4Préfaciode Mauro Passos, Presidente <strong>do</strong> Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas naAmérica Latina – IDEAL *O desafio social <strong>do</strong> etanol no seculo XXI: a caminho <strong>da</strong> sustentabili<strong>da</strong>deA pauta <strong>do</strong> século XXI está <strong>da</strong><strong>da</strong>. A agen<strong>da</strong> global tem que conciliar sustentabili<strong>da</strong>de ambiental,nova matriz energética e segurança alimentar. E nesse contexto, valorizar o termo rural passa paraa ordem <strong>do</strong> dia. Isso significa não só exaltar a produção agrícola nacional, seja o agronegócio oua agricultura familiar, mas promover o trabalho decente. Um desafio para o Brasil tão necessárioquanto a produção de alimentos ou a diversificação <strong>da</strong> matriz energética.Nosso país orgulha-se <strong>da</strong> produção de etanol <strong>da</strong> cana-de-açúcar, que desde a déca<strong>da</strong> de 1970mostrou que era possível ter um combustível limpo e assim destinar a riqueza <strong>do</strong> petróleo paraoutros fins mais nobres que a simples combustão para mover veículos. De lá para cá foram 40anos de investimentos em produção e novas tecnologias ao ponto <strong>do</strong> Brasil ser hoje reconheci<strong>do</strong>internacionalmente pela liderança no uso <strong>do</strong> biocombustível, impulsiona<strong>do</strong> pela indústria de carros<strong>do</strong> tipo FLEX. E o assunto ganha ain<strong>da</strong> mais corpo diante <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças climáticas, agora nãomais apenas anuncia<strong>da</strong>s, mas já vivi<strong>da</strong>s por populações em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.No entanto, tanta tecnologia e investimentos ain<strong>da</strong> não foram capazes de resolver uma chagana socie<strong>da</strong>de brasileira: o trabalho análogo à escravidão. E a tristeza de quem, como nós, defendemosar<strong>do</strong>rosamente o uso de energias limpas, é saber que o nosso etanol ain<strong>da</strong> leva consigoo suor e o sangue de trabalha<strong>do</strong>res maltrata<strong>do</strong>s e mal remunera<strong>do</strong>s nas imensas lavouras pelointerior <strong>do</strong> país.Nesse senti<strong>do</strong>, o texto de Viviane Regina <strong>da</strong> Silva é esclarece<strong>do</strong>r. Primeiro porque aponta o quãocruel ain<strong>da</strong> é o trabalho no campo, sobretu<strong>do</strong> no agronegócio. Basea<strong>da</strong> em relatórios sobre avi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res rurais, ela mostra o tamanho dessa feri<strong>da</strong>: “O <strong>setor</strong> <strong>sucro</strong>-energético registrou48% <strong>do</strong> total <strong>da</strong>s notificações de trabalha<strong>do</strong>res escravos em 2008, configuran<strong>do</strong> a libertaçãode 2.553 vítimas <strong>da</strong> escravidão contemporânea <strong>da</strong> indústria <strong>sucro</strong>-alcooleira, de um total nacionalde 5.266 vítimas.” E pior, relata as consequências para a saúde <strong>do</strong> indivíduo que enfrenta taiscondições de trabalho: “o corpo <strong>da</strong>s vítimas <strong>do</strong> trabalho escravo <strong>do</strong>s canaviais brasileiros é utiliza<strong>do</strong>como parte <strong>da</strong>s engrenagens <strong>da</strong> indústria sucor-alcooleira, sen<strong>do</strong> expostos a cargas físicas,químicas, biológicas e psicológicas, resultan<strong>do</strong> em <strong>do</strong>enças ocupacionais, traumas e acidentes detrabalho”.A indústria <strong>do</strong> combustível limpo pode ser responsável por uma nova geração de trabalha<strong>do</strong>res,enquadra<strong>da</strong> no que já se chama de “empregos verdes”. No entanto, para que um posto de trabalhoseja considera<strong>do</strong> “verde”, segun<strong>do</strong> a Organização Internacional <strong>do</strong> Trabalho, é preciso que ele seja,sobretu<strong>do</strong>, decente: que seja formal e contribua significativamente para reduzir emissões de carbonoe/ou para melhorar/conservar a quali<strong>da</strong>de ambiental.Assim, enquanto um trabalha<strong>do</strong>r rural estiver exposto a uma situação degra<strong>da</strong>nte e humilhante, aprodução de biocombustível não pode ser considera<strong>da</strong> uma fonte de empregos verdes. Conformemostrou Viviane neste artigo, a viabili<strong>da</strong>de econômica e ambiental necessária para os biocombustíveispassa, necessariamente, pela saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r canavieiro em sua plenitude.Viviane Regina <strong>da</strong> Silva tem se dedica<strong>do</strong> ao tema. Ela foi uma <strong>da</strong>s premia<strong>da</strong>s pelo Eco_Lógicas:POLÍTICA DE SAÚDE DOTRABALHADOR-Açúcar-Ético