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Um olhar em direção à narrativa contemporânea ... - PUC Minas

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Maria Teresa Salgadoportamentos das personagens que se cruzam. Ele, o pai de família, que se transforma<strong>em</strong> assassino, busca “desenrascar o sustento da família com um mínimo dedignidade” (MOMPLÉ, 2000, p. 140), como se enuncia na <strong>narrativa</strong>. Ela – a vizinhae test<strong>em</strong>unha do assassinato – vive <strong>à</strong>s custas de um amante do qual não gosta,mas de qu<strong>em</strong> procura arrancar todo o dinheiro possível e a qu<strong>em</strong> só deseja trair.A ironia do título do conto – “Stress” – acentua ainda mais a discrepância entreaparência e realidade, apontando para o descompasso entre mundos completamenteestranhos um ao outro. Nesse sentido, recordamo-nos do po<strong>em</strong>a “Ninguém” – deCraveirinha (1982) – <strong>em</strong> que a ironia também nos atinge como um soco no estômago,conscientizando-nos e aproximando-nos de uma realidade dolorosa.Há muitos anos, a literatura moçambicana já disse a que veio, revelando maturidadee força, ainda que o número de romancistas não seja tão expressivo quantoo da literatura angolana. Nos últimos anos, assistimos a um estágio fundamentalna superação da dependência. No entender de Antonio Candido (1987, p. 153),a superação da dependência constitui-se na capacidade que uma literatura apresentade produzir obras de primeira ord<strong>em</strong> influenciadas não por modelos estrangeirosimediatos mas por ex<strong>em</strong>plos nacionais anteriores. Foi o que aconteceucom os criadores do nosso Modernismo brasileiro e é o que v<strong>em</strong> acontecendocom a Literatura Moçambicana cont<strong>em</strong>porânea. Tanto no campo da ficção quantono campo da poesia, muitos escritores moçambicanos têm se voltado para osmodelos nacionais, tornando mais fecundos os <strong>em</strong>préstimos tomados a outrasculturas, tornando cada vez mais próprio o alheio. Por outro lado, as observaçõesque acabo de fazer revelam a preocupação que os narradores moçambicanosapresentam <strong>em</strong> relação a sua interpretação num espaço o mais amplo possível,s<strong>em</strong>, contudo, abrir mão do diálogo com o espaço moçambicano.Refletindo com Appiah, Russell Hamilton 16 chama a nossa atenção para omodo como os escritores moçambicanos escrev<strong>em</strong> sobre a condição humana apartir da perspectiva de seus países e de seu continente. Eles produz<strong>em</strong> obras querejeitam o projeto nacionalista da burguesia nacional pós-colonial. Mas essa rejeiçãodas ideologias e bandeiras sociais não associa tais obras ao pós-modernismo.Significa, antes, um compromisso com uma causa maior, com o sofrimento africano,que, ao fim e ao cabo, é, antes de tudo, o sofrimento humano. Significa, também,um questionamento a propósito do que o cânone denomina como universale de bom gosto. Significa, enfim, uma indagação a propósito do papel da literatura.16Palestra proferida na A<strong>em</strong>o <strong>em</strong> outubro de 2003. O professor Hamilton se refere ao capítulo “Opós-colonial e o pós-moderno” do texto Na casa de meu pai, Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.306 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 8, n. 15, p. 297-308, 2º s<strong>em</strong>. 2004

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