Um olhar em direção à narrativa contemporânea ... - PUC Minas
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Maria Teresa SalgadoQuando propõe o prazer do jogo e da brincadeira, os textos de Mia nos faz<strong>em</strong>também uma proposta de meditação sobre a existência de mundos profundamentedesiguais e assimétricos. Isso significa que, ao dialogar com os váriossubstratos lingüísticos e culturais de seu país, o autor transforma Moçambiqueno local da cultura, no sentido de Bhabha (1998, p. 22), fazendo do país um cenário<strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático, onde se encena um grande <strong>em</strong>bate entre as diferenças culturais,abrindo-se a possibilidade para um hibridismo cultural que acolhe a diferenças<strong>em</strong> uma hierarquia suposta ou imposta.Desse modo, mesmo o leitor que desconhece as circunstâncias sociais e políticase culturais do país africano é levado a participar, <strong>em</strong> alguma instância, do diálogolúdico que seu texto propõe. Pois este se funda na recuperação da palavracom todas as suas potencialidades e ambivalências.Como Mia, Paulina Chiziane, Ba Ka Khosa e Lília Momplé se deram conta daimportância de se valorizar as múltiplas vozes e cruzamentos culturais que faz<strong>em</strong>parte do universo moçambicano. Diante do dirigismo que atingiu a produção literáriano pós-independência, esses escritores também buscaram novos caminhose experiências ficcionais. A necessidade de ferir e atingir a língua do colonizadornão é mais a primeira preocupação do escritor. Entretanto, a afirmaçãoidentitária permanece como um ponto central na discussão de todos esses autores,articulando-se a questões como raça, etnia, religião, regionalismo e gênero.Como observa Russell Hamilton, 4 pensando com Appiah: os escritores póscoloniaiscaminham <strong>em</strong> <strong>direção</strong> ao futuro, olhando para trás, isto é, com seus<strong>olhar</strong>es fixos no passado colonial. Em outras palavras, estão ligados ao fenômenocolonial, mas voltam-se para questões que interessam <strong>à</strong> condição humana <strong>em</strong>qualquer parte do planeta. Não abr<strong>em</strong> mão de t<strong>em</strong>as que só aparent<strong>em</strong>ente diz<strong>em</strong>respeito exclusivo ao espaço africano. Entretanto, quase todos os recém-citadosescritores moçambicanos declaram, <strong>em</strong> entrevistas e depoimentos, 5 o quantoesse mundo das antigas tradições banto integra suas vidas e influencia suas produções.A escritora Paulina Chiziane, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> O sétimo juramento (2000) eNiketche (2002) coloca-nos, respectivamente, diante do mundo religioso mágico-espirituale das práticas sociais de poligamia, resgatando e recriando as tradiçõesreligiosas e culturais de Moçambique. Tais obras, <strong>em</strong>bora distintas, têm comodenominador comum a crítica a uma burguesia urbana moçambicana, desmascarandoos comportamentos de uma sociedade patriarcal (LEITE, 2003, p. 69).4Palestra proferida na A<strong>em</strong>o <strong>em</strong> outubro de 2003.5Refiro-me aos depoimentos prestados no livro de Patrick CHABAL (1994) e <strong>à</strong>s entrevistas de Moçambique:encontro com escritores, de Michel LABAN (1998).300 SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 8, n. 15, p. 297-308, 2º s<strong>em</strong>. 2004