13.07.2015 Views

impactos das alterações climáticas nos ecossistemas terrestres da ...

impactos das alterações climáticas nos ecossistemas terrestres da ...

impactos das alterações climáticas nos ecossistemas terrestres da ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

IMPACTOS DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NOS ECOSSISTEMAS TERRESTRES DAILHA DA MADEIRAM. J. Cruz 1 ; F. D. Santos 1 ; R. Aguiar 1 ; R. P. Oliveira 2 ; A. Correia 3 ; T. Tavares 3 ; J. S. Pereira 31 Facul<strong>da</strong>de de Ciências <strong>da</strong> UL, CCIAM - C1, Sala 1.4.39, Campo Grande, 1749-016 Lisboa.E-mail (M. J. Cruz): mjcruz@fc.ul.pt2 Facul<strong>da</strong>de de Ciências e Tecnologia <strong>da</strong> UNL, 2829-516 Caparica3Instituto Superior de Agronomia, Tapa<strong>da</strong> <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>, 1349-017 LisboaRESUMOAs <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> podem provocar elevados <strong>impactos</strong> <strong>nos</strong> sistemas naturais, incluindo <strong>nos</strong> recursoshídricos, na agricultura, nas florestas e na biodiversi<strong>da</strong>de. Ilhas como a Madeira são especialmente vulneráveis às<strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong>, uma vez que dependem de recursos naturais particularmente sensíveis à mu<strong>da</strong>nça do clima eque as possíveis medi<strong><strong>da</strong>s</strong> de a<strong>da</strong>ptação estão condiciona<strong><strong>da</strong>s</strong> por fortes limitações de natureza geográfica.A Madeira possui uma flora e fauna únicas com inúmeras espécies endémicas. As zonas costeiras, de baixaaltitude são predominantemente ocupa<strong><strong>da</strong>s</strong> por áreas urbanas e agricultura; as plantações florestais exóticasencontram-se a altitudes baixas ou médias. A Laurissilva, uma floresta nativa que constitui um ecossistemaextremamente raro e importante a nível mundial, ocorre até aos 1450m de altitude, sendo substituí<strong>da</strong> a altitudesmais eleva<strong><strong>da</strong>s</strong> por urzais e vegetação de montanha.No projecto CLIMAAT foram investigados os efeitos <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> <strong>nos</strong> <strong>ecossistemas</strong> <strong>terrestres</strong> <strong>da</strong> ilha<strong>da</strong> Madeira. Os modelos climáticos obtidos projectam uma subi<strong>da</strong> clara <strong>da</strong> temperatura média <strong>nos</strong> dois cenários.Esperam-se reduções significativas de precipitação - até 35% <strong>da</strong> precipitação actual. Como resultado, observa-seuma tendência clara de redução do volume de água (40% a 50%) disponível anualmente para a recarga e para oescoamento superficial.Os <strong>impactos</strong> nas culturas estu<strong>da</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> são tendencialmente positivos, pois o aumento <strong>da</strong> temperatura torna possível aexpansão <strong>da</strong> área agrícola em altitude, podendo ain<strong>da</strong> proporcionar aumentos de produtivi<strong>da</strong>de. A diminuição <strong>da</strong>precipitação deverá aumentar as necessi<strong>da</strong>des de rega, sobretudo nas cotas inferiores.O impacto global sobre as florestas deverá ser pouco visível durante o séc. XXI, embora seja provável que seiniciem processos de mu<strong>da</strong>nça na zonagem em altitude. A Laurissilva e a floresta de produção terão uma potencialexpansão em altitude <strong><strong>da</strong>s</strong> áreas favoráveis à sua ocupação. Para a vegetação de altitude, pelo contrário, espera-seuma redução <strong>da</strong> área favorável devido a uma retracção nas cotas inferiores. Esta redução de área favorável aoshabitats de altitude poderá levar à extinção de espécies de flora e de fauna associa<strong><strong>da</strong>s</strong>.As <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> poderão ain<strong>da</strong> provocar <strong>impactos</strong> indirectos imprevisíveis (e.g. incidência de pragas edoenças, expansão de espécies invasoras ou fenóme<strong>nos</strong> climáticos extremos), e resultar em <strong>alterações</strong>significativas <strong>da</strong> paisagem. Os resultados aqui apresentados permitem analisar algumas medi<strong><strong>da</strong>s</strong> de a<strong>da</strong>ptação quedeverão ser ti<strong><strong>da</strong>s</strong> em consideração em futuros pla<strong>nos</strong> de conservação.PALAVRAS-CHAVE: Alterações Climáticas; Ecossistemas; Impactos; Ilha <strong>da</strong> MadeiraINTRODUÇÃOAs <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> de origem antropogénica provoca<strong><strong>da</strong>s</strong> pelas emissões para a atmosfera de gases comefeito de estufa irão acentuar-se ao longo do século XXI (IPCC, 2001). Estas <strong>alterações</strong> do clima não sãohomogéneas, tendo <strong>impactos</strong> distintos em diferentes regiões, que pelo seu lado também apresentam diferentes grausde vulnerabili<strong>da</strong>de. Ilhas tal como a Madeira são especialmente vulneráveis às <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong>, na medi<strong>da</strong> emque dependem de recursos naturais particularmente sensíveis à mu<strong>da</strong>nça do clima – por exemplo os recursoshídricos, as zonas costeiras e a biodiversi<strong>da</strong>de – e porque fortes limitações de natureza geográfica condicionam aadopção de medi<strong><strong>da</strong>s</strong> de a<strong>da</strong>ptação (IPCC, 2001).Neste contexto o Governo Regional <strong>da</strong> Madeira entendeu promover com o Instituto de Ciência Aplica<strong>da</strong> eTecnologia <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Ciências <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Lisboa (ICAT) um estudo integrado sobre <strong>impactos</strong> e


opções de a<strong>da</strong>ptação às <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> na Região Autónoma <strong>da</strong> Madeira – o CLIMAAT II. O ICAT formouuma equipa multidisciplinar que se debruçou sobre dezenas de aspectos sectoriais, providenciando uma primeiraperspectiva sobre os efeitos e tendências que se vão fazer notar durante o século XXI. Neste artigo serãoapresentados os <strong>impactos</strong> e medi<strong><strong>da</strong>s</strong> de a<strong>da</strong>ptação às <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong>, <strong>nos</strong> recursos naturais <strong>da</strong> ilha <strong>da</strong> Madeira,designa<strong>da</strong>mente, recursos hídricos, agricultura, florestas e biodiversi<strong>da</strong>de.MÉTODOSCENÁRIOS CLIMÁTICOSFoi analisa<strong>da</strong> a evolução do clima <strong>da</strong> Madeira em dois cenários SRES (Special Report Emission Scenarios doIPCC – IPCC, 2001) de aquecimento global: A2 e B2. Foi utilizado um modelo termodinâmico simples, o CIELO,(MIRANDA et al., 2006) para regionalizar para a ilha <strong>da</strong> Madeira <strong>da</strong>dos do modelo de circulação global HadCM3(UK). Produziram-se cenários climáticos para 1961-1990 (período controlo) e 2070-2099. Os campos obtidos comeste modelo para o período de controlo são semelhantes à cartografia climática 1961-90 do Instituto de Meteorologiaproduzi<strong>da</strong> por interpolação de observações em diversas estações.RECURSOS HÍDRICOSOs <strong>impactos</strong> <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> fazem-se sentir, não só sobre a oferta e a quali<strong>da</strong>de <strong><strong>da</strong>s</strong> águas superficiais esubterrâneas, mas também sobre a procura dos recursos hídricos e sobre o risco de ocorrência de situações extremas,designa<strong>da</strong>mente cheias e secas. No presente estudo apresenta-se uma primeira análise quantifica<strong>da</strong> destes <strong>impactos</strong>na Madeira. Para tal utilizou-se uma variação do modelo matemático de Temez (SIAM, 2006). É um modeloagregado que simula à escala mensal os processos hidrológicos que ocorrem numa bacia hidrográfica, tendo como<strong>da</strong>dos de entra<strong>da</strong> as séries de precipitação e de evapotranspiração <strong>da</strong> bacia (obtidos a partir dos cenários climáticos).Os <strong>da</strong>dos de saí<strong>da</strong> do modelo compreendem valores mensais de escoamento, de recarga e de evapotranspiração real.O modelo foi calibrado para as bacias de ribeiras com estações hidrométricas. Foi também realiza<strong>da</strong> uma avaliaçãodo risco de inun<strong>da</strong>ção com base <strong>nos</strong> valores de precipitação diários obtidos <strong>nos</strong> cenários climáticos projectados.AGRICULTURAA agricultura na Ilha <strong>da</strong> Madeira é caracteriza<strong>da</strong> por um conjunto de especifici<strong>da</strong>des, nomea<strong>da</strong>mente quanto àorografia e aos declives acentuados, à reduzi<strong>da</strong> dimensão <strong><strong>da</strong>s</strong> explorações e ao grande peso <strong>da</strong> produção para autoconsumoe a tempo parcial. Desempenha no entanto um importante papel socio-económico na manutenção econservação <strong>da</strong> paisagem humaniza<strong>da</strong> característica <strong>da</strong> região mas também enquanto factor de equilíbrio ecológico esocial. As produções principais são a banana, vinhos e as culturas hortícolas, destacando-se entre estas a batata. Asáreas agrícolas concentram-se principalmente nas costas Sul e Este, pelas condições <strong>climáticas</strong> mais favoráveis,nomea<strong>da</strong>mente temperatura mais eleva<strong>da</strong> e menor frequência de neblinas e nevoeiros. A maior parte <strong><strong>da</strong>s</strong> culturas sãoproduzi<strong><strong>da</strong>s</strong> em regadio, devido à reduzi<strong>da</strong> precipitação que ocorre nas cotas mais baixas e à disponibili<strong>da</strong>de hídricaoriun<strong>da</strong> <strong>da</strong> precipitação nas cotas mais eleva<strong><strong>da</strong>s</strong>.Avaliaram-se cenários futuros para a cultura <strong>da</strong> banana, vinhas e batata. Alterações na distribuição potencialdestas culturas foram avalia<strong><strong>da</strong>s</strong> cruzando cenários de referência (i.e., distribuição actual) com os cenários climáticosproduzidos. As necessi<strong>da</strong>des de irrigação <strong><strong>da</strong>s</strong> culturas foram avalia<strong><strong>da</strong>s</strong> recorrendo ao sistema WIN ISAREG(TEIXEIRA, 2006.)FLORESTASA floresta <strong>da</strong> Madeira tem como características diferenciais a coexistência de uma flora endémica de grandeimportância científica e de conservação, em que se destacam pela sua originali<strong>da</strong>de as plantas lenhosas e umavegetação lenhosa introduzi<strong>da</strong> com diversos objectivos, desde a produção local de madeira até à protecção contra aerosão do solo (CAPELO et al., 2005; BORGES et al., 2008). A Laurissilva, ocorre principalmente entre os 800 e os1450 m de altitude (vertente exposta a Sul) e entre os 300 e os 1400 m de altitude (vertente exposta a Norte). Aaltitude superior ocorrem urzais, fortemente modificados pela activi<strong>da</strong>de humana (CAPELO et al., 2005). Avegetação costeira de baixa altitude com arbustos, herbáceas e plantas suculentas e restos de uma micro-floresta declima árido está hoje quase totalmente substituí<strong>da</strong> por agricultura e espaços urba<strong>nos</strong>. A baixa e média altitude foramintroduzi<strong><strong>da</strong>s</strong> espécies florestais exóticas, nomea<strong>da</strong>mente, pinheiro bravo, criptoméria, pseudotsuga, castanheiros ecarvalhos, mas também acácias e eucalipto (CAPELO et al., 2005).Foram estu<strong>da</strong>dos os <strong>impactos</strong> <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> sobre a distribuição potencial <strong><strong>da</strong>s</strong> florestas nativas eexótica. A metodologia usa<strong>da</strong> consistiu na comparação de uma situação de referência, construí<strong>da</strong> a partir do cenário


climático de controlo, com as situações produzi<strong><strong>da</strong>s</strong> com os cenários climáticos futuros (A2 e B2). Utilizou-se ummodelo de base fisiológica – Biome-BGC – para estimar os <strong>impactos</strong> <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> na produtivi<strong>da</strong>deprimária potencial <strong>da</strong> floresta. Este modelo foi usado em numerosos estudos à escala global e regional de <strong>impactos</strong>de <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> (e.g., WHITE et al., 2000; KANG et al., 2006). O modelo utiliza <strong>da</strong>dos climáticos diários enecessita <strong>da</strong> definição de diversos parâmetros. Ca<strong>da</strong> bioma é caracterizado por um conjunto de parâmetrosecofisiológicos que definem a resposta <strong><strong>da</strong>s</strong> plantas aos factores ambientais. Da<strong>da</strong> a escassez de <strong>da</strong>dos ecofisiológicossobre as espécies características <strong>da</strong> Laurissilva, utilizou-se a definição padrão de “floresta tropical e subtropical defolha perene” para representar este tipo de vegetação. Para as espécies exóticas, que são na sua maioria resi<strong>nos</strong>as,utilizámos as características ecofisiológicas do pinheiro bravo (definição padrão de resi<strong>nos</strong>as de folha perene).Foi calculado o risco de incêndio, usando o índice de severi<strong>da</strong>de diária DSR que define classes de risco deincêndio directamente proporcionais ao esforço de combate necessário para a sua extinção (DURÃO et al., 2005). ODSR pode ain<strong>da</strong> ser transformado num índice médio, o SSR (índice de severi<strong>da</strong>de sazonal), calculado para umadetermina<strong>da</strong> época de interesse. São ain<strong>da</strong> referidos os principais <strong>impactos</strong> indirectos, que embora não sejampossíveis de quantificar, podem modificar significativamente as tendências apresenta<strong><strong>da</strong>s</strong>.BIODIVERSIDADEAs ilhas constituem, regra geral, ver<strong>da</strong>deiros santuários para a manutenção <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de mundial. O seuisolamento favorece a evolução de plantas e animais endémicos, únicos nas suas características e na sua fragili<strong>da</strong>de.O arquipélago <strong>da</strong> Madeira compõe, juntamente com as ilhas canárias, um dos “hot-spots” de biodiversi<strong>da</strong>de domediterrâneo (MEDAIL & QUEZEL, 1997), contendo um dos maiores níveis de biodiversi<strong>da</strong>de a nível mundial(Borges et al., 2008). Por outro lado, a movimentação <strong><strong>da</strong>s</strong> espécies é limita<strong>da</strong>, sendo portanto mais vulneráveis às<strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> que nas áreas continentais. Com o nível de conhecimentos sobre espécies e <strong>ecossistemas</strong> actual,o estudo de <strong>impactos</strong> na Biodiversi<strong>da</strong>de na Ilha <strong>da</strong> Madeira fun<strong>da</strong>mentou-se na análise <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>alterações</strong> de habitats.RESULTADOSCENÁRIOS CLIMÁTICOSA análise de séries históricas de observações <strong>climáticas</strong> <strong>da</strong> Madeira e do Porto Santo indica importantestendências do clima médio do Arquipélago, no sentido de um aquecimento progressivo ao longo do último século,em fase com o aquecimento global mas a uma taxa francamente mais eleva<strong>da</strong>.Nos dois cenários futuros, A2 e B2, obteve-se uma subi<strong>da</strong> clara <strong>da</strong> temperatura média mas a uma taxa inferior àespera<strong>da</strong> para Portugal Continental, em virtude do carácter marca<strong>da</strong>mente marítimo do clima nesta região (SIAM,2006). O cenário B2 projecta um aquecimento <strong>da</strong> ordem dos 2 ºC e no cenário A2 o aumento de temperatura podeatingir os 3 ºC. Estes cenários projectam reduções significativas de precipitação no período de Outono, Inverno ePrimavera, e incrementos marginais no Verão. As maiores per<strong><strong>da</strong>s</strong> absolutas de precipitação ocorrem nas terras altas.As per<strong><strong>da</strong>s</strong> integra<strong><strong>da</strong>s</strong> são <strong>da</strong> ordem de um terço <strong>da</strong> precipitação anual actual.RECURSOS HÍDRICOSOs cenários estu<strong>da</strong>dos apresentam uma tendência clara de redução <strong>da</strong> disponibili<strong>da</strong>de de água à escala anual nailha <strong>da</strong> Madeira. As projecções apontam para uma redução de 40 a 50% do volume de água disponível anualmentepara a recarga e para o escoamento superficial. A redução <strong>da</strong> recarga deverá conduzir a um rebaixamento dos níveisfreáticos no aquífero vulcânico de base que se estima possa atingir, por exemplo 2 m na bacia dos Socorridos e 25 mna ribeira de Machico. Prevê-se também uma modificação dos cau<strong>da</strong>is de descarga dos aquíferos para as ribeiras,relaciona<strong>da</strong> com a redução espera<strong>da</strong> <strong>da</strong> recarga.É também expectável que se mantenha a tendência actual de aumento dos valores de concentração de cloretos <strong>da</strong>água subterrânea, motivado pelo rebaixamento dos níveis freáticos e pelo eventual aumento <strong>da</strong> extracção de água nascaptações por redução <strong><strong>da</strong>s</strong> disponibili<strong>da</strong>des hídricas de outras origens. O aumento esperado do nível do mar poderátambém potenciar o aumento do risco de intrusão salina.No que respeita ao risco de cheias, é expectável uma ligeira tendência de atenuação dos valores elevados deprecipitação, nomea<strong>da</strong>mente dos valores de precipitação que ocorrem entre 2 e 30 dias por ano. Esta diminuição nãoé, contudo, evidente no máximo anual <strong>da</strong> precipitação diária, pelo que não é possível identificar uma tendência clarapara o risco de cheias.AGRICULTURA


Os <strong>impactos</strong> nas culturas estu<strong>da</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> - banana, vinha e batata - são tendencialmente positivos, pois o aumento <strong>da</strong>temperatura torna possível a expansão <strong>da</strong> área agrícola em altitude. Podem ain<strong>da</strong> proporcionar aumentos deprodutivi<strong>da</strong>de no caso <strong>da</strong> banana e <strong>da</strong> batata de Outono-Inverno. O caso <strong>da</strong> vinha é de difícil análise devido aodesconhecimento do comportamento <strong><strong>da</strong>s</strong> castas regionais em função do clima, mas é possível que se verifiquemaumentos na graduação alcoólica obti<strong>da</strong>, principalmente nas zonas actualmente limita<strong><strong>da</strong>s</strong> pela baixa temperatura. Adiminuição <strong>da</strong> precipitação deverá aumentar as necessi<strong>da</strong>des de rega no campo e reduzir a disponibili<strong>da</strong>de de águapara irrigação, sobretudo nas cotas inferiores (tabela 1).Tabela 1: Variação nas necessiades de rega para as culturas de banana, vinhas e batata em percentagem do cenário controlo.Cenário Altitude Banana Vinhas BatataA2 120 m 13,10% 12.6% 10,20%B2 120 m 9,50% 6.3% 6,90%A2 700 m 16,30% 5.8% 7,60%B2 700 m 9,70% 0.2% 5,00%FLORESTASProjecta-se uma acentua<strong>da</strong> expansão em altitude <strong>da</strong> área potencial <strong>da</strong> floresta exótica, em particular no cenárioA2, que apresenta um maior aumento <strong>da</strong> temperatura. Estes aumentos são acompanhados de reduções na áreapotencial nas cotas inferiores, mas a incerteza aqui é maior, devido à dificul<strong>da</strong>de na simulação <strong>da</strong> precipitação. Azonagem para a floresta <strong>da</strong> Laurissilva está apresenta<strong>da</strong> na figura 1. A área potencial calcula<strong>da</strong> reflecte a área comcondições <strong>climáticas</strong> semelhantes às zonas onde existe de facto Laurissilva. Verifica-se uma expansão acentua<strong>da</strong> <strong>da</strong>área potencial para as cotas mais eleva<strong><strong>da</strong>s</strong>, atingindo as cotas mais altas <strong>da</strong> ilha, acompanha<strong>da</strong> por uma contracção,também acentua<strong>da</strong>, nas cotas inferiores. Esta contracção também tem associa<strong>da</strong> bastante incerteza, pelas razões jáapresenta<strong><strong>da</strong>s</strong>. A área potencial no cenário A2 é muito inferior à do cenário B2, reflectindo as condições mais ári<strong><strong>da</strong>s</strong>do primeiro cenário climático.a) Distribuição potencial e ocupação actual <strong>da</strong> Laurissilva no cenário de controlo


) Distribuição potencial <strong>da</strong> Laurissilva no cenário A2 c) Distribuição potencial <strong>da</strong> Laurissilva no cenário B2Figura 1 - Distribuição geográfica potencial e ocupação <strong>da</strong> Laurissilva no cenário de controlo (a); distribuição geográficapotencial <strong>da</strong> Laurissilva <strong>nos</strong> cenários futuros (b,c).a) Distribuição potencial e ocupação actual dos urzais no cenário de controlob) Distribuição potencial dos urzais no cenário A2 c) Distribuição potencial dos urzais no cenário B2Figura 2 - Distribuição geográfica potencial e ocupação dos urzais no cenário de controlo (a); distribuição geográfica potencialdos urzais <strong>nos</strong> cenários futuros (b,c).Tanto a floresta de produção como a Laurissilva terão uma potencial expansão <strong>da</strong> sua área de distribuição <strong>da</strong>doque a expansão em altitude será maior que a contracção nas cotas mais baixas. Para os Urzais de altitude a evoluçãoé semelhante aos tipos de vegetação anterior: verifica-se uma expansão para cotas mais eleva<strong><strong>da</strong>s</strong> e uma contracçãonas cotas inferiores, embora as áreas se reduzam de forma acentua<strong>da</strong> devido a estes matos predominarem nas zonas


de maior altitude, restando pouco espaço a cotas mais eleva<strong><strong>da</strong>s</strong> (Fig. 2). Esta tendência é mais marca<strong>da</strong> no cenárioA2, onde poderá mesmo <strong>da</strong>r-se o seu desaparecimento.Prevê-se um aumento <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong>de potencial na floresta exótica e Laurissilva, que se poderá traduzir numaexpansão <strong><strong>da</strong>s</strong> áreas favoráveis a este tipo de ocupação e também, embora com maior incerteza, ao aumento <strong><strong>da</strong>s</strong> taxasde crescimento e, portanto, de produção de madeira.O impacto <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> no risco meteorológico de incêndio é baixo. Não se verifica uma alteraçãoespacial significativa <strong>da</strong> zona com maior risco, que se restringe fun<strong>da</strong>mentalmente à zona litoral <strong>da</strong> costa Sul, atéuma altitude de cerca de 600-700m. Dado que as ocupações do solo predominantes nesta área são a agricultura e osespaços urbanizados, verifica-se que o risco real de incêndio é baixo. O maior risco para esta zona é certamente apossibili<strong>da</strong>de de aumento <strong><strong>da</strong>s</strong> áreas agrícolas abandona<strong><strong>da</strong>s</strong>, que poderão evoluir para formações vegetais de eleva<strong>da</strong>combustibili<strong>da</strong>de. Em altitude há uma tendência para uma pequena subi<strong>da</strong> do risco de incêndio devido ao aumento<strong>da</strong> temperatura.O impacto global sobre a floresta Laurissilva deverá ser pouco visível durante o séc. XXI, embora seja provávelque se iniciem processos de mu<strong>da</strong>nça na zonagem em altitude a mais longo prazo, i.e., vários séculos. Para além dos<strong>impactos</strong> directos, são possíveis to<strong>da</strong> uma série de <strong>impactos</strong> indirectos que não é possível quantificar nem prever,como, por exemplo, a introdução de pragas e doenças, cujo desenvolvimento pode beneficiar <strong><strong>da</strong>s</strong> novas condições<strong>climáticas</strong>; a alteração <strong>da</strong> tolerância a pragas e doenças já existentes devido à mu<strong>da</strong>nça do clima; ou a ocorrência defenóme<strong>nos</strong> climáticos extremos como secas ou on<strong><strong>da</strong>s</strong> de calor prolonga<strong><strong>da</strong>s</strong>. Estes fenóme<strong>nos</strong> poderão alterarprofun<strong>da</strong>mente a dinâmica <strong>da</strong> vegetação (PEREIRA et al. 2002). Portanto, embora os <strong>impactos</strong> directos nas florestas<strong>da</strong> Madeira sejam genericamente positivos, os <strong>impactos</strong> indirectos poderão contrariar e inverter esta tendência, eresultar em <strong>alterações</strong> significativas <strong>da</strong> paisagem florestal.BIODIVERSIDADEO impacto esperado <strong>nos</strong> habitats de altitude, i.e., a tendência para a redução <strong>da</strong> sua implantação às zonas maiseleva<strong><strong>da</strong>s</strong>, poderá levar, no limite à extinção de espécies de flora e de fauna associa<strong><strong>da</strong>s</strong>, como é o caso emblemático<strong>da</strong> Freira <strong>da</strong> Madeira. Contudo, em reflexo deste impacto negativo surge um impacto positivo no habitat <strong>da</strong>Laurissilva: as associações vegetais que o compõem terão tendência a estabelecer-se nas áreas anteriormenteocupa<strong><strong>da</strong>s</strong> com vegetação de altitude. Esta alternância vegetativa será feita gradualmente, com as associaçõesvegetativas a sucederem-se umas às outras até atingirem o clímax.CONCLUSÕESAs <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> vêm colocar um sério desafio à gestão dos recursos hídricos <strong>da</strong> Madeira. A capaci<strong>da</strong>de<strong><strong>da</strong>s</strong> actuais infra-estruturas de satisfazerem as necessi<strong>da</strong>des de água deverá ficar substancialmente diminuí<strong>da</strong>. Estecenário pode ain<strong>da</strong> ser agravado se, em paralelo, aumentarem <strong><strong>da</strong>s</strong> necessi<strong>da</strong>des de água, em particular para a rega.Neste quadro, impõe-se a necessi<strong>da</strong>de de adoptar uma atitude pró-activa na gestão dos recursos hídricos, basea<strong>da</strong> naracionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> utilização de um recurso que tende a tornar-se ca<strong>da</strong> vez mais escasso e no reforço <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de dea<strong>da</strong>ptação dos sistemas hídricos. É também fun<strong>da</strong>mental aprofun<strong>da</strong>r o conhecimento sobre a hidrologia <strong>da</strong> região, demodo a acompanhar a evolução projecta<strong>da</strong> e antecipar, com menor incerteza, os contor<strong>nos</strong> e a dinâmica <strong>da</strong> novareali<strong>da</strong>de.As <strong>alterações</strong> espera<strong><strong>da</strong>s</strong> na agricultura, florestas e biodiversi<strong>da</strong>de podem alterar significativamente os recursoseconómicos e estéticos <strong>da</strong> região. As <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> irão ter <strong>impactos</strong> nas áreas <strong>climáticas</strong> favoráveis para asdiferentes culturas e florestas e poderão potenciar <strong>alterações</strong> no uso dos solos. A evolução <strong><strong>da</strong>s</strong> suas áreas dedistribuição dependerá não apenas do clima mas também <strong><strong>da</strong>s</strong> práticas de gestão aplica<strong><strong>da</strong>s</strong> (e.g. politicas agrícolas,avanços tecnológicos, investimento). A agricultura e florestas podem desempenhar um papel muito importante naa<strong>da</strong>ptação às <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong>. A a<strong>da</strong>ptação <strong><strong>da</strong>s</strong> culturas/castas às condições <strong>climáticas</strong> futuras poderá diminuiros <strong>impactos</strong> deste sector <strong>nos</strong> recursos hídricos e aumentar a produtivi<strong>da</strong>de agrícola <strong>da</strong> região. As florestas podemcontribuir significativamente para a precipitação horizontal, aju<strong>da</strong>ndo à regulação do ciclo hidrológico. Medi<strong><strong>da</strong>s</strong> dea<strong>da</strong>ptação nestes sectores poderão ter resultados muito significativos.A a<strong>da</strong>ptação do sector agrícola às <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> deverá passar por quatro áreas distintas: 1) fortalecimentodos conhecimentos técnicos e científicos; 2) desenvolvimentos agronómicos (incluindo ajustamento de culturas,castas, <strong>da</strong>tas de irrigação etc. às <strong>alterações</strong> <strong>climáticas</strong> espera<strong><strong>da</strong>s</strong>); 3) desenvolvimentos tecnológicos (e.g., para umeficiente uso <strong>da</strong> água); e 4) medi<strong><strong>da</strong>s</strong> financeiras/ económicas. Para o sector florestal, as medi<strong><strong>da</strong>s</strong> de a<strong>da</strong>ptação terãode ser pensa<strong><strong>da</strong>s</strong> com a maior antecedência possível <strong>da</strong>do o longo ciclo de vi<strong>da</strong> <strong><strong>da</strong>s</strong> espécies arbóreas. Há uma grande


falta de conhecimentos no que respeita a distribuição e caracterização <strong><strong>da</strong>s</strong> espécies assim como do funcionamento eserviços <strong><strong>da</strong>s</strong> florestas. É necessário estu<strong>da</strong>r em maior profundi<strong>da</strong>de a Laurissilva e reconverter áreas agrícolasabandona<strong><strong>da</strong>s</strong> em florestas. Recomen<strong>da</strong>-se uma maior aposta nas espécies autóctones para a floresta de produção,devido aos maiores benefícios a longo prazo, não só em termos económicos como também ecológicos epaisagísticos.A capaci<strong>da</strong>de <strong><strong>da</strong>s</strong> espécies de se a<strong>da</strong>ptarem às <strong>alterações</strong> do clima e consequentes <strong>alterações</strong> <strong>nos</strong> habitats será umfactor determinante para a sua conservação. No entanto, o futuro <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de na Madeira está intimamenterelacionado com as estratégias de a<strong>da</strong>ptação adopta<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>nos</strong> outros sectores, nomea<strong>da</strong>mente, florestas, agricultura ezonas costeiras. Políticas e medi<strong><strong>da</strong>s</strong> de conservação terão de ter em conta potenciais <strong>impactos</strong> <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>alterações</strong><strong>climáticas</strong> na biodiversi<strong>da</strong>de e recursos naturais de modo a optimizar a sua sustentabili<strong>da</strong>de a longo prazo.REFERÊNCIASBORGES, P.A.V., C. ABREU, A.M.F. AGUIAR, P. CARVALHO, S. FONTINHA, R. JARDIM, I. MELO, P.OLIVEIRA, A.R.M. SERRANO & P. VIEIRA. (2008) - A List of the Terrestrial Fungi, Flora and Fauna ofMadeira and Selvagens Archipelago. Direcção Regional do Ambiente <strong>da</strong> Madeira & Universi<strong>da</strong>de dos Açores,Funchal e Angra do Heroísmo, 440pp.CAPELO, J., M. SEQUEIRA, R. JARDIM, S. MESQUITA & J. C. COSTA. (2005) - The Vegetation of MadeiraIsland (Portugal) - A brief overview and excursion guide. Quercetea 7: 95-122.DURÃO, R. M., J. A. CORTE-REAL, J. M. C. PEREIRA, & I. C. MENEZES. (2005) - The Meteorological Risk ofFire over continental Portugal from HadRM3 simulations and the Canadian Forest Fire Weather Index System(CFFWIS). Geophysical Research Abstracts, Vol. 7.IPCC, 2001 – Climate Change 2001: Impacts, A<strong>da</strong>ptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II tothe IPCC Third Assessment Report.KANG, S., J. S. KIMBALL & S. W. RUNNING. (2006) - Simulating effects of fire disturbance and climate changeon boreal forest productivity and evapotranspiration. Science of The Total Environment 362(1-3): 85-102.MEDAIL, F. & QUEZEL, P. (1997) - Hot-Spots Analysis for Conservation of Plant Biodiversity in theMediterranean Basin. Annals of the Missouri Botanical Garden, Vol. 84, 112-127.MIRANDA, P.M.A., M.A.VALENTE, A.R. TOMÉ, R. TRIGO, F. COELHO, A. AGUIAR & E.B. AZEVEDO.(2006) - O clima de Portugal <strong>nos</strong> séculos XX e XXI. 2º Capítulo in Santos, F.D. e P. Miran<strong>da</strong> (Editores):Alterações <strong>climáticas</strong> em Portugal: Cenários, <strong>impactos</strong> e medi<strong><strong>da</strong>s</strong> de a<strong>da</strong>ptação - Projecto SIAM II. Gradiva,Lisboa, Portugal, 506pp.PEREIRA, J. S., M. M. CHAVES, M. C. CALDEIRA & A. V. CORREIA (2006) - Water availability andproductivity. In Plant growth and climate change. J. I. L. Morison & M. D. Morecroft (eds). London, Blackwells:118-145.SIAM II (2006). Alterações Climáticas em Portugal – Cenários, Impactos e Medi<strong><strong>da</strong>s</strong> de A<strong>da</strong>ptação. Projecto SIAMII. F. D. Santos e P. Miran<strong>da</strong> (Eds.) Editorial Gradiva, Lisboa. 505 pp. ISBN 989-616-081-3.TEIXEIRA, J.L. (2006). - Manual Do Programa Isareg (Versão w1.1), obtido emhttp://www.isa.utl.pt/der/EngArquitectura/programa_isareg.htmWHITE, M. A., P. E. THORNTON, S. W. RUNNING & R. R. NEMANI. (2000) - Parameterization and SensitivityAnalysis of the BIOME-BGC Terrestrial Ecosystem Model: Net Primary Production Controls. Earth Interactions4(3): 1-85.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!