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Caderno 1 - Rota dos sertoes - ISSUU

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<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

VAQUEJADA<br />

A Tradição da Pega de Boi<br />

Serrita - PE<br />

Fotografia e Pesquisa<br />

Eraldo Peres<br />

1


2<br />

<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões


Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

3


<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

A Tradição da Pega de Boi<br />

Eraldo Peres<br />

Setembro 6, 2015<br />

SERRITA/PE. O dia amanhece<br />

com um colorido diferente no<br />

Sitio Lages, na cidade de Serrita,<br />

no sertão pernambucano. As cores<br />

amarronzadas <strong>dos</strong> gibãos de couro<br />

se misturam com os galhos secos<br />

da caatinga, pintando o cenário<br />

para a realização de mais uma<br />

pega de boi de porteira.<br />

Aos poucos vão surgindo<br />

no meio da mata os vaqueiros<br />

com suas vestes de trabalho,<br />

seus cavalos imponentes e<br />

seus cantos de aboio. O curral<br />

começa a receber as centenas de<br />

ga<strong>dos</strong> destina<strong>dos</strong> a fazer trilha<br />

na caatinga, em uma sequência<br />

de movimentos e galopes <strong>dos</strong><br />

seus perseguidores, um jogo que<br />

lembra ao mesmo tempo um<br />

bailado e uma perseguição feroz<br />

pelo prêmio pretendido, o colar<br />

de couro que é levado no pescoço<br />

pelo gado solto do curral.<br />

Vaqueiros e público vão aos<br />

poucos ocupando as cercas<br />

<strong>dos</strong> currais e as arquibancadas<br />

improvisadas para, como nos<br />

antigos coliseus, lançarem seus<br />

olhares e torcidas hora pela<br />

sagacidade do boi em fuga, hora<br />

pelas habilidades <strong>dos</strong> vaqueiros<br />

destemi<strong>dos</strong> a enfrentar os espinhos<br />

da caatinga a cortar suas faces em<br />

busca do animal fujão.<br />

Após um breve silencio surge<br />

a vós de Nenem de Duqueira,<br />

característico locutor de pega,<br />

com sotaques próprios da vida<br />

sertaneja e sentado sobre uma torre<br />

montada na entrada principal do<br />

curral, chama a atenção de to<strong>dos</strong> e<br />

anuncia o inicio da peleja entre o<br />

homem e o gado, ”que vença o mais<br />

rápido”. E logo, numa mistura de<br />

canto e lamento, vêm as primeiras<br />

4<br />

chamadas para a competição que<br />

inicia “Bora, bora, bora, soltou o<br />

boi ...” .<br />

O vaqueiro João de Cazuza,<br />

56 anos, vestido com o seu<br />

tradicional Gibão e pronto para<br />

participar das corridas de pega<br />

lembra que “quando criança<br />

acompanhava meu pai e meu avô<br />

que levavam o gado pros la<strong>dos</strong> do<br />

sertão do estado do Ceará, eram<br />

mais de quatro dias de viagem,<br />

tocando a boiada no meio da<br />

mata”. Com tom de orgulho, Seu<br />

Cazuza, como é conhecido entre<br />

os vaqueiros fala: “A primeira vez<br />

que vesti o Gibão eu tinha 15 anos,<br />

foi como um troféu para mim. A<br />

partir daquele momento senti que<br />

já era um vaqueiro, a noite quase<br />

não dormi de tanto nervoso”.<br />

Tradição secular do nordeste<br />

Vaqueiro João de Cazuza, 56 anos, veste o tradicional Gibão de couro (terno de couro),<br />

para participar das corridas de Pega de Boi.


asileiro, a vaquejada se impõe<br />

como resistência da vida sertaneja,<br />

mantendo crianças, jovens e adultos<br />

reuni<strong>dos</strong> em torno do seu cotidiano<br />

e das suas histórias. Personagem<br />

tradicional da cultura nordestina,<br />

o vaqueiro, mestiço do colonizador<br />

branco com o índio nativo, surge no<br />

Brasil no fim do Sec. XVI, durante<br />

os ciclos de expansão da criação de<br />

gado nos sertões do Nordeste.<br />

A Pega de Boi é a forma<br />

tradicional de aparte do gado na<br />

Caatinga, vegetação típica do sertão<br />

nordestino. Hoje, faz parte <strong>dos</strong><br />

circuitos de vaquejadas, tornan<strong>dos</strong>e<br />

também uma atividade recreativa<br />

e competitiva, com característica de<br />

esporte, onde a dupla de vaqueiros<br />

se lançam no mato para pegar o boi<br />

solto. O gado deve ser perseguido e<br />

derrubado pela cauda, para que seja<br />

retirado seu colar de couro com o<br />

número que o identifica e entregue<br />

aos juízes para que o tempo seja<br />

cronometrado. Vence a dupla que<br />

realizar a pega em menor tempo.<br />

Sentado sobre a cerca do curral,<br />

“ Tenho<br />

orgulho de<br />

ser vaqueiro<br />

”<br />

Deda Vaqueiro, 54 anos, e seu<br />

filho Thiago, 19 anos, conversam<br />

sobre o trabalho com o gado. Seu<br />

Deda lembra: “A vida de vaqueiro<br />

não é fácil, é de muito trabalho,<br />

muita luta. Não pude estudar, tudo<br />

era mais difícil no meu tempo.<br />

Hoje é mais fácil, mas quem gosta<br />

do trabalho com o gado acaba<br />

deixando os estu<strong>dos</strong> e seguindo<br />

a profissão”. Seu filho Thiago, que<br />

participa das corridas de pega de<br />

boi, já tomou sua decisão na vida:<br />

“Cresci ouvindo as historias de<br />

vaqueiro do meu pai e <strong>dos</strong> meus<br />

tios. Sempre sonhei em vestir o<br />

gibão de couro e poder correr nas<br />

pegas de boi, tenho orgulho de<br />

ser vaqueiro”. E completa, “prefiro<br />

a vida do curral, do trabalho com<br />

o gado, é melhor do que estar na<br />

Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

cidade sem ter o que fazer”.<br />

Ao redor do curral, juntam-se<br />

jovens e velhos, homens e mulheres,<br />

para contar suas façanhas e<br />

histórias sobre as aventuras das<br />

vaquejadas. São velhos vaqueiros<br />

que forjaram suas vidas em torno<br />

do trabalho do gado, <strong>dos</strong> currais<br />

e da vida na secura <strong>dos</strong> galhos da<br />

caatinga.<br />

O dia vai terminando e o pôrdo-sol<br />

colorindo o céu. Grupos<br />

de vaqueiros vão deixando o<br />

Sitio Lajes, com orgulho de<br />

terem mantido a sua tradição e<br />

participado de mais uma corrida<br />

de pega de boi. Com suas vestes<br />

de couro e o tradicional chapéu se<br />

despedem do eterno companheiro,<br />

o boi, que agora pasta solto na mata<br />

para no dia seguinte voltar aos<br />

currais.<br />

Esta viagem fez parte da<br />

expedição de documentação<br />

fotográfica e pesquisa das<br />

manifestações culturais - <strong>Rota</strong> <strong>dos</strong><br />

Sertões - Projeto Filhos da Terra.<br />

5


<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

Serrita, terra de Raimundo Jacó<br />

Ana Fernandes<br />

Janeiro, 7 2015<br />

O município de Serrita está<br />

localizado no sertão do estado de<br />

Pernambuco. Surgiu da ocupação<br />

das margens do Riacho Traíras<br />

por retirantes das secas da região<br />

do Cariri (Ceará), durante o<br />

século XIX. O povoado teve início<br />

a partir da ocupação de Miguel<br />

Torquato de Bulhões, à margem<br />

do referido riacho, onde ergueu<br />

uma capelinha, na qual o vigário<br />

do município de Salgueiro vinha<br />

celebrar a missa.<br />

Em setembro de 1928,<br />

Serrinha, como era chamado o<br />

povoado, foi elevada à categoria<br />

de município. Cinco anos<br />

depois, o município foi extinto e<br />

retornou à categoria de distrito<br />

de Salgueiro. Em 1934 retorna à<br />

condição de município e em 1943<br />

passa a chamar-se Serrita.<br />

Terra onde a economia se<br />

desenvolveu pela criação de gado,<br />

Serrita é culturalmente conhecida<br />

por seus vaqueiros e vaquejadas.<br />

E pela tradicional Missa do<br />

Vaqueiro, realizada há quase<br />

meio século, em homenagem ao<br />

vaqueiro Raimundo Jacó.<br />

Jacó era habili<strong>dos</strong>o na arte<br />

de aboiar. Reza a lenda que seu<br />

canto atraía o gado. Mas atraía<br />

também a inveja de seus colegas<br />

de profissão, fato atribuído<br />

a sua morte em 1970. O fiel<br />

companheiro do vaqueiro na<br />

aboiada, um cachorro, velou o<br />

corpo do dono dia e noite, até<br />

morrer de fome e sede.<br />

A história de coragem se<br />

transformou num mito do Sertão<br />

e após o trágico fim, sua vida foi<br />

imortalizada pelo canto de Luiz<br />

Gonzaga. O Rei do Baião, que<br />

era primo de Jacó, transformou<br />

“A Morte do Vaqueiro” numa<br />

das mais conhecidas e<br />

emocionantes canções<br />

brasileiras, num hino<br />

de louvor para os<br />

vaqueiros nordestinos.<br />

Em 1971, por<br />

iniciativa do Padre<br />

João Câncio <strong>dos</strong><br />

Santos, apoiado por<br />

Luiz Gonzaga e pelo<br />

poeta Pedro Bandeira,<br />

famoso repentista do<br />

Cariri, realizou-se a<br />

primeira Missa no<br />

Sítio Lajes, em Serrita,<br />

onde o corpo de Jacó<br />

foi encontrado. Pe.<br />

João Câncio ficou conhecido<br />

por pregar a palavra de Deus aos<br />

sertanejos vestido de Gibão e por<br />

sua luta contra a pobreza e as<br />

injustiças no sertão.<br />

De acordo com a tradição, o<br />

início da celebração é dado com<br />

uma procissão de mil vaqueiros<br />

a cavalo, que levam, em honras<br />

a Raimundo Jacó, oferendas -<br />

como chapéu de couro, chicotes<br />

e berrantes - ao altar de pedra<br />

rústica em formato de ferradura.<br />

A missa, uma verdadeira romaria<br />

de renovação da fé, acontece<br />

sempre ao ar livre e se assemelha<br />

bastante aos rituais católicos,<br />

porém contando com toques<br />

especiais que caracterizam<br />

o evento: no lugar da hóstia,<br />

os vaqueiros comungam com<br />

farinha de mandioca, rapadura e<br />

queijo, to<strong>dos</strong> monta<strong>dos</strong> a cavalo.<br />

Em 1973, Raimundo Jacó foi<br />

esculpido por Jota Mildes, artista<br />

de Petrolina(PE). A obra foi<br />

encomendada pela Prefeitura de<br />

Serrita em homenagem a to<strong>dos</strong><br />

os vaqueiros.<br />

Em 1974, foi construído o<br />

Parque Nacional do Vaqueiro<br />

e em outubro do mesmo ano,<br />

foi criada a Associação <strong>dos</strong><br />

Vaqueiros do Alto Sertão.<br />

A Missa do Vaqueiro<br />

atualmente atrai Turistas do<br />

mundo inteiro durante o mês de<br />

julho e apontada no Calendário<br />

de Turismo, como o 2º maior<br />

Evento Turístico de estado de<br />

Pernambuco.<br />

Escultura de Raimundo Jacó. Foto: Portal Araripina em foco.<br />

6<br />

Fonte de pesquisa:<br />

• http://www.portalserrita.com.br<br />

• http://www.portalserrita.com.br/noticias/serrita/54919<br />

• https://pt.wikipedia.org/wiki/Serrita<br />

• https://pt.wikipedia.org/wiki/Raimundo_Jac%C3%B3


Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

Cultura Sertaneja<br />

Segundo Darcy Ribeiro<br />

(1995), a cultura sertaneja<br />

se forma para além da faixa<br />

nordestina das terras frescas<br />

e férteis do massapé, com rica<br />

cobertura florestal, onde se<br />

implantaram os engenhos de<br />

açúcar. Começam pela orla<br />

descontínua ainda úmida do<br />

agreste e prosseguem com as<br />

enormes extensões semi-áridas<br />

das caatingas, e por fim nos<br />

cerra<strong>dos</strong>.<br />

Nesse avanço pelas terras<br />

pastoris, desenvolveu-se<br />

uma economia associada<br />

originalmente à produção<br />

açucareira como fornecedora<br />

de carne, couros e de bois de<br />

serviço.<br />

O pastoreio incorporou<br />

uma parcela ponderável da<br />

população nacional, cobrindo<br />

e ocupando áreas territoriais<br />

mais extensas que qualquer<br />

outra atividade produtiva.<br />

Formou-se também um<br />

tipo particular de população<br />

com uma subcultura própria,<br />

a sertaneja, marcada por<br />

traços característicos no modo<br />

de vida, na organização da<br />

família, na estruturação do<br />

poder, na vestimenta típica,<br />

nos folgue<strong>dos</strong> estacionais, na<br />

dieta, na culinária, na visão de<br />

mundo e numa religiosidade<br />

propensa ao messianismo.<br />

Apesar das enormes<br />

distâncias entre os núcleos<br />

humanos desses currais<br />

dispersos pelo sertão deserto,<br />

certas formas de sociabilidade<br />

se foram desenvolvendo entre<br />

os moradores <strong>dos</strong> currais da<br />

mesma ribeira. A necessidade<br />

de recuperar e apartar o gado<br />

alçado nos campos ensejava<br />

formas de cooperação como<br />

as vaquejadas, que se tornaram<br />

prélios de habilidade entre os<br />

vaqueiros, acabando, às vezes,<br />

por se transformar em festas<br />

regionais.<br />

Fonte de pesquisa:<br />

• O Povo Brasileiro - A<br />

formação e o sentido do<br />

Brasil, de Darcy Ribeiro.<br />

(2001, p.339-363)<br />

Deda Vaqueiro, 54 anos (direita) e seu filho Thiago, 19 anos, conversam senta<strong>dos</strong> na cerca do curral do Sitio Laje, antes do início das corridas de<br />

Pega de Boi, no sertão do estado de Pernambuco, na cidade de Serrita.<br />

7


<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

Vaqueiro João do Dito, 66 anos.<br />

Vaqueiro Leo André, 18 anos.<br />

“No curso desse movimento de expansão, todo o sertão foi sendo ocupado e cortado por estradas abertas<br />

pela batida das boiadas. Estas marchavam de pouso em pouso, assenta<strong>dos</strong> to<strong>dos</strong> eles nos locais de água<br />

permanente e de boa pastagem, capaz de propiciar a recuperação do rebanho. Muitos desses pousos se<br />

transformariam em vilas e cidades... Mais tarde, as terras mais pobres <strong>dos</strong> carrascais, onde o gado não<br />

podia crescer, foram dedicadas à criação de bodes, cujos couros encontraram amplo mercado. [...] Com<br />

o gado e com os bodes crescia a vaqueirada, multiplicando-se à toa pelas fazendas, incapaz de absorver<br />

lucrativamente a tanta gente nas lides pastoris, pouco exigente de mão de obra. Assim é que os currais se<br />

fizeram criatórios de gado, de bode e de gente: os bois para vender, os bodes para consumir, os homens<br />

para emigrar.”<br />

(Darcy Ribeiro, 2001, p. 345)<br />

8<br />

Sábado, 24 de Julho de 2015. Vaqueiros chegam ao Curral do Sitio Laje para competirem nas corridas de Pega de Boi, no sertão do estado de<br />

Pernambuco, na cidade de Serrita.


Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

Vaqueiro João de Cazuza, 56 anos.<br />

Vaqueiro Milton Romão, 23 anos.<br />

“Vaqueiro. Pastor de gado, guarda das vacas; figura central do ciclo pastoril. Sua atividade determina-lhe<br />

o individualismo arrogante, a autonomia moral, a decisão nos atos e atitudes. [...] Na Criação do gado,<br />

a lida unificou os homens ricos e pobres. Os donos e os escravos na mesma linha tenaz de coragem e de<br />

batalha. [...] Ser vaqueiro é ser destemido, corajoso; é ser perseverante, ter paciência e sabedoria. É sua<br />

função buscar o gado e encaminhá-lo ao seu destino. O vaqueiro dá nome ao boi, sabe como tratá-lo e<br />

até conversar com ele. O vaqueiro tem duas marcas características: o aboio (canto entoado pelos vaqueiros<br />

enquanto conduzem o gado) e a vestimenta; desde a ilha de Marajó até o sul do país, elas o identificam. Em<br />

alguns lugares é o vaqueiro; em outros o boiadeiro, mas é sempre o homem que “toma conta do boi”, ao<br />

lado de seus grandes amigos, o cavalo e o cão.”<br />

(Luís da Câmara Cascudo, 2001, p. 718)<br />

Sábado, 24 de Julho de 2015. Vaqueiros chegam ao Curral do Sitio Laje para competirem nas corridas de Pega de Boi, no sertão do estado de<br />

Pernambuco, na cidade de Serrita.<br />

9


10<br />

<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões


Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

A Vaquejada no Brasil<br />

11


<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

No passado, a vaquejada<br />

constituiu a “festa mais tradicional<br />

no ciclo do gado nordestino”,<br />

segundo Luís da Câmara Cascudo.<br />

Hoje, é folguedo popular <strong>dos</strong> mais<br />

atraentes do nordeste oriental<br />

brasidleiro, realizado geralmente<br />

no fim do inverno.<br />

No Brasil, surgiu como uma<br />

espécie de mutirão <strong>dos</strong> vaqueiros.<br />

Ajuda e diversão ao mesmo<br />

tempo, congregando vaqueiros<br />

das ribeiras vizinhas, tornan<strong>dos</strong>e,<br />

com o tempo, diversão típica<br />

<strong>dos</strong> sertanejos.<br />

Sobre a mucica, derrubada do<br />

gado, há escritores que afirmam<br />

ser de origem espanhola, por<br />

causa da derrubada pela cauda<br />

praticada pelos iberos. Porém,<br />

Alceu Maynard defende uma<br />

origem brasileira, uma vez que o<br />

povoamento nordestino não foi<br />

feito por espanhóis e o lidador<br />

do gado, o vaqueiro, é mestiço,<br />

é caboclo: filho de índio e<br />

português.<br />

É bem provável que tenha<br />

surgido pela ausência do laço<br />

ou das boleadeiras. Dando uma<br />

puxada no rabo da rês, esta se<br />

desequilibrava e caía no solo,<br />

deu-lhe então esse meio, essa<br />

técnica de captura. A mucica é o<br />

estilo que a vaquejada consagrou.<br />

Folclore<br />

Câmara Cascudo (2001)<br />

descreve a vaquejada como uma<br />

reunião do gado, nos fins do<br />

12<br />

inverno, para beneficiamento,<br />

castração, ferra, tratamento de<br />

feridas, etc. Outrora, o gado<br />

do Nordeste era criado, como<br />

no Sul, em campos e pastagens<br />

individuais. A reunião anunciava<br />

“A vaquejada, belíssimo<br />

espetáculo de precisão,<br />

agilidade, habilidade e<br />

arrojo, é diversão típica<br />

do Nordeste oriental,<br />

da zona que o curral<br />

conquistou para a<br />

civilização brasileira.<br />

Integra programa de<br />

festas, festanças, festarias<br />

e até festejos cívicos.”<br />

Alceu Maynard<br />

a divisão, entrega das reses aos seus<br />

proprietários, a apartação. Uma<br />

certa parte do gado era guardada<br />

ou reservada para a derrubada, a<br />

vaquejada propriamente dita, o<br />

folguedo de derrubar o animal,<br />

puxando-o bruscamente pela<br />

cauda, o vaqueiro a cavalo.<br />

Correm sempre dois cavaleiros,<br />

e o colocado à esquerda é o<br />

esteira, para conservar o animal<br />

em determinada direção.<br />

Emparelhado o cavaleiro com<br />

o novilho, touro, boi ou vaca,<br />

aproximado o cavalo, o vaqueiro<br />

segura a cauda do animal dando<br />

um forte puxão e, no mesmo<br />

instante, afastando o cavalo. É a<br />

mucica ou a saiada.<br />

Os participantes competem<br />

em dupla. A vaquejada é festa<br />

popularíssima no sertão e reúne<br />

grande número de curiosos.<br />

Algumas atraem vaqueiros<br />

famosos que vêm de longe,<br />

com os seus cavalos cita<strong>dos</strong> na<br />

tradição oral.<br />

Fora da exibição da vaquejada,<br />

o vaqueiro derruba o animal para<br />

poder enchocalhá-lo e trazê-lo<br />

para o curral. Há, às vezes, lances<br />

dramáticos nessas derrubadas o<br />

“fechado”, caatingas ou carrascais,<br />

sem testemunhas e sem aplausos.<br />

A primeira citação da<br />

vaquejada é de 1874, de José de<br />

Alencar, ao Nosso Cancioneiro:<br />

“Espera-o, porém, de pé firme<br />

o vaqueiro, que tem por arma<br />

unicamente a sua vara de ferrão,<br />

delgada haste coroada de uma<br />

pua de ferro. Com esta simples<br />

defesa, topa ele o touro no meio<br />

da testa e esbarra-lhe a furiosa<br />

carreira...”.<br />

Ainda nos últimos anos do<br />

século XIX, J. M. Car<strong>dos</strong>o de<br />

Oliveira (Dois Metros e Cinco,<br />

Briguiet, Rio de Janeiro, 1936)<br />

descreve uma derrubada no<br />

sertão da Bahia, segurando o<br />

vaqueiro o touro pelo chifre. Em<br />

1987, Euclides da Cunha registra<br />

a derrubada da cauda em Os<br />

Sertões.<br />

Fonte de pesquisa:<br />

• Folclore Nacional II - Danças, recreação e música, de Alceu Maynard.<br />

Coleção Raízes. (2004, p. 346-349)<br />

• Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo. (2001)


Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

Sábado, 24 de Julho de 2015. Vaqueiros perseguem o boi solto no mato, durante competição em corrida de Pega de Boi, no Sitio Lajes.<br />

Sábado, 24 de Julho de 2015. Vaqueiros perseguem o boi solto no mato, durante competição em corrida de Pega de Boi, no Sitio Lajes.<br />

13


<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

Referências<br />

Por volta de 1974, durante o<br />

costumeiro show realizado por<br />

Gonzaga um dia antes da Missa<br />

do Vaqueiro, o sanfoneiro pediu<br />

ao amigo Janduhy Finizola, que<br />

criasse uma música especialmente<br />

para a missa. Nem um pouco<br />

intimidado, Janduhy declarou<br />

que não faria uma, mas sim<br />

todas as músicas. E com o<br />

acompanhamento de Gonzaga,<br />

as nove canções, que ficaram<br />

conhecidas como Rezas de Sol,<br />

ficaram prontas em apenas<br />

seis meses. Todas seguindo a<br />

estruturas <strong>dos</strong> ritos da igreja,<br />

tendo sempre como protagonistas<br />

o vaqueiro e a religião. Das<br />

nove canções, apenas três foram<br />

gravadas por Gonzaga. Mas, em<br />

1976 todas as Rezas de Sol foram<br />

gravadas, com a liberação do Rei<br />

do Baião e Janduhy, pelo grupo<br />

Quinteto Violado, e são tocadas<br />

até hoje seguindo a mesma ordem:<br />

- “Toada de Gado”, de Vavá<br />

Machado e Arlindo Marcolino<br />

e usada até hoje na abertura da<br />

missa;<br />

- “Morte do Vaqueiro”, de<br />

Barbalho e Gonzaga.<br />

- As Rezas de Sol, formadas por:<br />

“Jesus Sertanejo”<br />

“Kirie Eleison”<br />

“Glória”,<br />

“O Credo”<br />

“Ofertório”<br />

“Sanctus Sanctus”<br />

“Pai Nosso”<br />

“Comunhão”<br />

“Canto de Despedida”<br />

A Morte do Vaqueiro<br />

(Luiz Gonzaga)<br />

Numa tarde bem tristonha<br />

Gado muge sem parar<br />

Lamentando seu vaqueiro<br />

Que não vem mais aboiar<br />

Não vem mais aboiar<br />

Tão dolente a cantar<br />

Tengo, lengo, tengo, lengo,<br />

tengo, lengo, tengo<br />

Ei, gado, oi<br />

Bom vaqueiro nordestino<br />

Morre sem deixar tostão<br />

O seu nome é esquecido<br />

Nas quebradas do sertão<br />

Nunca mais ouvirão<br />

Seu cantar, meu irmão<br />

Tengo, lengo, tengo, lengo,<br />

tengo, lengo, tengo<br />

Ei, gado, oi<br />

Sacudido numa cova<br />

Desprezado do Senhor<br />

Só lembrado do cachorro<br />

O Sertão em melodias<br />

Que inda chora<br />

Sua dor<br />

É demais tanta dor<br />

A chorar com amor<br />

Tengo, lengo, tengo, lengo,<br />

tengo, lengo, tengo<br />

Tengo, lengo, tengo, lengo,<br />

tengo, lengo, tengo<br />

Ei, gado, oi<br />

E... Ei...<br />

• Luiz Gonzaga / https://letras.mus.br/luiz-gonzaga/<br />

• Janduhy Finizola / http://cliquemusic.uol.com.br/fonogramas/<br />

pesquisaporautor/autor:16174/nome:Janduhy%20Finizola• Quinteto<br />

Violado / http://www.forroemvinil.com/quinteto-violado-amissa-do-vaqueiro/<br />

• Coral de Aboio / http://www.suamusica.com.br/EdgardeCedro/<br />

cd-coral-aboios<br />

• Xangai / https://letras.mus.br/xangai/<br />

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Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

As rimas de aboio, o cotidiano simples, e a vida no sertão foram perpeturadas, além da música,<br />

na Literatura de Cordel e nas Xilogravuras; nas lendas populares, no artesanato e muitas<br />

outras formas de expressão cultural.<br />

Aboios e Vaqueiros<br />

Texto: Dalinha Catunda (cordelista)<br />

No sertão eu me criei,<br />

Vendo a boiada passar.<br />

Os aboios <strong>dos</strong> vaqueiros<br />

Sempre gostei de escutar.<br />

A boiada seguia em frente<br />

Seguindo o canto dolente<br />

Do vaqueiro a aboiar<br />

Encontre na Net<br />

• Academia Brasileira de Literatura de Cordel /<br />

http://www.ablc.com.br/cordeis.html<br />

• Cordel de Saia / http://cordeldesaia.blogspot.com.br<br />

Literatura<br />

• Os Caminhos do Sertão, de João Guimarães Rosa<br />

• Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna<br />

• Caatinga - A Paisagem e o Homem Sertanejo, de<br />

Samuel Murgel Branco<br />

•Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara<br />

Cascudo<br />

• O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro<br />

Veja mais indicações de livros em:<br />

http://sertaodesencantado.blogspot.com.br/2008/01/<br />

livros-publica<strong>dos</strong>-sobre-o-serto.html<br />

Filmes<br />

• Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha.<br />

• Corisco e Dada, de Rosemberg Cariry<br />

• Vidas Secas, de Graciliano Ramos<br />

• Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa<br />

• O Auto da Compadecida, de Guel Arraes<br />

Veja mais indicações de filmes em:<br />

http://filmow.com/listas/o-sertao-brasileiro-l21888/<br />

Meu coração sertanejo<br />

Transborda de emoção,<br />

Quando vejo uma boiada<br />

Tirando poeira do chão.<br />

O som firme do berrante<br />

Sai do boiadeiro amante<br />

Que gosta da profissão.<br />

Ai como ainda me lembro<br />

Dos encantos de outrora,<br />

Eu, debruçada na janela.<br />

A boiada passando lá fora.<br />

Dói demais meu coração<br />

Boas lembranças do sertão,<br />

Que na alma sau<strong>dos</strong>a aflora.<br />

Vaqueiro trajando couro,<br />

Com perneiras e gibão,<br />

Esporas e botas nos pés<br />

Como manda a tradição.<br />

Assim eu via os vaqueiros,<br />

Passando em meu terreiro,<br />

E me acenando com a mão.<br />

Da lembrança não me sai,<br />

O velho Chico Carmina.<br />

Vaqueiro de seu Esmeraldo,<br />

O esposo de dona Joelina.<br />

Por minha rua ele passava,<br />

E tangendo o gado aboiava<br />

Cumprindo a sagrada rotina.<br />

Eita tempo velho malvado,<br />

Que abusa da judiação.<br />

Maltrata essa nordestina,<br />

Que deixou o seu sertão.<br />

E feito um bezerro apartado<br />

Bem longe do seu estado<br />

Chora querendo seu chão.<br />

15


<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

Sábado, 25 de Julho de 2015. Vaqueiros preparam suas roupas de couro antes do início das corridas de Pega de Boi, no Sitio Lajes.<br />

Vaqueiro bebe cachaça em um copo feito com chifre de boi, durante<br />

as corridas de Pega de Boi no Sitio Laje.<br />

Detalhe das fichas de couro que são amarradas nos pescoços <strong>dos</strong> bois<br />

soltos, para identificação nas corridas.<br />

16<br />

Detalhe do Gibão de couro (terno de couro) de um vaqueiro.<br />

Detalhes da vestimenta tradicional de um vaqueiro.


Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

Vaqueiro cavalga de volta para casa após participar das corridas de Pega de Boi, no Sitio Laje, sertão do estado de Pernambuco, na<br />

cidade de Serrita.<br />

Sombra de um Vaqueiro projetada em casa tradicional do sertão nordestino, após o fim das corridas de Pega de Boi, no Sitio Laje,<br />

sertão do estado de Pernambuco, na cidade de Serrita.<br />

17


<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

O Projeto<br />

O antropólogo Darcy<br />

Ribeiro fala em seu livro O Povo<br />

Brasileiro (1995) de um país<br />

mestiço, construído a partir da<br />

mistura de povos distintos e com<br />

características raciais, culturais<br />

e linguísticas próprias. Uma<br />

mestiçagem tanto biológica<br />

quanto cultural contribuindo<br />

para a formação de um novo<br />

povo, do povo brasileiro.<br />

O projeto Filhos da Terra -<br />

Diversidade e Cultura, surge,<br />

então, como uma proposta<br />

de pesquisa qualitativa e<br />

documentação fotográfica<br />

do universo simbólico desse<br />

chamado povo brasileiro,<br />

surgido da mistura das<br />

culturas indígenas, africanas e<br />

portuguesa, o que lhe dá sentido<br />

e identidade própria.<br />

O processo de pesquisa e<br />

documentação do projeto busca<br />

responder algumas questões e<br />

construir um referencial teórico<br />

e imagético que possibilite<br />

conhecer um pouco mais sobre<br />

esse povo mestiço, esses filhos da<br />

terra, os brasileiros.<br />

Filhos da Terra tem por<br />

objetivo a realização de<br />

documentação e produção de<br />

ensaios fotográficos, de forma<br />

a conhecer e apresentar uma<br />

abordagem contemporânea<br />

das raízes, manifestações<br />

culturais e da formação étnica<br />

do povo brasileiro; delimitando<br />

como campo de observação<br />

os protagonistas dessas<br />

manifestações culturais, seus<br />

grupos, mestres e territórios de<br />

realização.<br />

O projeto encontra suas<br />

referências metodológicas de<br />

conteúdo no Inventário Nacional<br />

de Referências Culturais -<br />

INRC, metodologia de pesquisa<br />

do patrimônio imaterial<br />

recomendado pelo Instituto do<br />

Patrimônio Histórico e Artístico<br />

Nacional – Iphan, visando a<br />

identificação de bens culturais<br />

representativos <strong>dos</strong> diferentes<br />

grupos sociais, e a construção<br />

de instrumentos e méto<strong>dos</strong><br />

adequa<strong>dos</strong> à sua documentação<br />

e valorização.<br />

Ao contrário de um quadro<br />

geral do território nacional, o<br />

campo de observação da pesquisa<br />

direciona seu foco de trabalho<br />

para os cenários e personagens<br />

regionais, buscando identificar<br />

os elementos do universo<br />

imagético e simbólico que dão<br />

sentido a vida social e cultural<br />

das manifestações culturais de<br />

diversas regiões do Brasil.<br />

A partir do processo de<br />

pesquisa e da definição das<br />

manifestações culturais a serem<br />

documentadas, o trabalho<br />

de campo, documentação<br />

fotográfica, gravação de<br />

depoimentos e coleta de<br />

materiais de referência, será<br />

realizado com base nas ‘<strong>Rota</strong>s’<br />

de viagens. (Ver quadro abaixo -<br />

Sujeito a alterações)<br />

Regiões da Costa Atlântica<br />

• Objeto de pesquisa: Cultura Crioula<br />

• Localização: Costa pernambucana,<br />

baiana, fluminense, paulista e do sul.<br />

• Manifestações culturais objeto de<br />

pesquisa e documentação: Maracatu<br />

Rural/PE; Boi de Mamão e Cultura<br />

Açoriana/SC.<br />

Regiões do Sertão<br />

• Objeto de pesquisa: Cultura Sertaneja,<br />

Caipira e Gaúcha<br />

• Localização: Currais de gado do interior,<br />

núcleos mineiros do centro do país e<br />

pastoris do extremo sul.<br />

• Manifestações culturais objeto de<br />

pesquisa e documentação: Comitivas<br />

Pantaneiras/MT; Congadas e Irmandades<br />

Negras/MG; Vaquejadas/PE.<br />

Afluentes <strong>dos</strong> Grandes Rios<br />

• Objeto de pesquisa: Cultura Cabocla<br />

• Localização: Grandes sistemas fluviais do<br />

Amazonas e povos da floresta.<br />

• Manifestações culturais objeto de pesquisa<br />

e documentação: Extrativismo Amazônico,<br />

Ritual da Ayahuasca/AC; Círio Ribeirinho/PA.<br />

Fluxos Contemporâneos de Migração<br />

• Objeto de pesquisa: Territórios de Encontros<br />

Culturais<br />

• Localização: Distrito Federal<br />

• Manifestações culturais objeto de pesquisa e<br />

documentação: Feiras, merca<strong>dos</strong> e praças do DF<br />

como espaços públicos e democráticos de encontro<br />

culturais. Desde a sua construção, Brasília recebe<br />

brasileiros de todas as regiões, constituindo- se em<br />

verdadeiro amalgama de encontros e misturas das<br />

matrizes étnicas e culturais do Brasil.<br />

18


Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

Sábado, 25 de Julho de 2015. Jovem vaqueiro sorri durante preparativos para as<br />

corridas de Pega de Boi, no Sitio Laje.<br />

19


<strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

Projeto Filhos da Terra - Diversidade e Cultura<br />

Anotações de Viagem - <strong>Rota</strong> <strong>dos</strong> Sertões<br />

Vaquejada - A Tradição da Pega de Boi<br />

Sitio Lajes - Serrita - Pernambuco - Brasil<br />

© 2015<br />

To<strong>dos</strong> os Direitos Reserva<strong>dos</strong> a Eraldo Peres/Photo Agência.<br />

55 61 3963-5119 / 9333-1691<br />

eraldo@photoagencia.com.br<br />

www.filhosdaterra.org<br />

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facebook.com/projetofilhosdaterra<br />

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