uma das poucas portuguesas “famosas” representadas na obra da poetiza 6 tornam bem patenteo lugar de destaque que a autora lhe confere.No poema, prolonga-se a tradição segun<strong>do</strong> a qual Catarina estaria grávida quan<strong>do</strong> foimorta: “Estavas grávida […]”. Mais <strong>do</strong> que sugerir a desumanidade <strong>do</strong> executor anónimo quenão deixa a vida despontar, este elemento serve para realçar a heroicidade desta alentejana. Asua firmeza e determinação transformam-na em símbolo da resistência. A este respeito, ésignificativa a repetição, ao longo <strong>do</strong> poema, das formas “não recuaste” (v. 3), “não recuasse”(v. 11) e “não recua” (v. 14).Na segunda estrofe, enumeram-se as alternativas recusadas pela ceifeira, pelo que ela sedestaca <strong>do</strong>s outros pela positiva. Sobressai, deste mo<strong>do</strong>, a sua excepcionalidade e heroísmo.No início da última estrofe, que lembra o “É a Hora!” pessoano, ela surge como aagente involuntária de um acontecimento inadiável: “Tinha chega<strong>do</strong> o tempo”. A sua corageme firmeza conduzem-na à morte injusta, cujo autor e méto<strong>do</strong> continuam desconheci<strong>do</strong>s. Emcontrapartida, esta morte eleva-a a outro patamar de significação. Às qualidades já referidasjunta-se a sua pureza de ser inteiro que se cumpre como ser humano e que não se limita àfunção reprodutora. Vítima inocente, ela é, por isso, aproximada de Antígona, a filha deÉdipo tiranicamente condenada à morte por discordar da justiça aplicada pelo tio, Creonte.Através desta associação, Catarina Eufémia entra na galeria <strong>do</strong>s mitos universais associa<strong>do</strong>s àbusca incessante <strong>do</strong> valor primordial de justiça.A ceifeira alentejana encarna, portanto, valores bem diferentes <strong>do</strong>s tradicionalmenteassocia<strong>do</strong>s a D. Leonor: aquela é a santa ou a mártir, esta, a peca<strong>do</strong>ra. Na sua diversidade, épela palavra que ambas se vão “da lei da morte libertan<strong>do</strong>”, adquirin<strong>do</strong> um significa<strong>do</strong> que astranscende e as transforma em corpos irradiantes através <strong>do</strong>s quais se representam aspectoscontrastantes desse ser complexo que é o Homem.6 A poesia de Sophia contempla ainda Mariana Alcofora<strong>do</strong>, Isabel de Portugal e, com particular destaque, MariaHelena Vieira da Silva, à qual se dedicam três poemas.116
Bibliografia1. Bibliografia activaAAVV (2004), 50 anos depois da morte. Catarina de Baleizão. Edição da CooperativaCultural Alentejana.ANDRESEN, Sophia de MELLO BREYNER (1996), Obra poética III, 2ª ed. Lisboa, Caminho.SARAIVA, José Manuel (2005), Rosa Brava, ou a vida de Leonor Teles, uma mulheremancipada, numa corte de luxúria e sedução. Cruz Quebrada, Oficina <strong>do</strong> Livro.2. Bibliografia passivaCIDRÃES, Maria de Lourdes SOEIRO (1998), O espelho nebuloso. A mitologia nacionalportuguesa e o teatro de António Patrício. Lisboa, Faculdade de Letras [dissertaçãopolicopiada].CIDRÃES, Maria de Lourdes (1999-2001), “O mito da Rainha Santa – uma tradição popular ereligiosa”. Revista Lusitana (Nova série) (Lisboa, Colibri). 19-21: 31-80.----- (2002), “Dos mitos, <strong>do</strong>s poetas e <strong>do</strong>s tempos (Literatura, memória histórica e imaginárionacional). Revista da Faculdade de Letras (Faculdade de Letras, Lisboa). 26, 5ª série:63-70.DUARTE, Manuel DIAS (2004), História de Portucália. Uma história de Portugal no feminino.Vila Nova de Gaia, Editora Ausência.DUARTE, Manuel MARQUES (2002), Leonor Teles. Ensaio biográfico. Porto, Campo das Letras.KLOBUCKA, Anna (2006), Mariana Alcofora<strong>do</strong>. Formação de um mito cultural. Lisboa,Imprensa Nacional-Casa da Moeda.117