquer disciplina. Tem como objetivo a compreensão da realidadeatravés da unidade <strong>do</strong> conhecimento e fundamenta-se em três pilares: acomplexidade, o reconhecimento de diferentes níveis de realidade e a lógica<strong>do</strong> terceiro incluí<strong>do</strong>, que vão nortear a atitude, a pesquisa e a prática transdisciplinare uma nova visão da natureza e <strong>do</strong> ser humano.Diante da abrangência desta perspectiva de transdisciplinaridade,desenha-se uma enorme dificuldade em superar o totalitarismo quaseplanetário desempenha<strong>do</strong> pela ciência clássica e pela tecnologia no mun<strong>do</strong>moderno. Frente a isso, tem-se focaliza<strong>do</strong> a construção de conhecimento(s)transdisciplinar(es) a partir de intersecções menores, como aquelas entrea ciência e a tradição, ou entre ciência e arte, ou ciência e filosofia, comopassos necessários para chegar a estágios mais avança<strong>do</strong>s de transdisciplinaridade.Meto<strong>do</strong>logia (práxis: estratégias de ação, atitudes,posturas decorrentes...)Uma atitude reflexiva sobre a relação existente entre a fragmentação<strong>do</strong> ser e a fragmentação <strong>do</strong> conhecimento nos ajuda a compreender o potencialda abordagem transdisciplinar para a práxis da educação ambiental,na perspectiva que defendemos.Consideran<strong>do</strong> que em qualquer situação de aprendizagem há, aindaque não explicita<strong>do</strong>, um confronto entre saberes, vamos então considerar aabordagem trandisciplinar na educação como sen<strong>do</strong> a criação de espaços de337


diálogo entre saberes, que permitam a partilha, a ressignificação e a produçãode novos saberes, em cada tempo e contexto. É preciso criar oportunidadesque levem à compreensão de que, dentre os sistemas de compreensão humana<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, da vida e da pessoa, construí<strong>do</strong>s ao longo da história humana,vamos identificar os sistemas filosóficos e científicos, credencia<strong>do</strong>s peloOcidente Moderno, e outros sistemas, ditos tradicionais (que reúnem osconhecimentos provin<strong>do</strong>s da experiência, <strong>do</strong> senso comum, das crenças)e que são localmente credencia<strong>do</strong>s, como os sistemas religiosos, místicos,artísticos e das etnociências (Brandão, 2002, com. pessoal) 75 .Como exemplo desta abordagem na Educação Ambiental, podemoscitar as propostas <strong>do</strong> grupo Biota-Educação (Brandão e Oliveira, 2002),que propõem uma perspectiva transdisciplinar no tratamento da divulgaçãocientífica sobre biodiversidade, numa busca de alargamento <strong>do</strong> diálogoentre o campo científico e o campo cultural e vivencial das pessoas. Esteé um tema riquíssimo para o exercício da transdisciplinaridade, e que “...a cada dia deixa de ser uma rua de mão única ou mesmo uma avenida demão dupla, para tender a se tornar uma dessas praças <strong>do</strong> conhecimento atéonde se chega vin<strong>do</strong> de muitas ruas e de onde se pode partir em direçãoe rumos diversos, mesmo quan<strong>do</strong> de algum mo<strong>do</strong> convergentes. Em suaorigem e sua vocação, o tema da biodiversidade tende a ser um eixo decategorias <strong>do</strong> pensamento e de fundamentos da ação socioambiental logos,etno e sociodiversa. Isto é, complexo e multifocal, de pontos de vista deteor epistemológico (diferentes abordagens, constrastantes e dialógicas),cultural (diversas tradições culturais – índigenas, populares, extra-científicase extra-ocidentais incluídas) e social (vários atores sociais motiva<strong>do</strong>s adiversas - e, não raro, antagônicas – ações sociais)”.Para Sauvé (2005), a pesquisa-ação participativa associada a fórunsde discussão é a meto<strong>do</strong>logia privilegiada para a Educação Ambiental, ondeo ambiente é concebi<strong>do</strong> como um projeto comunitário, em que a relação entreeducan<strong>do</strong>s e educa<strong>do</strong>res é de envolvimento com os problemas ambientaislocais, e que apresenta como principais características a análise crítica dasrelações sociedade-natureza e a participação política da comunidade. A pesquisa-ação,inspirada no pensamento de Paulo Freire (Freire, 1979, 1980),está inserida num movimento de constestação <strong>do</strong>s modelos educacionaisvigentes, nos quais as relações educativas são verticalizadas e atribuempouco ou nenhum valor à bagagem de conhecimentos, habilidades e aptidõesjá adquiri<strong>do</strong>s pelos educan<strong>do</strong>s. Neste senti<strong>do</strong> há uma aproximação interessanteentre as meto<strong>do</strong>logias participativas e a abordagem transdisciplinar338


da Educação Ambiental, que propõe o diálogo criativo entre os diferentescampos <strong>do</strong> saber humano (Demo, 1992). Segun<strong>do</strong> Thiollent (2000) a pesquisa-açãoé uma pesquisa social de base empírica, concebida e realizadaem estreita associação com uma ação ou resolução de um problema coletivo,no qual pesquisa<strong>do</strong>res e participantes estão envolvi<strong>do</strong>s de mo<strong>do</strong> cooperativoe participativo, como sujeitos sociais e históricos, condição para a práticada transdisciplinaridade.Outra condicionante para esta prática é a abertura para o diálogo, oque também implica numa postura de humildade e solidariedade, apontadapor Edgard Morin em diversas de suas obras (entre elas Morin, 1997,2002), o que pode também ser depreendi<strong>do</strong> das palavras de Freire (1996,p. 153): “me sinto seguro porque não há razão para me envergonhar pordesconhecer algo. Testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidadecuriosa à vida, a seus desafios, são saberes necessários à pratica educativa... A razão ética da abertura, seu fundamento político, sua referência pedagógica,a boniteza que há nela como viabilidade <strong>do</strong> diálogo. A experiênciada abertura como experiência fundante <strong>do</strong> ser inacaba<strong>do</strong> que terminou porse saber inacaba<strong>do</strong>...”.Desta decorre, portanto, outra implicação da opção pela abordagemtransdisciplinar que é a necessidade de aprender a lidar com a incerteza,pois, como nos diz Garcia (2000), “será que as certezas que tínhamos, quese revelaram falsas, são melhores <strong>do</strong> que a incerteza com a qual navegamosatualmente? Perda ou liberação? Creio que ambas. Perda porque muitaesperança se depositou no que se perdeu. Liberação porque, livres das amarrasde um projeto predetermina<strong>do</strong> por pressupostos rígi<strong>do</strong>s, respalda<strong>do</strong>em uma legitimidade científica, estamos abertos a novas aventuras”.Sugestão de Atividades e Avaliação a partir <strong>do</strong>ConceitoO tema da avaliação nos processos educativos em geral é um <strong>do</strong>smais desafia<strong>do</strong>res, o que vale igualmente para a Educação Ambiental. Noentanto, há tentativas de promover formas de avaliar estes processos quepodem ser mencionadas e aprimoradas. Um exemplo simples é a produçãode textos coletivos, em que os saberes produzi<strong>do</strong>s/ressignifica<strong>do</strong>s possam serapropria<strong>do</strong>s pelos participantes. Um exemplo: numa oficina sobre qualidadeda água e saúde pública, realizada com pesca<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Rio São Francisco, emjunho de 2005, a cada final de módulo um texto síntese era produzi<strong>do</strong>, numalinguagem mesclada entre científica e popular, de mo<strong>do</strong> que podem ser feitasalgumas considerações sobre a apropriação de conhecimentos seja pelospesca<strong>do</strong>res, seja pelas/os pesquisa<strong>do</strong>ras/es envolvidas/os. Sobre o conceito339


de bacia hidrográfica e a relação entre a bacia de drenagem e a qualidadeda água, chegamos às seguintes definições: “uma bacia hidrográfica correspondea uma região declinada cuja água vai para um rio ou córrego...” e“ bacia bem zelada implica em água de boa qualidade”. O texto produzi<strong>do</strong>poderá ser subsídio para o compartilhamento <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s com a família,com a comunidade, para veicular por meios de comunicação como rádio,televisão e imprensa escrita (Silva et al., 2005).São pequenos exercícios de troca de saberes e experiências, que enriquecemquem deles participa e permitem avaliar em que grau os conhecimentose saberes estão sen<strong>do</strong> troca<strong>do</strong>s. Qualquer que seja o tema aborda<strong>do</strong>num processo de Educação Ambiental esta abordagem pode ser utilizada.Na avaliação cabe refletir e explicitar o que significou a atividade emtermos de aprendizagem para todas/os as/os participantes, sejam educa<strong>do</strong>ras/esou educandas/os, já que nesta perspectiva de educação dialógica edialética, democrática e emancipatória, a circulação <strong>do</strong>s saberes se dá emtodas as direções, promoven<strong>do</strong> o enriquecimento mútuo.AprofundamentoFilmesNarra<strong>do</strong>res de Javé (2003, 102 minutos) – Os mora<strong>do</strong>res de Javé, umpovoa<strong>do</strong> ameaça<strong>do</strong> de desaparecer sob as águas de uma nova hidrelétrica,se unem para reconstruir sua história, como um recurso para se contraporà ameaça. Um deles, porta-voz junto aos empreende<strong>do</strong>res e governo, osorienta no senti<strong>do</strong> de que este relato deva ser “científico” para ser valida<strong>do</strong>pelos mesmos. Pode-se explorar: 1) a indicação clara de uma perspectivade superioridade <strong>do</strong> conhecimento científico, que está a serviço de umdetermina<strong>do</strong> tipo de desenvolvimento; b) posições diferentes dentre ospróprios membros da comunidade sobre o poder <strong>do</strong>s saberes e da históriada comunidade para confrontar com as decisões técnicas e politicas; c) avalidação <strong>do</strong>s conhecimentos conti<strong>do</strong>s nos depoimentos orais, ten<strong>do</strong> comofonte a memória; d) a constatação da inexistência de um espaço de diálogoentre saberes, neste caso, pode ser utiliza<strong>do</strong> para estimular, por exemplo, asugestão de outros desfechos, num exercício de aplicação da abordagemtransdisciplinar para a construção de cenários alternativos para a situaçãoapresentada.O óleo de Lorenzo (1992, 129 minutos) e Patch Adams (1999, 115minutos): em ambos filmes é retratada a imposição <strong>do</strong> saber canônico, dapalavra autorizada, evidencian<strong>do</strong> o não reconhecimento de outro saber pelos340


porta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> conhecimento científico. Ainda que não sejam exemplos deuma atitude e ação transdisciplinar, são excelentes ao configurar as causasde vários problemas contemporâneos complexos e podem auxiliar no questionamentosobre o credenciamento e validação <strong>do</strong>s diferentes campos <strong>do</strong>saber. Sobre estes mesmo filmes ver também o artigo de Silva (2003).SILVA, A.O. O óleo de Lorenzo e Patch Adams: a arrogância titulada.Revista Espaço Acadêmico, 28. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/028/28pol.htm. Acesso em: setembro,2003.Páginas na Internet:CENTRO de Educação Transdisciplinar, São Paulo. Disponívelem: www.cetrans.com.br.CENTRO Internacional de Pesquisa e Estu<strong>do</strong>s Transdisciplinares,Paris. Disponível em: www.ciret.org.fr.Leituras recomendadas para aprofundamento:ABREU JUNIOR, L. Conhecimento transdisciplinar: o cenárioepistemológico da complexidade. Piracicaba: Ed. Unimep, 1996.203 p.BARBOSA, J.G. Multirreferencialidade nas Ciências e na Educação.São Carlos: EDUFSCar., 1998. 204 p.BURNHAM, T.F. Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade:três referências polêmicas para a compreensão <strong>do</strong> currículoescolar. In: BARBOSA, J.G. (Org.). Reflexões em torno da abordagemmultirreferencial. São Carlos: EDUFSCar., 1998. 126 p.D’AMBRÓSIO, U. Transdisciplinaridade. São Paulo: PalasAthena, 1997. 174 p.FAZENDA, I.C.A. (Org.). Didática e interdisciplinaridade.Campinas: Papirus, 1998.NICOLESCU, B. O manifesto da transdiscipinaridade. SãoPaulo: Triom, 1999.RANDOM, M. O pensamento transdisciplinar e o real. SãoPaulo: Triom, 2000. 244 p.SOMMERMAN, A.; MELLO, M.F.; BARROS, V.M. (Org.).Educação e Transdisciplinaridade II. In: II Encontro Catalisa<strong>do</strong>r341


342CETRANS. Junho/2000. São Paulo: Triom, 2002. 216 p.WEILL, P.; D’AMBRÓSIO, U.; CREMA, R. Rumo à nova transdisciplinaridade:sistemas abertos de conhecimento. 2. ed. SãoPaulo: Summus Editorial, 1993. 175 p.Entrelaçan<strong>do</strong> conceitosOutros termos deste livro que têm estreita relação com a perspectivatransdisciplinar da Educação Ambiental e que a complementam são:Hermenêutica, Alteridade, Pertencimento, Potência de Ação, Comunidadesaprendentes e Comunidades interpretativas, Pesquisa-ação-participativa,Intervenção educacional e Produção <strong>do</strong> conhecimento.Referências BibliograficasBRANDÃO, C.R.; OLIVEIRA, H.T. A terceira margem <strong>do</strong> rio- a experiência de traduzir textos científicos sobre biodiversidadecomo material de educação ambiental de vocação biodiversa. BiotaNeotropica, v. 2, n. 2, 2002. [ISSN 1676-0603].CARVALHO, I.C.M. Em direção ao mun<strong>do</strong> da vida: interdisciplinaridadee Educação Ambiental. Coleção Cadernos de EducaçãoAmbiental. Brasilia: IPE, 1998. 101 p.D’AMBRÓSIO, U. Transdisciplinaridade. São Paulo: PalasAthena, 1997. 174 p.DEMO, P. Meto<strong>do</strong>logia científica em ciências sociais. 2. ed. SãoPaulo: Atlas, 1992.FREIRE, P. A pedagogia <strong>do</strong> oprimi<strong>do</strong>. Rio Janeiro: Paz e Terra,1979._____. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo:Moraes, 1980._____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práticaeducativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.GARCIA, P.B. Paradigmas em crise e a educação. In: BRANDÃO,Z. (Org.). A crise <strong>do</strong>s paradigmas e a educação. 6. ed. São Paulo:Cortez, p. 58-66, 2000.MORIN, E. Complexidade e ética da solidariedade. In: CASTRO,G. et al. (Org.). Ensaios de Complexidade. Porto Alegre: Sulina,1997. 272 p._____. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensa-


mento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 128 p.SAUVÉ, L. Educação Ambiental e desenvolvimento sustentável:uma análise complexa. Disponível em: http://www.ufmt.br/evista/arquivo/rev10/educacao_ambiental_e_desenvolvim.htm.Acesso em: 20 de maio de 2005.SILVA, E. et al. Pesquisa participativa no Rio São Francisco: contaminaçãoambiental e comunidades pesqueiras. In: VI JORNADACIENTÍFICA DA UFSCAR/ V ENCONTRO DE EXTENSÃO:CONHECIMENTO E DIVERSIDADE CULTURAL. Anais... SãoCarlos: UFSCar, 10-14/10/2005.SOMMERMAN, A. Pedagogia da alternância e transdisciplinaridade.I Seminário Internacional Pedagogia da Alternância,novembro de 1999, Salva<strong>do</strong>r, Bahia. Disponível em: http://www.nupe.fib.br/pgprof/artigo.htm. Acessoem: 10 de maio de 2005.THIOLLENT, M. Meto<strong>do</strong>logia da pesquisa-ação. São Paulo:Cortez, 2000.WEILL, P. Axiomática transdisciplinar para um novo paradigmaholistico. In: WEILL, P.; D’AMBRÓSIO, U.; CREMA, R. Rumo ànova transdisciplinaridade: sistemas abertos de conhecimento. 2.ed. São Paulo: Summus Editorial, p. 9-73, 1993.343


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SOBRE OS AUTORESAlessandra Buonavoglia Costa-Pinto - Bióloga (UNESP/Botucatu); Mestreem Ciência Ambiental - área de concentração em Educação Ambiental(PROCAM/USP); Docente <strong>do</strong> curso de Tecnologia em Gestão Ambiental daUniversidade São Marcos/Paulínia; Pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> projeto “Recuperaçãoambiental, participação e poder público: uma experiência em Campinas”- componente Educação Ambiental (apoio FAPESP); Membro <strong>do</strong> grupogestor <strong>do</strong> projeto “Salve o Anhumas: educação ambiental e recuperaçãocomunitária de mata ciliar em Campinas, SP”; Parecerista <strong>do</strong> I Encontro Nacionalde Ensino de Biologia & III Encontro Regional de Ensino de Biologiada Regional RJ/ES; Consultorias: ProVárzea/IBAMA - Projeto de Manejo<strong>do</strong>s Recursos Naturais da Várzea (PPG7); CNPT/IBAMA - Centro Nacionalde Populações Tradicionais e desenvolvimento sustentável; InstitutoBioma (FNDE); Outras pesquisas (apoio FAPESP): Projeto “Manejo locale conservação <strong>do</strong>s recursos naturais na Mata Atlântica, Vale <strong>do</strong> Ribeira,SP”;Projeto “Floresta & Mar: Usos e Conflitos no Vale <strong>do</strong> Ribeira e Litoral Sul,SP” - componente “Intervenções e Educação Ambiental”.Aline Viégas - Possui licenciatura em biologia pela Universidade Federal<strong>do</strong> Rio de Janeiro (UFRJ) e mestra<strong>do</strong> em Educação pela UniversidadeFederal Fluminense (UFF). É professora <strong>do</strong> Colégio Pedro II (Unidade SãoCristóvão I) – RJ, onde exerce a função de Coordena<strong>do</strong>ra Pedagógica deCiências. É co-autora da coleção “Aprenden<strong>do</strong> com a Natureza” (V. 1 a 4),Rio de Janeiro, Ed. Access, 2001. Autora de alguns artigos sobre EducaçãoAmbiental.Antonio Carlos Rodrigues de Amorim - Licencia<strong>do</strong> e bacharel em Biologiapela Universidade Federal de Viçosa. Realizou mestra<strong>do</strong> e <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>em Educação na Unicamp, instituição na qual é professor desde 1997.Atualmente é Tesoureiro da Diretoria Executiva Nacional da SBEnBio evice-coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong> GT Currículo da Associação Nacional de Pesquisa ePós-Graduação em Educação. Organizou o número temático Mapean<strong>do</strong>a Educação em Ciências: regiões em fronteiras, da revista Pro-posições(n. 34, 2001) editada pela Pontes e Faculdade de Educação da Unicamp.Tem artigos nos livros Currículo de Ciências em debate, organiza<strong>do</strong> porAlice Lopes e Elizabeth Mace<strong>do</strong> (Papirus, 2004), FORMAR: <strong>Encontros</strong>e trajetórias com professores de Ciências, organiza<strong>do</strong> por Inês PetrucciRosa (Escrituras, 2005) e Ensino de Biologia: conhecimentos e valores em345


disputa (EdUFF, 2005).Antonio Carlos Sant’Ana Diegues - Professor <strong>do</strong> Programa de Pós-graduaçãoem Ciência Ambiental-USP e Diretor Científico <strong>do</strong> Nupaub-USP;antropólogo forma<strong>do</strong> em Ciências Sociais e com <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> pela Faculdadede Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, .Écoordena<strong>do</strong>r científico <strong>do</strong> Nupaub ( Núcleo de Pesquisa sobre PopulaçõesHumanas e Areas Úmidas Brasileiras e professor no Procam, Programade Pósgraduação em Ciência Ambiental, ambos da Universidade de SãoPaulo. É autor de vários artigos e livros sobre conservação ambiental, entreos quais estão O Mito Moderno da Natureza Intocada , Etno-conservação:novos rumos para a conservação nos trópicos, Ilhas e Mares: simbolismoe Imaginário, Imagem das Águas.Carlos Frederico B. Loureiro - Bacharel em ecologia e licencia<strong>do</strong> emciências físicas e biológicas (IB/UFRJ), mestre em Educação (PUC-Rio)e <strong>do</strong>utor em Serviço Social (ESS/UFRJ). Professor <strong>do</strong> Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFRJ, colabora<strong>do</strong>r<strong>do</strong> Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades eEcologia Social - EICOS/IP/UFRJ e professor convida<strong>do</strong> <strong>do</strong> Mestra<strong>do</strong> emDesenvolvimento Regional e <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> da UESC. Coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong>Laboratório de Investigações e Estu<strong>do</strong>s em Educação, <strong>Ambiente</strong> e Sociedade(LIEAS/FE/UFRJ). Consultor em Educação Ambiental de organizaçõescomo: Ibase, Ibam, Ibama, Centro de Recursos Ambientais da Bahia(CRA), Sesc e Senac. Autor de inúmeros artigos e livros sobre EducaçãoAmbiental.Carlos Rodrigues Brandão - Nasci<strong>do</strong> em 1940, viveu em Goiás entre 1967e 1975, como professor universitário. Mestre em antropologia social pelaUniversidade de Brasília (UnB), <strong>do</strong>utor em ciências sociais pela Universidadede São Paulo (USP) e livre-<strong>do</strong>cente pela Universidade Estadual deCampinas (Unicamp). Ao longo de sua vida, entre perío<strong>do</strong>s de alguns mesesou de vários anos, lecionou em 12 universidades <strong>do</strong> Brasil e da Europa.Trabalha atualmente no Doutora<strong>do</strong> em <strong>Ambiente</strong> e Sociedade na Unicampe no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal deUberlândia. Desde 1963 tem trabalha<strong>do</strong> como educa<strong>do</strong>r popular. É autor devários livros nas áreas de antropologia social, educação, questões ambientaise literatura. Há mais de 15 anos dedica-se ativamente ao ambientalismo e,de maneira especial, à educação ambiental. Recentemente escreveu para oPrograma <strong>do</strong>s Municípios Educa<strong>do</strong>res Sustentáveis, <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong>346


<strong>Ambiente</strong>, um livro com as idéias essenciais da proposta: Aqui é onde EuMoro. Aqui nós Vivemos.Cláudia Coelho Santos - É licenciada em Biologia, Mestra em RecursosFlorestais e Doutoranda em Ecologia de Agroecossistemas pela EscolaSuperior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo(ESALQ/USP). É <strong>do</strong>cente <strong>do</strong> Departamento de Ciências Biológicas daUniversidade Estadual <strong>do</strong> Su<strong>do</strong>este da Bahia (DCB/UESB), onde lecionaas disciplinas Ecologia Humana e Educação e <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>; tambémcoordenou o Curso de Especialização em Educação para Sociedades Sustentáveis.É integrante da Rede Universitária de Programas de EducaçãoAmbiental para Sociedades Sustentáveis (RUPEA).Eda Terezinha de Oliveira Tassara - Física, Mestre e Doutora em Psicologiapela Universidade de São Paulo. Livre-<strong>do</strong>cente em Psicologia Social pelamesma Universidade. Professora Associada no Departamento de PsicologiaSocial e <strong>do</strong> Trabalho <strong>do</strong> Instituto de Psicologia da USP e Presidente interina<strong>do</strong> IBECC/UNESCO – Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura– Comissão São Paulo. Pós-<strong>do</strong>utora<strong>do</strong> no Departamento de Física da Universidadede Pisa (Itália) pela FAPESP; Professora Visitante da Universidadede Pisa mediante subvenção <strong>do</strong> INFN - Istituto Nazionale di Física Nucleare(Itália); Professora Visitante na Universidade de Paris V (COFECUB-CNRS-FAPESP); e Professora Visitante na EHESS – Ecole des Hautes Etudes emSciences Sociales (governo francês). Coordenou e desenvolveu pesquisasno exterior subvencionadas, entre outros, pelo MIDIST – Mission Interministèriellede Dèveloppement Scientifique et Technologique (França), peloPrograma USP/COFECUB, pelo CNRS – Conseil National de la RechercheScientifique (França), pelo INFN (Itália) e pela FAPESP. Implementou ecoordena o Laboratório de Psicologia Socioambiental e Intervenção (LAPSI)<strong>do</strong> IPUSP e é pesquisa<strong>do</strong>ra associada <strong>do</strong> LPE – Laboratoire de PsychologieEnvironnementale da Universidade de Paris V. Foi coordena<strong>do</strong>ra brasileirade vários projetos de pesquisa em cooperação internacional. É orienta<strong>do</strong>rade cursos de Mestra<strong>do</strong> e Doutora<strong>do</strong>, entre outros no Brasil, <strong>do</strong>s Programasde Pós-graduação em Psicologia Social e em Ciência Ambiental (PROCAM)da USP. Orienta<strong>do</strong>ra de projetos de <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> e pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Centrede Recherches Historiques da EHESS. Membro <strong>do</strong> Conselho <strong>do</strong> InstitutoECOAR para a Cidadania e <strong>do</strong> Conselho <strong>do</strong> Museu de Ciências da USP, e,Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Concurso “Cientistas de amanhã” (IBECC/SBPC/CNPq).Suas mais recentes publicações no Brasil, na área ambiental, são: comoeditora convidada, o número especial “Psicologia e <strong>Ambiente</strong>” da revista347


Psicologia USP No. 16 (1/2), 2005 e as coletâneas “Psicologia e ambiente”,Educ/FAPESP, 2004 e “Panoramas interdisciplinares para uma psicologiaambiental <strong>do</strong> urbano”, Educ/FAPESP, 2001.Haydèe Torres - Natural de Londrina (Paraná), tem graduação em CiênciasBiológicas, Mestra<strong>do</strong> em Ecologia, Doutora<strong>do</strong> em Ciências da EngenhariaAmbiental e Pós-Doutora<strong>do</strong> em Educação Ambiental pela UniversidadeAutônoma de Barcelona (CAPES/2004). É professora adjunta <strong>do</strong> Departamentode Hidrobiologia/UFSCar e <strong>do</strong>cente/pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> PPG emEcologia e Recursos Naturais/UFSCar e <strong>do</strong> PPG em Ciências da EngenhariaAmbiental/USP. Coordena o GEPEA (Grupo de Estu<strong>do</strong>s e Pesquisa em EducaçãoAmbiental, registra<strong>do</strong> no Diretório de Grupos de Pesquisa <strong>do</strong> CNPq).Colabora nos cursos de Especialização em Gestão Ambiental (UFSCar) eEducação Ambiental e Recursos Hídricos (CHREA/EESC/USP). Pertencea diversas redes de Educação Ambiental: Rede de Educação Ambiental deSão Carlos (REA-São Carlos), REPEA, REBEA e RUPEA (Rede Universitáriade Programas de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis).Participa <strong>do</strong> movimento ambientalista desde 1979, pela APASC (Associaçãopara Proteção Ambiental de S.Carlos).Henri Acselrad - Doutor em Economia pela Universidade de Paris I,professor<strong>do</strong> IPPUR/UFRJ, pesquisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> CNPq e editor da Revista Brasileira deEstu<strong>do</strong>s Urbanos e Regionais (ANPUR). Entre suas publicações recentescitam-se Conflito Social e <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro (org.),Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2004, 262 p; Conflitos Ambientais no Brasil(org.), Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2004, 294 p. e Justiça Ambiental eCidadania (organiza<strong>do</strong> juntamente com Selene Herculano e José AugustoPádua), Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2004, 315 p.Isabel Cristina Moura Carvalho - Psicóloga, especialista em psicanálise(USU/RJ), mestre em psicologia da educação (IESAE/FGV, Rio de Janeiro)e <strong>do</strong>utora em educação (UFRGS). Tem atua<strong>do</strong> profissionalmente comoeduca<strong>do</strong>ra e pesquisa<strong>do</strong>ra na área da educação e meio ambiente desde 1982.Iniciou seu percurso como educa<strong>do</strong>ra no Instituto Florestal de São Paulo e noJardim Botânico <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Posteriormente, atuou como pesquisa<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE e professora<strong>do</strong> curso Teoria e Práxis <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>, apoia<strong>do</strong> pela ComunidadeEuropéia na ONG Instituto de Estu<strong>do</strong>s da Religião - ISER. Atualmente resideem Porto Alegre (RS). No Rio Grande <strong>do</strong> Sul foi consultora da Empresade Extensão Rural <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, EMATER-RS para as políticasestaduais de formação ambiental <strong>do</strong>s extensionistas rurais de 2001 a 2003.348


Atualmente é professora no Programa de Pós-Graduação em Educação e nagraduação de psicologia da Universidade Luterana <strong>do</strong> Brasil (Canoas, RS).É professora colabora<strong>do</strong>ra no Curso de Especialização em Projetos Sociaisda UFRGS/IFCH. É autora <strong>do</strong>s livros: “Educação Ambiental: a formação<strong>do</strong> sujeito ecológico” São Paulo, Editora Cortez, 2004; “A invenção <strong>do</strong> sujeitoecológico: senti<strong>do</strong>s e trajetórias em educação ambiental no Brasil”,Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2 a ed. 2002; “Em direção ao mun<strong>do</strong> davida; interdisciplinaridade e educação ambiental”. Brasília, IPE/SMA-SP,1998; Co-autora <strong>do</strong> “Guia de elaboração de projetos sociais”, Porto Alegre,Editora Sinodal, 2 a ed. 2003.Jean Pierre Leroy - Francês. Cheguei ao Brasil em 1971. Forma<strong>do</strong> emfilosofia e mestre em educação (Iesae/FGV), coordeno na Fase o ProjetoBrasil Sustentável e Democráttico. Sou filia<strong>do</strong> ao Fboms e membro da redebrasileira de Justiça Ambiental. Fui educa<strong>do</strong>r da Fase no Pará, coordena<strong>do</strong>rnacional da Fase (1978-1987), membro da Coordenação <strong>do</strong> Fórum Brasileirode ONGs e Movimentos Sociais para o <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e o Desenvolvimento,Relator Nacional para o Direito humano ao <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> (2003-2004).Autor de “Uma chama na Amazônia” (Vozes/Fase, Rio de Janeiro, 1991),Co-organiza<strong>do</strong>r e co-autor <strong>do</strong>s Relatórios <strong>do</strong> Fórum Brasileiro de ONGs eMovimentos Sociais para o <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e o Desenvolvimento publica<strong>do</strong>spara a Rio 92 e a Rio+5.José Matarezi - Nasci<strong>do</strong> em Loanda (PR). Educa<strong>do</strong>r Ambiental e Oceanógrafo(Habilitações em Ocenografia Biológica e Geológica - FURG).Especialista em Análise e Educação Ambiental pela UFPR. Mestran<strong>do</strong> emEducação e Cultura pela UDESC. Coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Laboratório de EducaçãoAmbiental (LEA) <strong>do</strong> Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e <strong>do</strong>Mar (CTTMar) da Universidade <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Itajaí (UNIVALI), Itajaí - SC.Na UNIVALI ministra as disciplinas de Educação Ambiental nos Cursosde Bacharela<strong>do</strong> em Geografia, Ciências Biológicas – Biotecnologia e EngenhariaAmbiental. Na Faculdade Intermunicipal <strong>do</strong> Noroeste <strong>do</strong> Paraná(FACINOR – Loanda, PR) atua como pesquisa<strong>do</strong>r e colabora<strong>do</strong>r na área deEducação Ambiental, Pesquisa e Extensão. É Membro e Consultor da ONGVoluntários pela Verdade Ambiental – V Ambiental, com sede em Itajaí,SC. Integra a Rede Universitária de Programas de Educação Ambiental eSociedades Sustentáveis (RUPEA). Idealiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s Núcleos Dissemina<strong>do</strong>resda Meto<strong>do</strong>logia da Trilha da Vida. Responsável pelo Programa de “MonitoramentoAmbiental Voluntário (MAV) nas Escolas” – Clube Olho Vivo emexecução nas escolas de Itajaí, Navegantes e Balneário Camboriú em SC,pelo LEA/CTTMar com apoio da ProPPEC/UNIVALI. Em 2002 recebeu349


o prêmio Raulino Reitz categoria de Educação Ambiental <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> de Santa Catarina (FATMA) e em 2004 o prêmio Profa. Onadir daSilva Tedéo de Educação conferi<strong>do</strong> pela Câmara de Verea<strong>do</strong>res de Itajaí,SC. e-mail: jmatarezi@univali.brLais Mourão Sá - Doutora em Antropologia Social. Pós-Doutora<strong>do</strong> em <strong>Meio</strong><strong>Ambiente</strong> e Educação pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP.Docente <strong>do</strong> Centro de Desenvolvimento Sustentável/CDS e Faculdade deEducação da Universidade de Brasília Coordena<strong>do</strong>ra da área de concentraçãoem Educação e Gestão Ambiental <strong>do</strong> Programa de Pós-Graduação <strong>do</strong> CDS-UNB. Linha de pesquisa: Educação e cidadania: as relações entre sociedadecivil, movimentos sociais e poder público na construção de processosparticipativos de gestão ambiental. Produção recente: Sá, Lais; Nogueira,Daniela; Souto Maior, G.; Lobo, Rosana – “Participação e MobilizaçãoSocial: concepções e estratégias nos processos de gestão socioambiental”- Artigo apresenta<strong>do</strong> no International Congress on Environmental Planningand Management - Environmental Challenges of Urbanization. Brasilia– September 11 to 15, 2005Leila da Costa Ferreira - Professora Titular IFCH/NEPAM/ UNICAMP;2005 Pós-Doutora<strong>do</strong>- York University- Sociology Departament/ Inglaterra/Capes; 2004 Professor Titular em Sociologia- Instituto de Filosofia eCiências Humans- Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP; 1997Livre Docente em Sociologia Ambiental-Instituto de Filosofia e CiênciasHumanas-Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP; 1996 Pós -Doutora<strong>do</strong>-University of Texas at Austin-LBJ Scholl of Public Affairs- Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s/ FAPESP.; 1992Doutor em Ciências Sociais- Instituto de Filosofia eCiências Humanas- Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP. Tesecom o Título: “Esta<strong>do</strong> e <strong>Ambiente</strong>: Novos Dilemas e Desafios ( A PolíticaAmbiental no Esta<strong>do</strong> de São Paulo ).; 1986 Mestre em Sociologia- Institutode Filosofia e Ciências Humanas- Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP -CNPp/ FAPESP.Dissertação intitulada “As Camadas Popularese a Doença-A esquistossomose mansônica no município de Rio Claro- SP.”;1982 Bacharel em Ecologia- Instituto de Biociências-Universidade EstadualPaulista Júlio de Mesquita Filho-UNESP. ; 1990- Especialização emPopulação,<strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e Desenvolvimento- Moscow State University.Rússia./ Fellowship United Nations. LIVROS: Idéias para uma Sociologiada Questão Ambiental no Brasil. Ed. Annablume. São Paulo (aceito parapublicação).;Incertezas de Sustentabilidade na Globalização. Ferreira,L.Ce Viola,E. (org.). Ed. UNICAMP. Campinas.1996. (331pg). 1999 (Segundaedição).;A Sociologia no Limiar <strong>do</strong> Século XXI. Ferreira,L.C.(org.).Ed.350


Boitempo.São Paulo.1997.(140pg). 2002 (segunda edição).;A QuestãoAmbiental. Sustentabilidade e Políticas Públicas no Brasil. Ferreira,L.C.Ed.Boitempo.São Paulo.1998.(155p). 2003 (Segunda Edição).Ludmila Oliveira Holanda Cavalcante - Graduada em Pedagogia (Faculdadede Educação da Bahia) e Serviço Social (Universidade Católica <strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r).Professora <strong>do</strong> Departamento de Educação da Universidade Estadualde Feira de Santana, BA. Pesquisa<strong>do</strong>ra da Equipe de Estu<strong>do</strong>s e EducaçãoAmbiental e professora/orienta<strong>do</strong>ra no Curso de Especialização em EducaçãoAmbiental para Sustentabilidade na mesma instituição. Mestra em Sociologiada Educação pelo Institute of Education da Universidade de Londres e<strong>do</strong>utoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia discutin<strong>do</strong> aeducação sócio ambiental <strong>do</strong> campo através de um estu<strong>do</strong> de caso na EscolaFamília Agrícola <strong>do</strong> Sertão (Monte Santo - Bahia).Pesquisa<strong>do</strong>ra integrante<strong>do</strong> grupo de estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> CNPQ Educ-ação. Membro integrante da rede internacionalLEAD – Brasil (Leadership for Environment and Development)turma 10 - 2003/2004. Atua/atuou como consultora educacional junto àsseguintes instituições e entidades: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Redede Escolas Família Agrícolas <strong>do</strong> Semi – ári<strong>do</strong> (REFAISA), Fun<strong>do</strong> Nacional<strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> (FNMA), Fundação Luís Eduar<strong>do</strong> Magalhães (FLEM),Movimento <strong>do</strong>s Assenta<strong>do</strong>s e Acampa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia (CETA).Trabalha com a temática da educação e desenvolvimento rural, discutin<strong>do</strong>e median<strong>do</strong> processos comunitários participativos e tem especial interessena questão da educação sócio ambiental <strong>do</strong> campo.Luiz Antonio Ferraro Júnior - Nasci<strong>do</strong> em São Paulo – SP. EngenheiroAgrônomo e Mestre em Ciências Agrárias pela USP/ESALQ, <strong>do</strong>utoran<strong>do</strong><strong>do</strong> Centro de Desenvolvimento Sustentável CDS-UnB. Professor da UniversidadeEstadual de Feira de Santana desde 2000, pesquisa<strong>do</strong>r da Equipede Estu<strong>do</strong>s e Educação Ambiental, professor <strong>do</strong> Curso de Especializaçãoem Educação Ambiental para a Sustentabilidade, curso que coordenei entre2001 e 2004. Assessorei Movimentos Sociais Camponeses da Bahia (CETA eFun<strong>do</strong>s de Pasto), a Comissão Pastoral da Terra e a Rede de Escolas FamíliasAgrícola na Bahia. Consultor ad hoc <strong>do</strong> Programa Nacional de Formação deEduca<strong>do</strong>res Ambientais da DEA/MMA. Associa<strong>do</strong> <strong>do</strong> programa “Leadershipfor Environment and Development” (LEAD) desde 2000. Vale-me odita<strong>do</strong>, sempre cita<strong>do</strong> pelo Brandão, “uma árvore cai com grande estron<strong>do</strong>mas ninguém escuta a floresta crescer.” Tenho <strong>do</strong>is filhos e gosto de jogarfutebol. ferraroluiz@yahoo.com.brMarco Antonio Sampaio Malagodi - Nasci<strong>do</strong> em Jundiaí (SP), formou-se351


engenheiro agrônomo e mestre em Ciências Florestais pela USP/ESALQ de1990 a 1999, em Piracicaba (SP). Atualmente é <strong>do</strong>utoran<strong>do</strong> pelo Programade Pós-graduação em Psicologia Social da USP/IP, São Paulo, e consultor epesquisa<strong>do</strong>r em ações e projetos socioambientais e de educação ambientalenvolven<strong>do</strong> espaços coletivos de aprendizagem, com adultos. Integra oLaboratório de Psicologia Socioambiental e Intervenção (LAPSI), integranteda Rede Universitária de Pesquisa em Educação Ambiental (RUPEA) ecoordena<strong>do</strong> pela professora Eda Tassara.Marcos Sorrentino - Licencia<strong>do</strong> em Ciências Biológicas (1981) e emPedagogia (1993) pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre e <strong>do</strong>utorem educação, pela UFSCar (1988) e USP (1995).Pós-<strong>do</strong>utora<strong>do</strong> junto aoDepartamento de Psicologia Social da USP, em tomo da temática: “PlanejamentoIncremental, Intervenção Social e Educação Ambiental - outubrode 1998 a julho de 1999”. Diretor de Educação Ambiental <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong>de <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>, desde de 17/04/2003.Professor Doutor Depar1amentode Ciências Florestais da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), desde03/88, responsável por disciplinas de graduação e de pós-graduação taiscomo: “Política, Legislação e Administração Florestal”, “Projetos de EducaçãoAmbiental” e “Tópicos de Educação Volta<strong>do</strong>s à Questão Ambiental”e de pós-graduação: “Educação, <strong>Ambiente</strong> e Floresta” e “Ambientalismo,Movimentos Sociais e Educação Ambiental”. Orienta<strong>do</strong>r credencia<strong>do</strong> juntoaos Programas de pós-graduação em Ciências Florestais da ESALQ/USPe de Ciência Ambiental - PROCAM/USP, de Ecologia de Agroecossistemasna ESALQ/USP e no CDS/UNB. Coordena<strong>do</strong>r técnico <strong>do</strong> “ProgramaEduc-Ação Ambiental” desenvolvi<strong>do</strong> pelo Consórcio Cógito/Ecoar, para aSecretaria <strong>do</strong> Verde e <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> da Prefeitura Municipal de SãoPaulo, acompanhan<strong>do</strong> as obras contra enchentes financiadas pelo BID naszonas norte e leste da cidade, entre julho de 1996 e julho de 1998. Funda<strong>do</strong>re participante desde 1977 de diversas entidades e redes ambientalistas(APASC - São Carlos, GEA - Assis, SODEMAP, FLORESPI e CAMARÁ- Piracicaba, Instituto ECOAR-São Paulo, SOS Mata Atlântica, RedesPaulista e Brasileira de Educação Ambiental, dentre outras), coordenan<strong>do</strong>e desenvolven<strong>do</strong> diversas atividades de educação ambiental. Representantedas mesmas junto ao Conselho Estadual <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>, de 1986 a iníciode 1988 e junto ao Fun<strong>do</strong> Nacional <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> no biênio 92/94.Coordena<strong>do</strong>r da Assembléia Permanente de Entidades em Defesa <strong>do</strong> <strong>Meio</strong><strong>Ambiente</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo - APEDEMA (1989/1991).Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi - Carioca, 42 anos, graduada emFísica pela Universidade Federal <strong>do</strong> Rio de Janeiro, mestre em Educação352


na área de Ensino de Ciências pela Universidade Federal de Santa Catarinae <strong>do</strong>utora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília,cujo foco da pesquisa foi a formação de redes sociais de educação e meioambiente em torno de questões sócio-ambientais locais. Atua como professora<strong>do</strong> Instituto de Física da Universidade de Brasília desde 1993 e maisrecentemente, na Pós - Graduação <strong>do</strong> Centro de Desenvolvimento Sustentávelna mesma instituição.Maria de Lourdes Spazziani - Bióloga e Pedagoga, Mestre em Educaçãopela Faculdade de Educação da UFRJ, Doutora em Educação pela Faculdadede Educação da UNICAMP, e Pós-<strong>do</strong>utoramento na ESALQ/USP. Docente<strong>do</strong> Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestra<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Centro UniversitárioMoura Lacerda de Ribeirão Preto, SP,e <strong>do</strong> Curso de Pedagogiada mesma Instituição. Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Núcleo de Estu<strong>do</strong>s e Pesquisas emEducação e Gestão Ambiental e <strong>do</strong> Grupo de Estu<strong>do</strong>s e Pesquisas InteraçõesSociais, Educação Ambiental e Escola cadastra<strong>do</strong> no CNPq. Membro daRUPEA.Maria Rita Avanzi - É bióloga, fez <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> e mestra<strong>do</strong> em Educaçãopela Faculdade de Educação da USP. Atualmente reside em Barão Geral<strong>do</strong>,Campinas, e está na coordenação de um curso de Tecnologia em GestãoAmbiental na Universidade São Marcos. Participa <strong>do</strong> Coletivo Educa<strong>do</strong>rde Campinas e Região, proposto pela Diretoria de Educação Ambiental,<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>. Durante sua trajetória profissional, desenvolveualguns projetos de educação em grupos de pesquisa-intervenção,dentre eles o grupo Girafulô responsável por um projeto de arte educaçãoambiental numa escola pública de Barão Geral<strong>do</strong>, o Respeitável Público, eo grupo Tear, responsável pelo desenvolvimento de trabalhos de pesquisaintervençãoem Educação Ambiental junto a comunidades residentes emalgumas Unidades de Conservação no Vale <strong>do</strong> Ribeira-SP. Este último foidesenvolvi<strong>do</strong> junto ao Núcleo de Estu<strong>do</strong>s e Pesquisa Ambientais – Nepam-da UNICAMP, onde foi pesquisa<strong>do</strong>ra associada e atuou como editora assistenteda Revista <strong>Ambiente</strong> & Sociedade. Atuou também em projetos deeducação ambiental em organizações não governamentais como Girasonhos,Gaia e Cedap, no município de Campinas, e Instituto Paulo Freire.Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis - Pedagoga, professora <strong>do</strong> Departamentode Educação no Instituto de Biociências da UNESP-Botucatu desde1994. Fez mestra<strong>do</strong> em Educação na UFSCar e <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> em Educaçãona UNICAMP, defenden<strong>do</strong> tese sobre educação ambiental. Foi professoratambém <strong>do</strong> Departamento de Educação da UEL em Londrina-PR. Trabalha353


em atividades de formação de educa<strong>do</strong>res ambientais no ensino de graduaçãoe pós graduação lato e strictu sensu, além de um curso a distância emEducação Ambiental. No Programa de Pós-graduação em Educação paraCiência da UNESP-Bauru coordena o Grupo de Pesquisa em EducaçãoAmbiental. Apresenta e publica trabalhos de educação ambiental em eventose periódicos da área. Publicou o livro: Educação ambiental: natureza,razão e história pela Editora Autores Associa<strong>do</strong>s em 2004. Faz parte <strong>do</strong>grupo que está construin<strong>do</strong> a RUPEA: rede universitária de programas deeducação ambiental.Marlene Fagundes Carvalho Gonçalves - Pedagoga pela UFSCar, Mestreem Educação pela FE-UNICAMP, Doutora em Educação pela FEUSP-SP.Professora e Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> PPGE – Mestra<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Centro UniversitárioMoura Lacerda de Ribeirão Preto, SP, Professora <strong>do</strong> Curso de Pedagogiada mesma Instituição. Coordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Grupo de Estu<strong>do</strong>s e PesquisaRepresentação e Constituição <strong>do</strong> Sujeito. Co-autora <strong>do</strong>s seguintes livros:OLIVEIRA, Z.M.R. (org.) Educação Infantil: Muitos Olhares, Ed. Cortez;UTSUMI, M.C. (org.) Entrelaçan<strong>do</strong> Saberes: contribuições para a formaçãode professores e as práticas escolares, Ed. Insular; CASTRO, E.A. eRAMOS-DE-OLIVEIRA, P. (org.) Educan<strong>do</strong> para o pensar, Ed. ThomsonPioneira e GONÇALVES, M.F.C. (org.) Educação escolar: Identidade eDiversidade, Ed. Insular.Mauro Grun - Licencia<strong>do</strong> em Filosofia e Mestre em Educação pela UniversidadeFederal <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul (UFRGS). Recebeu o prêmioJovem Pesquisa<strong>do</strong>r durante o IV Salão de Iniciação Científica da UFRGS.É Doutor em Educação Ambiental e Ética Ambiental pela University ofWestern Australia, com apoio <strong>do</strong> CNPq. É autor <strong>do</strong> livro Ética e EducaçãoAmbiental: a conexão necessária (Editora Papirus, 2004, 8 a ed.) e de váriosartigos, entre eles, Compreensão e Dominação: <strong>do</strong>is conceitos para trabalharem Educação Ambiental, In: TABLIEBER, J.E. e SILVEIRA, A. F. Pesquisaem Educação Ambiental: Pensamentos e Reflexões de Pesquisa<strong>do</strong>res emEducação Ambiental, e Gadamer and the Otherness of nature: elementsfor environmental education. Human Studies: a journal for philosophyand sociology. O autor é membro atuante da Sociedade Internacional deFilosofia Ambiental. Atualmente é professor <strong>do</strong> Mestra<strong>do</strong> em Educação daUniversidade Luterana <strong>do</strong> Brasil – ULBRA, onde leciona as disciplinas deFilosofia da Educação, Pesquisa em Educação e Natureza e Cultura.354


Mauro Guimarães - Nasci<strong>do</strong> em Niterói/RJ; Doutor em Ciências Sociais(2003/UFRRJ);Mestre em Educação (1996/UFF); Especialista emCiências Ambientais (1990/UFRRJ); Gradua<strong>do</strong> em Geografia (UFRJ/1986).Coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Núcleo Multidisciplinar de Educação Ambiental da Universidade<strong>do</strong> Grande Rio (UNIGRANRIO); Pesquisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Museu deAstronomia e Ciências Afins (MAST/MCT); Autor de livros e artigos naárea, entre estes: “A Dimensão Ambiental na Educação” e “A Formação deEduca<strong>do</strong>res Ambientais” (Papirus); atualmente realiza consultoria na área eé Professor Universitário, mas também ten<strong>do</strong> atua<strong>do</strong> no ensino fundamentale médio e da rede pública e privada. Facilita<strong>do</strong>r da REBEA, REARJ eintegrante da RUPEAMichèle Sato - Possui licenciatura em biologia, mestra<strong>do</strong> em filosofia e<strong>do</strong>utora<strong>do</strong> em ciências. É líder <strong>do</strong> Grupo Pesquisa<strong>do</strong>r em Educação Ambiental(GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e é tambémcredenciada no Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UniversidadeFederal de São Carlos (UFSCar). Participa das redes de Educação Ambiental(Educação Ambiental), tanto no cenário estadual, nacional e internacional,além de ser membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. É consultorade diversos organismos e possui várias publicações, experiências e vivênciasno campo da Educação AmbientalMoacir Ga<strong>do</strong>tti - Licencia<strong>do</strong> em Pedagogia e em Filosofia, Doutor emCiências da Educação pela Universidade de Genebra é, atualmente, professortitular da Universidade de São Paulo e diretor <strong>do</strong> Instituto Paulo Freire.Foi Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Educação de São Paulona gestão de Paulo Freire. Tem um grande número de livros publica<strong>do</strong>sonde desenvolve uma proposta educacional orientada pelo paradigma dasustentabilidade. Entre os livros publica<strong>do</strong>s por Moacir Ga<strong>do</strong>tti, traduzi<strong>do</strong>sem diversas línguas, destacam-se: História das idéias pedagógicas, Pedagogiada Práxis, Paulo Freire: uma biobibliografia, Pedagogia da Terra,Um lega<strong>do</strong> de esperança e Os Mestres de Rousseau. A educação contra aeducação (Paz e Terra, 1979), Convite à leitura de Paulo Freire (Scipione,1988), História das idéias pedagógicas (Ática, 1993), Pedagogia da práxis(Cortez, 1994), Perspectivas atuais da educação (Artes Médicas, 2000),Pedagogia da Terra (Peirópolis, 2000) e Os mestres de Rousseau (Cortez,2004). Participou da Rio-92 (Conferência das Nações Unidas sobre <strong>Meio</strong><strong>Ambiente</strong> e Desenvolvimento), chamada de “Cúpula da Terra”, que elaboroue aprovou a Agenda 21. No Fórum Global-92, na mesma época, coordenou,ao la<strong>do</strong> Moema Viezer, Fábio Cascino, Nilo Diniz e Marcos Sorrentino, a355


“Jornada Internacional de Educação Ambiental” que elaborou o “Trata<strong>do</strong>de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e ResponsabilidadeGlobal”.Moema Libera Viezzer - Brasileira, nascida em Caxias <strong>do</strong> Sul, é mestre emCiências Sociais, educa<strong>do</strong>ra especializada em Gênero e <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>.Conhecida internacionalmente por seu envolvimento nos movimentos demulheres e ambientalista, é autora e co-autora, organiza<strong>do</strong>ra de diversaspublicações e materiais didáticos de apoio à ação educativa, entre os quaisse destacam: “Se me deixam falar... Domitila - uma mulher das minas daBolívia” e o “Manual Latino-americano de Educação Ambiental”. Funda<strong>do</strong>rada Rede Mulher de Educação que iniciou sua atuação em 1980, foitambém coordena<strong>do</strong>ra de Programas de Educação Ambiental na CETESB,no Conselho de Educação e Adultos para a América Latina e no ConselhoInternacional de Educação de Adultos. Atualmente reside em Tole<strong>do</strong>/ Paranáe dirige a MV-Consultoria de Educação em Gênero e <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>,prestan<strong>do</strong> serviços a ONGs, Movimentos Sociais e Empresas públicas eprivadas, ten<strong>do</strong> seu foco principal de ação atual nos Programas da ItaipuBinacional “Incentivan<strong>do</strong> a Equidade de Gênero” e “Educação Ambientalpara a Sustentabilidade na Bacia <strong>do</strong> Paraná III” que integra o ProgramaCultivan<strong>do</strong> Água Boa e o Convênio da Itaipu Binacional com o <strong>Ministério</strong><strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> sobre Municípios Educa<strong>do</strong>res Sustentáveis e Formaçãode Educa<strong>do</strong>res Ambientais. O reconhecimento da atuação de Moemaem relação à busca de relações de equilíbrio e harmonia entre mulheres ehomens e <strong>do</strong>s seres humanos com toda a Comunidade de Vida que habitaGaia – nosso planeta terra, mereceu-lhe, entre outros, menção honrosa noPremio Robby Kidd <strong>do</strong> Conselho Internacional de Educação de Adultos-ICAE e no Premio Cidadania Mundial da Comunidade Bahai. Em 2005foi indicada como uma das candidatas brasileiras para compor a Iniciativa1.000 Mulheres Premio Nobel da Paz 2005.Omar Ardans - Licencia<strong>do</strong> em Psicologia pela Universidad de la República(UDELAR), Uruguai. Mestre e Doutor em Psicologia Social pela PUCSP.Pós-<strong>do</strong>utora<strong>do</strong> em Psicologia Social pela USP/FAPESP com estu<strong>do</strong> sobrea obra de J. Habermas e suas eventuais contribuições para o conhecimentodas relações entre intervenção psicossocial, identidade e esclarecimentoemancipatório. Membro <strong>do</strong> Conselho Diretor e Vice-presidente (São Paulo)da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) – Gestões 1997-2003. Membro da Comissão Editorial da revista Psicologia & Sociedade(1996-2003). Pesquisa<strong>do</strong>r associa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Laboratório de Psicologia Socioambientale Intervenção (LAPSI) <strong>do</strong> Instituto de Psicologia da Universidade356


de São Paulo (IPUSP).Pedro Jacobi - Professor Titular da Faculdade de Educação e <strong>do</strong> Programade Pós- Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo(PROCAM-USP). Economista e sociólogo pela Universidade de São Paulo.Mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Harvard University, Doutorem Sociologia pela USP e Livre Docente em Educação pela Universidadede São Paulo. Coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Doutora<strong>do</strong> <strong>do</strong> PROCAM-USP. Coordena<strong>do</strong>rconjunto <strong>do</strong> projeto Bacias Irmãs que articula a formação e capacitação deatores locais para atuar nos comitês de bacias hidrográficas em parceria USP/InstitutoEcoar/Universidade de York(Canadá). Coordena<strong>do</strong>r da equipe depesquisa PROCAM no Projeto Negowat que aborda a negociação da gestãoda terra e da água em bacias peri-urbanas da América Latina combinan<strong>do</strong>modelagem multi-agente e jogo de papéis. Coordena<strong>do</strong>r de Projeto Alfa sobreGovernança da Agua (2005-2008) integra<strong>do</strong> por universidades e centros depesquisa <strong>do</strong> Brasil, Chile, Bolívia, França, Inglaterra e Holanda.Rachel Trajber - Doutora em Antropologia pela Purdue University, EUA.Atualmente estou Coordena<strong>do</strong>ra Geral de Educação Ambiental <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong>da Educação-MEC. Em 2003, coordenei a Conferência Nacional <strong>do</strong> <strong>Meio</strong><strong>Ambiente</strong> em suas duas versões: adultos e infanto-juvenil, no <strong>Ministério</strong><strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>-MMA. Dirigi uma pequena empresa de consultoriaImagens Educação e fui uma das funda<strong>do</strong>ras e membro <strong>do</strong> Conselho <strong>do</strong>Instituto Ecoar para a Cidadania. Trabalhei em programas de ResponsabilidadeSocial Empresarial com os projetos Estadão na Escola e Consula<strong>do</strong> daMulher/Multibrás. Lecionei “A mídia como fonte de pesquisa na educação”,no curso de Jornalismo, Educação e Ciência, da Cogeae/PUC-SP.Sandro Tonso - Arquiteto forma<strong>do</strong> pela USP em 1986; Especializa<strong>do</strong> emEcologia Humana pela Università di Pa<strong>do</strong>va (Itália), entre 1990/91; Mestreem Administração e Política de Recursos Minerais pela UNICAMP (UniversidadeEstadual de Campinas), entre 1992/94. Doutor em Ciências entre1995/2000, também pela UNICAMP. Docente <strong>do</strong> CESET – Centro Superiorde Educação Tecnológica da UNICAMP das disciplinas: “Ética e EducaçãoAmbiental”, “Geologia Ambiental”, “Ecologia aplicada ao Saneamento” e“Planejamento Ambiental” desde 1998, orientan<strong>do</strong> pesquisa em EducaçãoSocioambiental. É autor de artigos sobre educação e impactos ambientais,é co-autor de 2 livros e 1 capítulo de livro sobre planejamento ambiental,membro <strong>do</strong> Grupo Gestor da Rede Paulista de Educação Ambiental (RE-PEA), Coordena<strong>do</strong>r de projetos de ação educativa socioambiental.357


Sérgio Barreira F. Tavolaro - Bacharel em Ciências Sociais e Mestre emSociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.Bolsista <strong>do</strong> Programa de Formação de Quadros <strong>do</strong> CEBRAP (1997-1999)e Pesquisa<strong>do</strong>r-visitante na University of Texas at Austin - Brazil Center(1997). Fellow no Transregional Center for Democratic Studies - NewSchool for Social Research (2000). Doutor em Sociologia pela New Schoolfor Social Research. Autor <strong>do</strong> livro MOVIMENTO AMBIENTALISTA EMODERNIDADE: SOCIABILIDADE, RISCO E MORAL. São Paulo:Editora Annablume, 2001Tânia Pacheco - Jornalista (PUC-RJ), mestre em Educação (IESAE-FGV)e <strong>do</strong>utora em História (UFF).Consultora <strong>do</strong> projeto Brasil Sustentável eDemocrático/Fase.- Publicações recentes (2002-2005): a.. “O Teatro e oPoder”. In: NOVAES, Adauto (org). Anos 70: Ainda sob a tempestade. Riode Janeiro: Aeroplano Editora, 2005; b.. “Apresentação” e “Linha de Dignidade:unin<strong>do</strong> a sustentabilidade e a cidadania”. In: ________ (org). Linhade Dignidade: construin<strong>do</strong> a sustentabilidade e a cidadania. Rio de Janeiro:HBS/BSD, 2005; c.. “Desenvolvimento sustentável, solidariedade e democracia”.Revista Cáritas, Brasília, ano 25, nº 75, p.33, out.2004; d.. Sustentabilidade,meio ambiente e democracia no III FSM: visões e concepções. Riode Janeiro: FBOMS/BSD, 2004; e.. “A água no III Fórum Social Mundial:sérias preocupações, muitos protestos e poucas alternativas”. Proposta, Riode Janeiro, n.99, p.66-77, dez-fev 2003-2004; f.. Atividades autogeridas:a riqueza da sociedade planetária num calei<strong>do</strong>scópio multicolori<strong>do</strong>. Rio deJaneiro: Ibase, 2003. Volume 3 da Coleção Fórum Social Mundial 2003; g..“Línea de Dignidad: camino hacia la ciudadanía planetaria”. In: Línea deDignidad: desafíos sociales para la sustentabilidad. Chile: Cono Sur Sustentable/HBS,2002; h.. “Brasil Sustentable y Democratico”. In: Cono SurSustentable: aporte cuidadano a la construcción de sociedades sustentables.Chile: Cono Sur Sustentable/HBS, 2002; i.. “Sustainable and DemocraticBrazil”. In: Sustainable Southern Cone Program. Chile: Cono Sur Sustentable/HBS,2002; j.. “Linha de Dignidade: caminho para a cidadania planetária”.In: Proposta, Rio de Janeiro, n.91, p.72-85, dez-fev 2001-2358


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