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ADALINO CABRAL ADALINO CABRAL

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seus alunos sobre a guerra do Vietname, oque lhes dizia ou que experiência lhes contaria?AC — Diria que ninguém quer morrer;que ninguém precisa de morrer na guerra; queninguém tem o direito de matar, que não hájustificação suficiente. Uma pinga de sangueé realmente demais. Que lutem pela justiçasocial, e através do trabalho árduo, a paz globalsoborear-se-á. Que se abracem em vez dese matarem; que cantem juntos em harmonia.Que, afinal, este mundo não pertence aninguém, mas a nos todos. Abaixo com a guerra!Viva a Paz!MP — Como é que surgiu a ideia de escrevero livro com Mayone Dias?AC — Uma vez o Eduardo estava a falarcomigo e mencionou, e até me convidou, aparticipar numa ideia que achei ter muito valor:entrevistar alguns ex-combatentes da guerrado Vietname. Aceitei logo, e desde então...Conheço o Eduardo há praticamente 30 anose sempre gostei dele como colega, mas sobretudocomo óptimo Amigo. Note que queroque se escreva amigo com um “A” maiúsculo.Não faltam “a”migos na vida, mas são raros epoucos os “A”migos. O Eduardo sempre foium deles e sempre será. O Mestre é modesto,mas a verdade e só uma. E agora, graças aosgrandes esforços, do nosso editor, José BatistaBrites, tambem “A”migo de primeiro plano,tanto meu como do Eduardo, da Editora PeregrinaçãoPublications, Inc. (E-mail:j b r i t e s @ p e r e g r i n a c a o . c o m ,www.peregrinacao.com) de East Providence,E N T R E V I S T A“Num pais tão rico, há veteranos a pedir pão, adormir na rua, a morrerem à fome ou alcoólicos...”Cabral na base, preparando a defesaRhode Island, EUA, foi possível a publicação.O livro está prestes a chegar às prateleiras detodas as bibliotecas e casas, quer em terras americanas,quer em portuguesas,brasileiras, caboverdianase por aí fora...MP — Explique resumidamentede que tratao livro.AC — São entrevistascom emigrantes portuguesesque serviram naguerra do Vietname, queforam, digamos, “transplantados”para outropaís, desta vez para lutarnuma guerra envolvendoo país acolhedor. A verdadeé que todos serviramcom aquele sentido deobrigação; aliás, uma vezem terra nova, teremosque defendê-la. Procurou-seidentificar os sentidosmais sentidos dosprazeres, medos, sofrimentos;procurou-se a opinião de cada homem;procurou-se espelhar os horrores deoutrora com a finalidade de os guardar ou documentarpara sempre em forma de livro, paraque a História possa, finalmente, ter conhecimentodum passado vinagroso numa guerraescusada em que também o nosso povo participouem prol dos princípios americanos.MP — Foi fácil fazer as entrevistas com osCabral com as crianças do orfanato vietnamitaveteranos luso-americanos? Ainda se notam ostraumas dessa guerra em alguns deles?AC — Para mim, cada entrevista foi outraguerra. Não foi nada, mesmo nada fácil.Cada lágrima nos olhos dos meus irmãos, caíapelos meus olhos abaixo. Todos os que forampara a guerra foram-no como jovens, rapazes.Todos os que regressaram, vieram já como homens.Traumas? Alguns regressaram feridos fisicamente.Outros magoados mentalmente, emuitos — mais de 58.200 — em caixões. Ospróprios hospitais dos Veteranos nos EUAestão cheios. Há uma media de 3 milhões deindivíduos desalojados neste país. Segundouma sondagem, cerca de 90% deles são excombatentesda guerra do Vietname. Que tragédia,santo Deus! Num pais tão rico — omais rico no mundo! — há veteranos a pedirpão, a dormir em bancos nos parques de cidades,a morrerem a fome, a morrerem comoalcoólicos. E, ainda por cima, calcula-se queo número de ex-combatentes que cometeramsuicídio devido à guerra seja de cerca de200.000 (sim, duzentos mil!) Os vivos — sejalá quem for — não podem nunca olvidar aguerra. E quem diz os nossos que regressaramdo Vietname, diz todos os outros em todas asguerras, o que nos faz lembrar os nossos irmãosportugueses na guerra colonial em Áfricana mesma altura do Vietname.MP — Acha que a contribuição lusoamericanapara as várias guerras americanase mundiais tem sido devidamente apreciadae reconhecida pelos dois governos, dos EU ede Portugal?Mundo Português 24 October 2000


E N T R E V I S T AAC — Houve — e ainda há sem sombrade dúvida — muitos ex-combatentes a sofrer,tanto em solo português como americano. Porexemplo, os ex-combatentes portugueses queemigraram para os EUA não receberam umescudo que fosse pelas dores físicas e psicológicasque sofreram e sofrem. Se bem quePortugal, há pouco, finalmente descerrou omonumento aos que tombaram na guerra colonial,os nomes de mais de 9.000 portuguesesgravados naquele muro em Belém justificam-setanto como os mais de 58.200 no muroem Washington DC. O derrame, que seja umpingo apenas, de sangue humano é sempredemais! Os EUA tomaram medidas, emborano princípio não imediatas, para que se pudessetratar dos ex-combatentes da guerra doVietname. Cá nos states podemos receber tratamentosfísicos e psiquiátricos. Já os portuguesesque cá estão, não o podem fazer. Sãoportugueses fora de Portugal. Não pertencemao grupo das forças armadas americanas, portantonão podem beneficiar dos serviços médicosdos hospitais dos Veteranos. Aliás, se necessitamde tratemento psiquiátrico devido àguerra em África (e julgo que tantos devemprecisar!) têm de pagar do seu próprio bolso.Portugal não é um país rico, mas quem nãoolha pelos filhos que derramaram tanto sanguee continuam a sofrer traumaticamentedevido ao “sindroma político de “tudo-quero-e-nada-tenho”,não pode ser bom pai oumãe. Com milhões de emigrantes portuguesesespalhados por todos os quadrantes destemundo que só Deus é que soube criar, estouconvencido de que os governos poderiam fazermuito mais perante a nossa comunidade.Por isso, precisamos de nunca deixar apagaraquele espírito de lutar sempre em prol donosso POVO. E o Governo deve estar sempre,e justamente, à frente da luta, não atrás!MP — Quantos foram os luso-americanosque serviram a América no Vietname? Equantas as vítimas?AC — Quanto às vitimas (mortos) registam-secerca de cem nomes no muro de granito(Vietname Veteranos Memorial) em WashingtonD.C. Agora, deve haver outros descendentescujas mães são portuguesas e paisamericanos, e por isso não se sabe, à primeiravista, por não ser nome tipicamente português,que são portugueses ou luso-descendentes.No que diz respeito ao número total deportugueses que serviram na guerra, não háum número exacto, mas sugiro que milhares.Ora, num país destes temos portugueses emcada um dos 50 estados, embora a maioriaresida nas costas Atlântica e Pacífica. Sem duvida,milhares serviram e escaparam fisicamente.Mas, como outros, tantos sofrem, e continuama sofrer, fisica e psicologicamente.MP — O Adalino é um defensor acérrimoda genuína cultura e dos valores portugueses.De onde lhe vem esse profundo gostopelo que é nosso, depois de tantos anosna América?AC — Dos pés a cabeça,sempre fui, sou, e sempre sereiportuguês. Posso viver e trabalharem terras do Tio Sam, masnunca paro de ser o que sou —Português. A nossa cultura é velhae rica. Merece sobreviver emterras novas. Pois, se a culturavive, o povo também vive. Se elamorre, também morre o povo.Repito o que um amigo quequeria entrar no seminário comigo(ironicamente ele entroue eu não! Casei!) sempre me dizia:“Adalino: procura semprechegar às estrelas, mas NUN-CA te esqueças quem és.” (RIPcaro “A”migo ER). Já me perguntaramse realmente vale apena. A minha resposta é talqual como a do nosso grandeFernando Pessoa: “Tudo vale apena se a alma não é pequena!”.E se me aguento a viver, apoiare respirar a nossa cultura, cito, então o grandeépico Luis Vaz de Camões: quero “estar presopor vontade!”MP — O que tem a dizer sobre a nossacomunidade portuguesa na América?AC — Somos tantos, mas poucos. Háquem diga que a união faz a força. Eu sou umdeles. Mas, digo ainda que se todos puxassemmais pela mesma corda em vez de puxarempela corda que lhe melhor convém — e aquié preciso sermos honestos! — teríamos umacomunidade super-forte em todas as principaisinstituições dos nossos países acolhedores.O que tenho visto, e digo isto com dor, éAgosto de 1968. Cabral prepara-se para seguir para Cam RanhQuebra-BilhasBAR & RESTAURANTCozinha portuguesa e espanholaA CASA DO FADOque a inveja tem destruído muito dentro danossa comunidade. Ela existe, e é manifestadasecretamente — às vezes pelos mais poderosos— quando as fangas venenosas se metemà competição. Digo o que me já foi ditovarias vezes:“Menino, este mundo não é teu — é nosso.”E quem se encontra na posição de ajudar,então deve fazê-lo, mas fazê-lo sem nunca esperarpor dádivas. E quem não quiser fazer,pelo menos deixe os outros fazerem. Porqueao fim e ao cabo, “esta vida é uma meia dúziade dias” como diz sempre o meu querido pai— ainda estudante da Universidade da Vida.51 Pacific Street, Newark, NJ 07105Tel. (973) 465-0005Mundo Português 25 October 2000

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