13.07.2015 Views

processo de realojamento e apropriação do espaço num bairro ...

processo de realojamento e apropriação do espaço num bairro ...

processo de realojamento e apropriação do espaço num bairro ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

PROCESSO DE REALOJAMENTOE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇONUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOHélia Bracons


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOBiblioteca Nacional <strong>de</strong> Portugal - Catalogação na PublicaçãoBRACONS, HéliaPROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO.(Teses; 39)ISBN 978-989-685-048-7CDU 364365316PromotorOBSERVATÓRIO DA IMIGRAÇÃOwww.oi.acidi.gov.ptAutorAHÉLIA BRACONSEdiçãoALTO-COMISSARIADO PARA A IMIGRAÇÃOE DIÁLOGO INTERCULTURAL (ACIDI, I.P.)rua álvaro coutinho, 14, 1150-025 lisboaTelefone: (00 351) 21 8106100 Fax: (00 351) 21 8106117E-Mail: acidi@acidi.gov.ptEXECUÇÃO GRÁFICAANTÓNIO SOUTOISBN978-989-685-048-7Lisboa, DEZEMBRO 2012Hélia Bracons2


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICODissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em Serviço SocialAutora: Hélia BraconsOrienta<strong>do</strong>ra: Professora Doutora Marília <strong>de</strong> Carvalho Seixas Andra<strong>de</strong>Instituto Superior <strong>de</strong> Serviço Social <strong>de</strong> Lisboa2003Hélia Bracons3


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“ O espaço, enquanto agente ativo <strong>de</strong> inscrição das práticas sociais,é uma realida<strong>de</strong> completa cuja análise <strong>de</strong>ve incluir, para além dascaracterísticas <strong>do</strong> próprio espaço físico, uma imensidão <strong>de</strong> variáveissociais e culturais a partir das quais se geram situações específicase sistemas <strong>de</strong> imagens e representações, <strong>do</strong>s quais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá emgran<strong>de</strong> medida o mo<strong>do</strong> como cada indivíduo apreen<strong>de</strong> e se apropria<strong>de</strong>sse espaço”Helena Gonçalves, 1994Hélia Bracons4


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOÍNDICELISTA DE ABREVIATURAS 8PREFÁCIO 9NOTA PRÉVIA 13RESUMO 15ABSTRACT 16INTRODUÇÃO 17PARTE I –CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA E OBJETO DA PESQUISA 191. ENQUADRAMENTO TEÓRICO 221.1. Breve história <strong>do</strong> alojamento social em portugal 241.2. O papel das autarquias e <strong>do</strong> serviço social no alojamento social 301.3. O <strong>realojamento</strong> e os para<strong>do</strong>xos <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong> 371.4. Satisfação resi<strong>de</strong>ncial 461.5. Apropriação <strong>do</strong> alojamento/espaço 481.6. Minorias étnicas e grupos étnicos na socieda<strong>de</strong> portuguesa 521.7. Cultura 562. A ESCOLHA DO OBJETO DE ESTUDO 59PARTE II – ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO 611. METODOLOGIA DE PESQUISA: UMA ABORDAGEM QUALITATIVA 612. TÉCNICA DE RECOLHA DE DADOS 643. PERFIL DA POPULAÇÃO ENTREVISTADA 664. ANÁLISE DE CONTEÚDO 69Hélia Bracons5


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOPARTE III – APRESENTAÇÃO, ANÁLISEE INTERPRETAÇÃO DOS DADOS 721. BREVE CARACTERIZAÇÃO SOCIAL E URBANÍSTICADO BAIRRO QUINTA DA VITÓRIA 722. BREVE CARACTERIZAÇÃO SOCIAL E URBANÍSTICADO BAIRRO AV. ALFREDO BENSAÚDE 793. CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO ENTREVISTADA 804. SATISFAÇÃO RESIDENCIAL 844.1. Avaliação subjetiva <strong>do</strong> espaço priva<strong>do</strong>: a casa 844.1.1. Sala <strong>de</strong> estar 924.1.2. Cozinha 954.1.3. Quarto <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir 984.1.4. Quarto <strong>de</strong> banho 994.1.5. Espaço e lugar <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à oração/culto e a importânciada religião 994.2. Avaliação subjetiva <strong>do</strong> espaço semipúblico: relações <strong>de</strong>vizinhança e re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> 1034.3. Avaliação subjetiva <strong>do</strong> espaço público: o <strong>bairro</strong> 1134.4. Atitu<strong>de</strong>s face ao alojamento anterior (barraca) 1194.5. Atitu<strong>de</strong>s face ao <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> 126CONCLUSÕES 131GLOSSÁRIO GUJARATI 146BIBLIOGRAFIA 148Hélia Bracons6


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOAPÊNDICES E ANEXOSAPÊNDICE I – GUIÃO DE ENTREVISTA 156Anexo I – Mapa <strong>de</strong> localização (freguesia da portela) 161Anexo II – Mapa <strong>do</strong> <strong>bairro</strong> quinta da vitória por grupos étnicos 162Anexo III – Mapa <strong>do</strong>s estabelecimentos comerciais existentesno <strong>bairro</strong> quinta da vitória 163Anexo IV – Mapa das associações e locais <strong>de</strong> culto existentesno <strong>bairro</strong> quinta da vitória 165Anexo V – Mapa <strong>do</strong> <strong>bairro</strong> quinta da vitória após a <strong>de</strong>moliçãodas barracas das famílias realojadas 167ÍNDICE DE QUADROSQuadro 1 – caracterização geral da amostra 68Quadro 2 – número <strong>de</strong> famílias e número <strong>de</strong> indivíduos 75Quadro 3 – número <strong>de</strong> famílias por nacionalida<strong>de</strong> 76Quadro 4 – número <strong>de</strong> famílias por país <strong>de</strong> origem 77Quadro 5 – distribuição por escalões etários 78Quadro 6 – composição por grupo étnico 81Quadro 7 – tipologia <strong>do</strong>s fogos por grupo étnico 81Quadro 8 – ocupação por grupo étnico 82Quadro 9 – composição etária por grupo étnico 83Quadro 10 – esta<strong>do</strong> civil <strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>ntes por grupo étnico 83Quadro 11 – quadro síntese das conclusões 139Hélia Bracons7


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOLISTA DE ABREVIATURASAML – ÁREA METROPOLITANA DE LISBOAFAIH – FUNDO DE APOIO AO INVESTIMENTO HABITACIONALFFH – FUNDO DE FOMENTO DE HABITAÇÃOGEBALIS – GESTÃO DE BAIRROS MUNICIPAIS DE LISBOAGIL – GABINETE DE INTERVENÇÃO LOCALGTH – GABINETE TÉCNICO DE HABITAÇÃOIGAPHE – INSTITUTO DE GESTÃO E ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIOHABITACIONAL DO ESTADOIPSS – INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIALINH – INSTITUTO NACIONAL DE HABITAÇÃOPER – PROGRAMA ESPECIAL DE REALOJAMENTOPIMP – PROJETO DE INTERVENÇÃO A MÉDIO PRAZOSAAL – SERVIÇO DE APOIO AMBULATÓRIO LOCALHélia Bracons8


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOPREFÁCIOA capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho, a perseverança e a competência teórica <strong>de</strong> HéliaAugusta tornaram-na autora <strong>de</strong>sta obra.A postura ética, o respeito e o relacionamento positivo com as famíliasrealojadas, quan<strong>do</strong> da realização da investigação empírica, bem como ossaberes e as competências culturais <strong>de</strong>sses grupos <strong>de</strong> famílias, tornaram-nasartífices da dissertação.É, portanto, uma investigação e um texto suporta<strong>do</strong>s pelos pressupostos epelas construções teóricas <strong>do</strong> Serviço Social que tenho o prazer <strong>de</strong> apresentar.Olhar <strong>de</strong> novo para o trabalho <strong>de</strong> Hélia, termina<strong>do</strong> em 2003, trouxe à memóriao nosso percurso intelectual conjunto e apercebi-me, com a distânciaque já adquirimos, das muitas qualida<strong>de</strong>s (e também <strong>de</strong> algumasdas lacunas). Mas o mais importante é que, com este novo olhar, tive aoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perceber melhor as possibilida<strong>de</strong>s que se abriram comesse tempo <strong>de</strong> reflexão que acompanhei e com o texto da autora, agorapublica<strong>do</strong>.Um eixo ou um foco <strong>do</strong> trabalho é a competência cultural, <strong>do</strong>s assistentessociais e também <strong>do</strong>s diferentes grupos étnicos envolvi<strong>do</strong>s no <strong>processo</strong><strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>. Eis um <strong>do</strong>s pólos inova<strong>do</strong>res que, sei, a autora procuracontinuar a <strong>de</strong>senvolver e investigar no <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>utoramento.Significa, portanto, que Hélia Augusta continua a dar uma particular atençãoàs mudanças culturais que acontecem no mun<strong>do</strong> contemporâneo, porvia da crescente mobilida<strong>de</strong> e da emergência <strong>de</strong> novos habitantes nas cida<strong>de</strong>s.Gentes <strong>de</strong> outras paragens, com outras tradições culturais e religiosase outros mo<strong>do</strong>s viver que se apropriam diferentemente das habitaçõese respetivas envolventes, como aconteceu no território <strong>do</strong>s <strong>bairro</strong>sestuda<strong>do</strong>s.Diferentes registos <strong>de</strong> vidas vividas, noutros espaços societários, misturam-se.Tradições muito diversas po<strong>de</strong>m ser, afinal, possibilida<strong>de</strong>s abertas <strong>de</strong> comunicação,<strong>de</strong> conhecimento e <strong>de</strong> interação ressignificante.Hélia Bracons9


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICONão ficam esqueci<strong>do</strong>s, no trabalho da autora, os constrangimentos sofri<strong>do</strong>spelas trajetórias que os agrega<strong>do</strong>s familiares foram coagi<strong>do</strong>s a percorrer,pelas situações vividas, <strong>de</strong> ameaça, exclusão e <strong>de</strong>sgosto. Mas oreforço <strong>do</strong>s aspetos positivos e das oportunida<strong>de</strong>s é a característica pre<strong>do</strong>minante.A realida<strong>de</strong> pós-colonial, para além <strong>do</strong>s traumatismos eventualmentecausa<strong>do</strong>s por uma diáspora não <strong>de</strong>sejada, abriu novas perspetivas e, localmente,em <strong>do</strong>is <strong>bairro</strong>s <strong>do</strong> concelho <strong>de</strong> Loures, estabeleceram-se novosrelacionamentos, emergiram novas expressões <strong>de</strong> convivência e <strong>de</strong>intercâmbio <strong>de</strong> diferentes mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> apropriação <strong>do</strong>s espaços <strong>de</strong> vida e davida.O trabalho agora publica<strong>do</strong>, favorece a compreensão <strong>do</strong> fenómeno da imigraçãoe da interculturalida<strong>de</strong>, media<strong>do</strong> pela questão da apropriação <strong>do</strong>alojamento e espaços envolventes à habitação, no cruzamento das competênciasculturais com os <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> a cargo <strong>do</strong>s assistentessociais.Conforme as conclusões <strong>do</strong> trabalho, as famílias, <strong>de</strong> origem africana, indianae portuguesa, apropriam-se <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico e <strong>do</strong>s espaçosenvolventes, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as suas referências culturais e religiosas. Osespaços da casa foram portanto diferentemente organiza<strong>do</strong>s e adapta<strong>do</strong>sconforme as referências originais das diversas etnias.Através <strong>de</strong> uma abordagem etnometo<strong>do</strong>lógica, a autora <strong>de</strong>monstra comoa perceção, a avaliação e apropriação <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico e <strong>do</strong>s espaçosenvolventes, foram fortemente influencia<strong>do</strong>s pelas re<strong>de</strong>s familiares e pelasreferências religiosas <strong>do</strong>s diferentes grupos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s.Há que sublinhar a pesquisa rigorosa e interessante, bem sustentada empíricae teoricamente que possibilitou a Hélia Augusta a construção dadissertação. Um texto que nos dá a conhecer a interferência, a interseçãoe a ressignificação <strong>do</strong>s fatores culturais e religiosos na apropriação <strong>do</strong>sespaços, na reorganização <strong>do</strong>s quotidianos, na recuperação <strong>do</strong>s acontecimentose <strong>do</strong>s rituais familiares e comunitários.Um outro eixo importante da investigação pren<strong>de</strong>-se com a eficácia simbólica<strong>do</strong> agir <strong>do</strong> assistente social.Hélia Bracons10


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOA atenção da autora recaiu sobre os fundamentos teóricos e sobre a meto<strong>do</strong>logiae as opções <strong>do</strong> <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> que cruzou com asquestões da autonomia e heteronomias <strong>do</strong>s assistentes sociais face à articulaçãoentre as situações <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s familiares realoja<strong>do</strong>s, asrelações <strong>de</strong> vizinhança e as contingências político-administrativas e normativasdas medidas <strong>de</strong> política social e os procedimentos regulamenta<strong>do</strong>sao nível da autarquia.A investiga<strong>do</strong>ra analisou os aspetos referi<strong>do</strong>s, também através <strong>do</strong> discurso<strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s familiares, o que sen<strong>do</strong> uma opção com alguns riscos(calcula<strong>do</strong>s) trouxe uma maior capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento da competênciacultural e avaliativa <strong>do</strong>s mesmos agrega<strong>do</strong>s.Sen<strong>do</strong> uma pesquisa exploratória <strong>de</strong> tipo qualitativo, territorialmente situada,com uma base empírica importante incidin<strong>do</strong> no universo sóciosimbólico <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res, Hélia Augusta, faz uma incursão histórica sobrea questão da habitação, situa a questão das migrações, dá conta <strong>de</strong>um referencial teórico em torno da apropriação e satisfação resi<strong>de</strong>ncial, esustenta-se <strong>num</strong>a abordagem teórico-analítica sobre o Serviço Social e oagir <strong>do</strong> assistente social.Os <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> investigação, a produção <strong>de</strong> capital simbólico e a suacomunicação e divulgação, são também formas <strong>de</strong> intervir na realida<strong>de</strong>.Dão a conhecer a outros matéria <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate e possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> argumentare encontrar consensos e dissensos, sempre impulsiona<strong>do</strong>res <strong>de</strong> novasconstruções e <strong>de</strong> protocolos constituintes <strong>de</strong> plataformas <strong>de</strong> pesquisa inova<strong>do</strong>ras.Existe, portanto, a convicção <strong>de</strong> que a investigação e o trabalho <strong>de</strong> elaboraçãodas dissertações só toma senti<strong>do</strong>, só se torna socialmente útil,quan<strong>do</strong> é comunica<strong>do</strong> a outros investiga<strong>do</strong>res, a estudantes e a outrosinteressa<strong>do</strong>s, incluin<strong>do</strong> os sujeitos centrais <strong>do</strong> enre<strong>do</strong>, aqueles que contribuíramcom as situações <strong>de</strong> vida, os grupos envolvi<strong>do</strong>s no <strong>processo</strong> <strong>de</strong><strong>realojamento</strong> da Quinta da Vitória, e os profissionais <strong>do</strong> terreno.A capacida<strong>de</strong> heurística <strong>de</strong>ste texto <strong>de</strong> Hélia Augusta não vai <strong>de</strong>ixar osleitores sossega<strong>do</strong>s. Lança o <strong>de</strong>safio da reflexão crítica sobre mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong>investigar e <strong>de</strong> agir <strong>do</strong>s assistentes sociais por relação às políticas <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>,ao direito à habitação e à vivência segun<strong>do</strong> padrões culturais eexperienciais ‘estrangeiros’.Hélia Bracons11


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOPara o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Serviço Social, o trabalho da autora, torna urgente eobrigatória a tarefa <strong>de</strong> repensar i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e comportamentos profissionais.Em tempos <strong>de</strong> incertezas, impon<strong>de</strong>rabilida<strong>de</strong>s e emergências, a procuraresponsável <strong>de</strong> novos mo<strong>do</strong>s (con)viver sustentáveis, a força vital <strong>de</strong> experiências<strong>de</strong> gentes <strong>de</strong> outras paragens apostadas em apropriar-se <strong>de</strong> umnovo habitat, são fatores porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> futuro.Contrarian<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ias preconcebidas e estigmatizantes, a investigação <strong>de</strong>Hélia Augusta busca, no concreto da empiria e nos suportes teóricos, oselementos que direcionam a recontextualização <strong>do</strong> campo <strong>de</strong> intervenção<strong>do</strong> Serviço Social no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s <strong>realojamento</strong>s multiétnicos.La<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> com formas consagradas <strong>de</strong> intervenção e <strong>de</strong> política social,fica <strong>de</strong>monstrada a pertinência da investigação e <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>eixos inova<strong>do</strong>res na ação e na conceção <strong>de</strong> políticas sociais e culturais <strong>de</strong>habitação que fortaleçam os patrimónios <strong>de</strong> vida e a sustentabilida<strong>de</strong> económica<strong>de</strong> grupos migrantes.Lisboa, Outono/Inverno <strong>de</strong> 2010Professora Doutora Marília Andra<strong>de</strong>Instituto Superior <strong>de</strong> Serviço Social <strong>de</strong> LisboaHélia Bracons12


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICONOTA PRÉVIAO presente livro surge na sequência da dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> em ServiçoSocial, apresentada ao Instituto Superior <strong>de</strong> Serviço Social <strong>de</strong> Lisboa,em 2003, sob orientação da Professora Doutora Marília Andra<strong>de</strong>.Da<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong>corri<strong>do</strong>, optei por publicar esta dissertação talcomo foi entregue nos serviços académicos <strong>do</strong> Instituto, a menos pequenasrevisões pontuais que permitem uma leitura mais concreta.É certo que ao longo <strong>de</strong>ste perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> tempo, houve alteração da realida<strong>de</strong>da imigração em Portugal e da procura e oferta <strong>de</strong> alojamento, nomeadamente<strong>do</strong> alojamento público (a qual se encontra refletida no estu<strong>do</strong>“Acesso à habitação e problemas resi<strong>de</strong>nciais <strong>do</strong>s imigrantes em Portugal”,coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> pelos Drs. Jorge Malheiros e Lucinda Fonseca, promovidapelo Observatório da Imigração e editada pelo ACIDI, em Setembro <strong>de</strong>2011); no entanto o objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> e as suas conclusões permanecemválidas, da<strong>do</strong> que se centram nas realida<strong>de</strong>s humanas, religiosas e culturais<strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> diferentes origens, as quais não se alteram <strong>num</strong> perío<strong>do</strong><strong>de</strong> tempo como o <strong>de</strong>corri<strong>do</strong>.Muitos foram os que me auxiliaram na realização <strong>de</strong>ste trabalho. A to<strong>do</strong>sos que me acompanharam no quotidiano tenso <strong>de</strong> quem faz uma tese,agra<strong>de</strong>ço a sua paciência e apoio. Gostaria, no entanto, <strong>de</strong> particularizaralguns agra<strong>de</strong>cimentos.Em primeiro lugar, <strong>de</strong>staco a Prof.ª Doutora Maria Augusta Negreiros que,não só criou em mim o entusiasmo pelo Serviço Social, como teve um papelfundamental na minha formação, nomeadamente no que diz respeitoa este trabalho, que aceitou orientar, mas que não pô<strong>de</strong> acompanhar atéao fim.Uma palavra especial é dirigida à Prof.ª Doutora Marília Andra<strong>de</strong>, que aceitouorientar, com entusiasmo, disponibilida<strong>de</strong>, incentivo e espírito críticoa pesquisa ainda por terminar, por to<strong>do</strong> o apoio e <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>.Não quero esquecer o júri, presidi<strong>do</strong> pelo Prof.º Doutor Francisco Brancoe a arguição, feita pela Prof.ª Doutora Maria João Freitas.A to<strong>do</strong>s os resi<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> Bairro Quinta da Vitória, que me <strong>de</strong>ram a conhecere aprofundar o Bairro e me aceitaram hospitaleiramente, em suasHélia Bracons13


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOcasas e na sua companhia e, em especial, aos que me disponibilizaram oseu tempo, saber, algumas fotografias e <strong>do</strong>cumentos. Os agra<strong>de</strong>cimentossão extensivos a todas as famílias que me acolheram e um agra<strong>de</strong>cimentoespecial à família da Bina, com quem tive a oportunida<strong>de</strong> e satisfação <strong>de</strong>acompanhar a uma visita à Índia, particularmente a Diu.Ao Pedro Matias, pela companhia cúmplice nas diversões <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong>campo no Bairro Quinta da Vitória e em Diu e também à Rita d`Ávila Cacha<strong>do</strong>,Inês Lourenço, Pedro Roxo, Susana e Gabriel Pereira Bastos e JorgeMalheiros, pelos momentos que compartilhamos nas idas e convivêncianas cerimónias hindus no Bairro Quinta da Vitória.Agra<strong>de</strong>ço a colaboração das colegas <strong>de</strong> Serviço Social que trabalhavam etrabalham no Município <strong>de</strong> Loures, na então Divisão Municipal <strong>de</strong> Habitaçãoe que me ajudaram <strong>de</strong> formas diversas, bem como à então Verea<strong>do</strong>ra,Dr.ª Teresa Leal Ferreira e à Dr.ª Sónia Paixão, atual Verea<strong>do</strong>ra.Neste momento, gostaria <strong>de</strong> manifestar o meu reconhecimento a to<strong>do</strong>sos colegas da Universida<strong>de</strong> Lusófona <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s e Tecnologias, que<strong>de</strong>sempenham um papel essencial no meu percurso académico e nesteperío<strong>do</strong> da minha vida. A todas as colegas, <strong>do</strong>centes <strong>do</strong> curso <strong>de</strong> ServiçoSocial: Aida Ferreira, Ana Margarida Canhão, Ana Paula Garcia, Ana PaulaSilva, Carla Ribeirinho, Luísa Desmet, Maria Emília Ferreira, Maria IreneCarvalho, Maria José Queirós, Marília Andra<strong>de</strong> e Marlene Rodrigues. Nãoposso esquecer os professores e amigos, Ângela Montalvão, António Teo<strong>do</strong>ro,Carlos Diogo Moreira, Jorge Cabral, José Fialho, Paulo Men<strong>de</strong>s Pintoe Teotónio <strong>de</strong> Souza. E o João Relvão Caetano.Aos meus pais, Fernandina Botelho e José Ferreira e às minhas irmãse cunha<strong>do</strong>, Fernanda, Luís e Maria <strong>do</strong> Céu, por to<strong>do</strong> o imenso carinhoe compreensão <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s os momentos, aos meus sogrosAntónio e Maria Teresa e cunha<strong>do</strong>s Mónica e João Bracons pelo incentivoe, em especial, ao António Bracons pelo companheirismo, presença, compreensãoe carinho que, sem o qual, não seria possível o término <strong>de</strong>statese. Não quero <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> referir as minhas filhas Maria e Teresa, quetestemunham esta edição.Hélia Bracons14


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOINTRODUÇÃONeste trabalho, apresentam-se as conclusões <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> exploratório realiza<strong>do</strong>sobre os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> apropriação e <strong>de</strong> organização <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>mésticoe <strong>do</strong> espaço envolvente, bem como sobre a satisfação resi<strong>de</strong>ncial eas atitu<strong>de</strong>s face ao <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> <strong>de</strong> nove famílias <strong>do</strong> BairroQuinta da Vitória, freguesia da Portela, Concelho <strong>de</strong> Loures, realojadas nocontíguo Bairro Social (empreendimento PER), sito na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>,na freguesia <strong>do</strong>s Olivais, em Lisboa.Importa salientar que a presente pesquisa foi, <strong>de</strong> certa forma, “facilitada”uma vez que a mestranda se encontrou a trabalhar no Centro Social eCultural da Paróquia da Portela, entre Agosto <strong>de</strong> 1998 e Agosto <strong>de</strong> 2000 ena Divisão Municipal <strong>de</strong> Habitação da Câmara Municipal <strong>de</strong> Loures, maisprecisamente, no Gabinete <strong>de</strong> Intervenção Local Quinta da Vitória, entreJaneiro e Outubro <strong>de</strong> 2002, on<strong>de</strong> teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer o Bairroe <strong>de</strong> acompanhar as diversas fases <strong>do</strong> <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, ou seja,a preparação das famílias e <strong>do</strong>s respetivos <strong>processo</strong>s administrativos, oacompanhamento e encaminhamento presta<strong>do</strong>s à população no pré <strong>realojamento</strong>,na entrega das habitações e no perío<strong>do</strong> subsequente ao <strong>realojamento</strong>.As famílias realojadas sobre as quais inci<strong>de</strong> este estu<strong>do</strong> são <strong>de</strong> origemafricana, indiana e lusa. Encontravam-se inseridas no núcleo <strong>de</strong> barracasda Quinta da Vitória, concelho <strong>de</strong> Loures, e foram realojadas em Novembro<strong>de</strong> 2001, ao abrigo <strong>do</strong> protocolo estabeleci<strong>do</strong> entre as Câmaras Municipais<strong>de</strong> Loures e <strong>de</strong> Lisboa, <strong>num</strong> empreendimento proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta última,construí<strong>do</strong> em terrenos confinantes com o Bairro <strong>de</strong>grada<strong>do</strong> Quinta daVitória.Para uma melhor compreensão <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s aborda<strong>do</strong>s, optou-se pordividir este trabalho em quatro partes.Na primeira parte, traça-se o caminho teórico que suportou a investigação.Começa-se por fazer uma breve abordagem das Políticas <strong>de</strong> Habitaçãoem Portugal. São aborda<strong>do</strong>s alguns referentes teóricos relativos aoconceito <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, à apropriação <strong>do</strong> espaço, à satisfação resi<strong>de</strong>ncial,ao grupo étnico e à cultura.Hélia Bracons17


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICONa segunda parte, apresentam-se e justificam-se as opções meto<strong>do</strong>lógicasque se mostraram mais corretas para a realização <strong>de</strong> um trabalho<strong>de</strong>sta natureza.Na terceira parte, proce<strong>de</strong>-se à caracterização social e urbanística <strong>do</strong>Bairro Quinta da Vitória e <strong>do</strong> Bairro Social na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>, bemcomo a uma caracterização das famílias entrevistadas, já realojadas.São apresenta<strong>do</strong>s os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s através <strong>de</strong> uma análise <strong>de</strong>talhadada informação recolhida, com o objetivo <strong>de</strong> conhecer algumas regularida<strong>de</strong>se singularida<strong>de</strong>s sociais evi<strong>de</strong>nciadas pelos atores sociais, utilizan<strong>do</strong>excertos <strong>do</strong>s discursos <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.Na quarta e última parte, a par <strong>de</strong> uma reflexão interpretativa, avança-secom algumas hipóteses explicativas, que dão corpo às conclusões <strong>de</strong>stapesquisa, bem como apontam-se caminhos para uma reflexão mais aprofundada.Hélia Bracons18


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOhabitacionais, e como tal, espaços privilegia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> intervenção abrangi<strong>do</strong>spelo Programa Especial <strong>de</strong> Realojamento (PER).O núcleo da Quinta da Vitória nasceu após Abril <strong>de</strong> 1974, data em queforam construídas as primeiras habitações abarracadas por portuguesesvin<strong>do</strong>s das regiões rurais <strong>do</strong> norte <strong>do</strong> país que, em Lisboa, buscammelhores condições <strong>de</strong> vida. Nos anos 80, as famílias <strong>de</strong> origem indiana(comunida<strong>de</strong> Hindu), começaram a fixar-se no Bairro. Resi<strong>de</strong>m no Bairrofamílias <strong>de</strong> origem africana, indiana e lusa; trata-se, portanto, <strong>de</strong> um <strong>bairro</strong>composto por grupos étnicos diferencia<strong>do</strong>s, com referências culturais ereligiosas muito peculiares, nomeadamente no que respeita à comunida<strong>de</strong>Hindu-Gujarate.Em 1993 foi efetua<strong>do</strong>, pelo Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Territoriais, o primeiro levantamento<strong>de</strong> agrega<strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>ntes para integração no PER, ten<strong>do</strong>-serecensea<strong>do</strong> 416 agrega<strong>do</strong>s familiares. Atualmente resi<strong>de</strong>m no Bairro 446agrega<strong>do</strong>s.Em Novembro <strong>de</strong> 2001, foi estabeleci<strong>do</strong> um Protocolo entre a Câmara Municipal<strong>de</strong> Loures e a Câmara Municipal <strong>de</strong> Lisboa, que permitiu o <strong>realojamento</strong><strong>de</strong> 100 agrega<strong>do</strong>s familiares resi<strong>de</strong>ntes no <strong>de</strong>grada<strong>do</strong> Bairro Quintada Vitória, no empreendimento construí<strong>do</strong> em terrenos confinantes com afreguesia da Portela, na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>, concelho <strong>de</strong> Lisboa.A primeira fase <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, teve lugar no mês <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 2001,abrangeu 30 agrega<strong>do</strong>s familiares <strong>de</strong> origem africana, indiana e lusa. Ésobre estas famílias, protagonistas das mais variadas situações <strong>de</strong> carênciahabitacional, e que não possuíam as condições mínimas <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>,e sobre a forma como se apropriaram <strong>do</strong> novo espaço <strong>do</strong>méstico eenvolvente, bem como a consequente satisfação resi<strong>de</strong>ncial, que se inscreveeste nosso objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>.Neste contexto, po<strong>de</strong>r-se-á admitir e pôr-se a questão <strong>de</strong> como é que a mudança<strong>de</strong>sta população para um novo cenário resi<strong>de</strong>ncial, é condição suficientepara provocar algumas alterações na vida quotidiana <strong>de</strong>stes indivíduos, epor essa via, originar uma reestruturação <strong>do</strong>s seus mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida.Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> uma pesquisa com carácter exploratório, a <strong>de</strong>scoberta e apreocupação <strong>de</strong> <strong>de</strong>tetar a forma como estes indivíduos, protagonistas <strong>de</strong>um <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, se apropriam <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico, revelou-seo objetivo central <strong>de</strong>ste trabalho.Hélia Bracons20


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOEste trabalho preten<strong>de</strong>, também, perceber como se <strong>processo</strong>u o <strong>realojamento</strong>e se esta ação se traduziu na melhoria das condições <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong>bem-estar <strong>de</strong>stas famílias, quan<strong>do</strong> confrontadas com uma nova realida<strong>de</strong>resi<strong>de</strong>ncial e habitacional.Na verda<strong>de</strong>, esta investigação não é mais <strong>do</strong> que o culminar <strong>do</strong> cruzamento<strong>de</strong> diversas temáticas, on<strong>de</strong> questões como: o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>,a existência <strong>de</strong> diferentes contextos <strong>de</strong> organização familiar, religiosae cultural, a apropriação <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>mestico, a coabitação multi-étnica(tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> um <strong>bairro</strong> composto por vários grupos étnicos) e a formacomo o profissional <strong>de</strong> Serviço Social po<strong>de</strong> intervir na complexa problemáticahabitacional, ten<strong>do</strong> em conta os diferentes grupos étnicos a realojar,não po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser abordadas.Deste mo<strong>do</strong>, formulámos a seguinte pergunta <strong>de</strong> partida:De que forma é que as famílias <strong>do</strong> Bairro Quinta da Vitória, <strong>de</strong> origem africana,indiana e lusa, realojadas no Bairro Social da Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>,se apropriam <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico e <strong>do</strong> espaço envolvente <strong>do</strong> novo <strong>bairro</strong>,<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as suas referências culturais e religiosas?Para a realização da pesquisa <strong>de</strong>finimos os seguintes objetivos:1 - Conhecer e explicar os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> apropriação das diferentes envolventese a organização <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico, ten<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>raçãoa organização familiar, o contexto religioso e os valores culturais <strong>do</strong>sdiferentes grupos étnicos realoja<strong>do</strong>s no novo <strong>bairro</strong> social.2 - Analisar a satisfação resi<strong>de</strong>ncial <strong>do</strong>s novos mora<strong>do</strong>res, dirigida àcasa e ao <strong>bairro</strong> e compreen<strong>de</strong>r a forma como os sujeitos avaliame percecionam o seu espaço habitacional e se relacionam entre si.3 - Perceber se o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> da formamais a<strong>de</strong>quada e se trouxe melhorias efetivas nas condições <strong>de</strong> vidae <strong>de</strong> bem-estar <strong>de</strong>stas famílias.4 - I<strong>de</strong>ntificar quais os elementos fundamentais a consi<strong>de</strong>rar pelo ServiçoSocial <strong>num</strong> <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> envolven<strong>do</strong> diferentes gruposétnicos.Hélia Bracons21


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO1. ENQUADRAMENTO TEÓRICOA pressão <strong>de</strong>mográfica que se exerceu sobre as principais cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> paíse a escassez <strong>de</strong> habitação fez emergir uma série <strong>de</strong> problemas sociais, <strong>de</strong>entre os quais o alojamento faz parte integrante. De facto, assiste-se aoalastramento <strong>de</strong> <strong>bairro</strong>s <strong>de</strong> barracas pela cida<strong>de</strong> durante os anos 60, 70 e80, acaban<strong>do</strong> por a envolver <strong>num</strong> anel <strong>de</strong> habitação <strong>de</strong>gradada.Regista-se uma tendência para este tipo <strong>de</strong> <strong>bairro</strong>s surgirem em terrenos<strong>de</strong> difícil acesso, muito aci<strong>de</strong>nta<strong>do</strong>s e muitas das vezes implantam-se noespaço urbano <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com uma lógica semelhante, ou seja, quan<strong>do</strong>realojadas, estas pessoas são remetidas para as margens das zonas centrais<strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong>.Para que a política <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> possa dar frutos, é necessário, emprimeiro lugar, tal como alerta Isabel Guerra (1994), “reconhecer que apolítica <strong>de</strong> alojamento social <strong>do</strong>s anos 60-70 foi um fracasso. Fracasso nãoapenas no mo<strong>de</strong>lo arquitetónico, mas também <strong>de</strong> soluções urbanísticasna <strong>de</strong>nsificação, na <strong>de</strong>sintegração e no inacabamento <strong>do</strong>s projetos, nasnormas <strong>de</strong> atribuição <strong>do</strong>s fogos, e a outros níveis”.O problema <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong> é antes <strong>de</strong> mais um problema social, “pois aspessoas não são coisas que se ponham em gavetas” (Guerra, 1994); assima forte concentração espacial <strong>de</strong> uma população socialmente homogénea,provoca um crescimento <strong>de</strong> comportamentos <strong>de</strong>sviantes e <strong>de</strong> estigmassociais que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam respostas violentas.Ao abordar-se o tema da habitação social enquanto problema, levantamseinúmeras questões não somente <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social, mas também económica,cultural e política, pois“... a habitação constitui em si mesma um fenómeno social pelos problemassociais que levanta e pelas circunstâncias históricas em que se <strong>de</strong>senvolve.Está ligada às formas <strong>de</strong> comportamento <strong>do</strong> grupo familiar e <strong>de</strong> to<strong>do</strong> um sistemasocial e económico em que se instala ou é construída. (...) Daí o po<strong>de</strong>r serencara<strong>do</strong> como um indica<strong>do</strong>r para a explicação <strong>de</strong> hábitos e formas <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> meio social” (Branco, 1994).O <strong>de</strong>safio que se coloca nos <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> é o <strong>de</strong> intervir nonó estrutura<strong>do</strong>r que une os problemas acumula<strong>do</strong>s das zonas <strong>de</strong>gradadas.Uma intervenção integrada e global, faz apelo a um entendimento sis-Hélia Bracons22


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOtémico da realida<strong>de</strong> que afasta o raciocínio clássico das ciências sociais,que atribui aos problemas uma única causalida<strong>de</strong>. Deste mo<strong>do</strong>, procuraseenten<strong>de</strong>r a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> variáveis que estruturam <strong>de</strong>terminada relaçãoe enten<strong>de</strong>r a complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s laços que as unem. Uma rearticulaçãoentre os diversos níveis (<strong>bairro</strong>, cida<strong>de</strong>, social, económico) é o gran<strong>de</strong><strong>de</strong>safio coloca<strong>do</strong> à visão integrada.Uma visão sistémica e integrada faz procurar novos senti<strong>do</strong>s para a ação.On<strong>de</strong> antes se consi<strong>de</strong>rava realizar uma ação <strong>de</strong> integração, fala-se agora<strong>de</strong> inserção; on<strong>de</strong> dantes se falava <strong>de</strong> participação fala-se hoje <strong>de</strong> partenaria<strong>do</strong>.Esta visão remete, sobretu<strong>do</strong>, para a criação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicaçãoe repartição <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s entre os cidadãos e as suas administrações.Em ambas as noções estamos perante a mesma evocação,ou seja, um apelo ao envolvimento <strong>do</strong>s cidadãos na ação pública (Guerra,1994).Através da abordagem global conseguir-se-á uma participação da população,a articulação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s/organismos que possam contribuir paraum <strong>de</strong>senvolvimento sustenta<strong>do</strong> e a mobilização <strong>do</strong>s recursos da comunida<strong>de</strong><strong>de</strong> forma geral.Procura-se fomentar o <strong>de</strong>senvolvimento social das populações, partin<strong>do</strong><strong>do</strong> pressuposto que a habitação faz parte <strong>de</strong> um to<strong>do</strong>, que possa contribuirpara o <strong>de</strong>senvolvimento da comunida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s seus indivíduos.O Realojamento é um <strong>processo</strong> que gera ruturas com os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida emo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> apropriação <strong>de</strong> espaços mais rurais, frequentes nos <strong>bairro</strong>s<strong>de</strong> lata.Para Nuno Portas (1995) “realojar não significa apenas transferir fisicamenteas populações das barracas para os novos <strong>bairro</strong>s. Estamos a lidarcom pessoas inseridas em sistemas sociais estabiliza<strong>do</strong>s que vão ser afetadascom a mudança <strong>de</strong> habitat. Por isso precisam <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vidamenteacompanhadas, integradas e promovidas segun<strong>do</strong> <strong>processo</strong>s e meto<strong>do</strong>logiasa<strong>de</strong>quadas. Se não for assim, arriscam-se os atores <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>a criar problemas sociais <strong>de</strong> difícil resolução no futuro”.Hélia Bracons23


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO1.1. Breve história <strong>do</strong> alojamento social em PortugalPara <strong>de</strong>senvolver a nossa problemática sobre o <strong>realojamento</strong>, é necessárioenquadrá-lo nas Políticas Sociais <strong>de</strong> Habitação, por consi<strong>de</strong>rarmosrelevante perceber o percurso histórico da intervenção sobre a habitaçãonos diversos contextos políticos, sociais e económicos da socieda<strong>de</strong> portuguesa.Não sen<strong>do</strong> embora objetivo ou intenção <strong>de</strong>sta investigação proce<strong>de</strong>r à<strong>de</strong>scrição e análise da evolução histórica, no que respeita à problemáticada habitação <strong>de</strong>stinada à população <strong>de</strong> menores recursos económicos,consi<strong>de</strong>ramos contu<strong>do</strong> importante salientar alguns aspetos mais significativosque ocorreram nesta área <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Esta<strong>do</strong> Novo até à atualida<strong>de</strong>.Tal como refere Marielle Gros, “o passa<strong>do</strong> merece ser revisita<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>a contribuir para a objetivação das condições da ação presente, já que asestratégias nem se elaboram, nem se implementam in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntementedas lógicas sociais que as proce<strong>de</strong>ram” (Gros, 1994). Contu<strong>do</strong>, uma vezque não se preten<strong>de</strong> apresentar aqui mais <strong>do</strong> que um esboço <strong>de</strong> reflexãoneste senti<strong>do</strong>, esta história <strong>do</strong> alojamento social será, efetivamente, sucinta.Sem preten<strong>de</strong>rmos dar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a evolução da habitação social portuguesaé uma súbita i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo, apenas começaremos a fazerreferência a esta época, na medida que foi durante este perío<strong>do</strong> que apolítica social habitacional passa também a ser diretamente promovidapelo Esta<strong>do</strong>.Em 28 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1926, triunfa um golpe militar que põe fim à implantaçãoda 1ª Republica. Até 1933, vigora em Portugal uma transitiva ditaduramilitar baseada <strong>num</strong>a repressão generalizada, em especial <strong>do</strong>s movimentos<strong>do</strong> operaria<strong>do</strong>, procuran<strong>do</strong> assim pacificar a socieda<strong>de</strong> através <strong>de</strong> umdiscurso i<strong>de</strong>ológico que visa o término <strong>do</strong>s conflitos.Em 1928, dá-se a entrada <strong>de</strong> Oliveira Salazar para o Governo, in<strong>do</strong> ocuparo cargo <strong>de</strong> Ministro da Finanças, <strong>de</strong>ten<strong>do</strong> o controlo absoluto sobre todasas <strong>de</strong>spesas gerais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.Em 1933, são promulga<strong>do</strong>s os textos base <strong>de</strong>ste governo (Constituição,Estatuto Nacional <strong>de</strong> Trabalho e Acto Colonial), sen<strong>do</strong> nesse mesmo anoque o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>fine a sua política em matéria <strong>de</strong> habitação.Hélia Bracons24


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICONa base da implantação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo, como nos restantes regimes autoritárioseuropeus, está um nacionalismo anti-<strong>de</strong>mocrático que contrapõeo corporativismo ao capitalismo liberal e um sindicalismo orgânico aosindicalismo revolucionário e socialista.Sob a égi<strong>de</strong> <strong>do</strong> Integralismo Lusitano, movimento <strong>de</strong> influências fascistaspor via <strong>de</strong> Mussolini em Itália e Primo <strong>de</strong> Rivera em Espanha, o Esta<strong>do</strong>Novo virá ainda a consagrar um <strong>do</strong>s princípios mais caros na implantação<strong>do</strong> corporativismo: a família, entendida como o elemento primário da consagração<strong>do</strong> regime, disciplina e progresso da Nação, célula essencial <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> social e corporativo.Assim, as medidas tomadas pelo Esta<strong>do</strong> Novo na área social, resultam<strong>de</strong>ste arquétipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> construída por um conjunto <strong>de</strong> corpos sociais,on<strong>de</strong> a família ocupa o lugar primordial, com funções específicas a<strong>de</strong>sempenhar na comunida<strong>de</strong>, cuja reprodução <strong>do</strong> lugar ocupa<strong>do</strong> por cadaum garante a coesão e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacionais.O Esta<strong>do</strong> Novo, com a instauração <strong>de</strong>sta noção <strong>de</strong> família, preten<strong>de</strong> aliar onúcleo familiar à proprieda<strong>de</strong>, com o objetivo <strong>de</strong> garantir plena formação,conservação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> núcleo social fundamental, cujo equilíbrioé viável através <strong>do</strong> seu enraizamento à proprieda<strong>de</strong> privada.Deste mo<strong>do</strong>, é publica<strong>do</strong> no mesmo ano da Constituição, o Decreto-Lein.º 23052, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1933, que enuncia as gran<strong>de</strong>s linhas <strong>do</strong>Programa das Casas Económicas. Para implantar, no <strong>do</strong>mínio da habitação,uma política que se queria equidistante tanto <strong>do</strong> Socialismo como<strong>do</strong> Liberalismo, é o Esta<strong>do</strong> que <strong>num</strong>a primeira fase e em parceria comos Municípios vai promover a construção das Casas Económicas, através<strong>do</strong> Ministério das Obras Públicas e das Comunicações (responsável pelaexecução) e da Subsecretaria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> das Corporações e PrevidênciaSocial (responsável pela atribuição <strong>do</strong>s fogos e respetiva gestão). Assim, oEsta<strong>do</strong> era responsável pelo financiamento, pela aquisição <strong>do</strong>s terrenos,pela construção, pela distribuição das casas, e pela gestão <strong>do</strong>s Bairros.Contu<strong>do</strong>, <strong>num</strong> Esta<strong>do</strong> com um certo <strong>de</strong>sequilíbrio financeiro e com um parco<strong>de</strong>senvolvimento das forças produtivas, uma medida <strong>de</strong> alcance social e políticocomo esta teria que estar enquadrada <strong>num</strong> certo racionalismo económico.Assim, a legislação <strong>de</strong> 1933 estabelecia que “to<strong>do</strong>s os capitais investi<strong>do</strong>snas construções, quer proviessem <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, quer <strong>de</strong> outra entida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>veriamter um rendimento, embora este não pu<strong>de</strong>sse ultrapassar os 5% ao ano.Hélia Bracons25


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICONa mesma lógica, os capitais avança<strong>do</strong>s pela Caixa Geral <strong>de</strong> Depósitos teriamque ser amortiza<strong>do</strong>s em 20 anos” (Gros, 1994).Neste programa das Casas Económicas não está, fundamentalmente emcausa, a resolução das carências habitacionais, está isso sim, a visibilida<strong>de</strong><strong>do</strong> triunfo da <strong>do</strong>utrina corporativista.Embora não tenha si<strong>do</strong> o único programa fomenta<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> Novo, namedida que, a partir <strong>do</strong>s anos 40 e 50, multiplicam-se as medidas legislativascria<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> uma certa pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> programas com características,a vários níveis diversas, o Programa da Casas Económicas constituiuo eixo central da política da habitação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo.De facto, a partir da II Guerra Mundial, a política <strong>de</strong> alojamento social fragmenta-se<strong>num</strong> vasto número <strong>de</strong> programas que se distinguem uns <strong>do</strong>soutros pelas suas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> financiamento, os mecanismos administrativos,os estatutos <strong>de</strong> ocupação, as condições <strong>de</strong> acesso e atribuição,assim como pela qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> alojamento.Estes programas eram dirigi<strong>do</strong>s a categorias sociais funcionalmente diferenciadase hierarquizadas. “É por isto mesmo que o Programa das CasasEconómica encontra-se dividi<strong>do</strong> em classes, fazen<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong>r ao lugarocupa<strong>do</strong> por cada indivíduo na socieda<strong>de</strong> corporativista os standard <strong>de</strong>construção propostos. Nada <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sta forma, perturbar uma organizaçãosocial bem <strong>de</strong>finida, garante da or<strong>de</strong>m” (Sousa, 1999).Para uma melhor clarificação acerca da lógica que estruturou as políticassociais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo, mais precisamente a política da habitação social,é importante salientar que segun<strong>do</strong> a conceção da realida<strong>de</strong> social, fundamentalmenteanti<strong>de</strong>mocrática e <strong>de</strong>sigualitária, assumida pelo regime,não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar mecanismos que favoreçam uma maior igualda<strong>de</strong><strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e direitos.Esta abordagem explica da mesma forma o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> habitação preconiza<strong>do</strong>,a habitação unifamiliar. Acredita-se que <strong>num</strong> caos vertical ninguémreconhecerá <strong>de</strong>vidamente os seus interesses e o seu lugar, os contactoscom outros mora<strong>do</strong>res e as conversas frequentes serão prejudiciais à manutenção<strong>do</strong> sistema.É por tu<strong>do</strong> isto que a habitação social <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo e a política social emgeral, não usou compensar redistributivamente as famílias mais <strong>de</strong>sfavo-Hélia Bracons26


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOrecidas e sim provi<strong>de</strong>ncializar os serviços correspon<strong>de</strong>ntes ao status socialti<strong>do</strong> por cada uma <strong>de</strong>las. Num regime anti<strong>de</strong>mocrático, não há compensaçãoque possa contrariar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, que é a natureza as coisas.De facto, “é ti<strong>do</strong> como legitimo que necessida<strong>de</strong>s e aspirações variam segun<strong>do</strong>as categorias sociais e todas elas merecem no contexto <strong>do</strong>s constrangimentosexistentes, a intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Este não tem que darnecessariamente priorida<strong>de</strong> aos mais <strong>de</strong>sfavoreci<strong>do</strong>s” (Gros, 1994).Desta forma, o Programa das Casas Económicas <strong>de</strong>stinou-se às classesmédias, propagandisticamente às classes trabalha<strong>do</strong>ras, com uma estreitaseleção <strong>do</strong>s beneficiários, em que a capacida<strong>de</strong> aquisitiva e a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>ao corporativismo <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> funcionaram como critérios principais.Assim, a carência habitacional foi em gran<strong>de</strong> parte reduzida artificialmente,atribuin<strong>do</strong>-se as casas a um estrato populacional, à partida com capacida<strong>de</strong>aquisitiva para encontrar alternativa habitacional no merca<strong>do</strong>.Des<strong>de</strong> a fraca disponibilida<strong>de</strong> financeira <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e a baixa produtivida<strong>de</strong><strong>do</strong> sector <strong>de</strong> produção, a habitação construída com a intervenção <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> beneficiou fundamentalmente os grupos sociais que se situavamacima da média nacional. Os baixos programas <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s às categoriascom mais baixos rendimentos, proporcionaram um número global inferior<strong>de</strong> alojamentos.A massa <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res indiferencia<strong>do</strong>s, os pobres, os <strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>s,os i<strong>do</strong>sos, as mulheres, em suma, os mais necessita<strong>do</strong>s, só tem acessoa programas marginais <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> ou são <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>s ao cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong>instituições caritativas.No entendimento sistémico da socieda<strong>de</strong> basea<strong>do</strong> no i<strong>de</strong>al corporativista,funcionalmente duma categorização socioprofissional, os indivíduoscom rendimentos oscilantes, com profissões não qualificadas,<strong>de</strong>sempregadas e outros, são vistas como elementos externos ao própriosistema.Assim, os habitantes das casas <strong>de</strong>smontáveis, das casas para famílias pobres<strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, são ti<strong>do</strong>s como indivíduos a reeducar socialmente.Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> educa<strong>do</strong>s e socializa<strong>do</strong>s em conformida<strong>de</strong> com a i<strong>de</strong>ologia<strong>do</strong>minante estarão aptos a beneficiar das conquistas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo, dasCasas Económicas. Na verda<strong>de</strong>, nunca foi objetivo prioritário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>Hélia Bracons27


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOCorporativo a <strong>de</strong>finição verda<strong>de</strong>iramente social da habitação. As ações levadasa cabo nesta área resultaram sempre <strong>de</strong> pressões exteriores.Mesmo ten<strong>do</strong> evoluí<strong>do</strong> nesta matéria nos anos sessenta, as populações<strong>do</strong>s <strong>bairro</strong>s precários viram-se sempre alvo <strong>de</strong> um controlo repressivoaté ao fim <strong>do</strong> regime. Os <strong>bairro</strong>s para populações socialmente <strong>de</strong>squalificadasforam vota<strong>do</strong>s ao isolamento e inseri<strong>do</strong>s em freguesiasperiféricas, estigmatizadas à distância pelos standards a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s esem qualquer enquadramento. Por seu turno, a arquitetura <strong>do</strong> regimefaz <strong>de</strong>marcar os sinais <strong>de</strong> pertença nos grupos a que se <strong>de</strong>stinavam.Praticamente to<strong>do</strong>s os Programas (Casas <strong>de</strong> Renda Económica, Casaspara Militares, Casas para Funcionários Públicos), institucionalizarama mesma lógica <strong>de</strong> estratificação interna em função da relação custo/qualida<strong>de</strong>.Em 1969, faz-se uma tentativa <strong>de</strong> racionalização e unificação da políticaestatal com a criação <strong>do</strong> Fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> Fomento <strong>de</strong> Habitação (FFH), pelo Decreto-Lein.º 49033, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1969, e <strong>de</strong> outros serviços, sem queo problema da habitação se tenha praticamente altera<strong>do</strong>.Apesar das competências incumbidas ao FFH, e talvez por via da recessãoeconómica mundial ocorrida no início da década <strong>de</strong> 70, este organismonão realizou até 1974 qualquer empreendimento significativo, em termos<strong>de</strong> promoção habitacional direta, ten<strong>do</strong>, também, si<strong>do</strong> bastante diminutaa sua ativida<strong>de</strong> na área <strong>de</strong> apoio técnico e financeiro a outras entida<strong>de</strong>sintervenientes na execução <strong>de</strong> programas habitacionais.As fortes esperanças <strong>de</strong>positadas no Esta<strong>do</strong> Novo por diferentes quadrantessociais no que concerne à resolução da questão da habitação parafamílias <strong>de</strong> menores recursos, salda-se assim <strong>num</strong> fracasso quantitativoe qualitativo pelas opções tomadas.Assim, o Esta<strong>do</strong> Novo não conseguiu evitar a persistência ou mesmo oagravamento da questão da habitação. “A partir da década <strong>de</strong> sessenta asua expressão bem patente no crescimento das habitações clan<strong>de</strong>stinas,no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s <strong>bairro</strong>s <strong>de</strong> lata, no número <strong>de</strong> sublocação e <strong>de</strong>subpovoamento <strong>de</strong> habitações existentes, frequentemente antigas e com<strong>de</strong>ficientes condições <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>: enfim e não menos importante no<strong>de</strong>sfasamento entre os preços <strong>de</strong> habitação e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> compra <strong>do</strong>s que<strong>de</strong>la precisavam urgentemente” (Gros, 1994).Hélia Bracons28


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOApós o 25 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 74, o SAAL (Serviço <strong>de</strong> Apoio Ambulatório Local), foimuito importante ao nível <strong>do</strong> problema habitacional em Portugal e, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong>projetos <strong>de</strong> habitação social e a sua construção, prestan<strong>do</strong>apoio técnico às populações resi<strong>de</strong>ntes em barracas na zona <strong>de</strong> Lisboa etambém em Setúbal e no Porto, através <strong>de</strong> brigadas <strong>de</strong> atuação local.O perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1981-83 foi marca<strong>do</strong> pela expansão <strong>do</strong> sector priva<strong>do</strong> e pelacrise económica <strong>de</strong> 1982. Consoli<strong>do</strong>u-se a <strong>de</strong>mocracia e alcançou-se aestabilida<strong>de</strong> política, no entanto não se conseguiu <strong>de</strong>finir uma política <strong>de</strong>habitação coerente e produtiva.Nos anos 80, o Projeto <strong>de</strong> Intervenção a Médio Prazo (PIMP) foi um <strong>do</strong>s programasmais importantes <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, dan<strong>do</strong> possibilida<strong>de</strong> à CâmaraMunicipal <strong>de</strong> Lisboa fazer acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cooperação com o po<strong>de</strong>r central pararealizar operações <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>. Um outro organismo <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong><strong>do</strong>s anos 80 foi o Instituto <strong>de</strong> Gestão e Alienação <strong>do</strong> Património Habitacional<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (IGAPHE) a quem o governo <strong>de</strong>cidiu atribuir competênciapara estabelecer acor<strong>do</strong>s com os municípios, ten<strong>do</strong> em vista a construção<strong>de</strong> habitações sociais <strong>de</strong>stinadas ao <strong>realojamento</strong> da população resi<strong>de</strong>nteem barracas, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> proporcionar habitação condigna em regime<strong>de</strong> arrendamento, aos agrega<strong>do</strong>s familiares mais carencia<strong>do</strong>s. Em 2002, oIGAPHE foi fundi<strong>do</strong> no INH.Perante a manifesta insuficiência <strong>do</strong> PIMP para afastar da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboaas barracas existentes, em 1993 foi cria<strong>do</strong> o Programa Especial <strong>de</strong>Realojamento (PER). O PER parece ser a principal medida <strong>de</strong> política <strong>de</strong>habitação social, veio contribuir para uma melhoria significativa <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida da população e uma melhoria substantiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadasáreas anteriormente <strong>de</strong>squalificadas <strong>do</strong>s Concelhos. Segun<strong>do</strong> o Decreto-Lei163/93, <strong>de</strong> 07 <strong>de</strong> Maio, que cria o PER, a habitação constitui um<strong>do</strong>s instrumentos <strong>de</strong> “integração plena” <strong>do</strong> cidadão. Consequentemente,po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir que se trata <strong>de</strong> uma inserção a to<strong>do</strong>s os níveis, tanto <strong>do</strong>ponto <strong>de</strong> vista social como também cultural, psicológico e económico.Em 1996 foi cria<strong>do</strong> o PER - Famílias que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um subprograma<strong>do</strong> PER. Esta modalida<strong>de</strong> cria condições para que as famílias maisequilibradas <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista económico tomem a iniciativa <strong>de</strong> procurar asua própria habitação assumin<strong>do</strong>, os encargos que ela representa, sen<strong>do</strong>parte <strong>do</strong> custo da aquisição suporta<strong>do</strong> pelo IGAPHE e pelos municípios(Secretaria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Habitação e Comunicação, 1997).Hélia Bracons29


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO1.2. O papel das Autarquias e <strong>do</strong> Serviço Social no alojamento socialSegun<strong>do</strong> Ferreira (1994), “o conceito <strong>de</strong> Política <strong>de</strong> Habitação compreen<strong>de</strong>o conjunto <strong>de</strong> medidas a<strong>do</strong>tadas e postas em prática pelo Esta<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong><strong>de</strong> alcançar ou garantir o equilíbrio global entre a procura da habitaçãono merca<strong>do</strong>.”Os <strong>de</strong>safios que se colocam à área da habitação são: o acesso à habitaçãosocial e a gestão <strong>do</strong> pós-<strong>realojamento</strong>, que implicam a implementação<strong>de</strong> políticas sociais, aplicadas e adaptadas à realida<strong>de</strong> social local pelasautarquias.As medidas <strong>de</strong> promoção e gestão da habitação social passaram por váriasmudanças ao longo <strong>do</strong>s anos, em função <strong>do</strong> contexto social, económicoe político. Men<strong>de</strong>s (1997), afirma que até aos anos sessenta a promoçãoda habitação “limitou-se à construção <strong>de</strong> pequenos <strong>bairro</strong>s resi<strong>de</strong>nciais.”Com a <strong>de</strong>scentralização das responsabilida<strong>de</strong>s para as Autarquias dá-semaior importância à melhoria das condições <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>, e passa-sea ter em conta a realida<strong>de</strong> social <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res, por intermédio,nomeadamente da criação <strong>de</strong> infra-estruturas, a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong>construção apropriadas ao meio social e físico no qual o <strong>bairro</strong> se insere,e apoia-se o envolvimento <strong>do</strong>s diferentes atores, em particular das comunida<strong>de</strong>slocais.As respostas aos problemas da habitação passaram a centrar-se na disponibilização<strong>de</strong> recursos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a garantir a to<strong>do</strong>s os estratos económicose sociais da população o acesso a uma habitação condigna, na“aplicação <strong>do</strong>s princípios <strong>de</strong> equida<strong>de</strong> e sustentabilida<strong>de</strong>.” Atribui-se umpapel importante às parcerias entre os sectores público e priva<strong>do</strong>, organizaçõessem fins lucrativos e comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> base local.Este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> habitação implica que se tenha em conta nãosó a dimensão económica e arquitetónica da construção <strong>de</strong> habitação social,mas também, que se <strong>de</strong>va aten<strong>de</strong>r aos aspetos sociais, culturais eambientais.Segun<strong>do</strong> Negreiros (1995), a gestão autárquica é bastante recente, existe<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985, e na perspetiva <strong>de</strong> alguns autores é uma das lacunas <strong>do</strong> po<strong>de</strong>rlocal. Para esta autora as autarquias por ela estudadas ainda estão longe<strong>de</strong> conceber uma gestão que permita questionar ou reproblematizar aHélia Bracons30


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOação política e assim permitir criar novas formas <strong>de</strong> participação na vidalocal. Refere que isto se <strong>de</strong>ve, em parte, à minimização das capacida<strong>de</strong>s<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r autárquico. A autora afirma que existe uma “atitu<strong>de</strong> imediatistada ação camarária.”Maria Augusta Negreiros acrescenta, apoian<strong>do</strong>-se em Mozzicafre<strong>do</strong>, queexiste “um auto-centramento das formas <strong>de</strong> gestão e sobrevalorização<strong>do</strong>s mecanismos institucionais.” Sen<strong>do</strong> assim, esse tipo <strong>de</strong> gestão pareceapoiar-se <strong>num</strong>a estrutura institucional que dá menos realce ao meio envolvente,em particular à evolução da vida <strong>do</strong>s habitantes, das instituiçõese infra-estruturas locais.É <strong>de</strong>veras importante que existam objetivos claros, que permitam <strong>de</strong>finirum programa <strong>de</strong> ação, com uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>finida <strong>do</strong> espaço <strong>de</strong> competências<strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> <strong>de</strong>partamento autárquico, com uma estrutura que<strong>de</strong>ve servir <strong>de</strong> suporte para a gestão habitacional, para assim atingir a suaeficácia técnica na coor<strong>de</strong>nação das ações sociais. Definir uma estratégia<strong>de</strong> conjunto, <strong>de</strong> maneira articulada e possibilitar a partilha <strong>de</strong> recursos,saberes e po<strong>de</strong>res.“A integração <strong>de</strong> ações que partem <strong>de</strong> um entendimento sistémico darealida<strong>de</strong> é necessário fazer localmente e pensar globalmente ten<strong>do</strong>em conta a intervenção a nível urbano, económico, social e cultural”(C.M.Lisboa, 1994). Isto significa, que a intervenção tem <strong>de</strong> ser pensada<strong>num</strong> nível micro, mas direcionada ao nível macro, para que a intervençãofeita com a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>bairro</strong> seja específica para esse<strong>bairro</strong>, para que assim os objetivos e as repercussões sejam sentidaspela própria comunida<strong>de</strong> e pela socieda<strong>de</strong> em que esta está ou vai serinserida.Segun<strong>do</strong> Andra<strong>de</strong> (1992), “A existência <strong>de</strong> Serviço Social nas autarquiaslocais insere-se na perspetiva <strong>de</strong> terciarização da economia e das socieda<strong>de</strong>s,que <strong>de</strong>corre da trajetória percorrida pelo capitalismo, com a consequentealteração das funções da esfera privada e da esfera pública e oaparecimento da esfera social.”Com as sucessivas mudanças económicas e também da própria socieda<strong>de</strong>,houve necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> aparecimento da esfera social. O social começoua ter um maior <strong>de</strong>staque na reflexão, na implementação <strong>de</strong> novaspolíticas sociais e impacto na socieda<strong>de</strong>.Hélia Bracons31


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOPara além das transformações sociais e políticas resultantes da revolução<strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1974, em Portugal outros aspetos relevantes tiveram influênciana existência <strong>do</strong> Serviço Social nas Autarquias:- “A tomada <strong>de</strong> consciência coletiva da existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s,direitos sociais, contradição e conflitos, a par da conscientização dasrazões que conduzem a este esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas e das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mudança.- A crescente <strong>de</strong>mocratização da socieda<strong>de</strong> e a consequente <strong>de</strong>scentralização<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r.”Após o 25 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1974, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à mudança na conjuntura política emPortugal e com a institucionalização <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Local, as Autarquias Locaisampliaram a dimensão das políticas sociais, ou seja, assistiu-se aoalargamento das atribuições na esfera social, nomeadamente, a nível dasnecessida<strong>de</strong>s básicas, como por exemplo o alojamento.É neste contexto, segun<strong>do</strong> Andra<strong>de</strong> (1992), que surge <strong>num</strong> número crescente<strong>de</strong> Autarquias, o Serviço Social enquanto serviço <strong>de</strong> administraçãodas políticas sociais, na maior parte <strong>do</strong>s casos liga<strong>do</strong>s à questão <strong>do</strong> alojamento,através <strong>do</strong>s Serviços Municipais da Habitação.“Nos anos 80, e início <strong>do</strong>s anos 90, a administração das políticas sociais nomeadamenteno caso particular em análise, da Política <strong>de</strong> Habitação Social,ten<strong>de</strong> cada vez mais a ser atribuída, ao nível da sua concretização, às CâmarasMunicipais, o que tem vin<strong>do</strong> a reafirmar a importância das autarquias comoespaço media<strong>do</strong>r <strong>de</strong> intervenção <strong>do</strong>s Assistentes Sociais neste <strong>do</strong>mínio (...) asDivisões Municipais <strong>de</strong> Habitação (DMH) das Câmaras integram <strong>de</strong> uma formaquase generalizada um gabinete <strong>de</strong> Serviço Social. A estes serviços, recorremos munícipes com problemas ou necessida<strong>de</strong>s no <strong>do</strong>mínio da habitação.”Importa referir que o Serviço Social aparece enquanto racionalida<strong>de</strong> administrativa,intercala<strong>do</strong> entre <strong>de</strong>cisores e munícipes.“Na verda<strong>de</strong>, são os Assistentes Sociais que estabelecem o fluxo invisível entreos munícipes carencia<strong>do</strong>s (mas eleitores), e a organização, transmitin<strong>do</strong> aoVerea<strong>do</strong>r os elementos <strong>de</strong> diagnóstico da situação <strong>do</strong>s <strong>bairro</strong>s e <strong>do</strong>s seus habitantese canalizan<strong>do</strong> para as populações a vonta<strong>de</strong> política da Câmara, através<strong>do</strong> relacionamento profissional mediatiza<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong>, pelos programas daautarquia. Apoiam <strong>de</strong>sta forma a administração e as políticas organizacionais,Hélia Bracons32


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOao mesmo tempo que prestam um serviço aos munícipes e os tornam utentesda organização.”Segun<strong>do</strong> a autora mencionada, o profissional <strong>de</strong> Serviço Social, enquantotécnico, utiliza como mediação, não só a política social e a política organizacional,mas também um referencial teórico-meto<strong>do</strong>lógico, cultural,político e ético próprio.Os assistentes sociais procuram exercer uma mediação entre a populaçãoe as instituições / organizações fornece<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> bens e serviços, procuran<strong>do</strong>articular as necessida<strong>de</strong>s com o acesso à condição <strong>de</strong> utiliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong>sserviços. As condições em que se efetua a mediação e o senti<strong>do</strong> que lhe éatribuí<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>rão contribuir para a aquisição <strong>de</strong> cidadania, ou pelo contrário,transformar os indivíduos em usuários servis <strong>de</strong> bens e serviços,incluin<strong>do</strong> o próprio serviço social (Matias, 1996).O Assistente Social, sente muitas vezes a própria Câmara e os mora<strong>do</strong>rescomo um entrave a formas <strong>de</strong> agir que consi<strong>de</strong>raria mais corretas. Estaambivalência po<strong>de</strong> ser vista, por um la<strong>do</strong>, pelo facto <strong>de</strong> existirem parâmetros<strong>de</strong> atuação <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s pela Organização; por outro, pelas situações econdições <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s sujeitos/objeto da atuação. “Estas incompatibilida<strong>de</strong>ssão vistas como limitações/condicionamentos, produtores <strong>de</strong> angústiae <strong>de</strong>sânimo e como sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> superação muito difícil.”É <strong>de</strong>veras importante que ocorra em vários níveis e em diversos espaços,a interferência <strong>do</strong>s Assistentes Sociais nas Políticas Sociais. Através <strong>do</strong>sorganismos e das instituições <strong>de</strong> âmbito regional ou local, <strong>de</strong>stacam-se<strong>do</strong>is vetores fundamentais <strong>de</strong> intervenção profissional: o da conceção eo da concretização das políticas sociais. Uma outra possível articulação,ten<strong>do</strong> por base as Câmaras Municipais no âmbito da habitação, é a intervençãona compreensão, explicação, <strong>de</strong>finição e formulação das políticas,programas e projetos. Ten<strong>do</strong> em conta, que “Integra<strong>do</strong> em equipas multidisciplinares,o Assistente Social não só fornece um contributo que possibilitaa análise conjuntural, integran<strong>do</strong> o conhecimento e a explicação darealida<strong>de</strong> social <strong>do</strong> Concelho, tendências e perspetivas <strong>de</strong> evolução, comotambém participa na projeção <strong>de</strong> diretrizes, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> objetivos e naconceção/formulação <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> política habitacional.”Para Marilía Andra<strong>de</strong>, o trabalho <strong>de</strong> gabinete e o trabalho <strong>de</strong> campo, complementam-se.É necessário ter sempre presente que o objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong><strong>de</strong>ve reportar-se a situações concretas da vida das populações resi<strong>de</strong>ntesHélia Bracons33


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOno território municipal. O trabalho <strong>de</strong> campo permite ao Assistente Social,analisar e diagnosticar as características e necessida<strong>de</strong>s objetivas e subjetivasda habitação, assim como as capacida<strong>de</strong>s e recursos endógenos.Esta é uma base necessária e po<strong>de</strong> ser também <strong>de</strong>cisória na <strong>de</strong>finiçãodas políticas e na estruturação <strong>de</strong> programas, estan<strong>do</strong> presente a posiçãoque o Assistente Social ocupa na organização, bem como os conceitos <strong>de</strong>mediação e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (Andra<strong>de</strong>, 1992).Como refere Andra<strong>de</strong> (1992), “é através <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> campo, junto<strong>de</strong> organizações e populações, lento e continua<strong>do</strong>, que altera as representações,fomenta a participação direta, consciente, crítica, organizada esolidária <strong>do</strong>s habitantes na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. Eleva a capacida<strong>de</strong> críticanos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> agir. É um trabalho <strong>de</strong> informação, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s nos <strong>do</strong>mínios cognitivo, organizativo e relacional,que possibilita às populações o exercício <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> opção, <strong>de</strong>cisão eparticipação em <strong>do</strong>mínios da política <strong>de</strong> habitação que lhes dizem respeito.”Para a autora, a intervenção <strong>de</strong>ve estar vinculada aos projetos a quem aação se <strong>de</strong>stina, apoian<strong>do</strong>-se sempre em programas institucionais, transforman<strong>do</strong>,sempre que possível e viáveis as soluções/resposta.Para esta autora, o procedimento profissional contempla:- “A utilização <strong>de</strong> uma meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> abordagem e intervenção na realida<strong>de</strong>,que perspetiva as situações passíveis <strong>de</strong> alteração, <strong>de</strong> forma global,integran<strong>do</strong> o singular na totalida<strong>de</strong> das situações particulares em contextossocietários mais amplos;- A conjugação <strong>do</strong>s programas e potenciação <strong>do</strong>s recursos das várias instituiçõese organizações operantes na zona e da própria Câmara, procuran<strong>do</strong>as alianças, solidarieda<strong>de</strong>s e articulações possíveis entre os vários técnicos damesma e <strong>de</strong> outras instituições;- A participação <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res (individual e coletiva), como componenteessencial na formação e na escolha das opções e <strong>do</strong>s projetos a implementar,bem como na viabilização <strong>de</strong> ações, na procura e concretização <strong>do</strong>s bens eserviços <strong>de</strong> que precisam e a que tem direito.”Na intervenção, o Assistente Social tem <strong>de</strong> articular os objetivos da organização,com a realida<strong>de</strong> subjacente aos <strong>de</strong>stinatários das ações, procu-Hélia Bracons34


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOran<strong>do</strong> parcerias com outros <strong>de</strong>partamentos da organização, com outrasorganizações e, sobretu<strong>do</strong>, com a própria população. Marília Andra<strong>de</strong>afirma que “Esta interferência concretiza-se através <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong>campo, junto das organizações e populações, lento e continua<strong>do</strong>, quealtera representações, fomenta a participação direta, consciente, crítica,organizada e solidária <strong>do</strong>s habitantes na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. Elevaa capacida<strong>de</strong> crítica nos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> agir. (... ) Esta é umaatuação segun<strong>do</strong> o paradigma da emancipação/autonomia. O AssistenteSocial abre novos espaços e viabiliza a existência <strong>de</strong> canais <strong>de</strong> comunicaçãoe informação diretos, entre a Câmara e os grupos populacionais.A Autarquia conta então com grupos organiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> habitantes, comointerlocutores e colabora<strong>do</strong>res váli<strong>do</strong>s, que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam formas autónomas<strong>de</strong> intervenção, através <strong>de</strong> <strong>processo</strong>s <strong>de</strong>mocráticos <strong>de</strong> tomada<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões e execução <strong>de</strong> ações. (...) A intervenção profissional segun<strong>do</strong>os <strong>do</strong>is eixos atrás menciona<strong>do</strong>s, é o tipo <strong>de</strong> intervenção que possibilita,a retotalização <strong>do</strong> social, coloca técnicos, políticos e munícipes comoprotagonistas <strong>de</strong> um mesmo <strong>processo</strong> e provoca a emergência <strong>de</strong> novosvetores <strong>de</strong> política habitacional, mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s às necessida<strong>de</strong>s, aspiraçõese potencialida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res, e mais integra<strong>do</strong>s na dinâmica<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento local que todas as autarquias <strong>de</strong>sejam.” (Andra<strong>de</strong>,1992).O Assistente Social tem um conhecimento privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s grupos e dacomunida<strong>de</strong>, porque participa no quotidiano das populações, conhecen<strong>do</strong>por <strong>de</strong>ntro as suas carências, <strong>de</strong>sejos, potencialida<strong>de</strong>s e competências.É aqui que o Assistente Social exerce um papel central, ao serviço da Autarquia,porque ao penetrar nos grupos, ao conhecer as suas estratégiase os seus lí<strong>de</strong>res, os seus problemas e as suas possibilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>têm osaber que vem <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses grupos.É no campo da política <strong>do</strong> quotidiano que se exerce o po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> AssistenteSocial como elo <strong>de</strong> ligação entre a população local e os eleitos representativosna Autarquia.É também importante a sua ação <strong>num</strong> trabalho articula<strong>do</strong> com instituiçõese associações locais, com vista à promoção <strong>do</strong> bem-estar, autoconhecimentoe valorização <strong>do</strong>s indivíduos, grupos e comunida<strong>de</strong>s.O profissional tem <strong>de</strong> tentar dar resposta aos problemas da população,ten<strong>do</strong> em conta os interesses da Instituição e o saber <strong>do</strong> Serviço Social.Para tal, precisa <strong>de</strong> criar estratégias <strong>de</strong> intervenção, que vão <strong>de</strong> encontroHélia Bracons35


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO<strong>do</strong>s interesses da Instituição sem <strong>de</strong>scorar os problemas da populaçãoque necessitam <strong>de</strong> ser “trata<strong>do</strong>s”.“A estratégia e a tática não são o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma opção (... ) Elas são oresulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> forças em presença, <strong>de</strong> recursos disponíveis e “mobilizáveis”,e <strong>de</strong> interesses e objetivos a atingir <strong>num</strong> momento da<strong>do</strong>”(Faleiros,1999).Segun<strong>do</strong> Faleiros (1999), “A prática profissional (... ) se torna um saberestratégico (... ) um saber tático. Um saber que necessita situar-se <strong>num</strong>contexto político global e <strong>num</strong> contexto institucional particular, visualizan<strong>do</strong>as relações <strong>de</strong> saber e po<strong>de</strong>r da e com a população”.A estratégia tem a ver com os objetivos a atingir a médio ou longo prazo,enquanto que a tática tem a ver com os objetivos a atingir a curto prazo,no seguimento da estratégia. Por vezes é <strong>de</strong>finida uma estratégia <strong>de</strong> intervençãoque apesar <strong>de</strong> ir ao encontro <strong>do</strong>s interesses da Instituição e dapopulação, tem certos obstáculos no seu seguimento, obstáculos essesque po<strong>de</strong>m enviesar os resulta<strong>do</strong>s pretendi<strong>do</strong>s; logo têm <strong>de</strong> ser ultrapassa<strong>do</strong>s.É aqui que se tornam pertinentes as táticas <strong>de</strong> intervenção.Faleiros enfatiza também a competência profissional com o momentooportuno <strong>de</strong> avançar e recuar <strong>num</strong>a estratégia institucional e em relaçãoà população. Assim, méto<strong>do</strong> e estratégia combinam-se e articulam-se,forman<strong>do</strong> uma unida<strong>de</strong> teórica e prática indispensável à atuação profissional.Segun<strong>do</strong> o autor, “ o méto<strong>do</strong> é o <strong>de</strong>senvolvimento, o <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento<strong>de</strong> uma reflexão sobre um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> objeto no próprio pensamento.(...) Constitui ainda uma construção <strong>do</strong> conhecimento que reflete sobreele mesmo, sobre o objeto <strong>de</strong>sse conhecimento. Para se estabelecer ométo<strong>do</strong>, é necessário conhecer o próprio conhecer, refletir sobre a própriareflexão e representar a relação <strong>de</strong>ssa reflexão com a realida<strong>de</strong> e as mediações<strong>do</strong> próprio conhecimento” (1987).Partimos <strong>do</strong> princípio <strong>de</strong> que as pessoas têm um potencial humano ilimita<strong>do</strong>,pelo que é sempre necessário que aprendamos a sua cultura e o seupercurso existencial.A diversida<strong>de</strong> e o potencial <strong>de</strong>vem ser pontos <strong>de</strong> referência. Neste senti<strong>do</strong>,<strong>de</strong>veremos <strong>de</strong>stacar as potencialida<strong>de</strong>s individuais e coletivas. As dificulda<strong>de</strong>spassam a ser colocadas a nível <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s e das estratégias e nãonos grupos alvo da intervenção, isto é, os obstáculos coloca<strong>do</strong>s à mudançanão <strong>de</strong>vem estar centra<strong>do</strong>s nos participantes ou alvos da intervenção.Hélia Bracons36


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO1.3. O Realojamento e os Para<strong>do</strong>xos <strong>do</strong> RealojamentoEstas Políticas <strong>de</strong> Habitação visam como foi referi<strong>do</strong>, o Realojamento “Emprincípio, o vocábulo realojar po<strong>de</strong> significar alojar <strong>de</strong> novo, e tem esta<strong>do</strong> quasesempre associa<strong>do</strong> à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuir alojamento a famílias vitimadaspor catástrofes, a famílias resi<strong>de</strong>ntes em áreas a <strong>de</strong>safetar em sequência<strong>de</strong> obras públicas ou ainda a programas <strong>de</strong> eliminação sistemática <strong>de</strong> ilhas eà distribuição <strong>de</strong> fogos pelos seus habitantes” (Freitas, 1994).É neste senti<strong>do</strong> que nos anos 50 se realojaram centenas <strong>de</strong> famílias em<strong>bairro</strong>s <strong>de</strong> habitação social provisórios em Lisboa; que em 1970 se cria oserviço <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> <strong>do</strong> Gabinete Técnico <strong>de</strong> Habitação da Câmara Municipal<strong>de</strong> Lisboa e se constroem os gran<strong>de</strong>s <strong>bairro</strong>s <strong>de</strong> habitação socialno Porto.A atribuição <strong>de</strong> casa a estas famílias funciona, normalmente, ao nível <strong>do</strong>discurso <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r político, proporcionan<strong>do</strong> a estas populações melhorescondições e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, revalorizan<strong>do</strong> a função habitacional. Contu<strong>do</strong>,tem havi<strong>do</strong> várias discussões políticas acerca <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong> que precisa<strong>de</strong> intervenção, mas estas têm tendência para generalizar as pessoasem estereótipos <strong>de</strong> pobreza, <strong>de</strong>gradação e marginalida<strong>de</strong>.Segun<strong>do</strong> Coelho (1994), “toda a habitação <strong>de</strong>veria ser social, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>aspetos <strong>de</strong> bem-estar, apropriação e vitalização e a própria <strong>de</strong>signação /estigma <strong>de</strong> “habitação social” não <strong>de</strong>veria ter razão <strong>de</strong> existir”. Ao autorparecem-lhe termos mais corretos, as <strong>de</strong>signações <strong>de</strong> “habitações a custoscontrola<strong>do</strong>s” e “económica”.Salienta que existem vários exemplos <strong>de</strong> como não se <strong>de</strong>ve continuar afazer a habitação com características sociais: isolada, concentrada, fortementeestigmatizada por inúmeras características urbanas e arquitetónicas.Refere ainda que, hoje em dia, existem <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> habitação comcaracterísticas sociais que são muito instrutivas:- malhas urbanas com algumas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos e que permanecemeficientes, agradáveis e vitalizadas por ativida<strong>de</strong>s variadas, com imagensricas e mutuamente compatíveis;- zonas resi<strong>de</strong>nciais com alguns meses <strong>de</strong> uso e on<strong>de</strong> pouca gente <strong>de</strong>seja,realmente, morar, mesmo quan<strong>do</strong> não tem qualquer outra hipótese<strong>de</strong> alojamento.Hélia Bracons37


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOO segre<strong>do</strong> para fazer diluir, ou fazer <strong>de</strong>saparecer a habitação com característicassociais no meio urbano, passa pela integração social e física <strong>do</strong>sempreendimentos, porque ninguém gosta <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> habitacional bempatente em estigmas resi<strong>de</strong>nciais (por ex. as janelas iguais, cores mortiças,...)(Coelho, 1994).Segun<strong>do</strong> Ferreira (1994), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se iniciaram os <strong>realojamento</strong>s em prédiosmuito altos, normalmente nas periferias, segrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outro tipo <strong>de</strong>habitações, os <strong>bairro</strong>s <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> social têm constituí<strong>do</strong> problemas,nomeadamente pela dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s eus habitantes a habituarem-se ao“anonimato” <strong>do</strong>s andares e à formação <strong>de</strong> “guetos”. E questiona: “Valeráa pena o pesa<strong>do</strong> esforço financeiro e institucional da construção <strong>de</strong> <strong>bairro</strong>ssociais, rapidamente transforma<strong>do</strong>s em “guetos”, on<strong>de</strong> as populaçõesmelhoram <strong>de</strong> abrigo, mas vêm agrava<strong>do</strong>s os problemas económicos, familiarese <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> vizinhança?”.Segun<strong>do</strong> o autor, para mudar esta situação não é preciso realojar as pessoasque vivem em barracas noutras situações <strong>de</strong> alojamento precário. Oque está em causa é a forma e as condições como o <strong>realojamento</strong> é feito.É <strong>de</strong> salientar que são muitas as causas e bastante complexos os mecanismosque conduzem à guetização e <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong>s novos <strong>bairro</strong>s sociais:1) As condições sociais e económicas em que vivem as populações arealojar. São geralmente famílias <strong>de</strong> reduzi<strong>do</strong>s recursos económicos,com trabalho precário e profissões <strong>de</strong>squalificadas. Têm tambémtendência para serem famílias <strong>num</strong>erosas e em comunida<strong>de</strong>smais atingidas pelo <strong>de</strong>semprego.2) O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> habitat que se tem construí<strong>do</strong>. Estes <strong>bairro</strong>s são construí<strong>do</strong>sem regra nas periferias, são ocupa<strong>do</strong>s sem conclusão <strong>do</strong>sespaços exteriores e por vezes sem a conclusão das infra-estruturas,com total ausência ou <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> transportes públicos.3) A gestão <strong>do</strong>s <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> conceção e construção <strong>do</strong>s fogos, limita<strong>do</strong>spor condicionalismos legais <strong>de</strong> áreas e sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong> custos,que leva por vezes a soluções menos felizes <strong>de</strong> compartimentação ea opção por materiais mais frágeis ou mais facilmente <strong>de</strong>gradáveis.Hélia Bracons38


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO4) A gestão <strong>do</strong>s <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> e administração <strong>do</strong>s <strong>bairro</strong>s.Os <strong>processo</strong>s técnico-administrativos estão profundamente burocratiza<strong>do</strong>s,distancian<strong>do</strong> assim as populações.É preciso reconhecer, tomar consciência, <strong>do</strong>s problemas e das dificulda<strong>de</strong>sque se levantam nestas quatro vertentes e atuar sobre elas <strong>de</strong> formaglobal e integrada para se po<strong>de</strong>r realizar uma política social <strong>de</strong> habitação,em vez da habitação social que se tem ti<strong>do</strong>.Para que o <strong>realojamento</strong> social atenue estes problemas e melhore as condiçõese vivência habitacional das famílias, é preciso ter em conta algumas“prevenções” que se <strong>de</strong>vem a<strong>do</strong>tar:1) O <strong>realojamento</strong> <strong>de</strong>verá ser feito, o mais possível, <strong>de</strong> forma dispersapela cida<strong>de</strong>, integran<strong>do</strong> os respetivos <strong>bairro</strong>s no teci<strong>do</strong> urbano e noacesso aos equipamentos urbanos;2) Os projetos urbanísticos e <strong>de</strong> arquitetura <strong>de</strong>verão procurar a diversida<strong>de</strong><strong>de</strong> soluções morfológicas, estéticas, cromáticas, etc.;3) Os “standards” urbanísticos <strong>do</strong>s <strong>bairro</strong>s sociais <strong>de</strong>verão ser idênticosaos <strong>de</strong> comercialização livre, enquanto que os “standards” dashabitações po<strong>de</strong>rão ser inicialmente inferiores, mas evolutivos;4) É indispensável que, aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>, estejam trata<strong>do</strong>s econcluí<strong>do</strong>s e to<strong>do</strong>s os espaços exteriores;5) É fundamental que as famílias possam escolher (com limitações) osvizinhos; ligação <strong>realojamento</strong>/emprego e outras ações <strong>de</strong> prevençãosocial;6) É fundamental que haja uma preparação/formação sobre o uso emanutenção <strong>do</strong> fogo, <strong>do</strong>s espaços comuns e <strong>do</strong>s espaços exteriores,etc.;7) Diversificar as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso à habitação: arrendamento,opção <strong>de</strong> compras; renda resolúvel;8) A participação e implicação das populações em to<strong>do</strong> o <strong>processo</strong> écondição fundamental <strong>de</strong> sucesso, através da organização e autoresponsabilização<strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a preparação <strong>do</strong> realoja-Hélia Bracons39


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOmento, distribuição <strong>de</strong> fogos, gestão e conservação <strong>do</strong>s <strong>bairro</strong>s (Ferreira,1994:10).Verifica-se que o apoio social tem ti<strong>do</strong> como objetivo mudar os hábitos ecomportamentos das populações “educan<strong>do</strong>-as”, para viverem nas casas.Isto implica uma profunda mudança <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> comportamentose <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> administração habitacional.Exige abertura ao relacionamento com as populações e os seus problemas.É certo que há muitas pessoas que não sabem viver em apartamentos,realida<strong>de</strong> que pu<strong>de</strong> constatar na vivência <strong>do</strong> Bairro realoja<strong>do</strong>: os hábitosda barraca, sem condições sanitárias por vezes sem esgotos, em que olixo se atira para a rua, em que o pavimento é cimento e não ma<strong>de</strong>ira oumosaico, em que as pare<strong>de</strong>s são rebocadas ou mesmo tijolo à vista e nãoestuque pinta<strong>do</strong> ou azulejo, leva à ausência <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s e procedimentosque nem sempre é fácil adquirir, refletin<strong>do</strong>-se rapidamente em tacos arranca<strong>do</strong>s,azulejos ou mosaicos parti<strong>do</strong>s, pare<strong>de</strong>s sujas, má utilização <strong>do</strong>sesgotos (tu<strong>do</strong> vai para a sanita, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> restos <strong>de</strong> comida e roupa), rápida<strong>de</strong>gradação <strong>de</strong> móveis <strong>de</strong> cozinha, das torneiras, etc.É certo que o número <strong>de</strong> famílias em que esta situação se observa não éeleva<strong>do</strong>, mas nalguns estratos, sobretu<strong>do</strong> nos africanos e na etnia cigana(esta não existente no Bairro) é ainda uma realida<strong>de</strong> muito frequente.Contu<strong>do</strong>,“ (...) hoje a questão é <strong>de</strong> mudar as mentalida<strong>de</strong>s e comportamentos<strong>do</strong>s funcionários e, fundamentalmente, a lógica e forma <strong>de</strong> funcionamento<strong>do</strong>s serviços da administração habitacional, crian<strong>do</strong> novas formas<strong>de</strong> gestão <strong>do</strong>s <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> conceção, construção, ocupação e gestão<strong>do</strong>s <strong>bairro</strong>s” (Ferreira, 1994:10).Segun<strong>do</strong> Isabel Guerra (1994), “ é preciso passar progressivamente <strong>de</strong>uma ação limitada à habitação e aos <strong>bairro</strong>s a uma estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentosocial urbano da cida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> aglomeração metropolitanamais global. (...) Uma política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sócio urbanístico <strong>de</strong>verárepousar <strong>num</strong> elo contratual e financeiro, que liga o Esta<strong>do</strong>, a Autarquia àInstituição proprietária <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>, a outros parceiros locais interessa<strong>do</strong>s emora<strong>do</strong>res. Assim, é necessário acionar uma gestão <strong>de</strong>scentralizada, nãoburocrática e <strong>de</strong>senvolver uma dimensão social <strong>de</strong> gestão. Esta medidaexigirá <strong>do</strong>tar os <strong>bairro</strong>s <strong>de</strong> uma pequena equipa <strong>de</strong> técnicos <strong>de</strong> manu-Hélia Bracons40


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOtenção e gestão, quer através <strong>de</strong> <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização, quer <strong>de</strong>novas admissões”.Para Ferreira, (1994) “o PER tem à partida to<strong>do</strong>s os ingredientes para o <strong>de</strong>sastre:construção massiva, <strong>realojamento</strong>s concentra<strong>do</strong>s, populações <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> precarieda<strong>de</strong> económica e com graves problemas sociais, serviços<strong>de</strong> administração burocratiza<strong>do</strong>s.”O autor aponta também elementos inova<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Programa, como a possibilida<strong>de</strong><strong>do</strong>s municípios e instituições particulares <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> social,sensibilizadas e experientes no tratamento <strong>do</strong>s problemas que os<strong>realojamento</strong>s colocam, disporem <strong>de</strong> apoio, no âmbito <strong>do</strong> Programa Nacionalda Luta Contra a Pobreza, para ações “visan<strong>do</strong> a inserção social <strong>do</strong>sagrega<strong>do</strong>s familiares”, como formação, criação <strong>de</strong> emprego, prevenção datoxico<strong>de</strong>pendência, etc.Outro aspeto positivo é, também, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> fogos,para <strong>realojamento</strong>, no merca<strong>do</strong> e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são das instituiçõesparticulares <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> social, sensibilizadas e experientes notratamento <strong>do</strong>s problemas que os <strong>realojamento</strong>s colocam.Segun<strong>do</strong> Freitas (1994:27), “o <strong>realojamento</strong> tem esta<strong>do</strong> quase sempre associa<strong>do</strong>à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuir alojamento a famílias vítimas <strong>de</strong> catástrofesque <strong>de</strong>le carecem com urgência ou seja, (... ) muitas vezes realojaré dar casa. Não só para assegurar a transformação <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida esatisfação resi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong>ssas populações, como também para banir dasocieda<strong>de</strong> portuguesa o cancro social que é a existência <strong>de</strong> barracas e <strong>de</strong>condições <strong>de</strong>ficitárias <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>.”O alojamento é uma necessida<strong>de</strong> básica no <strong>de</strong>senvolvimento das populações,sen<strong>do</strong> hoje universalmente aceite e reconheci<strong>do</strong> o direito à habitaçãocom padrões mínimos a a<strong>do</strong>tar para que aí o homem possa encontrar aproteção indispensável contra os elementos adversos da natureza, assimcomo condições <strong>de</strong> higiene e conforto mínimas <strong>num</strong> enquadramento socialtanto quanto possível perfeito.Um alojamento <strong>de</strong>ficiente cria na população condições <strong>de</strong>sfavoráveis, sobo ponto <strong>de</strong> vista da saú<strong>de</strong>, física e mental, a acrescentar às dificulda<strong>de</strong>smateriais. Segun<strong>do</strong> Sá, (1975: 17) “os problemas <strong>de</strong> habitação estão intimamenteliga<strong>do</strong>s aos problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> enquadramento social,haven<strong>do</strong> assim uma relação muito estreita entre <strong>do</strong>ença, <strong>de</strong>linquência eHélia Bracons41


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO<strong>bairro</strong>s miseráveis. (...) O uso das habitações <strong>de</strong>verá satisfazer as necessida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> convívio indispensável à vida familiar e, noutras ocasiões <strong>de</strong>verápermitir o isolamento por motivo <strong>de</strong> repouso ou sono”.Maria João Freitas no artigo “Os para<strong>do</strong>xos <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>”, tornou públicosalguns <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pesquisas sobre <strong>realojamento</strong> <strong>de</strong> famíliasresi<strong>de</strong>ntes em barracas ou em habitações <strong>de</strong>gradadas. Refere que os <strong>processo</strong>s<strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> têm si<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong> caracteriza<strong>do</strong>s pela atribuiçãoe distribuição <strong>de</strong> alojamento a famílias que <strong>de</strong>les carecem com urgência.Realojar tem si<strong>do</strong> “dar casas”, o que coloca muitos problemas, “a começarpelos laços <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência mútua e viciante que se criam entre os agentese os recetores <strong>de</strong>ssa dádiva, a <strong>de</strong>sresponsabilização mútua na criação <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong> habitacional e <strong>de</strong> vida, enquanto projeto último” (Freitas, 1994).A dádiva ou oferta da casa assume assim o culminar <strong>de</strong> um <strong>processo</strong> <strong>do</strong>qual se espera resposta <strong>de</strong> reconhecimento e <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento político esocial, através da não <strong>de</strong>gradação das casas.Fica a dúvida se esta atribuição e distribuição <strong>de</strong> casas preten<strong>de</strong> resolveros problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> habitação das populações que a ela têmacesso, ou “resolver os problemas <strong>de</strong> consciência pública afetada por umcomplexo <strong>de</strong> pobreza envergonhada com a existência <strong>de</strong> tantos <strong>bairro</strong>s <strong>de</strong>barracas no final <strong>do</strong> séc. XX”. É este o primeiro para<strong>do</strong>xo.O segun<strong>do</strong> para<strong>do</strong>xo, consiste na quase sempre inexistente relação entreas especificida<strong>de</strong>s das dinâmicas sociais das populações que são alvo <strong>de</strong>ações <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, e as soluções políticas, técnicas e administrativasque são protagonizadas em <strong>processo</strong>s parciais <strong>de</strong> atribuição e distribuição<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s públicas, para a resolução <strong>do</strong> seu problema habitacional.As pessoas que não têm uma habitação condigna, são facilmente rotuladascomo “os mal aloja<strong>do</strong>s”, pois têm condições habitacionais e <strong>de</strong> vidamuito reduzidas, com fracos recursos <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e especializaçãoprofissional. Po<strong>de</strong>m viver em <strong>bairro</strong>s <strong>de</strong> barracas, <strong>de</strong> tábuas ou <strong>de</strong> alvenariasem infra estruturas, <strong>bairro</strong>s camarários provisórios que se vão <strong>de</strong>gradan<strong>do</strong>com o tempo, edifícios embarga<strong>do</strong>s ou não concluí<strong>do</strong>s que sãoocupa<strong>do</strong>s, em áreas antigas caracterizadas por coabitações e sobreocupações;nalguns pátios, vilas, sob árvores, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se também consi<strong>de</strong>raros sem abrigo que vivem na rua.Hélia Bracons42


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOEm Lisboa, “os mal aloja<strong>do</strong>s”, po<strong>de</strong>m i<strong>de</strong>ntificar-se em três gran<strong>de</strong>s grupos:- Os que se fixaram nos finais <strong>do</strong>s anos 50 / 60, vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> interior parao litoral;- Os que se fixaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o pós 25 <strong>de</strong> Abril, até ao início <strong>do</strong>s anos 80,constituí<strong>do</strong>s pelos retorna<strong>do</strong>s das ex-colónias (na sua maioria portuguesesprovenientes <strong>de</strong> diferentes grupos étnicos);- Os <strong>de</strong> fixação recente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os finais <strong>do</strong>s anos 80 até hoje, vin<strong>do</strong>s nasua maioria <strong>do</strong>s PALOP`S à procura <strong>de</strong> emprego, fugi<strong>do</strong>s da guerra oucom condições económicas muito difíceis nos seus países <strong>de</strong> origem,bem como os imigrantes oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s países <strong>de</strong> Leste, a partir da 2.ªmeta<strong>de</strong> <strong>do</strong>s anos 90.A diversida<strong>de</strong> multi-étnica é característica <strong>de</strong>stas populações.Estas populações mal alojadas, face ao <strong>realojamento</strong>, são confrontadascom novos cenários habitacionais, que nem sempre vêm correspon<strong>de</strong>r àssuas necessida<strong>de</strong>s e aspirações.Como terceiro para<strong>do</strong>xo, Maria João Freitas refere que “o confronto comos novos cenários habitacionais implica sempre, necessariamente, a reestruturação<strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida das famílias por ele abrangidas”. A para<strong>do</strong>xalida<strong>de</strong><strong>do</strong>s efeitos <strong>de</strong>sta reestruturação consiste na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r assumir <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s contraditórios: por um la<strong>do</strong>, <strong>processo</strong>s <strong>de</strong>transformação <strong>do</strong>s seus mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida, <strong>num</strong>a lógica <strong>de</strong> promoção e mobilida<strong>de</strong>sócio – resi<strong>de</strong>ncial; por outro la<strong>do</strong>, <strong>processo</strong> <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong> umacultura <strong>de</strong> pobreza na qual as famílias se po<strong>de</strong>m inscrever.Freitas realizou um estu<strong>do</strong> no Bairro da Boavista, em Lisboa, on<strong>de</strong> se preten<strong>de</strong>uobter a relação problemática polarizada entre a casa enquanto novida<strong>de</strong>e o <strong>bairro</strong> como origem e preservação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Refereque, para as famílias realojadas, houve mudanças ao nível <strong>do</strong> conforto, davivência quotidiana e <strong>do</strong>s afetos. Contu<strong>do</strong>, o <strong>bairro</strong> on<strong>de</strong> sempre viverame on<strong>de</strong> foram realojadas apresenta-se como “o berço que não se renega”(Freitas; 1994: 28), <strong>de</strong> on<strong>de</strong> não querem sair, pois criaram raízes ao longo<strong>do</strong>s anos, solidificadas por uma ausência <strong>de</strong> outros referenciais resi<strong>de</strong>nciais.O <strong>bairro</strong> funciona como uma referência espacial <strong>do</strong>s seus quotidianose da sua história.Hélia Bracons43


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOQuanto ao tempo, diminui o passa<strong>do</strong> com os vizinhos e o passa<strong>do</strong> em casaaumenta; relativamente à nova casa, as pessoas acham que há vantagensem relação à anterior, mas mostram que têm sauda<strong>de</strong>s e pena <strong>de</strong> teremperdi<strong>do</strong> as sociabilida<strong>de</strong>s e o uso <strong>do</strong>s espaços secundários (espaços imediatamenteexteriores às casas).Deste mo<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> as famílias são realojadas, a dimensão funcional <strong>de</strong>extensão <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter tanto senti<strong>do</strong>, o que po<strong>de</strong>rálevar a um maior isolamento/fechamento relativamente ao exterior e àsoutras funções <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e relacionamento com a vida <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>.Quan<strong>do</strong> as pessoas saíam tinham logo a rua, on<strong>de</strong> as crianças podiambrincar, on<strong>de</strong> os vizinhos passavam, estavam, on<strong>de</strong> se podia fazer umasardinhada: a rua era um espaço <strong>de</strong> convivência para muitas pessoas, eraum sítio on<strong>de</strong> as pessoas se podiam relacionar e que agora foi substituídapelo patamar da escada (um não lugar) que cumpre “ uma função <strong>de</strong> passagem,e não <strong>de</strong> estar” (Freitas, 1994:29).Com a perda <strong>de</strong>stes espaços, a casa ganha uma importância muitomaior, tornan<strong>do</strong>-se pela primeira vez no historial <strong>de</strong> muitas famílias, ocentro <strong>do</strong> seu quotidiano, começan<strong>do</strong> a <strong>do</strong>minar o princípio da privacida<strong>de</strong>.Portanto, “ (...) enquanto que nos cenários resi<strong>de</strong>nciais anterioreso centro da sua vivência quotidiana era a casa com extensão para a ruae, portanto, para o <strong>bairro</strong>, em situações <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> em prédios, ocentro vital <strong>de</strong>stas populações passa a ser pre<strong>do</strong>minantemente a casa”(Freitas, 1994:30).Assim, <strong>de</strong> uma lógica sócio-espacial comunitária passa-se para uma lógicasócio-espacial individualista, que correspon<strong>de</strong> a estilos <strong>de</strong> vida diferentese práticas sociais também distintas.Este confronto, entre um espaço <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e um espaço on<strong>de</strong> háum efeito <strong>de</strong> fechamento espacial ou societal, obriga a que as pessoasreflitam sobre si mesmas enquanto indivíduos e atores sociais. Mas seráque as famílias estão preparadas para esse fechamento consigo próprias,que implica por vezes uma reestruturação e consciencialização da suai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal e social?Por fim, o último para<strong>do</strong>xo tem a ver com a opção por uma unida<strong>de</strong> política,que tem vin<strong>do</strong> a ser pre<strong>do</strong>minante na resolução <strong>do</strong>s problemas <strong>de</strong>habitação <strong>de</strong>stas famílias que partilham <strong>de</strong> condições habitacionais muito<strong>de</strong>gradadas. Consiste no assumir <strong>de</strong> uma certa con<strong>de</strong>nação pública e po-Hélia Bracons44


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOlítica a soluções estereotipadas <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, cuja eficácia e eficiênciajá <strong>de</strong>ram provas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar muito a <strong>de</strong>sejar.Realojar aparece então como uma ação à qual se exige um âmbito e umconteú<strong>do</strong> muito mais alarga<strong>do</strong> que o simples facto <strong>de</strong> atribuir casas. Umconteú<strong>do</strong> mais consistente e programático é indispensável quan<strong>do</strong> se discutem,programam e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>.Impõe-se como uma necessida<strong>de</strong> urgente a “reflexão e <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>sprogramáticos <strong>de</strong> intervenção; <strong>de</strong> conhecimento em profundida<strong>de</strong><strong>do</strong> teci<strong>do</strong> social que se vai querer <strong>de</strong>smanchar e costurar <strong>de</strong> novo; <strong>de</strong> prepararo aparelho político, técnico e burocrático para as intervenções propostas,<strong>de</strong> discussão, pon<strong>de</strong>ração e preparação <strong>de</strong> soluções inova<strong>do</strong>ras ea<strong>de</strong>quadas às realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervenção” (Freitas; 1994).Maria João Freitas faz ainda uma crítica no seu artigo atrás referencia<strong>do</strong>,dizen<strong>do</strong> que “constroem-se casas para pessoas abstratas ou muitas vezescasas para pessoas que técnica ou politicamente se postula que têm (ou<strong>de</strong>veriam ter) <strong>de</strong>terminadas características” (1994:31).Estes para<strong>do</strong>xos remetem para um <strong>de</strong>safio que alerta à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma reflexão pública, política e técnica sobre os problemas <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>nas suas potencialida<strong>de</strong>s não exploradas <strong>de</strong> técnica e progresso <strong>de</strong>promoção habitacional e social.Pinto (1994:42) salienta que, genericamente, a ação <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> setraduz:- “Na melhoria substancial das condições habitacionais, e consequentementena melhoria das condições <strong>de</strong> vida, levan<strong>do</strong> à criação <strong>de</strong> requisitos fundamentaispara uma melhor capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promoção e integração social;- Na concretização <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> vida que tem como objetivo a conquista<strong>de</strong> uma casa digna;- Nos investimentos em torno da casa e da vida familiar que se transforma noprincipal espaço e tempo da vida quotidiana, levan<strong>do</strong>-a a certo mo<strong>do</strong> a umareestruturação das <strong>de</strong>spesas e <strong>do</strong>s consumos”.Contu<strong>do</strong>, é ainda <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância referir que os <strong>realojamento</strong>s têmalguns “efeitos perversos” tais como:Hélia Bracons45


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO- “Perda <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>s locais e <strong>de</strong> fatores i<strong>de</strong>ntitários fundamentaiscom incidências importantes no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> apropriação <strong>do</strong> espaço resi<strong>de</strong>nciale das suas formas <strong>de</strong> vida social;- Maior isolamento social e espacial, pela tendência a um centramentodas ativida<strong>de</strong>s e temporalida<strong>de</strong>s da vida quotidiana em torno da casa epela diminuição <strong>do</strong>s espaços apropriáveis exteriores ao <strong>bairro</strong>;- Aumento da conflitualida<strong>de</strong> interna e das disfuncionalida<strong>de</strong>s da dinâmicasocial traduzíveis em sentimentos generaliza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> insegurançae na interiorização <strong>de</strong> uma imagem negativa e estigmatizante” (Pinto,1994:43).1.4. Satisfação Resi<strong>de</strong>ncialA maior ou menor satisfação resi<strong>de</strong>ncial estará sempre <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>grau e <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> articulação que se conseguir obter entre, por um la<strong>do</strong>,as características específicas das populações a realojar, o seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>vida, as suas necessida<strong>de</strong>s e aspirações; por outro, as características <strong>do</strong>smo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> habitat (urbanísticos, arquitetónicos e sociais) a das formas<strong>de</strong> habitar que implicam e permitem e, por fim, as políticas e os princípios<strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>.Segun<strong>do</strong> Cassis e Pereira (1994), a atribuição <strong>de</strong> uma casa, em respostaa carências habitacionais, não parece ser suficiente para assegurar a satisfaçãoresi<strong>de</strong>ncial. Consi<strong>de</strong>ram que o conceito <strong>de</strong> satisfação resi<strong>de</strong>ncialé subjetivo, on<strong>de</strong> os sentimentos e opiniões pessoais têm um papel prepon<strong>de</strong>rante.Para além <strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>res objetivos da qualida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>ncial,tem-se atribuí<strong>do</strong> uma gran<strong>de</strong> importância aos valores culturais e sociaisda comunida<strong>de</strong>, e a sua incidência na perceção que a população tem <strong>do</strong>seu ambiente. Salientam ainda o facto <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> satisfação <strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>ntespo<strong>de</strong>r ser estuda<strong>do</strong> com base em diferentes aspetos, tais como: o projetoem si, a construção, as infra estruturas, os equipamentos <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>,as relações <strong>de</strong> vizinhança, a participação social e a manutenção / conservaçãoda casa, <strong>do</strong> edifício e <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>.De acor<strong>do</strong> com o que já referimos anteriormente e segun<strong>do</strong> Guerra (1997),“a Habitação é um bem heterogéneo, durável e essencial à sobrevivênciaquotidiana, constituin<strong>do</strong> um indica<strong>do</strong>r indireto das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociaisna cida<strong>de</strong>. É também um elemento essencial à estruturação urbana e umaHélia Bracons46


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOfonte <strong>de</strong> conflito e negociação entre instituições e agentes envolvi<strong>do</strong>s nasua produção, consumo e apropriação.”A questão da habitação é hoje um campo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> multidisciplinar e<strong>de</strong> confronto <strong>de</strong> diversas teorias. A autora faz referência à diversida<strong>de</strong><strong>de</strong> abordagens sobre a questão <strong>do</strong> alojamento; estas estão relacionadascom a diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s quadros concetuais e as escolas e correntes <strong>de</strong>pensamento. Keith Basset e John Short, cita<strong>do</strong> por Isabel Guerra (1980)apresentam cinco abordagens da questão <strong>do</strong> alojamento cujo recurso àsdiferentes teorias orientam os centros <strong>de</strong> interesse:1. Abordagem Ecológica – caracterizada pela assunção <strong>de</strong> uma relaçãonatural com o meio ambiente e o comportamento humano. A análiseecológica consistiu fundamentalmente na observação <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>localização e <strong>de</strong> diferenciação resi<strong>de</strong>ncial (Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Burgess, 1925).2. Abordagem Neo-Clássica – Pretendia <strong>de</strong>senvolver uma teoria explicativadas estruturas espaciais e da localização resi<strong>de</strong>ncial. A suaimportância advém <strong>do</strong> facto <strong>de</strong> enfatizarem as preferências das famíliase da procura <strong>de</strong> habitação, introduzin<strong>do</strong> um fator <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong>económica e sociológica nas formas <strong>de</strong> produção e apropriação<strong>do</strong> espaço (Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Alonso, 1964).3. Abordagens Weberianas – introduzem a lógica da procura e da oferta.Contestam a capacida<strong>de</strong> e escolha <strong>do</strong>s sujeitos em função <strong>do</strong>srendimentos já que agem no contexto <strong>de</strong> outros constrangimentos<strong>do</strong> merca<strong>do</strong>. As teorias Weberianas estão sobretu<strong>do</strong> centradas nanatureza das relações sociais associadas às relações <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><strong>do</strong> alojamento, e nas consequências <strong>de</strong>ssas relações <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>na consciência <strong>do</strong>s atores (Phal, 1975).4. Abordagem Marxista – a questão <strong>do</strong> alojamento é uma questão centralna formação social-capitalista, dan<strong>do</strong> conta <strong>do</strong> carácter contraditórioe complexo <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> sistema. Contraditório,porque a produção <strong>do</strong> alojamento é, simultaneamente, um fator <strong>de</strong>troca (merca<strong>do</strong>ria) e um fator <strong>de</strong> uso (essencial à reprodução daforça <strong>de</strong> trabalho), valores contraditórios na lógica <strong>do</strong> atual mo<strong>de</strong>lo<strong>de</strong> produção. Para estes autores a crise <strong>do</strong> alojamento é pois, umacrise estrutural, que só será resolvida <strong>num</strong>a socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> as necessida<strong>de</strong>sbásicas e os bens e serviços que as satisfazem estejamsocializa<strong>do</strong>s.Hélia Bracons47


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO5. Abordagem <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida – Surgem na sequência da teoria <strong>do</strong>interacionismo simbólico e psicologia ambiental. Interessa-se pelasformas e usos <strong>de</strong> apropriação <strong>do</strong> espaço (Lefébvre e Chombart <strong>de</strong>Lauwe, 1959).1.5. A apropriação <strong>do</strong> alojamento / espaçoSegun<strong>do</strong> Isabel Guerra as abordagens mais relacionadas com os <strong>processo</strong>s<strong>de</strong> apropriação <strong>do</strong> alojamento não têm si<strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> análise <strong>do</strong> ponto<strong>de</strong> vista da sociologia urbana. A maioria <strong>do</strong>s contributos para este campo<strong>de</strong> análise advém <strong>de</strong> outras disciplinas sociais, tais como a psicologiacomportamental, a antropologia, etc. A própria <strong>de</strong>finição da noção “apropriação<strong>do</strong> espaço” é pouco clara, recobrin<strong>do</strong> <strong>do</strong>mínios varia<strong>do</strong>s. Parecesignificar, não apenas um <strong>processo</strong> <strong>de</strong> uso funcional ou instrumental <strong>do</strong>alojamento, mas recobrir um <strong>do</strong>mínio diversifica<strong>do</strong> <strong>de</strong> práticas: culturais,simbólicas, afetivas, etc. (Guerra, 1997: 170).A análise das formas <strong>de</strong> apropriação <strong>do</strong> alojamento tem suscita<strong>do</strong> o interessenas últimas décadas da sociologia urbana, em certa medida pormotivos <strong>de</strong> interesse das entida<strong>de</strong>s públicas, relaciona<strong>do</strong> com a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o comportamento <strong>do</strong>s diferentes grupos sociais face aoespaço construí<strong>do</strong>; e também o interesse das entida<strong>de</strong>s privadas, fundamentalmentecom o reconhecimento da existência <strong>de</strong> dinâmicas <strong>de</strong>mográficas,familiares e culturais.Existem três gran<strong>de</strong>s níveis <strong>de</strong> abordagem da análise das formas <strong>de</strong> apropriação<strong>do</strong>s alojamentos:i) Uma abordagem sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m sociológica, no quadro <strong>do</strong>smo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida e formas e apropriação <strong>do</strong> alojamento.Neste nível, esta abordagem tem vin<strong>do</strong> a ser <strong>de</strong>finida em torno <strong>de</strong> trêseixos fundamentais:- a função <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong> alojamento na estruturação <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida;- as formas <strong>de</strong> usos e apropriação <strong>do</strong> espaço <strong>de</strong> habitar;- os fatores <strong>de</strong> satisfação resi<strong>de</strong>ncial.Hélia Bracons48


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICORelativamente às diversas abordagens, conceitos e autores sobre a temáticaem causa, é difícil sintetizar, dada a dispersão e sobretu<strong>do</strong>, o carácterempírico da maioria das pesquisas, que não apresentam os seus quadros<strong>de</strong> referência.Em 1945, Lefèbvre propõe o estu<strong>do</strong> da vida quotidiana <strong>num</strong>a oposição aomo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção. As diferentes conceções na análise <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vidaopõem-se no lugar e importância que atribuem ao trabalho, às categoriassocioprofissionais e às sociais.Léger (1994) escreve que a tendência é para que o sucesso <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vida venha da <strong>de</strong>sgraça <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção.É Lefèbvre que <strong>de</strong>fine a relação com os objetos familiares, as relações <strong>de</strong>vizinhança e o habitar como uma relação <strong>de</strong> apropriação.Para Bachelard, habitar é visto como investir afetos, imaginários, reaise irreais, conscientes e inconscientes. A função <strong>de</strong> habitar é pensada apartir <strong>de</strong> duas dimensões: a satisfação <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> e resulta<strong>do</strong><strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo cultural.Para Michel Conan, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> habitar inclui estas dimensões, já quepara o autor, habitar é um comportamento pelo qual os homens dão senti<strong>do</strong>ao espaço on<strong>de</strong> vivem, senti<strong>do</strong> que, simultaneamente os protege, reforçaa permanência da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e lhes permite fazer face às mudançasadaptan<strong>do</strong> a sua personalida<strong>de</strong> sem entrar em rutura com a suaunida<strong>de</strong>.Isabel Guerra refere que gran<strong>de</strong> parte das pesquisas sociológicas sobreapropriação <strong>do</strong> alojamento estrutura em torno <strong>de</strong> duas questões fundamentais:o primeiro refere-se ao impacto das alterações <strong>de</strong>mográficas naprocura <strong>do</strong> alojamento e na evolução das características da oferta, on<strong>de</strong>se encontra uma atenção especial às dinâmicas <strong>de</strong>mográficas <strong>de</strong> indivíduose famílias, bem como à evolução das características da oferta habitacional.O segun<strong>do</strong> questiona a estruturação <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida e as suasarticulações, com as necessida<strong>de</strong>s e formas <strong>de</strong> apropriação ao nível <strong>do</strong>alojamento.ii) A apropriação psicossociológica com recurso às variáveis estruturantesda psicologia social.Hélia Bracons49


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOMuitos investiga<strong>do</strong>res vão recorrer à psicologia, nomeadamente à psicologiaambiental e à análise transacional, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> análisedas formas <strong>de</strong> uso e apropriação <strong>do</strong> alojamento.“Na abordagem da psicologia ambiental, parte-se <strong>do</strong> pressuposto <strong>de</strong> que a casa éum repositório <strong>de</strong> <strong>processo</strong>s culturais e psicológicos fundamentais e preten<strong>de</strong>-seaveriguar os significa<strong>do</strong>s da casa para os mora<strong>do</strong>res, o papel <strong>do</strong> alojamento naestruturação das relações familiares, ou o papel <strong>do</strong> alojamento no relacionamentocom a vizinhança, etc.” (Guerra, 1997:175).Segun<strong>do</strong> a perspetiva transacional, o alojamento <strong>de</strong>ve ser concebi<strong>do</strong> <strong>num</strong>adinâmica confluente <strong>de</strong> pessoas, lugares e <strong>processo</strong>s psicológicos.Valorizam-se as dimensões <strong>de</strong> apropriação, enraizamento e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>que advém <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> apropriação positiva da casa, consi<strong>de</strong>ra-se queessa apropriação positiva é indispensável para o equilíbrio psicológico, familiare social. Estas dimensões ou conceitos referenciam a i<strong>de</strong>ia que aspessoas investem significa<strong>do</strong>s e afetos nos lugares em que se relacionam.O espaço casa aparece como <strong>processo</strong> <strong>de</strong> comunicação com os outros ecom os lugares e também como fator <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, já que a casa é umsistema complexo que nos orienta as relações com os lugares, com o espaçoe com a socieda<strong>de</strong>.Um <strong>do</strong>s temas particularmente recorrentes nas pesquisas é a avaliaçãoda satisfação resi<strong>de</strong>ncial, estan<strong>do</strong> presentes três dimensões <strong>de</strong> análise danoção <strong>de</strong> satisfação resi<strong>de</strong>ncial: a afetiva, a cognitiva e a comportamental.Os estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s até ao momento i<strong>de</strong>ntificam uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong><strong>de</strong> dimensões que fundamentam a satisfação resi<strong>de</strong>ncial: dimensão, localização,<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>, vizinhança, etc.As pesquisas realizadas permitem concluir que “a apropriação <strong>do</strong> alojamentonão é um simples <strong>processo</strong> funcional, recobrin<strong>do</strong> uma gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong><strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> uso, <strong>de</strong> apropriação cultural, simbólica e afetiva”(Guerra, 1997:177).Jean Léger (1994) sintetiza duas i<strong>de</strong>ias centrais que se po<strong>de</strong>rão retirar <strong>de</strong>uma análise das pesquisas sobre as formas <strong>de</strong> apropriação <strong>do</strong> alojamento.A primeira é <strong>de</strong> que os diferentes sistemas concetuais disponíveis no merca<strong>do</strong>das i<strong>de</strong>ias foram elabora<strong>do</strong>s a partir da observação das práticas, masHélia Bracons50


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOnenhum produziu um méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> ajuda à programação e à conceção <strong>do</strong>espaço habita<strong>do</strong> suficientemente fecun<strong>do</strong> e operacional.Uma segunda constatação, referencia as variáveis que surgem como pertinentesnas pesquisas realizadas. Os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida – no seu senti<strong>do</strong> genéricoe neste contexto – po<strong>de</strong>rão ser entendi<strong>do</strong>s na referência a algumascategorias fundamentais, como a categoria profissional, o sexo e a ida<strong>de</strong>.No entanto, nesta temática torna-se indispensável tomar como unida<strong>de</strong><strong>de</strong> observação a família, o que vem complexificar quer a problemática,quer as meto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> análise que dispomos actualmente (Jean Léger,cita<strong>do</strong> por Guerra, 1997: 179 e 180).iii) A apropriação simbólica, campo cada vez mais autónomo e interdisciplinardas ciências sociais.Outro autor que estu<strong>do</strong>u a apropriação <strong>do</strong> espaço foi o antropólogo Rapport.Para ele várias noções estão presentes quan<strong>do</strong> se fala <strong>de</strong> espaço<strong>do</strong>méstico:- O grau <strong>de</strong> especialização <strong>do</strong> espaço-habitação: varia <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> coma pertença <strong>do</strong>s grupos sociais. Por exemplo, a diferente utilização <strong>do</strong>sespaços na casa, a cozinha, a ausência ou não da utilização da sala, oescritório, etc;- Distribuição <strong>do</strong> mobiliário: que peças <strong>de</strong> mobiliário se colocam e on<strong>de</strong>;- Grau <strong>de</strong> isolamento das divisões: para uns é fundamental que existaisolamento, para outros não;- Divisão <strong>do</strong> espaço por funções sociais e hierarquia <strong>do</strong>s papéis: há umaapropriação diferenciada conforme os papéis na família. Uma apropriaçãoindividualizada <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico é por exemplo, o escritório <strong>do</strong>pai.A valorização que se faz da apropriação <strong>de</strong> cada espaço difere <strong>de</strong> grupopara grupo social e <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais e culturais.Isabel Guerra alerta para o facto que o indivíduo tem, enquanto ser social,necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer relações sociais com os outros atores. Esteconjunto <strong>de</strong> ações configuram-se <strong>num</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tempo e espaço. Oespaço é constituí<strong>do</strong> pelas re<strong>de</strong>s primárias (família, vizinhos e amigos)Hélia Bracons51


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOe pelas re<strong>de</strong>s secundárias (organizações e instituições) que, quan<strong>do</strong> ativadas,permitem a participação efetiva <strong>do</strong>s indivíduos na comunida<strong>de</strong>. É<strong>de</strong>veras importante ter presente, estes conceitos em qualquer <strong>processo</strong><strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>.Quan<strong>do</strong> falamos em <strong>realojamento</strong>, estamos perante um <strong>processo</strong> quepo<strong>de</strong> gerar ruturas com os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida e com a forma <strong>de</strong> apropriação<strong>do</strong> espaço. A apropriação <strong>do</strong> espaço habita<strong>do</strong> coloca questões <strong>de</strong> relaçãocom o espaço <strong>do</strong>méstico (casa) e o espaço público, o exterior (rua).Para Menezes, haverá uma continuida<strong>de</strong> espacial entre a casa, a rua e o<strong>bairro</strong>. Salienta que os espaços <strong>do</strong>mésticos refletem a forma ou o mo<strong>do</strong>como as pessoas, com culturas próprias, convivem, relacionam-se e tambémcomo manifestam os seus <strong>de</strong>sejos, vonta<strong>de</strong>s, motivações, etc., faceàs solicitações da socieda<strong>de</strong>.O espaço ganha a importância que lhe é conferida pela socieda<strong>de</strong> e peloindivíduo <strong>num</strong>a interação permanente, que resulta no espaço social (Gonçalves;1995).1.6. Minorias Étnicas e Grupos Étnicos na Socieda<strong>de</strong> PortuguesaUma vez que a nossa pesquisa inci<strong>de</strong> sobre três grupos étnicos distintos,achámos pertinente <strong>de</strong>linear um outro eixo <strong>de</strong> análise, trabalhan<strong>do</strong> osconceitos <strong>de</strong> minorias étnicas, grupo étnico e cultura.A existência <strong>de</strong> minorias étnicas na socieda<strong>de</strong> portuguesa não é um fenómenorecente.Portugal era um país <strong>de</strong> forte emigração, nas últimas décadas passoutambém a ser um local <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino da imigração. Em termos <strong>num</strong>éricos,a imigração <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser um fenómeno residual, constituin<strong>do</strong> hoje ummovimento populacional, com crescente impacto na socieda<strong>de</strong> portuguesa.Em 1997, a população estrangeira com autorização <strong>de</strong> residência emPortugal atingiu os 175.263 indivíduos. Contan<strong>do</strong> com os estrangeiros emsituação irregular, este número ultrapassara já os 200.000, o que significaum pouco mais que 2% da população total <strong>do</strong> país (Pires, 1999).É <strong>de</strong> salientar que os fluxos migratórios internacionais <strong>do</strong>minantes nasocieda<strong>de</strong> portuguesa obe<strong>de</strong>cem a um padrão que ilustra o que conven-Hélia Bracons52


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOcionalmente se <strong>de</strong>signa por semiperifericida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Portugal. “Portugal ésimultaneamente ponto <strong>de</strong> partida e <strong>de</strong> chegada <strong>de</strong> fluxos <strong>de</strong> dupla face esimétricos entre si” (Macha<strong>do</strong>, 1997: 16).A inserção <strong>de</strong> um imigrante na região <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino implica a ocorrência <strong>de</strong>um <strong>processo</strong> <strong>de</strong> adaptação, por vezes bastante difícil, às regras e aos valoresque vigoram na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhimento. Deste mo<strong>do</strong>, para Jackson,“o migrante é um veículo <strong>de</strong> mudança, encapsulan<strong>do</strong> a experiência <strong>de</strong>duas socieda<strong>de</strong>s; se por um la<strong>do</strong> constitui um <strong>de</strong>safio para o meio socialque não soube fixá-lo, por outro também o é para o meio on<strong>de</strong> se instala”(Jackson, 1991: 69).De facto, os migrantes confrontam-se com uma situação complexa, que<strong>de</strong>corre da disparida<strong>de</strong> entre os seus valores <strong>de</strong> origem e aqueles quepre<strong>do</strong>minam na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhimento. Assim, a migração proporcionaa matéria-prima com que são produzi<strong>do</strong>s <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> aceitaçãoe absorção <strong>do</strong> imigrante na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhimento, conten<strong>do</strong> um fortepotencial quer para o conflito, quer para a acomodação com a populaçãoautóctone. O <strong>processo</strong> através <strong>do</strong> qual os imigrantes vão adaptan<strong>do</strong> osvalores sociais e económicos da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhimento, é <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>por assimilação.Importa salientar que a assimilação não é um <strong>processo</strong> homogéneo. Defacto, nem to<strong>do</strong>s os migrantes <strong>de</strong> uma mesma comunida<strong>de</strong> adquirem omesmo grau <strong>de</strong> assimilação. Este <strong>processo</strong> varia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> fatorescomo o peso <strong>do</strong>s valores <strong>do</strong> país <strong>de</strong> origem, a capacida<strong>de</strong> individual <strong>de</strong>adaptação ou o grau <strong>de</strong> contacto com a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhimento.Saint-Maurice (1997) constata que os imigrantes chega<strong>do</strong>s a Portugal antes<strong>de</strong> 74, adquiriram mais estabilida<strong>de</strong> no trabalho e melhores condições<strong>de</strong> fixação. Foi o trabalho previamente assegura<strong>do</strong> e a existência <strong>de</strong> vínculosefetivos que favoreceram tal situação; por seu la<strong>do</strong>, os imigranteschega<strong>do</strong>s após aquela data enfrentaram gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s nesses <strong>do</strong>mínios.A assimilação atinge, também, níveis diferentes, consoante se trate daesfera económica, cultural ou religiosa. Na verda<strong>de</strong>, um imigrante po<strong>de</strong>a<strong>do</strong>tar certas práticas <strong>de</strong> lazer <strong>do</strong> país <strong>de</strong> acolhimento, mas manter quaseinaltera<strong>do</strong>s os seus hábitos alimentares ou religiosos. É neste contexto quesurge o termo acomodação. Assim, a acomodação <strong>de</strong>screve as exigênciase cedências tanto da parte da população imigrante como da resi<strong>de</strong>nte,Hélia Bracons53


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOnos casos em que a população autóctone reconheceu a necessida<strong>de</strong> queo imigrante tem <strong>de</strong> manter os laços com as suas origens (Jackson, 1991).Quan<strong>do</strong> as diferenças étnicas, religiosas e culturais são marcadas, o <strong>processo</strong><strong>de</strong> assimilação <strong>de</strong> novos valores ten<strong>de</strong> a ser mais difícil. Os imigrantessujeitos a uma <strong>do</strong>minação cultural e, por vezes, a situações <strong>de</strong> estigmatizaçãoe exclusão social, constroem uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, dan<strong>do</strong>origem ao que vulgarmente se <strong>de</strong>signa por “minorias étnicas”.“Minorias ten<strong>de</strong>m a ser, actualmente, to<strong>do</strong>s os agrupamentos que não participam,em pleno, da vida social, cultural e política” (Fernan<strong>de</strong>s, 1995:24).O termo minoria, outrora <strong>de</strong> uso corrente, ten<strong>de</strong> atualmente a ser substituí<strong>do</strong>pela expressão grupo étnico. O grupo étnico é marca<strong>do</strong> por algunstraços característicos que o diferenciam da população autóctone. Assim,é possui<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma cultura própria e <strong>de</strong> uma particular religião, o seuuniverso simbólico é parte mínima <strong>num</strong>a socieda<strong>de</strong> em que <strong>do</strong>minam padrõesdiferentes. Por conseguinte, a pertença a um grupo étnico constituisecomo um vetor importante <strong>de</strong> estruturação <strong>de</strong> valores, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s ecomportamentos <strong>do</strong>s seus membros.É importante salientar que o conceito <strong>de</strong> grupo étnico nem sempre se referea uma minoria étnica, pois no caso <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> uma minoria étnicaé necessário juntar à etnicida<strong>de</strong> o estatuto minoritário, tornan<strong>do</strong> as questõesa abordar mais específicas.Um grupo <strong>de</strong> indivíduos com ancestralida<strong>de</strong> comum, padrões <strong>de</strong> culturacomuns e apresentan<strong>do</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação com essegrupo, isto é, reconhecen<strong>do</strong>-se como pertencen<strong>do</strong> ao grupo, po<strong>de</strong> serconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um grupo étnico. Um grupo étnico po<strong>de</strong> assim ser concebi<strong>do</strong>como um grupo com uma história e uma cultura comum, bem como umaancestralida<strong>de</strong> biológica e/ou linguística comum, mesmo que esta nãoseja imediatamente percetível (Liebkind, 1989).Rocha Trinda<strong>de</strong> (1995:221) refere que os indica<strong>do</strong>res mais comuns <strong>de</strong> umgrupo étnico são a história e a ancestralida<strong>de</strong>, a aparência física, a língua,os estilos <strong>de</strong> vestuário e a<strong>do</strong>rnos, os hábitos e os costumes, as regras e asnormas <strong>de</strong> conduta, o tipo <strong>de</strong> estratificação social, etc. Estes são os fatoresque diferenciam estes grupos da socieda<strong>de</strong> maioritária, e que po<strong>de</strong>mou não, dar origem a situações <strong>de</strong> isolamento face à socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> estãoinseri<strong>do</strong>s. Estas diferenças encontram-se normalmente associadas a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso à riqueza e ao po<strong>de</strong>r económico,Hélia Bracons54


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICObem como a diferenças <strong>de</strong> estatuto e <strong>de</strong> prestígio social, na comparaçãocom situações semelhantes na socieda<strong>de</strong> envolvente.Estes grupos são facilmente i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s através <strong>de</strong> características rácicas(cor da pele, traços fisionómicos) e marca<strong>do</strong>res étnicos (o dialeto,as práticas culturais, os costumes, entre outros). Estes grupos são frequentementealvo <strong>de</strong> reprovação e <strong>de</strong> discriminação por parte <strong>de</strong> algunssegmentos da população autóctone. A reprovação tem a face oposta na<strong>de</strong>sconfiança, que os indivíduos pertencentes a estas minorias têm emrelação ao português. Esta dinâmica cria forças <strong>de</strong> resistência entre unse outros.Por vezes dão-se <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> exclusão e <strong>de</strong> segregação <strong>de</strong> uma formacoerente e dura<strong>do</strong>ura. Na ausência <strong>de</strong> medidas estatais <strong>de</strong> regulação daimigração, as minorias étnicas ten<strong>de</strong>m a compensar a sua escassez <strong>de</strong>recursos com o a<strong>de</strong>nsamento das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> intra-migrantes,concentran<strong>do</strong>-se em termos resi<strong>de</strong>nciais em espaços segrega<strong>do</strong>s, guetiza<strong>do</strong>s.É neste senti<strong>do</strong> que se dão <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> etnicização, levan<strong>do</strong> certosgrupos sociais à exclusão social.Segun<strong>do</strong> Fernan<strong>de</strong>s, “O <strong>processo</strong> <strong>de</strong> etnicização ten<strong>de</strong> atualmente a referir-seaos mais diversos <strong>do</strong>mínios, em especial às categorias sociais relegadaspara situações <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong>. São hoje etnizadas as populaçõesmarcadas pela discriminação e pela segregação” (Fernan<strong>de</strong>s, 1995: 25).Para Cashmore, “o grupo étnico sustenta-se como resposta criativa <strong>de</strong> umconjunto <strong>de</strong> pessoas que se sente <strong>de</strong> alguma forma marginal à socieda<strong>de</strong>”(Cashmore, 1988: 98, cita<strong>do</strong> por Saint-Maurice, 1997: 7).Estão também subjacentes outras características ao conceito <strong>de</strong> minoriarecomendadas por Rocha Trinda<strong>de</strong>, que se refere à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> certostraços socialmente visíveis, como a cor da pele, a religião, a linguagem,etc. que distinguem o grupo em questão <strong>do</strong> to<strong>do</strong> social, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>os membros <strong>de</strong>sse grupo <strong>de</strong>vem possuir um forte senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>grupal e <strong>de</strong> pertença i<strong>de</strong>ntitária, o que lhes dá a categoria <strong>de</strong> distintos e<strong>de</strong> diferentes face à maioria da população – o facto <strong>de</strong> se sentirem discrimina<strong>do</strong>s<strong>de</strong>sse to<strong>do</strong> social acaba por gerar uma certa unida<strong>de</strong> no seio <strong>do</strong>grupo (Rocha Trinda<strong>de</strong>, 1995: 222).Para que se possa falar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica, é necessário que esta sejaconstruída <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> grupo que partilha coletivamente um sentimentoHélia Bracons55


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO<strong>de</strong> pertença a um “nós”, o que implica um nível <strong>de</strong> organização coletiva euma mobilização étnica (através da existência <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> grupo)que consiga alterar o status inferior e discriminatório <strong>do</strong> grupo, estruturan<strong>do</strong>-oem torno <strong>de</strong> uma revisão <strong>do</strong>s centros <strong>de</strong> interesse, mitos e valorescomuns, que permitam uma afirmação cultural positiva <strong>do</strong> grupo.No enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Liebkind (1989), existem <strong>do</strong>is <strong>processo</strong>s na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica:o auto reconhecimento por parte <strong>do</strong>s indivíduos da sua pertença aum <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> grupo étnico, e por outro la<strong>do</strong>, o reconhecimento <strong>do</strong>s outros,isto é, ter reconhecimento, <strong>de</strong>ssa mesma pertença. Nem sempre estes<strong>do</strong>is <strong>processo</strong>s estão em concordância para um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> indivíduo.Freitas refere que os diferentes grupos “comportam habitus <strong>de</strong> ocupaçãoe vivência <strong>do</strong> habitat bastante específicos, com expressões bastantescomplexas, mas também com uma riqueza ecológica sócio cultural muitogran<strong>de</strong>” (1994:28).1.7. CulturaA Cultura é outra das características <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> minoria étnica ou <strong>de</strong>grupo étnico, sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>rada como um fator significativo da etnicida<strong>de</strong>,bem como uma das características base da formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnicaminoritária (Ramada, 1992).Tylor <strong>de</strong>fine o conceito <strong>de</strong> cultura, tomada no seu senti<strong>do</strong> geral etnográfico,como sen<strong>do</strong> “aquele conjunto complexo que inclui conhecimento,crenças, arte, moral, lei, hábitos e qualquer outra capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> costumesadquiri<strong>do</strong>s pelo homem como membro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>” (cita<strong>do</strong> porEdmund Leach, 1982).Esta <strong>de</strong>finição clássica <strong>de</strong> cultura inclui tu<strong>do</strong> o que é socialmente aprendi<strong>do</strong>e partilha<strong>do</strong> pelos membros <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>. O indivíduo recebecultura como parte <strong>de</strong> uma herança social e, por sua vez, po<strong>de</strong> remoldá--la e introduzir mudanças que então, se tornam em parte a herança <strong>de</strong>gerações vin<strong>do</strong>uras. As novas gerações absorvem os hábitos e tradições,parcialmente por ensinamentos <strong>de</strong>libera<strong>do</strong>s, mas principalmente por observaçãoe por fazerem parte da vida.Uma cultura não é simplesmente uma acumulação <strong>de</strong> hábitos e normas,é também um sistema organiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> comportamento. Cada cultura incluiHélia Bracons56


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOmilhares <strong>de</strong> traços, é uma unida<strong>de</strong> reconhecida <strong>de</strong> um padrão <strong>de</strong> comportamentoaprendi<strong>do</strong>. Por exemplo, a dança é uma coletânea <strong>de</strong> traços, incluin<strong>do</strong>os passos, o acompanhamento musical, o ritmo. To<strong>do</strong>s estes elementosse combinam e servem para formar um complexo <strong>de</strong> cultura, um aglomera<strong>do</strong><strong>de</strong> traços relaciona<strong>do</strong>s. Uma lista <strong>de</strong> traços não é uma cultura. Culturaé um sistema organiza<strong>do</strong> em que cada traço se ajusta ao resto da cultura.Cada grupo étnico inclui um conjunto <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> comportamento que setornam altamente padroniza<strong>do</strong>s, um conjunto <strong>de</strong> normas, atitu<strong>de</strong>s, valorese um conjunto <strong>de</strong> tradições, rituais e cerimónias, símbolos e parâmetros.Segun<strong>do</strong> o antropólogo português Jorge Dias, a cultura é uma herança social,transmitida <strong>de</strong> geração em geração, mediante mecanismos <strong>de</strong> socializaçãoe enculturação <strong>do</strong>s indivíduos que fazem parte <strong>do</strong>s grupos sociaiscompletamente alheios a qualquer transmissão genética. Este conceitopermite uma visão mais ampla da realida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> dá relevo ou integrao fator história.Para Durkheim (1957), a Cultura é <strong>de</strong>finida como um padrão <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>scorporiza<strong>do</strong>s em formas simbólicas (representações coletivas) quecoexistem no foro individual e da socieda<strong>de</strong>. Como afirma, “ as formassimbólicas existem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong>s indivíduos e constituem estruturasque não po<strong>de</strong>m ser reduzidas à interação social. O que justificaque haja uma cultura comum resultante da partilha <strong>de</strong> experiênciase valores, solidarizada pelas formas simbólicas que exprimem, muitasvezes, valores universais. Deste mo<strong>do</strong>, os indivíduos internalizam os valorescomo imperativos morais, agin<strong>do</strong> não apenas <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os seusinteresses próprios, mas em universalida<strong>de</strong> com os outros membros dacoletivida<strong>de</strong>. A or<strong>de</strong>m simbólica teria assim, por função, criar os valoresnecessários para garantir a coesão social: a vida social só seria possível,ao longo da História, por intermédio <strong>de</strong> um vasto simbolismo”.Cultura é a linguagem <strong>de</strong> qualquer grupo humano; tu<strong>do</strong> quanto é expressão<strong>do</strong> homem é cultura. Não é só a palavra escrita e oral, mas tambémto<strong>do</strong>s os gestos, as coisas, o or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong> espaço, ou seja, tu<strong>do</strong> o queé feito pelo homem.Não é uma lista <strong>de</strong> coisas, mas um conjunto liga<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneiras <strong>de</strong> pensare agir apreendidas e partilhadas por um grupo ou uma pluralida<strong>de</strong><strong>de</strong> pessoas, que servem <strong>de</strong> uma maneira objetiva e simbólica (que revelaos senti<strong>do</strong>s, os valores, faça o que se fizer) para organizar essas pessoas<strong>num</strong>a comunida<strong>de</strong> particular e distinta.Hélia Bracons57


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOO conceito <strong>de</strong> Cultura só faz senti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se apela aquele que a produz.Só existe cultura se existir um sujeito que a produza. Todas as culturassão igualmente válidas, todas provêm da intencionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito, emsuma, todas têm igual valor.“Fundamental no fenómeno <strong>de</strong> cultura, na cultura é pois a intencionalida<strong>de</strong><strong>do</strong> sujeito cultural, seja ele indivíduo ou coletivo, a sua vivência, a qualida<strong>de</strong> eintensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta vivência. No que toca à compreensão <strong>de</strong> cultura como <strong>de</strong>senvolvimento,<strong>processo</strong>, tecnologia, há que acentuar seja qual for a formacultural realizada, seja qual for a tomada <strong>de</strong> consciência <strong>do</strong> sujeito cultural, aconsecutiva afirmação <strong>do</strong> espírito como realida<strong>de</strong> que conquista seres e objetos,que cresce e se diversifica, que se autonomiza frente a outras formas <strong>de</strong>realida<strong>de</strong>: ou seja que as “espiritualiza” (Romeu <strong>de</strong> Melo, 1978).Apesar das diferenças entre as várias culturas, existem quatro elementosfundamentais para a sua caracterização:1- Conhecimento – o conhecimento é a matéria que se quer trabalharpara melhor conhecer ou elaborar a cultura. A cultura surgecomo uma <strong>de</strong>terminada forma <strong>de</strong> conhecimento, elaborada na vivênciaespiritual, com base na experiência interior e exterior <strong>do</strong>sujeito;2- Méto<strong>do</strong> – existem <strong>do</strong>is méto<strong>do</strong>s para avaliar uma cultura. O reflexivo,que se encontra no sujeito, apoia-se na lógica, na <strong>de</strong>dução, nacompreensão; e o experimental, que se <strong>de</strong>senvolve fora <strong>do</strong> sujeito eprocura exercer-se através da observação, <strong>de</strong>scrição e experimentação.O primeiro é mais teórico e interior, inci<strong>de</strong> sobre as essênciasou as leis universais. O segun<strong>do</strong> é mais prático, e assenta em factose no particular. Tanto a experiência como a reflexão são fundamentaispara uma abordagem sobre as culturas;3- Intenção – a intenção <strong>de</strong> uma cultura é a sua finalida<strong>de</strong> ou propósito.Para que haja cultura tem <strong>de</strong> existir uma intenção <strong>de</strong> alguém paracriar ou para construir algo próprio situa<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> naturale físico;4- Maturida<strong>de</strong> – a maturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma cultura é a consciência <strong>de</strong> quecada socieda<strong>de</strong> cultural a<strong>do</strong>ta <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s valores e princípios distintos<strong>de</strong> uma outra. É o reconhecimento que cada cultura vale por sie que não é nem superior, nem inferior a outras tantas. É também aHélia Bracons58


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOconsciência <strong>de</strong> que as culturas não morrem, apenas adquirem novoscaminhos, modificam-se, evoluem.De mo<strong>do</strong> sucinto, po<strong>de</strong>mos dizer que sem o conhecimento (matéria <strong>de</strong>on<strong>de</strong> se irá criar a cultura) não haveria cultura; sem méto<strong>do</strong> não po<strong>de</strong>ríamosfazer qualquer caminhada para criar conhecimento; sem intençãonão existiria vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar um projeto cultural e sem maturida<strong>de</strong>não po<strong>de</strong>ria existir consciência <strong>de</strong> que as culturas se alteram e transformam.A socieda<strong>de</strong>, como organização humana, encontra-se na base da cultura,é on<strong>de</strong> esta se faz sentir e se manifesta. Primeiro, a socieda<strong>de</strong> é o veículoda tradição e <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> cultural, nela acontece a divisão <strong>do</strong> trabalho e,muitas vezes é pelo trabalho que se dá a apropriação da natureza e/ouconstrução <strong>de</strong> culturas; segun<strong>do</strong>, é na socieda<strong>de</strong> que o homem encontrainterlocutores, cria comunicação, transmite experiências, vivências, interiorizanovos conhecimentos e culturas. A cultura passa pela socieda<strong>de</strong> eesta aparece como veículo a que a cultura se comunica, transmite e poron<strong>de</strong> se repercute.Para Jorge Dias, um grupo <strong>de</strong> pessoas que estejam integradas e compartilhamum território bem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> e um espaço comum, as quais estãoligadas por laços <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>, convívio e participam <strong>de</strong> uma herançacultural comum, <strong>de</strong>nomina-se <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>.A presente pesquisa inscreve-se <strong>num</strong> contexto multicultural, porque no<strong>bairro</strong> estuda<strong>do</strong> estão presentes três culturas específicas, ou seja, estamosperante um conjunto habitacional <strong>de</strong> convivência multi-étnica, on<strong>de</strong>os grupos convivem e contactam diariamente entre si, acaban<strong>do</strong> por se<strong>de</strong>senvolver um fenómeno <strong>de</strong> interculturalida<strong>de</strong>, o que <strong>de</strong>signa a comunicaçãoentre indivíduos ou grupos pertencentes a culturas diferentes ou <strong>de</strong>origem diferente.2. A ESCOLHA DO OBJETO DE ESTUDOA escolha <strong>do</strong> objeto <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> recaiu sobre um <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> habitação<strong>de</strong>gradada e provisória da freguesia da Portela (concelho <strong>de</strong> Loures) – oBairro Quinta da Vitória <strong>do</strong> qual se <strong>de</strong>u início o <strong>realojamento</strong>, ao abrigo <strong>do</strong>Programa Especial <strong>de</strong> Realojamento (PER).Hélia Bracons59


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOAo abrigo <strong>do</strong> protocolo estabeleci<strong>do</strong> entre a Câmara Municipal <strong>de</strong> Lourese a Câmara Municipal <strong>de</strong> Lisboa, foram alvo <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> 100 famíliasresi<strong>de</strong>ntes no Bairro Quinta da Vitória. Em Novembro <strong>de</strong> 2001, no âmbito<strong>do</strong> PER, <strong>de</strong>u-se início à primeira fase <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, para o novo empreendimento,ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> realojadas 30 famílias.O objeto empírico da presente pesquisa incidiu sobre algumas famíliasque residiam no Bairro Quinta da Vitória que foram alvo <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, ea nossa amostra recaiu em nove agrega<strong>do</strong>s familiares, sen<strong>do</strong> três famílias<strong>de</strong> origem africana, três <strong>de</strong> origem indiana e três <strong>de</strong> origem lusa.Procurou-se perceber o grau <strong>de</strong> satisfação das mesmas face à nova casae compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que mo<strong>do</strong> estas se apropriam <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> com as suas referências culturais e religiosas, bem como apresentar<strong>de</strong> forma generalizada a caracterização e contextualização das famíliasdas diferentes origens presentes no novo Bairro, bem como a maneiracomo se relacionam e convivem entre si, e <strong>de</strong> que mo<strong>do</strong> o <strong>realojamento</strong>veio afetar.Hélia Bracons60


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOPARTE II - ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO1. METODOLOGIA DE PESQUISA: UMA ABORDAGEM QUALITATIVAÀ medida que fomos <strong>de</strong>marcan<strong>do</strong> os objetivos <strong>de</strong> investigação, <strong>de</strong>frontámo-noscom a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> optar pelas alternativas meto<strong>do</strong>lógicasmais coerentes. Ten<strong>do</strong> em conta, por um la<strong>do</strong>, que a presente pesquisainci<strong>de</strong> no universo sócio simbólico <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> um <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>,e por outro, as características da população, optámos por umameto<strong>do</strong>logia qualitativa.A meto<strong>do</strong>logia qualitativa associada a uma lógica compreensiva, pela atitu<strong>de</strong>que permite na relação flexível com o objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, parece-nosa mais a<strong>de</strong>quada, com objetivo <strong>de</strong> tentar compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que mo<strong>do</strong> osgrupos étnicos existentes no novo <strong>bairro</strong> se apropriam <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico,compreen<strong>de</strong>r qual o impacto que o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> teve navida <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res, bem como a que alterações e mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida foramsujeitos.A pesquisa qualitativa procura significa<strong>do</strong>s, interpretações, sujeitos e assuas histórias. A autora Martinelli (1999) salienta a importância <strong>do</strong> contactodireto com o sujeito da pesquisa, pois consi<strong>de</strong>ra que, se queremosconhecer mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida, temos que conhecer as pessoas: a imprescindibilida<strong>de</strong><strong>de</strong>, na pesquisa qualitativa, haver um contacto pesquisa<strong>do</strong>r – sujeito,para que as informações ganhem vida.Neste tipo <strong>de</strong> pesquisa, privilegiam-se os factos que estão próximos <strong>do</strong>sujeito e que se repercutem para a vida, sen<strong>do</strong> que se <strong>de</strong>ve procurar enten<strong>de</strong>ros factos a partir da própria interpretação que o sujeito faz da suavivência quotidiana. Para tal, <strong>de</strong>ve-se ter em atenção a singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cada sujeito, bem como a sua experiência social.Deste mo<strong>do</strong>, a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito é conhecida a partir <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>sque por ele são atribuí<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> precisamente <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a este facto que seprivilegia a narrativa oral.A pesquisa qualitativa apresenta, portanto, um carácter inova<strong>do</strong>r, da<strong>do</strong>inserir-se na busca <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s atribuí<strong>do</strong>s pelos sujeitos às suas própriasexperiências sociais.Hélia Bracons61


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOComo estratégia meto<strong>do</strong>lógica, nesta investigação seguimos o mo<strong>de</strong>loindutivo. Partimos da observação e <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s acumula<strong>do</strong>s e procuramos<strong>num</strong> primeiro momento encontrar singularida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>scobrir e compreen<strong>de</strong>ros sujeitos e as suas trajetórias individuais, familiares e sociais.“O procedimento indutivo parte da observação <strong>do</strong> terreno, (... ) na sua baseencontra-se uma pesquisa exploratória, fase aberta na qual o investiga<strong>do</strong>r sesitua como um verda<strong>de</strong>iro explora<strong>do</strong>r, se familiariza com uma situação ou umfenómeno e tenta <strong>de</strong>screvê-los e analisá-los” (Albarello, 1997:97).Segun<strong>do</strong> Bravo (1987), o méto<strong>do</strong> científico é um procedimento <strong>de</strong> atuaçãogeral segui<strong>do</strong> pelo conhecimento científico que assenta <strong>num</strong> conjunto <strong>de</strong>procedimentos, fases ou etapas. Neste senti<strong>do</strong>, o méto<strong>do</strong> científico consisteem reformular questões ou problemas sobre a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e<strong>do</strong>s homens, com base na observação da realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> teorias já existentes,em antecipar soluções a estes problemas e contrastá-las ao verificarcom a mesma realida<strong>de</strong> estas soluções para os problemas, mediante aobservação <strong>do</strong>s factos, a classificação <strong>do</strong>s mesmos e a sua análise.Para Quivy e Campenhoudt (1992), a investigação tem três atos <strong>de</strong> procedimentoepistemológico necessários para a realização da construção <strong>do</strong> conhecimentocientífico: a rutura (on<strong>de</strong> se inserem as três primeiras fases:a elaboração da pergunta <strong>de</strong> partida, a exploratória e a problemática), aconstrução <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> análise e a verificação (que engloba a observação,a análise das informações e a conclusão).A pergunta <strong>de</strong> partida é o ponto <strong>de</strong> base para efetuar um projeto <strong>de</strong> investigaçãosocial. O investiga<strong>do</strong>r formula o embrião <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> pesquisaatravés <strong>de</strong> uma pergunta que transmita com clareza o que preten<strong>de</strong> aprofundar.Para formular a pergunta <strong>de</strong> partida percorremos um caminho com algumasincertezas. Só à medida que fomos avançan<strong>do</strong> nas diversas etapas éque conseguimos aprofundar e clarificar a nossa pergunta, <strong>de</strong> maneira aque esta possa expressar com clareza e objetivida<strong>de</strong> o que pretendíamos.Neste senti<strong>do</strong>, elaborámos a seguinte questão:De que forma é que as famílias <strong>do</strong> Bairro Quinta da Vitória <strong>de</strong> origem africana,indiana e lusa realojadas no Bairro Social da Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>se apropriam <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico e <strong>do</strong> espaço envolvente <strong>do</strong> novo <strong>bairro</strong>,<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as suas referências culturais e religiosas?Hélia Bracons62


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOA fase exploratória tem como objetivo ajudar o pesquisa<strong>do</strong>r a clarificar oseu problema e aprofundá-lo, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a adquirir uma maior capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> questionar o problema que preten<strong>de</strong> investigar.De acor<strong>do</strong> com Bravo (1987), “a exploração po<strong>de</strong> ser feita ao nível das leituras,<strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos e <strong>de</strong> bibliografia relacionada com a pergunta <strong>de</strong> partidae ao nível da realização <strong>de</strong> entrevistas exploratórias, para tomar ummaior contacto com o problema.”A pesquisa <strong>de</strong>stas fontes permitiram selecionar as leituras mais pertinentese organizá-las, para <strong>de</strong>las tirar o máximo proveito. Permitiram dara conhecer perspetivas diferentes sobre o mesmo problema, para <strong>de</strong>finirmoso campo <strong>de</strong> pesquisa, ou seja, o nosso quadro teórico. Assim, refletimossobre alguns livros, estu<strong>do</strong>s e artigos sobre políticas sociais <strong>de</strong>habitação, visan<strong>do</strong> aprofundar as temáticas <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>, apropriação<strong>do</strong> espaço, grupo étnico e cultura.Em to<strong>do</strong> o <strong>de</strong>correr da pesquisa foi privilegia<strong>do</strong> o trabalho <strong>de</strong> observaçãocomo forma <strong>de</strong> aproximação ao nosso objeto empírico, o Bairro Quinta daVitória (<strong>bairro</strong> <strong>de</strong> barracas), bem como o Bairro Social na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>(<strong>bairro</strong> on<strong>de</strong> algumas famílias foram alojadas).A problemática construiu-se progressivamente a partir da realização dasleituras e das entrevistas, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> escolher a orientação ou orientaçõesque pareceram ser mais pertinentes para a nossa investigação.Na elaboração da problemática procurou-se fazer um balanço das váriasabordagens <strong>do</strong> problema pelos diferentes autores, inventarian<strong>do</strong> os diferentespontos <strong>de</strong> vista a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>tetan<strong>do</strong> semelhanças ou oposiçõesque existem entre eles, tornan<strong>do</strong> visível o quadro teórico que cada um<strong>do</strong>s autores refere; <strong>de</strong> seguida <strong>de</strong>finiu-se uma problemática, inscreven<strong>do</strong>o trabalho <strong>num</strong> quadro teórico, ou seja, tratou-se da construção da problemática;finalmente <strong>de</strong>screveu-se o quadro teórico em que se inscreveo investiga<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>finiram-se os conceitos fundamentais e <strong>de</strong>senhou-se aestrutura conceptual em resposta à pergunta <strong>de</strong> partida.To<strong>do</strong> o quadro teórico <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> nesta fase serviu <strong>de</strong> base à etapa seguinte,a da construção. Ten<strong>do</strong> em conta que estamos a seguir o mo<strong>de</strong>loindutivo, a presente pesquisa não construiu hipóteses, mas teve comopriorida<strong>de</strong> a elaboração <strong>de</strong> um guião <strong>de</strong> entrevista que serviu <strong>de</strong> instrumentopara a recolha <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, no intuito <strong>de</strong> obter o máximo <strong>de</strong> infor-Hélia Bracons63


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOmação, ten<strong>do</strong> como finalida<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r aos objetivos da pesquisa. Naelaboração <strong>de</strong>ste guião tivemos em conta os eixos <strong>de</strong> análise da pesquisa:<strong>realojamento</strong>, apropriação <strong>do</strong> espaço, relações <strong>de</strong> vizinhança, re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>,grupo étnico e cultura. Só após a reflexão sobre cada um <strong>do</strong>sobjetivos e referências teóricas, foi elaborada uma série <strong>de</strong> questões concretas,tangíveis, fáceis <strong>de</strong> precisar e referentes a da<strong>do</strong>s concretos.Relativamente à análise das informações, para avaliar as questões abertas<strong>do</strong> guião <strong>de</strong> entrevista utiliza<strong>do</strong> (cf. apêndice I), recorreu-se à análise<strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> temática que permitiu a <strong>de</strong>scrição objetiva e sistemática <strong>do</strong>conteú<strong>do</strong> manifesta<strong>do</strong> pela comunicação.2. TÉCNICA DE RECOLHA DE DADOSA preferência pela utilização <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada técnica <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong>da<strong>do</strong>s relaciona-se com as opções teóricas e meto<strong>do</strong>lógicas previamenteestabelecidas, bem como com os objetivos da pesquisa.Assim, em primeiro lugar por consi<strong>de</strong>rarmos os comportamentos e asinterpretações <strong>do</strong>s atores imprevisíveis, utilizou-se uma aproximação indutivaexploratória ao objeto, privilegian<strong>do</strong>-se a <strong>de</strong>scoberta como contexto<strong>de</strong> partida. Deste mo<strong>do</strong>, a observação direta constituiu-se como umaimportante técnica <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> informação. Tal como afirma An<strong>de</strong>r-Egg(1987), “a observação direta é um procedimento <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>informação que consiste em utilizar os senti<strong>do</strong>s, para observar factos erealida<strong>de</strong>s sociais presentes no próprio contexto real; condição que sejaintencionada e ilustrada; preten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>tetar os acontecimentos tal comosão ou têm lugar na realida<strong>de</strong>, no momento presente.”Este méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> informação, é um méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> investigação socialque apreen<strong>de</strong> os comportamentos, os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida, a organizaçãoespacial <strong>do</strong> grupo e os acontecimentos no próprio momento em que seproduzem, e analisa a autenticida<strong>de</strong> relativa <strong>do</strong>s acontecimentos em comparaçãocom as palavras e com os escritos.Esta técnica permitiu observar aprofundadamente alguns quotidianos <strong>do</strong>mésticose inter-<strong>do</strong>mésticos; enten<strong>de</strong>r profundamente o estilo <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>sgrupos étnicos resi<strong>de</strong>ntes no novo <strong>bairro</strong>, e adquirir um conhecimento integra<strong>do</strong>da sua cultura.Hélia Bracons64


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOO principal interesse <strong>de</strong>sta investigação residiu no levantamento <strong>de</strong> fenómenossociais, que só a abordagem <strong>de</strong>senvolvida em trabalho <strong>de</strong> campo,em que são privilegia<strong>do</strong>s os contactos diretos e segui<strong>do</strong>s no tempo, permitiua obtenção <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s procura<strong>do</strong>s.Assim, e para além <strong>do</strong> exposto, foi elabora<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> questões queforam introduzidas <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais formal nos guiões <strong>de</strong> entrevistas.A técnica da entrevista permitiu obter <strong>de</strong> uma forma indireta, <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>satores sociais, as informações que necessitava, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>respon<strong>de</strong>r aos objetivos da investigação. Para a realização da entrevista foiconstruí<strong>do</strong> um guião que serviu <strong>de</strong> instrumento para a recolha <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s,recolha esta que “... Consiste em recolher ou reunir concretamente asinformações <strong>de</strong>terminadas junto das pessoas ou unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> observaçãoincluídas na amostra” (Quivy e Campenhoudt, 1992). Dispõe <strong>de</strong> uma série<strong>de</strong> perguntas, que serviram <strong>de</strong> guia, para receber da parte <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong><strong>de</strong>terminadas informações, ascen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a um grau <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> eprofundida<strong>de</strong>.Em termos <strong>de</strong> vantagens <strong>de</strong>sta técnica, salientam-se a profundida<strong>de</strong> <strong>do</strong>selementos <strong>de</strong> análise, a flexibilida<strong>de</strong> e a fraca diretivida<strong>de</strong>, respeitan<strong>do</strong> asopiniões, quadros valorativos, o tipo <strong>de</strong> linguagem e as características <strong>do</strong>sentrevista<strong>do</strong>s.A entrevista é essencialmente uma forma <strong>de</strong> interação humana e po<strong>de</strong>variar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mais <strong>de</strong>scontraída conversa até ao mais cuida<strong>do</strong>so pré-codifica<strong>do</strong>e sistematiza<strong>do</strong> conjunto <strong>de</strong> perguntas e respostas disposto <strong>num</strong>programa ou roteiro <strong>de</strong> entrevista (Mann, 1983).Na verda<strong>de</strong>, o entrevista<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ve assumir a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação àsituação, assumin<strong>do</strong> a paciência, o discernimento e a reflexivida<strong>de</strong> necessáriaspara conseguir contextualizar a informação necessária e <strong>de</strong>la tiraro melhor parti<strong>do</strong>.No caso concreto <strong>de</strong>sta pesquisa, na construção <strong>do</strong> guião houve o cuida<strong>do</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar ao entrevista<strong>do</strong> um grau <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> suficiente por forma a quea lógica <strong>do</strong> texto fosse a <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong> e não a <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong>r. O perío<strong>do</strong><strong>de</strong> recolha <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>correu em Maio <strong>de</strong> 2002. As entrevistas foramfeitas em casa <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong> oscila<strong>do</strong> a sua duração entre 45 a90 minutos (ver anexo I).Hélia Bracons65


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOA realização das entrevistas pressupõe contactos prévios com os potenciaisentrevista<strong>do</strong>s a fim <strong>de</strong> saber sobre a sua disponibilida<strong>de</strong> e consentimentopara o efeito. O facto <strong>de</strong> a investiga<strong>do</strong>ra trabalhar no gabinete <strong>de</strong>intervenção local <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>, facilitou o contacto com a população realojada,proporcionan<strong>do</strong> uma abordagem mais informal e uma maior abertura porparte <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.3. PERFIL DA POPULAÇÃO ENTREVISTADAAten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao méto<strong>do</strong> a utilizar, a entrevista semidiretiva, o número <strong>de</strong>entrevista<strong>do</strong>s não po<strong>de</strong>ria ser eleva<strong>do</strong>. A presente pesquisa não preten<strong>de</strong>fazer generalizações, mas sim uma análise em profundida<strong>de</strong>, e o que setentou garantir foi a diversificação das pessoas inquiridas, bem como dasproblemáticas abordadas no guião.De acor<strong>do</strong> com as informações facultadas pelo Gabinete <strong>de</strong> IntervençãoLocal (GIL) da Quinta da Vitória no dia 30/11/2001 ao abrigo <strong>do</strong> Protocoloestabeleci<strong>do</strong> entre a Câmara Municipal <strong>de</strong> Loures e a Câmara Municipal<strong>de</strong> Lisboa, foram realoja<strong>do</strong>s, <strong>num</strong>a 1ª fase, no Bairro Social na Av. Alfre<strong>do</strong>Bensaú<strong>de</strong>, em Lisboa, 30 agrega<strong>do</strong>s familiares resi<strong>de</strong>ntes no <strong>bairro</strong> <strong>de</strong>barracas da Quinta da Vitória: 9 agrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> origem indiana, 6 <strong>de</strong> origemafricana e 15 <strong>de</strong> origem lusa.Optou-se por entrevistar o titular <strong>do</strong> arrendamento <strong>de</strong> cada habitação (ena sua ausência ao cônjuge ou <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes diretos) no local da sua residência,ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> realizadas: 3 a agrega<strong>do</strong>s familiares <strong>de</strong> origem africana;3 a agrega<strong>do</strong>s familiares <strong>de</strong> origem indiana <strong>de</strong> religião Hindu e 3 aagrega<strong>do</strong>s familiares <strong>de</strong> origem lusa.Os critérios utiliza<strong>do</strong>s para <strong>de</strong>limitar a amostra das famílias <strong>de</strong> origemafricana, indiana e lusa, foram os seguintes:- Inquirir número igual <strong>de</strong> agrega<strong>do</strong>s familiares <strong>do</strong>s três grupos étnicos,pois só com o mesmo número <strong>de</strong> agrega<strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s diferentesgrupos étnicos, se po<strong>de</strong>ria chegar a conclusões com a mesmaunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliação;- Inquirir famílias com diferente número <strong>de</strong> elementos por agrega<strong>do</strong>familiar, a fim <strong>de</strong> perceber quais os papéis <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong>s pelos seusHélia Bracons66


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOelementos na utilização da habitação, bem como a sua influência naapropriação <strong>do</strong>méstica;- Inquirir famílias que residam em casas com tipologia diferenciada.Deste mo<strong>do</strong>, foram seleciona<strong>do</strong>s os indivíduos especifica<strong>do</strong>s no quadro 1para a realização das entrevistas.O registo das referidas entrevistas foi efetua<strong>do</strong> em grava<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> posteriormenteobjeto <strong>de</strong> audição, transcrição e análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, o quenos permitiu reagrupar informação, construir novos conhecimentos faceaos objetivos <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s e chegar a conclusões concretas sobre o problemalevanta<strong>do</strong> na presente pesquisa.As entrevistas realizadas foram transcritas para papel, a fim <strong>de</strong> serem alvo<strong>de</strong> análise mais <strong>de</strong>talhada. Contu<strong>do</strong> embora cuida<strong>do</strong>sa seja a transcriçãoper<strong>de</strong> sempre alguma graciosida<strong>de</strong> e gestos ilustrativos que acompanhame complementam a comunicação verbal.A transcrição das entrevistas foi integral. Ao transcreverem-se as entrevistas,<strong>de</strong>ixámos gran<strong>de</strong>s margens para que <strong>de</strong>pois, ao fazer-se as leituras,para além das anotações no próprio texto, pudéssemos ir indican<strong>do</strong>quer <strong>num</strong>a quer noutra margem (consoante se tratasse <strong>de</strong> uma problemáticajá contemplada no guião <strong>de</strong> ou <strong>de</strong> uma problemática referida peloentrevista<strong>do</strong>), a problemática com a qual o discurso <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong> serelacionava. Simultaneamente, fomos assinalan<strong>do</strong> as frases que julgámosmais pertinentes e elucidativas para uma posterior utilização e ilustraçãoao nível <strong>do</strong> trabalho escrito.As informações recolhidas foram, posteriormente, tratadas através <strong>de</strong>análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>.Hélia Bracons67


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOQuadro 1 – Caracterização geral da amostraSexo Ida<strong>de</strong> Naturalida<strong>de</strong> Tipol. Nacionalida<strong>de</strong> Grupo étnico Profissão N.º pessoas <strong>do</strong> agrega<strong>do</strong>Ent. 1 Fem. 40 Fudam/Índia 4 PortuguesaEnt 2 Fem. 22 Moçamb. 3 PortuguesaEnt 3 Fem. 43 Diu / Índia 4 PortuguesaEnt 4 Fem. 64Ent 5 Fem. 37Ent 6 Fem. 34LisboaPortugalViseuPortugalLisboaPortugalIndiana castaFudamiaIndiana castakoliIndiana castakoli1 Portuguesa Portuguesa4 Portuguesa PortuguesaDoméstica 6Curso SuperiorDesempregadaFeirante 6Empregada <strong>de</strong>limpezaEmpregada <strong>de</strong>limpeza2 Portuguesa Portuguesa Desempregada 4Ent 7 Masc. 47 C. Ver<strong>de</strong> 1 Cabo verd. Africana Motorista 1Ent 8 Fem. 45 Angola 2 Portuguesa AfricanaEnt 9 Fem. 37 Guiné 4 Portuguesa AfricanaEmpregada <strong>de</strong>limpezaEmpregada <strong>de</strong>limpeza41545Hélia Bracons68


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO4. ANÁLISE DE CONTEÚDOEste tipo <strong>de</strong> análise permite uma <strong>de</strong>scrição metódica, sistemática e comparativa<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> das entrevistas.A análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> opera em três níveis: o nível <strong>de</strong>scritivo, on<strong>de</strong> se fazuma <strong>de</strong>scrição tão exaustiva quanto possível das respostas às perguntasabertas na entrevista; o nível correlacional, on<strong>de</strong> se procura estabelecercorrelação entre as variáveis, ou seja, recortar as i<strong>de</strong>ias que se constituemem enuncia<strong>do</strong>s e que transportam um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> significa<strong>do</strong>; e o nívelcasual, on<strong>de</strong> se relacionam os da<strong>do</strong>s adquiri<strong>do</strong>s com o quadro teórico.O recurso à análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> constitui um <strong>do</strong>s momentos mais importantesda investigação. Neste contexto, a análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> é hojeuma das técnicas mais utilizadas na investigação empírica realizada pelasdiferentes ciências humanas e sociais.Tal como Birelson enten<strong>de</strong>, “a análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> é uma técnica com vistaà <strong>de</strong>scrição objetiva, sistemática e quantitativa <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> manifestoda comunicação” (Birelson cit por Ghiglione e Matalon, 1983:177).De facto, apenas a utilização <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s construí<strong>do</strong>s e estáveis permitemao investiga<strong>do</strong>r elaborar uma interpretação que não tome comoreferência os seus próprios valores e representações. Não se trata <strong>de</strong>utilizar as suas próprias referências i<strong>de</strong>ológicas ou normativas parajulgar os outros, mas sim <strong>de</strong> analisar a partir <strong>de</strong> critérios que inci<strong>de</strong>mmais sobre a organização interna <strong>do</strong> discurso <strong>do</strong> que sobre o seu conteú<strong>do</strong>explícito.A análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> foi a técnica que utilizámos para o tratamento <strong>do</strong>sda<strong>do</strong>s, pois foi ela que nos permitiu analisar as informações recolhidasnas entrevistas. Este tipo <strong>de</strong> análise assume um papel muito importantena investigação social, porque possibilita o tratamento das informações etestemunhos recolhi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma metódica e com rigor, que apresentamum certo grau <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> (Quivy, 1992).A análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> foi efetuada sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma qualitativa, poisanalisámos um pequeno número <strong>de</strong> informações <strong>de</strong>talhadas. Pontualmentefez-se uma análise quantitativa, particularmente quan<strong>do</strong> a uniformida<strong>de</strong>das respostas era significativa.Hélia Bracons69


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOEsta técnica preten<strong>de</strong>, não apenas compreen<strong>de</strong>r o conteú<strong>do</strong> manifesto dasrespostas obtidas mas também o que está por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>le: conseguir captarcaracterísticas relevantes <strong>de</strong> natureza quer psicológica, quer sociológica,histórica, política ou cultural sobre a origem, <strong>de</strong>stino e aspetos dasmensagens.Quanto aos procedimentos utiliza<strong>do</strong>s no tratamento da informação recolhidaatravés das entrevistas, tomaram-se como ponto <strong>de</strong> partida asorientações <strong>de</strong> Poirier e Vala<strong>do</strong>n (1995).Assim, no contexto <strong>de</strong>sta pesquisa, utilizou-se a chamada análise <strong>de</strong>enunciação, que toma o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> comunicação não como algo adquiri<strong>do</strong>,mas como um <strong>processo</strong> interativo.Depois <strong>de</strong> recolhi<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s, ocorre a transcrição integral da conversarespeitan<strong>do</strong> as pausas, as repetições e as hesitações. A este propósito,importa salientar “que esta tarefa encontra-se facilitada quan<strong>do</strong> é o próprioinquiri<strong>do</strong>r que recopia a história que recolheu, é-lhe mais fácil agarraro discurso, já que viveu a entrevista” (Poirier et Vala<strong>do</strong>n, 1995:102).Em seguida proce<strong>de</strong>-se à construção <strong>do</strong> “corpus”, ou seja à i<strong>de</strong>ntificaçãoe organização <strong>do</strong> material sobre o qual irá recair a análise. Nesta faseefetuam-se várias leituras das entrevistas e anotam-se, nas margens <strong>do</strong>texto, as frases chave, com vista a uma posterior ilustração no texto daapresentação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s.Numa terceira fase, dá-se a organização da leitura <strong>de</strong> cada uma dasentrevistas com o objetivo <strong>de</strong> chegar às sinopses das mesmas. As sinopsessão sínteses <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s temas aborda<strong>do</strong>s nas entrevistas.Neste contexto, as grelhas vão sen<strong>do</strong> elaboradas em função da visãoteórica que <strong>de</strong>terminou as orientações <strong>de</strong> recolha <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s. Esta faseconsiste <strong>num</strong>a análise <strong>do</strong> tipo horizontal on<strong>de</strong> se apreen<strong>de</strong>m <strong>num</strong> to<strong>do</strong>a soma das respostas específicas que foram recolhidas (Poirier et Vala<strong>do</strong>n,1995:111).Na quarta fase, a partir da grelha das sinopses realizam-se outros tipos <strong>de</strong>análises mais aprofundadas, situadas a níveis mais interpretativos – análisetemática, categorial e tipológica. Esta etapa consiste após a elaboraçãodas respetivas sinopses, <strong>num</strong>a análise vertical das problemáticas resultantes<strong>do</strong> conjunto das entrevistas.Hélia Bracons70


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOA grelha que criámos, procurou <strong>num</strong>a análise por grupo étnico, registarem colunas as respostas <strong>do</strong>s vários elementos <strong>de</strong> cada grupo étnico, <strong>de</strong>vidamentei<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s. Temos, assim, por coluna, as respostas dadas pelamesma etnia à questão colocada.Por fim chega-se ao momento da apresentação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s por meio<strong>de</strong> uma análise <strong>de</strong>scritiva da informação recolhida. É com base nesta análiseque a um nível mais eleva<strong>do</strong> <strong>de</strong> abstração se extraem os resulta<strong>do</strong>s<strong>de</strong> pesquisa.Após a análise completa <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, fase que se segue, procuraremos tantoquanto possível dar conhecimento da nossa reflexão e interpretaçãosobre os mesmos.Hélia Bracons71


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOPARTE III - APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOSApós a recolha <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, a fase seguinte à pesquisa é análise e interpretação<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s. Estes <strong>do</strong>is <strong>processo</strong>s, apesar <strong>de</strong> conceptualmente distintos,aparecem sempre estreitamente relaciona<strong>do</strong>s.A análise tem como objetivo organizar e sumariar os da<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> tal formaque possibilitem o fornecimento <strong>de</strong> resposta ao problema proposto paraa investigação. Já a interpretação tem como objetivo a procura <strong>do</strong> senti<strong>do</strong>mais amplo <strong>do</strong> conjunto das respostas, o que é feito mediante a sua ligaçãoa outros conhecimentos anteriormente obti<strong>do</strong>s.Antes <strong>de</strong> se proce<strong>de</strong>r à análise e à interpretação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, achamospertinente e relevante fazer uma breve caracterização da população e <strong>do</strong>Bairro <strong>de</strong> barracas da Quinta da Vitória, enquanto <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> origem, bemcomo das famílias entrevistadas, que se encontram a residir no <strong>bairro</strong> <strong>de</strong><strong>realojamento</strong> na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>, enquanto <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>.1. BREVE CARACTERIZAÇÃO SOCIAL E URBANÍSTICA DO BAIRROQUINTA DA VITÓRIAO Bairro Quinta da Vitória está localiza<strong>do</strong> a norte da freguesia da Portela,Concelho <strong>de</strong> Loures, fazen<strong>do</strong> fronteira com a freguesia <strong>do</strong>s Olivais, pertencenteao Concelho <strong>de</strong> Lisboa. Situa-se junto da Urbanização da Portela <strong>de</strong>Sacavém, que funciona como a sua área <strong>de</strong> referência, usufruin<strong>do</strong> <strong>de</strong> umaboa localização relativamente a equipamentos básicos e <strong>de</strong> transportes(cf. anexo III).O Bairro, implanta<strong>do</strong> em terrenos particulares, começou por ser ocupa<strong>do</strong>por algumas famílias portuguesas no início da década <strong>de</strong> 70, por famíliasafricanas oriundas <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>, Guiné, Angola e São Tomé, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>1974, mas foi sobretu<strong>do</strong> no <strong>de</strong>correr da década <strong>de</strong> oitenta que se verificoua ocupação <strong>de</strong> forma mais massiva, por população hindu oriunda <strong>de</strong>Moçambique. Estas famílias, como veremos, representam quase 50% <strong>do</strong>sagrega<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Bairro.A geração anterior <strong>de</strong>sta população provinha, na maioria <strong>do</strong>s casos dacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Diu e <strong>do</strong>s seus arre<strong>do</strong>res. Moçambique foi o primeiro <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>imigração.Hélia Bracons72


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOSegun<strong>do</strong> Malheiros (1996:123,134), a população indiana que aí se fixou,começou pela imigração <strong>do</strong>s homens, que tinham como objetivo ou voltarpara a Índia <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acumular as suas poupanças ou, mais tar<strong>de</strong>, fixaras suas famílias e constituir aí a sua vida. Em Moçambique, os motivos daimigração para Portugal diferem <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as datas <strong>de</strong>ssa mesmaimigração.Num primeiro momento, no Pós 25 <strong>de</strong> Abril, as famílias vieram com a vaga<strong>de</strong> portugueses e africanos que <strong>de</strong>ixaram o seu território. Num segun<strong>do</strong>momento, nos anos 80, a motivação principal pren<strong>de</strong>-se com o agravamentodas condições <strong>de</strong> vida, com a guerra instalada, e com fatores macroeconómicos como a fome e as consequências alargadas da crise <strong>do</strong> petróleo.As pessoas que vieram a partir <strong>do</strong>s anos 90, foram essencialmente,mulheres e homens que se casaram com pessoas que já residiam emPortugal, e cujas condições <strong>de</strong> vida em Moçambique não melhoraram aolongo da década <strong>de</strong> 80.A partir <strong>de</strong> 1995, houve uma vaga <strong>de</strong> imigração, <strong>de</strong>sta vez proveniente daprópria Índia e <strong>do</strong>s países vizinhos.Há, no entanto, algumas famílias hindus que vieram logo após o 25 <strong>de</strong>Abril, no início da ocupação <strong>do</strong> <strong>bairro</strong> e construíram a casa <strong>de</strong> raiz. Vieramtambém famílias nos anos 90, no início da década e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1995.Regista-se ainda hoje a vinda <strong>de</strong> indivíduos oriun<strong>do</strong>s da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Diu quetêm familiares a residir no <strong>bairro</strong>. Isto também acontece relativamente aoutras famílias <strong>de</strong> origem africana.O Bairro Quinta Vitória possui re<strong>de</strong> <strong>de</strong> esgotos, <strong>de</strong> telefone, recolha <strong>de</strong> lixo,limpeza <strong>de</strong> ruas, distribuição <strong>de</strong> correspondência, mas não possui fornecimento<strong>de</strong> água, apenas tem alguns chafarizes que se encontram espalha<strong>do</strong>sno <strong>bairro</strong>. Relativamente à eletricida<strong>de</strong>, o <strong>bairro</strong> foi equipa<strong>do</strong> pelaEDP, em Agosto <strong>de</strong> 1999. Des<strong>de</strong> os anos 70 até esta data, a energia elétricaque chegava ao <strong>bairro</strong> era roubada e puxada <strong>de</strong> casa em casa. Os roubosda eletricida<strong>de</strong> eram vendi<strong>do</strong>s e sub-vendi<strong>do</strong>s aos vizinhos. Concomitantementereuniram-se esforços para que a eletricida<strong>de</strong> “oficial” chegasseao <strong>bairro</strong>.A população ocupa indiferenciadamente o seu território, não se reconhecen<strong>do</strong>zonas etnicamente distintas e apresentan<strong>do</strong> uma coabitação territoriale social bastante pacífica (cf. anexo IV).Hélia Bracons73


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOO Bairro apresenta uma estrutura mais ou menos or<strong>de</strong>nada em torno <strong>de</strong>duas ruas principais e, para além <strong>de</strong> espaços com funções habitacionais,possui espaços <strong>de</strong> comércio – pequenas lojas e tabernas – e um espaço<strong>de</strong>stina<strong>do</strong> ao culto da comunida<strong>de</strong> hindu, o Mandir (cf anexos V e VI).No entanto, regista-se que as famílias africanas habitam em especial ola<strong>do</strong> su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>, mais próximo <strong>do</strong>s prédios que compõem a urbanizaçãoda Portela <strong>de</strong> Sacavém, e com a qual se verifica alguma conflitualida<strong>de</strong>.Está-se em crer que o facto da população jovem não ter um espaçopróprio para ocupação <strong>do</strong>s tempos livres, a leva a optar por “brinca<strong>de</strong>irasmenos lícitas” (exemplo disso, são os estores <strong>do</strong>s primeiros andares <strong>do</strong>sprédios junto ao <strong>bairro</strong> estarem danifica<strong>do</strong>s).As famílias hindus na sua maioria habitavam, junto ao Templo (Mandir)Joyambema, que se encontra <strong>num</strong>a das ruas principais <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>. O Mandiré o local mais referencia<strong>do</strong> pela comunida<strong>de</strong> hindu, pois exerce uma funçãoagrega<strong>do</strong>ra da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural e é o único local no <strong>bairro</strong> on<strong>de</strong> asfamílias hindus se juntam. É lá on<strong>de</strong> se reúne o maior número <strong>de</strong> elementosda comunida<strong>de</strong> hindu; é neste espaço que se tomam as refeiçõescerimoniais (ligadas ao casamento, por exemplo), que se conversa sobrevários temas, enfim, on<strong>de</strong> é consagra<strong>do</strong> to<strong>do</strong> um código <strong>de</strong> conduta aceitepela maioria, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a continuida<strong>de</strong> da tradição religiosa e adaptaçõesadmitidas, constituí também um fator <strong>de</strong> orgulho para a comunida<strong>de</strong>hindu (cf anexo VI).Os alojamentos da Quinta da Vitória são pre<strong>do</strong>minantemente <strong>de</strong> alvenaria,muito embora tenham sofri<strong>do</strong> alterações ao longo <strong>do</strong>s anos, seja na substituição<strong>de</strong> materiais <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, cartão ou chapa para materiais maisresistentes, seja na construção <strong>de</strong> acrescentos às matrizes iniciais.Exteriormente, as casas da população hindu tornam-se facilmente reconhecíveispelas folhas <strong>de</strong> mangueira ou nespereira que normalmente <strong>de</strong>coramas suas entradas, os Saris em estendais, pátios <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong>cora<strong>do</strong>scom pinturas, entre outros elementos representativos da cultura nãoeuropeia; apresentam uma estrutura interna também diferenciada dasrestantes, pela sua dimensão (<strong>de</strong>stinada a acolher famílias <strong>num</strong>erosas e<strong>de</strong> estrutura alargada), e pela sua organização interna em torno <strong>de</strong> pequenospátios <strong>de</strong> entrada, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s à execução <strong>de</strong> rituais e à convivialida<strong>de</strong>,sobretu<strong>do</strong> entre as mulheres.Hélia Bracons74


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICONa visita à antiga colónia portuguesa, na Índia, em Diu, verificámos queas habitações são muito similares às <strong>do</strong> Bairro, ten<strong>do</strong> muito presente asfolhas <strong>de</strong> nespereira ou mangueira na entrada das casas e os pátios <strong>de</strong>entrada pinta<strong>do</strong>s, entre outros elementos típicos da cultura indiana.Relativamente à apropriação <strong>do</strong> espaço, as casas apresentam-se comsímbolos, artefactos, tais como, fotografias <strong>do</strong>s seus antepassa<strong>do</strong>s penduradasnas pare<strong>de</strong>s com um colar <strong>de</strong> flores à volta da moldura, o mandir<strong>do</strong>méstico com as divinda<strong>de</strong>s presentes e toda uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> religiosida<strong>de</strong>e <strong>de</strong>voção patente na população Hindu-Gujarate. To<strong>do</strong> este mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>vida e <strong>de</strong> estar está muito enraiza<strong>do</strong> na comunida<strong>de</strong> hindu resi<strong>de</strong>nte noBairro Quinta da Vitória.No Bairro Quinta da Vitória é a população hindu a que mais se <strong>de</strong>staca,não só em número como também na vivência diária, pelo vestuário, festase cerimónias religiosas.A comunida<strong>de</strong> hindu apresenta-se bastante mais organizada e coesa quea restante população. As famílias lusas e africanas privilegiam muito maisas relações entre si <strong>do</strong> que a comunida<strong>de</strong> hindu, que é mais fechada aoexterior.Esta atitu<strong>de</strong> por parte da comunida<strong>de</strong> hindu, privilegian<strong>do</strong> um relacionamentointra–grupal não revela, no entanto, atitu<strong>de</strong>s segregativas relativamenteaos diferentes grupos. Po<strong>de</strong>-se mesmo registar um forte sentimento<strong>de</strong> pertença ao Bairro por parte <strong>do</strong>s vários grupos, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong>uma certa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> territorial globalmente partilhada.Segun<strong>do</strong> a fonte: Base <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s “Gestão <strong>de</strong> Habitação”, da Divisão Municipal<strong>de</strong> Habitação da Câmara Municipal <strong>de</strong> Loures, e <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com osda<strong>do</strong>s recolhi<strong>do</strong>s pelo Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Territoriais, em 1993, para o ProgramaEspecial <strong>de</strong> Realojamento (PER), existiam no <strong>bairro</strong> 446 agrega<strong>do</strong>s<strong>do</strong>mésticos a residir em 416 alojamentos, totalizan<strong>do</strong> 1782 indivíduos.Quadro 2 – Número <strong>de</strong> famílias e Número <strong>de</strong> indivíduosN.º <strong>de</strong> FamíliasNº <strong>de</strong> Indivíduos446 1782Hélia Bracons75


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICONo que respeita à nacionalida<strong>de</strong>, pre<strong>do</strong>mina a portuguesa, muito emboraeste da<strong>do</strong> não tenha propriamente correspondência nas naturalida<strong>de</strong>s dasfamílias aí resi<strong>de</strong>ntes: a quase totalida<strong>de</strong> das famílias hindus, por exemplo,apresenta nacionalida<strong>de</strong> portuguesa, adquirida pre<strong>do</strong>minantementeem Moçambique, bem como uma importante parte da população africanaresi<strong>de</strong>nte no <strong>bairro</strong>. É <strong>de</strong> salientar que no <strong>bairro</strong> encontram-se a residirfamílias africanas provenientes <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>, São Tomé, Angola, Guiné eMoçambique, como consta no quadro que apresentamos.Quadro 3 – Número <strong>de</strong> famílias por nacionalida<strong>de</strong>Nacionalida<strong>de</strong>N.º <strong>de</strong> FamíliasAngolana 13Cabo-verdiana 43Guineense 14São-tomense 29Moçambicana 5Portuguesa 337Outras 5Tivemos algumas dificulda<strong>de</strong>s relativamente aos da<strong>do</strong>s respeitantes à naturalida<strong>de</strong>,uma vez que, quan<strong>do</strong> se efetuou o recenseamento em 1993, amaior parte das famílias já tinham nacionalida<strong>de</strong> portuguesa e no inquéritonão ficou regista<strong>do</strong> a naturalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s mesmos.Deste mo<strong>do</strong>, houve necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer à pesquisa em outros <strong>do</strong>cumentos,a fim <strong>de</strong> verificarmos através da consulta nos <strong>processo</strong>s individuaisexistentes no Gabinete <strong>de</strong> Intervenção Local (GIL) da Quinta da Vitória- Portela, verificámos a origem <strong>de</strong> cada agrega<strong>do</strong> familiar recensea<strong>do</strong>nos da<strong>do</strong>s PER da Câmara Municipal <strong>de</strong> Loures. Salienta-se que os da<strong>do</strong>sapresenta<strong>do</strong>s correspon<strong>de</strong>m aos titulares <strong>de</strong> cada agrega<strong>do</strong> familiar.Hélia Bracons76


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOQuadro 4 – Número <strong>de</strong> famílias por país <strong>de</strong> origemNaturalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> TitularN.º <strong>de</strong> FamíliasAngolana 13Cabo-verdiana 43Guineense 14São-tomense 29Moçambicana 5Indiana 208Portuguesa 129Outras 5A estrutura etária apresenta uma população jovem, com incidência <strong>num</strong>apopulação adulta em ida<strong>de</strong> ativa, enquanto a população i<strong>do</strong>sa representaum número bastante reduzi<strong>do</strong>. Esta população caracteriza-se por ter umeleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong> jovens e um forte potencial para um crescimento naturalbastante rápi<strong>do</strong>, conforme se verifica no quadro seguinte.Hélia Bracons77


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOQuadro 5 – Distribuição por escalões etáriosEscalões Etários Masculino Feminino Total[0 aos 5[ 1 1 2[5 aos 10[ 65 52 117[10 aos 15[ 99 82 181[15 aos 20[ 114 101 215[20 aos 25[ 85 84 169[25 aos 30[ 91 69 160[30 aos 35[ 114 86 200[35 aos 40[ 94 84 178[40 aos 45[ 100 67 167[45 aos 50[ 63 40 103[50 aso 55[ 49 32 81[55 aos 60[ 35 23 58[60 aos 65[ 36 24 60[65 aos 70[ 24 15 39[70 aos 75[ 14 12 26[75 aos 80[ 9 7 16≥ 80 3 7 10Total 996 785 1781Relativamente à condição perante o trabalho, <strong>de</strong>sta população, em 1993,somente 37% da população resi<strong>de</strong>nte exercia uma profissão, registan<strong>do</strong>seuma elevada percentagem <strong>de</strong> <strong>do</strong>mésticas e estudantes, fator que estácorrelaciona<strong>do</strong> com a composição étnica <strong>do</strong> <strong>bairro</strong> – na comunida<strong>de</strong> hindua mulher raramente exerce uma profissão – e com a juventu<strong>de</strong> da suapopulação.As profissões pre<strong>do</strong>minantes estão ligadas ao setor da construção civil (oshindus que fazem parte da casta <strong>do</strong>s pedreiros e carpinteiros), que ocupacerca <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> da população realmente ativa, e as profissões ligadas aosserviços <strong>do</strong>mésticos.Neste <strong>bairro</strong> sobressaem também profissões relacionadas com ativida<strong>de</strong>scomerciais, sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sempenhadas por alguns elementos da comunida<strong>de</strong>hindu.Hélia Bracons78


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICONo que respeita à população hindu existente no <strong>bairro</strong>, existe a presença<strong>de</strong> cinco castas, a casta fudamiá (pedreiros da al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Fudam); a castakoli (pedreiros); a casta kanya (pedreiros); a casta sutar (carpinteiros –existem no <strong>bairro</strong> 41 famílias pertencentes a esta casta) e a casta panjabi(são homens que vieram para trabalhar e preten<strong>de</strong>m voltar para as suasfamílias. Trabalham nas obras. Existem no <strong>bairro</strong> cerca <strong>de</strong> seis homens eque rondam os 30/40 anos).Apesar <strong>de</strong> pertencerem às castas mencionadas, os trabalhos por elesrealiza<strong>do</strong>s não correspon<strong>de</strong>m aos verda<strong>de</strong>iros ofícios subjacentes a cadacasta.As profissões <strong>de</strong>sempenhadas pelos homens são as seguintes: trabalha<strong>do</strong>resda construção civil, sen<strong>do</strong> alguns empreiteiros, e comerciantes.Quanto às mulheres, <strong>de</strong>stacam-se sobretu<strong>do</strong> os trabalhos <strong>de</strong> limpeza empart-time nas gran<strong>de</strong>s empresas.Relativamente ao <strong>bairro</strong>, a globalida<strong>de</strong> da população nutre uma simpatiagran<strong>de</strong>, fomentan<strong>do</strong> um eleva<strong>do</strong> sentimento <strong>de</strong> pertença comunitária.A presença multi-étnica é evi<strong>de</strong>nte, bem como a forma como se entrecruzamas diversas culturas, cheiros, sons, sensibilida<strong>de</strong>s, sentimentos,atitu<strong>de</strong>s que a sua presença implica.2. BREVE CARACTERIZAÇÃO SOCIAL E URBANÍSTICA DO BAIRROSOCIAL DA AV. ALFREDO BENSAÚDESitua<strong>do</strong> na freguesia <strong>do</strong>s Olivais, Concelho <strong>de</strong> Lisboa, o Bairro Social da Av.Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong> encontra-se construí<strong>do</strong> em terrenos confinantes com oBairro <strong>de</strong>grada<strong>do</strong> Quinta da Vitória.Inseri<strong>do</strong> no PER, a área <strong>de</strong> intervenção <strong>do</strong> PER, Bensaú<strong>de</strong> situa-se <strong>num</strong>aparcela camarária e tem a superfície <strong>de</strong> 29,231m2. O número <strong>de</strong> fogoscorrespon<strong>de</strong> a 315, sen<strong>do</strong> 26 <strong>de</strong> tipologia T1; 119 fogos são <strong>de</strong> tipologia T2;138 <strong>de</strong> tipologia T3 e 32 fogos correspon<strong>de</strong>m à tipologia T4.Ao abrigo <strong>do</strong> Protocolo estabeleci<strong>do</strong> entre a Câmara Municipal <strong>de</strong> Loures ea Câmara Municipal <strong>de</strong> Lisboa, em Novembro <strong>de</strong> 2001, permitiu-se realojar100 agrega<strong>do</strong>s familiares que residiam no <strong>de</strong>grada<strong>do</strong> Bairro Quinta daVitória, no empreendimento na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>.Hélia Bracons79


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOOs <strong>realojamento</strong>s das 100 famílias <strong>do</strong> Bairro Quinta da Vitória foram conduzi<strong>do</strong>spela Câmara Municipal <strong>de</strong> Loures e teve início em Novembro <strong>de</strong>2001, com as primeiras 30 famílias. Quan<strong>do</strong> o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>das 100 famílias teve término, a tarefa da gestão social e habitacional passouentão para as mãos da Câmara Municipal <strong>de</strong> Lisboa. Após a <strong>de</strong>moliçãodas barracas <strong>de</strong>stas famílias, o Bairro Quinta da Vitória ficou maisreduzida, libertan<strong>do</strong>-se uma faixa correspon<strong>de</strong>nte às zonas A1,A2 e B1 (cf.anexo VII).Em termos <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong>s, o Bairro Social na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong> éservi<strong>do</strong> por uma boa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> transportes públicos.Quanto a equipamentos, estes são inexistentes no Bairro, apesar <strong>de</strong> existireminfra-estruturas locais que a população utiliza. Verifica-se que osespaços exteriores e a iluminação estão ainda por terminar.3. CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO ENTREVISTADAO estu<strong>do</strong> em questão inci<strong>de</strong> nas primeiras famílias realojadas, ou seja, nosagrega<strong>do</strong>s que compõem a primeira fase <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> da populaçãono <strong>bairro</strong> social Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>. Em Novembro <strong>de</strong> 2001, foram realoja<strong>do</strong>s30 agrega<strong>do</strong>s familiares resi<strong>de</strong>ntes no Bairro abarraca<strong>do</strong> da Quintada Vitória: 6 famílias africanas, 9 famílias indianas e 15 famílias brancas,ou seja, 36 indivíduos, sen<strong>do</strong> 21 <strong>do</strong> sexo feminino e 15 <strong>do</strong> sexo masculino.A amostra da presente pesquisa é composta por 9 agrega<strong>do</strong>s familiares.Foram realizadas 3 entrevistas a famílias <strong>de</strong> origem africana, 3 entrevistasa agrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> origem indiana e 3 entrevistas a agrega<strong>do</strong>s familiares <strong>de</strong>origem lusa.Ten<strong>do</strong> por base informação recolhida no GIL da Quinta da Vitória – Portela,da Divisão Municipal <strong>de</strong> Habitação da Câmara Municipal <strong>de</strong> Loures é-nospossível traçar um breve perfil das famílias realojadas, salientan<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong>já o seguinte:Hélia Bracons80


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOQuadro 6 - Composição por grupo étnicoN.º Indivíduos Sexo Fem. Sexo Masc.Africana 10 7 3Lusa 10 5 5Indiana 16 9 7Total 36 21 15Relativamente às tipologias <strong>de</strong> habitação, uma análise global <strong>do</strong> <strong>bairro</strong><strong>de</strong>monstra que a maior parte das famílias inquiridas resi<strong>de</strong>m em T4, seguidaspor aquelas que resi<strong>de</strong>m em T1 e T2, menos representa<strong>do</strong>s estãoos agrega<strong>do</strong>s <strong>do</strong>mésticos resi<strong>de</strong>ntes em T3. Esta situação está, sem dúvida,em consonância com os tipos <strong>de</strong> família que pre<strong>do</strong>minam no <strong>bairro</strong> emquestão e que, como se viu, são, na maioria, famílias com filhos solteirose no caso das famílias <strong>de</strong> origem indiana, compostas por um eleva<strong>do</strong> número<strong>de</strong> elementos. Dos 9 agrega<strong>do</strong>s familiares inquiri<strong>do</strong>s, verificámosque, no que diz respeito à tipologia familiar, as famílias indianas são todasnucleares com filhos. Em relação aos africanos, a tipologia é tambémmaioritariamente nuclear com filhos, 2 famílias nucleares e 1 indivíduoisola<strong>do</strong>, sem filhos. Por último, a tipologia das famílias lusas, constituídapor 1 família nuclear com filhos, 1 agrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> família alargada e um isola<strong>do</strong>sem filhos. Quanto às tipologias <strong>de</strong> habitação, estas distribuem-se daseguinte forma:Quadro 7 - Tipologia <strong>do</strong>s fogos por grupo étnicoT1 T2 T3 T4Africana 1 1 _ 1Lusa 1 1 _ 1Indiana _ _ 1 2Po<strong>de</strong>-se concluir que a maioria <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s diferentesgrupos étnicos são constituí<strong>do</strong>s por famílias nucleares com filhos, registase,contu<strong>do</strong>, que o grupo étnico que apresenta maior número <strong>de</strong> elementosé a indiana.Hélia Bracons81


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICODe acor<strong>do</strong> com os da<strong>do</strong>s recolhi<strong>do</strong>s nas entrevistas, no que respeita à ativida<strong>de</strong>profissional, as categorias pre<strong>do</strong>minantes são as empregadas <strong>de</strong>limpeza, os comerciantes, os trabalha<strong>do</strong>res na construção civil, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> seconclui que pre<strong>do</strong>minam as categorias <strong>de</strong> baixas qualificações e <strong>de</strong> fracaremuneração.Outro elemento que importa realçar é o número eleva<strong>do</strong> <strong>de</strong> jovens quefrequentam o ensino, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que se trata <strong>de</strong> uma população jovem,potencialmente em ida<strong>de</strong> escolar.Os elementos que trabalham nas famílias africanas, as profissões <strong>do</strong>s homensestão liga<strong>do</strong>s à construção civil ao passo que as mulheres são maioritariamenteempregadas <strong>do</strong>mésticas.Os homens indianos que trabalham, 4 estão liga<strong>do</strong>s ao comércio, apenas 1na construção civil, ao passo que a maioria das mulheres são <strong>do</strong>mésticase as que trabalham exercem a profissão <strong>de</strong> empregada <strong>de</strong> limpeza. Porsua vez, as mulheres ficam em casa a cuidar da habitação e <strong>do</strong>s filhos, oque se verificou aquan<strong>do</strong> das entrevistas, pois foram sempre as mulherese filhos que nos receberam.Nas famílias <strong>de</strong> origem portuguesa, as mulheres exercem a profissão <strong>de</strong>empregada <strong>do</strong>méstica, enquanto que os homens estão liga<strong>do</strong>s à construçãocivil.Quadro 8 - Ocupação por grupo étnicoOcupação Africana Lusa Indiana TotalEstudante 6 4 7 17Doméstica _ _ 2 2Emp. Limpeza 2 2 1 5Motorista 1 _ _ 1Const. Civil 1 1 1 3Comerciante _ _ 5 5Desemprega<strong>do</strong> _ 1 1 2Reforma<strong>do</strong> _ 1 _ 1Hélia Bracons82


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICONo que concerne à faixa etária verifica-se que se trata <strong>de</strong> uma populaçãojovem e on<strong>de</strong> pre<strong>do</strong>mina um número significativo <strong>de</strong> adultos em ida<strong>de</strong>ativa. O escalão composto pelos indivíduos mais i<strong>do</strong>sos (65 e mais anos)é aquele que se encontra menos representa<strong>do</strong>, recolhen<strong>do</strong> apenas <strong>do</strong>isindivíduos, ambos <strong>de</strong> famílias brancas.Quadro 9 - Composição etária por grupo étnicoIda<strong>de</strong> Africanos Lusos Indianos Total0-14 3 2 3 815-19 3 1 3 720-64 4 5 10 1965 + _ 2 _ 2Total 10 10 16 36Quadro 10 - Esta<strong>do</strong> civil <strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>ntes por grupo étnicoIda<strong>de</strong> Africanos Brancos Indianos TotalSolteiro 8 5 8 21Casa<strong>do</strong> 2 4 8 14Viúvo _ 1 _ 1Divorcia<strong>do</strong> _ _ _ _Total 10 10 16 36Relativamente ao esta<strong>do</strong> civil verifica-se que mais <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> da populaçãoé solteira (21 indivíduos), sen<strong>do</strong> que apenas 14 inquiri<strong>do</strong>s são casa<strong>do</strong>s.De <strong>de</strong>stacar ainda a inexistência <strong>de</strong> divorcia<strong>do</strong>s, e apenas um viúvo.Hélia Bracons83


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO4. SATISFAÇÃO RESIDENCIAL4.1. Avaliação subjetiva <strong>do</strong> espaço priva<strong>do</strong>: A CasaO <strong>realojamento</strong> é, para qualquer um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, um momento crucialnas suas vidas. A casa aparece como concretização <strong>de</strong> um sonho ecomo suporte <strong>de</strong> uma esperança para a promoção no estatuto resi<strong>de</strong>ncial.A casa concretiza um momento <strong>de</strong> viragem na vida da família, permitin<strong>do</strong>,em comparação com a situação anterior, melhores condições <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>e conforto. A casa concorre para a promoção social, exigente <strong>de</strong>uma postura perante a vida, mas também perante os novos espaços quelhe são propostos.Na opinião <strong>de</strong> Pinto (1994), “o facto <strong>de</strong> se ter agora uma casa, projeto talvezmais importante das suas histórias <strong>de</strong> vida é, por si só, <strong>de</strong>spoleta<strong>do</strong>r <strong>de</strong>um forte sentimento <strong>de</strong> satisfação, à margem das características morfológicase <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los habitacionais on<strong>de</strong> foram realoja<strong>do</strong>s e das condiçõeshabitacionais <strong>do</strong> novo espaço resi<strong>de</strong>ncial.”Quase inevitavelmente, diríamos, o <strong>realojamento</strong> é associa<strong>do</strong> <strong>de</strong> imediatoà casa, ponto sobre o qual se faz, unanimemente, uma avaliação positiva.Segun<strong>do</strong> estu<strong>do</strong>s já realiza<strong>do</strong>s (Freitas, 1993; Pinto, 1994), para algumas<strong>de</strong>stas famílias o <strong>realojamento</strong> vale sobretu<strong>do</strong> pela casa, pois permite aconcretização <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo que para muitos, por falta <strong>de</strong> recursos, teriasi<strong>do</strong> mais adia<strong>do</strong>.Quan<strong>do</strong> se fala da casa como um sonho, <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s referemque a <strong>do</strong>ação da casa, foi em si um sonho concretiza<strong>do</strong> e, relativamenteaos restantes inquiri<strong>do</strong>s sonham é colocar coisas diferentes para o preenchimentoda casa.“Senti um sonho... gostei muito da nova casa, não esperava tão <strong>de</strong>pressater a casa, né? Não esperava mesmo... senti uma emoção gran<strong>de</strong>,né? Sempre é diferente <strong>do</strong> que nas barracas”.(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)Hélia Bracons84


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“O meu sonho é a <strong>de</strong>coração... principalmente para mim uma <strong>de</strong>coraçãomo<strong>de</strong>rna, coisas muito mais simples... não sou a favor <strong>de</strong> todas ascoisas que as famílias hindus têm... os retratos <strong>do</strong>s familiares, todas asdivinda<strong>de</strong>s...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Isto foi um sonho... a coisa melhor que podia ter aconteci<strong>do</strong>. Já <strong>de</strong>viater si<strong>do</strong> há 40 anos atrás, para ter as coisas que gostava <strong>de</strong> comprar...Gosto muito da casa, foi a melhor coisa que recebi em toda a minhavida... eu cui<strong>do</strong> muito <strong>de</strong>la...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Imagino coisas que lá em baixo não tinha... uma mobília nova... Estoua pensar comprar um varão para o cortina<strong>do</strong> <strong>do</strong> quarto... comprámosum estúdio para o quarto <strong>do</strong> meu filho. O meu filho quan<strong>do</strong> viemos paraa casa nova ofereceu-me uma máquina <strong>de</strong> lavar loiça...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Ia <strong>de</strong>smaian<strong>do</strong>, quase cai <strong>de</strong> alegria e emoção com a alegria da casa,estava morta com uma casa nova... vimos a casa, fomos tratar da águae luz e chamei a minha filha para ajudar a limpar a casa porque estavatu<strong>do</strong> com pó.”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Como sonho, a casa vai ficar muito bonita... vou pôr ali um móvel, amesa ao fun<strong>do</strong>... a minha cozinha precisa <strong>de</strong> coisas novas... isto vai <strong>de</strong>vagarinho...com as carpetes e can<strong>de</strong>eiros fica outra coisa...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Sonhar, não. Pensativo, estou a pensar na mobília para aqui (sala), sonhoem pôr cá uma família, mulher que não tenho... sonhos há muitos.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“Tenho sonhos, só que ainda não posso, isto trouxe da barraca... Paramim não preciso <strong>de</strong> nada, elas (filhas) querem mudar a mesa, a mesada televisão... pois não tenho muitos sonhos, tenho para as minhas filhas,elas querem mais mo<strong>de</strong>rno”.(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)Hélia Bracons85


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Sonho pôr uma mesa <strong>de</strong> jantar que ainda não tenho, ainda não tenhogás canaliza<strong>do</strong>, vou comprar um fogão novo...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s manifestou um certo <strong>de</strong>scontentamento relativamenteao aspeto e à forma como os atuais vizinhos se apropriam <strong>do</strong> espaçopúblico, inclusive fala da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver ações <strong>de</strong> formação aexplicar o funcionamento <strong>do</strong>s espaços e as atenções a ter relativamenteaos mesmos.“... Também já estragaram a porta, a escada está sempre suja, não háninguém que queira varrer... as pessoas têm que ser asseadas, <strong>de</strong>viahaver ações a explicar como estar <strong>num</strong>a casa.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“Acho a casa boazinha... temos na cozinha uma marquise para esten<strong>de</strong>ra roupa, cabe na marquise a roupa... vejo as roupas estendidas najanela, fica muito feio... parece um merca<strong>do</strong>, e se fizeram uma marquiseé para isso, para pôr a roupa, e cabe, se <strong>do</strong>brarem duas vezes oslençóis, cabe perfeitamente... que remédio. Fica mesmo feio a roupaestendida, <strong>de</strong>via ser proibi<strong>do</strong>.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)A casa aparece-nos como o centro <strong>do</strong>s afetos, a satisfação com a casaapresenta valores bastante eleva<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> sustentada na globalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>scasos pela melhoria das condições habitacionais que proporciona e pelaspossibilida<strong>de</strong>s que oferece em termos <strong>de</strong> apropriação e personalização <strong>do</strong>espaço habitacional.Numa das pesquisas mencionadas (Freitas, 1993; Pinto, 1994), registamseníveis <strong>de</strong> satisfação com a casa muito eleva<strong>do</strong>s, o que não será <strong>de</strong> to<strong>do</strong>surpreen<strong>de</strong>nte se pensarmos nas condições habitacionais em que estasfamílias viviam.Os entrevista<strong>do</strong>s sentem uma satisfação positiva relativamente às divisõesexistentes na habitação, por ter o número <strong>de</strong> divisões a<strong>de</strong>quadas ao tamanhoda família, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às boas condições <strong>de</strong> higiene e conforto, portanto amudança <strong>de</strong> casa é avaliada positivamente, sustentada também por umagran<strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar as coisas, <strong>de</strong> fazer obras e alterar os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong>relacionamento com os espaços existentes.Hélia Bracons86


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOImporta referir que um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s que não recebia visitas na barraca,agora no seu novo espaço habitacional recebe, o que significa que amudança altera mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida e atitu<strong>de</strong>s positivas.A satisfação relativamente à casa está também ligada á proximida<strong>de</strong> <strong>do</strong>slocais anteriormente frequenta<strong>do</strong>s, tais como as compras e os locais <strong>de</strong>trabalho.“Sim, a casa é suficiente para to<strong>do</strong>s. Tem sala, 4 quartos, 1 cozinha, 2casas <strong>de</strong> banho e uma varanda para esten<strong>de</strong>r a roupa. Não tem dispensa,faz falta a dispensa, mas não tenho... já viu as mobílias <strong>do</strong>s quartossão iguais à cor <strong>do</strong> chão e portas... <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira clara... ficou muitobem... gostava <strong>de</strong> viver <strong>num</strong> andar mais baixo, mas só havia 6º andarcom 4 quartos, estas foram as primeiras casas”.(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“A casa tem muita clarida<strong>de</strong>, sol nos quartos, é importante... as divisõese tu<strong>do</strong>, o único problema é que não tenho dispensa, to<strong>do</strong>s os quevinham ver, gostaram, quase to<strong>do</strong> o <strong>bairro</strong> vieram ver a casa. To<strong>do</strong>squerem ver a casa nova...”é muito gira”, diziam uns aos outros, <strong>de</strong>poisto<strong>do</strong>s queriam ver... quase todas as pessoas <strong>do</strong> <strong>bairro</strong> conhecem...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Sim, estou muito satisfeita... é outra coisa. Temos melhores condições.”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Sim, temos quatro quartos, mas não me importava <strong>de</strong> ter mais um...para as visitas e família... mas tinha pedi<strong>do</strong> uma casa para a minha filhaque casou... assim tá a viver connosco... acho a cozinha pequena. Seestamos to<strong>do</strong>s os seis na cozinha... já viu... não dá...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“... Falta comprar os can<strong>de</strong>eiros, um quadro para a sala... temos muitosquadros das divinda<strong>de</strong>s (mostraram to<strong>do</strong>s os quadros que tinham,uns 8, com figuras <strong>do</strong>s Deuses. Tinham apenas um na pare<strong>de</strong> da sala.),já tínhamos da barraca, lá tínhamos uma divisão pequena que era on<strong>de</strong>estava o nosso Mandir e to<strong>do</strong>s estes quadros... sabemos que um <strong>do</strong>sespaços aqui em baixo <strong>de</strong>stes prédios vai ser o Mandir... vamos <strong>do</strong>arestes quadros ao novo Mandir. Não precisamos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s aqui...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)Hélia Bracons87


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“... tenho um quarto, uma casa <strong>de</strong> banho, uma dispensa, que é muitoimportante, a cozinha, a casa não tem roupeiro, eu man<strong>de</strong>i fazer umroupeiro...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“... os meus familiares, ficaram muito contentes <strong>de</strong> vir para aqui... nabarraca não iam visitar-me, aqui eles vêem... minha irmã vem visitarmemais vezes agora que estou na casa nova...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“... só ter água quente... é diferente”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Acho que sim, temos 4 quatros, uma sala boa...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Muito satisfeita... é pertinho <strong>do</strong> meu trabalho, das compras... foi umaalegria... já viu se nos mandassem para Apelação, Mocho,... aqui é umambiente que já conhecia...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Na cozinha passo a maior parte <strong>do</strong> tempo... gosto <strong>de</strong> estar em todasas divisões da casa, passo mais no quarto e na cozinha para fazer asrefeições...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Tratei logo tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>pressa com a ânsia <strong>de</strong> vir logo para a casa nova.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“No dia meus filhos andavam maluquinhos... na semana antes <strong>de</strong> virmospara casa andavam aéreos...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Tem um quarto para as minhas filhas e um para mim e meu mari<strong>do</strong>...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“É muito mais confortável, tem mais espaço. Sinto-me muito feliz...mas nem dá para esquecer a minha barraquinha... está mesmo aquiem baixo...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)Hélia Bracons88


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“A barraca era muito gran<strong>de</strong>... para arrumar tu<strong>do</strong> era preciso muitashoras. Aqui já é diferente...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)As janelas, um elemento <strong>de</strong> eventual transição para o exterior ou para osespaços públicos, acabam por assumir um papel ativo, no entanto um <strong>do</strong>sentrevista<strong>do</strong>s faz referência à janela que está na sala e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> vero <strong>bairro</strong> on<strong>de</strong> estava anteriormente alojada. Delas se po<strong>de</strong> observar algummovimento, e pela própria altura a que as janelas se encontram, estas nãopermitem muito mais <strong>do</strong> que um controlo esporádico <strong>do</strong> que aí se passa ealguns fugazes cumprimentos <strong>de</strong> bons dias.“Eles convivem mais na sala ou nos quartos, eu gostei muito da vista dacasa, passo to<strong>do</strong> o tempo na janela a fofocar um pouco... Mal me levantovenho logo para a janela ver quem passa, ver o que se passa... daquivê-se tu<strong>do</strong>... (da janela só se vê o <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> barracas da Quinta da Vitória).Levanto-me as 7 h e venho para a janela e <strong>de</strong>pois vou trabalhar.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“Na janela, a<strong>do</strong>ro estar. ás 7 h levanto-me e vou para a janela... ficocalada... só ven<strong>do</strong>. Aqui vê-se muitas coisas, se man<strong>do</strong> minhas filhasbuscar pão, daqui vejo para on<strong>de</strong> vão...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Quan<strong>do</strong> questionamos sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter feito ou não adaptaçõesna casa, a maioria <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s respon<strong>de</strong>ram que não tiveramnecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer adaptações, no entanto verifica-se uma insatisfaçãorelativamente à falta <strong>de</strong> infra-estruturas na casa, nomeadamente ao nívelda cozinha, quan<strong>do</strong> fazem referência à inexistência <strong>de</strong> estendais e, emalguns casos, <strong>de</strong> <strong>de</strong>spensa. Seis <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s referem a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> ter estendal. Apenas um inquiri<strong>do</strong> salienta a falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>spensa.“Sentimos muita falta <strong>do</strong>s estendais... somos quatro pessoas adultas...não há espaço suficiente na marquise para esten<strong>de</strong>r toda a roupa...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“... <strong>de</strong>víamos ter estendais para a roupa...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)Hélia Bracons89


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“... Havia <strong>de</strong> ter mais armários, estendal da roupa também não tem...temos uma marquise muito pequena e é lá que temos que esten<strong>de</strong>r... asala <strong>de</strong>via ser mais pequena e a cozinha maior.”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“ (... ) <strong>de</strong>via haver estendal, só temos a marquise, não dá para nada...tive que pôr um fio na janela, sei que não é permiti<strong>do</strong>...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“... a dispensa é muito pequena... e temos sorte em ter porque sei quehá casas que não têm...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“A cozinha <strong>de</strong>via ser um pouco maior... quan<strong>do</strong> tenho visitas tenho quevir para a sala.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“A cozinha gostava que fosse maior, a casa <strong>de</strong> banho também podia sermaior, a <strong>de</strong>spensa também... mas dá para mim... os estendais tambémfazem muita falta, a marquise é pequena, se lavo um lençol ou <strong>do</strong>is jánão dá para esten<strong>de</strong>r.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“Não temos estendais na marquise... Meto a roupa na janela e ponhouma coisa em cima para não cair.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“Os quartos são pequenos e <strong>de</strong>spensa não tenho... o problema é o inverno,estou <strong>de</strong>sejosa que venha o inverno para ver as humida<strong>de</strong>s...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“Só não tenho <strong>de</strong>spensa... a casa é boa...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“As minha irmãs já vieram visitar-me. Gostaram, só que notaram quenão tenho <strong>de</strong>spensa.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Hélia Bracons90


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Na cozinha, se pu<strong>de</strong>sse fazia da marquise uma <strong>de</strong>spensa. Faz-me faltaa <strong>de</strong>spensa, não tenho on<strong>de</strong> pôr nada... o móvel da cozinha não presta,mas é melhor que nada e eu não tenho dinheiro para mudar... mas estábom, não vou dizer que gostei... se tiver possibilida<strong>de</strong> mais tar<strong>de</strong> mu<strong>do</strong>o móvel da cozinha.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Salienta-se que três <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s manifestaram particular interesseem ter mais um quarto para acolher familiares. Duas famílias africanasrevelaram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter mais uma divisão para receber famíliapróxima, apenas uma família <strong>de</strong> origem lusa consi<strong>de</strong>ra que não existe espaçosuficiente na sua habitação, alegan<strong>do</strong> da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter mais umquarto para o seu agrega<strong>do</strong> familiar.“Um T2, consi<strong>de</strong>ro só que um <strong>do</strong>s filhos já está <strong>num</strong>a ida<strong>de</strong> que gostaria<strong>de</strong> ter um quarto só para ele... só não estou contente com as pare<strong>de</strong>sque são <strong>de</strong> pladur...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“... pelo menos gostava <strong>de</strong> ter mais um quarto. Fui a Cabo Ver<strong>de</strong> e gostava<strong>de</strong> trazer a minha família para passar férias. Família não é só pai emãe, irmãos e filhos,... mulher, não tenho filhos, infelizmente...”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“Se vem mais era melhor... porque tenho um rapaz, só que não está cá,está em Cabo Ver<strong>de</strong>, é o meu primeiro filho...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)A casa passa a ser o centro das <strong>de</strong>spesas, ou seja, a casa obriga a umconjunto <strong>de</strong>spesas fixas que os entrevista<strong>do</strong>s referem ser uma mudançae uma transformação relativamente aos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida anteriores. Asnovas <strong>de</strong>spesas com a casa representam um aumento <strong>do</strong> esforço económico,pessoal e familiar, com a renda da casa, a água e a eletricida<strong>de</strong> sãoaquelas que apresentam maior variação relativamente às efetuadas nosanteriores alojamentos. Os encargos são um aspeto foca<strong>do</strong> igualmentepor to<strong>do</strong>s. A mudança fez-se acompanhar <strong>de</strong> novas e/ou mais <strong>de</strong>spesas e,por isso, to<strong>do</strong>s a referem pela negativa.“A única coisa é a renda elevada. Eu vou falar com a técnica.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)Hélia Bracons91


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“ (... ) a renda é muito alta, se fosse há <strong>do</strong>is anos não me importava...agora é muito, pago 24 contos, sem contar água e luz... ainda tenhorenda atrasada, tenho o papel na gaveta, ainda não paguei... o meu sistemanervoso é muito alto...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“... não sei qual é a renda, mas se for muito alta, vou montar outra barraca,a minha barraca tem <strong>de</strong> vir <strong>de</strong> volta.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)A casa passa também a ser o centro da vivência quotidiana, está relacionadacom a religião, na medida em que os inquiri<strong>do</strong>s <strong>de</strong>monstram umavalorização, uma sensação <strong>de</strong> bem-estar e gratidão, ten<strong>do</strong> presente o divinoe, isto é notório nos três grupos étnicos existentes no <strong>bairro</strong>.“... damos muito valor à religião... vamos aos eventos importantes etambém temos muitas celebrações na casa, to<strong>do</strong>s juntos,...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“A sensação que tive é que estava <strong>num</strong> andar, <strong>num</strong>a casa nova. Agra<strong>de</strong>ci.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, lusa, 47 anos)“A primeira coisa que fiz foi acen<strong>de</strong>r uma vela, porque eu gostei... Agra<strong>de</strong>cia Nossa Senhora. Fui rezar uma missa por ela, por me ter da<strong>do</strong>a minha casa... tu<strong>do</strong> o que encontro, acho que vem <strong>de</strong> Deus. Minhasfilhas ficaram muito felizes com a casa.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“... acredito em Nossa Senhora <strong>de</strong> Fátima, acendi uma vela, rezei muitoa agra<strong>de</strong>cer a casa, pelas duas casas <strong>de</strong> banho que sempre sonhei euma sala gran<strong>de</strong>...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)4.1.1. Sala <strong>de</strong> EstarEm termos da apropriação <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico é importante que apercebermo-nostambém <strong>do</strong>s diferentes espaços no interior da habitação e dasfunções que lhes estão atribuídas.Hélia Bracons92


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICORelativamente ao espaço da Sala <strong>de</strong> Estar, três <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s manifestaramque este compartimento da habitação <strong>de</strong>stina-se para as refeições,salientan<strong>do</strong> que a cozinha torna-se pequena para a refeição da<strong>do</strong> o número<strong>de</strong> elementos <strong>do</strong> agrega<strong>do</strong> familiar.A sala aparece como o centro <strong>do</strong> alojamento, o espaço vital mais importante.Apresenta-se, na maior parte <strong>do</strong>s casos, como o local mais vivi<strong>do</strong> einvesti<strong>do</strong>. Geralmente, a sala é o sítio mais sobrecarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> mobiliário,objetos <strong>de</strong>corativos, quadros, fotografias, plantas, etc... A tendência é paraencher o espaço, pois este é o cartão-<strong>de</strong>-visita para quem entra, é a divisãoon<strong>de</strong> se registam geralmente os primeiros investimentos.Em relação à casa, a sala é, por assim dizer, o espaço “mais público” emultifuncional da habitação: acumulan<strong>do</strong> geralmente a função <strong>de</strong> sala <strong>de</strong>jantar, a sala é o local on<strong>de</strong> estão por exemplo, a televisão e o ví<strong>de</strong>o, on<strong>de</strong>a família costuma estar reunida e on<strong>de</strong> se recebe as visitas.“É na sala, almoço aqui e janto aqui, pois a cozinha é pequena, não dápara almoçar, o espaço é muito pequeno, não cabemos to<strong>do</strong>s, temosuma mesa pequena, somos uma família gran<strong>de</strong>, tem que ser aqui...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Na sala, pequeno-almoço... fazemos todas as refeições na sala. Nacozinha cozinhamos, lavamos loiça... tenho máquina <strong>de</strong> lavar roupa,frigorifico, e fogão, mesa e ca<strong>de</strong>iras estão na sala pois não cabem...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“ Como somos seis, não cabemos na cozinha... temos mesa pequenana cozinha, mas é muito pequena para to<strong>do</strong>s”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)A divisão da habitação on<strong>de</strong> normalmente a família convive, recebe visitase on<strong>de</strong> manifesta um particular interesse e gosto é na sala <strong>de</strong> estar, poisé o espaço maior para acolher as pessoas e, no caso das famílias hindusprivilegiam o espaço da sala <strong>de</strong> estar para efetuarem as celebrações eeventos festivos próprios da sua cultura.No que respeita ao convívio entre os vários elementos da família, verificouseser uma característica comum a to<strong>do</strong>s os agrega<strong>do</strong>s familiares, o facto<strong>de</strong> este ter lugar na sala.Hélia Bracons93


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“A sala porque estamos to<strong>do</strong>s juntos, para receber visitas é na sala querecebemos. Um dia fiz uma cerimónia, na cozinha não cabíamos todaspara ajudar a cozinhar. Nas cerimónias costuma vir família para ajudara cozinhar...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“A sala <strong>de</strong> estar porque acho que é a união <strong>de</strong> toda a família, o únicoon<strong>de</strong> toda a família, o momento on<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s se reúnem, no quarto nãoporque cada um vai para o seu, e ninguém se comunica. E para visitas,e on<strong>de</strong> temos a televisão.”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Normalmente é na sala <strong>de</strong> estar, on<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s se reúnem a conversar,para conviver, para qualquer evento, que haja, tipo noiva<strong>do</strong>, casamentoé sempre a sala. Há casos em que os homens ficam na sala e as senhorasna cozinha... assim separa<strong>do</strong>s uns <strong>do</strong>s outros...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Aqui, é mais na sala, porque não nos vamos reunir nos quartos <strong>de</strong> cadaum, não é?... a sala é gran<strong>de</strong>, acolhe<strong>do</strong>ra... é para receber as visitas efamiliares e também para fazer as cerimónias.”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“Eu, pessoalmente, acho que é a sala porque tem to<strong>do</strong>s os meios, é aárea mesmo para <strong>de</strong>scansar, tem a televisão para relaxar, e em segun<strong>do</strong>lugar virá o meu quarto.”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Na sala, porque gosto mais... quan<strong>do</strong> não estou a <strong>do</strong>rmir, estou nasala”.(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“... quan<strong>do</strong> vem alguém a casa passamos o tempo na sala.”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos )A sala <strong>de</strong> estar está também associada à divisão para os momentos <strong>de</strong><strong>de</strong>scanso e é o espaço privilegia<strong>do</strong> para conversar.“Quan<strong>do</strong> vem gente cá em casa é aqui (na sala) que estamos, a vertelevisão...”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)Hélia Bracons94


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Ás vezes aqui no sofá, um bocadinho <strong>de</strong>scanso pois tenho cabeça cheia<strong>de</strong> problemas.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“Sento-me aqui (na sala) com as minhas filhas e conversamos...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)Pela observação realizada, foi possível verificar que as famílias africanas,no que diz respeito à disposição da sala, é uniforme na maioria <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s,organizan<strong>do</strong> a sala com sofás <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, móvel da sala <strong>do</strong> outro euma mesa <strong>de</strong> apoio ao centro. De todas as casas que entrámos, apurámosque possuíam aparelhagem <strong>de</strong> som. A existência <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> equipamentopo<strong>de</strong>rá ser explicada ten<strong>do</strong> em conta que uma das particularida<strong>de</strong>sda cultura africana é o convívio entre familiares, amigos e parentes nasala, normalmente associada a músicas tradicionais.Relativamente às famílias indianas, a existência <strong>de</strong> televisor e a incidênciano canal indiano é visível, como uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter a tradição, alíngua e as origens, fatores pre<strong>do</strong>minantes nesta cultura.4.1.2. CozinhaRelativamente ao espaço da cozinha, quase to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s manifestaramum <strong>de</strong>scontentamento relativamente a esta divisão, alertan<strong>do</strong>que o mesmo torna-se insuficiente e pequeno para toda a família.“... a cozinha é pequena, não dá para almoçar, o espaço é muito pequeno,não cabemos to<strong>do</strong>s, temos uma mesa pequena, somos uma famíliagran<strong>de</strong>, tem que ser aqui (sala)...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“ Na cozinha cozinhamos, lavamos loiça... tenho máquina <strong>de</strong> lavar roupa,frigorifico, e fogão, mesa e ca<strong>de</strong>iras estão na sala pois não cabem...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Se vier a minha irmã e família não posso dar a comida na cozinha, poiso espaço é pequeno.”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)Hélia Bracons95


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Na cozinha, a cozinha é bem pequenina, trabalharam mal na cozinha,na barraca a cozinha era gran<strong>de</strong>... que remédio”.(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“... na cozinha não há espaço, acho a cozinha pequena, não há espaçosuficiente para uma mesa e estarem quatro pessoas lá <strong>de</strong>ntro.”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Como somos seis, não cabemos na cozinha... temos mesa pequena nacozinha mas é muito pequena para to<strong>do</strong>s...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43anos)A cozinha é sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong>stinada às refeições quotidianas e é on<strong>de</strong> as mulherespassam a maior parte <strong>do</strong> tempo.“Passo mais tempo na cozinha a cozinhar to<strong>do</strong> o dia... e por isso gostavaque fosse maior...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“Na cozinha passo a maior parte <strong>do</strong> tempo... gosto <strong>de</strong> estar em todasas divisões da casa, passo mais no quarto e na cozinha para fazer asrefeições...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)Quan<strong>do</strong> se fala na divisão da casa que a família gostasse que tivesse maisespaço, não temos dúvidas que to<strong>do</strong>s são unanimes relativamente ao espaçoda cozinha as famílias hindus gostariam que a cozinha fosse maior,porque é o espaço on<strong>de</strong> passam a maior parte <strong>do</strong> tempo, a cozinhar; comorealizam muitas celebrações e rituais on<strong>de</strong> é necessário confecionar alimentos,a cozinha é o espaço privilegia<strong>do</strong> para o efeito, contan<strong>do</strong> com oapoio <strong>de</strong> familiares para os preparativos nos eventos. Verificou-se aindaque os agrega<strong>do</strong>s indianos também utilizam a cozinha para conviver.“A cozinha é pequena, gostava que a cozinha fosse maior. Não tenho dispensae as coisas que <strong>de</strong>viam estar na dispensa estão na cozinha. Gostava<strong>de</strong> ter mais um armário. Os alimentos estão na cozinha.”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)Hélia Bracons96


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Eu acho que a cozinha, gosto <strong>de</strong> estar na cozinha a cozinhar e <strong>de</strong>via termais espaço e porque podia-se comer mais à vonta<strong>de</strong> e gosto muito <strong>de</strong>movimentar-me quan<strong>do</strong> cozinho... cozinhamos comida inglesa, portuguesae indiana... principalmente é indiana.”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Passo mais tempo na cozinha a cozinhar to<strong>do</strong> o dia... e por isso gostavaque fosse maior...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“Talvez a cozinha... quan<strong>do</strong> temos visitas, quan<strong>do</strong> há casamentos, celebrações...quan<strong>do</strong> vêem mais pessoas, para ajudarem a cozinhar jánão dá... a marquise tem estendal, mas não dá para tu<strong>do</strong>... somos seispessoas... é muita roupa... é na marquise que nós temos o material dafeira guarda<strong>do</strong>... ven<strong>de</strong>mos brinque<strong>do</strong>s, bijutarias,... e não dá...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)Quan<strong>do</strong> se fala na divisão para as refeições, verificou-se que esta utilizaçãonão é particular em nenhuma família, pois quer para os africanos,quer para os brancos, quer para os indianos, utilizam tanto a sala como acozinha para tomar as suas refeições.Quatro entrevista<strong>do</strong>s salientam que é na cozinha, pois sentem que o espaçoé suficiente para o agrega<strong>do</strong> familiar, referin<strong>do</strong> também que torna-se oespaço on<strong>de</strong> a família convive diariamente.“Olhe, é mais na cozinha... ao jantar... cabemos to<strong>do</strong>s os cinco na cozinha...É sempre na cozinha que tomamos as refeições... quan<strong>do</strong> vemalguém a casa é na sala... normalmente é na cozinha (... ) na cozinha,quan<strong>do</strong> almoçamos ou jantamos.”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Nunca viria comer para a sala... temos espaço suficiente na cozinha,apesar <strong>de</strong> a cozinha ser muito estreita...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Costumo comer em vários la<strong>do</strong>s, no restaurante, bem aqui em casa éna cozinha, sempre na cozinha... quan<strong>do</strong> vem visitas venho para a mesada sala.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)Hélia Bracons97


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Na cozinha comemos, ajeitamo-nos lá...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)4.1.3. Quarto <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmirRelativamente ao espaço priva<strong>do</strong> que é o quarto <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir, este está associa<strong>do</strong>aos momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso da família, sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s filhos, é tambémo local on<strong>de</strong> têm a televisão e por vezes, o local <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> e o espaçoon<strong>de</strong> eles estão com os amigos.Três <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s referem que o <strong>de</strong>scanso é nos quartos fazen<strong>do</strong> referênciaà televisão.“Descansa-se melhor nos quartos, né (... ) tenho televisão no quarto eassim <strong>de</strong>scanso também, pois...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“O quarto porque tenho lá a televisão, como não tenho sofás... só ca<strong>de</strong>iras...é o quarto e a cozinha.”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Os quartos porque têm televisão nos quartos. Temos duas televisões,no meu quarto e das crianças...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Normalmente paro muito pouco em casa, mas é no quarto que <strong>de</strong>scanso.”(Entrev. 7, sexo masculino, africana, motorista, 47 anos)“Para <strong>de</strong>scansar aqui no sofá, a ver televisão e a <strong>do</strong>rmir nos quartos.”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“... mas quan<strong>do</strong> dá para parar um bocadinho é aqui na sala a ver televisãoou então no quarto...”.(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)Um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s refere que os quartos não têm espaço suficiente,no entanto comparan<strong>do</strong> com a habitação anterior, são maiores. E outrosalienta que se encontra satisfeito com a divisão mencionada.Hélia Bracons98


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Os quartos são assim para o pequenino... lá em baixo os quartos erammais pequenos”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“... os quartos são bons e o resto também...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)4.1.4. Quarto <strong>de</strong> banhoRelativamente ao espaço menciona<strong>do</strong>, apenas <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s manifestaramque o espaço <strong>do</strong> quarto <strong>de</strong> banho é insuficiente para toda afamília.“Para quatro pessoas adultas, acho a casa <strong>de</strong> banho e cozinha pequena,<strong>de</strong>via haver mais espaço”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)Um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s manifestou que a divisão que gostava que tivessemais espaço é o quarto <strong>de</strong> banho, na medida em que tem um familiar queusa ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas e o espaço é pequeno para o efeito.“... a casa <strong>de</strong> banho podia ser um pouco maior... pelo menos uma porcausa da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas da minha mãe... é muito aperta<strong>do</strong> para aca<strong>de</strong>ira...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)4.1.5. Espaço e lugar <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à oração/cultoe a importância da religiãoOs entrevista<strong>do</strong>s revelam um sentimento e atitu<strong>de</strong> religiosa na sua vidaquotidiana. As famílias <strong>de</strong> origem hindu respeitam muito os seus rituais eeventos religiosos, sen<strong>do</strong> a religião o centro e o caminho para as suas vidas,daí verifica-se a importância e a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> diária a que se submetem.A questão religiosa é o traço unifica<strong>do</strong>r da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural da populaçãohindu. O fator religioso manifesta-se <strong>de</strong> uma forma recorrente navida quotidiana <strong>de</strong>sta comunida<strong>de</strong>, tanto pela forma como cada famíliaorganiza os seus cultos religiosos diários, como pela distribuição <strong>do</strong> seuHélia Bracons99


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOcalendário/cosmogónico (os meses contam-se quinzenalmente, ou seja,<strong>de</strong> duas em duas fases da lua - da lua nova à lua cheia e da lua cheia à luanova).A religião <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s africanos e lusos diferem da religião <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>sindianos. Na sua maioria, as famílias <strong>de</strong> origem africana e lusa sãocatólicos.Relativamente às famílias <strong>de</strong> origem lusa e africana têm uma religiãocatólica, não praticantes mas sentem-se <strong>de</strong>votas e gratas a algo que osmove. As famílias indianas têm religião hindu e praticam a religião to<strong>do</strong>sos dias em casa. O local <strong>de</strong> culto privilegia<strong>do</strong> é a sala porque a casa nãotem uma divisão própria para o oratório. O espaço <strong>do</strong>méstico hindu é olocal principal <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal e grupal, é on<strong>de</strong> se realizam a maiorparte <strong>do</strong>s rituais religiosos. E, quan<strong>do</strong> não é possível ter uma divisão sópara o oratório, este é construí<strong>do</strong> na sala <strong>de</strong> entrada e orienta<strong>do</strong> preferencialmentepara o sol nascente.“ (...) Fazemos muitas cerimónias, <strong>de</strong> falecimento, casamento,... da novacasa, o Arti <strong>de</strong> manhã, na sala on<strong>de</strong> tenho a igreja, mandir <strong>do</strong>méstico...este tinha na casa velha, estava assim, pus um papel bonito para forraro mandir, sou eu que rezo, uma pessoa serve da família para fazer.”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“To<strong>do</strong>s os dias, faço Arti <strong>de</strong> manhã em casa... <strong>de</strong>pois quan<strong>do</strong> há cerimóniasvamos ao Mandir no <strong>bairro</strong>… <strong>de</strong> vez em quan<strong>do</strong> vou tambémao Mandir no Lumiar, para as gran<strong>de</strong>s festas, o Nortá, a festa <strong>do</strong>s novedias... vou mais aqui no <strong>bairro</strong>, pois as passagens para toda a famíliafica caro... e aqui conhecemos todas as pessoas...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Eu sou, sigo to<strong>do</strong>s os eventos, o jejum, os eventos mais importantes...há coisas que eu não sigo à risca tradição... não importa a casta temque se ser hindu...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“... rezamos cada um com o Deus, to<strong>do</strong>s os dias, logo <strong>de</strong> manhã. Tomasebanho e a seguir <strong>de</strong>pois é aqui que rezamos (na sala on<strong>de</strong> está oMandir <strong>do</strong>méstico), e <strong>de</strong>pois faz-se o resto durante o dia... já estamosabençoa<strong>do</strong>s...Hélia Bracons100


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOTivemos imensa gente a ver a nova casa... ainda vêem... teve muita família,pessoas <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“... damos muito valor à religião... vamos aos eventos importantes etambém temos muitas celebrações na casa, to<strong>do</strong>s juntos,...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)Verifica-se que to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s dão muita ênfase à religião, ten<strong>do</strong>um lugar primordial nas suas vidas e po<strong>de</strong>-se constatar na forma e naatitu<strong>de</strong> face à nova casa.As famílias hindus têm seus rituais próprios ten<strong>do</strong> uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> divinda<strong>de</strong>se ritos face à mudança para um novo espaço. Os rituais religiosossão ainda responsáveis por parte da organização <strong>do</strong> espaço da habitação,o altar <strong>do</strong>méstico ocupa um lugar privilegia<strong>do</strong> na sala (espaço <strong>de</strong> entradada casa).“Quan<strong>do</strong> se vai para uma casa nova... eu não sei como explicar...faz-se o Avan... ainda não fizemos, põe-se uma coisa, que se põe emcasa, não sei explicar, antes <strong>de</strong> se fazer o Avan. Temos que fazer o“Catá”, com o padre. Depois foi limpar e mudar a mobília <strong>de</strong> lá paracá. Ninguém aju<strong>do</strong>u a limpar, as pessoas conhecidas ajudaram nasmudanças... há pessoas que por opção quan<strong>do</strong> têm uma casa novaconvidam os familiares para jantar, almoçar, familiares vieram cáto<strong>do</strong>s, mesmo pessoas <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>, conheci<strong>do</strong>s vieram, convidamostoda a gente. Ainda não convidamos para virem jantar na casa nova,também não é urgente... é bom dar conhecimento da casa nova, mudança,não sei... temos o Ha<strong>num</strong>an na porta <strong>de</strong> entrada para darsorte... significa vitalida<strong>de</strong>, força e virilida<strong>de</strong>... os homens rezam aeste Deus, to<strong>do</strong>s os sába<strong>do</strong>s no Mandir vão rezar, <strong>de</strong>itam óleo sobreele...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Temos uma celebração que fazemos antes <strong>de</strong> entrar na nova casa... jáfizemos o “Catá e Avan”. A primeira coisa que fizemos foi trazer umaimagem <strong>do</strong> Deus Ganeche... na religião Hindu, primeiro ele e a seguir oresto... e <strong>de</strong>pois começamos a rezar e acen<strong>de</strong>mos uma vela.O primeiro a entrar foi o Deus, é ele que entra primeiro na casa nova...para proteger... tá a ver?... para proteger primeiro entrar ele e instala-loHélia Bracons101


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOna nova casa. Depois fizemos o “Catá”, foi agora há pouco tempo, comAvan, o fogo... teve cá o nosso padre, o Brahaman...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)Relativamente às famílias <strong>de</strong> origem africana e lusa também se <strong>de</strong>notauma particular preocupação e <strong>de</strong>voção perante um novo quadro resi<strong>de</strong>ncial,verifican<strong>do</strong>-se um sentimento <strong>de</strong> alegria e gratidão.“A primeira coisa que fiz... quan<strong>do</strong> entrei, benzi-me a Deus, ajoelhei-mee pedi a Deus que me <strong>de</strong>sse sorte... disse que era <strong>de</strong>mais para mim...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“A primeira coisa que fizemos, pusemos o pé direito á frente e <strong>de</strong>poismeu mari<strong>do</strong> <strong>de</strong>u-me um beijo especial... e <strong>de</strong>u-me muitos beijos... epedi a Nossa Senhora que nos <strong>de</strong>sse muitos anos <strong>de</strong> vida e saú<strong>de</strong> paragozar a casa. Comecei a chorar <strong>de</strong> emoção e alegria... nesse dia fizemosa mudança, a minha mãe, um colega <strong>do</strong> meu mari<strong>do</strong> e o meuirmão, eu e os meus filhos também acartamos as coisas com muitaalegria... não queria acreditar... eu e minha mãe limpamos tu<strong>do</strong> à tar<strong>de</strong>enquanto o meu mari<strong>do</strong> esteve na bicha para os contratos <strong>de</strong> água eluz. E nesse dia jantámos já na casa nova.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“A sensação que tive é que estava <strong>num</strong> andar, <strong>num</strong>a casa nova. Agra<strong>de</strong>ci.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“A primeira coisa que fiz foi acen<strong>de</strong>r uma vela, porque eu gostei... Agra<strong>de</strong>cia Nossa Senhora. Fui rezar uma missa por ela, por me ter da<strong>do</strong>a minha casa... tu<strong>do</strong> o que encontro, acho que vem <strong>de</strong> Deus. Minhasfilhas ficaram muito felizes com a casa.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“... acredito em Nossa Senhora <strong>de</strong> Fátima, acendi uma vela, rezei muitoa agra<strong>de</strong>cer a casa, pelas duas casas <strong>de</strong> banho que sempre sonhei euma sala gran<strong>de</strong>...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Hélia Bracons102


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO4.2. Avaliação subjetiva <strong>do</strong> espaço semipúblico: relações <strong>de</strong> vizinhançae re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>Por sociabilida<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>mos o conjunto <strong>de</strong> relações sociais estabelecidase vividas pelos indivíduos, por meio das quais eles mantêm laços,quer <strong>de</strong> natureza pessoal, quer coletiva, com outros indivíduos. Nas re<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> incluem-se as relações <strong>de</strong> vizinhança, <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e familiares.A família e a vizinhança são os registos mais importantes <strong>de</strong> recrutamento<strong>de</strong> parceiros <strong>de</strong> socialização e amiza<strong>de</strong>s. O local <strong>de</strong> recrutamento dassociabilida<strong>de</strong>s continua a ser o próprio <strong>bairro</strong> e neste, as relações <strong>de</strong> vizinhança,a par da família, continuam a figurar como a mais importantere<strong>de</strong> <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s nossos entrevista<strong>do</strong>s.Relativamente à satisfação <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s familiares face ao <strong>bairro</strong>, conclui-seque a maioria <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s está satisfeita com o local on<strong>de</strong> selocaliza a habitação.Esta satisfação é muitas vezes manifestada pelas referências familiares,três <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s salientam que resi<strong>de</strong>m próximo da família, estesresi<strong>de</strong>ntes no Bairro Quinta da Vitória, confinante ao <strong>bairro</strong> social on<strong>de</strong>foram aloja<strong>do</strong>s.“Não tenho ninguém da família nos prédios, a minha mãe ainda nãosabemos quan<strong>do</strong> vem... espero que estejamos to<strong>do</strong>s juntos, estão aindana barraca e os meus irmãos... está previsto virem para cá. A família <strong>do</strong>meu mari<strong>do</strong> vive também no <strong>bairro</strong>.”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Sinto, estou perto da minha família que está lá em baixo...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“A residir no <strong>bairro</strong> tenho uma cunhada da parte <strong>do</strong> meu mari<strong>do</strong>, sobrinhos,sobrinhas... tá cheio... aqui no <strong>bairro</strong> da Quinta da Vitória. Aqui eunão tenho muita família.”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)Hélia Bracons103


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Tenho duas irmãs no prédio C 5, uma no 3º e outra no 5º andar... viviamno <strong>bairro</strong>, ao pé <strong>de</strong> mim... tenho também um irmão que está a viver nabarraca da minha mãe, ali no <strong>bairro</strong>...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Tenho também família que vive em Chelas, nas Olaias.”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Familiares aqui, não. Tenho muita família mas é longe.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Verifica-se que a maioria <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s afirma estar satisfeito comos atuais vizinhos, pois não têm razão <strong>de</strong> queixa, não têm problemas comos vizinhos, referin<strong>do</strong> a maioria que os atuais vizinhos são <strong>do</strong> seu conhecimentoe confiança <strong>do</strong> alojamento anterior. Constata-se que a relação<strong>do</strong>s diferentes grupos familiares com os vizinhos é boa. É <strong>de</strong> registar quenenhum agrega<strong>do</strong> respon<strong>de</strong>u que tinha má relação com os vizinhos.“Há 20 anos que estamos cá... sempre convivi e convivo... os vizinhosque estão no prédio são os mesmos...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Familiares, familiares, não. Só conheci<strong>do</strong>s, familiares chega<strong>do</strong>s, chega<strong>do</strong>s,não. Só conheci<strong>do</strong>s no <strong>bairro</strong> como fossemos família.”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Depois temos os conheci<strong>do</strong>s no <strong>bairro</strong>, chega<strong>do</strong>s, não, já conhecemoshá muito tempo”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Damo-nos bem... já nos conhecíamos <strong>de</strong> Diu... os que vêm <strong>de</strong> Diu conhecemo-loslá...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Já conhecíamos lá <strong>de</strong> baixo... é, são bons...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“Sim temos a quem pedir ajuda... há muita gente conhecida lá em baixo...e também conhecemos as famílias que vivem aqui...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)Hélia Bracons104


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Dou-me bem com toda a gente mas com os indianos super bem... osmeus vizinhos que viviam ao meu la<strong>do</strong> lá em baixo são indianos, podiasempre contar com eles... ainda agora, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixo a roupa estendidaeles dizem para não me preocupar... trabalho com raparigas africanas,ensino-as como lavar os braços, para não ficarem com cheiro activo<strong>de</strong>baixo <strong>do</strong>s braços... elas aceitam muito bem.... as raparigas <strong>do</strong>s 18,19 e 20 anos vêem ter comigo e pe<strong>de</strong>m opinião sobre os <strong>de</strong>so<strong>do</strong>rizantesa pôr, ensinei-lhes sobre os pensos, a passar a ferro, a rapar os cabelos....com as jovens indianas não tenho este tipo <strong>de</strong> conversa, é maiscomo está e alguns dizem que saiu-me o totoloto sem jogar...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“... Ensinei os meus vizinhos <strong>do</strong> andar <strong>de</strong> baixo, são <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>, autilizar os sacos para o lixo... é mais higiénico.”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“ Aqui no prédio só tenho duas famílias indianas, no 4º e 3ºandar... já asconhecia <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>, não tenho razões <strong>de</strong> queixa, têm as suas tradições,festas, não fazem muito barulho... chega aquela hora não fazem barulhonenhum...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Nunca tive nada com ninguém. Vivem neste prédio três famílias, duasportuguesas e um senhor <strong>de</strong> cor. Dou-me bem com a vizinha <strong>de</strong> baixo,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que viemos para aqui já temos mais confiança... Convivo na mesmacom os vizinhos da barraca, vou lá muitas vezes... Dou-me muitobem com a mulher indiana, <strong>do</strong>u-me lindamente com ela... e com a D.ª(... ), é uma senhora que tem 5 filhos é mulata... não sou racista.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Os meus filhos é raro andarem na rua, mesmo na barraca. Eles lá embaixo tinham os filhos da Sra. (... ) e a filha <strong>de</strong> uma senhora indiana... àsvezes ainda vão brincar com os meninos <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>. Sempre se <strong>de</strong>rambem, nunca tiveram problema nenhum com ninguém.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Dou-me bem... já eram meus vizinhos lá em baixo e por isso <strong>do</strong>u-mebem com eles...”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)Hélia Bracons105


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Para mim são to<strong>do</strong>s iguais, os amigos são amigos, não há diferença...quan<strong>do</strong> vivia na barraca, encontrava indianos e também nunca tive chatices.Não tenho queixas nenhumas <strong>de</strong> ninguém... <strong>do</strong>u-me bem comto<strong>do</strong>s eles.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“A minha vizinha que estava junto à minha barraca, dávamos bem. Elaficou no prédio ao la<strong>do</strong>.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)De referir ainda que, em termos <strong>de</strong> manutenção das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vizinhança,surge como fator <strong>de</strong> satisfação, a ajuda prestada pelos mora<strong>do</strong>res, que sebaseia na consistência <strong>de</strong> laços já antigos, bem como na reestruturação<strong>de</strong> novas relações sociais.“Olhe, <strong>num</strong>a ocasião já pedi ajuda ao meu vizinho <strong>de</strong> cima para pôr aminha mãe na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas, ela caiu e eu estava sozinha e não conseguilevantá-la, e meu vizinho indiano <strong>do</strong> 3º andar veio logo ajudar...não tenho razão <strong>de</strong> queixa... e também já levou algumas vezes o meufilho ao hospital... isso quan<strong>do</strong> estávamos na barraca.”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“... mesmo o Sr (... ), que é um senhor africano está sempre a oferecero carro ao meu mari<strong>do</strong> se for necessário...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Qualquer um <strong>do</strong>s vizinhos, penso que posso recorrer... eles pensam amesma coisa... e continuamos a ser vizinhos... já o éramos nas barracase continuamos a ser.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“Sei que posso pedir ajuda quan<strong>do</strong> precisar...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)Cerca <strong>de</strong> três indivíduos possuem uma satisfação intermédia, ou seja, assumemnaturalmente uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> distância e <strong>de</strong> relação cordial face àvizinhança.“Não me meto muito das coisas <strong>do</strong>s outros, quero é saber da minhavida e chega... não gosto <strong>de</strong> me meter na vida <strong>de</strong> ninguém.”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)Hélia Bracons106


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Só bom dia e boa tar<strong>de</strong> e chega...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“Sim, no <strong>bairro</strong> não tenho relação chegada com ninguém... a minhamãe tem, conhece as senhoras, conversa e tu<strong>do</strong>, frequenta os eventosno mandir... agora eu... não tenho mesmo.”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)Salienta-se que a quase totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s referem manter relações<strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> com os vizinhos, verifica-se que o fazem em relação aosvizinhos que já tinham anteriormente, contu<strong>do</strong> esta continuação relacionaltem como principal cenário o interior da habitação.“(... ) não tenho familiares no <strong>bairro</strong>, mas tenho amigos e pessoas conhecidas<strong>de</strong> há muito tempo... .”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“As minhas amigas estão aqui no <strong>bairro</strong>, sou amiga <strong>de</strong> toda a gente....quan<strong>do</strong> precisam <strong>de</strong> mim vêem ter aqui... Tenho uma gran<strong>de</strong> amigaaqui no <strong>bairro</strong> [Quinta da Vitória], é a Dª (... ), ela tem 80 anos, é <strong>de</strong> Moçambique.To<strong>do</strong>s os dias passo lá... ainda hoje lá estive... fui levar pão...é muito boa senhora. Ela também está para vir para aqui, para o <strong>bairro</strong>novo... era bom que ficasse perto <strong>de</strong> mim...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Se quer que lhe diga, tenho só duas amigas <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>... ainda estão no<strong>bairro</strong>... são portuguesas lá <strong>de</strong> cima, <strong>do</strong> norte...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Amigas, amigas, não, só conheci<strong>do</strong>s... os meus amigos vivem maisao pé da minha mãe, em Moscavi<strong>de</strong>, são amigas <strong>de</strong> solteira, vêem cámuitas vezes, aqui há outras condições, na barraca não vinham tanto...ou vou lá a casa <strong>de</strong>las...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Aqui no <strong>bairro</strong>, não tenho ninguém <strong>de</strong> família. Cá no <strong>bairro</strong> tenho muitosamigos.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)Hélia Bracons107


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“... aqui vivi no <strong>bairro</strong> 16 anos e nunca tive problemas com ninguém.Nunca vi coisas muito graves neste <strong>bairro</strong>.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“... Tenho algumas pessoas amigas... á minha casa ainda não vieram...já lá fui várias vezes e aqui ainda não... já <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> lá ir. Algumas amigastambém não conheciam a minha barraca e por isso quan<strong>do</strong> mu<strong>de</strong>iainda não disse nada. Amiga assim para trazer para minha casa, não.Tenho uma amiga, acho que são todas minhas amigas, mas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>trabalho... aqui no <strong>bairro</strong> somos todas amigas, mas sinto que mu<strong>do</strong>u,pessoas que iam à minha barraca agora não vêem aqui... eu não mu<strong>de</strong>inadinha... sou a mesma pessoa. Tenho uma amiga <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>, essasim, já cá veio. Tive 3 meses <strong>de</strong> baixa e sempre olhou por mim. Essa éuma irmã que tenho”.(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“Com essa aqui ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>u-me melhor é também <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>, tomavaconta <strong>do</strong> bebé <strong>de</strong>la...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)Os encontros entre vizinhos são ten<strong>de</strong>ncialmente ocasionais e têm lugarem espaços públicos – rua – ou em espaços semipúblicos – escada ouentrada <strong>do</strong> prédio.Referem <strong>do</strong>is entrevista<strong>do</strong>s <strong>de</strong> famílias africanas que se relacionam comos vizinhos no espaço da rua.“ (...) às vezes encontramo-nos na porta <strong>de</strong> entrada <strong>do</strong> prédio e conversamos.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“Ai, na rua ou quan<strong>do</strong> encontro alguns nas compras.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Em cinco casos, as relações <strong>de</strong> vizinhança surgem vocacionadas para oconvívio, admitin<strong>do</strong> serem convidadas pelas vizinhas para ir à sua casa,convite esse que é por si retribuí<strong>do</strong>. Relativamente às famílias <strong>de</strong> origemhindu, as relações <strong>de</strong> vizinhança estão muito ligadas às relações familiaresexistentes e à existência <strong>de</strong> festivida<strong>de</strong>s em que estas se tornam ponto<strong>de</strong> encontro entre as mesmas.Hélia Bracons108


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOExiste no interior <strong>do</strong> Bairro Quinta da Vitória, <strong>num</strong>a barraca exteriormentesemelhante às outras em termos <strong>de</strong> dimensão, um Templo religioso aoqual se dá pelo nome <strong>de</strong> Mandir Jay Ambema. Este é o local mais referencia<strong>do</strong>pela população hindu, pois exerce uma função agrega<strong>do</strong>ra dai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural (ver anexo foto).Está previsto haver um espaço para o Mandir no Bairro Social na Av. Alfre<strong>do</strong>Bensaú<strong>de</strong>.“Sim, nas festivida<strong>de</strong>s, por causalida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> calha... é raro sair <strong>de</strong>casa também... não gosto muito... no <strong>bairro</strong> lá em baixo via mais pessoas...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Em casa, vêm visitar-me. Nas festas, no mandir costumo encontrargente conhecida, amigos... em casa <strong>de</strong> minha mãe, na barraca tambémencontra-se muitos conheci<strong>do</strong>s... em casa <strong>de</strong> minha mãe vai muitagente pois ela é <strong>do</strong>na <strong>do</strong> mandir...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“... na barraca há pessoas que têm o ritmo <strong>de</strong> irem a casa das outraspessoas, sentarem, conversar...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Costumo encontrar-me no Mandir, nas festivida<strong>de</strong>s... vou <strong>de</strong> vez emquan<strong>do</strong> a casa <strong>de</strong>les. Já vieram também a nossa casa.”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“ (...) costumamo-nos encontrar na rua, no super merca<strong>do</strong>, vêem tambéma minha casa visitar a minha mãe e a mim... é conforme...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“De vez em quan<strong>do</strong> vou ter com eles ao <strong>bairro</strong>. Quan<strong>do</strong> não estou emcasa, gosto pouco <strong>de</strong> parar em casa, vou ali falar com meus amigos,jogamos cartinhas, meto-me nas tascas, bebemos uns copos,... vou lámuitas vezes por causa <strong>do</strong>s meus amigos, para conviver... daqui a poucovou ter com eles, eles também já vieram ver a minha casa, gostaram...”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)Relativamente ao grau <strong>de</strong> satisfação com os atuais vizinhos, permite-nosverificar que a maioria <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s afirma estar satisfeito, no entan-Hélia Bracons109


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOto assumem espontaneamente o seu <strong>de</strong>scontentamento face à vizinhança,elaboran<strong>do</strong> comentários negativos. Verifica-se uma relação conflituosacom um grupo <strong>de</strong> africanos existentes no Bairro Quinta da Vitória, quecriam mau ambiente, associa<strong>do</strong> à conflitualida<strong>de</strong>, à violência e crian<strong>do</strong>sentimentos <strong>de</strong> insegurança.Verifica-se que todas as famílias <strong>do</strong>s diferentes grupos étnicos são unânimesem relação ao grupo africano que causa distúrbios sociais e materiais.Vejamos estes posicionamentos:“Os africanos. Nunca ouvi falar <strong>de</strong> indianos entrarem em conflito. Assaltoseu já ouvi com africanos... nunca vi... mas ouvi falar... já atirarampedras muitas vezes para minha barraca, os vizinhos portuguesestambém... são crianças <strong>do</strong>s seus 10 e 12 anos, ralhava com eles e nãoqueriam saber, <strong>de</strong>pois às vezes falava com os pais e eles zangavamcom os filhos, mas voltavam a fazer o mesmo...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Há sempre esse me<strong>do</strong>... pois andam por aí em grupos gran<strong>de</strong>s e vêempessoas sozinhas e atacam... tenho conhecimento e eles moram poraqui... ali on<strong>de</strong> estão mais os S. Tomenses.. .indianos, que eu tenhaconhecimento, nunca vi ou ouvi... nem portugueses... mais, mais sãoafricanos.”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Ouvimos falar lá em baixo <strong>de</strong> crianças com a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> (... ) (filho maisnovo) com 14 e 15 anos que fazem muitos conflitos. Os africanos láem baixo (apontam pela janela a zona on<strong>de</strong> vivem estas crianças, zonaon<strong>de</strong> se concentra mais famílias S.Tomenses), é perigoso... Quan<strong>do</strong> foia nossa mudança, imagine... <strong>de</strong>ixamos algumas coisas porque fomostrazen<strong>do</strong> aos poucos... <strong>de</strong>ram-nos muito pouco tempo... e tínhamostu<strong>do</strong> fecha<strong>do</strong> com ca<strong>de</strong>a<strong>do</strong> e tu<strong>do</strong>, e roubaram-nos... entraram pelajanela e roubaram brinque<strong>do</strong>s, coisas da feira... a gente não viu, masquem viu disse que eram rapazes negros... e quem entrou na janela erauma criança <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“ On<strong>de</strong> há mais conflitos é com os africanos, S.Tomístas, fazem músicastodas as 6.as feiras à noite, ás vezes vem a polícia... os rapazes <strong>de</strong>Hélia Bracons110


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO12 e 13 anos, quase to<strong>do</strong>s africanos, nasci<strong>do</strong>s aqui, roubam, juntam-seaos 6 e 8 e roubam as pessoas, até roubam cães, uns puxam outros...vivem no <strong>bairro</strong>”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Que eu saiba, não... no princípio quan<strong>do</strong> viemos para cá, as criançasnegras, normalmente eram negros, enfiavam-se na cave, não sei comoentravam e como na cave existe eleva<strong>do</strong>r... eles enfiavam-se nos eleva<strong>do</strong>rese estragavam as coisas... por vezes viam-se alguns brancos...agora vedaram isto a separar os <strong>do</strong>is <strong>bairro</strong>s, acho que está um poucomelhor.”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“... temos receio que venham pessoas que não conhecemos... ainda faltavir pessoas para o prédio... <strong>de</strong>sejo que sejam pessoas conhecidas...prefiro que venham pessoas <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>... porque já temos mais confiança.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“... O prédio está sem segurança nenhuma, ainda no outro dia, o meumari<strong>do</strong> ia a entrar no prédio e sai <strong>do</strong> prédio três matulões <strong>de</strong> cor... elesdão cabo <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>... metem-se aqui os rapazes <strong>de</strong> cor, uns vivem aquino <strong>bairro</strong> da Vitória...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Ainda há dias estava um grupo ali atrás <strong>do</strong> prédio estavam a fazer distúrbios...e barulho, tentei falar com um que conheço os pais. Os pretinhose branquinhos com os seus 16 e 17 anos... eles não têm noção <strong>do</strong>que estão a fazer... são crianças... .uma vez agrediram uma indiana queia a passar na rua e a polícia apareceu...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“... são mais negros... não posso dizer que não... é, ás vezes dói dizeressas coisas... são da minha raça... mas é a verda<strong>de</strong>...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“ (... ) sei que existe alguns conflitos aqui no <strong>bairro</strong>, sabe como é... todasas crianças na fase <strong>do</strong>s 15 e 19 anos são complicadas, se calharestão com raiva que uns vieram e outros ficaram na barraca. É mais <strong>de</strong>pessoas brancas que <strong>de</strong>pois juntam-se com os pretos e como os pretosHélia Bracons111


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOnão mostram me<strong>do</strong>, são esses que ficam com a fama. Os indianos andammuito entre eles. Fazem a arte <strong>de</strong>les... acho muito bem...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Quan<strong>do</strong> questionamos sobre o que mais incomoda relativamente às pessoasresi<strong>de</strong>ntes ou a residir no novo <strong>bairro</strong>, verifica-se que <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>sassumem naturalmente que é a presença <strong>do</strong>s ciganos que lhescausa mais insegurança.“... só não quero é que ponham ciganos aqui no prédio... <strong>de</strong> resto sempreme <strong>de</strong>i com toda a gente no <strong>bairro</strong>.”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Talvez os ciganos. Disseram que vêem para aqui... bem, to<strong>do</strong>s sãoiguais, os brancos também roubam, os negros também roubam... <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que não trazem coisas más...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Quatro <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s salientam os laços fortes estabeleci<strong>do</strong>s pelasfamílias <strong>de</strong> origem hindu, estes relaciona<strong>do</strong>s com a vertente religiosa, tratan<strong>do</strong>-se<strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> fechada, coesa; a existência <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>e entreajuda é patente neste grupo étnico.“... existe muitas festas <strong>do</strong>s indianos, mas nunca fui convidada...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“... os indianos têm muitas festivida<strong>de</strong>s, acho a comunida<strong>de</strong> um bocadinhofechada.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“... os indianos vivem bem, têm a sua comunida<strong>de</strong> que ajuda, encontramo-lossempre junto a conviver e sempre que precisam <strong>de</strong> algumacoisa contam uns com os outros... ..”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Vejo que os indianos têm as suas festas e coisas, andam muito juntos...mas nunca fui a nenhuma coisa <strong>de</strong>les.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Hélia Bracons112


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Os indianos andam muito entre eles. Fazem a arte <strong>de</strong>les... acho muitobem...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)4.3. Avaliação subjetiva <strong>do</strong> espaço público: o BairroQuan<strong>do</strong> se fala <strong>do</strong> espaço público, que é comum a to<strong>do</strong>s os mora<strong>do</strong>res,on<strong>de</strong> se entrecruzam pessoas com formas <strong>de</strong> estar e culturas diferenciadas,é inevitável não se falar <strong>do</strong> espaço Rua. É o espaço privilegia<strong>do</strong> parao encontro e para o convívio. A satisfação com a rua (também ela bastantepositiva) tem sobretu<strong>do</strong> a ver com a sua localização no contexto <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>.A rua ganha valida<strong>de</strong> positiva porque se encontra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algo com oqual se tem bastante afinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem e pertença, este acaba por proporcionaraqui uma continuida<strong>de</strong> que a população <strong>de</strong>seja preservar. O facto<strong>do</strong> anterior alojamento ter dimensões mais reduzidas e dar diretamentepara o exterior, implicava que a rua se transformasse no seu prolongamento,possibilitan<strong>do</strong> uma abertura da vida <strong>do</strong>méstica à vida comunitária.Quatro <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s fazem referência ao espaço da rua como espaço<strong>de</strong> encontro.Verifica-se que no caso das famílias indianas <strong>de</strong> religião hindu, o momento<strong>de</strong> encontro, para além da rua, é também nas festivida<strong>de</strong>s no “Mandir”,existente no Bairro Quinta da Vitória, local <strong>de</strong> culto das famílias hindus.Enquanto espaço sagra<strong>do</strong>, os elementos <strong>de</strong>sta comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>slocam-seao Templo para fazer as suas orações diárias (<strong>de</strong> manhã e ao fim <strong>do</strong> dia),embora algumas pessoas o façam nas suas casas, on<strong>de</strong> têm um pequenomandir.Para além disso, o calendário religioso é tão rico em festivida<strong>de</strong>s e cerimóniasem homenagem aos seus <strong>de</strong>uses, as quais são realizadas naqueleespaço sagra<strong>do</strong>; é também aí que os elementos da comunida<strong>de</strong> sejuntam e tomam as refeições cerimoniais.Relativamente à satisfação <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s familiares face ao <strong>bairro</strong>, conclui-seque a maioria <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s está satisfeita com o local on<strong>de</strong> selocaliza a habitação.“Na rua, nas festivida<strong>de</strong>s, no Mandir encontro as pessoas que conheçoe <strong>do</strong>u-me bem...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)Hélia Bracons113


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“A minha mãe encontra-se com as outras senhoras no Mandir, noseventos no Mandir...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Encontramo-nos na rua, nas festas, também vêem nos visitar e nósa eles... convivemos nestas coisas, pois trabalhamos, não temos tempo...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“E também ai encontro as pessoas que conheço, quan<strong>do</strong> passo no <strong>bairro</strong>,na rua encontro sempre gente conhecida...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“No <strong>bairro</strong>, nas tascas encontramo-nos para jogar e conversar. E na ruatambém.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)Verifica-se que os entrevista<strong>do</strong>s nutrem uma simpatia muito gran<strong>de</strong> pelo<strong>bairro</strong> on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>m, da<strong>do</strong> que, geograficamente este se encontra junto ao<strong>de</strong> origem e por este motivo as rotinas quotidianas se mantêm. Para além<strong>do</strong> espaço ser quase o mesmo, as ligações e relações que tinham permanecem,os vizinhos e as pessoas são conhecidas e por isso constata-seuma satisfação muito positiva relativamente ao Bairro.“Os meus filhos brincam com a família, os primos que estão em casada minha mãe, na barraca. Na escola com os colegas... não gosto, sempreestou com eles, <strong>de</strong>pois po<strong>de</strong>m arranjar problemas com outros...só entre família... na escola po<strong>de</strong>m brincar... em casa não gosto quefiquem sozinhos.”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Estou muito satisfeita, estou junto ao <strong>bairro</strong> on<strong>de</strong> vivia, on<strong>de</strong> tenho aspessoas que conheço... daqui <strong>de</strong> cima vejo o que está em cima <strong>do</strong>stelha<strong>do</strong>s... é pena ainda existir muitas barracas aqui... apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>estou muito contente... estou aqui...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Só pelo facto <strong>de</strong> estar no mesmo sitio... é muito bom...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)Hélia Bracons114


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Viemos para o <strong>bairro</strong> há cerca <strong>de</strong> 13 anos. Andamos à procura <strong>de</strong> umabarraca porque não tínhamos dinheiro para pagar renda... e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ram-nosesta barraca.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Estou satisfeita por ficar no mesmo sítio que estamos habitua<strong>do</strong>s, pertodas escolas <strong>do</strong>s empregos, das coisas que conhecemos, as pessoastambém são conhecidas... já estamos habitua<strong>do</strong>s...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Sim, sinto-me satisfeito como tenho aqui os amigos a pessoa é conhecida.Por exemplo, hoje fui almoçar ali <strong>num</strong> restaurante na Encarnação<strong>de</strong> pessoas conhecidas, eu não paguei, porque não dava jeito, fiquei <strong>de</strong>pagar <strong>de</strong>pois... já viu, isto acontece porque já vivo aqui há muito tempo,conhecemos as pessoas e elas conhecem-nos... se não, não podia serassim .”(Entrev. 7, sexo masculino, Motorista, africana, 47 anos)“Muito... isso sim, as escolas é aqui perto, tenho três crianças, assimnão é preciso passe... quan<strong>do</strong> estava na barraca recebi muito pó, barulho,...eu só dizia que tinham-me que dar uma casa aqui... se não, nãopodia ser, ia fazer barulho...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“Sim, e o <strong>bairro</strong> está chique...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Dois <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s manifestam o seu <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong> relativamente ao <strong>de</strong>srespeitopelas normas estabelecidas e normas <strong>de</strong> higiene levan<strong>do</strong> estasa criticar os seus vizinhos resi<strong>de</strong>ntes no novo <strong>bairro</strong>, inclusive um <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>srevela a importância <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> sensibilização que <strong>de</strong>veriam serefetuadas aquan<strong>do</strong> da preparação <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>.“... só há uma coisa, as pessoas que esten<strong>de</strong>m a roupa <strong>de</strong>viam levarmulta, fica feio, sou contra isso. Estendal na rua, nas janelas fica feio,não autorizo. Quan<strong>do</strong> venho para casa só vejo em to<strong>do</strong>s os prédiosmontes <strong>de</strong> cores... parece o merca<strong>do</strong>, a feira da ladra. Quan<strong>do</strong> vejo roupafico nervosa com a situação, já viu... é cuecas, é soutiens <strong>de</strong> todas ascores e tamanhos... sou contra. Se meteram marquise é para isso, nabarraca não tinham marquise, nem sabem o que isso é... os indianosHélia Bracons115


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOainda para ajudar põem uma vassoura a segurar o fio e se aquilo cai nacabeça <strong>de</strong> alguém?”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“ Gosto muito <strong>de</strong> estar aqui... tenho as minhas coisas. Dá-me raiva é teras escadas, o eleva<strong>do</strong>r por lavar... sou sempre eu, e a gente irrita-se...sou sempre eu a lavar. As pessoas não estão habituadas na barraca alimpar... aqui no prédio só há famílias africanas, eu limpo... . as criançasjogam à bola e brincam e eu aborreço-me e ainda por cima ospais também não se preocupam... <strong>de</strong>via haver umas ações <strong>de</strong> como se<strong>de</strong>ve tratar a casa e limpar, para as pessoas valorizarem e estimaremmais...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)Quan<strong>do</strong> se fala <strong>do</strong> <strong>bairro</strong> é inevitável não falar <strong>do</strong> Bairro Quinta da Vitória.É <strong>de</strong> salientar que quase to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s têm sempre comoreferência o <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> origem e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar ao espaço que<strong>de</strong>ixaram. Po<strong>de</strong>-se verificar que seis <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s continuam a fazer assuas compras nas mercearias existentes no Bairro <strong>de</strong> origem, inclusivefazen<strong>do</strong> ênfase às mercearias pertencentes aos indianos. Um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>sfala da existência <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> confiança e, por este motivopermanecem fiéis a uma tradição que mantinham aquan<strong>do</strong> resi<strong>de</strong>ntes nasbarracas (ver anexo V).“Nas barracas está-se mais em contacto, mais facilmente com os outros,mas como somos vizinhos vamos muitas vezes lá em baixo, ascrianças vão muitas vezes ao <strong>bairro</strong>, pois têm família, primos, o mandirpara festejar os dias importantes, têm a escola perto <strong>de</strong> casa, isso tambémé importante...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“... a minha mãe as coisas mais pequenas <strong>do</strong> dia a dia, fruta, legumes,açafrão, piripiri, coentros moí<strong>do</strong>s,... vai comprar aqui ao <strong>bairro</strong> da Quintada Vitória... pois é mais barato e conhecemos... são pessoas indianas...to<strong>do</strong>s os dias <strong>de</strong> manhã vem a carrinha <strong>do</strong> peixe ao <strong>bairro</strong>... vou lásempre to<strong>do</strong>s os dias... são africanos que ven<strong>de</strong>m...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Vou mais eu às compras, mas meu mari<strong>do</strong> ajuda também (... ) às vezesnas compras <strong>de</strong> mercearia, hortaliças ou quan<strong>do</strong> falta coisa <strong>de</strong> repenteHélia Bracons116


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOvou buscar lá em baixo, vou ao <strong>bairro</strong>, nas mercearias <strong>do</strong>s indianos...tem lá especiarias, coisas nossas... e penso que é mais em conta...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“... às vezes costumo ir comprar lá, ven<strong>de</strong>m mandioca, ervilha fresca,coisas africanas... faz falta aos africanos”.(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“... eu costumo ir, tenho aqui as mercearias <strong>do</strong>s indianos que ven<strong>de</strong>mlegumes, hortaliças, especiarias,... tivemos sorte porque ficamos aqui...tu<strong>do</strong> fica igual, a escola perto, as pessoas que conhecemos... .”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“... e costumo ir fazer compras, comprar legumes frescos, fruta,... aosindianos, na mercearia ali no <strong>bairro</strong>... penso que é mais barato e <strong>de</strong>confiança...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“... tenho uma loja no <strong>bairro</strong> on<strong>de</strong> faço as minhas compras e pago nofim <strong>do</strong> mês, é na Bina e no Sr. Paulo, eles são indianos.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)No que concerne á existência <strong>de</strong> carências no novo <strong>bairro</strong> habita<strong>do</strong> pelosnossos entrevista<strong>do</strong>s, to<strong>do</strong>s estão em conformida<strong>de</strong> relativamente àsnecessida<strong>de</strong>s primordiais que são um supermerca<strong>do</strong>, da<strong>do</strong> que na urbanizaçãoexiste apenas um centro comercial que está um pouco afasta<strong>do</strong>da zona <strong>de</strong> residência. Alertam também para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espaçosver<strong>de</strong>s e espaços para as crianças brincarem e ainda para a existência <strong>de</strong>um centro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s refere a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um larou centro <strong>de</strong> dia, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que tem a mãe i<strong>do</strong>sa quase acamada.“Gostava que houvesse um super merca<strong>do</strong> aqui, pois temos que ir aocentro comercial, lá em baixo...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Acho que vão fazer aqui um jardim... bem que podiam fazer uns baloiçospara eles...acho que <strong>de</strong>via haver no novo <strong>bairro</strong> os bens essenciais, um talho, umsupermerca<strong>do</strong>, um café, mercearia, peixaria,... acho que vão abrir umcafé...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)Hélia Bracons117


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Faz falta no <strong>bairro</strong> um supermerca<strong>do</strong>, uma mercearia, géneros alimentares...<strong>de</strong> primeira necessida<strong>de</strong>...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“Acho que <strong>de</strong>via haver um supermerca<strong>do</strong>, talho,... coisas que faltamfalta... um centro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, polícia,...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 64 anos)“Tenho indicação que vão abrir um Centro <strong>de</strong> Dia... era muito bom paraa minha mãe... há vários espaços no fim <strong>do</strong>s prédios... penso que é paraespaços comercias... <strong>de</strong>via haver um merca<strong>do</strong>... e também espaçospara as crianças brincarem... pois assim não se enfiavam nos prédios abrincarem com os eleva<strong>do</strong>res...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Gostava que o <strong>bairro</strong> novo tivesse um Super merca<strong>do</strong>, um café, umapadaria, para ir ao pão ir ao centro comercial ainda é um bocadinho...um espaço ver<strong>de</strong> para os miú<strong>do</strong>s brincarem... relativamente ao policiamentoto<strong>do</strong>s os dias vejo polícia no <strong>bairro</strong>... ou à frente <strong>do</strong> prédio ouatrás... está sempre.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Devia haver mais espaço ver<strong>de</strong>, café...”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“Um super merca<strong>do</strong>, ficava mais perto, temos o LIDL, mas pronto; umaesquadra, um posto médico, não era nada mau para uma urgência...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“Devia haver aqui um talho, com bons preços; uma farmácia, não chega,po<strong>de</strong> ser duas; um cabeleireiro; super merca<strong>do</strong>,... peixaria, faz falta;padaria, para se ir buscar pão quente a toda a hora; polícia; um ginásiofaz falta para nós, um sítio para as crianças passarem os tempos livres;um jardim; um infantário para receber bebés, um pronto a vestir,...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Verifica-se, segun<strong>do</strong> os entrevista<strong>do</strong>s, que o <strong>bairro</strong> social não é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong>infraestruturas suficientes e capazes <strong>de</strong> garantir o mínimo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida social, pois não basta alojar, é necessário criar um ambiente noqual as populações possam organizar o seu habitat.Hélia Bracons118


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICORelativamente aos transportes que servem o novo <strong>bairro</strong> social on<strong>de</strong> asfamílias foram realojadas, são os mesmos que servem o <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> origem.Seis <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s manifestaram uma satisfação positiva. Constata-seque os transportes existentes satisfazem as suas necessida<strong>de</strong>s.“Os transportes mantêm, tenho o 31, 22, 83 e 45... estou satisfeita.”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Acho que bastam, até passa camioneta urbana.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“... o <strong>bairro</strong> está muito bem servi<strong>do</strong> <strong>de</strong> transportes.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)Três <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s alertaram para a necessida<strong>de</strong> da existência <strong>do</strong> metropolitano.“ Devia vir até aqui o metro, é mais rápi<strong>do</strong>, <strong>de</strong> resto estamos bem...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“... não era má i<strong>de</strong>ia se pu<strong>de</strong>sse o metro chegar aqui...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Está-se muito bem... eu nem preciso <strong>de</strong> andar <strong>de</strong> autocarro e as criançastambém... mas penso que está bem servi<strong>do</strong>, talvez <strong>de</strong>via haver metro.”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)4.4. Atitu<strong>de</strong>s face ao alojamento anterior (barraca)No que respeita às atitu<strong>de</strong>s face ao alojamento actual, os entrevista<strong>do</strong>savaliam <strong>de</strong> uma forma positiva, dan<strong>do</strong> ênfase à melhoria das condições<strong>de</strong> salubrida<strong>de</strong>, higiene e segurança. Salientam a visível melhoria da qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida através <strong>do</strong> bem-estar e conforto que a nova habitação proporciona.Po<strong>de</strong>mos concluir que os agrega<strong>do</strong>s familiares reconhecem que a sua habitaçãotem condições <strong>de</strong> higiene e conforto, que é um <strong>do</strong>s objetivos dapolítica social, como refere a socióloga Freitas (1994:26), “o alojamento éuma necessida<strong>de</strong> básica no <strong>de</strong>senvolvimento das populações sen<strong>do</strong> hojeHélia Bracons119


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOuniversalmente aceite e reconheci<strong>do</strong> o direito à habitação, com padrõesmínimos a<strong>do</strong>tar para que o homem aí possa encontrar a proteção indispensávelcontra os elementos adversos da natureza, assim como condições<strong>de</strong> higiene e conforto mínimas no enquadramento social tanto quantopossível perfeito.”“Aqui sempre é melhor, sentimos menos bicharada, ratos... estamoslivres <strong>de</strong>ssas coisas todas... é sempre diferente... água, luz... sempreé diferente... faltava na barraca, vivemos muito tempo sem luz, a águatínhamos que ir buscar no chafariz. Enchíamos tambores <strong>de</strong> água parautilizar to<strong>do</strong> o dia, pois com crianças, utilizam muito... comida, roupas,e tu<strong>do</strong>...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“As condições, temos luz, água, espaço, a temperatura também é diferente...a barraca era <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira já a cair <strong>de</strong> podre..”.(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos )“Muita diferença, não tenho dúvida... a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida é melhor. Nabarraca era tu<strong>do</strong> muito aperta<strong>do</strong>, as humida<strong>de</strong>s... aqui temos água, luze gás... lá não, não é?... bem, luz tivemos lá três anos. A sala era muitopequenina... Agora meus filhos têm um quarto só para eles...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“Totalmente diferente... não mu<strong>do</strong>u para melhor e não mu<strong>do</strong>u paramelhor... em questão <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> sinto-me pior, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que vim para anova casa sinto-me mal... excesso <strong>de</strong> trabalho, nervos, é minha mãe naca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas... ela estava recenseada noutra barraca nessa alturateve uma queda e ficou mobilizada, e <strong>de</strong>pois achamos que <strong>de</strong>via vivercom uma das filhas... a minha irmã também está realojada, no prédioao la<strong>do</strong>, falamos e <strong>de</strong>cidimos da minha mãe vir para aqui... para cuidar<strong>de</strong>la. Isto é tu<strong>do</strong> nervos, ela não está paralisada, mas é os nervos quenão a fazem andar... isto para mim também me põe nervosa. Tenhoproblemas <strong>de</strong> coração.”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“... tem outro aspeto que na barraca não tinha...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Totalmente diferente... o bem-estar, o conforto, a limpeza... lá na barraca,fartava-me <strong>de</strong> limpar, nunca estava limpo... gosto <strong>de</strong> ter tu<strong>do</strong> ar-Hélia Bracons120


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOruma<strong>do</strong> e limpinho... aqui consegue-se mais... não tem comparação.Era tu<strong>do</strong> muito apertadinho, só tinha a sala, on<strong>de</strong> <strong>do</strong>rmiam as crianças,um quarto, casa <strong>de</strong> banho com água e tu<strong>do</strong>, tinha máquina <strong>de</strong> lavar...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“É bem diferente... é melhor.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“É muito mais confortável, tem mais espaço. Sinto-me muito feliz...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“... eu gostei... gostei da casa, vim da mesma zona, isso eu a<strong>do</strong>rei mais.Dos vizinhos... eles não gostam <strong>de</strong> mim... as minhas vizinhas <strong>de</strong> lá <strong>de</strong>baixo (<strong>bairro</strong> das barracas), estou aqui há 12 anos, nunca converso comos vizinhos... é só boa tar<strong>de</strong>... assim não posso sentir sauda<strong>de</strong>s... nãosinto sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>les, nada...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)“A barraca era muito gran<strong>de</strong>... para arrumar tu<strong>do</strong> era preciso muitashoras. Aqui já é diferente...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Apesar da satisfação positiva relativamente à nova habitação, to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>ssão unanimes no que concerne às <strong>de</strong>spesas e responsabilida<strong>de</strong>sacrescidas aquan<strong>do</strong> da mudança para um novo quadro resi<strong>de</strong>ncial. Osentrevista<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> falam das <strong>de</strong>spesas sentem um certo <strong>de</strong>sconsolo eum far<strong>do</strong> acresci<strong>do</strong> <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.“ (... ) agora tenho que pagar renda, luz e água, contratos <strong>de</strong> luz, águae gás...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“ Sentimos diferença nas <strong>de</strong>spesas e mais responsabilida<strong>de</strong>s comaqueles que vivem no prédio, responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento unscom os outros... ali em baixo as pessoas tinham a sua barraca... toda a<strong>do</strong>cumentação teve que ser mudada... porque agora pertencemos a umoutro Concelho”.(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)Hélia Bracons121


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“... tenho a água, luz, renda passe, remédios, tu<strong>do</strong> é dinheiro... lá embaixo pagava a luz <strong>de</strong> resto não...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“... aqui é outra coisa mas também são outras <strong>de</strong>spesas... água, luz,renda,... só com o or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> <strong>do</strong> meu mari<strong>do</strong>, acho muito puxa<strong>do</strong> a renda,é quase 12 contos, não tenho ajuda <strong>de</strong> ninguém... para as nossas<strong>de</strong>spesas faz-nos muita falta...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“... quan<strong>do</strong> estava na barraca tínhamos menos <strong>de</strong>spesas”.(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“... a renda é muito alta, se fosse há <strong>do</strong>is anos atrás não importava...agora é muito, pago 24 contos, sem contar água e luz... ainda tenhorenda atrasada, tenho o papel na gaveta, ainda não paguei... o meu sistemanervoso é muito alto...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“... aqui tenho que pagar água e luz... já tenho recibos atrasa<strong>do</strong>s <strong>de</strong>água e luz, a renda... ainda não me disseram nada, tenho me<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>mmandar <strong>de</strong>pois uns 20 contos para pagar e isso não posso. Dosvizinhos... eles não gostam <strong>de</strong> mim... as minhas vizinhas <strong>de</strong> lá <strong>de</strong> baixo(<strong>bairro</strong> das barracas), estou aqui há 12 anos, nunca converso com osvizinhos... é só boa tar<strong>de</strong>... assim não posso sentir sauda<strong>de</strong>s... não sintosauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>les, nada...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ter uma casa, com as condições indispensáveisé o mais importante e sobrepõe-se a este discurso sobre as <strong>de</strong>spesas.Dois <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s referem que é um Bem terem as condições que outroranão tinham e, por esse motivo sentem-se na responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagar:“(... ) pagar renda, luz e água... isso não interessa... qualquer coisa temo seu custo”.(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“Aqui a pessoa tem que pagar, gastou tem que pagar... luz, água, concor<strong>do</strong>perfeitamente. Gasta, paga.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)Hélia Bracons122


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICORelativamente ao posicionamento face ao alojamento anterior, verifica-seque to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s sentem uma nostalgia, um sau<strong>do</strong>sismo, umanecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar ao espaço enquanto ele permanece no terreno. Estesentimento <strong>de</strong>riva da ligação afetiva e efetiva àquele espaço e a tu<strong>do</strong> oque se relaciona, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e vizinhança estreitas, auma nostalgia <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, das origens e a tu<strong>do</strong> o que aquele local proporcionou.As sociabilida<strong>de</strong>s são, ten<strong>de</strong>ncialmente, recordadas com sauda<strong>de</strong>e fica-se com a i<strong>de</strong>ia, nalguns casos, que ter-se-á perdi<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong>, oambiente familiar que dantes se vivia e o sentimento <strong>de</strong> segurança queeste transmitia e que agora se terá muda<strong>do</strong>. Cinco <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s têmcomo referência quan<strong>do</strong> se fala na barraca, o quintal, local <strong>de</strong> encontro econvívio para alguns.“Sinto sauda<strong>de</strong>s da casa... porque lá podíamos fazer barulho, abria-sea porta, estava-se na rua... era tipo uma vivenda... para mim tinha significa<strong>do</strong>especial... muitos anos a viver lá...”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos )“... nós lá em baixo tínhamos vizinhos... encontramo-nos na rua, noMandir... íamos a casa uns <strong>do</strong>s outros... agora cada um mete-se na suacasa e não nos vemos tanto...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“A barraca era um pré-fabrica<strong>do</strong>, era muito confortável, forrada, tinhatu<strong>do</strong>, casa <strong>de</strong> banho, só não tinha esquenta<strong>do</strong>r porque a pressão daágua era pouca e não chegava lá... lá podia pôr os cobertores ao sol aesten<strong>de</strong>r... . aqui temos eleva<strong>do</strong>r... mas quan<strong>do</strong> se estraga, já viu, tenhoque vir para o 6º andar... sou híper tensa e custa-me subir as escadasquan<strong>do</strong> avaria...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“A barraca ainda não foi ao chão e por isso continuo a ir lá, vou lavarroupa ao tanque, enxuga e esten<strong>do</strong> lá... pois aqui só temos a marquiseque é pequena para os lençois e cobertores... .ainda há bocadinho fuiapanhá-la... a toda a hora estou em contacto com os vizinhos e estãosempre a perguntar se gosto ou não e também lamentam por não estareme ainda não serem realoja<strong>do</strong>s...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Na barraca com meus vizinhos indianos conversávamos, porque elestambém estendiam a roupa no meu quintal. Na barraca tinha essesHélia Bracons123


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOindianos, meus vizinhos... <strong>de</strong> vez em quan<strong>do</strong> perguntavam se precisava<strong>de</strong> alguma coisa... .o prédio está muito só, não tenho ninguém, a famíliaafricana que conheço melhor, ela é bêbada.”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Tenho mais me<strong>do</strong> <strong>de</strong> sair daqui <strong>de</strong> manhã <strong>do</strong> que quan<strong>do</strong> estava nabarraca... .porque aqui não vejo muita gente a trabalhar... na barracasaíamos todas juntas para apanhar o autocarro, pelas 5h20m, mulheresindianas e africanas, tinha companhia para ir para o autocarro...aqui a essa hora não se vê ninguém... mas vou com Deus...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“ Não sinto sauda<strong>de</strong>s nenhumas... o meu filho sente porque tinha umquintal e como ele não se relaciona com ninguém, entretinha-se no seuquintal...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Na barraca tinha um quintal e era on<strong>de</strong> estendia a roupa... até meusvizinhos iam lá esten<strong>de</strong>r. Tenho sauda<strong>de</strong>s da minha barraca, mete penaver aquilo no chão. Os meus filhos nasceram lá, tenho recordaçõesboas e más. Deu-me um ataque <strong>de</strong> choro quan<strong>do</strong> partiram a barraca,evito lá passar, quan<strong>do</strong> vou no carro, nunca olho para lá... tenho sauda<strong>de</strong>s<strong>do</strong> meu quintal, fazia lá assa<strong>do</strong>s, grelha<strong>do</strong>s e festas,... dançávamos,....coisas que aqui não se po<strong>de</strong> fazer, temos mais cuida<strong>do</strong> paranão sujar o chão. Quan<strong>do</strong> as crianças eram pequenas púnhamos umapiscina no meu <strong>do</strong> quintal e iam lá outras crianças para a piscina... quesauda<strong>de</strong>s... e em relação ao convívio é muito diferente... sinto-me maisfechada, apesar <strong>de</strong> que na barraca era raro andar na rua, passava muitono meu quintal.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“A barraca... gostava muito <strong>de</strong> viver na barraca. No prédio é melhor...tem aquela coisa... é muito diferente. Está-se mais priva<strong>do</strong>, fecha<strong>do</strong>...se fosse lá em baixo já estava na rua, era abrir a porta e estava na rua,tenho sempre sauda<strong>de</strong>s... tenho lá meus amigos.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“Muita. Gostava muito da minha barraca, a minha barraca salvou-me avida (... )... era uma casinha toda preta, trouxe as minhas coisas e arranjei.Era só um espaço, era tu<strong>do</strong>, cozinha, casa <strong>de</strong> banho e tu<strong>do</strong>... <strong>de</strong>resto era horta, tinha as couves, até dava às minhas vizinhas as couves.Hélia Bracons124


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOAs minhas filhas vieram há 4 anos, elas quan<strong>do</strong> viram choraram muitoe queriam ir embora para Cabo Ver<strong>de</strong> (... ) mas nem dá para esquecera minha barraquinha... está mesmo aqui em baixo...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“... mas também fiquei agarrada na minha barraca. Ia lá to<strong>do</strong>s os dias,entrava e sentava... sentava lá com minhas filhas... <strong>de</strong>ram 8 dias paratirar as coisas... enquanto a barraca não ia ao chão, íamos lá ver a minhacasinha.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“ (... ) se quer mesmo saber, tenho sauda<strong>de</strong>s da minha barraquinha,tinha um espaço gran<strong>de</strong>, era <strong>de</strong> tijolo, agora vieram-me dar isto... (tocana pare<strong>de</strong>), isto está mal, ainda po<strong>de</strong> cair a pare<strong>de</strong>... uma vizinha estavaa pôr um varão para os cortina<strong>do</strong>s e caiu... as crianças lá em baixoficavam á vonta<strong>de</strong> para brincar, aqui elas não po<strong>de</strong>m brincar e fazerbarulho, a vizinha po<strong>de</strong> ralhar... tenho é sauda<strong>de</strong>s da minha pare<strong>de</strong>, daminha barraca, tinha uma sala enorme e um quintal”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Verifica-se que seis <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s trouxeram mobiliário da barracapara a casa nova, no entanto, referem que compraram coisas novas. Um<strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s salienta que casa nova, vida nova e, por isso sentiu a necessida<strong>de</strong>e gosto <strong>de</strong> colocar apenas coisas novas para o seu novo espaço.“Trouxe alguma coisa da barraca... o frigorifico, a máquina <strong>de</strong> lavar roupa,os <strong>do</strong>is televisores, o esquenta<strong>do</strong>r, o fogão, a máquina <strong>de</strong> costura...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Trouxemos o Mandir, a máquina <strong>de</strong> costura, esta mesinha da sala, ofogão, o frigoíifico, máquina <strong>de</strong> lavar roupa...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“(... ) lá em baixo, não trouxemos nenhuma mobília, nenhuma... casanova tem que ser mobílias novas... aquilo lá em baixo não prestava parapôr aqui... as mobílias <strong>do</strong>s quartos compramos tu<strong>do</strong>... escolhemos to<strong>do</strong>s...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)Hélia Bracons125


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“ (... ) já comprei coisas novas... trouxe a mobília <strong>do</strong> meu quarto, o quartoda minha mãe e o móvel <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r... comprei estes sofás, a mobíliada sala.”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“... tem que ir <strong>de</strong>vagar, gostava <strong>de</strong> comprar tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma só vez...”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Trouxe pouca coisa da barraca, o frigorífico só, esta ca<strong>de</strong>ira e mesa(sala), mais nada, não valia a pena trazer coisas velhas para uma casanova... as mobílias... trouxe a cama, a cama era nova, aproveitei e trouxe,mas não trouxe muita coisa... <strong>de</strong>pois vai-se compran<strong>do</strong>...”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“O que comprei <strong>de</strong> novo foi estas duas coisas, o móvel da sala e a mesa.A mobília <strong>do</strong> quarto ainda não tenho, trouxe a cama e o roupeiro dabarraca.”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“Isto tu<strong>do</strong> é da minha casa, da minha barraca... não tenho dinheiro... elenão me quer ajudar... já tem mulher e filhos, está no Algarve. Falta muitacoisa, gosto muito <strong>de</strong> música, não tenho aparelhagem, tenho tu<strong>do</strong>estraga<strong>do</strong>, a televisão, o ví<strong>de</strong>o, a aparelhagem,... tenho muitos problemas,bicos <strong>de</strong> papagaio, coluna estragada, varizes... o Esta<strong>do</strong> nunca me<strong>de</strong>u nada...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)4.5. Atitu<strong>de</strong>s face ao <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>Interessa-nos fundamentalmente, <strong>num</strong>a abordagem qualitativa, percebercomo é que os próprios indivíduos, protagonistas <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>, avaliamto<strong>do</strong> o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, que satisfação, quais os aspetos positivose negativos e que impacto originou nas suas vivências e mudanças nosmo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida.Relativamente ao posicionamento face ao <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, to<strong>do</strong>sos entrevista<strong>do</strong>s, na avaliação que fazem <strong>do</strong> <strong>processo</strong>, referem umasatisfação face ao mesmo, no entanto constatamos que to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>ssão unanimes no que concerne à rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o <strong>processo</strong>.Hélia Bracons126


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Correu muito bem. Tinha os <strong>do</strong>cumentos em dia, por isso fui das primeiras...não houveram complicações nenhumas, apenas foi tu<strong>do</strong> muitorápi<strong>do</strong>, chamaram-nos, entregamos papeladas e pronto...”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“Foi tu<strong>do</strong> muito rápi<strong>do</strong>... só me <strong>de</strong>ram <strong>do</strong>is dias para tirar tu<strong>do</strong> da barraca,tive que chamar meus familiares da barraca ao la<strong>do</strong>, minhascunhadas, irmãos me ajudaram a tirar as coisas da casa. Foi tu<strong>do</strong> leva<strong>do</strong>para o mandir <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>... e <strong>de</strong>pois só vieram <strong>de</strong>molir a barracapassa<strong>do</strong> uma semana. As coisas fui levan<strong>do</strong> aos poucos dia a dia emsacos, ficou cerca <strong>de</strong> 15 dias no mandir.”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“... no dia em que foram para <strong>de</strong>molir a barraca, não tínhamos nadaarruma<strong>do</strong>... <strong>de</strong>ram-nos um prazo <strong>de</strong> mais <strong>do</strong>is dias para tirar tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>lá, <strong>de</strong>pois tiramos tu<strong>do</strong>... a gente pediu mais dias mas... foi <strong>de</strong> repente...e <strong>de</strong>pois não vieram <strong>de</strong>molir.”(Entrev. 2, sexo feminino, <strong>de</strong>sempregada, indiana, 22 anos)“Apesar <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> muito rápi<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ram pouco tempo para tirar ascoisas da barraca, porque queriam <strong>de</strong>molir e <strong>de</strong>pois ainda a casa tevelá vários dias...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“Levei to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>cumentos, fui à Junta <strong>de</strong> Freguesia pedir o Atesta<strong>do</strong><strong>de</strong> Residência. Foi tu<strong>do</strong> muito bonito... foram to<strong>do</strong>s muito compreensíveis.”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Foi tu<strong>do</strong> muito a correr... mas fora isso correu muito bem... entregueitoda a papelada pedida, o que não tinha fui rapidamente tratar... Tivemossó oito dias para efetuar a mudança, entregaram-nos a chave<strong>num</strong>a 3º feira e <strong>de</strong>ram só oito dias para <strong>de</strong>socupar a barraca... foi tu<strong>do</strong>muito a correr...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“Apesar <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> muito <strong>de</strong> repente, para nós foi mais, não estávamosá espera <strong>de</strong> ser realoja<strong>do</strong>s, andamos também a correr.”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)Hélia Bracons127


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“... <strong>de</strong>ram-nos um prazo para tirar as coisas da barraca... apesar <strong>de</strong>nos dizerem que iam <strong>de</strong>itar a casa ao chão com rapi<strong>de</strong>z, só <strong>de</strong>itaram aochão passa<strong>do</strong>s 8 dias”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)“Correu bem... levei tu<strong>do</strong> o que pediram (... ) as coisas que trouxe tambémforam poucas, mas acho que <strong>de</strong>viam dar mais tempo para pôr tu<strong>do</strong>em or<strong>de</strong>m (... ) penso que as coisas correram bem, mas acho que foitu<strong>do</strong> rápi<strong>do</strong>...”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“Foi tu<strong>do</strong> muito rápi<strong>do</strong>, tinha lá as coisas (... ) custou muito a <strong>de</strong>sapegardas coisas...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“Correu bem, foram simpáticos, ajudaram-me, não me trataram mal...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Sabemos que um <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> tem sempre vários intervenientes,<strong>de</strong> entre os quais, os que executam as medidas segun<strong>do</strong> os critériosimplementa<strong>do</strong>s. Os Técnicos <strong>de</strong> Intervenção Social. É com estes técnicosque as populações lidam to<strong>do</strong>s os dias, são eles que mais próximosestão no terreno, que melhor conhecem a população, suas expectativas,anseios, <strong>de</strong>sejos e competências.Relativamente ao relacionamento com os técnicos responsáveis pelo <strong>realojamento</strong>,verifica-se que to<strong>do</strong>s são unanimes relativamente a to<strong>do</strong>s osatores sociais, afirman<strong>do</strong> que o relacionamento correu bem, salientan<strong>do</strong>que foram muito bem atendi<strong>do</strong>s e sentin<strong>do</strong>-se uma sensação <strong>de</strong> compreensão.“A pessoa que nos aten<strong>de</strong>u foi muito simpática...”(Entrev. 3, sexo feminino, Feirante, indiana, 43 anos)“A técnica que me aten<strong>de</strong>u ali na Câmara foi muito simpática...”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)“Não tenho razão <strong>de</strong> queixa... fui sempre muito bem atendida, quan<strong>do</strong>chamei a técnica para virem ver a barraca, por causa da minha mãevieram e <strong>de</strong>pois como minha mãe estava com uma trombose e não podiair sozinha para uma casa, a técnica falou comigo e com minhasHélia Bracons128


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOirmãs e chegamos todas à conclusão que era melhor minha mãe vivercom uma <strong>de</strong> nós...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“A técnica que acompanhou o meu caso era simpática e compreensiva.”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“... a Dra. é muito boa moça, gostei muito, andava muito nervosa poistinha me<strong>do</strong> que o meu mari<strong>do</strong> ficasse com a casa, mas a moça aju<strong>do</strong>ue compreen<strong>de</strong>u e pôs a casa em meu nome”.(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Apenas um <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s manifestou <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong> relativamente ao valorda renda, atribuin<strong>do</strong> a mesma à técnica que acompanhou o <strong>processo</strong>.“Correu mal, a Dra. Gostei <strong>de</strong>la... falei tu<strong>do</strong> com ela, pedi relatório médico,receitas,... Entreguei tu<strong>do</strong>, expliquei tu<strong>do</strong> da minha <strong>do</strong>ença e quenem sempre faço horas e <strong>de</strong>pois... a renda é muito alta, acho que arenda foi muito... não sei qual é a regra...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)No que concerne ao apoio presta<strong>do</strong> pela Câmara Municipal <strong>de</strong> Loures aosresi<strong>de</strong>ntes, na ocasião da mudança para a nova habitação, apuramos queos entrevista<strong>do</strong>s manifestaram um apoio inexistente por parte da Autarquia,ten<strong>do</strong> estes arranja<strong>do</strong> alternativa e ajuda <strong>de</strong> familiares e amigos.“Os senhores da Câmara não ajudaram a levar as coisas, ainda porcima para um 6º andar, pois o eleva<strong>do</strong>r não funcionava... agora já funciona.”(Entrev. 1, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, indiana, 40 anos)“... nas mudanças ninguém aju<strong>do</strong>u a trazer as coisas para a casa. Sónós é que trouxemos e um sobrinho nosso... aqui <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>...”(Entrev. 3, sexo feminino, feirante, indiana, 43 anos)“não tivemos ajuda para levar as coisas e também não tínhamos muitotempo...”(Entrev. 5, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 37 anos)“... não tivemos ajuda por parte <strong>do</strong>s homens da Câmara”(Entrev. 6, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 34 anos)Hélia Bracons129


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO“Tive algumas ajudas, <strong>de</strong> amigos aqui <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>. Os homens da Câmaranão trouxeram nada”(Entrev. 7, sexo masculino, motorista, africana, 47 anos)“ (...) fui buscar uns rapazes <strong>do</strong> <strong>bairro</strong> para ajudarem a trazer as coisas,os homens da Câmara também não ajudaram a mudar as coisas...”(Entrev. 8, sexo feminino, limpezas, africana, 47 anos)“ Tive ajuda <strong>de</strong> alguns patrícios <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>, <strong>do</strong> meu mari<strong>do</strong>... trouxeramas coisas para casa... sem eleva<strong>do</strong>r... o Augusto, o vizinho <strong>de</strong> cabo ver<strong>de</strong>também aju<strong>do</strong>u, foi muito simpático... os vizinhos não ajudaram, poisficaram com raiva pois não vinham...”(Entrev. 9, sexo feminino, limpezas, africana, 37 anos)Contrariamente a estas posições, há quem consi<strong>de</strong>re que a Câmara prestouum bom acompanhamento no que respeita ao apoio presta<strong>do</strong>.“Os senhores da Câmara trouxeram-me as coisas para a casa. Tiveramque subir as escadas para o 6º andar, não havia eleva<strong>do</strong>r... Fui lá <strong>num</strong>a2ª e queriam que saísse <strong>num</strong>a 4ª... era impossível embalar tu<strong>do</strong>... epedi à técnica que me <strong>de</strong>sse mais <strong>do</strong>is dias e pedi para que os senhoresda Câmara me levassem as coisas pois não tinha ninguém... e ela <strong>de</strong>umemais dias e os senhores levaram as minhas coisas... como podia?”(Entrev. 4, sexo feminino, <strong>do</strong>méstica, lusa, 64 anos)Hélia Bracons130


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOCONCLUSÕESPreten<strong>de</strong>mos com este trabalho perceber <strong>de</strong> que forma é que as famílias<strong>do</strong> Bairro Quinta da Vitória, <strong>de</strong> origem africana, indiana e lusa, realojadasno Bairro Social da Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>, se apropriam <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>mésticoe <strong>do</strong> espaço envolvente <strong>do</strong> novo <strong>bairro</strong>, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as suas referênciasculturais e religiosas.Para tal, analisámos como se <strong>processo</strong>u o <strong>realojamento</strong> e se esta ação setraduziu na melhoria das condições <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> bem-estar <strong>de</strong>stas famílias,quan<strong>do</strong> confrontadas com a nova realida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>ncial e habitacional,nomeadamente a forma como estes indivíduos se apropriaram <strong>do</strong> espaço<strong>do</strong>méstico e envolvente, a influência nas re<strong>de</strong>s familiares e referênciasreligiosas, saber como os diferentes grupos culturais se relacionam entresi e analisar a satisfação resi<strong>de</strong>ncial <strong>do</strong>s novos mora<strong>do</strong>res dirigida à casae ao <strong>bairro</strong>, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a forma como estes avaliam e percecionam oseu espaço habitacional.Esta análise teve como base nove entrevistas aos titulares <strong>de</strong> três famíliasafricanas, três famílias indianas e três famílias lusas, que analisámos naParte III <strong>de</strong>ste trabalho.Apresentamos <strong>de</strong> seguida as conclusões <strong>de</strong>sta análise, em diferentes linhas:a casa como a concretização <strong>de</strong> um sonho; o <strong>bairro</strong>, como uma referênciapara uma satisfação positiva; as relações <strong>de</strong> vizinhança e as re<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>; o mo<strong>do</strong> como o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> <strong>de</strong>correu; <strong>de</strong>seguida apresentamos um quadro síntese comparativo <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> pelasdiferentes etnias e, por fim, a análise <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> serviço social.De acor<strong>do</strong> com os da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s, parece-nos afirmar que a população realojadapossui particularida<strong>de</strong>s culturais que interferem na sua apropriação<strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico, adaptan<strong>do</strong>-o à sua cultura. No entanto são maisos indianos que vincam a particularida<strong>de</strong> da sua cultura na apropriaçãoda habitação, enquanto os africanos têm tendência a inserir-se na culturalusa.Como balanço geral sobre a satisfação resi<strong>de</strong>ncial da população <strong>do</strong> BairroSocial na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos concluir que a situação <strong>de</strong><strong>realojamento</strong> provoca sentimentos <strong>de</strong> satisfação eleva<strong>do</strong>s, eles <strong>de</strong>vem-sesobretu<strong>do</strong> à aquisição <strong>de</strong> uma nova casa, que apresenta uma qualida<strong>de</strong>muito superior à anterior.Hélia Bracons131


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOA Casa como concretização <strong>de</strong> um sonhoO <strong>realojamento</strong> é associa<strong>do</strong> <strong>de</strong> imediato à casa, ponto sobre o qual se faz,unanimemente, uma avaliação positiva.A casa surge como concretização <strong>de</strong> um sonho e como suporte <strong>de</strong> umaesperança para a promoção <strong>do</strong> estatuto resi<strong>de</strong>ncial. A casa concretiza ummomento <strong>de</strong> viragem na vida da família, permitin<strong>do</strong>, em comparação coma situação anterior, melhores condições <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>, higiene, segurançae conforto. A casa concorre para uma promoção social, exigente <strong>de</strong>uma postura perante a vida e também perante os novos espaços que lhesão propostos.A casa aparece-nos como o centro <strong>do</strong>s afetos.A satisfação com a casa apresenta valores bastante eleva<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> sustentadana globalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s casos, pela melhoria das condições habitacionaisque proporciona e pelas possibilida<strong>de</strong>s que oferece em termos <strong>de</strong>apropriação e personalização <strong>do</strong> espaço habitacional.Relativamente às características da habitação, as famílias <strong>de</strong> origem africanaestão insatisfeitas com o espaço que lhes foi atribuí<strong>do</strong>, pois têm famíliaalargada e gostariam <strong>de</strong> ter mais uma divisão para receber os familiaresque não se encontram no país. As famílias indianas tiveram <strong>de</strong>adaptar a sua forma <strong>de</strong> culto a uma parte da sala, pois a habitação nãotem uma divisão própria para o efeito, como era <strong>de</strong>sejável.A satisfação relativamente à casa está também ligada à proximida<strong>de</strong> <strong>do</strong>slocais anteriormente frequenta<strong>do</strong>s, tais como os pequenos comércios e oslocais <strong>de</strong> trabalho, bem como o Templo (para os Hindus) e on<strong>de</strong> se encontramalguns <strong>do</strong>s antigos vizinhos.A maioria <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s não tiveram necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer adaptações nacasa, no entanto mostram-se insatisfeitos <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à inexistência <strong>de</strong> estendaise, alguns casos, <strong>de</strong> <strong>de</strong>spensa.A nova casa implica uma nova dimensão: as <strong>de</strong>spesas fixas, nomeadamentecom a renda e os consumos <strong>de</strong> água e eletricida<strong>de</strong>, se bem que esta já erapaga na maior parte <strong>do</strong>s casos. Esta mudança é uma transformação significativarelativamente aos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida anteriores. A mudança fez-se acompanhar<strong>de</strong> novas e/ou mais <strong>de</strong>spesas e, por isso, referi<strong>do</strong> pela negativa.Hélia Bracons132


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICODe salientar que a maior parte <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s não têm hábitos <strong>de</strong> gestãoeconómica.Para alguns indivíduos, o <strong>realojamento</strong> originou uma mudança profundanos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> estar, mudança esta percecionada <strong>de</strong> forma negativa.Para estes, a barraca era melhor porque, por um la<strong>do</strong>, possuía umgran<strong>de</strong> valor afetivo, por outro, porque permitia uma noção <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> euma maior vivência no exterior, configurada pelo quintal e pela rua.Em termos <strong>de</strong> apropriação <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico é importante apercebermo-nostambém <strong>do</strong>s diferentes espaços no interior da habitação e dasfunções que lhes estão atribuídas.A sala é o centro <strong>do</strong> alojamento, o espaço vital mais importante. Apresenta-sena maior parte <strong>do</strong>s casos, como o local mais vivi<strong>do</strong> e on<strong>de</strong> seregistam geralmente os primeiros e maiores investimentos. Geralmente,a sala é o sítio mais “sobrecarrega<strong>do</strong>” <strong>de</strong> mobiliário, objetos <strong>de</strong>corativos,quadros, fotografias, plantas. A tendência é para encher o espaço, poiseste é o cartão-<strong>de</strong>-visita para quem entra.A sala é o espaço “mais público” e multifuncional da habitação, acumulan<strong>do</strong>geralmente a função <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> jantar, on<strong>de</strong> a família costuma estarreunida e on<strong>de</strong> se recebem os familiares e amigos, é o local on<strong>de</strong> estãopor exemplo, a televisão e o ví<strong>de</strong>o.Pela observação realizada, foi possível verificar que para as famílias africanas,no que diz respeito à disposição da sala, os sofás ficam <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>,o móvel <strong>de</strong> sala <strong>do</strong> outro e uma mesa <strong>de</strong> jantar ao centro, com ca<strong>de</strong>iras. Detodas as casas em que entrámos, apuramos que possuíam aparelhagemsonora, geralmente gran<strong>de</strong>. A existência <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> equipamento po<strong>de</strong>ser explicada pelo papel que a música tem na cultura africana, semprepresente no convívio entre familiares, amigos e parentes.Para as famílias indianas, a existência <strong>de</strong> televisor e a incidência no canalindiano é notório, como preocupação <strong>de</strong> manter as tradições, a língua e asorigens, fatores pre<strong>do</strong>minantes nesta cultura que procura preservar <strong>num</strong>avivência familiar. É também na sala que se encontra o Mandir, Templo<strong>do</strong>méstico.To<strong>do</strong>s são unanimes em referir que o espaço da cozinha <strong>de</strong>veria ser maior.Particularmente para as famílias hindus, porque é o espaço on<strong>de</strong> pas-Hélia Bracons133


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOsam a maior parte <strong>do</strong> tempo, quer a cozinhar, quer como espaço <strong>de</strong>convívio e porque realizam muitas celebrações e rituais on<strong>de</strong> é necessárioconfecionar alimentos, para o que contam com o apoio <strong>de</strong> familiares.Quan<strong>do</strong> se fala na divisão para as refeições, verificou-se que esta utilizaçãonão é particular em nenhuma família, pois quer para os africanos, querpara os portugueses, quer para os indianos utilizam tanto a sala comoa cozinha para tomar as suas refeições. Algumas famílias africanas são<strong>num</strong>erosas pelo que a cozinha não é suficiente para tomarem as refeições.A casa passa a ser o centro da vivência quotidiana, relacionada, em bastantescasos, com a religião.Relativamente às famílias <strong>de</strong> origem lusa e africana, são <strong>de</strong> religião católica,não praticantes, mas sentem-se <strong>de</strong>votos e gratos a algo que os move.As famílias indianas têm religião hindu e praticam a religião to<strong>do</strong>s os diasem casa. Os rituais religiosos são ainda responsáveis por parte da organização<strong>do</strong> espaço da habitação, o altar <strong>do</strong>méstico ocupa um lugar privilegia<strong>do</strong>na sala (espaço <strong>de</strong> entrada da casa), porque a casa não tem umadivisão própria para o oratório. O espaço <strong>do</strong>méstico hindu é o local principal<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal e grupal, é on<strong>de</strong> se realizam a maior parte <strong>do</strong>srituais religiosos. E, quan<strong>do</strong> não é possível ter uma divisão só para o oratório,este é construí<strong>do</strong> na sala <strong>de</strong> entrada e orienta<strong>do</strong> preferencialmentepara o sol nascente.As famílias hindus têm os seus rituais próprios ten<strong>do</strong> uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>divinda<strong>de</strong>s e ritos face à mudança para um novo espaço.Relativamente às famílias <strong>de</strong> origem africana e lusa também se <strong>de</strong>notauma particular preocupação e <strong>de</strong>voção perante um novo quadro resi<strong>de</strong>ncial,verifican<strong>do</strong>-se um sentimento <strong>de</strong> alegria e gratidão.Verifica-se que to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s dão muita ênfase à religião, ten<strong>do</strong>um lugar primordial nas suas vidas e po<strong>de</strong>-se constatar na forma e naatitu<strong>de</strong> face à nova casa.O Bairro: uma referência para uma satisfação positivaA satisfação sentida pelo <strong>bairro</strong> insere-se na lógica <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> dasatisfação pela casa.Hélia Bracons134


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICORelativamente à satisfação <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s familiares face ao <strong>bairro</strong>, conclui-seque a maioria <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s está satisfeita com o local on<strong>de</strong> selocaliza a habitação.Uma vez que os entrevista<strong>do</strong>s sofreram um <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> local,a continuida<strong>de</strong> espacial funcionou como promotora <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong>satisfação positiva, pois regista-se uma valorização afetiva e efetiva pelo<strong>bairro</strong>, fruto <strong>de</strong> elementos i<strong>de</strong>ntitários, reflexo <strong>de</strong> um longo perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> residênciae <strong>de</strong> antigas ligações <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, que se mantém.Quan<strong>do</strong> se fala <strong>do</strong> espaço público, que é comum a to<strong>do</strong>s os mora<strong>do</strong>res,on<strong>de</strong> se entrecruzam pessoas com formas <strong>de</strong> estar e culturas diferenciadas,é inevitável não se falar <strong>do</strong> espaço rua. A satisfação com a rua,também ela bastante positiva, tem sobretu<strong>do</strong> a ver com a sua localizaçãono contexto <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>. A rua ganha valida<strong>de</strong> positiva porque se encontra<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algo com o qual se tem bastante afinida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> origem e pertença,esta acaba por proporcionar aqui uma continuida<strong>de</strong> que a população<strong>de</strong>seja preservar.O facto <strong>do</strong> anterior alojamento ter dimensões mais reduzidas, implicavaque a rua se transformasse no seu prolongamento, possibilitan<strong>do</strong> umaabertura da vida <strong>do</strong>méstica à vida comunitária. Os entrevista<strong>do</strong>s fazemreferência ao espaço da rua como espaço <strong>de</strong> encontro.Verifica-se que no caso das famílias indianas <strong>de</strong> religião hindu, o espaço <strong>de</strong>encontro, para além da rua, é nas festivida<strong>de</strong>s e rituais no “Mandir”, local<strong>de</strong> culto das famílias hindus. Este situa-se no <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> barracas, sen<strong>do</strong> aíque os elementos da comunida<strong>de</strong> se juntam, e tomam as refeições cerimoniais.Está prevista a construção <strong>de</strong> um novo “Mandir” no Bairro Socialda Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>, fundamental para a vivência da comunida<strong>de</strong>.Verifica-se que os entrevista<strong>do</strong>s nutrem uma simpatia muito gran<strong>de</strong> pelo<strong>bairro</strong> on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>m, da<strong>do</strong> que, geograficamente este se encontra juntoao espaço <strong>de</strong> origem e por este motivo as rotinas quotidianas mantêm-se:as ligações e relações que tinham permanecem, os vizinhos e as pessoassão conhecidas.Apesar <strong>de</strong> satisfeitos, alguns entrevista<strong>do</strong>s <strong>de</strong>monstram uma insatisfaçãocom o <strong>bairro</strong>, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>srespeito pelas normas estabelecidas e pelahigiene, levan<strong>do</strong> estes a criticar os seus vizinhos resi<strong>de</strong>ntes no novo <strong>bairro</strong>.Inclusive, um <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s revela a importância <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> sensibiliza-Hélia Bracons135


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOção, que <strong>de</strong>veriam ter si<strong>do</strong> efetuadas aquan<strong>do</strong> da preparação <strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>.No que concerne à existência <strong>de</strong> carências no novo <strong>bairro</strong>, to<strong>do</strong>s estão <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> relativamente às necessida<strong>de</strong>s primordiais, nomeadamente o supermerca<strong>do</strong>,da<strong>do</strong> que na urbanização existe apenas um centro comercialque está um pouco afasta<strong>do</strong> da zona <strong>de</strong> residência. Alertam também paraa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espaços ver<strong>de</strong>s e espaços para as crianças brincareme ainda para a existência <strong>de</strong> um centro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. No novo <strong>bairro</strong> existeespaço para várias lojas, as quais ainda se encontram em <strong>processo</strong> <strong>de</strong>atribuição, haven<strong>do</strong> já um café a funcionar.Relativamente aos transportes que servem o novo <strong>bairro</strong> social são osmesmos que servem o Bairro Quinta da Vitória. Os entrevista<strong>do</strong>s manifestaramuma satisfação positiva. Constata-se que os transportes existentessatisfazem as suas necessida<strong>de</strong>s.O <strong>realojamento</strong> <strong>de</strong>stas famílias no Bairro Social na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>não contribuiu para a <strong>de</strong>sinserção social. A maioria <strong>do</strong>s agrega<strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>sestá satisfeita com o <strong>bairro</strong> e mantêm uma boa relação <strong>de</strong> vizinhança.Apesar <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>stas famílias referirem a falta <strong>de</strong> infraestruturas no<strong>bairro</strong>, não implica a sua insatisfação e <strong>de</strong>sinserção no <strong>bairro</strong>.Salienta-se que na globalida<strong>de</strong>, os agrega<strong>do</strong>s familiares realoja<strong>do</strong>s possuemuma satisfação positiva quer no que concerne à casa, quer no querespeita ao <strong>bairro</strong>, funcionan<strong>do</strong> estes como referenciais <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>positiva. Avaliam <strong>de</strong> forma positiva, dan<strong>do</strong> ênfase à melhoria das condições<strong>de</strong> salubrida<strong>de</strong>, higiene e segurança. Salientam a visível melhoria daqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida através <strong>do</strong> bem-estar e conforto que a nova habitaçãoproporciona, apesar <strong>de</strong> referirem como negativo o acréscimo <strong>de</strong> custo, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>à renda, consumos <strong>de</strong> água e eletricida<strong>de</strong>, bem como mobiliário paraa nova casa.Relativamente ao posicionamento face ao alojamento anterior, verifica-seque to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s sentem nostalgia, sau<strong>do</strong>sismo, a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> voltar à barraca enquanto ela permanece no terreno, o que <strong>de</strong>riva daligação afetiva e efetiva relativamente àquele espaço e a tu<strong>do</strong> o que serelaciona: as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e vizinhança estreitas, uma nostalgia<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, das origem e a tu<strong>do</strong> o que aquele local proporcionou. As sociabilida<strong>de</strong>ssão ten<strong>de</strong>ncialmente recordadas com sauda<strong>de</strong> e fica-se coma i<strong>de</strong>ia que, nalguns casos ter-se-á perdi<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong>, o ambiente familiarHélia Bracons136


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOque dantes se vivia e o sentimento <strong>de</strong> segurança que este transmitia eque agora se terá muda<strong>do</strong>. Cinco <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s têm como referênciaquan<strong>do</strong> se fala na barraca, o quintal e a rua, locais <strong>de</strong> encontro e convíviopara alguns.Quan<strong>do</strong> se fala <strong>do</strong> <strong>bairro</strong> é inevitável não falar <strong>do</strong> Bairro Quinta da Vitóriae é <strong>de</strong> salientar que quase to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s têm sempre como referênciao <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> origem e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar ao espaço que <strong>de</strong>ixaram.Po<strong>de</strong>-se verificar que a maioria <strong>do</strong>s inquiri<strong>do</strong>s continua a fazer assuas compras nas mercearias existentes no <strong>bairro</strong> <strong>de</strong> barracas, inclusivefazen<strong>do</strong> ênfase às mercearias, todas pertencentes aos indianos. Falam daexistência <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> confiança e, por este motivo permanecemfiéis a um hábito que mantinham <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eram resi<strong>de</strong>ntes nas barracas.Relações <strong>de</strong> vizinhança e re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>O local <strong>de</strong> recrutamento das sociabilida<strong>de</strong>s continua a ser o próprio <strong>bairro</strong>.Neste, as relações <strong>de</strong> vizinhança, a par da família continuam a figurarcomo a mais importante re<strong>de</strong> <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s nossos entrevista<strong>do</strong>s.Verifica-se que a maioria <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s afirma estar satisfeito comos atuais vizinhos, pois não têm razão <strong>de</strong> queixa, não têm problemas comeles, referin<strong>do</strong> a maioria que já são <strong>do</strong> seu conhecimento e confiança <strong>do</strong>alojamento anterior. Constata-se que a relação <strong>do</strong>s diferentes grupos familiarescom os vizinhos é boa. É <strong>de</strong> registar que nenhum agrega<strong>do</strong> respon<strong>de</strong>uque tinha má relação com os vizinhos.Em cinco casos, as relações <strong>de</strong> vizinhança surgem vocacionadas para oconvívio, admitin<strong>do</strong> serem convidadas pelas vizinhas para ir à sua casa,convite esse que é por si retribuí<strong>do</strong>. Relativamente às famílias <strong>de</strong> origemhindu, as relações <strong>de</strong> vizinhança estão muito ligadas às relações familiaresexistentes e as festivida<strong>de</strong>s, que se tornam ponto <strong>de</strong> encontro entre asfamílias.Relativamente ao grau <strong>de</strong> satisfação com os atuais vizinhos, verifica-seque a maioria <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s afirma estar satisfeito, no entanto os diferentesgrupos étnicos são unanimes em assumir espontaneamente o seu<strong>de</strong>scontentamento, elaboran<strong>do</strong> comentários negativos, nomeadamentecom um grupo <strong>de</strong> jovens africanos, resi<strong>de</strong>ntes nas barracas, que criammau ambiente, associa<strong>do</strong> à conflitualida<strong>de</strong> e violência geran<strong>do</strong> sentimentos<strong>de</strong> insegurança.Hélia Bracons137


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOApós o <strong>realojamento</strong>, as famílias per<strong>de</strong>ram um pouco a intensida<strong>de</strong> dasrelações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e confiança que outrora mantinham. A própria operação<strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> ao redistribuir as famílias pelas novas habitações, namaioria <strong>do</strong>s casos, não respeitou as relações <strong>de</strong> vizinhança preexistentes.Também a influência <strong>de</strong> novas morfologias habitacionais, com a substituição<strong>de</strong> uma habitação térrea, em que a entrada dá para a rua, por umahabitação em altura, em que a entrada dá para uma escada interior, proporcionamenos contactos e uma dinâmica relacional no exterior diferenteda habitação <strong>de</strong> origem.As antigas habitações possuíam um uso bastante intenso <strong>do</strong>s espaços exterioresao alojamento, tais como o quintal e a rua, que permitiam um contactomais próximo com os vizinhos e uma maior intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações.O Processo <strong>de</strong> RealojamentoTo<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s, na avaliação que fazem <strong>do</strong> <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>,<strong>de</strong>monstram uma satisfação face ao mesmo, contu<strong>do</strong> um <strong>de</strong>scontentamentoface à rapi<strong>de</strong>z <strong>do</strong> <strong>processo</strong>.Relativamente ao relacionamento com os técnicos responsáveis pelo <strong>realojamento</strong>,to<strong>do</strong>s os atores sociais afirmam que o relacionamento correubem, salientan<strong>do</strong> que foram muito bem atendi<strong>do</strong>s e sentin<strong>do</strong>-se uma sensação<strong>de</strong> compreensão.Os aspetos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como negativos pelos entrevista<strong>do</strong>s pren<strong>de</strong>m-sesobretu<strong>do</strong> com as questões ligadas ao valor da renda, atribuin<strong>do</strong> alguns aresponsabilida<strong>de</strong> à técnica que acompanhou o <strong>processo</strong>.Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ter uma casa, com as condições indispensáveisé o mais importante e sobrepõe-se a este discurso sobre as <strong>de</strong>spesas.Houve quem referisse que a casa é um bem e que esta proporciona condiçõesque outrora não tinham e, por esse motivo sentem-se na responsabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> pagar.Quanto ao acompanhamento e informações prestadas pela entida<strong>de</strong> promotorapelo <strong>realojamento</strong>, os entrevista<strong>do</strong>s possuem uma satisfação positiva.A maioria consi<strong>de</strong>ra que a Autarquia <strong>de</strong>sempenhou um bom trabalho.No que concerne ao apoio presta<strong>do</strong> pela Câmara Municipal <strong>de</strong> Louresaos resi<strong>de</strong>ntes, para a mudança para a nova habitação, apuramos que osentrevista<strong>do</strong>s manifestaram um apoio inexistente por parte da Autarquia,Hélia Bracons138


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOten<strong>do</strong> estes arranja<strong>do</strong>s como alternativa e ajuda <strong>de</strong> familiares e amigos.No que respeita à preparação para o <strong>realojamento</strong>, não foi efetuada nenhumasessão <strong>de</strong> esclarecimento à população, facto que aparece sinaliza<strong>do</strong>no discurso <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s. Estas ações têm como função integrar,informar, mobilizar e implicar os mora<strong>do</strong>res na utilização, manutenção econservação <strong>do</strong> habitat, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a garantir uma melhor apropriação <strong>do</strong>sespaços pelas famílias e em consequência, mais estima e preservação.No caso específico <strong>de</strong>ste trabalho, verifica-se que as famílias a residiremno Bairro Social, possuem uma apreciação globalmente positiva acerca <strong>do</strong><strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>.No Quadro 11, que se apresenta <strong>de</strong> seguida, faz-se a síntese das conclusõesacima apresentadas.Quadro 11 – Quadro síntese das conclusõesDIMENSÕES HINDUS LUSOS AFRICANOSA casa como concretização<strong>de</strong> umsonho e tambémalguns <strong>de</strong>scontentamentosA casa surge comoconcretização <strong>de</strong>um sonho, promoção<strong>do</strong> estatutoresi<strong>de</strong>ncial, verifican<strong>do</strong>-seum sentimento<strong>de</strong> alegria egratidão.A casa surge comoconcretização <strong>de</strong>um sonho, promoção<strong>do</strong> estatutoresi<strong>de</strong>ncial, verifican<strong>do</strong>-seum sentimento<strong>de</strong> alegria egratidão.A casa surge comoconcretização <strong>de</strong>um sonho, promoção<strong>do</strong> estatutoresi<strong>de</strong>ncial, verifican<strong>do</strong>-seum sentimento<strong>de</strong> alegria egratidão.A nova casa implicanovas <strong>de</strong>spesasfixas: a renda e osconsumos <strong>de</strong> águae eletricida<strong>de</strong>.A satisfação estáligada à proximida<strong>de</strong><strong>do</strong>s locaisfrequenta<strong>do</strong>s,como os pequenoscomércios, oslocais <strong>de</strong> trabalho,o templo e o espaçoon<strong>de</strong> se encontramos antigos vizinhose familiares.A nova casa implicanovas <strong>de</strong>spesasfixas: a renda e osconsumos <strong>de</strong> águae eletricida<strong>de</strong>.São <strong>de</strong> religião católica,não praticantes,mas sentem-se<strong>de</strong>votos e gratospela casa nova.A nova casa implicanovas <strong>de</strong>spesasfixas: a renda e osconsumos <strong>de</strong> águae eletricida<strong>de</strong>.São <strong>de</strong> religião católica,não praticantes,mas sentem-se<strong>de</strong>votos e gratospela casa nova.Hélia Bracons139


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICODIMENSÕES HINDUS LUSOS AFRICANOSTiveram <strong>de</strong> adaptara sala à suaforma <strong>de</strong> culto, paraincluir o “Mandir”,templo <strong>do</strong>méstico,pois a habitação nãotem uma divisãoprópria para oefeito, como era<strong>de</strong>sejável.A cozinha <strong>de</strong>viaser maior, pois éo espaço on<strong>de</strong> asmulheres se juntampara preparar asrefeições, particularmentenas festasreligiosas.A existência <strong>de</strong> televisore a incidênciano canal indiano éfundamental, coma preocupação <strong>de</strong>manter as tradições,a língua e asorigens.O espaço <strong>do</strong>mésticoé o local principal<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>pessoal e grupal,on<strong>de</strong> se procurapreservar a vivênciafamiliar e on<strong>de</strong> serealizam a maiorparte <strong>do</strong>s rituaisreligiosos.No que diz respeitoà disposição dasala, os sofás ficam<strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, o móvel<strong>de</strong> sala <strong>do</strong> outro euma mesa <strong>de</strong> jantarao centro, comca<strong>de</strong>iras.Possuem aparelhagemsonora,geralmente gran<strong>de</strong>,reflexo <strong>do</strong> papel quea música tem nasua cultura, semprepresente no convívioentre familiares,amigos e parentes.Estão insatisfeitascom o espaço quelhes foi atribuí<strong>do</strong>,pois têm famíliaalargada e gostariam<strong>de</strong> ter maisuma divisão parareceber os familiaresque não seencontram no país.Hélia Bracons140


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICODIMENSÕES HINDUS LUSOS AFRICANOSO <strong>bairro</strong>: umareferência para umasatisfação positivaA satisfação sentidapelo <strong>bairro</strong> insere-sena lógica <strong>de</strong>continuida<strong>de</strong> da satisfaçãopela casa.A satisfação sentidapelo <strong>bairro</strong> insere-sena lógica <strong>de</strong>continuida<strong>de</strong> da satisfaçãopela casa.A satisfação sentidapelo <strong>bairro</strong> insere-sena lógica <strong>de</strong>continuida<strong>de</strong> da satisfaçãopela casa.A continuida<strong>de</strong>espacial – o <strong>bairro</strong><strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> éjunto ao <strong>bairro</strong> <strong>de</strong>origem – funcionoucomo promotora<strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong>satisfação positiva,pois regista-se umavalorização afetiva eefetiva pelo <strong>bairro</strong>,fruto <strong>de</strong> elementosi<strong>de</strong>ntitários, reflexo<strong>de</strong> um longo perío<strong>do</strong><strong>de</strong> residência e<strong>de</strong> antigas ligações<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>,que se mantém.As ligações e relaçõesque tinhampermanecem, os vizinhose as pessoassão conhecidas.O espaço <strong>de</strong> encontro,para além darua, é nas festivida<strong>de</strong>se rituais, o“Mandir”, local <strong>de</strong>culto das famíliashindus.A continuida<strong>de</strong>espacial – o <strong>bairro</strong><strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> éjunto ao <strong>bairro</strong> <strong>de</strong>origem – funcionoucomo promotora<strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong>satisfação positiva,pois regista-se umavalorização afetiva eefetiva pelo <strong>bairro</strong>,fruto <strong>de</strong> elementosi<strong>de</strong>ntitários, reflexo<strong>de</strong> um longo perío<strong>do</strong><strong>de</strong> residência e<strong>de</strong> antigas ligações<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>,que se mantém.As ligações e relaçõesque tinhampermanecem, os vizinhose as pessoassão conhecidas.A continuida<strong>de</strong>espacial – o <strong>bairro</strong><strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> éjunto ao <strong>bairro</strong> <strong>de</strong>origem – funcionoucomo promotora<strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong>satisfação positiva,pois regista-se umavalorização afeiva eefetiva pelo <strong>bairro</strong>,fruto <strong>de</strong> elementosi<strong>de</strong>ntitários, reflexo<strong>de</strong> um longo perío<strong>do</strong><strong>de</strong> residência e<strong>de</strong> antigas ligações<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>,que se mantém.As ligações e relaçõesque tinhampermanecem, os vizinhose as pessoassão conhecidas.Hélia Bracons141


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICODIMENSÕES HINDUS LUSOS AFRICANOSO <strong>bairro</strong> tem carências,como supermerca<strong>do</strong>,espaçosver<strong>de</strong>s, espaçospara as criançasbrincarem e centro<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.O <strong>bairro</strong> tem carências,como supermerca<strong>do</strong>,espaçosver<strong>de</strong>s, espaçospara as criançasbrincarem e centro<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>O <strong>bairro</strong> tem carências,como supermerca<strong>do</strong>,espaçosver<strong>de</strong>s, espaçospara as criançasbrincarem e centro<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Alguma insatisfaçãopelo <strong>de</strong>srespeito àsnormas <strong>de</strong> higiene<strong>de</strong> alguns vizinhos.Alguma insatisfaçãopelo <strong>de</strong>srespeito àsnormas <strong>de</strong> higiene<strong>de</strong> alguns vizinhosAlguma insatisfaçãopelo <strong>de</strong>srespeito àsnormas <strong>de</strong> higiene<strong>de</strong> alguns vizinhos.Relações <strong>de</strong>vizinhança e re<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>Nenhum agrega<strong>do</strong>respon<strong>de</strong>u que tinhamá relação comos vizinhos.Nenhum agrega<strong>do</strong>respon<strong>de</strong>u que tinhamá relação comos vizinhos.Nenhum agrega<strong>do</strong>respon<strong>de</strong>u que tinhamá relação comos vizinhos.As relações <strong>de</strong> vizinhançaestão muitoligadas às relaçõesfamiliares existentese às festivida<strong>de</strong>s,que se tornamponto <strong>de</strong> encontroentre as famílias.As famílias per<strong>de</strong>ramum poucoa intensida<strong>de</strong> dasrelações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>e confiança queoutrora mantinham:o novo espaço nãopermite o contacto<strong>de</strong> rua que havia nabarraca e a operação<strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>ao redistribuir asfamílias pelas novashabitações, namaioria <strong>do</strong>s casos,não respeitou as relações<strong>de</strong> vizinhançapreexistentes.As famílias per<strong>de</strong>ramum poucoa intensida<strong>de</strong> dasrelações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>e confiança queoutrora mantinham:o novo espaço nãopermite o contacto<strong>de</strong> rua que havia nabarraca e a operação<strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>ao redistribuir asfamílias pelas novashabitações, namaioria <strong>do</strong>s casos,não respeitou as relações<strong>de</strong> vizinhançapreexistentes.As famílias per<strong>de</strong>ramum poucoa intensida<strong>de</strong> dasrelações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>e confiança queoutrora mantinham:o novo espaço nãopermite o contacto<strong>de</strong> rua que havia nabarraca e a operação<strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>ao redistribuir asfamílias pelas novashabitações, namaioria <strong>do</strong>s casos,não respeitou as relações<strong>de</strong> vizinhançapreexistentes.Hélia Bracons142


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICODIMENSÕES HINDUS LUSOS AFRICANOSO <strong>processo</strong> <strong>de</strong><strong>realojamento</strong>Descontentamentoface à rapi<strong>de</strong>z <strong>do</strong><strong>processo</strong>.Descontentamentoface à rapi<strong>de</strong>z <strong>do</strong><strong>processo</strong>.Descontentamentoface à rapi<strong>de</strong>z <strong>do</strong><strong>processo</strong>.O valor da rendaassume um aspetonegativo, a par <strong>de</strong>outros encargos.Quanto ao acompanhamentoe informaçõesprestadaspela entida<strong>de</strong> promotora<strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>,os entrevista<strong>do</strong>spossuem umasatisfação positiva.A maioria consi<strong>de</strong>raque a autarquia<strong>de</strong>sempenhou umbom trabalho.No que respeita àpreparação parao <strong>realojamento</strong>,não foi efetuadanenhuma sessão<strong>de</strong> esclarecimentoà população, factoque aparece sinaliza<strong>do</strong>no discurso<strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.O valor da rendaassume um aspetonegativo, a par <strong>de</strong>outros encargos.Quanto ao acompanhamentoe informaçõesprestadaspela entida<strong>de</strong> promotora<strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>,os entrevista<strong>do</strong>spossuem umasatisfação positiva.A maioria consi<strong>de</strong>raque a autarquia<strong>de</strong>sempenhou umbom trabalho.No que respeita àpreparação parao <strong>realojamento</strong>,não foi efetuadanenhuma sessão<strong>de</strong> esclarecimentoà população, factoque aparece sinaliza<strong>do</strong>no discurso<strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.O valor da rendaassume um aspetonegativo, a par <strong>de</strong>outros encargos.Quanto ao acompanhamentoe informaçõesprestadaspela entida<strong>de</strong> promotora<strong>do</strong> <strong>realojamento</strong>,os entrevista<strong>do</strong>spossuem umasatisfação positiva.A maioria consi<strong>de</strong>raque a autarquia<strong>de</strong>sempenhou umbom trabalhoNo que respeita àpreparação parao <strong>realojamento</strong>,não foi efetuadanenhuma sessão<strong>de</strong> esclarecimentoà população, factoque aparece sinaliza<strong>do</strong>no discurso<strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.O Papel <strong>do</strong> Serviço SocialComo verificámos, a atribuição da casa apresenta-se como um elementoimportante e fundamental para a mudança e promoção habitacional <strong>de</strong>stasfamílias, mas não é, por si só, suficiente para a melhoria e qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida e para a promoção pessoal e social global. Torna-se necessáriopensar em estratégias integradas <strong>de</strong> intervenção social que aproveitemas potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervenção <strong>de</strong>stas populações, e que possibilitem epromovam as suas capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resposta a estes <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> mudançae transformação.Hélia Bracons143


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOEsta intervenção passa obviamente pelo envolvimento e acompanhamentodas famílias nos <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o pré – <strong>realojamento</strong> àgestão habitacional.Um <strong>do</strong>s pontos on<strong>de</strong> a intervenção <strong>do</strong> Assistente Social inci<strong>de</strong>, é na valorizaçãoda auto-imagem <strong>do</strong>s indivíduos e também no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>stes investiremcom maior protagonismo na alteração das suas condições <strong>de</strong> vida.Qualquer ação <strong>de</strong>verá, no entanto, ter como objetivo a autonomização <strong>do</strong>sindivíduos e na valorização da imagem <strong>do</strong>s espaços on<strong>de</strong> habitam.As ações <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong> <strong>de</strong>veriam impulsionar uma reestruturação <strong>do</strong>smo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> forma a tentar evitar situações <strong>de</strong> assistência.Qualquer mudança, <strong>de</strong>verá passar pela organização e/ou revitalização davida coletiva <strong>do</strong>s <strong>bairro</strong>s, procuran<strong>do</strong> envolver ativamente a população,responsabilizan<strong>do</strong>-a sempre mais para a mudança e transformação efetivano senti<strong>do</strong> da promoção e integração social.Devemos partir sempre <strong>do</strong> princípio que as pessoas têm um potencial humanoilimita<strong>do</strong>, pelo que é sempre necessário que conheçamos a sua culturae o seu percurso existencial.Como refere Andra<strong>de</strong> (1992),”é através <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> campo, junto<strong>de</strong> organizações e populações, lento e continua<strong>do</strong>, que altera as representações,fomenta a participação direta, consciente, crítica, organizada esolidária <strong>do</strong>s habitantes na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. Eleva a capacida<strong>de</strong> críticanos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> agir. É um trabalho <strong>de</strong> informação, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s nos <strong>do</strong>mínios cognitivo, organizativo e relacional,que possibilita às populações o exercício <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> opção, <strong>de</strong>cisão eparticipação em <strong>do</strong>mínios da política <strong>de</strong> habitação que lhes dizem respeito”.Para que as políticas sociais tenham um papel <strong>de</strong> eficiência e <strong>de</strong> eficácianas respostas a dar, é necessário, um conhecimento profun<strong>do</strong> da realida<strong>de</strong>e <strong>do</strong>s grupos em presença, um conhecimento que implica um sabertécnico e profissionaliza<strong>do</strong>.O Assistente Social tem um conhecimento privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s grupos e dacomunida<strong>de</strong>, porque participa no quotidiano das populações, conhecen<strong>do</strong>por <strong>de</strong>ntro as suas carências, anseios, <strong>de</strong>sejos e potencialida<strong>de</strong>s. AoHélia Bracons144


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOpenetrar nos grupos, ao conhecer as suas estratégias, os seus lí<strong>de</strong>res,os seus problemas e as suas possibilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>tém o saber que vem <strong>de</strong><strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses grupos, o que o coloca <strong>num</strong>a posição privilegiada face aos<strong>de</strong>mais atores em presença.Tem também um papel importante como interlocutor, das necessida<strong>de</strong>se aspirações <strong>do</strong>s grupos com que trabalha, junto <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res instituí<strong>do</strong>s.Esta relação implica Po<strong>de</strong>r e Saber <strong>do</strong>s sujeitos em conflito. Só esse conhecimentolevará à análise da possibilida<strong>de</strong>, da oportunida<strong>de</strong> e da previsibilida<strong>de</strong>da ação, ou seja: o que fazer, quan<strong>do</strong> fazer, como fazer e porquefazer.É <strong>de</strong>veras importante a participação das populações etnicamente diferenciadas<strong>num</strong> <strong>realojamento</strong> bem-sucedi<strong>do</strong>, exigin<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> intervençãoespecíficos.Sem dúvida que é através da integração das especificida<strong>de</strong>s próprias <strong>de</strong>cada grupo humano na concetualização <strong>do</strong> seu habitat po<strong>de</strong>r-se-á contribuirpara um futuro mais igualitário e pleno <strong>de</strong> cidadania e uma socieda<strong>de</strong>mais multicultural.Hélia Bracons145


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOGLOSSÁRIO GUJARATIArti – ritual no qual uma lamparina é rodada à frente <strong>de</strong> uma divinda<strong>de</strong>.Brahman – sacer<strong>do</strong>te.Casta (jati) – significa grupos “puros”. Tradicionalmente as castas estãoassociadas a profissões.Cathá – história ou conto ritual.Dharma - lei religiosa, costume, <strong>de</strong>ver e a verda<strong>de</strong>.Diu – ex-colónia portuguesa.Fudamia – nome da casta <strong>de</strong> pedreiros da al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Fudam.Ganexa – o remove<strong>do</strong>r <strong>de</strong> obstáculos, o filho <strong>do</strong> Deus Shiva, com cabeça<strong>de</strong> elefante.Gujarate – língua indiana utilizada pelas famílias em causa. Utilizada noEsta<strong>do</strong> indiano com o mesmo nome.Koli – nome da casta <strong>de</strong> pedreiros.Havan – ritual <strong>de</strong> fogo.Ha<strong>num</strong>an – divinda<strong>de</strong> macaco, alia<strong>do</strong> a Rama.Lakshmi – <strong>de</strong>usa da sorte e da riqueza. Deusa consorte <strong>de</strong> Vishnu. É normalmenterepresentada como uma bela mulher <strong>do</strong>urada, quasesentada ou <strong>de</strong> pé sobre uma flor <strong>de</strong> lotus.Mandir – templo sagra<strong>do</strong>.Nortá – nome das festas em gujarati. São nove dias em que se canta edança em <strong>do</strong>is perío<strong>do</strong>s diferentes <strong>do</strong> dia.Hélia Bracons146


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICORama – encarnação <strong>de</strong> Vishnu. Tinha como objectivo a aniquilação <strong>de</strong> um<strong>de</strong>mónio, Ravana. Casou com Sita, encarnação <strong>de</strong> Lakshmi, esposa<strong>de</strong> Vishnu.Saris – vestuário das mulheres indianas.Sita - encarnação <strong>de</strong> Lakshmi, esposa <strong>de</strong> Vishnu.Shiva – representa a parte da violência e <strong>do</strong> perigo. Surge como o Deusselvagem, o Deus <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os excessos, é também o asceta seminu, sujo <strong>de</strong> cinzas, com caveiras à volta da cintura e um colar <strong>de</strong>serpentes. Consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o Deus da fertilida<strong>de</strong>.Vishnu – representa a misericórdia e a bonda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>tém o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mantero universo e o dharma (lei religiosa, costume, <strong>de</strong>ver e a verda<strong>de</strong>).Hélia Bracons147


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOBIBLIOGRAFIAEstatísticas Demográficas, 1995, 1996, 1997, 1998 e 1999, SEF - Serviço <strong>de</strong>Estrangeiros e Fronteiras, Lisboa.A.A.V.V. (1993), “O Serviço Social e as Autarquias”. In: Revista <strong>do</strong> ServiçoSocial, n º 5/6, APSS, Lisboa.A.A.V.V. (1992), A Construção <strong>do</strong> conhecimento no Serviço Social em Portugalna década <strong>de</strong> 60, Estu<strong>do</strong>s e Pesquisas, Departamento <strong>de</strong> Pós Graduação<strong>do</strong> ISSS, CRL.A.A.V.V. (1999), Urbanismo Loures Habitação, Câmara Municipal <strong>de</strong> Loures,Departamento <strong>de</strong> Administração Urbanística, Loures.ALBARELLO, L (1997) e outros; Práticas e méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> investigação emCiências Sociais, Lisboa, Gradiva.ALMEIDA, João F; PINTO, José Madureira (1990); A investigação nas CiênciasSociais, Editorial Presença, Lisboa.ANDER-EGG, Ezequiel (1987), Técnicas <strong>de</strong> investigacion social, El Ateneo,México.ANDRADE, Marília (1997), “O Esta<strong>do</strong>, a socieda<strong>de</strong> e a questão da habitaçãoem Portugal: o direito <strong>de</strong> habitar”, in Revista Intervenção Social n º 11/12,ISSS., Lisboa.ANDRADE, Marília (1992), “Serviço Social, habitação e autarquias: movimentoe liames da prática e da teoria”, Intervenção Social, nº 7, Lisboa,ISSS.ALVES, Marina e ÁVILA, Patrícia (1994), “Indianos em Portugal: Processo<strong>de</strong> (re)construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>”, in Dinâmicas Culturais, Cidadania e DesenvolvimentoLocal, Actas <strong>do</strong> Encontro <strong>de</strong> Vila <strong>do</strong> Con<strong>de</strong> da AssociaçãoPortuguesa <strong>de</strong> Sociologia, Lisboa, APS.AUGÉ, Marc (1998), Não lugares. Introdução a uma antropologia da sobremo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,Bertrand Editora.Hélia Bracons148


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOÁVILA, Patrícia (1994), “Comerciantes indianos na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa”, comunicaçãoao Colóquio “Minorias étnicas- a participação na vida da cida<strong>de</strong>”,Concelho Municipal das Comunida<strong>de</strong>s Imigrantes e das MinoriasÉtnicas <strong>do</strong> Concelho <strong>de</strong> Lisboa.BAPTISTA, Myrian Veras (2000), A Investigação em Serviço Social, CPIHTS,Veras Editora.BAPTISTA, Myrian Veras (1997), Novas perspectivas da participação na acção<strong>do</strong> Serviço Social, Março.BARDIN, L. (1979); Análise <strong>de</strong> Conteú<strong>do</strong>, Lisboa, Edições 70.BASTOS, Susana, BASTOS, José (1999), “Migração, etnicida<strong>de</strong> e reconstruçãoi<strong>de</strong>ntitária – uma abordagem pluri-meto<strong>do</strong>lógica das estratégiasi<strong>de</strong>ntitárias <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> hindu tricontinental resi<strong>de</strong>nte em Portugal”.In: Projecto <strong>de</strong> investigação: Portugal Plural – relatório final, vol.3,FCSH/FCT, Lisboa.BASTOS, Susana T. P., BASTOS, José G. P. (1999), Portugal multicultural,Fim <strong>de</strong> Século, Lisboa.BASTOS, Susana e BASTOS, José (1997), “O trabalho <strong>de</strong> terreno como crise– análise intercultural: uma reflexão polifónica sobre as vicissitu<strong>de</strong>s dapesquisa antropológica, em casal no Saurasthra”. In: Ethnologia, nova série,nº 6-8, págs. 123-145, FCSH / Departamento <strong>de</strong> Antropologia, Lisboa.BASTOS, Susana (1990), “Espaço <strong>do</strong>méstico, espaço simbólico e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>– um olhar sobre o viver indiano na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa”, In: Actas <strong>do</strong>Colóquio Viver na Cida<strong>de</strong>, Grupo <strong>de</strong> Ecologia Social <strong>do</strong> LNEC / Centro <strong>de</strong>Estu<strong>do</strong>s Territoriais <strong>do</strong> ISCTE, Lisboa.BASTOS, Susana T. P. (1990), A comunida<strong>de</strong> hindu da Quinta da Holan<strong>de</strong>sa,um estu<strong>do</strong> antropológico sobre a organização sócio espacial da casa,Grupo <strong>de</strong> Ecologia Social, LNEC, Lisboa.BILODEAU, Guy (1986), “Por uma real relação <strong>de</strong> aliança entre trabalha<strong>do</strong>rsocial e cliente”. In: Serviço Social e Socieda<strong>de</strong>, VII (21), Cortez, São Paulo.BOURDIEU, Pierre (1997), Razões práticas : sobre a teoria da acção, Celta.Hélia Bracons149


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOBRANCO, Francisco (1994), “Municípios e políticas sociais em Portugal”.In: Intervenção Social, nº12/12.BRAVO, Sierra (1987), Nocion y fundamento <strong>de</strong> la asignatura, Técnicas <strong>de</strong>Investigacion Social, Ed. Paradinfo, Madrid.CACHADA, Firmino, et al. (1995), Os números da imigração africana – os imigrantesafricanos nos <strong>bairro</strong>s <strong>de</strong>grada<strong>do</strong>s e núcleos <strong>de</strong> habitação social nosdistritos <strong>de</strong> Lisboa e Setúbal, DEDIAP/CEPAC, Ca<strong>de</strong>rnos CEPAC/2, Lisboa.CACHADO Rita d’Ávila (2008), Hindus da Quinta da Vitória em <strong>processo</strong> <strong>de</strong>Realojamento: Uma etnografia na cida<strong>de</strong> alargada. Tese <strong>de</strong> Doutoramentoem Antropologia Urbana, Lisboa, ISCTE (policopia<strong>do</strong>).Câmara Municipal <strong>de</strong> Lisboa (1994), Formas <strong>de</strong> gestão e organização <strong>de</strong><strong>bairro</strong>s sociais, CET, ISCTE.CARMO, Hermano; FERREIRA, Manuela Malheiro (1998), Meto<strong>do</strong>logia dainvestigação. Guia para auto aprendizagem, Universida<strong>de</strong> Aberta, Lisboa.CASSIS, Filomena e PEREIRA, Albano (1994), «Utilização <strong>do</strong> Espaço <strong>de</strong> Habitare Satisfação Resi<strong>de</strong>ncial - Bairro <strong>do</strong> Bugio», in: Socieda<strong>de</strong> e Território,Ed. Afrontamento, Porto.CASTRO, Paula e FREITAS, Maria João (1991), Contributos para o estu<strong>do</strong><strong>de</strong> grupos étnicos resi<strong>de</strong>ntes na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa – Vale <strong>do</strong> Areeiro, umestu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, Grupo <strong>de</strong> Ecologia Social, LNEC, Lisboa.CHOUDHURY, Amuradha Roma, “Hinduismo”. In HOLM, J; BOWKER, J.(-coord),Práticas <strong>de</strong> culto, Colecção Estu<strong>do</strong>s Religiosos, Publicações Europa América,Mem Martins.COELHO, António J.M. Baptista (1994), “É preciso integrar a habitaçãosocial na continuida<strong>de</strong> urbana”. In: Socieda<strong>de</strong> e Território, nº20, Afrontamento,Lisboa.COSTA, Alfre<strong>do</strong> Bruto da; PIMENTA, Manuel (1991), Minorias étnicas pobresem Lisboa, Lisboa, Departamento <strong>de</strong> Pesquisa Social, Centro <strong>de</strong> ReflexãoCristã.Hélia Bracons150


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICODIAS, Eduar<strong>do</strong> (1942), O Islão na Índia, Clássico Editora, Porto.DURKEIM, E. (1957), The elementary forms of the religious life, Allen &Unwin, Lon<strong>do</strong>n.ELIADE, Mircea (1993), Dicionário das Religiões, Publicações Dom Quixote,Lisboa.FALCÃO, Maria <strong>do</strong> Carmo (1997), Serviço Social: uma nova visão teórica,Cortez e Moraes, São Paulo.FALEIROS, Vicente <strong>de</strong> Paula (1999), Estratégias em Serviço Social, EditoraCortez, São Paulo.FALEIROS, Vicente <strong>de</strong> Paula (1987), Saber profissional e po<strong>de</strong>r institucional,Editora Cortez, S. Paulo.FERNANDES, António Teixeira (1995), “Etnicização e racização no <strong>processo</strong><strong>de</strong> exclusão social”. In Sociologia, vol. V, Revista da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras,Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto.FERREIRA, António Fonseca (1994), “Habitação e urbanismo: lições e prevençõespara o PER”. In: Socieda<strong>de</strong> e Território, nº 20, Afrontamento, Lisboa.FERREIRA, António Fonseca (1994), Evolução das políticas <strong>de</strong> habitaçãoem Portugal, Livro Branco <strong>de</strong> Habitação.FRADA, João José Cúrio (1995), Guia prático para elaboração e apresentação<strong>de</strong> trabalhos científicos, Edições Cosmos, Lisboa.FREITAS, Maria João (1994), “Os para<strong>do</strong>xos <strong>do</strong> Realojamento”. In: Socieda<strong>de</strong>e Território, nº 20, Afrontamento, Lisboa.FREITAS, Maria João; CASTRO, Paula (1991), Contributos para o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>grupos étnicos resi<strong>de</strong>ntes na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa, LNEC, Lisboa.FREITAS, Maria João (1990), Satisfação resi<strong>de</strong>ncial e atitu<strong>de</strong>s face ao <strong>realojamento</strong>– estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma amostra <strong>de</strong> indivíduos resi<strong>de</strong>ntes no Bairro <strong>do</strong>Relógio, LNEC, Lisboa.Hélia Bracons151


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOFRIEDMANN, Jonh (1996), Empowerment. Uma política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoalternativo, Celta, Oeiras.GHIGLIONE, R; MATALON, B. (1983); O inquérito – teoria e prática, Celta,Oeiras.GIL, António Carlos (1989), Como elaborar projectos <strong>de</strong> pesquisa, EditoraAtlas, S. Paulo.GLAZER, Nathan e MOYNIHAN, Daniel P. (1993), Ethnicity, theory and experience,Harvard University Press, Cambridge.GONÇALVES, Helena Seita (1994), “I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s culturais <strong>num</strong> <strong>bairro</strong> <strong>de</strong>habitação social”, Sociologia problemas e práticas, n.º 16, ISCTE, Lisboa.GONÇALVES, Jorge Manuel (1995), “Usos e abusos <strong>do</strong> urbanismo contemporâneo”In: Socieda<strong>de</strong> e Território, nº21, Afrontamento, Lisboa.GROS, Marielle (1994), “Pequena história <strong>do</strong> alojamento em Portugal”. In:Socieda<strong>de</strong> e Território, nº20, Afrontamento, Lisboa.SILVA, José Carlos Gomes da (1989), A I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> roubada – ensaios <strong>de</strong>antropologia social, Gradiva, Lisboa.GUERRA, Isabel (1998), “Grupos Sociais, formas <strong>de</strong> habitat e estrutura <strong>do</strong>mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida”. In: Socieda<strong>de</strong> e Território, n º 25/26, Lisboa, Afrontamento.GUERRA, Isabel (1997), “Um olhar sociológico sobre o alojamento”. In: Sociologia-Problemas e Práticas, n.º 24:165-181.GUERRA, Isabel (1994), “As pessoas não são coisas que se ponham emgavetas”. In: Socieda<strong>de</strong> e Território, nº 20, Afrontamento, Lisboa.HALL, Stuart (1997), A I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural na pós mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, ColecçãoI<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e Cultura na Pós Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, DPA&A Editora, Rio <strong>de</strong> Janeiro.JACKSON, John A. (1991), Migrações, Lisboa, Escher.JONES, James (1973), Racismo e preconceito, São Paulo, Ed. Edgard Bluchar,Ltd.Hélia Bracons152


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOLEACH, Edmund (1982), A diversida<strong>de</strong> da Antropologia, Edições 70, Lisboa.LÉVI-STRAUSS, Clau<strong>de</strong> (1996), Raça e história, Editorial Presença, Lisboa.LIEBKIND, K. (1989), “Conceptual approaches to ethnic i<strong>de</strong>ntity”. In: LIEBKIND, K. (ed.), New I<strong>de</strong>ntities in Europe, Billig and Sons, Worcester .LYNCH, Kevin (1982), A Imagem da cida<strong>de</strong>, Lisboa, Edições 70.MACHADO, Fernan<strong>do</strong> Luís (1997), “Contornos e especificida<strong>de</strong>s da imigraçãoem Portugal ”. In: Sociologia – Problemas e Práticas, n.º 24.MAGALHÃES, Maria Inês M. <strong>de</strong> Melo (1994), Goeses em Lisboa, Tese <strong>de</strong>Mestra<strong>do</strong>, UA, Lisboa.MALHEIROS, Jorge Macaísta (1996), Imigrantes na região <strong>de</strong> Lisboa – osanos da mudança, Colibri, Lisboa.MANN, Peter, H. (1983), Méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> investigação sociológica, Zahar Editores,Rio <strong>de</strong> Janeiro.MARQUES, Maria Margarida; SANTOS, Rui; PINTO, Maria Luís Rocha(1998), Realojamento e Integração Social. A População <strong>do</strong> Vale <strong>de</strong> Algésperante uma operação <strong>de</strong> requalificação urbana, Edições Colibri, Lisboa.MARTINELLI, Maria Lúcia (1999); Pesquisa qualitativa, um instigante <strong>de</strong>safio,Veras Editora, S. Paulo.MATIAS, Maria Aurora (1996), “Escolas <strong>de</strong> Serviço Social – Funcionamento<strong>de</strong>mocrático e aprendizagem da cidadania”. In: Intervenção Social e DireitosHumanos, n.º 13/14, ISSS, Lisboa.MATOS, Ana Maria <strong>de</strong> Saint-Maurice Correia <strong>de</strong> (1994), Reconstrução dasi<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s no <strong>processo</strong> <strong>de</strong> emigração: a população cabo-verdiana resi<strong>de</strong>nteem Portugal, ISCTE, Lisboa.MELO, Romeu <strong>de</strong> (1978), Ensaio sobre a Cultura, Moraes Editores.MENDES, Maria Clara (1997), A Política <strong>de</strong> habitação: evolução recente,situação actual e perspectivas, Conselho Económico e Social, Lisboa.Hélia Bracons153


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOMORAIS, Faria <strong>de</strong> (1994), A Índia e as castas, Divisão <strong>de</strong> Publicações e Biblioteca,Agência Geral das Colónias, Lisboa.MOREIRA, C.D (1997), Planeamento e estratégias <strong>de</strong> investigação social,ISCSP, Lisboa.MOREIRA, C.D. (1996), I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e diferença. Os <strong>de</strong>safios <strong>do</strong> pluralismocultural, ISCSP, Lisboa.MOREIRA, C. D. (1993), A experiência <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> campo, ISCSP, Lisboa.NEGREIROS, Maria Augusta (1995), As Representações sociais da profissão<strong>de</strong> Serviço Social – uma análise empírica em contexto autárquico,ISSS, Lisboa.PELLENC, Jean (1945), A Índia <strong>do</strong>s marajás, Livraria Tavares Martins, Porto.PEREZ, Rosa Maria (1994), Reis e intocáveis: um estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong>castas no norte da Índia, Celta Editora, Oeiras.PINTO, Carla (1998), Empowerment. Uma prática <strong>de</strong> Serviço Social, ISCSP,Lisboa.PINTO, Teresa (1994), “A apropriação <strong>do</strong> espaço em <strong>bairro</strong>s sociais. O gostopela casa e o <strong>de</strong>sgosto pelo <strong>bairro</strong>”. In: Socieda<strong>de</strong> e Território, n.º 20,Afrontamento, Lisboa.PIRES, Rui Pena (1999), “A imigração”. In: BETHENCOURT, Francisco;CHAUDHURI, Kirti (org); História da expansão portuguesa, vol. 5, Circulo<strong>de</strong> Leitores, Lisboa.POIRIER, J; VALADON, S. Chapier (1996); Histórias <strong>de</strong> vida, Oeiras, Celta.PORTAS, Nuno (1995), “Breves comentários ao <strong>de</strong>bate sobre o PER“. In:Socieda<strong>de</strong> e Território, n.º 21, Afrontamento, Lisboa.QUIVY, Raymond; CAMPENHOUDT, Luc Van (1992), Manual <strong>de</strong> investigaçãoem ciências sociais, Gradiva.RAMADA, P.V (1992); The bases of minority i<strong>de</strong>ntity, Human Rights Quarterly,vol.14.Hélia Bracons154


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICORAMOS, Maria <strong>do</strong> Rosário (1992), Comunida<strong>de</strong> Hindu Gujarati <strong>de</strong> Lisboa:uma análise antropológica <strong>do</strong> casamento entre as castas Loaran e Khaniá,FCSH/UNL, Lisboa.RIVIÉRE, Clau<strong>de</strong> (1995), Introdução à Antropologia, Edições 70, Lisboa.ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz (1995), Sociologia das migrações, Universida<strong>de</strong>Aberta, Lisboa.SÁ, Henrique Oliveira (1975); Política <strong>de</strong> habitação, Colecção Teoria e Práticas,Diabril.SAINT-MAURICE, Ana (1997), I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s reconstruídas – Cabo-verdianosem Portugal, Celta, Oeiras.SILVA, Augusto Santos; PINTO, José Madureira, Meto<strong>do</strong>logia das ciênciassociais, Edições Afrontamento, Porto.SILVANO, Filomena (2000), Antropologia <strong>do</strong> espaço, Celta, Oeiras.SILVANO, Filomena (1997), Territórios da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, Celta, Oeiras.SOUTA, Luís (1997), Multiculturalismo e educação, Profedições.TAYLOR, Charles (1998), Multiculturalismo, Instituto Piaget, Lisboa.TEIXEIRA, Maria Lucinda Figueira Barros <strong>de</strong> Abreu (1987), A Comunida<strong>de</strong>Hindu da região <strong>de</strong> Lisboa, FCSH/UNL, Lisboa.WARNIER, Jean Pierre (2000), A mundialização da cultura, Editorial Noticias,Lisboa.WATERSTONE, Richard (1996), O espírito da Índia, Temas e Debates.Hélia Bracons155


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOAPÊNDICES E ANEXOSAPÊNDICE IGUIÃO DE ENTREVISTAQuestão <strong>de</strong> Partida:De que forma as famílias realojadas <strong>de</strong> origem indiana, africana e lusase apropriam <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico, bem como <strong>do</strong> espaço envolvente no<strong>bairro</strong> social na Av. Alfre<strong>do</strong> Bensaú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as suas referênciasculturais e religiosas?Eixo <strong>de</strong> análiseRealojamento. Apropriação <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>méstico. Re<strong>de</strong>s familiares. Referênciareligiosa.ObjetivoConhecer e aprofundar os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> apropriação e organização <strong>do</strong> espaço<strong>do</strong>méstico, bem como a organização familiar e o contexto religioso dasfamílias existentes no novo <strong>bairro</strong>.Questões- Resi<strong>de</strong> nesta casa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quan<strong>do</strong>?- Quem vive atualmente nesta casa?- Consi<strong>de</strong>ra que a habitação tem o número <strong>de</strong> divisões suficientespara a sua família?- Que divisões da casa utilizam para os momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso?Hélia Bracons156


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO- Em que divisão da casa os vários elementos da sua família convivemnormalmente?- Em que divisão da casa tomam as refeições?- Consi<strong>de</strong>ra que a habitação tem espaços suficientes para to<strong>do</strong>s osmembros da família?- Qual o espaço da casa que mais gosta <strong>de</strong> estar?- Qual o espaço da casa que gostava que tivesse mais espaço?- Qual a diferença <strong>de</strong> apropriação habitacional na barraca e no apartamento?O que mu<strong>do</strong>u?- Fale da sua experiência relativamente à nova casa.- Como sonha ou fantasia a nova casa?- O que vai comprar <strong>de</strong> novo? O que comprou <strong>de</strong> novo para a sua novacasa?- Consi<strong>de</strong>ra que a relação com a sua família é boa?- Quem acompanha os filhos à escola?- Quan<strong>do</strong> estão <strong>do</strong>entes quem acompanha os vossos filhos?- Quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> sobre as compras que precisa fazer para a sua casa?Em relação à alimentação e às mobílias e bens <strong>do</strong>mésticos.- Quem limpa a casa?- Quem faz as refeições?- Quem lava a loiça?- Quais os elementos da família que trabalham?- Qual a profissão?Hélia Bracons157


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO- Quan<strong>do</strong> é necessário recorrer aos serviços para tratar <strong>de</strong> problemasfamiliares quem da sua família vai?- Para além <strong>de</strong> falar português que línguas fala?- On<strong>de</strong> utiliza as línguas que fala?- Verificámos também que têm formas <strong>de</strong> vestir diferentes <strong>do</strong>s nossos,os vossos filhos mantêm também essa forma <strong>de</strong> vestir?- Tem outros familiares a residir aqui no <strong>bairro</strong>?- Se não, e em Portugal?- E outras pessoas amigas?- Costuma encontrar-se?- Com que frequência?- Em que espaço?- Tem alguma religião?- É praticante?- Com que frequência?- Fez algum ritual antes <strong>de</strong> entrar na nova casa? O que significa?Eixo <strong>de</strong> AnáliseRe<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sociabilida<strong>de</strong> e Inter-ajuda.ObjetivoCompreen<strong>de</strong>r a forma como os diferentes grupos culturais presentes serelacionam entre si.Hélia Bracons158


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOQuestões- Sente-se satisfeito por viver neste local?- Consi<strong>de</strong>ra que a sua relação com os vizinhos é boa?- Convive com as outras pessoas <strong>do</strong> <strong>bairro</strong>?- Qual a vossa relação? Dá-se bem com os vizinhos to<strong>do</strong>s? Com quemse dá melhor? Como se tratam uns aos outros?- On<strong>de</strong> se encontram para conviver?- Os seus filhos brincam com os filhos <strong>do</strong>s seus vizinhos?- Se em alguma ocasião precisar <strong>de</strong> ajuda, a quem vai pedir apoio?- Quem são as pessoas que a <strong>de</strong>ixam mais insegura?- Existem conflitos?- Alguma vez foi convida<strong>do</strong> para alguma cerimónia ou festivida<strong>de</strong>?Eixo <strong>de</strong> análiseRealojamento. Apropriação <strong>do</strong> Espaço.ObjetivoAnalisar a satisfação resi<strong>de</strong>ncial <strong>do</strong>s novos mora<strong>do</strong>res dirigida à casa e ao<strong>bairro</strong> compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a forma que os sujeitos avaliam e percecionam oseu espaço habitacional.Questões- Na sua casa consi<strong>de</strong>ra que tem tu<strong>do</strong> o que precisa?- Teve necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptações na sua casa?Hélia Bracons159


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICO- Está satisfeito com a habitação?- Existe um centro <strong>de</strong> tempos livres para as crianças. Que outro tipo<strong>de</strong> respostas acha que <strong>de</strong>veria existir?- O <strong>bairro</strong> é servi<strong>do</strong> com alguns meios <strong>de</strong> transporte. Acha que sãosuficientes?Eixo <strong>de</strong> análiseRealojamento.ObjetivoPerceber <strong>de</strong> que forma o <strong>realojamento</strong> foi efetua<strong>do</strong> e <strong>de</strong> que mo<strong>do</strong> trouxemelhorias efetivas nas condições <strong>de</strong> vida e bem-estar <strong>de</strong>sta população.Questões- Como correu a relação com a Autarquia relativamente ao <strong>realojamento</strong>?- Quais os aspetos bons e menos bons no <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>?- Como foi efetua<strong>do</strong> o <strong>realojamento</strong>?- Deu algum contributo na ação <strong>de</strong> <strong>realojamento</strong>? Como?- Sente <strong>de</strong> alguma forma que tenha participa<strong>do</strong> no seu <strong>processo</strong> <strong>de</strong><strong>realojamento</strong>? Como?- Se não, que contributos consi<strong>de</strong>ra que podia ter da<strong>do</strong>?Hélia Bracons160


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOANEXO IMAPA DE LOCALIZAÇÃO (FREGUESIA DA PORTELA)Hélia Bracons161


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOANEXO IIMAPA DO BAIRRO QUINTA DA VITÓRIA POR GRUPOS ÉTNICOSHélia Bracons162


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOANEXO IIIMAPA DOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAISEXISTENTES NO BAIRRO QUINTA DA VITÓRIABarraca n.º 7 – Mercearia (Indianos)Barraca n.º 21 – Mercearia (Indianos)Barraca n.º 94 – Mercearia (Indianos)Barraca n.º 95 – Taberna (Africanos)Barraca n.º 117 – Mercearia (Indianos)Barraca n.º 125 – Taberna (Africanos)Barraca n.º 176 – Mercearia e Peixaria (Indianos)Barraca n.º 329 – Mercearia (Indianos)Barraca n.º 411 – Taberna (Africanos)Hélia Bracons163


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOHélia Bracons164


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOANEXO IVMAPA DAS ASSOCIAÇÕES E LOCAIS DE CULTO EXISTENTES NOBAIRRO QUINTA DA VITÓRIABarraca n.º 53 – Associação APOIAR 5 (Africanos)Barraca n.º 88 – Associação <strong>de</strong> Mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Bairro (Indianos)Templo – Mandir HinduHélia Bracons165


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOHélia Bracons166


PROCESSO DE REALOJAMENTO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NUM BAIRRO MULTI-ÉTNICOANEXO VMAPA DO BAIRRO QUINTA DA VITÓRIA APÓS A DEMOLIÇÃO DASBARRACAS DAS FAMÍLIAS REALOJADAS NESTA FASE (ABRIL 2003)Hélia Bracons167

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!