11.07.2015 Views

Crônica do Viver Baiano Seiscentista - Mensagens com Amor

Crônica do Viver Baiano Seiscentista - Mensagens com Amor

Crônica do Viver Baiano Seiscentista - Mensagens com Amor

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.brUniversidade da AmazôniaCrônica <strong>do</strong> <strong>Viver</strong><strong>Baiano</strong><strong>Seiscentista</strong>-OBurgode Gregório de MatosNEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIAAv. Alcin<strong>do</strong> Cacela, 287 – UmarizalCEP: 66060-902Belém – ParáFones: (91) 210-3196 / 210-3181www.nead.unama.brE-mail: uvb@unama.br1


www.nead.unama.brCrônica <strong>do</strong> <strong>Viver</strong> <strong>Baiano</strong> <strong>Seiscentista</strong> - O Burgode Gregório de MatosI - O BURGOMeus males de quem procedem?Não é de vós? claro é isso:Que eu não faço mal a nadapor ser terra e mato arisco.Isto sois, minha Bahia,Isto passa em vosso burgoE POIS CRONISTA SOU .Se souberas falar também falarástambém satirizaras, se souberas,e se foras poeta, poetaras.Cansa<strong>do</strong> de vos pregarcultíssimas profecias,quero das culteraniashoje o hábito enforcar:de que serve arrebentar,por quem de mim não tem mágoa?Verdades direi <strong>com</strong>o água,porque to<strong>do</strong>s entendaisos ladinos, e os boçaisa Musa pragueja<strong>do</strong>ra.Entendeis-me agora?Permiti, minha formosa,que esta prosa envolta em versode um Poeta tão perversose consagre a vosso pé,pois rendi<strong>do</strong> à vossa fésou já Poeta conversoMas amo por amar, que é liberdade.DESCREVE O QUE ERA REALMENTE NAQUELE TEMPOA CIDADE DA BAHIA DE MAIS ENREDADA POR MENOS CONFUSA.A cada canto um grande conselheiro,Que nos quer governar a cabana, e vinha,Não sabem governar sua cozinha,E podem governar o mun<strong>do</strong> inteiro.2


www.nead.unama.brEm cada porta um freqüenta<strong>do</strong> olheiro,Que a vida <strong>do</strong> vizinho, e da vizinhaPesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,Para a levar à Praça, e ao Terreiro.Muitos Mulatos desavergonha<strong>do</strong>s,Trazi<strong>do</strong>s pelos pés os homens nobres,Posta nas palmas toda a picardia.Estupendas usuras nos merca<strong>do</strong>s,To<strong>do</strong>s, os que não furtam, muito pobres,E eis aqui a cidade da Bahia.À CIDADE E ALGUNS PICAROS, QUE HAVIAM NELA.Quem cá quiser viver, seja um Gatão,Infeste toda a terra, invada os mares,Seja um Chegai, ou um Gaspar Soares,E por si terá toda a Relação.Sobejar-lhe-á na mesa vinho, e pão,E siga, os que Ihe <strong>do</strong>u, por exemplares,Que a vida passará sem ter pesares,Assim <strong>com</strong>o os não tem Pedro de UnhãoQuem cá se quer meter a ser sisu<strong>do</strong>Nunca Ihe falta um Gil, que o persiga,E é mais aperrea<strong>do</strong> que um cornu<strong>do</strong>.Furte, <strong>com</strong>a, beba, e tenha amiga,Porque o nome d'EI-Rei dá para tu<strong>do</strong>A to<strong>do</strong>s, que El-Rei trazem na barriga.FlNGINDO O POETA QUE ACODE PELAS HONRAS DA CIDADE, ENTRA AFAZER JUSTIÇA EM SEUS MORADORES, SIGNALANDOLHES OS VICIOS, EMQUE ALGUNS DELES SE DEPRAVAVAMUma cidade tão nobre,uma gente tão honradaveja-se um dia louvadadesde o mais rico ao mais pobre:Cada pessoa o seu cobre,mas se o diabo me atiça,que in<strong>do</strong> a fazer-lhe justiça,algum saia a justiçar,não me poderão negar,que por direito, e por Leiesta é a justiça, que manda El-Rei.0 Fidalgo de solar3


www.nead.unama.brse dá por envergonha<strong>do</strong>de um tostão pedir presta<strong>do</strong>para o ventre sustentar:diz, que antes o que furtarpor manter a negra honra,que passar pela desonra,de que Ihe neguem talvez;mas se o virdes nas galés<strong>com</strong> honras de Vice-Rei,esta é a justiça, que manda El-Rei.A Donzela embiocadamal trajada, e mal <strong>com</strong>ida,antes quer na sua vidater saia, que ser honrada:à pública amancebadapor manter a negra honrinha,e se Iho sabe a vizinha,e Iho ouve a clereziadão <strong>com</strong> ela na enxovia,e paga a pena da lei:esta é a justiça, que manda El-Rei.A casada <strong>com</strong> a<strong>do</strong>rnoe o Mari<strong>do</strong> mal vesti<strong>do</strong>,crede, que este mal Mari<strong>do</strong>penteia monho de corno:se disser pelo contorno,que se sofre a Fr. Tomás,por manter a honra o faz,esperai pela pancada,que <strong>com</strong> carocha pintadade Angola há de ser Visrei:esta é a justiça, que manda El-Rei.Os Letra<strong>do</strong>s Peralvilhoscitan<strong>do</strong> o mesmo Doutora fazer de Réu, o Auto<strong>com</strong>em de ambos os carrilhos:se se diz pelos corrilhossua prevaricação,a desculpa, que lhe dão,é a honra de seus parentese entonces os requerentes,fogem desta infame grei:esta é a justiça, que manda El-Rei.O Clérigo julga<strong>do</strong>r,que as causas julga sem pejo,não reparan<strong>do</strong>, que eu vejo,4


www.nead.unama.brque erra a Lei, e erra o Doutor:quan<strong>do</strong> vêem de Monsenhora Sentença Revogadapor saber, que foi <strong>com</strong>pradapelo jimbo, ou pelo abraço,responde o Juiz madraço,minha honra é minha Lei:esta é a justiça, que manda El-Rei.0 Merca<strong>do</strong>r avarento,quan<strong>do</strong> a sua <strong>com</strong>pra estende,no que <strong>com</strong>pra, e no que vende,tira duzentos por cento:não é ele tão jumento,que não saiba, que em Lisboase Ihe há de dar na gamboa;mas <strong>com</strong>i<strong>do</strong> já o dinheirodiz, que a honra está primeiro,e que honra<strong>do</strong> a toda Lei:esta é a justiça, que manda El-Rei.A viúva autorizada,que não possui um vintém,porque o Mari<strong>do</strong> de bemdeixou a casa empenhada:ali vai a fradalhada,qual formiga em correição,dizen<strong>do</strong>, que à casa vãomanter honra da casa,se a virdes arder em brasa,que ardeu a honra entendei:esta é a justiça, que manda EL-Rei.0 Adônis da manhã,o Cupi<strong>do</strong> em to<strong>do</strong> o dia,que anda corren<strong>do</strong> a Coxia<strong>com</strong> recadinhos da Irmã:e se Ihe cortam a lã,diz, que anda naquele andarpor a honra conservarbem trata<strong>do</strong>, e bem vesti<strong>do</strong>,eu o verei tão despi<strong>do</strong>,que até as costas Ihe verei:esta é a justiça, que manda El-Rei.Se virdes um Dom Abadesobre o púlpito cioso,não Ihe chameis Religioso,chamai-lhe embora de Frade:e se o tal Paternidade5


www.nead.unama.brrouba as rendas <strong>do</strong> Conventopara acudir ao sustentoda puta, <strong>com</strong>o da peita,<strong>com</strong> que livra da suspeita<strong>do</strong> Geral, <strong>do</strong> Viso-Rei:esta é a justiça, que manda El-Rei.DEFINE A SUA CIDADEMOTEDe <strong>do</strong>us ff se <strong>com</strong>põeesta cidade a meu verum furtar, outro foder.Recopilou-se o direito,e quem o recopilou<strong>com</strong> <strong>do</strong>us ff o explicoupor estar feito, e bem feito:por bem Digesto, e Colheitosó <strong>com</strong> <strong>do</strong>us ff o expõe,e assim quem os olhos põeno trato, que aqui se encerra,há de dizer, que esta terraDe <strong>do</strong>us ff se <strong>com</strong>põe.Se de <strong>do</strong>us ff <strong>com</strong>postaestá a nossa Bahia,errada a ortografiaa grande dano está posta:eu quero fazer aposta,e quero um tostão perder,que isso a há de preverter,se o furtar e o foder bemnão são os ff que temEsta cidade a meu ver.Provo a conjetura jáprontamente <strong>com</strong>o um brinco:Bahia tem letras cincoque são B-A-H-I-A:logo ninguém me diráque <strong>do</strong>us ff chega a ter,pois nenhum contém sequer,salvo se em boa verdadesão os ff da cidadeum furtar, outro foder.6


www.nead.unama.brQUEICHA-SE A BAHIA POR SEU BASTANTE PROCURADOR,CONFESSANDO, QUE AS CULPAS, QUE LHE INCREPAM, NÃO SÃO SUAS,MAS SIM DOS VICIOSOS MORADORES, QUE EM Sl ALVERGA.Já que me põem a tormentomurmura<strong>do</strong>res nocivos,carregan<strong>do</strong> sobre mimsuas culpas, e delitos:Por crédito de meu nome,e não por temer castigoconfessar quero os peca<strong>do</strong>s,que faço, e que patrocino.E se alguém tiver a maldescobrir este sigilo,não me infame, que eu sereipedra em poço, ou seixo em rio.Sabei, céu, sabei, estrelas,escutai, flores, e lírios,montes, serras, peixes, avesluz, sol, mortos, e vivos:Que não há, nem pode haverdesde o Sul ao Norte friocidade <strong>com</strong> mais maldades,nem província <strong>com</strong> mais vícios:Do que sou eu, porque em mimrecopila<strong>do</strong>s, e uni<strong>do</strong>sestão juntos, quantos têmmun<strong>do</strong>s, e reinos distintos.Tenho Turcos, tenho Persashomens de nação ImpiosMagores, Armênios, Gregos,infiéis, e outros gentiosTenho ousa<strong>do</strong>s Mermidônios,tenho Judeus, tenho Assírios,e de quantas castas há,muito tenho, e muito abrigo.E se não digam aquelespreza<strong>do</strong>s de vingativos,que santidade têm mais,que um Turco, e um Moabito?Digam Idólatras falsos,que estou ven<strong>do</strong> de contino,a<strong>do</strong>rarem ao dinheiro,gula, ambição, e amoricos.Quantos <strong>com</strong> capa cristãprofessam o judaísmo,mostran<strong>do</strong> hipocritamentedevoção à Lei de Cristo!7


www.nead.unama.brQuantos <strong>com</strong> pele de ovelhasão lobos enfureci<strong>do</strong>s,ladrões, falsos, e aleivosos,embusteiros, e assassinos!Estes por seu mau viversempre péssimo, e nocivosão, os que me acusam de danos,e põem labéus inauditos.Mas o que mais me atormenta,é ver, que os contemplativos,saben<strong>do</strong> a minha inocência,dão a seu mentir ouvi<strong>do</strong>s.Até os mesmos culpa<strong>do</strong>stêm toma<strong>do</strong> por capricho,para mais me difamarem,porem pela praça escritos.Onde escrevem sem vergonhanão só brancos, mas mestiços,que para os bons sou inferno,e para os maus paraíso.Ó velhacos insolentes,ingratos, mal procedi<strong>do</strong>s,se eu sou essa, que dizeis,porque não largais meu sítio?Por que habitais em tal terra,poden<strong>do</strong> em melhor abrigo?eu pego em vós? eu vos rogo?respondei! dizei, malditos!Mandei acaso chamar-vosou por carta, ou por aviso?não viestes para aquipor vosso livre alvedrio?A to<strong>do</strong>s não dei entrada,tratan<strong>do</strong>-vos <strong>com</strong>o a filhos?que razão tendes agorade difamar-me atrevi<strong>do</strong>s?Meus males, de quem procedem?não é de vós? claro é isso:que eu não faço mal a nadapor ser terra, e mato arisco.Se me lançais má semente,<strong>com</strong>o quereis fruito limpo?lançai-a boa, e vereis,se vos <strong>do</strong>u cachos opimos.Eu me lembro, que algum tempo(isto foi no meu princípio)a semente, que me davam,era boa, e de bom trigo.Por cuja causa meus campos8


www.nead.unama.brproduziam pomos lin<strong>do</strong>s,de que ainda se conservamalguns remotos indícios.Mas depois que vós viestescarrega<strong>do</strong>s <strong>com</strong>o ouriçosde sementes invejosas,e legumes de maus vícios:Logo declinei convosco,e tal volta tenho ti<strong>do</strong>,que, o que produzia rosas,hoje só produz espinhos.Mas para que se conheçase falo verdade, ou minto,e quanto os vossos enganostêm difama<strong>do</strong> o meu brio:confessar quero de plano,o que encubro por servir-vose saiba, quem me moteja,os prêmios, que ganho nisso.Já que fui tão pouco atenta,que a luz da razão, e o sisonão só quis cegar por gosto,mas ser <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ludíbrio.Vós me ensinastes a serdas inconstâncias arquivo,pois nem as pedras, que gero,guardam fé aos edifícios.Por vosso respeito deicampo franco, e grande auxíliopara que se quebrantassemos mandamentos divinos.Cada um por suas obrasconhecerá, que meu xingo,sem andar excogitan<strong>do</strong>,para quem se aponta o tiro.PRECEITO 1Que de quilombos que tenho<strong>com</strong> mestres superlativos,nos quais se ensinam de noiteos calundus, e feitiços.Com devoção os freqüentammil sujeitos femininos,e também muitos barba<strong>do</strong>s,que se presam de narcisos.Ventura dizem, que buscam;não se viu maior delírio!9


www.nead.unama.breu, que os ouço, vejo, e calopor não poder diverti-los.O que sei, é, que em tais dançasSatanás anda meti<strong>do</strong>,e que só tal padre-mestrepode ensinar tais delírios.Não há mulher desprezada,galã desfavoreci<strong>do</strong>,que deixe de ir ao quilombodançar o seu bocadinho.E gastam pelas patacas<strong>com</strong> os mestres <strong>do</strong> cachimbo,que são to<strong>do</strong>s jubila<strong>do</strong>sem depenar tais patinhos.E quan<strong>do</strong> vão confessar-se,encobrem aos Padres isto,porque o têm por passatempo,por costume, ou por estilo.Em cumprir as penitênciasrebeldes são, e remissos,e muito pior se as taissão de jejuns, e cilícios.A muitos ouço gemer<strong>com</strong> pesar muito excessivo,não pelo horror <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>,mas sim por não consegui-lo.PRECEITO 2No que toca aos juramentos,de mim para mim me admiropor ver a facilidade,<strong>com</strong> que os vão dar juízo.Ou porque ganham dinheiro,por vingança, ou pelo amigo,e sempre juram conformes,sem discreparem <strong>do</strong> artigo.Dizem, que falam verdade,mas eu pelo que imagino,nenhum, creio, que a conhece,nem sabe seus aforismos.Até nos confessionáriosse justificam mentin<strong>do</strong><strong>com</strong> pretextos enganosos,e <strong>com</strong> rodeios fingi<strong>do</strong>sTambém aqueles, a quemdão cargos, e dão ofícios,suponho, que juram falsopor conseqüências, que hei visto.10


www.nead.unama.brPrometem guardar direito,mas nenhum segue este fio,e por seus rodeios tortossão confusos labirintos.Honras, vidas, e fazendasvejo perder de contino,por terem <strong>com</strong>o em viveiroestes falsários meti<strong>do</strong>s.PRECEITO 3Pois no que toca a guardardias Santos, e Domingos:ninguém vejo em mim, que os guarde,se tem, em que ganhar jimbo.Nem aos míseros escravosdão tais dias de vazio,porque nas leis <strong>do</strong> interesse,é preceito proibi<strong>do</strong>.Quem os vê ir para o templo<strong>com</strong> as contas e os livrinhosde devoção, julgará,que vão p'ra ver a Deus Trino:Porém tu<strong>do</strong> é mero engano,porque se alguns escolhi<strong>do</strong>souvem missa, é perturba<strong>do</strong>sdesses, que vão por ser vistos.E para que não pareça,aos que escutam, o que digo,que há mentira, no que falo<strong>com</strong> a verdade me explico:Entra um destes pela Igreja,sabe Deus <strong>com</strong> que senti<strong>do</strong>,e faz um sinal-da-cruzcontrário ao <strong>do</strong> catecismo.Logo se põe de joelhos,não <strong>com</strong>o servo rendi<strong>do</strong>,mas em forma de besteirocum pé no chão, outro ergui<strong>do</strong>.Para os altares não olha,nem para os Santos no nicho,mas para quantas pessoasvão entran<strong>do</strong>, e vão sain<strong>do</strong>.Gastam nisto o mais <strong>do</strong> tempo,e o que resta diverti<strong>do</strong>sse põem em conversação,<strong>com</strong> os que estão mais propínquosNão contam vidas de Santos,11


www.nead.unama.brnem exemplos ao divino,mas sim muita patarata,<strong>do</strong> que não há, nem tem si<strong>do</strong>.Pois se há sermão, nunca o ouvem,porque ou se põem de improvisoa cochilar <strong>com</strong>o negros,ou se vão escapulin<strong>do</strong>.As tardes passam nos jogos,ou no campo diverti<strong>do</strong>sdan<strong>do</strong> Leis, e dan<strong>do</strong> arbítrios.As mulheres são piores,porque se lhes faltam brincosmanga a volá, broche, troço,ou saia de labirintos,não querem ir para a Igreja,seja o dia mais festivo,mas em ten<strong>do</strong> essas alfaias,saltam mais <strong>do</strong> que cabritos.E se no Carmo repica,ei-las lá vão rebolin<strong>do</strong>,o mesmo para São Bento,Colégio, ou São Francisco.Quem as vir muito devotas,julgará sincero, e liso,que vão na missa, e sermãoa louvar a Deus <strong>com</strong> hinos.Não quero dizer, que vão,por dizer mal <strong>do</strong> Mari<strong>do</strong>s,aos amantes, ou talvezcair em erros indignos.Debaixo <strong>do</strong> parentesco,que fingem pelo apeli<strong>do</strong>,mandan<strong>do</strong>-lhes <strong>com</strong> dinheiromuitos, e custosos mimos.PRECEITO 4Vejo, que morrem de fomeos Pais daquelas, e os Tios,ou porque os vêem Lavra<strong>do</strong>res,ou porque tratam de ofícios.Pois que direi <strong>do</strong>s respeitos,<strong>com</strong> que os tais meus mancebinhostratam esses Pais depoisque deixam de ser meninos?Digam-no quantos o vêem,que eu não quero repeti-lo,a seu tempo direi <strong>com</strong>o12


www.nead.unama.brcriam estes morgadinhos.Se algum em seu testamentocerra<strong>do</strong>, ou nuncupativoa algum parente encarregasua alma, ou lega<strong>do</strong>s pios:Trata logo de enterrá-lo<strong>com</strong> demonstrações de amigo,mas passan<strong>do</strong> o Resquiescattu<strong>do</strong> se mate no olvi<strong>do</strong>.Da fazenda tomam posseaté <strong>do</strong> menor caquinho;mas para cumprir as deixasa<strong>do</strong>ecem de fastio.E desta omissão não fazemescrúpulo pequenino,nem se Ihes dá, que o defuntoarda, ou pene em fogo ativo.E quan<strong>do</strong> chega a apertá-loso tribunal <strong>do</strong>s resíduos,ou mostram quitações falsas,ou movem pleitos renhi<strong>do</strong>s.Conta<strong>do</strong>s são, os que dãoa seus escravos ensino,e muitos nem de <strong>com</strong>er,sem Ihes per<strong>do</strong>ar serviço.Oh quantos, e quantos háde bigode fernandino,que até de noite às escravaspedem selários indignos,Pois no mo<strong>do</strong> de criaraos filhos parecem símios,causa por que os não respeitam,depois que se vêem cresci<strong>do</strong>s.Criam-nos <strong>com</strong> liberdadenos jogos, <strong>com</strong>o nos vício,persuadin<strong>do</strong>-lhes, que saibamtanger guitarra, e machinho.As Mães por sua imprudênciasão das filhas desperdício,por não haver refestela,onde as não levem consigo.E <strong>com</strong>o os meus ares sãomuito coa<strong>do</strong>s, e finos,se não há grande recato,têm as <strong>do</strong>nzelas perigo.Ou as quebranta de amoreso ar de algum recadinho,ou pelo frio da barrasaem co ventre cresci<strong>do</strong>.13


www.nead.unama.brEntão ven<strong>do</strong>-se opiladas,se não é <strong>do</strong> santo vínculo,para livrarem <strong>do</strong> achaque,buscam certos abortinhos.Cada dia o estou ven<strong>do</strong>,e <strong>com</strong> ser isto sabi<strong>do</strong>,contadas são, as que deixamde amar estes precipícios.Com o de<strong>do</strong> a todas mostro,quanto indica o vaticínio,e se não querem guardá-lo,não culpam meu <strong>do</strong>micílio.PRECEITO 5Vamos ao quinto preceito,Santo Antônio vá <strong>com</strong>igo,e me depare algum meio,para livrar <strong>do</strong> seu risco.Porque suposto que sejamquietos, mansos, benignos,quantos pisam meus oiteiros,montes, vales, e sombrios;Pode suceder, que estejaalgum áspide escondi<strong>do</strong>entre as flores, <strong>com</strong>o dizaquele provérbio antigo.Faltar não quero à verdadenem dar ao mentir ouvi<strong>do</strong>s,o de César dê-se a César,o de Deus a Jesus Cristo.Não tenho brigas, nem mortespendências, nem arruí<strong>do</strong>s,tu<strong>do</strong> é paz, tranqüilidade,cortejo <strong>com</strong> regozijo:Era <strong>do</strong>urada parece,mas não é <strong>com</strong>o eu a pintoporque debaixo deste ourotem as fezes escondi<strong>do</strong>.Que importa não dar aos corposgolpes, catanadas, tiros,e que só sirvam de ornatoespada, e cotós limpos?Que importa, que não se enforquemos ladrões, e os assassinos,os falsários, maldizentes,e outros a este tonilho?Se debaixo desta paz,14


www.nead.unama.brdeste amor falso, e fingi<strong>do</strong>há fezes tão venenosas,que o ouro é chumbo mofinoÉ o amor um mortal ódio,sen<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o incentivoa cobiça <strong>do</strong> dinheiro,ou a inveja <strong>do</strong>s ofícios.To<strong>do</strong>s pecam no desejode querer ver seus patríciosou da pobreza arrasta<strong>do</strong>s,ou <strong>do</strong> crédito abati<strong>do</strong>s.E sem outra cousa maisse dão a destro, e sinistropela honra, e pela famagolpes cruéis, e infinitos.Nem ao sagra<strong>do</strong> per<strong>do</strong>am,seja Rei, ou seja Bispo,ou Sacer<strong>do</strong>te, ou Donzelametida no seu retiro.A to<strong>do</strong>s enfim dão golpesde enre<strong>do</strong>s, e mexericostão cruéis, e tão nefan<strong>do</strong>s,que os despedaçam em cisco.Pelas mãos nada; porquenão sabem obrar no quinto;mas pelas línguas não háleões mais enfureci<strong>do</strong>s.E destes valentes fracosnasce to<strong>do</strong> o meu martírio;digam to<strong>do</strong>s, os que me ouvem,se falo a verdade, ou minto.PRECEITO 6Entremos pelos devotos<strong>do</strong> nefan<strong>do</strong> Deus Cupi<strong>do</strong>,que também esta sementenão deixa lugar vazio.Não posso dizer, quais sãopor seu número infinito,mas só digo, que são mais<strong>do</strong> que as formigas, que crio.Seja solteiro, ou casa<strong>do</strong>,é questão, é já sabi<strong>do</strong>não estar sem ter borrachaseja <strong>do</strong> bom, ou mau vinho.Em chegan<strong>do</strong> a embebedar-sede sorte perde os senti<strong>do</strong>s.15


www.nead.unama.brque deixa a mulher em couros,e traz os filhos famintos:Mas a sua concubinahá de andar <strong>com</strong>o um palmito,para cujo efeito empenhamas botas <strong>com</strong> seus atilhos.Elas por não se ocuparem<strong>com</strong> costuras, nem <strong>com</strong> bilros,antes de chegar aos <strong>do</strong>zevendem o signo de Virgo.Ouço dizer vulgarmente(não sei, é certo este dito)que fazem pouco reparoem ser caro, ou baratinho.O que sei é, que em magotesde duas, três, quatro, cincoas vejo todas as noitessair de seus esconderijosE <strong>com</strong>o há tal abundânciadesta fruta no meu sítio,para ver se há, quem as <strong>com</strong>pre,dão pelas ruas mil giros.E é para sentir, o quantose dá Deus por ofendi<strong>do</strong>não só por este peca<strong>do</strong>,mas pelos seus conjuntivos:<strong>com</strong>o são cantigas torpes,bailes, e toques lascivos,venturas, e ferve<strong>do</strong>uros,pau de forca, e pucarinhos.Quero entregar ao silênciooutros excessos malditos,<strong>com</strong>o <strong>do</strong> Pai carumbá,Ambrósio, e outros pretinhos.Com os quais estas formosasvão fazer infames brincosgoverna<strong>do</strong>s por aqueles,que as trazem num cabrestinho.PRECEITO 7Já pelo sétimo entran<strong>do</strong>sem alterar o tonilho,digo, que quantos o tocamsempre o tiveram por críticoEu sou, a que mais padeçode seus efeitos malignos,16


www.nead.unama.brporque to<strong>do</strong>s meus des<strong>do</strong>urospelo sétimo têm vin<strong>do</strong>.Não falo (<strong>com</strong>o lá dizem)ao ar, ou libere dicto,pois diz o mun<strong>do</strong> loquaz,que encubro mil latrocíniosSe é verdade, eu o não sei,pois acho implicância nistoporque o furtar tem <strong>do</strong>us verbosum furor, outro surrípio.Eu não vejo cortar bolsas,nem sair pelos caminhos,<strong>com</strong>o fazem nas mais partessalvo alguns negros fugi<strong>do</strong>s.Vejo, que a forca, ou picotapaga os altos <strong>do</strong> vazio,e que o carrasco não ganhanem <strong>do</strong>us réis para <strong>com</strong>inhosVejo, que nos tribunaishá vigilantes Ministros,e se houvera em mim tal genteandara à soga em contino.Porém se disto não há,<strong>com</strong> que razão, ou motivodizem por aí, que souum covil de Latrocínios!Será por verem, que em mimé venera<strong>do</strong>, e queri<strong>do</strong>Santo Unhate, irmão de Caco,porque faz muitos prodígios.Sem questão deve de ser,porque este Unhate malditofaz uns milagres, que eu mesmanão sei, <strong>com</strong>o tenho tino.Pode haver maior milagre(ouça bem quem tem ouvi<strong>do</strong>s)<strong>do</strong> que chegar um Reinolde Lisboa, ou lá <strong>do</strong> Minhoou degreda<strong>do</strong> por crimesou por Moço ao Pai fugi<strong>do</strong>,ou por não ter que <strong>com</strong>erno Lugar, onde é nasci<strong>do</strong>:E saltan<strong>do</strong> no meu caisdescalço, roto, e despi<strong>do</strong>,sem trazer mais cabedal,que piolhos, e assobios:Apenas se ofrece a Unhatede guardar seu <strong>com</strong>promisso,toman<strong>do</strong> <strong>com</strong> devoção17


www.nead.unama.brsua regra, e seu bentinho:Quan<strong>do</strong> umas casas alugade preço, e valor subi<strong>do</strong>,e se põe em tempo breve<strong>com</strong> dinheiro, e <strong>com</strong> navios?Pode haver maior portento,nem milagre encareci<strong>do</strong>,<strong>com</strong>o de ver um Mazombodestes cá <strong>do</strong> meu pavio,que sem ter eira, nem beiraengenho, ou juro sabi<strong>do</strong>tem amiga, e joga largoveste sedas, põe polvilhos?Donde Ihe vem isto tu<strong>do</strong>?Cai <strong>do</strong> Céu? Tal não afirmo;ou Santo Unhate Iho dá,ou <strong>do</strong> Calvário é prodígio.Consultam agora os sábios,que de mim fazem corrilhosse estou ilesa da culpa,que me dão sobre este artigo.Mas não quero repetira <strong>do</strong>r e o pesar, que sintopor dar mais um passo avantepara o oitavo suplício.PRECEITO 8As culpas, que me dão nele,são, que em tu<strong>do</strong> o que digo,me aparto <strong>do</strong> verdadeiro<strong>com</strong> ânimo fementi<strong>do</strong>Muito mais é, <strong>do</strong> que falo,mas é grande barbarismo,quererem, que pague a albarda,o que <strong>com</strong>ete o burrinho.Se por minha desventuraestou cheia de percitos,<strong>com</strong>o querem, que haja em mimfé, verdade, ou falar liso?Se <strong>com</strong>o atrás declarei,se oudera cobro nisto,a verdade apareceracruzan<strong>do</strong> os braços <strong>com</strong>igo.Mas <strong>com</strong>o <strong>do</strong>s tribunaisproveito nenhum se há visto,a mentira está na terra,a verdade vai fugin<strong>do</strong>.18


www.nead.unama.brO certo é, que os mais delestêm por gala, e por caprichonão abrir a boca nuncasem mentir de fito a fito.Deixar quero os pataratas,e tornan<strong>do</strong> a meu caminho,quem quiser mentir o faça,que me não toca impedi-lo.PRECEITO 9Do nono não digo nada,porque para mim é vidro,e quem o quiser tocar,vá <strong>com</strong> o olho sobreaviso.Eu bem sei, que também trazemo meu crédito perdi<strong>do</strong>,mas valha sem sê-lo ex causa,ou Ihos ponham seus mari<strong>do</strong>s.Confesso, que tenho culpas,porém humilde confio,mais que em riquezas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,da virtude num raminho.PRECEITO 10Graças a Deus que chegueia coroar meus delitos<strong>com</strong> o décimo preceito,no qual tenho delinqüi<strong>do</strong>.Desejo, que to<strong>do</strong>s amem,seja pobre, ou seja rico,e se contentem <strong>com</strong> a sorte,que têm, e estão possuin<strong>do</strong>.Quero finalmente, queto<strong>do</strong>s, quantos têm ouvi<strong>do</strong>,pelas obras, que fizerem,vão para o Céu direitinhos.QUEIXAS DA SUA MESMA VERDADE.Quer-me mal esta cidade...................................pela verdade,Não há, quem me fale, ou veja..........................de inveja,E se alguém me mostra amor............................é temor.De maneira, meu Senhor,que me hão de levar a palmameus três inimigos d'alma19


www.nead.unama.brVerdade, Inveja, e Temor.Oh quem soubera as mentiras.............................<strong>do</strong> Milimbiras,Fora aqui senhor <strong>do</strong> bolo.................................. <strong>com</strong>o tolo,E feito tolo, e velhaco........................................fora um caco.Meteria assim no sacoServin<strong>do</strong>, andan<strong>do</strong> e corren<strong>do</strong>as ligas, que vão fazen<strong>do</strong>Milimbiras, Tolo, e Caco.Tirara cinzas tiranas............................................das bananas,Outro se os meus dez réis...................................de pastéis,E porque isento não fosse...................................até <strong>do</strong> <strong>do</strong>ce.Teria assim, <strong>com</strong> que almoceo meu amancebamento,pois lhe basta por sustentoBananas, Pastéis, e Doce.Prendas, que a empenhar obrigo..........................pelo amigo,Dobrar-lhe eu o valor..........................................e primor,Cobran<strong>do</strong> em <strong>do</strong>us bodegões...............................os tostões.E seus <strong>do</strong>nos asneirões ao desfazer da moedaperdem da mesma assentadaAmigo, Primor, Tostões.Ao jimbo, que se lhe conta........................................boa conta,E já por amigo vejo...................................................sem ter pejo,Pois lhe tira de corrida..............................................a medida.Mas verdadeira, ou mentidaa conta ajustada vem,sen<strong>do</strong> um homen, que não tem,Conta, Pejo, nem Medida.Dever-me-ão camaradas..........................................mil passadas,E o triste <strong>do</strong> <strong>com</strong>panheiro.......................................o dinheiro,E à conta das minhas brasas.....................................as casas.Assim lhe empatara as vazas,pois o mesmo, que eu devia,por força me deveriaPassadas, Dinheiro, e Casas.TORNA A DEFINIR O POETA OS MAOS MODOS DE OBRARNA GOVERNANÇA DA BAHIA, PRINCIPALMENTE NAQUELAUNIVERSAL FOME, QUE PADECIA A CIDADE.Que falta nesta cidade?.....................................VerdadeQue mais por sua desonra.................................HonraFalta mais que se lhe ponha...............................Vergonha.O demo a viver se exponha,por mais que a fama a exalta,numa cidade, onde faltaVerdade, Honra, Vergonha.Quem a pôs neste socrócio?...............................NegócioQuem causa tal perdição?...................................Ambição20


www.nead.unama.brE o maior desta loucura?....................................Usura.Notável desventurade um povo néscio, e sandeu,que não sabe, que o perdeuNegócio, Ambição, Usura.Quais são os seus <strong>do</strong>ces objetos?......................PretosTem outros bens mais maciços?..................................MestiçosQuais destes lhe são mais gratos? ........................Mulatos.Dou ao demo os insensatos,<strong>do</strong>u ao demo a gente asnal,que estima por cabedalPretos, Mestiços, Mulatos.Quem faz os círios mesquinhos?.............................MeirinhosQuem faz as farinhas tardas?..................................GuardasQuem as tem nos aposentos?..................................Sargentos.Os círios lá vêm aos centos,e a terra fica esfaiman<strong>do</strong>,porque os vão atravessan<strong>do</strong>Meirinhos, Guardas, Sargentos,E que justiça a resguarda? ....................................BastardaÉ grátis distribuída?..............................................VendidaQuem tem, que a to<strong>do</strong>s assusta?............................Injusta.Valha-nos Deus, o que custa,o que EL-Rei nos dá de graça,que anda a justiça na praçaBastarda, Vendida, Injusta.Que vai pela clerezia?..............................................SimoniaE pelo membros da Igreja?.......................................InvejaCuidei, que mais se lhe punha?..................................Unha.Sazonada caramunha!enfim que na Santa Séo que se pratica, éSimonia, Inveja, Unha.E nos Frades há manqueiras?...................................FreirasEm que ocupam os serões?......................................SermõesNão se ocupam em disputas?....................................Putas.Com palavras dissolutasme concluís na verdade,que as lidas todas de um Fradesão Freiras, Sermões, e Putas.O açúcar já se acabou?.............................................BaixouE o dinheiro se extinguiu?........................................SubiuLogo já convalesceu?................................................Morreu.À Bahia aconteceuo que a um <strong>do</strong>ente acontece,cai na cama, o mal lhe cresce,Baixou, Subiu, e Morreu.A Câmara não acode?.............................................Não podePois não tem to<strong>do</strong> o poder?....................................Não querÉ que o governo convence?...................................Não vence.21


www.nead.unama.brQuem haverá que tal pense,que uma Câmara tão nobrepor ver-se mísera, e pobreNão pode, não quer, não vence.FIM22

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!