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aá inada educaçãoPROMOÇÃO de LANÇAMENTOválido em 2009Assinar a a página da educação é cómodo, económico e seguroAo assinar a página da educação em vez dos 4 euros, pague apenas por número2,50 euros na assinatura por DOIS anos3,00 euros na assinatura por UM anoEsta é uma forma cómoda, económica e segurade receber em casa a suae de fazer parte do colectivo deAssinatura Preço por número Números por assinatura Valor a pagar por assinatura1 Ano 3,00 euros 4 números 12 euros2 Anos 2,50 euros 8 números 20 eurosRecebe 4 paga 3Recebe 8 paga 5Contactos para assinaturas:Telefone:226 002 790Correio electrónico:assinaturas@apagina.ptAssinarPensar ensino e educação,reinventar o sistema educativoO futuro é a ora!


FICHA técnicasumárioEDITORA/PROPRIETÁRIA: Profedições, Lda.Contribuinte n.º 502675837 | Capital Social:5000 euros | Registo na Conservatória Comercialdo Porto: 49561.CONSELHO DE GERÊNCIA: José PauloSerralheiro – João Baldaia – Abel MacedoCOMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTI-DADE PROPRIETÁRIA: Abel Macedo 5%;João Baldaia 5%; SPN 90%.SEDE: Rua Dom Manuel II, 51 C – 2.º andar, sala25, 4050-345 PORTO (Portugal) – Telefone:226002790 – Fax: 226070531 – correio electrónico:redaccao@apágina.pt – Assinaturas: assinaturas@apágina.pt– Livros: livros@profedicoes.ptaáginada educaçãoEM foco – balanço possível dequatro anos de legislaturaA PÁGINA foi ouvir professores,pais, alunos e cidadãos sobre aactuação da ministra da Educação.O balanço possível numa conjunturade mudança política.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 6publicamente que o governo a que pertence nãocuida de uma das riquezas principais do país: alíngua portuguesa.José Catarino Soares . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 20DA CIÊNCIA e da vidaCiência na Rússia dos czaresMarx ter-se-ia enganado ao afirmar que arevolução socialista era só para os maisdesenvolvidos.Francisco Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 22DIRECTOR E EDITOR: José Paulo Serralheiro| REDACÇÃO: Ricardo Jorge Costa | SECRE-TARIADO DA REDACÇÃO E ADMI -NISTRAÇÃO: Sílvia Enes e Lúcia Manadelo |FOTOGRAFIA: Teresa Couto, Inês Andrade,Teresa Lamas Viana (ilustração) | PRODUÇÃOGRÁFICA: MULTIPONTO Rafael, Valente &Mota, S.A.| EMBALAGEM: Notícias Direct,Maia. | Registo ERC n.º 116075 | Depósito legaln.º 51935/91 | ISSN 1647-3248EDIÇÃO IMPRESSA: Trimestral especializada.Publica-se no 1.º dia de cada estação do ano.EDIÇÃO DIGITAL: Diária: http://www.apágina.ptPreço de capa: 4 euros | Assinaturas e publicidade:telefone 226002790, Fax 226070531, correioelectrónico assinaturas@apágina.pt contacto:Sílvia EnesTiragem deste número 19.000Associação Portuguesa de Imprensa, APIAgência France Press, AFPCumprindo o seu Estatuto Editorial, este jornalrespeita, e publica, as variantes do português, dogalego e do castelhano. São traduzidos paraportuguês os textos produzidos noutras línguas.Assine a Página da educaçãoContacte já 226002790 ouassinaturas@apágina.ptCom descontos de lançamento1 ano: 12 euros | 2 anos 20 eurosGRANDE entrevistaRui Canário considera que“Ministério da Educação mostroutotal inabilidade política para lidarcom os professores” ao longo dosúltimos quatro anos.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 10À LUpaUma educação para a solidariedadeOs frutos colhidos pela escola são, em si mesmo,também um estado de espírito de pessoas quese assumem livres e felizes.Luís Miguel Brandão Vendeirinho . . . . . . pág. 16RECONfiguraçõesA tela substitui o quadro negroNão virá longe o dia em que a tela substitua nasescolas o quadro negro.Maria Fátima Nunes . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 18TEXTOS bissextosSem políticaÉ invulgar ouvir um governante declararIMAGENS das escolasO sorriso dos professoresSebastião Salgado publicou, com palavras deCristovam Buarque, um álbum de fotografiaschamado o “O berço da desigualdade”.Nilda Alves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 24EM foco – Autonomia e gestãodas escolasNovo modelo é autoritário,centralizador e limitador daautonomiaO novo regime de autonomia egestão já está em fase deimplementação. Sindicatos eespecialistas são unânimes emconsiderar que ele representaum retrocesso no fun cio -namento democrático dasescolas.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 26


SUMárioLINGUAGENS desenhadasOficina de desenho: uma experiência deliberdade criativaA arte mais importante do professor é saberdespertar nos alunos a alegria de criar econhecer.André Brown . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 40FORMAÇÃO e desempenhoA interculturalidade em contexto de estágioO alargamento da formação para 5 anos desafiaa exigência e amplia as condições para arealização de formações reflexivamentefundamentadas.Carlos Cardoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 42PEDAGOGIA SocialEntre o rigor e o desvioA investigação tornou-se uma prioridade aomesmo tempo que foi adquirindo uma maiorvisibilidade e compreensão. .Adalberto Dias de Carvalho . . . . . . . . . . pág. 44Los olvidadosOs poderes públicos reconhecem que a exclusãoé um atentado à dignidade humana. É urgente aacção neste domínio.José Antonio Caride Goméz . . . . . . . . . . . pág. 46[TRANS]formaçõesA metamorfose de um líderA liderança é uma arte e uma circunstância. “Umlíder não nasce, faz-se”, é uma expressão glosadapor muitos autores e quase um lugar-comum.José Manuel Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 48AFINAL onde está a escola?A memória como léxico dos temposLibertar as crianças da infância implica trabalharconceptualmente com uma percepção que nãoinferiorize as suas lógicas e em perceber os seustrajectos de vida.Carmen Lúcia Vidal PérezLuciana Pires Alves . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 50ENTREVISTAEnsino Superior I“A classe docente no ensinosuperior não se tem pautado porum espírito de unidade de classe”,diz Manuel Carlos Silva,coordenador do Departamentode Ensino Superior do SPN.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 52IMPASSES e desafiosA fortuna é de quem a agarrar!À agenda global hegemónica no campo daeducação deverá contrapor-se uma outraassente na palavra-chave da coesão social..António Teodoro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 56Género no es solo un tema de mujeresQuestionar as desigualdades educativas geradasa partir da discriminação de género e de outrasformas de identidade é um desafio urgente quese coloca aos educadores.Gustavo E. Fischman . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 58OLHARES de foraO inverno da nossa desesperançaQuanto mais a vida de alguém é expressiva, maisuniversal será a sua história singular e a suabiografia..Ivonaldo Leite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 62SAÚDE escolarMudar o que como... Eu?Os portugueses comem mal. As doenças derivadasda má alimentação continuam a aumentar e a fazervítimas cada vez mais jovens. O que pode cada umde nós fazer para inverter esta situação?Débora Cláudio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 64Sobre o público e o privado na InternetNuma época em que a escola ensina às crianças apesquisar conteúdos na Internet e a trabalhar comas tecnologias da informação, torna-se indispensávelreflectir uma série de novas questões.Rui Tinoco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 66DISCURSO directoEscola, Esquerda e EducaçãoPara a esquerda política é inaceitável , do pontode vista dos princípios, que a escola se afirmecomo um espaço de reprodução dedesigualdades.Ariana CosmeRui Trindade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 66DIZeresObrigado!.. Ó palerma!Foi nessa altura que dois alunos lhe abriram aporta e ele passou, sem olhar ninguém, sempreem frente, queixo bem levantado e passos firmesem direcção à sala de professores. E então ouviu:“obrigado, ó palerma!”.Angelina Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 70EM PortuguêsAs Pátrias são territóriosPensar uma pátria sem um território dereferência identitária faria tão pouco sentidocomo acreditar que um despatriado se considereliberto da “raiz” por transformação em “cidadãodo mundo”.Leonel Cosme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 72A ESCOLA que aprendeQuantos são os alunos com dificuldadesnuma classe? Quantos são eles?As atitudes mudam consequentemente quandoa pessoa vive e reflecte sobre experiências quesão incompatíveis com as representações que elatem da realidade.David Rodrigues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 74ENTREVISTAEnsino Superior II“O regime de transição propostoé de todo inaceitável”, diz RaúlPinheiro a propósito da revisão doEstatuto da Carreira Docente doEnsino Superior Politécnico.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 762 I 3 OUTONO 2009 I N.º186


EDUCAÇÃO desportivaCristiano Ronaldo ou as lições do futebolQuem sabe ouvir e ver, com tolerância erespeito, muito aprende com o futebol e,portanto, com o Cristiano Ronaldo e o Messi eo Kaká e outros com a mesma profissão.Manuel Sérgio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 80Uma Autonomia nas mãos de novosSenhoriosUma Autonomia, libertadora e responsável, pelaqual tantos ao longo da História lutaram, acabouàs mãos de novos e sofisticados senhorios queusam e abusam da menoridade do Povo.André Escórcio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 82COISAS do tempoO dizer e o fazer, ligados por nósConfrontamo-nos, entre pares, todos os dias, demaneira aberta, em discussões, às vezesdolorosas, quase sempre desbloqueadoras.Grupos de professores reflectem acerca do seutrabalho, alguns pela primeira vez.Pascal Paulus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 84DO secundárioA importância de ensinarnsinar é questionar, partilhar e criar. É imaginar.Ensinar implica seleccionar tarefas que desafiemas capacidades e a inteligência dos alunos. Paraque que usufruam da liberdade que oconhecimento proporciona.Domingos Fernandes . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 86OBSERvatórioAs escolas públicas como heterotopiasPerpassa pelas nossas escolas um espectro depermanente heterotopia de crise, porque osagentes estudantis habitam essa mesma crisecomo um modo de vida..João Teixeira Lopes . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 88CINemaQue futuro para o 3D?Tal como outras inovações que o precederam, o3D representa a esperança do cinema deentertainment de esmagar o pequeno ecrã.Paulo Teixeira de Sousa . . . . . . . . . . . . . . . pág. 90DO primárioNa broméliaA aula continua a ser a vaca sagrada dapedagogia, algo considerado indispensável naspráticas escolares. Nunca terá passado pelaseminentes cabeças dos pedagogos oficiais a ideiade que não existe um só modo de fazer escola?José Pacheco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 91ENTRELINHAS e rabiscosE agora? Que papel para os novosdirectores?Num grande número de Escolas e deAgrupamentos, o(a) antigo(a) presidente doConselho Executivo foi seleccionado(a) paradirector(a) e quase não teve opositores. Esta é,antes de tudo, uma grande vitória do modelo degestão democrática.José Rafael Tormenta . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 92CONTOSO enfermeiro GasparMemórias dolorosas da infância eda Guerra Colonial contadas naprimeira pessoa.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 94O vidroOs corredores da burocracia nosistema educativo português.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pág. 95SUPLEMENTOHomenagema José Paulo SerralheiroConjunto de textosem homenagem ao director deA PÁGINA DA EDUCAÇÃO, falecidoem Agosto último.


COLABORADORES PERMANENTESRUBRIcasAdalberto Dias de Carvalho – Universidade do Porto.Faculdade de LetrasAdelina Silva – Centro de Estudos das Migrações e das RelaçõesInterculturais (CEMRI), Laboratório de Antro pologia Visual,Universidade AbertaAlmerindo Janela Afonso – Universidade do Minho. Instituto deEducação e Psicologia. Departamento Sociologia da Educaçãoe Administração EducacionalAmérico Nunes Peres – Universidade de Trás-os-Montes e AltoDouro, UTAD. Departamento de Educação e Psicologia. ChavesAna Efe – Artista plástica, PortoAndré Escórcio – Escola B+S Gonçalves Zarco, Funchal,MadeiraAngelina Carvalho – Faculdade de Psicologia e de Ciências daEducação da Universidade do Porto. Colaboradora do Centrode Investigação e Intervenção Educativa, CIIEAntónio Magalhães – Universidade do Porto. Faculdade dePsicologia e de Ciências da EducaçãoAntónio Mendes Lopes – Instituto Politécnico de Setúbal. EscolaSuperior de Educação de Setúbal, ESESetúbalAntónio Teodoro – Universidade Lusófona de Humanidades eTecnologias, Lisboa. Instituto de Ciências da EducaçãoAriana Cosme – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologiae de Ciências da Educação, FPCEUPArsélio de Almeida Martins – Escola Secundária de JoséEstêvão, AveiroBetina Astride – Escola EB 1 de CiborroCarlos Cardoso – Instituto Politécnico de Lisboa. Escola Superiorde Educação de Lisboa, ESELisboaCarlos Mota – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,UTAD. Departamento de Educação e Psicologia. Vila RealCasimiro Pinto – Centro de Estudos das Migrações e dasRelações Interculturais (CEMRI), Laboratório de Antro pologiaVisual, Universidade AbertaDavid Rodrigues – Universidade Técnica de Lisboa. Coordenadordo Fórum de Estudos de Educação Inclusiva, FEEI(www.fmh.utl.pt/feei)Débora Cláudio – Nutricionista da Direcção dos Serviços deSaúde Área de Nutrição. PortoDomingos Fernandes – Universidade de Lisboa. Faculdade dePsicologia e de Ciências da EducaçãoFátima Antunes – Universidade do Minho. Instituto de Educaçãoe Psicologia. Departamento de Sociologia da Educação eAdministração EducacionalFelisbela Lopes – Universidade do Minho. Instituto de CiênciasSociais. Departamento de Ciências da ComunicaçãoFernanda Rodrigues – Universidade Católica Portuguesa, PortoFernando Faria Paulino – Centro de Estudos das Migrações edas Relações Interculturais (CEMRI), Laboratório deAntropologia Visual, Universidade AbertaFernando Santos – Escola Secundária de Valongo, PortoFilipe Reis – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e daEmpresa, ISCTE. Departamento de Antropologia. LisboaFrancisco Marano – Itália. Associados à rede do Laboratório deAntropologia Visual, Universidade AbertaFrancisco Silva – Portugal Telecom, LisboaGabriela Cruz – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.Departamento de Educação e Psicologia. Vila RealGustavo E. Fischman – Arizona State University, EUA. Mary LouFulton College of EducationGustavo Pires – Universidade Técnica de Lisboa. Faculdade deMotricidade HumanaHenrique Vaz – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologia ede Ciências da EducaçãoIsabel Baptista – Universidade Católica Portuguesa, Porto.Faculdade de Educação e PsicologiaIsabel Menezes – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologiae de Ciências da EducaçãoIvonaldo Leite – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),Brasil.Jaime Carvalho da Silva – Universidade de Coimbra. Faculdadede CiênciasJoão Barroso – Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologiae de Ciências da EducaçãoJoão Menelau Paraskeva – Universidade do Minho. Instituto deEducação e Psicologia. Departamento de Currículo eTecnologia EducativaJoão Teixeira Lopes – Universidade do Porto. Faculdade de LetrasJoaquim Marques – Instituto das Comunidades Educativas, ICEJorge Humberto, mestre em educação especialJosé António Caride Gomez – Universidade de Santiago deCompostela, Galiza, Espanha. Faculdade de Ciências daEducaçãoJosé Catarino – Instituto Politécnico de Setúbal. Escola Superiorde Educação de Setúbal, ESESetúbalJosé Maria dos Santos Trindade – Instituto Politécnico de Leiria.Escola Superior de Educação, ESELeiriaJosé Miguel Lopes – Universidade do Leste de Minas Gerais,BrasilJosé Pacheco – Escola da Ponte, Vila das AvesJosé Rafael – Escola Secundária de Oliveira do DouroJosé Silva Ribeiro – Centro de Estudos das Migrações e dasRelações Interculturais (CEMRI), Laboratório de AntropologiaVisual, Universidade AbertaJúlio Conrado – Escritor. Fundação D. Luís. CascaisJúlio Roldão – Jornalista. PortoJurjo Torres Santomé – Universidade da Corunha, Galiza,Espanha. Departamento de Pedagogia e DidácticaLeonel Cosme – escritor e investigador. PortoLicínio C. Lima – Universidade do Minho. Instituto de Educaçãoe Psicologia. Departamento Sociologia da Educação eAdministração EducacionalLuís Souta – Instituto Politécnico de Setúbal. Escola Superior deEducação de Setúbal, ESESetúbalManuel António Ferreira da Silva – Universidade do Minho.Instituto de Educação e Psicologia. Departamento Sociologiada Educação e Administração EducacionalManuel Matos – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologiae de Ciências da EducaçãoManuel Pinto – Universidade do Minho. Instituto de CiênciasSociais. Departamento de Ciências da ComunicaçãoManuel Sérgio – Universidade Técnica de Lisboa. Faculdade deMotricidade Humana. Professor JubiladoMargarida Gama Carvalho – Faculdade de Medicina de Lisboa.Instituto de Medicina MolecularMaria Antónia Lopes – Universidade Eduardo Mondlane,MoçambiqueMaria Fátima Nunes – Centro de Estudos das Migrações e dasRelações Interculturais (CEMRI), Laboratório de AntropologiaVisual, Universidade AbertaMaria Paula Justiça – Centro de Estudos das Migrações e dasRelações Interculturais (CEMRI), Laboratório de AntropologiaVisual, Universidade AbertaMário Novelli – Universidade de Amesterdão, HolandaMarisa Vorraber Costa – Universidade Federal do Rio Grandedo Sul e Universidade Luterana do Brasil, Porto Alegre, BrasilMiguel Ángel Santos Guerra – Universidade de Málaga,Espanha. Departamento de Didáctica e Organização EscolarNilda Alves – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ,Brasil. Coordenadora do Laboratório Educação e Imagem:questão de cidadaniaNuno Pereira de Sousa – Médico de saúde pública. Unidade deSaúde da Batalha, PortoOtília Monteiro Fernandes, Universidade de Trás-os-Montes eAlto Douro, UTAD. Departamento de Educação e Psicologia.ChavesPascal Paulus – Escola Básica Amélia Vieira Luís, OuturelaPaulo Raposo – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e daEmpresa, ISCTE. Departamento de Antropologia. LisboaPaulo Sgarbi – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ,BrasilPaulo Teixeira de Sousa – Escola Secundária Fontes Pereira deMelo, PortoPedro Silva – Instituto Politécnico de Leiria. Escola Superior deEducação, ESELeiriaPetronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Universidade de SãoCarlos, BrasilRaquel Goulart Barreto – Universidade do Estado do Rio deJaneiro, UERJ, BrasilRegina Leite Garcia – Universidade Federal Fluminense, Rio deJaneiro, Brasil. Coordenadora do Grupo de Investigação emAlfabetização das Classes Populares, GRUPALFARicardo Campos – Centro de Estudos das Migrações e dasRelações Interculturais (CEMRI), Laboratório de AntropologiaVisual, Universidade AbertaRicardo Vieira – Instituto Politécnico de Leiria. Escola Superior deEducação, ESELeiriaRoger Dale – Universidade de Bristol, Grã–BretanhaRui Namorado Rosa – Universidade de Évora. Departamentode FísicaRui Pedro Silva – Centro de Investigação em Ciências Sociais daUniversidade do Minho, CICSRui Tinoco – Psicólogo clínico. Unidade de Saúde da Batalha,PortoRui Trindade – Universidade do Porto. Faculdade de Psicologia ede Ciências da Educação, FPCEUPSara Pereira – Universidade do Minho. Instituto de Estudos daCriança. Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade,CECSSérgio Bairon – Brasil. Associado à rede do Laboratório deAntropologia Visual, Universidade AbertaSusan Robertson – Universidade de Bristol, Grã-BretanhaSusana Faria – Instituto Politécnico de Leiria. Escola Superior deEducação, ESELeiriaVirgínio Sá – Universidade do Minho. Instituto de Educação ePsicologia. Departamento de Sociologia da Educação eAdministração EducacionalVisionarium – Centro de Ciência do Europarque. Espargo. SantaMaria da Feira.Xavier Bonal – Universidade Autónoma de Barcelona, EspanhaXavier Úcar Martinez – Universidade Autónoma de Barcelona,Espanha. Departamento de Pedagogia Sistemática e SocialESCRITAS soltasAgostinho Santos Silva – Eng. Mecânico CTT. LisboaAna Benavente – Universidade de Lisboa. Instituto de CiênciasSociaisAntónio Branco – Universidade do AlgarveAntónio Brotas – Universidade Técnica de Lisboa. InstitutoSuperior Técnico. Professor JubiladoCristina Mesquita Pires – Instituto Politécnico de Bragança.Escola Superior de Educação, ESEBragançaJacinto Rodrigues – Universidade do Porto. Faculdade deArquitecturaJoão Pedro da Ponte – Universidade de Lisboa. Faculdade deCiências. Departamento de EducaçãoJosé Alberto Correia – Universidade do Porto. Faculdade dePsicologia e de Ciências da EducaçãoJosé Guimarães – Universidade Aberta. LisboaLuís Vendeirinho – Escritor. LisboaLuísa Mesquita – Professora e Deputada, LisboaManuel Pereira dos Santos – Universidade Nova de Lisboa.Faculdade de Ciências e TecnologiaManuel Reis – Professor e investigador. GuimarãesManuel Sarmento – Universidade do Minho. Instituto de Estudosda CriançaMaria de Lurdes Dionísio – Universidade do Minho. Instituto deEducação e PsicologiaMaria Emília Vilarinho – Universidade do Minho.Rui Canário – Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia ede Ciências da EducaçãoRui Santiago – Universidade de AveiroRui Vieira de Castro – Universidade do Minho. Instituto deEducação e PsicologiaSerafim Ferreira – Escritor e Crítico Literário. LisboaSofia Marques da Silva – Universidade do Porto. Faculdade dePsicologia e de Ciências da EducaçãoTelmo Caria – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,UTAD – Vila RealVictor Oliveira Jorge – Universidade do Porto. Faculdade deLetras4 I 5 OUTONO 2009 I N.º186


É penoso escrever umas linhas agora, neste espaço que todos nos habituamos a vercomo do José Paulo Serralheiro.Desta pena não poderá sair nunca um pretenso editorial, muito menos com aveleidade de se acrescentar ao riquíssimo conjunto de reflexões que nosacostumamos a encontrar neste espaço.Será mais um anti-editorial, um simples texto de saudade e de mágoa, perpassadopela tristeza de sabermos já não contar entre nós com um companheiro de jornada,sempre solidário, combativo, crítico porque reflexivo, actuante e dotado de umavisão progressista do mundo e das transformações sociais que há por fazer para otornar um pouco melhor e mais justo.A acutilância do seu raciocínio, a perspicácia da sua análise, a lucidez do seu olharsobre a realidade educativa, social e política deste nosso país, até as suas utopias,emprestavam aos seus escritos um cunho muito próprio, muito genuíno, mas quesempre procurava acrescentar algum contributo positivo às reflexões colectivas queíamos realizando nos nossos diferentes espaços de intervenção.Se algum dia viermos a reunir em qualquer publicação apropriada o conjunto desseseditoriais, e outros escritos dispersos, estaremos a prestar um inestimável serviço atodos os que o admiravam, mas também aos vindouros que queiram reflectir eestudar o que de mais importante se viveu na educação, e na sociedade em geral,nas duas últimas décadas.Todos nós, no Sindicato dos Professores do Norte, estamos orgulhosos de terpodido contar com o Zé Paulo nas nossas fileiras. Muitos de nós sentem-sehonrados por terem sido seus amigos e lembrarão sempre com saudade tantosmomentos partilhados, tantas lutas travadas, tanta vida vivida sempreintensamente, com dedicação e generosidade.A melhor homenagem que lhe podemos prestar, e porventura aquela que mais lheagradaria, é garantir-lhe que este projecto não morrerá, que a este 2.º número darevista que veio substituir o velhinho jornal, outros se seguirão, muitos mais, noobjectivo de conseguir que a Página da Educação continue a ser uma referência dequalidade no mundo educativo.Este número da revista foi ainda editado, na sua quase totalidade, pelo Zé Paulo,numa prova mais da sua profunda dedicação e entrega a um projecto que abraçoucom amor e dedicação sem limites, pois as suas últimas energias, as suaspreocupações, estavam dirigidas para a saída a tempo deste novo número. Só nãohouve tempo para escrever o seu editorial. Obrigado José Paulo Serralheiro.Até sempre, camarada.Abel MacedoCo-coordenador do Sindicatodos Professores do Norte


EM focoO QUE PENSAM OS PORTUGUESESBalanço possível dequatro anos de legislaturaRICARDO JORGE COSTA6 I 7 OUTONO 2009 I N.º186


Fazer o balanço de uma legislatura não é uma tarefa fácil. E poderesultar numa análise profundamente subjectiva. Sobretudoquando ela incide numa área como a Educação que – à excepçãodos professores, claro – tão pouco interesse desperta nosportugueses. Mas foi esse o trabalho a que nos propusemos. Paratal fomos entrevistar alunos e professores às escolas e o cidadãocomum à rua. Não nos esquecemos também dos pais, talvezaqueles cujo capital de interesse na matéria deveria ser maior masque frequentemente o relegam para segundo plano.O semblante é descontraído, próprio dequem acabou as aulas e sabe que as fériasfinalmente se aproximam. Para PedroAlmeida, 17 anos, o ano lectivo foi exigente.Uma “batalha”, como o próprioresume na conversa com o jornalista. “Masvaleu a pena. Consegui ter uma boamédia”. A guerra, porém, ainda não acabou.Falta agora fazer os exames nacionais,que, embora não o preocupem sobremaneira,ainda vão exigir algum do seuesforço. “Tenho andado a rever matéria e apreparar-me o melhor que sei. Acho quetudo irá correr bem”, diz, lançando umolhar de confiança à namorada.Quando o questionámos sobre assuntosmais “sérios”, como o que representavampara ele os quatro anos de governação daministra Maria de Lurdes Rodrigues, torceuo nariz e disse não ter nada a dizer.“Sinceramente não acompanho esses assuntos.Mas por aquilo que fui ouvindo dos‘profes’ ao longo do ano a situação nãoesteve pacífica. Houve muitas greves emanifestações...”. Porquê, não sabe ao certo.“Sabes alguma coisa do que se passou?”, perguntaà namorada, sentada a seu lado. JoanaTeixeira, de 16 anos, esboça um encolher deombros e reconhece também “não andar apar de política”. Ainda assim, considera quea iniciativa Novas Oportunidades foi umamedida positiva avançada pelo Governo,porque “permite aos jovens encaminharemsepara uma profissão e obterem a certificaçãode conclusão do secundário”.Nessa tarde falámos ainda com outrojovem aluno a quem colocámos a mesmaquestão. Apesar de não ter uma ideia muitoconcreta sobre o que responder, BrunoFerreira, de 17 anos, concorda que oPrograma Novas Oportunidades veio“abrir portas” para aqueles estudantes quenão pretendem ingressar no ensino superior.Além disso, vê com bons olhos o prolongamentoda escolaridade obrigatóriaaté ao 12.º ano. “Acho que é uma boamedida, porque em Portugal as pessoasprecisam de ter mais qualificações. E aúnica forma de obtê-las é estudando...”.Professores: sentimentode revolta contidaEmbora à primeira vista não tenha transparecidoqualquer tipo de denominadorcomum nas entrevistas que íamos realizandoaos professores, concluída a recolhade depoimentos tornou-se evidente queem praticamente todas elas emergia umaatitude de revolta contida e um certo tom


EM focode desencanto. Um sentimento talvez maisevidente nos professores com maior númerode anos de carreira, que, pela sua experiênciaabrangente de tempo passado e presente,sentem que nos últimos quatro algona sua fortaleza de convicções se desmoronou.Adélia Pires, 54 anos, professora de Inglêsno ensino básico, é um exemplo dissomesmo. Principiando por se recusar a fazerqualquer comentário, aos poucos anuiu a serentrevistada e desfiou algumas das queixasque pareciam há muito estarem encerradasno seu íntimo.Convidada a fazer um balanço crítico sobrea legislatura, disse apenas que o últimoministro por quem conseguiu ter algumapreço foi Marçal Grilo. “Depois dele,nenhum dos ministros que ocupou a pastada educação foi digno desse nome. E muitoparticularmente Maria de Lurdes Rodrigues.Não tenho mais nada a dizer...”.Desculpando-se pelo tom de voz que sehavia elevado subitamente, Adélia Piresdespede-se com uma expressão própria dequem parece sentir na pele a desilusão deser actualmente professor.Quando numa outra escola abordamos trêsprofessores que conversavam entre si, bastoureferir o tema do trabalho que ali noslevava para reconhecer neles expressões desarcasmo. Entreolhando-se, parecia quenenhum deles sabia muito bem por ondecomeçar. Mas a vontade de desabafar mostrou-semuita.“A actuação da senhora ministra constituiuuma afronta aos professores, porque pareceter partido do princípio de que somos todospreguiçosos, incapazes e que não queremostrabalhar. É inadmissível que se trate todauma classe desta forma”, diz Manuel Faria,46 anos, professor de História do 3.º ciclodo Ensino Básico. “Se pudesse fazer umbalanço destes quatro anos diria que foi umaautêntica desilusão”, afirma.Ao seu lado, Etelvina M., 49 anos, professorade Matemática, mostra-se em concordânciacom as afirmações do colega e acrescentanão reconhecer em nenhuma dasmedidas avançadas pelo ministério “melhoriasquer para o sistema educativo quer paraas condições de trabalho dos professores”.Pelo contrário, acredita que estas conduzirão,a médio prazo, “ao afastamento progressivoda profissão” por parte dos jovens.Até ali atenta aos comentários dos colegas,Graça Dias, 56 anos, professora deCiências Naturais, critica sobretudo aquiloque considera ter sido uma “divisão artificialda carreira” em duas categorias, promovendoa existência de “professores deprimeira e de segunda classe”.Num tom visivelmente irritado, afirma que“nunca na vida pensei que tal viesse a suceder.Foi ir longe de mais”. Julga, por isso,que a actual ministra deixou há muitotempo de ter condições para continuar aexercer o cargo. “Acredito, aliás, que sedeveria ter demitido na altura das manifestaçõesnacionais. Em qualquer outro paíscom verdadeiro sentido democrático issoteria acontecido”.A uma nova questão lançada pelo jornalista,Faria intervém uma vez mais para afirmarque não vislumbra “qualquer hipótesede mudança no rumo da política” seguidapelo actual Governo. “Com maiores oumenores nuances, o poder político limitasea seguir directivas que emanam de organismossupracionais”.Etelvina M. concorda, mas ressalva que agrande diferença reside sobretudo em fazêlas“com os professores ou contra os professores”.E isso, diz, ficou bem visível na“gritante falta de diálogo com os professorese com os sindicatos” – que considera tersido, afinal, a principal característica naactuação do ME. “E essa não é uma estratégiaque dê bons frutos. O que, aliás, ficoubem patente nas manifestações nacionais elocais que foram realizadas, onde a comparênciados professores foi massiva”.Graça Dias, por seu lado, discorda docolega: “não somos assim tão reféns quantonos fazem crer. Os Governos nacionaisainda têm margem de manobra suficientepara agirem consoante a sua orientaçãopolítica”. Mas isso, sublinha, nem é o maisimportante. “O fundamental é que emPortugal falta um rumo, uma ideia claradaquilo que se quer para a Educação. Equando é assim não admira que sejamos tãoseguidistas em relação a outros países...”.Impassível no seu discurso, João TavaresTeles, 52 anos, professor de Português doensino secundário, tem uma opinião poucoem comum com as restantes. “O Governotinha de implementar reformas difíceis epouco populares. E, a não ser que sejamosdemagógicos, é preciso aceitar esse facto”.Maria de Lurdes Rodrigues, diz, “foi apenasa face dessas mudanças inevitáveis,com todos os defeitos que eventualmentese lhe possa apontar”. E um deles, reconhece,foi a “falta de capacidade de diálogo”com os agentes educativos. “Pensoque terá sido sobretudo isso a valer-lhetanta impopularidade”, conclui, deixandono ar a ideia de que muita dessa imagemfoi, no entanto, “construída pela comunicaçãosocial”.“Ministério [da Educação]deveria ser mais actuante”A PÁGINA foi também ouvir na rua quemjá há muito terminou a escola e ingressouno mundo do trabalho. Do conjunto depessoas que entrevistámos foi difícilencontrar quem tivesse uma opinião formadasobre a actuação da ministra e da suaequipa. Ainda assim, como é o caso deJoão Andrade, 36 anos, desenhador, háquem saiba que o ano lectivo foi conturbadoe que os professores estiveram em péde guerra com o ministério.“Ao que julgo saber, foi a questão da avaliaçãoque despoletou a ira dos professores.Sinceramente, não sei de que lado estava arazão. Mas é habitual que quando se tentamfazer reformas, seja qual for a área,haja uma certa resistência”, diz, acrescentandoque “a educação é uma das áreas quemais vezes aparece citada nos meios decomunicação social por causa de conflitoslaborais”. E isso, na sua opinião, quererá“dizer alguma coisa”. Uma coisa é certa: “épreciso fazer alguma coisa para melhoraros resultados escolares dos alunos, porqueé frequente ouvir que Portugal aparecesempre nos últimos lugares por comparaçãocom outros países”. Nessa matéria,assegura, “o ministério deveria ser maisactuante”.Um pouco mais por dentro do assunto, talvezpela sua condição de funcionáriapública, Idalina Soares, 29 anos, técnica dasegurança social, sabe por daquilo que vailendo nos jornais que “o ministério tentouavançar com reformas que não foram bemaceites pelos professores”. Mas, tal comoem outras áreas, essas reformas são feitashabitualmente “contra quem trabalha”.Não se admira, por isso, “que os professorestenham razão nos seus argumentos”.8 I 9 OUTONO 2009 I N.º186


Algumas medidas avançadas pelo ME merecema sua aprovação. É o caso do ProgramaNovas Oportunidades, que “permitiu a muitaspessoas melhorarem as suas qualificações”.Quanto ao resto, “parece ir tudo demal a pior”, já que as notícias “referem inúmerasvezes os sucessivos maus resultadosdos alunos”. O balanço, portanto, “nãopode deixar de ser globalmente negativo, àsemelhança dos outros ministérios”.Mas há quem tenha uma opinião diferente.Mário Poças, 43 anos, assegura “estar beminformado” sobre o assunto porque lê os jornaise vê televisão. E, na sua opinião, são osdocentes quem perde a batalha da credibilidade.“Não há uma única vez que o governotente passar uma reforma na área da educaçãoque os professores não reclamem. Elesesquecem-se que não podem ser privilegiadosrelativamente aos outros trabalhadores.E progredir na carreira sem qualquer tipo deavaliação não só não é justo como é umincentivo ao facilitismo...”.Conflitos laborais à parte, o que nos interessavamesmo era um comentário à actuaçãoglobal do ministério. E também aíMaria de Lurdes Rodrigues é merecedorade elogios. “Ela tentou implementar reformasque procuraram elevar a qualidade deensino - que bem precisa, como se vê pelosresultados dos estudantes. Mas isso vaicontra os interesses instalados dos professores,que tentam por todos os meios adiaro inevitável”.Esta série de depoimentos não ficaria completasem a opinião daqueles que, emboraindirectamente, serão também os maioresinteressados nas políticas educativas delineadaspelo Ministério da Educação: ospais. Falámos com dois, um pai e uma mãe,para tentar obter uma perspectiva o maisequilibrada possível.Actor nas horas de trabalho e pai a tempointeiro, Daniel Pinto, 32 anos, tem umafilha de nove anos a frequentar o 1.º ciclodo ensino básico. Apesar de admitir nãoestar tão atento aos assuntos da educaçãoquanto desejaria, uma das questões queultimamente mais lhe chamou a atençãofoi o modelo de avaliação proposto peloGoverno, que considera “pernicioso”.“Compreendo, por um lado, que a avaliaçãopossa servir como forma de protecçãopara a possibilidade de abuso de poder,mas será isso mais importante do que aperda de autoridade do professor, ao seravaliado por tudo e por todos?”, questionase.“Penso que é um precedente perigoso”.A par desta deslegitimação, “a desmotivaçãoe o cansaço – fruto das lutas sindicais edo combate à burocracia reinante nas escolas– vão também retirando aos professoresa energia necessária para que estes cumpramo seu papel: o de incentivar as pequenasmentes e mantê-las despertas de curiosidade”.Neste sentido, e não pretendendoassumir-se como conservador nem acreditandono autoritarismo, Daniel Pinto achaque “é importante o professor recuperaralguma da sua autoridade de pedagogo”.Outro dos aspectos que critica é a falta deuma política educativa especificamente dirigidaà área artística. “Tanto como profissionaldo palco como pai, sinto que nas escolasnão há uma oferta capaz nas áreas da expressãodramática, da expresão plástica e daexpressão musical. Quando se sabe, aindapara mais, que a estes professores não é dadaa oportunidade de fazer um trabalho continuado,é impossível haver qualquer tipo deevolução na relação de aprendizagem, querpor parte do professor quer dos alunos”.Assumindo-se atenta ao que a rodeia e críticaquante baste, Sara Moreira, 33 anos, émãe do Diogo, um miúdo de sete anos queainda dá os primeiros passos na escola.O cargo de presidente da associação depais, que só a muito custo consegue manterem paralelo com a sua carreira de designere a maternidade, oferece-lhe umaoportunidade privilegiada para se ir mantendoa par daquilo que se vai passandonas escolas e das reacções dos professores.“Penso que nos últimos anos se tem faladopouco de qual deve ser o papel e o objectivoda escola, para se privilegiar assuntos denatureza política e laboral. E isso deve-seem grande parte, na minha opinião, à actuaçãodos últimos governos – não apenasdeste –, que em vez de se preocuparem emdar condições aos professores para que estespossam trabalhar com qualidade e tranquilidade,têm sobretudo procurado impôrreformas sucessivas contra a vontade damaioria da classe”.Em relação ao actual Governo, o balanço é“mais negativo do que positivo”. De acordocom Sara Moreira, “não se pode pretenderimpor reformas contra a vontade da maioriados professores. Penso que esse foi oaspecto mais negativo da legislatura”. Depositivo, salienta o alargamento dos horáriosno pré-escolar e o alargamento daoferta curricular no 1.º ciclo. “São boasmedidas, mas isoladamente não produzemefeito. É preciso pensar o sistema educativocomo um todo”.


QUATRO ANOS DE GOVERNAÇÃO DE MARIA DE LURDESRODRIGUES, NUM BALANÇO DE RUI CANÁRIOMinistério da Educação mostrou“total inabilidade política para lidarcom os diversos agentes educativos,em particular com os professores”Entrevista conduzida por RICARDO JORGE COSTAFotografia de TERESA COUTOProfessor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidadede Lisboa e coordenador da Unidade de Investigação e Desenvolvimento Educativo emCiências da Educação desta instituição, Rui Canário é actualmente um dos mais prestigiadosinvestigadores na área da Educação em Portugal.É presidente do Conselho Científico do Instituto das Comunidades Educativas e Coordenadordo Mestrado na área de Formação de Adultos da FPCEUL. Neste âmbito, foi consultorcientífico, a nível nacional, dos Cursos de Educação e Formação de Adultos (Cursos EFA,promovidos pela ANEFA – Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos) durante oano 2002. Entre outros projectos, foi, entre 2002 e 2004, o investigador responsável peloprojecto ESTER (Escolas e Territórios). É autor de inúmeras obras publicadas em autoriae co-autoria e de dezenas de artigos em revistas científicas, sendo também membro doConselho Editorial e do Conselho Consultivo de diversas revistas nacionais e internacionais.Nesta entrevista, Rui Canário faz o balanço de quatro anos de governação do Ministério daEducação e mostra-se extremamente crítico relativamente à política seguida por Maria deLurdes Rodrigues – em particular aquilo que considera ter sido o conflito permanente e aatitude persecutória face aos professores.


GRANDE entrevistaQue balanço global faz dos últimos quatro anos de governaçãoda equipa de Maria de Lurdes Rodrigues?Diria que o balanço é extremamente negativo, marcado sobretudopelo conflito permanente com os professores e pela atitude persecutóriaque a equipa ministerial manteve em relação a eles. Emvez de resolver problemas, o ministério criou-os. Dificilmentepoderemos dizer que as escolas estão melhor hoje do que quandose iniciou a legislatura. E não há dúvida de que tudo aquilo que foifeito em relação aos professores provocou prejuízos que são aindadifíceis de avaliar, nomeadamente no que respeita ao funcionamentodas escolas e à relação dos professores com os alunos.Alguns deles diria mesmo irreversíveis.A herança que este ministério deixou terá inevitavelmente de serabandonada?Bom, aquilo que ficou não foi quase nada. O modelo de avaliação,por exemplo, que de recuo em recuo o Ministério da Educação eo próprio primeiro-ministro acabaram por admitir que era extremamenteburocrático, complexo, inadequado. E o modelo simplificadode avaliação acabou por ficar bastante distante daquilo queera o modelo inicial.Neste capítulo, portanto, a questão não se coloca em termos desaber se as decisões que foram tomadas irão ou não manter-se,porque elas nem sequer foram aplicadas. O que se tem passadonas escolas está muito distante dos normativos e daquilo que estáestipulado inicialmente. Penso que a futura equipa ministerial teránecessariamente de retomar esta questão a partir do zero e manteruma atitude negocial completamente diferente face aos sindicatos.No que se refere à questão da divisão da carreira, não sei exactamentequais as suas implicações, mas considero-a reversível. Nãohá nenhum motivo técnico nem de funcionamento do sistemaeducativo que a justifique. Aliás, como refere o meu colega JoãoFormosinho, houve um processo de fabricação burocrática de umacategoria de professores titulares que se desenvolveu em muitosaspectos de forma totalmente arbitrária e que de modo algumconstituiu a criação de uma elite profissional, susceptível de teruma legitimidade e uma autoridade própriasO que fica então, afinal, destes quatro anos?A ministra Maria de Lurdes Rodrigues e a sua equipa partiram doprincípio de que os professores tinham privilégios e de que tinhamde ser postos na ordem. Em relação a tudo o que são objectivosnão alcançados, aliás, a atitude da ministra tem sido a de culpabilizarquer os professores, quer os alunos, passando pelos pais e pelacomunicação social, transformados em bodes expiatórios de todosos problemas do sistema de ensino.Por outro lado, um dos aspectos que melhor explica a políticaglobal deste ministério é a necessidade de fazer poupanças, quejustificam as dificuldades de progressão na carreira, nomeadamenteà ascensão ao topo por parte da maioria dos professores,a imposição de quotas na avaliação, o aumento do horáriode trabalho, etc. Todas estas medidas têm um pendor marcadamenteeconomicista e traduzem-se em ganhos do ponto devista económico.O que fica destes quatro anos, portanto, é o prejuízo desta acção.E a diminuição de despesas, para já...Tal como referiu no princípio desta entrevista, o aspecto queporventura mais marcou estes quatro anos de governação foi oconflito que opôs os professores à tutela. Acha que ele pode serresolvido no futuro próximo?Não devemos nem subestimar nem sobreavaliar aquilo que foi ainiciativa desta ministra e desta equipa ministerial. Há muitos aspectosdas mudanças que estão a ser vividas pelos professores portuguesesque são tendências comuns ao mundo inteiro. Porque muitasdas medidas que este ministério está a aplicar, ou tentou aplicar,correspondem a recomendações de organismos internacionais,inseridas num processo global de intensificação do trabalho ede desprofissionalização do trabalho docente, de insatisfação dosdocentes, de insatisfação em relação à escola... Um conjunto deproblemas estruturais e de dilemas que atravessam os sistemaseducativos e que não são passíveis de uma solução que satisfaçatoda a gente. Neste sentido, o ME limitou-se a ser o intérprete depolíticas que não são originais.O que marca sobretudo este consulado é a total inabilidade políticapara lidar com os diversos agentes educativos, em particularcom os professores. Nas propostas de avaliação que foram avançadaspelo ME existem questões extremamente controversas, masrapidamente se percebeu que ela se transformou numa questãoessencialmente política, não técnica. A partir daí há uma incapacidadetotal do Governo para recuar de uma forma organizada,mantendo a teimosia e a mesma acrimónia contra os professores.Isso foi desastroso e podia ter sido conduzido de outra formacompletamente diferente.Reconquistara confiança dos professoresConcordará que reconquistar a confiança dos professores é fundamentalpara o Governo que saia das próximas eleições... masde que forma?Quem ocupa a pasta do ME tem tendência a fazer grandes reformase a querer resolver um conjunto de problemas que não sãosusceptíveis de serem resolvidos no curto prazo. Porque não setrata de problemas de carácter conjuntural, mas estrutural. Nessesentido, há problemas do sistema educativo que não irão ser resolvidospor este ou por qualquer outro Governo, alguns irão atéagravar-se.Do ponto de vista político, é necessário que haja uma inflexão naforma como se lida com 150 mil professores, que ao longo destetempo foram sujeitos a uma grande pressão. Qualquer pessoa queconheça a realidade das escolas e da profissão docente nunca pensariaser possível juntar três quartos dos professores portuguesesem manifestações nacionais. Muitos nunca haviam participado em12 I 13 OUTONO 2009 I N.º186


qualquer manifestação ou acção colectiva... E o nível de adesão àsgreves é também ele histórico. O ministério conseguiu a proeza deunir todos os sindicatos e de incentivar um trabalho de resistênciados professores, de ter suscitado o aparecimento de vários movimentosautónomos, que acabaram por ter um papel decisivo naacção dos sindicatos.Será portanto imprescindível mais diálogo e uma atitude denegociação com os sindicatos, que nos últimos anos não passoude um diálogo de surdos. Até porque nenhuma das medidastomadas nos últimos anos assegura qualquer melhoria de funcionamentodo sistema educativo nem dos resultados das aprendizagensdos alunos. Muito mais importante do que avaliar odesempenho individual dos professores é avaliar e acompanharas práticas das escolas e a melhoria do seu funcionamento.Porque as escolas são colectivos, não são somatórios de indivíduos.Terá necessariamente de se apostar noutras prioridades,mas isso não significa, insisto, que de um momento para outro osprofessores passem a ser felizes na sua profissão, que os resultadosnas aprendizagens melhorem, etc.Tendo em conta que este modelo de avaliação foi rejeitado pelamaioria dos professores, que outro modelo pode ser satisfatório?Julgo que a avaliação dos professores não é o problema fundamental.Considero a avaliação das escolas uma questão de muito maiorimportância.


GRANDE entrevistaDurante esta legislatura, na altura em que Portugal ocupava a presidênciada União Europeia, realizou-se em Lisboa uma conferênciajustamente sobre o desenvolvimento profissional e a formaçãoprofissional dos professores. E toda a política que está a ser seguidavai ao arrepio das orientações, das recomendações e das conclusõesa que se chegou nesse encontro, no qual participaram representantesde todos os países europeus.O grande problema que se coloca não só em Portugal mas emtoda a Europa é o de tornar a profissão docente uma profissãoatractiva. Aquilo que verificamos nos últimos anos, no entanto, éque há uma corrida às aposentações, porque de facto os professoresvivem um quotidiano insuportável. A questão central será,então, reconquistar a confiança dos professores e criar condiçõesde funcionamento minimamente saudáveis nas escolas. Porque asescolas são, actualmente, organizações doentes.Que comentário lhe merece o novo modelo de administração egestão das escolas?Penso que nos últimos trinta anos temos vindo a assistir à implantaçãode um sistema democrático que, de alguma maneira, é construídoem sentido contrário àquilo que foi o regime que se viveuentre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1976,período marcado pela explosão da participação popular e dademocracia participativa, que se traduziu numa alteração bastantesignificativa da relação de forças entre o capital e o trabalho e dasmodalidades de exercício do poder nos locais de trabalho. A gestãodemocrática significou a transposição para as escolas e para oensino desse movimento auto-gestionário que atravessou a sociedadeportuguesa – que é inclusivamente anterior à legislação sobrea gestão democrática das escolas.O que se tem vindo a verificar desde então é a tentativa de reporuma certa normalização que culmina na imposição dos directores,quando essa não é a questão central do funcionamento das escolas.Não é por funcionarem com uma maior participação dos professoresou com órgãos colegiais que elas funcionam mal. Se nãofosse a direcção colegial das escolas, aliás, não seria possível emmuitos casos manter o sistema educativo a funcionar com os níveisde eficácia que ele ainda mantém. É por mérito e por profissionalismodos professores que as escolas continuam a funcionar.Este modelo põe sobretudo em causa a participação dos professoresnas tomadas de decisão no interior das escolas...Sim, transformações que de resto são congruentes com umreforço do controlo dos professores e com uma diminuição daautonomia das escolas. É preciso recordar que a partir dos anos80, e sobretudo a partir dos anos 90, houve legislação e algunspassos positivos na tentativa de ensaiar formas de desconcentraçãoe de devolução de autonomia e de poder às escolas. Nosúltimos anos temos assistido a um movimento precisamenteinverso. A ministra parece querer assumir-se como a “patroa” dasescolas e dos conselhos executivos, fazendo dos órgãos de gestãoe dos directores meras correias de transmissão para aplicaras suas políticas e impô-las aos professores.Repensar a profissão docentee a EducaçãoUma das bandeiras deste Governo foi o prolongamento da escolaridadeobrigatória até ao 12.º ano. Parece-lhe que estão reunidasas condições para esta medida resultar de forma positiva?Apontar os 12 anos de escolaridade como horizonte mínimo edesejável de qualificação é uma inevitabilidade, e corresponde auma orientação genérica da OCDE e de outros organismos internacionaisem relação a Portugal. No entanto, julgo que houve nadecisão do Governo considerações de carácter eleitoral e detiming político, mais do que de política educativa. É uma medidatomada em véspera de eleições, que não está apoiada em estudose que não irá ter repercussões imediatas. Apesar de tudo, a pretensãode aumentar substancialmente a frequência do ensino secundário,e consequentemente a necessidade de diversificar vias deoferta educativa, é uma orientação incontornável.A nível da formação e da educação de adultos, penso que oGoverno deu uma sequência desastrada à decisão – a meu vercalamitosa – de extinguir a Agência Nacional de Educação eFormação de Adultos (ANEFA), instituição que tinha um rumo eque foi pioneira em algumas medidas que poderiam ter tido umdesenvolvimento interessante. O Programa Novas Oportunidadesmassificou-se e corre o risco de desvirtuar e desacreditar por completoo potencial da educação e formação de adultos.Considera que faria sentido repensar o percurso curricular unificadoactualmente presente nas escolas, proporcionado umaoferta curricular mais flexível?Isso já está a acontecer, mas partindo de um currículo padrãodemasiado extenso para grande parte dos alunos e de uma multiplicaçãode ofertas que muitas vezes não têm mais do que umcarácter paliativo. No ensino básico é grave que se criem percursosalternativos logo a partir do 5.º ano de escolaridade – e até jáse pensa em percursos curriculares alternativos no 1.º ciclo doensino básico...Na minha opinião, acho que se deve preservar a unidade dos noveanos de escolaridade do ensino básico. Isso não significa que tenhanecessariamente de haver um currículo de carácter uniforme, masaí entramos na questão da autonomia das escolas, que deveriampoder, a partir de um currículo mínimo nacional, delinear o seuprojecto educativo, gerir os seus recursos e organizar-se em equipaseducativas que pudessem proporcionar essa multiplicidade decaminhos.Existe hoje um consenso relativamente alargado face à necessidadede se repensar a profissão docente e a educação. Quais sãoos caminhos possíveis e que papel podem ter os sindicatos?Como já referi, penso que há hoje um processo de desprofissionalizaçãodos professores. Os professores estão divididos e sujeitos apressões muito contraditórias. E isto cria uma situação de quaseesquizofrenia em relação à profissão. Acho que aquilo que aconteceudurante este último ano e meio, que gerou uma situação14 I 15 OUTONO 2009 I N.º186


extremamente problemáticapara a classe, talvez pudesseser aproveitada pelos sindicatose pelos movimentos autónomosde professores paraum reacordar da consciênciaprofissional colectiva e domovimento colectivo de professores.Os governos tendem a colocaros problemas do país soba perspectiva do desenvolvimentoe a porem em práticapolíticas que conduzem àdesertificação e à depressãoeconómica da maior parte dasregiões do país que não sesituam no litoral e nos grandeseixos que conduzem àEuropa. Não há uma políticadirigida às regiões rurais.Do ponto de vista educativo,uma das questões que meparece mais negativa é a políticaseguida em relação àsescolas situadas em meio rural,embora este seja habitualmenteencarado como umproblema menor. O trabalhoque foi conduzido nos últimosvinte anos a este nível, com aparticipação muito empenhadadas autarquias e de instituiçõescomo o Instituto dasComunidades Educativas, revelaramque esse era um campopotencialmente muito rico emtermos de inovação.Que margem de manobratêm ainda os governos paradelinear as suas políticas educativasa nível nacional?A margem de manobra dosvários governos a nível nacionalé hoje mais diminuta emtodos os domínios, numperíodo em que os poderes supranacionais se afirmam relativamenteao Estado-nação. Apesar de formalmente a União Europeianão ter uma política educativa única, na prática ela define e impõeorientações por múltiplas vias, nomeadamente pela via do financiamento.Mas embora não tenhamos autonomia e capacidade para pensarque poderemos resolver os nossos problemas no âmbito nacional– isso seria querer regressar a um passado que já se encontra distante– penso que há uma margem possível de manobra. E issosignifica que eles terão de ser equacionados do ponto de vistasocial, político, sindical e das movimentações sociais numa perspectivatransnacional. Temos de ter um horizonte de transformaçãomundial, não o espaço definido pelas nossas fronteiras. O facto deas grandes opções em termos de política económica, educativa oude saúde serem condicionadas por factores que supranacionaisnão nos conduz a nenhum determinismo. Porque de contráriodeixaria de haver possibilidade de exercer política, que na prática éa capacidade de exercer escolhas.


À LUpaUma educaçãopara asolidariedadeOs frutos colhidos pela Escola são, em si mesmo, também umestado de espírito de pessoas que se assumem livres e felizes,comprometidas pelo contributo para um mundo mais livre e feliz.Luís Miguel BrandãoVendeirinhoEscritor. LisboaNa terminologia da política de educação émanifesto um certo pudor em relação àreferência de valores como os da felicidade,da liberdade e da solidariedade. Emparte, esta omissão de tais valores,enquanto desígnios elementares da formaçãosobre que recai a responsabilidade daEscola, pode dever-se ao facto de se teremadquirido os pressupostos de que a felicidadecabe ao foro íntimo da pessoa, que deforma redutora a conquista de forma estritamenteindividual, como o de que a liberdadeé uma virtude incontestável doregime democrático instituído, e de que asolidariedade se confina ao espaço restritoda moral e da necessidade em mitigar osmales colectivos com o voluntarismo e oalívio do egoísmo que, por antítese, éreforçado pelos laços que a Escola induz. Areflexão que se exige, numa realidade globalsobre que se opera a cada gesto, comcada decisão, à luz da intervenção ideológicae das práticas sociais, e municiadosdos fluxos de comunicação e informaçãoque são os catalisadores privilegiados dasrelações entre os povos, e dos seus efeitos,aquela reflexão, dizia, é a da forma emcomo os problemas e as conquistas dooutro influenciam a nossa realidade pessoal.Um exercício que a compreensão dasinteracções sociais ajuda a contextualizarconforme a maturação intelectual que lheestá subjacente.No plano restrito da teoria, a experiênciade sociabilização que recai sobre o indivíduono universo da Escola, e em que ela seinicia por excelência, tem por objectivo aaquisição de competências formais, de iniciaçãoa códigos e cálculos, de interpretação,de iniciação no tempo e no espaçosobre que se alarga a compreensão conformea criança se adapta. Nessa etapa preliminar,o primeiro exemplo de uma relaçãosolidária emana da relação recíprocaentre família e a Escola. Da intuição de queuma é extensão da outra, nas responsabilidades,nas rotinas, no ludismo, na complexidadeda sua própria estrutura, resulta umbenefício que não se restringe ao sucessoque se convencionou quantificar. Toda aprática de entreajuda, de sensibilizaçãopara a realidade social, de reforço da noçãode capacidade instrumental para harmonizaraquela realidade, é o fundamento deuma aprendizagem em cuja razão se acredita.O sucesso das primeiras experiências16 I 17 OUTONO 2009 I N.º186


de cooperação será porventura importantena atitude dos cidadãos responsáveis.Contudo, se o relevo da figura da famíliacooperantenos êxitos da aprendizagem éconsensual, omite-se, por condição ou estatuto,a necessidade de um professor-amigo,do companheiro respeitado que não é senãoo pedagogo. Aquele que, com a capacidadede abrir fronteiras para além dos curricula,atende à tão espontânea satisfação do ensinoque estrutura a retórica, que é sensível àsaciedade da curiosidade e revela as competênciaslatentes dos discípulos. Será sobretudoesta dualidade que acrescenta o valor àpolítica de educação, mas que, de todo,transcende a sua área restrita de intervenção.Poder-se-ia dizer que os frutos colhidos pelaEscola são, em si mesmo, também um estadode espírito de pessoas que se assumem livrese felizes, comprometidas pelo contributopara um mundo mais livre e feliz.O empenho e a aposta numa geração dehomens honestos, conscientes, esclarecidos,livres dos constrangimentos do trabalhoque se justifica e esgota na sobrevivência,inventivos e solidários, requer que sesedimente uma noção da responsabilidade.Assim, todo o jovem adulto com imputabilidadejurídica e capacidade eleitoral não sepode abster dos conhecimentos inerentes àorganização política e administrativa (semqualquer laivo de catequização), como deveter uma formação académica que integre avisão lata dos instrumentos ao dispor da suaprofissionalização em prol da humanidade.Não se trata tão só de diluir as identidadesculturais, mas de as reforçar na sobrevivênciade um mundo em que a disparidade económica,e o mais que acarreta, se inverta nosentido dessa solidariedade que sendo fraternaé justa. Essa felicidade, a que todo ohomem tem direito por natureza, nãoencerra nada de metafísico, tão pouco sepersegue apenas com a postura missionária.Ela será produto de uma diplomacia cívica,que se baste na partilha do saber e das virtudesda ciência, que colha das soluções quesuscitam as grandes questões do mundocom os gestos que a educação para a solidariedadee para a paz possam alimentar.A política de educação não deve querer darpor feito um esforço que não foi começado,como não pode pedir competências para asquais não há objectivos colectivos concretos.À margem da sua gestão tem de privilegiaros interlocutores que possam acolher osformandos de modo que a que o universo dapopulação activa em preparação tenhaespaço, voz e a sua própria estratégia.O último erro em que devemos incorrer éo de ignorar a importância em ouvir, dialogar,ou o de ignorar a única forma de ultrapassarobstáculos que não são fáceis: oesforço de equipa em que cada um de nós,na sua esfera de influência e de conhecimento,pode liderar. No dia em que houverbom senso serão os conselhos dos sábios aser pedidos e considerados. E isto sópoderá ser construído de raiz.


RECONfiguraçõesA tela substituio quadro negroNão virá longe o dia em quea tela substitua nas escolaso quadro negro, chegando aafirmar-se que uma «bobinade película vale mais do queuma prelecção».Maria Fátima NunesUniversidade do MinhoCitação datada de 1932, que pode ser lidano preâmbulo do Decreto-lei 20:859 de 4 deFevereiro. Com este diploma foi criada aComissão do Cinema Educativo noMinistério da Instrução Pública, com oobjectivo de “promover e fomentar nas escolasportuguesas o uso do cinema como meiode ensino e de proporcionar ao público emgeral a apreensão fácil de noções úteis dasciências positivas, das artes, das indústrias,da geografia e da história” [Artigo 1.º].Esta visão excessivamente optimista, para aépoca, da utilização da tecnologia ao serviçodo ensino tornou-se realidade noséculo XXI. O quadro negro está a ser substituídopela tela, não apenas de cinema, mastambém a tela/o quadro interactivo onde otexto, as imagens, os sons ganham vida ecom os quais podemos interagir. Estamudança está a acontecer não porque foipublicado um Decreto-lei, mas por um actopolítico também emanado pelo Governo, oPlano Tecnológico de Educação.Assim, na era digital em que vivemos e emque o próprio Estado incita o uso das tecnologiasda informação e da comunicação,no exercício da actividade profissional dosdocentes, e em que devido à evolução tecnológica,se assiste a uma explosão e divulgaçãode informação escrita e de imagensfixas e em movimento na internet, produzidasnão só por máquinas fotográficas,câmaras de vídeo, mas também pelos telemóveis,pelos computadores, os professorestêm um grande desafio pela frente parase apropriarem e integrarem estas novas18 I 19 OUTONO 2009 I N.º186


ferramentas digitais ao serviço da práticalectiva, não como um obstáculo, algo quedá mais trabalho, que se torna penoso, mascomo um instrumento criador e criativoque possibilita uma melhor organizaçãodos materiais pedagógicos (textos, imagens,filmes, sons) e consequentementeuma maior diversificação de estratégias deapresentação de conteúdos.Como sabemos, sempre que há mudanças,há pessoas que tentam resistir, que apresentamargumentos contra os avanços. Vejamosa título de exemplo o que aconteceu quandoo cinema se tornou sonoro (1927, o ano emque foi realizado o primeiro filme denominadosonoro, The Jazz Singer). Um grupo derealizadores soviéticos, entre os quais destacoEisenstein, escreveu em 1928 o manifesto«Con traponto Orquestral», que dáconta da tomada de consciência de que osrecursos técnicos que os cineastas soviéticosdispunham, não lhes permitiam ter um êxitorápido no caminho do som e de que a coincidênciada palavra dita com o movimentodos lábios no ecrã e sobretudo a passagempara o cinema dos dramas da literatura e astentativas de invasão do teatro no cinema,seriam nefastas para o desenvolvimento eaperfeiçoamento da montagem.Actualmente, os resistentes à mudança nãopodem invocar a inexistência de meios tecnológicos,mas sim outro tipo de argumentos:a sua não formação na área das tecnologiasda informação e da comunicação e osentimento de que os alunos as «dominam»,e por isso o seu receio em utilizá-las.Uma das questões que se coloca então é ade como preparar estes docentes para aescola do século XXI. Através da inclusão,no curriculum da formação inicial, de umadisciplina de Tecnologias da Comu nicação,onde as tecnologias de registo da memória,isto é, o cinema e a fotografia também,sejam trabalhados, a nível da técnica de produçãode imagens e a nível da construção eprodução de sentido. E para os professoresque já leccionam há muitos anos? Nestecaso, a formação contínua tem um papelimportante na oferta de acções/oficinas//cursos de formação que poderão colmataras deficiências de formação neste domínio.Outra das questões que se põe é a do facilitismoem que se pode cair na utilizaçãode produtos multimédia e hipermédia, nasala de aula e, consequentemente, no voltarao paradigma organizador do ensino,assente na transmissão de conteúdos,agora não pelo professor, mas pelos produtosmultimédia cuja função é a de substituiressa metodologia de ensino.Acredito que os professores saberão ultrapassarmais este desafio nas suas carreiras,tornando-se agentes criativos e criadoresinvestidos de um papel mais exigente, quelhes demanda o conhecimento não apenasdos saberes específicos do seu campodisciplinar, mas também o conhecimentoe domínio das tecnologias digitais, quepassarão a usar a tela para estimular osseus alunos a apropriarem-se e a construíremos saberes de forma partilhada e interactiva!Chantagem via internet cresce e já chega aos telefones portáteisBREvesParalisar um sítio da Internet através da saturaçãodas ligações, como aconteceu com oataque sofrido pelo Twitter há algum tempoatrás, é um fenómeno que se tem vindo adesenvolver na rede e tem-se mostrado bastantelucrativo para os criminosos on-line,que pedem dinheiro para desbloquear apágina.O modus operandi é relativamente simples:os criminosos lançam um ataque que consisteem fazer com que o sítio seja visitado por inúmeroscomputadores, previamente infectadoscom softwares maliciosos, para, em seguida,exigir dinheiro para encerrar o ataque.“As empresas estão muito relutantes em falarsobre estas ameaças, sendo por isso muitodifícil obter informações. Mas sabemos queeste tipo de chantagem existe”, explicaFrançois Paget, investigador da empresa deprogramas de segurança McAfee.Os sites mais visados são os de comércioon-line, páginas de aposta e bancos. Paratodos eles, uma página da web fora do arpor várias horas equivale a perdas substanciais.“Muitas vezes, as empresa preferempagar, já que a perda de acesso pode causarmilhares de dólares em prejuízos”, dizGuillaume Lovet, especialista em segurançada Internet, reconhecendo que vários dosseus clientes já foram vítimas de chantagemon-line. Os valores exigidos podem chegara dezenas de milhares de dólares, acrescenta.“O problema com estes ataques é adificuldade de evitá-los, porque é impossívelestar 100 por cento imune”, explica Lovet,perito da empresa Fortinet.Algumas empresas, como a Prolexic, sãoespecializadas na área de proteção contraataques massivos, mas o preço gasto pararedirecionar o tráfego para outros servidoresé por vezes proibitivo. A chantagem onlinetornou-se, juntamente com o envio despams, no campo mais lucrativo para oscibercriminosos.O desenvolvimento deste tipo de ataques,no entanto, “tem limites”, diz Lovet.“Promover estes acessos e bloquear umgrande site pode ser feito por muitas pessoas,mas nem todos saberão apagar o seurasto“, diz o especialista.Desta forma, alguns piratas acabam por secontentar com ataques menores, muitasvezes a indivíduos. Com a ajuda de programasmaliciosos que circulam na internet,os criminosos descobrem determinadasinformações de um utilizador e, emseguida, exigem dinheiro para devolvê-las.Em dois anos, o número de programasmaliciosos aumentou 150 por cento, deacordo com Paget. “Em geral, ainda quepaguem, as pessoas não recuperam osseus dados”, advertiu, assinalando que estetipo de chantagem foi recentemente alargadaa um novo alvo: os telefones portáteis.Fonte: AFP


TEXTOS bissextosSem políticaÉ invulgar ouvir um governante declarar publicamente que ogoverno a que pertence não cuida de uma das riquezas principaisdo país, nem sequer quando se trata de cumprir uma das “tarefasfundamentais do Estado” (artigo 9.° da Constituição),nomeadamente a sua alínea f: “assegurar o ensino e a valorizaçãopermanente e promover a difusão internacional da línguaportuguesa”.José Catarino SoaresInstituto Politécnico de Setúbal. ESESetubalPortugal é um país com um pequeno territórioe uma pequena população, mesmoquando avaliados à escala europeia. Masdispõe de dois imensos recursos: o mar ea língua portuguesa. A zona económicaexclusiva marítima é uma das maiores daEuropa, com 1,7 milhões de quilómetrosquadrados, 18 vezes a sua área terrestre. Alíngua portuguesa, com cerca de 200milhões de falantes, é a 3.ª língua europeiamais falada no mundo, a seguir aoinglês e ao castelhano. Mesmo mal aproveitados,esses recursos têm um peso económicoconsiderável. O mar representaactualmente 11% do PIB (Produto InternoBruto) e a língua portuguesa 17% do PIB,segundo estudos feitos por universidadesportuguesas.Estes factos projectam uma luz crua sobreas declarações produzidas por Luís Amado,ministro dos Negócios Estrangeiros dogoverno português, durante um semináriorecente (16-06-2009), intitulado “A internacionalizaçãoda Língua Portuguesa”,organizado pela Associação Sindical dosDiplomatas Portugueses. O ministro admitiuaí que não há uma política da línguaportuguesa.É invulgar ouvir um governante declararpublicamente que o governo a que pertencenão cuida de uma das riquezas principaisdo país, nem sequer quando setrata de cumprir uma das “tarefas fundamentaisdo Estado” (artigo 9.° daConstituição), nomeadamente a sua alíneaf: “assegurar o ensino e a valorização20 I 21 OUTONO 2009 I N.º186


Marlene Santospermanente e promover a difusão internacionalda língua portuguesa”. Por isso, valea pena citar por inteiro as suas palavras:Precisamente porque a língua portuguesa não temsido em Portugal, felizmente, por razões óbvias, umfactor de identidade [??], ou por ser um factor deidentidade tão forte, não tem suscitado a necessidadede induzir identidade a partir da língua, eu tenhohoje consciência de que um dos problemas que nóstemos é de que não existe, verdadeiramente, umapolítica da língua.Exemplificou as suas palavras com oInstituto da Língua Portuguesa, que precisade uma “nova dinâmica”, visandodotá-lo de projectos de ensino e traduçãode língua portuguesa, uma vez que se tempautado “por alguma desorientação estratégicanos últimos tempos”. O ministrodisse ainda que tem havido “falta dedebate público” sobre o papel da internacionalizaçãoda língua portuguesa “nocombate geopolítico reduzindo-a à internacionalizaçãoda língua”. Confesso quenão sei a que combate geopolítico serefere o ministro, nem quais sejam asrazões (óbvias, ao que parece), segundoas quais a língua portuguesa NÃO temsido um factor de identidade, nem porque razão nos deveríamos felicitar porisso.Deixando de lado essas passagens crípticas,só se pode concordar com o diagnóstico.Mas deve se acrescentar, para que eleseja completo, que o que faltou em iniciativae zêlo ao actual governo em matéria depolítica da língua portuguesa, lhe sobrouem política da língua inglesa, que, substituíu,para todos os efeitos práticos, a portuguesa,no artigo citado da Constituiçãoda República Portuguesa. Isso pode serfeito? Yes, it can! Faça o leitor o exercício dereler esse artigo a essa luz e verá se assimnão é.Também, para ser justo, se deve acrescentarque a inexistência de uma política dalíngua portuguesa não é unicamente daresponsabilidade do governo actual e dopartido que o sustenta no parlamento.Todos os demais partidos com assento parlamentarparecem também nada ter desubstantivo a propor sobre o assunto. Mas,se estou errado, façam o favor de me corrigir,indicando as fontes que devo consultarpara me esclarecer devidamente.


DA CIÊNCIA e da vidaCiência na Rússiados czaresO socialismo era uma viapara o capitalismo, como,por exemplo afirmavaSalgado Zenha.Francisco SilvaEngenheiro. Portugal Telecom. LisboaUma convicção que alastrou após aRevolução de Outubro foi a do erro ou, nomínimo, o engano de Karl Marx ao afirmarque as primeiras sociedades onde as revoluçõessocialistas teriam sucesso seriam aquelasonde o capitalismo já fosse uma realidademadura – foi pouco mais ou menosassim que foram dizendo muitos intelectuais“marxianos”.Outra perspectiva é a da Revolução deOutubro, ao ter acontecido num país dedominância camponesa – o país dos mujiques,onde o processo de quebrar dasrelações servis ainda era recente –, terconstituído um erro voluntarístico dosrevolucionários russos. Estes, estando aactuar num país atrasado como era a Rússiados czares, não deveriam ter avançadopara uma transformação tão radical.Assim, por um lado Marx ter-se-ia enganadoao afirmar que a revolução socialista era sópara os mais desenvolvidos – e portanto, emface da Revolução de Outubro, verificava-seque a revolução socialista era antes para ospaíses atrasados; e quando estes chegassema um certo grau de desenvolvimento22 I 23 OUTONO 2009 I N.º186


passariam por força para o capitalismo e suademocracia – o socialismo era uma via parao capitalismo, como, por exemplo afirmavaSalgado Zenha.E presos por terem cão e não o terem, comoos revolucionários russos avançaram nãoestando maduras as condições para tal, ascoisas corriam mal e a União Soviéticajamais poderia ser um país desenvolvido eum Estado de Direito.Ora, na Rússia desses tempos, as artes –música, literatura – e as ciências já possuíamum nível elevado. E não se pode desligarestas realidades das outras, a diversos níveis.O que faz pensar a questão das alteraçõesqualitativas: ultrapassado o limiar aí estavamas condições necessárias para a possibilidadeda revolução socialista. Por isso, esta acontecerana Rússia – não foi voluntarismo revolucionárionem deslize teórico de Marx.Assim, destacam-se casos da Ciência naRússia dos czares, em particular da Ciênciaem articulação com aplicações dela afluentes,factos que caem no âmbito do que seapelida de Ciência & Tecnologia. Isto porquea C&T tem sido considerada como factordeterminante para o desenvolvimento, deque os EUA e outros países, como o Japão, oReino Unido, a Alemanha, a França, se constituíramem exemplos não contestados.Assinale-se então os casos de Ivan Pavlov,Ilya Mechnikok, Alexander Popov eKonstantin Tsiolkovsky. Outros haveria acitar, seguramente. Os dois primeiros foramlaureados com o Prémio Nobel daFisiologia/Medicina. Pavlov recebeu-o pelasdescobertas nos processos digestivos de animais.Pavlov entrou mesmo, mais do quepara a História, para o dia a dia devido àdescoberta do reflexo condicionado. Fala-sedo cão de Pavlov, do seu salivar, etc.Mechnikov ficou conhecido pela investigaçãopioneira em imunologia, tendo sido laureadocom o Nobel pelo seu trabalho naárea da fagocitose. Popov foi um pioneiroda telegrafia sem fios – TSF –, precedendoGuglielmo Marconi. Popov começou a realizarexperiências no início dos anos 90 doséculo XIX, na peugada de Heinrich Hertz.Em 1900, a tripulação de um navio guarda –costeiro russo salvou pescadores finlandesescom a ajuda da troca de telegramas entreduas estações rádio. O último exemplo referidoé o de Tsiolkovsky. O programa aeroespaciallançado pela União Soviética foiinspirado, entre outros, por ele, o maisantigo dos “pais” do programa. Tsiolkovskidiscutia na sua obra teórica “A exploraçãodo espaço cósmico por motores de reacção”,de 1903, quais os combustíveis necessáriospara que um foguetão pudesse disporda potência suficiente para se libertar daatracção terrestre e atingir outros planetas.Exemplos, penso que bem relevantes, deque a Rússia que se aproximava de fazer aRevolução de Outubro, sem embargo umenorme país pleno de contrastes, já tinhaentrado no ritmo da que progressivamenteviria a ser a moderna C&T, esta constituídano decurso do século XX como o maispoderoso pilar do moderno desenvolvimento.


IMAGENS das escolasO sorriso dosprofessoresNilda AlvesProfessora titular da UERJ Universidadedo Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ondecoordena o Laboratório Educação e Imagemwww.lab-eduimagem.pro.brSebastião Salgado publicou, com palavras deCristovam Buarque, um álbum de fotografias chamado“O berço da desigualdade”. As fotografias são deescolas em todo o mundo e trazem-nos os limitesmateriais das escolas dos pobres com uma força quesó, talvez, as imagens em P&B permitam.24 I 25 OUTONO 2009 I N.º186


Um dos fotógrafos brasileiros mais preocupadoscom as lutas populares é SebastiãoSalgado. No Brasil, ele publicou, com palavrasde Cristovam Buarque, político brasileiroe ex-Ministro da Educação, no primeirogoverno Lula, um álbum chamado“O berço da desigualdade”. As fotografiassão de escolas em todo o mundo e trazema nós os limites materiais das escolas dospobres com uma força que só, talvez, asimagens em P&B permitam. Trazem, também,tanto a importância que se dá, emtodos os lugares, a essa instituição, não sópara crianças – meninos e meninas –, maspara os jovens e os adultos – como o que opróprio fotógrafo nela percebe e nosindica com as fotografias feitas e escolhidaspara esse álbum.Nos países mais pobres – dos campos derefugiados palestinos à escola no fundo daselva da Indonésia; de uma prisão na Coréiado Sul para as famílias refugiadas da Coréiado Norte a escolas do Movimento dos Semterrano Brasil – Salgado fotografa os alunose alunas com um material escolar mínimo:um caderno com poucas folhas, um lápis,raros livros, quadro-negro e giz...Em várias delas, aparece, na cena fotografada,o professor que atende àqueles alunos.Delas, escolhi duas nas quais aparecemprofessores homens – existem tambémde professoras, mas seriam demaispara o espaço com que contamos. Convidopara que busquem ver o álbum e possamver a miséria e a grandeza desses professorese professoras.Mas o que é bom ver nessas fotografiascom professores é a animação que transmiteme a relação que mantêm com aclasse. Em uma, grandes braços abertosconvidam a uma resposta sobre uma borboletadesenhada no quadro-negro e paradá-la braços se levantam entusiasmados.Na outra, um sorriso sedutor e braçoserguidos para o céu convidam, também,para uma resposta que outros braços ao arquerem dar, mostrando que a lição foi bemaprendida. A primeira foi feita no Líbanoem uma escola para crianças palestinasrefugiadas (p. 102-103), a segunda em umaescola no Quênia na região do lagoTurcana (p. 166-167).Trabalhando em regiões pobres, dentro deconflitos muitas vezes violentos, em durascondições sempre, professoras e professoresparecem ter a certeza de que as crian-ças têm direito àescola e à alegria desaber. Nessa situação,eles estão comelas, trabalhando efazendo com quesejam melhores, talvez.Juntos, pensando– quem sabe?– que um mundomelhor é possível...Mais do que umaterrível imagem demuitos mortos dentrode uma escola,em Ruanda (p.126-127) que é possívelver em uma das fotografia,estas imagenschamaram minhaatenção porque vinelas possibilidadesde respostas a questõesque, hoje, todosnos colocamos nasescolas, sobre nossasações como professores.Ao contrário disto –quem sabe? – tomeiconhecimento naFrança, há algunsdias, com um esforçado professor, do siteque organiza (www.aideauxprofs.org) paraajudar professores a encontrarem uma outraprofissão, deixando para atrás uma que elesnão querem mais, que não suportam mais...Todos pertencem a um mesmo mundo?A força e o sorriso dos professores fotografadosmostram que, em circunstâncias dificílimas,trabalham com entusiasmo efazem trabalhar seus alunos. Por que naFrança – e na Europa toda sentimos isto, decerta maneira – os professores estãoabrindo mão de ser professores? Nãoagüentam mais? Em que momento e porque isto se deu?Nos trabalhos que desenvolvemos noBrasil com professores e professorasatuando na escola básica, sentimos queestão cansados com o profundo desprezoque as autoridades parecem ter por elesquando “encomendam” estudos de diferentesordens para mostrar: 1) que aumentosalarial não faz aumentar a qualidade doensino – ao ver estes estudos que são mais‘declarações’ do que outras coisas, sempreme pergunto curiosamente: o que faria,então? 2) que os professores não sabem enão querem usar as tantas tecnologias quecolocam à disposição na escola pra “facilitar”otrabalho deles – nesse caso, verifico,com freqüência que, nestes tempos de wi-fina orla de Copacabana (sim! Quem vai àpraia pode usar internet), as escolas nacidade do Rio de Janeiro, em sua grandemaioria, têm um só ponto de internet,localizado na sala da diretora para contatoscom a Secretaria de Educação com que aescola se relaciona.No meio a estas tantas dúvidas e incoerências,confesso que amo ver o sorriso dosprofessores nas fotografias de SebastiãoSalgado.REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICASALGADO, Sebastião e BUARQUE, Cristovam.O berço da desigualdade. Brasília: UNESCO, 2005.


EM focoAUTONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E GESTÃODOS ESTABELECIMENTOS PÚLICOSDA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR E DOSENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIOSindicatose especialistassão unânimes:novo modeloé autoritário,centralizadore limitadorda autonomia26 I27 OUTONO 2009 I N.º186


RICARDO JORGE COSTAO novo Regime de Autonomia, Administração e Gestão dosEstabelecimentos Públicos da Educação Pré-escolar e dos Ensinos Básicoe Secundário está em fase de implementação nas escolas. Apesar de namaioria delas o processo de selecção do director – peça chave de todo oprocesso - estar já concluído, em algumas o concurso ainda não foi abertoe noutras arrasta-se há meses.De acordo com o Ministério da Educação, o objectivo do novo diplomaé reforçar a participação das famílias e das comunidades na direcção dosestabelecimentos de ensino, favorecer a constituição de lideranças fortese reforçar a autonomia das escolas.Os sindicatos de professores, no entanto, afirmam que o novo modelo degestão foi aprovado sem se sustentar numa avaliação prévia do anteriorregime e sem dar ouvidos às críticas ao projecto formuladas quer por partede especialistas em administração escolar quer do próprio ConselhoNacional de Educação.A Federação Nacional de Professores, FENPROF, estrutura sindical maisrepresentativa dos professores portugueses, considera mesmo que o novoregime jurídico configura um retrocesso no funcionamento democrático daescola pública, recentralizando poderes, impondo soluções únicas em áreasonde até agora as escolas podiam decidir de forma autónoma e pondo emcausa os princípios da elegibilidade, colegialidade e participação.Para ficarmos com uma ideia mais concreta acerca das implicações do novodiploma no funcionamento das escolas, entrevistámos alguns dosintervenientes que mais atentos estiveram a este processo. Entre eles,Manuela Mendonça, co-coordenadora do Sindicato dos Professores doNorte (SPN) e membro do Secretariado Nacional da Fenprof, onde éresponsável por um grupo de trabalho nesta área; Licínio Lima, professore investigador do Departamento de Sociologia da Educaçãoe Administração Educacional da Universidade do Minho; e João Barroso,também ele reputado docente e investigador da área das ciências daeducação e autor de um parecer sobre esta polémica legislação.Para ler nas páginas seguintes e debater nas escolas.


EM focoAUTONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DAS ESCOLAS“Houve aEntrevista conduzida por RICARDO JORGE COSTAFotografia de INÊS ANDRADEvontadeexpressa doponto de vistapolítico deassumir umaposição deruptura com odiploma anterior”João Barroso é Professor Catedráticoda Faculdade de Psicologia e deCiências da Educação da Universidadede Lisboa.É actualmente presidente do conselhodirectivo da FPCEUL. Por solicitação doMinistério da Educação realizou oestudo “Autonomia e Gestão dasEscolas” (1987), e coordenou, entre1999-2002, o estudo “Reforço daautonomia dos estabelecimentosdos ensinos pré-escolar, básicoe secundário”. Foi coordenadore responsável científico pelo programade avaliação do modelo de gestãoinstituído pelo Decreto-Lei 115-A/98.No ano passado, redigiu um parecersobre o actual regime de autonomia,administração e gestão das escolas.É dele que damos conta nestaentrevista.28 I29 OUTONO 2009 I N.º186


EM focoNo parecer que elaborou questiona, antes de mais, o sentido e aoportunidade desta iniciativa legislativa. Pode comentar?Começando pela oportunidade, diria que uma iniciativa legislativadesta natureza poderia ser feita de duas maneiras: ou fazendo umarevisão do anterior diploma – o 115-A/98 – na perspectiva demelhorar e de operacionalizar determinados aspectos da legislação,ou através de diplomas regulamentares, como tem sido feito. Se oobjectivo era marcar uma ruptura com a legislação anterior, entãoa única forma era criar um outro diploma. Essa foi a opção que oGoverno tomou e é nessa perspectiva que ela deverá ser lida.Isto significa, portanto, que houve a vontade expressa do ponto devista político de assumir uma posição de ruptura com o diplomaanterior, que era considerado insuficiente ou continha deficiênciasque prejudicavam a sua operacionalização. Na minha opinião,houve um sentido político superior à simples alteração do regimede gestão em vigor.Na análise que faz dos respectivos conteúdos inicia o seucomentário pelo Conselho Geral, referindo não se perceber avantagem, pelo menos de um ponto de vista de clarezaconceptual, de substituir a Assembleia pelo Conselho Geral...Eu sou francamente favorável à existência de um órgão de participaçãocomunitária na gestão das escolas, posição que venho defendendodesde há bastante tempo. Mas o que está aqui em causanão é a existência ou não de um órgão de participação comunitária,mas sim a substituição de uma designação – Assembleia, quetem, aliás, uma tradição em Portugal e que remete claramente paraos órgãos de participação, pela de Conselho Geral – que é importadasobretudo do mundo da gestão empresarial e que, no casopresente, era importada da designação que foi utilizada para oregime jurídico do ensino superior.Do ponto de vista semântico há claramente a vontade de assumiruma designação que remete mais para o universo da gestão empresarialdo que para o universo político da participação comunitária.Quanto à composição do Conselho Geral, na altura em que elaboreio parecer, no início de 2008, a questão mais polémica era a obrigatoriedadede a presidência ser necessariamente exterior à escola.Impedindo que um professor pudesse ocupar esse cargo...Sim, mas isso foi revisto no diploma final. E ainda bem, já que essamedida – também ela importada do regime jurídico do ensinosuperior, onde o Conselho Geral é obrigatoriamente presidido poruma entidade externa – não faz sentido no contexto das escolassecundárias e dos agrupamentos, que são unidades de caráctercomunitário em que a presença do poder e do saber dos professoresé extremamente importante.No que se refere à figura e à natureza do cargo de director, dizque a existência de um órgão de gestão unipessoal ou colegialnão é, em si mesma, uma questão fundamental para a garantia dademocraticidade, para a qualidade e para a eficácia do exercíciodas funções...Sim, nesse aspecto não tenho uma visão maniqueísta. Acho quehá situações onde pode ser importante a influência da gestão unipessoal,inclusivamente em órgãos colegiais, e noutros casos ondeisso pode ser claramente um convite a uma gestão autoritária eprepotente. Continuo, por isso, a defender a possibilidade queestava contemplada no 115-A/98 de as escolas optarem por umaou outra modalidade, assumindo claramente a responsabilidadedessas escolhas.É verdade que no anterior diploma essa possibilidade existia e praticamentenenhuma escola optou por ela, mas isso não permitefazer uma leitura simplista de que as escolas querem, pelas boasrazões, a gestão colegial. Sabemos que em muitas escolas o factode não se optar por uma gestão unipessoal pode ser entendidacomo uma questão corporativa e de defesa de interesses, noutroscasos não. Considero assim que, embora fosse necessário exigiralguns critérios de fundamentação, deveria ser dada a possibilidadede escolha às escolas.Relativamente à eleição do director, critica o procedimentoconcursal prévio à eleição e diz mesmo que “além das dúvidasque podem ser levantadas quanto à legalidade de talprocedimento”, ele determina uma “perversa zona deambiguidade e um constrangimento absurdo”. Pode comentar?Eu tive oportunidade de fazer um estudo de avaliação sobre a aplicaçãodo decreto 172/91, que previa, aliás, uma solução muito próximadessa. No debate parlamentar realizado na altura, os deputadosdo Partido Socialista denunciaram essa ambiguidade e opuseram-sea ela, mas o diploma actual veio recuperar mais ou menosa mesma fórmula – que sofre dos mesmos defeitos que apontavano meu estudo, isto é, de ser uma solução híbrida: não sendo possívelacabar com a eleição, pelo menos pretende-se condicioná-la.Por um lado cria-se a lógica do concurso, que é de alguma forma“cego” às diferenças de ajustamento entre a pessoa e o lugar, e poroutro lado quer-se manter a escolha política que é feita pelosmembros de um órgão colegial. Há aqui, portanto, uma certa ambiguidade,uma legitimação contraditória. Por isso pergunto-me porque razão se opta por um sistema tão complicado, a não ser que,evidentemente, se queira condicionar a decisão final do voto livredos membros do conselho. Contudo, apesar da ambiguidade, e emúltima análise, nada deve impedir esta leitura, que é a correcta, deque cada membro do conselho possa decidir em plena liberdade.Outros dos pontos que analisa dizem respeito à composição eà presidência do Conselho Pedagógico e aos contratos deautonomia. Relativamente à primeira questão refere que não fazqualquer sentido que ele integre, por exemplo, o representantedos pais e encarregados de educação, principalmente tendo emconta a existência deste Conselho Geral...Desde sempre achei que a grande vantagem do ConselhoPedagógico era assumir-se como um órgão técnico-profissional.Nesse sentido teria de ser constituído por professores, e nomeadamentepor professores que desempenhassem funções de coordenaçãoe de supervisão na escola, fossem membros de equipaspedagógicas, etc.A entrada dos pais e do pessoal não docente para os conselhospedagógicos foi implementada para tentar colmatar uma insuficiênciada legislação de 1976, que não previa qualquer lugar para a participaçãodos pais. Esse “remendo” acabou por ficar como umaconquista das associações de pais e dos encarregados de educação.30 I 31 OUTONO 2009 I N.º186


Na minha opinião, porém, seria muito mais vantajoso clarificar queo lugar de participação dos pais é na Assembleia da Escola ou noConselho Geral e que o Conselho Pedagógico deveria ser entendidocomo um órgão técnico-profissional com competências estritasnesse domínio.No que se refere aos contratos de autonomia, refere que asolução adoptada põe em evidência o carácter evasivo da própriadefinição de autonomia. Quer comentar?Os contratos de autonomia foram sempre uma pedra no sapatodo ministério, desde Marçal Grilo, porque eles pressupõem quehaja uma reestruturação prévia da relação entre a administraçãocentral e a escola que nunca chegou a ter lugar. Um contrato deautonomia que se celebra no âmbito de uma administração burocrática,centralizada e autoritária é um absurdo.Na altura de David Justino, a realização dos contratos transformousenuma questão política, em fim de mandato, e no contextoconhecido da Escola da Ponte. Com a actual ministra procedeu-seà assinatura dos primeiros 22 contratos mas com um elementonovo que à partida não estava previsto – o de aparecerem claramentearticulados com o processo de avaliação das escolas, emcurso. Desse ponto de vista o contrato deixa de ser um instrumentopara a definição de autonomia e passa a ser, sobretudo, uminstrumento para a avaliação das escolas. Além disso, a experiênciatem mostrado que as escolas “ganharam” pouco com os contratose eles acabaram por, na prática, consagrar aquilo que já existia deuma maneira não tão assumida mas mais clandestina. Onze anosdepois de terem sido consagrados (Decreto-Lei 115-A/98) o quefoi feito é praticamente nada.Refere no seu parecer, aliás, que a atenção dada às questões dagestão reforça precisamente o sentido de que os problemasrelacionados com a autonomia resultam da deficiência domodelo de gestão, o que, afirma no documento, não correspondeà verdade...Sim, a questão da autonomia aparece aqui para “embrulhar” aquiloque é o objectivo central deste diploma, que é o controlo da gestão.E, desse ponto de vista, o diploma está feito exactamente parablindar qualquer veleidade de autonomia que as escolas possamter a esse nível. A autonomia é, no fundo, a roupagem que permitetornar esta discussão mais atractiva e a proposta legislativa maispersuasiva.O que mostram as experiências em outros países?É preciso dissociar a questão da autonomia das escolas da gestãoescolar. No que diz respeito à autonomia, este é um tema chavenas políticas educativas europeias e transversal quer ao espaçoeuropeu quer ao espaço extra-europeu, tendo-se transformado,desde há uns dez anos, numa espécie de solução “pronto a vestir”para os problemas da escola.Claro que em torno deste aparente consenso existem lógicascompletamente diferentes, porque há quem defenda uma autonomiada escola como primeiro passo para a sua privatização epara a criação de mercados educativos, mas também os quedefendem a autonomia como uma prática democrática e comoum valor que permite que a democracia seja posta em prática nasescolas. A autonomia não é um fim, mas um meio. Por isso ela deveser definida em termos políticos e não como uma simples modernizaçãoda gestão.E no que se refere à gestão?A questão da gestão é diferente porque as políticas são muito condicionadaspela história da administração da educação em cadapaís. Em Portugal, a discussão sobre a gestão não se pode fazernos mesmos termos do que em França, em Inglaterra, na Alemanhaou na Suécia. Porque temos uma história própria nesse capítulo.Neste sentido, a política de gestão que se adopta hoje não podefazer tábua rasa da evolução da história da escola portuguesa, emparticular desde 1974. Uma história totalmente original e excêntricarelativamente àquilo que era a prática corrente nos restantespaíses europeus. É preciso encontrar uma solução neste contexto.Mas pode-se, de algum modo, antecipar as consequências destalegislação para aquilo que poderíamos designar como a actualmatriz da escola pública?Eu não acho que seja um decreto-lei que irá fazer diferença. Aliás,estou a terminar um estudo que percorre a legislação escolar desde1986 até agora, e chega-se à conclusão de que os decretos-lei passam,as escolas ficam e acabam por se adaptar à legislação demaneira diversa. Não é, portanto, um decreto-lei que irá mudar arealidade. Há muitos outros aspectos, para além desta legislação, queestão a mudar a realidade. A questão da gestão não se resume aodecreto 75/2008. As questões ligadas à avaliação do desempenho deprofessores, por exemplo, são capazes de ter mais implicaçõesnaquilo que é, na prática, a gestão escolar do que esta legislação.


EM focoAUTONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DAS ESCOLAS“O novo regimereforça acentralizaçãoe contribui emlarga medida paraa erosão dacolegialidade e daparticipaçãointerna nosórgãos escolares”Entrevista conduzida por RICARDO JORGE COSTAFotografia de TERESA COUTOInvestigador e Professor Catedráticodo Departamento de Sociologia daEducação e Administração Educacionalda Universidade do Minho, Licínio Limaconsidera que o novo regime vemreforçar o poder do director sob aestrutura da avaliação escolar e afirmaque, ao contrário do que pretendefazer crer, o Ministério da Educaçãonão está preparado, do ponto de vistapolítico e administrativo, para transferirmais competências para as escolas.“Creio que para isso não valeria apena estar a alterar o 115-A de 1998”,diz Lima.32 I33 OUTONO 2009 I N.º186


EM focoUm dos três objectivos referidos no preâmbulo aponta para anecessidade do “reforço da participação das famílias ecomunidades” na direcção das escolas, indiciando um défice departicipação comunitária. Concorda com esta ideia?É difícil analisar esta questão de uma forma simplista. Apesar detudo, a investigação demonstra que, de facto, o índice de participaçãonão é propriamente muito activo, quer por parte dos professoresquer por parte da restante comunidade educativa, nomeadamentedos alunos, face aos quais essa participação é intermitentee genericamente passiva.Não me parece, no entanto, que seja este novo regime a invertera situação, porque no fundo ela deriva das características essenciaisda administração escolar portuguesa, caracterizada por umaelevada centralização do ponto de vista político e administrativo.A direcção das escolas está, no essencial, fora das próprias escolas– aquilo que há muito designo por direcção atópica das escolas –está nos órgãos centrais e desconcentrados do Ministério daEducação. Neste sentido, seria contraditório esperar que houvesseelevados níveis de participação activa no contexto escolar.O que traz então de novo este documento para fazer face aoreferido défice de participação democrática?Aquilo que este diploma poderá eventualmente trazer de novo éum maior protagonismo no que toca à intervenção autárquica.Sou, desde há muitos anos, um defensor da representação dasautarquias nos órgãos de gestão da escola. Se as autarquias levarema sério esta competência – e ouço dizer que em alguns casoso fazem, embora noutros se fale já em agendas políticas na aproximaçãoàs escolas, em todo o caso legítimas, desde que se cumpramas regras – admito que haja momentos de maior participação e deintervenção, seja na eleição do director, seja na constituição doConselho Geral.Globalmente, porém, não vejo de que forma os actores escolares, edesde logo os actores da comunidade em geral, venham a ter umaparticipação muito mais activa do que até agora. Porque, no essencial,nada vai mudar. A política continua centralizada, a direcção mantém-seatópica, e o Conselho Geral, ao contrário do que afirma odocumento, não é um órgão de direcção política estratégica.Devo dizer, a esse propósito, que não sou particularmente contraa existência de um órgão de gestão unipessoal. Dada a actual culturaprofissional e organizacional, porém, julgo que essa não será amelhor escolha. Mas se tivermos um director democraticamenteeleito e amplamente subordinado a um órgão político forte dentroda escola, teremos um executivo, unipessoal ou não, subordinadopoliticamente ao órgão máximo democrático representativoda escola, que seria um órgão de direcção.Isso conduz-nos a outro dos objectivos do diploma: favorecer a“constituição de lideranças fortes”. Uma avaliação externa dasescolas realizada em 2006/2007, porém, concluía que 91 por centotinha uma apreciação de “Muito Bom” e “Bom” no domínio da“organização e gestão escolar” e 83 por cento idêntica apreciaçãono capítulo da “liderança”. Até que ponto este diploma traz algumaluz nova a esta questão?Nenhuma investigação da qual tenha conhecimento, incluindo aspróprias avaliações externas das escolas, permite traçar um diagnósticoque aponte para a existência de lideranças escolares fracas.Pelo contrário, costumo dizer que as escolas funcionam bastantebem, com lideranças bastante atentas e responsáveis, não obstanteas intervenções do Ministério da Educação, através dos seus órgãoscentrais e regionais. Acredito inclusivamente que caso essa intervençãoestivesse menos presente e fosse menos asfixiante, eventualmenteas escolas poderiam até funcionar melhor.Não percebo, de resto, por que razão a alegada falta de liderançahaveria de coincidir com uma liderança colegial. As lideranças colegiais,também o diz a investigação, têm constituído um elementomuito importante na gestão das escolas portuguesas. Nada permiteconcluir que uma liderança individual seja melhor ou pior doque uma liderança colegial.O que habitualmente conduz a este tipo de conclusão são as perspectivasideológicas ligadas à Nova Gestão Pública, aquilo quedesignamos por perspectivas gerencialistas, uma lógica individualistada gestão importada sobretudo das teorias gerencialistas e económicas,oriundas de certos ideários políticos. De resto, creio que emqualquer dos casos, ainda que o legislador queira garantir boas liderançasindividuais nas escolas, isso seja difícil, ou mesmo impossível,por via jurídico-formal.Que tipo de implicações pode este tipo de liderança trazer à vidademocrática das escolas?Um dos problemas destas lideranças individuais num contexto fortementecentralizado é que, previsivelmente, os directores irãodispor de maiores poderes e prerrogativas sobre o interior dasescolas, mas sairão mais fragilizados no diálogo com o ME. Até aquihavia um órgão colegial, na figura do conselho executivo, que, apesarde tudo, era mais forte em termos de diálogo com as instânciasdo ME, representando mais claramente a comunidade escolar.Além disso, haveria, em princípio, menor propensão para tomardecisões erradas, porque quando quatro ou cinco pessoas trabalhamem conjunto têm tendência para debater mais os problemase diminuírem essa margem de erro. O director agora está sozinho,é um órgão unipessoal solitário. E quando ocorre um erro nas liderançasindividuais ele tende a tomar maiores proporções.Outra das principais metas do novo regime é “reforçar aautonomia das escolas”. Ela sai de facto reforçada com a novalegislação?O decreto 75/2008 é uma mera variação do 115-A/98. Em termosde autonomia não acrescenta coisa nenhuma, porque a escolaportuguesa continua refém da figura dos contratos de autonomia- o mesmo é dizer que está completamente fora dela. Basta recordarque com o anterior regime se assinaram 22 contratos, à luz do75/2008 não houve um único contrato a ser celebrado.Neste capítulo, o artigo 58, referente à atribuição de competências,é espantoso, porque é tão genericamente limitado e elementarem termos de atribuição de autonomia que a pergunta certa afazer seria: mas como podem funcionar as escolas na ausênciadesta pequena transferência de competências?34 I 35 OUTONO 2009 I N.º186


O que está aqui então verdadeiramente em causa?Creio, sem dúvida, que é o reforço da direcção individual, o reforçodo poder do director sobre a estrutura da organização escolar.Nesse sentido, chamo a atenção para dois elementos muito importantes.Em primeiro lugar, o director passa a nomear e a demitir livrementeos responsáveis dos departamentos curriculares, de acordocom o seu próprio critério, o que representa uma mudança profundaem relação aos processos de democracia e de colegialidadedas estruturas ligadas ao conselho pedagógico e às estruturas derepresentação e coordenação dos professores nos seus departamentos.Por outro lado, no caso das escolas agrupadas, poderáexistir um coordenador de estabelecimento – mas que em casoalgum será um representante desse estabelecimento junto dodirector e da escola sede; pelo contrário, será um representante dodirector do agrupamento junto ao seu próprio estabelecimento deensino.Em termos estruturais e morfológicos, as alterações do 75/2008 sãoreduzidas. Onde as alterações são de facto maiores é no discursopolítico-ideológico relativamente à abertura da escola ao meio, dandomaior protagonismo às autarquias e aos actores comunitários. Mas aabertura da escola ao meio não depende apenas disso – e a investigaçãotambém assim o demonstra – mas sim de muitos outros factorese projectos. E de algo essencial, que é a maior abertura do MEà definição de políticas no interior das escolas.Que consequências poderão advir para aquilo que poderemosdesignar como a actual matriz da escola pública portuguesa?Em primeiro lugar, julgo que o Conselho Geral não trará maispoder e mais autonomia às escolas, e penso que rapidamente sechegará a essa conclusão. Por outro lado, o cargo de director podeser muito poderoso internamente, mas muito débil e enfraquecidoexternamente. Ao contrário do que se afirma no decreto 75/2008,ele não será o rosto de cada escola, mas tenderá, isso sim, a ser orosto do ME dentro de cada escola. A par disto temos ainda oConselho das Escolas - caracterizado como um órgão consultivodo ministro da educação e como fórum de participação nas políticaseducativas, mas que na verdade serve para clarificar orientaçõespolíticas relativamente às escolas.Em resumo, considero que o novo regime reforça a centralizaçãoe contribui em larga medida para a erosão da colegialidade e daparticipação interna nos órgãos escolares, através de uma apostanuma gestão unipessoal, que reforça muito a figura do director. Desubstantivo, não se deverá contar com nada de novo relativamenteà autonomia e democracia nas escolas, pelo contrário.Uma mudança, portanto, que não vem alterar o substancial...Sim, porque não é possível uma escola mais democrática, maisautónoma e mais participativa se a lei orgânica do ME continuar amesma. Não há uma transferência significativa de competênciasrelativamente às escolas, e desse ponto de vista o novo regime éuma desilusão e mera retórica. Objectivamente, o ME não estápreparado, do ponto de vista político e administrativo, para transferirmais competências para as escolas. Creio que, nesse caso, nãose justificaria alterar o 115-A de 1998.


EM focoAUTONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DAS ESCOLASNovo regime éEntrevista conduzida por RICARDO JORGE COSTAFotografia de TERESA COUTO“um retrocessonofuncionamentodemocrático daescola pública”Manuela Mendonça é co-coordenadorado Sindicato dos Professores do Nortee membro do Secretariado Nacional daFederação Nacional de Professores.Nesta entrevista, faz o ponto desituação da implementação do novoregime de autonomia e gestão dasescolas e explica porque razãoos sindicatos desta federação estãocontra o novo diploma.36 I37 OUTONO 2009 I N.º186


EM focoQual é, em síntese, a opinião da Fenprof face ao novo regime deautonomia e gestão das escolas?A Fenprof considera que ele representa um retrocesso no funcionamentodemocrático da escola pública. É um regime que fazregressar a figura do director às escolas portuguesas, numa lógicade recentralização de poderes, assente numa clara cadeia decomando que começa nos serviços do ME e acaba nos coordenadoresdas estruturas pedagógicas intermédias.Para o Governo, este modelo é uma peça fundamental para a consolidaçãode uma concepção de escola coerente com a concepçãode professor que o novo Estatuto da Carreira Docente (ECD)configura. Para garantir professores obedientes e acríticos, há quereduzi-los à dimensão de funcionários, controlando fortemente asua actividade. Isso não se compagina com a democracia na direcçãoe gestão das escolas.Que aspectos consideram mais negativos?A imposição de soluções únicas a todas as escolas, retirando-lhesos poucos espaços de autonomia de que dispunham ao nível dasua organização interna; o fim de vários processos eleitorais, restringindoa participação dos actores escolares na direcção e gestãoda sua escola; o fim da tradição de colegialidade na gestão escolardo pós 25 de Abril, impondo a todas as escolas um órgão de gestãounipessoal, seleccionado através de um processo híbrido deconcurso e eleição; a concentração de poderes de decisão nodirector, último elo da cadeia hierárquica do Ministério daEducação (ME) em cada escola.O director condicionará todo o processo de avaliação, nomearácoordenadores de departamento, de conselho de docentes e deestabelecimento, seleccionará e recrutará o pessoal docente nostermos dos regimes legais aplicáveis e decidirá a colocação dentrodos agrupamentos de escola.Supostamente, esta concentração de poderes pretende dar aodirector meios para que ele possa “desenvolver o seu projecto”.Mas não é o projecto educativo da escola – para cuja concepção,desenvolvimento e avaliação se convoca a participação da comunidadeeducativa representada no Conselho Geral – que competeao director executar e fazer executar? Estamos, enfim, perante aconsagração de uma espécie de autonomia do chefe, em detrimentoda autonomia da escola.Que implicações tem essa autonomia do chefe, como refere?Quando o horário e local de trabalho, a avaliação e a carreiradependem da decisão de um chefe, é melhor pensar duas vezesantes de fazer seja o que for que o possa contrariar… Quantomais dependentes estivermos, mais condicionados nos sentiremos.Numa Conferência organizada no âmbito da segunda PresidênciaPortuguesa da União Europeia, em 2000, a representante doGoverno sueco, fazendo o balanço de dez anos de um programade reforço da autonomia das escolas no seu país, concluía que esteia ser revisto porque em vez de contribuir para aquele objectivo,tinha, afinal, reforçado a “autonomia do chefe”, constatando-se quea desejada maior participação dos actores escolares não tinhaacontecido e que, pelo contrário, os professores intervinham cadavez menos na vida da escola.Já para o Governo português, a preocupação é retirar espaços deintervenção e de participação aos professores. Subjacente a estaalteração legislativa, como a outras, está uma desconfiança, quaseobsessiva, em relação à classe docente. Estranha ideia esta de quemnos governa, de que no sistema educativo português há dois interessesinconciliáveis: de um lado o dos professores, do outro o dasescolas e dos alunos...Esta é uma matéria em que as diversas organizações sindicaisestão de comum acordo – tal como aconteceu recentementerelativamente a outras questões – ou há posições divergentes?Sobre esta matéria, não há posições comuns. A Plataforma Sindicalconstituiu-se como uma frente de luta contra o ECD mas, mesmoa este nível, a convergência está mais no que se recusa e não tantono que se propõe. Por exemplo, relativamente à avaliação dodesempenho, todos os sindicatos recusam o modelo imposto peloME, mas propõem em alternativa soluções diferentes. Enquanto aFenprof defende uma avaliação entre pares, participada e co-construídapelos próprios professores, a FNE, tanto quanto sei, defendeuma avaliação externa.Relativamente à gestão das escolas, a Fenprof e a FNE têm há muitosanos posições diferentes sobre várias questões. Por exemplo,em relação à unipessoalidade do órgão de gestão. Por essa razão,não foi possível uma convergência de posições no âmbito daPlataforma.De que forma têm reagido, em geral, as escolas e os professoresa este processo?O facto de esta alteração legislativa ter coincidido com a implementaçãodo modelo de avaliação do desempenho retirou centralidadee prejudicou o debate sobre o novo regime. Basta ver queo processo de selecção do director ocorre no meio de um anolectivo que ficará para a história como um dos mais conturbadosna educação em Portugal. Um ano em que os professores fizerama maior manifestação e a maior greve de sempre.Isso significa que os professores não se envolveram na implementaçãodo modelo?Não, os professores acabaram por intervir no processo, mas fizeram-nocentrando a sua preocupação não no modelo e no que elerepresenta, mas essencialmente nas pessoas, no perfil dos candidatosao cargo de director. De acordo com os contextos, ora semobilizaram para garantir que o anterior presidente do conselhoexecutivo se candidatava, ora procuraram encontrar um candidatoque constituísse uma alternativa ao anterior detentor do cargo.Há um número significativo de directores que se candidataram porpressão dos colegas ou de outros elementos da comunidade escolare que têm manifestado publicamente a sua discordância relativamenteao modelo. Mas independentemente das pessoas queocupem os cargos e da preocupação que possam ter em atenuaros efeitos negativos daí decorrentes, o que está em causa é a configuraçãodo modelo e as suas implicações. Muitos professores sóagora se começam a aperceber disso.38 I 39 OUTONO 2009 I N.º186


O processo de selecção do director está terminado em todas asescolas?Na grande maioria das escolas sim, mas há ainda escolas onde oconcurso não foi aberto e outras em que os processos de selecçãose arrastam há meses. Mas apesar de ainda estar em fase deinstalação, os efeitos negativos da aplicação do decreto-lei 75/2008são já visíveis em muitas escolas.Que efeitos são esses?Para além de irregularidades processuais várias, algumas objecto deacções judiciais, o que me parece mais relevante é um acréscimode conflitualidade, a deterioração do clima de escola e a partidarizaçãoda gestão escolar. E aqui há situações muito diversas que vãode pressões e tentativas de manipulação de membros dosConselhos Gerais Transitórios para votações favoráveis a determinadocandidato, ao controlo de todo o processo pelo poder autárquico,em função de interesses político-partidários.Que diligências tem efectuado a Fenprof junto dos restantes partidospolíticos com assento na Assembleia da República no sentidode reverter este diploma?A Fenprof editou recentemente o Livro Negro das PolíticasEducativas do XVII Governo Constitucional, com o qual procuracontribuir para a avaliação das reformas impostas nesta legislaturae que tem vindo a apresentar aos partidos políticos concorrentesàs próximas eleições, tendo em vista a assunção de compromissosque permitam corrigir essas políticas.Que receptividade tem obtido e que compromissos conseguiu?Estas reuniões ainda estão a decorrer. Há receptividade dos partidosà esquerda do Partido Socialista para reverter este processo,caso venham a estar em condições de influenciar a próximagovernação. Temos consciência de que à direita vai ser mais difícilobter compromissos nesta área, porque o que este regimeconsagra são, no essencial, as propostas do PSD.Apesar de não surpreender, não deixa de ser irónico que oGoverno de José Sócrates altere a legislação do Governo deAntónio Guterres, com as propostas do PSD. A única diferença,que assinalo e não desvalorizo, é que para o PSD o directorpode não ser um professor. Tudo o resto é decalcado do queeste partido tem vindo a defender, pelo menos desde o iníciodos anos 90.Independentemente destes contactos e dos seus resultados,que outras iniciativas irá tomar a Fenprof no sentido defazer recuar o Governo?No plano jurídico, e com base num parecer do ex-JuizConselheiro do Tribunal Constitucional Guilherme da Fonseca,estão em curso duas iniciativas: um pedido da fiscalização sucessivae abstracta da constitucionalidade do diploma e um requerimentoao Ministério Público para que proceda à interposiçãode acção de impugnação de normas por ilegalidade.No plano político, a Fenprof intervirá junto do próximoGoverno, contestando a necessidade e a oportunidade destaalteração legislativa, assim como a validade das soluções impostas.Continuará a procurar as melhores soluções para a governaçãodemocrática das escolas e a bater-se por um ordenamentojurídico que respeite a sua autonomia, que promova dinâmicasparticipativas, que consagre a elegibilidade dos órgãos e a colegialidadedo seu funcionamento, em suma, que reforce a democracianas escolas.


LINGUAGENS desenhadasOficina deDesenho 1 :uma experiênciade liberdade criativaA arte mais importante do professor é saber despertarnos alunos a alegria de criar e conhecer.EinsteinAndré BrownMestre em Educação e cartunista. Membro dogrupo de pesquisa “Linguagens desenhadas eeducação”, coordenado pelo prof. Paulo Sgarbi,e do Laboratório de Educação e Imagem,coordenado pela profa. Nilda Alves, ambos noProPEd / UERJ. É bolsista TCT5, da FaperjPublica o Blog http://cartumfazescola.zip.net/Contato: andre_brown@uol.com.brDesde o início da década de 90, atuo comocartunista e professor no Rio de Janeiro.No meu caso, o interesse pela arte do desenhoantecedeu à minha formação comopedagogo. Hoje, faço uso das linguagensdesenhadas no meu trabalho seja em salade aula ou na pesquisa em educação. Muitodessa minha vontade de trabalhar comdesenho e educação se expressou na experiênciacotidiana, durante onze anos, naminha Oficina de Desenho.Quando criei a Oficina de Desenho, eu jáhavia realizado cursos livres em instituiçõescomo a Casa de Leitura de Laranjeiras(Funda ção Biblioteca Nacional) e em centroscul tu rais. O projeto inicial da oficina foipensado para ser realizado em escolas, masdepois estruturei um espaço próprio parainiciar o trabalho. Isso aconteceu em 1998,e eu estava iniciando o curso de Pedagogiana Faculdade de Educação da UERJ. Simultaneamenteia desenvolvendo as práticas deensino da Oficina de Desenho e conhecendoas teorias dos pensadores da Edu -cação, que, muitas vezes, praticava no meucotidiano em sala de aula. Um exemplo deidentificação de elementos dessas pedagogiasna Oficina de Desenho foram as aulas--passeio, historicamente indicadas por CeléstinFreinet como prática de ensino. Visitamos erealizamos aulas de desenho ao ar livre naFloresta da Tijuca, no Jardim Botânico, noPasseio Público, na Praça da República, naQuinta da Boa Vista e Jardim Zoológico.A ideia de palavras geradoras, pensada e postaem prática por Paulo Freire para a alfabetização,usando palavras do cotidiano dosalunos, me inspirou a utilizar o que defino,( 1 ) Oficina de Desenho André Brown situada na cidade do Rio de Janeiro.40 I41 OUTONO 2009 I N.º186


por analogia, como imagens geradoras. Incluonessas imagens fotos, pinturas, esculturas,ilustrações ou qualquer outra referênciavisual que sirva de estímulo à criação denovos desenhos em sala de aula.Alunos com idades e níveis de desenvolvimentodiferentes interagiram durante asaulas da oficina, trocando conhecimentosenquanto realizavam seus desenhos, talqual escreveu Vigotski (1998) sobre a zona dedesenvolvimento proximal, explicando-a comoa distância entre o nível de desenvolvimentoreal, que se costuma determinar através dasolução independente de problemas, e o nívelde desenvolvimento potencial, determinadoatravés da solução de problemas sob a orientaçãode um adulto ou em colaboração comcompanheiros mais capazes. (p. 112)a zona de desenvolvimento proximal hoje,será o nível de desenvolvimento real amanhã– ou seja, aquilo que uma criança pode fazercom assistência hoje, ela será capaz de fazersozinha amanhã. (p. 113)balho ali realizado, o que me faz concordarcom Freinet (1998):Sem dúvida, vocês se perguntarão até queponto a iniciação e o exercício podem aumentara eficácia dos meios de expressão artística.Teremos, nesse campo, de ser muito prudentes edesconfiar da sistematização, vício permanenteda escolástica que, a pretexto de codificar,justificar e regular a inspiração, podemuito bem neutralizá-la e destruí-la. (p.392)Agora, a memória das práticas de ensino daOficina de Desenho me ajudam em umanova etapa do meu trabalho na UERJ, nogrupo de pesquisa que começa a prepararoficinas para alunos da Faculdade deEducação, criando a Gibiteca ArmandoSgarbi, cujo acervo apóia as minhas aulas dadisciplina Tecnologias em Educação, naqual instrumentalizo a linguagem do desenhonos usos (CERTEAU, 1994, p. 93) dasantigas e novas tecnologias educacionais.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASCERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1.artesde fazer. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1994.FREINET, Celéstin. A educação do trabalho. São Paulo:Martins Fontes, 1998.VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente– o desenvolvimento dos processos psicológicossuperiores. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.Reconhecendo a importância de todas essasteorias terem perpassado o cotidiano daOficina de Desenho, ainda considero maisricos os períodos quando os alunos conseguiamautogerir seus aprendizados, buscandoseus próprios temas e técnicas comliberdade. Nessas ocasiões eu era um facilitador,que acompanhava as aventuras artísticasdos alunos, que algumas vezes usavam oacervo de livros de arte, revistas e recursosaudiovisuais nas salas de aula como fonte deconsulta. As bandas desenhadas serviramcom frequência como referência para ensinardesenho e usos de elementos de linguagem,associando textos e imagens paracompor narrativas.Na Oficina de Desenho, realizamos exposiçõesde alunos, professores, artistas convidados,desenvolvemos projetos coletivosde criação de bandas desenhadas, incentivamosa publicação de jornais alternativos,fanzines, revistas, livros independentes eparticipamos ativamente de eventos, sempreabordando a arte do desenho. Mesmocom todo esse entusiasmo pelo trabalhoartísticopedagógico na Oficina de Desenho,nem sempre as coisas aconteceram como oplanejado, ocorreram desacertos, sistematizaçõesequivocadas, o que me leva a crerque enquanto a oficina funcionou comoum ateliê, um espaço de liberdade criativa,houve um melhor aproveitamento do tra-Estudo realizado pelo aluno Lucas Lugarinho (17 anos), com canetas hidrocor, durante uma aula da Oficina de Desenho


FORMAÇÃO e desempenhoFORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORESA interculturalidadeem contexto de estágio42 I 43 OUTONO 2009 I N.º186


O alargamento temporal da formação para 5 anos,incluindo um mestrado, desafia a exigência e amplia ascondições para a realização de formaçõesreflexivamente fundamentadas, em domíniosestruturantes das competências docentes.Carlos CardosoInstituto Politécnico de Lisboa. Escola Superiorde Educação de Lisboa, ESELisboacido alguma desvalorização ou ocultaçãode situações de natureza intercultural eracial, vividas ou observadas pelos estudantes.E, como referi no número deVerão de 2009 de A PÁGINA, tem sido frágilo protagonismo da investigação comoprática ou como explicitação do observadoe do realizado nos estágios.Independentemente da modalidade adoptadapara o trabalho final – dissertação,trabalho de projecto ou estágio com osrespectivos relatórios – a investigação,enquanto atitude e prática, deve constituirum elemento distintivo do 2.º ciclo//mestrado. As decisões, as práticas, assituações e as interacções, vividas peloformando em tempo de prática, e o desejode antecipar bons desempenhos comodocente, acentua a sua disponibilidade esensibilidade para questões que possammelhorar aquele desempenho no futuro.Assim o supervisor o oriente para o aprofundamentoda relevância do que vive edo que observa no contexto do estágio!Seja qual for a modalidade do trabalhofinal no 2.º ciclo da FIPE (dissertação, trabalhode projecto ou estágio), as intervençõeseducativas proporcionam, de diversosmodos, oportunidades formativas e aemergência de temas e processos, noO tema da interculturalidade e da educaçãoe diversidade tem sido, com regularidade,objecto de artigos de diversos colaboradoresde A PÁGINA. Este texto mantémessa regularidade. Visa contribuir paraa (re)contextualização do tema enquantoconteúdo do novo modelo (3+2 anos) daformação inicial de professores e educadores(FIPE). Apesar da inadequação dealguns aspectos da estrutura proposta, oalargamento temporal da formação para 5anos, incluindo um mestrado, desafia aexigência e amplia as condições para a realizaçãode formações reflexivamente fundamentadas,em domínios estruturantesdas competências docentes. A preparaçãopara o trabalho em contextos escolarescaracterizados pela diversidade é, seguramente,um desses domínios. A FIPE é aetapa estruturante de concepções coerentese pluralistas para a gestão do currículopelos futuros docentes. A fundamentaçãoteórica e reflexiva de práticas, em contextode estágio, envolvendo a diversidadedos alunos, é condição para a consolidaçãode tais concepções. Não tem sido, noentanto, uma dimensão particularmenteconsiderada na organização, na dinâmicae na supervisão dos estágios. Por razõessociologicamente explicadas, tem prevaledomínioda educação e diversidade, quepodem fundamentar trabalhos finais comníveis esperados num mestrado. Entreesses temas podem referir-se: a permeaçãodo projecto curricular com a dimensãointercultural ajustando-o à diversidade dosalunos, contrariando assim práticas educativasmonoculturais; a identificação e oaprofundamento, de acordo com metodologiasde investigação, de questões//problemáticas interculturais; o desenvolvimentode trabalhos centrados no ethosescolar, na caracterização da classe, daescola e da comunidade em termos culturais,étnicos e sociais. Ao nível da sala deaula, são diversos os domínios, com relevânciaintercultural, geradores de questõespara trabalhos mais aprofundados: interacçõesinterculturais, constituição e funcionamentodos grupos, lideranças, culturasna sala de aulas (na gestão e realização docurrículo, nas interacções), discursos,materiais, adequação curricular, etc.A constituição, com maior ou menor institucionalização,na escola de formação, delinhas de investigação – por exemplo: educaçãoe diversidade – alimentadas pelostrabalhos dos estudantes, ajudaria a consolidarpráticas, percursos e culturas de exigênciana FIPE.


PEDAGOGIA SocialINVESTIGAR EM PORTUGALEntre o rigore o desvioA investigação tornou-se de facto uma prioridade ao mesmotempo que foi adquirindo uma maior visibilidade ecompreensão quanto à sua importância junto do senso comum.Ao mesmo tempo, promoveu-se um conjunto de distorções noseu desenvolvimento institucional que urge corrigir.Adalberto Dias de CarvalhoFaculdade de Letras da Universidade do PortoNos últimos anos, o país e muito particularmenteo ensino superior têm assistido a umincremento da investigação a todos os títuloslouvável e fundamental para um desenvolvimentosustentado da sociedade emuito concretamente da sua cultura e da suaeconomia. Os fundos comunitários permitiram-no,as universidades encontraram aíuma autêntica bóia de salvação para a suapenúria orçamental. A verdade é que ainvestigação se tornou de facto uma prioridadeao mesmo tempo que foi adquirindouma maior visibilidade e compreensãoquanto à sua importância junto do sensocomum. Acontece, porém, que, ao mesmotempo, se tem promovido um conjunto dedistorções no seu desenvolvimento institucionalque, em nossa opinião, urge corrigir.Aqui fica o elenco de algumas delas naexpectativa de que se proceda à sua correcção:– Na avaliação de novas unidades de investigação,a preocupação com o rigor nadefinição e aplicação dos respectivos critérios,deixa apenas espaço à selecção eapoio de centros com elevados patamaresde qualidade já implantada. Contudo,esta estratégia, aparentemente não susceptívelde qualquer reparo, desde que seinstale como uma via sem alternativas,pode, a prazo, condenar ao abandono e,portanto, à aniquilação pura e simples,de projectos embrionários com potenciaisde crescimento interessantes.Projectos estes muitas vezes protagonizadospor grupos ou instituições queprocuram vias inovadoras mas sem possibilidadede se agregarem com terceiros,ou por não serem por estes aceites exactamentecom receio de, assim, passarema suportar uma carga negativa perantequem os avalia e financia, ou apenas por-44 I 45 OUTONO 2009 I N.º186


que tal caminho nãoconstitui, de facto, umamais-valia nem para uns nempara outros.– Em consonância com o quefica dito acima, na prática dasavaliações de novas unidadesverifica-se, com alguma frequência,uma tendência para seprivilegiar uma apreciaçãoretrospectiva – evidentementemais segura – emlugar de uma visão prospectiva– com inegáveisriscos suplementares mas,com certeza, a única quepoderá alicerçar umaimprescindível abertura àinovação. Claro que, quandoestão em causa dinheiros públicos,estes riscos terão de ser calculados,mas não se confunda também prudênciacom recusa pura e simples da disponibilidadepara incentivar o pioneirismo,uma disponibilidade que acarretarianecessariamente o recurso a uma monitorizaçãoacrescida destes projectos.– Um outro aspecto a ter em conta é orisco de a organização epistemológicados saberes tradicionais se transformarem exercício de controlo sobre emergênciasinterdisciplinares olhadas como inusitadasou tão-somente como arbitráriaspor escaparem à jurisprudência dos tribunaiscanónicos da ciência. Um talrisco acentua-se no terreno das ciênciassociais e humanas, mais inseguras e, porisso, sempre receosas de abrirem brechasque de algum modo justifiquem as desconfiançasdas chamadas ciências duras.Estas situações tendem a agravar-sequando os projectos em julgamento partemde objectivos ou problemas práticoscuja natureza não obedece naturalmenteàs lógicas disciplinares estritas.– No momento da apresentação de projectos,a obediência aos paradigmas anglosaxónicosimpõe, por sua vez, uma compressãofrequentemente incomportávelda complexidade de conceitos e ideiasque passama ficar prisioneirosdas amarras impostas por cifras de caractereslargamente arbitrárias, muito especialmenteno campo das humanidades.Sabemos bem que, por razões pragmáticase até de objectividade, importa travaros excessos retóricos abundantes nestesdomínios. Mas não ignoramos que háigualmente limites de bom senso queconvém não serem ultrapassados porparte de quem impõe as regras, sob penade se inviabilizar a própria complexidadede muitos projectos, empobrecendo-secontraditoriamente a dinâmica dos processosde construção do conhecimento.– Por último, coloca-se a questão da hegemoniada língua inglesa… Claro que oinglês é a língua de comunicação universale que o é muito especialmente no seiodas comunidades científicas. Masimporta também, sem dúvida, que ainvestigação financiada apoie decisivamentea afirmação do português comolíngua veicular entre as comunidadescientíficas constituídas ou a constituirnos países que o têm como sua línguamaterna ou oficial. O estímulo ao usoquase exclusivo da língua inglesa para adivulgação das produções científicaspoderá vir a acarretar a destruição oupelo menos a despromoção do portuguêscomo meio de expressão e comunicaçãodesse património cultural que é a ciência.O que seria inaceitável!Qualquer um dos tópicos enunciados temimpactos profundos em quem investiga, noque investiga e no modo como o faz. Nãose pode por isso perder mais tempo na correcçãodas políticas que, sendo aqui relevantes,podem determinar os êxitos e osfracassos.Luísa Couto


PEDAGOGIA SocialLosolvidadosJosé Antonio Caride GómezUniversidad de Santiago de Compostela. GalizaJoseantonio.caride@usc.es46 I 47 OUTONO 2009 I N.º186


Hace años que los poderes públicos y las organizaciones cívicas parecenasumir las insuficiencias de la denuncia, aceptando que la exclusión es unatentado a la dignidad humana… y, consecuentemente, a una vida encomún con pretensiones mínimas de justicia, equidad y libertad. Así sereconoce en el amplios textos internacionales, la urgencia de la acción.Abundan quienes todavía identifican laPedagogía Social con un quehacer educativomarginal, reduciendo – con una obstinadapereza intelectual – la amplitud desus identidades teóricas, metodológicas yprácticas a una educación de formalidadesinciertas, con la que salir al paso de necesidades,problemas o realidades que afectana personas y/o colectivos a los que resultaextremadamente complicado cualquiertipo de acomodo social: ya sea en elmundo de la educación escolar, en el deltrabajo o en la participación ciudadana.Tres escenarios a los que se añaden otrosen el ámbito de la salud, la cultura, lavivienda, los servicios sociales, etc., cuyasmúltiples carencias son una fuente permanentede exclusión, vulnerabilidad y desarraigosocial.Ahora, como antes, aludimos a “los olvidados”;una expresión en torno a la que LuísBuñuel construyó una magistral crónicacinematográfica de los suburbios deCiudad de México, mostrando las tragediascotidianas de una sociedad encadenadaa la miseria y al abandono. Una expresióna la que hoy recurrimos poco, pormucho que a ella prendan su vida millonesde personas en todo el mundo, abrumadaspor la pobreza y el desamparo crónicos,condenadas ser victimas de un destino queninguno de nosotros quisiera para simismo y que, en su gran mayoría, ningunade ellas ha querido.Durante décadas bastó con su diagnóstico,al que dotaron de una estimable cargaanalítica las Ciencias Sociales, desvelandocuantitativa y cualitativamente el alcancede sus magnitudes visibles y ocultas, con lacomplicidad de los medios de comunicaciónsocial; o, para ser más precisos, dela televisión, que con insistencia pone aquienes viven en y de la calle al cobijo denuestros hogares. La pobreza y los pobres,como nunca antes ha sucedido, son utilizadospor medios ricos para instalarse fugazmenteen las apáticas miradas de quieneshabitualmente eludimos su mirada en lascalles, indolentes ante la severidad de susrostros, de sus arrodillados e implorantessilencios, de sus manos tendidas.., allídonde sus estancadas vivencias contrastancon nuestro paso acelerado hacia el consumoo el ocio.Hace años que los poderes públicos y lasorganizaciones cívicas parecen asumir lasinsuficiencias de la denuncia, aceptandoque la exclusión es un atentado a la dignidadhumana; y, consecuentemente, a unavida en común con pretensiones mínimasde justicia, equidad y libertad. Así sereconoce en el amplio repertorio dePactos, Convenciones, Recomen da ciones,Estrategias, Objetivos, etc. de alcanceinternacional, insistiendo en la urgencia dela acción. Y, mucho más aún, en la efectividadde las medidas que se adopten paraafrontar sus críticas circunstancias, tal ycomo ha reconocido la Comisión Europeaal designar 2010 como el “Año Europeo deLucha contra la pobreza y la exclusión social”.Tratándose de un problema complejo, loesencial ya no consiste tanto en denunciare interpretar las situaciones en las que semanifiesta, sino en aportar soluciones quepermitan articular otros modos de hacerpartícipes a las personas y a la sociedad dedinámicas más inclusivas, con una educaciónque posibilite una presencia activa,medular y substantiva, de la PedagogíaSocial en su construcción, dentro y fueradel sistema escolar. Sin duda, en las escuelas,porque como ha dejado claro recientementela profesora Ángeles Parrilla, todoindica que en el contexto escolar anidanformas de exclusión que pasan a menudodesapercibidas, incorporadas al bagajecomún del hacer tradicional de sus instituciones,de los programas y de los profesores.Pero también, tanto o más, en las familiasy en las comunidades locales, contribuyendoa repensar las responsabilidades quesupone educar con equidad, en el respeto ala diversidad. Una educación que ademásde adoptar cambios normativos, organizativoso metodológicos, promueva una activarevisión de los principios y actitudesque la inspiran, con un enfoque pedagógico,filosófico y axiológico de alcance cívico,ético y moral. Que incida en los valores,saberes, competencias y recursos quepermitan disponer de una verdaderasociedad educadora, inclusiva e incluyentede todas las personas, allí donde seencuentran y dialogan: en las plazas y enlos barrios, en los centros cívicos, en losservicios sociales y culturales, en los pueblosy en las ciudades. La Pedagogía Socialse ha comprometido con esta tarea tantocomo ha podido, y reivindica seguirhaciéndolo: no en los márgenes, sino en elnúcleo duro del pensamiento y de las prácticasque pueden y deben llevarnos haciauna sociedad más cohesionada y, por ello,menos dada a ignorar pedagógica y socialmentea muchos de quienes la habitan.


[TRANS]formaçõesA metamorfosede um líderJosé Manuel SilvaInstituto Politécnico de Leiria. Escola Superiorde Educação e Ciências Sociais (ESECSLeiria)jmsilva@esecs.ipleiria.ptA liderança é uma arte e uma circunstância.“Um líder não nasce, faz-se”, é uma expressãoglosada por muitos autores e quase umlugar-comum. Também não é líder quem quer,mas apenas quem é reconhecido como tal.As características dos líderes estão descritasabundantemente na literatura da especialidade,mas os seus percursos de vida nem tanto.Perceber melhor como é que um cidadãoanónimo se torna um líder foi um dosobjectivos de uma investigação( 1 ) realizadasobre directores de escolas. Os sumários dedois percursos de vida, traçados a partir domaterial recolhido, ilustram a metamorfose.Por razões editoriais, serão publicadosseparadamente.( 1 ) Silva, J. (2009). Líderes e lideranças em escolas portuguesas. Trajectos individuais e impactos organizacionais. Tese de doutoramento apresentada à Universidade daExtremadura. Disponível em www.campolavrado.blogspot.com.48 I 49 OUTONO 2009 I N.º186


Carlos,o acaso e a determinaçãoQuase tudo na vida de Carlos parece frutodo acaso, “Acho que as coisas foram acontecendo”.Nascido numa família humildebeneficia de ter uma “madrinha” de outracondição social onde encontra um apoiodecisivo e uma porta para a descoberta denovos mundos, “Abriu-me perspectivas auma vivência diferente”.As suas origens sociais nunca lhe causaramqualquer desconforto e a revolução do 25de Abril também não. Concluído o ciclopreparatório vai, surpreendentemente,para o Liceu.Entre Letras e Ciências escolheu o malmenor, as segundas, e faz um percursoescolar limpo. “O medo obrigava-me a terboas notas”. Ingressa no superior, “ondepude”, confessa. Engenharia Electrotécnicadecepciona-o. Reorienta-se para Biologia,onde tinha excelentes notas e faz o curso“certinho”. O medo da tropa era um bomincentivo. Nunca lhe passou pela cabeçaser professor até ao momento em queolhou com pragmatismo para o seu futuro.É a primeira grande decisão da sua vida.Ser professor era ter emprego garantido edeixar de pesar no orçamento paterno.Optou pelo ramo educacional.Para arredondar a mesada, vai fazer umashoras aos fins-de-semana numa discotecafamosa onde, para além da ganhar bomdinheiro, encontra uma magnífica escolade vida, pela descoberta de uma realidadeque não conhecia, a vida nocturna, peloque aprendeu em termos de relaçõeshumanas, pela notoriedade e ascendenteque o trabalho na discoteca lhe propiciou.Professor profissionalizado, ruma para umaescola onde sobravam problemas e faltavamquadros qualificados. O desapontamentoé enorme, o que lhe desperta a vontadede intervir. Aceita integrar umaequipa directiva e o que lhe falta emconhecimento sobra-lhe em vontade deintervir “não era um sentimento de liderança(…) mas de contribuir para a melhoria”.A prática foi a sua grande escola.Depois de várias experiências de gestãointercaladas com a docência, já com 13anos de experiência como professor e 6 deconselhos directivos acha-se com a preparaçãoe a confiança necessária para seenvolver num projecto de direcção em quepudesse ter um papel mais activo. De novoa determinação se sobrepõe aos acasos emque é fértil a história de vida de Carlos.Com mais dois colegas de confiança formauma lista e fica assente que ele será o presidente.“Qualquer um podia ter sido (…)mas eles os dois disseram que era eu”.Confrontam-se com outra lista, masganham folgadamente e iniciam uma históriade sucesso que já dura há mais de umadécada.Estes são os pontos cardeais de uma vidaigual a muitas outras, de um menino quenasceu pobre e que subiu a vida a pulso,que teve uma “madrinha” cuja influênciaaparenta ser decisiva, de um estudante quefoi cumprindo, de um jovem que descobrelições de vida numa discoteca, de um universitárioque escolhe com pragmatismo oseu futuro, de um professor que sente oapelo da gestão, apesar de não possuir qualquerpreparação específica para a função.Quem identificaria neste percurso umlíder? O acaso parece ser a matriz fundamentalda vida de Carlos e todavia isso nãoo impediu de cumprir um itinerário que otransformou num líder escolar amplamentereconhecido, pelos pares, pelos alunos,pela comunidade, até pela administração.A metamorfose do líder é a resultante dacondição pessoal e da sua circunstância.


AFINAL onde está a escola?ESCOLA E INFÂNCIAA memória comoléxico dostemposCarmen Lúcia Vidal PérezLuciana Pires AlvesUniversidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro. BrasilGRUPALFA – Investigação em alfabetização das classes popularesManuela Couto50 I 51 OUTONO 2009 I N.º186


Libertar as crianças da infância – reconhecendo a criançano que ela é, agora, não no que ela pode tornar-se – implica emtrabalhar conceitualmente com uma percepção que não inferiorizesuas lógicas e em perceber os seus trajectos de vida.Ao problematizar a política de recogniçãoda escola, investimos na invenção deoutras práticas e políticas que não reduzama aprendizagem a seus resultados eampliem as operações cognitivas: a cogniçãocomo invenção aberta às experiênciasnão-recognitivas e ao devir.Na tentativa de superar a tendência recognitivada escola problematizamos a memóriacomo prática cognitiva – renovação quena perspectiva da invenção nos conduziu aproduzir, com as crianças, uma outra narrativa:narração que emerge dos cacos deuma cultura escolar estilhaçada, fundadana transmissão do inenarrável.Narrativas de uma memória viva, memóriatraumática de experiências de choque, ofracasso na escola, como as lágrimas deSammy Davis, que expressaram seu desesperodiante de um quadro cheio de letras epalavras desconhecidas para ele – apesarde estar no quarto ano de escolaridade.Na escola reinventada testemunhamos( 1 )cotidianamente narrativas de um sofrimentoindizível, que se expressa no corpo enas atitudes das crianças: Alexandre, semprecalmo e bem humorado, se mostra nervosoe agitado, até que um punhal é encontradoem sua mochila – “é para me defenderdaquele menino do tráfego...” –, Milena,falante e irrequieta, que torna-se amuada efebril, até que se descobre que estava comuma infecção causada por piolhos.Testemunhamos ainda, como a escolaabsorve as relações sociais desiguais e legitimacomo dificuldades de aprendizagemas injustiças cognitivas, que produzem narrativasde um sofrimento indizível e anônimo:sofrimento inominável daqueles quenão têm nome, que passam pela escola enão deixam rastro, ou melhor, o seu rastrofoi tão bem apagado que mesmo a memóriade sua existência não subsiste. Criançasque passam pela escola e nela desaparecem.Crianças que ninguém lembra onome, mais um dado nas estatísticas dosanalfabetos escolarizados.O trabalho de memória reinventa a cogniçãoe incorpora a multiplicidade cotidianade tempos à aprendizagem escolar. Aión éa temporalidade da criança, um tempo daintensidade, do acontecimento e é umentendimento necessário para se compreendero que a escola tem feito com otempo da criança – a compartimentalizaçãodo saber e do fazer não é bem recebidapelas crianças. O que se observa é a escolarizaçãodo tempo da infância. O tempona/da escola é o tempo de Krónos – a continuidadede um tempo sucessivo, que capturaa infância como um tempo de vir a ser.Romper com a idéia da falta implica emreconhecer a criança no que ela é, agora,não no que ela pode tornar-se. As criançasna escola vivem cotidianamente o embateentre o tempo da escola (Krónos) e otempo da infância (Aión). Tal embateresulta no desejo de fugir da infância - emnossa pesquisa muitas crianças se definemcomo quase adolescentes. É claro quemuito já se discutiu sobre o fim da infância,porém são poucas as falas das crianças,sobre sua própria condição. Talvez sejapreciso libertar as crianças da infância!Libertar as crianças da infância implicaem trabalhar conceitualmente com umapercepção que não inferiorize suas lógicas.A infantilização faz das crianças prisioneirasda condição do não ser, pois sóexistem em função do que poderão tornarse:“Não apenas os prisioneiros são tratadoscomo crianças, mas as crianças comoprisioneiras. As crianças sofrem uma infantilizaçãoque não é delas” (FOUCAULT eDELEUZE, 2003:41).Libertar as crianças da infância é tambémlutar por justiça cognitiva, o que implica natentativa de perceber seus trajetos pelavida: crianças que catam lixo para sobrevivere que na escola são tratadas como lixo,trapeiros-poetas, no dizer de Benjamim( 2 ).Crianças-narradoras e sucateiras que fraturamo discurso da hospitalidade hostil( 3 ) daescola e tecem suas narrativas nas franjasda narrativa e da história oficial – restos defios deixados de lado como algo que nãotem significação, importância ou sentido:suas experiências, suas hipóteses de vida,seus desejos, sonhos, afetos e saberes.( 1 ) Tomamos o termo testemunha no sentido benjaminiano, ou seja, testemunha não é somente aquele que viu com seus próprios olhos, o "histor" de Heródoto, o testemunhadireto. Testemunha é aquele que não vai embora, que consegue ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas palavras revezam a história dooutro: não por culpabilidade ou por compaixão, mas porque somente a transmissão simbólica, assumida apesar e por causa do sofrimento indizível, somente estaretomada reflexiva do passado pode nos ajudar a não repeti-lo infinitamente, mas a ousar esboçar uma outra história, a inventar o presente.( 2 ) Para Benjamim o narrador também seria a figura do trapeiro, do Lumpenproletário, do catador de sucata e de lixo, personagem das grandes cidades, que recolhe oscacos, os restos, os detritos, movido pela pobreza, certamente, mas também pelo desejo de não deixar nada se perder, de não deixar nada ser esquecido. Figuraestandarteda miséria humana, recolhendo tudo aquilo que a sociedade rejeita. Do nosso ponto de vista a criança narradora se identifica com o trapeiro e o poeta,que colecionam sobras, cacos, fragmentos ou destroços e os renovam e ressignificam (re)inventando a experiência do mundo. Walter Benjamin.( 3 ) Skliar situa a questão da HOSPITALIDADE HOSTIL, a partir da dualidade da hospitalidade da qual nos fala Derrida (2001), ou seja, toda hospitalidade é, necessariamentecolonial, necessariamente hostil. Esta hospitalidade [hostil] testemunhamos cotidianamente na escola que tanto “oferece” e impõe às crianças um horáriode refeição [como almoçar às 09:40 min da manhã] independe de seu apetite, quanto impõe um conhecimento [a escrita por exemplo], independente de seu desejopor aprender.


ENSINO SUPERIOR“A classe docenteno ensino superiornão se tempautado por umespírito de unidadede classe”Entrevista conduzida por RICARDO JORGE COSTAFotografia de TERESA COUTOO coordenador do Departamento do Ensino Superior do Sindicato dos Professoresdo Norte, Manuel Carlos Silva, enumera nesta entrevista algumas das conquistas decorrentesdo processo de negociação entre a tutela e os sindicatos sobre a revisão dos estatutos dacarreira docente universitária. E deixa o aviso: assegurar a conquista de direitos dependesobretudo da unidade e da mobilização dos professores do ensino superior.


ENTREvistaQual é ponto de situação resultante da negociação entre sindi -catos e tutela da revisão dos estatutos da carreira docenteuniversitária?Como saberá, os resultados de um processo de negociação sãosempre resultado de concessões, mas, em regra, não são satisfatóriosem face de qualquer tutela que tem sempre o poder de disposiçãolegislativa em termos de Decreto-Lei como é o caso doprojecto de revisão do Estatuto da Carreira Docente Universitáriae do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico.Por isso, diria que, se num primeiro momento de apresentação dosprojectos pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior,os sindicatos integrados na FENPROF, entre os quais o SPN, manifestaraminúmeras discordâncias, não deixaram de adoptar nesteprocesso uma postura reivindicativa e propositiva, fazendo comque o ministro acabasse por ter alguma abertura a propostas dealteração que vieram a ser consignadas nos projectos finais.Mantiveram-se discordâncias de fundo sobre algumas matérias, taiscomo a situação dos leitores, a não atribuição da tenure (reforçodo vínculo contratual) aos professores auxiliares e sobretudo oregime de transição no Politécnico, razões pelas quais não foi possívelchegar a um acordo com o ministro. Apenas foi possível verterpara a acta final “uma avaliação globalmente positiva das soluçõespara a configuração das futuras carreiras”.Considera que houve medidas positivas avançadas pela tutela?Houve, de facto, alguns aspectos positivos que representaram umavanço em relação aos projectos iniciais do ECDU e do ECDESP,como a manutenção da dedicação exclusiva que apenas teria sidodefendida por uma minoria de reitores e presidentes do politécnico,a manutenção dos direitos dos assistentes e assistentes convidadosde passagem a professores auxiliares, uma vez obtido odoutoramento, e a consagração do direito à nomeação definitivanão só aos professores auxiliares com nomeação definitiva comoaos professores com provimento provisório.Além disso, consideramos que passou a haver uma maior transparêncianos concursos baseados em provas documentais com votaçãonominal justificada e com base em critérios e sistemas de classificaçãopublicitados em edital e decididos pelas instituições e commaioria de membros de júri externos, embora consideremos quea total isenção só será obtida através de sorteio num colégio deespecialidade em cada área.Destaco ainda o aumento do número de professores de carreira– entre 50 a 70 por cento de professores catedráticos e associadosno universitário e 70 a 80 por cento de docentes de carreirano Politécnico, proporcionando a abertura de concursos (com asameaças e os riscos inerentes, embora valorizando a componentepedagógica durante a transição) e lugares nesta percentagem nospróximos cinco anos, apontando-se no Politécnico para um totalmínimo de cerca de 7000 lugares de carreira.Por fim, a aproximação do ECDESP ao ECDU, em termos de lógica econfiguração de carreira, número de categorias, qualificação de referência– exigência de doutoramento como habilitação de referência –,o que provavelmente irá criar as bases de um único estatuto da carreiradocente do Ensino Superior em próxima revisão de estatutos.Finalizada a negociação, que medidas exige ainda a FENPROFpara considerar mais satisfatórios ambos os projectos deestatuto do Ensino Superior?No que se refere ao Universitário e ao Politécnico consideramosfundamental para o exercício das funções que, à luz do princípio daliberdade académica, os professores auxiliares no universitário eadjuntos no Politécnico vejam atribuída a tenure como reforço doseu vínculo contratual.A tenure não é considerada regra em outros países europeus...Sim, mas é de questionar porque razão se tem adoptado uma atitudeseguidista em relação aos demais países centrais – como é oexemplo do Processo de Bolonha, que já está a ser contestado nalgunspaíses - e porque terá de ser exemplo paradigmático a políticaneoliberal reinante na UE e noutros países ditos desenvolvidos,quando a nossa situação específica de relativo atraso no campoeducativo exige outra política e estratégia.Que outras questões foram deixadas em aberto?Encontrar uma solução justa para o estatuto dos leitores, de modoque os que o pretendam possam prosseguir a sua carreira atravésda obtenção de doutoramento e passagem, por mérito, a professorauxiliar.Por fim, mas não menos importante, importaria firmar uma estratégiade harmonização máxima possível em torno não só do serviçodocente como sobretudo dos processos de avaliação dedesempenho.A estratégia do MCTES focalizou-se em devolver às instituições,sob o argumento ou pretexto da autonomia, a possibilidade deaprovar regulamentos de avaliação de desempenho próprios porinstituição, o que, num país com pequenos nichos de poder autocrático,de amiguismo e clientelismo, presentes também em instituiçõesnão só do Politécnico como do Universitário, pode darlugar a discrepâncias de critérios e discricionaridades flagrantes.Por iniciativa da FENPROF ainda foram consagrados alguns princípiosnos respectivos projectos, além de se tornar obrigatória aaudição dos sindicatos que, não sendo suficiente, é pelo menos umtravão a eventuais discrepâncias e discricionaridades. De outromodo, o já existente e considerável grau de conflitualidade nas instituiçõesem torno dos concursos poderá vir a desencadear umpotencial de conflito e corrosão maior que o actual, acrescendoeventuais tensões e perversões em torno da avaliação de desempenho.Note-se que o estatuto de estrutura vertical de carreira universitáriae politécnica “contaminou” o estatuto do ensino básico esecundário, mas agora, sem replicar-se o regime do SIADAP da funçãopública, é o esquema, ainda que simplificado, da avaliação dedesempenho no ensino básico e secundário que poderá vir a agravare contaminar mais ainda o ambiente académico no ensino politécnicoe universitário, sobretudo se não houver disponibilidadeorçamental e um mecanismo obrigatório de mudança de escalão.Por isso, vai ser precisa vigilância democrática não só dos sindicatoscomo dos próprios docentes em cada instituição numa época54 I 55 OUTONO 2009 I N.º186


em jogo é o seu próprio futuro profissional, o direito à estabilidadecontratual e a qualidade do ensino público.Que tipo de diligências encetou a FENPROF junto das forçaspolíticas no Parlamento? Que resultados globais obteve?A par da mobilização dos docentes para a luta, designadamentecom abaixo-assinados, plenários, manifestações e sobretudo a concentraçãoem Lisboa em frente à Assembleia da República – cujacombatividade demonstrada saudamos –, foi encetada uma outraestratégia que se prende com compromissos a obter junto dospartidos políticos concorrentes às próximas eleições legislativas.A FENPROF solicitou audiências a todos os Grupos Parlamentarese estes, nas suas respostas, mostraram sensibilidade para as questõescolocadas, designadamente a relativa ao regime transitório noPolitécnico, de modo a que, mesmo após a eventual promulgação,sejam revogadas, na próxima legislatura, as normas e aspectosnegativos já focalizados.em que o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior e, emalguns casos, o regime fundacional vieram debilitar mais ainda osmecanismos de controlo democrático por parte de docentes efuncionários.Existem perspectivas de que tais objectivos e medidaspossam vir a ser concretizadas?Cremos que sim, não só pela luta dos docentes, designadamentedo Politécnico, pelas respostas dadas pelos Grupos Parlamentaresnas audições recentes, ainda que num clima pré-eleitoral, comosobretudo pela acção colectiva dos docentes e investigadores.Mas esta depende justamente da força, da unidade e da mobilizaçãodos próprios docentes do Ensino Superior, os quais, salvo conjunturasmuito específicas, tais como as ocorridas em 1989 e 1995,têm-se mantido alheados destes processos por razões que nãolhes são imputáveis, mas em que urge algum sobressalto cívicoprofissionalde modo que tomem consciência de que o que estáJá fez uma referência à mobilização dos docentes do ensinosuperior ao longo deste processo, mas qual é, em geral, o espíritoque caracteriza a classe neste domínio?Tal como referi, houve não só apoio em abaixo-assinados como umacerta mobilização, designadamente no Politécnico e, muito em especial,em institutos ou escolas como no ISEP, no ISEC e no ISEL, tendodado lugar a uma greve nestes três institutos ou escolas. Já, porém, noUniversitário, salvo algumas reuniões, tomadas de posição e manifestaçõesconvocadas pelos sindicatos ou até espontâneas, não houveuma grande movimentação, embora se tenham registado, sobretudoentre os professores auxiliares, sinais de descontentamento e atéindignação pela não atribuição da tenure, o que é visto como umadiscriminação em relação aos professores catedráticos e associados.De resto, de modo geral, salvo em certas conjunturas específicas, aclasse docente no ensino superior não se tem pautado por um espíritode unidade de classe tal como ocorre no ensino básico e secundário.A estrutura de carreira altamente verticalizada e hierarquizadacria situações de vulnerabilidade e dependência junto dos docentesdas categorias de base do sistema.Para além dos eventuais casos de favores na entrada ou na progressãona carreira – não há estudos a quantificar e caracterizarestas situações – que inibem as pessoas de discordar de seus superioreshierárquicos e muito menos entrar em acções colectivas,verificam-se situações de retracção, anuência aparente e até demedo por eventuais retaliações e, por isso, os docentes encetamestratégias atomicistas e, eventualmente, clientelares que tenderãoa entrar em crise.Desiludam-se os que pensam que as estratégias de aproximaçãoao poder institucional ou de bajulação a uma ou outra figura bemsituada na hierarquia interna das próprias estruturas patrocinais dedepartamento ou de escolas e faculdades serão suficientes ou eficazes.Só a acção colectiva e a unidade na acção poderão fazerestancar a onda neoliberal de precarização dos postos de trabalhono sector público, a que acresce a necessidade de revogar certasnormas da função pública inscritas na Lei 12A, designadamente emtorno da nomeação definitiva.


IMPASSES e desafiosAntónio TeodoroA fortuna é de quem a agarrar!Universidade Lusófona de Humanidadese Tecnologias, Lisboa.Instituto de Ciências da EducaçãoÀ agenda global hegemónica no campo da educaçãodeverá contrapor-se uma outra assentena palavra-chave da coesão social, o que implicaráuma preocupação dominante com a equidade,a inclusão educativa e a celebração de boas práticas.Joseph Stiglitz, Prémio Nobel daEconomia em 2001 e antigo economistachefedo Banco Mundial, escreveu que acrise financeira mundial de 2008 representou“para o fundamentalismo do mercado oque a queda do Muro de Berlim representoupara o comunismo” 1 . Essa crise, associadaà histórica eleição de Barack H.Obama para Presidente dos EUA, vemacentuar a convicção de que vivemos umtempo de transição que importa transformarem oportunidade.A globalização neoliberal, hegemónicadesde os anos 1980, assentou na velhaideia de que os governos, todos os governos,deviam deixar livre o caminho àsgrandes e eficientes empresas nos seusesforços para competir no mercado mundial.Essa velha ideia, ciclicamente namoda, conduziu, segundo Wallerstein(2008), a três ordens de implicações políticas:a primeira, é que (todos) os governosdeviam permitir que as corporações tivessemtoda a liberdade para atravessar fronteirascom os seus bens e os seus capitais; asegunda, é que (todos) os governos deviamrenunciar a qualquer propriedade de meiosde produção, privatizando as empresaspúblicas e criando mercados em sectoresonde não existissem (saúde, educação,água); a terceira, (todos) os governosdeviam minimizar, se não mesmo eliminar,toda a espécie de bem-estar social assentena redistribuição de rendimentos, desmantelandoo Estado Providência.Nesses anos de 1980, essas velhas ideias daglobalização neoliberal foram apresentadascomo contraponto às também velhasideias Keynesianas e socialistas, que prevaleciamem muitos países em diferentes56 I57 OUTONO 2009 I N.º186


espaços do sistema mundial: que as economiasdeviam ser mistas, podendo o Estadomanter sob o seu controlo empresas e actividadesconsideradas estratégicas; que osgovernos deviam proteger os seus cidadãosda depredação das grandes corporaçõesestrangeiras, funcionando em regime demonopólio ou quase-monopólio; que osgovernos deviam tentar equalizar as oportunidadesde uma vida digna, transferindobenefícios para os menos favorecidos(especialmente em educação, saúde e segurançasocial na velhice), o que requeriauma política de impostos fortementeregressiva, penalizando os maiores rendimentose os lucros das corporações empresariais(Wallerstein, 2008).A ofensiva neoliberal verificou-se após ascrises económicas dos anos 1970, comproblemas graves na balança de pagamentosde muitos países, especialmente do Sule dos chamados países socialistas, e a diminuiçãoacentuada dos lucros das grandesempresas no Norte. O consenso deWashington, construído sob a direcção eimpulso dos governos de Reagan eThatcher e a activa participação das duasprincipais agências financeiras intergovernamentais– Fundo MonetárioInternacional e Banco Mundial, representao conjunto de receitas recomendadas (ouimpostas) para todos os países, independentementedo seu estádio de desenvolvimentoou localização no sistema mundial.A crise financeira de 2008, antecedida demúltiplos sinais que apontavam já para anecessidade de um pós-consenso deWashington, veio desocultar os resultadosdesastrosos para as condições de vida dosmais desfavorecidos (países, regiões, classese grupos sociais marginalizados) desseciclo hegemonizado pelo neoliberalismo ea sua forma dominante de globalização.Mas a globalização neoliberal tem sidoconfrontada com uma outra forma de globalização,alternativa e solidária, construídaa “partir de baixo” (Santos, 2005,2006). Essa outra globalização contrahegemónica,desenvolvida de modo maisevidente a partir do levantamento deChiapas, dos protestos contra os acordosda Organização Mundial do Comércio(OMC) e a guerra do Iraque, e do surgimentode movimentos sociais e de organizaçõesda sociedade civil que lutam contraas consequências da degradação ambientale da exploração económica gerada pelaglobalização neoliberal, tem no FórumSocial Mundial (FSM) o seu espaço emblemático,onde, segundo a tese defendidapor Boaventura de Sousa Santos, se têmconstruído as condições políticas do “surgimentode uma legalidade cosmopolita einsurgente” e se pode estar a gerar umaoutra “matriz da governação” (Santos,2006: 384).Sendo ainda muito cedo para se determinaro sentido das mudanças geradas pelacrise financeira de 2008, alguns sinaisemergem, contudo, com suficiente nitidezpara poderem ser apontados. O primeiro, éa confirmação do declínio dos EUA comopotência mundial e a consagração deoutros países e regiões como actores mundiais;o segundo, é o anacronismo do consensode Washington e a total perda deautoridade do Fundo MonetárioInternacional e do Banco Mundial paraimpor políticas de ajustamento aos paísesdo Sul; a terceira, é a emergência e consolidaçãode novos regionalismos, naAmérica do Sul, em África e na Ásia; oquarto, é o regresso do Estado como actorde primeiro plano na resolução dos problemaseconómicos e financeiros.Esses sinais implicarão mudanças na estratégiados actores da globalização cosmopolita,que têm no Fórum Social Mundial oseu espaço de convergência mais relevante,e que incluirão, muito provavelmente, aafirmação de uma maior centralidade daslutas nacionais e regionais, uma redefini-ção das relações com os partidos ligadoshistoricamente à emancipação social, aconsagração da luta pela “refundaçãodemocrática dos Estados” como uma prioridade,ou a definição de políticas de aliançascapazes de construir novos blocossociais favoráveis a uma solidariedade cosmopolita(Habermas, 2001).O neoliberalismo não se delimitaà actividade económica. Atinge todos ossectores da vida humana e assumiu-secomo uma tecnologia de governo. Na educaçãosignificou uma mudança radical deprioridades na agenda política: o idealsocial-democrata da igualdade de oportunidades,que esteve na base da fortíssimaexpansão educativa do pós-segundaguerra, foi substituído por um vago conceitode qualidade, ponto de partida da trilogiareformadora das últimas duas décadas– competitividade, accountability e performatividade.As políticas de educação, sobretudo depoisdos anos 1990, foram incluídas como umaquestão central da agenda da globalizaçãoneoliberal: a consideração do conhecimentocomo uma commodity transacionávelrelegou para segundo plano os factorespotenciais de emancipação e de mobilidadesocial inerentes ao acto educativo eao projecto de uma educação para todos.Muito provavelmente, à agenda globalhegemónica no campo da educaçãoimposta a partir desse conceito de qualidadese deva contrapor uma outra assentena palavra-chave da coesão social, o queimplicará uma preocupação dominantecom a equidade, a inclusão educativa e acelebração de boas práticas.Tal como nos anos 1970, estamos a vivermomentos de bifurcação, onde a intervençãocidadã, nos seus diferentes espaços, daciência à intervenção política, se apresentacomo particularmente determinante. Mas,também aqui, no espaço da educação, afortuna é de quem a agarrar.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASHabermas, J. (2001). The Postnational Constellation. Political Essays. Cambridge, MA: The MIT Press.Santos, B. de S. (2005). O Fórum Social Mundial. Manual de uso. Porto: Edições Afrontamento.Santos, B. de S. (2006). A Gramática do Tempo. Por uma nova cultura política. Porto: Afrontamento.Wallerstein, I. (2008). 2008: The Demise of Neoliberal Globalization. Commentary No. 226, Feb. 1, 2008. Disponível em http://www.binghamton.edu/fbc/226en.htm,em 17.11.2008.


IMPASSES e desafiosIGUALDADE DE GÉNEROAún hayqueGénero no es soloQuestionar as desigualdades educativasgeradas a partir da discriminação de géneroe de outras formas de identidade é umdesafio urgente que se nos coloca, nãoapenas como educadores/as mas tambémcomo cidadãos/ãs.Gustavo E. FischmanArizona State University, EUA. FultonCollege of Education58 I 59 OUTONO 2009 I N.º186


muchoentender...un tema de mujeresEn Octubre de 2006, invite a Verónica,una estudiante chicana que estaba cursandocursos de maestría en educación ymaestra de tercer grado en una escuela dePhoenix, para que hable en una actividadllamada “¿Así que quieres ser maestro/a?”.La audiencia estaba compuesta por ungrupo de 20 jóvenes en su gran mayoríamujeres, que estaban pensando en estudiarpedagogía. En esa oportunidad Verónicanos leyó la carta que Diana, una de susestudiantes escribió para compartir con elgrupo de futuros docentes:“¿Así que quieres ser maestro? Eso es lo quenos dijo la señorita Verónica ayer. Espera,no me he presentado, Mi nombre es D. Enrealidad más vale que diga que mi nombrees Diana porque a veces la señoritaVerónica se enoja. Bueno, tú quieres sermaestro. Bien, aquí estoy para decirte loque hay. Primero, tienes que venir a mibarrio y enseñarme que 2+2 =4, cuando loque yo aprendí es que 2 y 2 es una 22.¿Que estoy fumando? Síp, ando volandoahorita. ¿Y qué? Así vengo a la escuela porquelos maestros son aburridos y abusados.Están allá arriba hablando de Egipto y deesas pinches pirámides. ¿Y eso qué tieneque ver conmigo? Esos hermanos vivíancon clase comparado con mi apartamento.Ellos no se pelean con las cucarachas, lamúsica a todo volumen y los policíaspasando cada 10 minutos. Y cuando leemos,leemos esos libros tontos como “Elindio en el gabinete”. Bueno, ese chavoandaba bien volado porque andaba todochueco hablando con un indio de juguete.Excepto, recuerdo cuando la señoritaVerónica nos leyó su libro favorito. Creoque se llamaba “Los extranjeros” o algo así.Ése sí estaba suave, sí. ¿Así que quieres sermaestro y tratar con mocosas como yo?Hombre, te voy a partir la madre en dossegundos y ni me va a importar. En cuantote acerques y creas que ya me entendiste,yo ya fui. ¿No me crees? ¿Quieres ver miscicatrices? Ya me quisieron violar, no secuantas veces y quise matarme dos veces.A nadie le importa ¿Quieres ser maestro?Bueno… por si ser maestro te importara,entonces habla con nosotros. Óyenos.Preocúpate por nosotros. Tú sabes.Hacernos sentir que si valemos algo. Hey,ya me tengo que ir, le dije a la Señorita.Verónica que iba al baño. Mierda, ella yallamó a la Guardia Costera. Paz!”


IMPASSES e desafiosLas palabras de Diana tal como fueron leídaspor Verónica generaron una mezcla deexpresiones que iban desde la solidaridadal desconcierto pasando por la desazón yen algunas de las estudiantes, fue evidenteque generaron bastante molestia. Una delas futuras maestras, comentó:Beth: Me da rabia lo que le pasa a Diana,sus palabras cargan con mucho dolor.El comentario de Beth, parecía capturar elsentimiento mayoritario del grupo, ya quemuchas de las estudiantes asentían con lacabeza. Solo una cabeza parecía expresardesacuerdo, era la de Juan, el único varónde la quien comento que:Juan: Puede ser, claro que son dolorosas ,pero también lastiman.El comentario de Juan, primero me irrito,ya que se me podía entender que culpabilizabaa Diana, por lo que de manera bastantebrusca le pedí que aclarase su comentario.Juan, un joven mexicano-americanode 24 años, me miro fijamente y comentó:Juan: Yo se que esta pensando … yo quieroser maestro porque yo conozco a Diana,no a esa, pero a muchas Dianas. Yo fui a lamisma escuela que Diana, y vivo en elmismo complejo de apartamentos queDiana … pero aquí estoy. Lo que dije esque lastiman, porque estaba pensandoen… mis compañeras y compañeros (señalandoal resto del grupo) que no debenconocer a muchas Dianas y entonces, laspalabras de Diana los deben asustar, y elmiedo lastima, y con miedo ya no quierenser maestros… y al final, los que perdemossomos los que vivimos en el barrio, Dianay yo… (luego de una pausa prolongada):…Al final, eso es lo que siempre pasacuando las mujeres empiezan con esascosas de la igualdad de género, los hombressomos los culpables de todo.Más allá de lo acertado o no de las reflexionesde Juan acerca del miedo, lapobreza y el papel de la esperanza en laformación docente, debo confesar que loque más me sorprendió fue su comentariofinal y el hecho que no halla sido inmediatamentedebatido por sus compañeras. Enese momento pensé que eran muchas lasposibilidades que se podrían aducir en estecaso: ¿Es la falta de debate un indicio de laperdida de relevancia de las perspectivasfeministas? O mas simplemente ¿Quizáslas compañeras de Juan no lo escucharon?¿Quizás lo escucharon y compartían su opinión?Mi intriga era mucha, así que decidípreguntar si alguien me podía explicar elcomentario final de Juan. Laurie, sentada enuna punta de las sala, me miró con esa caraque solo ponemos frente a las preguntas queconsideramos idiotas y contesto:“No hay mucho para entender. Género escosa de mujeres”.Tarde un poco en darme cuenta del “mensaje”de Laurie, y conteniendo un sentidode enojo que iba creciendo, le conteste:“Lo siento mucho, Laurie, pero estas muyequivocada. Aún hay mucho que entender… Género no es solo un tema de mujeres”Insistir, que el concepto de género no essolo para mujeres, y que nuestras escuelasoperan dentro de regímenes de géneroparticulares son dos pasos limitados, perofundamentales, en el proceso de repensary des-estructurar algunos de los múltiplesmecanismos opresivos que operan en lasescuelas para transformarlas en lugaresreconocimiento de nuestras “otredades”(de género, sexuales, raciales, de habilidad,nacionalidad, etc.) y de distribución de lasherencias sociales.Para que eso suceda, es preciso entender ala escolaridad como una política públicaque debe asumir dos condiciones. Primero,es importante reconocer que el “contenidocurricular” no puede desmarcarse de lasresponsabilidades de la escuela como instituciónpolítica. Este reconocimiento traeríacomo una consecuencia posible asumirexplícitamente un mandato social y operarcomo institución prioritaria en la distribuciónde la herencia cientifico-cultural deuna sociedad y no como guardiana deconocimientos a los que solo accederánaquellos que hagan una inversión adecuadaen ampliar su capital humano.Segundo, para que la distribución de laherencia no se enmascare en un sistemabasado en “deudas” (resultantes de las fallasde los/as estudiantes y sus familias por nohaber realizado las inversiones apropiadasde capital humano) las escuelas deberíanorganizarse asumiendo un compromiso deigualdad ético-político siempre en expansión.Ahora bien la igualdad de género en términosescolares, no debería implicar homogeneidaden el tratamiento pedagógicosino, en el terreno ético y político, demanera tal que los participantes de undeterminado programa no se vean limitadosen obtener resultados educativos deseablesen base a sus diferencias (de género,clase, raza, etc.). Es decir las practicas educativasno deben apuntar al entendimientode las diferencias como indicación dejerarquías, marcas imborrables de destinos(deseados o no) sino como derecho inalienablede mujeres y hombres.De lograrse estas dos condiciones políticosimbólicas,la tarea de enseñar tendrácomo punto de partida y como punto dellegada, la respuesta ética que se renuevaen cada encuentro, que se origina en laexistencia del “otro” (mujer o hombre,homosexual o heterosexual, negro o indígena,en todas las posibles manifestacionesde “otredad”) pero no para apenas aceptarbenévolamente la presencia y confirmar la“normalidad” de esa identidad (que a vecesrequiere contrariar esa identidad), sinopara entrar en diálogos, en conversaciones.Conversación que claramente no es lagarantía exclusiva de la distribución democráticade la herencia científico-cultural deuna sociedad, pero sin duda es un componentefundamental en el proceso de transformarla experiencia escolar de su estadoactual de mero ritual de pasaje, símbolo deadquisición de capital académico, pequeñaparcela en el calculo de acumulación denotas y evaluaciones para una minoría yconocimiento de olvido planificado paralas mayorías. Fuera de la posibilidad dedialogar sobre que escuela queremos ycomo organizarla para la distribucióndemocrática de la herencia científico-culturalde una sociedad, sólo podemos aspirara repetir el dolor, y la rudeza de laspalabras de Diana, y lo que es peor confirmarlea Diana, lo que ella ya sospechaacerca de las escuelas.Mantener una perspectiva critica y cuestionadorade la efectividad de propuestaspedagógicas que ignoran las desigualdadeseducativas generadas a partir de discriminacionesde género y nuestras múltiplesotredades, es un desafío urgente y que retaa nuestra imaginación, no sólo como educadores/as,sino también como ciudadanos/as.60 I 61 OUTONO 2009 I N.º186


BREvesVisionarium promove projectopara testar os efeitos de drogasno ritmo cardíacoOs jovens portugueses acompanham a tendênciado mundo ocidental e, a par deoutros comportamentos precoces, algunsdeles começam a consumir substâncias psicoactivascada vez mais cedo. Estes consumosocasionais são muitas vezes encaradose percepcionados pelos jovens como algonormal, que faz parte integrante das suasvivências.O consumo de drogas provoca alteraçõesao nível do sistema nervoso central, resultandoem mudanças fisiológicas e/ou comportamentais.O tabaco, o álcool e as xantinas(chá, café e cacau) constituem um grupode substâncias que, pelo seu carácter legal,fazem parte das nossas vidas. O seu consumoquotidiano pode levar-nos a pensarque são isentas de riscos mas, olhando paraos efeitos que produzem a curto e longoprazo, apercebemo-nos da importância dosproblemas que causam. Actualmente, assistesea uma banalização do uso destas drogaslícitas, por parte dos jovens, colocando emrisco a sua saúde e o seu futuro.As drogas estimulantes (cafeína, nicotina)caracterizam-se por aumentar o metabolismocorporal e as depressoras (álcool)por diminui-lo, sendo o ritmo cardíaco umóptimo indicador dessas alterações.Os efeitos de drogas no ritmo cardíacopodem ser medidos em organismos queservem de “modelos” para os efeitos dessasdrogas no corpo humano. Daphnia magnaStraus é um organismo muito usado nestetipo de estudo, permitindo observar, emtempo real, o modo como as drogas afectamum organismo vivo, permite aos alunosestabelecer uma relação com os possíveisefeitos das drogas em si próprios.As dáfnias são microcrustáceos típicos deáguas doces, habitando todo o tipo de ecossistemasdulciaquícolas excepto águas correntesmuito fortes. Vulgarmente são designadaspor “pulgas-de-água” devido aos movimentosdas antenas que lhes dão a aparênciade se deslocarem em pequenos saltos.Daphnia magna Straus é um organismozooplanctónico filtrador, muito usado embioensaios toxicológicos, requeridos pelalegislação nacional e europeia, para avaliaçãoecotoxicológica de novos agentes químicos,de efluentes urbanos e industriais ede ecossistemas de água doce.Este organismo apresenta a particularidadede ter um exoesqueleto (carapaça) transparenteo que torna possível observar aomicroscópio todas as partes que o constituem.Além da morfologia é possível verificar,por exemplo, as alterações dos batimentoscardíacos quando na presença de substânciasa que são sensíveis como o álcool,cafeína e nicotina.Sabendo que a Escola é um local privilegiadode intervenção preventiva em relaçãoao consumo de substâncias psicoactivas, oProjecto DAPHNIA – Modelo Biológicopara Testar os Efeitos de Drogas no RitmoCardíaco, surgiu como um desafio, no anolectivo 2008-2009, destinado a alunos do2.º e 3.º Ciclo do Ensino Básico eSecundário de todo o país. Devido aosucesso alcançado e aos inúmeros pedidosefectuados o Projecto irá continuar duranteo ano lectivo 2009-2010.Este Projecto dinamizado pelo Visionarium– Centro de Ciência do Europarque emparceria com o CIIMAR – CentroInterdisciplinar de Investigação Marinha eAmbiental, tem como objectivos principais:divulgar e promover a cultura científicajunto dos jovens, num contexto de contínuaaprendizagem experimental, estimular aimplementação de projectos de caráctercientífico nas escolas e fomentar estilos devida saudáveis.VisionariumDep. Conteúdos CientíficosImplantado menor coração artificial do mundoUma equipa de médicos alemães anunciourecentemente o transplante de um coraçãoartificial de 92 gramas – o menor algumavez implantado num ser humano – numapaciente de 50 anos que sofre de insuficiênciacardíaca."Ela suportou bem a operação de trêshoras e meia", afirmou na altura da operação,realizada no final de Julho, o director daclínica de cirurgia cardíaca da Universidadede Heidelberg, Matthias Karck.O coração, feito de plástico e titânio, vairegular o fluxo sanguíneo para o ventrículoesquerdo do coração. "Este novo modelooferece grandes vantagens: com um pesode 92 gramas é o menor dispositivo domundo a poder substituir completamenteo ventrículo esquerdo e opera de formaparticularmente silenciosa e eficaz", explicaKarck. Outra das vantagens é o facto de aclínica poder monitorizar electronicamenteos equipamentos 24 horas por dia."Esta bomba poderá também, em princípio,ser usada como solução temporáriaenquanto se aguarda um transplante cardíaco",disse, por sua vez, o chefe médico daclínica alemã, Arjang Ruhparwar.Fonte: AFP


OLHARES de foraO invernoda nossadesesperança“O que sobrevive é a produção consciente e socialmentesignificativa do indivíduo. Donde decorre que quanto maisuniversal for esta produção, mais sobrevive. Quanto mais a vidade alguém é expressiva, mais universal será a sua história singulare a sua biografia. E assim transcende-se o inverno dadesesperança”..Ivonaldo LeiteUniversidade Federal de Pernambuco (UFPE),Brasil“Quando uma luz se apaga, fica mais escurodo que se jamais ela tivesse brilhado”. Assimdisse John Steinbeck, no livro cuja denominaçãoé tomada de empréstimo para o títulodeste texto. Trata-se de uma denominaçãoque reflete o tom de desencanto deSteinbeck, aludindo, como se sabe, a primeirafrase da peça Ricardo III, deShakespeare.Abordando a divisão dos Estados Unidosem dois países, Steinbeck mostra como,enquanto em um procura-se ter presentevalores como ética e apreço, no outro prevalecea luta de cada um por si e a buscadesregrada pela acumulação material.Desencanto com a sociedade e com a onto-logia humana. Com o tempo vivido.Qualquer coisa que, de alguma forma, nosfaz lembrar o personagem de Al Pacino emScent of a woman.Entre a luz e a escuridão. No papel de umcego, Al Pacino transita entre o mundo pretéritoe o presente, vivendo este pela imaginaçãoque, sabemos, produz desejos precisamentepor os desejos resultarem da curiosidadee da intrínseca necessidade humanade saciar a subjetividade. Já tendo ummundo vivido, o tempo a viver de FrankSlade – personagem interpretado por AlPacino – é breve. Brevidade à qual ele procuralhe atribuir sentido a partir da amizadecom um jovem que, nesta condição, ainda62 I 63 OUTONO 2009 I N.º186


tem um mundo a viver e, por conseguinte, tem no seu horizontea busca de significado para a existência. “Num momento, viveseuma vida”. Com esta frase, Slade atenuou a reação da raparigaque ficou surpreendida com o convite que ele lhe dirigiupara dançar, alegando que o seu noivo estava a chegar.Temporalidade que, mesmo sendo breve, não finda.De facto, assim é o tempo. O seu passar é passado quando osacontecimentos que abriga dão as cores para a existência. Semacontecimentos, não pode haver cores. Não pode haver existência.Embora ele possa escapar às nossas mãos, o que importasão as paisagens que, em sua trajetória, passará a compor o seumosaico.A contingência do mundo aparece à realidade humana namedida em que a realidade humana se estabeleceu a si mesmasobre o nada. O inverno da nossa desesperança. Tristeza emelancolia. Não se trata, contudo, de qualquer acidente de percurso,mas de algo inerente à própria ontologia humana. Ocerne de quem diz abriga o que não necessariamente é expressadopelas palavras. Mais ainda: a existência humana, no limite,destina-se à não existência física, ao perecer.Como bem realçou Hegel, por um lado, a morte é o resultadofinal do processo de um indivíduo singular, que vive e age numasociedade universal, e, por outro lado, ela é a negatividade naturaldo indivíduo que ocorre no tempo, mas que cancela o tempoabsoluto do indivíduo que morre. A morte faz o indivíduo sairda universalidade quieta, da negatividade abstracta. A esta universalidadequieta, o morto é remetido como originalidadenatural, como ente que, assim sendo, deixa de ser uma diferença,deixa de ser uma alteridade e um outro. Ele volta aoMesmo, ao Nada. Pelo que, na morte natural, como cancelamentoda alteridade existente, não se pode encontrar nenhumconsolo e nem reconciliação.Mas, e que pensamentos e sentimentos experimentamos emrelação ao desaparecimento de um ente querido? Aqui pareceque é possível estabelecer uma relação com aquilo que o pensamentohegeliano expressou no que concerne à contemplaçãodas ruínas históricas. A morte e as ruínas históricas evocamnecessariamente uma reflexão sobre a degradação temporal,sobre o irrecorrível desaparecimento dos indivíduos e das coisas.Perante o morto não há consolo, pois ele pertence ao domíniodo desaparecimento e da finitude. Somente com o nossoretorno ao mundo activo da história dos seres vivos, podemosnos reconciliar com a universalidade da vida. Quer dizer, é nareconciliação com a vida, que nos nega consolo, que temos olugar onde poderemos encontrar a valorização do desaparecido.Porém, não como desaparecido, mas na expressão de sua universalidadevivida, no produto de sua actividade, que se apresentacomo legado e na significação exemplificativa de sua vida.Em suma, o que sobrevive é a produção consciente e socialmentesignificativa do indivíduo. Donde decorre que quantomais universal for esta produção, mais sobrevive. Quanto maisa vida de alguém é expressiva, mais universal será a sua históriasingular e a sua biografia. E assim transcende-se o inverno dadesesperança.


SAÚDE escolarSAÚDE ESCOLARMudar o que como...Os portugueses comem mal. Apesar dosinúmeros apelos dos nutricionistas, as doençasderivadas da má alimentação continuama aumentar e a fazer vítimas cada vez maisjovens. O que pode cada um de nós fazer parainverter esta situação?Débora CláudioNutricionista do Departamentode Saúde Pública da ARS Norte, IPCome-se mal em Portugal. A comidaé muito saborosa e as doses do restaurantesão copiosas. Deixar na travessaé pecado… Mas a obesidade transformouseem epidemia, a prevalência de Diabetessupera as expectativas estimadas, cada vezhá mais pessoas com síndrome metabólico,sofre-se mais, perde-se qualidade de vida,gasta-se mais dinheiro em medicamentos,usa-se mais tempo em consultas de saúde efala-se muito que é preciso mudar o que secome… tudo na terceira pessoa.E eu? Cumpro as recomendações da Rodados Alimentos e das regras básicas que osnutricionistas se fartam de apregoar?Como de 3:30h em 3:30h ou estou amanhã toda sem comer? No almoço comosempre sopa ou salada de legumes comoprimeiro prato e o prato de comida temlegumes a ocuparem metade da área, ou étodo ocupado pelo frango, pelo peixe oupelo feijão? Bebo água ou água adicionadade açúcar e aromas ou a uma percentagemque nem 10% de fruta atinge e que me dáa sensação de que pelo menos alguma frutacomi (claro que não são as 2 ou 3 peças,mas alguma é). Será? E os meus filhos, oresto da família. Ah, não tenho tempo paramudar agora. Talvez quando estiver deférias…O nutricionista diz que tenho de comer400g de fruta e legumes todos os dias e que64 I 65 OUTONO 2009 I N.º186


Eu?uma boa forma de o conseguir é incluir asopa nos meus hábitos diários. Mas o meufilho não gosta de sopa! Eu por acasotambém não lhe acho piada. E ter de comprare depois preparar todos os vegetais…é demasiado complicado. Afinal nemtenho fome. Mas qual é o mal de comer sóarroz com carne? E a carne só do tamanhoda palma da mão? Só se for postamirandesa…Nem se percebe bem porque é que dizemque o que comemos pode fazer-nos maisdoentes. Quando como o bife com arrozaté me sinto bem. Comer demasiado mata?Não morri e já como há 17 anos…Este discurso é ouvido pelos profissionaisde saúde todos os dias. Não apenas pelosjovens mas pelos pais deles, avós e até porparte de alguns profissionais de saúde eprofessores. Os serviços de saúde dizemque se preocupam muito com a doença daspessoas e alertam há anos para a ligaçãoentre o que cada um come e como vive e asua saúde. São doenças silenciosas que nãosão imediatas, que se escondem em cadagesto que fazemos quando escolhemos oque comer.Então como chegar às pessoas? Comomostrar a cada jovem, a cada adulto, a cadaprofissional que o que ele escolhe paracomer em cada momento influencia defacto o seu estado de saúde?A vida de hoje é imediata. Queremossoluções rápidas, instantâneas, no exactomomento em que identificamos os problemas.E quando não é possível a melhorsolução ter resposta imediata? O caso daDiabetes é paradigmático. Quantosdiabéticos em diálise não desejariam voltaratrás? O arrependimento no caso dealgumas doenças não dá salvação! Aspessoas dão valor ao que já não têm quandodeixam de o ter. Temos a resposta há muitoencontrada. Temos o conhecimento. Comoé que não conseguimos mudar? O que faltapara que eu consiga mudar?Os factores que impedem a mudançasão por exemplo o meu gosto (obstáculointerno) ou a oferta alimentar apelativa(obstáculo externo). Se, nesta vidafrenética, eu conseguir parar para pensar,até consigo incluir a razão como critériode escolha e não apenas as emoções. Masentão como conseguir parar para pensar?Quando ouvimos ou lemos algo que não éhabitual e que nos faz confusão, paramospara tentarmos perceber melhor. Paramospara analisar mais profundamente. Euposso mudar quando paro para pensar.Então eu tenho que ter mecanismos queme façam parar. Os psicólogos usam asdissonâncias cognitivas para o fazer. Sevejo um cartaz na rua com uma fotografiade arroz, massas, batatas, pão, feijão, e estáescrito “ O açúcar que precisa está nestesalimentos” eu tenho de parar. Então açúcarnão é o que ponho no café? A imagem nãocondiz com a escrita. Então o arroz e abatata têm açúcar? Isto obriga-me a parar.Se eu usar estes alimentos de 3:30h em3:30h regulo as minhas glicemias (o queé fundamental para diabéticos), deixo deter fome antes do almoço e do jantar, peloque como menos quantidade a cadarefeição (o que é óptimo para obesos),sinto-me com energia durante todo o dia(excelente para não doentes) e… surpresadas surpresas, cumpro as recomendaçõesdos nutricionistas sem qualquer problema eaté com prazer! Este é um exemplo domodo de funcionar do PASSE, o programade alimentação saudável em saúde escolardo Departamento de Saúde Pública da ARSNorte, I. P. na sua dimensão comunitária.Descubra outros exemplos no site doPASSE: www.passe.com.pt


SAÚDE escolarNOVAS TECNOLOGIASSobre o públicoe o privadona InternetNuma época em que a escola ensina às crianças a pesquisarconteúdos na Internet e a trabalhar com as tecnologiasda informação, torna-se indispensável reflectir uma sériede novas questões – tais como a identidade e a nossarelação virtual com estas ferramentas. Novos conteúdosa explorar em termos de promoção da saúde mental.Rui TinocoPsicólogo clínico.Um menino de sete anos abre o computadore fica calado durante horas. Para oresto da família isso constitui um alívio.Vivem num apartamento e é difícil manteruma criança desta idade sossegada, especialmenteem tempo de férias. O medocercou-os a todos e é impensável deixá-lair brincar para a rua, “sabe-se lá o que podeacontecer!”. O problema é que a calma éaparente. Ele está a jogar um MMOG(Massive Multiplayer Online Game) especialmentedireccionado para a sua faixaetária. Trata-se de uma quinta imaginária,onde as tarefas se acumulam: é preciso venderbens, tratar dos animais e da produçãoagrícola. Pode-se comprar animais mitológicose ir equipando-os com uma panópliade objectos. Mas não nos esqueçamos queessa quinta tem vizinhos e que, no mercado,há que lidar com outros jogadores.Aos poucos, o menino interage com umnúmero apreciável de agricultores e vaiconstruindo as suas amizades no virtual.Já sabemos que a curiosidade é um dosprincipais motores do desenvolvimentohumano. Acontece que os novos meiostecnológicos proporcionam outros espaços.Referimo-nos, mais concretamente,aos meios informáticos e às novas formasde socialização que a Internet propor-66 I 67 OUTONO 2009 I N.º186


ciona. Cada vez mais queremos procurarno ecrã dos monitores muitas das coisasque não achamos na vida. As diversas formasde interacção em tempo real que estãodisponíveis permitem um desdobramentodo eu e a entrada num mundo imagéticoque, não obstante, pode surgir depois namais cruenta materialidade. Referimo-nosàs plataformas de redes sociais (Hi5,Netlog, Twitter…), às salas de chat, àSecond Life, entre outros exemplos.O menino é agora um adolescente. A suaexperiência virtual já é considerável.Experimentou diversos jogos, interagiucom pessoas, possui a sua rede de contactosnum qualquer programa Messenger.Constrói agora o seu avatar numa plataformade redes sociais. Começa a coleccionaramigos: convida as pessoas queconhece, mas em breve pode começar aexplorar as redes sociais. Clica no perfil deum amigo, descobre os amigos desseamigo, mais outro clique… Rapidamenteestá a analisar perfis de pessoas que nãoconhece. Se quer ter muitos amigos, acabapor fazer convites e começar a conversarcom sabe-se lá quem.A questão do perfil é também importante.Julgando-se ao abrigo de um anonimatoimaginário, publica fotografias de si emposes vagamente eróticas. Nem sequer émuito ousado: muitos dos seus amigos eamigas publicaram fotos de seminus… Àsvezes, tem que se confrontar com situaçõesconstrangedoras: uma tia ou a própria mãevisitam o seu perfil. Insurge-se então, apelandoao seu direito de privacidade (masmantém o perfil público na Internet…).De seguida, era inevitável, vai conheceruma pessoa com quem sentiu afinidadesnas suas interacções virtuais. Pode até darseo caso de estar apaixonado… Trocou denúmero de telemóvel, enviou mensagensescritas e imagens.Quando se vão conhecer surge um outroproblema: o avatar confiante e seguro de sinão consegue ser convocado para o mundoreal. As pernas tremem e aquela conversa,que surgia a propósito de tudo e de nada,não anda naquela esplanada de café emque se sentaram. O eu virtual parece quecresceu para além do eu real e o que agoraapetecia ao nosso adolescente era mesmoligar o computador.Poderíamos continuar a nossa história.Tecer-lhe inúmeros contornos, pois as possibilidadessão infinitas. Vamos apenas levantaralgumas interrogações: esse desdobramentodo eu num imaginário avatar é possível?Um avatar pode ser completamente fantasiosoou tecer relações próximas com omundo real, ou seja, posso criar um perfilcom o meu nome no Twitter… nesse caso,esse eu é mesmo eu ou uma criação? Comogerir a questão da privacidade neste génerode plataformas? O modo como interagimoscom os outros e os gestos virtuais que fazemos,será que os poderemos realizar nomundo real? O eu confiante é mesmo real ouapenas uma réplica do que se deseja ser?Numa época em que a escola ensina àscrianças a pesquisar conteúdos na net, afazer trabalhos com base nas novas tecnologias,nenhum destes assuntos está pensado.Preocupamo-nos mais em fornecer um portalde acesso à Internet, e que todos tenhamcomputadores, mas… e o resto? Esta crónicalista apenas uma breve série de problemasque ficam por ensinar ou reflectir. Sãoeles novos conteúdos a explorar em termosde promoção da saúde mental.


DISCURSO directoEscola,EsquerdaeEducaçãoLuísa Couto68 I 69 OUTONO 2009 I N.º186


Para a esquerda política é inaceitável, do ponto de vista dos princípios,que a Escola se afirme como um espaço de reprodução das desigualdades.Daí a exigência de se desenvolverem projectos de gestão democrática nasescolas e de se construírem colectivos docentes suficientemente solidários parapossibilitarem a participação dos professores de forma reflectida e interessada.Ariana CosmeRui TrindadeFaculdade de Psicologia e Ciências da Educaçãoda Universidade do PortoNo dia a dia em que vivemos, ao longo dosdebates em que participamos, há algumasideias que os atravessam de forma sólida esubliminar. Uma das mais interessantestem a ver com a crença de que não é porfalta de propostas que a escola pública seafirma como uma instituição que respeitauma lógica de funcionamento mais democrático,mas por falta de vontade políticapara concretizar essas mesmas propostas.Trata-se de uma perspectiva que nãopodendo ser desvalorizada no seio dodebate em questão, não permite, contudo,que possamos afirmar, no âmbito de um talprojecto, que não nos defrontamos, também,com a ausência de respostas e desoluções credíveis. Ausência esta que justifica,por isso, que defendamos ser necessáriopromover reflexões e pesquisas consequentes,em função das quais possamosenfrentar, sem ambiguidades e sem subterfúgios,problemas como aqueles que, entreoutros, se relacionam: (i) com a construçãode projectos educacionais que não façamdo combate à exclusão escolar o pretextoque, afinal, legitima essa mesma exclusão,quando se limitam a propor respostas quehierarquizam, do ponto de vista do seuvalor formativo, os percursos escolares dosseus alunos, sem pôr em causa ou discutir,por exemplo, a relação entre esses percursose a origem sócio-económica dos discentes;(ii) com a mobilização e o envolvimentodos professores num projecto destetipo; (iii) com o desenvolvimento de projectosde gestão democrática ou (iv) com aconstrução de colectivos docentes quefuncionem de uma forma colegial e tãoesclarecida quanto possível. Só reconhecendoque não estamos, apenas, peranteum problema de falta de vontade política,mas também perante a inexistência de projectose de meios que permitam sustentaressa vontade é que poderemos discutirseriamente esses (e outros) problemas queforam por nós atrás referidos.Trata-se de um desafio que, importa afirmar,decorre do património de preocupaçõesque caracteriza a esquerda política, namedida em que para aqueles que se situamnoutros domínios do espectro político esseé um desafio que lhes é estranho. Paraestes, a hierarquização dos percursos escolaresé inevitável, logo não faz sentido discutirse os professores terão que ser mobilizadospara se envolverem em projectoseducacionais que recusem e contrariemessa hierarquização. Para estes, igualmente,o desenvolvimento de projectos de gestãodemocrática e a subsequente preocupaçãocom a construção de colectivos docentesque funcionem de uma forma colegial éuma reivindicação contra-natura, dadoque, na sua opinião, a eficiência não secompadece com igualitarismos que contribuempara o funcionamento medíocre dasinstituições públicas.Ao contrário, para a esquerda política éinaceitável, do ponto de vista dos princípios,que a Escola se afirme como um espaçode reprodução das desigualdades, assimcomo é inaceitável que os professores definama sua intervenção como profissionaisem função de um tal pressuposto. Nestesentido, importa reconhecer que o problemaque se coloca àqueles que se situam àesquerda é, certamente, um problema queresulta de um desafio mais ambicioso ecomplexo. Um desafio que decorre de umimperativo ético e não tanto da resposta,por exemplo, a uma necessidade de maiorconforto profissional. Daí a exigência de sedesenvolverem projectos de gestão democráticanas escolas e de se construíremcolectivos docentes suficientemente solidáriospara possibilitarem a participaçãodos professores nesses projectos de formareflectida e interessada.Se, hoje, um tal projecto nos conduz a produzirum discurso de carácter utópico, istosó pode querer dizer que há um percursodifícil a fazer. Um percurso que nos obrigaa uma reflexão sobre os seus azimutes e omodo de o realizar. Um percurso cujas dificuldadese armadilhas se afirmam, actualmente,de forma mais explícita, após umalegislatura em que um governo que reivindicaa sua pertença ao campo da esquerda,e com o apoio de uma maioria absoluta noParlamento, nos mostrou como a fragilidadede alguns dos conceitos que alicerçam oprojecto de uma Escola Pública, subordinadaa uma racionalidade político-pedagógicade inspiração democrática, podemconstituir não só um obstáculo à afirmaçãode um tal projecto, como um meio estratégicoatravés do qual se promove a ilusão deque esse projecto foi ou está em vias de serconstruído.Daí a necessidade de, numa agenda dereflexão a promover pelas organizaçõesque se situam no espaço da esquerda política,nos tenhamos de debruçar sobre essesconceitos, de forma a revisitá-los e a interpelá-loscomo objectos teóricos vulneráveise, nalguns casos, desgastados e gastos.Um exercício que está longe de ser umaoperação confortável ou isenta de riscos ede equívocos. Mais do que de um discursoradical, necessitamos de uma reflexão radicalque sustente um programa político nodomínio da educação capaz de alicerçarum projecto, a longo prazo, consequentee, sobretudo, congruente. Não é uma tarefafácil. É uma tarefa necessária.


DIZeresObrigado!..Ó palerma!Foi nessa altura que dois alunos lhe abriram a porta e elepassou, sem olhar ninguém, sempre em frente, queixo bemlevantado e passos firmes em direcção à sala de professores.Atrás de si ouviu então: “obrigado!”. Por alguns segundoshesitou, ia olhar, dizer obrigado. Mas fiel aos seus princípiosseguiu em frente, costas bem direitas, ignorando aquelainterpelação ... E então ouviu: “obrigado, ó palerma!”Angelina CarvalhoColaboradora do CIIIE da Faculdadede Psicologia e Ciências da Educaçãoda Universidade do PortoEle estava visivelmente zangado e aborrecido,diria mesmo furioso. Tinha começadoa dar aulas nesse ano naquela escola.Já lhe tinham dito como a escola era difícil,afamada por estórias que passavam deboca em boca e, segundo constava, até iriacomeçar o novo ano lectivo como umTEIP, fosse lá o que isso fosse, mas até nãodeixava de ser um mau sinal. Ele sabia queseria uma escola complicada e preparara-seantes, pronto a enfrentar as maiores dificuldades.As aulas começaram e de facto não era fácilcaptar a atenção daqueles adolescentes e,quando captada, conseguir que ela se mantivessealgum tempo. Era difícil e cansativomas nada de muito especial. Nada quemerecesse a atenção de um filme por telemóvelcolocado no you-tube, nada quedesse origem a grandes conversas, nadaque não pudesse ser gerido na íntima solidãoda sala de aula, entre ele e os alunos.Sobretudo nunca houvera nada que ofizesse sentir-se humilhado mesmo quandosentia que o seu trabalho não atingia grandesresultados. Mas ele estava ali para ensinar,era o que fazia, e eles que aprendessem.A sua autoridade nunca tinha sidoposta de tal modo em causa que nãopudesse continuar solidamente em frente.Aliás, seguir determinadamente em frente,ignorar os protestos e alguns ditos desagradáveis,mostrar a sua firmeza e determinação,tinha sido sempre o seu lema. Os colegastinham-no avisado: nada de fraquezasnem familiaridades, dar-se ao respeito, nãomostrar nunca os dentes, olhar sempre emfrente, ignorar o que eles faziam quandocruzava os corredores, mostrar a distânciaque havia entre ele, professor, e eles, osalunos, marcar posição.E ele tinha seguido este conselho e não setinha dado mal. Apesar de um certo sentimentode insegurança que o atacavaquando as portas das salas se abriam e eleatravessava os corredores, pululantes deadolescentes barulhentos, movimentando-sede forma tão rápida e de destino70 I 71 OUTONO 2009 I N.º186


imprevisível, correndo, gritando, ignorandotoda a gente enquanto se dirigiamnuma direcção e objectivo incompreensíveis,agitando objectos e rindo ou gritandoaté ensurdecer. Mas mesmo nestesmomentos, que eram mais ou menosintensos conforme as horas do dia, eletinha-se mantido firme nos seus propósitose parecia que tudo corria bem.Parecia-lhe que a melhor estratégia eramesmo ignorar aqueles redemoinhos deadolescentes como quem ignora os remoinhosdo vento e segue em frente quandoatravessa a rua num temporal.Até que lhe tinha sucedido aquilo hoje!...Aquilo tinha sucedido mesmo no meio deum grupinho de que ele tinha uma máimpressão, onde ainda por cima estavamtambém alguns alunos seus, e pior ainda,próximo de duas colegas que se cruzaramcom ele!Nunca se sentira tão vexado, sobretudoporque ouvira, ouvira e não pudera ignorarque aquilo era com ele e que, mesmo mostrando-seindiferente, seguindo em frentee entrando na sala de professores, seu refúgio,atrás de si ficariam a vibrar aquelaspalavras e as gargalhadas que se lhe seguiram.Ele seguia pelo corredor, lugar de passagemde alunos e professores, com umaporta a meio, e junto à qual alguns alunosse juntavam em grupo, esperando o próximotoque de campainha. Ao aproximarseda porta, com as mãos ocupados comuma pasta e papéis, pensou que ia ter que aabrir empurrando-a com o ombro. Foinessa altura que dois alunos, lha abriram eele passou, sem olhar ninguém, sempre emfrente, queixo bem levantado e passos firmesem direcção à sala de professores.Atrás de si ouviu então: “obrigado!”. Poralguns segundos hesitou, ia olhar, dizerobrigado. Mas fiel aos seus princípiosseguiu em frente, costas bem direitas, ignorandoaquela interpelação a que, obviamentenão deveria reagir. E então ouviu“obrigado, ó palerma!” e ainda “ó palerma”!E aquele “obrigado, ó palerma!” ficara a ressoarnos ouvidos, num ressoar que se prolongoupelo corredor fora, fazendo estremeceros duros alicerces da sua firmezadesenhada em passadas determinadas equeixo levantado.Como ele estava furioso!


EM PortuguêsAs pátrias sãoPensar uma pátria semum território dereferência identitáriafaria tão pouco sentidocomo acreditar que um“despatriado” quereconhece os laços dalíngua, da família, dacultura e da terra ondenasceu e viveu seconsidere,sinceramente, liberto da“raiz” por transformaçãoem “cidadão do mundo”Leonel CosmeEscritor e investigador. PortoNum texto pouco citado, – O Sentido dePortugal – , Fernando Pessoa simplifica ovínculo do homem à pátria considerandoque “a base da Pátria é o idioma, porque oidioma é o pensamento em acção, e ohomem é um animal pensante, e a acção éa essência da vida.”Se quisermos ser mais abrangentes, aduziremosque o homem, sendo também umanimal terrígeno, como os bichos domonte e as aves do céu, mas dotado comuma qualidade que o distingue entre osoutros animais – o livre arbítrio – pensou,falou e agiu em função do território em que“apareceu”, logo para se relacionar com oseu parceiro ou vizinho, criando umidioma de intercomunicação que lhe permitiureceber e transmitir práticas e ideiasde sobrevivência e desenvolvimento.Todavia, se, conservando embora o idiomaem territórios estranhos para onde nosmudámos, por necessidade ou aventura,não contássemos com o único território derecurso em que não nos sentiríamos toleradose donde moralmente nunca poderíamosser expulsos,– não nos perturbaria ver que israelitas epalestinos se matam desenfreadamentepara terem um território e não se contentam,vivendo na diáspora, em manter alíngua e o que ela resguarda, como umrelicário, da sua identidade;– não nos sensibilizaria ver aquele velhocamponês que vendeu a casa e o eido daaldeia onde nasceu para custear a comprado apartamento do filho com quem vaiviver, na cidade, e depois, doente, pornão encontrar nele assistência, acabar osseus dias recolhido numa Misericórdia,sofrendo de saudade dos campos e dosmontes da terra perdida, sentindo que asua pátria morreu na cidade – sobre oque António de Alçada Baptista, beirãosaudoso expatriado em Lisboa, tambémachou que “a Pátria começa nas aldeias etem o destino do campesinato”;– não veríamos como um perigoso aviso ouameaça o facto de países ricos e populososda Ásia, para proverem à sua alimentação,estarem a comprar partes do território depaíses pobres de África onde os seusnaturais, por falarem idiomas diferentes,chegam a disputar ferozmente direitos deocupação.Ora, ninguém questionará que, dentro oufora do território pátrio, a língua-materplasma um sentido de pertença a uma “história”,“entidade” ou “ipseidade” (como lhechamaram Steiner e Derrida) enformadospor memórias vividas ou contadas, quecaracterizam, segundo uns, a “alma nacional”,segundo outros, a “identidade”. Donde,pensar uma pátria sem um território de referênciaidentitária faria tão pouco sentidocomo acreditar que um “despatriado” quereconhece os laços da língua, da família, dacultura e da terra onde nasceu e viveu seconsidere, sinceramente, liberto da “raiz”por transformação em “cidadão do mundo”,alheio ao questionamento formulado pelopoeta cubano Damaris Calderón: “Há saídapossível para fora ou toda a saída é para dentro,até ao reino da raiz?”Um biólogo ou um poeta teluristas aceitariamigualmente esta relação considerandoa influência que a terra (o solo, a paisagem)exerce sobre o carácter e os costumes dosseus naturais. O telurista Teixeira dePascoaes, na Arte de Ser Português, émesmo peremptório: “A reflexão da paisagemno homem é activa e constante. A paisagemnão é uma coisa inanimada; temuma alma que actua com amor ou dorsobre as nossas ideias ou sentimentos,transmitindo-lhes o quer que é da suaessência, da sua vaga e remota qualidadeque, neles, conquista acção moral e consciente.”Mais tarde, Torga, poeta médico,diria que “a província é o protoplasma dapátria, a substância onde se processa ometabolismo que lhe garante o equilíbriohomeostático.” Ao vínculo fortíssimo queinduz um emigrante rústico a reproduzirmemórias do “ninho” em terra estranha quefoi coagido a habitar há quem chameSaudade.72 I 73 OUTONO 2009 I N.º186


territóriosNão desconhecendo que o território ondese nasce e vive (o seu clima e paisagem)produz uma determinada psicologia (onativo dos trópicos não pensa-sentindocomo o nativo dos glaciares), provavelmentetambém Jung e Mounier concordariamque a “anima” é condicionada pelosefeitos que o ambiente exerce (ou exerceu)sobre a “carne”. Pelo menos, enquanto oHomem, como o conhecemos historicamentesujeito a um certo metabolismo, nãose transformar em Cyborg, congeminadocom chips e clonagens num “admirávelmundo novo” cibernético...Mas um poeta urbano e solitário, quesó conheça do seu país a partícula que évisível do alto de uma janela, ou um semabrigocondenado a viver entre a rua doPão dos Pobres e o cortiço onde se acolhe,só pode ter da pátria uma ideia emprestada,– por conversas, livros ou televisões - quetanto pode ser realista como fantasiada,transmissora de verdades como de mentiras,de factos como de mitos. A pátria queestá para lá da nossa casa, da nossa rua oudo nosso bairro, num espaço difuso que nosé distante e do qual somos ausentes, massabemos existir nele gente, campos, montese rios, onde se reproduzem as espécies,semeia, planta, e se é feliz e infeliz, é apátria de outiva, também julgada nossa porqueapreendida em narrações de glórias ede horrores, mas que, na realidade, não nos“pertence” e por isso podemos enjeitar, semsentir pena nem pecado.Politicamente, não é patriota aquele cidadão,intelectual, político ou governante,para quem é indiferente que o territórionacional arda ou se despovoe, alugue ouvenda, e pelo qual só fará uma revolução ouuma guerra se for afectada a sua casa, a suafamília ou o seu negócio, se antes não puderfugir para outro país. Poderá cantar um hino,evocar antigas glórias e coleccionar ícones, enão ser um cidadão da Pátria, se no territórionacional ele for apenas um morador.Com inquilinos destes a pensar e a agir,certamente não seria famoso o sentido dePortugal.


A ESCOLA que aprendeEDUCAÇÃO INCLUSIVAQuantos são...os alunoscom dificuldadesnuma classe?Quantos são eles?Tantas vezes ouvimos que “é preciso mudar as atitudes” que atépoderíamos pensar que havia umas “técnicas especiais” para mudaratitudes. Seria tempo perdido. As atitudes mudam consequentementequando a pessoa vive e reflecte sobre experiências que sãoincompatíveis com as representações que ela tem da realidade.David RodriguesUniversidade Técnica de Lisboa.Presidente da ANDEE – Associação Nacionalde Docentes de Educação Especialwww.proinclusao.com.sapo.ptNuma reunião em que participei há poucono Brasil, um grupo de professores levantavaesta questão analisando os processos talcomo se desenrolam no dia a dia das escolas.E as opiniões foram muito interessantes:dizia-se que, se um professor (vá-se lá saberporquê) identificar um grande número dealunos com dificuldades na sua sala de aula,isso acarretava consequências curiosas.Antes de mais dava ao professor uma aurade rigor e de competência do tipo (“Esteprofessor é muito exigente em termos deaprendizagem”). Depois, o professor marcavaterritório no sentido em que se osresultados finais fossem maus ele poderásempre dizer “Eu logo preveni que tinhamuitos alunos com dificuldades”. Uma terceiraconsequência verifica-se no efeitodesta identificação ao nível dos outros professores.Se um colega diz que tem muitosalunos com dificuldades, em que posiçãofica um colega que assinala poucos ounenhuns alunos? Fica sem dúvida numaposição de fragilidade podendo a sua posiçãoser conotada com um idealista ouentão mesmo de incompetente.Diziam-me estes professores brasileiros queconheciam casos em que se verificou um“efeito de cascata”, em que começando umcolega a assinalar as grandes e numerosas74 I 75 OUTONO 2009 I N.º186


dificuldades dos seus alunos, os outros sesentiam na obrigação de seguir ou mesmoaumentar a parada. E este processo já tinhachegado a que se identificassem numa únicasala de aula 40% (quarenta por cento) dealunos com dificuldades. (Parece aquelasconversas de idosos em que o seguinte temuma doença sempre maior e mais dolorosado que o anterior...)E aqui vemos a necessidade de trabalharem práticas que possam mudar estas atitudes.Repito: práticas que possam mudar asatitudes. Tantas vezes ouvimos que “é precisomudar as atitudes” que até poderíamospensar que havia umas “técnicas especiais”para mudar atitudes. Seria tempo perdido.As atitudes mudam consequentementequando a pessoa vive e reflecte sobre experiênciasque são incompatíveis com asrepresentações que ela tem da realidade.Há tempos um professor contava-me queos alunos da sua classe ficaram bem espantadospelo facto do seu colega cego tertido a melhor nota num teste em LínguaPortuguesa. Este é o tipo de experiênciaque pode mudar efectivamente as atitudesdestes alunos em relação ao seu colegacego. Assim em lugar de dizer “mudar atitudes”talvez devamos dizer “mudar as práticaspara mudar as atitudes”.Esta mudança de práticas é extremamentecomplexa. Uma determinada forma deactuar está profundamente ligada a umcomplexo de valores e práticas: ao mudaruma delas devemos estar conscientes queestamos a mexer uma pedra de um muro emuitas vezes não podemos nem mesmoestimar os efeitos desta mudança.Que práticas poderiam conduzir a que asatitudes face à diferença dos alunos fossempositivas e esporádicas em lugar de negativase generalizadas (como vimos podendochegar a 40%)? Poderíamos talvez avançar3 ideias.Antes de mais a mudança da escola devevir de dentro da escola. É a escola que deveavaliar as suas forças e vulnerabilidades e apartir dessa análise do que melhor podefazer com as suas próprias forças estudarquais os meios que precisa para fomentaruma educação respeitadora e valorizadorados diferentes esforços de cada um. E oque não conseguir fazer com as suas forçassaber pedir o que precisa.Depois, a avaliação deve ser mais e maiscentrada nos processos e não só nos resultados.Este ano pedi aos meus alunos deMestrado que decorassem um soneto (“Seteanos a Labão Jacó servia...”) e escrevessemnuma simples folha quais as estratégias queusaram para o decorar. Foi um boa experiênciasobre como os processos para atingir umfim semelhante podem ser diversos. Nofinal a pergunta que presidiu à análise destaexperiência foi: será que damos aos nossosalunos ferramentas e lhes permitimos usarestratégias para trabalhar semelhantes àquelasque nós próprios precisamos?Por fim, saber que separar um aluno daclasse por lhe termos identificado umanecessidade “especial” pode ser uma limitaçãoque só nos permite ver os factos maisaparentes. Os professores que são mais eficazesa lidar com a diversidade trabalhamno sentido de responderem a todos os alunosque podem, em qualquer momento,apresentar algum tipo de dificuldades (esão quase todos). Separar os alunos quetêm dificuldades dos que não têm pode sersó um sintoma que não conseguimos identificaras dificuldades de uma grande partedos alunos.Quantos são, perguntávamos... São talveztodos os que podem ter dificuldades emalgum momento, em alguma matéria emalguma experiência do ensino. Mas são talvezmuito poucos os que por terem dificuldadesprecisam de meios de ensino quenão podem ser usados na sala de aula e quenão beneficiem da interacção, convívio einteracção dos colegas.


ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO“O regimede transiçãopropostoé de todoinaceitável”Entrevista conduzida por RICARDO JORGE COSTAFotografia de TERESA COUTOProfessor Assistente do Instituto Superior de Engenharia (ISEP)do Instituto Politécnico do Porto, Raúl Pinheiro assume nestaentrevista o seu papel de sindicalista e faz um balanço do processonegocial que decorreu ao longo dos últimos meses. Apesar dereconhecer alguns ganhos para os docentes do ensino superiorpolitécnico, Pinheiro afirma que a manutenção dos concursoscontinua a ser o “pomo da discórdia” entre a tutela e os sindicatos.


ENTREvistaQue apreciação crítica global faz de todo o processo denegociação, nomeadamente das propostas apresentadas pela tutela?Penso que as propostas iniciais do ministério para a revisão doEstatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnicoeram mesmo muito más. A serem levadas à prática poriam emcausa o funcionamento dos politécnicos pois, entre outras coisas,asseguravam lugares de carreira para apenas 30 por cento dosdocentes. Os restantes prestariam serviços no máximo a meiotempo e perderiam o direito à exclusividade. Além disso, veriam oseu salário reduzido para um terço do actual. Esta proposta era detodo insensata e creio que o decorrer das negociações fez ver aoministério o que é actualmente o politécnico.Considera que os professores do politécnico ficaram a ganharem relação à sua anterior situação?Sim e não. O actual estatuto permitiu a situação que se vive actualmenteno politécnico, com 70 por cento dos docentes contratadoscomo equiparados, ou seja, em situação de precariedade. Nospolitécnicos maiores a prática era a renovação dos contratos dedois em dois anos, mas noutros a expectativa de renovação nãoexistia e havia contratos a serem renovados por 3 meses.O novo estatuto aproxima a carreira no politécnico da do universitário,exige o doutoramento como qualificação de acesso à carreira,assume a exclusividade como a forma normal do exercício das funçõesdocentes, e alarga em muito os antigos quadros, agora lugaresde carreira, invertendo a enorme precariedade existente.Seguramente que tudo isto são coisas positivas, mas o regime detransição proposto é de todo inaceitável. Os docentes que estãoactualmente no politécnico como equiparados, alguns há mais de 20anos, que têm cumprido de forma exemplar as funções, que ajudarama construir o que é hoje o politécnico, que nele criaram e deramcorpo a grupos de investigação de excelência, não aceitam colocar aconcurso internacional o seu lugar. Alguns até fizeram o doutoramento,sem que tal fosse até aqui exigido, a expensas próprias, semdireito a dispensa de serviço. Não será do mais elementar bomsenso que estes docentes tenham direito a um lugar de carreira?Porque razão foi marcada a greve – e, já agora, porque motivonão teve o apoio da Fenprof?Ainda antes da greve, foram levadas a cabo outras acções de lutaenquanto se estava no processo de negociação. Destaca-se a manifestaçãofrente à Assembleia da República, promovida conjuntamentepela FENPROF e pelo SNESUP, que permitiu avanços significativosnas negociações como a garantia de renovação de contratosdurante os seis anos de transição para os docentes inscritos paradoutoramento e a abertura próxima de concursos para os já doutorados,por proposta da FENPROF. Contrariamente ao estatuto dosecundário, houve de facto negociação, embora o ministro se mostrassesempre irredutível na questão de fundo: os concursos.A FENPROF procurou garantir o que de bom tinha sido conseguido,assinando a acta das negociações onde considera como globalmentepositiva a configuração das futuras carreiras, mas nãodeixando de marcar a sua forte discordância com o regime de78 I 79 OUTONO 2009 I N.º186


transição. A greve foi marcada pelo SNESUP, dando voz ao enormedescontentamento dos docentes neste ponto e foi um êxito, comgrande adesão nos principais estabelecimentos de ensino. Paramim, foi um tanto surpreendente a capacidade de luta que osdocentes demonstraram.O final da legislatura levou a que a FENPROF preferisse ver esteestatuto, bastante negociado e com muito de bom, aprovado. Aalternativa era a aplicação da nova lei geral dos contratos de trabalhoda função pública com o presente estatuto em vigor, o quemesmo para os docentes cujo contrato tem vindo a ser renovadoabria possibilidades de tal não continuar a acontecer. Para alémdisso, nada garante que um próximo Governo, alterando o estatuto,viesse a consagrar o que este consagra. Já poucos se lembrammas já houve tentativas de, por exemplo, retirar a exclusividade atodos os docentes.UNIVERSIDADEAbERTAwww.univ-ab.ptalvAprendizagemao Longo da VidaTendo em conta que a ronda de negociações terminou, foiconseguido aquilo que era exigido?Como já expliquei, muito foi conseguido nas negociações, tendosido acolhidas muitas propostas da FENPROF, e muito por pressãoda luta dos docentes. Apenas a incontornável questão dos concursos,que é sem dúvida o pomo da discórdia, se manteve. Sendosem dúvida acertado que o acesso à carreira se faça por concurso,não é de todo aceitável que quem de facto está na carreira - apesarde formalmente ser equiparado – e não tem qualquer responsabilidadeem ter um contrato de equiparado quando de facto estáa preencher necessidades permanentes, tenha que ver em risco oseu emprego por um concurso internacional, onde pode comgrande probabilidade perder o lugar.É também injusto face ao universitário, onde esta passagem semprefoi automática com a obtenção do doutoramento, e se mantémcom o novo estatuto. Se atentarmos bem, nenhum sindicatose manifesta contra o estatuto, e ambos se mostram frontalmentecontra o regime de transição. Mesmo na última vigília que se realizou,os docentes pediam ao Presidente da República que fizesse oque está ao seu alcance para rever o regime de transição, e nãopara que não promulgasse o estatuto.Que novas iniciativas irão tomar as organizações sindicais nosentido de obterem aquilo que consideram justo?Actualmente a FENPROF está a contactar os partidos políticos concorrentesàs eleições com vista a obter destes o compromisso dealterar o regime de transição na próxima legislatura, o que tem sidoconseguido. Está também a interceder junto das instituições comvista a alterar as condições contratuais daqueles que previsivelmentemais irão sofrer com a entrada em vigor do novo estatuto.O quadro político actual é complicado, pois ainda não se sabe seo estatuto vai ou não ser promulgado nesta legislatura e não seconsegue fazer uma previsão segura de como será o próximoGoverno, pelo que é arriscado prever quais as acções concretasque os docentes e sindicatos irão tomar. Mas seguramente continuarãoa lutar pela alteração das disposições transitórias do estatuto.Podemos dizer que agora a luta vai de férias, mas com certezavoltará retemperada e com mais força.OFERTA PEDAGÓGICA [2009-2010]1. PROGRAMAS PROFISSIONAIS> FORMAÇÃO PROFISSIONALFormação Multidisciplinar em TurismoDocumentação e Formação de LeitoresEmpreendedorismo e Gestão de Pequenos NegóciosAmbiente e SociedadeSegurança, Higiene e Saúde no TrabalhoFormação de Formadores Online> FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORESNovos Programas de PortuguêsEducação Sexual, Saúde e Bem-EstarAntropologia e Tecnologia DigitalTemas do PatrimónioTecnologias de Informação e ComunicaçãoFísica e ElectrónicaMatemáticaCiências Aplicadas, Ambiente e Sociedade2. PROGRAMAS COMUNITÁRIOSCidadania e Participação CívicaEmpreendedorismo, Cultura e Desenvolvimento3. PROGRAMAS DE ESTUDOSINTEGRADOS OU COMPLEMENTARESGestão da Caça e do Espaço RuralCandidaturas e Inscrições21 de Setembro a 9 de Outubro de 2009INFORMAÇÕESRua da Escola Politécnica nº147,1269-001 Lisboa PortugalTelefones: 351+213 916 447/ 50/ 51e-mail: alv.info@univ-ab.pt }www.univ-ab.pt/ualv


EDUCAÇÃO desportivaCristianoRonaldoou asMarlene Santoslições do futebolManuel SérgioProfessor JubiladoFaculdade de Motricidade Humana da UniversidadeTécnica de LisboaQuem sabe ouvir e ver, com tolerância erespeito, muito aprende com o futebol e,portanto, com o Cristiano Ronaldo e o Messie o Kaká e outros com a mesma profissão.É preciso ouvi-los, não com uma escutadesatenta e hierárquica, mas com a certeza queo diálogo é a essência da vida cívica e eles têmalgo para nos contar que nós ainda nãoouvimos nem lemos, acerca do futebole portanto da vida.80 I 81 OUTONO 2009 I N.º186


Vivemos tempos novos. Quando era rapaz eme entusiasmava com as “Torres de Belém”,com os “Cinco Violinos” e com o Rogério, o“Pipi”, um dos jogadores mais habilidososque os meus olhos já contemplaram, não meera dado futurar que, sessenta anos maistarde, o Santiago Bernabéu pudesse albergar85 mil pessoas, principalmente raparigas,para saudar, aplaudir e (por que não?) venerarum futebolista português, estuante deraça, de orgulho e dignidade, consideradopela FIFA e pelos fazedores de opinião “omelhor jogador do mundo”.A numerosa presença de público feminino ésinal da cultura somática do nosso tempo. Amulher libertou-se de bafientos valores tradicionaise assumiu os ideais da felicidade sensoriale afinal da própria vida no que ela temde mais afectivo e pulsional. As espectadoras,entrevistadas pela televisão, não deixaramdúvidas: “Estou aqui para ver o melhor jogadordo mundo e porque ele é muito giro”.O Freud do Esboço da Psicanálise ocorreme,neste momento: “a pulsão é o ponto zeroda génese do psiquismo”. E ficava-se nadúvida se o que as levara ao Bernabéu tinhasido mais o jogador ou o símbolo sexual.Num ponto não é lícita a dúvida: a mulher,por sua conta e risco, torna-se sujeito e nãoobjecto! Esta uma das grandes conquistas donosso tempo! Por muito que pese aos moralistas(e machistas), vivendo, como sanguessugas,agarrados ao Passado. De facto, sersujeito é não sujeitar-se! Aliás, já foi há 63anos que o biquini subiu, pela primeira vez,às passerelles, em Paris...Mas, na personalidade somática do nossotempo, onde a libertação da mulher é umadas suas principais peculiaridades, comovimos acima, o desporto dá ao corpo umarelevância tal que os seus melhores intérpretes,como o Cristiano Ronaldo, ou oLeonel Messi, ou o Kaká, são os novosdeuses. Portanto, o futebol diz-nos, à suamaneira, que é ao corpo que cabe definir oque somos e o que devemos ser.Os cortesãos de Luís XVI, ou as sinhazinhasde José de Alencar, ou os luteranoseuropeus do século XVII também cuidavamdo corpo, mas não sabiam que o biológicoera o fundamento do psíquico(Jean-Marie Lehn, Prémio Nobel daQuímica, afirma convictamente que nãosomos outra coisa senão sistemas moleculares,extremamente complexos), nem que,mais do que salvar a alma, interessa salvaro corpo... porque não há alma, sem corpo!Quando, na segunda metade do século XIX,o futebol nasceu, o desporto destinava-se ainstrumentalizar o corpo, ao serviço dosimperativos categóricos da razão. A Pro -posta de Lei, de 25 de Fevereiro de 1939,apresentada à Assembleia Nacional, para acriação do INEF (Instituto Nacional deEducação Física) sustenta que à educaçãofísica compete fazer do corpo “o digno instrumentode uma vontade esclarecida”.Como se vê, uma teoria da formação do serhumano, assente no corpo-instrumento. E adicotomia corpo-mente, natureza-cultura,pensamento-acção perpetuava-se declaradamenteno desporto e no treino desportivo.Hoje, alguns treinadores, mais bem intencionadosdo que lúcidos, ainda separam, notreino, o físico do mental. Ora, na complexidadehumana, tudo se relaciona comtudo. E é a partir deste pressuposto que otreino há-de estruturar-se e ministrar-se.Presto, aqui, a minha humilde homenagemao José Mourinho. Quando, há 28 anos,falava destes assuntos, nas aulas, ele soubeconcretizar, mais tarde, o que eu entãoantevia e não saberia nunca operacionalizar.É um super-dotado.Quem sabe ouvir e ver, com tolerância erespeito, muito aprende com o futebol e,portanto, com o Cristiano Ronaldo e oMessi e o Kaká e outros com a mesma profissão.É preciso ouvi-los, não com umaescuta desatenta e hierárquica, mas com acerteza que o diálogo é a essência da vidacívica e eles têm algo para nos contar quenós ainda não ouvimos nem lemos, acercado futebol e portanto da vida. Não esqueçoo que aprendi com o Mário Wilson e o JoséMaria Pedroto e o José Mourinho e aprendoagora com o Jorge Jesus.E o que nos ensinam os “homens do futebol”,incluindo o Cristiano Ronaldo? Em primeirolugar: só se sabe o que se vive e,depois, perguntar o que é o futebol pode serbem o mesmo que perguntar o que é oHomem! Dostoievsky, em Os Demónios,salienta que “sem o russo, sem o inglês, ahumanidade pode viver. Mas, sem Shakes -peare, a humanidade não devia poder viver eparece bem que não poderá viver”. É bomque possamos dizer o mesmo do futebol.Num ponto havemos de convir: o futebollança uma luz sobre o mundo que este nãoteria, sem ele. E... “o olho ouve”, segundo aexpressão profunda do título de uma obra dePaul Claudel, sobre a pintura! Mesmo a verum simples jogo de futebol...Wikipedia chega aos três milhões de artigos em InglêsBREvesA versão em inglês da enciclopédia on-lineWikipedia assinalou em meados de Agostoter chegado aos três milhões de artigosescritos em língua inglesa com a publicaçãode um texto sobre Beate Eriksen, actriznorueguesa de 48 anos. A Wikipedia anun-ciou a notícia na página en.wikipedia.org doseu site, agradecendo a todos os colaboradoresque ao longo dos anos tornarampossível atingir aquela marca.Criada há oito anos, a Wikipedia orgulha-sede oferecer a todas as pessoas ligadas àinternet a possibilidade de escrever ou editarartigos sobre qualquer tema. A enciclopédiaon-line tem actualmente 13 milhõesde artigos em 260 idiomas, sendo um dossites da internet mais consultados, com 65milhões de visitas por mês.Fonte: AFP


EDUCAÇÃO desportivaUma Autonomianas mãos denovos senhoriosUma Autonomia,libertadora e responsável,pela qual tantos ao longoda História lutaram,acabou às mãos de novose sofisticados senhoriosque usam e abusam damenoridade do Povo,hoje vítima de uma escolacom trinta anos que,pacientemente, oanestesiou, tornando-oincapaz de um grito deindignação.André EscórcioMestre em Gestão do DesportoEscola B+S Gonçalves Zarco – FunchalA palavra saiu-lhe exactamente nas escadasda Igreja do Colégio, no centro da cidade,onde vicissitudes da vida conduzem quepor ali se sentem pobres na esperança quealguma coisita caia das mãos de um santo.“Indigentes” foi a palavra dita referindo-seaos Deputados da Assembleia Legislativada Madeira. Ora, diz-se indigente aqueleque necessita mendigar pois não podeviver sem recorrer ao auxílio dos outros.Ao falar assim dos Deputados fica justificadoporque motivo “o mais importante”,assim se considerou, lá não comparece,certamente porque deles tem pena, evitando,por isso, quaisquer misturas. Ocurioso de toda a soberba é que, politicamente,o dito homem, embora dependados indigentes parlamentares, conta lácom 33 homens e mulheres da sua própriacor política.Ouvi e senti pena. Pena de ser presididopor um indígena, um autóctone, um aborígeneem permanente indigestão política,“por velhice, nervosismo, excessos, comoções,ingestão de alimentos (políticos) demá qualidade, provocadoras de náuseas esuores frios” (Lello Universal, pág. 1282).O fatinho e a gravata da Missa, momentosdepois de bater no peito em acto de contriçãopelas indignidades, não evitaram oacto político indigesto, confuso, enfadonho,abstruso e desagradável, perante tantosque amam esta terra e que desejariamque fosse um espaço construído na pazsocial, na serenidade, na educação, na culturae no bem-estar para todos.Mas ele sabe em que região vive e queregião construiu. Uma região pequena,pobre e inculta, de gente sem noção dosseus direitos, que apesar de pobre tem abandeira partidária enfiada no topo dozinco ou do casebre e, no quarto, a foto domentor de tudo isto ao lado de Maria e doRosário; ele conhece a Igreja submissa queabre as portas a muitos que passam fome,mas que, historicamente, não utiliza o púlpitopara libertar, não toca o sino da contestação,trata as feridas sociais com pensosrápidos, não prega no âmago das questõese não consegue reagir, atada que estáde pés e mãos aos milhões da subsidiodependência.Uns riem perante o desabafo indigente,outros encolhem os ombros porque é anatureza dele, outros tomam um qualquerantiácido pelo enfartamento dos disparatesditos, mas onde ninguém se atreve a dizerbasta. Os próprios Deputados, enxovalhadospela designação de indigentes mentaisaceitam, serenamente, parecendo ficar82 I 83 OUTONO 2009 I N.º186


com um inchaço na língua pelo efeitosecundário do antiácido. Ninguém dá pelofacto de pertencer ao primeiro órgão degoverno próprio da Região ao ser tratadopor andrajoso e mendigo do regime democrático.E assim se educa o Povo!Uma Autonomia, libertadora e responsável,pela qual tantos ao longo da Histórialutaram, acabou às mãos de novos e sofisticadossenhorios que usam e abusam damenoridade do Povo, hoje vítima de umaescola com trinta anos que, pacientemente,o anestesiou, tornando-o incapazde um grito de indignação. Tolera,aplaude e engole tudo e, portanto, quer lásaber o que diz o Tribunal de Contas,sobre quem paga o quê e porquê, quemrecebe e porque recebe! Essas não sãocontas do seu rosário. Amedrontado,aceita que o novo Hospital seja adiadomas que o estádio de futebol doMarítimo, já baptizado de Arena, leve doorçamento 31 milhões de euros; resignado,aceita que o desporto educativoescolar sobreviva, enquanto um desportoao serviço da política e não do desenvolvimentotenha consumido 242,2 milhõesde euros nos últimos oito anos mantendo,porém, sedentária, 77% da população;tolera que sejam necessários mais de duascentenas de atletas continentais e estrangeirospara assegurarem a representaçãoda Região; que o gasto anual por atletafederado seja de € 2.028,24 enquanto oinvestimento por cama (o turismo é aprincipal fonte de riqueza - 2007) seja de€ 249,00; aceite a existência de 12.000desempregados, cale-se perante 32% depobres e consinta uma acção social escolarverdadeiramente indecorosa.Enfim, carrega a cruz e não descobre queesta é a Democracia no seu pior, transformadanuma espécie de ignorância altifalante,que esconde a sociedade desequilibradaque produziu, reflectida que está naescola, na maior taxa nacional de abandonoe de insucesso, e que apenas sabe festejaro betão à custa de um Povo resignado,distante de uma correcta leitura dosentido das prioridades e de um projectocolectivo aglutinador e dinamizador docorpo social. E todos os outros é que sãoindigentes!


COISAS do tempoPEDAGOGIA SOCIALO dizere ofazer,ligados por nós“Confrontamo-nos, entre pares, todos os dias, demaneira aberta, em discussões, às vezes dolorosas,quase sempre desbloqueadoras. Grupos deprofessores reflectem acerca do seu trabalho, algunspela primeira vez. Como diz Houssaye, deixaramde ser professores e iniciaram-se como pedagogos”Pascal PaulusMembro de equipas de trabalho em territórioseducativos de intervenção prioritáriaFui brindado com o livro “La pédagogie institutionnellede Fernand Oury” que a editoraMatrice acaba de lançar. Um livro de amigos,para lembrar os 10 anos da morte deFernand Oury que, em pouco tempo, esobretudo depois de morrer, foi promovidoao estatuto de grande pedagogo,pelas ciências de educação francesas.Possivelmente aproxima-se o momentoem que uma das citações, que o Oury gostavade fazer em conversas e sessões detrabalho, se aplicará também à pedagogiainstitucional. Lembro-me da cartolina,com o texto de Marcel Jousse, expostanuma sessão de trabalho: “Há três que fazemalguma coisa; há dez que fazem conferências sobreo que os três fazem; há cem que fazem conferências84 I 85 OUTONO 2009 I N.º186


sobre o que dizem os dez. Acontece que, de vez emquando, um destes cem vem explicar como fazer aum dos três. Então, um dos três, interiormente exaspera,e, para fora, sorri. Mas fica calado, porquenão tem o hábito da palavra. Além disso, tem coisaspara fazer.”Também entre nós, fala-se muito, nemsempre com grande conhecimento, do quese deveria fazer e não se faz, e romantizam-seintervenções pedagógicas, quealguns rotulam de românticas.Desde há pouco mais de um ano, tenho oenorme privilégio de acompanhar equipasde crianças e professores que trabalham noslocais identificados, pelos burgueses bempensantes,como “zonas difíceis” da áreametropolitana de Lisboa. Este trabalho,com crianças e adultos, não deixa espaçopara romantismos e foca-se em três linhasde acção:• promover a autonomia das crianças,isto é, a liberdade intelectual de organizara sua aprendizagem e o seu trabalho,em cooperação com colegas eprofessores;• mediar a concepção, execução eapresentação de projectos de trabalho,idealizadas e escolhidas pelascrianças;• promover a intervenção na gestão dotempo e do espaço, em cooperação,por toda a comunidade envolvidaneste mesmo trabalho.Confrontamo-nos, entre pares, todos osdias, de maneira aberta, em discussões, àsvezes dolorosas, quase sempre desbloqueadoras.Grupos de professores reflectemacerca do seu trabalho, alguns pela primeiravez. Como diz Houssaye, deixaramde ser professores e iniciaram-se comopedagogos.Sessenta jovens professores de actividadesde enriquecimento curricular mantêm oseu diário de bordo que analisam criticamente,partilhando a análise entre todos.Utilizam-no como instrumento de formação,ao mesmo tempo que, investigadoresna acção, fixam processos de trabalho comas crianças e os adultos com quem trabalham.Interactivamente, em curtos estágiose através de uma plataforma de comunicação,monitorizaram-se mutuamente,eles próprios acompanhados por quemfaça a mediação do seu processo de aprendizagem.Perto de cento e cinquenta professores dedois agrupamentos e três ciclos do ensinobásico, alteraram, nalgumas situações radicalmente,as rotinas do trabalho escolar,para dar força às mesmas três linhas deacção. Discutem, também de formamediada, quinzenalmente, a sua própriamediação das aprendizagens de jovens ecrianças.Como ponto de partida para o próximoano lectivo, encontraram-se durante doisdias em torno de quarenta comunicações,cada uma testemunhando a reflexão quefez acerca do seu trabalho.Os dois grupos construíram-se comocomunidade de aprendizagem em tornoda sua profissão. O primeiro procura quebraras divisórias artificiais entre actividadese discute o enriquecimento curricularem torno de projectos de trabalho dascrianças. O segundo discute a centralidadede cada uma das crianças e dosjovens, esbatendo as fronteiras artificiaisentre ciclos e fases do percurso de aprendizagemque a escola organiza em currículos.Tomamos a palavra, e, tomando-a, possibilitamosque as crianças com quem trabalhamostambém a tomem. Tomamos apalavra para discutir entre pares.Aos outros, limitamo-nos a mostrar o quetemos feito.


DO secundárioA Importânciade ensinarEnsinar é questionar, partilhar e criar. É imaginar.Ensinar implica seleccionar tarefas que desafiem ascapacidades e a inteligência dos alunos. Para quepossam compreender a vida. Para que lhe possamatribuir significado. Para que usufruam da liberdade queo conhecimento proporciona. Para que se possaconhecer e compreender e ser mais livre e mais feliz.Domingos FernandesFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.Instituto de Educação da Universidade de LisboaReunir consensos acerca do que significaensinar nem sempre é simples porque é umamatéria que envolve valores (e.g., educacionais,morais, cívicos, políticos). Porém, háelaborações teóricas na literatura que têmmerecido um significativo consenso. Osseminais e clássicos trabalhos de NathanielGage, John Goodlad, Elliot Eisner e deLinda Darling-Hammond contribuírampara discernir quatro concepções sobre oensino: a) o Ensino como Trabalho; b) o Ensinocomo Ofício; c) o Ensino como Profissão; e d) oEnsino como Arte.No Ensino como Trabalho estamos peranteuma visão racionalista e burocrática doprocesso de ensino, que parte do ingénuoprincípio que as boas práticas podem serdefinidas e especificadas de formas concretas,sendo apenas necessário que os professoresas repliquem para que se alcancem osresultados que se desejam. O papel dosprofessores consiste na aplicação de orientaçõespráticas previamente elaboradas.No Ensino como Ofício entende-se que há umconjunto de regras, procedimentos e técni-cas, mais ou menos sofisticadas, quepodem ser aprendidas e desenvolvidaspelos professores. Ensinar será, nesta concepção,utilizar e aplicar adequadamenteas regras e as técnicas prescritas pelas autoridades.No Ensino como Profissão pressupõe-se que osprofessores possuem um sólido conjuntode conhecimentos teóricos que, aliado aodomínio de um alargado espectro de saberes-fazer,lhes permite uma atitude crítica efundamentada sobre o currículo, o ensino ea aprendizagem e sobre as suas própriasacções pedagógicas. Reconhece-se que osprofessores são capazes de formular juízosprofissionais e de agir em função dessesmesmos juízos. São, por isso, profissionaisque se desenvolvem mais autonomamenteem cooperação com os seus pares e queensinam de acordo com elevados padrõesde conhecimento científico, pedagógico ede prática profissional.Finalmente, no Ensino como Arte estamosperante uma concepção que reside muito nanatureza imprevisível, não convencional e86 I 87 OUTONO 2009 I N.º186


inovadora das acções de ensino e de aprendizagem.As práticas estão claramenteorientadas para cada pessoa e não sãoestandardizadas e, por isso, o ensino é dificilmenteorientado por regras ou pororientações precisas e algorítmicas. Háuma predominância de dinâmicas de salade aula baseadas na intuição, na dramatização,na improvisação e na criatividade.Ensinar é utilizar a ciência mas não é umaciência porque é imprevisível por natureza.Os professores mobilizam um conjunto derecursos pessoais e de conhecimentos queutilizam, de forma única, em interacçãocom os seus alunos.Ensinar segundo as duas primeiras concepçõestenderá a remeter os professores parao papel de meros executantes passivos,burocráticos, tecnicistas e funcionalistasdo currículo. Ou seja, os professores dizemo currículo em vez de permanentemente oreinventarem e reconstruírem com os seuspares e com os seus alunos. Recorrem atécnicas e procedimentos mais ou menosmecanizados, mais ou menos pré-elaborados,mantendo os alunos ocupados na realizaçãode tarefas marcadamente rotineiras.Tarefas que, como um dia nos escreveuSebastião e Silva a propósito do ensino daMatemática, consistem em exercícios estapafúrdiosequivalentes, no ensino das línguas,à retroversão de frases tais como: Assobrinhas dos capitães brincavam no jardim com asnetas dos juízes...Se, por outro lado, o processo de ensinarfor encarado como uma profissão ou comouma arte, estaremos perante profissionaisque se assumem como intelectuais, comoinvestigadores das suas próprias práticas,capazes de reflectir sobre o que fazem e departicipar activamente no desenvolvimentodo currículo.Assim, ensinar é questionar, partilhar ecriar. É imaginar. É pensar o currículocomo oportunidade única para que os alunosmergulhem a fundo nessa inesgotávelfonte de inspiração que é a vida nas suasmúltiplas dimensões. Ensinar implicaseleccionar tarefas que desafiem as capacidadese a inteligência dos alunos. Para quepossam compreender a vida. Para que lhepossam atribuir significado. Para que usufruamda liberdade que o conhecimentoproporciona.Ensinar é, assim, um processo complexo eexigente de mobilização sistemática e propositadade uma diversidade de saberes dosprofessores. É importante. Para que sepossa conhecer e compreender e ser maislivre e mais feliz.


OBSERvatórioAs escolaspúblicascomoheterotopiasJoão Teixeira LopesDeputado do Bloco de Esquerda; SociólogoFaculdade de Letr as da Universidade do PortoPerpassa pelas nossas escolas um espectro depermanente heterotopia de crise, porque osagentes estudantis habitam essa mesma crise comoum modo de vida. Se, outrora, como refereFoucault, aos indivíduos em estado de crise eramreservados lugares específicos e com uma particularcodificação e simbologia, hoje, preferencialmente,serão as escolas a desempenhar tal função.88 I 89 OUTONO 2009 I N.º186


Michel Foucault estabelece uma distinçãoextraordinariamente heurística entre asutopias, espaços sem a possibilidade de umlugar real, e as heterotopias, lugares queestão fora de todos os lugares, mas que têmuma localização física e que funcionam,amiúde, como representação, contestaçãoe inversão dos espaços hegemónicos;“espécie de utopias efectivamente realizadas”,“contra-colocações” [“contre-emplacements”]nas quais “todas as outras colocaçõesque se podem encontrar no interiorda cultura estão simultaneamente representadas,contestadas e invertidas, espéciede lugares que estão fora de todos os lugares,ainda que sejam efectivamente localizáveis”(Foucault, 1995: 755-756).Impossível deixar de pensar, desde logo, nasartes pictóricas emergentes e ou marginais,como os graffitis, que invadem as superfíciesdos muros e paredes interiores e exterioresda escola, com ironia, paródia, condescendênciaou insurgência, nos casos emque assumem uma intencionalidade mais oumenos explícita de humor anti-institucional.Outras vezes, contra o anonimato,desenham-se indecifráveis assinaturas – paraquem não as consegue ler… – de uma existênciaque, doravante, inscrita na paisagem,transformada em paisagem, não mais permaneceráanónima e anódina. Outras formas,ainda, lançam pontes, agonísticas oucooperativas entre grupos e estilos de apresentaçãode si, celebrando ícones e mitos.Nas cadeiras, nas mesas das salas de aula enas paredes dos quartos de banho, multiplicam-seexplosões de uma sexualidade orapredatória e machista, ora experimental ehedonista, ora neo-romântica e devedoradas virtudes de um amor cortês après la lettre.Mas existem, igualmente, em numerososexemplos, delimitações territoriais assinaladasnas paredes por inscrições que estabelecemfronteiras. Tais fronteiras, apesarde não terem existência física, possuem umreal valor simbólico baseado no reconhecimentogeneralizado que lhes confere legitimidade.Não são, por isso, irreais. Só asatravessa quem possui um forte capital subculturalque transporta consigo o santo e asenha da passagem. Tal capital herda-se ouconquista-se. As fronteiras não são irreversíveise mantêm uma certa porosidade. Talcomo na análise das heterotopias efectuadapor Foucault, ganha sentido um duplo sistemade abertura e fechamento, propício adeterminados trânsitos.De certa forma, os estudantes liceais estãoem permanente passagem – da infânciapara a vida adulta, do estudo para o trabalho,dentro do lazer, marcado por consumosomnívoros, ecléticos e cumulativos,de sub género para sub género e na própriaescola, transitando entre as regras formaisda instituição, respeitadas apenas nasdimensões instrumentais da meritocraciagerencialista – elaborando, em cálculo deminuciosa estratégia, planos de estudo quelhes permitem obter, potencialmente, amédia almejada para entrar no curso y dafileira x na Universidade z ou, então, assumindoa desistência do projecto escolar evivendo o dia-a-dia na escola como umamargem precocemente interiorizada, umaetapa já precária de um percurso que seadivinha errático, intermitente e instável.Não será jamais exagerado afirmar, assim ocreio, que os estudantes são mesmo os prisioneirosdessa passagem, agentes em trânsito, híbridossociais. Os vários espaços e fronteirasexistentes nas escolas transmitem, precisamente,as várias ordens da interacção e amultiplicidade conflitual dos modos derelação com a instituição, quebrando omonopólio das instâncias clássicas de autoridadee manutenção da ordem.Perpassa pelas nossas escolas um espectrode permanente heterotopia de crise, porque osagentes estudantis habitam essa mesmacrise como um modo de vida. Se, outrora,como refere Foucault, aos indivíduos emestado de crise eram reservados lugares específicose com uma particular codificação esimbologia, hoje, preferencialmente, serãoas escolas a desempenhar tal função.REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAFOUCAULT, Michel, «Des espaces autres» in Dits et Écrits (1954-1988). Paris : Éditions Gallimard


CINemaQue futuro para o 3D?Tal como outras inovações que o precederam, o 3Drepresenta a esperança do cinema de entertainment deesmagar o pequeno ecrã. Todavia, e uma vez mais, estaesperança arrisca-se a ser ilusória, pois as televisões,os computadores e as consolas serão brevemente também a 3D.Paulo Teixeira de SousaEscola Artística Conservatória de Música do PortoPara os amigos que deixei na Fontes“Quando olhas longamente o abismo,O abismo também olha o fundo de ti”NietzscheO fenómeno é incontestável. As estreiassucedem-se, uma após outra. Oficialmente,foram as crianças que abriram o caminho,com a animação projectada a 3D, criandoa necessidade. Mas o porno também deu asua ajuda clandestina. Assim, os imperativoseconómicos e as capacidades técnicastornaram desta vez possível o que já tinhasido tentado várias vezes no passado, semter conseguido impor-se. Tal como outrasinovações que o precederam, o 3D representaa esperança do cinema de entertainmentde esmagar o pequeno ecrã. Todavia,e uma vez mais, esta esperança arrisca-se aser ilusória, pois as televisões, os computadorese as consolas serão brevemente tambéma 3D.O passado aconselha-nos a ser prudentes:pensa-se que foram rodados nos anos 50cerca 160 filmes, 100 deles no ano de1953. Neste momento, pode pensar-se quea mudança é irreversível. É para já significativoque os especialistas tenham prognósticosdivergentes. A indústria não temdestes pruridos e aposta no 3D para, pelomenos, os próximos três anos.Como mostra o inquérito de Bill Krohn,publicado nos Cahiers du Cinéma deJulho-Agosto deste ano, as perspectivasmantêm-se abertas. Algumas são mesmoapaixonantes, explorando metodicamenteas questões técnicas levantadas por estesnovos procedimentos, questões que interrogammesmo o nosso olhar e a nossa atitudecomo espectador. É a hipótese dainvenção de uma outra escrita de realizaçãoque se desenha pouco a pouco. Hoje são ostécnicos que fixam os limites, limites quesão para ser transgredidos mais dia, menosdia. Ainda assim é necessário começar acompreendê-los. Seguindo a pista teórica etécnica posta por Bill Krohn aos especialistas,vários índices contraditórios, mas porisso mesmo estimulantes, aparecem.Assim, contrariamente ao que tem sido praticado,parece que a construção do 3Dtende muito rapidamente a ultrapassar osefeitos de feira – que foram desde sempreuma das fontes do cinema – e a construirprofundidade “atrás do ecrã” em vez defazer surgir não importa que figura. É o estatutosimbólico da rampa que recupera assimas suas prerrogativas, passadas as alegriassimples mas pouco fecundas do ultrapassarda linha de separação. Simultaneamente, éclaro que os nossos guias neste universo deregras desconhecidas pertencem, semmesmo se dar conta, a uma ideia de realizaçãoarqui-formatada pela indústria, poistudo isto se tem passado em Hollywood,pelo menos nesta escala, e em mais ladonenhum. Se, como se fala em Los Angeles,neste momento James Cameron, comAvatar, e Spielberg, com Tintin, impõemesta ideia do espectáculo, o 3D traz consigoameaças de uma ruptura decisiva pelos seuspoderosos meios de produção e de difusão,que serão talvez capazes de concentrarainda mais a maioria do público.O 3D, a nova máquina de hegemonia dasMajors? Veremos! Face a esta ameaça éessencial que um realizador como JoeDante, desde sempre um contrabandista nafronteira entre o mundo das Majors e o dosindependentes, se arrisque a fazer um filmede pequeno orçamento em 3D. Com TheHole, Dante faz também o seu buraco, queé também, simbolicamente, um túnel paratrazer ao 3D outras ideias – estéticas e económicas– de cinema.A questão – como sempre – põe-se em termosdas origens geográficas e culturais: seos exibidores do mundo inteiro estãoprontos a equipar-se para projectar o novoproduto 3D fornecido pela Disney, DreamWorks, Fox ou Universal, os produtores,técnicos e cineastas do mundo inteiroestão longe de estar no mesmo comprimentode onda, e os cinemas do mundocorrem o risco de se deixar distanciar, deser ainda mais excluídos da ideia dominantedo cinema.90 I 91 OUTONO 2009 I N.º186


Na broméliaDO primárioNos seus Ensaios (de 1580), Montaigne criticaos vícios educacionais da sua época:Esforçamo-nos para preencher a memória e deixamosa consciência e o entendimento vazios. Assimcomo os pássaros vão à procura do grão e o trazemno bico sem o experimento, para serem provados porseus filhotes, assim nossos mestres vão pilhando aciência dos livros, alojando-a na ponta da língua,tão-somente para vomitá-la e lançá-la ao vento.Mais de quantrocentos anos decorridos,outro autor escreve: cada vez que um professorse dirige a uma sala de aula, reitera a perguntaacerca de como fazer para que as crianças e jovensnão se dispersem, não atrapalhem os colegas e, maisainda, prestem atenção à aula, se interessem pelasactividades propostas. Cumpre-se o Mito deSísifo, em cada episódio do drama escolar.A aula continua a gerar desperdício.Alunos escutando MP3 na sala de aula – Asaulas são chatas. Não há como não ouvir música.Passo pelos corredores das escolas. Salasfechadas, alunos alinhados em filas,olhando a nuca do colega da frente,copiando conteúdo do quadro – É omundo do giz versus exílio de celular, ondeo absurdo acontece: uma profesora enviouum bilhete à directora, dizendo “tenho umaluno a dormir na minha sala, peço providências”.Aquilo que mantém viva a minha esperançaé o trabalho de muitos profesores,que, anonimamente, vão construindonovas práticas e suportando o desdém demúmias pedagógicas. Até nas melhoresrevistas da área da educação há quem desdenheda prática de assembleias de escola,ou imputem o insucesso dos alunos àinfluência de novas pedagogias. Hajapaciência! Gostaria que me dissessem ondese praticam as “novas pedagogias”, eleitascomo bode expiatório dos males do sistema.Ou que novas pedagogias esses especialistasterão praticado em sua sala deaula. Provavelmente, nenhuma.Já tudo foi escrito e reescrito – desde adenúncia da doença ao seu tratamento.Insiste-se em soluções precárias, que nãosaem do círculo vicioso das referênciasparadigmáticas vigentes. Teóricos, políticos,gestores, especialistas entretêm-se emdiscussões estéreis: Qual a melhor idadepara começar o fundamental? Qual amelhor idade para ser alfabetizado?... Umsem fim de debates bizantinos.Ao longo de mais de três décadas, identifiqueie corrigi erros crassos em minha prática.Erros em que ainda se insiste, colocandoremendos num modelo obsoleto deorganização das escolas, quando se deveriafazer a sua reconfiguração. A aula continuaa ser a vaca sagrada da pedagogia, algoconsiderado indispensável nas práticasescolares. Nunca terá passado pelas eminentescabeças dos pedagogos oficiais aideia de que não existe um só modo defazer escola?A Natureza é pródiga em metáforas. Existeum insecto que cumpre todo o seu ciclovital sem jamais sair da bromélia, que é asua casa e o seu túmulo. Mas, como diria oPessoa, há um tempo em que é preciso abandonaras roupas usadas, que já têm a forma do nossocorpo, esquecer os caminhos que nos levam sempreaos mesmos lugares; é o tempo da travessia: e, se nãoousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, àmargem de nós mesmos.A aula continua a ser avaca sagrada dapedagogia, algoconsiderado indispensávelnas práticas escolares.Nunca terá passado pelaseminentes cabeças dospedagogos oficiais a ideiade que não existe um sómodo de fazer escola?José PachecoEscola da Ponte. Vila das Aves


ENTRELINHAS e rabiscosE agora?Num grande número de Escolas e de Agrupamentos,o(a) antigo(a) Presidente do Conselho Executivo,eventualmente já antes Presidente do ConselhoDirectivo, foi seleccionado(a) para director(a) e quasenão teve opositores. Esta é, antes de tudo, uma grandevitória do modelo de gestão democrática.José Rafael TormentaProfessor do Ensino Secundário //Escola Superior de Educação do PortoNa maior parte das Escolas e dosAgrupamentos, como consequência donovo modelo de gestão, foram escolhidosno final do ano lectivo de 2008-2009 osnovos Directores. O cenário então desenvolvidovariou bastante, desde situaçõesem que houve várias candidatos àquelas (eterão sido a maioria) em que só concorreramos anteriores Presidentes dos respectivosConselhos Executivos.O aparecimento de candidatos oriundosde locais diferentes, portanto relativamentedesconhecedores dos contextos emque se propuseram trabalhar, vem configurarduas situações que importa destacar:a) Emerge a figura “académica” doGestor, já relativamente antiga e doagrado de vários sectores políticos,sendo, assim, definitivamente legitimada;b) A necessidade de escolher alguémestranho à comunidade educativa,em algumas escolas ou agrupamentos,pode levantar a hipótese de umatotal inexistência de identidadecolectiva.Ambas as situações conduzem inevitavelmentea uma reflexão profunda sobre aquestão da autonomia; esta parece carecerobrigatoriamente de uma implicação dosmembros da comunidade e ser mesmoimpossível sem ela; é a velha questão deque não basta decretar a emancipação; épreciso assumi-la. Quando fizeram as suasescolhas, estiveram os membros dosConselhos Gerais (quase todos inexplicavelmenteainda transitórios…) conscientesdesta realidade? Como pensaramimplicar o novo Director em situações92 I 93 OUTONO 2009 I N.º186


Que papelpara os novosdirectores?sempre com variáveis tão ocultas que estedemorará a conhecer? Ou será que, afinal,as comunidades escolar e educativa, aírepresentadas, são tão coesas que se sentiramcapazes de contratar um mero executivoque pretendem controlar a par epasso?Num grande número de Escolas e deAgrupamentos, o(a) antigo(a) Presidentedo Conselho Executivo, eventualmente jáantes Presidente do Conselho Directivo,foi seleccionado(a) para director(a) e quasenão teve opositores. Esta é, antes de tudo,uma grande vitória do modelo de GestãoDemocrática. Imbuídos deste antigo espírito,os Conselhos Gerais escolheram aspessoas que tinham feito a sua formação eo seu desenvolvimento profissionalsegundo aquele paradigma. O respeitopela comunidade escolar, pelo diálogo epela iniciativa, assim como o sentimentode pertença estavam inscritos no perfildestes candidatos.Surgem agora, também, algumas situaçõesque convém explanar:a) Há antigos Presidentes de ConselhosExecutivos que eram “pequenos ditadores”dentro das suas escolas, usurpadoresde um poder que nunca lhestinha sido confiado; são certamenteuma das causas que levou à escolha de“desconhecidos”; que vão agora fazeros Conselhos Gerais?b) Alguns dos novos Directores estiveram“demasiado envolvidos” com oministério de Maria de LurdesRodrigues, chegando mesmo atomar decisões, ou nas suas escolas,ou junto da tutela, que ultrapassaramo registo de representatividade quese pressupunha que tivessem; nãomostraram grande respeito pelosseus iguais; vão continuar ou, comoparece ter acontecido ultimamente,recuar?c) A nova situação de Director podepermitir um registo democráticoaparentemente falacioso: isto é, éfácil ouvir os outros, recebê-los amavelmente,quando se é “quemmanda”, pois a situação estatutáriacria por si só níveis de dependência ede obediência que não permitem,muitas vezes, a livre expressão deopinião; “colega de turma” dosoutros professores, o Director teráque criar um ambiente que permita acirculação livre das ideias; serácapaz?d) Os antigos Presidentes transportammuitos vícios, designadamente noque concerne o exercício efectivo dademocracia; acomodados ao longodos anos, foram descurando esteaspecto, importante para a formaçãoe para o exercício da cidadania dejovens e de adultos. Vão agoramelhorar este aspecto?O papel agora atribuído aos Directores, seo modelo continuar, possibilita uma maiorexigência por parte dos contribuintes.Trata-se, afinal, de um cargo público, relativamentebem pago, em que todas as responsabilidadessão atribuídas a uma só pessoa.As trinta e cinco horas na escola serãoescassas para esta tarefa. E a ter que vivereternamente a dúvida existencial: representaçãoda comunidade escolar, da comunidadeeducativa, ou da tutela? Tenha oDirector o “estilo” que tiver, vai ter quetomar opções muito claras. Na GestãoDemocrática, havia um poder partilhado.E agora?


CONtosOvidroJOSÉ PAULO SERRALHEIRONuma sala da nossa escola apareceu umvidro partido. Não é um desses vidrosgrandes e grossos que certamente custamum dinheirão. Para ser mais rigorosa eraum vidrinho de 23x32 cm. Os vidrinhos danossa escola são assim, com estas medidase fininhos.O vidro apareceu partido pela manhã.Rigorosamente não posso afirmar quetenha sido partido durante a noite. Emborao vidro partido seja de uma janela daminha sala, não posso afirmar se ele se partiuou se foi partido. E esta é, presumo,uma questão importante.Posso afirmar que no dia 7 de Outubro àsoito e trinta da manhã o vidro estava partidoporque a Cátia se queixou que vinhavento dali e apontou para a janela. Eu olheie vi que faltava lá o vidrinho.Volto a repetir que não posso afirmar, comtodo o rigor, e em boa verdade, se o vidrofoi partido ou se se partiu.Do lado de dentro da sala de aula não haviavestígios de cacos de vidro. No intervalo,quando fui lá fora verificar o que se passavadebaixo da janela, nem eu nem os miúdosvimos cacos de vidro. E como se o vidro dajanela da minha escola tivesse sumido!Uma hipótese que não posso deixar de pôrà consideração de Vossas Excelências é quealguém possa ter partido cuidadosamente ovidro, tenha aparado os cacos e sumido comeles criando assim confusão quanto aos procedimentoslegais a seguir. Mas isto, tenhoconsciência, é já uma mera suposição e umatrevimento de que desde já peço desculpas.Saberão Vossas Excelências, melhor que eu,deslindar esta questão.O que posso informar, com todo o rigor efidelidade, é que o vidro não estava láquando a Cátia se queixou do vento. Possoainda afirmar, porque eu própria experimenteicolocando-me frente ao buracoprovocado pelo vidro em falta que, mesmosendo um buraco pequeno, por ali, nestetempo de Outono, entrava um vento frio.Tenho a franqueza de afirmar, pedindoantecipada desculpa a Vossas Excelências,que estando perante este problema, não seicomo agir para remediar a situação. E quenão é claro se a situação é tipificada comoacidente ou roubo.Num livro policial que li quando fazia omeu curso havia uma situação clara. O personagemraciocinava considerando que sehavia vidros no interior era tentativa deassalto (caso não faltasse nada) ou assalto(caso faltasse alguma coisa). Se os cacosestivessem no exterior era acidente (caso ajanela estivesse fechada) ou fuga (caso ajanela estivesse aberta). Nenhum destescasos se aplica ao nosso vidro, razão pelaqual no sei como proceder junto das autoridadesescolares.Devo acrescentar que antes de me decidira incomodar Vossas Excelências, tive o cuidadode consultar toda a legislação existentesobre vidros partidos e a forma decomunicar e não encontrei resposta de“acordo com os procedimentos” para estasituação.Tendo eu de informar em rigor VossasExcelências, em rigor eu não posso afirmarse o vidro foi partido ou se se partiu.Permaneço assim na dúvida sobre qual omodelo de participação a usar e, pedindoantecipadamente desculpa pelo atrevimento,se, dado o caso insólito, não seránecessário esperar por legislação adequadaque permita fazer correctamente a participação.Informo ainda Vossas Excelências queantes de decidir incomoda-los tentei resolvero problema e encontrar resposta paraas minhas dúvidas. Em rigor, informo quetelefonei a 19 colegas de escolas com telefoneno meu distrito pedindo esclarecimentosobre o melhor procedimento aseguir. Informo que as colegas, emboratodas com experiência de vidros partidos,não tinham nenhum caso de ausência decacos no interior e no exterior.Chamo a atenção de Vossas Excelênciaspara o facto de a minha escola se encontrarem regime de experiência de direcção.Assim, presumo, e peço antecipadamentedesculpa se interpreto mal a legislação, quea minha escola tem autonomia administrativae pedagógica. Sendo assim creio estaremreunidas as condições legais que mepermitem, como Directora, dirigir a VossasExcelências a pergunta: como devo procederpara participar o desaparecimento dovidro na minha escola?Certa de que Vossas Excelências darão amelhor e mais rápida atenção a esta minhapergunta, respeitosamente,De Vossas ExcelênciasA DirectoraNota:Este ofício, em rigor, não corresponde ao escrito pela colega. Quando me falou do caso eu pedi-lhe autorização para publicação do ofício. A colega negou por considerarque existe legislação que proíbe que os directores e outros responsáveis pelas escolas permitam que a opinião pública conheça o que se passa de concreto no interiore no exterior das nossas escolas. Teve a colega medo de lhe ser instaurado inquérito disciplinar. Considerou ainda a colega que as autoridades escolares lhe cometerama função de impedir que a opinião pública conheça estas pequenas misérias. Tive de respeitar a decisão da colega.Da minha parte considero muito importante que a opinião pública conheça este caso do vidro partido. Por isso ponho à vossa consideração o ofício camuflado paradefesa da clandestinidade da directora.Devo acrescentar que em Março a colega ainda não obteve resposta das autoridades escolares para este ofício enviado em Outubro. O buraquinho continua lá na direcçãoda Cátia. Cuidadosamente a colega tapa a falha com uma cartolina que se desfaz quando chove.Não digo a cor da cartolina para que as autoridades fiquem baralhadas. Como sabem o que não falta são cartolinas a tapar buraquinhos nas nossas escolas. Cátias agorahá muitas.Sem mais, fica o texto clandestino à vossa consideração. Se souberem qual ou quais os Decretos, Despachos, parágrafos e alíneas, circulares normativos ou outros dispositivoslegais que enquadram o caso do vidro partido peço o favor de me informarem.Clandestinamente farei chegara informação à colega em apreço. Talvez assim lá para o Verão a Cátia não tenha um cartão a tapar o buraquinho da janela da sua escola.94 I 95 OUTONO 2009 I N.º186


O Enfermeiro GASPARJOSÉ PAULO SERRALHEIROIlustração TERESA LAMAS VIANAEstão longe os cheiros, os sons, a luz e ascores. As imagens estão difusas. Está longea África. Está longe a adolescência. Estáperto a dor. A amargura de não ter sabidofazer nada.Tudo esmorece no consciente. Fica oinconsciente empurrando, empurrandosempre. No fim, mesmo no fim, ficam osfantasmas. Fica a necessidade de não deixarmorrer quem morreu.A história do enfermeiro Gaspar é uma obrigação.É como pôr flores numa campa quenão existe. Não se fala com ninguém. Nãose conta toda a história. Solitariamentesomos movidos pela ilusão de não ficarmossós.Eu era pequeno quando conheci o enfermeiroGaspar. Ele era muito velho. Tãovelho que sendo negro já tinha cabelobranco.Sempre o vi com ar sisudo. Não ria. Nuncavi rir o enfermeiro Gaspar. Os brancosdiziam que ele misturava o álcool da enfermariacom a água e bebia. Não sei se eraassim. Eu nunca vi o enfermeiro Gasparbeber ou rir. Sempre com o ar sisudo. Sefalava era só pela necessidade de falar.O que eu sei e posso testemunhar porquevi durante anos, é que o enfermeiro Gaspartratava muito bem dos seus doentes. Sefossem brancos tratava ainda com mais cuidado.O paludismo era uma coisa muito chata.Quando se apanhava ficava-se com umafebre tremenda, mais de quarenta graus.Naquele tempo o remédio era tomar camoquina,ficar na cama a transpirar. A doençasaía pela transpiração. De maneira que aroupa ficava toda molhada e era precisomudar de três em três horas.No sítio havia muitos solteiros, melhordizendo, brancos sem mulher branca. Asmulheres estavam na "metrópole" oshomens estavam lá para trabalhar e ganhara vida.Quando os brancos apanhavam o paludismolá estava o enfermeiro Gaspar. Nuncase esquecia dos seus doentes. Camoquina emudança da roupa de três em três horas.Dia e noite. Nunca sorria. O brancocurava-se em quatro ou mesmo cinco dias.Se havia outra doença Gaspar era enfermeiro,médico e mulher, receitava e aplicava.E curava.A guerra veio depois. Em 1961. Foi ummedo tremendo. Matava-se de qualquermaneira. Depressa tudo parecia como noslivros de cowboys. Os brancos traziamrevólver na cintura. Alguns tinham metralhadorasFPB. Os negros andavam assustados.Alguns eram presos, espancados emortos. O enfermeiro Gaspar continuavasisudo tratando os seus doentes, dandocamoquinas e outros remédios e mudandoroupas.Um dia vieram alguns tropas comandadaspor um tal furriel Ferro. Já traziam colecçãode orelhas e até pénis de negros dentrode frascos. A rádio dizia que eram os nossosheróis.Os tropas começaram a acção. Foramprendendo negros e fazendo experiências.Quiseram até fazer experimentalismohistórico. Conhecedores da vingança deD. Pedro experimentaram arrancar trêscorações de três homens vivos. Célebreficou a experiência com a lavadeiraMadalena. Era negra bonita e os tropasquiseram experimentar como era fazersexo depois de lhe introduzirem os cubosde gelo de uma cuvete na vagina.Experimentaram oito antes que Madalenamorresse. Contentes com a experiênciacelebraram com cerveja.Os tropas continuaram o seu trabalhoprendendo, espancando, matando e atirandoos corpos ao rio Lucala.Lembraram-se depois que havia negros quesabiam ler. Um perigo para a Pátria portuguesa.Negro que sabia ler era por certocabecilha da revolta. Era terrorista.Lembraram-se então do enfermeiro Gaspar.Alguns brancos disseram que deixassem ovelho em paz. Era um velho que semprecuidara com desvelo os seus doentes. Umbom enfermeiro, diziam. Para os brancossolteiros, melhor, os que não tinham alimulher branca, era enfermeiro e mulher.Tratava-os dia e noite, dava silenciosamente,na hora certa, a camoquina,mudava a roupa. Se havia outra doençaencontrava o remédio.Os tropas não quiseram saber e prenderamo velho. Levaram-no para o antigo armazém,era ali o sítio dos tormentos.Eu era menino, tinha curiosidade de espreitare vi. Os tropas pontapearam, esmurrarame gritaram ao velho enfermeiro Gaspar quese despisse. Silenciosamente, sempre sisudo,o velho despiu-se. Nu, ali ficou sisudo,velho, muito velho, a carapinha branca. Ostropas tinham um torno e prenderam ovelho ao torno pelo seu sexo envelhecido.Depois regaram-no com gasolina e pondolhefogo gritaram: – confessa que és um terrorista,diz os nomes dos outros.Pela janela vi o velho enfermeiro Gasparmorrer calado, sisudo como sempre.Morreu ardendo, a carapinha branca enegrecendoe ele sisudo, sem falar, sem chorar,sem gritar, sem rir. Se deitou algumalágrima eu não vi. Talvez o fogo a tenhasecado.Sem rir, sisudo, o enfermeiro Gaspar foi omeu mais velho contador de histórias. Nãoesqueço. Tenho saudades.


José Paulo Serralheiro1947-2009


O afecto2 I 3 OUTONO 2009 I SUPLEMENTO Morno e fresco.Levanta-se em voo. Calmo, largo, sem sair do chão tãofirme.Abre a comporta e as águas inundam o equilíbrio dosníveis.…As paredes suportam o peso, docemente, em inundadosilêncio.Seguras, conscientes da força das águas moventes emabertura.E ali ficam presas como são destinadas a ser,Acalmando toda a sede, no seu quinhão de humidade.A chuva sobe ao céu, o chão perfuma-se de névoas, emondas, em ondas.Quem sorve esse ar, sufoca depois em qualquer outro.A música senta-se nos seus cantos mais íntimosEnche toda a sala, dentro, e expande para quem acompanhao voo,Para quem segura o mundo líquido das águas independentes.Para quem, de longe e tão perto, mantém a distância quese tem diante das pessoas absolutamente próximas.Teresa para o Paulo


Homenagem José Paulo a Serralheiro José Paulo 1947-2009 SerralheiroAté à próxima Página!... Foram estas as últimas palavras quetrocamos contigo, Zé Paulo. E aqui estamos, cumprindo oprometido. Aqui estamos por tua causa. Por causa da tua teimosia,do teu sentido de militância criativa que te fazia pressentircaminhos insuspeitos no emaranhado dos dias que seconstroem segundo a vontade e o dicionário dos tecnocratasde serviço. Por isso, é que a «Página» se transformou numponto de encontro iconoclasta e surpreendente. Um jornalque, mês após mês, aparecia nas nossas caixas do correio e nasbancas no dia em que se anunciava previamente que isso iriaacontecer. Um jornal que nos confortava, ao permitir que partilhássemosnão só a esperança e os desafios, mas também asnossas dúvidas e igualmente a nossa ignorância. Um jornalcuja importância crescia à medida que a Escola vai sendosujeita a um processo de instrumentalização acelerada e os discursosda eficácia e do pragmatismo redentor vão aprisionandoa nossa possibilidade de reflectir sobre o mundo, as coisase as pessoas. Um jornal plural e livre onde se pretendia que acara condissesse com a careta, no momento em que encontrávamosnesse espaço, graficamente tão apelativo e cuidado, apreocupação de abordar a Educação em torno do Humano,como preocupação decisiva sem a qual não seremos capazesde sobreviver.Hoje, o que é interessante é perceber que tu já havias percebidoisto tudo há muito mais tempo do que a maior parte denós. Não cremos que fosses apenas um homem inteligente.Eras um homem inteligente e reflectido, mas, sobretudo, erasum homem comprometido. Um homem para quem a mentirae o branqueamento da mentira não são as competências invisíveisde um portefólio a estimar. Um homem para quem aspalavras não são, sobretudo, objectos a re-semantizar, mas instrumentosde comunicação a construir de forma árdua, atravésdo reconhecimento que essas palavras só fazem sentido se formoscapazes de entender os outros como interlocutores.Interlocutores indispensáveis para que possamos ser e ousarser o que desejarmos ser, no âmbito de uma comunidade ondeteremos que aceitar, sem subterfúgios, a possibilidade dosoutros poderem partilhar um propósito idêntico.Fazes-nos falta, apesar do teu legado. Fazes-nos falta, masmesmo assim só nos resta dizer: Até à próxima Página, ZéPaulo!...Ariana Cosme & Rui Trindade


In MemoriamJosé Paulo SerralheiroConheci o José Paulo Serralheiro nos idos jornal merecia; mas o tempo, infelizmente,anos de 1980, quando construíamos, ao não é elástico! A distância física (e este tipomesmo tempo, a Federação Nacional dos de vida que não nos deixa tempo para curtiruma boa conversa!) não nos permitiaProfessores (FENPROF) e o Sindicato dosProfessores do Norte (SPN). Desde o primeirocontacto, percebi que o José Paulo tivemos duas longas conversas: uma, des-encontros regulares. Mas, no último ano,se distinguia entre os dirigentes sindicais. cendo a Avenida da Liberdade, numa dasE essa distinção advinha de, pelo menos, manifestações dos professores; outra, naduas suas características sempre presentes: véspera das eleições para o SPN. Ema primeira, uma enorme independência e ambas, a preocupação em renovar e mantercapacidade reflexiva; a segunda, uma visão o projecto de A Página, como parte de umade acção sindical que não se limitava à intervenção esclarecida no debate dos problemasda educação, que faça frente àdefesa corporativa dos interesses profissionaisdos professores, mas antes entendiaessa defesa como parte de uma luta porhegemonia ideológica construída desde osuma escola inclusiva, democrática e emancipadora.Foi, por isso, que se bateu pela criação deA Página. Não é fácil a um sindicato, emqualquer parte do mundo, criar e manterum jornal como A Página. O José Paulosoube criar uma teia de cumplicidades, primeirointernamente, depois envolvendouma imensa rede de amigos e correspondentes,que lhe permitiu concretizar o seusonho.Como secretário-geral da FENPROFhonra-me ter dado todo o apoio para queA Página pudesse ver a luz do dia, até comoexpressão de um sindicalismo que sempredefendera e que partilhava inteiramentecom o José Paulo: interventivo e forte nadefesa dos direitos profissionais, mas sempre,também, um espaço de de solidariedadeshumanas, de aprendizagem, de contributopara a construção de uma escola ondetodos tivessem lugar e aprendessem. E issoestá bem espelhado na entrevista que deientão ao nº 1 de A Página.Mais tarde, como professor universitário,aceitei com todo o prazer o lugar de colaboradorpermanente do jornal, emboranão fosse tão assíduo na escrita como o4 I 5 OUTONO 2009 I SUPLEMENTOanos 1980 do discurso neoliberal e neoconservador.Afirmei já que a melhor homenagem quepodemos fazer ao José Paulo Serralheiro écontinuar e melhorar A Página da Educação.Daqui o apelo ao SPN, aos responsáveis dojornal, a todos os (muitos) colaboradores eamigos de A Página, para que este projectocontinue para além do desaparecimento físicodo seu fundador. Da minha parte aquifica o compromisso. Bem haja, José Paulo.Lisboa, 19 Setembro 2009António Teodoro


Homenagem José Paulo a Serralheiro José Paulo 1947-2009 SerralheiroAo José Paulo Serralheiro, amigo, mestre e camaradaHoje, dia 7 de Setembro de 2009, o ZéPaulo foi a enterrar. Demasiado cedo paraesta viagem e para perder um amigo. A suadespedida foi dura. Não consegui conter aslágrimas. Só a poesia, as palavras da Teresa,da família e dos amigos me ajudaram a sustera dor e a tristeza. Foi uma cerimónia decompromisso com a família, o sindicato eos amigos. A sua morte fez-me recordar asua vida. Sem ele não teria havido sindicatoslivres e responsáveis nem “A Página daEducação”.O Zé Paulo era um homem bom, uma referênciacomo pessoa, cidadão, sindicalista,professor e jornalista. Quero aqui fazer jusao seu trabalho árduo e sábio, com uma vozserena, uma frontalidade tranquila, mas difícilde calar. Com ele afogámos muitasmágoas, aprendemos a ser solidários e aconstruir a democracia da vida.As suas atitudes transparentes, cordiais edemocráticas, sem tricas nem nicas, facilitarammuitos processos de diálogo e negociação.Assumiu os desafios da educação –nos avanços e recuos – com uma posturaética e profissional. Dou-lhe a palavra: “Épreciso desenvolver uma nova concepção da educação.Uma educação que promova, de facto, um conjuntode valores alternativos aos valores do discursoe das práticas hoje dominantes e que não seja apenasconsolidadora do discurso social e político existentee dos modelos de sociedade e de vida que lhe estãosubjacentes. Uma educação que, na análise de simesma, não despreze a política, antes a integre comoelemento fundamental à compreensão do seu papelsocial, e assim se assuma como geradora de valoresalternativos” (1997).Num tempo em que as políticas dominantescontinuam a trilhar outras direcções,é imprescindível recuperar esta pedagogiada esperança, revisitando a sua vida e a suaobra. A mim enternecia-me quando oouvia defender com paixão e serenidade aliberdade, a justiça, a solidariedade e o“poder suave dos Direitos Humanos” (2008).A sua obra ajudou a criar condições paraque as escolas e os professores sejam agentesde mudança, desocultando hipocrisias,trampas, falsas autonomias e discursos retóricosde legitimação do poder. Deu carinho,esperança e visibilidade aos anónimos –pessoas de carne e osso – que de uma formasilenciosa ajudaram a construir a igualdadede oportunidades e as oportunidades para aigualdade na escola pública e democrática.Foi uma honra e um privilégio partilharcom ele reflexões e acções, ao longo de 25anos. Nos últimos tempos, mesmo doente,continuava a alimentar sonhos e a alumiarcaminhos para que o nosso empenhamentoe compromisso com a educação públicae a profissão docente não esmorecessem.Honrar o seu trabalho é lutar com valentiacívico-política pela reinvenção do sistemaeducativo e dar continuidade ao seu velho enovo projecto – “A Página da Educação”. O25 de Abril, o sindicalismo, a democracia ea defesa dos Direitos Humanos agradecem.Em memória do Zé Paulo, para que elecontinue connosco, e cumprindo a parteque me toca, continuarei a colaborar na“Página da Educação”.Américo Nunes PeresUTAD – Pólo de Chaves


Rosto e Assinaturade um «Professor-sindicalista»«Li ou ouvi, em qualquer sítio, que a vida são umas férias que a morte nos dá.Da minha parte estou apostado em fazer o que puder para prolongar as fériaso mais possível utilizando-as para fazer coisas úteis e que nos dêem prazer. Seique posso contar convosco neste esforço. Deixo um abraço, sempre amigo esolidário, e a minha disponibilidade para fazer o que puder e for preciso».Não sei se a vida são uma espécie de fériasque a morte nos dá, como dizia José PauloSerralheiro numa das suas últimas mensagensaos colaboradores da revista a «Páginada Educação», mas o que sei é que a vida sóvale a pena quando é assim assumida, noesforço e no gosto de ser «com e para osoutros». Daí a força cívica de instrumentosde apelação democrática como os «abaixoassinados»,por exemplo. Respondendo porum «rosto» e um «nome» próprios, soberanona dupla consciência dos seus deverese direitos de cidadania, o sujeito inscreve asua vontade no tempo comum, senhor doseu presente e, nessa qualidade, autor do seufuturo.Provavelmente, a maioria dos leitoresdesta revista associam, com toda a justiça,o nome de José Paulo Serralheiro à suaposição de director da «Página», semsaber que o valor distintivo deste projectoeditorial decorre de um enraizamentoprofissional e sindical que o «Zé Paulo»fez questão de protagonizar, de formaúnica e até ao último sopro vital, em afectuosasolidariedade com muitos outroscompanheiros que teimam em pugnar porJOSÉ PAULO SERRALHEIRO, 2009um certo modo de «fazer sociedade», de«fazer escola» e, consequentemente, de«ser professor».Sou professora, filha de professores, nascie vivo dentro da escola desde sempre, masfoi no Sindicato dos Professores do Norte(SPN) e através do testemunho éticovindo de presenças humanas como as doJosé Paulo Serralheiro e do AdrianoTeixeira de Sousa, outro estimado rostoprematuramente roubado ao nosso convívio,que aprendi o valor e o sentido existencialde expressões como «comunidadeprofissional», «solidariedade colegial»,«compromisso ético», «escola, responsabilidadesocial e cidadania».A morte do outro, a única com a qual,enquanto sujeitos de vida, podemos estabelecercontacto verdadeiramente pessoal,mais do que lembrar a nossa própria vulnerabilidade,representa o fim de um processode diálogo com outra pessoa, comonotou o filósofo Emmanuel Lévinas. Aoretirar o poder de expressão ao rosto, aotransformá-lo em simples máscara, a mortepriva-nos da oportunidade de relação comoutra manifestação de vida.Por outro lado, porém, cada vez que amorte toca o mais fundo da nossa sensibilidadepor força do sentimento de perda derostos familiares e amados, tornamo-nosmais conscientes do privilégio que representaa possibilidade de relação quotidianacom outros rostos, que o mesmo é dizercom pessoas únicas e vivas, que nos interpelam,nos respondem e nos desafiam.Entendo neste sentido o lema da nossafederação sindical, a FENPROF, «somosprofessores, damos rosto ao futuro». Nestaexpressão reside uma subtil, mas decisiva,diferença relativamente à pretensão quesubjaz a muitos dos projectos sociais epedagógicos alicerçados na crença de queé possível e desejável «dar um rosto» aofuturo. Assumindo a imprevisibilidade e aincerteza como vectores estruturantes dafecundidade do tempo, para os professores«dar rosto» significa, fundamentalmente, aresponsabilidade de se apresentarem profissionalmenteface a outros rostos demodo a ajudar a abrir as brechas temporaispor onde o futuro entra e «se faz presente».Dizer que somos mortais é o mesmo quedizer que «temos tempo». Tempo para nosperguntarmos sobre o que podemos edevemos fazer para continuar projectoscomo este da «Página» que o Zé Paulo animoucom tanta sabedoria e dignidade, tentandoassim também «prolongar as nossasférias o mais possível» e de forma a fazer oque for preciso em favor de um mundoonde todos, sem excepção, possam afirmara sua condição de sujeitos de rosto e assinatura.Isabel BaptistaUniversidade Católica Portuguesa6 I 7 OUTONO 2009 I SUPLEMENTO


Homenagem José Paulo a Serralheiro José Paulo 1947-2009 SerralheiroHomens bons e insatisfeitos,homens que deixamobras (in)terminadasFiquei absolutamente sem forças quandorecebi a notícia do falecimento do JoséPaulo Serralheiro. Tinha decidido tratá-loassim, há meia dúzia de anos, justamentequando ele me passou a tratar também portu. Foi uma amizade construída à distância,física, leia-se, mas com uma grandeproximidade afectiva.Nunca negámos um ao outro qualquerpedido. Falávamos por telefone e era comose nos conhecêssemos desde há longa data.Contudo, a nossa primeira conversa deveter acontecido aí por 1998. Passámos afalar de educação, sociedade, culturas,textos, livros e utopias pedagógicas.Também da vida e da saúde da mesma.Ouvia do outro lado do telefone uma vozgrave, calma, amiga, insatisfeita, sonha -dora e sempre construtora de novas ideias.Uma voz que indiciava ser de alguém quefumava. De alguém que, também, respiravaenquanto falava. Nunca tinha pressa.Transmitia paz.Foi há uns 2 anos que o José Paulo mecontou, de novo ao telefone, que teria de irfazer uns exames médicos. Como o tempocorre Meu Deus. Ainda há dois dias perguntavaà Silvia Enes como estava o JoséPaulo e fiquei, de facto, a saber que nãoestava muito bem. Mas estava longe desaber que estaria tão doente.Dolorosamente, informei os colegas doInstituto Politécnico de Leiria que maisperto estiveram do trabalho do José Paulo.Além de director de um grande jornal, “aPágina da Educação”, e de coordenador daProfedições, o José Paulo muito contribuiupara a discussão da Educação em Portugale para a emergência dum sindicalismoalternativo. Dizia-me, há uns anos, sempreao telefone, que ser sindicalista não podiaser apenas andar a espalhar folhetos.Sempre quis que todas as zonas do país (eoutras mais) fossem representadas pelaapresentação de relatos, problemas,reflexões sobre o quotidiano da educação.Quis que eu representasse a Região deLeiria e, desde então, sempre fui contribuindocom vários colegas que aceitaramesses muitos desafios da crónica mensal. OZé Paulo muito apoiou Leiria, o CIID, aESE, o IPL e as publicações de muitos denós. Ficamos-lhe eternamente gratos.Homem Bom. Homem insatisfeito e sempreem busca de melhores futuros. Estava aconstruir mais um: o “segundo ciclo daeditora Profedições e de a Página daEducação” como escreveu no início doVerão de 2009 no editorial do primeironúmero da Revista, projectando a versãoimpressa e o portal para debatermos,comunicarmos entre nós, entre o básico, osecundário, o superior, Portugal, Brasil e omundo.Ficamos todos mais pobres com estapartida. Mas vamos ficar com a obra que oProfessor José Paulo Serralheiro nosdeixou para ser continuada.Que o futuro o permita José PauloRicardo VieiraCIID-IPLeiria


José Paulo Serralheiroe a reinvenção do futuroDizia José Paulo Serralheiro, no editorialda edição de Verão de A Página da Educação,“Razões inesperadas relacionadas com aminha saúde fizeram com que este projecto[o desenvolvimento de um Portal naInternet e a edição de um número da revistano primeiro dia de cada estação] sofressetrês meses de atraso. Embora não ultrapassadasas razões, mas mais adaptados e capazesde lidar com a realidade, vimos agora dar osprimeiros passos na concretização dosobjectivos que anunciámos e assumimos”. Alucidez tranquila com que enfrentou adoença poderia ser uma maneira de eu falaraqui acerca do José Paulo. Há, aliás, muitasmaneiras possíveis de falar acerca dele: apartir do seu percurso no sindicalismo, naeducação, na edição, a partir do impacteque as iniciativas editoriais a que esteveligado tiveram e têm no campo educativoem Portugal, etc. Porém, neste momento deo lembrar, é o seu modo muito peculiar deser e estar como pessoa e como intelectualque me vem às mãos na escrita destepequeno texto.Conheci o José Paulo Serralheiro em1997, quando, com Stephen Stoer, inicieiuma colaboração regular com o jornalmensal A Página da Educação. Foi também aProfedições que editou alguns dos nossostrabalhos. O seu posicionamento nos camposda educação, do jornalismo e da edição,fazendo pontes e equilíbrios entre areflexão teórica e o quotidiano do trabalhoeducativo, designadamente dos professores,fez dele uma referência nesses trêscampos. Mas uma referência que estavalonge de ser neutra em relação aos propósitossociais e políticos da educação.E é a propósito deste ponto onde convergemo intelectual, o professor, a pessoa e oeditor, que gostaria de evocar uma conversaque com ele tive, não há muitotempo. A rubrica que eu, enquanto colaborador,estava (e ainda estou) encarregue decoordenar tinha (e tem) a designação deReconfigurações. Contei-lhe que um dos nossosautores, Roger Dale, era crítico emrelação a este nome. O argu mento era queo termo reconfigurações remetia para umaconcepção mitigada, quer das transformaçõesobjecto de análise, quer das ambiçõessociais e políticas dessas mesmas transformações.Recordo que o José Paulo ouviu,com um sorriso atento, e, no tom pausadocom que sempre falava, disse: “Às tantas, oRoger tem razão. Não podemos estar àespera que as recomposições, as recombinações,as reconfigurações dos sistemassociais sejam o único suporte da mudança”.Continuou: “reinventar é mais forte do quereconfigurar. Parece trazer mais liberdadeà inovação”. Fiquei com esta conversa namemória e, sempre que lhe enviava osmeus artigos ou dos colaboradores dacoluna, me sentia interpelado por ela.“Reconfigurar é diferente de inventar”.O José Paulo Serralheiro como professor,como sindicalista, como editor, comointelectual e como pessoa infundia, defacto, em todos os que com ele conviviam,o impulso para a invenção e para o recomeçoconstante e incansável, no sentidode mudar aquilo que é necessário mudar.E isto é raro.Mas, na próxima estação do ano, na novaedição da revista, lá estará, de algumamaneira, o José Paulo a reconfigurar o presentepela reinvenção de novos futuros.Connosco.Porto, 15 de Setembro de 2009António M. MagalhãesFPCEUP8 I9 OUTONO 2009 I SUPLEMENTO


Homenagem José Paulo a Serralheiro José Paulo 1947-2009 SerralheiroSilêncios e mistériosA mensagem do Zé Paulo deixou-me deveras preocupado.Somente o seu entusiasmo me ajudou a esbater o temor de umdesenlace: Caro amigo Zé Pacheco, esta doença é mais chata porque ocupademasiado tempo (consultas, exames, tratamentos, etc). Estou a recuperar bema mobilidade e já passei da cadeira de rodas para as canadianas. Estou a fazerquimioterapia e as minhas barbas parecem condenadas... Lá se vai o velhovisual! No tempo e com a energia disponível já comecei a trabalhar no projectoque tinha para a Revista. Como calculas, conto sempre contigo.Longe do meu país, amigos davam-me notícias de alguma esperançae de muitas recaídas. Alguns meses decorridos, a saudadedos meus netos trouxe-me a Portugal, num Setembro em que asescolas se animam com a alegria das crianças. Porém, este foi umSetembro triste. A primeira notícia que deram foi a da sua morte.Quando foi a sepultar, preenchi o silêncio com palavras doBrecht, que nos fala de homens que lutam toda a vida e sãoimprescindíveis... Regressado ao meu voluntário exílio, escreviestas linhas para lhe dizer que esta não será a última “página”,porque a memória dos homens bons é perene e outros companheirosretomarão o seu afã.O Zé Paulo não desejava ter um funeral religioso. mas ajudou are-ligare o que na educação está separado. A sua reflexão, fértile profunda, aliada ao profundo conhecimento dos professores,contribuiu para reduzir a solidão da docência e para alimentarsolidariedades.Há cerca de vinte anos, escreveu na sua Página que os professoresprecisam mais de interrogações do que de certezas... É como dizes,amigo Zé Paulo: que certezas temos? Quase nada sabemos dosmistérios da vida nem da morte que, prematuramente, nosroubou o teu convívio. Talvez por isso, me ocorreu falar-te demistérios, num textinho como aqueles que te fui enviando, aolongo de tantos anos em que contigo aprendi até nos silêncios.A Soraia era uma menina “difícil” – como disseram os seus professorese colegas – pois se quedava num mutismo inviolável. Selhe dirigiam alguma pergunta, olhava para o chão. Ao cabo dealguns dias de prudentes aproximações, logrei uns instantes deatenção. Tantas perguntas lhe dirigi, que dela obtive uma brevefala:Vejo coisas. Mas os outros meninos fazem troça de mim. Até a minhamãe me diz para ter juízo...Eu acredito que tu vês coisas.Você acredita? Sério?Sim. Que coisas vês?Um menino de camisa de mangas aos folhos, que sai de uma pedra, naeira do cafezal, todos os dias, por volta das três da tarde. Volta a entrarna pedra, quando o sol vai embora. Eu falo com ele. Não falo palavras,mas sei brincar com ele. As pessoas grandes dizem-me que ele não existe,que é imaginação... Você não tem medo do que eu estou dizendo?Não. Porquê? Deveria ter?...Sorriu. Fomos brincar na eira do cafezal. Porque nem só do cognitivovive o homem e porque o Caeiro, há já um século, escreveuo essencial: pensar é estar doente dos sentidos. É porque sinto – eporque creio que todos os companheiros sentem – a tua indelével,sábia e tranquila presença, não te direi adeus. Continuarei aenviar-te uns textinhos.José Pacheco


Meu amigoJosé Paulo SerralheiroEu o conheci há quase duas dezenas de anos na cidade doMéxico, num Congresso Internacional de Educação promovidopelo Sindicato Internacional de Professores.Todos os convidados estavam no mesmo hotel e, na manhã doúltimo dia do encontro, quando já todos iriam viajar de volta, aoentrar na sala em que serviam o pequeno almoço, só havia umlugar numa das mesas em que estava sentado um homem paramim desconhecido, que talvez me parecesse norte europeu.Pedi-lhe licença e me sentei. Logo, logo, nos identificamoscomo um português e uma brasileira. A nossa conversa fluiu namedida em que nos aproximávamos por afinidades eletivas.Nesta manhã tinha início uma relação que mais e mais seestreitou tornando-nos grandes amigos. Daí em diante, a cadaano, não importava o motivo de minha ida à Europa, ao final daviagem, parava sempre no Porto para encontrá-lo. E, de nossosencontros, decorriam novos planos de trabalho. Em todos estesanos, a cada mês lhe enviava um pequeno texto a ser publicadona rubrica “O lugar da escola” em A Página da Educação. Em2005 ele me propôs organizarmos um livro – Afinal onde estáa escola? ... afinal, esta era a nossa preocupação comum. Assimo fizemos. Já nenhum livro nos resta desta primeira edição noBrasil.Com a sua doença, passei a lhe telefonar nos fins de semana àtarde e muito e muito conversávamos. Ele me dizia que o que omantinha vivo eram os planos que estava sempre a criar. Jamaiso vi ou ouvi desanimado. Se o jornal se tornava impossível, porinjunções políticas e econômicas, então façamos uma revista eletrônicamensal ou mesmo sazonal, reagia ele, já envolvido no novo projeto.E o fez, chegando a ver o primeiro número pronto.No último dia em que lhe telefonei, ninguém atendeu. E era elequem em geral atendia as minhas chamadas. No dia seguinterecebi a notícia que ele havia falecido na véspera. Não tivemostempo de uma última conversa. Fica a saudade de um grandeamigo. Fica a lembrança de tudo o que fizemos e do tanto queainda pretendíamos realizar. Fica a certeza de que com a mortede um grande amigo, uma parte nossa também morre. Fica a tristezada falta de quem tanto me ensinou com seu exemplo deintelectual militante, que lutava por um mundo outro, ummundo em que outros mundos pudessem coexistir, um outromundo que lhe parecia possível e pelo qual lutava, um mundomelhor em que mais solidariedade e justiça houvesse.Regina Leite Garcia10 I 11 OUTONO 2009 I SUPLEMENTO


Homenagem José Paulo a Serralheiro José Paulo 1947-2009 SerralheiroJoséPauloSerralheiroConvivemos ao longo de 15 anos.Encontramo-nos no Porto, a almoçar naBrasileira. Sabia de mim. Dava aulas deMestrado no curso de outro desaparecidoamigo, Stephan Ronald Stoer, Steve paramim. Como José Paulo, sempre José Paulopara mim. Trocávamos ideias sobre educação,pedagogia e sindicalismo. Os dois domesmo bando, esse que nos governa agora.De manhã cedo estava já nas suas aulas.Aulas que nunca deixara de proferir. Tinauma carga de trabalho inabalável. Nãoapenas orientava o SPN, também escreviatextos para eles. Nunca na Página. Era oseu território reservado. De História eFilosofia e Letras sabia tanto, que impunharespeito perante a página em branco quetodos os meses escrevia para ele, em colaboraçãocom Ana Paula Vieira da Silva, aminha discípula que fixava o meu portuguêse orientava as minhas ideias. JoséPaulo nunca fez uma crítica aos meus textosnem sugeriu ideias novas que interrompessemas minhas.Uma anedota descreve exactamente o serdo José Paulo. Estava eu na Cordilheira deLos Andes em trabalho de campo para aminha pesquisa do comportamento dainfância dos Picunche, clã do Centro Norteda etnia chilena, os Mapuche A comunicaçãoera difícil com a nascente internet,especialmente por causa do conteúdo dotexto, entre Castelhano e Mapudungun,que significa a língua da terra, por ser a línguaMapuche, os nativos do Chile, os proprietáriosda terra, retirada a eles por nós,os huinca ou estrangeiros para os Mapuche.O título pode dar uma ideia da dificuldadedo texto: Losotros haulamos do’hs idiomas, queem português seria: Nós falamos duas línguasdiferentes ao mesmo tempo. A primeiraparte do texto, era mapudungun, as outrasduras, castelhano antigo que foi ficando poressas terras e tivemos que aprender. Aliás, osmontes e cerros dificultavam a emissão dotexto. José Paulo, a rir, contara-me, anosdepois, o difícil que tinha sido entender otexto. Mas como o leitor pode ver, o textoestá no jornal dos anos 90, em Castelhanodo Século XVII, em Mapudungum de anossem data, e em português, para explicar aosnossos leitores do que tratava o texto.A nossa intimidade e confiança foramimensas. Quis publicar um livro meu na suaeditora. Nem o José Paulo nem eu éramosbons editores e o título ficou virado doavesso. O livro é intitulado “Como eraquando não era o que sou”. O Crescimentodas Crianças. Para nós, excelente título defilósofos de dois tostões. Marcela Torres, essaa nossa amiga que também nos deixara cedo navida, ternos ia dito: primeiro o título, o apelidodepois; se assim não for, o livro não vende. Na suaconfiança, permitiu levar a livro para aGaliza. Nunca mais soubemos dele.José Paulo cofiava na bondade natural dosseres humanos e ensinava para isso E escreviapara isso. E visitava às suas delegaçõessindicais para isso. José Paulo Serralheiroera e é um homem bom e como homembom, será o Zeus de nós escritores. Nãochoro por ele. Mora na sabedoria que meentregou para escrever e falar. Foi e é omeu outro amigo da alma, porque a PauloFreire o conheci antes. José Paulo e PauloFreire, duas línguas do mesmo idioma.Desta vez, não peço a ninguém fixar o meuportuguês. Não tenho um José Paulo para,discretamente, fixar a vírgulas que faltamDesde o seu descanso, fixá-las-á.Raúl IturraCatedrático do ISCTE-IUL – AmnistiaInternacional-CRIAMembro do Senadoda Universidade de CambridgeAmigo de José Paulo Serralheiro


Li, como toda a gente, O nome da rosade Umberto Eco. A história passa-se naIdade Média e o autor conta-nos como ummonge de nome Guilherme de Baskerville,acompanhado do jovem Adso (que sódepois de velho narra o que viu) quer descobriruma morte estranha, numa abadiado norte da Itália. – morte que é a primeirade uma série de sete, que Baskerville interrompeao desmascarar o culpado. No centroda abadia, levanta-se uma enormebiblioteca, considerada a mais importantee completa de toda a cristandade. Durantea investigação, Guilherme de Baskervilleencontra-se em concorrência com aInquisição e com o seu incontornávelrepresentante Bernard Gui, o qual defendeque os hereges são os homicidas queGuilherme procura, designadamente osseguidores de Dolcino, o criador de umaseita hostil ao papado. Consegue, atravésde horrendas torturas, arrancar confissões,favoráveis à sua tese, a vários monges. Masnão convence Baskerville. Este a conclusãoa que chega é bem diversa: conclui queas mortes não são obra de hereges e que osmonges morrem, ao tentarem ler um livromisterioso, ciosamente guardado nabiblioteca. A cena final do livro põe frentea frente Baskerville e o assassino, um cegoque era um dos monges mais velhos daabadia. Desmascarado, o assassino facultaao investigador o livro que já havia provocadosete mortes. Tratava-se do segundovolume da Poética de Aristóteles (384-322 a. C.), uma obra desconhecida atéentão e na qual o Estagirita faz uma profundareflexão, chegando mesmo a abordara questão do riso. Acusado porBaskerville, Jorge, o assassino, tem umcomportamento estranho e, em vez deesconder o livro, aconselha ao investigadora sua leitura.Baskerville começa a leitura do livro, masmuniu-se de um par de luvas, pois que descobriuque as páginas do livro se encontravamenvenenadas, com um líquido quenelas deitara o monge criminoso. E nãoO nome da rosaescondeu a questão seguinte: por que pretendiaele matar os monges que lessem aPoética de Aristóteles? Porque o livrofalava do riso e o riso é o contrário da fé.Pergunta-lhe Guilherme: Mas quais são osefeitos perniciosos do riso?... RespondeJorge: “O riso é a fraqueza, a corrupção, oamolecimento da nossa carne. É a diversãopara o camponês, a licença para oalcoólico e até a Igreja instituiu oCarnaval, espaço de muitos crimes evícios. Portanto, o riso não passa de umacoisa vil (...)”. Mas Baskerville queriasaber mais: Se há tantos livros que falamdo riso, da alegria. Por que só este lhe inspiravatamanho terror? Declara o criminoso:“Porque era do Filósofo(Aristóteles). Cada um dos livros dessehomem destruiu uma parte da ciência quea cristandade tinha acumulado, ao longode séculos. Os primeiros Padres transmitiram-noso que era preciso saber sobre opoder do Verbo e bastou que Boéciocomentasse o Filósofo para que o mistériodo Verbo divino pudesse ser questionadoe parodiado. O livro do Génesis diz-nos oque é preciso saber sobre a composiçãodo cosmos e bastou a Física do Filósofopara tudo o que nos foi ensinado fosserepensado. Cada palavra do Filósofo, emque (pasma bem!) há bispos e papas queacreditam, é um perigo para a cristandade”.Jorge faz do livro de Aristóteles opretexto das suas angústias, diante dosproblemas da Igreja. Baskerville, ao invés,não teme o riso, nem a crítica, pois quechega mesmo a pensar num cristianismosem as taras em que o Vaticano é pródigo.Como se vê, o riso, o anedotário, a mordacidadeintencional dos dissidentes, dos críticos,dos resistentes, dos heréticos, que seopõem a qualquer cartilha ortodoxa, éconsiderado um perigo, pelos dogmáticos,pelos conservadores, pelas instituiçõesenvelhecidas . Há muitos séculos, comohoje. A lição emancipadora de José PauloSerralheiro tem mais a ver com os “mestresda suspeita” (Marx, Nietzsche e Freud),figuras do século XIX (embora seja em1939 o passamento de Freud) do que comgrande parte da doutrina enrugada e aposentadado capitalismo que nos governa. Odesrespeito pelos professores e afinal porquem trabalha, uma corrupção sem freios,o desemprego, uma política de... inverdade– tudo isto que nos chega com a impressãodolorosa de um pensamento imobilizadono passado (e em interesses inconfessáveis)e conservando-se irredutível na sua solidão,tudo isto dá para soltar uma gargalhadacrítica e sadia. Como José PauloSerralheiro o fazia, ele, um “homem de virtude”,expressão tão grata à antiguidadeclássica e tantas vezes repetida, junto daloba de bronze, pelos tribunos da velhaRoma. A integridade de carácter, a envergaduramoral, a fidelidade a princípios e asi mesmo (para além de uma informaçãoexaustiva) de José Paulo Serralheiro dãomeensejo para me associar ao pesar detodos os que prestam o seu respeitosopreito à memória de um cidadão semmácula, modelo das mais altas virtudescívicas e políticas.Manuel Sérgio12 I 13 OUTONO 2009 I SUPLEMENTO


Homenagem José Paulo a Serralheiro José Paulo 1947-2009 SerralheiroZé Paulo Serralheiro:O Último EditorialZé Paulo Serralheiro deixou-nos discretamente, num brevedomingo de manhã, como quem pede desculpa por ter de seretirar mais cedo do que esperava. Não é fácil esquecer aquelafigura, onde uma quase imponência inicial de recorte patriarcallogo se inclinava para quem quer que dele se aproximasse. Esseé o rasto que persiste da figura do Zé Paulo: incondicionalmentedisponível, atento e reflexivo face à presença do outro,como se o outro fosse essencial à sua própria existência. «Detodos guardo o que fui capaz de aprender sabendo que nuncaencontrarei a palavra certa para exprimir o que devo a cada um»– disse ele a todos os seus colaboradores no n.° 184 de APágina, em 2008.Basta ler qualquer editorial de «A Página...» ao longo destes 17anos ininterruptos para identificar aquilo que deu sentido atoda a vida do Zé Paulo – a paixão pela escrita solidária e militanteao serviço de uma única causa, a causa dos que habitama outra face da humanidade, a que se oculta por detrás dos diascomemorativos para tornar mais invisíveis os dias comuns. Eraaí que ele montava o seu posto de trabalho e erguia a sua pena,qual espada quixotesca, fulgurando entre a utopia incorrigível ea urgência inadiável. A fidelidade aos princípios e a sensibilidadeàs circunstâncias, eis a síntese sempre retomada que o ZéPaulo perseguiu incansavelmente. Desde a fome no mundo, aoanalfabetismo, à exploração globalizada, à volúpia capitalistasem fronteiras até à sobranceria burocrática dos pequenos poderesinstalados, sempre com a democracia na boca, ou à soberanaindiferença das decisões tecnocraticamente infalíveis pairandosobre o desespero quotidiano dos dominados, tudo o ZéPaulo fez questão de trazer para a frente de A Página da Educação,fiel ao princípio de que não há educação sem causas. «Semprenos assumimos como um jornal de causas que assumiu osDireitos Humanos como questão séria a defender em todas ascircunstâncias da vida. Nunca nos quisemos, nem fomos, um jornalhipocritamente neutro»., invocou ele, mais uma vez, noúltimo n.° da versão jornal de «A Página».É um pesado legado este que o Zé Paulo nos deixou. Saibamospreservá-lo. Essa será a melhor homenagem nos tempos quecorrem.Manuel Matos


Ao José Paulo Serralheiro,um teórico-práticosem igualSabia-te doentemas não esperava a tua morteJulgava-te eternoporque gente como tu, não morreTu, o amigo que mais admirava,em noite de lua cheia,deixaste-nos vazios de futuro.Luís Souta14 IOUTONO 2009 I SUPLEMENTO


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P’ra não dizerque não falei de floresCaminhando e cantando e seguindo a cançãoSomos todos iguais, braços dados ou nãoNas escolas, nas ruas, campos, construçõesCaminhando e cantando e seguindo a cançãoVem, vamos embora que esperar não é saberQuem sabe faz a hora não espera acontecerPelos campos a fome em grandes plantaçõesPelas ruas marchando indecisos cordõesainda fazem da flor seu mais forte refrãoe acreditam nas flores vencendo o canhãoVem, vamos embora que esperar não é saberQuem sabe faz a hora não espera acontecerHá soldados armados, amados ou nãoQuase todos perdidos de armas na mãoNos quartéis lhes ensinam a antiga liçãode morrer pela pátria e viver sem razãoVem, vamos embora que esperar não é saberQuem sabe faz a hora não espera acontecerNas escolas, nas ruas, campos construçõesSomos todos soldados armados ou nãoCaminhando e cantando e seguindo a cançãoSomos todos iguais, braços dados ou nãoOs amores na mente, as flores no chãoA certeza na frente, a história na mãoCaminhando e cantando e seguindo a cançãoAprendendo e ensinando uma nova liçãoGeraldo Vandré

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