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Agrobiodiversidade e diversidade cultural - Ministério do Meio ...

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República Federativa <strong>do</strong> BrasilPresidenteLUIZ INÁCIO LULA DA SILVAVice-PresidenteJOSÁ ALENCAR GOMES DA SILVA<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteMinistraMARINA SILVASecretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e FlorestasSecretário-ExecutivoCLÁUDIO ROBERTO BERTOLDO LANGONESecretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e FlorestasSecretárioJOÃO PAULO RIBEIRO CAPOBIANCOPrograma Nacional de Conservação da Bio<strong>diversidade</strong>DiretorPAULO YOSHIO KAGEYAMAGerência de Recursos GenéticosGerenteRUBENS ONOFRE NODARI


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> eDiversidade Cultural


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteSecretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e Florestas<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> eDiversidade CulturalBrasília2006


Equipe de agrobio<strong>diversidade</strong> da Secretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e Florestas:Paulo Yoshio Kageyama, Rubens Onofre Nodari, Alberto Jorge da Rocha Silva, André Stella,Lídio Coradin, Luiz Carlos Balcewicz, Maria Goreth Gonçalves Nóbrega.Equipe responsável pela organização e realização <strong>do</strong> Encontro Nacional sobreagrobio<strong>diversidade</strong> e Diversidade Cultural:Ana Gita de Oliveira (<strong>Ministério</strong> da Cultura /IPHAN), Ana Julieta Teo<strong>do</strong>ro Cleaver (<strong>Ministério</strong>da Cultura /IPHAN), Laure Emperaire (Institut de Recherche pour le Développement), PauloYoshio Kageyama (MMA/SBF/DCBio) André Stella (MMA/SBF/DCBio).Equipe técnica da publicação:Coordenação da publicação: André Stella e Paulo Yoshio KageyamaJornalista responsável: Carlos Carvalho (Reg. Prof. 16320/74/92-RJ)Revisão: Sinara SandriProjeto gráfico e diagramação: Marcelo SouzaCapa: Colheita da mandioca, município <strong>do</strong> Rodrigues Alves - AC - 2003 (foto: CarlosCarvalho)Fotos gentilmente cedidas por: Carlos Carvalho, Marcos Guião, Andre Stella e Marcio RM.Impressão:Tiragem: 5.000 exemplaresCatalogação na FonteInstituto <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente e <strong>do</strong>s Recursos Naturais RenováveisA281 <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e <strong>diversidade</strong> <strong>cultural</strong> / MMA – Brasília: MMA/SBF, 2006.82 p. : il. color ; 23 cm. (Série Bio<strong>diversidade</strong>, 20)BibliografiaISBN 85-87166-90-51. Diversidade <strong>cultural</strong>. 2. Agricultura. 3. Bio<strong>diversidade</strong>. 4. Cultura agrícola. I. <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente. II.Secretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e Florestas. III. Título. IV. Série.CDU(2.ed.)631:502.33<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente - MMACentro de Informação e Documentação Luís Eduar<strong>do</strong> Magalhães - CID AmbientalEsplanda <strong>do</strong>s <strong>Ministério</strong>s - Bloco B- térreo70068-900Tel: 5561 4009-1235 Fax: 3224-5222E-mail: cid@mma.gov.br


SumárioPrefácio -----------------------------------------------------------------------------------Apresentação ----------------------------------------------------------------------------pág 7pág 9Capítulo 1Encontro Nacional sobre <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Cultural --------------pág 11Mandioca e Farinha: Identidade Cultural e Patrimônio Nacional -------------------- pág 25Conservação e Uso de Recursos Genéticos de Mandioca ----------------------------pág 29Diversificação de Utilização de Novos Clones da Mandioca naAlimentação Humana para a Amazônia -----------------------------------------------<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Agricultura Tradicional na Amazônia:o Caso da Mandioca --------------------------------------------------------------------pág 31pág 34Manejo da Mandioca por Populações Tradicionais -----------------------------------pág 36Bio<strong>diversidade</strong> – Acesso a Recursos Genéticos, Proteção aoConhecimento Tradicional Associa<strong>do</strong> e Repartição de Benefícios --------------------pág 38Capítulo 2Políticas Públicas para a <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> -----------------------------------------pág 41Capítulo 3Uso Popular de Plantas Medicinais <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> ---------------------------------------pág 57Capítulo 4Programa Ambiental <strong>do</strong> MST para a Reforma Agrária: elementospara sua construção ---------------------------------------------------------------------pág 67Capítulo 5Festa <strong>do</strong> Milho Crioulo de Anchieta e o histórico de Atuação <strong>do</strong>MPA Relaciona<strong>do</strong> às Sementes ---------------------------------------------------------- pág 77.


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente8 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalPrefácioNa prática agrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>diversidade</strong> <strong>cultural</strong> sempre caminharamjuntas, par e passo. Nas comunidades locais isoladas, na agriculturafamiliar tradicional e nas populações indígenas, o cultivo e o manejo de componentesda bio<strong>diversidade</strong> sempre estiveram associa<strong>do</strong>s às praticas culturais,religiosidade e ao desenvolvimento de tecnologias próprias de produção.Entretanto, o reconhecimento governamental ocorreu há aproximadamente<strong>do</strong>is anos, logo após o início <strong>do</strong> governo Lula (em 2003), em razão danova concepção de governo. Os princípios que nortearam esta guinada derumo foram o controle social, a transparência e a transversalidade. Essessão elementos essenciais para promover a inclusão social e o desenvolvimentosustentável, pois consideram o povo como o elemento nortea<strong>do</strong>r dasações de governo e co-responsável pelas decisões.Em novembro de 2003, com a finalidade de afirmar a ligação entre osaspectos sócio-ambientais e culturais da <strong>diversidade</strong>, foi realiza<strong>do</strong> o I EncontroNacional sobre <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Cultural. Realiza<strong>do</strong>em Brasília, em parceira pelos <strong>Ministério</strong>s <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente e da Cultura,o evento estabeleceu um marco inicial da mudança de concepção <strong>do</strong>governo sobre as relações humanas com a bio<strong>diversidade</strong>.Os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> encontro serviram, entre outros propósitos, para legitimare reorientar as atividades <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> relacionadas à agrobio<strong>diversidade</strong>.O diálogo entre representantes das comunidades, incluídas no encontro comoprotagonistas, e o governo resultou em diretrizes que foram posteriormenteutilizadas para o planejamento e a implementação das ações daagrobio<strong>diversidade</strong>.Todas essas ações têm como elemento de sustentação a valorização ecompreensão <strong>do</strong> papel e <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong>s seres humanos na interrelaçãocom o uso sustentável da bio<strong>diversidade</strong>. As comunidades locaisconstituem fonte de muita sabe<strong>do</strong>ria, fundamentada na prática, sobre a essência<strong>do</strong> conceito de sustentabilidade. Nesta senti<strong>do</strong>, consideran<strong>do</strong> a enormeriqueza biológica, étnica e <strong>cultural</strong> <strong>do</strong> país, espera-se que o governopromova a sustentabilidade nas suas seis dimensões: econômica, social, ecológica,política <strong>cultural</strong> e ética.Não sem razão, as causas ambientais cada vez mais se confundem comseu espelho social e ético. Hoje procuramos soluções sócio-ambientais, nãoapenas ambientais. E falamos em justiça ambiental, como parte intrínseca<strong>do</strong> conceito de justiça social.A qualidade de vida é entendida como direito humano, assim como asaúde, a educação, a habitação. E acumulam-se as evidências de que aatividade econômica não precisa ser preda<strong>do</strong>ra. É desejável, viável e factívelo caminho <strong>do</strong> desenvolvimento sustentável. Este livro resultante <strong>do</strong> Encontroentre <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Cultural ilustra caminhos desustentabilidade, não só para as presentes, mas também para as futurasgerações.Marina SilvaMinistra de Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteBio<strong>diversidade</strong>, 209


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalApresentaçãoAs ações da Secretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e Florestas relacionadas àagrobio<strong>diversidade</strong> têm como fundamentos o controle social, a transparênciae a transversalidade. A compreensão e o reconhecimento <strong>do</strong> protagonismoda sociedade civil pela Diretoria de Conservação da Bio<strong>diversidade</strong> foramcruciais no estabelecimento de atividades relacionadas ao uso sustentávelda agrobio<strong>diversidade</strong>. De igual importância foi o estabelecimento de umarede dentro <strong>do</strong> governo para a consolidação de políticas e parcerias com ascomunidades. O caminho para o estabelecimento <strong>do</strong>s objetivos e metas <strong>do</strong>Plano-Plurianual (PPA) envolveu o diálogo com as comunidades e suasorganizações; o apoio às iniciativas de uso sustentável da agrobio<strong>diversidade</strong>e o estabelecimento de linhas de projetos de estímulo ao uso comunitário<strong>do</strong>s componentes da agrobio<strong>diversidade</strong>.“<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Cultural” não é somente um <strong>do</strong>cumento<strong>do</strong> governo retratan<strong>do</strong> a execução de um de seus programas. Olivro é fruto <strong>do</strong> trabalho de uma rede de colabora<strong>do</strong>res e de profunda mudançana compreensão da importância das comunidades no uso sustentávelda bio<strong>diversidade</strong>. É também resulta<strong>do</strong> da valorização <strong>do</strong> conhecimentopopular e tradicional e da sua aproximação e convivência com o conhecimentoacadêmico.O primeiro capítulo traz os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Encontro Nacional sobre<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Cultural, promovi<strong>do</strong> pelos <strong>Ministério</strong>s <strong>do</strong><strong>Meio</strong> Ambiente e da Cultura, em novembro de 2003. As discussões <strong>do</strong> Encontroenfatizaram o cultivo da mandioca, o recurso alimentar mais amplamentecultiva<strong>do</strong> por comunidades no Brasil. Associada ao seu cultivo, existe umuniverso de práticas culturais, tecnologias locais e produtos deriva<strong>do</strong>s. Alémdisso, trata-se de um recurso estratégico para o país, que tem a maior <strong>diversidade</strong>genética da espécie. A mandioca é por isso um ícone das variedadescrioulas, ou seja, a de maior importância dentre as espécies cultivadas tradicionalmentepelas comunidades locais e povos indígenas.No capítulo II apresenta-se as principais atividades relacionadas à promoção<strong>do</strong> uso comunitário da agrobio<strong>diversidade</strong>, em execução pela Secretariade Bio<strong>diversidade</strong> e Florestas. Neste contexto, o principal projeto, desenvolvi<strong>do</strong>em parceira com o Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgrária - INCRA, é o <strong>do</strong>s Centros Irradia<strong>do</strong>res de Manejo da<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> (CIMAs), com foco na agricultura familiar. Com grandepotencial de aglutinar e catalisar projetos, os CIMAs já beneficiam maisde 10 mil famílias de agricultores assenta<strong>do</strong>s e estão distribuí<strong>do</strong>s por to<strong>do</strong> opaís, com perspectivas de se tornarem referência para a agroecologia e usosustentável da agrobio<strong>diversidade</strong> na agricultura familiar.O terceiro capítulo é de autoria da Articulação Pacari, uma parceira <strong>do</strong>MMA na implementação de atividades relacionadas ao uso comunitário deplantas medicinais <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>. Sobre este tema a Pacari tem demonstra<strong>do</strong>que organização e participação são fundamentais em projetos com as comunidadese, acima de tu<strong>do</strong>, como o conhecimento tradicional e popularpode ser usa<strong>do</strong> em favor <strong>do</strong> desenvolvimento sócio-ambiental.No capítulo seguinte o Movimento <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais Sem Terraapresenta os elementos que norteiam a elaboração <strong>do</strong> seu ProgramaAmbiental para a reforma agrária. Com um contingente de aproximadamente100 mil famílias de agricultores assenta<strong>do</strong>s e com a marca registradaBio<strong>diversidade</strong>, 2011


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente<strong>do</strong> principal movimento em favor da distribuição de riquezas e terras <strong>do</strong>país, o movimento mostra que também pretende causar muito impacto sobrea matriz agrária pre<strong>do</strong>minante. Neste campo, sua bandeira é a da diversificaçãoda produção de alimentos e da promoção da agroecologia comoelemento diferencial para a valorização e o desenvolvimento da agriculturacamponesa.No último capítulo, o Movimento <strong>do</strong>s Pequenos Agricultores - MPAapresenta a trajetória que resultou na organização da Festa <strong>do</strong> Milho Crioulode Anchieta (SC). Desde o embate ideológico e político, conta-se comoos agricultores <strong>do</strong> oeste catarinense se organizaram, resgataram suas raízesculturais e as práticas agrícolas que estavam sen<strong>do</strong> perdidas. O MPA mostracomo o processo de organização e capacitação <strong>do</strong>s agricultores evoluiu,culminan<strong>do</strong> com a organização <strong>do</strong> maior evento nacional sobreagrobio<strong>diversidade</strong>.As iniciativas retratadas não são isoladas, a Secretaria de Bio<strong>diversidade</strong>e Florestas vem desenvolven<strong>do</strong> uma série de ações que se complementamquanto aos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).Dentre estas pode-se destacar: a promoção de plantas nativas de valor atualou potencial (Plantas para o Futuro); a utilização da bio<strong>diversidade</strong> paranutrição, saúde e segurança alimentar; a promoção <strong>do</strong> uso comunitário deplantas medicinais e de fitoterápicos como estratégia de valorização e depromoção <strong>do</strong> uso sustentável da bio<strong>diversidade</strong>. Sem pretensão de indicaruma receita, pode-se afirmar que são ferramentas essenciais para se promovero uso sustentável da agrobio<strong>diversidade</strong>: a valorização <strong>do</strong> conhecimentotradicional; o resgate de materiais genéticos crioulos; a participaçãosocial e o fortalecimento da organização das comunidades.João Paulo Ribeiro CapobiancoSecretário de Bio<strong>diversidade</strong> e Florestas12 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalCarlos CarvalhoEncontro Nacional Sobre<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalAna Gita de Oliveira 1Ana Julieta Teo<strong>do</strong>ro Cleaver 2Laure Emperaire 3Paulo Yoshio Kageyama 4André Stella 5Ramas demandioca,prontas para oplantio / AcreO Encontro Nacional sobre <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Cultural,realiza<strong>do</strong> em Brasília nos dias 28 e 29 de novembro de 2003, foiuma iniciativa <strong>do</strong>s <strong>Ministério</strong>s da Cultura e <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente. Seu propósitofoi incentivar um debate entre vários setores envolvi<strong>do</strong>s com otema (comunidade científica, ONGs, populações tradicionais, poder público)e elaborar recomendações para definição de políticas públicas destinadasao uso, à conservação e à valorização da agrobio<strong>diversidade</strong>,bem como <strong>do</strong>s conhecimentos e práticas associa<strong>do</strong>s.Entre os países megadiversos, o Brasil é detentor da maior <strong>diversidade</strong>de plantas nativas e de grande <strong>diversidade</strong> de plantas cultivadas.1Antropóloga, Dra. – Secretaria de Articulação Institucional - gita@iphan.gov.br2Antropóloga - Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Secretaria deFormulação de Políticas Culturais - anajulieta@minc.gov.br3Etnobotânica, Dra. - Pesquisa<strong>do</strong>ra, emperair@uol.com.br4Diretor <strong>do</strong> Programa Nacional de Conservação da Bio<strong>diversidade</strong>, Secretaria deBio<strong>diversidade</strong> e Florestas - Professor titular da ESALQ/USP, PhD. –paulo.kageyama@mma.gov.br5Engenheiro Florestal, MSc. – Assessor da Diretoria <strong>do</strong> Programa Nacional deConservação da Bio<strong>diversidade</strong>, Secretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e Florestas –andre.stella@mma.gov.brBio<strong>diversidade</strong>, 2013


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoCasa de farinha,município deRodrigues Alves / AcreEste patrimônio genético constitui a base alimentare a fonte de matéria-prima para inúmerasatividades de populações locais. Constituitambém elemento organiza<strong>do</strong>r de contextosculturais específicos. Conservá-lo, portanto, étarefa fundamental para a segurança alimentardestas populações e para a preservação <strong>do</strong>patrimônio <strong>cultural</strong> associa<strong>do</strong>.O componente da <strong>diversidade</strong> genética,maneja<strong>do</strong> por populações tradicionais e poragricultores familiares, conserva<strong>do</strong> no campo epelo agricultor, é fruto de um longo e diversifica<strong>do</strong>processo de seleção, adapta<strong>do</strong> à realidadelocal. Apesar de sua importância, carece de reconhecimento e de esforçosespeciais volta<strong>do</strong>s à sua conservação e valorização. Nesta <strong>diversidade</strong>,expressa em uma infinidade de cultivares tradicionais de mandioca,milho, feijão, amen<strong>do</strong>im, plantas frutíferas, medicinais e outras, observamsemúltiplas adaptações às mais diferentes condições ambientais (solo eclima, por exemplo) em associação com as mais diversas representações epráticas culturais. Uma ampla gama de produtos agrícolas é ofertada a partirdeste estoque de variedades. Práticas e saberes associa<strong>do</strong>s permitiram acontínua adaptação desse patrimônio biológico às modificações <strong>do</strong>s contextosecológicos e socioeconômicos locais e nacionais e foram elementosdecisivos para a autonomia e a segurança alimentar das comunidades tradicionaise <strong>do</strong>s pequenos agricultores.Várias pressões e ameaças à conservação e à sustentabilidade agemsobre o componente cultiva<strong>do</strong> ou maneja<strong>do</strong> da bio<strong>diversidade</strong> – aagrobio<strong>diversidade</strong>. Algumas atingem, de forma direta, os próprios recursosgenéticos (erosão genética) e outras recaem indiretamente sobre práticase saberes associa<strong>do</strong>s ao manejo e à utilização tradicional dessesrecursos (erosão <strong>do</strong>s conhecimentos). Estas perdas resultam no aumentoda dependência das comunidades tradicionais aos modelos econômicosalóctones, na perda da autonomia e na falta de segurança alimentar. Naorigem destes problemas podemos citar fatores de cunho econômico, comoo avanço de modelos agrícolas fundamenta<strong>do</strong>s em uma lógica que privilegiaa produtividade, com o uso de poucas variedades com base genéticaestreita; e de cunho socio<strong>cultural</strong>, como a homogeneização <strong>do</strong>s hábitosalimentares, a crescente extensão de um modelo <strong>cultural</strong> de tipo urbano ea dificuldade de inserção de produtos agrícolas tradicionais no merca<strong>do</strong>.Dentre as plantas cultivadas no Brasil, a mandioca ocupa uma posiçãode destaque. Planta originária <strong>do</strong> Brasil, ou das regiões limítrofes, écultivada em to<strong>do</strong> o país, por populações rurais e tradicionais, notadamentepelas populações indígenas. Em muitos casos, principalmente entre aspopulações indígenas, está associada a uma rica cultura material e a saberesmuito elabora<strong>do</strong>s. Participa de sistemas agrícolas de pequena e grandeescala, é representada por uma ampla <strong>diversidade</strong> de variedades adaptadasa diversas condições ecológicas e permite a elaboração de um amploleque de produtos tradicionais e industriais, com fins alimentares eoutros. Essa <strong>diversidade</strong> de situações ecológicas, econômicas e14 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalsocioculturais faz da mandioca um paradigma para a compreensão e oacompanhamento das formas de manejo de um recurso fitogenético e <strong>do</strong>sprocessos de erosão genética e <strong>do</strong>s conhecimentos. A mandioca, em decorrênciadessa <strong>diversidade</strong> de situações, foi, assim, escolhida como basepara se pensar a formulação de políticas públicas para a conservação e avalorização da agrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>do</strong>s conhecimentos a ela associa<strong>do</strong>s,tornan<strong>do</strong>-se o elemento nortea<strong>do</strong>r deste Encontro.O evento reuniu especialistas e pessoas diretamente envolvidas coma questão da agrobio<strong>diversidade</strong>, procuran<strong>do</strong> identificar novos caminhosde construção de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentávelde comunidades rurais e tradicionais e a conseqüente utilização, conservaçãoe valorização da agrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>do</strong>s conhecimentos tradicionaisassocia<strong>do</strong>s.Objetivos específicosO primeiro objetivo foi a identificação de algumas experiências devalorização e conservação em curso. Quais dessas experiências têm umaamplitude regional e podem ter efeito multiplica<strong>do</strong>r? Quais são os atoresimplica<strong>do</strong>s, os pontos de sinergia? Como harmonizar as ações que ocorremem várias escalas?O segun<strong>do</strong> objetivo foi a identificação das demandas existentes emtorno da agrobio<strong>diversidade</strong>, oriundas de diferentes segmentos da sociedade- populações locais, setores industriais, instituições de pesquisa,órgãos de extensão rural e assistência técnica, entre outros. Que instrumentossão mais interessantes e eficientes para a conservação on farm,in situ e ex situ, para a valorização econômica e identificação de nichosde merca<strong>do</strong> diferencia<strong>do</strong>s para a agrobio<strong>diversidade</strong>? O que existe e quaissão as demandas de fomento e de crédito para o setor?O terceiro objetivo foi a identificação de meto<strong>do</strong>logias apropriadaspara o acompanhamento das dinâmicas associadas à agrobio<strong>diversidade</strong>.Como avaliar o esta<strong>do</strong> da arte da agrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>do</strong>s conhecimentostradicionais associa<strong>do</strong>s? Quais são as unidades territoriais e culturaispara um acompanhamento adequa<strong>do</strong>? Como essas unidades se articulamcom as dinâmicas regionais e nacionais? Como definir estratégias de implantaçãode “observatórios”? Como definir e estabelecer fóruns para atroca de informações?Por fim, o quarto objetivo foi o desenvolvimento de um mecanismode implementação das ações propostas. Como organizar e selecionar asações com os diferentes segmentos envolvi<strong>do</strong>s? Como dividir as tarefas eimplementar as propostas meto<strong>do</strong>lógicas? Como utilizar o conhecimentoe as experiências de forma a contribuir efetivamente para o desenvolvimentosocial e para a conservação e valorização da agrobio<strong>diversidade</strong>?Dinâmica <strong>do</strong> EncontroO Encontro foi dividi<strong>do</strong> em duas etapas. Na primeira, buscou-seevidenciar uma <strong>diversidade</strong> de olhares sobre a agrobio<strong>diversidade</strong>, para aBio<strong>diversidade</strong>, 2015


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambienteconstrução de um referencial comum aos participantes. Procurou-se construirum objeto multi-institucional e multi-disciplinar. Palestras, enfocan<strong>do</strong>diferentes aspectos, culturais e biológicos, da agrobio<strong>diversidade</strong>, comênfase na mandioca, permitiram identificar dinâmicas em curso.Na segunda etapa, foram constituí<strong>do</strong>s grupos de trabalho em tornode três eixos temáticos: (i) agrobio<strong>diversidade</strong> e cultura; (ii) conservaçãoe uso da agrobio<strong>diversidade</strong>; e (iii) agrobio<strong>diversidade</strong> e merca<strong>do</strong>.As discussões levantadas procuraram formular recomendações paraa implementação de ações com vários graus de prioridade e identificar osatores responsáveis. Após o encerramento das discussões em grupo, osresulta<strong>do</strong>s foram apresenta<strong>do</strong>s à plenária e consolida<strong>do</strong>s em planilhas ondeforam identifica<strong>do</strong>s prioridades, atores, público alvo, instrumentos e fasesde implementação.Grupos de TrabalhoGrupo de Trabalho 1: <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e culturaO grupo de trabalho sobre agrobio<strong>diversidade</strong> e cultura ressaltou,de início, as necessidades de: (i) interligar os aspectos de segurança alimentar,geração de renda, preservação e valorização <strong>do</strong>s saberes tradicionais,educação, saúde, reforma agrária e conservação ambiental na definiçãode políticas públicas ; (ii) fortalecer os processos de decisão dascomunidades locais nas prioridades de pesquisa e educação. As discussõesforam sintetizadas em três grandes itens: conhecimento; proteção evalorização; comunicação e articulação.Um importante esforço deve ser feito de imediato para fomentar ummelhor conhecimento sobre a agrobio<strong>diversidade</strong> e os saberes associa<strong>do</strong>s,a partir das fontes de da<strong>do</strong>s existentes, contextualizan<strong>do</strong> e sistematizan<strong>do</strong>esses da<strong>do</strong>s, e identifican<strong>do</strong> as lacunas. O ponto de partida <strong>do</strong>planejamento e das propostas de pesquisas e ações deve ser fundamenta<strong>do</strong>em o esta<strong>do</strong> da arte. Ele permitira mapear e caracterizar as situaçõese as dinâmicas evolutivas da agrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>do</strong>s conhecimentos tradicionaisassocia<strong>do</strong>s, bem como identificar indica<strong>do</strong>res para cada biomaou eco-região. Para tanto, sugeriu-se a realização de seminários regionaisadapta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> modelo desenvolvi<strong>do</strong> pelo Programa de Conservação eUtilização Sustentável da Bio<strong>diversidade</strong> Brasileira – Probio, utiliza<strong>do</strong> paraa identificação de áreas prioritárias para a conservação da bio<strong>diversidade</strong>brasileira. A meto<strong>do</strong>logia consiste de três componentes principais: (i) levantamentodas informações existentes, identificação das lacunas; (ii) definição,avaliação e mapeamento de áreas prioritárias em agrobio<strong>diversidade</strong>;e (iii) elaboração de recomendações para uso sustentávele acompanhamento, a médio e longo prazo, da evolução daagrobio<strong>diversidade</strong> .De imediato, os atores de diferentes setores (populações locais, instituiçõesde pesquisa ou acadêmicas, órgãos governamentais e ONGs)envolvi<strong>do</strong>s na conservação e valorização da agrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>do</strong>s16 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalconhecimentos associa<strong>do</strong>s deverão ser identifica<strong>do</strong>s.Além disso, deverá ser organizada umarede para divulgação de informações e para dinamizaras articulações intersetoriais.O grupo apontou também para a necessidadede definição de linhas de pesquisasprioritárias; de elaboração de um referencialmeto<strong>do</strong>lógico que permita estabelecer um quadrocomparativo para as diversas regiões brasileirassobre o esta<strong>do</strong> da agrobio<strong>diversidade</strong>nos seus aspectos biológicos, ecológicos,socioculturais e econômicos; e de identificaçãodas dinâmicas que hoje operam sobre aagrobio<strong>diversidade</strong>. Um enfoque particular deverá ser da<strong>do</strong> à compreensãoda formação, constituição e transmissão <strong>do</strong>s conhecimentos tradicionaisassocia<strong>do</strong>s, estudan<strong>do</strong> também as modalidades de proteção e valorizaçãodesses conhecimentos.É importante que as pesquisas representem um vínculo entre as comunidadeslocais e o setor acadêmico. Esse vínculo deve se concretizar,entre outros aspectos a serem defini<strong>do</strong>s, na identificação conjunta <strong>do</strong>stemas prioritários a serem pesquisa<strong>do</strong>s, nas formas de retorno das pesquisaspara as comunidades, na formação de pesquisa<strong>do</strong>res locais e deassessoria técnica e científica.Além da produção de conhecimentos, a proteção e a valorização daagrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>do</strong>s conhecimentos tradicionais associa<strong>do</strong>s foramconsidera<strong>do</strong>s temas prioritários para a definição de políticas públicas. Essaspolíticas públicas deverão: (i) permitir uma avaliação <strong>do</strong>s instrumentos deproteção existentes (formas de conservação <strong>do</strong>s recursos genéticos, onfarm, in situ e ex situ, nas suas diversas modalidades, inventários dereferência <strong>cultural</strong>, Registro <strong>do</strong> patrimônio <strong>cultural</strong>, entre outros); (ii) proporuma reflexão sobre novas modalidades de conservação - indicaçõesde origem geográfica ou outros instrumentos; e (iii) garantir o acesso dascomunidades aos bancos de da<strong>do</strong>s, culturais ou de germoplasma. Os instrumentosque permitem a rastreabilidade <strong>do</strong>s produtos oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>germoplasma tradicional e <strong>do</strong> conhecimento tradicional deverão ser alvode uma atenção particular.As políticas públicas deverão também promover a capacitação deinstituições (universidades, museus, etc.) nas diversas regiões <strong>do</strong> país, paraa avaliação e realização de inventários de referência <strong>cultural</strong>. Da mesmaforma, deverão ser implementadas medidas que permitam a capacitação,o treinamento e o financiamento, que agreguem valor e favoreçam o trabalhorealiza<strong>do</strong> pelos grupos sociais produtores de bens culturais.O tema da comunicação e articulação foi também aborda<strong>do</strong>. Eixosde atuação foram defini<strong>do</strong>s em duas escalas principais.A primeira escala refere-se às medidas voltadas para as comunidadeslocais. Elas deverão: (i) assegurar o acesso à informação sobre osinstrumentos de proteção, registro e conservação da agrobio<strong>diversidade</strong>e <strong>do</strong>s conhecimentos tradicionais associa<strong>do</strong>s; (ii) estimular trocas de in-Bio<strong>diversidade</strong>, 20Produtorprensan<strong>do</strong> amandioca moídapara feitura defarinha. Cruzeiro<strong>do</strong> Sul/Acre.17Carlos Carvalho


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoTrabalho familiarno descasque damandioca parafeitura defarinha.RodriguesAlves / Acre.formações entre saberes locais e saberes científicos– apoian<strong>do</strong>, por exemplo, a criação degrupos interinstitucionais de reflexão sobre aarticulação entre comunidades locais e pesquisa<strong>do</strong>res;(iii) garantir canais de comunicaçãopara as populações locais expressarem suasdemandas; (iv) e estimular a definição e aplicaçãode meto<strong>do</strong>logias participativas e comunitáriasnos sistemas de extensão agrícola. Articulaçõescom programas participativos de melhoramentoe de redistribuição de germoplasmadeverão ser apoiadas.A segunda escala envolve uma abordagemno nível da sociedade. Deverão ser defini<strong>do</strong>s instrumentos visan<strong>do</strong> darmaior visibilidade, nos meios de comunicação de amplo alcance, à questãoda agrobio<strong>diversidade</strong> e saberes associa<strong>do</strong>s; e a estabelecer políticasde divulgação e marketing desse tema. Por fim, deverá ser incentivadauma reflexão envolven<strong>do</strong> os diferentes segmentos da sociedade brasileirasobre a valorização <strong>cultural</strong> e econômica desses patrimônios biológicos eculturais.Grupo de Trabalho 2 – Conservação e Uso da<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong>A conservação e uso da agrobio<strong>diversidade</strong> requerem, por parte<strong>do</strong>s poderes públicos, ações que priorizem a sistematização das informaçõesexistentes, visan<strong>do</strong> a produção de um diagnóstico da situação atual.Como princípio geral, foi aponta<strong>do</strong> que as políticas públicas voltadas paraeste setor deverão ser implementadas por intermédio de programas quearticulem governo e sociedade civil.Para tanto, ênfase deve ser dada à pesquisa e à valorização <strong>do</strong>patrimônio <strong>cultural</strong> enseja<strong>do</strong> nos conhecimentos tradicionais associa<strong>do</strong>sà agrobio<strong>diversidade</strong>. Foram ressalta<strong>do</strong>s como principais eixos de reflexão:a integração de fatores socioculturais na identificação econtextualização <strong>do</strong>s cultivares tradicionais; a importância <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>stradicionais de melhoramento na manutenção da variabilidade genética;a criação de acervos de germoplasma, especialmente por meio da conservaçãono campo, pelo agricultor, de espécies de interesse das populaçõeslocais e a melhor utilização da agrobio<strong>diversidade</strong> em sistemasagro-florestais.Além disso, ações voltadas à educação, à capacitação e à extensão,ten<strong>do</strong> como centro o envolvimento <strong>do</strong>s grupos locais, deverão incluirquestões relacionadas à segurança alimentar, à integração das pesquisasaos cursos técnicos, à capacitação de extensionistas e à valorização<strong>do</strong>s usos tradicionais da agrobio<strong>diversidade</strong> e de técnicas voltadasà agricultura familiar.No contexto das políticas públicas, foi mencionada a necessidade de18 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalo Esta<strong>do</strong> fomentar de pesquisas e atividades produtivas, por intermédiode editais, linhas de financiamento e outros instrumentos. No âmbito dapolítica agrária, o estabelecimento de linhas de crédito para a produçãoagrícola sustentável e para a conservação <strong>do</strong>s recursos genéticos, foramaponta<strong>do</strong>s como prioridades.Foi lembra<strong>do</strong> que as políticas ambiental, agrária e <strong>cultural</strong> deverãose articular visan<strong>do</strong> a valorização das atividades desenvolvidas por comunidadestradicionais e rurais por intermédio <strong>do</strong> reconhecimento de seusdireitos culturais, <strong>do</strong> apoio ao uso e acesso aos recursos genéticos e repartição<strong>do</strong>s benefícios decorrentes.Importante destacar a necessária articulação entre os diversos setores<strong>do</strong> Governo e sociedade civil objetivan<strong>do</strong> a formação de redes e debases de da<strong>do</strong>s; a promoção de intercâmbios entre as comunidades detentorasde conhecimentos tradicionais e as respectivas formas de manejoda bio<strong>diversidade</strong>; o fortalecimento das instituições locais; além <strong>do</strong> incentivoà conservação da agrobio<strong>diversidade</strong> pelo agricultor.Grupo de Trabalho 3 – <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Merca<strong>do</strong>A discussão sobre a relação entre agrobio<strong>diversidade</strong> e merca<strong>do</strong>apontou para diversos contextos que devem ser observa<strong>do</strong>s com atenção.Reflexões sobre o desenvolvimento <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s para produtostradicionais; sobre o agronegócio; sobre os recursos genéticos e conhecimentostradicionais associa<strong>do</strong>s; sobre o desenvolvimento e o financiamentode cadeias produtivas sustentáveis; e sobre as infra-estruturas eserviços de apoio, foram considera<strong>do</strong>s imprescindíveis para a formulaçãode políticas públicas voltadas para o uso e conservação daagrobio<strong>diversidade</strong>.Consideran<strong>do</strong> a relação entre agrobio<strong>diversidade</strong> e merca<strong>do</strong>, açõespráticas foram definidas a fim de balizar as políticas públicas destinadas àconservação e à valorização da agrobio<strong>diversidade</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, a criaçãode mecanismos de repartição de benefícios decorrentes <strong>do</strong> acesso e<strong>do</strong> uso de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais associa<strong>do</strong>s– conforme estabelece a Convenção sobre a Diversidade Biológica – foipriorizada como uma ação que deve ser efetivadaa curto prazo, envolven<strong>do</strong> o <strong>Ministério</strong><strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente, o <strong>Ministério</strong> da Cultura, o<strong>Ministério</strong> da Agricultura e a sociedade civil.Neste contexto, foi mencionada como importanteconquista a inclusão das populações tradicionaisno Conselho de Gestão <strong>do</strong> PatrimônioGenético – CGen. Outro instrumento importanteserá a criação de um órgão de assessoriatécnica, jurídica e institucional que oriente aspopulações em questões relativas à repartiçãode benefícios. Cabe ainda discutir e avaliar aadesão <strong>do</strong> Governo Brasileiro ao Trata<strong>do</strong> In-Bio<strong>diversidade</strong>, 20Entreposto emerca<strong>do</strong> devenda no ataca<strong>do</strong>de farinha demandioca.Cruzeiro <strong>do</strong>Sul / Acre.19Carlos Carvalho


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoMerca<strong>do</strong> deprodutos locais,no município deCruzeiro <strong>do</strong> sul.ternacional sobre os Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura,no âmbito da FAO, que definirá as regras internacionais para o acessoe para o intercâmbio <strong>do</strong>s recursos fitogenéticos usa<strong>do</strong>s para a alimentaçãoe na agricultura, em harmonia com a Convenção sobre a DiversidadeBiológica.O fomento à pesquisa, a formação profissional e o redirecionamentoda Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER para os pontos de estrangulamentoque inviabilizam o desenvolvimento de cadeias produtivassustentáveis foram aponta<strong>do</strong>s como ações necessárias a médio prazo.Para realizar essas ações é necessário, primeiramente, negociar a alocaçãode recursos para a pesquisa e para o desenvolvimento de tecnologias ematividades que priorizem a utilização sustentável da agrobio<strong>diversidade</strong>,deven<strong>do</strong> ser envolvi<strong>do</strong>s os <strong>Ministério</strong>s <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente, da Cultura, daCiência e Tecnologia, da Educação, além da Embrapa e da sociedadecivil. A criação e o fomento de espaços de diálogo e de atuação conjuntaentre instituições de pesquisa e de fomento à pesquisa e as populaçõestradicionais foi outro instrumento levanta<strong>do</strong> como necessário para a realizaçãoda ação, envolven<strong>do</strong> os <strong>Ministério</strong>s <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente e da Culturae a sociedade civil. Ademais, foi apontada a necessidade <strong>do</strong>s <strong>Ministério</strong>s<strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente, da Cultura, da Agricultura e <strong>do</strong> DesenvolvimentoAgrário fomentarem cursos e capacitações específicos para os profissionaisenvolvi<strong>do</strong>s com a questão. Assim, novos modelos de ATER deverãoser promovi<strong>do</strong>s, enfatizan<strong>do</strong> o processo participativo e valorizan<strong>do</strong> osconhecimentos tradicionais, como as experiências de trocas realizadas deagricultor para agricultor.Outra proposta digna de destaque foi a formulação de políticas deestímulo e ao desenvolvimento de merca<strong>do</strong>s locais para produtos tradicionais.Dessa forma, a criação de um programa de fomento ao desenvolvimentode merca<strong>do</strong>s locais; a abertura de merca<strong>do</strong>s institucionais e decompras governamentais para produtos tradicionais e oriun<strong>do</strong>s daagrobio<strong>diversidade</strong>; e a articulação de políticas de fomento com a regulamentaçãoda legislação, são fundamentais. A proposta considera ainda anecessidade de implementação a médio prazo e <strong>do</strong> envolvimento <strong>do</strong>s <strong>Ministério</strong>s<strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente, da Cultura, <strong>do</strong> Desenvolvimento Agrário, daSaúde e da Agricultura e a sociedade civil.Por outro la<strong>do</strong>, implementar estratégiasinstitucionais para valorização <strong>do</strong>s produtos daagrobio<strong>diversidade</strong> foi outra ação apontadacomo estratégica deven<strong>do</strong> envolver diversosórgãos, quais sejam, os <strong>Ministério</strong>s <strong>do</strong> <strong>Meio</strong>Ambiente, da Cultura, <strong>do</strong> DesenvolvimentoAgrário, da Agricultura, da Educação, além deenvolver a Secretaria de Comunicação de Governoe Gestão Estratégica – SECOM, diversasinstituições de pesquisa e a sociedade civil.Neste senti<strong>do</strong>, a elaboração de campanhasinstitucionais de sensibilização e valorização <strong>do</strong>sprodutos da agrobio<strong>diversidade</strong> e da cultura20 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturallocal e regional; a inclusão de educaçãosocioambiental, alimentar e de consumo sustentávelno ensino formal; e a promoção deeventos de intercâmbio entre comunidades edessas com pesquisa<strong>do</strong>res e órgãos governamentaissão medidas necessárias.Foi destacada, ainda, a importância de seadequar a legislação vigente ao desenvolvimentode merca<strong>do</strong>s de produtos tradicionais. Dessemo<strong>do</strong>, ajustes nas legislações ambiental, sanitáriae fiscal são necessários, e carecem deacompanhamento permanente. Esses ajustesdevem contemplar a participação <strong>do</strong>s <strong>Ministério</strong>s<strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente, <strong>do</strong> Desenvolvimento Agrário, da Agricultura, daSaúde e da Fazenda, além de envolver autarquias e agências regula<strong>do</strong>ras,tais como o IBAMA, a ANVISA, e, principalmente, garantir a representaçãoda sociedade civil. Ademais, a articulação da regulamentação comas políticas de fomento deve ser uma iniciativa que reúna os <strong>Ministério</strong>s<strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente, da Cultura, da Saúde, <strong>do</strong> Desenvolvimento Agrário eda Agricultura, bem como representantes da sociedade civil. Finalmente,o reconhecimento institucional e legal <strong>do</strong>s conhecimentos e processos tradicionaisdeve perpassar toda a atuação <strong>do</strong> Governo Federal para queseja possível a realização da ação e da política como um to<strong>do</strong>.Transporte dafarinha demandioca porbarco, através <strong>do</strong>Rio Juruá. AltoJuruá, Cruzeiro<strong>do</strong> Sul / Acre.Carlos CarvalhoConclusõesResgatan<strong>do</strong> os objetivos propostos:Balanço das experiências e pesquisas – algumas experiênciasem andamento e seus respectivos e atores foram identifica<strong>do</strong>s, poden<strong>do</strong>secitar:- A experiência com a certificação pariticipativa da produção orgânica ecom a criação de nichos de merca<strong>do</strong> para produtos orgânicos na regiãoSul, coordena<strong>do</strong> pela Rede Ecovida;- A experimentação e repasse de tecnologias alternativas aos pequenosprodutores rurais, assenta<strong>do</strong>s de reforma agrária e comunidades remanescentesde quilombos, realizada pelo Centro de Agricultura Alternativa– CAA <strong>do</strong> Norte de Minas;- A experiência de reintrodução de cultivares de milho crioulo junto aopovo indígena Krahó, realizada em iniciativa coordenada pela Embrapa;- As pesquisas sobre novas tecnologias derivadas de produtos daagrobio<strong>diversidade</strong> como aquelas conduzidas pela Embrapa Recursos Genéticose Biotecnologia – Cenargen e pelo Instituto Agronômico – IAC;- As pesquisas etnobotânicas conduzidas pelo Institut de Recherche pourle Développement - IRD, pelo Núcleo de Ensino e Pesquisas Ambientais– Nepam/Unicamp e pelo Instituto Socioambiental no Rio Xingu e no RioNegro, entre outras instituições;Bio<strong>diversidade</strong>, 2021


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoPlantação demilho, SantaCatarina.- A experiência internacional de valorização de produtostradicionais conduzida pela organização Slow Food; e- Os inventários nacionais de referência <strong>cultural</strong> realiza<strong>do</strong>spelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular,notadamente os inventários sobre a farinha de mandioca esobre o acarajé.Contu<strong>do</strong>, cabe ressaltar que a atividade de balançodas experiências e identificação <strong>do</strong>s atores deve ser umaatividade contínua e que talvez não tenha senti<strong>do</strong> em existirsomente para o propósito <strong>do</strong> Encontro. Esta atividade deveestar sempre associada à formulação de propostas, à propagaçãoe à adaptação de experiências positivas.Formulação participativa de demandas – foi oobjetivo mais aborda<strong>do</strong> durante o evento, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> amplamentediscuti<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os grupos de trabalho. Cabea ressalva de que foram apresentadas propostas muito maisamplas <strong>do</strong> que as de competência <strong>do</strong>s <strong>Ministério</strong>s da Culturae <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente. Parcerias deverão ser buscadascom o intuito de envolver outras pastas <strong>do</strong> Governo Federal,outras esferas de governo, a sociedade civil e o setorprodutivo. Muitas sugestões de parcerias foram apresentadas,contu<strong>do</strong> ainda se tratam de propostas que necessitamde costuras e amarras.Cabe lembrar que se observou um forte viés de propostas quaseexclusivamente relacionadas ao uso local da agrobio<strong>diversidade</strong>, ten<strong>do</strong>si<strong>do</strong> deixa<strong>do</strong> à margem propostas de cunho mais tecnológico, capazes deagregar maior valor aos produtos ou à matéria-prima com origem naagrobio<strong>diversidade</strong> – o que inegavelmente foi uma falha.O esta<strong>do</strong> da arte e os observatórios - este item foi especialmentediscuti<strong>do</strong> no grupo de trabalho agrobio<strong>diversidade</strong> e cultura, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>sugerida a criação de um programa específico para acompanhar a evolução<strong>do</strong>s cenários de uso e conservação da agrobio<strong>diversidade</strong> e das práticasculturais associadas. Cabe ressaltar que temos ainda um conhecimentomuito fragmenta<strong>do</strong> sobre a agrobio<strong>diversidade</strong>. Ainda mais se considerarmosa complexidade das relações entre os recursos fitogenéticos,os sistemas ecológicos envolvi<strong>do</strong>s e as populações que manejam estesrecursos. Planos de ações sobre valorização e conservação devem sefundamentar em um melhor conhecimento das dinâmicas que atuam sobreesse complexo. A <strong>diversidade</strong> das situações no Brasil não permite pensarem levantamentos exaustivos da agrobio<strong>diversidade</strong>. É necessário dar ummaior enfoque à compreensão <strong>do</strong>s mecanismos que atuam sobre essa<strong>diversidade</strong>, principalmente no contexto de avanço <strong>do</strong>s monocultivos industriais.Para tal objetivo, foi proposta a criação de uma rede de observatóriosque permitam, com a participação das populações locais, avaliaro esta<strong>do</strong> da agrobio<strong>diversidade</strong> em pontos chaves que podem ser defini<strong>do</strong>sna base de critérios ecológicos, econômicos, culturais e outros.22 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalConsolidação das propostas - esta etapa envolveu mais diretamentea comissão organiza<strong>do</strong>ra, ainda que com espaço de consulta ato<strong>do</strong>s os participantes. Ressalta-se que, durante o Encontro, muitas propostasde ações foram apresentadas, algumas com possibilidades de seconcretizar, outras, entretanto, pouco prováveis, por serem ambiciosasdemais ou por representarem angústias e dificuldades de determina<strong>do</strong>ssegmentos. Coube à comissão organiza<strong>do</strong>ra a difícil função de discernirentre as propostas e manter somente aquelas mais próximas <strong>do</strong> objetivogeral deste Encontro.Comentários gerais:Antes da exposição <strong>do</strong>s principais resulta<strong>do</strong>s e des<strong>do</strong>bramentos <strong>do</strong>Encontro, faz-se necessário tecer alguns comentários:- To<strong>do</strong>s os apontamentos e resulta<strong>do</strong>s tiveram origem numa amostra restrita<strong>do</strong> universo no qual se insere a agrobio<strong>diversidade</strong> no cenário nacional;- O Encontro Nacional sobre <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalteve, desde sua formulação, a intenção de iniciar as discussões, de promovera sinergia de ações e de reunir atores;- Devi<strong>do</strong> à complexidade <strong>do</strong> tema; às diversas inter-relações entre asvertentes envolvidas na pesquisa, no uso sustentável e na produção agrícola;e à complexidade de atores sociais envolvi<strong>do</strong>s, as propostas levantadasdurante o Evento raramente puderam ser elencadas como de competênciaexclusiva de um determina<strong>do</strong> órgão, <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong>Ambiente ou <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> da Cultura. O sucesso da implementação dasações propostas dependerá fundamentalmente da articulação, em maiorou menor escala, <strong>do</strong>s órgãos governamentais, das instituições de ensino,pesquisa e de extensão rural e, principalmente, <strong>do</strong>s diversos representantesda sociedade civil;Estratégias comuns:Conforme se pôde notar pelos resulta<strong>do</strong>saponta<strong>do</strong>s nos diferentes grupos de trabalho,ações similares foram propostas, indican<strong>do</strong> anecessidade de se a<strong>do</strong>tar estratégias comunsem questões ligadas ao uso e à conservação,ao merca<strong>do</strong> ou aos aspectos culturais associa<strong>do</strong>sà agrobio<strong>diversidade</strong>:- Criação de um Comitê de acompanhamentodas ações governamentais ligadas à agrobio<strong>diversidade</strong>e à <strong>diversidade</strong> <strong>cultural</strong>;- Formulação de estratégias de promoção e divulgaçãoda agrobio<strong>diversidade</strong> no cenário nacionale de articulações com o cenário internacional.Inclusão de datas comemorativas no calen-Bio<strong>diversidade</strong>, 20Colheita demandioca noassentamentoSamba, zonarural de Alagoas.23Carlos Carvalho


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoPlantio demandioca nomunicípio deRodriguesAlves / Acre.dário político nacional, promoção de festas, encontros e feiras, são exemplosde ações concretas e visíveis para o grande público.Ações factíveis:Elencadas as ressalvas e as estratégias comuns, apresenta-se a seguiras principais conclusões <strong>do</strong>s grupos de trabalho.- Criar um programa, nos moldes <strong>do</strong> PROBIO (“PROAGROBIO”), como envolvimento <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is ministérios (MinC e MMA), para formulação deestratégias locais e nacionais voltadas à valorização, ao uso e à conservaçãoda agrobio<strong>diversidade</strong> brasileira e <strong>do</strong>s conhecimentos associa<strong>do</strong>s,elaboração de meto<strong>do</strong>logias de estu<strong>do</strong>, organização de eventos regionaise constituição de observatórios;- Reforçar a correlação agrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>diversidade</strong> <strong>cultural</strong> nos InventáriosNacionais de Referência Cultural e nos inventários biológicos;- Elaborar propostas meto<strong>do</strong>lógicas para o estu<strong>do</strong> de caso sobre formasde utilização sustentável da agrobio<strong>diversidade</strong> por populações locais(agregação de valor, nichos de merca<strong>do</strong>), visan<strong>do</strong> a geração de renda e amelhoria da qualidade de vida;- Incentivar técnicas de uso e conservação da agrobio<strong>diversidade</strong> no campopelo agricultor, consideran<strong>do</strong> as especificidades locais e o público alvo,valorizan<strong>do</strong> especialmente os enfoques relaciona<strong>do</strong>s à autonomia <strong>do</strong> produtorrural/local e à segurança alimentar;24 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Cultural- Capacitar agentes e órgãos responsáveis pela assistência técnica e extensãorural - ATER em práticas de uso e conservação da agrobio<strong>diversidade</strong>adaptadas aos contextos socio<strong>cultural</strong>, econômico e ecológicodas populações alvo;- Incluir questões relativas ao uso sustentável, à conservação e às práticasculturais associadas à agrobio<strong>diversidade</strong> em programas de educaçãoambiental em to<strong>do</strong> o território nacional, consideran<strong>do</strong> também a importânciada elaboração de material didático;- Incentivar reflexão e implementação de experiências piloto de valorizaçãoda agrobio<strong>diversidade</strong> tradicional fundamentadas nas indicações de origem;- Elaborar editais que promovam a pesquisa, o uso e a conservação daagrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>do</strong>s conhecimentos tradicionais associa<strong>do</strong>s;- Abordagem <strong>do</strong> tema agrobio<strong>diversidade</strong> na rede das escola públicas,consideran<strong>do</strong> a estrutura de integração promovida pelo <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong>Ambiente para a Conferência Infanto-Juvenil Sobre o <strong>Meio</strong> Ambiente.Ações polêmicas:Algumas ações propostas devem ser alvo de maior aprofundamentode estu<strong>do</strong>s e discussões, caben<strong>do</strong> destacar as seguintes propostas ecomentários:Mulher notrabalho dedescasque damandioca para afabricação dafarinha. Cruzeiro<strong>do</strong> Sul / Acre.Carlos CarvalhoBio<strong>diversidade</strong>, 2025


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente- São poucas as experiências, em andamento no país, relacionadas a umaabordagem sistêmica da agrobio<strong>diversidade</strong> e poucas pessoas são formadaspara trabalhar com tal abordagem; é necessário se pensar em cursos deespecialização ou em programas de pós-graduação, canais brasileiros ousul-americanos de publicações científicas ou mesmo base de da<strong>do</strong>s;- A criação de banco de da<strong>do</strong>s sobre agrobio<strong>diversidade</strong> é uma questãoespecialmente controversa, pois se pode servir como base para o reconhecimento<strong>do</strong>s direitos das comunidades no que se refere ao acesso aos recursosgenéticos e aos benefícios decorrentes <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> conhecimento tradicionalassocia<strong>do</strong> à bio<strong>diversidade</strong>, teme-se que a mesma base de da<strong>do</strong>spossa ser indevidamente utilizada para a requisição de patentes sobre deriva<strong>do</strong>sda bio<strong>diversidade</strong> que envolvam conhecimentos tradicionais.26 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalCarlos CarvalhoSíntese das Palestras 1Mandioca e Farinha: Identidade Cultural e PatrimônioNacionalMaria Dina Nogueira<strong>Ministério</strong> da Cultura / Centro Nacional de Folclore e CulturaPopular - pesq.folclore@funarte.gov.brColheita damandioca.RodriguesAlves / Acre.Com base no Decreto 3.551, de 4 de agosto de 2000, que institui oregistro de bens culturais de natureza imaterial, o Centro Nacional deFolclore e Cultura Popular elaborou o Projeto “Implantação de Inventários:Celebrações e Saberes da Cultura Popular”. Esse Projeto abrangediferentes campos temáticos, entre os quais os mo<strong>do</strong>s de fazer relaciona<strong>do</strong>saos sistemas culinários na Bahia e no Pará. No caso <strong>do</strong> Pará, optousepor fazer o inventário da mandioca, principal produto usa<strong>do</strong> na culinárialocal e que, por desempenhar importante papel na construção de umaidentidade regional, apresenta-se como relevante referência <strong>cultural</strong>.A mandioca e a farinha, seu principal deriva<strong>do</strong>, é usada por todas ascamadas da população e está presente tanto nos pratos cotidianos maissimples quanto em outros mais finos e elabora<strong>do</strong>s. É, porém, na regiãoamazônica, particularmente no Pará, que os múltiplos e varia<strong>do</strong>s aspectosque envolvem o seu cultivo, transformação em alimento e diversos usosculinários, lhe conferem considerável importância histórica, econômica esocial, pois, da produção ao consumo final, um conjunto de práticas, relaçõessociais, cosmologias e representações simbólicas expressam sig-1O ponto de vista expresso nos resumos das palestras é deinteira responsabilidade de seus respectivos autores.Bio<strong>diversidade</strong>, 2027


Carlos CarvalhoProdução familiarde farinha demandioca.RodriguesAlves / Acre.<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambientenifica<strong>do</strong>s cujos conteú<strong>do</strong>s revelam eleva<strong>do</strong> valor <strong>cultural</strong>. Mencionadacom freqüência por cronistas, viajantes e missionários <strong>do</strong> século XVI emdiante, sua importância é também atestada pela extensa e variada bibliografiana qual se destacam tanto os estu<strong>do</strong>s que cobrem o campo <strong>cultural</strong>quanto o técnico e científico.Por possuírem um alto teor de áci<strong>do</strong> cianídrico, muitas variedades demandioca, para se tornarem próprias para o consumo precisam passar porum complexo processo de elaboração que exige conhecimentos específicosos quais expressam saberes e práticas tradicionais altamente elaboradase que fazem parte <strong>do</strong> patrimônio <strong>cultural</strong> das comunidades produtoras.A produção de mandioca no Pará, assim como em quase todas asoutras regiões <strong>do</strong> país, caracteriza-se como agricultura familiar de subsistência,desenvolvida por pequenos produtores rurais. O processo manualde produção exige a participação de um grande número de pessoas envolven<strong>do</strong>,por isso, não só os membros da família mas também os dacomunidade. Esta atividade coletiva contribui para a congregação dascomunidades rurais e, por conseguinte, para o fortalecimento de laços desolidariedade entre elas. Embora o Pará conte com algumas unidadesindustriais, a maior parte ainda é produzida nas casas de farinha, em geral,muito simples. Porém, apesar da rusticidade de seus equipamentos, tratasede um espaço onde se expressam saberes, práticas e relações sociaisrevela<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de vida das comunidades produtoras. A produçãoem pequena escala destina-se em primeiro lugar ao consumo <strong>do</strong>méstico eapenas o excedente é comercializa<strong>do</strong>.Nas feiras de Belém, imensas filas de barracas expõem, em sacosabertos, uma enorme variedade de farinhas, cada uma com característicaspróprias de cor, consistência e sabor, possuin<strong>do</strong> cada uma técnicaspróprias de produção e usos culinários específicos. Os comerciantes, demo<strong>do</strong> geral, conhecem to<strong>do</strong>s os tipos, as características de cada uma e osmo<strong>do</strong>s de produzi-las já que muitos deles são, ou já foram, também produtores.Embora encontrada nos supermerca<strong>do</strong>s, grande parte da populaçãoprefere comprá-la nas feiras uma vez que nestas, ao contrário <strong>do</strong>supermerca<strong>do</strong>, estabelece-se uma relação pessoal entre vende<strong>do</strong>r e consumi<strong>do</strong>r.Por esse motivo, as feiras apresentam-se como um importanteespaço de sociabilidade ou, como diz um feirante, “tipo uma boa confraternização”.Na feira, pode-se conversar com o vende<strong>do</strong>r e escutar suassugestões. O sabor das diferentes farinhas podeser experimenta<strong>do</strong>, pode-se verificar se a farinhaestá fresca, se está bem torrada, enfim,pode-se escolher a mais adequada ao gostopessoal de cada um.O mo<strong>do</strong> como a farinha é utilizada no Paráimprime-lhe singularidades uma vez que, alémser a base da alimentação da população maispobre, é também componente básico de váriospratos de sua cozinha típica, fazen<strong>do</strong> comque se constitua em importante símbolo deidentidade regional. Referências ao pato notucupi, maniçoba e tacacá, conduzem imedia-28 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturaltamente a uma associação com esse Esta<strong>do</strong>,em particular com a cidade de Belém, suacapital. A relação <strong>do</strong>s paraenses com a farinhaé emblemática. Segun<strong>do</strong> eles “no Parátu<strong>do</strong> se come com farinha”. Ela é um componentetão liga<strong>do</strong> aos hábitos alimentares,que muitas pessoas não conseguem comersem ela. No café da manhã, tem tapioquinha,geralmente feita com a goma fresca compradade manhã ce<strong>do</strong> nas feiras, as roscas detapioca, os beijus, que podem substitui o pão.Nas demais refeições, é servida como acompanhamentode praticamente to<strong>do</strong>s os pratos,nas mais diferentes farofas, nas sobremesa, bolos,pudins e sorvetes.Embora to<strong>do</strong>s esses pratos se apresentem como referência <strong>cultural</strong>,o tacacá merece destaque devi<strong>do</strong> ao processo ritualiza<strong>do</strong> de sua preparaçãoe consumo. Feito com goma de tapioca e tucupi, subprodutos damandioca, é servi<strong>do</strong> em cuias, utensílio típico <strong>do</strong> artesanato paraense, etoma<strong>do</strong> geralmente ao final da tarde, nas esquinas das principais ruas deBelém. As tacacazeiras, com suas barracas, fazem parte da paisagem dasruas de Belém.Além <strong>do</strong>s pratos mais conheci<strong>do</strong>s, uma série de outras comidas e bebidasque têm como ingrediente principal a mandioca ou seus deriva<strong>do</strong>s,são igualmente porta<strong>do</strong>ras de importantes conteú<strong>do</strong>s simbólicos e identitários.No sistema de representações simbólicas a mandioca desempenha tambémrelevante papel na construção de cosmologias e na reelaboração de tradiçõese valores culturais.Os mitos de sua origem, embora apresentem variações,já que cada grupo os constrói de acor<strong>do</strong> com suas próprias tradiçõese concepções de mun<strong>do</strong>, possuem elementos comuns, particularmente noque diz respeito a uma origem sagrada. Modinhas e dita<strong>do</strong>s populares sãotambém revela<strong>do</strong>res de mo<strong>do</strong>s de vida e valores culturais.Economia de subsistência para boa parte da população rural, produçãoartesanal e industrial, relações sociais de produção familiares, comunitáriase assalariadas, alimento básico da população mais pobre, importantecomponente <strong>do</strong> sistema culinário brasileiro, tradição histórica evalores culturais, a mandioca revela múltiplas dimensões da vida social,configuran<strong>do</strong>-se, por isso, como uma importante referência <strong>cultural</strong> e, porisso, patrimônio nacional.Meninotoman<strong>do</strong> tacacá.Brasiléia / Acre.Carlos CarvalhoSegurança AlimentarGabrio Marinozzi – Slow Foodgabrio@terra.com.brBreve apresentação <strong>do</strong> Movimento Slow FoodO Movimento Internacional Slow Food é uma associação sem finslucrativos, com mais de 75.000 sócios em quase 80 países, que apóiaBio<strong>diversidade</strong>, 2029


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambienteatividades produtivas de qualidade no setor agroalimentar visan<strong>do</strong> a preservação<strong>do</strong>s saberes e <strong>do</strong>s sabores <strong>do</strong>s alimentos típicos. O Movimentoapóia o trabalho de agricultores, artesões e to<strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> setoragroalimentar que atuam na preservação <strong>do</strong> patrimônio gastronômico,respeitan<strong>do</strong> o meio ambiente. Ao mesmo tempo o movimento Slow Foodintervém no merca<strong>do</strong> educan<strong>do</strong> quem produz e quem consome alimentoscom o objetivo de preservar e valorizar os produtos territoriais. SlowFood realiza muitas atividades na área da educação e da preservação evalorização <strong>do</strong>s alimentos tradicionais e da agrobio<strong>diversidade</strong>. A seguirapresentamos <strong>do</strong>is exemplos de atividades <strong>do</strong> Slow Food: a “Arca e asFortalezas” e o “Encontro das comunidades agrícolas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” a serrealiza<strong>do</strong> em outubro de 2004. As outras atividades <strong>do</strong> Movimento podemser conhecidas através da consulta <strong>do</strong> portal Slow Food(www.slowfood.it).A Arca <strong>do</strong> Gosto e as Fortalezas de Slow FoodA Arca e as Fortalezas são a aposta <strong>do</strong> movimento sobre o futurodas pequenas produções agro-alimentares de qualidade. A metáfora daArca é explicita: nesta embarcação simbólica Slow Food deixou subir osprodutos de excelência gastronômica ameaça<strong>do</strong>s pela homologação industrial,as leis hiper-higienistas, as regras da grande distribuição e a degradaçãoambiental. A Arca <strong>do</strong> Gosto achou, catalogou, descreveu e divulgousabores quase esqueci<strong>do</strong>s de produtos ameaça<strong>do</strong>s de extinçãomas ainda vivos, com reais potenciais produtivos e comerciais.As Fortalezas são intervenções concretas em base territorial de preservaçãodestes produtos ameaça<strong>do</strong>s de extinção. Foram criadas no começona Itália, onde hoje são ao re<strong>do</strong>r de 170, e em seguida no mun<strong>do</strong>inteiro, mais 40 Fortalezas hoje em dia, para apoiar a preservação deprodutos como o Oscypek, queijo de leite cru polonês, o caféHuehuetenango <strong>do</strong> Honduras, o arroz Basmati da Índia ou o guaraná nativo<strong>do</strong>s Sateré-Mawé no Brasil. Para cada produto as ações de apoiosão diferentes e poden<strong>do</strong> contemplar atividades de união <strong>do</strong>s últimos produtores,de criação de disciplinares de produção, de busca de recursospara instalação de infra-estruturas, de promoção de novas pesquisas, debusca de novos canais de comercialização <strong>do</strong>s produtos de qualidade,até atividades de marketing e comunicação. Os critérios gerais para selecionaros produtos da Arca <strong>do</strong> Gosto e das Fortalezas Slow Food são:1 - Os produtos devem ser de qualidade particular, ou seja excelentes <strong>do</strong>ponto de vista <strong>do</strong> gosto, sen<strong>do</strong> a qualidade definida a partir <strong>do</strong>s costumese tradições locais.2 - Os produtos devem ser liga<strong>do</strong>s à memória e à identidade de um grupoe podem ser espécies, variedades, eco-tipos vegetais e populações animaisautóctones ou bem aclimatadas em um território especifico no médioou longo perío<strong>do</strong>, relativo à historia <strong>do</strong> mesmo território. A matéria primaprincipal <strong>do</strong>s produtos transforma<strong>do</strong>s deve ser de procedência local, poden<strong>do</strong>ter origens externas somente no caso de praticas históricas de abastecimentodas matérias primas para realização daquele produto. Os ingredientescomplementares, como especiarias e condimentos por exemplo,podem ser de qualquer proveniência, sempre que dentro <strong>do</strong> tipo pre-30 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalvisto pela elaboração tradicional.3 - A relação com o território deve ser comprovada: os produtos devemser liga<strong>do</strong>s a uma área específica de um ponto de vista ambiental,socioeconômico e histórico.4 - Os produtos devem ser realiza<strong>do</strong>s em quantidades limitadas, por unidadesde produção agrícolas ou de transformação de pequenas dimensões.5 - Os produtos devem ser em risco de extinção, real ou potencial.Juntos, a Arca <strong>do</strong> Gosto e as Fortalezas Slow Food preservam abio<strong>diversidade</strong> alimentar no mun<strong>do</strong>, defendem os territórios e as identidadesculturais, valorizam práticas antigas e oferecem novas oportunidadesde trabalho.Encontro das comunidades agrícolas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>No final de 2004, o Movimento internacional Slow Food hospe<strong>do</strong>uTurim, na Itália um encontro de 5.000 camponeses e produtores de comida<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteiro. O encontro foi realiza<strong>do</strong> entre 20 e 24 de outubro,em paralelo à edição de 2004 <strong>do</strong> “Salone Del Gusto” em Turim,Itália, a maior feira <strong>do</strong> agroalimentar artesanal de qualidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,organizada pelo Slow Food.Slow Food convi<strong>do</strong>u comunidades de produtores e artesãos <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> inteiro, desde grupos de produtores de arroz da Malásia, a produtoresde queijo poloneses, em Turim no norte da Itália. Estas comunidadesparticiparam de <strong>do</strong>is dias de discussões construtivas e inteligentessobre a agricultura sustentável e a bio<strong>diversidade</strong>; exemplos de temasque foram discuti<strong>do</strong>s são: a bio<strong>diversidade</strong>, a fome, a pobreza, aágua, a sustentabilidade, as técnicas de produção, a agricultura orgânica,o papel da mulher, as ligações entre desenvolvimento e as economiasrurais e a prevenção de conflitos.As atividades foram organizadas em oficinas e debates estrutura<strong>do</strong>s.Um manifesto sobre a nova agricultura com uma série de objetivos concretospara atingir as metas <strong>do</strong> manifesto está sen<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> a partirdas oficinas <strong>do</strong> Encontro; este encontro visa fortalecer as comunidadesrurais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, reconhecen<strong>do</strong> o trabalho das pessoas que produzemnossos alimentos e desenvolver estratégias para uma nova agricultura.Conservação e uso de recursos genéticos de mandiocaTeresa Losada Valle - Instituto Agronômico (IAC)teresalv@iac.sp.gov.brA mandioca (Manihot esculenta Crantz) é uma espécie <strong>do</strong>mesticadapelas culturas pré-colombianas nas terras baixas e quentes da América,possivelmente no cerra<strong>do</strong> brasileiro. Altamente adaptada às diversascondições edafoclimáticas brasileiras tornou-se alimento básico para muitasculturas indígenas e suplementar para outras. Até os dias atuais é cultivadaem to<strong>do</strong> o país com larga expressividade, desde a segurança alimentardas populações carentes, até poderosos agronegócios. Esta trajetória his-Bio<strong>diversidade</strong>, 2031


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoMutirão demulheres para otrabalho dedescasque demandioca para afabricação dafarinha. Cruzeiro<strong>do</strong> Sul / Acre.tórica proporcionou o desenvolvi<strong>do</strong> de um rico complexo <strong>cultural</strong> liga<strong>do</strong> amandioca que envolve to<strong>do</strong> o país no tempo e no espaço. Assim, o cultivopode ser visto como verdadeira argamassa que abrange toda a culturabrasileira e um modelo sui generis para análise da interface daagrobio<strong>diversidade</strong> com a <strong>diversidade</strong> <strong>cultural</strong>.Esta apresentação aborda o uso e conservação de recursos genéticosde mandioca para estabelecer um modelo de estu<strong>do</strong> que permita conhecer,conservar, utilizar e gerenciar os saberes e patrimônio genético associa<strong>do</strong>das plantas cultivadas, em especial, as <strong>do</strong>mesticadas no território brasileiro.O Brasil é o maior detentor mundial <strong>do</strong>s recursos genéticos de mandioca,quer em espécies selvagens, em etnovariedades adaptadas a to<strong>do</strong>sos ecossistemas brasileiros, ou em variedades melhoradas que são utilizadasno cultivo intensivo de mandioca. Este patrimônio é conserva<strong>do</strong> onfarm e ex situ. As etnovariedades e os conhecimentos associa<strong>do</strong>s são oprincipal segmento <strong>do</strong>s recursos genéticos. São utilizadas pela populaçãorural e urbana e têm extrema importância para a segurança alimentar dapopulação brasileira. Nesta publicação faremos uma breve análise da manutenção<strong>do</strong>s recursos genéticos ex situ e sua utilização na geração denovas tecnologias (novas variedades, fonte de genes para novas características,produtividade, resistência a estresses bióticos e abióticos, etc.)As coleções brasileiras de mandioca mantidas ex situ encontram-se emórgãos públicos de pesquisa e desenvolvimento federais e estaduais. A Embrapamantém bancos de germoplasma regionais da Amazônia, Caatinga e Cerra<strong>do</strong>nos respectivos centros regionais de pesquisa e um banco de germoplasmacentral em Cruz das Almas – BA, onde se mantém genes que conferem adaptaçãoa diferentes biomas. A Embrapa – Recursos Genéticos, dispõe de umacoleção que contém genes que alteram as rotas biosintéticas <strong>do</strong> ami<strong>do</strong> e compostosnutricionais (carotenóides), e também mantém uma coleção de espéciessilvestres <strong>do</strong> gênero Manihot. Entre as instituições de pesquisa de âmbitoestadual destacam-se o banco de germoplasma <strong>do</strong> Instituto Agronômico (IAC)reuni<strong>do</strong> com o da ESALQ, em São Paulo, com cerca de 1200 acessos representantesde to<strong>do</strong>s os biomas existentes no Brasil , o <strong>do</strong> IAPAR – PR e daEPAGRI – SC, entre outros.É possível estimar que, no Brasil, haja entre 4000 e 5000 variedadesde mandioca mantidas em coleções ex situ. Apesar de ser um númeroconsiderável, essa quantidade está longe de representara <strong>diversidade</strong> genética existente, sen<strong>do</strong>necessário novas coletas. Principalmente,com uma visão etnobotânica em que ogermoplasma deve ser visto como um elementointegrante das estratégias de <strong>do</strong>mínio das culturassobre o ambiente para gerar seus instrumentosde sobrevivência. Ou seja, o grande valoragrega<strong>do</strong> <strong>do</strong> germoplasma é o <strong>do</strong>s saberes popularessobre suas características. Em coletasmais antigas informações são restritas ouinexistentes. Esse germoplasma é pouco estuda<strong>do</strong>quanto as suas características per si ou32 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalquanto a uma possível estrutura genética. Também correriscos de ser perdi<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> à falta de recursos financeirosdas instituições que os mantém. Este desconhecimento, eos poucos programas de melhoramento existentes no paíssão as razões pelas quais [esta <strong>diversidade</strong>] é pouco utiliza<strong>do</strong>na geração de novas tecnologias. Assim, embora sejade uma <strong>diversidade</strong> exuberante, o germoplasma brasileirode mandioca ainda é um diamante a ser lapida<strong>do</strong>.Carlos CarvalhoDiversificação de Utilização de Novos Clonesda Mandioca na Alimentação Humana para aAmazôniaLuiz Joaquim Castelo Branco Carvalho – EMBRAPA/ Recursos Genéticos e Biotecnologiacarvalho@cenargen.embrapa.brIntroduçãoAs demandas e os problemas da cultura da mandiocapodem ser considera<strong>do</strong>s a <strong>do</strong>is níveis de complexidadeconforme descritos abaixo.1 - O primeiro nível de complexidade refere-se a tecnologiada produção e da produtividade desta cultura, pois a mesmaé historicamente orienta<strong>do</strong> para a produção de farinha e fécula. Estatendência tem causa<strong>do</strong> problemas na comercialização de raiz de reservade mandioca. Isso porque as super produções, que oscilam geográfica esazonalmente na mesma região, causam um merca<strong>do</strong> errático e inseguropara a comercialização de raízes de reserva de mandioca. Este caso, emparticular, cria uma demanda para as pesquisas no senti<strong>do</strong> de buscar alternativasde produtos deriva<strong>do</strong>s da cultura da mandioca. Os resulta<strong>do</strong>sde nossas pesquisas indicam duas alternativas de exploração da raiz dereserva de mandioca para diversificar os produtos deriva<strong>do</strong>s desta cultura.Uma refere-se à busca de constituintes da raiz de reserva da mandiocapara uso nas indústrias alimentar e farmacêutica. Este é o caso <strong>do</strong> isolamentode mutantes naturais que acumulam betacaroteno, luteína e licopeno.A segunda refere-se à busca da <strong>diversidade</strong> de carboidratos, tanto naforma de açúcares livres como na de ami<strong>do</strong>s naturais diferencia<strong>do</strong>s.2 - O segun<strong>do</strong> nível refere-se ao valor social <strong>do</strong> cultivo da mandioca para asociedade brasileira. Se as alternativas acima indicadas forem exploradasdevidamente, estas novas opções de uso da raiz de reserva de mandiocapodem contribuir tanto na melhoria da dieta das pessoas, na comunidaderural, como gerar recursos para as famílias mais carentes, alivian<strong>do</strong> a pobrezae a miséria em regiões necessitadas.Tecnologia I - aproveitamento de mandiocas açucaradas.Até o momento foram idealiza<strong>do</strong>s e desenvolvi<strong>do</strong>s processos para oaproveitamento de três novos produtos extraí<strong>do</strong>s da raiz de reserva declones de mandioca identifica<strong>do</strong>s e isola<strong>do</strong>s. Os processos tecnológicosapresenta<strong>do</strong>s a seguir constituem resulta<strong>do</strong>s de pesquisas desenvolvidasBio<strong>diversidade</strong>, 20Colheita damandioca epicote <strong>do</strong> talopara a feitura denovas mudas eplantio. Cruzeiro<strong>do</strong> Sul / Acre.33


Carlos CarvalhoSeringueirofazen<strong>do</strong> asecagem dafarinha demandioca.Seringal São Luis<strong>do</strong> Remanso.Xapuri / Acre.<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambienteno Laboratório de Bioquímica e Biofísica daEMBRAPA-RGB, utilizan<strong>do</strong> clones de mandioca,encontradas na Amazônia, (açucaradas oucoloridas) isoladas.Produto 1 - Concentra<strong>do</strong> de glicose obti<strong>do</strong>da raiz de reserva açucarada de mandioca -Trata-se da obtenção de um concentra<strong>do</strong> deglicose natural, extraí<strong>do</strong> diretamente da raiz dereserva de mandioca, sem a necessidade de nenhumtipo de hidrólise <strong>do</strong> ami<strong>do</strong>.Este produto tem aplicações tanto na indústriaquímica como na de alimentos e bebidas.Estas aplicações incluem: 1 – Uso comoa<strong>do</strong>çantes no preparo de bolos, <strong>do</strong>ces e sorvetes; 2 – Preparo de bebidasfermentadas; 3 – Química fina na obtenção de isômeros naturais deglicose; 4 – Uso na obtenção de álcool anidro.Produto 2 – Ami<strong>do</strong> seroso – Trata-se da obtenção de ami<strong>do</strong> seroso(tipo WAXY) deriva<strong>do</strong> de raiz de reserva de mandioca com mutaçõesnaturais que alteram a proporção de amilose e amilopectina, acumulan<strong>do</strong>um ami<strong>do</strong> com conteú<strong>do</strong> zero de amilose. Outros ami<strong>do</strong>s com estruturade amilopectinas raras foram também isola<strong>do</strong>s.Estes ami<strong>do</strong>s raros têm aplicações variadas tanto na indústria de alimentoscomo na têxtil. Dentre estas aplicações, estão incluídas: 1 – Utilizaçãona indústria alimentícia (ligantes, melhoramento de textura,gelatinizantes, anti-cristalizante, agente complexante, regula<strong>do</strong>r de acidez,formação de filmes criopreservantes e outros); 2 – Utilização na indústriade papel (ligantes, adesivos, plastifica<strong>do</strong>res, agente de retenção e formaçãode filmes); 3 – Utilização na indústria de química fina (ligantes, químicosintermediários, agentes complexa<strong>do</strong>res, regula<strong>do</strong>res de acidez edispersantes); 4 – Utilização na indústria farmacêutica e de cosméticos(ligantes, agentes complexantes, substratos nutritivos, dispersantes, anticristalizantes e outros).Produto 3 – Ami<strong>do</strong> (glicogênio vegetal) solúvel em água fria – Trataseda obtenção de um ami<strong>do</strong> natural solúvel em água fria, deriva<strong>do</strong> diretamenteda raiz de reserva de mandioca com mutações naturais que alteram aestrutura da amilopectina. Esta amilopectina tem maior proporção de ramificaçõese fragmentos menores, o que a torna solúvel em água. Esta propriedadenão é encontrada nos cultivares comerciais de mandioca em uso.Este tipo de ami<strong>do</strong> raro tem aplicações principalmente na indústriafarmacêutica e de cosméticos. As aplicações deste produto incluem: 1 -Utilização na indústria de farmacêutica (anti-cristalizante, substratos nutritivos,agente complexante, produtos de saúde humana, anti-cristalizante, eoutros); 2 – Utilização na indústria de química fina (químicos intermediários,agentes complexa<strong>do</strong>res, regula<strong>do</strong>res de acidez, floculantes e dispersantes).O primeiro produto é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> concentra<strong>do</strong> de glicose, obti<strong>do</strong>da raiz de reserva açucarada da mandioca. Este produto tem aplicaçõesna indústria química e pode ser utiliza<strong>do</strong> como base de alimentos e bebi-34 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturaldas. Outro produto diz respeito ao ami<strong>do</strong> seroso. Trata-se de um tiporaro de ami<strong>do</strong> que tem diversas aplicações, como na indústria alimentícia;de papel; de química fina; farmacêutica e de cosméticos. Ainda deriva<strong>do</strong>desta tecnologia, também conseguiu-se obter um ami<strong>do</strong> solúvel em águafria, glicogênio vegetal, cujas aplicações podem servir na indústria farmacêuticae na de química fina.Tecnologia II - aproveitamento de mandiocas como alimentofuncional.Produto 1 – Xarope de glicose enriqueci<strong>do</strong> com carotenóides compropriedades pro vitamínicas - Trata-se da obtenção de um concentra<strong>do</strong>de glicose natural pela hidrólise microbiana <strong>do</strong> ami<strong>do</strong> de raiz de reservade mandioca com eleva<strong>do</strong>s teores de betacaroteno, luteína e licopeno.Este produto tem aplicações na indústria de alimentos funcionais.Estas aplicações incluem principalmente no uso como a<strong>do</strong>çantes no preparode bolos, <strong>do</strong>ces e sorvetes.Produto 2 – Cápsulas com extrato de organelas celulares, conten<strong>do</strong>licopeno, betacaroteno ou luteína – Trata-se da obtenção de um suplementovitamínico para nutrição humana que é de utilidade na prevenção ecombate a <strong>do</strong>enças crônicas, como cegueira infantil, catarata, vista cansadae câncer de próstata, e que funciona também como antioxidante.Este produto tem aplicações variadas na indústria emergente de alimentosfuncionais. A principal aplicação deste produto inclui a utilização<strong>do</strong> mesmo na indústria de alimentos funcionais como suplemento vitamínicose compostos com propriedades funcionais.Produto 3 – Picles de raiz de reserva de mandioca, conten<strong>do</strong> constituintescom propriedades funcionais na nutrição humana - Esta tecnologiatrata da preparação de picles de raízes de reserva jovem de mandiocacom constituintes com propriedades funcionais na alimentação humana.Não existe produto comercial similar no merca<strong>do</strong> que seja deriva<strong>do</strong> damandioca.A tecnologia II refere-se ao aproveitamento de mandiocas como alimentofuncional. A partir <strong>do</strong> desenvolvimento desta tecnologia, obteve-setrês produtos. O primeiro é o xarope de glicose, enriqueci<strong>do</strong> comcarotenóides, com propriedades pró-vitamínicas. O segun<strong>do</strong> é a obtençãode um suplemento vitamínico resultante <strong>do</strong> extrato de organelas celulares,conten<strong>do</strong> licopeno, betacaroteno e luteína. O terceiro produto é opicles de raiz de reserva de mandioca, conten<strong>do</strong> constituintes com propriedadesfuncionais na nutrição humana.As novas tecnologias oferecem três tipos de benefícios, quais sejam,vantagens econômicas, comerciais e sociais.Vantagens e Benefícios das novas tecnologias:1 – Vantagens comerciais: pelo oferecimento de um ami<strong>do</strong> natural que ésolúvel em água fria, com novas propriedades não encontradas no ami<strong>do</strong><strong>do</strong>s cultivares comerciais. Este produto diversifica o merca<strong>do</strong> de deriva<strong>do</strong>sde ami<strong>do</strong> da mandioca em uso comercial na atualidade;2 – Vantagens econômicas: esta tecnologia traz um novo produto deriva-Bio<strong>diversidade</strong>, 2035


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente<strong>do</strong> da mandioca. Para a indústria de pequeno porte, apropriada para aregião Amazônica, esta tecnologia elimina os investimentos iniciais de infraestruturapara o processamento destes ami<strong>do</strong>s;3 – Benefícios sociais: esta tecnologia, traz melhoria na qualidade <strong>do</strong>salimentos consumi<strong>do</strong>s no meio rural, além de proporcionar melhoria derenda <strong>do</strong> produtor.Impactos das novas tecnologias:Dentre os impactos que estas tecnologias trarão para a atividadeagrícola na região Amazônica incluem:1 – Impacto ambiental nulo, pois estas tecnologias são dependentes declones de mandioca origina<strong>do</strong>s e já adapta<strong>do</strong>s na Amazônia, não trazen<strong>do</strong>os riscos de introdução de culturas não adaptadas a esta região.2 – Impacto no cultivo da mandioca na região Amazônica, pois oferecemuma nova alternativa de uso da mandioca que não seja a tradicional produçãode farinha e fécula. Esta alternativa de uso exigirá uma nova formade cultivo que não seja a atual.3 – Impacto na melhoria da qualidade e na diversificação <strong>do</strong>s alimentos,no incremento da renda <strong>do</strong> produtor rural e de sua família.4 – Impacto na inovação de alternativas de valores agrega<strong>do</strong>s à cultura damandioca, que não sejam alternativas e novos produtos deriva<strong>do</strong>s de farinhae tapioca.Carlos CarvalhoCasa de farinhaem aldeia <strong>do</strong>síndios Poianawa,no Acre. A casamantém umaestrutura deprensatradicional.<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Agricultura Tradicional na Amazônia:o Caso da MandiocaLaure Emperaire - Institut de Recherche pour le Développement -Museu Nacional de História Natural / Centro de DesenvolvimentoSustentável da Universidade de Brasília / emperair@uol.com.brA abordagem proposta, interligan<strong>do</strong> bio<strong>diversidade</strong> e socio<strong>diversidade</strong>a respeito da mandioca (Manihot esculenta Crantz), principal planta cultivadana Amazônia, decorre de um programa interdisciplinar realiza<strong>do</strong> entre1998 e 2000 em parceria entre o IRD e o Instituto Socioambiental. O programafoi estrutura<strong>do</strong> em cinco elementos: o quadro referencial da <strong>diversidade</strong>da mandioca na escala da bacia amazônica; osprocessos na origem da <strong>diversidade</strong>; a <strong>diversidade</strong>morfológica e a <strong>diversidade</strong> genética; os fatores deerosão; os instrumentos de proteção e valorização daagrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>do</strong>s conhecimentos tradicionaisassocia<strong>do</strong>s.· O quadro referencial da <strong>diversidade</strong> da mandiocana escala da bacia amazônica.Um mapeamento da <strong>diversidade</strong> de variedadesde mandioca, levantadas em 80 referências bibliográficas,foi realiza<strong>do</strong>, relacionan<strong>do</strong> <strong>diversidade</strong><strong>cultural</strong> e agrobio<strong>diversidade</strong>. Embora haja restri-36 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalções meto<strong>do</strong>lógicas decorrentes da heterogeneidadedas fontes, os da<strong>do</strong>s apontam para três conclusões:(i) uma repartição diferenciada das mandiocas bravase mansas, as primeiras se concentran<strong>do</strong> naAmazônia central, as segundas, na Amazônia periandina;(ii) a existência de focos de <strong>diversidade</strong>,por exemplo no alto Rio Negro para as mandiocasbravas e na Amazônia equatoriana para as mansas;e (iii) a presença de uma <strong>diversidade</strong> elevada empopulações indígenas e, menor, mas também importante,em populações ribeirinhas ou caboclas.· Os processos na origem da <strong>diversidade</strong>.Uma abordagem comparativa <strong>do</strong> manejo dessemesmo recurso fitogenético foi realizada em 12 locais de pesquisa situa<strong>do</strong>sentre a frente de colonização da Amazônia oriental e o noroeste amazônico,abrangen<strong>do</strong> vários contextos culturais e ecológicos. O númeromédio de variedades cultivadas por agricultor varia de 2 a mais de 30.Duas fontes de <strong>diversidade</strong> foram evidenciadas. A primeira é ligada à importânciaoutorgada por certos grupos de agricultores às novas variedadesoriundas de sementes. A segunda é ligada ao tipo de intercâmbio degermoplasma pratica<strong>do</strong> pelos agricultores (de longo alcance ou limita<strong>do</strong>,inseri<strong>do</strong> em normas sociais ou de tipo oportunista). Essas duas fontes sãoessenciais na difusão de novas variedades. Foi também ressalta<strong>do</strong> comouma sociedade pode valorizar a <strong>diversidade</strong> em si, por meio de mitos oudas denominações das mandiocas por exemplo. A agrobio<strong>diversidade</strong> paramuitos grupos se constitui em um patrimônio <strong>cultural</strong>.· A <strong>diversidade</strong> morfológica e a <strong>diversidade</strong> genética.O reconhecimento de uma variedade e a decorrente atribuição deum nome fundamentam-se na percepção <strong>do</strong> semelhante e <strong>do</strong> diferente. Anoção de variedade não constitui um referencial absoluto e varia dependen<strong>do</strong><strong>do</strong>s grupos culturais envolvi<strong>do</strong>s. Uma análise da <strong>diversidade</strong>morfológica de uns 400 indivíduos descritos na Guiana, na Guiana francesae no Brasil mostrou que há um recobrimento global da <strong>diversidade</strong>morfológica entre os grupos culturais e que as variáveis descritivas daparte aérea, principalmente da arquitetura, condicionam o reconhecimentode uma variedade. No que tange à <strong>diversidade</strong> genética (trabalhos deG. S. Mülhen), foi ressaltada uma nítida diferenciação entre mandiocasbravas e mansas, apontan<strong>do</strong> para histórias de <strong>do</strong>mesticação diferentes.Dentro <strong>do</strong> conjunto das bravas, nota-se uma certa estruturação espacialda <strong>diversidade</strong> genética na Amazônia.· Os fatores de erosão.Globalmente, na escala da Amazônia brasileira, há de se interrogar nãotanto sobre uma erosão genética que atingiria diretamente o número de variedadesexistentes mas sobre um processo mais sutil, a perda <strong>do</strong>s processosgera<strong>do</strong>res de <strong>diversidade</strong>. Assim, há de ressaltar que as atuais mudançasculturais, as mudanças socioeconômicas (por exemplo, os hábitos alimentarese o merca<strong>do</strong>) e as mudanças nas condições de existência da agriculturatradicional (por exemplo, o desenvolvimento da agricultura peri-ur-Bio<strong>diversidade</strong>, 20Trabalho familiarde fabricação defarinha demandioca.Menino retiran<strong>do</strong>a da prensa amandioca moída,para depois fazero processo desecagem.37Carlos Carvalho


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoAntonio JoséRibamar ao la<strong>do</strong>de um pé demandioca cujaespécie alcança otamanho de umaárvore, sem noentanto, fornecera raiz damandioca para oconsumo. Apopulação localchama de“mandioquinha”.Cruzeiro <strong>do</strong>Sul / Acre.bana), levam a um enfraquecimento global dessesprocessos.· Os instrumentos de proteção e valorizaçãoda agrobio<strong>diversidade</strong> e <strong>do</strong>s conhecimentostradicionais associa<strong>do</strong>sEsse quadro leva a refletir sobre as possíveislinhas de pesquisa, não só no caso da mandioca,mas também sobre a agrobio<strong>diversidade</strong>como um to<strong>do</strong>. A partir da experiência da mandioca,foram levanta<strong>do</strong>s os seguintes temas depesquisa: a formação e a evolução <strong>do</strong>s saberes;as dinâmicas populacionais e os fluxosgênicos; o papel da agrobio<strong>diversidade</strong> na segurançaalimentar; as lógicas espaço-temporais e sociais de manejo <strong>do</strong>srecursos fitogenéticos; e o impacto das dinâmicas supra-regionais. É tambémessencial dispor de uma série de indica<strong>do</strong>res sobre o esta<strong>do</strong> daagrobio<strong>diversidade</strong> e há de se pensar em redes de observatórios.Instrumentos de valorização como as denominações de origem, queconsideram de maneira integrada um território com suas característicasbio-ecológicas e um grupo socio<strong>cultural</strong> com sua história e seu saberfazer,podem, entre outros, constituir pistas de reflexão. Esses instrumentosde valorização devem ser associa<strong>do</strong>s a instrumentos jurídicos de proteçãoe a instrumentos sociais que assegurem a perenidade <strong>do</strong>s recursosfitogenéticos e <strong>do</strong>s saberes locais associa<strong>do</strong>s.Para tais objetivos, devem se constituir numerosas interfaces, entresaberes locais e saberes científicos; entre competências de várias áreas(etnobiologia, genética, antropologia, agronomia, nutrição, etc.); e entrepopulações e organizações locais, instituições de pesquisa, instituições deconservação de material fito-genético, ONGs, entre outras.Manejo da Mandioca por Populações Tradicionais:Caiçaras em Mata AtlânticaNival<strong>do</strong> Peroni - NEPAM / UNICAMPnival<strong>do</strong>@unicamp.brO estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> manejo de <strong>diversidade</strong> varietal de espécies cultivadastem revela<strong>do</strong> relações pouco conspícuas das interações entre agricultores,as espécies e os ambientes de cultivo. Relações estas que mostramque o manejo de agrobio<strong>diversidade</strong> pode exibir um dinamismo tanto noespaço como no tempo. Fatores ecológicos, genéticos, culturais esocioeconômicos estão envolvi<strong>do</strong>s tanto na conservação, na amplificação,como nas perdas de <strong>diversidade</strong> intra-específica das espécies. Nestesenti<strong>do</strong>, a mandioca pode servir como um ótimo modelo para compreendercomo estes fatores interagem em condições de cultivo mantidashistoricamente por “populações tradicionais” ameríndias e não índias.No contexto <strong>do</strong> manejo varietal, é de destaque o papel das populaçõeshumanas na conservação de agrobio<strong>diversidade</strong>. Porém, ainda é pou-38 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalco compreendi<strong>do</strong> o papel <strong>do</strong> homem como amplifica<strong>do</strong>r de <strong>diversidade</strong>biológica. No caso da mandioca, o grande número de variedades contrastacom sua forma de propagação. Apesar de existir perto de 7000 variedades,a mandioca é cultivada por meio de propagação vegetativa. Assim,qual é a origem, como e por que foi gerada tanta <strong>diversidade</strong>?Embora a mandioca seja intensamente estudada, apenas nos últimosdez anos estas questões têm si<strong>do</strong> respondidas objetivamente. Os estu<strong>do</strong>scom diferentes grupos humanos tradicionais, entre eles os caiçaras, na regiãosudeste da Mata Atlântica, têm revela<strong>do</strong> que a germinação de sementesde mandioca está integrada num amplo conjunto de eventos evolutivos.Estes eventos têm mostra<strong>do</strong> que o manejo interage com componentes dahistória vital da mandioca, entre eles as formas de reprodução da espécie ede dispersão e formação de banco de sementes. Estes fatores conjuga<strong>do</strong>s,interagin<strong>do</strong> com as preferências alimentares, têm feito com que a <strong>diversidade</strong>seja amplificada.Na contra-mão deste processo dinâmico, agem os fatores que vãoresultar em perda de <strong>diversidade</strong>, ou erosão genética. Longe dasinterações genéticas e ecológicas relacionadas à amplificação da <strong>diversidade</strong>,estes fatores são de ordem diversa, relaciona<strong>do</strong>s principalmenteàs condições de mudanças socioeconômicas relativas aos agricultores.Estas condições são potencializadas por outros fatores, como pela estruturafundiária conflitante, pela busca <strong>do</strong> ideal urbano, e mesmo pelasrestrições de abertura de novas roças devi<strong>do</strong> à legislação ambiental. Nocaso <strong>do</strong>s caiçaras, no litoral sul <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo, por exemplo,perto de 30% da <strong>diversidade</strong> varietal de mandioca foi perdida nos últimos30 anos. Isso representa perto de 11 variedades de um total de 62variedades de mandioca citadas por estas populações.As perdas de <strong>diversidade</strong> biológica são acompanhadas pela perdade conhecimento ecológico local relacionadas ao cultivo e aos usos dasvariedades. Entre os caiçaras, a agricultura tem um papel volta<strong>do</strong> para asubsistência e, na procura por outras atividades econômicas, o interessepelos jovens nas atividades agrícolas tem diminuí<strong>do</strong>. As conseqüências aolongo <strong>do</strong> tempo tendem a aumentar o risco de perdas de seu patrimôniobiológico e <strong>cultural</strong>, haja vista que os conhecimentos das práticas de cultivonão serão mais reproduzi<strong>do</strong>s.A mandioca é uma espécie modelo paracompreender a complexidade <strong>do</strong> manejo deespécies na agricultura tropical. Nesta posição,ela permite entender a dinâmica evolutiva de espéciesde propagação vegetativa e também refleteparte da história <strong>do</strong>s agricultores que a manejam.Cabe destacar que o lega<strong>do</strong> <strong>do</strong>patrimônio biológico e <strong>cultural</strong> <strong>do</strong> homem americanoé muito mais amplo, porém desproporcionalmentepouco explicita<strong>do</strong>.Bio<strong>diversidade</strong>, 20Mulher de famíliaCaiçara fazen<strong>do</strong>a secagem dafarinha demandioca.Trindade-Parati/Rio de Janeiro.39Marcio RM


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteBio<strong>diversidade</strong> - Acesso a Recursos Genéticos, Proteçãoao Conhecimento Tradicional Associa<strong>do</strong> e Repartição deBenefíciosCristina Maria <strong>do</strong> Amaral Azeve<strong>do</strong> - Departamento <strong>do</strong> PatrimônioGenético, Secretaria Executiva <strong>do</strong> CGEN- SBF/MMA -cristina.azeve<strong>do</strong>@mma.gov.brCarlos CarvalhoColheita damandioca nomunicípio deCruzeiro <strong>do</strong>Sul / Acre.O Brasil está entre os países conheci<strong>do</strong>s como megadiversos – muitoricos em bio<strong>diversidade</strong>. Segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s da ONG “Conservation International”,estima-se que haja no território brasileiro cerca de 20% <strong>do</strong> número total deespécies <strong>do</strong> planeta. Existe no Brasil, por exemplo, cerca de 55 mil espéciesdescritas de plantas superiores (20 a 22% <strong>do</strong> total mundial). Várias das espéciesimportantes para a economia mundial – amen<strong>do</strong>im, castanha-<strong>do</strong>-Brasil,carnaúba, seringueira, guaraná, abacaxi e caju – são originárias <strong>do</strong> Brasil,além de inúmeras espécies madeireiras, medicinais, frutíferas, etc. Estima-se,ainda, que a utilização <strong>do</strong>s componentes da bio<strong>diversidade</strong> (não só originária<strong>do</strong> Brasil) é responsável por cerca de 45% <strong>do</strong> PIB brasileiro, especialmenteno que se refere aos negócios agrícolas (40%), florestal (4%), turístico (2,7%)e pesqueiro (1%). Produtos da <strong>diversidade</strong> biológica – principalmente café,soja e laranja – respondem por cerca de 30% das exportações brasileiras(da<strong>do</strong>s de 1997). Isto demonstra a enorme interdependência <strong>do</strong>s países comrelação à bio<strong>diversidade</strong> e economia.Esta <strong>diversidade</strong> biológica está intrinsecamente associada a culturastradicionais <strong>do</strong>s diversos povos indígenas e comunidades locais, representan<strong>do</strong>enorme potencial para uso econômico tantopara a agricultura como para a biotecnologia. Embora osetor biotecnológico brasileiro seja ainda pequeno, osetor farmacêutico, por exemplo, movimenta em nívelmundial US$ 300 bilhões ao ano, sen<strong>do</strong> que 40% <strong>do</strong>smedicamentos produzi<strong>do</strong>s derivam da bio<strong>diversidade</strong>.A busca por novos produtos na bio<strong>diversidade</strong> temsi<strong>do</strong> denominada como bioprospecção. Esta é uma atividadeexploratória de alto risco, ou seja, a chance de seencontrar algo promissor é pequena (cerca de uma amostraa cada 10.000 coletadas apresentam alto potencialde uso econômico) e o investimento na pesquisa e desenvolvimentoé alto (a empresa multinacional Novartismenciona US$ 350 milhões investi<strong>do</strong>s durante cerca de10 anos).Qual o papel <strong>do</strong> conhecimento tradicional associa<strong>do</strong>na bioprospecção? A estimativa é que quan<strong>do</strong> este conhecimentoé utiliza<strong>do</strong> para guiar a bioprospecção, a probabilidadede se encontrar algo com potencial de uso econômicoaumenta muito (cerca de uma amostra a cada duascoletadas). Além <strong>do</strong>s conhecimentos relaciona<strong>do</strong>s diretamenteà saúde, os povos indígenas e comunidades tradicionaissão responsáveis pela <strong>diversidade</strong> de variedades deespécies semi-<strong>do</strong>mesticadas e <strong>do</strong>mesticadas, constituin<strong>do</strong>40 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalum rico acervo agrobiodiverso . Esta agrobio<strong>diversidade</strong>tem servi<strong>do</strong> como base para diversas pesquisas <strong>do</strong> setoragrícola que visam selecionar variedades com característicasespecíficas tanto com relação aos teores de nutrientes,quanto à sua adaptabilidade a determinadas condições.Historicamente, a exploração econômica da <strong>diversidade</strong>biológica, especificamente <strong>do</strong>s recursos genéticos, bemcomo <strong>do</strong>s conhecimentos tradicionais associa<strong>do</strong>s não revertiabenefícios aos detentores destes recursos e conhecimentos.Foi a partir da entrada em vigor da Convençãosobre Diversidade Biológica (CDB) que este quadro começoua ser altera<strong>do</strong>.A CDB é um <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais relaciona<strong>do</strong>sao meio ambiente que teve maior adesão, mais de170 países, embora haja uma omissão importante, os Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s, que a assinaram, mas não a ratificaram. Estetrata<strong>do</strong> preconiza, ao considerar que os países são soberanossobre os recursos biológicos que ocorrem na áreageográfica sob sua jurisdição e sobre a regulamentação<strong>do</strong> acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicionalassocia<strong>do</strong>. Esta regulamentação deve possibilitaro acesso sob condições justas de negociação, que garantama repartição eqüitativa <strong>do</strong>s benefícios provenientes <strong>do</strong>uso <strong>do</strong>s recursos acessa<strong>do</strong>s, a conservação da bio<strong>diversidade</strong>e a valorização da socio<strong>diversidade</strong>.Este trata<strong>do</strong> internacional preconiza também que as legislações nacionaisgarantam o respeito, a preservação e a manutenção <strong>do</strong> conhecimento,inovações e práticas de comunidades locais e populações indígenas,encorajan<strong>do</strong> a repartição eqüitativa <strong>do</strong>s benefícios oriun<strong>do</strong>s da utilizaçãodesse conhecimento.Embora a CDB já tenha completa<strong>do</strong> 10 anos, pois ela foi abertapara adesão na Conferência das Nações Unidas para o <strong>Meio</strong> Ambiente eDesenvolvimento em 1992 – a Rio 92, não são muitos os avanços quepodem ser identifica<strong>do</strong>s na implementação da regulamentação dessa matéria.Isto porque a regulamentação <strong>do</strong> acesso aos recursos genéticos eao conhecimento tradicional associa<strong>do</strong> suscita diversas questões, difíceisde serem rapidamente resolvidas.No Brasil, a iniciativa para regulamentar esta matéria se deu no Sena<strong>do</strong>,em 1995, por meio da então Sena<strong>do</strong>ra Marina Silva, que apresentouo primeiro Projeto de Lei para regulamentar o acesso aos recursosgenéticos. Em 1998, ano em que este Projeto de Lei foi aprova<strong>do</strong>, naforma <strong>do</strong> Substitutivo <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong>r Osmar Dias, pelo Sena<strong>do</strong> e encaminha<strong>do</strong>à Câmara de Deputa<strong>do</strong>s, mais <strong>do</strong>is projetos de lei foram apresenta<strong>do</strong>s:um de autoria <strong>do</strong> então Deputa<strong>do</strong> Jacques Wagner e outro de autoria<strong>do</strong> Executivo Federal. Este último foi acompanha<strong>do</strong> por uma Propostade Emenda Constitucional, propon<strong>do</strong> incluir no rol de bens da União,o patrimônio genético.Em 2000, o Governo Federal editou uma Medida Provisória regula-Bio<strong>diversidade</strong>, 20SeringueiroAntonio Diogo,na sua “estradade seringa”.Seringal Floresta,Colocação RioBranco.Xapuri / Acre.41Carlos Carvalho


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambientementan<strong>do</strong> a matéria. Esta Medida Provisória foi sen<strong>do</strong> reeditada e sofren<strong>do</strong>algumas modificações até agosto de 2001. Nesta data, a MedidaProvisória 2.186-16 deixou de ser reeditada e foi em parte regulamentadapelo Decreto 3.945.Desse mo<strong>do</strong>, hoje, no Brasil, o acesso ao patrimônio genético e aoconhecimento tradicional associa<strong>do</strong>, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> a terminologia da MedidaProvisória 2.186-16/21 (MP), é regulamenta<strong>do</strong> por estes dispositivos legaise só pode ser autoriza<strong>do</strong> pela União. Para isso, foi cria<strong>do</strong> o Conselhode Gestão <strong>do</strong> Patrimônio Genético, que foi instala<strong>do</strong> em abril de 2002 e,desde então, está em atividade, o que pode ser acompanha<strong>do</strong> acessan<strong>do</strong>o site: www.mma.gov.br/port/cgen.O Conselho de Gestão <strong>do</strong> Patrimônio Genético (CGEN) tem atua<strong>do</strong>no senti<strong>do</strong> de esclarecer alguns termos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pela MP, bem comodetalhar as regras previstas neste dispositivo legal e definir as autoridadescompetentes para deliberar sobre as solicitações de acesso a patrimôniogenético e conhecimento tradicional associa<strong>do</strong>.A MP define que acesso a conhecimento tradicional associa<strong>do</strong> é “aobtenção de informação sobre conhecimento ou prática individual ou coletiva,associada ao patrimônio genético, para fins de pesquisa científica,bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico”. É reconheci<strong>do</strong> tambémo direito das comunidades indígenas e locais de impedir terceiros nãoautoriza<strong>do</strong>s a divulgar, pesquisar e utilizar conhecimento tradicional associa<strong>do</strong>;receber benefícios pela exploração desse conhecimento e dar (ounegar) anuência prévia para o acesso ao conhecimento e ao patrimôniogenético existente em suas terras. Assim, hoje, a pessoa que pretenderacessar conhecimento tradicional associa<strong>do</strong> deve obter anuência prévia<strong>do</strong>s detentores deste conhecimento, segun<strong>do</strong> as diretrizes instituídas peloCGEN, e receber autorização específica deste Conselho.Com relação ao acesso e remessa de amostras de componentes <strong>do</strong>patrimônio genético, o IBAMA é a autoridade competente, por meio decredenciamento pelo CGEN, para deliberar sobre as solicitações cujafinalidade seja pesquisa científica. O CGEN é a autoridade competentepara deliberar sobre as solicitações cujas finalidades tenham potencial deuso econômico, como bioprospecção e desenvolvimento tecnológico.O CGEN, atenden<strong>do</strong> ao pedi<strong>do</strong> da Ministra Marina Silva, preparousubsídios na forma de um anteprojeto de lei, elabora<strong>do</strong> com base na experiênciade aplicação da MP e no Projeto de Lei de autoria <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong>rOsmar Dias, para que seja retoma<strong>do</strong> o processo legislativo para que oBrasil possua um regulamento legal definitivo para este tema.O anteprojeto de lei aprimora e reforça a proteção <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>spovos indígenas, comunidades locais e quilombolas asseguran<strong>do</strong> direitosmorais e patrimoniais sobre seus conhecimentos tradicionais associa<strong>do</strong>s;estabelecen<strong>do</strong> que estes direitos independem de qualquer ato constitutivo<strong>do</strong> Poder Público; instituin<strong>do</strong> o Consentimento Prévio Fundamenta<strong>do</strong> epreven<strong>do</strong> a criação de um fun<strong>do</strong> com uma conta específica para repartiçãode benefícios provenientes da exploração econômica destes conhecimentostradicionais.42 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalAndré StellaPolíicas Públicas Para a<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong>André Stella 1,2Paulo Y. Kageyama 1,3Rubens Nodari 1,4Bio<strong>diversidade</strong> e <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong>Bio<strong>diversidade</strong>, segun<strong>do</strong> a definição da Convenção sobre DiversidadeBiológica (CDB), significa “a variabilidade de organismos vivos de todasas origens, compreenden<strong>do</strong>, dentre outros, os ecossistemas terrestres,marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos quefazem parte; compreenden<strong>do</strong> ainda a <strong>diversidade</strong> dentro de espécies, entreespécies e de ecossistemas”.Do conceito pode-se entender que a bio<strong>diversidade</strong> não é apenasum conjunto de organismos, envolven<strong>do</strong> também as interações entre elese o ambiente, bem como os processos ecológicos que compõe os1 - Diretoria <strong>do</strong> Programa Nacional de Conservação da Bio<strong>diversidade</strong>, Secretaria deBio<strong>diversidade</strong> e Florestas, <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente.2 - Engenheiro Florestal, MSc.3 - Professor Titular <strong>do</strong> Departamento de Ciências Florestais da ESALQ/USP, PhD.4 - Professor Titular <strong>do</strong> Departamento de Fitotecnia da UFSC, PhD.Bio<strong>diversidade</strong>, 2043


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteAndré Stellaecossistemas. No nível micro o conceito implicaem toda variabilidade genética que existe emcada população, espécie, comunidade, de to<strong>do</strong>sos ecossistemas.Apesar de não estar explícito no conceito,subentende-se que a bio<strong>diversidade</strong> contemplatanto a <strong>diversidade</strong> encontrada nos ecossistemasnaturais como naqueles com interferênciahumana, ou antrópicos.O texto da Convenção sobre DiversidadeBiológica, assina<strong>do</strong> durante a Conferência dasNações Unidas sobre <strong>Meio</strong> Ambiente (CNUMAou ECO 92), não traz definição explícita paraagrobio<strong>diversidade</strong>, mas a Decisão V/5 define agrobio<strong>diversidade</strong> como“um termo amplo que inclui to<strong>do</strong>s os componentes da bio<strong>diversidade</strong> quetêm relevância para a agricultura e alimentação, e to<strong>do</strong>s os componentesda bio<strong>diversidade</strong> que constituem os agroecossistemas: as variedades e avariabilidade de animais, plantas e microorganismos, nos níveis genético,de espécies e ecossistemas, os quais são necessários para sustentarfunções chaves <strong>do</strong>s agroecossistemas, suas estruturas e processos”.Desta forma, a agrobio<strong>diversidade</strong> pode ser compreendida como aparcela utilizada da bio<strong>diversidade</strong>, representada por um conjunto deorganismos e ecossistemas que apresentam fortes relações com os sereshumanos, poden<strong>do</strong> ser <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>s, semi-<strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>s, cultiva<strong>do</strong>s, oumaneja<strong>do</strong>s pelo homem.Além <strong>do</strong>s três níveis de complexidade relaciona<strong>do</strong>s à bio<strong>diversidade</strong>(<strong>diversidade</strong> entre espécies; dentro de espécies e entre ecossistemas), aagrobio<strong>diversidade</strong> apresenta outros elementos essenciais à suacompreensão. Por se tratar de um componente com forte vínculo com osseres humanos, o conceito de agrobio<strong>diversidade</strong> envolve necessariamentea compreensão de que o elemento humano é a chave para a diferenciação<strong>do</strong> que é agrobio<strong>diversidade</strong> dentro da bio<strong>diversidade</strong>. Este componentese manifesta por meio de práticas de manejo e cultivo (sistemas de cultivo,de manejo, técnicas de seleção e de melhoramento de espécies, porexemplo), até tradições e costumes (preferências, festividades, ritos ereligiosidade). O elemento diferencial entre agrobio<strong>diversidade</strong> ebio<strong>diversidade</strong> pode então ser traduzi<strong>do</strong> essencialmente pela ação <strong>do</strong>homem, com um forte componente <strong>cultural</strong>.Assim como o termo bio<strong>diversidade</strong> engloba um universo praticamenteinfinito frente ao conhecimento <strong>do</strong> homem, a agrobio<strong>diversidade</strong> representauma gama praticamente inesgotável de combinações entre seus quatroníveis de complexidade: <strong>diversidade</strong> dentro de espécies; <strong>diversidade</strong> entreespécies; <strong>diversidade</strong> entre ecossistemas e <strong>diversidade</strong> etno-<strong>cultural</strong>. Nestevasto conjunto de combinações, encontram-se componentes de altointeresse para o desenvolvimento sócio-ambiental sustentável, com focoem comunidades rurais e locais, quilombolas e povos indígenas, que44 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalrepresentam acúmulos de saberes transmiti<strong>do</strong>s de gerações antepassadas,muitas vezes seculares.As sementes crioulas, ou variedades de espécies de plantas cultivadaspor comunidades indígenas, locais e da agricultura familiar, constituemrecursos genéticos de inestimável valor para o desenvolvimento rural epara toda a humanidade. Estas “sementes” constituem-se no estoque de<strong>diversidade</strong> genética de praticamente todas as espécies e variedades usadasna agricultura para alimentação humana (mandioca, milho e feijão, dentreoutras). Suas principais características são a alta variabilidade genética, arusticidade e o processo de seleção fortemente influencia<strong>do</strong> pelosagricultores. As sementes constituem-se no elemento mais antigo daagricultura, sen<strong>do</strong> que o conhecimento <strong>do</strong> homem (técnicas de manejo,seleção, suas preferências, dentre outros) sempre foi um fator determinantesobre a sua seleção. Pode-se inferir que este conhecimento <strong>cultural</strong> humanoencontra-se na constituição genética das sementes crioulas.Devi<strong>do</strong> ao fato das sementes crioulas, também denominadasvariedades locais, se constituírem em material genético altamente adapta<strong>do</strong>aos locais onde são mantidas. Estas podem ser consideradas essenciaispara a autonomia e desenvolvimento sustentável da agricultura familiar(pelo fato <strong>do</strong>s agricultores <strong>do</strong>minarem as técnicas de cultivo, melhoramentoe produção de sementes) e para a segurança alimentar, pois incluem asprincipais espécies da dieta humana.As plantas medicinais fitoterápicas são espécies de plantas cultivadasou não, que são manejadas e utilizadas pelo homem para fins terapêuticosou preventivos, especialmente para atenção primária à saúde. Oconhecimento sobre as espécies, o manejo e o cultivo, as técnicas depreparação de remédios, incluin<strong>do</strong> o saber sobre qual é a melhor parte daplanta e qual é a melhor técnica de colheita, assim como qual a forma depreparo, constituem o elemento denominan<strong>do</strong> “conhecimento tradicionalassocia<strong>do</strong> à bio<strong>diversidade</strong>”. Esse conhecimento vem sen<strong>do</strong> acumula<strong>do</strong>há muito tempo, transferi<strong>do</strong> de geração a geração e perpassa uma amplagama de comunidades, incluin<strong>do</strong> povos indígenas, comunidadestradicionais, quilombolas, agricultores familiares e também um grandecontingente de cidadãos urbanos.Da<strong>do</strong>s da OMS (2002) revelam que o usoda medicina tradicional (incluin<strong>do</strong> o uso deplantas medicinais e fitoterápicos, além de outraspráticas terapêuticas tradicionais) é bastantesignificativo e está difundi<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.Além disso, estima-se que o merca<strong>do</strong> mundialpara os fitoterápicos cresça em média 10% aoano, fato que revela a importância estratégicade se apoiar o uso de plantas medicinais. Osda<strong>do</strong>s da OMS revelam que na África 80% dapopulação fazem uso de plantas medicinais e naAmérica Latina o uso também está amplamentedifundi<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> que no Chile 71% da po-Fitoterápicosproduzi<strong>do</strong>sno Seringal Cachoeira.Xapuri/Acre.Carlos CarvalhoBio<strong>diversidade</strong>, 2045


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteColeta certificada de óleocopaíba. Seringal PortoDias.Acre, 2003.pulação usam as plantas medicinais e na Colômbia 40%. No Brasil, emboranão existam da<strong>do</strong>s sistematiza<strong>do</strong>s, o uso de plantas medicinais tambémfaz parte <strong>do</strong> cotidiano de grande parcela das comunidades tradicionais,além das urbanas, principalmente das camadas de mais baixa renda, e<strong>do</strong>s povos indígenas.As plantas medicinais fazem parte <strong>do</strong> grupo de plantas que maisrecentemente tem si<strong>do</strong> denomina<strong>do</strong> de plantas “bioativas”, embora estadenominação ainda não tenha uso amplo. Também integram este grupo asespécies aromáticas e condimentares. Este grupo inclui uma ampla gamade temperos utiliza<strong>do</strong>s no preparo de alimentos, cultiva<strong>do</strong>s nos quintaisou maneja<strong>do</strong>s no seu ambiente nativo, cuja disseminação se dáprincipalmente pela troca de propágulos entre famílias e comunidades. Oacervo <strong>cultural</strong> relaciona<strong>do</strong> às plantas aromáticas e condimentares,transmiti<strong>do</strong> de geração a geração, também faz parte <strong>do</strong> conhecimentotradicional associa<strong>do</strong> à bio<strong>diversidade</strong>.Além das plantas medicinais e aromáticas e das sementes crioulas,outras formas de uso da agrobio<strong>diversidade</strong> têm grande importância narealidade cotidiana da agricultura familiar, das comunidades locais e <strong>do</strong>spovos indígenas, representan<strong>do</strong> importantes estratégias para a geraçãode renda e a inclusão social. Dentre essas, destacam-se:i) Os sistemas agroflorestais, ou “florestas de alimentos”, ousimplesmente “SAFs”, que hoje se apóiam em inúmeras iniciativas dispersaspelo País (Projeto Reca no Acre, Poema no Pará e SAFs medicinais <strong>do</strong>Pontal da Paranapanema e os Módulos Demonstrativos de Recuperação<strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> com Espécies Nativas de Uso Múltiplo - MDRs).ii) o manejo agroextrativista de recursos nativos, que apresentapeculiaridades em cada bioma (andiroba e pequi na Caatinga; o barú e oburiti no Cerra<strong>do</strong>; seringa, castanha-<strong>do</strong>-brasil, óleo de copaíba naAmazônia; o pinhão e a erva mate na Mata Atlântica, por exemplo).iii) O manejo animal alternativo que engloba o manejo de raças crioulasde animais <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>s (raças de bode no nordeste, porcos crioulos nosul e inúmeras raças de galinha caipira, por to<strong>do</strong> o País, por exemplo); asespécies silvestres, criadas em regime semi-intensivo (como o cateto e ocága<strong>do</strong>); a meliponicultura, que concilia aconservação de espécies de abelhas nativascom a produção de mel e com o aumento daprodutividade agrícola; a fitoterapia e ahomeopatia animal, dentre outros exemplos.Carlos CarvalhoHistórico e Marco LegalOs principais instrumentos baliza<strong>do</strong>res daspolíticas relacionadas à agrobio<strong>diversidade</strong> noBrasil são:- A Convenção sobre Diversidade Biológica;46 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Cultural- O Decreto da Política Nacional de Bio<strong>diversidade</strong>;- O Trata<strong>do</strong> de Recursos Fitogenéticos utiliza<strong>do</strong>s para alimentação eagricultura da FAO;- A Lei de Sementes e Mudas.A Convenção sobre Diversidade Biológica tem como marco iniciala Rio 92, realizada no Rio de Janeiro no ano de 1992, da qual emergiram3 grandes trata<strong>do</strong>s internacionais: a CDB; a Convenção sobre MudançasClimáticas e a Agenda 21.A CDB é um trata<strong>do</strong> internacional, envolven<strong>do</strong> 188 países, que dáas diretrizes para o desenvolvimento das políticas relacionadas àbio<strong>diversidade</strong> para to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s membros. Seus principais objetivossão:1) conservação da <strong>diversidade</strong> biológica;2) utilização sustentável <strong>do</strong>s seus componentes;3) repartição justa e eqüitativa <strong>do</strong>s benefícios deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> acessoaos recursos genéticos.A CDB toma suas deliberações por meio das Conferências da Partes(COP, “Conference of the Parties”), nas quais cada país-membro temdireito a voto. As COPs são sempre precedidas por reuniões <strong>do</strong> órgãotécnico subsidiário (SUBSTTA, “Subsidiary Body on Scientific, Technicaland Technological Advice”) que é composto por delegações técnicas <strong>do</strong>spaíses membros.No seu histórico de deliberações, foi a partir de 1996 que a CDBpassou a abordar diretamente questões relacionadas às práticas agrícolastradicionais, ao uso sustentável e à conservação <strong>do</strong>s recursos genéticos.Na COP III, realizada na cidade de Buenos Aires, no ano de 1996,foi introduzida a discussão para a criação de um Programa de Trabalhosobre Bio<strong>diversidade</strong> Agrícola. O assunto consta na Decisão III/11, queestabelece as diretrizes para um programa plurianual de atividades sobreagrobio<strong>diversidade</strong>, visan<strong>do</strong>: i) promover os impactos positivos e mitigaros impactos negativos das práticas agrícolas sobre a bio<strong>diversidade</strong> <strong>do</strong>sagro-ecossistemas; ii) promover a conservação e o uso sustentável <strong>do</strong>srecursos genéticos de valor atual ou potencial para a alimentação eagricultura; e iii) promover a repartição justa e eqüitativa <strong>do</strong>s benefíciosderiva<strong>do</strong>s da utilização <strong>do</strong>s recursos genéticos.Os principais componentes <strong>do</strong> Programa de Trabalho lista<strong>do</strong>s foram:a) identificação e sistematização das atividades em andamento maisrelevantes e <strong>do</strong>s instrumentos existentes em âmbito internacional; b)identificação e sistematização das atividades em andamento mais relevantese <strong>do</strong>s instrumentos existentes em âmbito nacional; c) identificação de temasrelevantes que necessitam ser trabalha<strong>do</strong>s; d) identificação de temasprioritários para o futuro desenvolvimento <strong>do</strong> programa; e) identificação eimplementação de estu<strong>do</strong>s de caso dentre os temas previamenteidentifica<strong>do</strong>s; e f) compartilhamento das experiências e transferência detecnologias e conhecimentos. Os estu<strong>do</strong>s de caso inicialmente seleciona<strong>do</strong>sBio<strong>diversidade</strong>, 2047


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambientepara a implementação <strong>do</strong> programa foram: i) iniciativa de conservação euso sustentável de poliniza<strong>do</strong>res e ii) microorganismos <strong>do</strong> solo naagricultura.Em 2000, durante a COP V, realizada no Quênia, foi efetuada arevisão da primeira etapa <strong>do</strong> Programa de Trabalho sobre Bio<strong>diversidade</strong>Agrícola. A Decisão V/5 reconhece a contribuição <strong>do</strong>s agricultores, povosindígenas e comunidades locais para a conservação e uso sustentável dabio<strong>diversidade</strong> agrícola, destacan<strong>do</strong> a necessidade de participação dessascomunidades na implementação <strong>do</strong> programa de trabalho, bem como desubsidiar a sua capacitação e a troca de informações entre as mesmas. Amesma decisão ainda convida as Partes, em consonância ao artigo 20 daCDB, e as agências bilaterais e internacionais a apoiarem financeiramentea implementação de atividades relacionadas ao Programa de Trabalhosobre <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong>, em particular os estu<strong>do</strong>s de caso e a capacitaçãoem países em desenvolvimento. Estabelece ainda o detalhamento dasatividades das diretrizes enunciadas na Decisão III/11 e define o escopoda agrobio<strong>diversidade</strong>, conforme apresenta<strong>do</strong> anteriormente.A CDB foi ratificada pelo governo brasileiro por meio da aprovação<strong>do</strong> Decreto Legislativo n° 2, de 03 de fevereiro de 1994, e da suapromulgação pelo Decreto n° 2.519, de 16 de março de 1998.O Decreto 4.339, de 22 de agosto de 2002, em consonância aoscompromissos assumi<strong>do</strong>s pelo Brasil ao assinar e ratificar a CDB, instituios Princípios e as Diretrizes para a Implementação da Política Nacionalda Bio<strong>diversidade</strong>. Os princípios da Política derivam daqueles defini<strong>do</strong>sna própria CDB, destacan<strong>do</strong>-se: o valor intrínseco da bio<strong>diversidade</strong>; asoberania <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s membros sobre a bio<strong>diversidade</strong>; a cooperação eaporte financeiro <strong>do</strong>s países desenvolvi<strong>do</strong>s para a conservação dabio<strong>diversidade</strong> <strong>do</strong>s países em desenvolvimento; o direito de to<strong>do</strong>s ao meioambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong>; a necessidade de utilizaçãosustentável <strong>do</strong>s recursos naturais, inclusive <strong>do</strong> solo e das águas; aimportância da internalização <strong>do</strong>s custos ambientais nos custos de produçãoe o princípio <strong>do</strong> polui<strong>do</strong>r-paga<strong>do</strong>r. Dentre as diretrizes destaca-se: acooperação entra nações; a necessidade de harmonização entre os diversosinstrumentos relaciona<strong>do</strong>s à conservação e utilização sustentável dabio<strong>diversidade</strong>; a necessidade de se prever, prevenir e combater as causasda redução ou perda de <strong>diversidade</strong> biológica; a sustentabilidade dautilização <strong>do</strong>s componentes da bio<strong>diversidade</strong> deve ser determinada <strong>do</strong>ponto de vista econômico, social e ambiental.Segun<strong>do</strong> o Decreto, a Política Nacional da Bio<strong>diversidade</strong> estáfundamentada nos seguintes componentes: i) conhecimento dabio<strong>diversidade</strong>; ii) conservação da bio<strong>diversidade</strong>; iii) utilização sustentável<strong>do</strong>s componentes da bio<strong>diversidade</strong>; iv) monitoramento, avaliação,prevenção e mitigação de impactos sobre a bio<strong>diversidade</strong>; v) acesso aosrecursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associa<strong>do</strong>s e repartiçãode benefícios; vi) educação, sensibilização pública, informação e divulgaçãosobre bio<strong>diversidade</strong>; e vii) fortalecimento jurídico e institucional para agestão da bio<strong>diversidade</strong>.48 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalO Trata<strong>do</strong> Internacional de Recursos Fitogenéticos Utiliza<strong>do</strong>s paraAlimentação e Agricultura, da Organização das Nações Unidas para aAgricultura e a Alimentação (FAO), tem por objetivo promover aconservação e a utilização sustentável <strong>do</strong>s recursos fitogenéticos para aalimentação e agricultura; e a distribuição justa e eqüitativa <strong>do</strong>s benefíciosderiva<strong>do</strong>s de sua utilização em harmonia com a CDB. Basicamente, otrata<strong>do</strong> propõe aos países signatários o estabelecimento de um mecanismofacilita<strong>do</strong> de acesso e intercâmbio <strong>do</strong>s principais recursos fitogenéticosutiliza<strong>do</strong>s na alimentação e agricultura, os quais encontram-se lista<strong>do</strong>s noseu Anexo 1. Ao to<strong>do</strong> integram a lista 35 tipos de cultivos alimentares e29 tipos de forrageiras.A Lei 10.711/03 e Decreto 5.153/04 estabelecem o Sistema Nacionalde Sementes e Mudas, ten<strong>do</strong> como objetivo “garantir a identidade e aqualidade <strong>do</strong> material de multiplicação e de reprodução vegetal produzi<strong>do</strong>,comercializa<strong>do</strong> e utiliza<strong>do</strong> em to<strong>do</strong> o território nacional”. A Lei definecomo “cultivar local, tradicional ou crioula: variedade desenvolvida,adaptada ou produzida por agricultores familiares, assenta<strong>do</strong>s da reformaagrária ou indígenas, com características fenotípicas bem determinadas ereconhecidas pelas respectivas comunidades e que, a critério <strong>do</strong> MAPA(<strong>Ministério</strong> da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), considera<strong>do</strong>stambém os descritores socioculturais e ambientais, não se caracterizemcomo substancialmente semelhantes às cultivares comerciais.” Estadefinição de variedade crioula, como se depreende, dá amplo poder dedefinição a um único órgão governamental e, além disso, não incorporaconceitos e avanços da Convenção sobre Diversidade Biológica,especialmente das questões relativas à repartição de benefícios deriva<strong>do</strong>s<strong>do</strong> acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associa<strong>do</strong>.Dois <strong>do</strong>s principais instrumentos estabeleci<strong>do</strong>s pela Lei 10.711/03são: o Registro Nacional de Sementes e Mudas – RENASEM e o RegistroNacional de Cultivares – RNC. A Lei também estabelece que “as pessoasfísicas e jurídicas que exerçam as atividades de produção, beneficiamento,embalagem, armazenamento, análise, comércio, importação e exportaçãode sementes e mudas ficam obrigadas à inscrição no RENASEM.” Destemo<strong>do</strong>, percebe-se que a Lei apresenta fortes implicações sobre a produçãoe comercialização de sementes crioulas,obrigan<strong>do</strong> os produtores a se inscreverem noRENASEM.Contu<strong>do</strong>, a própria Lei para a agriculturafamiliar, determina que “ficam isentos da inscriçãono RENASEM os agricultores familiares, osassenta<strong>do</strong>s da reforma agrária e os indígenas quemultipliquem sementes ou mudas para distribuição,troca ou comercialização entre si.” Estaabertura, entretanto, não permite a comercializaçãodas sementes crioulas fora <strong>do</strong> âmbitodaquelas comunidades, fato que já vem causan<strong>do</strong>dificuldades a segmentos produtivos liga<strong>do</strong>s àagricultura familiar.Bio<strong>diversidade</strong>, 20Sementes e variedadesde mandioca. Festa dasemente crioula49André Stella


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteIntrodução da <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> no Plano-Plurianual <strong>do</strong> GovernoDurante as discussões e a definição <strong>do</strong> Plano-Plurianual (PPA) 2004– 2007, a agrobio<strong>diversidade</strong> foi considerada como forma estratégica deconservação na propriedade e complementar à conservação ex situ ouin situ.As justificativas levadas em consideração foram: reconhecimentopelo governo da realidade existente junto às comunidades tradicionais, àagricultura familiar e aos povos indígenas; necessidade de apoiogovernamental para o fortalecimento da organização, conhecimento e apoiodas experiências comunitárias de conservação e uso da agrobio<strong>diversidade</strong>e, por fim, contribuir para o resgate da dignidade <strong>do</strong>s agricultores comoagentes ativos <strong>do</strong> processo de <strong>do</strong>mesticação e conservação de plantas eanimais.Uma vez institucionalizada, a agrobio<strong>diversidade</strong> passou a sertambém uma das prioridades da Secretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e Florestas,bem como um instrumento de transversalidade e parcerias com outrosministérios, em particular com o <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> Desenvolvimento Agrário(MDA), e com os setores organiza<strong>do</strong>s da sociedade civil.Carlos CarvalhoSeringueiro fazen<strong>do</strong>coleta de sementes deespécies florestais,Seringal Porto Dias.Acre.<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> para quem?Durante o planejamento das atividades para 2004 – 2007, no âmbitoda Secretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e Florestas (SBF/MMA), surgiu um <strong>do</strong>sprimeiros questionamentos relaciona<strong>do</strong>s a essa nova frente de trabalho:agrobio<strong>diversidade</strong> para quem?Isto é, para quem o <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente deveria priorizaros esforços da equipe e os parcos recursos disponíveis para aagrobio<strong>diversidade</strong>? Para responder a essa questão, três critérios foramdeterminantes:1) Coerência com os novos princípios e objetivos da política de governo;2) Situação fundiária e <strong>do</strong>s investimentos <strong>do</strong> governo direciona<strong>do</strong>s aosetor rural;3) Compromisso com as comunidades e com a promoção <strong>do</strong>desenvolvimento sócio-ambiental.Para tal foram consideradas as diretrizese os objetivos <strong>do</strong> Plano-Plurianual 2004-2007(Brasil, 2004) relacionadas ao desenvolvimentosócio-ambiental, com foco na zona rural(inclusão social, geração de renda, reformaagrária, desenvolvimento sustentável e conservaçãoambiental).Em segun<strong>do</strong> lugar, foi observada asituação da distribuição de estabelecimentosrurais por categorias (tabela 1) e <strong>do</strong> direcionamento<strong>do</strong>s recursos para financiamento(crédito) e investimento <strong>do</strong> governo no setoragrícola (tabela 2).50 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalTABELA 1 – Número e área <strong>do</strong>s estabelecimentos rurais no País, por categorias.CategoriaNº deestabelecimentos% deestabelecimentospor categoriaFamiliar 4.139.369 85,2 107.768.450 30,5Patronal 554.501 11,4 240.042.122 67,9Governo e outros 165.994 3,4 5.800.671 1,6Total 4.859.864 100,0 353.611.243 100,0Fonte: Guanziroli, C.E. & Cardim, S.E. de C.S. (Coord.). 2000.Área total porcategoria (ha)Familiar 937.828 25,3 2.535.459 32,8Patronal 2.735.276 73,8 5.108.372 66,2Governo e outros 34.009 0,9 78.754 1,0Total 3.707.112 100,0 7.722.585 100,0Fonte: Guanziroli, C.E. & Cardim, S.E. de C.S. (Coord.). 2000.% de áreatotal porcategoriaTABELA 2 – Financiamento e Investimento em atividades agrícolas no País, por categoria.Financiamento % Investimentos %Categoriapor categoria financiamento por categoria investimento(R$ x 1000) por categoria (R$ x 1000) por categoriaOs da<strong>do</strong>s da tabela 1 revelam que 85% <strong>do</strong> total <strong>do</strong>s estabelecimentospertencem à categoria familiar, que detém apenas 30,5% <strong>do</strong> total de áreadas propriedades agrícolas, enquanto 11,4% <strong>do</strong>s estabelecimentospatronais acumulam 68% da área total, evidencian<strong>do</strong> a concentraçãofundiária no País. Os da<strong>do</strong>s da tabela 2 revelam que a distribuição derecursos, tanto para financiamento como para investimentos, para aagricultura também segue o padrão de maior concentração para a categoriapatronal (73,8% <strong>do</strong> total), em detrimento da familiar (25,3%).Dessa forma, priorizou-se o foco das atividades relacionadas àagrobio<strong>diversidade</strong> para o universo da agricultura familiar. Dentre esteuniverso, por coerência com as diretrizes e objetivos maiores <strong>do</strong> governo,selecionou-se o segmento da reforma agrária como o mais prioritário parao estabelecimento das atividades relacionadas à agrobio<strong>diversidade</strong>.Finalmente, foi estabeleci<strong>do</strong> um canal de diálogo com as comunidades,procuran<strong>do</strong> entender melhor a realidade das mesmas, conhecer asiniciativas em andamento relacionadas ao resgate, uso e conservação daagrobio<strong>diversidade</strong>, bem como daquelas relacionadas às práticasambientais sustentáveis, e com a finalidade de tornar mais eficaz o apoiogovernamental a essas iniciativas.Bio<strong>diversidade</strong>, 2051


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteAs atividades da Secretaria de Bio<strong>diversidade</strong> e Florestasrelacionadas à <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong>As primeiras atividades, realizadas no ano de 2003, foram dereconhecimento das iniciativas em curso, a maioria conduzida pelasociedade civil organizada. Neste senti<strong>do</strong>, muito espaço foi da<strong>do</strong> aosdiálogos com movimentos sociais e organizações não governamentaisligadas à agricultura familiar, às comunidades locais e aos povos indígenas.Foi neste contexto que alguns <strong>do</strong>s principais parceiros foram reconheci<strong>do</strong>s,como por exemplo, a Articulação Pacari, o Movimento <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>resRurais Sem Terra e o Movimento <strong>do</strong>s Pequenos Agricultores.Paralelamente, seguin<strong>do</strong> as orientações <strong>do</strong> MMA, foi dada prioridadeao exercício da transversalidade, muito enfatizada pela Ministra MarinaSilva, principalmente com outros órgãos <strong>do</strong> governo federal que tematuações complementares. Desse diálogo surgiram as parceriasgovernamentais, como por exemplo, com o <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> DesenvolvimentoAgrário e com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária,em temas relaciona<strong>do</strong>s à agricultura familiar e aos assentamentos de reformaagrária; com o <strong>Ministério</strong> da Saúde e com a ANVISA, em assuntosrelaciona<strong>do</strong>s às plantas medicinais, ao uso de remédios caseirosfitoterápicos e ao desenvolvimento de modelos de arranjos produtivos deplantas medicinais e fitoterápicos; e com o <strong>Ministério</strong> da Cultura, no interrelacionamentoda bio<strong>diversidade</strong> com a <strong>diversidade</strong> <strong>cultural</strong>. Outrasparcerias governamentais ainda se encontram em fase de consolidaçãocomo, por exemplo, com o <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> Desenvolvimento Social, emtemas relaciona<strong>do</strong>s à segurança alimentar e com o <strong>Ministério</strong> da IntegraçãoNacional, visan<strong>do</strong> o desenvolvimento de projetos-piloto de arranjosprodutivos locais relaciona<strong>do</strong>s ao uso sustentável da bio<strong>diversidade</strong>.Outra estratégia complementar foi o apoio (técnico e financeiro) e aparticipação em eventos relaciona<strong>do</strong>s ao resgate, uso sustentável,conservação e valorização da agrobio<strong>diversidade</strong>, em to<strong>do</strong> o territórionacional. Eventos tais como as feiras de sementes crioulas e encontrossobre agroecologia e desenvolvimento rural sustentável foram apoia<strong>do</strong>spelo MMA ao longo deste perío<strong>do</strong>. Nessa agenda a posição <strong>do</strong> MMAfoi sempre a de reconhecer e apoiar as iniciativas da sociedade civilorganizada, procuran<strong>do</strong> contribuir para o resgate da auto-estima dascomunidades e recuperar a confiança das mesmas para com o governo eas políticas públicas.Em novembro de 2003, em Brasília, em parceria com o <strong>Ministério</strong>da Cultura, paralelamente à I Conferência Nacional <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente,foi realiza<strong>do</strong> o I Encontro Nacional sobre <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e DiversidadeCultural. Participaram <strong>do</strong> Encontro representantes de diversos órgãospúblicos, da sociedade civil organizada e pesquisa<strong>do</strong>res que atuam emáreas relacionadas ao uso sustentável da agrobio<strong>diversidade</strong> e aoconhecimento tradicional associa<strong>do</strong>. O objetivo <strong>do</strong> encontro foi odelineamento de uma estratégia comum entre governo e sociedade civilpara a valorização, resgate, uso sustentável e conservação daagrobio<strong>diversidade</strong>, bem como para a preservação <strong>do</strong> patrimônio <strong>cultural</strong>associa<strong>do</strong>.52 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalA partir <strong>do</strong> diagnóstico das atividades em curso e da consolidaçãodas parceiras, fora estabeleci<strong>do</strong>s convênios visan<strong>do</strong> apoiar as iniciativas<strong>do</strong>s segmentos organiza<strong>do</strong>s da sociedade civil. Nesse contexto foramapoiadas iniciativas tais como a Farmacopéia Popular <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>,promovida pela Articulação Pacari, e a implementação <strong>do</strong> Centro deResgate de Variedades Crioulas <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema, promovidapela Associação de Cooperação Agrícola <strong>do</strong> Pontal <strong>do</strong> Paranapanema.Como as demandas foram se tornan<strong>do</strong> crescentes e os recursos financeiroseram limita<strong>do</strong>s, foi necessário articular uma estratégia mais abrangentetanto para a captação de recursos como, principalmente, para o apoio aprojetos de resgate, valorização e uso sustentável da agrobio<strong>diversidade</strong>.Neste contexto foi desenvolvida pela DCBio/SBF e parceiros, destacan<strong>do</strong>seo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e aConfederação das Cooperativas de Reforma Agrária <strong>do</strong> Brasil(CONCRAB), a proposta <strong>do</strong>s Centros Irradia<strong>do</strong>res de Manejo da<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> (CIMAs).Os Centros Irradia<strong>do</strong>res de Manejo da <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> -CIMAsO Projeto CIMAs foi concebi<strong>do</strong> por meio de propostas apresentadaspor entidades de base representativas <strong>do</strong>s agricultores familiares eassenta<strong>do</strong>s da Reforma Agrária, a órgãos <strong>do</strong> Governo Federal queapresentam linhas de fomento a políticas públicas voltadas para aagrobio<strong>diversidade</strong>, agricultura familiar, reforma agrária e populaçõestradicionais.O público alvo <strong>do</strong>s projetos apresenta<strong>do</strong>s é composto pelos seguintessegmentos: agricultores familiares, com ênfase para os assenta<strong>do</strong>s dareforma agrária; populações tradicionais e povos indígenas.Os CIMAs são Centros de Referência de irradiação e manejo daagrobio<strong>diversidade</strong>, em particular assentamentos da reforma agrária,visan<strong>do</strong> consolidar atividades em cinco linhas temáticas principais,relacionadas à agrobio<strong>diversidade</strong> e à agricultura familiar, a saber: i)sementes crioulas; ii) plantas medicinais e produtos fitoterápicos; iii)sistemas agroflorestais; iv) manejo agroextrativista; e v) manejo animalalternativo.A concepção <strong>do</strong> projeto, foi delineada de tal mo<strong>do</strong> que as experiênciase resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s nas comunidades selecionadas para a implementaçãode cada CIMA se tornem referência para que sejam reproduzidas emultiplicadas em outras comunidades vizinhas, amplian<strong>do</strong>-se o contingentede beneficia<strong>do</strong>s pelo projeto e a conservação da agrobio<strong>diversidade</strong> napropriedade.Nesse senti<strong>do</strong>, a localização de cada CIMA é um ponto chave parato<strong>do</strong> o sucesso da proposta, deven<strong>do</strong> considerar três aspectosfundamentais: i) acúmulo de experiência na área agroecológica; ii)capacidade multiplica<strong>do</strong>ra e iii) distribuição entre os principais biomas eregiões <strong>do</strong> Brasil.Bio<strong>diversidade</strong>, 2053


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteNo primeiro quesito, estão incluídas experiências na implementaçãoe desenvolvimento de projetos de agricultura orgânica, sistemasagroflorestais, uso de plantas medicinais e produtos fitoterápicos; e projetosde conservação ambiental. É também fator determinante que a comunidadeselecionada, preferencialmente, esteja inserida em um contexto central,que lhe permita uma forte influência sobre um conjunto significativo decomunidades vizinhas, visan<strong>do</strong> a replicação das iniciativas. É aindadeterminante que a distribuição seja de âmbito nacional, e a inclusão <strong>do</strong>sCIMAs nos principais biomas terrestres brasileiros (Amazônia; Caatinga;Cerra<strong>do</strong>; Mata Atlântica, Pampa e Zona Costeira), o que acabacontemplan<strong>do</strong> todas as macro-regiões políticas (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte).A concepção <strong>do</strong> projeto prevê a necessidade da formação de agentesmultiplica<strong>do</strong>res (técnicos extensionistas, lideranças e equipe didática) e acapacitação de agricultores familiares e lideranças locais. Neste senti<strong>do</strong>,atividades tais como oficinas de formação e treinamento, visitas de campoe práticas de campo, todas sob modelos participativos, constituem-se noelemento catalisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> projeto. Pesquisa<strong>do</strong>res e técnicos com elevadacompetência nas áreas temáticas centrais <strong>do</strong> projeto, bem comoespecialistas em processos participativos, deverão ser envolvi<strong>do</strong>s.Além disso, outra estratégia associada à implementação <strong>do</strong>s CIMAsé o desenvolvimento de atividades demonstrativas, em cada uma das linhastemáticas selecionadas.Atualmente encontram-se em execução 11 CIMAs, distribuí<strong>do</strong>s por9 esta<strong>do</strong>s da federação (RS, PR, SP, ES, GO, AL, RN, CE e MA) equatro biomas (Caatinga, Cerra<strong>do</strong>, Mata Atlântica e Pampa). Os projetosenvolvem diretamente um contingente de cinco mil famílias de agricultores,as quais deverão ser capacitadas e beneficiadas pelos projetos, eindiretamente 35 mil famílias. Encontra-se em fase avançada deplanejamento mais 11 projetos para a implantação de CIMAs.André StellaSementes Crioulas -Anchieta / SCResulta<strong>do</strong>s Espera<strong>do</strong>sRede Nacional de <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong>Cada CIMA ao final da execução <strong>do</strong>projeto deverá possuir áreas demonstrativas queservirão como fonte para a irradiação dasvariedades e das atividades. Agricultores eintegrantes das comunidades locais que nãoparticiparam diretamente das atividades deimplementação <strong>do</strong> projeto poderão conhecer naprática os resulta<strong>do</strong>s das novas atividades.Outro resulta<strong>do</strong> será o estabelecimento deuma rede entre os diversos CIMAs, com afinalidade de promover o intercâmbio deexperiências, tecnologias e material genético. Os54 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalprimeiros CIMAs deverão constituir a base para oenriquecimento da bio<strong>diversidade</strong> cultivada (resgate,valorização e uso de componentes da agrobio<strong>diversidade</strong>);<strong>do</strong> fortalecimento e empoderamento da sociedade civil(capacitação, formação e associativismo); <strong>do</strong> resgate e davalorização da <strong>diversidade</strong> <strong>cultural</strong> das comunidades rurais,locais e povos indígenas (intercâmbio de experiências etecnologias de uso sustentável da agrobio<strong>diversidade</strong>). Esperaseque estas experiências estabeleçam as condições para ademanda e a consolidação de novos Centros de Referência,a partir daqueles já estabeleci<strong>do</strong>s.Cada Centro Irradia<strong>do</strong>r deverá estabelecer, ao longoda execução <strong>do</strong> projeto, um banco comunitário de sementescrioulas. Esta estrutura será fundamental para a segurançaalimentar <strong>do</strong>s agricultores, pois em momentos de escassezde sementes servirá como reserva estratégica de propágulos.Além disso, permitirá o intercâmbio de sementes com outrosagricultores e outras regiões, contribuin<strong>do</strong> para a autonomiada agricultura familiar na produção agrícola. Ao final <strong>do</strong> projetoestará consolidada, então, a estrutura inicial de uma redenacional de sementes crioulas, com bancos comunitários de sementescrioulas distribuí<strong>do</strong>s por diversos esta<strong>do</strong>s da federação. De maneiraanáloga, a rede <strong>do</strong>s CIMAs permitirá o intercâmbio de material genéticoe de experiências relaciona<strong>do</strong>s às outras linhas temáticas <strong>do</strong>s projetos,destacan<strong>do</strong>-se o uso sustentável de plantas medicinais; os sistemas deprodução delinea<strong>do</strong>s como SAFs; o manejo sustentável de recursos dabio<strong>diversidade</strong> nativa e a a<strong>do</strong>ção de técnicas de manejo animal alternativo.QUADRO 1 – Resulta<strong>do</strong>s espera<strong>do</strong>s para os projetos da primeira esegunda fase <strong>do</strong>s Centros Irradia<strong>do</strong>res de Manejo da <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong>.Agricultor em feira daFesta <strong>do</strong> Milho,apresentan<strong>do</strong>variedades de sementescrioulas.André Stella- 22 projetos em execução, com distribuição em 15 esta<strong>do</strong>s, nas cincoregiões político-administrativas e nos principais biomas terrestresbrasileiros (Amazônia, Caatinga, Cerra<strong>do</strong>, Mata Atlântica, Pampa eZona Costeira);- Envolvimento direto de dez mil famílias de agricultores, na área <strong>do</strong>sCIMAs, e de 70 mil famílias, indiretamente, no entorno;- Capacitação de 700 multiplica<strong>do</strong>res (técnicos rurais e agricultores)- Realização de 200 cursos de capacitação de agricultores e técnicosrurais;- Fortalecimento <strong>do</strong>s sistemas de troca de sementes e de experiênciasentre agricultores e estabelecimento da Rede Nacional de SementesCrioulas.Bio<strong>diversidade</strong>, 2055


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteMarcos GuiãoConservação genética na propriedade (on farm)A conservação na propriedade (on farm), é umimportante componente da conservação e da seleçãode recursos genéticos, sen<strong>do</strong> praticada pelosagricultores há milênios. Esse tipo de conservação sefundamenta num contínuo processo de evolução eadaptação, onde novos variantes surgem e sãodesafia<strong>do</strong>s pela seleção natural e artificial (antrópica).As variedades crioulas ou locais (Landraces),mantidas neste processo de conservação na propriedade,apresentam alta <strong>diversidade</strong> genética(fenotípica e genotípica) e interface entre os tipossilvestres e <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>s (manipula<strong>do</strong>s). No Peru foramidentificadas aproximadamente 6.500 variedadescrioulas de batatinha e nas Filipinas o IRRI já catalogou78.000 acessos de arroz considera<strong>do</strong>s crioulos. A<strong>diversidade</strong> agrícola não é só o produto da seleção emambientes diversos, mas também reflete a preferênciahumana.Variedade crioula é uma variedade local, ouregional, de <strong>do</strong>mínio de povos indígenas, comunidadeslocais ou quilombolas ou pequenos agricultores,composta de genótipos com ampla <strong>diversidade</strong> genética adapta<strong>do</strong>s ahabitats específicos, como resulta<strong>do</strong> de seleção natural combinada com apressão da seleção humana no ambiente local.Lega<strong>do</strong> ao longo das gerações, além de recursos genéticos, sãorepositórios de conhecimento tradicional associa<strong>do</strong> acumula<strong>do</strong> ao longo<strong>do</strong> tempo. As variedades crioulas são altamente adaptadas à agriculturafamiliar, pois a <strong>diversidade</strong> persiste não somente devi<strong>do</strong> à seleção natural,mas porque agricultores optam por mantê-las.Todas as linhas temáticas <strong>do</strong>s CIMAs têm, devi<strong>do</strong> à sua essênciaagroecológica, associação com a prestação de serviços ambientais. Aconservação de variedades crioulas na propriedade, por exemplo, auxiliana recuperação/formação de solo, assim como para o equilíbrio <strong>do</strong>agroecossistema. Os sistemas agro-florestais (SAFs) contribuem para aretenção de água; para o seqüestro de carbono e podem ser eficientesestratégias de recuperação de áreas degradadas. O manejo de recursosnativos da bio<strong>diversidade</strong> contribui para a conservação de ecossistemas epara a redução <strong>do</strong> desmatamento.Plantas Medicinais e FitoterápicosO uso comunitário de plantas medicinas, incluin<strong>do</strong> a preparação deremédios populares, constitui-se em prática mais difundida <strong>do</strong> que se divulgaoficialmente. A importância <strong>do</strong> uso adequa<strong>do</strong> desta parcela dabio<strong>diversidade</strong> transcende as questões relativas à conservação dabio<strong>diversidade</strong>, inclui também elementos <strong>do</strong> desenvolvimento econômico56 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturale social e da valorização da cultura brasileira. Estas práticas contribuemfortemente para a conservação da agrobio<strong>diversidade</strong>, bem como para ouso sustentável <strong>do</strong> recursos naturais.Além disso, as plantas medicinais, bem como as aromáticas e outrasbioativas, contém vasto acervo de conhecimento tradicional associa<strong>do</strong> ecompreendem, por isso, uma parcela da bio<strong>diversidade</strong> de alto valor einteresse para o desenvolvimento tecnológico.O Resgate da CidadaniaA vida tem duas propriedades fundamentais: a habilidade de reproduzire multiplicar e a habilidade de adaptar, mudar e evoluir. A primeirapropriedade nos deu a agricultura, a segunda, a seleção (Berlan &Lewontin, 1999). Ambas foram manuseadas com sucesso pelosagricultores, mesmo na ausência de conhecimento científico.Segun<strong>do</strong> estes autores, a riqueza das variedades agrícolas foi criadapor agricultores de to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, em especial aqueles <strong>do</strong> terceiro mun<strong>do</strong>.A <strong>do</strong>mesticação e a seleção feita por agricultores por milhares de anosgerou uma herança biológica que beneficiou as nações industrializadas. Aagricultura americana, por exemplo, foi construída em cima destes recursos,livremente importa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Não é justo que poucascompanhias agora se apropriem desta herança biológica universal.O aumento (sem precedentes) nas colheitas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> industrializa<strong>do</strong>,assim como <strong>do</strong> terceiro mun<strong>do</strong>, pode ser atribuída ao livre movimento deconhecimento, recursos e à pesquisa pública. As colheitas aumentaram 5vezes em duas gerações, depois de serem necessárias 15 geraçõesanteriores para esta colheita <strong>do</strong>brar. Na década de 70 quase to<strong>do</strong>s oshíbri<strong>do</strong>s americanos de milho resultaram <strong>do</strong> cruzamento de duas linhagens,originadas de programas de melhoramento de universidade públicas. Aexperiência mostra que o custo de privatizar o ‘progresso genético’ é eserá exorbitante.Desistir <strong>do</strong>s direitos sobre esta herança significa liberar o complexogenético-industrial para direcionar o progresso tecnológico unicamentepara os lucros. Portanto, é oportuno e necessário, retomar o processo emque os agricultores são agentes <strong>do</strong> processo, como condição necessáriapara retomar a autonomia sobre as sementes crioula.Perspectivas FuturasO novo impulso à agrobio<strong>diversidade</strong> se constitui num passo de muitosque ainda estão no caminho. Destaca-se a necessidade de:· Organização e ampliação <strong>do</strong> conhecimento científico e <strong>do</strong> conhecimentotradicional associa<strong>do</strong> ao uso <strong>do</strong>s recursos genéticos;· Ampliação <strong>do</strong> público-alvo para outras comunidades da agriculturafamiliar, povos indígenas e comunidades locais;· Valorização e promoção das práticas de manejo comunitário <strong>do</strong>srecursos genéticos associa<strong>do</strong>s a incentivos à agricultura familiar;Bio<strong>diversidade</strong>, 2057


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente· Promoção da troca de experiências e apoio às inovações desenvolvidaspelas comunidades locais, indígenas e da agricultura familiar e aos avanços<strong>do</strong> manejo através de técnicas avançadas;· Promoção e ampliação <strong>do</strong> diálogo entre os saberes científico etradicional;· Busca permanente <strong>do</strong> uso sustentável da bio<strong>diversidade</strong> consideran<strong>do</strong>todas as suas dimensões: econômica, social, política, <strong>cultural</strong>, ecológica eética.· Elaboração de um amplo programa nacional para a agrobio<strong>diversidade</strong>,que concilie os diversos níveis de complexidade da agrobio<strong>diversidade</strong>:<strong>diversidade</strong> étnica, <strong>cultural</strong> e biológica.Referências Bibliográficas:BERLAN, J.P. & LEWONTIN, R.C. Menace of the genetic-industrial complex. LeMonde Diplomatique. Janeiro de 1999, p8.BRASIL. Plano-Plurianual 2004-2007: orientações estratégicas de governo.Disponível no endereço: http://www.sigplan.gov.br/arquivos/Download/ppa2004-2007/Portal/Anexo_I.pdf. Acesso em 10/08/2005.BRASIL. Decreto Legislativo n° 2, de 03 de fevereiro de 1994. Aprova o texto daConvenção sobre Diversidade Biológica, assinada durante aConferência das Nações Unidas sobre <strong>Meio</strong> Ambiente eDesenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, no perío<strong>do</strong> de 5 a14 de junho de 1992. Disponível no endereço: http://www.brasil.gov.br/servicos.asp. Acesso em 15/08/2005.BRASIL. Decreto n° 2.519, de 16 de março de 1998. Promulga a Convenção sobreDiversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junhode 1992. Disponível no endereço: http://www.brasil.gov.br/servicos.asp. Acesso em 15/08/2005.BRASIL. Decreto 4.339, de 22 de agosto de 2002. Institui os Princípios e as Diretrizespara a Implementação da Política Nacional da Bio<strong>diversidade</strong>.Disponível no endereço: http://www.brasil.gov.br/servicos.asp.Acesso em 15/08/2005.BRASIL. Lei 10.711, de 05 de agosto de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional eSementes e Mudas e dá outras providências. Disponível noendereço: http://www.brasil.gov.br/servicos.asp. Acesso em 10/08/2005. Acesso em 10/08/2005.BRASIL. Decreto 5.153, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o Sistema Nacional deSementes e Mudas e dá outras providências. Disponível noendereço: http://www.brasil.gov.br/servicos.asp. Acesso em 10/08/2005.CONVENÇÃO sobre Diversidade Biológica: Conferência para A<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> TextoAcorda<strong>do</strong> da CDB – Ato Final de Nairobi. Brasília: MMA/SBF,2000. 60p. (Bio<strong>diversidade</strong> 2).CONVENTION on Biological Diversity: Handbook of the CDB. Montreal, 2003.2nd. ed. 937p.ESTRATEGIA de la OMS Organización Mundial de la Salud sobre medicinatradicional 2002 – 2005. Ginebra: OMS, 2002. 65p. Disponible porcorreo electrónico a: zhangx@who.intGUANZIROLI, C.E. & CARDIM, S.E. de C.S. (Coord.). Novo Retrato da AgriculturaFamiliar: O Brasil Redescoberto. Brasília: INCRA/FAO, 2000.Disponível no endereço: http://www.incra.gov.br/sade/default.asp. Acesso em 10/08/2005.INTERNATIONAL Treaty on Plant Genetic Resources for Food and Agriculture.Rome: FAO, 2002. 45p. Available in the site: ftp://ext-ftp.fao.org/ag/cgrfa/it/ITPGRe.pdf. Access on 15/08/2005.58 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalMarcos GuiãoUso Popular de PlantasMedicinais <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>FarmacopéiaPopularBatata de purga.Articulação PACARI 1ContextoO Cerra<strong>do</strong>, bioma forma<strong>do</strong> por paisagem diversificada, de vegetaçãoaberta e ambientes caracteriza<strong>do</strong>s pela luz, é detentor de umaparcela significativa da bio<strong>diversidade</strong> <strong>do</strong> planeta e possui inestimávelpatrimônio <strong>cultural</strong>.O seu rico sistema de ambientes expressa verdadeira profusão deraízes, cascas, resinas, óleos, folhas, argilas, recursos naturais que sãoprimorosamente maneja<strong>do</strong>s por suas populações para a prática da medicinapopular.As plantas medicinais <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> são usadas nos cuida<strong>do</strong>s da famíliaprincipalmente pelas mulheres, ou em atendimentos de saúde por conhece<strong>do</strong>restradicionais e grupos organiza<strong>do</strong>s nas comunidades.Os conhece<strong>do</strong>res tradicionais, reconheci<strong>do</strong>s como raizeiro, raizeira,benze<strong>do</strong>r, benzedeira, parteira, parteiro, entre outras denominações, sãoespecialistas em caracterizar os ambientes <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>, identificar suasplantas medicinais, coletar partes medicinais de uma planta, diagnosticar1 - A Articulação PACARI é uma rede sócio-ambiental formada por grupos comunitários,ONG´s e pessoas que trabalham com plantas medicinais <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>, em 14 regiões <strong>do</strong>sesta<strong>do</strong>s de MG, GO, MS, TO e MA.Bio<strong>diversidade</strong>, 2059


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente<strong>do</strong>enças, preparar e indicar remédios.O atendimento de saúde é realiza<strong>do</strong> em seu local de moradia, ondetambém preparam os remédios de plantas medicinais, em farmácias caseiras.Conforme a sua especialidade, fazem benzimentos e orações, indicamremédios, dietas, banhos, etc.Já os grupos comunitários se organizam principalmente em farmáciaspopulares de plantas medicinais 2 , que são locais nas comunidades aondese realiza atendimentos de saúde e são prepara<strong>do</strong>s artesanalmente remédiosde plantas medicinais.Os grupos se tornam referência nestas comunidades, sen<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong>spela eficácia de seus tratamentos e exercício de uma prática de saúdeconfiável, afetuosa e solidária, que tem como característica a facilidade deacesso ao remédio, que são vendi<strong>do</strong>s a baixo custo, <strong>do</strong>a<strong>do</strong>s a quem nãopode pagar ou troca<strong>do</strong>s por outro bem como rapadura, plantas, etc.Marcos GuiãoFarmácia PopularBásica - Balsas - MA.O uso de plantas medicinais por grupos popularesOs grupos populares são forma<strong>do</strong>s principalmente por pessoas ligadasa organizações sociais como pastorais da saúde e da criança, associaçõesde mora<strong>do</strong>res, grupo de mulheres, sindicatos de trabalha<strong>do</strong>res rurais,entre outros.As formulações <strong>do</strong>s remédios de plantas medicinais são receitas antigasrepassadas entre gerações e/ou adquiridas através de oficinas e cursos.Estes remédios possuem formas diversificadas, como chás, xaropes,pomadas, garrafadas, tinturas, pílulas, óleos, entre outros.Os critérios para que o remédio seja considera<strong>do</strong> de boa qualidadesão relaciona<strong>do</strong>s às boas práticas de quem o prepara, ou seja, aos cuida<strong>do</strong>sde higiene e limpeza, aos conhecimentos sobre a identificação e procedênciadas plantas utilizadas, às quantidades bem <strong>do</strong>sadas, e aos materiais,utensílios e embalagens adequa<strong>do</strong>s.As plantas medicinais utilizadas são cultivadas em hortas e quintais oucoletadas em ambientes de Cerra<strong>do</strong> pelos próprios participantes <strong>do</strong>s grupos,ou ainda compradas de raizeiros e em merca<strong>do</strong>s.Os utensílios são consagra<strong>do</strong>s pela práticapopular, que muitas vezes são feitos a partir derecursos naturais como pilões e colheres de paude madeira nativa como jatobá e pequi, especialmenterecomendadas por sua durabilidade epor não ficarem impregna<strong>do</strong>s por substânciasdiversas.A indicação e a <strong>do</strong>se de um remédio sãoprimordiais para a sua segurança e eficácia. A <strong>do</strong>se2 - O termo “farmácia popular de plantas medicinais” foidefini<strong>do</strong> coletivamente por grupos comunitários que participamda Articulação Pacari.60 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalpara adultos, i<strong>do</strong>sos, gestantes, crianças e bebêsé conferida e respaldada pela experiência de quemindica e pela história da eficácia <strong>do</strong> remédio.As pessoas atendidas são registradas principalmenteem fichas e cadernos. A eficácia <strong>do</strong>remédio é acompanhada por esse registro que écomposto pelo nome da pessoa, idade, endereço,queixa da <strong>do</strong>ença, remédio indica<strong>do</strong> e <strong>do</strong>serecomendada.A responsabilidade sobre os remédios indica<strong>do</strong>sé <strong>do</strong> grupo, que normalmente tem umapessoa coordena<strong>do</strong>ra que responde pelos resulta<strong>do</strong>s<strong>do</strong> trabalho realiza<strong>do</strong>.Valores atribuí<strong>do</strong>s de fé, solidariedade egenerosidade também são associa<strong>do</strong>s a eficácia <strong>do</strong> remédio. Quem preparao remédio, faz com o sentimento de curar: “a nossa grande diferença<strong>do</strong>s laboratórios é que nós sabemos para quem o remédio está sen<strong>do</strong>feito”.Os seus participantes geralmente realizam trabalho voluntário e emalguns casos recebem ajuda de custo ou um salário mensal. O trabalho<strong>do</strong>s grupos se sustenta principalmente pela venda de remédios, <strong>do</strong>ações eapoios de igrejas, ONG’s (organizações não governamentais), prefeituras,sindicatos e agências de cooperação.A partir da experiência vivenciada, os grupos promovem oficinas ecursos de plantas medicinais para outros grupos, comunidades e regiões,trocam informações, realizam intercâmbios e se articulam através de redessócio-ambientais.Farmácia Popular emBelo Horizonte.Marcos GuiãoBio<strong>diversidade</strong>, 2061


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteMarcos GuiãoColeta da cascada PacariArticulação Pacari – Plantas Medicinais<strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>A Pacari é uma árvore de campo manso,boca de chapada ou Cerra<strong>do</strong> agreste e ao seencontrar uma árvore, encontra-se muitas outras,porque ela é planta estanhadeira, espalhasuas sementes pelo vento 3 .Esta árvore foi escolhida como o símbolode uma articulação que reúne pessoas, gruposcomunitários e ONG’s (organizações não governamentais)que trabalham com plantas medicinaise estão espalhadas pelo bioma Cerra<strong>do</strong>.Os ventos que sopraram e trouxeram a sementedesta articulação foi a Rede Cerra<strong>do</strong> deONG’s e a Rede de Plantas Medicinais da América <strong>do</strong> Sul, em 1999.Esta semente encontrou sua terra mãe na REDE – Rede de Intercâmbiode Tecnologias Alternativas 4 , que a preparou para germinar ereceber no tempo das águas as suas primeiras chuvas.As primeiras chuvas vieram, em 2000, através <strong>do</strong> projeto “Intercâmbioe Articulação de Experiências de Plantas Medicinais <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>”apoia<strong>do</strong> pelo PPP/GEF/PNUD 5 , e em 2002, através <strong>do</strong> projeto “Redede Plantas Medicinais <strong>do</strong> Cone Sul” apoia<strong>do</strong> pelo IDRC 6 .A planta que nasceu começou a conhecer seu ambiente através dediagnósticos participativos sobre o trabalho de saúde e meio ambientedesenvolvi<strong>do</strong> por diversos grupos comunitários nos esta<strong>do</strong>s de MinasGerais, Goiás e Tocantins.A meto<strong>do</strong>logia utilizou o símbolo da “árvore <strong>do</strong> trabalho” que identificouas potencialidades e dificuldades de cada grupo. Os diagnósticosproporcionaram um conhecimento mútuo entre os grupos e o planejamentoparticipativo de um trabalho articula<strong>do</strong>, a “arvore da articulação”.A arvore da articulação foi batizada pelo nome de Pacari, em junho de2002, no I Encontro Nacional de Articulação e Intercâmbio de Experiênciascom Plantas Medicinais <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>, na cidade de Ceres (GO). Nesteencontro, uma mão coletiva escreveu a sua certidão de nascimento, a “Cartade Ceres”, conten<strong>do</strong> os princípios que fundamentam a sua vida.A PACARI cresceu, criou brotos e fortaleceu seus galhos através depesquisas, intercâmbios, capacitações, publicações, encontros e participaçãoem espaços políticos.Hoje, a árvore vive em um campo sócio-ambiental que envolve aproximadamente80 organizações de 13 regiões <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s de Minas Gerais,Goiás, Mato Grosso <strong>do</strong> Sul, Tocantins e Maranhão.De seus galhos floresceram os ideais de elaborar a Farmacopéia3 - Referência da Farmacopéia Popular <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>4 - REDE – Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas é uma ONG (organização nãogovernamental) que exerceu a secretaria executiva da Articulação Pacari de 1999 a 2004.5 - PPP-GEF-PNUD – Programa de Pequenos Projetos – Fun<strong>do</strong> Mundial para o <strong>Meio</strong>Ambiente –Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento6 - IDRC – Centro Internacional de Investigação para o Desenvolvimento62 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalPopular <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> 7 e auto-regular as Farmácias Populares de PlantasMedicinais, com o objetivo de se alcançar o reconhecimento social damedicina popular e contribuir para o uso sustentável <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>.Estes frutos começam amadurecer e as suas sementes são esperadaspor quem está aprenden<strong>do</strong> a arte de manejar o projeto político da Pacari.Farmácias populares de plantas medicinaisOs locais de preparação de remédios de plantas medicinais utiliza<strong>do</strong>spelos grupos foram caracteriza<strong>do</strong>s coletivamente pela Pacari em 04tipos de farmácias populares: itinerante, caseira, básica e estruturada.A farmácia popular itinerante é o conjunto de utensílios e materiaisindispensáveis à preparação de remédios que podem ser transporta<strong>do</strong>s poruma pessoa em uma bolsa ou sacola.Este tipo de farmácia é utiliza<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se deseja realizar oficinas oucursos e para sua preparação são necessárias informações prévias sobreas condições <strong>do</strong> local aonde será realizada a capacitação, os remédiosque serão prepara<strong>do</strong>s conforme interesse da comunidade, materiais einsumos que a comunidade pode oferecer.No local da prática organiza-se uma cozinha utilizan<strong>do</strong> recursos básicoscomo mesa, fogão e fonte de água potável. O espaço pode ser acozinha de uma escola ou de uma casa, um galpão de uma igreja, umsalão de um sindicato rural, uma sala de associação de bairro, uma barracade assentamento, entre outros.Na bolsa são leva<strong>do</strong>s utensílios de medida, panelas, copos, vidros,instrumento para cortar e triturar, vasilhas para misturar e filtrar líqui<strong>do</strong>s,colheres de pau, material de limpeza, embalagens e rótulos. Estes utensíliose materiais são os mais próximos às condições da comunidade, paraque após a oficina, as práticas possam ser reproduzidas.As principais formas de preparação são chás, garrafadas, xaropes epomadas. A maioria <strong>do</strong>s ingredientes usa<strong>do</strong>s nas receitas são provenientesda comunidade e as plantas medicinais são as mais conhecidas na região.As embalagens são simples, de menor custo, sen<strong>do</strong> as de vidro geralmentereaproveitadas através de esterilização.A estrutura organizada se desfaz quan<strong>do</strong>finaliza a oficina, os remédios prepara<strong>do</strong>s sãodistribuí<strong>do</strong>s entre os participantes, e os materiaise utensílios são recoloca<strong>do</strong>s na bolsa da farmáciaitinerante.A farmácia popular caseira é o espaçode uma cozinha <strong>do</strong>méstica adapta<strong>do</strong> para prepararremédios com plantas medicinais e utilizaestruturas básicas como mesa, pia com águacorrente e fogão.7 A Farmacopéia Popular <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> é uma referênciateórica sobre o uso e manejo sustentável de plantas medicinais<strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> a partir de conhecimentos tradicionais.Bio<strong>diversidade</strong>, 20FarmáciaPopularEstruturada - AltoJequitinhonha63Marcos Guião


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteOs utensílios e materiais utiliza<strong>do</strong>s para a preparação <strong>do</strong>s remédiossão separa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s utiliza<strong>do</strong>s na cozinha da família e ficam de uso exclusivoda farmácia caseira, em um espaço reserva<strong>do</strong>, como um armário. Nestelocal são guarda<strong>do</strong>s panelas, copos, potes de medida, vidros, balança <strong>do</strong>méstica,vasilhas para misturar e filtrar líqui<strong>do</strong>s, colheres de pau, facas, peneiras,funil, embalagens, rótulos, entre outros.A farmácia caseira é o tipo de farmácia que mais existe nas comunidadese são formadas principalmente por pessoas da própria família, comocasais ou mães e filhas, ou por um pequeno grupo, em geral duas a trêspessoas da mesma comunidade.A farmácia caseira se sustenta principalmente através da venda deremédios e a renda gerada muitas vezes é aplicada na melhoria de suainfra-estrutura e aquisição de equipamentos, como panelas de pressão,balanças de maior precisão, entre outros.Para exemplificar podemos citar a farmácia caseira de Fernan<strong>do</strong> eTantinha, mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bairro Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte (MG),que atende em média 90 pessoas por mês, produz 48 tipos diferentes deremédios, utiliza 81 espécies medicinais (53 cultivadas e 28 nativas <strong>do</strong>Cerra<strong>do</strong>) e gera uma renda líquida mensal para a família de R$ 400,00(quatrocentos reais).A farmácia popular básica tem praticamente as mesmas característicasda farmácia caseira e se diferencia por possuir espaço próprio, emlocal específico na comunidade, e aberta ao público em geral.A sua estrutura é simples, construída ou adaptada exclusivamentepara o trabalho de preparação de remédios com plantas medicinais. Possuigeralmente um ou <strong>do</strong>is cômo<strong>do</strong>s (salas) e um banheiro, além de umahorta de plantas medicinais.Apresenta critérios sanitários como paredes laváveis, bancadas earmários fecha<strong>do</strong>s. Os utensílios utiliza<strong>do</strong>s são adequa<strong>do</strong>s a uma maior eregular demanda de produção de remédios, além de já apresentar algunsequipamentos como destila<strong>do</strong>r de água, sela<strong>do</strong>ra de plástico e estufa paraesterilizar vidros.A dinâmica desta farmácia envolve um maior número de pessoas, emmédia 03 a 06 participantes, geralmente mulheres. Este grupo normalmentepossui uma longa história com o trabalho de saúde e é referência nacomunidade sobre orientação preventiva e tratamento de <strong>do</strong>enças.Esta categoria de farmácia também se caracteriza por uma maiorvariedade de formas de remédios prepara<strong>do</strong>s, em média 14 formas: garrafada;tintura; xarope; vinagre medicinal; pomada; creme; sãbao/sabonete;pílula; bala medicinal ou pastilha; <strong>do</strong>ce ou geléia medicinal; óleomedica<strong>do</strong>; pó; chá (planta seca); e multimistura.Destas formas são produzi<strong>do</strong>s em média 40 tipos de remédios como uso médio de 70 espécies de plantas medicinais, sen<strong>do</strong> 30% de nativas<strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>.A sustentabilidade <strong>do</strong> trabalho é obtida principalmente pelas vendas <strong>do</strong>sremédios. A receita da farmácia cobre os custos fixos (insumos, luz, água, etc)e remunera as pessoas envolvidas através de “ajuda de custo” e em alguns64 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalcasos através de salário com carteira assinada porigrejas e associações.Já a farmácia popular estruturada se assemelhaa um pequeno laboratório em relação àinfra-estrutura interna, equipamentos e capacidadeoperacional.O espaço geralmente apresenta divisõesinternas para atendimento de saúde ao público,entrega de remédios, almoxarifa<strong>do</strong> (armazenamentode materiais e/ou plantas secas), cozinha,sala de manipulação, seca<strong>do</strong>r de plantas,área de serviço, vestiário e banheiros.Apresenta também maior número de equipamentose utensílios, como vidrarias de medida,destila<strong>do</strong>r de água, estufa para esterilizar vidros e balança de precisão, oque lhe confere maior capacidade de produção.O processo de preparação <strong>do</strong>s remédios obedece aos mesmoscritérios de controle de qualidade a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s nos outros tipos de farmáciase os remédios se caracterizam como artesanais.Os recursos para a construção da farmácia e compra de equipamentossão quase sempre provenientes de apoios de entidades/agênciasde cooperação através da elaboração de projetos pelas organizaçõescomunitárias.A farmácia é aberta ao público em geral, funciona com regularidadede horários, e geralmente atende usuários de diversas cidades e comunidadesda região.A venda de remédios proporciona a sustentabilidade da farmácia, geran<strong>do</strong>recursos para a reposição contínua de insumos e materiais, manutenção<strong>do</strong>s equipamentos e pagamento das pessoas envolvidas no trabalho.Dentre as experiências comunitárias existem poucas farmácias popularesestruturadas.Capacitação derepresentantescomunitários econhece<strong>do</strong>resMarcos GuiãoBoas práticas populares de preparação de remédios deplantas medicinaisDiversos grupos expressaram sua preocupação e receio de prestarum serviço informal de saúde à comunidade, principalmente sem o reconhecimentodesta prática por políticas públicas.A estratégia identificada pela Articulação Pacari para superar estainsegurança foi a capacitação <strong>do</strong>s grupos, na perspectiva de fortalecer atroca de experiências, introduzir informações técnicas/científicas e discutiras políticas sobre plantas medicinais.Essa demanda resultou na realização de cursos de extensão denomina<strong>do</strong>s“Boas Práticas Populares de Manipulação e Manejo de PlantasMedicinais <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>”, com a duração de 200 horas/aula, realiza<strong>do</strong>sem parceria com a Universidade Católica de Goiás e o Núcleo deCiências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais, nos anosBio<strong>diversidade</strong>, 2065


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteMarcos GuiãoBatata de purga.de 2003, 2004 e 2005.Um <strong>do</strong>s principais resulta<strong>do</strong>s foi a elaboraçãocoletiva de propostas técnicas de controlede qualidade para a preparação de remédios deplantas medicinais, através <strong>do</strong> levantamento deto<strong>do</strong>s os procedimentos operacionais (mo<strong>do</strong>s defazer) das atividades desenvolvidas em uma farmáciapopular de plantas medicinais.Os procedimentos operacionais mais discuti<strong>do</strong>se trabalha<strong>do</strong>s são relativos a limpeza eesterilização, utilização de utensílios e embalagens,confecção de rótulos, identificação, coletae secagem de plantas.A observação de to<strong>do</strong>s os procedimentos deuma atividade gera um conjunto de critérios que foram defini<strong>do</strong>s pelos participantes<strong>do</strong>s cursos por POP 8 -POP (procedimentos operacionais padroniza<strong>do</strong>spopulares).A orientação dada pelo POP-POP leva a uma padronização, ou seja,todas as pessoas que trabalham em uma farmácia vão preparar um determina<strong>do</strong>remédio obedecen<strong>do</strong> aos mesmos critérios, o que contribui parao seu controle de qualidade.A padronização <strong>do</strong>s procedimentos das atividades não interfere na<strong>diversidade</strong> <strong>cultural</strong> de seus mo<strong>do</strong>s de fazer, nem quer dizer que as receitastradicionais de remédios são modificadas. Apenas, o mo<strong>do</strong> de fazer éavalia<strong>do</strong>, pode ser melhora<strong>do</strong>, ordena<strong>do</strong> passo a passo e registra<strong>do</strong>, deforma a permitir a reprodução das técnicas populares de manipulaçãopara um mesmo remédio em uma farmácia.O registro <strong>do</strong> POP-POP de um remédio por si só não garante seucontrole de qualidade, pois a segurança de sua preparação estáprioritariamente relacionada com a experiência acumulada <strong>do</strong> ofício defazer remédio.Os POP-POP´s também são peculiares a cada grupo ou cultura eimprescindíveis para a qualidade <strong>do</strong> remédio, como a oração antes deiniciar a sua preparação e o sentimento de carinho: “às 7:00 horas damanhã, o grupo desloca-se para a horta onde vai fazer com to<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>e carinho a coleta das ervas medicinais” (pop-pop de xarope/casa damedicin <strong>do</strong> povo indígena Xacriabá).Auto-regulação de farmácias populares de plantasmedicinaisA capacitação <strong>do</strong>s grupos para organizar e registrar o controle dequalidade de suas farmácias populares, através <strong>do</strong>s POP-POP´s, contribuiupara o sentimento de segurança no trabalho e despertou para a ne-8 - POP (procedimentos operacionais padroniza<strong>do</strong>s) é um termo técnico para a descriçãopormenorizada de técnicas e operações a serem utilizadas em uma farmácia, visan<strong>do</strong> protegere garantir a preservação da qualidade das preparações manipuladas e a segurança <strong>do</strong>smanipula<strong>do</strong>res (Regulamento técnico de boas práticas de manipulação da resolução 33 de19 de abril de 2000 – Agência Nacional de Vigilância Sanitária).66 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalcessidade da construção de uma proposta técnica ampla e articulada entreas diversas farmácias populares.A proposta foi denominada auto-regulação de farmácias popularesde plantas medicinais, e tem o objetivo de proporcionar a troca de informaçõese se tornar uma discussão política para o reconhecimento social daprática da medicina popular.Esta proposta se iniciou com a elaboração da Farmacopéia Popular<strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>, que é uma referência teórica sobre a ecologia, o manejo e ouso sustentável das plantas medicinais <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> ou de suas partes (casca,raiz, etc) a ser utilizada pelos grupos.A Farmacopéia Popular está sen<strong>do</strong> elaborada junto a diferentes atoressociais (conhece<strong>do</strong>res tradicionais, representantes comunitários, técnicos,estudantes e pesquisa<strong>do</strong>res) através da meto<strong>do</strong>logia de diálogo desaberes, com o objetivo de complementação de conhecimentos tradicionaise científicos.Outra questão diagnosticada e prioritária para a auto-regulação é ademanda crescente de compra de plantas nativas, principalmente peladificuldade de acesso <strong>do</strong>s grupos às áreas conservadas de Cerra<strong>do</strong> ouencontrar algumas espécies de interesse próximas às comunidades.Quan<strong>do</strong> as plantas nativas são compradas há necessidade de informaçõesquanto ao local de coleta (não poluí<strong>do</strong>); técnicas de coleta sustentáveis;horário de coleta adequa<strong>do</strong> e fase da lua; processo de secagem comtemperaturas adequadas; armazenagem e transporte sem contaminações.É difícil ter certeza que os critérios de qualidade descritos acimaestão sen<strong>do</strong> respeita<strong>do</strong>s por comerciantes, principalmente em merca<strong>do</strong>s,lojas especializadas e por raizeiros desconheci<strong>do</strong>s.A partir desta necessidade, a PACARI está desenvolven<strong>do</strong> uma experiênciapiloto de plano de manejo sustentável de plantas medicinais, emuma reserva de Cerra<strong>do</strong>, de uma propriedade rural familiar, no municípiode Goiás (GO), para atender prioritariamente a demanda de 06 farmáciaspopulares da região.A aquisição de plantas nativas tem se torna<strong>do</strong> um desafio de autonomia,confiabilidade e sustentabilidade para os grupos e um fator primordialde controle de qualidade <strong>do</strong>s remédios produzi<strong>do</strong>s.Outro instrumento defini<strong>do</strong> para a autoregulaçãoé o registro <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e conhecimentostradicionais gera<strong>do</strong>s em uma farmácia popular,com a finalidade de serem sistematiza<strong>do</strong>s,avalia<strong>do</strong>s, divulga<strong>do</strong>s e protegi<strong>do</strong>s de apropriaçõesindevidas.Um exemplo é o banco de da<strong>do</strong>s desenvolvi<strong>do</strong>na Farmácia Popular São Francisco 9 ,9 - A Farmácia Popular São Francisco se localiza na região<strong>do</strong> Alto Jequitinhonha, Minas Gerais, realiza atendimento aopúblico apenas uma vez por semana e utiliza o sistema de<strong>do</strong>ação de remédios (nenhum remédio é vendi<strong>do</strong>).Bio<strong>diversidade</strong>, 20Saída de campopara capacitaçãocom representantescomunitários econhece<strong>do</strong>res t.jpg67Marcos Guião


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteMarcos GuiãoColeta de plantasCroatá.que informou o atendimento de 1068 pessoasdurante o ano de 2004, provenientes de 43 cidadesou comunidades da região, com o customédio por usuário de R$ 0,76. Cada usuáriorecebeu através de <strong>do</strong>ação em média 2,3 remédios,utiliza<strong>do</strong>s para o tratamento de 219 queixasdiferentes de <strong>do</strong>enças ou sintomas, através<strong>do</strong> uso de 149 plantas (73 nativas <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong> e76 cultivadas em hortas).As farmácias populares são verdadeiroslaboratórios culturais, aonde conhecimentos tradicionaissão experimenta<strong>do</strong>s, preserva<strong>do</strong>s e/outransforma<strong>do</strong>s cotidianamente, sobre o uso emanejo das plantas, receitas de remédios (formulários),diagnóstico popular de <strong>do</strong>ençasocorrentes, processos de cura, entre outros.Alguns grupos já foram procura<strong>do</strong>s por médicos, técnicos, cineastas,estudantes e pesquisa<strong>do</strong>res para o repasse de seus conhecimentos tradicionais,e na maioria das vezes não houve um acor<strong>do</strong> entre as partes oumesmo um esclarecimento sobre o objetivo <strong>do</strong> uso destes conhecimentos.A Articulação Pacari em parceria com o DPG-MMA (Departamento<strong>do</strong> Patrimônio Genético <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente) está capacitan<strong>do</strong>os grupos sobre a medida provisória (MP 2186-16/01) que determinanormas e regras para o acesso a bio<strong>diversidade</strong> e conhecimentostradicionais associa<strong>do</strong>s.A auto-regulação também tem o objetivo de valorizar as experiênciase conhecimentos tradicionais <strong>do</strong>s grupos e fortalecer a capacidade destesem estabelecer possíveis acor<strong>do</strong>s de interesse das comunidades com osdiversos setores da sociedade (indústrias, laboratórios, tv´s, centros depesquisas, etc).ConclusãoAs farmácias populares de plantas medicinais têm raízes numa realidadesocial de pobreza e se destacam pela prestação de serviços básicosde saúde. As pessoas envolvidas neste trabalho geralmente têm muita fé esão tesouros vivos que guardam e transmitem a nossa cultura popular.Será qual a dimensão real deste trabalho? Quantas são as farmáciaspopulares localizadas no Cerra<strong>do</strong> com seus 02 milhões de Km2 de extensão?Por que este trabalho é invisível num bioma de tanta luz?Levantamentos realiza<strong>do</strong>s nas regiões <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Rio Vermelho (GO),Norte de Minas Gerais e Alto Jequitinhonha (MG), apontaram que aproximadamente7.300 pessoas são atendidas por mês, através <strong>do</strong> trabalhode 31 farmácias populares.A Articulação PACARI vem tecen<strong>do</strong> uma rede de informações comcapilaridade entre as comunidades para trazer à luz o significa<strong>do</strong> deste trabalho,e através de seu reconhecimento social, contribuir para a configuração deuma política nacional de saúde que integre diretrizes ambientais e culturais.68 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalCarlos CarvalhoPrograma Ambiental <strong>do</strong> MST Para aReforma Agrária: elementos para suaconstrução 1Produção deconservano assentamentoJustino DrazeskiEm Santa catarina.Karla Emmanuela (organiza<strong>do</strong>ra) 2“Se a produção camponesa é uma forma em que há um pre<strong>do</strong>míniorelativo <strong>do</strong> valor de uso sobre o valor de troca, ou seja, em que a reproduçãomaterial repousa mais nos intercâmbios (ecológicos) com a naturezaque nos intercâmbios (econômicos) com o merca<strong>do</strong> então, na unidadede produção camponesa, deve existir to<strong>do</strong> um conjunto de estratégias,tecnologias, percepções e conhecimentos que fazem possível a reproduçãosocial sem desprezo da renovabilidade <strong>do</strong>s recursos naturais(ecossistemas). To<strong>do</strong>s os estu<strong>do</strong>s recentes dedica<strong>do</strong>s a descrever a riquezade conhecimentos que as culturas camponesas têm sobre o seuentorno natural, a grande eficiência tecnoambiental de muitos sistemasagrícolas tradicionais, ou as habilidades <strong>do</strong> produtor camponês para manejare fazer produtivos terrenos de alta complexidade ambiental, não tem1 Texto basea<strong>do</strong> em seminários, encontros, debates e iniciativas relaciona<strong>do</strong>s à questãoambiental em assentamentos da Reforma Agrária coordena<strong>do</strong>s pelo MST. O texto contoucom a colaboração de Cácia Cortez, Denis Monteiro, Ciro Correa, Rodrigo Noronha eValdevan Onorato.2 Membro <strong>do</strong> coletivo nacional da Frente de <strong>Meio</strong> Ambiente <strong>do</strong> Setor de Produção, Cooperaçãoe <strong>Meio</strong> Ambiente <strong>do</strong> MST, responsável pela sistematização e organização <strong>do</strong> texto oraapresenta<strong>do</strong>. Contato: concrab@concrab.org.br.Bio<strong>diversidade</strong>, 2069


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoProdução de milho noassentamento 24 de maio,em Charqueadas/RS.feito mais que confirmar a validade daquele raciocínio.Frente ao impetuoso processo deintegração e modernização das áreas rurais quetem lugar praticamente em to<strong>do</strong>s os rincões <strong>do</strong>mun<strong>do</strong>, conforme praticamente o mesmo modelo,as formas camponesas atuam então <strong>do</strong> la<strong>do</strong>da resistência ecológica. To<strong>do</strong> o conjunto deproposições geradas pela ecologia, que à luz deuma planificação <strong>do</strong>minada pelo capital aparecemcomo práticas ingênuas e pouco viáveis,transformam-se em dinamite pura quan<strong>do</strong> sãoassumidas como instrumentos de luta pelos camponesespolitiza<strong>do</strong>s” (Tole<strong>do</strong>, 1991).IntroduçãoO presente texto busca refletir sobre as práticas ambientais em desenvolvimentonos assentamentos de Reforma Agrária, coordena<strong>do</strong>s peloMovimento <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais Sem Terra (MST). Baseia-se noque vem sen<strong>do</strong> denomina<strong>do</strong> de Programa Ambiental para a Reforma Agrária,um <strong>do</strong>cumento que sintetiza princípios e linhas de ação relaciona<strong>do</strong>s àtemática ambiental para os assentamentos.O programa ambiental <strong>do</strong> MST reflete práticas existentes nos assentamentosque buscam integrar dimensões sócio-<strong>cultural</strong>, econômica eambiental. São práticas de manejo da agrobio<strong>diversidade</strong> com enfoqueagroecológico; diversificação da produção; planejamento territorial <strong>do</strong>sassentamentos; educação e saúde ambiental, que apontam para uma novapráxis nas áreas de reforma agrária. Tal práxis pretende ser liberta<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>uso de agrotóxicos e de processos homogeneizantes da produção paraestimular homens, mulheres e jovens na busca da autonomia e da valorizaçãoda <strong>diversidade</strong> socio<strong>cultural</strong>, ambiental e produtiva.A luta pela reforma agrária é também uma luta pela preservação davida e da natureza, que deve se dar em sua plenitude, na conquista econsolidação de novas áreas (assentamentos rurais) capazes de apresentarem-secomo referências sustentáveis. 3O texto está organiza<strong>do</strong> em quatro partes: (1) contexto <strong>do</strong> campobrasileiro; (2) elementos para pensar uma nova prática ambiental nos assentamentosde reforma agrária; (3) enfoque meto<strong>do</strong>lógico; (4) experiênciase acontecimentos em assentamentos.Contexto <strong>do</strong> campo brasileiroO campo brasileiro é um local cheio de vida e <strong>diversidade</strong> biológica3 Segun<strong>do</strong> Nuñez (2002), o termo sustentável se orienta pelo enfoque integral no qual sãoressalta<strong>do</strong>s a condição humana, seus valores sociais e culturais, os quais são condicionantespara a construção de um diálogo de saberes que reconheçam o conhecimento popular, aparticipação ativa das comunidades e suas propriedades tangíveis e intangíveis. É nessesenti<strong>do</strong> que o termo será utiliza<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong> Programa.70 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturale <strong>cultural</strong>. São muitos os povos e comunidades que ocupam este imensoterritório, apesar da grande concentração da terra no país. Segun<strong>do</strong> Cadastro<strong>do</strong> INCRA (2003), 1,6% <strong>do</strong>s imóveis detém pouco mais <strong>do</strong> <strong>do</strong>broda dimensão de área equivalente a 85,2% <strong>do</strong>s imóveis, demonstran<strong>do</strong>uma excessiva concentração de terras em poucas mãos.É justamente esta concentração de terras e riqueza que leva as comunidadesrurais, incluin<strong>do</strong> as tradicionais, assentamentos e pequenosagricultores, a viver em situação marginalizada pela sociedade. Ainda vivemosa fábula onde aos Grandes tu<strong>do</strong> é permiti<strong>do</strong>. É o que se vê nosconflitos de terra registra<strong>do</strong>s Brasil afora. Muitos latifundiários se tornaramproprietários por meio de grilagem de terras, expulsan<strong>do</strong> camponeses,invadin<strong>do</strong> terra pública e indígena. E outros tantos sobrevivem comgrandes empréstimos bancários, exploran<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>res que vivem emsituação de escravidão e degradan<strong>do</strong> os recursos naturais existentes. Assiste-sea derrubadas de florestas inteiras para o avanço da soja e depastos e a plantios de milhares de hectares de eucaliptos e pinus, forman<strong>do</strong>desertos verdes e inviabilizan<strong>do</strong> a diversificação biológica.É no meio dessa disputa ilegal e injusta que surgem os assentamentosrurais, frutos da luta <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res(as) pelo seu direito a viver da terrae na terra. Porém, os assentamentos carregam o peso da destruição <strong>do</strong>srecursos naturais provoca<strong>do</strong>s pela agricultura e pecuária de grande escala,cujo modelo tecnológico baseava-se na monocultura, utilização intensivada motomecanização, <strong>do</strong>s fertilizantes industriais, <strong>do</strong>s agrotóxicos,<strong>do</strong>s equipamentos pesa<strong>do</strong>s de irrigação, das variedades, raças e híbri<strong>do</strong>smelhora<strong>do</strong>s comercialmente, das rações industriais e hormônios sintéticos.A lógica subjacente é a <strong>do</strong> controle das condições naturais, atravésda simplificação e da máxima artificialização <strong>do</strong> meio ambiente.No plano da agrobio<strong>diversidade</strong>, o caráter artificializa<strong>do</strong>r ehomogeneiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s modernos de produção, acopla<strong>do</strong> à uniformização<strong>do</strong>s hábitos alimentares, vem estreitan<strong>do</strong> o universo e a basegenética das espécies e variedades cultivadas, geran<strong>do</strong> a chamada erosãogenética. A busca obcecada pela máxima produtividade física e <strong>do</strong> trabalho,via mecanização, privilegia determina<strong>do</strong>s tipos de genótipos em detrimentode outros, fazen<strong>do</strong> desaparecer inúmeras espécies e variedades, amaioria desenvolvida e manipuladamilenarmente por populações indígenas ecamponesas. A erosão genética provoca,acentua e acompanha a erosão <strong>cultural</strong>. Coincidecom a decomposição da agriculturafamiliar tradicional, mas, além disso, diminuia margem de segurança alimentar <strong>do</strong>s povos,pela perda da <strong>diversidade</strong> genética contidaem uma grande multiplicidade de espécies evariedades adaptadas a diversas condiçõesclimáticas e geofísicas (Silva, 2001). Atecnologia <strong>do</strong>s transgênicos vem agravar aindamais esse quadro e recentemente encontrouforte impulso com a aprovação da LeiBio<strong>diversidade</strong>, 20Plantio demandioca noassentamentoIpanema, naParaíba.71Carlos Carvalho


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambientede Biossegurança Nacional (Lei 11.105/05).São também significativos os impactos sobre os recursos hídricos,relaciona<strong>do</strong>s à erradicação da cobertura vegetal, implantação demonoculturas que alteram o ciclo hidrológico, implantação de perímetrosirriga<strong>do</strong>s e pivôs centrais, concentração <strong>do</strong> despejo de dejetos de animaisem áreas de criação intensiva, assoreamento causa<strong>do</strong> por exposição erevolvimento excessivo <strong>do</strong> solo e contaminação por agroquímicos. Entreoutras atividades impactantes, a agricultura moderna é uma das preda<strong>do</strong>rasdesse recurso (Silva, 2001).É contra esta herança que os camponeses e camponesas estão a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong>outras práticas nos assentamentos, diferente da agricultura patronal,possibilitan<strong>do</strong> o desenvolvimento de uma prática agrícola sustentável.Elementos para pensar uma nova prática ambiental para assentamentosO programa ambiental <strong>do</strong> MST a<strong>do</strong>ta duas linhas estratégicas centrais:(1) O planejamento e a organização territorial <strong>do</strong> assentamento; e (2)o enfoque agroecológico na organização da produção nos assentamentos.Carlos CarvalhoCriação de porcos, segun<strong>do</strong>o desenho de estruturaambiental <strong>do</strong>assentamento. RS.1. Planejamento e organização territorial <strong>do</strong> assentamentoO assentamento é um espaço a ser apropria<strong>do</strong> e geri<strong>do</strong> por um conjuntode famílias de forma a garantir, através da produção agrícola: a segurançaalimentar; a viabilidade econômica; a organização social; a valorização<strong>cultural</strong>; e a conservação ambiental desta nova comunidade. Para queo mesmo seja potencializa<strong>do</strong> faz-se necessário entendê-lo, primeiramentecomo um território diferencia<strong>do</strong>, isto é, como uma base física própria queinternaliza grupos e comunidades compostos de territorialidades, ou seja,culturas e vivências, específicas e complementares. O assentamento é umto<strong>do</strong> composto de base física e social. Para que o mesmo possa ser organiza<strong>do</strong>incorporan<strong>do</strong> esta noção socioambiental, deve-se considerar:A – Noção de micro-ambientes: um pré-requisito para enfrentar o desafioda gestão sustentável de uma área de assentamentoé reconhecer que o território, ou seja,que sua base geográfica é composto por umasérie de elementos diferencia<strong>do</strong>s dentro dele.O ambiente é constituí<strong>do</strong> por uma área quecomporta vários micro-ambientes que podemse diferenciar por uma série de fatores como:topografia e posição no relevo (brejo, baixada,encosta, topo <strong>do</strong> morro, chapada etc); ângulode exposição ao sol; drenagem; textura e fertilidade<strong>do</strong> solo; tipo de cobertura vegetal, recursoshídricos e outros. Estes micro-ambientesnecessitam ser reconheci<strong>do</strong>s pelas famíliasassentadas, a fim de poderem se apropriar adequadamentedeste território e se estabelecer um72 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalplano de uso eficaz.B – Planejamento sistêmico e eficiênciaenergética: reconhecer os micro-ambientes<strong>do</strong> território é importante. Entretanto, este processodeve ser integra<strong>do</strong> ao planejamento global<strong>do</strong> território. Ao planejar antecipadamenteo ambiente social e natural, é possível estimularformas mais dura<strong>do</strong>uras e viáveis deintegrar os processos produtivos ao ambientelocal. Tal fato também pode levar ao desenvolvimentode formas diferenciadas de coletivossociais, tanto na organização da produção,quanto da apropriação <strong>do</strong> território. Para isto,é fundamental perceber o assentamento enquanto unidade de planejamento,em grande escala, visto que os processos ecológicos não respeitam oslimites da unidade familiar individual. Consequentemente, o planejamento eo manejo deste ecossistema chama<strong>do</strong> assentamento deve ser organiza<strong>do</strong>através de unidades ecológicas naturais, como, por exemplo, as baciashidrográficas. O elemento central deve ser o novo desenho que o antigo latifúndioreceberá, preocupan<strong>do</strong>-se em estabelecer e representar a conexãoentre os vários elementos. Cada elemento (casa, benfeitorias, tanque, estradasetc) deverá ser posiciona<strong>do</strong> em relação ao outro de forma que a auxiliarem-semutuamente. A chave para o planejamento está na eficiência energética<strong>do</strong> sistema. Isto é, na sua capacidade de absorção <strong>do</strong>s impactos sem gerardegradação. Para este planejamento, o ambiente pode ser estratifica<strong>do</strong> emzonas e setores, ou seja, caracteriza<strong>do</strong> em conformidade com suasespecificidades e usos desejáveis. Portanto, o méto<strong>do</strong> consiste em: (1) conhecera realidade histórico-geográfica da área e das famílias; (2) identificaros limites e as potencialidades; (3) preparar um plano de uso adequa<strong>do</strong>. Opressuposto é a participação social entendida como processo de apoderamentodas informações e tomada de decisões pelas famílias, que são entendidas nãocomo unidades individuais, mas como parte de coletivos diversos: os núcleosde base, os setores e a coordenação.C – Características socioculturais <strong>do</strong>s grupos e comunidades: O planejamentoe organização <strong>do</strong> assentamento devem considerar asespecificidades sócio-culturais <strong>do</strong>s grupos de famílias que ali estão. Porisso, a disposição e formato <strong>do</strong>s lotes devem permitir o estabelecimento delaços comunitários fortes, permitin<strong>do</strong> o desenvolvimento social em sua plenitude.Sugere-se que tal aspecto seja identifica<strong>do</strong> na melhor localizaçãodas moradias, proporcionan<strong>do</strong> a sua localização em núcleos próximos paraque não haja o distanciamento das pessoas, nem entre as condições para odesenvolvimento das manifestações culturais e sociais cotidianas. A casa éuma expressão da unidade de conjunto que se estabelece na comunidade,portanto, parte indissociável da cultura e das relações entre as famílias.Visão geral da Agrovilade assentamento nomunicípio deTumiritinga/MG.Carlos Carvalho2. Enfoque agroecológico na organização da produção nos assentamentosBio<strong>diversidade</strong>, 2073


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoPlantio consorcia<strong>do</strong> deespécies agrícolas comespécies nativas.Assentamento no municípiode Tumiritinga/MG.A agroecologia, definida de forma mais ampla,geralmente representa uma abordagem agrícolaque incorpora cuida<strong>do</strong>s especiais relativosao ambiente, assim como aos problemas sociais,enfocan<strong>do</strong> não somente a produção, mastambém a sustentabilidade ecológica <strong>do</strong> sistemade produção. Num senti<strong>do</strong> mais restrito, aagroecologia refere-se ao estu<strong>do</strong> de fenômenospuramente ecológicos que ocorrem na produçãoagrícola (EMBRAPA/CONCRAB, 2004).Assim, a agroecologia não é apenas a aplicaçãode um conjunto de técnicas menos agressivasao meio ambiente, nem apenas a produção dealimentos mais limpos ou livres de agrotóxicos, mas sim um campo deconhecimentos de caráter multidisciplinar que oferece princípios e conceitosecológicos para manejo e desenho de agroecossistemas sustentáveis.Os desafios são muitos, pois é preciso atuar em processos de transiçãoagroecológica que exigem a realização de ações capazes de incidirde forma harmônica sobre várias dimensões da sustentabilidade: ambiental,econômica, social, <strong>cultural</strong>, política e ética. São os seguintes os fundamentosa serem considera<strong>do</strong>s num enfoque agroecológico:A – Enfoque de sistema: A agricultura “moderna” leva os sistemas deprodução a uma especialização cada vez maior. Os especialistas costumamanalisar o processo de produção em aspectos isola<strong>do</strong>s. Assim, osproblemas que surgem são enfoca<strong>do</strong>s sob o ponto de vista restrito <strong>do</strong>problema em si. Na agroecologia, busca-se a relação entre to<strong>do</strong>s os fatores.A visão sistêmica permite analisar e entender o agroecossistema comoum to<strong>do</strong>, de forma dinâmica, onde estão presentes e se relacionam componentesfísicos, químicos e biológicos.B – Manter e aumentar a bio<strong>diversidade</strong>: A bio<strong>diversidade</strong> é o conjuntode formas de vida que existem, seja no solo, pomar, horta, pastagemou floresta. Quanto mais diversifica<strong>do</strong> for o agroecossistema, maisequilibra<strong>do</strong> será.C – A<strong>do</strong>ção da pesquisa experimental e científica: O processo deaprendizagem e manejo <strong>do</strong> agroecossistema deve ser pauta<strong>do</strong> pela buscapor inovações tecnológicas próprias para a escala <strong>do</strong> pequeno agricultordentro <strong>do</strong> assentamento. Nesse senti<strong>do</strong>, devem-se estabelecer mecanismospara que a prática da pesquisa experimental e científica possa ocorrerneste território incorporan<strong>do</strong> o saber local e o científico. A pesquisadeve ser entendida como uma prática cotidiana que permita maiorintegração <strong>do</strong> processo produtivo com o sistema natural, sem causar danosambientais e sociais, além de propiciar a recuperação <strong>do</strong> passivoambiental <strong>do</strong> antigo latifúndio. Para isso, ela deve ser estimulada e orientadajunto aos próprios agricultores.Enfoque meto<strong>do</strong>lógicoA ação deve estar associada à prática pedagógica. No senti<strong>do</strong> de74 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalestimular as linhas estratégicas e desenvolver as práticas ambientais eagroecológicas, alguns princípios meto<strong>do</strong>lógicos devem ser observa<strong>do</strong>s:A - Participação Social: O debate ambiental nas áreas de reforma agráriadeve incorporar os elementos de valoração étnico-<strong>cultural</strong>. Para isso,deve considerar as dimensões de gênero e faixa etária como aspectosimportantes da participação. As atividades devem ser focadas numa açãoparticipativa liberta<strong>do</strong>ra e emancipa<strong>do</strong>ra das famílias. Para tal, devem resgatare fortalecer a auto-estima <strong>do</strong>s indivíduos e estimular os processosde gestão e planejamento participativos. A participação social é vista comouma práxis fundamental para o desenvolvimento sócio-produtivo <strong>do</strong>s assentamentos.As estratégias a<strong>do</strong>tadas consistem na identificação coletivada problemática a ser resolvida, bem como nos processos e ações necessáriospara sua resolução. O núcleo central de debate e formulação depropostas são os núcleos de famílias. Ali, centra<strong>do</strong> na organicidade decada assentamento, deve-se levar ao conhecimento e ao debate todas asdemandas da área. A socialização da discussão e o caráter de totalidadevão se dan<strong>do</strong> à medida que estas demandas vão sen<strong>do</strong> incorporadas naprática cotidiana de participação social, <strong>do</strong>s núcleos de famílias para acoordenação <strong>do</strong> assentamento. Portanto, a organicidade <strong>do</strong> assentamentoé um aspecto fundamental para a participação efetiva das famílias.B – Multiplicidade de escalas de ação: Pensar o assentamento é considerardiversas escalas de ações. As atividades devem ser planejadas eorganizadas para atingir o nível micro (parcela), mas prioritariamente parauma solução comunitária das demandas percebidas, portanto, na escala<strong>do</strong> assentamento.C – Centros irradia<strong>do</strong>res de manejo da agrobio<strong>diversidade</strong> [CIMA]:Precisamos considerar comunidades e territórios de assentamentos de formaintegrada, capazes de expandir sua ação por meio da interação comoutras comunidades e territórios. Este é o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s CIMA’s: promoverimpactos quantitativos e qualitativos nos assentamentos; permitir tornar-seum pólo irradia<strong>do</strong>r e de difusão de práticas ambientais sustentáveis;potencializar a integração <strong>do</strong>s sistemas ecológicos locais e territoriais; basear-seem experiências de participação ativa entenden<strong>do</strong> a participação comoum processo de apoderamento e autonomia <strong>do</strong> pequeno agricultor.D – Enfoque na cadeia produtiva: O desenvolvimentode uma agricultura sustentáveldeve ser pauta<strong>do</strong> pela recuperação e aumentoda bio<strong>diversidade</strong> local. Junto a isto, deveproporcionar o atendimento das demandasbásicas das famílias assentadas. Para tal, o arranjoprodutivo deve direcionar ações locaise regionais que permitam uma articulação decooperação e em rede que dê conta <strong>do</strong> processoprodutivo em sua totalidade.E – Proposta Pedagógica: Os processos deobtenção da sustentabilidade <strong>do</strong>s assentamentosde reforma agrária devem ter como base umaBio<strong>diversidade</strong>, 20U<strong>do</strong> <strong>do</strong> Girasol comodefensivonatural. Assentamento emTumiritinga/MG.75Carlos Carvalho


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambientepedagogia liberta<strong>do</strong>ra que entenda a práxis como um elemento de emancipação<strong>do</strong> sujeito social. As famílias e comunidades devem ser capazesde perceber-se como sujeitos de sua realidade desenvolven<strong>do</strong> reflexõescríticas sobre sua situação e alternativas de superação e melhoria da qualidadede vida socioambiental e produtiva.Carlos CarvalhoMistura de calda bordalesapara uso como defensivonaturalem horta orgânica.Experiências e acontecimentos nos assentamentosMuitas são as práticas e alternativas encontradas nos assentamentos.No Centro-Oeste <strong>do</strong> Brasil, região <strong>do</strong>minada pelo latifúndio da sojae <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, começam a surgir iniciativas interessantes de resistência e fortalecimento<strong>do</strong>s assentamentos, como por exemplo: (1) Os Centros deVivência Ambiental <strong>do</strong>s Assentamentos <strong>do</strong> Distrito Federal e entorno quejá geraram outras parcerias como as pesquisas desenvolvidas comgermoplasma crioulo de mandioca, milho e adubo verde, em um programaem parceria com a EMBRAPA; (2) no esta<strong>do</strong> de Goiás, em parceriacom <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente, através da Secretaria de Bio<strong>diversidade</strong>e Florestas, está sen<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong> o projeto <strong>do</strong> Centro Irradia<strong>do</strong>r deManejo da <strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Goiás, que busca desenvolveriniciativas concilian<strong>do</strong> produção agropecuária, recuperação de áreasdegradadas e aumento da <strong>diversidade</strong> genética de cultivos e criações animais;(3) a unidade móvel para beneficiamento de frutos <strong>do</strong> cerra<strong>do</strong>, preven<strong>do</strong>a obtenção de frutas secas e óleos essenciais de frutos e frutasnativas <strong>do</strong> bioma ‘Cerra<strong>do</strong>’, em parceria com a Agrotec e o InstitutoSociedade População e Natureza (ISPN); (4) os trabalhos artesanais noMato Grosso <strong>do</strong> Sul com teci<strong>do</strong>s colori<strong>do</strong>s (tingi<strong>do</strong>s) com tinturas extraídasde plantas <strong>do</strong> Cerra<strong>do</strong>, envolven<strong>do</strong> assessoria da ECOA.No caso <strong>do</strong> Nordeste, caracteriza<strong>do</strong> pela concentração fundiária eelevada pobreza, o MST vem procuran<strong>do</strong> discutir e implementar nos últimosanos, práticas agroecológicas nos assentamentos rurais. Cabe ressaltara realização de campanhas educativas, discutin<strong>do</strong> as conseqüências <strong>do</strong> uso<strong>do</strong> fogo, destino <strong>do</strong> lixo, uso racional da água, conseqüências <strong>do</strong> uso <strong>do</strong>sagrotóxicos, técnicas de convivência com as secas, policultivos e manejoflorestal <strong>do</strong>s diversos ecossistemas (Mata Atlântica, Caatinga, Seridó,Curimataú, Carrasco, Cerra<strong>do</strong> etc). É trabalhadaa formação de agentes de desenvolvimento,com capacitação e treinamento de agricultores,técnicos e educa<strong>do</strong>res; e a implantação de unidadesdemonstrativas adequadas às realidades decada região.Cabe citar alguns exemplos locais. NaBahia, tem-se trabalha<strong>do</strong> o cultivo da pupunhaem consórcio com cacau, além de buscar a preservação<strong>do</strong>s últimos resquícios de Mata Atlântica,no sul <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Na Paraíba, é importantemencionar a produção de mudas de espéciesnativas para recuperação de áreas degradadas76 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturale plantas medicinais para formação de hortosnas comunidades da região <strong>do</strong> Semi-Ári<strong>do</strong>.No Ceará, está sen<strong>do</strong> feito um forte investimentona manipulação de remédios à basede plantas medicinais. O incentivo aospolicultivos e o resgate das variedades crioulas,sua multiplicação e a formação de bancosde sementes são questões presentes emto<strong>do</strong>s os Esta<strong>do</strong>s da região Nordeste.Em outras regiões, cabe destacar açõesinova<strong>do</strong>ras como, por exemplo, a produçãoe beneficiamento de arroz agroecológico noRio Grande <strong>do</strong> Sul, as cooperativas <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><strong>do</strong> Paraná que trabalham de forma agroecológica e a Rede Bionaturde Sementes Agroecológicas.Enfim, muitas experiências são desenvolvidas nos assentamentos emtodas as regiões <strong>do</strong> país, envolven<strong>do</strong> inúmeros atores e parceiros, na perspectivade construção de uma nova referência para o meio rural que nãose vincule ao atual agronegócio.foto <strong>do</strong> diretório FotosMSTminhas – foto sementesbionaturSementesorgânicasda BionaturCarlos CarvalhoConclusõesÉ preciso estar alerta sempre, pois mesmo que as iniciativasagroecológicas encontrem grandes possibilidades de expansão, oagronegócio vem agin<strong>do</strong> para inviabilizar nossa agricultura sustentável.Exemplo são as práticas de aplicação de venenos por avião próximo aosassentamentos contaminan<strong>do</strong> a produção; as tentativas de proibir as trocase produção de sementes entre os camponeses e a aprovação da Leide Biossegurança permitin<strong>do</strong> o uso de transgênicos etc.Essas e outras práticas têm dificulta<strong>do</strong> a expansão da agricultura camponesae familiar em base ecológica. É nesse senti<strong>do</strong> que é preciso fortaleceros laços pedagógicos entre o campo e a cidade, estimulan<strong>do</strong> asredes de consumi<strong>do</strong>res para que exijam produtos saudáveis e se relacionemdireto com os pequenos produtores que têm a tarefa histórica deproduzir alimentos em quantidade, qualidade e <strong>diversidade</strong>.Segun<strong>do</strong> Michael Lowy (2004): “A exploração e aviltamento <strong>do</strong>strabalha<strong>do</strong>res e da natureza são postos em paralelo, como resulta<strong>do</strong>da mesma lógica predatória, aquela da grande indústria e da agriculturacapitalista. (...) Esta associação direta entre a exploração <strong>do</strong>proletaria<strong>do</strong> e a da natureza, a despeito de seus limites, abre um campode reflexão sobre a articulação entre luta de classes e luta emdefesa <strong>do</strong> meio ambiente, em um combate comum contra a <strong>do</strong>minação<strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong>”.Bio<strong>diversidade</strong>, 2077


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteCarlos CarvalhoProdução de horta orgânicano assentamento JustinoDeazeski, em SantaCatarina.ReferênciaALMEIDA, Sílvio G. de, PETERSEN, Pauloe CORDEIRO, Ângela (2001). Crisesocioambiental e conversão ecológica daagricultura brasileira. Rio de Janeiro: AS-PTACONCRAB (2004). Elementos para umPrograma Ambiental e de Agroecologiapara os assentamentos de Reforma Agrária.(mimeogr.)EMBRAPA/CONCRAB (2004). Programade pesquisa em agrobio<strong>diversidade</strong> e agroecologia visan<strong>do</strong> asustentabilidade a agricultura familiar e da reforma agrária.(mimeogr.)HORA, Karla E. R. (2004). Entenden<strong>do</strong> a relação homem-naturezae a crise de paradigma na leitura ambiental. (mimeogr).LOWY, Michel. Marx e a Ecologia. 2004.MONTEIRO, Denis (2001). Sustentabilidade e segurança alimentar:estabelecen<strong>do</strong> conexões para uma agenda propositiva.(mimeogr.)NUÑEZ, Miguel Angel (2002). Propuesta de desarrollo ruralsustentable. Caracas: Parlamento Latinoamericano.SILVA, Carlos Eduar<strong>do</strong> Mazzetto (2001). Democracia e Sustentabilidadena Agricultura: subsídios para a construção de um novomodelo de desenvolvimento rural. Rio de Janeiro: Projeto BrasilSustentável e Democrático: FASE. (Série Cadernos Temáticos, n. 4).78 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalAndré StellaFesta <strong>do</strong> milho crioulo de Anchieta e ohistórico de atuação <strong>do</strong> MPArelaciona<strong>do</strong> às sementes crioulasHistórico da EntidadeFunda<strong>do</strong> em 1971, no oeste de Santa Catarina, o Sindicato <strong>do</strong>sTrabalha<strong>do</strong>res Rurais de Anchieta (STR), durante muitos anos cumpriu opapel de assistencialista das políticas <strong>do</strong> governo federal. Após o perío<strong>do</strong>de 1983 a 1985, através de um movimento de embates sindicais, foi retomadaa luta para tornar os sindicatos mais combativos. A intenção erabuscar melhorias para a vida <strong>do</strong>s agricultores e conscientizar os trabalha<strong>do</strong>resna construção das políticas públicas de proteção às atividades <strong>do</strong>scamponeses.Nesse embate sindical, a direção, de oposição política, <strong>do</strong> STR contribuiupara o fortalecimento da luta pela terra. O apoio ao Movimento<strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais Sem Terra (MST) aju<strong>do</strong>u na conquista de <strong>do</strong>isassentamentos em Anchieta. Esse apoio mostrou o propósito da Entidadeem ser um <strong>do</strong>s instrumentos da causa popular, na luta contra as injustiçascometidas contra o povo trabalha<strong>do</strong>r.Em 1996, o STR realizou assembléia municipal para mudançaestatutária a fim de designar-se como Sindicato <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res naAgricultura Familiar (Sintraf). Apesar da mudança, o Sindicato manteveseu direcionamento contrário ao assistencialismo e ao comprometimentoBio<strong>diversidade</strong>, 20Festa Nacional <strong>do</strong>Milho Crioulo deAnchieta79


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteAndré StellaVariedades desementescrioulascom o governo e se vinculou à Federação da AgriculturaFamiliar de Santa Catarina (Fetrafesc), hojeextinta.Em 1998, o Sindicato se aliou ao Movimento<strong>do</strong>s Pequenos Agricultores (MPA), pois este ganhouespaço por atender aos anseios <strong>do</strong>s agricultores.O MPA tem entre seus ideais a luta por condiçõesdignas de vida no campo, forman<strong>do</strong> gruposde famílias, orientan<strong>do</strong> na linha de produçãoecológica de sementes e alimentos. Quanto às sementes,o Sindicato já havia começa<strong>do</strong> o trabalhode resgate, o qual foi fortaleci<strong>do</strong> pelo Movimento.No início, havia 22 grupos de produção de sementes,hoje são mais de 190 famílias envolvidas.Situação política da EntidadeA falta de recursos financeiros foi um <strong>do</strong>s principais obstáculos queimpediram o Sindicato <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais (STR) de avançar maisrapidamente nos seus ideais e delimitaram a luta. No começo, o STR exerciaapenas o papel assistencialista e oferecia apenas atendimento hospitalar,dentário e benefícios governamentais . Com a ruptura <strong>do</strong> assistencialismo, aEntidade foi alvo de críticas, pois muitos agricultores não entendiam queesses benefícios eram compromissos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e não <strong>do</strong>s Sindicatos.A quebra <strong>do</strong> assistencialismo e o êxo<strong>do</strong> rural devi<strong>do</strong> ao término daEra da Madeira ajudaram a enfraquecer o Sindicato. Em 1983, a populaçãode Anchieta contava com 13 mil habitantes e em 2005 são 7.600habitantes. Com o êxo<strong>do</strong> rural, muitas comunidades desapareceram, reduzin<strong>do</strong>ainda mais as famílias no campo. A fim de resolver essa deficiênciafinanceira, em 1995 muitos sindicatos decidiram atender a reivindicação<strong>do</strong>s agricultores para articular a compra coletiva de sementes híbridase insumos (adubos químicos e orgânicos). A ação visava diminuir os custose potencializar economicamente a Entidade. Mas a experiência nãopoderia ser mais amarga. No ano seguinte ocorreu uma baixa <strong>do</strong>s preços<strong>do</strong> milho, pois devi<strong>do</strong> a grande quantidade de chuva houve forte ataquede fungo (chama<strong>do</strong> milho ardi<strong>do</strong>), prejudican<strong>do</strong> a safra. Além disso, asaca de 60 kg de milho chegou a valer R$ 3,50, inviabilizan<strong>do</strong> a produção<strong>do</strong> milho e assim muitos agricultores não saldaram seus compromissoscom o Sindicato e outras entidades.Em 1996, outra direção assume o Sindicato e constata oendividamento e a e as dificuldades financeiras da organização. Após reuniõescom grupos de famílias, visan<strong>do</strong> a reestruturação da entidade, foidefini<strong>do</strong> que continuariam com o trabalho das sementes. Devi<strong>do</strong> à crise,os agricultores sentiram necessidade de discutir a conjuntura agrícola, propostascomo o subsídio, preços agrícolas, moradia, e temas que anteseram pouco trata<strong>do</strong>s na organização sindical.Neste ano, pôde-se perceber o crescimento <strong>do</strong> número de associa-80 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Cultural<strong>do</strong>s, que passou de 200 para 750 camponeses. Para conscientizar osagricultores, foram realizadas diversas reuniões para debater assuntos deinteresse da comunidade. Durante meses debateu-se a situação no campo,bem como a proposta de globalização econômica, Mercosul, submissão<strong>do</strong> governo ao Fun<strong>do</strong> Monetário Internacional (FMI), Banco Mundiale a abertura da Proteção das Fronteiras Comerciais.Como surgiu o debate da produção de sementesAs famílias <strong>do</strong>s agricultores estavam dependentes das sementes híbridase de seu pacote de insumos para o desenvolvimento das lavourase, conseqüentemente, para a geração de renda e o sustento da família.Basea<strong>do</strong> nisso, o Dirigente Sindical Leocir Carpeggiani desafiou os agricultorescom questões para a reflexão <strong>do</strong> coletivo: Como era feita a produção,e o sustento <strong>do</strong>s filhos pelos nossos antepassa<strong>do</strong>s? Como coletavamas sementes? Como plantavam? O que observavam? Como armazenavam?Refletin<strong>do</strong> sobre essas questões, foi se vislumbran<strong>do</strong> que a produçãoexiste há milhares de anos e que o momento exigia estu<strong>do</strong>s e umaposição mais avançada sobre as sementes por parte da Entidade Sindical,face à conjuntura econômica e da política agrícola. O momento tambémexigia a capacitação mais ampla na questão das sementes, com treinamentoe desenvolvimento de lavouras e práticas.Os agricultores não acreditavam na viabilidade econômica <strong>do</strong> trocatroca<strong>do</strong>s grãos, pois o monopólio das sementes estava nas mãos de poucasempresas transnacionais. Eles achavam que isso não os libertaria e,ao contrário, os tornaria mais pobres e dependentes <strong>do</strong> sistema. Parafortalecer a luta <strong>do</strong> povo foi necessária a cooperação <strong>do</strong> grupo. Inicialmente,eles relutaram, pois o individualismo estava impregna<strong>do</strong> nas comunidades,bombardeadas pelos meios de comunicação que afirmavamque só os competitivos iriam sobreviver, ou seja, que no capitalismo nãohá espaço para to<strong>do</strong>s.Um <strong>do</strong>s instrumentos usa<strong>do</strong>s nas lutas contra o capitalismo e pelapreservação da cultura camponesa é o trabalho realiza<strong>do</strong> com as sementes,técnica passada de geração para geração. As sementes são patrimônioda humanidade e o seu cultivo torna o povo <strong>do</strong> campo independente dasempresas transnacionais. De acor<strong>do</strong> com essa análise, iniciou-se a produçãonessas comunidades e os camponeses perceberam que essa erauma grande ferramenta para enfrentar as empresas capitalistas.Plano de trabalhoReuniões nas comunidades RuraisDepois de diversas reuniões, o povo queria se organizar. Começarama discutir temas como o resgate das sementes, políticas públicas,crédito subsidia<strong>do</strong>, preços, seguro agrícola e controle nas importações.Os camponeses exigiam a proteção de sua renda e sabiam que a uniãoBio<strong>diversidade</strong>, 2081


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteAndré StellaSementes produzidaspelo Movimento <strong>do</strong>sequenos Agricultoresera essencial. Então, formaram grupos de famílias para fortalecer a solidariedadeentre os vizinhos. A partir daí, os agricultores já contavam coma organização <strong>do</strong> Movimento <strong>do</strong>s Pequenos Agricultores (MPA) e realizavammobilizações para reivindicar suas pautas e para defender seusinteresses. Essas atividades contribuíam para animação das famílias apontan<strong>do</strong>um horizonte de esperança, e para a conclusão de que “a historia sóa gente faz e a transforma”.Formação <strong>do</strong>s grupos de SementesEm 1997, o Sindicato deu inicio ao trabalho de resgate das sementesem 22 comunidades de Anchieta. Foram forma<strong>do</strong>s grupos de cinco a dezfamílias, que discutiam o planejamento <strong>do</strong> cultivo. No inicio optaram pelocruzamento com sementes híbridas simples, de origens diferentes, poisnão havia variedades crioulas. A primeira fase era mapear to<strong>do</strong> o processode produção, sua origem, número de produtores, etc. A segunda eraexecutar a prática (que se deu com o plantio na safra 1997/98). To<strong>do</strong> oprocesso de produção foi defini<strong>do</strong> pelos grupos, desde a data de plantio,até a classificação <strong>do</strong>s grãos.De acor<strong>do</strong> com a avaliação <strong>do</strong>s agricultores, a primeira colheita nãoalcançou o resulta<strong>do</strong> espera<strong>do</strong>. Mas, na safra de 1998/99 os resulta<strong>do</strong>sforam mais palpáveis. Mesmo com o sucesso da produção, ainda haviapreconceito em relação às sementes crioulas. Muitos camponeses diziamque essa era uma técnica atrasada e que estava fadada ao fracasso. “Nãovão produzir nem para comer, que dirá para ter renda”. Pensan<strong>do</strong> assim,muitos desistiram, mas os persistentes tinham certeza <strong>do</strong> caminho certo,sabiam que essa prática representava independência <strong>do</strong>s agricultores emrelação as empresas que comercializam sementes. O sucesso desse trabalhofoi fruto de empenho de to<strong>do</strong>s os agricultores.Os grupos também avançaram na coleta de variedades crioulas ebuscaram melhorar e recuperar a capacidade produtiva. Algumas variedadesestavam em esta<strong>do</strong> de erosão genética, mesmo assim foram coletadas12 variedades de milhos, como: Palha-roxa, Amarelão, Caiano, Cateto,Mato-Grosso, Moroti, Asteca, Milho Branco, Língua de Papagaio, Milhoroxo, Cunha, e o Monje João Maria.Associações das Agroindústrias artesanaisCom o tempo o trabalho foi amplia<strong>do</strong> àspequenas e médias agroindústrias, todas sob ocontrole e planejamento <strong>do</strong>s agricultores. Hojepodemos conferir os bons resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> trabalho,mas ainda há desafios a superar e consolidaras metas de produção, administração e geraçãode renda das famílias. Atualmente, existem cincoindústrias artesanais na região que contam com oapoio <strong>do</strong> MPA e <strong>do</strong> STR.Seminários de formaçãoCom o objetivo de esclarecer dúvidas eaprofundar o debate sobre o trabalho das se-82 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade Culturalmentes foram realiza<strong>do</strong>s seminários de formação.A Produção de sementes nas comunidades ruraisfoi administrada pelo Engenheiro Agrônomo IvoMaccagnam, que coordenou um grupo com 25participantes entre eles técnicos, agricultores e liderançassindicais. Outro tema debati<strong>do</strong> foi a“Preservação <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> Ambiente - Os efeitos <strong>do</strong>uso de Agrotóxicos e suas Conseqüências”, estefoi um <strong>do</strong>s temas <strong>do</strong>s seminários que contou coma participação agricultores, profissionais da área,intelectuais e professores como Sebastião Pinheiro,Engenheiro Florestal de Porto Alegre. Elestrouxeram da<strong>do</strong>s que trazem preocupações comrelação às gerações futuras, mostran<strong>do</strong> que a contaminaçãopor venenos está cada vez mais acentuada.Esses eventos visaram mostrar à sociedade a importância da produçãode alimentos saudáveis.Sementes produzidaspelo MPAAndré StellaSurgimento <strong>do</strong> MPA em SCEm Anchieta, Santa Catarina, o Movimento <strong>do</strong>s Pequenos Agricultores(MPA) surgiu em 1998, com o apoio <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>resRurais que organizou os grupos de famílias para lutar por seus direitos. Otrabalho de conservação das sementes, inicia<strong>do</strong> pelo Sindicato, foi assumi<strong>do</strong>pelo MPA em to<strong>do</strong> o país. Hoje, o Movimento está presente em seisregionais, envolven<strong>do</strong> mais de 50 municípios. A secretaria estadual funcionaem São Miguel <strong>do</strong> Oeste. Cerca de 5.000 famílias estão organizadas noMPA em SC. No total, o MPA esta organiza<strong>do</strong> em dezoito Esta<strong>do</strong>s: Paraíba,Pernambuco, Piauí, Bahia, Ceará, Sergipe, Alagoas, Rio Grande <strong>do</strong> Norte,Rondônia, Pará, Mato Grosso, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, RioGrande <strong>do</strong> Sul, Minas Gerais, Goiás e Tocantins. Temas sempre discuti<strong>do</strong>snas reuniões de direção <strong>do</strong> Movimento envolvem o resgate das sementescrioulas e o risco <strong>do</strong> uso das sementes transgênicas, as quais representamameaça a soberania alimentar.Resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> trabalhoProdução de SementesDesde 1996, vem sen<strong>do</strong> debatida e estimulada a produção de sementes.Mas só a partir de 1997, foi possível iniciar a produção. Nesteano (2005) foram colhidas mais de 108 toneladas de sementes de milhocrioulo. Outras variedades como feijão, soja, trigo e adubos verdes, bemcomo hortaliças estão sen<strong>do</strong> trabalhadas, mas ainda não existem númerosprecisos da produção.Feira de Produtos OrgânicosDevi<strong>do</strong> ao trabalho de produção orgânica, os camponeses passarama comercializar seus produtos em feiras, construin<strong>do</strong> uma relaçãodireta entre produtor e consumi<strong>do</strong>r. A feira foi inaugurada em 1999 eBio<strong>diversidade</strong>, 2083


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteAndré Stellafunciona até hoje benefician<strong>do</strong> centenas de famílias.3.3 – Pequenas Indústrias ArtesanaisDas cinco pequenas indústrias existentes,duas trabalham na produção de açúcar mascavo,uma na produção de conservas, uma na produçãode embuti<strong>do</strong>s de suínos (lingüiça, salsicha,etc) e abate de ga<strong>do</strong> para o comércio municipal ea outra de laticínios. Todas têm como objetivoproduzir alimentos para o auto-consumo e parao merca<strong>do</strong> local.Grupo de mulheres querealiza trabalhocomumitário com plantasmedicinais.Festa <strong>do</strong> milho criouloO objetivo da festa foi de divulgar e mostrar o trabalho obti<strong>do</strong>. Esseera o momento de somar a produção com a transformação, com a culturae com a festa que serviria de estímulo e auto-estima para continuarmos alutar pela construção da soberania das famílias camponesas, bem comoda sociedade brasileira.I Festa Estadual <strong>do</strong> Milho CriouloPromovida pelo MPA, a I Festa Estadual <strong>do</strong> Milho Crioulo aconteceuno dia 20 de maio de 2000, em Anchieta (SC), e reuniu cerca decinco mil pessoas, entre elas agricultores, autoridades, especialistas daárea e o público em geral. O tema escolhi<strong>do</strong> foi “Pela agroecologia,bio<strong>diversidade</strong> e autonomia <strong>do</strong>s pequenos agricultores” e o lema “A festadas sementes crioulas – a ordem e ninguém passar fome”.A programação contou com comidas típicas, produtos a base demilho crioulo produzi<strong>do</strong> pelos agricultores da região. Além de apresentaçõesculturais, como teatro, música e baile. Durante o evento foi ministradaa palestra “Produção de sementes e desenvolvimento sustentável xImperialismo e Transgênicos”, pelo assessor da Via Campesina, Frei SérgioGörguen, atualmente deputa<strong>do</strong> Estadual <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul.Município de Anchieta – Capital Catarinense <strong>do</strong> Milho CriouloEsse reconhecimento foi concedi<strong>do</strong> pela Assembléia Legislativa <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> de Santa Catarina, articula<strong>do</strong> e coordena<strong>do</strong> pelo ex.deputa<strong>do</strong> Estaduale ex. prefeito de Chapecó Pedro Uczai autor <strong>do</strong> projeto de lei, no anode 2000. Diante disso foi realiza<strong>do</strong> ato solene na Assembléia Legislativaque reconheceu esse trabalho da entidade e <strong>do</strong>s agricultores <strong>do</strong> Município.Nesse perío<strong>do</strong> já eram 03 anos de trabalho e já havíamos colhi<strong>do</strong> bonsresulta<strong>do</strong>s. O reconhecimento <strong>do</strong> nosso trabalho pela AssembléiaCatarinense, fortaleceu e animou os agricultores, pois vencemos uma etapa,já que éramos considera<strong>do</strong>s atrasa<strong>do</strong>s. Ganhamos uma placa com os seguintesdizeres: “A Assembléia Legislativa de Santa Catarina, com base nalei nº. 11.455 de 19 de Junho de 2000, concede ao Município de Anchieta,capital catarinense <strong>do</strong> milho crioulo, sen<strong>do</strong> assina<strong>do</strong> pelos Deputa<strong>do</strong>s VolneiMorastoni Presidente da mesa e <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> Projeto Lei”.84 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalContinuamos o trabalho com as comunidades, organizan<strong>do</strong> grupos,para produzir sementes e alimentos orgânicos. Como reconhecimento <strong>do</strong>trabalho coletivo surgiu a I Festa Estadual e Nacional <strong>do</strong> Milho Crioulo.I Festa Nacional <strong>do</strong> Milho Crioulo - FenamicA primeira edição da Festa Nacional <strong>do</strong> Milho Crioulo teve um carátermais amplo de mostrou todas as experiências de sementes <strong>do</strong>scamponeses <strong>do</strong> Brasil. Foi realizada nos dias 05 e 06 de Abril de 2002. Oencontro trazia a defesa “Agroecologia, bio<strong>diversidade</strong> e autonomia <strong>do</strong>spequenos agricultores” – A Festa das Sementes Crioulas. No primeirodia, o público pode conferir a palestra com o tema “Por um Projeto deVida pelo Povo” de Ademar Bogo/MST. Também houve apresentaçõesculturais, teatro, danças típicas (Alemã, Italiana e outras), isso no primeirodia. Já no dia 06, foi realiza<strong>do</strong> culto ecumênico, desfile <strong>cultural</strong> e divulgaçãode produtos e trajes típicos das regiões de Santa Catarina, Paraná,Rio Grande <strong>do</strong> Sul, Rondônia, Mato Grosso, Espírito Santo, Piauí,Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Bahia, e o Ceara. O eventocontou com a presença de camponeses de to<strong>do</strong>s esses esta<strong>do</strong>s.II Festa Nacional <strong>do</strong> Milho Crioulo – I Encontro de Formação Camponesa- I Feira de Sementes CrioulasRealizada nos dias 21 a 25 de abril de 2003, em Anchieta/SantaCatarina, a II Festa Nacional das Sementes Crioulas – FENAMIC ganhouespaço e tornou um <strong>do</strong>s maiores eventos de agrobio<strong>diversidade</strong> <strong>do</strong>Brasil. O evento buscava afirmar o projeto, ten<strong>do</strong> como tema “Pelaagroecologia, bio<strong>diversidade</strong> e autonomia <strong>do</strong>s pequenos agricultores” e olema “Sementes são patrimônio <strong>do</strong>s povos a serviço da humanidade”. Olema faz parte da Campanha Internacional de luta contra as empresastransnacionais, que Patenteiam sementes.Todas as edições foram organizadas pela Via Campesina Brasileira -compõe o Movimento <strong>do</strong>s Pequenos Agricultores (MPA), Movimento<strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res rurais Sem Terra (MST), Movimento <strong>do</strong>s Atingi<strong>do</strong>spor Barragens (MAB), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)e Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sindicato<strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais de Anchieta (SIN-TRAF), Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor(CAPA), Assessoria de técnicas Alternativas(AS-PTA)e pela Paróquia Santa Inêsde Anchieta.A proposta era mostrar o trabalho de resgatede sementes crioulas realiza<strong>do</strong> no sul <strong>do</strong>país. Entre os participantes, camponeses de to<strong>do</strong>sos Esta<strong>do</strong>s, autoridades e personalidadesde renome internacional como a especialista emagrobio<strong>diversidade</strong>, Silvia Ribeiro; o especialistana produção agroecológica, Miguel Altieri; oprofessor de geografia da USP, Arioval<strong>do</strong>Umbelino e outros que mostraram suas experi-Plenária da Festa <strong>do</strong>Milho Crioula deAnchietaAndré StellaBio<strong>diversidade</strong>, 2085


<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> AmbienteAndré StellaApresentação da produçãode sementes de pequenosprodutores, na Festa <strong>do</strong> MilhoCrioulo, em Anchieta.ências nas áreas de pesquisa cientifica, junto acamponeses de to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.Ao to<strong>do</strong> foram 60 estandes, com experiênciasem sementes de várias espécies, agroecologia,alimentação e artesanato. Participaram 22 Esta<strong>do</strong>sbrasileiros e oito Paises Latino Americanos. Opúblico atingi<strong>do</strong> foi de 25.000 pessoas que participaramdesde a formação camponesa (<strong>do</strong>is dias),com palestras sobre produção ecológica, situaçãopolítica nas relações comerciais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, de <strong>do</strong>míniocapitalista. Também apresentações culturaise degustação de comidas típicas de todas as regiões<strong>do</strong> país.Na ocasião foram distribuídas oito toneladasde sementes adquiridas e <strong>do</strong>adas pela CONAB. Mas no total,contabilizan<strong>do</strong> as trocas e a comercialização no evento, foi atingi<strong>do</strong> umvolume de aproximadamente 16 toneladas.III Festa Nacional <strong>do</strong> Milho Crioulo – II Encontro de FormaçãoCamponesaEssa esta em andamento e acontecerá em abril de 2007, na cidadede Anchieta, Santa Catarina. A estimativa de público é de 30.000 participantesentre a formação camponesa, a feira e a festa <strong>do</strong> milho crioulo. Otema será o da Campanha Internacional “Sementes são um Patrimônio<strong>do</strong>s Povos a Serviço da Humanidade”.86 Bio<strong>diversidade</strong>, 20


<strong>Agrobio<strong>diversidade</strong></strong> e Diversidade CulturalBio<strong>diversidade</strong>, 2087

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