Boletim_A4_4páginas_ENAE_Asa_Xokó
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Ainda de forma organizacional, a comunidade Indígena <strong>Xokó</strong>, conta com um Conselho Tribal e Conselho de Saúde,<br />
que contribuem nas decisões da comunidade. Com relação à educação, a escola, que tem como nome Dom José<br />
Brandão de Castro, possui projetos que realizam aulas de artesanato e produção de colares para as crianças da<br />
comunidade. Além disso, segundo o Cacique Bá, as professoras da escola devem introduzir nas disciplinas, de forma<br />
interdisciplinar, a história de luta da comunidade, que não está nos livros escolares, para que as crianças conheçam<br />
um pouco do histórico da sua localidade e o que as suas famílias viveram para conseguirem conquistar a terra que<br />
hoje vivem.<br />
PORTO DA FOLHA/SE<br />
MEMÓRIA, HISTÓRIA E<br />
RESGATE CULTURAL<br />
“Toda vitória foi baseada na nossa história de luta e resistência”<br />
Heleno <strong>Xokó</strong><br />
É na comunidade Ilha de São Pedro, localizada no município de Porto da Folha/SE, às margens do Rio São Francisco,<br />
que se encontra a aldeia indígena <strong>Xokó</strong>, onde habitam 117 famílias com 363 pessoas, vivendo em um território de<br />
4.317 hectares.<br />
Frente da escola indígena que leva o nome de<br />
Dom José Brandão de Castro<br />
O processo de resistência e luta enfrentada por essa aldeia durante esse tempo só fez com que a mesma ficasse<br />
fortalecida, e continuasse lutando pelo seu povo, pelo seu território e por uma das suas maiores riquezas: a<br />
identidade<br />
Vista aérea da Ilha de São Pedro<br />
Peças do artesanato feito pelos indígenas<br />
Durante as missões, os índios passaram por um período de repressão cultural por parte dos capuchinhos e jesuítas,<br />
que queriam catequizá-los, levando-os a “perda da identidade”, ao serem obrigados a não praticarem seus cultos. Um<br />
dos contribuintes neste processo foi Frei Doroteu, que aplicou medidas punitivas e prejudiciais à população indígena<br />
<strong>Xokó</strong>, obrigando os índios a fugir para praticá-los às escondidas na Caiçara, uma antiga fazenda que faz parte do<br />
território indígena, a fim de não perder a sua tradição. Além disso, os índios eram obrigados a arrendar suas terras<br />
aos fazendeiros, resultando na perda da sua fonte de sobrevivência e trabalho, recebendo pouco, o que tornava ainda<br />
mais dependente sua relação com esses fazendeiros.<br />
A comunidade já habitava neste território há muitos anos. No ano 1859 recebeu a presença de Dom Pedro II, que<br />
estava fazendo uma expedição pelo baixo São Francisco em embarcação a vela e, devido à falta de vento, teve que<br />
aportar na Ilha. Segundo o Cacique Bá, foi nessa visita, que Dom Pedro II se encantou com a cultura do povo indígena
<strong>Xokó</strong>, e, ao saber que os índios que ali habitavam não possuíam terras reconhecidas, através de<br />
depoimentos reivindicatórios, fez a doação de uma légua em quadra, correspondente a 13.932 tarefas,<br />
autorizando a ida de um grupo à Bahia, para buscar os devidos documentos.<br />
Ao saber da doação, o fazendeiro que estava com posse das terras, produzindo através de arredamentos,<br />
organizou uma festa. Segundo Heleno, liderança da comunidade, o objetivo era “dar bebida alcoólica aos<br />
índios e roubar o documento de doação”, apropriando-se do território indígena e impedindo o direito<br />
dado por Dom Pedro II, proibindo, assim, a prática de seus costumes tradicionais e culturais.<br />
Por um longo período, os fazendeiros oprimiram o<br />
povo indígena, fazendo com que muitas famílias<br />
abandonassem o território, migrando para outros<br />
estados e outras comunidades, a exemplo de Porto<br />
Real do Colégio/AL, onde os índios <strong>Xokó</strong> uniram-se a<br />
comunidade Kariri, surgindo então à comunidade<br />
Kariri <strong>Xokó</strong>. Apenas 22 famílias ficaram na Caiçara,<br />
tendo como fonte de sobrevivência a produção da<br />
cerâmica, pesca e os cultivos de arroz, de milho, de<br />
feijão e de outros, resistindo aos ataques opressores<br />
dos latifundiários. Essas famílias se reuniram e<br />
começaram a discutir o futuro do seu povo, utilizando<br />
como estratégias de lutas, o cercamento e o<br />
acampamento na Ilha de São Pedro, o que contribuiu<br />
com o processo de reconquista do território.<br />
Primeira igreja construída pelos capuchinhos, e a<br />
estátua do índio<br />
Mesmo com o cercamento da Ilha, a comunidade continuou morando na Caiçara, por um período de<br />
aproximadamente um ano (1978-1979), até a entrada definitiva na Ilha de São Pedro, em 09 de Setembro<br />
de 1979. Durante este processo tiveram o apoio de lideranças que auxiliaram no enfrentamento da posse<br />
da terra contra os grandes latifundiários, a exemplo de Frei Enoque, o Bispo Dom José Brandão de Castro,<br />
da Diocese de Propriá e Manoel Rodrigues de Oliveira, presidente do STTR de Porto da Folha, entre<br />
outros. Os fazendeiros continuaram a perseguição, contratando jagunços para amedrontar e fazer com<br />
que os índios recuassem, mas isso não foi o bastante para a desistência.<br />
Após muita luta e resistência, a “Ilha de São Pedro” foi desapropriada no dia 07 de dezembro de 1979 pelo<br />
governador do estado de Sergipe, Augusto Franco, passando a documentação das terras da Ilha de São<br />
Pedro para a União, e consequentemente para o usufruto da aldeia <strong>Xokó</strong>. O Cacique Bá relembra a<br />
importância do Bispo Dom José Brandão de Castro durante este acontecimento, onde o mesmo foi ao<br />
encontro do Governador Augusto Franco avisar que ele iria morrer junto com a comunidade indígena,<br />
enfrentando àqueles que chegariam lá para tirá-los da terra. Essa atitude do Bispo fez com que o<br />
Governador voltasse atrás e tomasse uma atitude a favor do Povo <strong>Xokó</strong>, que foi a apropriação.<br />
Com a posse da Ilha de São Pedro, os indígenas iniciaram a luta pela reconquista da terra Caiçara. Foi um<br />
processo de muita resistência por parte dos latifundiários que se acusavam como proprietários daquele<br />
território, fazendo com que os indígenas fossem expulsos de modo cruel pela polícia designada pelos<br />
fazendeiros. Mesmo com todas as tribulações, a comunidade não esmoreceu, e em 1991, obteve a<br />
homologação dos hectares da Caiçara, tendo apenas em 1993 seus direitos de posse garantidos em<br />
instância federal.<br />
Cacique Bá<br />
Reconquistadas a Ilha e a Caiçara, os indígenas reconhecidos<br />
apenas por relatos orais, arqueológicos e antropológicos, viram a<br />
necessidade de formar lideranças, através de uma organização<br />
política, dando início a processos eleitorais para a eleição de pajé e<br />
cacique. Segundo Heleno, liderança da tribo, o processo eletivo era<br />
realizado através de eleições, causando divisões entre os membros<br />
da aldeia, porém, hoje é realizado no ritual/ouricuri a escolha do/a<br />
indígena para assumir a função de pajé e cacique. Para ser<br />
escolhido/a, este/a deverá obrigatoriamente participar dos<br />
rituais/ouricuri e ter suas práticas comportamentais, conceituadas<br />
e respeitadas pelos residentes da aldeia, além de carinho pelos<br />
irmãos, bem como valorizar, praticar e preservar a identidade<br />
cultural e tradições indígenas presente na aldeia. Ao todo, já<br />
existiram oito caciques e três pajés, sendo que o atual cacique, Bá, já<br />
está na liderança há 13 anos, e por virtude do resgate espiritual e<br />
identitário indígena, o mesmo só será afastado pela vontade divina.<br />
Esse processo de escolha marcou o início do resgate identitário da comunidade, que antes estava<br />
perdido. O Cacique Bá afirma que foi em 03 de maio de 2003, que o povo <strong>Xokó</strong> de fato se reconheceu como<br />
indígena, pois antes “não tínhamos o respeito pelos outros parentes de outras aldeias como um povo<br />
indígena. E foi justamente com a renovação que aprendemos a fazer os nossos próprios trajes e<br />
artesanatos, descobrindo também nossos cânticos que nos diferenciam das demais aldeias, pois antes<br />
cantávamos os cânticos de outras aldeias”. Nesse período, também houve o despertar para o verdadeiro<br />
significado do toré: que é uma dança indígena, onde se representa uma tradição, ou seja, a pintura, trajes,<br />
cânticos e louvor em reverência ao criador da natureza, sendo praticado tanto em comemorações<br />
festivas ou em momentos de tristezas.<br />
Presença de todo o povo indígena no momento do ritual/toré