11.07.2015 Views

Fernando Seffner - Simpósio Nacional de História 2007

Fernando Seffner - Simpósio Nacional de História 2007

Fernando Seffner - Simpósio Nacional de História 2007

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

3educação (e, por conseqüência, do exercício pleno da cidadania), vem causando forte impactonas estruturas escolares.Em particular, esse impacto é percebido quando da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> temas e conteúdosa serem ensinados, <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> conduta e convívio escolar a serem obe<strong>de</strong>cidos, <strong>de</strong>modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> avaliação dos conhecimentos e das atitu<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> progressão (ouretenção) do aluno em <strong>de</strong>terminada série, <strong>de</strong>ntre outros quesitos. Frente a novos públicos <strong>de</strong>alunos, seguiremos ensinando o que sempre ensinamos? Frente a novas <strong>de</strong>mandas dasocieda<strong>de</strong>, seguiremos mantendo o currículo que sempre praticamos? Que critérios <strong>de</strong>vemosadotar para proce<strong>de</strong>r a mudanças curriculares na escola? Tudo que a socieda<strong>de</strong> solicita aescola <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r? E se a escola tiver que escolher entre aten<strong>de</strong>r a uma <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> umsetor, que é contrária a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> outro setor, que critérios ela <strong>de</strong>ve lançar mão para fazeresta escolha? Estas são perguntas bastante complexas <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, não admitem respostassimples, dando margem a muita discussão.O ingresso dos tradicionalmente excluídos na escola conta, em princípio, com asimpatia dos professores e professoras, e isto se manifesta no uso dos termos “inclusão”,“escola inclusiva”, “inclusão escolar”, “avaliação inclusiva”, “dinâmicas <strong>de</strong> inclusão”,“pedagogia inclusiva”, cada vez mais freqüentes no vocabulário docente. Também no níveldos administradores <strong>de</strong> sistemas escolares essa idéia está presente, particularmente naprofusão <strong>de</strong> slogans do tipo “escola para todos” ou “educação para todos”. A idéia da inclusãoconquistou hoje uma quase unanimida<strong>de</strong> no discurso pedagógico. É praticamente impossívelescutar alguém dizer “eu não sou favorável à inclusão <strong>de</strong>ssa gente toda na escola, é aluno<strong>de</strong>mais”. Ocorre hoje com a idéia da inclusão algo parecido com o que já aconteceu com ainterdisciplinarida<strong>de</strong>. Nos últimos anos, todos são favoráveis à criação <strong>de</strong> estratégiasinterdisciplinares na escola. É difícil escutar algum professor dizer “cada um <strong>de</strong>ve ensinar e sepreocupar com a sua própria disciplina, e pronto!”.A aparente unanimida<strong>de</strong> entre os professores e administradores do ensino e oenorme consenso em torno da meta da inclusão não são suficientes para escon<strong>de</strong>r a polêmica:se por um lado todos concordam com a noção geral <strong>de</strong> que os indivíduos têm que serincluídos nos processos educativos, por outro as divergências sobre como fazer isso sãoenormes. Ao enfrentar uma discussão mais <strong>de</strong>talhada sobre a as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inclusãoefetiva e concreta <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados alunos, nos <strong>de</strong>paramos com preconceitos, manifestações


4<strong>de</strong> estigma e discriminação, contra os alunos negros, os alunos pobres, aqueles que sãoprovenientes <strong>de</strong> famílias com arranjos bem diferentes do mo<strong>de</strong>lo tradicional, aqueles com<strong>de</strong>ficiências auditivas, motoras, visuais ou cognitivas, aqueles que são portadores do vírusHIV, aqueles que <strong>de</strong>monstram uma orientação sexual diversa da heterossexual, os muitogordos, os feios e muitos outros.Falar <strong>de</strong> inclusão, enquanto tratada em nível geral, não traz problemas. Masencontramos divergências <strong>de</strong> todo tipo, quando se trata <strong>de</strong> discutir o que <strong>de</strong>ve ser feito, como<strong>de</strong>ve ser feito, quando <strong>de</strong>ve ser feito, quem está habilitado a fazer. As divergências não se dãoapenas na discussão dos caminhos e métodos para efetuar a inclusão. Há um nível maisproblemático <strong>de</strong> discussão, que diz respeito a quem “merece” ou não ser incluído.Exemplificando: quando se fala na inclusão <strong>de</strong> alunos surdos, em geral todos os professores,os administradores do sistema educacional e as comunida<strong>de</strong>s escolares são favoráveis, e adiscussão se concentra em “como” vamos fazer para incluir estes alunos nos processos <strong>de</strong>aprendizagem, que materiais necessitamos para realizar esta inclusão, que estratégias <strong>de</strong>trabalho temos que apren<strong>de</strong>r para auxiliar estes alunos, que equipamentos a escola <strong>de</strong>ve terpara fazer este trabalho, etc. Ou seja, é claramente uma discussão acerca <strong>de</strong> métodospedagógicos.Mas quando se trata <strong>de</strong> assegurar a inclusão dos que já repetiram muitas vezes àmesma série, daqueles que encontram muita dificulda<strong>de</strong> em apren<strong>de</strong>r, daqueles que nãorevelam interesse pela escola e pelo aprendizado, a discussão muda <strong>de</strong> figura, e aparecemoutras questões, em geral ligadas às concepções que os professores e professoras têm acercado que constituem as obrigações dos alunos. Para muitas professoras, a aluna que reprovoumuitas vezes por ser namora<strong>de</strong>ira é quase uma “sem vergonha”. O rapaz que só vem à escolapara jogar futebol e bagunçar é quase um marginal em certos discursos, e o melhor seria queficasse <strong>de</strong> fora da escola. Sabemos bem que são situações difíceis <strong>de</strong> serem encaminhadasa<strong>de</strong>quadamente pelas direções das escolas e pelos professores, em parte <strong>de</strong>vido as precáriascondições <strong>de</strong> funcionamento da maioria <strong>de</strong>las. Entretanto, já foi possível verificar que, nasre<strong>de</strong>s escolares on<strong>de</strong> as condições <strong>de</strong> infra-estrutura são muito boas, mesmo assim para amaioria dos professores a escola <strong>de</strong>ve acolher apenas aqueles alunos que querem estudar, eexpulsar os que não querem.


5O que fica claro é que há um pensamento <strong>de</strong> fundo que articula as noções <strong>de</strong> quemmerece ser incluído, e quem não merece. Há um código <strong>de</strong> valores que precisa ser discutido.Segundo esse código, tem gente que não merece ser incluída, e quem não merece tem que serentão excluído. Muitas vezes, analisando o discurso escolar, fica claro que apenas aqueles que<strong>de</strong> fato <strong>de</strong>sejam ser incluídos <strong>de</strong>vem ser incluídos. Dessa forma, quem "resiste" a proposta <strong>de</strong>conteúdos e competências da escola, é <strong>de</strong> imediato rotulado como alguém que não quer serincluído, e o melhor então é que fique <strong>de</strong> fora. Mas estamos tratando <strong>de</strong> crianças eadolescentes, que não tem clareza com relação à importância dos aprendizados escolares paraseu futuro, profissional e pessoal, e que não po<strong>de</strong>m ser tratados como sujeitos portadores <strong>de</strong>um plano racional para suas vidas. Por outro lado, se pararmos para pensar nos conteúdos queainda são ensinados nas escolas, na disciplina <strong>de</strong> História e em outras disciplinas, e sepensarmos num cenário futuro, certamente perceberemos muitas incongruências. Tudo issoproduz, muitas vezes, uma exclusão na inclusão, situação que vamos analisar com mais calmalogo adiante.Políticas <strong>de</strong> inclusão: <strong>de</strong>safiosRetomando o que já foi dito acima, a escola pública brasileira vive hoje o <strong>de</strong>safio<strong>de</strong> aceitar os “diferentes”, aqueles <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre ausentes do espaço escolar, ou que neleestiveram apenas por breves passagens, sendo logo excluídos. Diferenças <strong>de</strong> raça, classesocial e econômica, orientação sexual, organização familiar, pertencimento religioso,diferenças físicas em termos <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s do corpo (ca<strong>de</strong>irantes, alunos com <strong>de</strong>ficiênciasfísicas como a sur<strong>de</strong>z), diferenças <strong>de</strong> geração (alunos mais jovens e alunos mais velhosmisturados na mesma turma), e muitas outras. Mas o <strong>de</strong>safio vai além da aceitação, ocompromisso maior da escola é com a garantia das aprendizagens <strong>de</strong>sses alunos, pois escola élugar <strong>de</strong> aprendizagens, essa é a tarefa da escola e principalmente do professor, o profissionalque lá está para organizar, coor<strong>de</strong>nar e avaliar os processos <strong>de</strong> aprendizagem.A escola pública brasileira foi, e é ainda, largamente utilizada como instrumento<strong>de</strong> exclusão da cidadania plena. Numa socieda<strong>de</strong> como a brasileira, on<strong>de</strong> muito poucos estãoequilibrados no patamar superior, por cima <strong>de</strong> uma enorme massa <strong>de</strong> excluídos, é normal queos <strong>de</strong> cima queiram utilizar a escola para justificar essa situação. Infelizmente, boa parte dotrabalho pedagógico ainda tem esse viés, e isso vale em especial para os processos <strong>de</strong>avaliação e progressão dos alunos. As boas oportunida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> trabalho, são poucas


6no Brasil. É necessário encontrar uma boa justificativa para dizer aos pobres porque eles nãoconseguem ocupar certas posições. A escola colaborou ativamente com isso por décadas. Elafornecia uma espécie <strong>de</strong> “atestado” para os mais pobres <strong>de</strong> que eles não tinham mesmocondições <strong>de</strong> seguir adiante nos estudos, viviam sendo reprovados, tinham um <strong>de</strong>sempenhopéssimo no rendimento escolar, não sabiam ter comportamentos a<strong>de</strong>quados em sala <strong>de</strong> aula,não tinham bagagem cultural anterior, eram oriundos <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong>sestruturadas, não tinhamnoção <strong>de</strong> futuro profissional, não estavam inseridos em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s a<strong>de</strong>quadas, etc.Entretanto, <strong>de</strong> forma corajosa, grupos <strong>de</strong> professores e <strong>de</strong> administradores escolares vem seesforçando, ao longo <strong>de</strong> décadas, para efetivamente mostrar que a escola pública po<strong>de</strong> ser umlocal <strong>de</strong> aprendizagens e instrumento <strong>de</strong> melhoria <strong>de</strong> vida para os mais pobres, para osexcluídos em geral, como vieram a ser conhecidos nos últimos anos.Em resumo, o percurso escolar tanto po<strong>de</strong> marcar o aluno como sendo um incapaz,herança que ele vai levar para o resto da vida, e que vai ser acionada como justificativa paraexplicar porque ele não obteve sucesso; como po<strong>de</strong> o percurso escolar servir <strong>de</strong> instrumentoefetivo para melhoria <strong>de</strong> vida do aluno, assegurando possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> superação da exclusão.Não há uma garantia, a priori, <strong>de</strong> que as coisas vão se passar <strong>de</strong> acordo com um <strong>de</strong>terminadopercurso ou outro. E isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma soma variável <strong>de</strong> fatores, on<strong>de</strong> entram a família, are<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio do aluno (em termos <strong>de</strong> amigos e <strong>de</strong> serviços que ele po<strong>de</strong> acessar), as políticaseducacionais, as flutuações na auto-estima do aluno, o momento político e social que vive opaís, etc. No meio <strong>de</strong>ssa soma <strong>de</strong> fatores variáveis, o que interessa ver <strong>de</strong> perto nesse texto sãoaqueles fatores que dizem respeito mais diretamente à sala <strong>de</strong> aula <strong>de</strong> História como umespaço que garanta inclusão e aprendizados efetivos, e ao professor <strong>de</strong> História como umprofissional capaz <strong>de</strong> fazer diferença na vida dos seus alunos. Pois a escola, repito, é localfundamentalmente <strong>de</strong> aprendizagens, embora saibamos que nelas os alunos e alunas vivemmuitas outras situações, mas elas interessam sempre na ótica das aprendizagens possíveis.Uma tarefa fundamental da escola pública brasileira nesse momento é constituir-secomo um local que efetivamente possa fazer diferença na vida dos alunos provenientes <strong>de</strong>situações que acarretavam exclusão do acesso a ela. E para fazer diferença a estes alunos, quetêm <strong>de</strong>mandas tão diversas, a escola precisa se organizar para conhecer o que são estasdiferentes realida<strong>de</strong>s das quais provém os alunos, e que antes estavam ausentes do espaçoescolar. A escola pública brasileira precisa livrar-se da sina <strong>de</strong> ser um local <strong>de</strong> exclusão, o quenão é tarefa fácil, pois ela está marcada fortemente por este sinal. E não <strong>de</strong>vemos esquecer


7que há diversos grupos na socieda<strong>de</strong> que pressionam a escola ainda para que ela seja umaaliada nos processos <strong>de</strong> exclusão. Dizendo <strong>de</strong> novo, num país on<strong>de</strong> tão poucos têm acesso atantos benefícios e riquezas, é bastante plausível pensar que estes poucos, que <strong>de</strong>tém gran<strong>de</strong>influência sobre o funcionamento do aparelho estatal e particularmente da mídia, queiram tera escola como aliada no sentido <strong>de</strong> manter essa situação, engrossando o contingente dosexcluídos, e jogando a culpa da exclusão nos próprios excluídos, com o aval da escola.Antes <strong>de</strong> passar adiante na argumentação, queria me <strong>de</strong>morar um pouco mais nacompreensão das dinâmicas <strong>de</strong> exclusão na escola. O aparelho escolar se montou a partir <strong>de</strong>um sem número <strong>de</strong> pequenos procedimentos, pequenos rituais, rotinas, obrigações, códigos <strong>de</strong>direitos e <strong>de</strong>veres, construídos na ótica da exclusão e da segregação dos alunos em gruposparticulares. A idéia <strong>de</strong> que o aluno que está incomodando <strong>de</strong>ve ser expulso da sala <strong>de</strong> aula; aidéia <strong>de</strong> que o aluno que não apresenta um bom rendimento escolar tem que ser expulsodaquele grupo e colocado em outro grupo; a idéia <strong>de</strong> que o aluno que é um pouco mais velhotem que ser colocado junto com os mais velhos; a idéia que já esteve em vigência por muitosanos <strong>de</strong> que meninos estudam com meninos, e meninas estudam com meninas; a idéia <strong>de</strong> queos alunos que tem <strong>de</strong>ficiências físicas ou mentais <strong>de</strong>vem estudar junto com os outros alunosque também são portadores das mesmas <strong>de</strong>ficiências; etc. Nós professores temos quereconhecer que fomos formados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um pensamento pedagógico que nos faz olhar parauma turma <strong>de</strong> alunos, e começar a retirar <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la tudo o que em princípio “atrapalha”:aquele aluno ali que vive bagunçando podia ser expulso; aquela aluna que engravidou tomaraque saia da escola, porque senão ela já vai atrapalhar, vai exigir cuidados especiais; alunoscegos e alunos surdos nem pensar em estar na minha sala <strong>de</strong> aula, isso atrapalha <strong>de</strong>mais, comovou criar ativida<strong>de</strong>s levando isso em conta e ainda aten<strong>de</strong>r os “normais”; alunos com<strong>de</strong>ficiência mental não po<strong>de</strong>m estar junto com os <strong>de</strong>mais, serão fatalmente motivo <strong>de</strong> gozaçãoe piadas; alunos que já “<strong>de</strong>scobriram” sua sexualida<strong>de</strong> constituem um perigo junto aos queainda não <strong>de</strong>scobriram, e <strong>de</strong>vem então ser separados. E isso sem falar <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s e paíseson<strong>de</strong> negros não podiam estudar com brancos, ricos não podiam estudar com pobres, plebeuse nobres não podiam estudar juntos.Exige <strong>de</strong> cada professor uma gran<strong>de</strong> dose <strong>de</strong> força e <strong>de</strong> empenho pedagógico olharpara uma turma <strong>de</strong> alunos e alunas, com tanta gente diferente, e dizer: todos aqui po<strong>de</strong>mapren<strong>de</strong>r, e todos aqui têm algo a ensinar para os <strong>de</strong>mais. Isso é algo que está na contramão <strong>de</strong>quase tudo que se vive na socieda<strong>de</strong>, e na contramão <strong>de</strong> boa parte do pensamento pedagógico


8<strong>de</strong> senso comum mais tradicional, e especialmente está na contramão do que a mídia em geraldivulga como sendo “mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> sucesso” em matéria <strong>de</strong> se dar bem na vida, que são semprecarreiras marcadas por forte individualismo. Nos dias <strong>de</strong> hoje, uma professora tem que teruma enorme dose <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> para lidar com a inclusão escolar, pois é difícil acreditarque surdos, cegos, gueis, lésbicas, travestis, ca<strong>de</strong>irantes, <strong>de</strong>ficientes mentais, gente maisvelha, bagunceiros e comportados, umbandistas e católicos, interessados e <strong>de</strong>sinteressados,limpos e sujos, bem educados e mal educados, possam apren<strong>de</strong>r em conjunto, num clima <strong>de</strong>inclusão, aceitação, respeito e harmonia. Isso explica porque, na maior parte das vezes,quando perguntado acerca da inclusão escolar, o professor diga que é favorável, mas logo emseguida comece a enumerar os problemas <strong>de</strong> se fazer isso. Os problemas logicamente existem,mas eles não <strong>de</strong>vem constituir motivo para que se volte ao antigo sistema da exclusãosistemática dos diferentes.Em parte, o professor precisa ser “convencido” <strong>de</strong> que a inclusão é boa. No geral,para ele, ela não é boa, ela é fonte <strong>de</strong> problemas intermináveis. É necessário estudo, paciência,<strong>de</strong>bates, reflexões sobre o atual momento político e educacional brasileiro para que nósprofessores possamos perceber a riqueza da diversida<strong>de</strong> em sala <strong>de</strong> aula, sob todos osaspectos, e particularmente na questão da diversida<strong>de</strong> sexual. Se, por um lado, todosconcordam acerca da beleza do aprendizado entre os diferentes, por outro isso é muito difícil<strong>de</strong> ser conseguido, exigindo <strong>de</strong> nós gran<strong>de</strong> esforço <strong>de</strong> trabalho e uma disposição paraaceitação e superação <strong>de</strong> preconceitos que não é fácil <strong>de</strong> ser mantida. Em parte, a escolaprecisa ser modificada para funcionar segundo a ótica da inclusão. Ela necessita <strong>de</strong> maisespaço, mais equipamentos, maior número <strong>de</strong> pessoal, mais infra-estrutura, mais recursos,para planejar ativida<strong>de</strong>s que incorporem essa diversida<strong>de</strong>, e produzam aprendizagenssignificativas para todos.Ensino <strong>de</strong> história e inclusão: <strong>de</strong>safios para pensarSão inúmeras as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que o ensino <strong>de</strong> História contribua para um bomandamento e um bom resultado das políticas <strong>de</strong> inclusão escolar. Abaixo enumeramos algunsdos <strong>de</strong>safios, combinados com sugestões <strong>de</strong> trabalho em sala <strong>de</strong> aula. O <strong>de</strong>safio maior aqui étentar estabelecer o que é a inclusão pensada no nível da disciplina, da escolha <strong>de</strong> conteúdos,da elaboração da aula e do planejamento das aulas, na relação com a disciplina e com a


9avaliação. Em geral se pensam e se discutem gran<strong>de</strong>s estratégias <strong>de</strong> inclusão, e pouco se fala<strong>de</strong> como fazer isso no nível das disciplinas.a) propor o estudo <strong>de</strong> tradições culturais nas quais os alunos estejam inseridos éuma ótima maneira <strong>de</strong> contribuir para que cada um se situe melhor no mundo em que vive.Cada um <strong>de</strong> nós está simultaneamente inserido em diversas tradições culturais, por força <strong>de</strong>pertencimento étnico, racial, religioso, familiar, <strong>de</strong> local <strong>de</strong> nascimento, <strong>de</strong> local <strong>de</strong> moradia,<strong>de</strong> a<strong>de</strong>são a estilos musicais, a grupos <strong>de</strong> lazer, a re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e parentesco, etc. Dessaforma, estaremos trabalhando o "fazer-se" do aluno, sua constituição histórica e cultural. Oconhecimento que os professores possam ter acerca dos pertencimentos culturais dos alunosajuda a propor situações <strong>de</strong> aprendizagem.b) a percepção <strong>de</strong> que temos numa sala <strong>de</strong> aula alunos que pertencem a tradiçõesculturais e políticas bastante diferentes <strong>de</strong>ve ser motivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate, exercitando o diálogo, aconstrução <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> compromisso, e <strong>de</strong> afirmação <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vistaargumentados.c) a escola pública <strong>de</strong>ver ser valorizada como um espaço político público, on<strong>de</strong> seconvive com a diferença, construindo e negociando regras <strong>de</strong> relacionamento. As regras daescola são as regras do espaço público, regras <strong>de</strong>mocráticas <strong>de</strong> convívio, valorização erespeito da diferença. O espaço público é laico. Com isso não se está proibindo o estudo dasreligiões ou os <strong>de</strong>bates acerca <strong>de</strong> crenças religiosas, pois as tradições religiosas constituempatrimônio importante da cultura <strong>de</strong> qualquer povo ou nação, e no caso do Brasil isso não édiferente, e <strong>de</strong>ve ser valorizado. Apenas alertamos para um tratamento respeitoso e igualitáriodos vários pertencimentos religiosos, evitando cair no monoteísmo religioso, que em geralprivilegia o catolicismo e diminui a importância dos <strong>de</strong>mais pertencimentos religiosos.d) a inclusão escolar <strong>de</strong>ve ser pensada na ótica das aprendizagens, incluídas aquias aprendizagens na disciplina <strong>de</strong> História. A produção <strong>de</strong> conhecimento na aula <strong>de</strong> História<strong>de</strong>ve enfrentar a idéia do "aluno que não apren<strong>de</strong>", investigando quais questões históricas eculturais dizem respeito a este aluno, e <strong>de</strong>vem ser propostas a ela como oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>estudo. Devemos a todo custo evitar a “patologização” da situação <strong>de</strong> não aprendizagem, feitaem particular pela Psicologia e pela Medicina, que por vezes constroem a não aprendizagem


10como doença, <strong>de</strong>sconhecendo as relações sociais, políticas e culturais que po<strong>de</strong>m explicar o<strong>de</strong>sinteresse por <strong>de</strong>terminados temas.e) a discussão da inclusão escolar implica um “<strong>de</strong>sarrumar a casa”, tal como já<strong>de</strong>finido em vários textos. Não é possível pensar o programa <strong>de</strong> conteúdos em História comofeito <strong>de</strong> pedra, frente a novos públicos e novas <strong>de</strong>mandas. Mas também não <strong>de</strong>vemossucumbir a modismos <strong>de</strong> mudança, temos que ter critérios claros para efetuar modificações noprograma.Por fim, cabe salientar mais uma vez: não haverá educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> na escolapública sem uma preocupação verda<strong>de</strong>ira com a inclusão escolar. Mas não po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r<strong>de</strong> vista nossos limites, postos na pergunta: que tipo <strong>de</strong> inclusão a escola po<strong>de</strong> dar conta? Comisso, procuramos <strong>de</strong>finir responsabilida<strong>de</strong>s quanto às políticas <strong>de</strong> inclusão para o professor,para a escola, para o sistema <strong>de</strong> ensino, para os níveis mais altos <strong>de</strong> Estado e <strong>de</strong> governo.I<strong>de</strong>ntificamos um processo corrente na mídia e nas políticas <strong>de</strong> educação <strong>de</strong> atribuir aoprofessor a responsabilida<strong>de</strong> completa e total pela inclusão dos alunos, o que leva a elegertambém o professor como o culpado, quando as estratégias <strong>de</strong> inclusão não dão o resultadoesperado. Inclusão é parte <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> governo, é preocupação do Estado, e <strong>de</strong>ve serlevada adiante por muitos setores e atores políticos. A escola tem um papel importante, masela não po<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r dar conta <strong>de</strong> tudo.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!