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Conhecimento dos Enfermeiros frente ao abuso sexual ...

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av.enferm., XXX (2): 47-55, 2012Artículo de investigación<strong>Conhecimento</strong> <strong>dos</strong> <strong>Enfermeiros</strong> <strong>frente</strong> <strong>ao</strong> <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>Conocimiento de los enfermeros <strong>frente</strong> al <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>Knowledge of Nurses when Faced with Sexual AbuseJanaina Amorim de Ávila*, Adriane Maria Netto de Oliveira**,Priscila Arruda da Silva***ResumoObjetivo: Este estudo objetivou conhecer a prática profissional<strong>dos</strong> enfermeiros de cinco Unidades Básicas deSaúde da família de um município do extremo sul do Brasil,quanto <strong>ao</strong> <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> com crianças e adolescentes.Metodologia: Trata-se de um estudo qualitativo, desenvolvidocom sete enfermeiras pertencentes às sete equipes daEstratégia de Saúde da Família, cujos da<strong>dos</strong> foram coleta<strong>dos</strong>entre os meses de março e abril de 2009, por meio de entrevistasemiestruturada, enfocando o conhecimento acerca daintervenção ante a suspeita de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> na infância e naadolescência e a percepção das enfermeiras sobre a assistênciaprestada às vítimas de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> e a sua família.Resulta<strong>dos</strong> e discussão: Mediante a análise temática<strong>dos</strong> da<strong>dos</strong>, os resulta<strong>dos</strong> apontam que os profissionais sesentem desprepara<strong>dos</strong>, desprotegi<strong>dos</strong> e decepciona<strong>dos</strong> comrelação às medidas tomadas para confirmar ou não os casos desuspeita de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>. Ressalta-se também que não há umprotocolo de atendimento às vítimas que dá respaldo <strong>ao</strong>s profissionais,o que dificulta o atendimento a essa clientela.Conclusão: Destaca-se a necessidade de cursos de capacitaçãoque forneçam esclarecimentos de como manejar a problemática,envolvendo to<strong>dos</strong> os profissionais que trabalhamcom essa realidade.Palavras-chave: violência <strong>sexual</strong>, enfermagem, atençãoprimária à saúde (fonte: DeCs, BIREME)* Mestranda em Enfermagem do Programa de Pós-graduaçãoda Universidade Federal do Rio Grande (Brasil). Enfermeirado Hospital Santa Casa de Misericórdia de Rio Grande eda Prefeitura Municipal de Rio Grande em uma casa-abrigo paramenores. E-mail: janainaamorim23@hotmail.com, Rio Grande,Rio Grande do Sul, Brasil.** Doutora em Enfermagem. Docente do Programa de Pósgraduaçãoda Universidade Federal do Rio Grande (Brasil). E-mail: adrianenet@vetorial.net, Rio Grande, Rio Grande do Sul,Brasil.*** Doutoranda em Enfermagem do Programa de Pós-graduaçãoda Universidade Federal do Rio Grande (Brasil). BolsistaCapes. E-mail: patitaarruda@yahoo.com.br, Rio Grande, RioGrande do Sul, Brasil.Recibido: 15-06-10 Aprobado: 9-03-12ResumenObjetivo: Este estudio indagó sobre la práctica profesionalde los enfermeros en cinco Unidades Básicas de Saludde la familia en una ciudad del extremo sur de Brasil, con el<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> con niños y adolescentes.Metodología: Se realizó un estudio cualitativo, desarrolladocon siete enfermeras pertenecientes a las siete equipesde la Estrategia de Salud de la Familia, cuyos datos fueran recolecta<strong>dos</strong>entre los meses de marzo y abril de 2009, a travésde entrevista semi-estructurada, centrado en el conocimientoacerca de la intervención <strong>frente</strong> a sospecha de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> enla infancia y en la adolescencia y la percepción de las enfermerassobre la asistencia prestada a las víctimas de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>y a su familia.47


<strong>Conhecimento</strong> <strong>dos</strong> <strong>Enfermeiros</strong> <strong>frente</strong> <strong>ao</strong> Abuso SexualEnfim, a violência contra a criança e o adolescenteé uma realidade difícil de ser manejada pelas/os enfermeiras/osem seu cotidiano de trabalho. No entanto,cabe a eles, quando desempenham suas práticas de cuidado,educação e pesquisa, acreditarem que são agentesessenciais na transformação desse grave problema desaúde/doença coletiva (5).A/o enfermeira/o deve ser membro efetivo da equipemultidisciplinar de Saúde Escolar, <strong>dos</strong> Programas deSaúde da Família, das Unidades Básicas de Saúde, ouseja, precisa estar presente nos diferentes espaços nosquais pode realizar a promoção, proteção e recuperaçãoda saúde da criança e do adolescente. Na prática, é possívelanalisar e reconhecer os sinais clínicos e os indicadorespsicossociais de violência contra a criança ou adolescentea partir da realização da entrevista/anamnese eexame físico.Durante a realização da anamnese, os profissionaistêm a oportunidade de detectar os casos de violência emque não há evidências físicas por meio do diálogo quese estabelece entre o profissional e os pais/responsáveisda vítima quando uma relação de confiança entre eles éproporcionada. Além disso, é possível identificar as discordânciaspresentes no discurso <strong>dos</strong> responsáveis comrelação às informações prestadas, no que se refere <strong>ao</strong>ssinais e <strong>ao</strong>s sintomas apresenta<strong>dos</strong> pela vítima no períododo atendimento.A presença constante da/o enfermeira/o na instituiçãode saúde e a abordagem utilizada por este profissionalna prestação do cuidado possibilitam formar umvínculo mais profundo e duradouro com o paciente, oque proporciona uma interação interpessoal que facilit<strong>ao</strong>bter detalhes que, muitas vezes, outros profissionaisnão conseguem detectar por não estarem tão próximose por um período maior de tempo no ambiente de trabalho,como acontece com a/o enfermeira/o. Em funçãodisso, a/o enfermeira/o acaba sendo o primeiro contatoem uma rede de apoio que busca interromper o ciclo daviolência (6).Trabalhar com situações de violência requer conhecimentoteórico, pois lidar com sentimentos, traumas,problemas sociais, sem que interfiram no julgamento doprofissional é muito difícil. Em função disso, os profissionaisnecessitam aprender a lidar com seus preconceitos,crenças e valores pessoais, de modo que estes não interfiramem sua postura ética e nas decisões a serem tomadas.Por exemplo, atuar numa família na qual ocorre<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, mais precisamente o incesto entre o pai e afilha; assistir o sofrimento da vítima; perceber quanto aviolência provoca reflexos e efeitos negativos no desenvolvimentoda personalidade e, <strong>ao</strong> mesmo tempo, tentarajudar e resgatar os valores morais de alguém que buscaexclusivamente sua satisfação pessoal ou reafirmação dasua identidade masculina; tudo isso, geralmente, constitui-seem um grave problema para a equipe de saúde,uma vez que precisa conhecer a história de vida <strong>dos</strong>membros dessa família, bem como a dinâmica e a culturafamiliar, a fim de poder estabelecer as intervençõesmais adequadas para cada situação.Com o objetivo de romper o ciclo de violência nocontexto familiar, é preciso repensar o atendimento àsvítimas de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, assim como implementar oscuida<strong>dos</strong> necessários relativos a este problema, a partirde uma educação/capacitação permanente da equipe.Para que as ações <strong>dos</strong> profissionais promovam a saúdeda família, é preciso que o tratamento considere desdeo micro até o macrossistema, ou seja, a família, a escola,a comunidade, a rede de suporte social e as políticas desaúde voltadas para os casos de violência com crianças eadolescentes. A atenção à saúde precisa ser intersetoriale multiprofissional, com o enfoque interdisciplinar e, atémesmo, transdisciplinar e que vise a ações efetivas paraa promoção da saúde da família (6).Com base nestas considerações, este estudo tevecomo objetivo conhecer a prática das/os enfermeiras/osem cinco Unidades Básicas de Saúde da Família, ante aviolência <strong>sexual</strong> contra crianças e adolescentes.METODOLOGIATrata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva, deabordagem qualitativa, desenvolvida em cinco UnidadesBásicas de Saúde da Família (UBSFs) com sete equipes,situadas nos bairros da periferia do Município do RioGrande/RS. Participaram do estudo sete enfermeiraspertencentes às sete equipes da Estratégia de Saúde daFamília (ESF), selecionadas intencionalmente, levandoem consideração os seguintes critérios: a) ter experiênciaprévia com o tema abordado, ou seja, já ter ti<strong>dos</strong>ob seus cuida<strong>dos</strong> crianças e adolescentes que sofreramviolência (presumida ou comprovada); b) tempo de experiênciaprofissional de no mínimo um ano; c) concordânciada/o enfermeira/o em participar do estudo. O49


AVANCES EN ENFERMERÍA ● VOL. XXX N.˚ 2 MAYO-AGOSTO 2012número de participantes foi delimitado pela saturação<strong>dos</strong> da<strong>dos</strong>.To<strong>dos</strong> os enfermeiros contata<strong>dos</strong> participaram doestudo, não havendo recusa ou desistência por parte <strong>dos</strong>sujeitos do estudo. O referencial teórico de investigaçãoe análise foi realizado por meio da análise de conteúdotemático proposta por Minayo, a qual propiciou umamelhor compreensão <strong>dos</strong> discursos <strong>dos</strong> sujeitos, a partirda investigação que transcorreu in lócus, da sua prática(7). A ESF é um importante veículo para compreensãoin locus desse fenômeno e parte integrada de uma redesocial de apoio. A análise <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> foi realizada semauxílio de software.Foram seguidas as recomendações da Resolução196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, e o projeto foiaprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federaldo Rio Grande (Processo 23116.006046/2008-04).Para a assinatura do Termo de Consentimento Livre eEsclarecido, foi explicado <strong>ao</strong>s sujeitos o objetivo da pesquisae garantido o direito de não participarem ou de interromperemsua participação a qualquer momento. Foiesclarecida, ainda, a maneira como seriam identifica<strong>dos</strong>no trabalho: pela letra E e o número de sequência dasentrevistas (E1, E2...), o que preserva seu anonimato. Ossujeitos foram orienta<strong>dos</strong> também quanto <strong>ao</strong>s benefíciosda pesquisa no sentido de provocar a reflexão sobre atemática e sobre possíveis formas de enfrentamento, podendo,assim, induzir a mudanças na realidade.A coleta de da<strong>dos</strong> foi realizada por meio de entrevistassemiestruturadas, no período de março a abril de2009, as quais foram previamente agendadas no localde trabalho <strong>dos</strong> profissionais, realizadas apenas umavez, considerando que as informações coletadas foramsuficientes para a saturação <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong>. Cada entrevistateve duração média de uma hora e meia. A entrevistafoi composta de duas partes. A primeira buscou coletarda<strong>dos</strong> gerais <strong>dos</strong> entrevista<strong>dos</strong> como idade, sexo, númerode famílias que assiste. Já a segunda parte aborda aquestão do conhecimento e da intervenção que os sujeitosda pesquisa se subsidiam no atendimento <strong>dos</strong> casosde <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> na infância e na adolescência da comunidade.Os depoimentos foram grava<strong>dos</strong> e, posteriormente,transcritos. Na análise de da<strong>dos</strong>, utilizou-se a técnica deanálise temática, sendo os da<strong>dos</strong> inicialmente organiza<strong>dos</strong>,depois analisa<strong>dos</strong> e categoriza<strong>dos</strong> com vistas a responder<strong>ao</strong> objetivo deste estudo (7). Os conteú<strong>dos</strong> teóricosforam retoma<strong>dos</strong> e novos foram busca<strong>dos</strong>, com oobjetivo de estabelecer uma relação entre os acha<strong>dos</strong> nasentrevistas, os conteú<strong>dos</strong> teóricos e a construção subjetiva.Através do processo de análise, emergiu a seguintecategoria: ações desenvolvidas pelos profissionais ante asuspeita de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> na infância e adolescência.RESULTADOS E DISCUSSÃONo processo de análise de da<strong>dos</strong> emergiram duas categoriasdesenvolvidas a seguir: <strong>Conhecimento</strong> acerca daintervenção ante a suspeita de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> na infânciae adolescência; percepção das enfermeiras sobre a assistênciaprestada às vítimas de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> e a suafamília.<strong>Conhecimento</strong> acerca da intervenção antea suspeita de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> na infância eadolescênciaA violência intrafamiliar é uma situação complexa, cujoenfrentamento envolve profissionais de diferentes áreasdo conhecimento, o que requer uma efetiva mobilizaçãode diversos setores do governo e da sociedade civil. Talsituação visa, em especial, fortalecer e potencializar asações e serviços na busca de uma nova atitude e compromissoa respeito doproblema.As UBSFs, <strong>ao</strong> atenderem as vítimas de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>,devem fazer o acolhimento à vítima e <strong>ao</strong> responsável demaneira adequada; expor o menos possível a vítima e afamília; proporcionar o acolhimento sem julgar e preocupar-secom os aspectos éticos e com a qualidade daintervenção (8).No entanto, as falas destacadas a seguir evidenciamque o atendimento prestado pelas enfermeiras dasUBSFs que fizeram parte desta pesquisa às vítimas de<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> demonstra que todas se sentem despreparadas,desprotegidas e decepcionadas no que se refereàs medidas tomadas para confirmar ou não os casos desuspeita de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, o que parece se constituir emum desestímulo para elas, como profissionais comprometidascom a promoção da saúde e que zelam pela vidadas pessoas que cuidam, o que vai totalmente contra osprincípios éticos que norteiam sua prática. Dos atendimentosque prestei, gostaria de relatar um caso de molestaçãode uma criança por um vizinho. A partir da50


<strong>Conhecimento</strong> <strong>dos</strong> <strong>Enfermeiros</strong> <strong>frente</strong> <strong>ao</strong> Abuso Sexualdenúncia, descobriram que o agressor havia molestadooutras meninas da mesma rua, inclusive há suspeita deter abusado das próprias filhas e está correndo processocriminal, mas continua morando em casa, não foiafastado da família (E1).Por não haver punição para os agressores, os profissionaisse sentem impotentes com o atendimentorealizado e não se consideram aptos para desempenhartal ação. É importante salientar que a problemática daviolência contra crianças e adolescentes não se constituicomo uma tarefa fácil e o atendimento muitas vezes ocorremde forma isolada, e mobiliza diferentes sentimentos,como destacado nas falas <strong>dos</strong> sujeitos. Não me consideroapta para atender essas situações, mas eu faço.Na verdade, eu uso muito o instinto materno, acho queé uma questão pessoal, tento conversar com a criança/adolescente, não tento intimidá-los, deixo à vontade(E2). É uma questão muito complicada de trabalhar eprecisa de uma equipe preparada. Ao mesmo tempo, ésó tu passando pela situação para conseguir entendero quanto é amplo e difícil, o quanto é chocante! Porquena realidade é totalmente diferente da tua forma de vivere são coisas que jamais passam na tua cabeça quepossam existir. (E7)De acordo com as falas <strong>dos</strong> sujeitos, o contato comsituações que geram sofrimento, possíveis riscos, insegurançae sentimento de impotência ante a não-obtençãode soluções imediatas, geram frustração e umasérie de questionamentos relativos à inexistência deresoluções imediatas para o problema. Devido a essesmotivos, os profissionais acreditam que é preciso criaroportunidades sistemáticas de discussão, sensibilizaçãoe capacitação no trabalho que proporcionem um respaldoà equipe para expor e elaborar seus sentimentos e reaçõesdiante do atendimento de vítimas de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>.Além de buscar maior conhecimento sobre como lidarcom a violência contra a criança e o adolescente, oprofissional de saúde sente a necessidade de ser devidamenteinstrumentalizado para registrar estes casos comprecisão e riqueza de detalhes, o que facilita o trabalhoda rede de suporte social, apontando para maior resolutividadedo problema e, principalmente, agilizando aretirada da vítima da situação de violência rapidamente(9).Geralmente, a concepção de atendimento às vítimasde <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> se limita <strong>ao</strong> atendimento emergencial.Em algumas situações, a redução <strong>dos</strong> danos sofri<strong>dos</strong>poderiam ser menos intensos, desde que fossem analisa<strong>dos</strong>os casos também com a perspectiva de proteção,mobilizando a rede primária e secundária de atençãobásica à saúde, no que diz respeito à intervenção nestas.O atendimento do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> infantil gera muitaansiedade nas equipes de saúde devido às dúvidas quesurgem relativas à veracidade ou não da denúncia, principalmentedevido à resistência das famílias diante doatendimento, como refere a fala de E7. Um caso que euatendi envolvia a filha caçula de uma família com cincofilhos, a qual chegou [na] unidade com sangramentovaginal, sintoma detectado em dois atendimentospresta<strong>dos</strong>. Sendo que, na segunda vez, demonstrou quetinha laceração no bordo vaginal. Mesmo com to<strong>dos</strong>esses indícios retrata<strong>dos</strong>, o perito não detectou <strong>abuso</strong><strong>sexual</strong> (E7).Na rede pública, com relação <strong>ao</strong>s casos de <strong>abuso</strong><strong>sexual</strong>, geralmente os profissionais e as instituiçõesse encontram imersos em um sistema estanque deatuação, ou seja, parecendo não haver espaço parareflexões, discussões e criação de novos projetos quemodifiquem esse cenário. Provavelmente, tal situaçãoocorre devido a vários fatores, entre eles, grande parte<strong>dos</strong> profissionais não recebeu o treinamento adequadopara intervir nos casos de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> contra a criançae o adolescente (10).Outro fator se refere à ausência de recursos institucionais,entre eles, econômico, jurídico e social, no sentidode dar apoio às vítimas, amparando-as de forma quenão retornem <strong>ao</strong> local em que sofreram violência. E <strong>ao</strong>sprofissionais para que não sofram riscos quando levama denúncia a instâncias jurídicas. O terceiro diz respeitoà questão de que, muitas vezes, a vítima diante do dilemade denunciar e enfrentar as consequências do seu atoprefere manter-se em silêncio ou até mesmo retirar a denúncia,devido à pressão e à falta de apoio familiar, o queleva <strong>ao</strong> desapontamento <strong>dos</strong> profissionais envolvi<strong>dos</strong>,reafirmando sua impotência, diante desse problema.Alguns discursos evidenciam o despreparo das enfermeirasdas UBSFs para intervirem nos casos de <strong>abuso</strong><strong>sexual</strong>, preferindo então encaminharem as situaçõessuspeitas para o hospital, a fim de que, nessa instituição,os profissionais tomem as medidas necessárias, uma vezque não se sentem aptas a fazê-lo: Muitas vezes, quandotive desconfiança acabei encaminhando para o hospi-51


AVANCES EN ENFERMERÍA ● VOL. XXX N.˚ 2 MAYO-AGOSTO 2012tal, para que lá fosse feita a investigação, mesmo semsaber como proceder!(E1). Geralmente, quando vemuma suspeita de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, a gente encaminha par<strong>ao</strong> médico para ver se tem alguma lesão, depois conduzimospara o pronto-socorro para fazer o exame de corpode delito e, após, para o Gaivota, que é o que faz oacompanhamento psicológico (E3).Em uma UBSF, diferentes profissionais atuam nestescasos, de acordo com o conhecimento em saúde quepossuem e com a experiência que adquirem <strong>ao</strong> longo <strong>dos</strong>anos de trabalho. A equipe deve criar estratégias quepossibilitem compartilhar a experiência de cada profissional,bem como adotar práticas comuns, que garantammaior qualidade <strong>ao</strong> atendimento (6).O atendimento deve ser orientado por um conjuntode ações que favoreçam quantificar e qualificar otrabalho realizado com cada família que apresenta algumavulnerabilidade para a ocorrência de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>.Essa quantificação se refere à necessidade de especificar,na produtividade realizada pelas UBSFs, o númerode visitas domiciliares realizadas, de consultas ou açõesefetivadas em cada situação de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, a duraçãodestas e o tempo de acompanhamento <strong>dos</strong> casos suspeitose/ou confirma<strong>dos</strong>. Tal modo de registro permitiráapontar a frequência de interação com as famílias após oprimeiro atendimento e ter um controle mais efetivo <strong>dos</strong>casos e das intervenções realizadas, as quais provavelmenteserão planejadas de acordo com as necessidadesdecorrentes de cada situação.Outro aspecto positivo do registro de suspeita ouconfirmação do <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> e do acompanhamentosistemático a essas famílias é a criação de vínculos queidentificam os problemas percebi<strong>dos</strong> a cada visita domiciliare, a partir dessa interação, poder confirmar ou nãoos casos. Após a identificação do problema, juntamentecom a família, aumenta a possibilidade de incentivarsuas competências para agir em benefício da proteção epromoção da saúde do seu familiar, bem como a capacidade<strong>dos</strong> profissionais de saúde em poder ajudá-lo air em <strong>frente</strong> com a denúncia, por meio das ações legais,garantindo-lhe também proteção e segurança.A ESF encontra-se em um cenário em que os profissionaisda saúde, <strong>ao</strong> tomarem conhecimento sobre asuspeita, passam a ser corresponsáveis pela produção dasaúde ou pela manutenção da doença. No entanto, as falasmostram o contrário do que até então é preconizado.Geralmente, quando vem uma suspeita... A gente mandapara o hospital, porque não temos preparo e nemcondições de prestar um atendimento adequado (E3).Na realidade, eu não me considero apta, inclusive euvejo esses casos com pouco de restrição... (E4).Em certos momentos, as falas das enfermeiras parecemrevelar um sentimento de indiferença <strong>ao</strong>s casosde <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>, uma vez que é mais fácil encaminhar asvítimas a outra instituição do que buscar soluções paraamenizarem o problema.Percepção das enfermeiras sobre aassistência prestada às vítimas de <strong>abuso</strong><strong>sexual</strong> e a sua famíliaOs discursos <strong>dos</strong> sujeitos desse estudo revelaram quesão necessárias melhorias no atendimento às vítimas de<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> e sua família, principalmente no que dizrespeito à capacitação, por meio da implementação dediretrizes mais eficazes, <strong>dos</strong> profissionais da saúde paraque ocorra a melhora da qualidade do serviço prestado.A segunda medida, considerada como imprescindívelpara a qualificação da assistência, está diretamente relacionadaàs demais instituições que também atendema vítima e sua família, sendo importante que to<strong>dos</strong> adotema mesma conduta.A padronização do atendimento prestado em diferentesinstituições e órgãos competentes pela proteção emanutenção da saúde das crianças e adolescentes diminuiráa probabilidade da ocorrência de lacunas em suasações. Esse modo de atuação beneficiará as vítimas, facilitaráa penalização mais rápida do agressor, conformeestabelecido por lei, e possibilitará o afastamento destedo ambiente familiar ou da comunidade na qual se encontrainserido.Diante do questionamento das estratégias que poderiamampliar a atuação da equipe de saúde no enfrentamentoda violência intrafamiliar, as participantesutilizaram as seguintes expressões: “apoio”, “parceria”,“articulação”, “melhoria e eficácia do que já existe”, “autoestima”e “coragem”. Tais expressões denotam que asações devem se dirigir em prol da promoção da saúde.Mas, para que isso aconteça, faz-se necessária a intervençãode vários setores e, principalmente, contar como apoio <strong>dos</strong> cidadãos da comunidade e ações que subsidiema prevenção da violência intrafamiliar, como: a detecçãoprecoce das famílias vulneráveis; atenção integral52


<strong>Conhecimento</strong> <strong>dos</strong> <strong>Enfermeiros</strong> <strong>frente</strong> <strong>ao</strong> Abuso Sexual<strong>ao</strong>s casos de <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> e a sistematização do registroadequado.No Brasil, o Ministério da Saúde tem elaborado manuaistécnicos e políticas públicas relativas <strong>ao</strong> assuntodesde a década de 1990, dentre os quais se destacam:Política Nacional de Redução da Morbimortalidade porAcidentes e Violências, que institui, no âmbito do SistemaÚnico de Saúde (SUS), os princípios e diretrizespara a estruturação e o reforço de ações intersetoriaisde prevenção das violências, de assistência às vítimas decausas externas e de promoção de hábitos e comportamentosseguros e saudáveis, por meio da Portaria GM/MS 737, de 16/05/2001 (11).A Política Nacional de Promoção à Saúde, instituídapela Portaria GM/MS 687, de 30/03/2006, contribuicom ações efetivas para a prevenção de acidentes e violências,atuando sobre os fatores de risco e de proteção,promovendo ambientes seguros e hábitos saudáveis porparte da população (12). Quanto à Notificação de violênciascontra crianças e adolescentes na rede do SistemaÚnico de Saúde (Portaria 1968/2001), preconiza a notificação,às autoridades competentes, de casos de suspeit<strong>ao</strong>u de confirmação de maus-tratos contra crianças eadolescentes atendi<strong>dos</strong> nas entidades do Sistema Únicode Saúde (13).E, por último, a Rede Nacional de Núcleos de Prevençãodas Violências e Promoção da Saúde (PortariaGM/MS 936/2004), implantada nos esta<strong>dos</strong> e municípios,coordenada por núcleos de Prevenção das Violênciase Promoção da Saúde, em âmbito local, é a responsávelpor articular e coordenar ações intersetoriais promotorasde saúde e da cultura da paz no âmbito local (14).A abordagem deve ser multidisciplinar, sendo quea assistência ambulatorial ou hospitalização precisa sercriteriosamente decidida pela equipe, particularizandocada caso. O trabalho junto à família é imprescindível enão deve ser apenas pontual. A família deve ser acompanhadadurante um tempo em que se permita avaliar apossibilidade de retorno da criança ou adolescente <strong>ao</strong> domicílio,quando esta é afastada por medida de proteção.É indispensável um trabalho conjunto, em consonânciacom as Coordenadorias da Infância e da Juventude, ConselhosTutelares e outros órgãos de proteção da criança edo adolescente, para que se possa determinar com maiorprofundidade a gravidade do caso, seu diagnóstico e prognóstico(15).Reafirmando o pressuposto de que o trabalho deveser concretizado em parcerias, a fim de que se alcanceos resulta<strong>dos</strong> significativos na assistência das vítimasde <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong>; na prática, visualiza-se outro contexto,ou seja, as enfermeiras, <strong>ao</strong> serem questionadas sobrecomo funciona o apoio do Conselho Tutelar, do SistemaJurídico e das redes sociais que prestam o atendimentopsicológico e social, declararam que não são bemacolhidas, pelo contrário, muitas vezes são barradas eretiradas como informantes da denúncia, dificultando aintervenção.Os discursos <strong>dos</strong> profissionais revelam a insatisfaçãoe a indignação a respeito da falta de apoio e sintonia<strong>dos</strong> serviços dessas entidades. Acho que deveriamser trabalhadas melhor as redes, isso teria que estarbem mais interligado. Assim como os dispositivos que agente dispõe para acionar quando há esses episódios deviolência <strong>sexual</strong>... (E2). Eu acho que deveria existir umasincronia entre to<strong>dos</strong> os órgãos, to<strong>dos</strong> falando a mesmalinguagem (E4). As dificuldades são inúmeras, mas to<strong>dos</strong>os dispositivos, inclusive os políticos, devem criarprogramas que prestem informações do que fazer <strong>ao</strong> sedeparar com uma situação de <strong>abuso</strong> e trazer à tona aincidência, seja por questão de <strong>abuso</strong>, negligência, imperíci<strong>ao</strong>u agressão, assim como prestar auxílio a todasas vítimas, a fim de minimizar seus sofrimentos (E7).As políticas públicas de modo geral e as específicasde atenção e prevenção <strong>dos</strong> acidentes e violências dirigidasà criança e <strong>ao</strong> adolescente e outros grupos vulneráveisenfatizam o importante papel da inserção dotema, no âmbito do ensino, nos diversos níveis, devidoà sua magnitude e impacto na saúde da população brasileira.Às políticas agregam-se as leis, como o Estatutoda Criança e do Adolescente, que destaca que a violênciaprecisa ser enfrentada e uma forma de fazê-lo é sensibilizando,conscientizando, capacitando e formando pessoas<strong>dos</strong> mais diversos âmbitos da sociedade, sobretudoos acadêmicos e profissionais da saúde, que recebem essasvítimas (9).Assim como a maioria das enfermeiras das UBSFsentrevistadas considera-se que o <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> contracrianças e adolescentes não se limita apenas <strong>ao</strong> cuidado<strong>dos</strong> ferimentos físicos, mas inclui um conhecimento específicoque permita manejar este problema de maneiramais segura e qualificada, o que vem <strong>ao</strong> encontro do queas profissionais relataram, ou seja, a necessidade de ca-53


AVANCES EN ENFERMERÍA ● VOL. XXX N.˚ 2 MAYO-AGOSTO 2012pacitação da equipe de saúde nos três níveis de atenção:primária, secundária e terciária.O Ministério da Saúde vem investindo em açõespara a prática de uma cultura de paz e não à violência,além da inserção desta problemática na grade curricular<strong>dos</strong> futuros profissionais de saúde, a fim de que estescomecem, desde a base inicial do ensino nas Instituiçõesde Ensino Superiores (IESs), a se prepararem para oatendimento das vítimas de violência intrafamiliar.CONSIDERAÇÕES FINAISBuscou-se, com a pesquisa proposta, contribuir para aampliação da discussão sobre a violência <strong>sexual</strong> contracrianças e adolescentes, apontando a necessidade decursos de capacitação que forneçam esclarecimentosde como manejar a problemática, envolvendo to<strong>dos</strong> osprofissionais que trabalham com essa realidade. Também,apresentou-se sugestões no sentido de otimizar aatuação das equipes de ESF, bem como de to<strong>dos</strong> os órgãosque prestam atendimento a essas vítimas.É fundamental o olhar atento e crítico da equipede saúde ante os problemas identifica<strong>dos</strong>, sejam elesde ordem física, <strong>sexual</strong> ou emocional, procurando suacorrelação com o relato da possível vítima, <strong>dos</strong> familiaresou pessoas de sua convivência sobre o ocorrido. Odespreparo profissional associado <strong>ao</strong> excesso de trabalhonas UBSFs se constitui em um fator agravante parapromover a disponibilidade necessária <strong>ao</strong> atendimentoe acompanhamento dessas famílias, o que provavelmentelimita ainda mais a detecção <strong>dos</strong> casos de <strong>abuso</strong><strong>sexual</strong> na comunidade, os quais se mantêm em silênciopermanente.Quanto às limitações do estudo, destaca-se a realizaçãode um número reduzido de entrevistas nas UBSFe a participação somente do profissional enfermeiro(a)destas unidades. Assim, recomenda-se que pesquisas futurassobre essa temática acompanhem as 19 UBSF existentesno município por um período maior, a fim de obterdistintas percepções acerca do conhecimento <strong>dos</strong> profissionaissobre o <strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> contra crianças e adolescentes.Da mesma forma, a participação da equipe multiprofissionaltão importante quando se trata de um fenômenoque exige a participação de to<strong>dos</strong> os envolvi<strong>dos</strong>.REFERÊNCIAS(1) Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório mundialsobre a violência e a saúde. Genebra (SWZ): OMS; 2002.(2) Instituto de Psicologia (Lacri). Pesquisando a infância ea violência doméstica no Brasil: perfil por unidade federada.2007 [acesso em: 12 março 2010]. Disponível em: http://www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/index2.htm(3) Ministério do Desenvolvimento Social e combate à Fome.Centro de Referência Especializado de Assistência Social(CREAS). CENSO 2010.(4) Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infânciae Adolescência (Abrapia). Capacitação na temática de<strong>abuso</strong> <strong>sexual</strong> e exploração <strong>sexual</strong> contra crianças e adolescentes:instrumentalizando uma prática. Rio de Janeiro: 2001.(5) Algeri S, Almoarqueg SR, Borges RSS, Quaglia MC, MarquesMF.Violência intrafamiliar contra a criança no contextohospitalar e as possibilidades de atuação do enfermeiro. Rev.HCPA. 2007; 27(2):57-60.(6) Ministério da Saúde – Secretaria de Atenção à Saúde.Violência faz mal à saúde. 1ª ed. Brasília: Ministério da Saúde;2006. Disponível: sociedadeviva@saude.gov.br(7) Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativaem Saúde. 2ª ed. Rio de Janeiro: Hucitec: Abrasco;2004.(8) Ramos MLC, Ortiz ALS. Estudo sobre a violência domésticacontra a criança em unidades básicas de saúde do municípiode São Paulo – Brasil. Saúde Soc.2011; 20(1):136-146.(9) Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde.Violência intrafamiliar: orientações para prática em serviço.Série Cadernos de Atenção Básica; n.8. Brasília: 2002a.(10) Silva PA, Lunardi VL, Silva MRS, Lunardi-filho WD. Anotificação da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentesna percepção <strong>dos</strong> profissionais de saúde. Revista CiêncCuid e Saúde. 2009; 8(1): 56-62.(11) Ministério da Saúde. Política nacional de redução damorbimortalidade por acidentes e violência. Portaria GM/MS737 de 16/05/2001.(12) Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção daSaúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.(13) Ministério da Saúde. Notificação de maus tratos contracrianças e adolescentes pelos profissionais de saúde: um passoa mais na cidadania em saúde. Brasília: Ministério da Saúde;2002b.(14) Ministério da Saúde. Portaria GM/MS 936 de 2004. Dispõesobre a estruturação da Rede Nacional de Prevenção daViolência e Promoção da Saúde e a Implantação de Núcleos54


<strong>Conhecimento</strong> <strong>dos</strong> <strong>Enfermeiros</strong> <strong>frente</strong> <strong>ao</strong> Abuso Sexualde Prevenção à Violência em Esta<strong>dos</strong> e Municípios. Brasília:MS; 2004.(15) Santos MR. Atribuições legais do enfermeiro no ProgramaSaúde da Família: dificuldades e facilidades. Bol Saúde.2003; 17(2): 37-40.55

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