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Urbano Tavares Rodrigues - Público

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MIGUEL MADEIRALivros<strong>Urbano</strong>Quando o dia já se está a pôr, <strong>Urbano</strong> continua sentado à sua mesa de trabalho.18 • Ípsilon • Sexta-feira 2 Novembro 2007Simplesmente,Até lá foi um dia de conversa com o Ípsilon. Balanço de vida, é inevitável, com oinício da publicação das Obras Completas. E coro de unanimidade – com algumasexcepções – em fundo. Miguel S. Borges (texto), Miguel Madeira (fotografias)


“Tem muito talento.” A voz é trémula,mas assertiva. Meiga. Carinhosa.Afável. Apesar de adiantar que asua vista – já esteve à beira de ficarcego – já não dá para ler tudo o quelhe chega às mãos. E a romancistaMaria Velho da Costa, que foi suaaluna? “Muito talentosa! Basta o fulgurante‘Maina Mendes’, de 1969,ou o mais recente ‘Irene ou o ContratoSocial.” “Foi magnífico que elatenha tido o Camões, em 2002. Osbrasileiros mereciam conhecê-la.”Mas <strong>Urbano</strong> <strong>Tavares</strong> <strong>Rodrigues</strong> estácontente por outra razão: “Era umsonho antigo, o da publicação dasminhas Obras Completas.” Começouagora, com os primeiros contos/novelas(“A Porta dos Limites”, “Vida Perigosa”e “A Noite Roxa”), com um prefáciofino de Eugénio Lisboa, quesaíram quase em simultâneo a duasnovelas: “Ao Contrário das Ondas”(2006), “Os Cadernos Secretos doPrior do Crato” (2007).Maria Alzira Seixo (presidente daAssociação Portuguesa de LiteraturaComparada) também foi sua aluna,no seu primeiro ano da Faculdade deLetras de Lisboa (FAC). Lembra-se doprofessor. “Passava por mim e dizia:‘Sabe, trago sempre comigo a pastade dentes e o pijama.’” À época, finaisdos anos 50, Alzira achava desconcertanteo desabafo. Mas quando, em1958, apareceu “Uma Pedrada noCharco”, com que <strong>Urbano</strong> ganhou oseu primeiro prémio, o RicardoMalheiros da Academia de Ciências,percebeu o que o seu professor lhequeria dizer: “No mesmo dia o<strong>Urbano</strong> era chamado e às vezes presopela PIDE [a ex-polícia política daditadura de Salazar].” É taxativa: “Eletinha um grande carisma. Não direique fez uma escola. Tinha discípulosfervorosos, disso não tenho a menordúvida.”Uma delas era Maria Alves (hojeCavaco Silva). Um dia, <strong>Urbano</strong> pediulheum trabalho sobre Raul Brandão.Deu-lhe 19 valores. “Ela veio tercomigo ao bar da faculdade: estavatão emocionada que não conseguiadizer nada”, recorda.“O que o distingue da maioria dosprofessores era a maneira comocomunicava, o entusiasmo com quealargava novos horizontes que são asgrandes qualidades de todos os professoresde todos os tempos: é umícone”, diz Alzira Seixo.<strong>Urbano</strong> tinha-se licenciado emLetras com a tese “Manuel TeixeiraGomes – Introdução à sua Obra”(1950). O percurso literário do ex-Presidente da República (1923-1925)ficou, para sempre, inscrito nos trabalhos.A sua dissertação de doutoramentointitula-se “Manuel TeixeiraGomes: o Discurso do Desejo”(1984).“O que ele tentava sempre era descobriro que de melhor encontravaem cada um de nós, a ‘sensibilidade’com que cada um de nós comunicavacom os textos”, constata outra exaluna,a pessoana Teresa Rita Lopes:“Exercia um tal poder de seduçãoque as universitárias disputavam asprimeiras carteiras para lhe beberemas palavras e, sobretudo, os olhares.”“Nunca tive problemas com osmeus alunos”, diz calmamente<strong>Urbano</strong>. Logo acrescenta: “Agora lembro-me:[tive] um problema comAntónio Guerreiro. Numa cadeira deilheum 16 e ele fez-me uma fita. Queria19! Era um aluno inteligente, mascomplicado. E julgo que não gostadaquilo que escrevo.”O crítico do semanário “Expresso”António Guerreiro, quando contactadopelo Ípsilon, foi claro: “[Acho]espantoso, quase um prodígio, que<strong>Urbano</strong> <strong>Tavares</strong> <strong>Rodrigues</strong> se recorde,mais de 20 anos depois, da nota queme deu e construa com ela uma delirante‘cena originária’, como se dizna linguagem psicanalítica. ‘Originária’,mas pouco original, simples versãosimétrica da eterna fábula doaluno que diz que teve má nota, porqueo professor embirrou com ele.Este ‘petit élève’, na verdade, conhecepouco da obra de <strong>Urbano</strong>. Sempreque nela quis entrar, sentiu que permaneciaà distância e no exterior. Nãose trata de rejeição, de ‘não gostar’.Mário Cláudio“O aparecimento de <strong>Urbano</strong>na ficção portuguesa é notórioa partir dos finais da década de 50e significaria a ampliação doshorizontes contempladospor um neo-realismo.”“Os meus heróis?O meu irmão e ÁlvaroCunhal! Fiqueiencantado com oGorbatchov! Mas,volvidos estes anos,em questões de poder,a Rússia de Putininspira sériaspreocupações. Nãogosto nada dele”ADRIANO MIRANDA ADRIANO MIRANDAÉ antes uma inadequação ‘idiomática’em relação à escrita de <strong>Urbano</strong>e às suas representações.” E acrescenta:“Se o mundo literário fossedeterminado por uma harmonia préestabelecida,se fosse o melhor dosmundos possíveis, onde não há ‘cenasoriginárias’, nem <strong>Urbano</strong> nem a suaobra reclamariam o que quer quefosse de mim. E eu continuaria a olhálos,à distância, com respeito e delicadeza.”A Internacionale as mulheres!O romancista, crítico, professor, ensaísta,tradutor, poeta, apresentadorde livros muito bons, bons, suficientes,maus, é incapaz de um únicoreparo. “Todos temos os nossosmomentos menos bons. A vida dasletras e da criação é como a nossavida.”A vida? Temos de regressar a 1932,quando <strong>Urbano</strong> Augusto <strong>Tavares</strong><strong>Rodrigues</strong> nasce em Lisboa. O alfacinhaserá marcado, nos verdes anos,pelo Alentejo, Moura, onde faz a primária.Depois ingressa no LiceuCamões, onde encontra Luís FilipeLindley Cintra e o irmão de VascoGonçalves, António. “Éramos barrasa Matemática. [Mas] as letras já eramum bichinho que me consumiam. Porvolta dos 13, 14 anos, eu e o meuirmão Miguel líamos às gargalhadaso ‘Quixote’, de Cervantes” e as desventurasdo Sancho Pança. Antes dechegar à FAC, matricula-se em Direito.Nessa altura, porém, já andavametido na política e não aderiu àpraxe dos caloiros.”Resultado? “Apanhei uma valentetareia e fiquei com a terrível fama dezaragateiro.” A sua revolta era antiga.“Desde cedo senti um ódio ao Salazar.”Andou na Mocidade Portuguesa,“porque era obrigatório”. Porém, emvez de cantar o hino da juventudesalazarista, ele e o irmão Miguel jáentoavam a Internacional!Em 1944, começa a cursar Letrase quatro anos volvidos casa comMaria Judite de Carvalho, que viria afalecer em 1998, autora de marcanteslivros, como “Tanta Gente,Mariana” (1959).As vivências e asrecordações da vida (desvivida?) comMaria Judite perturbam <strong>Urbano</strong>. Osilêncio é de chumbo. Desabafa:“Tenho uma dívida imensa para comela. Não só porque a magoei no planoerótico – de que me arrependoimenso –, mas, tendo os dois génerosdiferentes de estilo e de escrita, ficaremosna história da literatura portuguesa.Se calhar ela é melhor doque eu... Mas fui eu que incentivei aMaria Judite a escrever.”Há 16 anos, <strong>Urbano</strong> encontrououtra mulher, a psiquiatra Ana Santos.Quandose lhe pergunta algosobre o seu encontro – existem 40anos a separá-los –, é para Ana difícilfalar sobre o seu actual companheiro.“É quase como explicar-me a mimprópria; ele faz parte de mim. Souuma mulher com muita sorte, porqueencontrei o <strong>Urbano</strong> e vivo com ele.Representa tudo o que admiro numhomem: a delicadeza, a coragem, obom gosto, a cultura, o trabalho, asolidariedade, a compaixão. Aindapor cima, foi o homem que me deuo melhor da minha vida, o meu filho.”A ele <strong>Urbano</strong> dedica o seu maisrecente livro, agora com dois anos:“É como canta o Pedro Abrunhosa,gosto dele ‘como uma estrela no dia’.É muito bonito não é?”Convidado, em 1955, pelo professorque mais o marcou em Letras,Vitorino Nemésio, para seu assistenteem Literatura Portuguesa e com umaregência de Literatura Francesa(Camus, Malraux e Sartre tiveramnele “uma grande influência”), o seucontrato é rescindido com uma explicaçãotípica do Estado Novo. O ministroda Educação de então, Leite Pinto,disse-lhe na cara: “Apesar de nãofazer política nas aulas, faz cá fora dafaculdade e arrasta o seus alunos consigo!”Para o regime ditatorial, foi pior aemenda que o soneto. Em 1959, participana Revolta da Sé, e esteve ligadoao assalto ao Quartel de Beja. Emmeados dos anos 60, por razões denatureza política, da estreita ditadurade Salazar, deixou de poder dar aulasem Portugal. Nas escolas públicasnem pensar, mas também nas privadas,como o Colégio Moderno ou noLiceu Francês.Quando se dá a Revolução dos Cravos,volta para a sua faculdade ejubila-se, em 1993, como professorcatedrático da FAC da Universidadede Lisboa. A sua vasta obra, entretanto,não deixa de ser estudada eatinge várias dezenas de títulos, entreconto, romance, crónica, ensaio epoesia.Seria fastidioso falar de todas suascolaborações, porque são extensas– em jornais (“Le Nouvel Observateur”,“JL”), revistas (“Colóquio/Letras”), director da revista “Europa”,redactor principal do “Jornal deLetras e Artes”. Curiosidades tambémhá. Foi actor, construindo o seuperfil num filme de Manoel de Oliveira:“Visita – Ou Memórias e Confissões”,de 1982, que nunca chegoua ser comercializado.Embora tenha somado prémios aolongo da carreira, sente-se injustiçadopor nunca ter conquistado o GrandePrémio de Romance e Novela da entãoextinta Sociedade Portuguesa de Autores,hoje APE, sobretudo quandoÍpsilon • Sexta-feira 2 Novembro 2007 • 19

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