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memória de uma crítica encantada - Fundação Cultural do Estado ...

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GOVERNO DO ESTADO DA BAHIASÉRIE CRÍTICA DAS ARTESGoverna<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da BahiaJaques WagnerSecretário <strong>de</strong> Cultura <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia – SecultBAAntonio Albino Canelas RubimDiretora da Fundação <strong>Cultural</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia – FUNCEBNehle FrankeMEMÓRIA DE UMA CRÍTICA ENCANTADAcoletânea das críticas teatrais <strong>de</strong> clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> loboFUNCEBChefia <strong>de</strong> GabineteÍtalo Pascoal Armentano JúniorCoor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> DançaMatias SantiagoProcura<strong>do</strong>ria JurídicaCeleste Maria S. BezerraAssessoria TécnicaCássia Maria Bastos SousaCoor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> LiteraturaMilena BrittoCoor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> MúsicaCássio NobreNADJA MAGALHÃES MIRANDA (ORG.)Assessoria <strong>de</strong> Relações InstitucionaisKuka MatosCoor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> TeatroMaria MarighellaAssessoria <strong>de</strong> ComunicaçãoPaula BerbertNúcleo <strong>de</strong> Artes CircensesAlda SouzaDiretoria <strong>de</strong> Administração e FinançasMaria Iris da Silveira (Lia Silveira)Diretoria <strong>de</strong> AudiovisualMarcon<strong>de</strong>s Doura<strong>do</strong>Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> EditaisIvan OrnelasCentro <strong>de</strong> Formação em ArtesBeth RangelFUNCEBSalva<strong>do</strong>r–Bahia2013Diretoria das ArtesAlexandre MolinaTeatro Castro AlvesMoacyr GramachoCoor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Artes VisuaisLuciana Vasconcelos


Este último requisito tem um papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na dinâmicada cultura. Os estu<strong>do</strong>s, pesquisas, análises e críticaspermitem conhecer em mais <strong>de</strong>talhes e profundida<strong>de</strong>as ativida<strong>de</strong>s e obras culturais. Desvelam dimensões enuances inimagináveis; iluminam conexões e relações,por vezes inconscientes aos próprios cria<strong>do</strong>res; chamamatenção para experimentos inusita<strong>do</strong>s. Isto é, possibilitamleituras múltiplas <strong>de</strong> criações sempre complexas,porque <strong>de</strong>masiadamente h<strong>uma</strong>nas. Tais leituras e releiturassão vitais para o movimento <strong>de</strong> continua reinvençãoda cultura, inclusive <strong>de</strong> suas tradições.A superação da fruição imediata e <strong>de</strong> suas leiturasespontâneas – necessárias, mas insuficientes para atrama cultural – faz que os estu<strong>do</strong>s, pesquisas, análisese críticas adquiram <strong>uma</strong> excepcional atitu<strong>de</strong> educativa eformativa <strong>do</strong>s públicos da cultura e na construção <strong>de</strong> <strong>uma</strong>cultura cidadã, com consi<strong>de</strong>rável incidência no <strong>de</strong>senvolvimentoda cultura e da cidadania cultural.A Secretaria Estadual <strong>de</strong> Cultura e a Fundação <strong>Cultural</strong> <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> da Bahia assumem plenamente to<strong>do</strong>s os pressupostosantes anota<strong>do</strong>s. Nesta perspectiva, um conjunto <strong>de</strong>programas foi imagina<strong>do</strong> para atuar e estimular estu<strong>do</strong>s,pesquisas, análises e críticas da cultura. O Programa <strong>de</strong>Incentivo à Crítica <strong>de</strong> Artes é um <strong>de</strong>les. Com ele se buscaincentivar e apoiar o <strong>de</strong>senvolvimento da reflexão críticasobre ativida<strong>de</strong>s e obras artísticas, através <strong>de</strong> diversos procedimentos,tais como: seminários, cursos, palestras, publicações,premiações, auxílios financeiros etc. A publicação <strong>de</strong><strong>uma</strong> série <strong>de</strong> livros <strong>de</strong>stinada à crítica das artes é <strong>uma</strong> <strong>de</strong>stasmodalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuação e concretização <strong>do</strong> programa.O segun<strong>do</strong> número da série é <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> ao crítico culturalJosé Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Multari Lobo, mais conheci<strong>do</strong> comoClo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo, pois animar a crítica baiana <strong>de</strong>ve significartambém rememorar nossa tradição <strong>de</strong> críticos, poisa Bahia já teve <strong>uma</strong> interessante presença nesta área. Aescolha <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> sua atuação comocrítico cultural, em um ambiente mais recente, após ummomento eloquente da crítica na Bahia, como aconteceunos anos 50 e 60.Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo é um <strong>de</strong>vora<strong>do</strong>r perspicaz <strong>de</strong> livros, literaturae cultura. Seus autores visita<strong>do</strong>s são incontáveis:Clarice Lispector, Nelida Piñon, Caio Fernan<strong>do</strong> Abreu,João Ubal<strong>do</strong> Ribeiro, Fernan<strong>do</strong> Sabino, Rubem Fonseca,Franz Kafka, Jean Paul Sartre, Alberto Camus, Leon Tolstoi,Fió<strong>do</strong>r Dostoiévski, para citar alguns poucos. Além daliteratura, cabe lembrar as suas excursões em campos, a


exemplo, da psicanálise e da filosofia. Sua curiosida<strong>de</strong>intelectual é intensa. Sua sensibilida<strong>de</strong> é extraordinária.Sua atuação crítica é quase sem fronteiras.Como crítico <strong>de</strong> artes e cultura, ele circulou por diversosjornais e publicações. Esteve no Diário <strong>de</strong> Notícias, Jornalda Bahia, Guia <strong>do</strong> Ócio e, especialmente, em A Tar<strong>de</strong>,on<strong>de</strong> durante muitos anos escreveu sobre cultura e artese exerceu <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais efetivo seu papel <strong>de</strong> crítico dasartes, com <strong>de</strong>staque para o teatro.Com seu olhar, sempre cuida<strong>do</strong>so e perspicaz, Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>Lobo analisou complexas ativida<strong>de</strong>s e obras, internacionaise nacionais, em <strong>uma</strong> época em que o exercício dacrítica sofria limitações, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao contexto político brasileiroe, em particular, baiano. Sem concessões, a culturae a arte baianas foram acompanhadas por Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>Lobo, com carinho, mas também com rigor, como po<strong>de</strong>ser observa<strong>do</strong> na seleção <strong>de</strong> seus textos que compõeeste segun<strong>do</strong> livro da Série Crítica das Artes.Antonio Albino Canelas Rubim é secretário <strong>de</strong> Cultura <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> daBahia, professor titular da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, <strong>do</strong>cente<strong>do</strong> Programa Multidisciplinar <strong>de</strong> Pós-Graduação em Cultura e Socieda<strong>de</strong>e <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Artes Cênicas, ambos daUFBA. Pesquisa<strong>do</strong>r I - A <strong>do</strong> CNPq.Memória <strong>de</strong><strong>uma</strong> crítica <strong>encantada</strong>Nadja Magalhães MirandaA incumbência <strong>de</strong> reunir as opiniões <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobopara publicação extrapola um mero levantamento <strong>de</strong>textos. Este trabalho representa, em verda<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> tarefaplena <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s apreendi<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong> seu<strong>de</strong>senvolvimento. O primeiro <strong>de</strong>les expressa a realização<strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong> jornalista e crítico que, aliás, nem imaginavao propósito. A coletânea concretiza também um sonho<strong>de</strong> muitos amigos, profissionais <strong>de</strong> jornalismo, <strong>de</strong> teatroe <strong>de</strong> outros segmentos da cultura, que, há algum tempo,querem homenageá-lo, em reconhecimento ao valor dasua produção e sua importante atuação na cena culturale artística baiana, com projeção em outros esta<strong>do</strong>s.A iniciativa assumida pela Fundação <strong>Cultural</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>da Bahia está inserida no Programa <strong>de</strong> Incentivo à Crítica<strong>de</strong> Artes, inicia<strong>do</strong> em 2011. A princípio cogitou-se em <strong>uma</strong>maior abrangência na seleção <strong>do</strong>s textos <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>Lobo pela versatilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua produção intelectual, masa crítica teatral foi eleita, sobretu<strong>do</strong> pela função maior <strong>de</strong>diálogo construtivo que estabeleceu com o meio artísti-


contato entre artistas e jornalistas era basea<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong>,em camaradagem ou engajamento em “projeto ecausas”. A notícia chegava por eles que também frequentavamou participavam das programações artísticas dacida<strong>de</strong> e escreviam em suas colunas — que eram muitas,diversificadas e tinham um papel importantíssimo. 3O golpe militar <strong>de</strong> 64 e as mudanças <strong>de</strong>le <strong>de</strong>correntes<strong>de</strong>sfiguraram a fisionomia da cida<strong>de</strong> e somente nos anossetenta vislumbra-se <strong>uma</strong> nova face cultural na Bahia.Os atos arbitrários <strong>do</strong> regime militar prevaleciam comoa censura prévia e outros, mas cria<strong>do</strong>res e jovens estudantesna medida <strong>do</strong> possível persistem no protesto econseguem produzir com irreverência tanto o jornalismo,quanto o teatro, que pouco a pouco vão reassumin<strong>do</strong>suas funções na socieda<strong>de</strong>.É a fase <strong>do</strong> alegre “<strong>de</strong>sbun<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> efervescência naimprensa local, <strong>do</strong> surgimento da imprensa alternativa e<strong>de</strong> novos espaços teatrais. 4 Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo integra essesmovimentos, envolve-se com produções teatrais, fílmi-3 Ibi<strong>de</strong>m p.864 Jornais: A Tar<strong>de</strong>, Diário <strong>de</strong> Notícias, Jornal da Bahia e Tribuna daBahia. O jornal alternativo Verbo Encanta<strong>do</strong> é encarta<strong>do</strong> pela Tribunada Bahia em 1971.cas, dirige shows musicais, fazen<strong>do</strong>-se presente na maioria<strong>do</strong>s eventos da cida<strong>de</strong>, era vincula<strong>do</strong> a vários grupos.Uma verda<strong>de</strong>ira antena, sempre “liga<strong>do</strong>”.Como estudante <strong>de</strong> Jornalismo forma seu ban<strong>do</strong>, junta-sea alguns colegas <strong>do</strong> Curso 5 e passam a produzir textos,fotos, roteiros, comentários, filmes exercitan<strong>do</strong> a ativida<strong>de</strong>jornalística e crítica sobre as mais diversas expressõesda arte para O Diário <strong>de</strong> Notícias. A aceitação da iniciativafoi um estímulo à produção <strong>do</strong> encarte semanal coma mesma temática cultural para o Jornal da Bahia, posteriormente.Sua trajetória como jornalista se aperfeiçoa, eno mesmo ritmo sua verve crítica.Opinativo o tempo to<strong>do</strong>Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> inicia em A Tar<strong>de</strong> oficialmente em 1984. A críticateatral que exercia em A Tar<strong>de</strong>, surgiu antes mesmo daeditoria <strong>de</strong> cultura assumir a nomeação <strong>de</strong> “crítica” naspáginas <strong>do</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 — fato ocorri<strong>do</strong> somente a partir <strong>de</strong>90, quan<strong>do</strong> aconteceram várias modificações no Ca<strong>de</strong>rno2. Em 1988 já encontramos textos opinativos <strong>de</strong> CL. Suapresença na editoria <strong>de</strong> cultura é percebida nas páginas5 Curso <strong>de</strong> Jornalismo da antiga Escola <strong>de</strong> Biblioteconomia e Comunicação(EBC).


<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1986 quan<strong>do</strong> estampam em muitos espaços notascurtas reunidas em colunas como Qualquer nota (anosoitenta), Boca <strong>de</strong> Cena (anos noventa); notícias, longasreportagens, gran<strong>de</strong>s entrevistas realizadas com artistaslocais, <strong>de</strong> outros esta<strong>do</strong>s e países. E esta produtivida<strong>de</strong>incessante <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> estava presente na redação durouto<strong>do</strong> o tempo em que esteve em A Tar<strong>de</strong> 6 .São dignas <strong>de</strong> registro suas matérias cuida<strong>do</strong>sas, emhomenagem aos que se foram como os maestros ErnstWidmer e Lin<strong>de</strong>mberg Car<strong>do</strong>so, por exemplo. Uma produçãodiferenciada também resultou <strong>do</strong> seu sentimentopelo <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Samuel Beckett e pelo aniversário<strong>de</strong> morte <strong>de</strong> Michel Foucault, que não se confun<strong>de</strong>mcom necrológicos <strong>de</strong> maneira alg<strong>uma</strong>.Em to<strong>do</strong>s os espaços estavam sempre seus posicionamentos,suas i<strong>de</strong>ias. Inclusive, conseguia aproveitar acoluna TV (anos noventa) como ninguém, e torná-la palatávelpara gostos mais refina<strong>do</strong>s. Buscava a qualida<strong>de</strong>na gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação, nem sempre muito sedutora.Destacava filmes, óperas, músicas e programas originaisque passavam sem chamar atenção e discutia novelas,quan<strong>do</strong> ainda era <strong>uma</strong> produção <strong>de</strong> segunda categoria.Atualizava e dava senti<strong>do</strong> aos assuntos.Graças às modificações ocorridas no Ca<strong>de</strong>rno 2, um maiorespaço foi <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> ao teatro baiano, até então relega<strong>do</strong>a último pla no, sempre em favor da música e <strong>do</strong> cinema,cujos apelos merca<strong>do</strong>lógicos eram bem mais fortes. Onúmero <strong>de</strong> página <strong>do</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 variou na década <strong>de</strong> 90,entre seis e 10 pá gi nas. Trabalharam nesta editoria umgrupo fixo <strong>de</strong> 12 pessoas, incluin<strong>do</strong> a diagramação.Número este que diminuía, aumentava. Dependia <strong>do</strong>sproblemas financeiros, das alegadas crises <strong>do</strong> jornalismocultural, ao longo <strong>do</strong>s anos, que in ter feriam nos impressos.As editorias <strong>de</strong> cultura eram sempre as primeiras ase ressentirem, embora se sustentassem <strong>de</strong> “releases”produzi<strong>do</strong>s pelos grupos artísticos. Um da<strong>do</strong> importantecolhi<strong>do</strong> na pesquisa realizada com foco nos anos 90 foi aconstatação <strong>de</strong> que os jornalistas que produziam opiniõessobre espetáculos eram exceções à regra da maioria que,já naquela altura, permaneciam nas redações. O contatoera feito via telefone. Uma média <strong>de</strong> 80 releases chegavam6 Nélida Piñon, Bárbara Helio<strong>do</strong>ra, Elza Soares, Martinho da Vila,Alcione, Nathalia Timberg e tantos outros.


às editorias <strong>de</strong> Cultura <strong>do</strong> Correio da Bahia e <strong>de</strong> A Tar<strong>de</strong>,com excelentes fotos que <strong>de</strong>veriam garantir a publicação. 7Diferentemente <strong>do</strong>s outros jornais baianos, a ativi da<strong>de</strong><strong>de</strong> “crítica” em A Tar<strong>de</strong> foi exercida, no perío<strong>do</strong>, pelamaioria <strong>do</strong>s jor nalistas que integraram esta equipe, práticaque se tornou mais intensa nos três últimos anos dadécada. O Ca<strong>de</strong>rno 2 chegou a publicar até quatro críticasso bre o mes mo espetáculo, no mesmo dia, e na mes mapá gi na. Curiosamente, na maioria das páginas havia realmente<strong>uma</strong> rotativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jornalistas opinan<strong>do</strong>, e Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>estava sempre entre eles. Segun<strong>do</strong> Suzana Varjão,editora à época essa pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria fazer com queos comentários imprimissem a justiça, incorressem <strong>de</strong>stemo<strong>do</strong> em um menor número <strong>de</strong> erros. Depois — dizia ela— esta estratégia <strong>de</strong>veria exercitar “na cabeça” <strong>do</strong> públicoa idéia <strong>de</strong> que o jornalismo é plural mesmo 8 . Uma vezrepórter reconheci<strong>do</strong> C.L. passou a ser chama<strong>do</strong> paraintegrar júris <strong>de</strong> premiações <strong>de</strong> música, teatro, cinema.Eram também constantes os convites para cobrir festivais7 Ver dissertação Análise da Cobertura Jornalística <strong>do</strong>s espetáculosteatrais baianos realiza<strong>do</strong>s pelos jornais A Tar<strong>de</strong> e Correio da Bahiana década <strong>de</strong> 90. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufba.br/t<strong>de</strong>_busca/arquivo.php?codArquivo=1598>. Acesso em: ago.2012. p. 243, 244 entre outras.em outros esta<strong>do</strong>s e para assinar prefácios e orelhas <strong>de</strong>livros <strong>de</strong> diversas produções.No Guia <strong>do</strong> Ócio impresso, embora sua participaçãofosse menor, as edições eram mensais e o espaço maisrestrito. Sua contribuição, como a <strong>de</strong> muitos outros jornalistas,era <strong>de</strong>stinada a um espaço <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Opinião,quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> espetáculo teatral.Um preciosismo <strong>de</strong> fácil entendimentoConviven<strong>do</strong> alguns meses com os textos <strong>de</strong> C.L. e fazen<strong>do</strong><strong>uma</strong> apreciação sobre seus comentários críticos (li<strong>do</strong>s,reli<strong>do</strong>s e compila<strong>do</strong>s) percebo, pela análise abalizadada obra que realiza, nítidas características <strong>do</strong>s jornalistasescritores <strong>de</strong> outrora. Entretanto sem o “preciosismo”acadêmico e o empola<strong>do</strong> “achismo” da crítica que muitocontribuíram — além da falta <strong>de</strong> espaço nas páginas —,para o seu <strong>de</strong>saparecimento. Por outro la<strong>do</strong>, os seuscomentários também não se enquadram na produção<strong>do</strong>s jornalistas-resenha<strong>do</strong>res introduzi<strong>do</strong>s nos anos 70nos jornais e revistas brasileiras que seguiram o mo<strong>de</strong>loamericano, a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> inicialmente pelo Jornal <strong>do</strong> Brasil.As resenhas fazem parte <strong>do</strong> marketing cultural, abordamfilmes, discos, livro e peças <strong>de</strong> teatro. Sobrevivem porque8 Ibi<strong>de</strong>m.144.


se enquadram no mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> jornal produto ainda vigente.Poucas linhas, limitadas a <strong>uma</strong> sinopse, nem sempre seguida<strong>de</strong> posicionamento. Elas ven<strong>de</strong>m o produto, por estarazão, quan<strong>do</strong> opinativas são elogiosas, evi<strong>de</strong>ntemente.A formação mista <strong>de</strong> autodidata e acadêmica <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>Lobo, lhe permite, entretanto, <strong>uma</strong> forma peculiar<strong>de</strong> abordagem. Por ele se entregar a fun<strong>do</strong> em tu<strong>do</strong> quefaz. Não obe<strong>de</strong>ce a regras, padrões, escreve o que sente,percebe e, chega mesmo após análise a fazer sugestões.Suas i<strong>de</strong>ias são colocadas <strong>de</strong> maneira simples, são claras.É completamente a vonta<strong>de</strong> para dizer o que funciona ounão. Conhece muito bem os elementos da encenação: oator / atriz (sempre atenciosamente observa<strong>do</strong>(a), o (a)encena<strong>do</strong>r(a), cenografia, figurino, iluminação, sonoplastia.Diz o que pensa com tranquilida<strong>de</strong>.Seus comentários seguem o nível e o ritmo da encenação.No enlevo <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong>s leituras sentimos sua compreensãoespiritual, como em Dervixes Dançantes, ou oconhecimento retribuí<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma impecável pela dramaturgiaem muitas opiniões, como no exemplar Grito <strong>do</strong>sAnjos. Seu humor e ironia também transparecem e rimoscom ele, bem como sentimos o <strong>de</strong>sconforto <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong>sobservações <strong>de</strong>sinteressadas.O mesmo cuida<strong>do</strong> e rigor são <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s ao teatro infantil,ou infanto-juvenil, como O Mistério <strong>do</strong> Chiclete Gruda<strong>do</strong>,quan<strong>do</strong> relembra cada <strong>de</strong>talhe <strong>do</strong> diretor, <strong>do</strong> autor e <strong>de</strong>autores que apenas começavam. Sua atenção tambémse voltava para as produções da Escola <strong>de</strong> Teatro, tantoa Cia <strong>de</strong> Teatro da UFBA (profissional) quanto às própriasmontagens didáticas realizadas por estudantes no final<strong>do</strong> Curso e em alg<strong>uma</strong>s disciplinas. O fato <strong>de</strong> a montagematrair a atenção <strong>do</strong> público era para ele o indicativo <strong>de</strong> quemesmo não sen<strong>do</strong> teatro profissional, porque <strong>uma</strong> exigênciapara a formatura ou para passar <strong>de</strong> ano, constituía-se<strong>uma</strong> encenação relevante e bem cuidada. Em certos casosvia ali a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentação. Sua atuaçãose dava <strong>de</strong> igual maneira com todas as exigências e/ouconsi<strong>de</strong>rações positivas acerca <strong>de</strong>la. Um exemplo crítica<strong>de</strong> montagem didática: O Buraco é mais embaixo.Afora os aspectos poéticos presentes em muitas opiniões,seu trabalho nos transporta para os ambientes daépoca, nos situa no tempo e nos atualiza. Conduz-nosao conhecimento da obra, com generosida<strong>de</strong> porqueele compartilha tu<strong>do</strong> que assimilou <strong>de</strong> suas leituras, <strong>de</strong>suas vivências. Além disso, observa à complexida<strong>de</strong> dasmontagens e penetra nos basti<strong>do</strong>res da produção, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>seus erros e acertos.


Por ser quem é, não seria justo aprisionar seus escritosem apenas um rótulo seja “crítica”, “resenha”, “opinião”,“comentário”, quan<strong>do</strong> os próprios editores oscilaram aolongo <strong>do</strong>s anos ao nomeá-los nas páginas e inclusive quan<strong>do</strong>se referem ao texto <strong>do</strong>s jornalistas, em entrevistas.Por acompanhar <strong>de</strong> perto a trajetória teatral; produzirtextos que tanto informam o público — que os jovens seincluam! —; como acrescentam da<strong>do</strong>s para o crescimentoe o aperfeiçoamento da cena teatral baiana em todasua complexida<strong>de</strong> é que propiciar a leitura <strong>do</strong>s textos <strong>de</strong>Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo, reuni<strong>do</strong>s nesta coletânea, cuida<strong>do</strong>samentepreparada, em minha opinião, é pertinente e significativo.Além <strong>de</strong> fazerem falta nas páginas jornalísticas,são exemplares na atualida<strong>de</strong>, por isso peças raras. Foium imenso e intenso prazer!SUMÁRIO23.........................................................................................Prefácio25.....................................................................Nota da organiza<strong>do</strong>ra27................................................................Sobre colegas e mestreskátia Borges31.......................................................Um crítico além <strong>do</strong> espetáculoLuiz Marfuz35.......................................................... Um sonho <strong>de</strong> muitos anos...Ou um árduo passe <strong>de</strong> mágicaMarcus gusmãoNadja Magalhães Miranda é jornalista pela Escola <strong>de</strong> Biblioteconomiae Comunicação da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia. Doutoraem Artes Cênicas pelo Programa <strong>de</strong> Pós Graduação da Escola <strong>de</strong>Teatro e Dança da mesma universida<strong>de</strong>, com tese sobre crítica noteatro baiano.


Anos 8041.............................A inocente cruelda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Arrabal 198844..................................... Amor e morte num rito <strong>de</strong> passagem 198849.................................................................... Riqueza Sígnica 1989Anos 9055...................................... Esperto mergulho n<strong>uma</strong> baianida<strong>de</strong> 199058............................................................ Lirismo sem Pieguice 199060....................................................... A surpreen<strong>de</strong>nte Bró<strong>de</strong>r 199364........................................................................ Tiro <strong>de</strong> festim 199367.............................................................. Censura vergonhosa 199369.......................................................... Teatro Antropomórfico 199372......................................................O teatro está nu outra vez 199475..........................................................................Feitiço óbvio 199477..................................................................A volta <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia 199483.............................................................. Sonhos em Pedaços 199586.......................................................... Acha<strong>do</strong> antropológico 199490...................................................................Nau <strong>de</strong> emoções 199493................................................................Ritual encantatório 199495......................................................................... Poesia muda 199497......................................................................Versão colegial 1994100....................................................................Viagem mágica 1995103................................................................................Acrílico 1995109................................................................Ringue metafísico 1995113............................................................ Rompen<strong>do</strong> máscaras 1995119..........................................................................Encanta<strong>do</strong>r 1995123................................................................ Postal <strong>de</strong>sbota<strong>do</strong> 1995128............................................................................... Tocante 1996130........................................................... Irrealida<strong>de</strong> cotidiana 1996134.................................................. Emoções bem-temperadas 1997137.......................................................................Pérola cênica 1997140................................................................Labirinto h<strong>uma</strong>no 1997143................................ O Insustentável peso <strong>de</strong> <strong>uma</strong> comédia 1997146................................................................. Fio <strong>de</strong> esperança 1997149....................................................................... No tom certo 1997153.......................................................... A Trilha da perversão 1998156........................................... Rompen<strong>do</strong> a barreira <strong>do</strong> sonho 1998160................................................................ Espetáculo limpo 1998163................................................................ Postura <strong>de</strong> avatar 1998166........................................................... Dobran<strong>do</strong> os críticos 1999Anos 2000 (Jornal A Tar<strong>de</strong>)171................................................................... Metalinguagem 2002174.................................................................... O Início da Luz 2003178................................................................Deus pelo avesso 2003Anos 2000 (Guia <strong>do</strong> Ócio)185.................................................................... Encenação fria 2005187.........................................................................Hamlet soft 2006189...........................................................O outro la<strong>do</strong> da folia 2006Anexo192.........................................Relação <strong>do</strong>s espetáculos pesquisa<strong>do</strong>s


PrefácioMemória <strong>de</strong> <strong>uma</strong> Crítica Encantada é o segun<strong>do</strong> lançamentoda Série Crítica das Artes, <strong>uma</strong> coleção <strong>de</strong> publicaçõesque preten<strong>de</strong> disponibilizar ao público o acesso a conteú<strong>do</strong>squalifica<strong>do</strong>s sobre a produção <strong>de</strong> crítica, mais especificamenteaquela relacionada às artes baianas. A iniciativaintegra o Programa <strong>de</strong> Incentivo à Crítica <strong>de</strong> Artes, promovi<strong>do</strong>pela Fundação <strong>Cultural</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia (FUNCEB),entida<strong>de</strong> vinculada à Secretaria <strong>de</strong> Cultura <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> da Bahia (SecultBA), no intuito <strong>de</strong> renovar e mantera produção <strong>de</strong> críticas sobre as artes no esta<strong>do</strong>, reconhecen<strong>do</strong>sua relevância para o <strong>de</strong>senvolvimento da produçãoem artes, <strong>do</strong> posicionamento e fruição <strong>do</strong> público, alémda inserção das obras artísticas baianas no panorama dasdiscussões nacionais e internacionais necessárias parasua visibilida<strong>de</strong> e impulso.Para tanto, este Programa se ocupa <strong>de</strong> estimular a formação<strong>de</strong> novos autores, através da realização <strong>de</strong> ações quetambém incluem seminários, oficinas e concursos, embusca <strong>de</strong> consolidar o campo diante <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os setoresque compõem o escopo <strong>de</strong> atuação da FUNCEB: Artes Visuais,Audiovisual, Circo, Dança, Literatura, Música e Teatro.Assim sen<strong>do</strong>, a Diretoria das Artes da FUNCEB, instituída23


em maio <strong>de</strong> 2011 para atuar na articulação <strong>de</strong> projetostransversais, assume o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> conduzir este processo.Este livro reúne textos <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> crítica teatral queo baiano Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo vem realizan<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos1980, um nome marcante na história das últimas décadas<strong>do</strong> teatro da Bahia, com gran<strong>de</strong> contribuição em prol <strong>do</strong><strong>de</strong>bate e <strong>do</strong> incentivo às questões da área. Assim, Memória<strong>de</strong> <strong>uma</strong> Crítica Encantada, além <strong>de</strong> prestar <strong>uma</strong> merecidahomenagem, cumpre um <strong>do</strong>s papéis propostos pelaSérie Crítica das Artes: resgatar produções <strong>de</strong> profissionaisnotórios no campo, toman<strong>do</strong>-os como referência daquiloque a crítica é capaz <strong>de</strong> fazer. A tarefa <strong>de</strong> organizar estesescritos, i<strong>de</strong>ntificá-los e selecioná-los, ficou nas mãos dajornalista e <strong>do</strong>utora em Artes Cênicas Nadja MagalhãesMiranda. Além <strong>de</strong>la e <strong>do</strong> secretário <strong>de</strong> Cultura, AlbinoRubim, a jornalista e escritora Kátia Borges, o diretor teatrale jornalista Luiz Marfuz e o jornalista Marcus Gusmão assinamtextos introdutórios.Nota da organiza<strong>do</strong>ra*A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> publicar os comentários críticos <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>sobre o teatro implicava um levantamento sistemáticoe abrangente que permitisse o mínimo <strong>de</strong> furos possível— embora seja sempre possível aparecerem textos inéditosem publicações e datas distintas com a assinaturaCL. 1 Para chegarmos à seleção das opiniões focalizamoso jornal A Tar<strong>de</strong>, no qual Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> trabalhou oficialmente<strong>de</strong> 1984 a 2006, produzin<strong>do</strong> muito e intensamente e oGuia <strong>do</strong> Ócio, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu início em 1999 a 2006 que publicousuas opiniões mais sucintas, porém com sua marca 2 .Uma parceria realizada entre Secretaria <strong>de</strong> Cultura <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> da Bahia/ Fundação <strong>Cultural</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahiae Jornal A Tar<strong>de</strong> possibilitou a busca <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os exemplaresatravés <strong>do</strong> programa Alchemy, aplicativo utiliza<strong>do</strong>pelo Centro <strong>de</strong> Documentação <strong>do</strong> Grupo A Tar<strong>de</strong> (Ce<strong>do</strong>c)on<strong>de</strong> passei longos perío<strong>do</strong>s.Com o Guia <strong>do</strong> Ócio a parceria resultou num generosoempréstimo da coleção impressa por muitos meses. Ojornal e o guia nos permitiram um universo significativo:<strong>do</strong>s 80 Guias <strong>do</strong> Ócio impressos (sete anos <strong>de</strong> publicação)obtive seis comentários; <strong>do</strong>s 19 anos <strong>de</strong> jornal A Tar<strong>de</strong>diários, obtive 85 comentários críticos <strong>de</strong> CL. (Ver anexo).24 25


Foram a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s os critérios <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniõesapresentadas por década; presença <strong>de</strong> diretores, atores,autores, ilumina<strong>do</strong>res, cenógrafos e figurinistas atuantesnos perío<strong>do</strong>s; diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gêneros teatrais (tragédia,comédia, drama) e, montagens didáticas <strong>de</strong> interesse <strong>do</strong>gran<strong>de</strong> público. Assim foram seleciona<strong>do</strong>s um total <strong>de</strong> 44comentários críticos correspon<strong>de</strong>ntes a: três espetáculos<strong>do</strong>s anos 2000; três espetáculos <strong>do</strong>s anos oitenta e 35<strong>do</strong>s anos noventa e, finalmente, três opiniões publicadaspelo Guia <strong>do</strong> Ócio.*Agra<strong>de</strong>ço a Aldinei<strong>de</strong> Nascimento, Dayse Franca, Renato Martim,Ruben Coelho, Valdir Ferreira, Vanessa Queiroz e Maurício Vilela,to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Documentação <strong>do</strong> Jornal A Tar<strong>de</strong>. Também aAntonio Moreno, Brisa Dultra, Carmen da Gama, Flávia Rosa, KátiaBorges, Luis Marfuz, Marcus Gusmão, Nice Americano da Costa,Rafael Cajueiro, Simone Ribeiro, Sonia Mattos e Linda Rubim, queme <strong>de</strong>u a maior força!1 Quan<strong>do</strong> pesquisei os espetáculos teatrais realiza<strong>do</strong>s na década<strong>de</strong> 90, base para a Dissertação Análise da Cobertura Jornalística<strong>do</strong>s espetáculos teatrais baianos realiza<strong>do</strong>s pelos jornais A Tar<strong>de</strong> eCorreio da Bahia na década <strong>de</strong> 90, muitas das opiniões <strong>de</strong> CL estavamincluídas, outras, no entanto foram retiradas a partir <strong>de</strong> critériosda amostra, como os espe tá culos ama<strong>do</strong>res; in fan to-ju ve nis;<strong>de</strong> ar te-educação; re ligiosos; mu si cais; ópe ras; ope retas, e aquelesexi bi<strong>do</strong>s em espaços não convencio nais. A amostra e seu estu<strong>do</strong>foram ponto <strong>de</strong> partida para esta Cura<strong>do</strong>ria.2 O Guia <strong>do</strong> Ócio é <strong>uma</strong> publicação que data <strong>de</strong> 1999 (impresso)Inicialmente sua periodicida<strong>de</strong> era mensal. A partir <strong>de</strong> 2007, passoua anual e a versão online existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2010.Sobre colegas e mestresKátia BorgesClo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo era quase <strong>uma</strong> entida<strong>de</strong> sagrada paramim quan<strong>do</strong> ainda foca, nariz gela<strong>do</strong>, fui convidada aintegrar a equipe <strong>do</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 em A Tar<strong>de</strong>, em setembro<strong>de</strong> 1995. Eu vinha <strong>de</strong> experiências intensas e diversas,mas que <strong>de</strong>sembocaram com gran<strong>de</strong> força naquelemesmo universo. Como leitora compulsiva <strong>de</strong> livros, revistase periódicos, aspirante a atriz e, finalmente, repórter<strong>de</strong> jornal, acompanhava com gran<strong>de</strong> interesse tu<strong>do</strong> quese publicava então em to<strong>do</strong> lugar, anotan<strong>do</strong> mentalmenteos nomes <strong>do</strong>s jornalistas que assinavam as matériase artigos que mais me agradavam, especialmente naárea cultural. E Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, foi um <strong>de</strong>les.Ele integrava o seleto clube <strong>do</strong> meu afeto platônico,bem antes <strong>de</strong> tornar-se um habitante real da minha vidaprofissional, batucan<strong>do</strong> os seus textos na máquina datilográficaao la<strong>do</strong>, enquanto eu esticava os meus olhos <strong>de</strong>vinte-e-poucos-anos, vezenquan<strong>do</strong>, em sua direção.O primeiro encontro entre nós, no entanto, não se <strong>de</strong>uem A Tar<strong>de</strong>. Quatro anos antes, em 1991, estagiária n<strong>uma</strong>26 27


emissora <strong>de</strong> rádio, eu havia si<strong>do</strong> escalada para entrevistaro escritor gaúcho Caio Fernan<strong>do</strong> Abreu – que passavapor Salva<strong>do</strong>r para lançar um <strong>de</strong> seus livros, Triângulodas Águas – e ele havia recebi<strong>do</strong> exatamente a mesmamissão. Acabamos nos conhecen<strong>do</strong> rapidamente ali, nocumprimento <strong>de</strong> nossas pautas diárias, trocan<strong>do</strong> i<strong>de</strong>iassobre os contos <strong>de</strong> Morangos Mofa<strong>do</strong>s, enquanto aguardávamosque o seu autor chegasse ao local marca<strong>do</strong>,o Espaço Xisto Bahia, nos Barris. Me surpreendi com agenerosida<strong>de</strong> daquele jornalista experiente, acolhen<strong>do</strong>com paciência e bom humor a nova colega. E fiquei quieta,bem quieta, aguardan<strong>do</strong> timidamente a minha vez<strong>de</strong> entrar em cena, apenas escutan<strong>do</strong> com atenção reverente,enquanto Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> conversava com Caio F. sobreliteratura, teatro e tramas astrais diversas.A verda<strong>de</strong> é que tu<strong>do</strong> parecia meio mágico naquelaépoca. Entre 1989 e 1990, eu havia me arrisca<strong>do</strong> em umcurso livre <strong>de</strong> teatro, justo no Xisto Bahia, e apren<strong>de</strong>rao básico sobre dramaturgia, interpretação e carpintariaem aulas com Cleise Men<strong>de</strong>s, Paulo Cunha e HebeAlves. Embora tenha si<strong>do</strong> brevíssima a minha aventuracomo atriz – atuei apenas <strong>uma</strong> vez, em Senhorita Julia,<strong>de</strong> August Strindberg –, assisti a <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> espetáculose li um punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> livros clássicos e textos teatrais, além<strong>de</strong> acompanhar com afinco os comentários <strong>do</strong>s críticos,especialmente os <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo. Eu o via frequentementenas plateias, usan<strong>do</strong> camisas folgadas em teci<strong>do</strong>,com bolsos que abrigavam invariavelmente <strong>uma</strong> carteira<strong>de</strong> Hollywood, cigarros que ele f<strong>uma</strong>va quase seguidamente,inventan<strong>do</strong> pequenos intervalos durante aspeças. Aquilo tornara-se parte da mística que o cercavano meio teatral, e nunca comprometeu a sua capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> análise.Estas pequenas histórias – tecidas em tramas astraisdiversas e em um outro século – prece<strong>de</strong>ram o nossoencontro profissional em A Tar<strong>de</strong> e o tornaram especialmenteenriquece<strong>do</strong>r para mim. Além <strong>do</strong> colega <strong>de</strong> profissãoe redação, sempre enxerguei em Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo omestre, o magister, aquele que conduz ao conhecimentonão pelo ensinamento da técnica, mas pela contemplaçãoda experiência criativa. E, nesse senti<strong>do</strong>, creio tersi<strong>do</strong> apenas <strong>uma</strong> <strong>de</strong> suas muitas alunas pela vida afora.Embora sejamos <strong>de</strong> gerações ligeiramente diferentes,sinto que pertencemos à mesma espécie <strong>de</strong> jornalistas,aqueles que não vão ao Google, mas às ruas e aos livros.E é por esta razão, sobretu<strong>do</strong>, que experimento um gran<strong>de</strong>prazer em participar <strong>de</strong>ste trabalho, que levará adiantea possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste aprendiza<strong>do</strong> contemplativo da28 29


experiência criativa, que consi<strong>de</strong>ro <strong>uma</strong> das característicasmais valiosas da verda<strong>de</strong>ira crítica <strong>de</strong> arte.Um críticoalém <strong>do</strong> espetáculoLuiz MarfuzUm crítico além <strong>do</strong> espetáculo – é o mínimo que se po<strong>de</strong>dizer sobre Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Neto e seus textos da cena teatralbaiana, mesmo quan<strong>do</strong> sinalizam lacunas, fissuras ou<strong>de</strong>svios – a seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver. Um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver - seria aexpressão correta - pois o exercício da crítica não sacralizanem extermina um espetáculo, ainda que possa trazerincômo<strong>do</strong>s ou entusiasmo. E é <strong>de</strong>sta relação amor-ódioque nós, artistas, vimos construin<strong>do</strong> um caminho tortuoso,mas absolutamente necessário, entre quem faz equem “lê” o que se faz. A indiferença é o pior <strong>do</strong>s males.Kátia Regina Mace<strong>do</strong> Borges, 44, jornalista, formada pela Faculda<strong>de</strong><strong>de</strong> Comunicação da UFBA, mestre em letras, pelo Instituto <strong>de</strong> Letrasda UFBA, editora da Revista Muito <strong>do</strong> jornal A Tar<strong>de</strong>, professora <strong>do</strong>curso <strong>de</strong> jornalismo da Unime Paralela, autora <strong>do</strong>s livros De Volta àCaixa <strong>de</strong> Abelhas, Uma balada para Janis, Ticket Zen, <strong>de</strong> poesia, EscorpiãoAmarelo, <strong>de</strong> contos, com poemas nas antologias Sete Cantares<strong>de</strong> Amigos, Concerto Lírico, Roteiro da Poesia Brasileira 2000, Travessiaentre Oceanos, lança<strong>do</strong> no Canadá em edição bilíngue.Des<strong>de</strong> os primeiros escritos, acompanhei a veloz transformação<strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>, que veio <strong>do</strong> jornalismoe <strong>de</strong> <strong>uma</strong> meteórica experiência como ator na década <strong>de</strong>70. Ele sempre nos brin<strong>do</strong>u com reflexões além da cena;ou seja, sem <strong>de</strong>sprezar o enfoque estético, agasalhavaconexões literárias, filosóficas e artísticas para tornar maisamplo o seu pensamento. Com isso, retirava a obra emanálise <strong>do</strong> vagão passageiro <strong>do</strong> tempo para guindá-la à30 31


proximida<strong>de</strong> <strong>do</strong> eterno. O escrito fica; as palavras ditas porum ator e as imagens <strong>do</strong> palco se esf<strong>uma</strong>çam no presente;só a memória <strong>de</strong> quem viu e ouviu é que as retém. Tu<strong>do</strong>o mais são evocações, lembranças, “matéria <strong>de</strong> sonhos”.Lembro que, na análise <strong>de</strong> um espetáculo <strong>de</strong> Beckett(Só), que dirigi em 2002, Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brou a crítica apartir <strong>do</strong> trecho <strong>de</strong> um poema <strong>de</strong> T. S. Eliot: Para que tu<strong>do</strong>se ilumine/ tal divina escuridão. Só por isso, para mim, játeria vali<strong>do</strong> a pena. Mas não se pense que o crítico baianose tenha notabiliza<strong>do</strong> e construí<strong>do</strong> <strong>uma</strong> sólida carreira<strong>de</strong> respeitabilida<strong>de</strong> junto à classe teatral porque tecialoas e graças. Ao contrário , quan<strong>do</strong> tinha <strong>de</strong> fustigar, eleo fazia. Eu mesmo fui estoca<strong>do</strong> por sua pena; mas com ocuida<strong>do</strong> e a pertinência que lhe eram caros. E, em váriasocasiões, ele assistia mais <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vez aos espetáculos,antes <strong>de</strong> publicar algo. Rarida<strong>de</strong>.Vejo o lançamento <strong>de</strong>sta coletânea como um resgate mais<strong>do</strong> que necessário; algo que pô<strong>de</strong> ser viabiliza<strong>do</strong> pelasmãos <strong>de</strong> quem enten<strong>de</strong> a relação jornalismo e teatro, NadjaMiranda. Uma iniciativa que se junta a outras publicaçõessimilares no Brasil – as críticas reunidas <strong>de</strong> Yan Michalski,Macksen Luiz, Nelson <strong>de</strong> Sá, para citar algum exemplos - enos ajuda a rastrear o tão empobreci<strong>do</strong> registro <strong>de</strong> nossaarte, como guias da cultura <strong>de</strong> nossos tempos. Mais <strong>do</strong>que isso, é <strong>uma</strong> vitória <strong>do</strong> teatro, que, em iniciativas comoesta, dá <strong>uma</strong> rasteira no efêmero e nos lança no teci<strong>do</strong>vivo da memória, pelas lentes <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> - aquele quesempre soube aliar conhecimento, sensibilida<strong>de</strong> e percepçãopara dar mais gran<strong>de</strong>za à cena baiana.Luiz Marfuz Diretor teatral, jornalista, <strong>do</strong>utor em Artes Cênicas emestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas, bacharel emAdministração e professor-adjunto da Escola <strong>de</strong> Teatro da UFBA. DirigiuA última sessão <strong>de</strong> teatro e Meu nome é mentira (<strong>de</strong> sua autoria)Policarpo Quaresma (Lima Barreto), Comédia <strong>do</strong> fim (Beckett), OCasamento <strong>do</strong> pequeno burguês (Bertolt Brecht) e Cuida bem <strong>de</strong> mim(coautor Filinto Coelho). Coor<strong>de</strong>na o Grupo <strong>de</strong> Pesquisa em Atuaçãoe Encenação - PÉ NA CENA, filia<strong>do</strong> ao CNPq.32 33


Um sonho <strong>de</strong> muitos anos...ou um árduo passe <strong>de</strong> mágicaMarcus GusmãoClo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> me convi<strong>do</strong>u para assistir à peça a Mulher <strong>de</strong>Roxo. Noite <strong>de</strong> lua cheia, último dia <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2012.No caminho, mais <strong>uma</strong> vez e mais <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vez ele falou<strong>de</strong>ste livro. Nos últimos anos, nas poucas vezes em queo encontrei, ele falou <strong>uma</strong>, duas, três, muitas e muitasvezes sobre o livro. E eis que o bendito livro se materializacomo que por encanto. Mágica? Talvez sim.Conheci Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> na revisão <strong>do</strong> jornal A Tar<strong>de</strong>, em janeiro<strong>de</strong> 1986. Naquele tempo os jornais mantinham <strong>uma</strong>equipe <strong>de</strong> duas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> jornalistas que sentavam emdupla para ler e conferir a digitação da passagem <strong>do</strong> textoda redação para o jornal impresso. Nas vezes em quefazia dupla com Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> eu me impressionava não sócom sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enxergar erros <strong>de</strong> digitação comotambém <strong>de</strong> ajeitar os textos que vinham meio tortos daredação. E me impressionava também a sua memória efacilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever.Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> passou a colaborar com a redação e em cadatexto que fazia não só <strong>de</strong>monstrava intimida<strong>de</strong> com o35


que via como também colocava ali seu conhecimento <strong>de</strong>tu<strong>do</strong> um pouco, característica necessária para um jornalistada área cultural. Sempre viajou no que fez e talvezseja esta a sua principal qualida<strong>de</strong>. Jamais foi superficial.E sempre produziu muito, e intensamente.Este livro é a realização <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>, algo comque ele sonha há anos. Mas para além da realizaçãopessoal <strong>de</strong> reunir a produção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> pessoa, o livro é um<strong>do</strong>cumento importante num cenário <strong>de</strong> poucos registros<strong>do</strong> que aconteceu num passa<strong>do</strong> muito recente. Muitasvezes o que fica <strong>de</strong> <strong>uma</strong> peça é apenas um cartaz e umprograma, perdi<strong>do</strong>s nos <strong>do</strong>cumentos pessoais <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s.Nada mais justo e útil para a memória <strong>do</strong> teatrobaiano <strong>do</strong> que estes textos aqui reuni<strong>do</strong>s.Há uns três anos chegou a começar a pesquisa para estelivro, mas as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> um transtornobipolar, que o levou a diversas crises e internamentos,tornou a tarefa quase impossível. Do curto convívioprofissional e da amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>ste nosso convívio,aprendi muitas coisas, enxerguei outras com <strong>uma</strong>perspectiva menos convencional. Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> é assim,como este livro, meio mágico.Não gosto <strong>de</strong> fazer apologia ao transtorno mental. É muitosofrimento. Mas eu me sinto muito a vonta<strong>de</strong>, como transtorna<strong>do</strong>também que sou, em dizer que um pouco <strong>de</strong> <strong>de</strong>salinhonesta vida sempre foi necessário. Recebi a incumbência<strong>de</strong> escrever estas palavras como amigo <strong>de</strong> Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong>,o que me <strong>de</strong>ixou bastante feliz e nem sei se mereço esteprivilégio. Se movi alg<strong>uma</strong> palha por este livro, foi a palha<strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> que ele se concretizasse. Deu tu<strong>do</strong> certo.Marcus Gusmão é jornalista pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, comMBA em Marketing pela FGV, e servi<strong>do</strong>r público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia.36 37


Anos 80“O momento privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho, contu<strong>do</strong>, é o estranhamentelírico Fan<strong>do</strong> e Lis, um fascínio intenso, que nos seduz pela purezacom que os <strong>do</strong>is personagens centrais vivem <strong>uma</strong> relação <strong>de</strong> senhor/ escravo, com Lis (paralítica) sob o jugo <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Fan<strong>do</strong>, como seapanha<strong>do</strong>s por <strong>uma</strong> louca dialética <strong>de</strong> emoções, que os ultrapassa,geran<strong>do</strong> <strong>uma</strong> simbiose <strong>de</strong> amor / ódio (“Quem é incapaz <strong>de</strong> odiar, éincapaz <strong>de</strong> amar”, dizia Nietzsche).”


A inocente cruelda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Fernan<strong>do</strong> Arrabal1988Um Arrabal acossa<strong>do</strong> pelas lembranças da infância, dividi<strong>do</strong>entre o escárnio e a culpa, à sombra <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mãe para<strong>do</strong>xalmenterepressiva e apaixonante, signo da Espanha franquista,é o que expõe o diretor Luiz Marfuz em Sim (resulta<strong>do</strong><strong>do</strong> III Curso Livre <strong>de</strong> Teatro da UFBA), em cartaz no TeatroSanto Antônio, às 21h15min até o dia 7 <strong>de</strong> fevereiro.Sim é um espetáculo singularmente bem-sucedi<strong>do</strong>, emque o riso resgata a dilaceração <strong>de</strong> um autor que, através<strong>de</strong> seus textos, vomita to<strong>do</strong>s os seus <strong>de</strong>lírios, bem próximo<strong>do</strong> que Artaud chamou <strong>de</strong> teatro da cruelda<strong>de</strong>, emque a malda<strong>de</strong> confun<strong>de</strong>-se com o seu avesso, a inocência.Através <strong>de</strong> trechos <strong>do</strong>s textos arrabalianos, que interseccionama própria vida <strong>do</strong> autor, relatada na novelaautobiográfica Baal Babilônia, Luiz Marfuz reconstruiuum universo multifaceta<strong>do</strong>, on<strong>de</strong> as cenas mais <strong>de</strong>nsas— como as referentes ao plano da memória, e as peçasOs Dois Carrascos e O Arquiteto e o Impera<strong>do</strong>r da Assíria— se contrapõem às mais leves, em que utiliza o figurinocolori<strong>do</strong>— a exemplo <strong>de</strong> Pic-Nic no Front e Os Amores41


Impossíveis (que arrancam gargalhadas da plateia, bemcomo A Torre <strong>de</strong> Babel).O momento privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho, contu<strong>do</strong>, é o estranhamentelírico Fan<strong>do</strong> e Lis, <strong>de</strong> um fascínio intenso, que nosseduz pela pureza com que os <strong>do</strong>is personagens centraisvivem <strong>uma</strong> relação <strong>de</strong> senhor/ escravo, com Lis (paralítica)sob o jugo <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Fan<strong>do</strong>, como se apanha<strong>do</strong>spor <strong>uma</strong> louca dialética <strong>de</strong> emoções, que os ultrapassa,geran<strong>do</strong> <strong>uma</strong> simbiose <strong>de</strong> amor/ódio (“Quem é incapaz <strong>de</strong>odiar, é incapaz <strong>de</strong> amar”, dizia Nietzsche). O quadro temainda o mérito <strong>de</strong> nos trazer <strong>uma</strong> luminosa Nadja Turenko,sentimentos e perplexida<strong>de</strong> à flor <strong>do</strong> rosto, transparentesna voz e expressões faciais, certamente, a melhor figuraem cena. Iwan Espinheira, por outro la<strong>do</strong>, faz um Fan<strong>do</strong>ingênuo em sua perversida<strong>de</strong>, como se fosse apenas uminstrumento da tirania que o possui.Outros <strong>de</strong>staques no nível da interpretação são GeorgeMascarenhas (Arrabal Menino) e Vivianne Laert (CarmemRuiz, sua mãe), ele perfeito em seu espanto <strong>de</strong> criançae ela, dual e envolta em mistério. Vale salientar queas cenas <strong>do</strong> Plano da Memória são todas convincentes,em seu sombrio encanto. Também se saem bem AndréaFreitas (Mitaro/Tia Clara). Tom Carneiro (Pai/Impera<strong>do</strong>r),Walter Stanford (Pan/Menino Sim) e Cláudio Simões(Menino Não). Ressalte-se ainda a empatia histriônica <strong>de</strong>Jeanne Passos (Princesa) com a plateia.Ponto positivo também para o figurino inspira<strong>do</strong> <strong>de</strong> FilintoCoelho, que se baseou nas cores da ban<strong>de</strong>ira da Espanha(pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> da peça), utilizan<strong>do</strong> o preto (plano da memória),vermelho (para Pan) e o amarelo e suas variações paraa maioria <strong>do</strong>s personagens <strong>do</strong> trabalho Luiz Marfuz soube,sem dúvida, reconstituir o universo <strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Arrabal,num espetáculo que nos pega pela força das imagens, quesintonizam <strong>de</strong> imediato com o nosso inconsciente. Apenasa lamentar que alguns atores — talvez um terço <strong>do</strong> elenco —tenha <strong>uma</strong> interpretação sofrível, o que é natural num trabalhoque reúne 25 integrantes. Também alguns quadros,como “Torre <strong>de</strong> Babel” e “Amores Impossíveis”, exagerammuito no cômico e no grotesco, <strong>de</strong>svian<strong>do</strong>-nos um pouco dalinha central <strong>do</strong> trabalho.42 43


Amor e morte num rito <strong>de</strong>passagem1988O mergulho na alma atormentada <strong>de</strong> <strong>uma</strong> a<strong>do</strong>lescente,dividida entre a preservação da pureza e os apelos <strong>de</strong>sua sensualida<strong>de</strong>, que aflora totalmente num romancecom um homem casa<strong>do</strong>, é o eixo da peça Valsa Nº 6, <strong>de</strong>Nelson Rodrigues, em cartaz na Sala <strong>do</strong> Coro <strong>do</strong> TeatroCastro Alves, ás 21h15min, sob a direção <strong>de</strong> Paulo Cunha.É um monólogo interpreta<strong>do</strong> por Nadja Turenko, em quemais <strong>uma</strong> vez comparecem as obsessões <strong>de</strong> Nelson osexo como um elemento <strong>de</strong>sagrega<strong>do</strong>r — e impuro —, airresistível atração <strong>do</strong>s instintos que contaminariam <strong>uma</strong>pureza essencial, a tendência à loucura, a dilaceraçãoentre impulsos opostos, a crítica implícita às convençõessociais (esse la<strong>do</strong>, talvez, como um da<strong>do</strong> vela<strong>do</strong> — ou até– o inconsciente — em sua obra, que, parecen<strong>do</strong> compartilhar<strong>do</strong>s valores estabeleci<strong>do</strong>s, na verda<strong>de</strong> dinamita-os,ao expor <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> explosivo as contradições <strong>do</strong> sistema).Lá estão os seus mitos mais caros o beijo (como um tipo<strong>de</strong> passagem, da menina a mulher, a tara — através <strong>do</strong>personagem Dr. Junqueira), a transgressão, seu fetichis-mo (os sapatos), a simbiose — amor e morte, a <strong>de</strong>pendência<strong>do</strong> julgamento <strong>do</strong>s outros. Só que, nesse monólogo,em vez <strong>do</strong> grotesco com o qual mais se associou Nelson,temos um lirismo exacerba<strong>do</strong>, presente na linguagemcom que se expressa a personagem envolta em culpas,fantasias e <strong>de</strong>lírios, a procura <strong>de</strong> reconstituir um eu fragmenta<strong>do</strong>.A peça funciona como <strong>uma</strong> obra aberta em quesão possíveis várias interpretações e até a morte po<strong>de</strong>ser vista como metáfora.O diretor Paulo Cunha diz que essa e apenas a segundadas peças <strong>de</strong> Nelson que ele monta. Quer levar muitasoutras ao palco, admitin<strong>do</strong> sua total fascinação pelo autor.Para ele, um monólogo só funciona quan<strong>do</strong> se conseguecriar <strong>uma</strong> estrutura no texto que permita fugir da situação<strong>de</strong> estar falan<strong>do</strong> sozinho, já que isso não é realista —ninguém anda falan<strong>do</strong> sozinho (e estamos acost<strong>uma</strong><strong>do</strong>scom o realismo principalmente via televisão).No caso <strong>de</strong> Valsa N. 6 esse objetivo seria atingi<strong>do</strong>, já quea personagem em cena se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bra em várias outraspessoas ao ir lembran<strong>do</strong> <strong>do</strong>s fatos que viveu, revelan<strong>do</strong>,inclusive seus choques com os que a cercam. Osoutros aí chegam a se confundir com a plateia (os olhos<strong>do</strong>s outros) e se tornam os interlocutores imaginários daa<strong>do</strong>lescente.44 45


Para o diretor, o conflito básico da obra <strong>de</strong> Nelson — emtodas as suas peças — é a dicotomia corpo X espírito.Mesmo enxergan<strong>do</strong> os aspectos <strong>de</strong> <strong>de</strong>nuncia social noautor, Paulo prefere se <strong>de</strong>ter no drama individual <strong>do</strong>sseus personagens, sen<strong>do</strong> que nesse texto o lirismotransborda mais.A música <strong>de</strong>nominada como Valsa N.6 é, na verda<strong>de</strong>, oOpus 64 <strong>de</strong> Chopin, também conhecida como Valsa <strong>do</strong>Minuto, composta entre l846 e l847. Cunha <strong>de</strong>scobriu queChopin ao criá-la, pensou num cachorro tentan<strong>do</strong> mor<strong>de</strong>ro próprio rabo, o que lhe daria <strong>uma</strong> certa circularida<strong>de</strong>.Um da<strong>do</strong> cabalístico que o diretor aponta é que essa éjustamente a sexta peça <strong>de</strong> Nelson (não sabe se o nomefoi por isso intencional). O N.6 na cabala reflete a figurada besta <strong>do</strong> Apocalipse que, em ultima instância, seria ohomem. Cunha acha a coincidência significativa, já quea personagem <strong>do</strong> texto — como as outras <strong>do</strong> autor — se<strong>de</strong>bate entre os instintos (a bestialida<strong>de</strong>, na visão <strong>de</strong>Nelson) e o seu la<strong>do</strong> espiritual.A circularida<strong>de</strong> da própria musica encontra <strong>uma</strong> correspondênciano texto — alguém sempre a procura <strong>de</strong> si ea montagem <strong>de</strong> Cunha procura acentuar esse aspecto.Para Nadja Turenko, que se <strong>de</strong>fronta com seu persona-gem mais difícil até agora (é muito jovem), a inquietaçãoé que move a a<strong>do</strong>lescente que interpreta, trabalhan<strong>do</strong>com os mitos, os símbolos, “os olhos <strong>do</strong>s outros”.Embora o texto fale <strong>de</strong> morte, o diretor resolveu ressaltarmais a luta pela vida que transparece em suas entrelinhas.Para isso, foi contagia<strong>do</strong> pela vitalida<strong>de</strong> da atriz, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>a montagem se impregnar da ótica com a qual Nadjavivenciou o texto. “É um trabalho que se encaixa bem como momento que estou viven<strong>do</strong>”, diz a atriz. Ela acha que avisão que se tem <strong>de</strong>ssa personagem só se faz <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong>parcial, ela vista pelos outros ou como ela mesma se vê, àsvezes <strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma exterior, “Nessa peça, o que importanão são as verda<strong>de</strong>s, mas as perguntas”, afirma,Nadja iniciou sua carreira em Édipo Rei, na versão <strong>de</strong>Márcio Meirelles, há três ou quatro anos. Depois, surpreen<strong>de</strong>uem Álbum <strong>de</strong> Família, dirigida por Fernan<strong>do</strong> Guerreiro.Participou <strong>de</strong> Atravancan<strong>do</strong> a Cena em Concerto e Gregório<strong>de</strong> Mattos <strong>de</strong> Guerras, por Márcio novamente. Seguiram-seDoroteia (<strong>uma</strong> participação especial), com Paulo Cunha eSim, direção <strong>de</strong> Luiz Marfuz, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>monstrou ser <strong>uma</strong>atriz preparada para voos mais amplos.Ao se <strong>de</strong>frontar com o monólogo, <strong>de</strong>sta vez, o seu maior<strong>de</strong>safio, diz que há a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> não ter um interlocutor46 47


— que às vezes, ajuda em cena — mas que este tambémpo<strong>de</strong> atrapalhar. Resulta<strong>do</strong>: Um monólogo não é mais difícil,nem mais fácil! Apenas diferente. Valsa N. 6 tem <strong>uma</strong>participação especial <strong>de</strong> Elisa Men<strong>de</strong>s.A peça fica em cartaz durante um mês (até 17 <strong>de</strong> julho),<strong>de</strong> quarta a <strong>do</strong>mingo As quartas e quintas-feiras, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>crise, o ingresso custa Cz$350,00, As sextas, sába<strong>do</strong>s e<strong>do</strong>mingos, Cz$500,00. To<strong>do</strong>s os dias, antes da apresentação,po<strong>de</strong>-se ver, <strong>uma</strong> retrospectiva <strong>do</strong>s cinco anos <strong>do</strong>grupo Artes e Manhas, responsável pela montagem e <strong>uma</strong>exposição i<strong>de</strong>alizada pela artista plástica Stela Tavares.Po<strong>de</strong>m ser vistos, inclusive, os espetáculos Dorotéia emví<strong>de</strong>o e trechos <strong>de</strong> Cabaré Brasil, outra produção <strong>do</strong> grupo.Riqueza Sígnica1989Ainda sob o impacto da riqueza sígnica <strong>do</strong> espetáculoO Cego — texto <strong>de</strong> Gustavo Ezequiel Elkins e direção <strong>de</strong>Paulo Doura<strong>do</strong> — precisaria <strong>de</strong> mais tempo para aprofundarum comentário critico. A primeira sensação <strong>de</strong>spertadapela peça é <strong>de</strong> <strong>uma</strong> forte perturbação gerada pelaproliferação <strong>de</strong> elementos semiológicos psicanalíticosmetamateriais conti<strong>do</strong>s no texto — repleto, ainda, <strong>de</strong>referências mitológicas — e o <strong>de</strong>snudamento da montagem,<strong>de</strong>nsa e esquálida (<strong>uma</strong> marca <strong>do</strong> diretor Doura<strong>do</strong>),on<strong>de</strong> o choque sensorial <strong>de</strong>corre da profusão, niti<strong>de</strong>z eenxugamento das imagens, carregadas <strong>de</strong> forte significaçãoemocional. O emocional enxuga<strong>do</strong> e sintetiza<strong>do</strong>por <strong>uma</strong> linha <strong>de</strong> espetáculo em que se privilegia <strong>uma</strong>certa contenção e assepsia já se vislumbra e se inauguraao nos colocarmos ante o cenário, seco e seminu: <strong>uma</strong>imensa e vertical mancha vermelha <strong>de</strong> sangue na pare<strong>de</strong>(<strong>uma</strong> alusão à ferida narcísica?) e, ao centro, um gran<strong>de</strong>espelho <strong>de</strong> moldura <strong>do</strong>urada. Alguns objetos esparsosna boca <strong>de</strong> cena, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam um objeto fálico ealguns manequins sem vida ao la<strong>do</strong>, símbolos <strong>do</strong> inconscienteque se manifesta, na peça, em sua leitura transgressora<strong>do</strong> Édipo.48 49


Mas é na linha <strong>de</strong> interpretação <strong>do</strong>s atores que mais sematerializa e evi<strong>de</strong>ncia a dicotomia — ou melhor dizen<strong>do</strong>,a dialética — entre o visceral da carga emocional <strong>do</strong>satores (conteú<strong>do</strong>) e a racionalida<strong>de</strong> clinica que imprimemaos personagens (forma), num confronto saudávele lúdico da emoção versus razão, <strong>de</strong>senha<strong>do</strong> emmarcas absolutamente insólitas (e inusitadas), em queos atores expõem, ébrios, suas <strong>do</strong>res e paixões, vomitan<strong>do</strong>e <strong>de</strong>scabelan<strong>do</strong>-se em cena, tu<strong>do</strong> perpassa<strong>do</strong> porum humor ferino e anti-autocomplacente. O resulta<strong>do</strong> é osentimento <strong>de</strong> estranheza, tão necessário à obra <strong>de</strong> artee a um teatro que não se quer acomoda<strong>do</strong>, mas preten<strong>de</strong>instigar e incomodar. O humor, por exemplo, enfatiza<strong>do</strong>nas cenas em que Iami Rebouças contracena com WilsonMello Thoas (da primeira vez), no célebre monologo <strong>de</strong>Hamlet — acentua<strong>do</strong> pela interpretação escrachada <strong>de</strong>Ricar<strong>do</strong> Bittencourt, que consegue ser satírica e exacerbada,sem cair no ridículo —, na leitura <strong>de</strong> Cyria Coentroda loucura <strong>de</strong> Ofélia, e principalmente no texto em queabre o espetáculo e na cena que o encerra, entre Hosmer(Wilson) e Ifigênia (Iami) — espécie <strong>de</strong> catarse ao concretizaro incesto (como em quadros anteriores), <strong>de</strong>sejo,inconsciente e reprimi<strong>do</strong> que açoita a espécie h<strong>uma</strong>na,tabu que instaura a civilização. Violan<strong>do</strong> e buscan<strong>do</strong>um lugar para o <strong>de</strong>sejo transgressor, a montagem chegamais perto <strong>do</strong> prazer ao explorar o humor — implícito e ouexplicito — <strong>do</strong> texto, em contraponto ao <strong>de</strong>spojamentodas imagens, sublinhadas pela feliz eficácia da músicainci<strong>de</strong>ntal, iluminação, maquiagem e (quase sempre) <strong>do</strong>figurino — que propositalmente opõe elementos dísparescom efeito ora irônico, ora lírico, pela limitação <strong>de</strong> espaçoe necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> outra visita ao espetáculo paramelhor assimilação <strong>do</strong> texto, esse esboço <strong>de</strong> análise nãose exaure aqui. Voltaremos a falar sobre O Cego, procuran<strong>do</strong>,sobretu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>talhar melhor a atuação <strong>do</strong> elenco.50 51


Anos 90“Aninha percorre a história <strong>de</strong> nosso esta<strong>do</strong> — “<strong>uma</strong> história <strong>de</strong>colonizações” —, in<strong>do</strong> <strong>do</strong>s índios janduins em reividincações aosportugueses até o atual cenário <strong>de</strong>sola<strong>do</strong>r da nossa Bahia pós-Fernan<strong>do</strong> José (o texto tem apenas <strong>do</strong>is meses), ou seja, a Bahialixo.A tristeza confun<strong>de</strong>-se com o riso (um riso com sabor amargo).”


Esperto mergulho n<strong>uma</strong>baianida<strong>de</strong>1990O impacto <strong>de</strong> Dendê e Dengo começa pelo cenário.Quem entra no Teatro Gregório <strong>de</strong> Mattos, parte superior,simplesmente leva um choque: com poucos elementos,Gilson Rodrigues – n<strong>uma</strong> bem vinda volta aos palcos baianos– conseguiu transformar o espaço, tornan<strong>do</strong>-o maisamplo e crian<strong>do</strong> um mun<strong>do</strong> pessoal, on<strong>de</strong> as atrizes RitaAssemany e Iami Rebouças, com entrega, oferecem-nos oinstigante texto <strong>de</strong> Aninha Franco, que, ao mesmo temposimples e anticonvencional, consegue-nos transmitir <strong>uma</strong>sincera, perplexa e <strong>de</strong>s<strong>encantada</strong> visão da Bahia.Aninha percorre a história <strong>de</strong> nosso esta<strong>do</strong> – “<strong>uma</strong> história<strong>de</strong> colonizações” -, in<strong>do</strong> <strong>do</strong>s índios Janduins em reividincaçõesaos portugueses até o atual cenário <strong>de</strong>sola<strong>do</strong>rda nossa Bahia pós-Fernan<strong>do</strong> José (o texto tem apenas<strong>do</strong>is meses), ou seja, a Bahia-lixo. A tristeza confun<strong>de</strong>-secom o riso (um riso com sabor amargo). Estão ali estampadasa nossa alegria <strong>de</strong> viver em tão bela e folclóricacida<strong>de</strong> e nossa confusa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural: das expressõesem inglês, mescladas ao linguajar tupi <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s55


magazines <strong>do</strong>s shoppings ao Bar <strong>do</strong> Reggae (no Pelô). Aspequenas alegrias das vitórias <strong>do</strong> Bahêea, grã-finagem,mendigos e Curuzu.O mérito <strong>do</strong> texto está justamente na sua aparente antiteatralida<strong>de</strong>,que permite um mergulho meio linguístico--antropológico, sem ares <strong>de</strong> erudição (a simplicida<strong>de</strong>,repito, é <strong>uma</strong> <strong>de</strong> suas virtu<strong>de</strong>s), que Carmem Paternostro– como Paulo Doura<strong>do</strong>, antes, em Os Setes Peca<strong>do</strong>s Capitais,outro texto <strong>de</strong> Ana Maria Pedreira Franco – soubecaptar. A riqueza semiótica latente <strong>do</strong> texto <strong>de</strong> Aninha foitransfigurada por Carmem em riqueza visual <strong>de</strong> signos.Até as cores da Bahia estão ali, embora sobre um fun<strong>do</strong>negro <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo. Os figurinos – também <strong>de</strong> Gilson- são bem resolvi<strong>do</strong>s, e a iluminação é eficiente. O cenárioé, sem dúvida, o mais atraente concebi<strong>do</strong> nos últimostempos nos palcos baianos, com atrizes <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong>-se eaproveitan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o espaço <strong>do</strong> palco (o espaço aberto aofun<strong>do</strong> <strong>do</strong> cenário, com <strong>uma</strong> visão da Bahia real e algunsedifícios, é um acha<strong>do</strong>).Iami Rebouças prova mais <strong>uma</strong> vez que é <strong>uma</strong> <strong>de</strong> nossasatrizes mais orgânicas e viscerais, talhada tanto para ohumor como para o drama. Apenas um momento, <strong>de</strong>ntretantos que se po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>stacar: a que ela vive um mendigotorce<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Bahêea. Rita Assemany é a presença magné-tica <strong>de</strong> sempre, <strong>de</strong> amplos e requinta<strong>do</strong>s recursos, quemostra, neste espetáculo, que também po<strong>de</strong> até cantar.(A cena da cantora <strong>do</strong> Bar <strong>do</strong> Reggae é ótima). Corpo ealma, as duas atrizes ofertam-se ao ritual <strong>do</strong> teatro,enquanto Carmem faz jus ao título que Aninha lhe credita<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira metteur-em-scène. Dendê e Dengo tem,sobretu<strong>do</strong>, o mérito <strong>de</strong> propor um mergulho na baianida<strong>de</strong>,n<strong>uma</strong> linguagem autóctone, que busca a nossa tãofragmentada i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural. Integran<strong>do</strong> o espetáculoos belos versos <strong>de</strong> Aninha, musica<strong>do</strong>s num fa<strong>do</strong> porRicar<strong>do</strong> Luedy e Cida Lobo, que <strong>de</strong>ixa mais <strong>do</strong> que claropor que é <strong>uma</strong> das cantoras mais lindas surgidas nestasplagas, embora vinda da Paraíba. Luso-afro-tupiniquim--japonês (“Deixa eu ser sua gueixa-nagô”), convincentee cuida<strong>do</strong>so nos mínimos <strong>de</strong>talhes, Dendê e Dengo é ummomento privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong> tão precário – neste instante –teatro baiano. E que o ex-crítico teatral Luiz Portugal, nãopejorativamente, chamou <strong>de</strong> “Milk-shake <strong>de</strong> <strong>de</strong>ndê, feitocom muito <strong>de</strong>ngo”. Tu<strong>do</strong> a ver com nossa inquietante e lúdico,que <strong>de</strong>ve ser visto – e refleti<strong>do</strong> – por to<strong>do</strong>s, os mora<strong>do</strong>resda Bahia, e os aventureiros que <strong>de</strong>la lançam mão.56 57


A surpreen<strong>de</strong>nte Bró<strong>de</strong>r1993Bons atores, <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, afetivida<strong>de</strong> e <strong>uma</strong> surpreen<strong>de</strong>ntementemadura direção são os aspectos essenciais da<strong>de</strong>liciosa Bró<strong>de</strong>r.A magia que emana <strong>de</strong> Bró<strong>de</strong>r ganha aos poucos o especta<strong>do</strong>re termina por envolvê-lo completamente. Um ótimoacha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Los Catedrásticos, que, <strong>de</strong> leve, <strong>de</strong>licadamente,põe em cena a solidão infantil - através <strong>do</strong> relacionamento(i<strong>de</strong>ntificável no cotidiano <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s nós) entremãe e filha -, a evolução <strong>do</strong> homem (contada <strong>de</strong>spretensiosamente),e arquétipos que povoam nossa imaginaçãocontemporânea. A leveza e o afetivo que transbordam<strong>do</strong> espetáculo contribuem em muito para o encantoque eles nos <strong>de</strong>ixa como sal<strong>do</strong>.Os textos – quase sempre – são felizes em sua exatidãoe rapi<strong>de</strong>z, a direção <strong>de</strong> Meran Vargens é surpreen<strong>de</strong>ntepara <strong>uma</strong> estreante e o elenco concorre bastante parao resulta<strong>do</strong> final. A <strong>de</strong>stacar, sobretu<strong>do</strong>, Maria Menezes,perfeita na criação <strong>de</strong> um cachorrinho (ela diz terse inspira<strong>do</strong> em <strong>de</strong>senhos anima<strong>do</strong>s) e em vários outrosmomentos da peça. Ela reafirma, aqui, sua condição <strong>de</strong>mais grata revelação <strong>de</strong> atriz baiana <strong>do</strong>s últimos tempos,um pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter surgi<strong>do</strong> Cyria Coentro.Sem caricaturaMeran consegue fazer <strong>uma</strong> criança (Sara) sem caricatura-la,e seu dinamismo e <strong>de</strong>senvoltura somam pontos.Substituin<strong>do</strong> os atores iniciais (Cyria Coentro e Ricar<strong>do</strong>Bittencourt), Aicha Marques e Gor<strong>do</strong> Neto não erram amão. Aicha – atriz que se vem firman<strong>do</strong> cada vez mais– convence como a mãe também solitária e atarefada.E Gor<strong>do</strong> confirma o talento já <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> em NoitesVadias, provocan<strong>do</strong> risos, principalmente, ao fazer <strong>uma</strong>mocinha casa<strong>do</strong>ira.Composições <strong>de</strong>scontraídas, música eficiente e figurinosa<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s – tu<strong>do</strong> contribui para a gran<strong>de</strong> surpresa que éBró<strong>de</strong>r. Adultos e crianças se encontram no que é mostra<strong>do</strong>no palco. Um único <strong>de</strong>slize é que, às vezes, os esquetesampliam o universo exposto excessivamente, <strong>de</strong>forma que a história se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> um pouco mais <strong>do</strong> queera <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu eixo central (a menina que quer criarum irmãozinho via computa<strong>do</strong>r), mas, como a pretensãoé mostrar um painel da evolução da h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>, dá,com boa vonta<strong>de</strong>, para encaixa-los na i<strong>de</strong>ia geral. Masnada ofusca o brilho <strong>de</strong>ssa verda<strong>de</strong>ira prova <strong>de</strong> fôlego e60 61


criativida<strong>de</strong> que é Bró<strong>de</strong>r. No final, a sensação, para oespecta<strong>do</strong>r, é <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>: to<strong>do</strong>s saem <strong>de</strong> alma lavada.Trajetória <strong>de</strong> sucessoDes<strong>de</strong> que estreou há mais <strong>de</strong> um ano, Bró<strong>de</strong>r obteve<strong>uma</strong> boa recepção tanto junto ao público como juntoà crítica. Segun<strong>do</strong> Meran Vargens – que assina o textofinal, além da direção da peça -, Bró<strong>de</strong>r foi <strong>uma</strong> criação<strong>de</strong> cinco pessoas, em sala <strong>de</strong> ensaios: o núcleo <strong>de</strong> LosCatedrásticos – a própria Meran, Ricar<strong>do</strong> Bittencourt,Maria Menezes, Cyria Coentro - além <strong>de</strong> Solange Miguel.O texto foi sugeri<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> blocos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias (<strong>de</strong> início,só sabiam que seria <strong>uma</strong> peça infantil).“Um queria falar da evolução <strong>do</strong> homem (a eternapergunta: <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vim, para on<strong>de</strong> estou in<strong>do</strong>?); outros darelação mãe e filha, solidão infantil, amor. Outros sobreo cria<strong>do</strong>r e a criatura, a criação. Solange, sobre o sistema<strong>de</strong> trocas, como um supria a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> outro.Queríamos, acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, um espetáculo extremamenteafetivo, amoroso, e isso acho que conseguimos”.Evoluçãofio condutor: a história <strong>de</strong> Sara, que quer fazer um irmãozinhono computa<strong>do</strong>r (antes, só havia a i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> cria<strong>do</strong>r eda criatura). Agora, eles dão um sal<strong>do</strong> positivo a Bró<strong>de</strong>r:“A gente <strong>de</strong>scobre como um espetáculo amadurece. Nãoestaciona nunca. O espetáculo nasceu bruto. Só <strong>de</strong>poisda estreia é que a gente <strong>de</strong>scobriu o que tinha feito”,constata Meran.E <strong>de</strong>tectam no espetáculo a filosofia <strong>de</strong> Los Catedrásticos:o importante é o espetáculo estar vivo. A própriaMeran foi substituída por Lívia Kaufman – quan<strong>do</strong> a peçase apresentou em escolas públicas – e todas as substituiçõesfeitas até agora se revelaram enriquece<strong>do</strong>ras.“Quan<strong>do</strong> entra alguém, cria-se <strong>uma</strong> leitura nova <strong>do</strong> quea gente fez. E o espetáculo não mu<strong>do</strong>u na sua essência -nenh<strong>uma</strong> cena foi cortada”, afirmou Meran. Quan<strong>do</strong> tiveram<strong>de</strong> substituir Cyria Coentro, pensaram logo em AichaMarques (que trabalhava em O Homem Nu <strong>de</strong>, com HebeAlves). Para substituir Ricar<strong>do</strong> Bittencourt, pensaram,inicialmente, em George Mascarenhas (da CIT), mas eletinha que viajar. Daí, o convite a Gor<strong>do</strong> Neto (que estreavatambém com Hebe, em Noites Vadias).Com um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias em mente, partiram para asimprovisações. A última cena que surgiu foi justamente o62 63


Tiro <strong>de</strong> festim1993Menos inspirada <strong>do</strong> que A Conspiração <strong>do</strong>s Alfaiates,Canu<strong>do</strong>s frustrou as expectativas <strong>de</strong> quem esperava <strong>uma</strong>montagem à altura da equipe que a assina.Talvez fosse a expectativa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> montagem tão bemresolvida como a <strong>de</strong> A Conspiração <strong>do</strong>s Alfaiates. Talvezas dificulda<strong>de</strong>s técnicas, como a da sonorização, o fatoé que a peça Canu<strong>do</strong>s — A Guerra <strong>do</strong> Sem Fim (com amesma equipe <strong>do</strong>s Alfaiates: texto <strong>de</strong> Aninha Franco eCleise Men<strong>de</strong>s e direção <strong>de</strong> Paulo Doura<strong>do</strong>) <strong>de</strong>cepcionoubastante. Na noite da estreia, na Concha Acústica, oresulta<strong>do</strong> que se viu no palco chegou a ser até um tantocaótico: era entediante tentar acompanhar o texto —construí<strong>do</strong> quase sempre através <strong>de</strong> <strong>uma</strong> narrativa pesada,mesmo com a quebra da linearida<strong>de</strong>, com poucossopros poéticos <strong>do</strong> estilo <strong>de</strong> Aninha e Cleise.A sensação <strong>de</strong> monotonia era agravada, principalmente,pelo recurso <strong>de</strong> play-back (alegam que era o único possível).Mesmo relativamente bem gravadas, as falas muitasvezes perdiam muito da emoção ao vivo, e ficava difícil<strong>de</strong>tectar, às vezes, qual ator as pronunciava. Muito texto e,paralelamente, muita ação, sem que ambos os elementosse coor<strong>de</strong>nassem perfeitamente. O excesso <strong>de</strong> movimentaçãono palco — com muita coisa acontecen<strong>do</strong> ao mesmotempo — era um tanto atropela<strong>do</strong> ou <strong>de</strong>sorganiza<strong>do</strong>. Oubem se olhava o que acontecia em cena ou se prestavaatenção ao texto, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>scompasso existente.Sem dúvida, Paulo Doura<strong>do</strong> não estava num <strong>do</strong>s seusmelhores momentos <strong>de</strong> inspiração (ele, que fez um Alfaiatestão claro e conciso). As coreografias <strong>de</strong> Eliana Pedrososão interessantes só em alguns momentos, sen<strong>do</strong> o efeitomelhor quan<strong>do</strong> visto o espetáculo mais a distância, maisao alto da Concha Acústica. A música <strong>de</strong> Cacau Celuque eTom Tavares — <strong>do</strong>is talentos — soa excessiva e ou redundante,sem brilho. A iluminação <strong>de</strong> Jorginho <strong>de</strong> Carvalho— um <strong>do</strong>s pontos altos <strong>do</strong> espetáculo — podia ser melhorexplorada, e os figurinos <strong>de</strong> Jota Cunha se saem melhorem relação às roupas <strong>do</strong>s penitentes (com um belo efeitoplástico), apesar da assepsia, e às <strong>do</strong>s canta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> feira— com um visual exuberante —, mas quanto aos trajes <strong>de</strong>época, que tem o mérito <strong>de</strong> contrastar com os <strong>do</strong>s penitentespelo vibrante colori<strong>do</strong>, escorregam para o mau gostoou a cafonice (proposital, num efeito <strong>de</strong> paródia?) e os <strong>do</strong>ssolda<strong>do</strong>s são quase feios.64 65


O espetáculo ganha em plasticida<strong>de</strong>, convém repetir,quan<strong>do</strong> visto <strong>de</strong> longe, mas sente-se <strong>uma</strong> falta <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>naçãomaior da direção, que aproveitou pouco o talentoindividual <strong>do</strong>s atores Carlos Petrovitch que já mostrouser excelente, não ren<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve Wilson Mello estáapaga<strong>do</strong>. Alguns atores se <strong>de</strong>stacam em papéis secundárioscom <strong>de</strong>staque para o cor<strong>de</strong>lista vivi<strong>do</strong>, com graçae agilida<strong>de</strong> por Ray Alves. Geral<strong>do</strong> Maia, <strong>de</strong> pouca experiência,consegue dar boas tonalida<strong>de</strong>s ao seu Eucli<strong>de</strong>s,com <strong>uma</strong> bela voz, se bem que n<strong>uma</strong> linha distanciada,pela qual a direção optou (Eucli<strong>de</strong>s é o principal narra<strong>do</strong>rFábio Lago se sobressai, mas super interpreta umpouco). Outra boa presença é a <strong>de</strong> Agnal<strong>do</strong> Lopes. Nofinal, após as batalhas, o espetáculo cresce em poesia<strong>de</strong> texto e resolução cênica. Talvez fosse o caso <strong>de</strong> aolongo da peça, se recorrer menos a colocar to<strong>do</strong>s os 43atores o tempo to<strong>do</strong> em cena. Mas, se a plateia captoualgo da história contada, pelo menos to<strong>do</strong> o esforço nãoterá si<strong>do</strong> em vão.Censura vergonhosa1993Um coquetel fechativo, principalmente para badalar acúpula da TV Aratu — retransmissora da Manchete, emSalva<strong>do</strong>r —, e sem a presença <strong>do</strong>s atores da novela OMarajá, autores ou diretores, aconteceu segunda-feiraúltima no Restaurante Felipe Camarão (Rio Vermelho),comemoran<strong>do</strong> o que seria a estreia da série sobre a “EraCollor”. Detalhe: durante o evento, não havia sequermaterial <strong>de</strong> divulgação da novela para ser distribuídapara imprensa — que, por sinal, foi convidada.A ausência das estrelas da Manchete <strong>de</strong>veu-se ao fato— como <strong>de</strong>pois se ficou saben<strong>do</strong>, ligan<strong>do</strong>-se no Canal 4 -<strong>de</strong> os astros estarem reuni<strong>do</strong>s em um jantar para assistirao primeiro capítulo da série, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, quan<strong>do</strong>foram surpreendi<strong>do</strong>s pela bomba: O Marajá — que retrataas <strong>de</strong>sventuras e aventuras, trapalhadas e falcatruas<strong>do</strong> governo Collor, sob o império da corrupção — teve seuprimeiro capítulo suspenso, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à liminar requeridapelo ex-presi<strong>de</strong>nte Fernan<strong>do</strong> Collor <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong> infaustamemória. Agora, a direção da Manchete também estáacionan<strong>do</strong> a Justiça, para ver se consegue suspen<strong>de</strong>r a66 67


liminar e exibir o primeiro capítulo da novela, o que jápo<strong>de</strong> ter aconteci<strong>do</strong> ontem.O que <strong>de</strong>ixa a população mais perplexa diante <strong>de</strong> um fatoarbitrário como este é que um ex-presi<strong>de</strong>nte, que saiu<strong>do</strong> governo praticamente expulso e totalmente <strong>de</strong>smoraliza<strong>do</strong>— comprovadamente culpa<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizes <strong>do</strong>smais graves — possa vir a público impedir a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>expressão (enquanto ainda continua impune), velan<strong>do</strong><strong>uma</strong> novela que retrataria fatos já há muito <strong>do</strong> conhecimentogeral, através <strong>de</strong> um casal <strong>de</strong> personagens, Ellee Ella, vivi<strong>do</strong>s pelos sósias <strong>do</strong> par que tripudiou com aNação. E o mais grave, como ressaltou <strong>uma</strong> das autorasda série, Regina Braga, é que a intenção era apenas a<strong>de</strong> fazer <strong>uma</strong> paródia e não retratar fielmente os fatos,apesar <strong>de</strong> a série ser anunciada como “novela-verda<strong>de</strong>”.“Na verda<strong>de</strong>, a novela era <strong>uma</strong> charge política. Então,agora, to<strong>do</strong>s os chargistas que fizeram piadas com Collore o esquema PC Farias durante três anos, como é queficam? É a primeira vez que <strong>uma</strong> charge é censurada”,espantava-se Regina. Cabe às autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>cidiremse persiste a censura, tornan<strong>do</strong> possível o implausível:fazer com que o governo Collor fique na História comoalgo ainda mais vergonhoso, com este novo incentivo àimpunida<strong>de</strong>.Teatro Antropomórfico1993A literatura <strong>de</strong> Guimarães Rosa ganha <strong>uma</strong> transposiçãoteatral perfeita em Vau da Sarapalha, <strong>do</strong> grupoparaibano Piollin.O clima mágico e opressivo <strong>do</strong> conto Sarapalha, <strong>de</strong> GuimarãesRosa, ganha <strong>uma</strong> transposição teatral perfeita nalinguagem cênica <strong>do</strong> Grupo Piollin em Vau da Sarapalhaem cartaz no Gregório <strong>de</strong> Mattos. O fogo começa e terminao espetáculo, que se vale <strong>de</strong> poucos — e eficientes —recursos, como os sons emiti<strong>do</strong>s pelos bichos imita<strong>do</strong>spelos atores, a sugerir um alvorecer na fazenda. A gran<strong>de</strong>força <strong>do</strong> espetáculo está em seu caráter antropomórfico,em que os bichos — como o perdigueiro Giló (vivi<strong>do</strong>magistralmente por Servílio Gomes) — quase assumema condição <strong>de</strong> h<strong>uma</strong>nos, captan<strong>do</strong> e participan<strong>do</strong> dasemoções <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is primos <strong>do</strong>entes <strong>de</strong> malária, e estes,por sua vez, parecem regredir à condição animal, viven<strong>do</strong>em extrema miséria e aban<strong>do</strong>no. O lirismo embuti<strong>do</strong>na aspereza mítica <strong>do</strong> sertão mineiro — tão bem evocadapor Guimarães Rosa — ganha aqui sutis sublinhamentos.Tu<strong>do</strong> fica em aberto, a ser entendi<strong>do</strong> em leituras diver-68 69


O teatro está nu outra vez1994Montagem didática da Escola <strong>de</strong> Teatro da UFBA A Falecidadribla o ama<strong>do</strong>rismo, cai no gosto popular e <strong>de</strong>monstra oquanto po<strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r um teatro feito com poucos recursos.A Falecida, <strong>de</strong> Nelson Rodrigues, direção <strong>de</strong> Hebe Alves,em cartaz no Teatro Santo Antônio até a última semana,não po<strong>de</strong> ser avaliada pelos parâmetros estritos <strong>do</strong>teatro profissional. Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> montagem da disciplinaPreparação <strong>do</strong> Ator; <strong>do</strong> curso da Escola <strong>de</strong> Teatro,que Hebe dirigiu com um <strong>do</strong>s grupos que movimentaum núcleo <strong>de</strong> atores alunos da escola. Mesmo assim,<strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> sua qualida<strong>de</strong>, a peça caiu no gosto <strong>do</strong>público e emplacou, lotan<strong>do</strong> durante várias temporadasa Sala 5, inicialmente, <strong>de</strong>pois o palco <strong>do</strong> Teatro SantoAntónio. Emplacou e <strong>do</strong>brou o ano.Em A Falecida, Hebe confirma o que já se sabe: é <strong>uma</strong>diretora amadurecida e <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> versatilida<strong>de</strong>, capaz <strong>de</strong>realizar os espetáculos mais diferentes, como Os MelhoresAnos <strong>de</strong> Nossa Vida (seu melhor trabalho até agora),o diverti<strong>do</strong> O Homem Nu, Suas Viagens, o experimental,Ponto <strong>de</strong> Fuga e, agora, este A Falecida, híbri<strong>do</strong> <strong>de</strong> teatroama<strong>do</strong>r e profissional. A história flui com <strong>uma</strong> agilida<strong>de</strong>incomum — apoiada no texto exemplar <strong>de</strong> Nelson, mas emque se sente a habilida<strong>de</strong> da diretora e seu timing pessoal.Carlos Betão — o mais experiente <strong>do</strong> elenco — vai alémda força já revelada como o pai da noiva <strong>de</strong> O Casamento<strong>do</strong> Pequeno Burguês, e acerta em cheio fazen<strong>do</strong> umpatético e cotidiano Tuninho. Najla Andra<strong>de</strong> (<strong>de</strong> As Aves— direção <strong>de</strong> Armin<strong>do</strong> Bião) mostra-se <strong>uma</strong> atriz <strong>de</strong> bompotencial, exploran<strong>do</strong> as diferentes facetas da neuróticaZulmira. Do elenco <strong>de</strong> apoio, o <strong>de</strong>staque maior vai parao Timbira, <strong>de</strong> Marcelo Ribeiro, <strong>uma</strong> boa presença, no tipocafajeste/almofadinha e sedutor. Roberto Lúcio (Funcionário1) também marca o seu papel, assim como mais uns<strong>do</strong>is ou três atores. Alguns, no entanto, revelam a marcada inexperiência.O ama<strong>do</strong>rismo aparece forte na primeira cena, quan<strong>do</strong>Zulmira visita a Cartomante, mas esse mau impactoinicial logo se transforma e a peça se <strong>de</strong>senvolve commuito ritmo e competência. É <strong>uma</strong> agradável surpresa,tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> um espetáculo aparentemente <strong>de</strong>spretensioso,em que o <strong>de</strong>spojamento <strong>do</strong>s figurinos e o espaçoda ação e cenário se resolvem mais <strong>do</strong> que satisfatoriamente.Sai-se <strong>do</strong> espetáculo com satisfação, ao seconstatar o quanto po<strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r um teatro feito com tão72 73


vidar”) e Gabriel Lopes Pontes conseguem driblar bem ainexperiência (mas ela se sai melhor).O gran<strong>de</strong> trunfo <strong>de</strong> A Mandrágora, no entanto, são os figurinosesmeradíssimos e luxuosos, assina<strong>do</strong>s por EdsoledaSantos, com gran<strong>de</strong>s acha<strong>do</strong>s, como o traje <strong>de</strong> GabrielLopes Pontes. O cenário <strong>de</strong> Ewald Hackler é criativo, masdiscute-se a pobreza <strong>do</strong>s casebres ao la<strong>do</strong> da igreja —quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> residências luxuosas —, mas po<strong>de</strong> serque a intenção seja acentuar um certo clima <strong>de</strong> farsa.O recurso <strong>do</strong>s atores apresentarem seus trajes e elementoscênicos, logo no início, como saltimbancos, mostra aconcepção <strong>de</strong> estilo que norteará o espetáculo, com ospersonagens se dirigin<strong>do</strong> à plateia e buscan<strong>do</strong> a cumplicida<strong>de</strong><strong>de</strong>sta. N<strong>uma</strong> avaliação mais subjetiva, o humorseria um pouco explícito <strong>de</strong>mais, mas tu<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> <strong>uma</strong>a<strong>de</strong>são à proposta, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se dispa <strong>de</strong> preconceitos.A volta <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia1994Aplaudida na Bahia e bem recebida em São Paulo, Me<strong>de</strong>amaterialvolta a cartaz, passan<strong>do</strong> por cima <strong>do</strong> rombofinanceiro provoca<strong>do</strong> pela primeira produção.Apresentada como <strong>uma</strong> encenação artística <strong>de</strong> <strong>uma</strong> metáforapolimorfa na qual cabem representações <strong>de</strong> conflitosculturais diversos e dispersos no tempo e no espaço,volta a cartaz em Salva<strong>do</strong>r — no Teatro Castro Alves hojee amanhã, ás 21 horas, e <strong>do</strong>mingo, às 20 horas— a megaproduçãobaiana Me<strong>de</strong>amaterial, com direção <strong>de</strong> MárcioMeirelles, texto ao alemão Heiner Müller e música <strong>de</strong>Heiner Goebbels e Neguinho <strong>do</strong> Samba. Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> suaprimeira temporada na cida<strong>de</strong>, o espetáculo foi um <strong>do</strong>srecordistas <strong>de</strong> bilheteria <strong>do</strong> TCA, encantou e ou intrigouo publico e empolgou a critica, sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> por ATar<strong>de</strong> como o melhor espetáculo <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>, pelasua plasticida<strong>de</strong> e a originalida<strong>de</strong> com que interagemelementos dispares, sem se dissolverem.Com o Ban<strong>do</strong> <strong>de</strong> Teatro Olodum, 31 atores em cenae os convida<strong>do</strong>s Vera Holtz, Guilherme Leme e Adyr76 77


D’Assumpção em papéis especiais, Me<strong>de</strong>amaterial é <strong>uma</strong>festa <strong>de</strong> cores e ritmos em que o caos ganha forma e assume<strong>uma</strong> poesia ácida e exacerbada, <strong>do</strong> texto às imagense coreografias. Volta, agora <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>uma</strong> temporada<strong>de</strong> três semanas em São Paulo (capital) <strong>uma</strong> semana emCampinas e <strong>uma</strong> semana em Tatuí (cida<strong>de</strong> natal <strong>de</strong> Vera).“Em Tatuí, foi lin<strong>do</strong>, <strong>uma</strong> festa, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> queria ver apeça <strong>de</strong> Vera Holtz, inclusive a família e amigos <strong>de</strong> Guilherme,que também é <strong>de</strong> <strong>uma</strong> cida<strong>de</strong> próxima. Depois daestreia, houve um jantar que reuniu <strong>uma</strong>s 160 pessoas”,conta um Márcio Meirelles entusiasma<strong>do</strong>.A receptivida<strong>de</strong> da crítica, em São Paulo, foi positiva, emsua maioria com muitos elogios para o espetáculo e emespecial, para Vera Holtz e o Ban<strong>do</strong> Olodum. JeffersonDel Rios, crítico <strong>de</strong> O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S Paulo, por exemplo,<strong>de</strong>stacou a proposta da peça <strong>de</strong> misturar “as águas <strong>do</strong>Egeu com o mar da Bahia”, e afirmou, mais adiante quealem da audácia da proposta antropológica, a montagem<strong>de</strong>monstra invenção cênica sen<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong> final“<strong>uma</strong> arte <strong>de</strong> misturas e complementações que transporiao tema <strong>de</strong> Medéia, a tragédia <strong>de</strong> Eurípe<strong>de</strong>s para o caminho<strong>do</strong> imaginário <strong>do</strong>s negros. Mas Márcio Meirelles <strong>de</strong>ixaescapar espontaneamente, que a critica paulista <strong>de</strong> quemais gostou foi a <strong>de</strong> Alberto Guzik. “A mais bacana foi a<strong>do</strong> mais bacana, o que está mais <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> teatro”. Umaúnica critica negativa partiu <strong>de</strong> Nelson <strong>de</strong> Sá, da Folha <strong>de</strong>S Paulo que comprovadamente, não gosta <strong>do</strong>s textos <strong>de</strong>Heiner Müller.Mal - entendi<strong>do</strong>Se o <strong>de</strong>sempenho arrebata<strong>do</strong>r e emociona<strong>do</strong> <strong>de</strong> Verafoi, em geral, superelogia<strong>do</strong>. Márcio acha que a propostapara a linha <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Guilherme Leme — maisfria, cerebral e discursiva, funcionan<strong>do</strong> como um comentário<strong>do</strong> papel <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r, representa<strong>do</strong> na peça porJasão — foi mal entendida. “A maioria caiu no equivoco<strong>de</strong> comparar com o trabalho <strong>de</strong> Vera, sem perceber queforam traçadas linhas bem distintas <strong>de</strong> interpretação,segun<strong>do</strong> ele, inclusive a i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> ator trabalhar com ummicrofone já estava preestabelecida, não se <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> anenh<strong>uma</strong> <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> voz como parte daplateia reclamou por aqui”.A música — polimorfa, como toda a concepção <strong>do</strong> espetáculo— também emociona assim como os outros elementos<strong>do</strong> espetáculo, visuais e literários. Para Márcio, opublico não tão intelectualiza<strong>do</strong> apreen<strong>de</strong>-o por vias“não-racionais” (sic). Po<strong>de</strong>m não enten<strong>de</strong>r por que aofinal Vera contracena com um berimbau, mas sentem a78 79


força. É o caso <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> se sai <strong>de</strong> um espetáculo e sediz: Não entendi nada, mas gostei É claro que a pessoaenten<strong>de</strong>u.UsurpaçãoEm São Paulo, a peça teve um publico razoável, masganhou a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> figuras como Marília Gabriela — queescreveu <strong>uma</strong> crônica sobre ela —, Hector Babenco e opessoal <strong>do</strong>Oficina, li<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> por Zé Celso. Tu<strong>do</strong> isso pô<strong>de</strong>acontecer <strong>de</strong>pois da usurpação <strong>do</strong> dinheiro da bilheteriae <strong>do</strong> que foi levanta<strong>do</strong> pela produção <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> quantiaque ficou nos bolsos da empresaria Soraia Hamdan,mineira. Alegan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>scontente com os rumos toma<strong>do</strong>spelo espetáculo, <strong>de</strong>ntre outros motivos fúteis, aespertalhona fugiu com o dinheiro, para Minas. Comoela <strong>de</strong>tém os direitos autorais por clausula <strong>de</strong> contratomesmo com to<strong>do</strong> o estardalhaço feito na imprensa naocasião, só foi possível retomar o espetáculo através <strong>de</strong>um acor<strong>do</strong> em que era liberada parte <strong>do</strong> dinheiro paraque a peça prosseguisse a temporada.Mesmo assim, ate agora ela só pagou aos nomes maisconheci<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Sul, como o coreógrafo Helio Eichbauer,seu assistente o ilumina<strong>do</strong>r Jorginho <strong>de</strong> Carvalho. Márcio,sua assistente Chica Carelli, Adyr, o coreógrafo Zebrinha,o Ban<strong>do</strong> Olodum e até mesmo os famosos Vera e Guilhermenão receberam praticamente nada. Mas Meireles fala<strong>do</strong> caso en passant sem rancor e diz que preferia nãocitar a empresária.“Estamos seguin<strong>do</strong> o nosso caminho é melhor esquecerela”.O diretor se diz felicíssimo por Me<strong>de</strong>amaterial ter si<strong>do</strong>aponta<strong>do</strong> como o melhor na relação anual <strong>do</strong> jornal ATar<strong>de</strong>. Acho que é um bom reconhecimento como foi em92. O Paí Ó O ter figura<strong>do</strong> entre os melhores. E <strong>uma</strong> iniciativalegal <strong>de</strong> vocês espontânea que outra empresa po<strong>de</strong>riafazer também. Quanto ao Bahia Aplau<strong>de</strong> não me inscreviporque não gosto <strong>de</strong> precisar me inscrever para concorrer.Acho que ao estrear um espetáculo <strong>de</strong>veria automaticamenteconcorrer. Mas fiquei <strong>de</strong> ser indica<strong>do</strong> por A Tar<strong>de</strong>,“mesmo saben<strong>do</strong> que é difícil comparar água, café e CocaCola. Meu espetáculo não é melhor que o <strong>de</strong> Carmen Paternostro,Marfuz ou o <strong>de</strong> Paulo Doura<strong>do</strong>, por exemplo, masfoi um premio espontâneo. Agora Me<strong>de</strong>iamaterial vai parao Rio em março (no Carlos Gomes) ou maio (no João Caetano,quan<strong>do</strong> será assisti<strong>do</strong> finalmente, por Müller. Antes,vai a Belo Horizonte. Há possibilida<strong>de</strong>s ainda <strong>de</strong> viajar paraPortugal e Alemanha. De projetos, Marcio e o ban<strong>do</strong> têmmuitos, como a remontagem Woyzeck e O Paí Ó (visto seis80 81


vezes por Caetano Veloso) in<strong>do</strong> para o Rio via Paula Lavigne.Woyzeck vai contar com atores convida<strong>do</strong>s Fernan<strong>do</strong>Fulco e Chica Carelli. Há em esboço, um trabalho <strong>de</strong> dançateatro e um outro sobre Zumbi (para 1995, comemoran<strong>do</strong>os 300 anos <strong>do</strong> “li<strong>de</strong>r negro” — que po<strong>de</strong> ser <strong>uma</strong> ópera,teatro <strong>de</strong> rua ou um monólogo.Sonhos em Pedaços1995Construí<strong>do</strong> a partir da fragmentação, o “teatro <strong>de</strong> imagensmusicais” <strong>de</strong> Harald Weiss po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> comoum <strong>do</strong>s mais belos e inquietantes <strong>do</strong> ano.Como num sonho, as imagens fragmentadas <strong>de</strong> A<strong>de</strong>--Até...vão se sintetizan<strong>do</strong> e <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong>, forman<strong>do</strong> umsenti<strong>do</strong> na cabeça e nas emoções <strong>de</strong> cada especta<strong>do</strong>r.O êxito central é um casal – brilhantemente interpreta<strong>do</strong>por Meran Vargens e Lúcio Tranchesi – que se encontranum esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencanto ante a rotina e anuncia <strong>uma</strong>separação, confronta<strong>do</strong> com a crescente incomunicabilida<strong>de</strong>.Em volta <strong>de</strong>les, povoan<strong>do</strong> a situação, circular seresno plano <strong>do</strong> real ou <strong>do</strong> imaginário.O anuncia<strong>do</strong> “teatro <strong>de</strong> imagens musicais” se faz perceber<strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> sensorial, ora através <strong>do</strong>s sons entoa<strong>do</strong>smuitas vezes pelo trio <strong>de</strong> mulheres primitivas, <strong>de</strong>valores ancestrais, ligadas à natureza, e que encontramem Clécia Queiroz um polo convincentemente lúdico,assim como nas outras duas -, ora através da luz, usadacom sabe<strong>do</strong>ria, e que, em alguns momentos (vários), se82 83


<strong>de</strong>sloca, focalizan<strong>do</strong>, sincopadamente, cada imagem emparticular, o que acentua o caráter <strong>de</strong> sonho – às vezespesa<strong>de</strong>lo – da montagem. Metáforas e/ou metonímias,as imagens e sons obe<strong>de</strong>cem a <strong>uma</strong> partitura harmoniosaem seu aparente caos.Harald Weis – o diretor – se insere n<strong>uma</strong> estética <strong>de</strong>vanguarda europeia, mas não radicaliza e transgri<strong>de</strong>tanto quanto um Gerald Thomas, por exemplo – se bemque este é um mérito <strong>do</strong> diretor brasileiro, que, no entanto,mesmo com <strong>uma</strong> linguagem instigante, cuida <strong>de</strong>maisda forma, <strong>do</strong>s significantes, mas esvazia o significa<strong>do</strong>.Em A<strong>de</strong>-Até..., temos um teatro <strong>de</strong>nso <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s,opon<strong>do</strong> culturas como a <strong>do</strong> trio das mulheres tribais, eas meninas-mulheres vividas por Mabel Danemann e apersonagem enterrada na areia, que, com seus vesti<strong>do</strong>sbrancos e cabeleiras claras, parecem ter saí<strong>do</strong> <strong>de</strong> umconto natalino nórdico, posto às avessas em seu acentogutural e visceral.Tu<strong>do</strong> em A<strong>de</strong>-Até... remete a esse sonho/pesa<strong>de</strong>lo cotidianoque nos envolve a to<strong>do</strong>s, feito <strong>de</strong> caos, <strong>de</strong>sespero,rotina e perplexida<strong>de</strong>. To<strong>do</strong>s os atores estão bem aproveita<strong>do</strong>s(a <strong>de</strong>stacar um talento como o <strong>de</strong> Iami Rebouças,que aqui não é leva<strong>do</strong> às últimas consequências), <strong>do</strong>minan<strong>do</strong>corpo e voz, mas, pela figura complexa e reprimida,a personagem <strong>de</strong> Esmeralda <strong>do</strong> Patrocínio (vestida<strong>de</strong> negro) ganha <strong>de</strong>staque, assim como o casal central.Luiz Pepeu tem amplas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mostrar melhorseu trabalho. Mas to<strong>do</strong>s têm seus momentos <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>,num espetáculo que, mesmo po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser maisenxuto em sua duração – para não arriscar repetir algunsmomentos não intencionalmente -, é merece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> ser<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como o mais inquietante e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, um <strong>do</strong>smais belos <strong>do</strong> ano.84 85


Acha<strong>do</strong> antropológico1994Com Bai, Bai, Pelô, o Ban<strong>do</strong> <strong>de</strong> Teatro Olodum conclui<strong>uma</strong> trilogia e mostra-se no auge <strong>de</strong> seu <strong>do</strong>mínio cênico.A principio, na apresentação <strong>do</strong>s personagens, Bai, Bai,Pelô, em cartaz no Teatro Vila Velha (aos sába<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>mingos),parece <strong>uma</strong> reedição tardia <strong>do</strong>s velhos tempos <strong>do</strong>Teatro Opinião e <strong>do</strong> teatro engaja<strong>do</strong> <strong>do</strong> CPC anos 60. Asensação é que vai se assistir a um panfleto primário<strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> linguagem inova<strong>do</strong>ra. Mas o próprioespecta<strong>do</strong>r mais treina<strong>do</strong> sabe que se trata apenas <strong>de</strong>um drible ou <strong>uma</strong> referência, pois, no palco está o Ban<strong>do</strong><strong>de</strong> Teatro Olodum e a direção é <strong>de</strong> Márcio Meirelles.Quem acompanha o trabalho <strong>do</strong> grupo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Essa éNossa Praia já prevê o que vai encontrar. Nesse primeirotrabalho, Márcio e o Olodum já haviam encontra<strong>do</strong> <strong>uma</strong>linguagem própria, revisitan<strong>do</strong> o teatro popular, com umsabor autenticamente baiano. E verda<strong>de</strong> que a graça, ohumor <strong>do</strong>s tipos e das situações superava a intençãoSocial e o resulta<strong>do</strong> era mais <strong>de</strong> otimismo e <strong>de</strong> elegia àparcela mais sofrida <strong>do</strong> povo baiano que <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia.Mas eram um caminho e <strong>uma</strong> linguagem pessoais e bem--sucedi<strong>do</strong>s.Com Ó Paí, Ó, essa linguagem avança na <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> e,paralelamente, no humor. O segun<strong>do</strong> espetáculo ganhaem vivacida<strong>de</strong>. O Ban<strong>do</strong> passeou por outros caminhos,entre erros (Onovomun<strong>do</strong>) e acha<strong>do</strong>s contrastantes(Me<strong>de</strong>amaterial), mas conservou sua organicida<strong>de</strong>, eé com a Trilogia <strong>do</strong> Pelô que melhor <strong>de</strong>fine seu perfil.Agora, a trilogia é completada com Bai, Bai, Pelô — tãobom ou melhor que os trabalhos anteriores, mas com avantagem adicional <strong>de</strong> contar com um elenco e direçãocada vez mais afia<strong>do</strong>s.Na peça, encontramos o Ban<strong>do</strong> no auge <strong>de</strong> seu <strong>do</strong>míniocênico, Márcio e os atores realizam um verda<strong>de</strong>iro levantamentoantropológico, sublinhan<strong>do</strong> expressões, gírias,comportamentos e situações tipicamente baianos (e <strong>de</strong>Salva<strong>do</strong>r). Os atores encarnam com inteireza e jogo <strong>de</strong>cintura esses tipos <strong>de</strong>liciosamente populares, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong>vivência, mimetismo e raro po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> observação.É verda<strong>de</strong> que um <strong>do</strong>s objetivos <strong>do</strong> texto, o <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrara injustiça no tocante à exclusão <strong>do</strong> Pelô <strong>de</strong> parcelas <strong>de</strong>sua população, não se resolve inteiramente a contento esoa um tanto confuso. O humor e a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s personagensassomam ao primeiro plano.Mas as <strong>de</strong>núncias sobre o la<strong>do</strong> h<strong>uma</strong>no esqueci<strong>do</strong> sobum Pelourinho que se sofistica transparecem em larga86 87


medida, culminan<strong>do</strong> com o assassinato <strong>de</strong> um mendigo(o alvo seria um músico <strong>do</strong> Olodum) por um solda<strong>do</strong>.O acento trágico encontrou ressonâncias na realida<strong>de</strong>(como sublinhou o próprio diretor Márcio, na, semanapassada). Um caráter <strong>de</strong> premonição (infelizmente) queconfirma o grau <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Ban<strong>do</strong> com a realida<strong>de</strong>a que se propõe retratar. E <strong>uma</strong> prova <strong>de</strong> que o grupo estáin<strong>do</strong> além <strong>do</strong> riso.nunca é <strong>de</strong>mais ressaltar a beleza da voz e a inquietantepresença <strong>de</strong> Virgínia Rodrigues, assim como o impacto<strong>do</strong> final <strong>do</strong> espetáculo.No elenco, quase to<strong>do</strong> afiadíssimo, <strong>de</strong>staques para aimpagável Luciana Souza (<strong>uma</strong> gargalhada a cada intervenção),como <strong>do</strong>na Joana; Tânia Toko, como a masculinizadaNeuzão da Rocha; Cristóvão da Silva, com seuimpressionante <strong>do</strong>mínio corporal (Negócio Torto); RonyCácio, perfeito como Pezinho (ou Florêncio). Vale <strong>de</strong>stacar,ainda, outros atores, pelo acerto na composição,como Sérgio Amorim (Briga<strong>de</strong>iro) e Anativo Oliveira(Peixe Frito), emblemas da malandragem e ou da marginalida<strong>de</strong>,no outro polo; Jorge Washington convencecomo o policial frio e ignorante (Solda<strong>do</strong> Leão); ArleteDias empresta <strong>uma</strong> carga crítica necessária à furtiva D.Edna. Mas o elenco, em seu conjunto, merece aplausos,com apenas duas ou três atuações sem tanto vigor, masque não comprometem. Por tu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, Bai Bai, Pelôestá entre os melhores espetáculos <strong>do</strong> ano. Em tempo:88 89


Nau <strong>de</strong> emoções1994Um elenco seguro, um cenário criativo e um texto bem estrutura<strong>do</strong>conferem a Castro Alves um bom rendimento. Aindaque não seja excepcional, a peça conquista a plateia.Castro Alves, em sua noite <strong>de</strong> estreia, mostrou que, seDeolin<strong>do</strong> Checcucci não conseguiu fazer um trabalhoexcepcional, pelo menos realizou <strong>uma</strong> boa montagem.O texto, ágil e fluente, <strong>de</strong> Cleise Men<strong>de</strong>s, conquistou aplateia, que ria <strong>de</strong> suas pequenas <strong>de</strong>ixas, das alfinetadasembutidas nas falas <strong>de</strong> alguns personagens. JacksonCosta tem o seu melhor momento no teatro até agora,arrebata<strong>do</strong>r, energético, lírico. Des<strong>de</strong> as <strong>de</strong>clamações<strong>do</strong>s poemas <strong>de</strong> Castro Alves – que tanto contribuem paraa beleza <strong>do</strong> texto -, em que se mostra um bar<strong>do</strong> com vervepopular, aos momentos <strong>de</strong> emoção e <strong>do</strong>r. Empolgante.Mas outros atores também angariaram a a<strong>de</strong>são daplateia, sobretu<strong>do</strong> Oswaldinho Mil (que vem crescen<strong>do</strong>a cada montagem), com seu Fagun<strong>de</strong>s Varela bêba<strong>do</strong>,irreverente e iconoclasta. Ele conquista a maior parte <strong>do</strong>srisos. Aicha Marques está muito bem, como <strong>uma</strong> EugêniaCâmara dúbia, entre a intensida<strong>de</strong> e a frivolida<strong>de</strong>. Gi<strong>de</strong>-on Rosa <strong>do</strong>mina a cena, com um Augusto <strong>de</strong> voz plenae potente, parecen<strong>do</strong> comentar, com um certo distanciamento,o personagem que interpreta, n<strong>uma</strong> linha maisracional. Elisa Men<strong>de</strong>s (A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong>) é outra a arrancar risosda plateia. É <strong>uma</strong> revelação. Haril<strong>do</strong> Deda está bem, masY<strong>uma</strong>ra – com toda sua entrega – foi prejudicada pelasfalhas na luz, no dia da estreia. Sua figura <strong>de</strong>ve crescer ese tornar mais impressionante.O cenário <strong>de</strong> Eduar<strong>do</strong> Tu<strong>de</strong>lla é bem resolvi<strong>do</strong>, com ospraticáveis funcionan<strong>do</strong> a contento, em seu <strong>de</strong>spojamento.O <strong>de</strong>spojamento, aliás, é a característica maior <strong>de</strong>ssapeça, convencional, sem ser chata, encontran<strong>do</strong> umcaminho próprio em sua simplicida<strong>de</strong>. As coreografias <strong>de</strong>Zebrinha – se não tão bonitas como as <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>amateriale Dona Flor – constituem, mesmo assim, um belo apelovisual, com as figuras inspiradas em Debret. Os figurinos,<strong>de</strong> Clau<strong>de</strong>te Eloy, servem ao <strong>de</strong>spojamento da concepçãoe são bonitos. Mas po<strong>de</strong>ria haver um gancho ou umritmo maior ligan<strong>do</strong> as coreografias e o texto, que ficammuito sedimenta<strong>do</strong>s (mesmo sen<strong>do</strong> essa a proposta). Hánecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> amarração maior, <strong>uma</strong> que <strong>de</strong>ve serresolvida a contento nos dias posteriores, bem como umcrescimento <strong>do</strong> ritmo e agilida<strong>de</strong>, <strong>do</strong> meio da peça para ofim (mais arrastada).90 91


A direção <strong>de</strong> atores <strong>de</strong> Deolin<strong>do</strong> é <strong>uma</strong> das mais bem resolvidasem sua carreira, com praticamente to<strong>do</strong> o elenco sesain<strong>do</strong> bem. Resta ressaltar alg<strong>uma</strong>s boas atuações, empapeis menores, da veterana Frieda Gutman a atores menosexperientes, como Sérgio Sobreira, George Vassilatos, TomCarneiro (Tobias Barreto), Raimun<strong>do</strong> Porto (o Barão) e IsabelNoemi (Sinhá). A interpretação só per<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> NavioNegreiro é recita<strong>do</strong>, em parte, pelos dançarinos, sem cancha<strong>de</strong> atores, ainda, em sua maioria, com exceções como IsauraOliveira e Arani Santana. Enfim, um belo momento paraDeolin<strong>do</strong>, Cleise (o melhor texto <strong>do</strong> ano, até agora) e to<strong>do</strong>sos profissionais envolvi<strong>do</strong>s. Um sal<strong>do</strong> <strong>de</strong> um lirismo arrebata<strong>do</strong>,com um final resplan<strong>de</strong>cente.Ritual encantatório1994No palco <strong>do</strong> TCA, os dançarinos provocaram <strong>do</strong> tédioabsoluto à comoção espiritual. Muita gente não enten<strong>de</strong>u,mas se ren<strong>de</strong>u ao fascínio <strong>do</strong> espetáculo.O aspecto monótono <strong>do</strong> início se <strong>de</strong>sfaz rapidamentequan<strong>do</strong> os Dervixes Dançantes <strong>de</strong> Mevlevi começam aro<strong>do</strong>piar no senti<strong>do</strong> anti-horário, ou um pouco antes,quan<strong>do</strong> começam a se cumprimentar, inclinan<strong>do</strong> levementea cabeça, ten<strong>do</strong> o tapete ao meio. O local — bemilumina<strong>do</strong> — on<strong>de</strong> se encontra um <strong>de</strong>rvixe mais <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>,seria Meca. Na verda<strong>de</strong>, muito pouco da simbologiautilizada por eles é plenamente <strong>de</strong>cifrada pelos especta<strong>do</strong>res,sem um conhecimento prévio <strong>do</strong> que estão ven<strong>do</strong>.Lentamente, com os <strong>de</strong>rvixes giran<strong>do</strong> em torno <strong>do</strong> próprioeixo — com <strong>uma</strong> mão espalmada para o céu e outra voltadapara a terra — o espetáculo começa a hipnotizar opúblico, em suas saias longas e re<strong>do</strong>ndas começama enfeitiçar plasticamente. O efeito é inigualável elestransmitem paz e plenitu<strong>de</strong> a quem assiste: Não se sabe92 93


porque, eles tiram as túnicas pretas e ou tornam a vesti--las. Não se compreen<strong>de</strong> a maioria <strong>de</strong> seus gestos, masboa parte da plateia se ren<strong>de</strong> ao fascínio.Tem que se enten<strong>de</strong>r, sobretu<strong>do</strong>, que estamos diante <strong>de</strong>um antiguíssimo(sic) cerimonial religioso, <strong>de</strong> um ritualencantatório que permite o transe, muito mais <strong>do</strong> que <strong>de</strong>um espetáculo <strong>de</strong> dança. Como já foi <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>, a receptivida<strong>de</strong><strong>do</strong> público <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> ânimo — ou <strong>de</strong>espírito — <strong>de</strong> cada um. Terça à noite no TCA, as reaçõesiam <strong>do</strong> tédio mais absoluto à comoção espiritual, passan<strong>do</strong>pelo encantamento estético/plástico. Em to<strong>do</strong> caso,<strong>uma</strong> exibição estimulante ou, no mínimo, <strong>de</strong>sconcertante.Poesia muda1994Apresenta<strong>do</strong> agora no Teatro Santo Antônio, O Menor QuerSer Tutor impressiona, sobretu<strong>do</strong>, pela técnica <strong>do</strong>s atores.Em cartaz no Teatro Santo Antônio, a nova montagem <strong>de</strong> OMenor Quer Ser Tutor, num palco italiano, ressente-se umpouco da perda <strong>de</strong> envolvimento <strong>do</strong> público, verificadaquan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua estreia no ICBA, em 1990. Alg<strong>uma</strong>s cenas,como a inicial, em que o Menor (Lúcio Tranchesi) come<strong>uma</strong> maça inteira, para <strong>de</strong>pois, mecanicamente, repetir oato, antes provocava <strong>uma</strong> sensação <strong>de</strong> estranheza maiore era seguida até <strong>de</strong> risos, pois o público – num teatro <strong>de</strong>arena – sentia-se mais <strong>de</strong>ntro da cena.Agora, contu<strong>do</strong>, como assinala o próprio diretor, EwaldHackler, a peça <strong>de</strong> Peter Handke po<strong>de</strong> ser acompanhadamais em <strong>de</strong>talhes, ten<strong>do</strong>-se melhor <strong>de</strong>senhada a sequenciadas ações. Outro da<strong>do</strong> importante é que os atores cresceramem técnica. O trabalho corporal <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is é impressionante.E se antes Lúcio Tranchesi se sobressaia mais – comseu <strong>de</strong>sengonça<strong>do</strong>-ingênuo Menor -, agora Paulo Pereiratambém cresceu, com seu <strong>de</strong>sengonça<strong>do</strong>-rígi<strong>do</strong> Tutor.94 95


<strong>do</strong> elenco po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s, mas o equilíbrio<strong>do</strong>mina o grupo, com boas incursões pelo tom <strong>de</strong> humore da paródia.O primeiro ato é facilmente <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> dirigi<strong>do</strong>por Hebe Alves. Evolui bem, mas Hebe – quase sempremuito boa – está cain<strong>do</strong> em alguns cacoetes, no que serefere ao gestual <strong>do</strong>s atores, sobretu<strong>do</strong> na primeira (semi)coreografia, que os apresenta ao público, repetitiva e <strong>de</strong>fasada.Com um colori<strong>do</strong> explosivo e num clima pós-tropicalista,Paulo Doura<strong>do</strong> foge <strong>de</strong> suas características maishabituais no segun<strong>do</strong> ato. O figurino feérico <strong>do</strong>s personagens– e o próprio tema <strong>de</strong>sse ato, que se <strong>de</strong>tém na família<strong>de</strong> Heloisa <strong>de</strong> Lesbos – dá maior vivacida<strong>de</strong> ao espetáculoe ren<strong>de</strong> as maiores risadas. Pena que o segun<strong>do</strong> ato sejamaior e, a partir <strong>de</strong> um certo ponto, não haja – aparentemente– como se evitar <strong>uma</strong> certa monotonia.No terceiro ato, <strong>uma</strong> abrupta mudança na iluminação,roupas e clima cênico indicam a <strong>de</strong>cadência <strong>de</strong> Abelar<strong>do</strong> I(O Rei da Vela). Sátira ao capitalismo mostra-se mais cruel,em tons trágicos, sem que se aban<strong>do</strong>ne o humor e a farsa.Fernan<strong>do</strong> Guerreiro consegue imprimir um tom a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>ao ato, sombrio, mas é aí que a imaturida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s atoresse revela. Também a transição <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> para o terceiroato – apesar <strong>de</strong> bem marcada – se faz muito radicalmente,sem nuances (talvez sugerida pelo próprio texto). Vale<strong>de</strong>stacar o cuida<strong>do</strong> com a montagem, em elementos comoiluminação, figurinos e cenários (criativos) assina<strong>do</strong>s, osúltimos, por Márcio Meirelles e Lígia Aguiar.98 99


Viagem mágica1995A magia <strong>do</strong> visual, o ótimo trabalho <strong>do</strong>s atores e muitacriativida<strong>de</strong> tornam A Incrível Viagem um espetáculorecomendável para “crianças” <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s.Em sua primeira incursão pelo teatro infanto-juvenil, oGrupo Cereus não faz feio. Pelo contrário: com a habitualdireção <strong>de</strong> Hebe Alves, seus atores brilham em cena. Otexto <strong>de</strong> A Incrível Viagem (Em cartaz no Vila Velha, aossába<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>mingos) <strong>de</strong> Doc Comparato, mais conheci<strong>do</strong>como roteirista <strong>de</strong> minisséries e pela crônica policial, nãochega a ser um primor, em seu acabamento: é precisoestar muito atento para acompanhar a estranha viagemda brisa que quer ter cor, termina (não muito claramente),transformada em alface e, em seguida, comida pelo<strong>do</strong>no da plantação, passan<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o organismo <strong>do</strong>corpo h<strong>uma</strong>no, via digestão e circulação, até chegar àpele <strong>de</strong> um indivíduo.Mas a trilha musical (excelente, <strong>de</strong> Luciano Bahia), assimcomo o feliz e criativo visual – da iluminação ao figurino(inspiradíssimo) e maravilhosos efeitos cênicos – ajuda aelucidar a i<strong>de</strong>ia central da peça, que prega a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> cada um se aceitar como é. Enfim, <strong>uma</strong> o<strong>de</strong> à autenticida<strong>de</strong>.A i<strong>de</strong>ia não é nova e tem muitos pontos <strong>de</strong> contatocom a premiada Flicts, <strong>de</strong> Ziral<strong>do</strong> (<strong>uma</strong> cor sem cor) eBulunga (<strong>uma</strong> metáfora sobre a etnia), para não falar emPotato Pum, <strong>de</strong> Aninha Franco, a saga pop <strong>de</strong> <strong>uma</strong> batatanor<strong>de</strong>stina que não aceitava sua condição, “metida” abritânica. Isso só para ficar em alguns exemplos.A Brisa <strong>de</strong> A Incrível Viagem quer ter <strong>uma</strong> cor: como auxílioda Dona Nuvem, fica ver<strong>de</strong>. Depois, integrada ao organismoh<strong>uma</strong>no, vermelha e amarela. Há cenas <strong>de</strong> um mágicoimpacto visual, como quan<strong>do</strong> aparece um ator, CaícaAlves transforma<strong>do</strong> em coração (hilariante!), ou quan<strong>do</strong> aBrisa assume a cor amarela e o figurino cresce em beleza,ou mesmo o traje diafanamente branco <strong>de</strong> Dona Nuvem(e o encanto que a atriz Aícha Marques, a essa altura játarimbada, adiciona a ele). Lá estão, também, os nossosvelhos conheci<strong>do</strong>s cubos <strong>do</strong> Grupo Cereus – elementoscênicos – agora com mais cores e mais lúdicos. Acima<strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, é imprescindível registrar que o Cereus – soba batuta <strong>de</strong> Hebe – não só vem manten<strong>do</strong> a qualida<strong>de</strong>,como crescen<strong>do</strong> em alguns aspectos, como no trabalho<strong>do</strong>s atores (só três são da companhia original), que,nessa encenação, revelam um preparo físico e um trabalhocorporal perfeitos. Wagner Moura, como a Brisa, é100 101


claustrofobia que é existir no Brasil atual. Marginais semrosto — condição a que foi atirada a gran<strong>de</strong> massa anônima,imprensada entre a morte, a solidão, a fome e a violência(“Cárcere <strong>do</strong> ser/não há libertação <strong>de</strong> ti?” — Álvaro <strong>de</strong>Campos/Fernan<strong>do</strong> Pessoa) —, os personagens da peçarevelam, aos poucos, os nomes e alternam os papéis, nofinal, ao atravessarem um espelho simbólico, evocan<strong>do</strong>o nome <strong>de</strong> Jesus, mas, mais que seres concretos, singulariza<strong>do</strong>s,circulam, emblematicamente, envoltos na aura<strong>de</strong> <strong>de</strong>sencanto e asfixia que os circunda. Mas, como todaobra que se sustenta n<strong>uma</strong> dimensão mais ampla. Flor <strong>do</strong>Lo<strong>do</strong> fornece pistas para a re<strong>de</strong>nção.Imediatamente capta<strong>do</strong> como aparenta<strong>do</strong> à linha <strong>do</strong>Teatro <strong>do</strong> Absur<strong>do</strong>, pela própria flui<strong>de</strong>z da forma e tangenciamento<strong>do</strong> ilógico que se <strong>de</strong>sentranha <strong>do</strong> real, Flor <strong>do</strong>Lo<strong>do</strong>, aproxima-se, também, nitidamente, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vertente<strong>do</strong> teatro brasileiro meio que instaurada por Plínio Marcos,com sua contundência social, e que <strong>de</strong>sabrochou, umpouco <strong>de</strong>pois, nos anos 70, num realismo mais psicológicoe, muitas vezes, metafórico (já prenuncia<strong>do</strong> em Plínio, quetinha, porém, personagens mais <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s), representa<strong>do</strong>por nomes como José Vicente (O Assalto), Isabel Câmara —por on<strong>de</strong> anda? — (As Moças), Leilah Assumpção Soares(Fala Baixo Senão Eu Grito), Consuelo <strong>de</strong> Castro (À Flor daPele) e Antônio Bivar (Alzira Power, Abre a Janela e DeixaEntrar o Ar Puro e o Sol da Manhã).Não se sabe se, conscientemente, o universo <strong>de</strong>ssesautores, filhos da ditadura, da guerrilha e da contracultura,é espelha<strong>do</strong> nas frases <strong>de</strong> Flor <strong>do</strong> Lo<strong>do</strong> (a maioria<strong>de</strong>ssas peças tinha apenas <strong>do</strong>is atores no centro <strong>do</strong>palco), embora a referência <strong>do</strong> Teatro <strong>do</strong> Absur<strong>do</strong> possaser mais facilmente <strong>de</strong>tectada — um nadar a seco, comonas turvas águas cristalinas <strong>de</strong> um Beckett, com as <strong>de</strong>vidasproporções. Principalmente lembra o Bivar <strong>de</strong>, porexemplo Abre a Janela... (que teve <strong>uma</strong> montagem baianamemorável, no Teatro Gamboa, direção <strong>de</strong> Álvaro Guimarães,marcan<strong>do</strong> a estreia da atriz Fátima Barreto, impactanteem cena, e com a presença sau<strong>do</strong>sa <strong>do</strong> buliçosoMarquinhos Rebu), que se abre, cosmicamente, para aamplitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, embora seus seres pisem no ári<strong>do</strong>solo contingencial.Grito primalO texto <strong>de</strong> Bertho, 33 anos, atinge um certo grau <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>(não propriamente o grau zero, na concepção <strong>de</strong>104 105


Roland Barthes), produzin<strong>do</strong> <strong>uma</strong> estranheza que o tornasuficientemente significativo, apontan<strong>do</strong>-o como <strong>uma</strong>utor certamente promissor. Sua originalida<strong>de</strong> se nutreda influência <strong>de</strong>sses autores, mas tem um elemento novo,seu, “pessoal e intransferível”, remeten<strong>do</strong>, inclusive,a referências reais recentes, histórico-sociais e ou pop,(“Jesus não tem <strong>de</strong>ntes no País <strong>do</strong>s banguelas”). Quantoà direção <strong>de</strong> Elisa Men<strong>de</strong>s, não <strong>de</strong>cepciona: contida,equilibrada, sóbria, faz prever um crescimento natural <strong>de</strong>quem já revelou <strong>uma</strong> boa <strong>do</strong>se <strong>de</strong> energia como assistente<strong>de</strong> direção, em espetáculos <strong>do</strong>s mais representativos,como Dendê e Dengo, Oficina Con<strong>de</strong>nsada, O Beijono Asfalto, A Conspiração <strong>do</strong>s Alfaiates e Castro Alves — ocrème <strong>de</strong> la crème —, trabalhan<strong>do</strong> com diretores comoCármen Paternostro, Fernan<strong>do</strong> Guerreiro, Paulo Doura<strong>do</strong>e Deolin<strong>do</strong> Checcucci (várias vertentes <strong>do</strong> teatro baiano).Após sua revelação <strong>de</strong>finitiva como atriz (em Castro Alves)e indicação para o Bahia Aplau<strong>de</strong>-94, Elisa faz jus, plenamente,ao provérbio “filho <strong>de</strong> peixe” (filha <strong>de</strong> Cleise Men<strong>de</strong>se irmã <strong>de</strong> Edlo). Estreou como atriz, bem criança, aos seisanos, e <strong>de</strong>sponta firme como diretora. Haril<strong>do</strong> Deda, a essaaltura, já é um ator hors-concours —, o que não significa queestá empalha<strong>do</strong>; ao contrário, em constante e vital movimento.Sua presença em Flor <strong>do</strong> Lo<strong>do</strong> só acen<strong>de</strong> o interesseda peça (coinci<strong>de</strong>ntemente, Elisa estreou, como atriz, sobsua direção, em Seis Personagens à Procura <strong>de</strong> Um Autor,<strong>de</strong> Piran<strong>de</strong>llo). A um tempo cerebral e visceral, ele sabe<strong>do</strong>sar a emoção e já merecia estar nas telas — telinhas outelões — ou em mais palcos <strong>do</strong> Brasil.Marcelo Prad<strong>do</strong>, a princípio hesitante, como se procurasse<strong>de</strong>senhar melhor os contornos <strong>do</strong> seu personagem(<strong>uma</strong> indicação da direção, segun<strong>do</strong> Elisa), se encontrapleno, no clímax da encenação, guturalmente, num urroou grito primal, que soa como um basta à perversida<strong>de</strong> eao niilismo <strong>do</strong> cotidiano. A flor estraçalha sua casca — ouchão — <strong>de</strong> lo<strong>do</strong>, Marcelo é <strong>do</strong>s melhores <strong>de</strong> sua geração.Se não dispusesse <strong>de</strong> apenas três semanas <strong>de</strong> ensaio,Flor <strong>do</strong> Lo<strong>do</strong> seria um espetáculo a merecer a colaçãomáxima. Em sua segunda fase, o Projeto Três e Pronto játrouxe Strindberg, via Hebe Alves (Os Cre<strong>do</strong>res), e, como recente Um Prato <strong>de</strong> Mingau Para Helga Brown, voltoua chamar a atenção para um outro excelente autor baiano,Luiz Sérgio Ramos (Se o Ascen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Mamãe FosseAquário, <strong>uma</strong> ótima encenação).Vale registrar o calor asfixiante <strong>do</strong> Teatro Vila Velha, que,se atira o especta<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ntro da cela (ou sauna) em queestão os presidiários (por osmose), impe<strong>de</strong> bastantemais atenção ao texto e à interpretação, mesmo contan<strong>do</strong>106 107


com um eficiente e tosco cenário e a iluminação sugestiva<strong>de</strong> Irma Vida, mesmo assim, por tu<strong>do</strong> o que foi dito, emuito mais, Vá ao Vila, Velho. Cacilda, outro espetáculoda autoria <strong>de</strong> Bertho Filho, foi mostra<strong>do</strong>, também recentemente,na Sala 5 da Escola <strong>de</strong> Teatro.Ringue metafísico1995Depois da polêmica com Um Corte no Desejo, o diretorDeolin<strong>do</strong> Checcucci faz as pazes com um teatro inventivoe surpreen<strong>de</strong>nte, em Na Selva das Cida<strong>de</strong>s.Vin<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> espetáculo polêmico, Um Corte no Desejo,o diretor Deolin<strong>do</strong> Checcucci surpreen<strong>de</strong> a muitos, aoexibir um Brecht até certo ponto ousa<strong>do</strong> e bem concebi<strong>do</strong>cenicamente. Trata-se <strong>de</strong> Na Selva das Cida<strong>de</strong>s, escritoquan<strong>do</strong> o dramaturgo alemão era ainda bem jovem. OBertold Brecht que se vê nessa montagem – em cartaz,no Teatro <strong>do</strong> ICBA, até <strong>do</strong>mingo - revela um autor jácompungi<strong>do</strong> com a corrupção <strong>do</strong> homem e <strong>de</strong>baten<strong>do</strong>-seem conflitos éticos (já um moralista, no melhor senti<strong>do</strong><strong>do</strong> termo). São personagens plenos <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> h<strong>uma</strong>na,mesmo quan<strong>do</strong> se focaliza seus piores ângulos, emmeio a podridão h<strong>uma</strong>na em que chafurdamos to<strong>do</strong>s nossistemas existentes. A selva das cida<strong>de</strong>s nos <strong>de</strong>vora ato<strong>do</strong>s, torna<strong>do</strong>s chacais ou abutres, num lodaçal perene.É o homem o lobo <strong>do</strong> homem?Fernan<strong>do</strong> Fulco comprova (ainda havia quem duvidasse?)sua gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> ator. O livreiro Garga – honesto, a108 109


princípio – é traga<strong>do</strong> pela reificação e a<strong>de</strong>re, apesar <strong>de</strong>sua perplexida<strong>de</strong> inicial, à corrupção estratificada. Fulco<strong>de</strong>senvolve um jogo empolgante <strong>de</strong> interpretação, sobretu<strong>do</strong>ao contracenar com Gi<strong>de</strong>on Rosa – n<strong>uma</strong> das interpretações-ápice<strong>de</strong> sua carreira, dan<strong>do</strong> ao seu Shlinkto<strong>do</strong> um núcleo e vísceras – <strong>de</strong> animal h<strong>uma</strong>no preda<strong>do</strong>r,vampirizante, arquiteto <strong>de</strong> engenhosas vilanias. Com oauxílio da maquilagem e <strong>de</strong> sua voz possante, Gi<strong>de</strong>on sevale <strong>de</strong> seu arsenal técnico para, com frieza, se apossar<strong>de</strong> um personagem que ora inspira me<strong>do</strong>, ora nojo, oracompaixão. O diretor e os <strong>do</strong>is atores souberam equacionarbem seus estilos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que o jogo <strong>do</strong> Senhor/Escravo seja fortemente pulsante. Inspirações cênicasemolduram esse duelo (presentifica<strong>do</strong> no ringue, aocentro <strong>do</strong> cenário), como quan<strong>do</strong> Garga, preso n<strong>uma</strong> cela(outro acha<strong>do</strong> cenográfico), pega n<strong>uma</strong> corda, jogada porShlink, e os <strong>do</strong>is se atrem/aproximam, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> jogo<strong>de</strong> repulsa aparente. A cena culmina com um beijo – umsigno audacioso.PalafitasO cenário agrada justamente pela arquitetura tosca, nacor ocre (remeten<strong>do</strong> à noção <strong>de</strong> barro e lama). Há umexcesso <strong>de</strong> tábuas unin<strong>do</strong> os diversos espaços, sugerin<strong>do</strong>palafitas, e <strong>uma</strong> boca-<strong>de</strong>-lobo, por on<strong>de</strong> se esgueiramos personagens/ratos. Euro Pires, até então um nome nãoconheci<strong>do</strong>, passa a merecer atenção no universo restrito(em número) <strong>do</strong>s cenógrafos baianos. A iluminaçãoajuda a <strong>de</strong>linear as nuances <strong>do</strong>s espaços e climas latentesou aguça<strong>do</strong>s na montagem, com sabe<strong>do</strong>ria. O elencomasculino se sai extraordinariamente: Paulo Pereira temum excelente trabalho na composição, como o pai mergulha<strong>do</strong>na inércia, meti<strong>do</strong> em seu pijama, como especta<strong>do</strong>rapático (incluin<strong>do</strong> <strong>do</strong>ses <strong>de</strong> cinismo). O ator faz supor querealmente, é muito mais velho <strong>do</strong> que a ida<strong>de</strong> que tem.Sérgio Farias vive com humor e espontaneida<strong>de</strong> o pastorevangélico (tipo bem oportuno). Há tempos Sérgio nãoestava tão à vonta<strong>de</strong> na pele <strong>de</strong> um personagem. MarcosMacha<strong>do</strong> parece crescer <strong>de</strong> estatura e funciona tambémmefistofelicamente, como um duplo ou capataz <strong>de</strong> Shlink.Yulo Cezzar se apossa, inusitadamente, <strong>de</strong> um registro <strong>de</strong>voz incomum no ator, mais vivaz, colorida e bem colocada.Acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, condizente com o Verme que encarna – umpérfi<strong>do</strong> e <strong>de</strong>bocha<strong>do</strong> machão meio-gângster. N<strong>uma</strong> linha<strong>de</strong> originalida<strong>de</strong> em sua carreira, infinitamente superior àpatética Dalila (<strong>de</strong> Um Corte no Desejo).Cristiane Veiga, como Maria, faz periclitar o equilíbrio <strong>do</strong>espetáculo. Além <strong>de</strong> a própria personagem ter contornosimprevisíveis, a atriz – que já mostrou muito talento em110 111


Horário <strong>de</strong> Visita – traça aos sopetões (sic) sua trajetória,<strong>de</strong> casta a prostituta. Ela se esmera em olhos – arregala<strong>do</strong>sartificialmente – e bocas, com tremores força<strong>do</strong>s <strong>de</strong>queixo. No final, se reabilita, quan<strong>do</strong> se enrodilha sobresi mesma, num belo trabalho corporal, marcan<strong>do</strong> o (anti)clímax da peça. Cristiane Men<strong>do</strong>nça – outra boa revelação,até então em comédias sintoniza com o público,arranca risadas, mas sua atuação é exagerada <strong>de</strong>mais,soa como um ruí<strong>do</strong>. Mas consegue ser patética, ao exporsua Jane com os neurônios <strong>de</strong>vora<strong>do</strong>s pelo álcool e pelacocaína. Maria Schüller é a figura mais anêmica em cena,dizen<strong>do</strong> suas falas sem convicção, <strong>uma</strong> <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> que émais da intérprete (nessa peça) <strong>do</strong> que da mãe <strong>de</strong> Garga.Bárbara Borga e Aldri Anunciação marcam com um levehumor seus pequenos papéis, quase pontas.Os figurinos <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong>te Eloy insistem no preto e nocinza, revelan<strong>do</strong> rasgos criativos nos vermelhos <strong>do</strong> traje<strong>de</strong> Yulo e nas minissaias punk-dark das duas Cristiane,exploran<strong>do</strong> sua sensualida<strong>de</strong>. A trilha sonora, <strong>de</strong> LucianoBahia, elemento dinâmico, não <strong>de</strong>smerece seu nome.Uma montagem bela e criativa, com a vantagem <strong>de</strong> trazerBrecht <strong>de</strong> volta aos palcos baianos, num momento nãomuito fértil <strong>de</strong> estreias e boas i<strong>de</strong>ias.Rompen<strong>do</strong> máscaras1995O Grito <strong>do</strong>s Anjos assume contornos <strong>de</strong>nsos e poéticos, aodiscutir a ética e a Igreja e confrontar a verda<strong>de</strong> e a mentira.Um texto belo e <strong>de</strong>nso, um espetáculo invulgar, com<strong>uma</strong> interpretação soberana <strong>de</strong> Rogério Fróes (indica<strong>do</strong>ao Prêmio Shell, <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>, por esse papel). É osal<strong>do</strong> que fica da passagem por Salva<strong>do</strong>r (TCA, sába<strong>do</strong>e <strong>do</strong>mingo) <strong>de</strong> O Grito <strong>do</strong>s Anjos, peça <strong>de</strong> Bill C. Davis(que ganhou um <strong>do</strong>s mais importantes prêmios nos Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s Outer Critic’s Circle — e, em 1984, virou filmeestrela<strong>do</strong> por Jack Lemmon, Crise <strong>de</strong> Consciência). Umoásis em meio ao festival <strong>de</strong> banalida<strong>de</strong>s que aportamnos palcos locais, vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Sul Maravilha, em geral comatores <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> prestígio popular (griffe Globo), algunsaté, também, talentosos, mas <strong>de</strong>sperdiça<strong>do</strong>s na sofreguidãocaça-níqueis.O tema da peça — <strong>uma</strong> discussão esplendidamentecolocada sobre a ética e a Igreja, num confronto entre averda<strong>de</strong> e a mentira, o conserva<strong>do</strong>rismo e a liberação —assume contornos poéticos e <strong>de</strong>nsos em torno da questãoda autenticida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Ser, tão cara a vários pensa<strong>do</strong>-112 113


es, especialmente enfatizada pelo metafísico (e semprediscuti<strong>do</strong>) Martin Hei<strong>de</strong>gger. Já no início, o espetáculo seapresenta empático, prenuncian<strong>do</strong> criativida<strong>de</strong>: o padreinterpreta<strong>do</strong> por Fróes se dirige à plateia, num sermão--diálogo, dan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>ixa para que se manifeste, senta<strong>do</strong>em meio ao público, o ator Ta<strong>de</strong>u Aguiar — que vive umjovem e inquieto seminarista. Ele se levanta, propon<strong>do</strong> aquestão <strong>de</strong> o sacerdócio po<strong>de</strong>r ser exerci<strong>do</strong> por mulherese fazen<strong>do</strong> <strong>uma</strong> apologia ao feminino.Há <strong>uma</strong> piada prévia sobre Ma<strong>do</strong>nna (a musa pop), realçadapor <strong>uma</strong> música da cantora, n<strong>uma</strong> trilha sonoraoportuna que passeia pelos ritmos norte-americanos,com direito a Louis Armstrong, Mahalia Jack e <strong>uma</strong> precisainclusão <strong>de</strong> Merce<strong>de</strong>s Benz, <strong>de</strong> Janis Joplin — tu<strong>do</strong>a ver com o contexto em que é colocada, sublinhan<strong>do</strong><strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> piada. O texto e a agilida<strong>de</strong> da montagempren<strong>de</strong>m a atenção <strong>do</strong> público praticamente to<strong>do</strong> otempo, com Ta<strong>de</strong>u Aguiar se mostran<strong>do</strong> um ator <strong>de</strong> recursose bela presença, com <strong>uma</strong> voz e timbre intrínseca etecnicamente musicais. Ele cresce nas cenas que exigemmais veemência na fala, colocan<strong>do</strong> emoção em discursoslibertários e inflama<strong>do</strong>s. A cena <strong>de</strong> sua nu<strong>de</strong>z, metafórica(remeten<strong>do</strong> à nu<strong>de</strong>z da alma), durante um sermão<strong>de</strong>finitivo, é plenamente estético, sem nada <strong>de</strong> apelativoou gratuito, apesar <strong>do</strong> belo físico e <strong>do</strong> charme <strong>do</strong> ator.Emblemática. Tu<strong>do</strong> a ver com a noção <strong>de</strong> Dasein (o estarno mun<strong>do</strong>) <strong>do</strong> cita<strong>do</strong> existencialista alemão Hei<strong>de</strong>gger.Os diálogos, brilhantemente traduzi<strong>do</strong>s e adapta<strong>do</strong>s porFlávio Marinho, se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bram em outros temas — tabuscom que a Igreja atual (e o ser h<strong>uma</strong>no) se <strong>de</strong>fronta, comoa questão <strong>do</strong> celibato, e até, ousada, mas, sutilmente, éabordada a sua (intolerância ante o homossexualismo ea liberação <strong>de</strong> costumes. Como foi bem coloca<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>,por alguns críticos cariocas, e incorpora<strong>do</strong> pela divulgaçãoda peça, o confronto <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s e i<strong>de</strong>iasentre um padre e um seminarista po<strong>de</strong>ria ter outro pano--<strong>de</strong>-fun<strong>do</strong> — “um diretor <strong>de</strong> hospital e um médico resi<strong>de</strong>nte,um reitor <strong>de</strong> <strong>uma</strong> Universida<strong>de</strong> e um professor, umjuiz e um advoga<strong>do</strong>, um técnico <strong>de</strong> futebol e um joga<strong>do</strong>r”(sic) — mas, mais precisamente, um psicanalista e <strong>uma</strong>nalisan<strong>do</strong> ou um diretor <strong>de</strong> teatro e um ator (há momentosexplícitos <strong>de</strong> metalinguagem ou metateatro).O que importa é o fio condutor <strong>do</strong> conflito, que remetea <strong>uma</strong> certa relação pai X filho, n<strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> transferênciamútua (sinalizan<strong>do</strong> um rito <strong>de</strong> passagem), quese <strong>de</strong>tém, sobretu<strong>do</strong>, no dilema moral e tergiversaçõessobre as muitas faces — e máscaras — que encobrem,114 115


mas acabam por remeter à verda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Ser, para o encontropleno com o Self (o eu interior).Essa travessia em direção à assunção plena <strong>do</strong> Ser e daverda<strong>de</strong> se presentificam na figura <strong>do</strong> padre conserva<strong>do</strong>r(aparentemente), um pouco bonachão (“boa praça”)e comunicativo vivi<strong>do</strong> por Rogério Fróes. Ele assume asdiversas máscaras da errância (em seu contato consigomesmo), representan<strong>do</strong> muito no cotidiano e apoian<strong>do</strong>--se em <strong>uma</strong> estrutura psicológica que lhe permite <strong>uma</strong>mais fácil — mas “falsa” — convivência com o Outro.No embate com a vivacida<strong>de</strong> jovial a autêntica <strong>do</strong> <strong>de</strong>sabri<strong>do</strong>seminarista (seu eficaz contraponto), sua Verda<strong>de</strong>profunda, ontológica, vem à tona. No final, o padrepronuncia <strong>uma</strong> frase revela<strong>do</strong>ra: “A gente tenta a vidainteira conquistar o amor das pessoas, mas só o obtémquan<strong>do</strong> não se luta mais por isso” (cita<strong>do</strong> não literalmente).Em s<strong>uma</strong>: tem <strong>de</strong> ser aquilo que se é, como na frase<strong>de</strong> Guimarães Rosa: “Agente só vive bem em harmoniacom os internos” (Gran<strong>de</strong> Sertão Veredas).O personagem <strong>de</strong> Rogério Fróes ganha <strong>do</strong> ator <strong>uma</strong> adaptaçãomadura e nuançada, capaz <strong>de</strong> exemplificar asdiversas pistas e <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong>paternal, que vai <strong>do</strong> leve disfarce (e <strong>uma</strong> certa hipocrisia)ao encantamento e à aceitação <strong>do</strong> seminarista, quetem algo — ou muito — <strong>de</strong> anjo transgressor. Os anjostambém gritam. Esse clamor <strong>de</strong> inocência e o<strong>de</strong> à purezasão valoriza<strong>do</strong>s pela eficiente e discreta iluminação (queora passeia pelos signos <strong>do</strong> cenário, se acentua mais, oué velada, nas cenas mais reflexivas e <strong>de</strong>nsas). A adaptaçãosoube misturar reflexão e a leveza <strong>do</strong> riso inteligente(<strong>de</strong>sta vez, o texto realmente faz jus ao apregoa<strong>do</strong> binônimoriso & reflexão).A direção <strong>de</strong> Gracin<strong>do</strong> Júnior é segura e econômica (talvez,subjetivamente, possa se aspirar a <strong>uma</strong> montagem maisritualística, com laivos mais rasga<strong>do</strong>s, grotwskianos, ouse acentuar mais a linha Peter Brook, que fala da “santida<strong>de</strong>”<strong>do</strong> ator), O sagra<strong>do</strong> é evoca<strong>do</strong> no vermelho dascortinas <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> cenário (um vermelho encarna<strong>do</strong>,<strong>do</strong> sangue <strong>de</strong> Cristo, e, também, <strong>de</strong> certa forma, no imaginário,associa<strong>do</strong> para<strong>do</strong>xalmente à transgressão, ao fogoda luxúria, só bem sutilmente evocada na montagem). Évermelho também o vinho que o padre bebe, o cenário— assim como o figurino, significativo, <strong>de</strong> Colmar Diniztem outras soluções felizes, como o nicho com a imagem<strong>de</strong> São Francisco (o seminarista é franciscano), que, aogirar, se transforma em um barzinho; ou o genuflexório,que, por sugestão <strong>do</strong> padre, se metamorfoseia em púlpi-116 117


pio, muito original. Mas o que o autor, diretor e atoresfizeram com esse material aparentemente simples é<strong>de</strong> um encanto extremamente envolvente, em sua sutileza,Cláudio Simões reafirma o seu talento como diretorbastante seguro (para quem só o conhecia sob esseângulo pela premiada direção <strong>de</strong> Puxa Vida). Aos 27 anos,já <strong>de</strong>u largas <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> ser um bom ator (<strong>de</strong>s<strong>de</strong>Sim — <strong>de</strong> Arrabal/Marfuz —, resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um Curso Livre,passan<strong>do</strong> por Beto e Teca) e autor, com Dias 94 e, principalmente,Quem Matou Maria Helena?O espetáculo flui fácil e gostosamente, com direito a muitasgargalhadas, repleto <strong>de</strong> um humor ágil, nem sempre totalmenteimprevisível, mas não cain<strong>do</strong> nunca no mau gosto ouno clichê. Por mérito geral, pequenos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> comportamentosão ressalta<strong>do</strong>s entre os jovens, cada um <strong>de</strong>les figuraperfeitamente i<strong>de</strong>ntificável no cotidiano e/ou na memória,mas, que, com a madura e surpreen<strong>de</strong>nte competência <strong>do</strong>satores (jovens entre 15 a 20 anos), assumem proporçõesmais amplas, colorin<strong>do</strong> nuances e, quase sempre, driblan<strong>do</strong>bem a categoria restrita <strong>de</strong> estereótipos.Vale sublinhar cada <strong>uma</strong> das interpretações <strong>do</strong> espetáculo,todas dignas <strong>de</strong> elogio. Sobretu<strong>do</strong> a inteireza da atuação<strong>de</strong> Madalena Motta (que não foi <strong>uma</strong> das mais notadasno bom espetáculo “Prisão <strong>do</strong> Ventre”, apesar <strong>de</strong> nessamontagem adulta <strong>de</strong> Osval<strong>do</strong> Rosa aparecer bem). Suaprofessora Margareth revela recursos insuspeita<strong>do</strong>s para<strong>uma</strong> garota <strong>de</strong> 16 anos, que sabe mesclar, com exatidão,a sofrida ina<strong>de</strong>quação e carência que se escon<strong>de</strong> por trásda máscara <strong>de</strong> aparente severida<strong>de</strong> e interesse político/material que a personagem instala em relação aos alunos.Já Jorge Alencar (um <strong>do</strong>s atores mais marcantes em Prisão<strong>do</strong> Ventre, igualmente integrante <strong>do</strong> Grupo Tabla<strong>do</strong>, nasci<strong>do</strong>na Escola Teresa <strong>de</strong> Lisieux), apesar <strong>do</strong> bom <strong>de</strong>sempenho,não chama tanto a atenção quanto no espetáculo <strong>de</strong>Osval<strong>do</strong> Rosa. Uma terceira atriz <strong>do</strong> grupo, Erica Nunes,<strong>de</strong>monstra versatilida<strong>de</strong>, ao viver a “complexada” Maria— um ângulo novo em sua incipiente carreira. OlíviaBarreto, que interpreta Patrícia, encanta pela a<strong>de</strong>quaçãofísica exata ao papel (<strong>de</strong> “Patricinha” típica), com suabeleza suave, jogo <strong>de</strong> cabelos e <strong>do</strong>çura, ganhan<strong>do</strong> maisa complacência da plateia para a personagem que <strong>uma</strong>possível antipatia por um aparente esnobismo (da personagem,não da atriz). Promete, com seus apenas 15 anos.O intérprete <strong>do</strong> “gordinho” Diogo (Marcelo Dalcon) é <strong>uma</strong>ótima revelação, surpreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a cada ângulo inespera<strong>do</strong>.Já Roníl<strong>do</strong> Júnior (Antônio), o mais velho <strong>do</strong> grupo (20anos), faz bem o tipo “garotão pobre, <strong>de</strong>scola<strong>do</strong> e inculto”,acentuan<strong>do</strong> seu la<strong>do</strong> viril e <strong>de</strong>spoja<strong>do</strong>, mas, apesar120 121


<strong>do</strong> talento evi<strong>de</strong>nte, recorre a alguns acentos monocórdios.Uma interpretação mais cerebral, que ren<strong>de</strong>ria maisse multiplicasse os jogos faciais e gestuais, a princípiocom bons insights, mas levemente repetitivos.A trilha musical funciona a contento, com direito a <strong>uma</strong>pérola <strong>de</strong> Cely Campello. Os figurinos e cenário sãoeficazes, e o colori<strong>do</strong> e a jovialida<strong>de</strong> prepon<strong>de</strong>ram, commomentos até líricos (como a <strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> ciúme e atraição), e a inveja, a competição, o companheirismo,o lúdico, o primeiro beijo — sucessivas <strong>de</strong>scobertas —permean<strong>do</strong> o texto, com economia e <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, além <strong>de</strong>oportunas alfinetadas que remetem a um contexto social,ora pelo viés crítico da realida<strong>de</strong> (os <strong>de</strong>sníveis sociais, omenor que trabalha, o baixo salário <strong>do</strong>s professores, arigi<strong>de</strong>z assusta<strong>do</strong>ra da diretora) ou meramente diverti<strong>do</strong>(as referências contextuais da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, comoa Estação da Lapa — on<strong>de</strong> Antônio ven<strong>de</strong> balas <strong>de</strong> leite —ou a mudança da professora <strong>do</strong> Engenho Velho <strong>de</strong> Brotaspara o Acupe, este um acha<strong>do</strong> hilariante).Postal <strong>de</strong>sbota<strong>do</strong>1995A montagem <strong>de</strong> Quincas Berro D’água revela-se frustrante,com exceção da cenografia e da interpretação <strong>de</strong>alguns atores.No dia <strong>do</strong> seu aniversário, o escritor Jorge Ama<strong>do</strong>, aocompletar 83 anos, recebeu um autêntico presente <strong>de</strong>grego. Não po<strong>de</strong>ria ser mais <strong>de</strong>sastrosa — em termos <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong> — a montagem <strong>de</strong> Quincas Berro D’Água, soba direção <strong>de</strong> Paulo Doura<strong>do</strong>, que marcou a abertura parao público da Sala <strong>do</strong> Coro <strong>do</strong> TCA, quinta-feira. De início,po<strong>de</strong>-se pensar que a peça ainda vai <strong>de</strong>morar um pouco,adquirin<strong>do</strong> um mínimo <strong>de</strong> timing, mas, lá para o meio daapresentação, essa expectativa é atrozmente <strong>de</strong>smentida.Para começar, o texto <strong>de</strong> Claudius Portugal não revelanenhum suingue. As cenas, em geral, apenas se esboçam,e os diálogos não transmitem <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada o universopicaresco <strong>de</strong> Jorge. Po<strong>de</strong>-se dar o <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong> que Claudius(bom poeta, além <strong>de</strong> critico <strong>de</strong> artes plásticas) estáfazen<strong>do</strong>, praticamente, sua primeira incursão na dramaturgia.Mas é claro que o texto, também é, visivelmenteprejudica<strong>do</strong> pela má concepção geral <strong>do</strong> espetáculo e pelapéssima direção <strong>de</strong> atores <strong>de</strong> Paulo Doura<strong>do</strong>.122 123


Má direçãoNão se sabe bem o que está acontecen<strong>do</strong> com PautoDoura<strong>do</strong>, ao optar, ultimamente, por montagens grandiloquentes,quase sempre <strong>de</strong> cunho épico e/ou social,pretensamente engajadas, repletas <strong>de</strong> baianida<strong>de</strong>,mas <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>scamban<strong>do</strong> perigosamente para oama<strong>do</strong>r (exceções à Conspiração <strong>do</strong>s Alfaiates, ótima, e àópera Lídia <strong>de</strong> Oxum). Se Canu<strong>do</strong>s tinha alg<strong>uma</strong>s visíveisfragilida<strong>de</strong>s, reunia qualida<strong>de</strong>s suficientes para situá-lo,pelo menos, muito acima <strong>de</strong>sse infeliz Quincas... Dá <strong>de</strong>10 a zero. Doura<strong>do</strong> é, indiscutivelmente, um diretor <strong>de</strong>méritos, e muitos não hesitam em colocá-lo entre os trêsmelhores da Bahia, mas, em Quincas..., inexplicavelmente,ele <strong>de</strong>ixa os atores perdi<strong>do</strong>s no palco.Começa pela linha estranhamente ridícula que é dada aobom ator Wilson Mello para viver o papel-título; o fantasmabêba<strong>do</strong> parece ter traços oligofrênicos, funcionan<strong>do</strong>muito mais eficazmente quan<strong>do</strong> se limita a um riso fixono rosto, ao simular estar “totalmente” morto (estica<strong>do</strong>).Nilda Spencer reafirma seu <strong>do</strong>m <strong>de</strong> empatia com a plateia(é bom tê-la <strong>de</strong> volta), mas sua comicida<strong>de</strong> natural mereciaum certo burilamento, para que seu personagem, a fofoqueiraMarocas, pu<strong>de</strong>sse realmente crescer. Andréa Elia(Quitéria <strong>do</strong> Olho Arregala<strong>do</strong>) <strong>de</strong>monstra, mais <strong>uma</strong> vez,ser boa atriz e, com sua voz rouca, exerce <strong>uma</strong> forte sensualida<strong>de</strong>,provan<strong>do</strong>, também, noção <strong>de</strong> ritmo, mas ten<strong>de</strong>,principalmente, no início da peça, para <strong>uma</strong> atuação over,po<strong>de</strong>ria ser bem mais contida. Está histriônica em excesso.Samba <strong>do</strong> quincas <strong>do</strong>i<strong>do</strong>No elenco, heterogêneo <strong>de</strong>mais, há lugar para a bela presença<strong>de</strong> Edlo Men<strong>de</strong>s, com um tipo físico a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para opoeta (o olhar é inteligente e expressivo), mas ainda tem,igualmente, <strong>de</strong> amadurecer a interpretação. Outros bonsatores, como Rai Alves, não chegam a dizer a que vieram.Mas é no elenco coadjuvante que se encontram alguns <strong>do</strong>strabalhos mais certeiros, como a elegante e irônica sobrieda<strong>de</strong><strong>de</strong> Mário Ga<strong>de</strong>lha, a espontaneida<strong>de</strong> ajustada <strong>de</strong> LuizViana (em duplo papel) e, principalmente, o <strong>do</strong>mínio cênico<strong>de</strong> Ednéas Santos — um <strong>do</strong>s melhores em cena.A rigor, a melhor coisa <strong>de</strong> Quincas... é a iluminação <strong>de</strong>Irma Vidal — teve problemas técnicos na estréia, que nãoofuscaram o impacto visual que ela cria. Impacto que éacompanha<strong>do</strong>, embora em menor escala, pelo cenário<strong>de</strong> Gilson Rodrigues — um <strong>do</strong>s nossos melhores cenógrafos,sem dúvida, mas que não realizou, <strong>de</strong>sta vez, um<strong>de</strong> seus trabalhos mais originais. Mesmo assim, a cenografiaé eficaz, com <strong>de</strong>staque para os efeitos que fazem124 125


Tocante1996Autor, atores, diretor e cenário remetem a um universo ru<strong>de</strong>e lírico no espetáculo Fala Comigo Doce Como a Chuva.A sensação ao se entrar na sala <strong>de</strong> espetáculos paraassistir à peça Fala Comigo Doce Como a Chuva, é a <strong>de</strong>um leitor subitamente atira<strong>do</strong> em meio ao <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong>um conto (como nas histórias que começam com reticências),e, ao sair, apenas meia-hora <strong>de</strong>pois, parece que se<strong>de</strong>ixou o conto inacaba<strong>do</strong>. Mas essa montagem <strong>de</strong> FalaComigo... vai além da beleza singela e lírica <strong>do</strong> texto <strong>de</strong>Tennessee Williams.Os signos em profusão <strong>do</strong> cenário emolduram a linguagem<strong>de</strong> Tennessee, forman<strong>do</strong> <strong>uma</strong> estética <strong>do</strong> precário,num cenário i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> Lígia Aguiar, para sublinhar asvidas dilaceradas — não se sabe exatamente por que —daquele casal <strong>de</strong>sencanta<strong>do</strong> e no cerne <strong>de</strong> <strong>uma</strong> crise. A<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e a riqueza na simplicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>de</strong>talhes <strong>do</strong>diretor Paulo Henrique Alcântara são magistrais para umestreante, fazen<strong>do</strong> supor <strong>uma</strong> trajetória longa <strong>de</strong> sucessospara ele.A sequência das fotos com as atrizes mortas e o <strong>de</strong>sejo<strong>de</strong> viagem da personagem feminina — para <strong>uma</strong> espécie<strong>de</strong> paraíso perdi<strong>do</strong>, um lugar puro, claro e rotineiro— são <strong>de</strong> <strong>uma</strong> dimensão poética comovente. EvelynBuchegger se entrega ao seu personagem com emoçãoe técnica, reafirman<strong>do</strong> que é <strong>uma</strong> das melhores atrizesda nova geração. Já João, que chamava atenção para oseu trabalho, sobretu<strong>do</strong> o corporal, em “Uma História <strong>de</strong>Boto Vermelho”, não <strong>de</strong>ixa, mesmo assim, <strong>de</strong> espantarpelo mo<strong>do</strong> sutil com que compõe seu personagem meiojunkie, meio beatnik, totalmente sem perspectivas eentregue a um <strong>de</strong>sespero corrosivo. Está propositalmentefragiliza<strong>do</strong>, hesitante, carente... Já a fala da personagem<strong>de</strong> Evelyn é tão convincente que remete a um imagináriocinematográfico, onírico... a água que a banha, e a chuvaque ele pe<strong>de</strong> à mulher que perpasse a <strong>do</strong>çura <strong>de</strong> sua falaé um contraponto à sujeira e ao caos que se abate sobreo casal. Do texto e da qualida<strong>de</strong> da montagem o especta<strong>do</strong>rsai, também, como se entrasse em contato coma água e seu po<strong>de</strong>r purifica<strong>do</strong>r. Atores, autor e diretorfalam com o público, <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> estranhamente vago,mas tocante, “<strong>do</strong>ce como a chuva”.128 129


Irrealida<strong>de</strong> cotidiana1996Direção, elenco, texto e iluminação – tu<strong>do</strong> empolga emNoite Encantada, fábula sócio-existencial bem-humoradae inquietante.“Era <strong>uma</strong> vez um homem que sonhou que era <strong>uma</strong> borboletaque sonhava que era um homem. Ao acordar, nãosabia mais se era um homem que sonhara ser <strong>uma</strong> borboleta,ou <strong>uma</strong> borboleta que sonhara ser um homem”. Emessência, esta é a síntese <strong>de</strong> <strong>uma</strong> antiga fábula budista.E é <strong>de</strong>ssa textura <strong>de</strong> extrema interrogação existencial quese compõe a peça Noite Encantada, <strong>do</strong> polonês SlowomirMrozek (genial, como sempre), com direção <strong>de</strong> EwaldHackler e um elenco afia<strong>do</strong>: Haril<strong>do</strong> Déda, Carlos Nascimento(habituais intérpretes <strong>de</strong> espetáculos dirigi<strong>do</strong>spor Hackler) e Selma Santos, voltan<strong>do</strong> aos palcos. Encanta<strong>do</strong>sé bem um termo que cabe ao esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> alumbramentoe leveza em que se encontram os especta<strong>do</strong>res,após assistirem ao espetáculo – sem dúvida, a melhorestreia <strong>do</strong> teatro baiano em 1996, até agora.Ewald Hackler volta a fazer valer toda sua maestria empontilhar <strong>de</strong> <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za, sensibilida<strong>de</strong> e aguda percepçãosocial/existencial em montagens que privilegiam textosricos e cristalinos, como esse Noite Encantada. Aliás, dificilmentehaverá outros diretores que conseguem iluminartão bem as virtu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> polonês Mrozek como o alemão--baiano Hackler. O texto – <strong>uma</strong> metáfora sobre a existênciae “irrealida<strong>de</strong>” <strong>do</strong> Real, com pequenos, mas <strong>de</strong>finitivos,toques <strong>de</strong> observação social certeiros – tem no cenáriosimples e <strong>de</strong>talhista <strong>de</strong> Hackler o território perfeito paraque a ação evolua. Prova <strong>de</strong> que se po<strong>de</strong> fazer um cenáriomais <strong>do</strong> que eficiente, preciosista, com poucos recursos,como as belas camas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> tom avermelha<strong>do</strong>, oespelho embaça<strong>do</strong> (a refletir a dúvida acoita<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> egoante a própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>) e a janela, com cortinas semprea flutuar ao sabor <strong>de</strong> um hipotético vento.Iluminação BrilhanteHaril<strong>do</strong> Déda arquiteta seu personagem com a inteligênciae a perspicácia <strong>de</strong> sempre, sen<strong>do</strong> redundante falar <strong>do</strong>seu talento, já <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> estar incluí<strong>do</strong> em qualquer antologiasobre os melhores atores brasileiros. Cacá Nascimento,sempre bom ator, <strong>de</strong>sta vez surpreen<strong>de</strong> em cheio,ao superar a postura mais empostada <strong>de</strong> espetáculosanteriores: aqui, sua figura ganha assomos <strong>de</strong> um personagemlevemente clownesco (contornos sublinha<strong>do</strong>spela maquiagem <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong>te Eloy) e, sem trair a postura130 131


contida, caminha no fio <strong>de</strong> arame <strong>de</strong> um humor sutil, masexcitante, chegan<strong>do</strong> a <strong>uma</strong> interpretação quase cinematográfica– lembran<strong>do</strong> <strong>uma</strong> galeria <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s comediantes<strong>do</strong> cinema, com toques chaplinianos, <strong>de</strong> um JerryLewis bastante clean (<strong>uma</strong> hipérbole, é óbvio) a BusterKeaton e o novato Johnny Depp (no filme em que brinca<strong>de</strong> Carlitos). Das montagens teatrais <strong>do</strong> ano, talvez sejao melhor ator.Mrozek e Arlequim, Servi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Dois Amos, <strong>de</strong> Gol<strong>do</strong>ni.Aliás, o ator premia<strong>do</strong> em Blumenau, na segunda montagem<strong>de</strong> Em Alto Mar, foi, na verda<strong>de</strong>, Lúcio Tranchesi. Éimprescindível assistir Noite Encantada, no Teatro SantoAntônio, montagem que tem, <strong>de</strong> quebra, trilha sonora,com acha<strong>do</strong>s, com direito a trechos latinos, e figurinoscorretos e elegantes.Selma Santos, com sua figura imponente, carnuda, antea evi<strong>de</strong>nte fragilida<strong>de</strong> física <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is personagens masculinos,funciona como um forte contraponto erótico, belasformas <strong>de</strong>senhadas num vesti<strong>do</strong> vermelho. Encarnação<strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo, ela entra em cena um tanto tímida, mas <strong>de</strong>poisrecupera o timing e soma seu talento ao clima, onírico (bemexecuta<strong>do</strong>) <strong>do</strong>minante. Mas fica a impressão <strong>de</strong> que a atriz,apesar <strong>de</strong> vários ótimos momentos, po<strong>de</strong> dar mais flexibilida<strong>de</strong>e explorar melhor a sensualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> personagem.A iluminação <strong>de</strong> Eduar<strong>do</strong> Tu<strong>de</strong>lla, também é a maisbrilhante da temporada. Magnífica em sua singeleza, comseus tons claros e suaves, a responsável, também pelogran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r evocativo <strong>de</strong> magia que emana <strong>do</strong> espetáculo– possivelmente, a melhor e mais bela montagem <strong>de</strong>Hackler <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Em Alto Mar, na primeira versão (que revelavaJúlio Góes e tinha um cenário fantástico), também <strong>de</strong>132 133


Emoções bem-temperadas1997Com <strong>uma</strong> trama bem-engendrada e bem-humorada, oespetáculo Abismo <strong>de</strong> Rosas agrada ao especta<strong>do</strong>r.Uma trama bem-engendrada e bem-humorada (sem <strong>de</strong>ixar<strong>de</strong> passar pelos <strong>de</strong>svãos da alma h<strong>uma</strong>na, com um toquenelsonrodrigueano) e a direção segura <strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Guerreirofazem com que os cerca <strong>de</strong> 90 minutos <strong>do</strong> espetáculoAbismo <strong>de</strong> Rosas passem <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> gostoso. Oespecta<strong>do</strong>r não se per<strong>de</strong> n<strong>uma</strong> história e, que cada atorrepresenta <strong>do</strong>is personagens. A ação progri<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>fluente e lúdico, para chegar à catarse, num final surpreen<strong>de</strong>nte.Cláudio Simões confirma ser a melhor revelação<strong>de</strong> autor <strong>do</strong> teatro baiano <strong>do</strong>s últimos tempos, superan<strong>do</strong>o que havia <strong>de</strong> confuso e muito intrinca<strong>do</strong> em seu primeirosucesso, o monólogo Quem Matou Maria Helena?Nadja Turenko se <strong>de</strong>staca, ao marcar, <strong>de</strong> maneiras bemdistintas, seus <strong>do</strong>is personagens. Há <strong>uma</strong> metamorfoseentre a <strong>do</strong>ce Júlia e a hierática e rígida psicanalistaBethânia Guimarães – ou <strong>do</strong>utora Beth -, que escon<strong>de</strong>um vulcão <strong>de</strong> emoções. Nadja é <strong>uma</strong> atriz com um talentomaduro e que <strong>de</strong>monstra insuspeita<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res vocais,ao cantar, com <strong>uma</strong> voz bem-encorpada (ela está toman<strong>do</strong>aulas <strong>de</strong> canto há alguns anos).Clécia Queiroz também brilha em cena, ao esquematizarseus personagens, extrain<strong>do</strong> humor <strong>do</strong> que faz, quercomo a juíza Cândida ou a aten<strong>de</strong>nte Lúcia. É chover nomolha<strong>do</strong> falar, também, <strong>do</strong>s seus atributos como cantora(já gravou um disco, a ser lança<strong>do</strong> em maio, o que mostrasua in<strong>de</strong>pendência como intérprete musical). Na divisão<strong>de</strong> papéis, sobrou um pouco pra Wagner Moura, que, seestá muito bem como Juliano, cai no personagem Zé, pelotom caricato <strong>de</strong>mais. É também prejudica<strong>do</strong> pelo figurino.A caracterização <strong>do</strong> ator – há falha também <strong>do</strong> texto– faz o personagem parecer mais malandro <strong>de</strong> morro <strong>do</strong>que um operário, usan<strong>do</strong> até um <strong>de</strong>snecessário gorrovermelho. Um <strong>de</strong>slize que o figurinista Filinto Coelho e odiretor e o ator po<strong>de</strong>m resolver, e que não chega a maculara limpeza <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> ator <strong>de</strong> Wagner.O figurino <strong>de</strong> Filinto Coelho consegue se resolver em gran<strong>de</strong>parte, levan<strong>do</strong>-se em conta que ele precisava recorrera certos signos óbvios para melhor distinguir os duplospersonagens <strong>de</strong> cada ator. O escorregão mesmo fica porconta da caracterização <strong>de</strong> Zé. Euro Pires <strong>de</strong>ixa o públicoperplexo, com um cenário inusita<strong>do</strong>, on<strong>de</strong> várias camasparecem se superpor, lidan<strong>do</strong> com planos geométricos.134 135


A solução encontrada – muitos leitos e divãs – remete aoerotismo que perpassa todas as relações, sobretu<strong>do</strong> asamorosas. E não é à toa que tem um toque psicanalítico.A iluminação <strong>de</strong> Irma Vidal, como sempre, é precisa. E atrilha sonora, <strong>de</strong>lineada por Aleksei Turenko, toda pautadaem Lupicínio Rodrigues, revolve o tragicômico e alama das paixões, trazen<strong>do</strong> muitas pérolas <strong>do</strong> compositorgaúcho pouco conhecidas. As músicas, em momentoalgum, soam gratuitas, e se inserem primorosamente noenre<strong>do</strong> da peça. Vale <strong>de</strong>stacar, ainda, os <strong>do</strong>tes vocais <strong>de</strong>Wagner Moura, já revela<strong>do</strong>s em A Casa <strong>de</strong> Eros.Pérola cênica1997Dramaturgia, elenco e direção se afinam no espetáculoAcho Que Te Amava, <strong>uma</strong> pequena pérola <strong>do</strong> cenárioteatral baiano.Acho Que Te Amava – em apresentação no Teatro <strong>do</strong> Sesi,às 18h30min -, já em sua pré-estreia, na última quinta--feira, correspon<strong>de</strong>u plenamente às expectativas. O texto<strong>de</strong> Elísio Lopes Jr – um dramaturgo que cresce e passaa merecer maior atenção, com apenas 21 anos, <strong>de</strong>pois<strong>do</strong> boom <strong>de</strong> Cláudio Simões – mantém a atenção presadurante cerca <strong>de</strong> <strong>uma</strong> hora <strong>de</strong> espetáculo, com tipos bem--<strong>de</strong>senha<strong>do</strong>s e plausíveis. A direção <strong>de</strong> Paulo HenriqueAlcântara é sensível e segura, e nesse seu segun<strong>do</strong> (oanterior foi Fala Comigo Doce Como a Chuva) ele comprovaque veio pra ficar. É a maior revelação <strong>de</strong> diretor teatral<strong>do</strong>s últimos cinco anos.Os atores estão muito bem em cena, mas Wagner Moura,por fazer o personagem trágico, <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> econflitos exacerba<strong>do</strong>s, em sua urgência <strong>de</strong> viver, tem aoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer <strong>uma</strong> interpretação mais dramática,que convence e comove, sem cair no exagero. Alethea136 137


Novaes, como a fatal jovem Renata, hesita um pouco, aprincípio, ao se apossar da personagem, mas quan<strong>do</strong> ofaz, logo no início da peça, <strong>de</strong>cola completamente. SuaRenata – cheia <strong>de</strong> vivacida<strong>de</strong> e irresponsabilida<strong>de</strong> –existe em cena, e quan<strong>do</strong> Caio (Wagner Moura) apontaum revólver para ela, sua expressão facial se transformatotalmente, n<strong>uma</strong> metamorfose capaz <strong>de</strong> ser exercidasomente por gran<strong>de</strong>s atrizes.<strong>uma</strong> pequena pérola sobre a voracida<strong>de</strong> e a irresponsabilida<strong>de</strong>juvenis, lançan<strong>do</strong> um olhar <strong>de</strong> afeto sobre essemun<strong>do</strong>, concebi<strong>do</strong> por quem o vive <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro.Vladimir Brichta, como o planta<strong>do</strong> Gustavo Barros,também está impecável, sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> fle<strong>uma</strong>tismo <strong>de</strong> seupersonagem, para, igualmente, refletir toda a tensão <strong>do</strong>clima que se instaura em cena. Além disso, está elegantíssimo.Os figurinos, aliás, são perfeitos, com a escolha<strong>de</strong> Lígia Aguiar, também responsável pelo belo cenário,muito chique e convincente. A iluminação sutil <strong>de</strong> FábioEspírito Santo também funciona a contento, assim comoa trilha sonora <strong>de</strong> Luciano Bahia. Visível, ainda, e louvávelo trabalho <strong>de</strong> preparação corporal e vocal <strong>de</strong> NadjaTurenko. Apenas um <strong>de</strong>slize, envolven<strong>do</strong> a trilha sonorae, sobretu<strong>do</strong>, a direção: po<strong>de</strong>-se amarrar mais e melhoros momentos finais. A personagem Renata <strong>de</strong>mora umpouco <strong>de</strong>mais para reagir e, com isso, atrapalha o clímax<strong>do</strong> espetáculo. Nada que um pouco mais <strong>de</strong> ensaio nãopossa resolver. Mesmo assim, a peça continua sen<strong>do</strong>138 139


Labirinto h<strong>uma</strong>no1997Texto espanhol, diretora alemã e elenco baiano resultam numespetáculo entranhadamente brasileiro e universal. Trata-se<strong>de</strong> Divinas Palavras, em cartaz no Teatro Gregório <strong>de</strong> Mattos.Assistir à peça Divinas Palavras, (em cartaz no TeatroGregório <strong>de</strong> Mattos) é penetrar num terreno encantatório,mágico, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> vislumbrar zonas abissais daalma h<strong>uma</strong>na, postas a nu, no ru<strong>de</strong> contato com a naturezainóspita. É impressionante como a diretora NehleFranke, alemã, adaptou tão bem um texto <strong>do</strong> espanholRamón Del Valle-Inclán para o interior <strong>de</strong> um Brasil áspero,mas que po<strong>de</strong> ser universal, em sua linguagem <strong>de</strong>miséria e ari<strong>de</strong>z.Nehle Franke reafirma o talento que <strong>de</strong>monstrou em AMatança <strong>do</strong> Porco – exibida no primeiro projeto Julho emSalva<strong>do</strong>r, no Museu <strong>de</strong> Arte da Bahia. A mão da diretorase faz sentir nos mínimos <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>ssa nova montagem,a começar pela magnífica direção <strong>de</strong> atores, quese vêem atrela<strong>do</strong>s a um ambiente que tem muito <strong>de</strong> umJoão Guimarães Rosa, por exemplo – não à toa cita<strong>do</strong> noprograma. A história <strong>do</strong> espetáculo vive mais <strong>de</strong> peque-nos acontecimentos que transmutam o cotidiano, verda<strong>de</strong>irasepifanias – em qualquer senti<strong>do</strong> em que queiramempregar a palavra -, <strong>do</strong> que <strong>de</strong> um fio narrativo tãominucioso, embora ele exista, claro.Os atores, aproveita<strong>do</strong>s no limite máximo <strong>de</strong> seus recursos.É o caso <strong>de</strong> Evelyn Buchegger, irreconhecível comoMarica Del Reino. Uma atriz que cresce a cada espetáculo.Andréa Elia está plena <strong>de</strong> sensualida<strong>de</strong> e enfeitiçamento,não à toa figuran<strong>do</strong> no papel central. Fábio Vidal compõemiraculosamente o papel <strong>do</strong> jovem aleija<strong>do</strong>, num arranjocorporal magnífico. Caco Monteiro, ultra-sedutor em seudiabólico personagem. Ana Paula Bouzas chega a roubarmuitas cenas com sua hilária e sofrida La Tatula. Cibele<strong>de</strong> Sá, como Simoniña, é <strong>uma</strong> grata revelação. Os elogiosse esten<strong>de</strong>m a Caíca Alves, Elydia Freire, Kátia Leal e Rino<strong>de</strong> Carvalho Inácio – to<strong>do</strong>s transbordantes <strong>de</strong> talento.A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> se conceber <strong>uma</strong> arquibancada móvel para opúblico é surpreen<strong>de</strong>nte e funciona muito bem. A cadavez que a arquibancada gira, a plateia se <strong>de</strong>fronta com<strong>uma</strong> cena diferente, com um cenário que magicamentese multiplica em sua aparente rigi<strong>de</strong>z, a realçar a mutabilida<strong>de</strong><strong>do</strong> Real, mesmo quan<strong>do</strong> aparentemente quasenada acontece para tirar aquelas vidas <strong>de</strong> suas verda<strong>de</strong>sasfixiantes. Aliás, o cenário, <strong>de</strong> Ayrson Heráclito, é outro140 141


da<strong>do</strong> que faz com que o espetáculo ganhe a dimensãomaior que assume.Os figurinos, <strong>de</strong> Moacyr Gramacho, são inspira<strong>do</strong>s, assimcomo a música e a direção musical <strong>de</strong> Xangai. A adaptação<strong>do</strong> texto, <strong>de</strong> Xangai e Elomar, também é muitobem-cuidada, e a participação <strong>do</strong> sanfoneiro Claudinho,nota 10. Enfim, um texto e <strong>uma</strong> montagem que extraemda alma <strong>de</strong> seus personagens a ari<strong>de</strong>z das pedras. Maiso po<strong>de</strong>r transfigura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> homem, beiran<strong>do</strong> o limite <strong>do</strong>fantástico, ao discutir e expor seus me<strong>do</strong>s e tabus ancestrais,como a existência <strong>do</strong> diabo (tema tão caro tambémao <strong>de</strong> Guimarães Rosa <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas). Emcena, o ser h<strong>uma</strong>no, que se <strong>de</strong>bate entre as forças milenaresda transgressão e da repressão, da ousadia e <strong>do</strong>me<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s os personagens.O Insustentável peso<strong>de</strong> <strong>uma</strong> comédia1997Não menos que <strong>de</strong>cepcionante a encenação <strong>de</strong> DonJuan, <strong>de</strong> Moliére/Brecht, dirigida pelo ultra-talentosaCarmen Paternostro. Não se sabe o que aconteceu,<strong>de</strong>sta vez, com a diretora (também coreógrafa) <strong>de</strong> Otelo,Merlin, Dendê e Dengo e Os Negros – to<strong>do</strong>s espetáculosexcelentes. Criteriosa, <strong>de</strong>nsa, guerreira, ela pesquisou ese aprofun<strong>do</strong>u no mito-tema, mas, na sua nova montagem,o resulta<strong>do</strong> é enfa<strong>do</strong>nho, pesa<strong>do</strong> e sem graça,mesmo contan<strong>do</strong> alguns efeitos cênicos sensíveis e atéfeéricos. O cenário <strong>de</strong>sconcerta, no seu exagero <strong>de</strong> core, ao mesmo tempo, nu<strong>de</strong>z (assina<strong>do</strong> por Marepe, artistaplástico), num berrante tom bor<strong>de</strong>aux, nas pare<strong>de</strong>ssemicirculares, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o teatro com a arena completamentenua, que cansa pela má utilização <strong>do</strong> espaço.Mas, também, produz efeitos bastante expressivos,como as plantas (ou florais) que saem das pequenasjanelas, ou se encontram nos cantos <strong>do</strong> ambiente.Sérgio Farias, como Don Juan, consegue dar alg<strong>uma</strong>leveza, fazen<strong>do</strong> um personagem até certo ponto insinu-142 143


ante, <strong>de</strong>senvolto e com fair-play. Mas é Narcival Rubens– como o cria<strong>do</strong> Sganarelle – o responsável pelas melhorescenas, mostran<strong>do</strong> um senso histriônico fantástico epresença vigorosa. A gran<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ator, atéo momento. Dentre as mulheres, Laila Garin é a maissedutora. Sua Charlote é coquete, sonsa, atraente, <strong>uma</strong>versão feminina <strong>de</strong> Don juan. Uma atriz que cresce echama a atenção, além da bela e charmosíssima presença.Já Cátia Martins, apesar <strong>de</strong> não fazer um mau trabalho(pelo contrário), imprime <strong>uma</strong> dramaticida<strong>de</strong> excessiva oseu personagem, a esposa <strong>de</strong> Don Juan, contrastan<strong>do</strong>com o ritmo pretensamente leve que se quis conferir aoespetáculo. A lamentar, ainda, a neutra performance <strong>de</strong>um ator bom e tarimba<strong>do</strong> como Carlos Petrovich.Os figurinos, <strong>de</strong> Miguel Carvalho, são irregulares, emborabastante criativos. As roupas <strong>do</strong> personagem-título, porexemplo, são lindas, mas o vermelho <strong>do</strong> traje inicial tornamais berrante o resulta<strong>do</strong>, soma<strong>do</strong> ao cenário. Além disso,o recurso <strong>do</strong>s tons amarelos e marrons, para simbolizar ospersonagens <strong>do</strong> povo, também aparecem como cansativos,chapa<strong>do</strong>s. Outra das figuras mais bem-vestidas emcena é Denny Neves, bem como são bonitos e criativomuitos <strong>do</strong>s trajes femininos. Alg<strong>uma</strong>s vezes, alcança umtom esfuziante. A iluminação, <strong>de</strong> Patrick Schimitt, não temmaiores inspirações, mas é, inegavelmente, eficiente.Resta sublinhar a dança flamenca (po<strong>de</strong>ria ser maisexplorada), que não aparece muito bem-colocada nocontexto, tornan<strong>do</strong> a montagem um tanto <strong>de</strong>sarticuladae longe das (ótimas) intenções da autora. Falta a buscadahispanidad. E o texto, não se sabe se por culpa datradutora paulista, escorrega, alg<strong>uma</strong>s vezes, no banal,piegas e previsível. Nada digno <strong>de</strong> um Brecht. Carmenensaiou, mergulhou no universo <strong>do</strong> tipo cria<strong>do</strong> por Tirso<strong>de</strong> Molina (autor da história original <strong>de</strong> Don Juan) e secercou <strong>de</strong> atores bem-intenciona<strong>do</strong>s, mas alguns (oualguns) elementos <strong>de</strong>sestabiliza<strong>do</strong>res fizeram com queessa montagem quase naufragasse, algo atípico na trajetória<strong>de</strong> <strong>uma</strong> <strong>de</strong> nossas mais férteis e criativas diretoras,<strong>de</strong> carreira consolidada internacionalmente, <strong>de</strong> Minas àÍndia, passan<strong>do</strong> pela Alemanha, <strong>de</strong>ntre outros cantos <strong>do</strong>planeta. Oxalá, com o tempo, o espetáculo adquira ummelhor ritmo e aprimore suas qualida<strong>de</strong>s.144 145


Fio <strong>de</strong> esperança1997Lágrimas <strong>de</strong> Um Guarda-Chuva. Pequeno poema cênico,que atinge o coração e a mente <strong>do</strong> especta<strong>do</strong>r.Penetrar no universo <strong>de</strong> Lágrimas <strong>de</strong> Um Guarda-Chuva–em cartaz no Expresso Baiano, <strong>do</strong> Clube Baiano <strong>de</strong> Tênis –é entrar em contato com vidas amargas, que só se mantém<strong>de</strong>spertas por um fio <strong>de</strong> esperança. A solidão <strong>do</strong> artista, tãobem metaforizada, no texto <strong>de</strong> Eid Ribeiro, por um grupo<strong>de</strong> estra<strong>de</strong>iros que ven<strong>de</strong> um show bizarro, é pungente.É também tocante como aquelas existências à margemconseguem continuar, num exercício <strong>de</strong> estoicismo.O texto é belo, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> beleza estranha, mas cujo estranhamentoé positivo, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> nos dar <strong>uma</strong> sensação <strong>de</strong>singularida<strong>de</strong>, bem como queriam Chklovscki e os formalistasrussos. A diretora Carmen Paternostro conseguiu, <strong>de</strong>stavez, recuperar o seu ritmo e nos <strong>de</strong>u <strong>uma</strong> encenação <strong>de</strong>sutil e tosca beleza. Os elementos <strong>de</strong> que se cerca, além <strong>de</strong>sua hábil direção, nos dão <strong>uma</strong> plasticida<strong>de</strong> tocante, comoo sugestivo cenário <strong>de</strong> Euro Pires, a ousada iluminação <strong>de</strong>Irma Vidal e os sensíveis figurinos <strong>de</strong> Maurício Martins.Yulo Cezzar encanta como o agreste Mestre Sansão, emsua estoica sobrevivência <strong>de</strong> artista; Rose Anias faz <strong>de</strong>sua Zambê <strong>uma</strong> preciosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rusticida<strong>de</strong> somada aosofrimento; Luiz Pepeu é, entre os cegos, o que mais se<strong>de</strong>staca, mexen<strong>do</strong> com a plateia, com sua figura <strong>de</strong> negovéio, mas Tom Carneiro e Urias Lima também conseguemboas caracterizações <strong>de</strong> cegos. A esperteza <strong>de</strong>sses trêspersonagens (os três cegos), aliás, fazem a peça crescerem empatia no momento em que eles estão presentes. JáAri Guimarães, como Carmelo, <strong>de</strong>sperdiça – talvez pelaimaturida<strong>de</strong> – um personagem riquíssimo, <strong>de</strong> belo figurinoe que tem <strong>uma</strong> entrada apoteótica, como <strong>uma</strong> citação<strong>do</strong> Corisco glauberiano.Por tu<strong>do</strong>, Lágrimas <strong>de</strong> Um Guarda-Chuva. – com seuslin<strong>do</strong>s efeitos especiais, <strong>do</strong> mago Fritz Gutmman – é umespetáculo para ser visto com urgência. Atinge o coraçãoe a mente <strong>do</strong> especta<strong>do</strong>r, simultaneamente. E enche seusolhos <strong>de</strong> beleza.A cor <strong>do</strong> barro e da angústiaA iluminação <strong>de</strong> Irma Vidal, merece um comentário àparte. Fundin<strong>do</strong>-se ao tom ocre em que o cenário, <strong>de</strong>Euro Pires, é to<strong>do</strong> concebi<strong>do</strong>, a luz carrega no vermelhoe em tons alaranja<strong>do</strong>, amarelo e sépia, ten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ás146 147


vezes, ao marrom – embora também se utilize <strong>de</strong> um azulmuito suave -, reforçan<strong>do</strong> a impressão <strong>de</strong> que aquelasvidas <strong>de</strong>senhadas, no texto e na encenação, se fun<strong>de</strong>m àprópria terra e sua ari<strong>de</strong>z.O sépia e o ocre pre<strong>do</strong>minantes remetem também aobarro e à poeira incrustada nas vestes e nas peles daquelespersonagens solitários grotescos, patéticos e, noentanto, po<strong>de</strong>rosamente h<strong>uma</strong>nos. A iluminação coroato<strong>do</strong> o trabalho cênico da diretora Carmen Paternostro eseu elenco, fundin<strong>do</strong>-se, além <strong>do</strong> cenário (não-realista)<strong>de</strong> Euro Pires, ao toque <strong>de</strong> fantasia sugeri<strong>do</strong> pelos figurinosem tom <strong>de</strong> sonho <strong>de</strong> Maurício Martins. Um toquesensível, que faz com que os especta<strong>do</strong>res se sintamnausea<strong>do</strong>s pela <strong>do</strong>r mostrada em cena, mas perpassa<strong>do</strong>spor um olhar repleto <strong>de</strong> ternura e compaixão. Soberba!No tom certo1997Medéia, em cartaz na Sala <strong>do</strong> Coro <strong>do</strong> TCA, tem direçãocompetente e um elenco afina<strong>do</strong>. O cenário é um<strong>do</strong>s <strong>de</strong>staques.Uma poesia seca perpassa a Medéia encenada peloalemão Hans-Ulrich Becker, na Sala <strong>do</strong> Coro <strong>do</strong> TCA.Quan<strong>do</strong> o público entra e se <strong>de</strong>para com a aspereza <strong>do</strong>cenário, <strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Müller-Elmau, não sabe quantoele irá crescer. Já <strong>de</strong>ntro da tenda que ocupa a lateraldireita, na frente <strong>do</strong> palco (a casa <strong>de</strong> Medéia), surge avoz transfigurada <strong>de</strong> Rita Assemany (Medéia); sob o tol<strong>do</strong>que encobre o barco velho ancora<strong>do</strong> no la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong>,aparecem, subitamente, as figuras femininas <strong>do</strong> coro,com sua eloquência e musicalida<strong>de</strong>.Logo <strong>de</strong> início, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nha-se o perfil da peça – <strong>uma</strong> tragédiaque se embebe <strong>de</strong> <strong>uma</strong> linguagem contemporânea,mas intocada em sua essência: a da mulher que nãoconsegue controlar seus impulsos vingativos, contagiadapelos valores <strong>de</strong> sua cultura, e que se vale da feitiçariapara assassinar a rival, matan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pois, os filhos.Medéia luta e hesita entre o sentimento materno e seusenso peculiar <strong>de</strong> justiça.148 149


Tanto os gritos dilacera<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Rita Assemany como o<strong>de</strong>sespero da Aia (Nélia Carvalho), soma<strong>do</strong>s ao cantoencantatório <strong>do</strong> coro e a música, magistralmente concebidapor Harald Weiss, fazem antever que <strong>uma</strong> tragédia vaise abater em cena. Os cantos, súplicas, imprecações –acentua<strong>do</strong>s pelo caráter <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>r da música – soamcomo verda<strong>de</strong>iras premonições. O diretor Hans-Ulrichnão <strong>de</strong>ixa o ritmo cair. O especta<strong>do</strong>r – mesmo conhecen<strong>do</strong>a história – assiste, tenso, ao que está suce<strong>de</strong>n<strong>do</strong>.Hans-Ulrich faz com que a ação <strong>de</strong> seus personagensseja constante, não <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> nunca que os diálogos semantenham assépticos. Os atores sempre se ocupam<strong>de</strong> algo, enquanto dizem suas falas, um exercício paramanter presa a atenção e preservar a flui<strong>de</strong>z da encenação.Rita Assemany prova que tem talento dramático osuficiente para viver <strong>uma</strong> dialética Medéia, que consegueser compreendida pelo público, apesar da inexorabilida<strong>de</strong><strong>de</strong>s<strong>uma</strong>na <strong>de</strong> seus gestos. Des<strong>uma</strong>na, mas <strong>de</strong>masia<strong>do</strong>h<strong>uma</strong>na – eis o para<strong>do</strong>xo que a atriz consegue estabelecerem cena, trazen<strong>do</strong>, como queria, a mulher quevive para perto <strong>do</strong> público, mesmo quan<strong>do</strong> se vale <strong>de</strong>um certo tom naturalista (em alg<strong>uma</strong>s falas), <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>claro o seu intento. Trágica, falsa ou lírica, sua Medéia ésempre <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>.Fernan<strong>do</strong> Fulco é outro que h<strong>uma</strong>niza ao máximo o seuJasão, optan<strong>do</strong> por <strong>uma</strong> leitura que torna o personagemsincero no que diz e não o cínico a que parece remeteroutras leituras <strong>do</strong> texto. Emoção na <strong>do</strong>se certa. A químicaentre Rita e Fulco é prefeita. Haril<strong>do</strong> Deda, como Creonte,tem <strong>uma</strong> aparição marcante, revelan<strong>do</strong> o la<strong>do</strong> corroí<strong>do</strong>(o mais visível) <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r. Ator que sempre imprime <strong>uma</strong>forte marca pessoal em qualquer aparição, Gi<strong>de</strong>on Rosa,por sua vez, como Egeu, impactua, com sua voz tonitruante,ao subir no palco, e torna sua presença inquietante.Explicita o que o diretor comentou, ao <strong>de</strong>fini-lo como “<strong>uma</strong>rquiteto da cena”.Evani Tavares tem um precioso momento solo, como aMensageira. Atriz que não para <strong>de</strong> crescer e ampliar osseus recursos, não <strong>de</strong>sperdiçan<strong>do</strong> <strong>uma</strong> bela oportunida<strong>de</strong>.Edmilson <strong>de</strong> Barros, como o Mentor, mostra suapresença suave, sensível e também incorre em algunsmomentos <strong>de</strong> naturalismo, tornan<strong>do</strong> mais leve seupersonagem. Nunca é <strong>de</strong>mais, ainda, ressaltar a presençacênica, as vozes e a percussão <strong>do</strong> coro, engenhoso ecoeso, com oportunida<strong>de</strong> para todas as atrizes brilharem,embora alg<strong>uma</strong>s se <strong>de</strong>staquem mais. Mas todas – IamiRebouças Freire (esplêndida), Bárbara Borga, Laila Garin,Fátima Carvalho, Fafá Menezes, Kika Arábia, Tainã Andra-150 151


<strong>de</strong>, Cristine Car<strong>do</strong>so e Cláudia Sant’ana são presençasenvolventes, seja pela postura corporal, pela voz, ou porambas. Nunca é <strong>de</strong>mais elogiar a hábil e sonora direção<strong>de</strong> Harald Weiss para esse grupo, com músicas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>acerto – e que vão se transformar num CD.A afro-baianida<strong>de</strong> se encontra, também, em algunsmomentos entre Medéia e Jasão, quan<strong>do</strong> ela, enganosamente,num momento, apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, lírico, oferecelambretas ao ama<strong>do</strong>. O fogo é um elemento centralna montagem, contan<strong>do</strong> com a participação valiosa <strong>do</strong>exímio Fritz Gutman e seus efeitos especiais. A magiainvocada por Medéia cerca-a <strong>de</strong> flores, água, terra e ar.Um espetáculo cuja aparente fria geometria <strong>do</strong> cenário serevela <strong>de</strong>nso, cru, alimenta<strong>do</strong> pela alma <strong>do</strong>s atores, quese entregam, po<strong>de</strong>rosos, em cena. Uma feliz fusão <strong>de</strong>culturas, que conta com a assessoria luxuosa <strong>de</strong> CleiseMen<strong>de</strong>s, na dramaturgia, ao texto original <strong>de</strong> Eurípe<strong>de</strong>s.A Trilha da perversão1998Carne Fraca, boa releitura <strong>de</strong> Elisio Lopes Jr, sobre aobra <strong>de</strong> Nelson Rodrigues, coloca música e humor aserviço da traição.Quem conhece o universo <strong>de</strong> paixões exacerbadas e traições<strong>de</strong> Nelson Rodrigues, sobretu<strong>do</strong> o das TragédiasCariocas (como foram agrupadas suas peças em um <strong>do</strong>sciclos capta<strong>do</strong>s por Sábato Magaldi) e <strong>do</strong>s contos <strong>de</strong> AVida como Ela É, por certo o reconheceria <strong>de</strong> imediato aoassistir à montagem Cante Fraca, livre recriação <strong>de</strong> ElisioLopes Jr. da atmosfera e obsessões rodriguianas. Elísiosoube reinventar Nelson, principalmente no que dizrespeito à questão da traição.Ambientan<strong>do</strong> esses personagens n<strong>uma</strong> moldura anos 50e, mais ainda, nos anos 60, Fernan<strong>do</strong> Guerreiro o diretor,prova que é um bamba (itálico) também, em transpor aatmosfera <strong>de</strong> Nelson, como já mostrara, antes, em suasmontagens <strong>de</strong> Álbum <strong>de</strong> Família e O Beijo no Asfalto. Osatores que dirige se apossam da carne <strong>do</strong>s personagensrodriguianos e revelam, inteira, a alma <strong>de</strong>sses seres.Mas, às vezes, Guerreiro extrapola um pouco o autor que152 153


inspirou Elísio, com repetição <strong>de</strong> frases e expressões -como o faz também Elísio - que saem um pouco <strong>do</strong> âmbitorodriguiano. O que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser váli<strong>do</strong>, já que setrata <strong>de</strong> <strong>uma</strong> recriação, o que dá ao trabalho <strong>uma</strong> liberda<strong>de</strong>maior.Elísio põe em cena quatro casais, que revezam suashistórias, enquanto os outros ajudam a compor o climada peça. Des<strong>de</strong> o inicio, Andréa Elia faz notar logo asua forte presença, e esparge no palco e plateia suainquietante sensualida<strong>de</strong>, enchen<strong>do</strong> suas personagens<strong>de</strong> cinismo e <strong>uma</strong> certa vulgarida<strong>de</strong>. Entre os homens,Marcelo Prad<strong>do</strong> é o que se sai melhor da empreitada,com <strong>uma</strong> risada cínica, que ajuda a <strong>de</strong>linear os tiposque ostenta. Já Agnal<strong>do</strong> Lopes, um bom ator, <strong>de</strong>sperdiçaos papéis que vive, em <strong>uma</strong> atuação muito contida.Wagner Moura sobressai mais, mas, também sua interpretaçãofica aquém <strong>de</strong> trabalhos anteriores, pois incorrenum certo maneirismo, num exagero <strong>de</strong> tiques, como ojeito <strong>de</strong> esboçar as risadas e <strong>de</strong> falar, n<strong>uma</strong> tentativa <strong>de</strong>sublinhar melhor o da<strong>do</strong> da cafajestice <strong>do</strong>s seus personagens.Ana Paula Bouzas imprime verda<strong>de</strong> a Arlete e àoutra mulher que vive, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> bem claras as diferentescaracterísticas <strong>de</strong> ambas, n<strong>uma</strong> caraterização bem <strong>do</strong>inicio <strong>do</strong>s sixties, e Evelyn Buchegger cumpre a contentoo que tem a fazer, mas é outra que não ren<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o quepo<strong>de</strong>ria (tão bem-<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> anteriormente). É bonitaa sua interpretação <strong>de</strong> Ne Me Quite Pas (Jacques Brel),mas as músicas, em geral, quebram o clima rodriguiano.Em meio ao que emoldura a atmosfera da peça, é importantesublinhar o cenário <strong>de</strong> Euro Pires, que aproveitaao máximo o exíguo espaço <strong>do</strong> Café-Teatro Zélia Gattai,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a passarela vermelha - da cor da luxúria – aoscan<strong>de</strong>labros com velas e às imagens <strong>de</strong> santos, contrapon<strong>do</strong>sexualida<strong>de</strong> e ar<strong>do</strong>r místico, liberação e repressão,Eros e Tanatos. Enfim, <strong>uma</strong> montagem a que se assistecom prazer, ratifican<strong>do</strong> o talento <strong>de</strong> autor e diretor.154 155


Rompen<strong>do</strong> a barreira <strong>do</strong> sonho1998O ensaio aberto <strong>de</strong> Dom Quixote dá indícios <strong>de</strong> que oespetáculo (<strong>uma</strong> metáfora sobre um sonho chama<strong>do</strong>TVV) po<strong>de</strong> marcar época. Depois <strong>de</strong> ajusta<strong>do</strong>.Artistas <strong>de</strong> novas e velhas gerações envolvi<strong>do</strong>s com aconstrução <strong>do</strong> Teatro Vila Velha vão estar juntos pelaprimeira vez no palco, provavelmente no próximo dia 21<strong>de</strong> abril. Eles formam o elenco <strong>do</strong> espetáculo Dom Quixote,que irá celebrar a festa <strong>de</strong> inauguração da sala principalda casa <strong>de</strong> espetáculos, após <strong>do</strong>is anos <strong>de</strong> reformas.Dom Quixote é <strong>uma</strong> opereta que coloca 59 pessoas emcena, sob a direção <strong>de</strong> Márcio Meirelles.O genial personagem <strong>de</strong> Cervantes, que alimentava suasilusões mas não <strong>de</strong>sistia <strong>de</strong> seus i<strong>de</strong>ais, é, para o diretor, a encarnação perfeita <strong>do</strong> espírito que anima o teatro.“Por isso utilizei a história <strong>de</strong> Dom Quixote como <strong>uma</strong>metáfora da construção <strong>do</strong> Vila Velha”. Ele fez questão <strong>de</strong>trazer para o espetáculo alguns <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res da casa,criada na década <strong>de</strong> 60 pela Socieda<strong>de</strong> Teatro <strong>do</strong>s Novos.Entre eles, Carlos Petrovich e Sônia Robatto, que retornaaos palcos após mais <strong>de</strong> 30 anos <strong>de</strong> afastamento.A peça está dividida em três planos: o primeiro inserea antiga geração <strong>do</strong> TVV; o segun<strong>do</strong>, o Ban<strong>do</strong> <strong>de</strong> TeatroOlodum; o terceiro, os atores forma<strong>do</strong>s nas recentes Oficinas<strong>de</strong> Teatro <strong>do</strong> Vila.LibertárioEm seu ensaio geral para a imprensa, a peça Dom Quixote– <strong>uma</strong> adaptação <strong>de</strong> Márcio Meirelles e Cleise Men<strong>de</strong>ssobre criação coletiva, livremente inspirada no original<strong>de</strong> Miguel <strong>de</strong> Cervantes – <strong>de</strong>ixou claras as intenções <strong>do</strong>diretor, Márcio, em estabelecer um paralelo entre a figuralendária e sonha<strong>do</strong>ra e a construção <strong>do</strong> Teatro Vila Velha.Homenagean<strong>do</strong> atores que integraram a Socieda<strong>de</strong> Teatro<strong>do</strong>s Novos – que, inicialmente, dirigia o teatro, nos seusprimórdios, nos anos 60 -, como Carlos Petrovich, que faz opapel-título, e Sônia Robatto, que retorna aos palcos, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> 30 anos <strong>de</strong> afastamento, Meirelles uniu várias gerações<strong>de</strong> atores que passaram pelo Vila, pon<strong>do</strong> em cena, também,vários integrantes <strong>do</strong> Ban<strong>do</strong> <strong>de</strong> Teatro Olodum.O diretor colocou em cena, ainda, atores forma<strong>do</strong>s nasOficinas <strong>de</strong> Teatro da Vila, além <strong>de</strong> pôr a narração a cargodas atrizes <strong>do</strong> Grupo <strong>do</strong> Sol, responsável pelo nascimento<strong>do</strong> teatro: Chica Carelli, Hebe Alves, Tereza Araújo, Marízia156 157


Mota e Débora Landim, <strong>de</strong>ntre outras. São 59 pessoas emcena, que receberam aulas específicas para o espetáculo.O canto pela liberda<strong>de</strong> que é Dom Quixote é transmiti<strong>do</strong>com niti<strong>de</strong>z. Mais ainda, com o teatro sem acústica einstalações a<strong>de</strong>quadas – como foi <strong>de</strong>vidamente avisa<strong>do</strong>-, o resulta<strong>do</strong> da encenação (ou da pré-encenação) resultamuito cansativo, pela duração da peça, mais <strong>de</strong> duashoras e 20 minutos. Por certo, faltan<strong>do</strong> cerca <strong>de</strong> um mêspara a estreia, o diretor ainda enxugará o espetáculo.Dom Quixote tem muitos belos momentos, principalmenteos que estão a cargo <strong>do</strong>s atores que vieram dasoficinas, como quan<strong>do</strong> eles – monta<strong>do</strong>s em pernas <strong>de</strong>pau – empunham bastões para formar moinhos <strong>de</strong> vento,ou na cena das éguas, ou, ainda, quan<strong>do</strong> morre o poetae o amante <strong>de</strong>spe os seios, seguida por todas as outrasmulheres. Há, também, os bonitos solos <strong>de</strong> Dulcinéia(Cristina Castro). Mas, na narração, e dada <strong>uma</strong> dica,metalinguisticamente: “Que bom que Márcio Meirellesretoma o teatro <strong>de</strong> belas imagens e aban<strong>do</strong>na sua obsessãopelo teatro popular!”, alguém grita, não literalmente.tipos populares meti<strong>do</strong>s em situações corriqueiras -, masnão evita que o panfletário pre<strong>do</strong>mine. Muitas das situaçõesvividas remetem – muitas vezes, intencionalmente,ou quase sempre – a cenas da Trilogia <strong>do</strong> Pelô. É váli<strong>do</strong>,como <strong>uma</strong> homenagem ao ban<strong>do</strong> com o qual trabalhouintensamente nestes últimos anos, mas há <strong>uma</strong> saturação<strong>de</strong> situações.Fica a expectativa quanto ao acabamento <strong>de</strong> Dom Quixote– com a sala <strong>de</strong> espetáculos já <strong>de</strong>vidamente aparelhada ecom to<strong>do</strong>s os recursos da montagem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s e enxutos.Não há dúvidas <strong>de</strong> que o talento <strong>do</strong> encena<strong>do</strong>r irá triunfar,com os <strong>de</strong>slizes corrigi<strong>do</strong>s. Talvez, Márcio já estejarealmente partin<strong>do</strong> para um novo ciclo <strong>de</strong> seu trabalho(com o Ban<strong>do</strong>..., teve ótimos momentos), ao propor essafusão <strong>do</strong> lírico com o social. Mas com equilíbrio.Na verda<strong>de</strong>, ao ironizar a si e aos que comentam seutrabalho, Márcio abre <strong>uma</strong> brecha para que se note,ainda mais, sua tendência, neste trabalho, <strong>de</strong> fundir olírico ao social. D. Quixote encontra, no caminho, vários158 159


Espetáculo limpo1998Apesar <strong>do</strong>s problemas <strong>de</strong> ritmo, O Círculo <strong>de</strong> Giz é <strong>uma</strong>peça limpa, com direção segura <strong>de</strong> atores.Adaptação <strong>do</strong> texto O Círculo <strong>de</strong> Giz Caucasiano, <strong>de</strong>Bertold Brecht, para a contemporaneida<strong>de</strong>. O Círculo <strong>de</strong>Giz, em cartaz no teatro Martim Gonçalves, cumpre <strong>uma</strong>máxima <strong>do</strong> expert brechtiano, Fernan<strong>do</strong> Peixoto, que achamais viável, hoje, se montar Brecht com humor. Mas se aadaptação funciona, a caracterização <strong>do</strong>s personagenscai, às vezes, para o excessivamente caricatural, embora,para<strong>do</strong>xalmente, a direção <strong>de</strong> atores seja um <strong>do</strong>s pontosfortes da encenação.A peça é feita <strong>de</strong> sequências mais ou menos bem <strong>de</strong>finidas,a começar pela fuga da personagem <strong>de</strong> Iami(rebatizada <strong>de</strong> Maria), que escapa <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o filho<strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r. Depois surge o personagem Salomão(Y<strong>uma</strong>ra Rodrigues) e renova o vigor <strong>do</strong> espetáculo (atéentão, também, manti<strong>do</strong>), mas quan<strong>do</strong> começa a série<strong>de</strong> julgamentos <strong>de</strong> Salomão o ritmo cai, a montagem setorna linear. Só reacen<strong>de</strong> perto <strong>do</strong> final, no julgamento daposse da criança.Y<strong>uma</strong>ra Rodrigues (havia quem duvidasse?), é <strong>uma</strong> atrizcom pleno <strong>do</strong>mínio cênico e imprime <strong>uma</strong> linha clownescaao seu personagem, h<strong>uma</strong>nizan<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>gracioso e maroto - ardiloso, como o texto requer. IamiRebouças Freire se entrega, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> total, à sua Maria.Em muitos momentos, está <strong>de</strong>nsa, em outros, maliciosa,sempre atenta às nuances <strong>do</strong> papel. Eduar<strong>do</strong> Albuquerqueé o melhor ator masculino em cena, fazen<strong>do</strong> trêstipos inteiramente diferentes - n<strong>uma</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>versatilida<strong>de</strong> e maturida<strong>de</strong> (é a sua melhor interpretação,até o momento). Marcos Macha<strong>do</strong> é outra presençacênica forte e Najla Andra<strong>de</strong> compõe, com muito humor,as suas intervenções. O elenco <strong>de</strong> apoio sustenta bem oespetáculo, com maior ou menor intensida<strong>de</strong>. Cada umtem momentos em que se sobressai.Ainda faltan<strong>do</strong> encontrar um ritmo mais ágil, no meio dapeça. Círculo <strong>de</strong> Giz... é <strong>uma</strong> montagem, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral,limpa, bem encenada. Um senão, também, quanto aocenário, que tenta reproduzir, <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> maneira, a estátuaO Pensa<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> Rodin, sem que isso fique inteiramenteclaro para a plateia. Embora <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> funcionalida<strong>de</strong>,permitin<strong>do</strong> mil e <strong>uma</strong> utilizações, o cenário <strong>de</strong> HansPeter, dá <strong>uma</strong> impressão <strong>de</strong> tosco, mal-acaba<strong>do</strong> (talvez160 161


intencional) e até feio. No mais, um tento para o diretor[Paulo Doura<strong>do</strong>], que se redime <strong>de</strong> escorregões passa<strong>do</strong>se confirma a condição <strong>de</strong> bom encena<strong>do</strong>r.Postura <strong>de</strong> avatar1998De início, é intensamente impactante se assistir à montagem<strong>de</strong> Roberto Zucco – que tem esta<strong>do</strong> em cartaz naSala <strong>do</strong> Coro <strong>do</strong> TCA -, sob a direção <strong>de</strong> Nehle Franke.O especta<strong>do</strong>r é envolvi<strong>do</strong> por muitos apelos visuais,crian<strong>do</strong>-se um clima <strong>de</strong> quase sensorialida<strong>de</strong>, para o quecontribuem a luz soturna, po<strong>de</strong>-se dizer cinematográfica,<strong>de</strong> Irma Vidal, o cenário seco, contemporâneo, magicamentesombrio <strong>de</strong> Moacyr Gramacho, e os efeitos especiais<strong>de</strong> Fritz Gutmann, que <strong>de</strong>scolou <strong>uma</strong> incrível portagiratória, com material reaproveita<strong>do</strong> <strong>de</strong> automóveis.Some-se a isso a interpretação <strong>do</strong>s atores, treina<strong>do</strong>scorporalmente á exaustão e que, juntos, se multiplicamem verda<strong>de</strong>iros quadros vivos <strong>de</strong> <strong>do</strong>r e agonia, forman<strong>do</strong>painéis h<strong>uma</strong>nos. A fisicalida<strong>de</strong> impressa à interpretaçãoé visível, grita, urra, aproximan <strong>do</strong>-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> linha expressionista– quanto ao <strong>de</strong>senho corporal. Wi<strong>do</strong>to Áquila,como Zucco, apossa-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> gramática interpretativavisceral em relação ao corpo, contorcen<strong>do</strong>-se com agilida<strong>de</strong>e crian<strong>do</strong> gritos e onomatopeias que traduzem oesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> perturbação mental <strong>de</strong> seu personagem. Mas,162 163


ao mesmo tempo, seu trabalho é, sobretu<strong>do</strong>, cerebral,talvez <strong>uma</strong> exigência da diretora, para driblar possíveispsicologismos.Mas Laila Garin, por exemplo, consegue superar essapossível forma cerebral e se entrega mais inteira a seuspersonagens, na melhor oportunida<strong>de</strong> que teve em suaainda curta carreira. Lúcio Tranchesi é outro ator queestá esplen<strong>do</strong>roso. Quan<strong>do</strong> aparece como um velho –supostamente um mendigo -, <strong>de</strong>monstra <strong>uma</strong> habilida<strong>de</strong>corporal única. Outra que <strong>do</strong>mina a cena é Mônica Ge<strong>de</strong>one,sobretu<strong>do</strong> como a mãe <strong>de</strong> Zucco. Mas to<strong>do</strong> o elencocaptou bem a proposta <strong>de</strong> Nehle e se joga no universoasfixiantemente violento – e <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> extrema –cria<strong>do</strong> por Bernard-Marie Koltès. Po<strong>de</strong>-se fazer reparos,no entanto, quanto ao <strong>do</strong>mínio da voz <strong>do</strong> elenco, claudicantequanto á proposta.<strong>do</strong>s telões (muito bonitas). Mas é inegável que é umtrabalho que reafirma, mais <strong>uma</strong> vez, a importância <strong>de</strong><strong>uma</strong> diretora tão profundamente inteligente e hábil comoNehle Franke – em termos nacionais. Ela optou por <strong>uma</strong>linguagem transgressora, fragmentada e ousada. Algoque salta aos olhos e marca <strong>uma</strong> arrojada inovação emrelação ao teatro que se vê na Bahia, já <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>comprovada, mas que encontra em Nehle <strong>uma</strong> postura<strong>de</strong> avatar, <strong>de</strong> ilumina<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> novas e estranhas possibilida<strong>de</strong>s,no que diz respeito ao fazer teatral.Vale outra restrição: os recursos cênicos são usa<strong>do</strong>sto<strong>do</strong>s logo nas primeiras cenas, assim como tu<strong>do</strong> quehá <strong>de</strong> visceral no espetáculo, o que faz com que fiquemsen<strong>do</strong> dadas voltas sobre o mesmo tema, ou pelo menosse repete o mesmo pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> para a história. Dá-se<strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> saturação <strong>de</strong> situações, mesmo comto<strong>do</strong>s os apelos visuais – a exemplo das transparências164 165


Dobran<strong>do</strong> os críticos1999Regina Case dá um banho <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>, mas, éinevitável dizer, Nardja Zulpério não mantém o mesmopique o tempo to<strong>do</strong>.O espetáculo Nardja Zulpério começa hilariante e cresceà medida em que vai esquentan<strong>do</strong> a relação da atrizcom a plateia, até um pouco mais da meta<strong>de</strong> da duraçãoda peça, quan<strong>do</strong> Regina Case começa sua improvisação.O auge é, justamente, a sátira aos lanches das viagens<strong>de</strong> avião, momento em que, como tantos outros, ela tempossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar toda sua espontaneida<strong>de</strong> eexuberância criativa.Regina Casé prova que basta um alinhavamento <strong>de</strong> texto,estrutura<strong>do</strong> n<strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ia básica, para se ganhar um espetáculoe arrancar gargalhadas, quan<strong>do</strong> se é <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong>artista. E essa condição não se po<strong>de</strong> negar a ela, quealimenta muito o seu talento — como já foi observa<strong>do</strong> —da autenticida<strong>de</strong>. Ela se dá a plateia, n<strong>uma</strong> entrega <strong>de</strong>corpo e alma, sem pu<strong>do</strong>res <strong>de</strong> se expor, se auto<strong>de</strong>svendare, muitas vezes, se autocriticar.A atriz amadurecida, ao longo <strong>do</strong>s anos, mas que já surgiucomo <strong>uma</strong> impressionante vocação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios<strong>do</strong> Asdrúbal Trouxe o Trombone não hesita em incorporarrestrições da crítica (que falou, segun<strong>do</strong> ela, <strong>de</strong> bolsõesnarrativos — expressão que também ela usa como críticaà critica). Em da<strong>do</strong> momento, o espetáculo cairia <strong>de</strong> ritmo— era o que foi comenta<strong>do</strong>. E Regina cita essas restrições,como se já <strong>de</strong>sarman<strong>do</strong>, inteligentemente, a quemousar repeti-las, mas o fato é que, mesmo entremean<strong>do</strong>seu passeio pela plateia, com brinca<strong>de</strong>iras com o público,na segunda parte <strong>do</strong> espetáculo quan<strong>do</strong> ela se <strong>de</strong>témmais no mito <strong>de</strong> Psiquê, perdão (a expressão custa a sair,temen<strong>do</strong> ser redundante), o ritmo cai. Fica difícil acompanhara narrativa “ilustrativa” sobre mitologia grega. Otrecho se alonga <strong>de</strong>mais e per<strong>de</strong>-se muito <strong>do</strong> humor. Aimpressão é que a peça é composta <strong>de</strong> duas partes estanques,mas, no final, Regina retoma o controle da situação.Com to<strong>do</strong>s os mas, porem todavia, a que a atriz matreiramente,alu<strong>de</strong>, Nardja Zulpério e um espetáculo bastanterecomendável, sobretu<strong>do</strong> para se ver <strong>de</strong> perto a eletricida<strong>de</strong>,e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> improviso <strong>de</strong>ssa eterna camaleoa. ReginaCase, com seu humor sutil e que não recorre a apelações.Um show <strong>de</strong> alto astral com direito a citações <strong>de</strong> Nietzsche.166 167


Anos 2000 (Jornal A Tar<strong>de</strong>)“...A Hora da Estrela, um <strong>do</strong>s últimos e talvez o mais li<strong>do</strong> livro daobra da autora, <strong>de</strong> rara e misteriosa personalida<strong>de</strong>, que parecia veratravés das coisas, <strong>do</strong> universo aparente, com <strong>de</strong>sconcertante <strong>do</strong>míniodas palavras, o que fez o seu maior exegeta, o filósofo BeneditoNunes, referir-se a ‘o mun<strong>do</strong> imaginário <strong>de</strong> Clarice Lispector’.”


Metalinguagem2002Adaptação <strong>do</strong> livro homônimo <strong>de</strong> Clarice Lispector revelao diálogo inquietante da autora com seu alter ego.Uma via para se penetrar no singular universo da escritoraClarice Lispector – magma, plasma <strong>de</strong> vida pulsante eaparentemente neutro – é o espetáculo adapta<strong>do</strong> e encena<strong>do</strong>pelo grupo Os Bobos da Corte, sob a rica direção<strong>de</strong> Meran Vargens, A Hora da Estrela, um <strong>do</strong>s últimos etalvez o mais li<strong>do</strong> livro da obra da autora, <strong>de</strong> rara e misteriosapersonalida<strong>de</strong>, que parecia ver através das coisas,<strong>do</strong> universo aparente, com <strong>de</strong>sconcertante <strong>do</strong>mínio daspalavras, o que fez o seu maior exegeta, o filósofo BeneditoNunes, referir-se a ‘o mun<strong>do</strong> imaginário <strong>de</strong> ClariceLispector’. Imaginário porque impalpável, mas suprarealem sua profundida<strong>de</strong>.O espetáculo em cartaz está no Teatro Módulo até o próximodia 6 e constitui-se em <strong>uma</strong> surpresa para quem pensavaque a linguagem clariciana não se adaptaria às anunciadastécnicas <strong>de</strong> commedia <strong>de</strong>l’arte, clowns e canta<strong>do</strong>resnor<strong>de</strong>stinos. Enchen<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida e alegria o espaço <strong>do</strong>teatro, os atores – quais mambembes – entram interagin-171


<strong>do</strong> com o público, com perguntas maliciosas (sutilmente)e entoan<strong>do</strong> cançonetas populares e modinhas <strong>de</strong> infância,alg<strong>uma</strong>s ten<strong>do</strong> a ver, ludicamente, com o la<strong>do</strong> social dapeça, cujo título parece ser escolhi<strong>do</strong> entre os muitos quea escritora elencou, como a mostrar, a partir mesmo daí,sua hesitação e perplexida<strong>de</strong> ante a chamada “realida<strong>de</strong>”.A adaptação tem um <strong>de</strong> seus maiores méritos ao reconhecerque a obra original, a mais engajada <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vistasocial <strong>de</strong> Clarice – como muitos exigiam –, a saga <strong>de</strong> <strong>uma</strong>nor<strong>de</strong>stina na cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>, é tu<strong>do</strong> isso, bem conta<strong>do</strong>,e muito mais: um exercício <strong>de</strong> metalinguagem em que aautora apossa-se <strong>de</strong> um alter ego masculino, Rodrigo S. M.(“para tirar o tom lacrimogênico <strong>de</strong> mulher”), e intromete-see comenta (comove) a toda hora com a personagem central,a alagoana e <strong>de</strong>spida <strong>de</strong> atributos visíveis Macabéa.Caíca Alves, o adapta<strong>do</strong>r/ator, coloca em cena a atrizTati Canário, Clarice travestida <strong>de</strong> Rodrigo, encarnan<strong>do</strong> emostran<strong>do</strong> (emocionan<strong>do</strong>-nos por meio <strong>de</strong> um certo distanciamento)como a dúvida e a reflexão po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sarticularo estabeleci<strong>do</strong> – <strong>uma</strong> vertente mais vertical e raiz <strong>do</strong> engajamento.Caíca soube pinçar e sintetizar os trechos maissignificativos <strong>de</strong> sua metarreflexão, com arguta e fotográficafacilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixar e enca<strong>de</strong>ar frases.Já Tati não cai – em cena to<strong>do</strong> tempo – no cansaço, salvapelo talento, o interesse <strong>do</strong> que é dito e o verniz “brechtiano”.Do meio para o fim, as cenas dialogadas remetem aofilme homônimo, <strong>de</strong> Suzana Amaral, mas têm vida, acréscimose criativida<strong>de</strong> próprios, com Caíca, como Olímpico,lembran<strong>do</strong> bastante José Dumont (quase como <strong>uma</strong> homenagem),mas com inegáveis maestria e vigor, no seu melhormomento na peça, junto com a cena em que mostra a rivalida<strong>de</strong>entre Macabéa e sua colega Glória, através <strong>de</strong> bonecas,num hilariante jogo <strong>de</strong> corpo. Alexandre Luís Casali é<strong>uma</strong> po<strong>de</strong>rosa presença e sua caracterização como Macabéaleva a <strong>uma</strong> engraçada – mas inquietante – estranheza.À diretora, Meran Vargens, com sua criativida<strong>de</strong>, cabe gran<strong>de</strong>parte <strong>do</strong> triunfo <strong>de</strong>ssa montagem, para o qual tambémcontribui a arrebata<strong>do</strong>ra poesia da iluminação <strong>de</strong> FernandaPaquelet e o engenhoso uso <strong>do</strong>s objetos cênicos. Ao anunciara morte como personagem principal da peça, o grupoOs Bobos da Corte mostra-a em dialética com a vida, quetermina vencen<strong>do</strong>, n<strong>uma</strong> cerimônia <strong>de</strong> êxtase que é o maislúdico e colori<strong>do</strong> espetáculo <strong>do</strong> ano, até agora.172 173


O Início da Luz2003Em A Comédia <strong>do</strong> Fim – Quatro Peças e <strong>uma</strong> Catástrofe,<strong>de</strong> Samuel Beckett, dirigida por Luiz Marfuz (em cartaz naSala <strong>do</strong> Coro <strong>do</strong> TCA, até 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro), poucas vezesse po<strong>de</strong>ria falar, com tanta precisão, <strong>de</strong> homogeneida<strong>de</strong><strong>do</strong> elenco. Na primeira cena, Eu Não, <strong>de</strong> 1072 apenas <strong>uma</strong>boca num canto <strong>do</strong> cenário, a da magnífica atriz Hebe Alves,convidada especialmente para a encenação, sempre hors--concours, mostra um emparedamento <strong>do</strong> eu, enquantoUrias Lima, em seu melhor papel até agora, a tu<strong>do</strong> a tu<strong>do</strong>assiste diante <strong>de</strong>la, no la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> palco. Ele é ocorpo estático amordaçamento e <strong>de</strong>spedaçamento. Po<strong>de</strong>--se pensar aí na mais célebre peça <strong>de</strong> Beckett: Esperan<strong>do</strong>Go<strong>do</strong>t, como um Vladimir e um Estragon.Na segunda cena, Improviso em Ohio, <strong>de</strong> 1981, um luminosoAndré Tavares tem seu duplo em Ipojucan dias –ator <strong>do</strong>s mais versáteis -, enquanto folheia e refolheia umlivro cíclico, infindável. Na terceira cena, Fragmentos <strong>de</strong>Teatro I (1956), temos um cego (Zeca Abreu) se contrapon<strong>do</strong>a <strong>uma</strong> aleijada (Frieda Gutmann), os <strong>do</strong>is se iluminan<strong>do</strong>e complementan<strong>do</strong> mutuamente. Um olhan<strong>do</strong> pelospés <strong>do</strong> outro, e este andan<strong>do</strong> pelos olhos daquele. É <strong>uma</strong>alusão a Clov e Hamm <strong>de</strong> Fim <strong>de</strong> Partida.Zeca, resplan<strong>de</strong>cente, e Frieda, voltan<strong>do</strong> ao melhor <strong>de</strong> simesma, para quem estava acost<strong>uma</strong><strong>do</strong> a vê-la em papéiscômicos, sua marca (como em Tem Antrax no meu Sax,pelas mãos <strong>de</strong> Luiz Sérgio Ramos e Apenas bons amigos,bom momento <strong>de</strong> Deolin<strong>do</strong> Checcucci). É um aprendiza<strong>do</strong>e um novo contato consigo mesma. Zeca, mais <strong>uma</strong> vez,prova ser <strong>uma</strong> das melhores atrizes <strong>de</strong> sua geração, in<strong>do</strong>,também, além das comédias a que estava habituada (comona premiada atuação Por um Prato <strong>de</strong> Mingau para HelgaBrown, Troféu Bahia Aplau<strong>de</strong> <strong>de</strong> Melhor Atriz, em 1995,também coinci<strong>de</strong>ntemente, <strong>de</strong> Luiz Sérgio Ramos, um <strong>de</strong>nossos melhores dramaturgos). Em <strong>uma</strong> fala da cena, Friedapergunta: “Por que você não se <strong>de</strong>ixa morrer?”. Respon<strong>de</strong>Zeca: “Eu não sou infeliz o bastante”.Em Comédia, paródia das comédias <strong>de</strong> boulevard, osatores só aparecem com a cabeça para fora, como aWinnie <strong>de</strong> Dias Felizes, da primeira fase <strong>de</strong> Beckett, emque a personagem aparece enterrada na areia. O queseriam urnas funerárias no original, o diretor Marfuz e ocenógrafo Moacyr Gramacho transformaram em blocos<strong>de</strong> cimento nessa versão. Ipojucan, olhos e boca maisacesos em cena é o mari<strong>do</strong> que dialoga com a mulher174 175


(Marcos Macha<strong>do</strong>) e a amante (Luiz Pepeu). Ipojucan é oator mais bonito e elegante da peça. Aqui, a luz <strong>de</strong> IrmaVidal conduz a cena, intensifica, mobiliza os atores. É ailuminação que faz falar.Em Catástrofe (1982), a penúltima peça <strong>de</strong> Beckett, <strong>uma</strong>homenagem ao tcheco Václav Havel, com quem o autorparticipou <strong>de</strong> um congresso – a cena mais explícita paraa maioria <strong>do</strong> público -, temos um ator protagonista, LuizPepeu, um diretor teatral (Marcos Macha<strong>do</strong>, em arrebata<strong>do</strong>raatuação) e sua assistente <strong>de</strong> direção (Zeca Abreu).Os três, irretocáveis. Marcos Macha<strong>do</strong> ganha a cena esobe até a platéia, enquanto dá or<strong>de</strong>ns à assistente hesitantee solícita, e o ator (Pepeu), trêmulo e hirto, vê-sepassar por <strong>uma</strong> verda<strong>de</strong>ira transformação, submeten<strong>do</strong>--se às or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> metteur-em-scène. Surge o ilumina<strong>do</strong>r,Look (André Tavares). Os figurinos <strong>de</strong> Moacyr Gramacho<strong>de</strong>ixam, na cena, <strong>de</strong> ten<strong>de</strong>r para as cores ocres e valorizamo azul cinzento, o vermelho e o branco. Ouvem-seaplausos, e é a re<strong>de</strong>nção <strong>do</strong> ator. A luz se <strong>de</strong>sloca parao especta<strong>do</strong>r Urias, <strong>de</strong>vidamente maquia<strong>do</strong> por MarieThauront e André Cruz.Beckett, inspiradas no cinema, rádio e TV, veículos paraos quais o poeta e dramaturgo também trabalhou, emcontraponto às suas peças mais famosas. Usa-se ainda orecurso clownesco. Como diz o instrutor <strong>de</strong> clown RafaelMorais, usa<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong>, em Fragmentos I e Comédia:“O ator quer acertar. O palhaço fica feliz em seu erro”.E acrescenta Marfuz: “Mesmo quan<strong>do</strong> nos <strong>de</strong>frontamoscom a luz, po<strong>de</strong>mos nos per<strong>de</strong>r. E talvez a escuridão sejao esta<strong>do</strong> mais revela<strong>do</strong>r. Estar vivo talvez a verda<strong>de</strong>iracomédia <strong>do</strong> fim”. E Beckett: “O fim está no começo e, noentanto, continua-se...”Essas cenas foram, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>nominadas <strong>de</strong> dramatículos,como sublinha a professora e tradutora <strong>do</strong> textoCleise Men<strong>de</strong>s. São as peças menos conhecidas <strong>de</strong>176 177


Deus pelo avesso2003Nasce <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> diretora – Alda Valéria –, enquantoum não menos talentoso autor teatral, o pernambucanoJoão Denys, nos é apresenta<strong>do</strong>, na plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seuvigor. A montagem em questão, Deus Dana<strong>do</strong>, em cartaz,até hoje, no Teatro Gregório <strong>de</strong> Mattos, nos puxa para ocentro <strong>de</strong> um drama cru e cruel, passa<strong>do</strong> em um planosimbólico, em um lugar que po<strong>de</strong>ria ser o sertão nor<strong>de</strong>stino,mas é muito mais <strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> caos, origem <strong>do</strong>cosmos universal (não fosse essa história, também, relatadaem tom <strong>de</strong> lenda).O dramaturgo se apossa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> linguagem verbal querecorre a significantes alitera<strong>do</strong>s, em trocadilhos com ossignifica<strong>do</strong>s. Nessa região perdida, num oco <strong>do</strong> homem,reflexo <strong>de</strong> um Deus às avessas, seus <strong>do</strong>is personagens,aparentes pai e filho, se digladiam e protegem mutuamente,em um jogo senhor x escravo, microcosmo dasocieda<strong>de</strong> ou da natureza h<strong>uma</strong>na, em que seres seentre<strong>de</strong>voram e se acumpliciam.Logo no início da encenação, paira o espelho <strong>de</strong> <strong>uma</strong>or<strong>de</strong>m metafísica com <strong>uma</strong> alusão à língua roseana (napeça, a expressão Nada, Nadinha remete, também, aocélebre enuncia<strong>do</strong> com que o mineiro Guimarães Rosacomeça sua obra-prima Gran<strong>de</strong> sertão veredas: Nonada,ou seja, <strong>de</strong>codifican<strong>do</strong> o neologismo no nada).As cenas, que alternam noite e dia, em 13 jornadas,mostram como um pai insere seu filho na or<strong>de</strong>m dalinguagem h<strong>uma</strong>na: ensinan<strong>do</strong> as primeiras letras, ataboada. E aí já se vêem os primeiros assomos <strong>de</strong> rebeldia<strong>do</strong> filho e os castigos <strong>do</strong> pai, tal como um superegoou um Deus bíblico. A platéia, que tem si<strong>do</strong> bastantenumerosa, explo<strong>de</strong> em risos com a façanha das brinca<strong>de</strong>irascom as palavras. Pois essa impactante encenaçãotraz em seu bojo um riso saudável da condição h<strong>uma</strong>naposta em cruel situação-limite.Nunca é <strong>de</strong>mais recorrer ao termo cruelda<strong>de</strong>, porque adiretora <strong>de</strong>clina entre suas influências nomes como os<strong>de</strong> Peter Brooks, Bachelard, filmes que retratam a ari<strong>de</strong>zcomo Vidas Secas e, sobretu<strong>do</strong>, Antonin Artaud, que usaessa expressão para <strong>de</strong>finir sua concepção <strong>de</strong> teatro.Mas, principalmente, como chama a atenção o professorGláucio Macha<strong>do</strong> Santos, ao utilizar o vocábulo, emborasem negar a forte marca artaudiana que o impregna,encenar Deus Dana<strong>do</strong> exige plena compreensão da cruel-178 179


da<strong>de</strong> e <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos. Não me refiro aqui, <strong>de</strong>início, à pesquisa teatral que leva esse nome, mas sim àanálise léxica <strong>do</strong> termo e seus exemplos surreais extraí<strong>do</strong>s<strong>do</strong> cotidiano nor<strong>de</strong>stino.Essa montagem seca, agreste (mesmo por tu<strong>do</strong> que foidito) não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> contar com <strong>uma</strong> <strong>de</strong>nsa etotal entrega <strong>do</strong>s atores. Bira Freitas, como o pai Teo<strong>do</strong>ro,e Pisit Mota, como o filho Luiz, <strong>de</strong>spem-se <strong>de</strong> corpo e alma(literalmente), a ponto <strong>de</strong> atingir <strong>uma</strong> iluminada celebração<strong>do</strong> existir, em meio ao frio, ao me<strong>do</strong>, à noite, à luz, àraiva e à escuridão em que seus personagens coabitam.Bira tem o <strong>de</strong>spu<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s autênticos atores, e no âmagoda brutalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu Teo<strong>do</strong>ro nasce um resplan<strong>de</strong>centecarinho (as pessoas têm auras, como os santos, diziaHei<strong>de</strong>gger). De Pisit Mota, o mínimo que se po<strong>de</strong> dizeré que é <strong>uma</strong> vibrante revelação, das maiores que surgiramno teatro baiano há muitos anos. Um ator <strong>do</strong> qual éimpossível <strong>de</strong>sgrudar os olhos.ção surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> José Carlos N’gão, principalmentequan<strong>do</strong> inci<strong>de</strong> sobre os can<strong>de</strong>eiros, incitan<strong>do</strong> ao terror, aomistério e à compaixão por esses <strong>de</strong>sampara<strong>do</strong>s seres.Po<strong>de</strong>-se perceber que é <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> conhecer o amor carnal(curiosamente com um animal,<strong>uma</strong> vaca), que Luís assumea postura <strong>de</strong> homem feito e fica cego, como um Édipo, etorna o pai aleija<strong>do</strong>. Uma outra cena erotizada e bela, comoa cópula simulada, é a da masturbação, recorren<strong>do</strong>-se a<strong>uma</strong> espiga <strong>de</strong> milho como falo. Voltan<strong>do</strong>-se ao prof. GláucioMacha<strong>do</strong> Santos: o espetáculo sugere ao público <strong>uma</strong>relação <strong>de</strong> família muito especial. Presencia-se um lar.Dessa revisão e constatação, sobrevém o absur<strong>do</strong>: aplateia acaba por ser testemunha <strong>de</strong> dimensões outras<strong>do</strong> verbo amar. Ou, para não <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> citar Clarice Lispector... “Quan<strong>do</strong> eu dizia que não acreditava no amor, aí éque eu estava mais aman<strong>do</strong>”. Um <strong>do</strong>s espetáculos baianosmais belos e, certamente, o mais visceral <strong>do</strong>s últimosanos, calorosamente aplaudi<strong>do</strong> pela plateia.A concepção cenográfica <strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Lopes é arrebata<strong>do</strong>raem sua esquali<strong>de</strong>z: vários can<strong>de</strong>eiros (fifós, comose chama no interior) circundan<strong>do</strong> o palco, <strong>uma</strong> pedraem forma <strong>de</strong> um pênis, ao mesmo tempo a cabeça <strong>de</strong> umboi -, um reposteiro ou biombo - , realça<strong>do</strong>s pela ilumina-180 181


Anos 2000 (Guia <strong>do</strong> Ócio)“A peça, como todas as obras ficcionais <strong>de</strong> Sartre, está a serviço <strong>de</strong>seus i<strong>de</strong>ais filosóficos, como a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que é através da escolha queos seres h<strong>uma</strong>nos instauram sua liberda<strong>de</strong>, afirman<strong>do</strong> sua h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>.Em outras palavras: “a existência prece<strong>de</strong> a essência”, paracitarmos um <strong>de</strong> seus postula<strong>do</strong>s mais conheci<strong>do</strong>s.”


Encenação fria2005O teatro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, vigoroso e contun<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Jean PaulSartre <strong>de</strong>svanece-se na montagem fria, quase gelada, <strong>de</strong>A Prostituta Respeitosa, em cartaz no Teatro Molière daAliança Francesa durante to<strong>do</strong> esse mês. A peça, comotodas as obras ficcionais <strong>de</strong> Sartre, está a serviço <strong>de</strong>seus i<strong>de</strong>ais filosóficos, como a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que é através daescolha que os seres h<strong>uma</strong>nos instauram sua liberda<strong>de</strong>,afirman<strong>do</strong> sua h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>. Em outras palavras: “a existênciaprece<strong>de</strong> a essência”, para citarmos um <strong>de</strong> seuspostula<strong>do</strong>s mais conheci<strong>do</strong>s. Tu<strong>do</strong> isso, tão coerente eque indicou novos caminhos para o homem nos mea<strong>do</strong>s<strong>do</strong> século XX, aparece <strong>de</strong> maneira pálida na atual encenação.O espetáculo trata <strong>do</strong> drama interior <strong>de</strong> <strong>uma</strong> prostitutaque presenciou um crime – <strong>do</strong> qual é acusa<strong>do</strong> umnegro, que ela sabe ser inocente, para livrar um outrohomem, branco e <strong>de</strong> boa posição social - e que faz ela sedividir entre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua consciência e a pressãopolítica para ce<strong>de</strong>r aos apelos racistas, envolto em falsosargumentos em nome <strong>do</strong> nacionalismo, da moral e bonscostumes. A moral <strong>do</strong> texto, em seu senti<strong>do</strong> mais amplo,bem como sua incisiva ironia contra um sistema apodre-185


ci<strong>do</strong>, esboroam-se ante a lassidão da direção, <strong>do</strong> quasesempre ótimo Márcio Meirelles. Que <strong>de</strong>sta vez parece terse <strong>de</strong>scuida<strong>do</strong>. A protagonista Andréa Elia atinge bonsmomentos, ao transmitir a ingenuida<strong>de</strong> e sensualida<strong>de</strong><strong>de</strong> Lizzie, mas sua interpretação carece <strong>de</strong> maiores nuances.Daniel Becker, como seu amante, não passa toda acarga <strong>de</strong> cinismo e machismo <strong>de</strong> seu personagem. Pareceum tanto <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong>. Até o consagra<strong>do</strong> Haril<strong>do</strong> Deda dáum tom mais neutro ao sena<strong>do</strong>r, embora <strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-o <strong>de</strong><strong>uma</strong> simpatia <strong>de</strong> to<strong>do</strong> equivocada. Mas o pior em cenaé mesmo Rai Alves, que não lembra nem <strong>de</strong> longe umhomem que po<strong>de</strong> ser executa<strong>do</strong>. Resta Wan<strong>de</strong>rley Meira,o narra<strong>do</strong>r, eficiente em sua função.Hamlet soft2006Em meio à <strong>de</strong>solada cena teatral baiana <strong>de</strong> 2005, surgiuo sopro poético <strong>do</strong> Hamlet, dirigi<strong>do</strong> por Haril<strong>do</strong> Deda. Oresulta<strong>do</strong> é um passeio pelo universo shakespeareano<strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma leve, bem trabalhada, mas não Chega aaprofundar alg<strong>uma</strong>s das questões mais cruciais levantadaspelo texto. Uma das peças frágeis da montagem é,estranhamente, a atuação <strong>do</strong> ótimo e já premia<strong>do</strong> atorMarcelo Pra<strong>do</strong>, que não consegue, em alguns momentoschaves da encenação, preencher da visceralida<strong>de</strong>e <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> requeridas seu atormenta<strong>do</strong> e ambíguopersonagem, como no célebre monólogo <strong>do</strong> “to be or notbe”. Em momentos mais amenos, Marcelo mostra maiso que sabe. Um ator que galvaniza atenções quan<strong>do</strong>aparece é Carlos Betão, que intuitivamente segue <strong>uma</strong>linha <strong>de</strong> intérprete a trabalhar cada papel um tipo muitopróximo <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong>, mas sempre com novoscontornos e a mesma empatia. Joana Schnitman reaparececom muito vigor como a rainha Gertrud e é <strong>uma</strong> dasmais belas presenças em cena. Marcelo Flores, como orei usurpa<strong>do</strong>r, aproxima-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> quase bestialida<strong>de</strong>.Alethéa Novaes começa titubeante, aquém da expe-186 187


iência acumulada, para se mostrar mais convincente<strong>de</strong>pois. Se Haril<strong>do</strong> elabora pouco alguns <strong>do</strong>s aspectoshamletianos, eleva ao máximo alg<strong>uma</strong>s questões comoa <strong>do</strong> incesto entre o príncipe da Dinamarca – um <strong>do</strong>spossíveis <strong>de</strong>flagra<strong>do</strong>res da “loucura” <strong>de</strong> Hamlet – e suamãe, com Joana e Pra<strong>do</strong> entregan<strong>do</strong>-se a <strong>uma</strong> exacerbação<strong>de</strong> afagos. Não à toa esse tema foi aborda<strong>do</strong> porpsicanalistas, como Ernest Jones, principal biógrafo <strong>de</strong>Freud, em Hamlet e o Complexo <strong>de</strong> Édipo. Enfim, o poéticoque o diretor lê e transmite no texto está presente nolin<strong>do</strong> e <strong>de</strong>spi<strong>do</strong> cenário <strong>de</strong> Zuarte Júnior, e nos figurinos– preto (luto) e branco (pureza) para Hamlet, vermelho(sangue) para o rei e a rainha. Um Hamlet que suaviza,chega a ser soft, mas não escon<strong>de</strong> que “há algo <strong>de</strong>podre no reino da Dinamarca”.O outro la<strong>do</strong> da folia2006O la<strong>do</strong> opaco – e por que não dizer escuro – <strong>do</strong> Carnavalbaiano e da euforia momentânea e por vezes ilusória damúsica axé e <strong>de</strong> seus correlatos é revolvi<strong>do</strong> até as entranhase com toda crueza pela dramaturga Aninha Franco– justamente premiada pelo Braskem <strong>de</strong> teatro <strong>de</strong> 2004– na peça Esse Glauber, <strong>de</strong> volta a cartaz no Teatro XVIII.De volta, também, o inquietante mistério <strong>de</strong> atriz que éRita Assemany, matéria prima e sofisticada <strong>de</strong> interpretação,que <strong>uma</strong> Clarice Lispector provavelmente chamaria<strong>de</strong> vida em esta<strong>do</strong> puro, pulsante, tal sua inteligência aomesmo tempo intuitiva e cerebral. Diogo Lopes é um atorjá firma<strong>do</strong>, que não para <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r e se renovar acada trabalho. Não fica a <strong>de</strong>ver, em humor e histrionismoà sua parceira em cena. Um belo duelo <strong>de</strong> integração einteração. Plena entrega a cada momento e um raro po<strong>de</strong>r<strong>de</strong> fazer rir. São joga<strong>do</strong>s no palco <strong>do</strong>is “cor<strong>de</strong>iros”: To<strong>do</strong>Mun<strong>do</strong> e Qualquer Um. Um <strong>de</strong>les (Rita) é politiza<strong>do</strong> à suamaneira, forma<strong>do</strong> pela matéria bruta <strong>do</strong> sofrimento, darevolta causada pela quase fome material e espiritualprovocada pelo abismo da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social. Do fun<strong>do</strong><strong>do</strong> poço, <strong>do</strong> semi bas-fond, <strong>do</strong> lixo, da margem, ele luta,188 189


ebela-se e reivindica. O outro “cor<strong>de</strong>iro” (Diogo) é aliena<strong>do</strong>,tira parti<strong>do</strong> até da <strong>do</strong>r e <strong>de</strong>bocha da situação caótica<strong>do</strong> sub-emprego em que se encontra, espremi<strong>do</strong> entrea violência <strong>do</strong> povo que quer participar da festa dionísicae fica <strong>de</strong> fora e os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> bloco e sua arrogância <strong>de</strong>elite. Aninha comprova mais <strong>uma</strong> vez seu pen<strong>do</strong>r para omergulho no social, sem esquecer o jogo das individualida<strong>de</strong>sn<strong>uma</strong> perfeita dialética. Márcio Meirelles escolhe<strong>uma</strong> direção <strong>de</strong>spida <strong>de</strong> ornamentos, mas precisa selapidar em relação aos atores, n<strong>uma</strong> linha a<strong>de</strong>quada aotexto, valorizan<strong>do</strong>-o da melhor maneira.Anexo190


RELAÇÃO DOS ESPETÁCULOS PESQUISADOS NO JORNAL A TARDE E NO GUIA DO ÓCIO,UNIVERSO DE ONDE FORAM SELECIONADAS AS OPINIÕES DESTE VOLUME*OPINIÕES PUBLICADAS NO JORNAL A TARDEDATA PEÇA TÍTULO CADERNO PÁG.16/01/88 Medéia Medéia <strong>uma</strong> releitura Cultura 102/04/88 Eu Sou Vida, Eu Não Sou Morte Qorpo-Santo em linguagem kabuki Cultura 121/01/88 Sim A inocente cruelda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Arrabal Cultura 123/01/88 Curra Faltou ritmo Cultura 117/06/88 Valsa nº 6 Amor e morte num rito <strong>de</strong> passagem Cultura 209/09/89 O Cego Riqueza Sígnica Cultura 126/05/89 Apenas bons amigos Uma sátira às relações amorosas Cultura 317/02/90 Micro Caosmo Caosmo cosmético Ca<strong>de</strong>rno 2 -01/06/90 Dendê e Dengo Esperto mergulho na baianida<strong>de</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 -29/11/90 Sapomorfose O avesso <strong>de</strong> um conto <strong>de</strong> fadas Ca<strong>de</strong>rno 2 328/12/90 Os melhores anos <strong>de</strong> Nossas Vidas Lirismo sem pieguice Ca<strong>de</strong>rno 2 -14/02/92 As Aves Um pequeno tropeço Ca<strong>de</strong>rno 2 318/03/92 Oficina Con<strong>de</strong>nsada Escracho sofistica<strong>do</strong> em Oficina Con<strong>de</strong>nsada Ca<strong>de</strong>rno 2 118/11/92 A lira <strong>do</strong>s 20 anos Anos mornos? Ca<strong>de</strong>rno 2 321/11/92 Colombo Um Colombo ágil e bem cuida<strong>do</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 311/12/92 Dona Flor e Seus Dois Mari<strong>do</strong>s A cópia cénica <strong>de</strong> Dona Flor Ca<strong>de</strong>rno 2 319/12/92 Noites Vadias Sonho irreverente Ca<strong>de</strong>rno 2 301/03/93 Um Deus Dormiu Lá em Casa Ausência <strong>de</strong> sintonia Ca<strong>de</strong>rno 2 321/03/93 Vau da Sarapalha Teatro Antropomórfico Ca<strong>de</strong>rno 2 230/04/93 Bró<strong>de</strong>r A surpreen<strong>de</strong>nte Bró<strong>de</strong>r Ca<strong>de</strong>rno 2 -04/05/93 Merlin Fragmento <strong>de</strong> um discurso plástico Ca<strong>de</strong>rno 2 304/06/93 Sapato Aperta<strong>do</strong> Espetáculo Aperta<strong>do</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 328/07/93 O Marajá Censura Vergonhosa Ca<strong>de</strong>rno 2 303/08/93 Canu<strong>do</strong>s Tiro <strong>de</strong> Festim Ca<strong>de</strong>rno 2 116/12/93 O Casamento Perfeita Comunhão Ca<strong>de</strong>rno 2 315/01/94 Nardja Zulpério Dobran<strong>do</strong> os críticos Ca<strong>de</strong>rno 2 324/01/94 Bai Bai Pelô Acha<strong>do</strong> Antropológico Ca<strong>de</strong>rno 2 804/02/94 Me<strong>de</strong>amaterial A Volta <strong>de</strong> Medéia Ca<strong>de</strong>rno 2 326/03/94 A Falecida O teatro está nu outra vez Ca<strong>de</strong>rno 2 contracapa26/04/94 Potato Pum e Puxa Vida Duas peças agradam a adultos e crianças Ca<strong>de</strong>rno 2 828/04/94 O Menor Quer Ser Tutor Poesia muda Ca<strong>de</strong>rno 2 813/05/94 Dervixes Dançantes Ritual Encantatório Ca<strong>de</strong>rno 2 824/05/94 A Tempesta<strong>de</strong> Visual impressiona Ca<strong>de</strong>rno 2 824/05/94 Confissões Receita gasta Ca<strong>de</strong>rno 2 827/05/94 A Mandrágora Feitiço Óbvio - -28/05/94 Castro Alves Nau <strong>de</strong> emoções Ca<strong>de</strong>rno 2 812/07/94 Dias 94 e Bulunga Duas peças, <strong>uma</strong> opinião Ca<strong>de</strong>rno 2 1015/09/94 O Rei da Vela Versão colegial Ca<strong>de</strong>rno 205/10/94 Adé-até... Sonhos em pedaços Ca<strong>de</strong>rno 2 8Curta equente24/01/95 Noviças Rebel<strong>de</strong>s Profana comunhão Ca<strong>de</strong>rno 2 contracapa03/04/95 Cabaré Brasil Brasil em revista Ca<strong>de</strong>rno 2 804/04/95 Apareceu a Margarida Discurso vazio Ca<strong>de</strong>rno 2 806/06/95 Cabaré Brasil Prazer confirma<strong>do</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 318/07/95 O Grito <strong>do</strong>s Anjos Rompen<strong>do</strong> Máscaras Ca<strong>de</strong>rno 2 319/07/95 Os Cre<strong>do</strong>res As dívidas <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s nós Ca<strong>de</strong>rno 2 620/07/95 Aon<strong>de</strong> Está Você Agora? Hino à Amiza<strong>de</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 805/08/95 O Mistério <strong>do</strong> Chiclete Gruda<strong>do</strong> Encanta<strong>do</strong>r Ca<strong>de</strong>rno 2 3192 193


05/10/95 Flor <strong>do</strong> Lo<strong>do</strong> Acrílico Ca<strong>de</strong>rno 2 1010/11/95 Na Selva da Cida<strong>de</strong> Ringue metafísico Ca<strong>de</strong>rno 2 318/12/95 A Incrível Viagem Viagem mágica Ca<strong>de</strong>rno 2 828/05/96 Não Vamos Falar Nisso Agora Casamento revisita<strong>do</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 1003/06/96 O Banquete <strong>de</strong> Alice Ponte para o imaginário Ca<strong>de</strong>rno 2 1014/06/96 Noite Encantada Irrealida<strong>de</strong> cotidiana Ca<strong>de</strong>rno 2 816/10/96 A Casa <strong>de</strong> Eros A celebração <strong>do</strong> ator Ca<strong>de</strong>rno 2 626/10/96 Fala Comigo Doce Como a Chuva Tocante Ca<strong>de</strong>rno 2 328/03/97 Abismo <strong>de</strong> Rosas Emoções bem-temperadas Ca<strong>de</strong>rno 2 302/04/97 O Buraco é Mais Embaixo Viagem ao centro <strong>do</strong> teatro Ca<strong>de</strong>rno 2 306/05/97 Don Juan O insustentável peso <strong>de</strong> <strong>uma</strong> comédia Ca<strong>de</strong>rno 2 -01/07/97 Barba Azul - Ca<strong>de</strong>rno 2 -10/07/97 Divinas Palavras Labirinto h<strong>uma</strong>no Ca<strong>de</strong>rno 2 801/09/98 Domus Capta Domus Capta ou a ameaça <strong>do</strong> insólito Ca<strong>de</strong>rno 2 110/09/98 Carne Fraca A Trilha da perversão Ca<strong>de</strong>rno 2 817/09/98 Clarices Clarice, sem mistério Ca<strong>de</strong>rno 2 829/10/98 Escorial Alegria Cruel Ca<strong>de</strong>rno 2 612/12/98 Roberto Zucco Postura <strong>de</strong> Avatar Ca<strong>de</strong>rno 2 -11/12/99 As Coisas Boas da Vida As coisas boas <strong>de</strong> cada um Ca<strong>de</strong>rno 2 812/09/02 O Vôo da Asa Branca Vôo alto Ca<strong>de</strong>rno 2 303/10/02 A Hora da Estrela Metalinguagem Ca<strong>de</strong>rno2 326/11/02 Idas e Vidas Nostalgia pós-mo<strong>de</strong>rna Ca<strong>de</strong>rno 2 324/12/02 Só Riso Amargo Ca<strong>de</strong>rno 2 301/11/03 Deus Dana<strong>do</strong> Deus pelo avesso Ca<strong>de</strong>rno 2 827/11/03A Comédia <strong>do</strong> Fim- Quatro Peças e<strong>uma</strong> CatastrofeO Inicio da luz Ca<strong>de</strong>rno 2 4- O Inspetor Geral Um Inspetor irregular - -13/08/97 Cabaré da Raça Lúdico e reflexivo Ca<strong>de</strong>rno 2 710/09/97 Pierrot Marie Espetáculo hermético Ca<strong>de</strong>rno 2 7OPINIÕES PUBLICADAS NO GUIA DO ÓCIO16/09/97 Acho Que Te Amava Pérola cênica Ca<strong>de</strong>rno 2 724/09/97 Tito Sonha<strong>do</strong>r Pequena saga ecológica Ca<strong>de</strong>rno 2 704/10/97 Lágrimas <strong>de</strong> Um Guarda Chuva Fio <strong>de</strong> Esperança Ca<strong>de</strong>rno 2 311/10/97 Medéia No tom certo Ca<strong>de</strong>rno 2 814/03/98 Equus Ecos <strong>de</strong> sombra e luz Ca<strong>de</strong>rno 2 825/03/98 Dom Quixote Rompen<strong>do</strong> a barreira <strong>do</strong> sonho Ca<strong>de</strong>rno 2 307/04/98 Jingobel Escatologia cê(i)nica Ca<strong>de</strong>rno 2 308/04/98 Circulo <strong>de</strong> Giz Espetáculo Limpo Ca<strong>de</strong>rno 2 8DATA PEÇA TÍTULO PÁG.set. 1999 Calígula No Império da Ambição 8ago.1999 Fausto Zero Percurso inverso 18jan. 2005 A Prostitutua Respeitosa Encenação fria 18jul. 2005 O Despertar da Primavera Muita fala, pouca ação 18jan. 2006 Hamlet Hamlet soft 18jan. 2006 Esse Glauber O outro la<strong>do</strong> da folia 1807/05/98 Um tal <strong>de</strong> Sancho Pança Don Quixote Ca<strong>de</strong>rno 2 -12/05/98 A Megera Domada Truques à meia noite Ca<strong>de</strong>rno 2 726/08/98 Lábios <strong>de</strong> Chuva Aguas <strong>de</strong> Ama<strong>do</strong> Ca<strong>de</strong>rno 2 3*No perío<strong>do</strong> da pesquisa em A Tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong> julho a setembro <strong>de</strong> 2012, a equipe <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Documentação <strong>do</strong> jornal - CEDOC,estava reestruturan<strong>do</strong> os arquivos on-line, muito <strong>de</strong>les sen<strong>do</strong> totalmente refeitos. Por esta razão, alguns da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sta tabelanão foram obti<strong>do</strong>s.194 195


Jose Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Multari Lobo (1956), o Clo<strong>do</strong>al<strong>do</strong> Lobo, crítico teatralbaiano, é jornalista, gradua<strong>do</strong> pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Comunicação daUniversida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia (UFBA), e tem sua atuação focada narelação entre jornalismo e artes cênicas, n<strong>uma</strong> visão que se ampliapara as artes, a filosofia e a cultura, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final <strong>de</strong> década <strong>de</strong> 1970.Seu projeto <strong>de</strong> pesquisa A poética <strong>do</strong> incesto no teatro <strong>de</strong> NelsonRodrigues foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> no Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em ArtesCênicas das escolas <strong>de</strong> Teatro e Dança, também da UFBA (mestra<strong>do</strong>não concluí<strong>do</strong>). Foi repórter <strong>do</strong> jornal A Tar<strong>de</strong> por longos anose ainda hoje contribui com matérias, ensaios e opiniões. Tambémescreveu para outros diversos veículos jornalísticos e culturais, daBahia e <strong>de</strong> outros esta<strong>do</strong>s, tais como o Guia <strong>do</strong> Ócio, em que publicacríticas e resenhas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999. Seu currículo se completa com trabalhos<strong>de</strong> assessoria <strong>de</strong> imprensa, na divulgação artística, e produção<strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s textuais para obras como livros e músicas.196


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