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O limite cognitivo do poder humano judicante a um passo de um novo paradigma cognitivo de justiça: poder cibernético judicante – o direito mediado por inteligência artificial

O limite cognitivo do poder humano judicante a um passo de um novo paradigma cognitivo de justiça: poder cibernético judicante – o direito mediado por inteligência artificial

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Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo<br />

PUC-SP<br />

Fabio Marques Ferreira Santos<br />

O <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>judicante</strong> a <strong>um</strong> <strong>passo</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

<strong>paradigma</strong> <strong>cognitivo</strong> <strong>de</strong> <strong>justiça</strong>: <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>cibernético</strong> <strong>judicante</strong> <strong>–</strong> o <strong>direito</strong> media<strong>do</strong><br />

<strong>por</strong> <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong><br />

Doutora<strong>do</strong> em Direito<br />

São Paulo<br />

2016


Fabio Marques Ferreira Santos<br />

O <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>judicante</strong> a <strong>um</strong> <strong>passo</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong><br />

<strong>cognitivo</strong> <strong>de</strong> <strong>justiça</strong>: <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>cibernético</strong> <strong>judicante</strong> <strong>–</strong> o <strong>direito</strong> media<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>inteligência</strong><br />

<strong>artificial</strong><br />

Tese apresentada à Banca Examina<strong>do</strong>ra<br />

da Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong><br />

São Paulo, PUC-SP, como exigência<br />

parcial para a obtenção <strong>do</strong> título <strong>de</strong><br />

DOUTOR em Direito Processual Civil,<br />

sob a orientação <strong>do</strong> Professor Doutor<br />

Cassio Scarpinella Bueno.<br />

São Paulo<br />

2016


Dedico este trabalho à minha amada Mãe pelo incansável apoio incondiciona<strong>do</strong>,<br />

mesmo nos instantes em que o tempo a faz pestanejar, às minhas filhas, Brenda,<br />

Julia, Thabata e Hannah Arendt <strong>por</strong>que me fazem transformar a <strong>do</strong>r e o sofrimento<br />

em <strong>um</strong>a substância mágica e transforma<strong>do</strong>ra capaz <strong>de</strong> me inspirar a cada instante<br />

existencial. Ao meu orienta<strong>do</strong>r <strong>por</strong> acreditar na proposta e abrir caminhos a algo<br />

inusita<strong>do</strong> irrestritamente. Aos meus leais, fieis, <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s e incansáveis auxiliares <strong>de</strong><br />

pesquisa, crítica e correção: Adriana Santos, Diego Rosas, Fernanda Grejo, Flora<br />

Chrisben<strong>de</strong>r, Oryon Melo e Vivian Catarina.


AGRADECIMENTOS<br />

À Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo<br />

Ao meu orienta<strong>do</strong>r<br />

Ao Professor Dr. Cassio Scarpinella Bueno<br />

Aos <strong>de</strong>mais integrantes da Banca Examina<strong>do</strong>ra:


BANCA EXAMINADORA<br />

_________________________________<br />

_________________________________<br />

_________________________________<br />

_________________________________<br />

_________________________________<br />

Aprova<strong>do</strong> em ____ <strong>de</strong> ___________ <strong>de</strong> 2016.


SANTOS, Fabio Marques Ferreira. O <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>judicante</strong>. A<br />

<strong>um</strong> <strong>passo</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>cognitivo</strong> <strong>de</strong> Justiça: <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>cibernético</strong> judiciante.<br />

O Direito media<strong>do</strong> <strong>por</strong> Inteligência Artificial. Tese <strong>de</strong> Doutora<strong>do</strong>. Programa <strong>de</strong><br />

Estu<strong>do</strong>s Pós-Gradua<strong>do</strong>s em Direito. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo,<br />

SP, Brasil, 2016.<br />

RESUMO<br />

O trabalho científico teve como objetivo a investigação <strong>do</strong> <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>/Juiz e suas condições como sistema (mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça) opera<strong>do</strong> pela<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, segun<strong>do</strong> os estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Kahneman, Slovic e Tversky, em<br />

Judgment un<strong>de</strong>r uncertainty: heuristic and biases, e os reflexos causa<strong>do</strong>s a <strong>um</strong><br />

Direito e <strong>um</strong>a Justiça com déficit histórico <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong>, certeza e segurança.<br />

Foi a<strong>do</strong>tada a epistemologia kuhniana, sua meto<strong>do</strong>logia e seus conceitos,<br />

aproprian<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>les como fluxo explicativo da dinâmica <strong>de</strong> evolução <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça. Buscou consolidar <strong>um</strong> diálogo sem vence<strong>do</strong>res, flexibilizan<strong>do</strong> as<br />

granularida<strong>de</strong>s e as incomensurabilida<strong>de</strong>s, entre as Filosofias, as Lógicas, as<br />

Ciências Cognitivas e os Direitos (Constitucional e Processual Civil). Os estu<strong>do</strong>s<br />

teóricos pinçaram informações e da<strong>do</strong>s, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a falibilida<strong>de</strong> e a<br />

insuficiência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz como media<strong>do</strong>r exclusivo <strong>do</strong> Direito para o alcance da<br />

Justiça e a potencial possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar essa equação entre o Direito e a<br />

Justiça <strong>por</strong> intermédio da tecnologia em Inteligência Artificial. Consi<strong>de</strong>ra, ainda, o<br />

avanço, espécie <strong>de</strong> tecnologia da <strong>inteligência</strong>, e ao mesmo tempo tem-na como meio<br />

seguro e eficaz para a realização <strong>de</strong> funções mediante estrutura em programação. A<br />

pesquisa <strong>de</strong>u ênfase à previsão Constitucional <strong>do</strong>s dispositivos constitucionais, em<br />

específico ao encapsula<strong>do</strong> no inciso LXXVIII, <strong>do</strong> artigo 5º <strong>do</strong> laurea<strong>do</strong> diploma que<br />

assegura “a to<strong>do</strong>s, no âmbito judicial e administrativo, são assegura<strong>do</strong>s a razoável<br />

duração <strong>do</strong> processo e os meios que garantam a celerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua tramitação”.<br />

Com base no permissivo Constitucional, simetricamente concentrou análise ao<br />

instituto <strong>de</strong> Direito Processual Civil, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva, encampa<strong>do</strong> pela lei 13.105/2015, com a<br />

precípua missão <strong>de</strong> uniformizar e dar concretização aos estatutos substantivos<br />

legais, cuja técnica processual internalizou <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> <strong>novo</strong> novel processual,<br />

o <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte judicial, o qual tem o condão <strong>de</strong> verticalizar as <strong>de</strong>cisões<br />

judiciais, vinculan<strong>do</strong> as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>finitivas exaradas pelos Tribunais, ten<strong>do</strong> como<br />

lastro <strong>um</strong>a tese jurídica fundada em questão <strong>de</strong> Direito. Seu objetivo é <strong>de</strong> dar<br />

tratamento paritário aos casos análogos, maior celerida<strong>de</strong> aos processos,<br />

<strong>de</strong>safogamento <strong>do</strong> sistema judiciário e buscar, <strong>por</strong> este meio, a concretização <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> na lei Constitucional. Dentre os valores<br />

maiores insculpi<strong>do</strong>s na Carta Magna, estão a acessibilida<strong>de</strong> material, a<br />

previsibilida<strong>de</strong>, a segurança e a certeza <strong>de</strong> <strong>um</strong> tratamento isonômico <strong>do</strong> Direito ao<br />

alcance da Justiça Constitucional. Por essas razões e fundamentos, o trabalho<br />

cientifico conclui que é possível, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> os dispositivos legais aponta<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, da<strong>do</strong>s os <strong>limite</strong>s da pesquisa teórica, a Tese <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento legal <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a plataforma digital processual programada em Inteligência Artificial, atuan<strong>do</strong> no<br />

armazenamento <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações, gerin<strong>do</strong>-os e <strong>de</strong>cidin<strong>do</strong> casos cuja questão


<strong>de</strong> Direito tenha prece<strong>de</strong>ntes funda<strong>do</strong>s (compreensão interpretativa hermenêutica<br />

sobre o Direito consensualiza<strong>do</strong>) nos termos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pela legislação pátria vigente.<br />

Por fim, a pesquisa ainda sinaliza no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que, dada a evolução da tecnologia<br />

em Inteligência Artificial e to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais fatores e influências, há que consi<strong>de</strong>rar a<br />

tendência natural para que o Direito e Justiça não somente passem a ser <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>s<br />

<strong>por</strong> <strong>inteligência</strong> não h<strong>um</strong>ana como a mutação irradiada pela técnica em tecnologia<br />

<strong>de</strong> Inteligência Artificial gere <strong>um</strong>a ruptura <strong>de</strong> conceitos, formas e estruturas em<br />

poucas décadas.<br />

Palavras-chave: Limite <strong>cognitivo</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>. Paradigma <strong>de</strong> Justiça. Judiciário. Direito<br />

media<strong>do</strong> <strong>por</strong> Inteligência Artificial.


SANTOS, Fabio Ferreira Marques. The cognitive limit of adjudicative h<strong>um</strong>an<br />

power. One step of a new cognitive paradigm of Justice: judicial cyber power. The<br />

Law mediated by Artificial Intelligence. Doctoral thesis. Program of Postgraduate<br />

Studies in Law. Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo, SP, Brazil, 2016.<br />

ABSTRACT<br />

Scientific work aimed to investigate the cognitive limits of the State / Judge and<br />

their conditions as a system (paradigm of Justice) operated by the h<strong>um</strong>an<br />

intelligence, according to studies of Kahneman, Slovic and Tversky, in Judgment<br />

un<strong>de</strong>r uncertainty: heuristic and biases, and effects caused to Law and Justice<br />

with a historic <strong>de</strong>ficit of predictability, certainty and security. It was a<strong>do</strong>pted the<br />

Kuhnian epistemology, metho<strong>do</strong>logy and concepts, appropriating them as an<br />

explanatory flow of the dynamic of evolution of Law and Justice. It was sought to<br />

consolidate a dialogue with no winners, bringing flexibility to the granularity and<br />

incommensurability between Philosophies, Logics, Cognitive Sciences and H<strong>um</strong>an<br />

Rights (Constitutional and Civil Procedure).Theoretical studies gathered<br />

information and data in or<strong>de</strong>r to <strong>de</strong>monstrate the fallibility and failure of the State /<br />

Judge as an exclusive mediator of law to achieve justice and the potential<br />

possibility of carrying out the equation between Law and Justice through the<br />

Artificial Intelligence technology. These studies also evaluate such evolution as a<br />

kind of intelligence technology and, at the same time, as a safe and effective<br />

means to perform functions using programming structure. The research<br />

emphasized the predictability of constitutional provisions, in particular the content<br />

encapsulated in item LXXVIII of Article 5 of the laureate diploma stating that "it is<br />

assured to everyone at judicial and administrative level, reasonable duration of the<br />

process and the means to guarantee the speed of its proceedings." Based on<br />

permissive Constitution, it focused symmetrically an analysis of the Constitutional<br />

Procedural Law, named Establishment of Repetitive Demands Inci<strong>de</strong>nt Resolution,<br />

taken over by the Law 13,105 / 2015 with the sole mission to standardize and to<br />

achieve the legal substantive statutes whose procedural technique has<br />

internalized, through the new procedural standard, the so-called judicial prece<strong>de</strong>nt,<br />

which has the power to vertically integrate judicial <strong>de</strong>cisions, linking the final<br />

<strong>de</strong>cisions entered by the Courts, having as ballast a legal thesis foun<strong>de</strong>d in<br />

question of Law. The objective is to give parity treatment to similar cases, greater<br />

speed to processes, to unbur<strong>de</strong>n the judiciary system and therefore, to seek the<br />

realization of the Democratic State of Law envisioned in the Constitution. Among<br />

the most im<strong>por</strong>tant values contemplated by the Constitution, there are namely<br />

accessible material, predictability, safety and certainty of equal treatment of the<br />

Law according to the Constitutional Justice. For these reasons and rationale, the<br />

scientific work conclu<strong>de</strong>s that it is possible, taking into consi<strong>de</strong>ration the


mentioned legal provisions, to <strong>de</strong>fend, within the limits of theoretical research, the<br />

Thesis of the legal <strong>de</strong>velopment of a procedural digital platform conducted by<br />

Artificial Intelligence, using data storage and information, managing them and<br />

<strong>de</strong>ciding cases whose question of Law has legitimate prece<strong>de</strong>nts (hermeneutic<br />

interpretive un<strong>de</strong>rstanding about consensual Law) in terms a<strong>do</strong>pted by the current<br />

Brazilian legislation. Finally, the research also shows that, in view of the evolution<br />

of Artificial Intelligence technology, as well as other factors and influences, we<br />

must consi<strong>de</strong>r the natural ten<strong>de</strong>ncy for the Law and Justice to start being <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>d<br />

by non-h<strong>um</strong>an intelligence and the changes brought about by the Artificial<br />

Intelligence technology that will cause the break of concepts, forms and structures<br />

in the next <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s.<br />

Key words: H<strong>um</strong>an cognitive limit. Paradigm of Justice. Judiciary. Law mediated<br />

by Artificial Intelligence.


Como qualquer outra ativida<strong>de</strong> social, a<br />

pesquisa científica é conduzida <strong>por</strong> certas<br />

condições biológicas, econômicas, culturais e<br />

políticas mínimas, que variam relativamente<br />

pouco <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> para outra. Por<br />

exemplo, <strong>um</strong> pesquisa<strong>do</strong>r, <strong>por</strong> mais abstrato<br />

que seja o problema com que se ocupa,<br />

precisa ter saú<strong>de</strong> e <strong>um</strong> salário regular que lhe<br />

permita concentrar-se em seu trabalho.<br />

Precisa, também, ter livre acesso à informação,<br />

sem excluir o livre intercâmbio <strong>de</strong> experiências<br />

e opiniões com colegas nacionais e<br />

estrangeiros. Também necessita <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong>acadêmica para discorrer sobre o seu<br />

tema e a maneira <strong>de</strong> tratá-lo, assim como <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong> para difundir o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu<br />

trabalho (liberda<strong>de</strong> especialmentenecessária se<br />

o resulta<strong>do</strong> contradiz opiniões<br />

preestabelecidas).<br />

Mario Bunge


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14<br />

1 ASPECTOS PROPEDÊUTICOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO ......... 29<br />

1.1 A formação estrutural <strong>do</strong> conhecimento .............................................................. 29<br />

2 A IMPORTÂNCIA DA EPISTEMOLOGIA DE THOMAS KUHN NO<br />

DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA DO DIREITO E DA JUSTIÇA ......................... 45<br />

2.1 Aspecto dinâmico da ruptura paradigmática e sua contribuição para <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

conceito <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça ................................................................................. 45<br />

3 O MOVIMENTO DE RUPTURA COMO PROGRESSO DA CIÊNCIA EM THOMAS<br />

KUHN ........................................................................................................................ 68<br />

3.1 A contribuição da ruptura da ciência no estabelecimento da nova or<strong>de</strong>m <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça para o enfrentamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova Era .................................... 68<br />

4 AS RELAÇÕES DINÂMICAS DA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA EM THOMAS<br />

KUHN, SUA LÓGICA E SEUS CRITÉRIOS PARA O DESENVOLVIMENTO<br />

CIENTÍFICO .............................................................................................................. 82<br />

4.1 As proprieda<strong>de</strong>s dinâmicas da ciência a partir <strong>de</strong> Thomas Kuhn e sua<br />

contribuição para a explicação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento paradigmático <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça ....................................................................................................................... 82<br />

5 AS ESCOLAS DAS PSICOLOGIAS .................................................................... 102<br />

5.1 Estruturas psicológicas propostas para a explicação <strong>do</strong> funcionamento da mente<br />

h<strong>um</strong>ana ................................................................................................................... 102<br />

6 O SISTEMA COGNITIVO DE DECIDIBILIDADE ................................................. 118<br />

6.1 Aspectos relevantes a respeito <strong>do</strong> sistema <strong>cognitivo</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e as influências a<br />

respeito <strong>de</strong> sua percepção no ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir ........................................................... 118<br />

7 O SISTEMA NEUROLÓGICO HUMANO ............................................................. 138<br />

7.1 A dinâmica <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e sua im<strong>por</strong>tante contribuição para o rompimento<br />

<strong>de</strong> <strong>limite</strong>s ................................................................................................................. 138<br />

8 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ............................................................................... 147<br />

8.1 Aspectos estruturais e dinâmicos <strong>do</strong> sistema da Inteligência Artificial .............. 147<br />

8.2 A Inteligência Artificial como “meio” a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e útil para a mediação <strong>do</strong> Direito e<br />

da Justiça ................................................................................................................ 185<br />

9 ASPECTOS ESTRUTURAIS DA VERDADE ....................................................... 214


9.1 O estatuto da verda<strong>de</strong>, seu tratamento histórico jurídico na validação <strong>do</strong> Direito e<br />

da Justiça e as lógicas relacionadas ....................................................................... 214<br />

10 O ESTADO CONSTITUCIONAL E OS “MEIOS” PARA A CONQUISTA DOS<br />

DIREITOS E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS ................................................ 239<br />

10.1 Aspectos <strong>de</strong> base <strong>de</strong> <strong>um</strong> projeto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito para <strong>um</strong><br />

Esta<strong>do</strong> Constitucional .............................................................................................. 239<br />

10.2 O inevitável <strong>de</strong>stino <strong>do</strong> uso da tecnologia como “meio” para a concretização <strong>do</strong><br />

Projeto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito .............................................................. 249<br />

11 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO ATUAL PARADIGMA (DE/DA)<br />

JUSTIÇA ................................................................................................................. 275<br />

11.1 Uma Justiça com natureza judiciária ............................................................... 275<br />

12 PROCESSO CIVIL E SEUS ASPECTOS RELEVANTES SEMPRE<br />

IMANENTES .......................................................................................................... 301<br />

12.1 Aspectos principiológicos <strong>do</strong> processo ............................................................ 301<br />

12.2 A relevância Constitucional processual ........................................................... 306<br />

13 PROCESSO CIVIL E SEU NOVO-REFORMADO ESTATUTO ......................... 311<br />

13.1 Os aspectos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estrutura ao <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> CPC ................................ 311<br />

13.2 Uma teoria procedimental simplificada para a resolução <strong>do</strong>s conflitos ........... 320<br />

13.3 O papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz no <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> CPC na pon<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>s<br />

valores ....................................................................................................... 325<br />

14 ASPECTOS GERAIS PARA UM MODELO ESTRUTURAL PROCESSUAL<br />

TECNOLÓGICO ...................................................................................................... 334<br />

14.1 A verda<strong>de</strong>ira função <strong>do</strong> conhecer para a <strong>de</strong>vida programação ....................... 334<br />

14.2 As súmulas, a jurisprudência e os prece<strong>de</strong>ntes, seus papéis sistêmicos<br />

processuais embrionários <strong>de</strong> linguagens tecnológicas ........................................... 343<br />

14.3 O <strong>de</strong>sembarque da IIRDR (Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda<br />

Repetitiva) no sistema processual e suas perspectivas no cenário processual<br />

brasileiro .................................................................................................................. 358<br />

14.4 O Processo Civil enquanto instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> com características<br />

tecnologizadas e sua eficaz utilida<strong>de</strong> ...................................................................... 369<br />

15 O LIMITE COGNITIVO DO PODER JUDICANTE ............................................. 390<br />

15.1 Uma anomalia da natureza h<strong>um</strong>ana ............................................................... 390<br />

16 CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DA PRIMEIRA REFORMA DO<br />

PODER JUDICIÁRIO .............................................................................................. 445


16.1 Os motivos históricos <strong>do</strong> sistema operacional <strong>judicante</strong> e a centelha da<br />

tecnologização proposta entre os pontos e contrapontos da reforma ..................... 445<br />

17 A EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO PARADOXAL NA CONCEPÇÃO DE<br />

JUSTIÇA ................................................................................................................. 466<br />

17.1 Por <strong>um</strong>a re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Justiça, <strong>um</strong>a alquimia fundida a partir da cultura, <strong>do</strong><br />

homem e da linguagem para a edificação <strong>de</strong> <strong>um</strong> plano Constitucional social<br />

concreto .................................................................................................................. 466<br />

18 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE UM NOVO PARADIGMA DE<br />

JUSTIÇA ................................................................................................................ 487<br />

18.1 A epistemologia das <strong>de</strong>cisões mediadas <strong>por</strong> <strong>um</strong> sistema tecnológico orienta<strong>do</strong> a<br />

partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial ........................................................................... 487<br />

19 ASPECTOS MACROCOGNITIVOS ................................................................... 516<br />

19.1 A relação profusora da Inteligência Artificial com as ciências físicas, neurofísica,<br />

neuroquímica e seus impactos no futuro <strong>do</strong> <strong>de</strong>stino <strong>do</strong> Direito e da Justiça ........... 516<br />

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 564<br />

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 568<br />

ANEXO A <strong>–</strong> PERCEPÇÃO DO BRASILEIRO SOBRE A JUSTIÇA (SIPS)........... 589<br />

ANEXO B <strong>–</strong> PESQUISA SOBRE O JUDICIÁRIO: VISÃO DO JUIZ ...................... 604


14<br />

INTRODUÇÃO<br />

O trabalho <strong>de</strong> pesquisa é algo envolvente, é <strong>um</strong>a via tomada <strong>por</strong> escolha e<br />

não <strong>por</strong> opção. Sabe-se que o mais im<strong>por</strong>tante <strong>de</strong>la será trazer ao mun<strong>do</strong><br />

acadêmico <strong>um</strong>a inovação e, se possível, buscar edificar i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>.<br />

Aquela ou esses são o maior <strong>de</strong>safio em tempos em que o homem pósmo<strong>de</strong>rno<br />

vive a cons<strong>um</strong>ir <strong>um</strong> estoque intelectual <strong>de</strong> que não foi contribuinte, e, <strong>por</strong><br />

vezes injustificadamente, esse com<strong>por</strong>tamento o mantém no amorfo espaço da<br />

conservação.<br />

Vive-se em <strong>um</strong>a época <strong>de</strong>finida como pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, na qual a<br />

efemerida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s objetos e das i<strong>de</strong>ias se tornam fugazes e sem propósitos, em que<br />

os trabalhos logo que apresenta<strong>do</strong>s se per<strong>de</strong>m no esquecimento ou na<br />

<strong>de</strong>sim<strong>por</strong>tância <strong>de</strong> sua real im<strong>por</strong>tância, além <strong>de</strong> não encontrar solo fecun<strong>do</strong> para o<br />

incansável aprimoramento.<br />

Isso exige <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r <strong>um</strong> compromisso <strong>de</strong> vida pelo comprometimento,<br />

pela <strong>de</strong>dicação à manutenção <strong>de</strong> fazer com que suas i<strong>de</strong>ias e suas ações<br />

sobrevivam no tempo, pela ação, rompen<strong>do</strong> as dificulda<strong>de</strong>s e os obstáculos que<br />

impe<strong>de</strong>m os homens <strong>de</strong> se emanciparem.<br />

O trabalho vem mescla<strong>do</strong> <strong>por</strong> conhecimentos advin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outras ciências que<br />

não somente a <strong>do</strong> Direito, posição proposital e vital, cujo objetivo é a <strong>de</strong> o<strong>por</strong>tunizar<br />

<strong>um</strong>a fertilização indutiva materialmente diferente na construção não somente <strong>do</strong><br />

Direito mas <strong>do</strong> Processo Civil como ramificação especializada daquele. Essa<br />

concepção já era <strong>um</strong> i<strong>de</strong>ário concretista no âmbito processual, como ilustra o trecho<br />

da exposição <strong>de</strong> motivos <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 1939:<br />

[...] durante a reunião <strong>do</strong> Congresso <strong>de</strong> Direito Judiciário, e na presença <strong>de</strong><br />

Vossa Excelência, <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar que já era tempo que o Direito, e<br />

particularmente o Direito judiciário, se beneficiasse da renovação das outras<br />

disciplinas <strong>do</strong> espírito, servin<strong>do</strong> se, na investigação da verda<strong>de</strong>.<br />

Como se constata, o Processo Civil é <strong>um</strong>a daquelas áreas que esbanjam<br />

riqueza estética e material (<strong>um</strong>a obra <strong>de</strong> arte, <strong>por</strong>ém com peculiarida<strong>de</strong>s e critérios<br />

próprios) atinentes com sua <strong>do</strong>gmática.


15<br />

É <strong>um</strong> contribuinte forte e essencial quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entalização <strong>–</strong><br />

para a obtenção <strong>de</strong> <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> material <strong>do</strong> Direito, ele é representante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

categorização das regras para a organização <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s materiais <strong>do</strong> Direito para<br />

a obtenção da Justiça. Simplesmente, <strong>um</strong>a tecnologia em linguagem técnica jurídica<br />

<strong>de</strong>senvolvida pelo ator <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, para mediar a relação entre a espécie h<strong>um</strong>ana e<br />

suas relações sociais com o mun<strong>do</strong>.<br />

No entanto, sua responsabilida<strong>de</strong> na concretização da Justiça material <strong>de</strong>ve<br />

ser <strong>de</strong>limitada, como bem justificada é, nas exposições <strong>de</strong> motivo <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 1973,<br />

cujo texto é plenamente atual no contexto vigente. 1 É, <strong>por</strong>tanto, na estrutura <strong>do</strong><br />

sistema processual que habita a peça central operacional da Justiça, o Esta<strong>do</strong>/Juiz,<br />

responsável <strong>por</strong> mediar o Direito, dan<strong>do</strong> ao sistema organicida<strong>de</strong> e coesão para sua<br />

efetiva funcionalida<strong>de</strong>. Isso significa que essa peça central operacional<br />

responsabiliza-se, em maior parte, em sua precípua e suprema missão, pela não<br />

fragmentação <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

É cediço que, no processo, acontecem a entrega <strong>do</strong> bem da vida e a<br />

resolução <strong>do</strong>s conflitos, a partir da aplicação <strong>de</strong>dutiva da norma objetiva ao caso<br />

concreto, <strong>de</strong> sua complexida<strong>de</strong> em conceitos e <strong>de</strong> sua estrutura procedimental,<br />

operada pelo ator <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>judicante</strong>, o Juiz.<br />

Mesmo com o advento da Lei 13.105/15, que trouxe a l<strong>um</strong>e o <strong>novo</strong> Código <strong>de</strong><br />

Processo Civil, ainda assim espelha <strong>um</strong> sistema parametriza<strong>do</strong> em regras e<br />

procedimentos para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema que, ao final, objetiva<br />

pro<strong>por</strong>cionar a entrega <strong>do</strong> bem da vida mediante “<strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> prático material<br />

previsto pelo Direito”, <strong>por</strong> intermédio da prestação jurisdicional, mediada pela<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

A prestação jurisdicional, atualmente <strong>–</strong> em que pesem os meios alternativos<br />

para a resolução <strong>de</strong> conflitos, tais como arbitragem, mediação, conciliação, <strong>de</strong>ntre<br />

outras formas existentes ou embrionárias <strong>–</strong> não afastam <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário a<br />

responsabilida<strong>de</strong> maior ao julgar, enfim, <strong>por</strong> <strong>de</strong>cidir as questões que lhes são<br />

apresentadas, além <strong>do</strong> seu papel <strong>de</strong> sentinela da constitucionalida<strong>de</strong>, moldada<br />

segun<strong>do</strong> as regras da organização judiciária.<br />

1<br />

Não se cui<strong>de</strong> que a reforma processual baste, <strong>de</strong> per si, para resolver, como que <strong>por</strong> encanto, to<strong>do</strong>s<br />

os problemas da administração da <strong>justiça</strong>. O melhor sistema processual estará fada<strong>do</strong> a completo<br />

malogro, se não for aplica<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> excelente corpo <strong>de</strong> juízes. É que entre o processo civil e a<br />

organização judiciária <strong>de</strong>ve haver <strong>um</strong> perfeito equilíbrio.


16<br />

O Po<strong>de</strong>r Judiciário e sua organização almejam, <strong>por</strong> esse viés, alcançar a<br />

estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema judiciário, como i<strong>de</strong>ário Constitucional reprisa<strong>do</strong> nas<br />

exposições <strong>de</strong> motivo <strong>do</strong>s CPC’s <strong>de</strong> 1939, 1973 e 2015, em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> mantra<br />

i<strong>de</strong>ológico <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário assenta<strong>do</strong> no solo hermenêutico da interpretação.<br />

Esse órgão, <strong>por</strong>ém, cria<strong>do</strong> historicamente como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> orientação,<br />

pacificação e resolução <strong>de</strong> conflitos, com escopo volta<strong>do</strong> para os interesses da<br />

Justiça, tem, no tempo, se revela<strong>do</strong> consoante interesses <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong><br />

pessoas, enquanto propósitos, divorcia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s fins colima<strong>do</strong>s pelos valores maiores<br />

da própria Justiça.<br />

Melhor explican<strong>do</strong>, o interesse da Justiça não é o mesmo das pessoas; se<br />

isso acontece, não há Justiça, restam somente interesses, como já orientava a<br />

exposição <strong>de</strong> motivos <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 1973: “A aspiração <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a das partes é a <strong>de</strong><br />

ter razão; a finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo é a <strong>de</strong> dar razão a quem efetivamente a tem.”<br />

Infere-se, <strong>por</strong>tanto, <strong>de</strong>ssa assertiva que ninguém, nem mesmo o Esta<strong>do</strong>, está acima<br />

da lei.<br />

Destaca-se disso que o ato <strong>de</strong> julgar ou <strong>de</strong>cidir secularmente se tem<br />

apresenta<strong>do</strong> como exclusivo, reserva<strong>do</strong> a <strong>um</strong> homem que, legitima<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>,<br />

atribui-lhe a responsabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> investi<strong>do</strong> no cargo <strong>de</strong> Juiz, <strong>de</strong> operar como<br />

peça maior e central <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário. Isso é evi<strong>de</strong>nte, <strong>por</strong>que é da<strong>do</strong> a esse ator<br />

o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> tomar as <strong>de</strong>cisões jurisdicionais, o que já era verbaliza<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1939,<br />

<strong>por</strong> Francisco Campos na exposição <strong>de</strong> motivos daquele CPC. 2<br />

2<br />

O primeiro traço <strong>de</strong> relevo na reforma <strong>do</strong> processo haveria, pois, <strong>de</strong> ser a função que se atribue ao<br />

juiz. A direção <strong>do</strong> processo <strong>de</strong>ve caber ao juiz; e este não compete apenas o papel <strong>de</strong> zelar pela<br />

observância formal das regras processuais <strong>por</strong> parte <strong>do</strong>s litigantes, mas o <strong>de</strong> intervir no processo <strong>de</strong><br />

maneira, que este atinja, pelos meios a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s, o objetivo <strong>de</strong> investigação <strong>do</strong>s fatos e <strong>de</strong>scoberta<br />

da verda<strong>de</strong>. Daí a largueza com que lhe são conferi<strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es, que o processo antigo, cingi<strong>do</strong> pelo<br />

rigor <strong>de</strong> princípios privatísticos, hesitava em lhe reconhecer. Quer na direção <strong>do</strong> processo, quer na<br />

formação <strong>do</strong> material submeti<strong>do</strong> a julgamento, a regra que prevalece, embora temperada e<br />

compensada como manda a prudência, é a <strong>de</strong> que o juiz or<strong>de</strong>nará quanto for necessário ao<br />

conhecimento da verda<strong>de</strong>.


17<br />

E complementa Francisco Campos:<br />

Prevaleceu-se o Código, nesse ponto, <strong>do</strong>s benefícios que trouxe ao<br />

mo<strong>de</strong>rno <strong>direito</strong> processual a chamada concepção publicista <strong>do</strong> processo.<br />

Foi o mérito <strong>de</strong>ssa <strong>do</strong>utrina, a propósito da qual <strong>de</strong>ve ser lembra<strong>do</strong> o nome<br />

<strong>de</strong> Giuseppe Chiovenda, o ter <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> com niti<strong>de</strong>z a finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

processo, que é a atuação da vonta<strong>de</strong> da lei n<strong>um</strong> caso <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>. Tal<br />

concepção nos dá, a <strong>um</strong> tempo, não só o caráter público <strong>do</strong> Direito<br />

processual, como a verda<strong>de</strong>ira perspectiva sob que <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar a<br />

cena judiciária em que avulta a figura <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r. O juiz é o Esta<strong>do</strong><br />

administran<strong>do</strong> a <strong>justiça</strong>; não é <strong>um</strong> registro passivo e mecânico <strong>de</strong> fatos, em<br />

relação aos quais não o anima nenh<strong>um</strong> interesse <strong>de</strong> natureza vital. Não lhe<br />

po<strong>de</strong> ser indiferente o interesse da <strong>justiça</strong>. Este é o interesse da<br />

comunida<strong>de</strong>, <strong>do</strong> povo, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e é no juiz que <strong>um</strong> tal interesse se<br />

representa e personifica.<br />

Esse ato <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> ante o Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito é<br />

contestável, ao menos em tese. Sen<strong>do</strong> a exclusivida<strong>de</strong> <strong>um</strong>a das formas <strong>de</strong> exclusão<br />

<strong>de</strong> opção ou opções da pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direitos, seria ela a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

tirania <strong>de</strong>mocrática <strong>do</strong> Direito.<br />

Tal afirmação, todavia, não se sustenta plenamente, na medida em que o<br />

sistema reconhece e autoriza outras formas legítimas para a busca <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong><br />

conflitos, inclusive as já mencionadas, sem afastar, todavia, <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, sua<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>por</strong> garantir legitimida<strong>de</strong> aos Direitos e às Garantias Fundamentais,<br />

principalmente quan<strong>do</strong> viola<strong>do</strong>s pelas outras vias para a obtenção da Justiça.<br />

Todavia, o judiciário representa a última instância e o mecanismo<br />

monopolístico constitucionalmente reconheci<strong>do</strong> e legitima<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Democrático <strong>de</strong> Direito como órgão aplica<strong>do</strong>r ou fiscaliza<strong>do</strong>r da ameaça ou lesão <strong>do</strong><br />

Direito, a quem se reservam a vigilância e a consequente lida corretivas pelas<br />

ameaças e lesões <strong>de</strong> Direito praticadas pelo próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>por</strong> práticas<br />

ativas ou omissivas <strong>do</strong> seu opera<strong>do</strong>r Esta<strong>do</strong>/Juiz, ainda que no exercício regular <strong>de</strong><br />

suas atribuições e funções <strong>judicante</strong>s.<br />

Em que pese a existência <strong>de</strong> meios alternativos para a resolução <strong>de</strong> conflitos<br />

em que o homem participa como media<strong>do</strong>r, em que pese ser o Esta<strong>do</strong>/Juiz <strong>um</strong><br />

signatário maior <strong>do</strong> controle central <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, ainda que órgãos ou meios<br />

possam vigiar suas ações, em ambos os contextos, não se afastam <strong>do</strong> risco da<br />

ameaça e/ou da lesão <strong>de</strong> Direito, aliás, <strong>do</strong> próprio Direito quan<strong>do</strong> manusea<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

sua condição h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong> falibilida<strong>de</strong>.


18<br />

Isso se verifica <strong>por</strong>que o Direito é media<strong>do</strong> pelo homem para o alcance da<br />

Justiça. Suas condições cognitivas refletem-se simetricamente em última instância<br />

nos problemas estruturais e materiais <strong>do</strong> Direito que, cria<strong>do</strong> a partir da participação<br />

direta e indireta <strong>do</strong> próprio homem, ao participar ele, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />

reconstrução e aplicação, prejudica os interesses da própria Justiça.<br />

A Justiça, embora i<strong>de</strong>alizada para acontecer <strong>por</strong> intermédio da jurisdição que<br />

é monopólio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que a exerce <strong>de</strong> forma soberana <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong><br />

seus <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es, o Po<strong>de</strong>r Judiciário, faz-se representada pela figura paternalista <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>/Juiz que passa a ser objeto <strong>de</strong> análise frente a <strong>um</strong>a nova estrutura <strong>de</strong><br />

conhecimento, dada a ausência <strong>de</strong> resolução das anomalias da imprevisibilida<strong>de</strong>, da<br />

morosida<strong>de</strong> e da inefetivida<strong>de</strong> da Justiça material i<strong>de</strong>ologicamente prevista e<br />

prometida pelo diploma Constitucional, pelo atual <strong>paradigma</strong>.<br />

A questão que se propõe, dada a responsabilida<strong>de</strong> encampada pelo Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, está em torno <strong>do</strong> <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>judicante</strong>, <strong>um</strong>a vez<br />

que, sen<strong>do</strong> o ato <strong>de</strong> julgar <strong>um</strong>a atribuição outorgada pelo Esta<strong>do</strong>, é inquestionável<br />

serem <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> extensiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> os atos pratica<strong>do</strong>s pelo opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

sistema Judiciário que lhe é subordina<strong>do</strong>.<br />

Nem sempre, no entanto, os danos causa<strong>do</strong>s <strong>por</strong> esse media<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito<br />

têm o interesse <strong>do</strong> seu usuário em obter o Direito <strong>de</strong> reparação; isso significa dizer<br />

que o que o jurisdiciona<strong>do</strong> almeja, na verda<strong>de</strong>, é sua pretensão primária e o mais<br />

im<strong>por</strong>tante, é o <strong>de</strong> obter o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ter o Direito.<br />

Além disso, a questão <strong>de</strong> fun<strong>do</strong>, quanto ao <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> pontua<strong>do</strong> que será<br />

examina<strong>do</strong> em <strong>por</strong>menores no discorrer da Tese, envolve o conhecimento como <strong>um</strong><br />

to<strong>do</strong>. Causa o <strong>de</strong>salojamento <strong>do</strong> Direito e da Justiça, pela <strong>de</strong>masiada <strong>de</strong>mora,<br />

incerteza e insegurança no âmago <strong>do</strong> sistema judiciário, fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong> conflito<br />

i<strong>de</strong>ológico trava<strong>do</strong> no campo hermêutico <strong>de</strong> interpretação, ao qual a realida<strong>de</strong> social<br />

<strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos não permite mais assistir.<br />

Aventa-se, assim, a hipótese <strong>de</strong> não serem o pensar e a <strong>inteligência</strong>, <strong>de</strong>ntre<br />

outras faculda<strong>de</strong>s intelectivas, prerrogativas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da espécie h<strong>um</strong>ana,<br />

dadas as novas formas organizacionais <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> problemas, <strong>de</strong> trabalho, que<br />

exigem soluções claras para problemas bem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s. 3<br />

3<br />

Como esclarece Honoré: “Os especialistas consi<strong>de</strong>ram que o cérebro opera com <strong>do</strong>is mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

pensamento. Em seu livro Hare Brain, Tortoise Mind <strong>–</strong> Why Intelligence Increases When You Think<br />

Less [Cérebro <strong>de</strong> lebre, mente <strong>de</strong> tartaruga <strong>–</strong> Por que a <strong>inteligência</strong> a<strong>um</strong>enta quan<strong>do</strong> pensamos


19<br />

Assim, passa a ser plenamente <strong>de</strong>fensável a existência <strong>de</strong> tais faculda<strong>de</strong>s em<br />

outras formas <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>, passan<strong>do</strong> a não ser <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> da espécie<br />

h<strong>um</strong>ana para <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s fins, principalmente nos aspectos em que a<br />

tecnologização da ação h<strong>um</strong>ana possa contribuir para o avanço da própria espécie.<br />

Dessa forma, em estan<strong>do</strong> resguarda<strong>do</strong>s os Direitos e as Garantias<br />

Fundamentais previstos na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> ao regime<br />

Democrático <strong>de</strong> Direito, reconhecer <strong>um</strong>a nova epistemologia cognitiva responsável<br />

<strong>por</strong> <strong>de</strong>cidir, da<strong>do</strong> o nível <strong>de</strong> avanço das tecnologias que marcam o <strong>novo</strong> século,<br />

torna-se coerente afirmar que o Direito possa ser media<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Inteligência<br />

Artificial.<br />

Para isso, o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sce artesianamente, filtran<strong>do</strong> os aspectos da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a certificar da compatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse “meio” como<br />

tecnologia em <strong>inteligência</strong> não h<strong>um</strong>ana, apta ao pleno funcionamento no âmbito <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a informática <strong>de</strong>cisória ou <strong>de</strong> julgamento.<br />

Haveria, assim, o acolhimento e o reconhecimento no sistema jurídico <strong>de</strong><br />

mais <strong>um</strong> meio alternativo para a informação, a orientação e a resolução <strong>de</strong> conflitos,<br />

conceben<strong>do</strong> ao jurisdiciona<strong>do</strong> a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer ao Po<strong>de</strong>r Cibernético<br />

Judicante. É esse <strong>um</strong> <strong>do</strong>s cernes da Tese, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se opção, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não<br />

venha a colidir com os Direitos e as Garantias Fundamentais.<br />

É <strong>um</strong>a das formas <strong>de</strong> reconhecimento e <strong>de</strong> concretização material <strong>do</strong> regime<br />

Democrático <strong>de</strong> Direito o reconhecimento da pluralida<strong>de</strong> e das diversida<strong>de</strong>s, a<br />

outorga da Justiça ao jurisdiciona<strong>do</strong>, diferente da forma como se consi<strong>de</strong>ra<br />

classicamente o Po<strong>de</strong>r Judiciário da<strong>do</strong> somente <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça<br />

Judiciária cujo opera<strong>do</strong>r é o Esta<strong>do</strong>/Juiz.<br />

Assim, a Justiça mediada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial representaria mais <strong>um</strong><br />

meio alternativo para a informação, a simulação e a orientação <strong>de</strong> Direitos bem<br />

como para a resolução <strong>de</strong> conflitos: o propósito <strong>de</strong> <strong>um</strong> Po<strong>de</strong>r Judicante Cibernético<br />

como <strong>um</strong> <strong>do</strong>s canais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na operação <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> Direito.<br />

menos], o psicólogo britânico Guy Claxton refere-se a eles como Pensamento Rápi<strong>do</strong> e Pensamento<br />

Devagar. O Pensamento Rápi<strong>do</strong> e Pensamento Devagar. O Pensamento Rápi<strong>do</strong> é racional, analítico,<br />

linear e lógico. É o que fazemos quan<strong>do</strong> estamos sob pressão, ante o tique-taque <strong>do</strong> relógio; é a<br />

maneira como os computa<strong>do</strong>res pensam e também a maneira como funcionam nossos ambientes<br />

mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> trabalho; graças a ele, po<strong>de</strong>mos obter soluções claras para problemas bem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s<br />

(HONORÉ, Carl. Devagar; tradução Clóvis Marques. 7. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 2012, p. 142-<br />

143).”


20<br />

Isso representaria mais <strong>um</strong>a forma alternativa na resolução <strong>de</strong> conflitos bem<br />

como o reconhecimento <strong>do</strong> avanço da tecnologia como partícipe inafastável <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

nova realida<strong>de</strong> social, em que as regras previstas na lei e a conduta h<strong>um</strong>ana, ambas<br />

<strong>de</strong>vidamente categorizadas, possam algoritmicamente ser mediadas <strong>por</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

tecnológico.<br />

A tecnologização da Justiça, <strong>por</strong> intermédio da Inteligência Artificial (IA), em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> seu caráter <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização geraria a entrega <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

participação neutra e imparcial específica, reconhecida pelos representantes da<br />

comunida<strong>de</strong> jurídica.Passaria a ser <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> crível e possível no campo da<br />

efetivida<strong>de</strong> material <strong>do</strong> Direito, ainda que seu conceito como <strong>um</strong> fenômeno mutável<br />

passasse <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> reconceituação. Se convenciona<strong>do</strong> e aprova<strong>do</strong> pela<br />

comunida<strong>de</strong> científica das ciências jurídicas, passaria a ser legítimo e legal,<br />

internalizan<strong>do</strong>-se ao sistema judiciário.<br />

A base cibernética contribuiria para a integração, a uniformização e a<br />

padronização exigidas pelas <strong>de</strong>mandas, principalmente as <strong>de</strong> massas, conforme se<br />

extrai da exposição <strong>de</strong> motivos <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 2015 “Com os mesmos objetivos, criouse,<br />

com inspiração no <strong>direito</strong> alemão, o já referi<strong>do</strong> Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

Resolução <strong>de</strong> Demandas Repetitivas (IIRDR), que consiste na i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />

processos que contenham a mesma questão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>[...]”.<br />

A acessibilida<strong>de</strong> e a previsibilida<strong>de</strong> quanto ao resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito na<br />

concretização da Justiça passariam a ter <strong>um</strong>a reconfiguração mais efetiva e estável<br />

<strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> integração, uniformização e padronização <strong>de</strong> informações e <strong>de</strong><br />

da<strong>do</strong>s, minimizan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ssa forma, o risco <strong>de</strong> se conviver com <strong>de</strong>cisões díspares e<br />

conflitantes.<br />

Sinaliza essa ferramenta técnica processual, <strong>do</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong><br />

Demandas Repetitivas (IIRDR) como instituto processual incor<strong>por</strong>a<strong>do</strong> ao sistema<br />

processual para o alcance da Justiça, a partir <strong>de</strong> 2016 quan<strong>do</strong> vigente, na<br />

preocupação <strong>do</strong> próprio sistema judiciário <strong>por</strong> sua fragmentação, diante da<br />

probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>cisões conflitantes geram pela ausência <strong>de</strong> integração,<br />

unificação e uniformização.<br />

Essa falha sistêmica jurídica causa inevitavelmente o <strong>de</strong>scrédito e<br />

consequente afastamento <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário que estaria a insistir na Justiça<br />

i<strong>de</strong>ologicamente formal. Aliás, é bem verda<strong>de</strong> que qualquer sistema, quan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong><br />

suas peças é insuficiente ou não compatível para os seus fins, no caso <strong>do</strong> sistema


21<br />

judiciário, o or<strong>de</strong>namento passa a conviver com <strong>um</strong>a real ausência <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong><br />

material, o que aparece alar<strong>de</strong>a<strong>do</strong> nos CPC’s <strong>de</strong> 1939, 1973 e 2015.<br />

Nessa perspectiva, sen<strong>do</strong> o Direito e a Justiça formas secularmente<br />

conhecidas e reconhecidas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os perío<strong>do</strong>s mais remotos, como mo<strong>de</strong>los,<br />

<strong>paradigma</strong>s <strong>de</strong> transição, legalmente implementa<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> e legitimamente<br />

aceitos pela socieda<strong>de</strong>, atualmente, dada a excessiva procura, aliada à<br />

complexida<strong>de</strong> advinda em <strong>de</strong>corrência da <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica, esse sistema,<br />

operacionaliza<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>/Juiz, tem-se mostra<strong>do</strong> ineficaz.<br />

Destarte, a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong> padrão reconheci<strong>do</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong><br />

seguimento ou da natureza, representa <strong>um</strong> pressuposto que permite prever que, em<br />

alg<strong>um</strong> momento, haverá <strong>um</strong>a ruptura como mo<strong>de</strong>lo anterior, dadas as condições <strong>do</strong><br />

não atendimento à manifestação das necessida<strong>de</strong>s existentes causadas pelo atual<br />

mo<strong>de</strong>lo. Por isso, <strong>do</strong> questionamento à Justiça judiciária quanto à probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ruptura <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo e o surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>, em que a<br />

tecnologização possa aquilatar e participar como elemento central.<br />

Operar na pon<strong>de</strong>ração da aplicação <strong>do</strong> Direito como media<strong>do</strong>ra e, com isso,<br />

<strong>de</strong>monstrar como o apanágio <strong>de</strong>ssa mudança e a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> que esse<br />

processo <strong>de</strong> ruptura não está acontecen<strong>do</strong> aleatoriamente representa, em concreto,<br />

<strong>um</strong>a fratura incomensurável não radical e ao mesmo tempo multidisciplinar da<br />

realida<strong>de</strong> existente, em contraste com <strong>um</strong>a outra, que exige <strong>um</strong>a estratégia material<br />

diferente para o enfrentamento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

A Inteligência Artificial, nesse contexto, representa <strong>um</strong>a tecnologia em<br />

<strong>inteligência</strong> nutrida <strong>de</strong> técnicas multifacetadass, tanto quanto representaram e<br />

representam a oralida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana e a escrita, com a distinção <strong>de</strong> que a <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>ana da <strong>de</strong>scoberta criou a IA. E essa, para os fins da presente pesquisa, não se<br />

limita como <strong>um</strong> simples meio alternativo <strong>de</strong> tecnologia em si, mas como meio cuja<br />

linguagem tem utilida<strong>de</strong> eficaz inclusive na mutação <strong>do</strong> Direito Processual em sua<br />

evolução.<br />

Aliás, o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>tém base científica ao compreen<strong>de</strong>r que o <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo tem<br />

fundamento, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> insatisfação reprimida refletida<br />

estatisticamente no atual <strong>de</strong>scrédito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong><br />

Justiça pro<strong>por</strong>cionada ao jurisdiciona<strong>do</strong>, que vem transforman<strong>do</strong> a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral em mera etiqueta i<strong>de</strong>ológica da Justiça.


22<br />

Por isso, <strong>do</strong> clássico A estrutura das revoluções científicas, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong><br />

Thomas Kuhn, é extraí<strong>do</strong> que o conhecimento <strong>–</strong> e tu<strong>do</strong> <strong>por</strong> ele gera<strong>do</strong> em alg<strong>um</strong><br />

momento <strong>–</strong> po<strong>de</strong> sofrer mudanças significativas, inclusive <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s processos<br />

previamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s e estabeleci<strong>do</strong>s pelo conhecimento <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> em<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tempo e espaço.<br />

O dinamismo é <strong>um</strong> aspecto da ciência merece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> tratamento exordial na<br />

presente Tese, como pressuposto <strong>do</strong> estabelecimento da base cognitiva científica<br />

para compreensão da concepção <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>, que se perfaz no seio da<br />

comunida<strong>de</strong> científica, a partir da percepção que ela faz com relação ao mun<strong>do</strong> que<br />

a circunda.<br />

Na ciência <strong>do</strong> Direito, esse fenômeno não parece diferente, <strong>um</strong>a vez que é<br />

evi<strong>de</strong>nte a presença <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo dada a mutabilida<strong>de</strong> com que o com<strong>por</strong>tamento da<br />

socieda<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sloca <strong>de</strong> tempos em tempos <strong>de</strong> “insight”. Ela ocorre na<br />

concatenação <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s conceitos para a sedimentação <strong>do</strong>s anteriores.<br />

Atualmente, o que se tem como <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> é <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Justiça judiciária<br />

(<strong>de</strong>nominação reticulada para os <strong>limite</strong>s <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong>), conten<strong>do</strong> to<strong>do</strong> <strong>um</strong><br />

histórico, <strong>um</strong>a infraestrutura e <strong>um</strong>a estrutura <strong>de</strong> conhecimento que a tornam única,<br />

exclusiva e responsável pela entrega da prestação jurisdicional estatal, em que o<br />

Esta<strong>do</strong>/Juiz é o central opera<strong>do</strong>r.<br />

É <strong>um</strong> sistema físico-químico/orgânico que, pela limitação cognitiva com<strong>um</strong> ao<br />

gênero <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> em que o homem/Juiz é espécie, apresenta problemas na acepção<br />

maior <strong>de</strong> Justiça e <strong>de</strong> seus atributos, como já sinaliza<strong>do</strong>.<br />

Sob esse aspecto, os pesquisa<strong>do</strong>res da ciência <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong>bruçam-se para<br />

<strong>de</strong>nunciar que o mo<strong>de</strong>lo oferta<strong>do</strong> para a entrega da Justiça, além <strong>de</strong> questionável, é<br />

superável, dada sua ineficiência material. 4<br />

4<br />

Para Goldstein, “A prova e o para<strong>do</strong>xo <strong>de</strong> Kurt Go<strong>de</strong>l..., Em ciência [...] O <strong>novo</strong> somente nasce com<br />

dificulda<strong>de</strong>, é vítima da resistência, diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> cenário pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pela expectativa.<br />

Inicialmente, apenas o previsto ou o que conhecemos é que nos permitimos experimentar, mesmo<br />

que mais tar<strong>de</strong> a anomalia i<strong>de</strong>ntificada seja observada e reconhecida (GOLDSTEIN, Rebecca.<br />

Incompletu<strong>de</strong>: a prova e o para<strong>do</strong>xo <strong>de</strong> Kurt Gö<strong>de</strong>l; tradução Ivo Korytowski. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 2008).”


23<br />

O mo<strong>de</strong>lo opera<strong>do</strong> pelo “Esta<strong>do</strong>/Juiz” a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a atribuição realizada pelo<br />

Esta<strong>do</strong>, órgão que organiza, distribui e <strong>de</strong>lega suas funções a seus subordina<strong>do</strong>s,<br />

tem permiti<strong>do</strong> ao longo <strong>de</strong> sua experiência prática experimentar problemas das mais<br />

diversas naturezas, <strong>de</strong>ntre elas a impossibilida<strong>de</strong> da garantia da neutralida<strong>de</strong> e da<br />

imparcialida<strong>de</strong> nas <strong>de</strong>cisões, e a morosida<strong>de</strong> na concretização da Justiça.<br />

Isso se dá <strong>por</strong>que o sistema <strong>de</strong> operacionalização da lei e da distribuição da<br />

Justiça é media<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>/Juiz na aplicação da lei às questões que lhe são<br />

subordinadas. A questão tem <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> atenção pela fragilida<strong>de</strong> com que a<br />

intelectualida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana é limitada e pela facilida<strong>de</strong> com que suas faculda<strong>de</strong>s são<br />

influenciáveis.<br />

Nesse processo, o Esta<strong>do</strong>/Juiz, a partir <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s lógicos, hermenêuticos,<br />

epistemológicos e sistematiza<strong>do</strong>s realiza os processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>codificação,<br />

interpretação e reconstrução <strong>do</strong> Direito para a aplicação aos casos concretos. No<br />

entanto, o resulta<strong>do</strong> quase sempre é toma<strong>do</strong> <strong>de</strong> aceitação duvi<strong>do</strong>sa, pois alguns<br />

princípios, <strong>de</strong>ntre eles os da imparcialida<strong>de</strong> e da neutralida<strong>de</strong>, são postula<strong>do</strong>s<br />

gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>um</strong> dilema incontornável, quan<strong>do</strong> os <strong>do</strong>gmas da certeza e da<br />

previsibilida<strong>de</strong> são convoca<strong>do</strong>s a prestar contas.<br />

Tem-se, então, prejudicada a credibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito e da Justiça, cuja<br />

expectativa <strong>de</strong> alcance se dá a partir da concretização material <strong>do</strong> Direito.Tal fato,<br />

episodicamente, não acontece como proposto na Carta Constitucional <strong>de</strong> forma<br />

plena e sem previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que isso venha a acontecer, na medida em que a<br />

base cognitiva vê-se impossibilitada <strong>de</strong> realizá-la, diante das intermináveis<br />

contradições i<strong>de</strong>ológicas realizadas pelo opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito quan<strong>do</strong> da entrega da<br />

Justiça.<br />

Isso acontece <strong>por</strong>que a estrutura <strong>do</strong> conhecimento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, pressuposto vital<br />

ao exercício <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “Justiça judiciária”, é falível, em <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>de</strong> sua limitação cognitiva.<br />

Observa-se que <strong>um</strong> <strong>do</strong>s maiores riscos oferta<strong>do</strong>s ao Po<strong>de</strong>r Judiciário na<br />

operacionalização <strong>do</strong> Direito para o alcance da Justiça é reserva<strong>do</strong> ao risco <strong>do</strong><br />

sistema <strong>cognitivo</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> (e que é a peça operacional central <strong>do</strong> sistema judiciário),<br />

face à imprevisibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus senti<strong>do</strong>s, “os conectores” <strong>do</strong> seu eu, e o eu <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>, que, se não se estabelecer <strong>de</strong> forma clara e objetiva, turvará sua percepção<br />

frente à realida<strong>de</strong> assistida, causan<strong>do</strong>-lhe falhas, erros e equívocos em suas<br />

<strong>de</strong>cisões.


24<br />

Dessa forma, <strong>um</strong>a vez disponível, o Direito, como regra vigente para sua<br />

aplicação, ou melhor, como conhecimento váli<strong>do</strong> e legítimo para orientar a<br />

socieda<strong>de</strong> como regra <strong>de</strong> conduta aceitável, passa <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> reconstrução<br />

quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua convocação para aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>terminada ocorrência no mun<strong>do</strong><br />

prático-social.<br />

No entanto, o conhecimento <strong>do</strong> Direito para sua aplicação passa a ser<br />

contamina<strong>do</strong> pela intervenção <strong>do</strong> homem e <strong>por</strong> seus aspectos i<strong>de</strong>ológicos, isto é, o<br />

Direito começa, em si, a ser <strong>de</strong>svirtua<strong>do</strong> <strong>por</strong> fatores diversos que influenciam seu<br />

opera<strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua reconstrução, não terminan<strong>do</strong> o ciclo, nem sempre, em seu<br />

início, que é a lei, disso se extrai a in<strong>justiça</strong>.<br />

Nesse cenário, a Justiça passa a não acontecer <strong>por</strong> ausência <strong>de</strong> elementos<br />

essenciais ou para alguns <strong>de</strong> pressupostos essenciais váli<strong>do</strong>s ao c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong><br />

seus fins. É perceptível que, se o mo<strong>de</strong>lo existente <strong>de</strong> Justiçaé é eficaz ou não, tem<br />

em si, anterior à sua estruturação, <strong>um</strong> conhecimento que lhe dá a estatura <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong><br />

(regra <strong>de</strong> conduta), a fim <strong>de</strong> legitimá-lo como tal, outorgan<strong>do</strong>-lhe <strong>po<strong>de</strong>r</strong> e<br />

reconhecimento da <strong>de</strong>cisão, pois esteve <strong>de</strong>ntro da moldura pro<strong>por</strong>cionada pela lei,<br />

<strong>por</strong>tanto, Justiça é a aplicação <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito vincula<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a lei.<br />

A estrutura <strong>do</strong> conhecimento da norma é ponto inconteste, salvo mudanças<br />

da estrutura diante <strong>do</strong> não atendimento em <strong>de</strong>corrência da evolução da socieda<strong>de</strong> a<br />

que se <strong>de</strong>stina, o que é diferente <strong>do</strong> conhecimento exercita<strong>do</strong> pelo homem quan<strong>do</strong><br />

da aplicação <strong>do</strong> conjunto normativo disponível para aplicabilida<strong>de</strong>.<br />

O mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> Direito mo<strong>de</strong>rno representa a postura da força para a<br />

manutenção da or<strong>de</strong>m sobre o caos, <strong>por</strong>ém não o nega, ao contrário, data o fim <strong>do</strong><br />

ciclo com o advento da emancipação <strong>do</strong> homem, da ciência e da tecnologia como<br />

mo<strong>de</strong>lo da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, pois, frente a <strong>um</strong>a logicida<strong>de</strong> e a <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong><br />

distintas, o sistema judiciário media<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>/juiz tem-se revela<strong>do</strong> incompatível<br />

com as necessida<strong>de</strong>s e as exigências da vida pós-mo<strong>de</strong>rna. 5 Em <strong>um</strong> <strong>novo</strong> momento<br />

5<br />

É nesse ponto elementar que a passagem <strong>de</strong> Boaventura Santos fornece oxigênio intelectual a tal<br />

propósito, senão vejamos: “A or<strong>de</strong>m que se buscava era, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início e simultaneamente, a or<strong>de</strong>m<br />

da natureza e a or<strong>de</strong>m da socieda<strong>de</strong>. Enquanto a tensão entre regular e a emancipação foi<br />

protagonista no <strong>paradigma</strong> da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a or<strong>de</strong>m foi sempre concebida n<strong>um</strong>a tensão dialética<br />

com a solidarieda<strong>de</strong>, tensão que seria superada mediante <strong>um</strong>a nova síntese: a i<strong>de</strong>ia da “boa or<strong>de</strong>m”.<br />

Desaparecida a tensão, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> boa or<strong>de</strong>m daria lugar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m tout court. Ao <strong>direito</strong><br />

mo<strong>de</strong>rno foi atribuída a tarefa <strong>de</strong> assegurar a or<strong>de</strong>m exigida pelo capitalismo, cujo <strong>de</strong>senvolvimento<br />

ocorrera n<strong>um</strong> clima <strong>de</strong> caos social que era, em parte, obra sua. O <strong>direito</strong> mo<strong>de</strong>rno <strong>passo</strong>u, assim, a<br />

constituir <strong>um</strong> racionaliza<strong>do</strong>r <strong>de</strong> segunda or<strong>de</strong>m da vida social, <strong>um</strong> substituto da conscientização da<br />

socieda<strong>de</strong>, o ersatz que mais se aproximava <strong>–</strong> pelo menos no momento da plena cientificização da<br />

socieda<strong>de</strong> que só <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser fruto da própria ciência mo<strong>de</strong>rna <strong>–</strong> para <strong>de</strong>sempenhar essa função, o


25<br />

histórico, da<strong>do</strong>s os avanços das ciências, a pesquisa encontra nesse solo elementos<br />

que <strong>de</strong>marcam as trincas e as rachaduras <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo mo<strong>de</strong>rno, abrin<strong>do</strong>, assim,<br />

espaço para <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> encampa<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a nova estrutura cognitiva <strong>de</strong><br />

gestão para a aplicação <strong>do</strong> Direito em to<strong>do</strong> seu sistema operacional, exigi<strong>do</strong>s pela<br />

pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

Essa fenda gerada no sistema operacional <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário é tributária da<br />

insuficiência da estrutura psicológica <strong>do</strong> homem como homo sapiens e sua fácil<br />

influenciabilida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> das tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões, <strong>por</strong> fatores <strong>do</strong>s mais diversos,<br />

tais como pessoalida<strong>de</strong>, subjetivida<strong>de</strong>, econômico, políticos, <strong>de</strong>ntre outros que o<br />

exponham a aspectos valorativos ou morais.<br />

A realida<strong>de</strong> perceptiva <strong>do</strong> homem o torna <strong>um</strong> “ser” <strong>de</strong> limitações <strong>de</strong> sua<br />

própria realida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em que vive. E isso é objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> científico da<br />

obra Judgment un<strong>de</strong>r uncertainty: Heuristics and biases, <strong>de</strong> Kahneman, Slovic e<br />

Tversky (Julgamento sob incerteza: bases e heurísticas), tradução pessoal, que<br />

embasa cientificamente a questão enfrentada quan<strong>do</strong> o dilema da probabilida<strong>de</strong><br />

cognitiva enfrenta o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> pântano da representativida<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionada<br />

pelos senti<strong>do</strong>s e o risco <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s, quase sempre obti<strong>do</strong>s pela intuição<br />

perceptiva.<br />

Portanto, o <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>judicante</strong> representa <strong>um</strong> <strong>do</strong>s<br />

maiores problemas <strong>do</strong> Judiciário diante da nova era secular, cuja marca se baseia<br />

no avanço da tecnologia e com ela na tecnologizaçãodas ações h<strong>um</strong>anas em to<strong>do</strong>s<br />

os senti<strong>do</strong>s e em todas as formas pelas machine’s sapiens.<br />

Sen<strong>do</strong> o opera<strong>do</strong>r da Justiça <strong>um</strong>a peça central <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á o representante supremo e ícone i<strong>de</strong>ntidário da Justiça ser <strong>um</strong><br />

<strong>paradigma</strong>? Como to<strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, em dadas circunstâncias sua ruptura representa<br />

<strong>um</strong>a condição natural <strong>do</strong> ciclo.<br />

<strong>direito</strong> mo<strong>de</strong>rno teve <strong>de</strong> se submeter a racionalida<strong>de</strong> <strong>cognitivo</strong>-instr<strong>um</strong>ental da ciência mo<strong>de</strong>rna e<br />

tornar-se ele próprio científico. A cientificização <strong>do</strong> <strong>direito</strong> mo<strong>de</strong>rno envolveu também sua estatização,<br />

já que a prevalência política da or<strong>de</strong>msobre o caos foi atribuída ao Esta<strong>do</strong> Mo<strong>de</strong>rno, pelo menos<br />

transitoriamente, enquanto a ciência e a tecnologia não pu<strong>de</strong>ssem assegurar <strong>por</strong> si mesmas<br />

(SANTOS, Boaventura <strong>de</strong> Sousa. A crítica da razão in<strong>do</strong>lente: contra o <strong>de</strong>sperdício da experiência.<br />

8. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 119)”.


26<br />

Torna-se insurgente <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo operacional geri<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

<strong>cibernético</strong> parametriza<strong>do</strong> pela Inteligência Artificial conteudista <strong>de</strong> <strong>um</strong>a gramática,<br />

da sintaxe e <strong>um</strong>a semântica estabelecidas segun<strong>do</strong> a natureza da nova linguagem<br />

e, <strong>por</strong> consequência, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> padrão <strong>de</strong> Justiça. Para Giere “Uma Revisão <strong>de</strong> Giere<br />

da Ciência sem Leis e Perspectivismo Científico (2009)”, seja inevitável. 6<br />

O homem, valen<strong>do</strong>-se da ciência, tem <strong>de</strong>scoberto e reconheci<strong>do</strong> a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua complexida<strong>de</strong> estar sen<strong>do</strong> aos poucos <strong>de</strong>svendada. Nesse<br />

processo científico, tem observa<strong>do</strong> que a tecnologia e as máquinas que ela produz<br />

são seus alia<strong>do</strong>s.<br />

Não que essa nova forma cognitiva ou instr<strong>um</strong>ental o substitua<br />

<strong>de</strong>finitivamente, mas talvez ela possa adiantar o andar da viagem r<strong>um</strong>o ao futuro,<br />

inclusive na concretização da Justiça em <strong>um</strong>a era <strong>de</strong>marcada pela trans<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>.<br />

Sen<strong>do</strong> ela <strong>um</strong> produto social essencial, tal status somente <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser pleno<br />

quan<strong>do</strong> cada cidadão pu<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sfrutar, a qualquer hora <strong>do</strong> dia e da noite, <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

acesso a consultar e a obter <strong>um</strong>a resposta, simulada ou concreta, a seus Direitos, a<br />

obter <strong>um</strong>a Justiça rápida que, ao ser concedida, não esteja sob a influência da<br />

pessoalida<strong>de</strong> ou da subjetivida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

É nessa cruzada entre o sistema da Justiça judiciária e a condição <strong>de</strong> seu<br />

maior representante, “o Esta<strong>do</strong>/Juiz”, que <strong>de</strong>manda<strong>do</strong> <strong>por</strong> seus assemelha<strong>do</strong>s<br />

excessivamente, a níveis sub<strong>um</strong>anos, trabalhan<strong>do</strong> em condições hostis, quase que<br />

como <strong>um</strong>a máquina, <strong>por</strong> sua própria condição h<strong>um</strong>ana, enfrenta e encontra na sua<br />

própria limitação a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer a entrega da Justiça da pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

Por isso, o insight <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema que se afasta da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana como<br />

media<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Direito e passa para <strong>um</strong> Direito media<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial<br />

mostra-se factível. Tal mudança representa <strong>um</strong> <strong>de</strong>senvolvimento positivo que a<br />

história registra a partir da presença inafastável da tecnologia e da mutação causada<br />

com o seu advento.<br />

6<br />

O com<strong>por</strong>tamento <strong>do</strong> lógico, matemático e cientista é a parte mais difícil <strong>do</strong> campo <strong>do</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e, possivelmente, o fenômeno mais sutil e complexo já submeti<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a<br />

análise lógica, matemática, ou científica, mas <strong>por</strong>que ainda não foi bem analisa<strong>do</strong> não se <strong>de</strong>ve<br />

concluir que se trata <strong>de</strong> <strong>um</strong> tipo diferente <strong>de</strong> campo, que será aborda<strong>do</strong> apenas com <strong>um</strong> tipo diferente<br />

<strong>de</strong> análise.


27<br />

Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> divisor <strong>de</strong> águas, aqui consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como estímulo <strong>do</strong><br />

progresso histórico, como verbaliza Max Horkheimer (2002, p. 183), em trecho da<br />

obra Eclipse da Razão:<br />

Cada vez mais na história, as i<strong>de</strong>ias se <strong>de</strong>sfizeram <strong>do</strong>s seus cueiros e<br />

lutaram contra os sistemas sociais que as incomodavam. A causa, em<br />

ampla escala, é o fato <strong>de</strong> que o espírito, a linguagem e to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mínios<br />

da mente sempre colocam em jogo, necessariamente, aspirações<br />

universais. Até mesmo os grupos <strong>do</strong>minantes, que preten<strong>de</strong>m antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os seus interesses particulares, <strong>de</strong>vem acentuar motivos<br />

universais na religião, na moralida<strong>de</strong> e na ciência. Dão assim origem à<br />

contradição entre o existente e i<strong>de</strong>ologia, <strong>um</strong>a contradição que estimula o<br />

progresso histórico.<br />

Por ser o homem <strong>um</strong>a peça, como todas as <strong>de</strong>mais, orgânicas ou não,<br />

inanimadas ou não, que compõem o sistema biofísico ou bioquímico, sua<br />

substituição ou seu reposicionamento são “fatos” reais a serem consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s,<br />

<strong>por</strong>tanto,críveis e possíveis, ainda que não o sejam neste instante. 7<br />

No cenário em questão, a Justiça tornar-se-á <strong>um</strong> produto <strong>de</strong> acesso também<br />

pela via <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema digital, em que o controle <strong>do</strong>s casos e das <strong>de</strong>cisões<br />

passariam a ser realizadas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a organização categorial <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong><br />

algoritmos, gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>um</strong>a sistematização capaz <strong>de</strong> integrar, uniformizar e<br />

padronizar as questões tratadas <strong>por</strong> temas, naturezas, espécies, tipos ou<br />

procedimentos, em <strong>um</strong>a plataforma institucional digital processual <strong>de</strong>senvolvida <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem <strong>de</strong> programação em matrizes semânticas.<br />

Abastecida, administrada e fiscalizada pela espécie h<strong>um</strong>ana, isenta-a<br />

somente <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> aplicação das regras aos fatos formaliza<strong>do</strong>s, a<br />

partir <strong>do</strong>s critérios previamente pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s para inserção <strong>do</strong> sistema.<br />

O acesso da socieda<strong>de</strong> à consulta <strong>de</strong> seus Direitos e Garantias passaria a ser<br />

realiza<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> terminais eletrônicos interliga<strong>do</strong>s e integra<strong>do</strong>s às bases<br />

legais <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema maior, que permitirá <strong>–</strong> <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial e<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem eletrônica <strong>–</strong> entregar a cada cidadão o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> conhecer seus<br />

Direitos, antes mesmo <strong>de</strong> buscar no Esta<strong>do</strong> <strong>um</strong>a participação ativa para a resolução<br />

7<br />

Como bem ilustra<strong>do</strong> <strong>por</strong> Braga (SDP), “As máquinas não fazem extrapolações, induções, <strong>de</strong>duções<br />

ou pressuposições. É necessário treiná-las, programá-las, simular as re<strong>de</strong>s neurais <strong>do</strong> nosso cérebro,<br />

gerar <strong>artificial</strong>mente os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> processamento da linguagem e <strong>do</strong> conhecimento que possuímos.<br />

Eis o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>sta tarefa <strong>de</strong> ensinar as máquinas (BRAGA, Daniela. Máquinas falantes: <strong>novo</strong>s<br />

<strong>paradigma</strong>s da língua e da linguística. Disponível em:<br />

. Acesso em: 19 abr.<br />

2013).”


28<br />

<strong>de</strong> seus conflitos, que também disponibilizaria facultativamente que o caso fosse<br />

media<strong>do</strong> pela Justiça Cibernética.<br />

As <strong>de</strong>cisões das questões conflituosas ficariam aos cuida<strong>do</strong>s <strong>de</strong> profissionais<br />

que gozassem da capacida<strong>de</strong> postulatória, a partir <strong>de</strong> sua certificação ao órgão<br />

representativo e <strong>de</strong> sua capacitação para operacionalização <strong>do</strong> sistema junto ao<br />

Po<strong>de</strong>r Cibernético Judicante, <strong>inteligência</strong> essa capaz <strong>de</strong> gerir <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong><br />

mediação <strong>de</strong> regras, pois nutriria autonomia e in<strong>de</strong>pendência em sua<br />

meto<strong>do</strong>logização <strong>de</strong> funcionamento.<br />

A proposta supera a ficção ou a alucinação futurista <strong>de</strong> impressionar com<br />

suposições, parafrasean<strong>do</strong> Penrose, é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar observada no<br />

homem que o fez superar suas limitações e sobre<strong>por</strong>-se às <strong>de</strong>mais criaturas, ao<br />

menos em tese (se o inverso acontecesse), o faria inferior às <strong>de</strong>mais criaturas? Se<br />

isso for prova<strong>do</strong>, o “pensar”e a “<strong>inteligência</strong>” não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão ser atributos exclusivos <strong>do</strong><br />

homem, mas, ao contrário, atributos da cognição <strong>de</strong> que o homem, como <strong>um</strong><br />

sistema bioquímico ou biofísico, em alg<strong>um</strong> momento se apropriou.<br />

Nada impe<strong>de</strong>, <strong>por</strong>tanto, que outras espécies <strong>de</strong> sistemas possuam a<br />

faculda<strong>de</strong> <strong>do</strong> “pensar” e da “<strong>inteligência</strong>”, pois se esses são atributos essenciais ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> homem, não sen<strong>do</strong> esses atributos condicionantes exclusivos<br />

da espécie h<strong>um</strong>ana, as <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> vida, sejam h<strong>um</strong>anas ou não, não<br />

estariam impedidas <strong>de</strong> utilizá-las.<br />

Portanto, o rompimento com as formas clássicas <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong> Processual não<br />

visa apagar a memória <strong>do</strong> conhecimento produzi<strong>do</strong>, mas, ao contrário, <strong>de</strong>monstra<br />

que a produção permite que novas competências e habilida<strong>de</strong>s possam ser<br />

produzidas, a partir <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s <strong>paradigma</strong>s, os quais rompem com o totalitarismo<br />

<strong>de</strong>dutivista não mais aplicáveis à realida<strong>de</strong> social vigente como consequência<br />

natural ao mo<strong>de</strong>lo em estágio <strong>de</strong> superação (ruptura).<br />

Com isso, avaliza o ponto <strong>de</strong> vista indutivista <strong>do</strong> cientista/pesquisa<strong>do</strong>r no<br />

rompimento com as tradições e com isso produzin<strong>do</strong> a evolução da cultura social e<br />

das ciências que esse vê como fruto e frutifica<strong>do</strong>r.


29<br />

1 ASPECTOS PROPEDÊUTICOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO<br />

1.1 A formação estrutural <strong>do</strong> conhecimento<br />

A estrutura <strong>do</strong> conhecimento como <strong>um</strong> sistema é dialeticamente construída<br />

pelo exercício prático <strong>do</strong> próprio conhecimento, é <strong>um</strong>a relação <strong>de</strong> constituinte e<br />

constituí<strong>do</strong>, <strong>um</strong> processo que também é histórico e que se faz como na história, <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a relação constante, em que se cria e se faz criar. 8<br />

Atualmente, a produção <strong>do</strong> conhecimento advém das <strong>de</strong>nominadas Big<br />

Science e Small Science, as quais representam <strong>um</strong>a forma distribuída e integrativa<br />

<strong>de</strong> realizar-se com maior celerida<strong>de</strong> e eficiência a produção <strong>do</strong> conhecimento<br />

promovida pela participação ativa <strong>do</strong>s órgãos, governamentais ou não, no processo<br />

<strong>de</strong> mudanças nas ciências após a segunda guerra mundial.<br />

Nesse processo, as ciências norteiam-se para <strong>um</strong>a melhor compreensão,<br />

explicação e aplicação, tanto no campo teórico como no prático, em prol da<br />

formação <strong>do</strong> conhecimento da espécie h<strong>um</strong>ana e com isso contribuin<strong>do</strong> para o<br />

progresso científico das ciências aplicadas.<br />

Estruturalmente, o conhecimento é representa<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

elementos responsáveis <strong>por</strong> dar-lhe requisitos para, assim, torná-lo apto não<br />

somente a essa condição <strong>de</strong> conhecimento, ou seja, conten<strong>do</strong> pressupostos tais<br />

como sistematização, cientificida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre outros atributos que lhe concebe tal<br />

estatura.<br />

Por isso, na engenharia da razão e na dialeticida<strong>de</strong> <strong>do</strong> espaço, o<br />

conhecimento é convoca<strong>do</strong> a respon<strong>de</strong>r e a justificar suas respostas cognitivas, em<br />

<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas <strong>de</strong>le próprio, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a justificá-lo<br />

explicativamente, em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> conhecimento consigo mesmo.<br />

8<br />

Segun<strong>do</strong> Sanvito, “O conhecimento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> animal <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> longo processo <strong>de</strong> maturação,<br />

adquiri<strong>do</strong> através <strong>de</strong> mecanismos evolutivos e da <strong>de</strong>cantação das experiências face aos problemas<br />

<strong>do</strong> dia a dia. Uma estratégia particular po<strong>de</strong> transformar <strong>um</strong>a circunstância adversa em <strong>um</strong>a condição<br />

favorável. Se o com<strong>por</strong>tamento adquiri<strong>do</strong> através <strong>do</strong> conhecimento biológico é bem-sucedi<strong>do</strong>, sua<br />

reaplicabilida<strong>de</strong> é mantida. A <strong>inteligência</strong> biológica é sobretu<strong>do</strong> seletiva. A atenção seletiva é <strong>um</strong><br />

aspecto fundamental <strong>de</strong> nossa ativida<strong>de</strong> mental e as criaturas vivas <strong>de</strong>monstram sinais claros <strong>de</strong><br />

seletivida<strong>de</strong> (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligência biológica versus <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong>. In: Scielo.<br />

Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 365. Disponível em: .<br />

Acesso em: 06 <strong>de</strong>z. 2015).”


30<br />

Isso se dá tanto no processo empírico, com a utilização <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>, como sem<br />

a utilização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura meto<strong>do</strong>lógica, esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se essa dinâmica ao<br />

conhecimento prático ou teórico alhures já menciona<strong>do</strong>. Em quaisquer <strong>de</strong>sses<br />

aspectos, o conhecimento encontra seus <strong>de</strong>safios em busca <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r à sua<br />

supremacia, para im<strong>por</strong>-se como conhecimento.<br />

Por isso, a estruturação em seu processo <strong>de</strong> constituição é <strong>de</strong>cisiva e<br />

legitimamente cobrável. Segun<strong>do</strong> Abrantes (1994, p. 48), “Além disso, é bastante<br />

evi<strong>de</strong>nte o fato <strong>de</strong> que não apenas o conhecimento científico, mas também o senso<br />

com<strong>um</strong> consistem <strong>de</strong> estruturas cognitivas, <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s que articulam os conceitos<br />

referentes a cada <strong>do</strong>mínio da realida<strong>de</strong>”. 9<br />

Já o era; mas, na contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong>, o conhecimento <strong>passo</strong>u a ser mais<br />

<strong>de</strong>cisivo a cada dia: isso o eleva à categoria <strong>de</strong> elemento essencial da vida em<br />

socieda<strong>de</strong>, mormente como agente <strong>de</strong> produção, qualificação e quantificação,<br />

sinalizan<strong>do</strong> para <strong>um</strong>a participação <strong>de</strong>cisiva cada vez maior em to<strong>do</strong>s os ambientes,<br />

e quiçá e não menos relevante na orla <strong>do</strong> Direito e da Justiça, diante da necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se produzir técnicas processuais (tecnologia em <strong>inteligência</strong>) capazes <strong>de</strong> c<strong>um</strong>prir<br />

com os i<strong>de</strong>ais e as metas <strong>de</strong> pacificação <strong>do</strong>s conflitos sociais.<br />

Uma questão im<strong>por</strong>tante que se <strong>de</strong>staca para ser avaliada nesse processo é<br />

a racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo em aceitar na mesma velocida<strong>de</strong> as a<strong>de</strong>quações e as<br />

adaptações <strong>de</strong>correntes da transitorieda<strong>de</strong> e da simultaneida<strong>de</strong> que isso representa<br />

<strong>de</strong>ntro e fora da sua vida e <strong>do</strong>s que se correlacionam com ele, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o<br />

processo <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

9<br />

E complementa Abrantes: “A noção <strong>de</strong> conceito <strong>de</strong>sempenha papéis im<strong>por</strong>tantes em várias áreas<br />

<strong>do</strong> saber. Nosso ponto <strong>de</strong> partida aqui foi a Psicologia, <strong>por</strong>ém a Lógica e a Filosofia da Ciência<br />

compareceram como <strong>do</strong>mínios on<strong>de</strong> a noção ocorre. A esses se po<strong>de</strong> acrescentar em primeiro lugar<br />

o <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da linguagem <strong>de</strong> forma científica <strong>–</strong> a linguística (especialmente, é claro a Semântica) <strong>–</strong>,<br />

e filosófica <strong>–</strong> A Filosofia da Linguagem. Na antropologia também se estudam os conceitos, ten<strong>do</strong> a<br />

própria E. Rosh começa<strong>do</strong> suas pesquisas com experimentos antropológicos. A Inteligência Artificial<br />

<strong>–</strong> tanto a tradicional quanto o conexionismo <strong>–</strong> propõe mo<strong>de</strong>los computacionais <strong>de</strong> conceitos,<br />

enquanto a Neurociência <strong>–</strong> mais precisamente, a Neuropsicologia e a Neurolinguistica <strong>–</strong> procura,<br />

entre outras coisas, estabelecer relações entre o conhecimento conceitual e a estrutura e o<br />

funcionamento <strong>do</strong> sistema nervoso. A partir <strong>de</strong>ssa constatação, se po<strong>de</strong> postular <strong>um</strong> princípio <strong>do</strong><br />

seguinte teor: “O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s conceitos <strong>de</strong>ve ser multidisciplinar” (ABRANTES, Paulo (Org).<br />

Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1994, p. 54).”


31<br />

As mutabilida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> conhecimento serão inevitáveis diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

mun<strong>do</strong> que se revela, impactan<strong>do</strong> inclusive todas as formas <strong>de</strong> conhecimento<br />

cientifico ou não em seus respectivos vetores, inclusive no âmbito da ciência<br />

processualística cuja estrutura tem exigi<strong>do</strong> em seu cotidiano condições maior<br />

eficiência e eficácia na gestão <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, informações e <strong>de</strong>cisões. 10<br />

A mudança <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo significa <strong>um</strong>a revolução na estrutura <strong>do</strong> conhecimento,<br />

a altercação da base científica sinaliza para <strong>um</strong>a nova conexão entre o homem e<br />

mun<strong>do</strong> que o cerca. Uma distinta engenharia parece ser percebida como<br />

instr<strong>um</strong>ento capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r à compreensão e ao funcionamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong><br />

ainda não enfrentada, o que <strong>de</strong>monstra que <strong>um</strong>a nova forma <strong>de</strong> técnica cognitiva se<br />

apresenta.<br />

A distinção entre o conhecimento e o indivíduo é <strong>um</strong> fator a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>,<br />

como <strong>do</strong>is corpos distintos que coexistem, que marcam os corpos, embora haja <strong>um</strong>a<br />

simbiose entre eles, as naturezas são diversas. Disso, exsurge a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r a racionalida<strong>de</strong>, a logicida<strong>de</strong> e seus critérios. A atenção focada, <strong>do</strong><br />

homem pelo saber “a priori”, revela-se essencial aos propósitos subjacentes <strong>do</strong><br />

conhecimento.<br />

10<br />

Para Lévy: “A massa <strong>de</strong> informações armazenadas cresce em <strong>um</strong> ritmo cada vez mais rápi<strong>do</strong>. Os<br />

conhecimentos e habilida<strong>de</strong>s da esfera tecnocientífica e das que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m evoluem cada vez<br />

mais rápi<strong>do</strong>. Disto <strong>de</strong>corre que, em certas áreas, a separação entre a memória pessoal e o saber não<br />

é mais parcial; as duas entida<strong>de</strong>s ten<strong>de</strong>m a estar quase que totalmente dissociadas. Na civilização da<br />

escrita, o texto, o livro, a teoria permanecia, no horizonte <strong>do</strong> conhecimento, polos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação<br />

possível. Por trás da ativida<strong>de</strong> crítica, havia ainda <strong>um</strong>a estabilida<strong>de</strong> e unicida<strong>de</strong> possíveis, as da<br />

teoria verda<strong>de</strong>ira, da explicação correta. Hoje, está cada vez mais difícil para <strong>um</strong> indivíduo cogitar sua<br />

i<strong>de</strong>ntificação, mesmo que parcial, com <strong>um</strong>a teoria. As explicações sistemáticas e os textos clássicos<br />

em que elas se encarnam parecem-nos hoje excessivamente fixos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ecologia cognitiva<br />

na qual o conhecimento se encontra em metamorfose permanente. As teorias, com suas normas <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong> e com a ativida<strong>de</strong> crítica que as acompanha, ce<strong>de</strong>m terreno aos mo<strong>de</strong>los, com suas normas<br />

<strong>de</strong> eficiência e o julgamento <strong>de</strong> pertinência que presi<strong>de</strong> sua avaliação. O mo<strong>de</strong>lo não se encontra<br />

mais inscrito no papel, este su<strong>por</strong>te inerte, mas roda em <strong>um</strong> computa<strong>do</strong>r. É <strong>de</strong>sta forma que os<br />

mo<strong>de</strong>los são continuamente corrigi<strong>do</strong>s e aperfeiçoa<strong>do</strong>s ao longo das simulações. Um mo<strong>de</strong>lo<br />

raramente é <strong>de</strong>finitivo. Um mo<strong>de</strong>lo digital normalmente não é nem “verda<strong>de</strong>iro” nem “falso”, nem<br />

mesmo “testável”, em <strong>um</strong> senti<strong>do</strong> estrito. Ele apenas será mais ou menos útil, mais ou menos eficaz<br />

ou pertinente em relação a este ou aquele objetivo específico. Fatores muito distantes da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m intervir na avaliação <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo: a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> simulação, a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

realização e modificação, as conexões possíveis com programas <strong>de</strong> visualizações, <strong>de</strong> auxílio à<br />

<strong>de</strong>cisão ou ao ensino (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era<br />

da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 121).”


32<br />

Sua percepção tem o leva<strong>do</strong> a insights revolucionários registra<strong>do</strong>s na seara<br />

natural da história das h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>s. A mudança <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s ou a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong><br />

equívocos <strong>de</strong>monstram que o conhecimento em sua concepção clássica é transitório<br />

e que tal fenômeno está intimamente conecta<strong>do</strong> com a filosofia da ciência como<br />

forma <strong>de</strong> melhor <strong>de</strong>talhar e explicar a dinâmica <strong>do</strong> conhecimento científico, sua<br />

im<strong>por</strong>tância e sua relação com a espécie h<strong>um</strong>ana.<br />

A pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimentos e a interdisciplinarida<strong>de</strong> mudam os critérios<br />

existentes nos processos teóricos metódicos da criação e da integração das<br />

diferentes formas existentes <strong>de</strong> conhecimentos, que se alteram e altercam com <strong>um</strong>a<br />

velocida<strong>de</strong> incomensurável, entre a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perceber e ser percebi<strong>do</strong>. Disso<br />

se extrai <strong>um</strong> <strong>do</strong>s problemas da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

A mudança da base cognitiva nunca se re<strong>novo</strong>u em tão pouco tempo. Há<br />

poucos séculos, a estrutura científica <strong>de</strong> <strong>um</strong> conhecimento <strong>de</strong>mandava em torno <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a geração para renovar-se; atualmente o tempo encurtou para <strong>um</strong> quinto. Esse<br />

com<strong>por</strong>tamento gerou mudanças nos méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ensino e aprendiza<strong>do</strong>, no<br />

com<strong>por</strong>tamento <strong>do</strong>s homens que ensinam e <strong>do</strong>s que buscam o ensinamento. Tal<br />

mudança <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong> estabeleceu <strong>um</strong> niilismo em <strong>de</strong>corrência da velocida<strong>de</strong><br />

sobre o conhecimento e suas formas, estigmatiza<strong>do</strong>-o ao princípio da complexida<strong>de</strong>.<br />

As diferentes formas <strong>de</strong> conhecimentos são <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>s científicos distintos,<br />

os quais fazem surgir <strong>um</strong>a visão global que com ela tem fundin<strong>do</strong> <strong>novo</strong>s horizontes,<br />

novas perspectivas e novas o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong>s, como bem ilustra Minayo (2010, p.19):<br />

“[...] <strong>do</strong> conceito da socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> conhecimento, grupos e pessoas estão sob a mira<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>safio: ou experimentam voos <strong>de</strong> águia ou se contentam com o<br />

conserva<strong>do</strong>rismo que corrói a energia das instituições.”<br />

Todavia, a irracionalida<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionada pelas novas formas “diversida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

conhecimentos” e a implacável “velocida<strong>de</strong>” são bem ilustradas pela mesma autora<br />

apud Bourdieu (2010, p. 22). 11<br />

11<br />

“[...] conceitos usualmente emprega<strong>do</strong>s para a construção <strong>do</strong> conhecimento e <strong>por</strong> <strong>um</strong>a teorização<br />

sobre a prática são isentas <strong>de</strong> interesses, <strong>de</strong> preconceitos e <strong>de</strong> incursões subjetivas. Conforme<br />

adverte Bourdieu, ‘o privilégio presente em toda ativida<strong>de</strong> teórica pressupõe <strong>um</strong> corte epistemológico<br />

e <strong>um</strong> corte social e ambos governam sutilmente essa realida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>tanto, qualquer investiga<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ve<br />

pôr em questão pressupostos inerentes a sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observa<strong>do</strong>r externo que im<strong>por</strong>ta para o<br />

objeto, os princípios <strong>de</strong> sua relação com a realida<strong>de</strong>, incluin<strong>do</strong>-se aí as próprias relevâncias’<br />

(MINAYO, Maria Cecília <strong>de</strong> Souza. O <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> conhecimento: pesquisa qualitativa em saú<strong>de</strong>. 12<br />

ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 157).”


33<br />

O distanciamento pelo <strong>de</strong>sinteresse na participação <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />

construção e <strong>de</strong> compreensão da real im<strong>por</strong>tância <strong>do</strong> conhecimento são sintomas da<br />

ausência <strong>de</strong> estímulos pro<strong>por</strong>cionada pelo próprio objeto <strong>do</strong> conhecimento torna<strong>do</strong><br />

transitório e fugaz, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> alienação causada pela incompreensibilida<strong>de</strong><br />

irracional.<br />

A <strong>de</strong>silusão é causada pela própria estrutura em que o conhecimento se<br />

encontra para ser obti<strong>do</strong>, aliada a seu tempo útil <strong>de</strong> efemerida<strong>de</strong> existencial <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> transitório. As multiplicida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> opções, a transitorieda<strong>de</strong> e a<br />

simultaneida<strong>de</strong> geram <strong>de</strong>sestímulo em sua obtenção, dada a sensação <strong>de</strong><br />

inatingibilida<strong>de</strong> diante da dimensão enfrentada ou da dificulda<strong>de</strong> encontrada em<br />

conciliar a utilida<strong>de</strong> fundamental <strong>do</strong> corpo invisível <strong>do</strong> conhecimento e a sua<br />

complexida<strong>de</strong> anunciada.<br />

Semelhante racionalida<strong>de</strong> irracional é produto da contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong>, que<br />

passa, <strong>por</strong>ém, a ser advertida <strong>por</strong> ser gera<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> embrutecimento <strong>do</strong> espírito que<br />

<strong>de</strong>corre <strong>do</strong> empobrecimento da intelectualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem pós-mo<strong>de</strong>rno, rendi<strong>do</strong><br />

<strong>por</strong> <strong>um</strong> calei<strong>do</strong>scópio ilusório psicologicamente cria<strong>do</strong> <strong>por</strong> essa atmosfera.<br />

É preciso participar ativamente, contextualizan<strong>do</strong> e racionalizan<strong>do</strong> os<br />

conhecimentos <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a torná-los ferramentas úteis ao <strong>de</strong>senvolvimento positivo<br />

<strong>do</strong> homem em seu processo <strong>de</strong> emancipação, sob pena <strong>de</strong> tornar-se submeti<strong>do</strong> à<br />

regulamentação externa, sem que possa ter a efetiva compreensão necessária <strong>do</strong><br />

que é.<br />

É vital que, com o auxílio <strong>de</strong>ssa multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimentos, o homem<br />

possa forjar novas ferramentas para <strong>de</strong>safiar os <strong>novo</strong>s <strong>de</strong>safios que <strong>por</strong> certo<br />

surgirão, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a vencê-los. Para isso, é preciso unificar os conhecimentos. 12<br />

12<br />

Como esclarece Sanvito: “O princípio da complexida<strong>de</strong> impe<strong>de</strong> (no momento) <strong>um</strong>a teoria<br />

unifica<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> conhecimento e não permite exorcizar essa instância da contradição, da incerteza, <strong>do</strong><br />

irracional. De acor<strong>do</strong> com os teoremas <strong>de</strong> Go<strong>de</strong>l, <strong>um</strong> sistema formaliza<strong>do</strong> complexo (axiomatiza<strong>do</strong>)<br />

não po<strong>de</strong> ser valida<strong>do</strong> <strong>por</strong> si mesmo. Isto significa que <strong>um</strong> sistema lógico, <strong>de</strong> certa complexida<strong>de</strong>, não<br />

consegue escapar <strong>de</strong> suas contradições ocultas. Aqui nos <strong>de</strong>paramos com o problema da<br />

autorreferência, que é <strong>um</strong> para<strong>do</strong>xo clássico <strong>do</strong> pensamento grego, que geralmente se refere a ele<br />

como o “para<strong>do</strong>xo cretense” (cita<strong>do</strong> <strong>por</strong> Sanvito). Conta-se que o cretense Epimêni<strong>de</strong>s certa ocasião<br />

afirmou: “To<strong>do</strong>s os cretenses são mentirosos” e criou <strong>um</strong> problema aparentemente insolúvel. Esse<br />

impasse po<strong>de</strong> ocorrer nos para<strong>do</strong>xos que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> conceitos cujo âmbito <strong>de</strong> referência<br />

inclui o próprio conceito. Neste mo<strong>de</strong>lo cretense, a simples colocação <strong>–</strong> “O que eu estou afirman<strong>do</strong><br />

não é verda<strong>de</strong>” gera <strong>um</strong>a contradição extrínseca: se a afirmativa é verda<strong>de</strong>ira, está <strong>de</strong>monstrada que<br />

é falsa; se é falsa, <strong>de</strong>vemos enten<strong>de</strong>r que contém <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>. Já Tarski (cita<strong>do</strong> <strong>por</strong> Bronowski) <strong>de</strong>u<br />

ênfase ao problema da linguagem; <strong>um</strong> sistema semântico não tem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicar totalmente<br />

a si próprio. A linguagem simbólica é empregada para <strong>de</strong>screver partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, encontran<strong>do</strong><br />

muitas dificulda<strong>de</strong>s para <strong>de</strong>screver partes <strong>de</strong>la mesma. A elaboração <strong>de</strong> <strong>um</strong>a metalinguagem <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia<br />

remover este obstáculo? Não é a opinião <strong>de</strong> Morin, para que as linguagens formalizadas não po<strong>de</strong>m


34<br />

A partir das ciências, os conhecimentos práticos e teóricos divi<strong>de</strong>m o mesmo<br />

espaço em seus aspectos objetivo e subjetivo. Para compreen<strong>de</strong>r sua história, ou<br />

melhor, compreen<strong>de</strong>r a cartografia (mapa) da história e seus fenômenos (o que<br />

representa <strong>um</strong>a gravura <strong>de</strong>cisiva na compreensão da formação <strong>do</strong>s conhecimentos),<br />

é necessário <strong>um</strong> esforço pessoal <strong>do</strong> indivíduo que se propõe a realizá-lo, além <strong>do</strong><br />

enfrentamento das adversida<strong>de</strong>s pro<strong>por</strong>cionadas pelo <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>.<br />

Esse processo encontra obstáculos em duas variáveis: se, <strong>por</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, a<br />

limitação cognitiva <strong>do</strong> indivíduo é algo plausível, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista biológico é<br />

consi<strong>de</strong>rável como padrão da normalida<strong>de</strong>, ou seja, o homem é <strong>um</strong> “Ser” insuficiente<br />

e, <strong>por</strong> isso, falível, mas que cultiva o germe gerativo <strong>do</strong> conhecimento <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>scoberta que quase sempre o socorre <strong>de</strong> iminente fatalida<strong>de</strong>. 13<br />

Assim, a completu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s conceitos e das meto<strong>do</strong>logias ren<strong>de</strong>-se a <strong>um</strong>a<br />

hipossuficiência da realida<strong>de</strong> ao próprio conhecimento que se fun<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

fluxo <strong>de</strong> pensamento <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> lógica e não lógica da espécie<br />

h<strong>um</strong>ana como forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>.<br />

Isso se dá <strong>por</strong> sua precarieda<strong>de</strong>. Porque, além da limitação em<br />

equipotencialida<strong>de</strong>, dada sua condição, h<strong>um</strong>ana, mesmo em seu ativismo na busca<br />

<strong>do</strong> conhecimento pelo conhecimento, nas últimas décadas o condicionante<br />

com<strong>por</strong>tamental vem arrefecen<strong>do</strong>, dada <strong>um</strong>a nova cartografia social que se <strong>de</strong>staca,<br />

em que o homem mo<strong>de</strong>rno luta contra o vazio, biotipo bem retrata<strong>do</strong> <strong>por</strong> Rojas<br />

(1996, p. 21):<br />

constituir <strong>um</strong>a metalinguagem em relação a nossa linguagem (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligência<br />

biológica versus <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong>. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 363.<br />

Disponível em: . Acesso em: 06 <strong>de</strong>z. 2015).”<br />

13<br />

Segun<strong>do</strong> Sanvito: “A nossa maneira <strong>de</strong> pensar está intimamente ligada ao contexto das situações;<br />

<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, não analisamos a coisa em si, mas a relação entre elas. Por exemplo, quan<strong>do</strong> li<strong>do</strong><br />

com o substantivo “maçã”, a minha representação mental po<strong>de</strong> ser diversa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> contexto;<br />

po<strong>de</strong> significar o fruto proibi<strong>do</strong> <strong>de</strong> que fala o Gênesis, o fruto envenena<strong>do</strong> da fábula da Branca <strong>de</strong><br />

Neve, a maçã <strong>de</strong> Newton com a conotação da lei da gravida<strong>de</strong>, a fruta propriamente dita para<br />

saborear, a natureza morta <strong>do</strong> pintor A ou B, e assim <strong>por</strong> diante. A IA tentou superar essas<br />

dificulda<strong>de</strong>s através <strong>de</strong> estratégias para atingir <strong>um</strong>a representação <strong>do</strong>s conhecimentos (SANVITO,<br />

Wilson Luiz. Inteligência biológica versus <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong>. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53,<br />

1995, p. 365. Disponível em: . Acesso em: 06 <strong>de</strong>z.<br />

2015).”


35<br />

Um ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> he<strong>do</strong>nista, permissivo, cons<strong>um</strong>ista e centra<strong>do</strong> no<br />

relativismo tem pela frente <strong>um</strong> prognóstico ruim. Pa<strong>de</strong>ce <strong>de</strong> <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

‘melancolia’ new look: instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> experiências apáticas. Vive na<br />

condição <strong>de</strong> objeto, manipula<strong>do</strong>, dirigi<strong>do</strong> e tiraniza<strong>do</strong> <strong>por</strong> estímulos<br />

<strong>de</strong>sl<strong>um</strong>brantes, mas que não o gratificam, não o fazem mais feliz. Sua<br />

paisagem interior está coberta <strong>por</strong> <strong>um</strong>a mistura <strong>de</strong> frieza impassível, <strong>de</strong><br />

neutralida<strong>de</strong> sem compromisso e, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> e<br />

tolerância ilimitada. Este é o chama<strong>do</strong> homem cool, que não se preocupa<br />

com a <strong>justiça</strong> nem com os velhos temas <strong>do</strong>s existencialistas (Soren<br />

Kierkegaard, Martin Hei<strong>de</strong>gger, Jean-Paul Sartre, Albert Camus), nem com<br />

os problemas sociais ou com os gran<strong>de</strong>s temas <strong>do</strong> pensamento (a<br />

liberda<strong>de</strong>, a verda<strong>de</strong>, o sofrimento).<br />

A realida<strong>de</strong> naturalmente se encontra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo marca<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

etapas, <strong>por</strong> especificida<strong>de</strong>s, <strong>por</strong> reflexões, <strong>por</strong> análises, <strong>por</strong> avaliações e <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

integração <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o processo na emissão <strong>de</strong> posições conclusivas, em que o<br />

conhecimento precisa completar-se para compreen<strong>de</strong>r e respon<strong>de</strong>r a todas as<br />

etapas <strong>do</strong> processo taxonômico da realida<strong>de</strong> que se faz presente e que se<br />

apresenta.<br />

Esse ciclo compete à natureza <strong>do</strong> conhecimento científico, é <strong>um</strong>a busca<br />

incessante <strong>do</strong> acaba<strong>do</strong>, mas sempre provisório, <strong>do</strong> conhecimento científico, em que<br />

confluem conhecimento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> para a construção <strong>do</strong> conhecimento tecnológico.<br />

Esse processo é entremea<strong>do</strong> pela linguagem psicologizada h<strong>um</strong>ana e pela<br />

linguagem padronizada tecnológica. 14<br />

A consciência constitui-se na história, é histórica em sua formação, embora<br />

paire sobre ela o enigma <strong>de</strong> sua natureza, <strong>por</strong>ém não enfrentada da<strong>do</strong> o escopo da<br />

pesquisa. Fornece registros (direta e indiretamente) às estruturas complexas das<br />

faculda<strong>de</strong>s cognitivas, o que Abrantes (1994, p. 184) <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “protótipos e<br />

esquemas” da<strong>do</strong>s a forma estática da percepção da espécie h<strong>um</strong>ana e os<br />

14<br />

Cita Minayo: “Regras universais e padrões rígi<strong>do</strong>s permitin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a linguagem com<strong>um</strong> divulgada e<br />

conhecida no mun<strong>do</strong> inteiro, atualização e críticas permanentes fizeram da ciência a “crença” mais<br />

respeitável a partir da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. A força da ciência, que se tornou <strong>um</strong> fator produtivo <strong>de</strong> elevada<br />

potência na contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong>, levou o filósofo Popper (1973) a dar ênfase em suas análises à<br />

lógica externa da comunida<strong>de</strong> científica, utilizan<strong>do</strong>, para isso a expressão o Terceiro Mun<strong>do</strong>, <strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> classe ou casta, com sua economia e lógica próprias, embora permeadas <strong>por</strong> conflitos e<br />

contradições como qualquer outra criação e instituição h<strong>um</strong>ana. O certo é que o campo científico tem<br />

suas regras, para conferir o grau <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong> ao que é produzi<strong>do</strong> e reproduzi<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro e fora<br />

<strong>de</strong>le, suas ativida<strong>de</strong>s conciliam sempre em duas direções: n<strong>um</strong>a, ela loca suas teorias, méto<strong>do</strong>s,<br />

princípios e estabelece resulta<strong>do</strong>s. Noutra, inventa, ratifica seus cenários, aban<strong>do</strong>na certas vias e<br />

orienta-se <strong>por</strong> novas rotas. Ao se enveredar nesse terceiro mun<strong>do</strong>, os cientistas aceitam as condições<br />

instituídas e no mesmo tempo o condão <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong> e provisorieda<strong>de</strong> peculiar <strong>do</strong> universo em<br />

que <strong>de</strong>cidiram investir sua vida (MINAYO, Maria Cecília <strong>de</strong> Souza. O <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> conhecimento:<br />

pesquisa qualitativa em saú<strong>de</strong>. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 36).”


36<br />

“esquemas previamente armazena<strong>do</strong>s na memória”. Isso significa que memória seria<br />

nada mais e nada menos que “protótipos e esquemas” <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura cognitiva.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Guriev, no processo <strong>de</strong> construção <strong>do</strong> conhecimento, a<br />

consciência <strong>do</strong> indivíduo acontece a partir <strong>do</strong> espaço que ocupa, <strong>por</strong>tanto, a<br />

consciência histórica é <strong>um</strong> fenômeno da própria história e <strong>do</strong> tempo em que ela se<br />

faz existir. Registre-se como <strong>um</strong>a fenda no raciocínio <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> <strong>de</strong> que, no<br />

âmbito da estrutura cognitiva das <strong>inteligência</strong>s, o que há <strong>de</strong> com<strong>um</strong> entre a espécie<br />

h<strong>um</strong>ana e a não h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong>nominada máquina é o processamento <strong>de</strong> informações.<br />

Para Marx, parafrasean<strong>do</strong>-o, é a relação <strong>do</strong> indivíduo na construção da<br />

história e a história construin<strong>do</strong> o indivíduo. Esse contexto enfrenta os problemas da<br />

subjetivida<strong>de</strong> e da pessoalida<strong>de</strong> na edificação interna e externa das i<strong>de</strong>ologias para<br />

cada momento da história <strong>do</strong> homem e <strong>do</strong> conhecimento que produz. Ceticamente<br />

ou em <strong>um</strong>a visão radicalizada, em última instância nada seria real, <strong>por</strong>tanto, apenas<br />

<strong>um</strong> sonho em or<strong>de</strong>m subsequente <strong>de</strong> circunstancialida<strong>de</strong>.<br />

O conhecimento como substância é vital ao preenchimento <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>, <strong>por</strong>tanto po<strong>de</strong> afirmar-se como inexistente, se não fosse a justificação e a<br />

relação <strong>de</strong> satisfação quan<strong>do</strong> da condição <strong>de</strong> suficiência da própria justificação. A<br />

verda<strong>de</strong>, assim, é <strong>um</strong>a convenção a que a<strong>de</strong>re <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> e seus<br />

interesses comuns afins.<br />

Nessas condições, o conhecimento nunca está pronto e acaba<strong>do</strong>, <strong>um</strong>a vez<br />

que, além <strong>de</strong> ser convencional, o processo <strong>de</strong> justificação e satisfação é provisório.<br />

O conhecimento, assim dizen<strong>do</strong>, é dinamicamente alimenta<strong>do</strong> pela incessante e<br />

laboriosa pesquisa, abastecida <strong>por</strong> <strong>um</strong>a fonte <strong>de</strong> busca inesgotável.<br />

Às vezes inusita<strong>do</strong>, o homem se vê circunda<strong>do</strong> pela árdua ativida<strong>de</strong> da<br />

pesquisa e suas adversida<strong>de</strong>s que lhe criam <strong>um</strong> cisma ao tentar reconhecer ou<br />

simplesmente aproximar-se da realida<strong>de</strong> com mais exatidão possível, <strong>por</strong> vezes<br />

<strong>do</strong>mina<strong>do</strong> diante <strong>do</strong> <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> em to<strong>do</strong>s os seus aspectos.<br />

Os problemas e as dificulda<strong>de</strong>s também giram em torno <strong>do</strong>s <strong>paradigma</strong>s<br />

estabeleci<strong>do</strong>s os quais habitam a comodida<strong>de</strong> e o parasitismo <strong>do</strong>s conceitos e das<br />

práticas já superadas, mas que a percepção não captou. 15 As velhas verda<strong>de</strong>s<br />

15<br />

Observa Abrantes: “Outras teses <strong>de</strong> Kuhn são revisitadas, como as relativas à aprendizagem <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> através <strong>de</strong> “problemas e soluções-padrão”, n<strong>um</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> Ciência “normal”; ou da<br />

resistência <strong>do</strong>s cientistas a <strong>novo</strong>s <strong>paradigma</strong>s. A aprendizagem é consi<strong>de</strong>rada <strong>um</strong> processo <strong>cognitivo</strong><br />

envolven<strong>do</strong> modificações nos pesos das ligações sinápticas <strong>do</strong>s homens ou outros animais, em


37<br />

passam a não mais se sustentar, pois isso se caracteriza quan<strong>do</strong> nem as<br />

justificativas nem as satisfações aten<strong>de</strong>m mais como pressupostos <strong>de</strong> validação <strong>do</strong><br />

conhecimento: esvazia<strong>do</strong> esse, a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser “existir”. No mun<strong>do</strong> das<br />

ciências jurídicas, em especial da processualística, Francisco Campos, na<br />

exposição <strong>de</strong> motivos <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 1939, já reconhecia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças<br />

<strong>do</strong>s <strong>paradigma</strong>s da ciência processual para o alcance <strong>do</strong>s objetivos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong><br />

acesso, previsibilida<strong>de</strong> e brevida<strong>de</strong> ao atendimento <strong>do</strong>s serviços da Justiça.<br />

[...] durante a reunião <strong>do</strong> Congresso <strong>de</strong> Direito Judiciário, e na presença <strong>de</strong><br />

Vossa Excelência, <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar que, já era tempo que o <strong>direito</strong>, e<br />

particularmente o <strong>direito</strong> judiciário, se beneficiasse da renovação das outras<br />

disciplinas <strong>do</strong> espírito, servin<strong>do</strong> se, na investigação da verda<strong>de</strong>.<br />

São as pesquisas sobre o conhecimento e os problemas sociais, diante da<br />

ausência daquele em padrão <strong>cognitivo</strong> superior para aten<strong>de</strong>r aos problemas<br />

vigentes. São indica<strong>do</strong>res fortes que se originam <strong>de</strong>ntro da dinâmica da história<br />

social e que evi<strong>de</strong>nciam o conhecimento enquanto corpo estrutural fundamental para<br />

a compreensão das realida<strong>de</strong>s e da propositura <strong>de</strong> mudanças. Para que elas<br />

aconteçam, a percepção sináptica da cognição h<strong>um</strong>ana dá-se <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong><br />

peso expansivo <strong>do</strong> conhecimento em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> insight.<br />

A miscigenação das ciências vem nas últimas décadas revelan<strong>do</strong> problemas<br />

na base cognitiva, <strong>um</strong>a vez que a limitação h<strong>um</strong>ana interfere diretamente no<br />

ilimita<strong>do</strong> contexto das ciências, advinda da complexida<strong>de</strong> das realida<strong>de</strong>s e <strong>do</strong>s<br />

vocabulários que buscam justificar a compreensão daquelas.<br />

Esse fato tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> certo embrutecimento da razão cognitiva <strong>do</strong><br />

indivíduo, que passa a ser vitimiza<strong>do</strong> pelo méto<strong>do</strong> a<strong>de</strong>stra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> condicionamento.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, na medida em que o crescimento <strong>de</strong>mográfico e a massificação <strong>do</strong>s<br />

Esta<strong>do</strong>s começaram a tornar-se <strong>um</strong> fato real, comprovável estatisticamente, esse<br />

homem das “massas” <strong>de</strong>sconhece suas próprias condições, limita<strong>do</strong> ao simples<br />

obe<strong>de</strong>cer, ante a ausência <strong>de</strong> recursos <strong>cognitivo</strong>s e suficientes que possam dar-lhe<br />

voz, as suas opiniões e conhecimentos.<br />

Todavia, o Esta<strong>do</strong> começou a observar que o crescimento populacional<br />

tornou-se a cada dia <strong>um</strong> risco maior, responsável pela formação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

analogia com o que ocorre durante o “treinamento” <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s neurais artificiais (ABRANTES, Paulo<br />

(Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1994, p. 187).”


38<br />

contingenciamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>: mesmo que limita<strong>do</strong> cognitivamente, passa a<br />

representar diferença no questionamento <strong>do</strong> sistema.<br />

Essa população <strong>passo</strong>u a contestar a legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, dada sua má<br />

vocação para a gestão das responsabilida<strong>de</strong>s públicas coletivas em to<strong>do</strong>s os<br />

órgãos, setores e <strong>de</strong>partamentos.<br />

Para evitar o <strong>de</strong>scontrole <strong>do</strong> conhecimento, a socieda<strong>de</strong> <strong>passo</strong>u a ser<br />

silenciada. A ausência <strong>de</strong> crítica, a participação e o posicionamento <strong>do</strong> indivíduo<br />

refletem <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>snutrida <strong>de</strong> intelectualida<strong>de</strong>, simplesmente regulada e<br />

pouco emancipada. Exigin<strong>do</strong> esse contexto, <strong>um</strong>a retomada <strong>do</strong> conhecimento pelo<br />

conhecimento, sua busca, insofismavelmente, passa a ser <strong>um</strong>a necessida<strong>de</strong> em<br />

to<strong>do</strong>s os níveis sociais.<br />

A fragmentação pro<strong>por</strong>cionada pela especialização não permite a existência<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura cognitiva enciclopédica <strong>do</strong> indivíduo, mas somente <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

conhecimento que se vê distante, difícil <strong>de</strong> ser alcança<strong>do</strong> em sua plenitu<strong>de</strong> pelo<br />

homem. Isso já faz surgir em sua outra extremida<strong>de</strong> a busca pelo conhecimento<br />

macro.<br />

No entanto, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> <strong>um</strong> cenário diverso <strong>do</strong> alienante mo<strong>de</strong>lo<br />

fragmentário, em <strong>um</strong>a nova concepção <strong>do</strong> conhecimento, a recomposição que se<br />

exige em tempos pós-mo<strong>de</strong>rnos somente passa a ser possível <strong>de</strong> estabelecer-se, se<br />

houver a retomada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a consciência enciclopédica interdisciplinar. 16<br />

A responsabilida<strong>de</strong> na prática e na teoria interdisciplinar <strong>de</strong>ve dar-se nos<br />

mesmos mol<strong>de</strong>s da disciplinar. O agente, nesse processo, precisa <strong>de</strong>dicar tempo<br />

aos exercícios <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a das ciências, me<strong>de</strong>ar as intersecções e fazer com que<br />

aconteça o pleno diálogo das fontes científicas, pro<strong>por</strong>cionan<strong>do</strong> assim o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s conhecimentos e, com eles, a construção <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s<br />

caminhos e alternativas para aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s circunstanciais futuras.<br />

A nova estrutura <strong>do</strong> conhecimento estereotipa méto<strong>do</strong>s e <strong>um</strong>a arquitetura<br />

diferente, aceita as adversida<strong>de</strong>s e as multiplicida<strong>de</strong>s e as faz coexistir, respeitan<strong>do</strong><br />

16<br />

Como afirma Minayo: “Para a prática interdisciplinar, o exercício teórico disciplinar é tão<br />

fundamental quanto o diálogo entre as diferentes áreas, contu<strong>do</strong>, a articulação entre diferentes<br />

campos <strong>do</strong> saber só é possível se passar <strong>por</strong> traduções das distintas lógicas e critérios <strong>de</strong><br />

cientificida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a hermenêutica <strong>do</strong> modus operandi <strong>de</strong> cada meto<strong>do</strong>logia e da arquitetura <strong>do</strong>s<br />

conceitos que cada teoria <strong>de</strong> referência apresenta. Sem esse diálogo <strong>do</strong>s fundamentos <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a<br />

das ciências, os praticantes das diferentes tradições científicas estarão restritos ao infrutífero <strong>de</strong>bate<br />

<strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s <strong>de</strong>sse ou daquele conceito, às condições <strong>de</strong> sua operacionalização ou justaposição <strong>de</strong><br />

méto<strong>do</strong>s e técnicas (MINAYO, Maria Cecília <strong>de</strong> Souza. O <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> conhecimento: pesquisa<br />

qualitativa em saú<strong>de</strong>. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 75).”


39<br />

as distintas lógicas e critérios <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> para trás concepções como<br />

a corrente positivista, representante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a disposição social e i<strong>de</strong>ológica<br />

conserva<strong>do</strong>ra legitimada a partir da fundamentação <strong>de</strong> <strong>um</strong> senso prático <strong>de</strong><br />

realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> certeza, sob condições <strong>de</strong>finidas e impostas.<br />

Para isso, a nova estrutura cognitiva investe na crença <strong>de</strong> que o<br />

conhecimento e a experiência nutrem <strong>um</strong>a mente gera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s pensamentos,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que em conformida<strong>de</strong> com as novas políticas pedagógicas.<br />

Sob esse aspecto, os conhecimentos clássico, sociológico e fundacional<br />

esteviram estabeleci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma amoldurada, a serviço <strong>de</strong> <strong>um</strong> estatuto que<br />

estrategicamente esteve mais comprometi<strong>do</strong> com a <strong>do</strong>minação <strong>do</strong> que com sua<br />

própria promoção, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong>, assim, o compromisso primário com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> homem.<br />

A i<strong>de</strong>ologia da estrutura <strong>do</strong> conhecimento sempre esteve a serviço da<br />

<strong>do</strong>minação, principalmente quan<strong>do</strong> observada a proposta <strong>de</strong> conduzir o homem a<br />

tomar contato com a realida<strong>de</strong>, manten<strong>do</strong>-o na pen<strong>um</strong>bra da abstração. Segun<strong>do</strong><br />

Wilber (2007, p. 38),<br />

Nenh<strong>um</strong> filósofo mo<strong>de</strong>rno terá, talvez, acentua<strong>do</strong> tanto a im<strong>por</strong>tância<br />

fundamental da distinção entre esses <strong>do</strong>is mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> conhecer quanto Alfred<br />

North Whitehead. Whitehead assinalou com muito vigor que as<br />

características centrais da forma simbólica <strong>de</strong> conhecer são a abstração e a<br />

bifurcação (isto é, a dualida<strong>de</strong>). Segun<strong>do</strong> Whitehead, o processo <strong>de</strong><br />

abstração, <strong>por</strong> mais útil que seja no discurso <strong>do</strong> dia a dia, é, em última<br />

análise, “falso”, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que opera notan<strong>do</strong> as características<br />

salientes <strong>de</strong> <strong>um</strong> objeto e ignoran<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> o mais, o que faz, <strong>por</strong>tanto, “da<br />

abstração nada mais que a omissão <strong>de</strong> parte da verda<strong>de</strong>”. O mo<strong>do</strong><br />

simbólico <strong>de</strong> conhecer também opera <strong>por</strong> bifurcação, “dividin<strong>do</strong> a túnica<br />

inconsultível <strong>do</strong> universo”, e, <strong>por</strong> esse mo<strong>do</strong>, violentan<strong>do</strong> o próprio universo<br />

que ele procura enten<strong>de</strong>r. Whitehead assinalou ainda que esses erros têm<br />

si<strong>do</strong> cometi<strong>do</strong>s <strong>por</strong>que “nós tomamos nossas abstrações <strong>por</strong> realida<strong>de</strong>s<br />

concretas”, erro que Whitehead <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> a Falácia da Concretu<strong>de</strong> Mal<br />

Colocada (a que já nos referimos anteriormente ao mostrá-la confundin<strong>do</strong><br />

mapa com território). Oposto a esse mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> conhecer está o que<br />

Whitehead <strong>de</strong>nominou preensão, <strong>um</strong> “sentir”, íntimo, direto, não abstrato e<br />

não dual da realida<strong>de</strong>. 17<br />

17<br />

Continua Wilber: “Se quisermos conhecer a Realida<strong>de</strong> em sua plenitu<strong>de</strong> e em sua totalida<strong>de</strong>, se<br />

quisermos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> esquivar-nos e <strong>de</strong> escapar <strong>de</strong> nós mesmos no próprio ato <strong>de</strong> tentar encontrarnos,<br />

se quisermos penetrar a realida<strong>de</strong> concreta <strong>do</strong> território e <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> confundir-nos, os dias <strong>do</strong>s<br />

mapas que invariavelmente possui quem os possui, teremos <strong>de</strong> abrir mão <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> simbólico<br />

dualístico <strong>de</strong> conhecer, que rasga violentamente o teci<strong>do</strong> da Realida<strong>de</strong> na própria tentativa <strong>de</strong> agarrálo.<br />

N<strong>um</strong>a palavra, teremos <strong>de</strong> mudar-nos da obscurida<strong>de</strong> <strong>do</strong> conhecimento crepuscular para o brilho<br />

<strong>do</strong> conhecimento aurescente <strong>–</strong> se quisermos conhecer a Realida<strong>de</strong>, teremos <strong>de</strong> voltar-nos, finalmente


40<br />

A im<strong>por</strong>tância <strong>de</strong> conhecer a realida<strong>de</strong> representa a convolação entre o<br />

cognoscente e o cognoscível. Nesse processo, a verda<strong>de</strong> como elemento essencial<br />

da estrutura <strong>do</strong> conhecimento em <strong>um</strong>a primeira análise ou em <strong>um</strong>a análise<br />

abreviada significa <strong>um</strong>a relação <strong>de</strong> correspondência.<br />

Assim, a verda<strong>de</strong> apresenta-se sempre como <strong>um</strong>a invenção atem<strong>por</strong>al, <strong>por</strong>ém<br />

é pressuposto valida<strong>do</strong>r <strong>do</strong> conhecimento, sen<strong>do</strong> ele <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento capaz <strong>de</strong><br />

explicar <strong>de</strong> forma clara, objetiva e concisa as realida<strong>de</strong>s sensíveis ou não, postas a<br />

observar.<br />

É isso que <strong>de</strong>termina a realização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a escolha ou a tomada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

opção, <strong>um</strong>a posição volitiva com relação ao objeto. No contexto em que o<br />

conhecimento e a razão psicologizada albergam o fenômeno das <strong>de</strong>cisões, pois, a<br />

escolha ou a opção é <strong>um</strong> exercício prático que se realiza, ten<strong>do</strong> como pressuposto o<br />

conhecimento sobre o objeto, cuja base cognitiva está alicerçada em <strong>um</strong><br />

conhecimento teórico, o que é <strong>um</strong> problema que se apresenta ao homem, a ser<br />

supera<strong>do</strong>.<br />

O conhecimento pressupõe a compreensão sobre a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse objeto,<br />

conhecer é sempre conhecer algo; é <strong>um</strong> processo representativo da justificação <strong>por</strong><br />

convenção ou <strong>por</strong> satisfação daquilo que se aceita, ou seja, que se <strong>de</strong>nomina como<br />

verda<strong>de</strong>.<br />

Para compreen<strong>de</strong>r o conhecimento, é <strong>de</strong>cisivo conhecer os elementos que o<br />

estruturam, é <strong>um</strong> <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> próprio conhecimento firmar-se como conhecimento,<br />

pois tais vetores são o que avaliza o estatuto <strong>do</strong> conhecimento, seja ele semântico a<br />

“priori”, seja ele analítico a “posteriori”, seja ele “empírico”, seja ele “conceitual” <strong>por</strong><br />

força <strong>de</strong> <strong>um</strong>a razão evi<strong>de</strong>nte que o dispense <strong>de</strong> <strong>um</strong>a reflexão probatória empírica.<br />

O conhecimento é <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento que norteia a investigação das coisas no<br />

mun<strong>do</strong> e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s, separan<strong>do</strong> a realida<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira da<br />

realida<strong>de</strong> ilusória ou simplesmente falsa. Para isso, o elemento verda<strong>de</strong>, sem<br />

dúvida, é condicionante essencial, que precisa ser <strong>de</strong>svelada pela intelectualida<strong>de</strong><br />

h<strong>um</strong>ana.<br />

É certo que todas essas conjecturas têm exigi<strong>do</strong> da epistemologia <strong>um</strong>a<br />

explicação <strong>do</strong> próprio conhecimento como condição ou pressuposto para que assim<br />

possa ser reconheci<strong>do</strong>. Nessa seara, os atributos da crença, da verda<strong>de</strong> e da<br />

para o segun<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> conhecer (WILBER, Ken. O espectro da consciência; tradução Octavio<br />

Men<strong>de</strong>s Caja<strong>do</strong>. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 39).”


41<br />

justificação são questões vitais à efetiva compreensão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a teoria <strong>do</strong><br />

conhecimento <strong>de</strong>stinada a dar conta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a explicação clara <strong>do</strong> que seja a estrutura<br />

epistemológica <strong>do</strong> conhecimento. Para Barcelos (2004, p. 132),<br />

Assim, as crenças não são somente <strong>um</strong> conceito <strong>cognitivo</strong>, mas também<br />

social, <strong>por</strong>que nascem <strong>de</strong> nossas experiências e problemas, <strong>de</strong> nossa<br />

interação com o contexto e da nossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> refletir e pensar sobre o<br />

que nos cerca (cf. <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> Barcelos, 1995, Miller & Ginsberg, 1995;<br />

Riley, 1997).<br />

O conhecimento como conceito dificilmente se <strong>de</strong>para com a essencialida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> discernir, dada a moldura encontrada <strong>por</strong> força da razão evi<strong>de</strong>nte impressa em<br />

sua significação simbólica.<br />

Caso sua base esteja assentada em <strong>um</strong>a visão aparente da realida<strong>de</strong> ou caso<br />

esteja em comunhão com a própria realida<strong>de</strong>, torna-se essencial a constatação <strong>do</strong>s<br />

pressupostos justifica<strong>do</strong>res e concretiza<strong>do</strong>res da verda<strong>de</strong>, visto que essa realida<strong>de</strong><br />

exige <strong>um</strong>a verificação <strong>de</strong> constatação e <strong>de</strong> reconhecimento, como ilustra Trout<br />

(2009, p. 43). “A epistemologia talvez não seja <strong>um</strong>a simples ‘ética da mente’, mas <strong>de</strong><br />

qualquer forma, ela repousa tipicamente sobre noções avaliativas que vão além <strong>de</strong><br />

sua <strong>de</strong>scrição”.<br />

A epistemologia tem como missão avaliar se a justificação dada ao<br />

conhecimento afirma<strong>do</strong> e <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> não está gravitan<strong>do</strong> somente sobre a justificativa<br />

<strong>de</strong> informações ou sobre da<strong>do</strong>s meramente disponíveis, o que se assemelharia às<br />

crenças <strong>de</strong>sculpáveis, não fosse a acessibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s disponível em busca da<br />

verda<strong>de</strong>.<br />

A <strong>de</strong>sconfiança sobre a crença e a justificação sobre o conhecimento são algo<br />

explicita<strong>do</strong>, dada a condição limitada e <strong>de</strong> falibilida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana no processo <strong>de</strong><br />

verificabilida<strong>de</strong> e constatação da verda<strong>de</strong> como fator histórico e recorrente.<br />

Outrossim, o cost<strong>um</strong>e gera<strong>do</strong> para conferir as ações <strong>do</strong> homem tem revela<strong>do</strong><br />

que a crença e a justificação sobre os fatos e sobre os objetos são muitas vezes<br />

influencia<strong>do</strong>s pelas habilida<strong>de</strong>s e competências <strong>de</strong> cada indivíduo na prática <strong>de</strong><br />

criação das realida<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong> suas constatações.<br />

Portanto, dadas as adversida<strong>de</strong>s construtoras <strong>do</strong> cotidiano, o enfrentamento<br />

natural, pragmático e científico constantemente exige <strong>um</strong>a reavaliação em que toda<br />

cautela ainda é pouca. O conhecimento vê-se para cada cenário refém <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

análise e avaliação entre o mun<strong>do</strong> observa<strong>do</strong> e o cognoscível, em cuja relação há a


42<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter-se cada vez mais <strong>um</strong> processo que possa garantir o<br />

estabelecimento <strong>do</strong> conhecimento em <strong>um</strong> grau maior <strong>de</strong> aceitabilida<strong>de</strong> e<br />

confiabilida<strong>de</strong>. 18<br />

Tais condições fazem com que o conhecimento tenha a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

adaptar-se às regras estabelecidas para cada contexto, às regras <strong>do</strong> jogo, para que<br />

o conhecimento possa conferir-se como conhecimento, sob pena <strong>de</strong> não ser<br />

reconheci<strong>do</strong> como tal.<br />

Disso se comprova ser ele multidisciplinar e mutável, pois, a fim <strong>de</strong> legitimarse,<br />

<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à complexida<strong>de</strong> existente, sua base exige <strong>um</strong>a mescla composta <strong>por</strong><br />

diferentes bases científicas para atendimento das <strong>de</strong>mandas existentes, além <strong>de</strong><br />

insurgentes quan<strong>do</strong> da fadiga <strong>de</strong> sua estrutura.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, se o conhecimento for consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como <strong>um</strong> termo, passa a<br />

ser certo que to<strong>do</strong> conhecimento, além <strong>de</strong> se encaixar perfeitamente nas regras que<br />

o <strong>de</strong>finem, se certifica a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> estatuto pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>. 19 Como não há garantia <strong>de</strong><br />

que nossa visão seja correta, o compromisso que estabelecemos com nosso<br />

conhecimento contém <strong>um</strong>a <strong>do</strong>se <strong>de</strong> risco, que Ponlayi vê como inerente à ativida<strong>de</strong><br />

lastreada em <strong>um</strong>a lógica indutivista <strong>do</strong> cientista.<br />

Dessa forma, o conhecimento é sempre pessoal. Não há conhecimento<br />

puramente objetivo, já que nada que não possa ser acredita<strong>do</strong> <strong>por</strong> alguém como<br />

conhecimento po<strong>de</strong> ser assim chama<strong>do</strong>.<br />

18<br />

Segun<strong>do</strong> Abrantes, “A <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong>ssas tarefas como componentes centrais para a elaboração<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a teoria da intencionalida<strong>de</strong> sugere o roteiro que <strong>de</strong>vemos seguir neste trabalho. A primeira<br />

parte examina alg<strong>um</strong>as teorias contem<strong>por</strong>âneas acerca da natureza da intencionalida<strong>de</strong> <strong>–</strong> teorias que<br />

têm como ponto <strong>de</strong> partida <strong>um</strong> enfoque lógico e linguístico da natureza da representação mental.<br />

Procuraremos mostrar, nesta primeira parte, utilizan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a estratégia top-<strong>do</strong>w, como a<br />

intencionalida<strong>de</strong> se manifesta na linguagem, mas não é <strong>um</strong> fenômeno linguístico e sim <strong>cognitivo</strong> <strong>–</strong><br />

com raízes muito mais profundas <strong>do</strong> que julgaram essas teorias recentes (ABRANTES, Paulo (Org).<br />

Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1994, p. 76).”<br />

19<br />

Para Claudio Saiani apud Polanyi (2004, p. 62): “O conhecimento tácito habitualmente em sua<br />

forma subjetiva e objetiva representa a seguinte concepção. Essa visão pessoal, <strong>por</strong> envolver a<br />

convicção profunda e toda personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a pessoa que a <strong>de</strong>tém (i<strong>de</strong>m), mas também possui o<br />

que Polanyi chama <strong>de</strong> intenção universal: o cientista acredita que qualquer <strong>um</strong> que possua o mesmo<br />

equipamento, olhan<strong>do</strong> na mesma direção <strong>de</strong>ve ver aquilo que ele vê. Essa intenção é <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> nossa crença em <strong>um</strong>a visão que acreditamos ter estabeleci<strong>do</strong> contato com a<br />

realida<strong>de</strong>. Não há garantia, é claro, <strong>de</strong> que alguém veja aquilo que vemos, mas não existem regras<br />

que assegurem explicitamente que fizemos contato com a realida<strong>de</strong>: ‘Nossa convicção <strong>de</strong> que esse<br />

contato ocorre é fiduciária, assim como o são as convicções <strong>de</strong> outras pessoas procuran<strong>do</strong> avaliar<br />

nossa visão (Proush, p.97)’. É im<strong>por</strong>tante ressaltar que essa intenção germina entre o universal, é<br />

que faz com que qualquer convicção que tenhamos em relação a <strong>um</strong> contato com a realida<strong>de</strong> sen<strong>do</strong><br />

sustentada com responsabilida<strong>de</strong> e honestida<strong>de</strong> possa ser chamada <strong>de</strong> conhecimento. ‘Pois aquilo<br />

que sustentamos, que seja conhecimento (Proush, p. 98)’ (SAIANI, Cláudio. O valor <strong>do</strong><br />

conhecimento tácito: a epistemologia <strong>de</strong> Michael Polanyi na escola. São Paulo: Escrituras Editora,<br />

2004, p. 62).”


43<br />

Os fatos, nesse aspecto, não nos apresentam, não forçam sua presença.<br />

Aquilo que <strong>de</strong>nominamos “fatos” sempre envolve nosso julgamento (com alg<strong>um</strong> grau<br />

<strong>de</strong> risco) <strong>de</strong> que alg<strong>um</strong>a coisa é <strong>um</strong> fato. (Prouch, 1986, p. 98) “O que é reconheci<strong>do</strong><br />

como <strong>um</strong> fato é, evi<strong>de</strong>ntemente, algo em que <strong>de</strong>vemos acreditar. Mas <strong>um</strong> tal<br />

reconhecimento só é possível <strong>por</strong>que nós, primeiro, acreditamos”.<br />

Dessa afirmação é possível inferir que o conhecimento po<strong>de</strong> ser pessoal,<br />

subjetivo ou objetivo, em que a verda<strong>de</strong> é <strong>um</strong>a procura aliançada em <strong>um</strong>a crença<br />

pura ou em <strong>um</strong>a crença justificada, em que o risco ainda habita ambas as hipóteses.<br />

Issosignifica que, na al<strong>de</strong>ia das palavras, o conhecimento encontra estímulo<br />

suficiente para modificar a consciência <strong>do</strong> indivíduo.<br />

Semelhante operação altera o conhecimento sem que haja condições <strong>de</strong><br />

controle <strong>do</strong> próprio sujeito; é nessas condições que as falhas, os erros e os<br />

equívocos comprometem a certeza <strong>do</strong> conhecimento, como bem ilustra Saiani<br />

(2004, p. 76), “No experimento <strong>de</strong> associação <strong>de</strong> palavras. Conforme vimos, nesse<br />

experimento fica patente que algo ocorre inconscientemente com as associações<br />

normais.”<br />

E complementa o mesmo autor (2004, p. 55): “Na verda<strong>de</strong>, nossos<br />

mecanismos perceptivos e as experiências contidas em nossa história pessoal<br />

influenciam-se mutuamente, sen<strong>do</strong> que a posição final “Só po<strong>de</strong> ter <strong>um</strong> caráter<br />

pessoal, e não <strong>um</strong> que seja intersubjetivamente (ou objetivamente) correto”.<br />

Mesmo saben<strong>do</strong> <strong>do</strong> risco enfrenta<strong>do</strong> no processo <strong>de</strong> construção <strong>do</strong><br />

conhecimento em suas diversas e infindáveis formas, a intuição h<strong>um</strong>ana conduz o<br />

indivíduo a <strong>um</strong>a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, a imaginação como <strong>um</strong><br />

processo <strong>de</strong> estímulo oferece sempre <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong> pelo <strong>novo</strong>, dadas as<br />

conjecturas e as refutações naturais presentes.


44<br />

É interessante observar que, mesmo que o sujeito <strong>do</strong>mine, seja experiente,<br />

exímio conhece<strong>do</strong>r da complexida<strong>de</strong> apresentada, sua razão quan<strong>do</strong> exposta a<br />

fatores internos ou externos <strong>limite</strong>s não o estabiliza <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a evitar possíveis<br />

falhas e equívocos sobre o conhecimento trata<strong>do</strong>, talvez aí esteja o mito <strong>de</strong>sse<br />

tribunal da mente h<strong>um</strong>ana.<br />

Eis, <strong>por</strong>tanto, a causa <strong>do</strong> erro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> fazen<strong>do</strong>-se sempre evi<strong>de</strong>nte, dada a<br />

sua incontornável falibilida<strong>de</strong>.Todavia, é nessa imprevisibilida<strong>de</strong> e incerteza que a<br />

espécie h<strong>um</strong>ana luta ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecimento e <strong>de</strong> suas espécies em busca <strong>de</strong><br />

realizações. A propósito, esclarece Abrantes (1994, p. 185): “A Filosofia da Ciência<br />

privilegiou, em nosso século, a dimensão pública e social das diversas empresas <strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> conhecimento, em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong>s processos <strong>cognitivo</strong>s no indivíduo<br />

que produz, apren<strong>de</strong>, julga, modifica, etc. o conhecimento”. 20 Nesses aspectos, Kuhn<br />

se mostra afeito ao diálogo e pertinente com a atmosfera das ciências jurídicas ao<br />

menos em certas particularida<strong>de</strong>s (intersecção). A comunida<strong>de</strong> científica <strong>do</strong>s<br />

processualistas e <strong>do</strong> Direito como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> viveu durante muito tempo no ostracismo<br />

autopoiético, que não mais se sustenta diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> turbilhonamento <strong>de</strong> mudanças<br />

ocasiona<strong>do</strong>s <strong>por</strong> <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> social e da evolução das ciências em suas<br />

várias ramificações. 21<br />

A percepção é <strong>de</strong> que o conhecimento no que se refere à tecnologia <strong>de</strong><br />

<strong>inteligência</strong> para processar, gerir e promover a evolução <strong>do</strong> Direito Processual para<br />

o alcance <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça materialmente mais eficiente e eficaz exige <strong>um</strong>a dinâmica<br />

cuja base habita <strong>um</strong>a estrutura distinta da vigente. Esse insight tem toma<strong>do</strong> a<br />

atenção da comunida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cientistas <strong>do</strong> Direito.<br />

20<br />

E complementa Abrantes em trecho contínuo: “O campo naturalista volta a dar “distinção filosófica”<br />

aos processos <strong>cognitivo</strong>s envolvi<strong>do</strong>s na produção <strong>do</strong> conhecimento científico. Os trabalhos <strong>de</strong> Kuhn<br />

estão entre os trabalhos pioneiros nessa tendência (apesar <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nte peso da categoria sociológica<br />

<strong>de</strong> “comunida<strong>de</strong> científica” em sua teoria). Por exemplo, suas análises da influência <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> no<br />

mo<strong>do</strong> como o cientista observa o mun<strong>do</strong> apoiam-se fortemente em pesquisas <strong>de</strong> Psicologia da<br />

Percepção (ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Brasília, 1994, p. 185).”<br />

21<br />

Para o expoente jurista <strong>de</strong> Udine <strong>–</strong> Itália. (2015, p. 13-14), “Carnelutti observa: ‘A posição é análoga<br />

no campo <strong>do</strong> <strong>direito</strong> e no da medicina: chamam-se os advoga<strong>do</strong>s, [promotores <strong>de</strong> <strong>justiça</strong>] e os juízes,<br />

bem como os médicos, quan<strong>do</strong> as enfermida<strong>de</strong>s se manifestam. Todavia, a fim <strong>de</strong> que estas não<br />

apareçam é necessário difundir, ao povo, conhecimento elementares <strong>de</strong> higiene. Afinal, <strong>um</strong>a certa<br />

educação jurídica, caso estendida aos não juristas, é <strong>um</strong> meio para combater as duas pragas sociais<br />

que são a <strong>de</strong>liquencia e a litigiosida<strong>de</strong>’. Lembran<strong>do</strong> sempre Pitágoras: ‘Educan<strong>do</strong> a criança não será<br />

preciso punir o adulto’.


45<br />

2 A IMPORTÂNCIA DA EPISTEMOLOGIA DE THOMAS KUHN NO<br />

DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA DO DIREITO E DA JUSTIÇA<br />

2.1 Aspecto dinâmico da ruptura paradigmática e sua contribuição para <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

conceito <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça<br />

A relação <strong>do</strong> Direito com o mun<strong>do</strong> não se revela somente como <strong>um</strong> fenômeno<br />

conceitual, exige-se muito mais <strong>do</strong> cientista das ciências jurídicas. É inevitável,<br />

<strong>por</strong>tanto, que a praticida<strong>de</strong> reflita respostas <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação ou ina<strong>de</strong>quação às<br />

teorias fundadas e que exalam técnicas <strong>de</strong>stinadas a racionalizar o com<strong>por</strong>tamento<br />

social, manten<strong>do</strong>-os ou reformulan<strong>do</strong>-os, como escopo maior da Justiça em seu<br />

alcance. 22 Os conceitos são verda<strong>de</strong>iros catálogos <strong>de</strong> símbolos <strong>por</strong> meio <strong>do</strong>s quais<br />

se conseguem estabelecer as distinções singulares nas mais diversas formas <strong>de</strong><br />

comunicação, escrita ou não, no processo <strong>de</strong> construção das ciências.<br />

Talvez em si o conceito não se complete, exigin<strong>do</strong> sempre a relação entre<br />

emissor e receptor e toda <strong>um</strong>a compreensão peculiar, todavia sua carga <strong>de</strong><br />

pressupostos e atributos o faz completo, <strong>um</strong>a vez que se posiciona como referencial<br />

no processo <strong>de</strong> comunicação, dan<strong>do</strong>, assim, senti<strong>do</strong> a essa relação. 23<br />

22<br />

Segun<strong>do</strong> Comparato (2010, p. 223): “Esse critério ou mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> ou<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a civilização, não po<strong>de</strong> ser relativo, isto é, variar <strong>de</strong> indivíduo a indivíduo, ou <strong>de</strong> grupo social a<br />

grupo social. Aqui, tal como em matéria científica, a famosa fórmula <strong>de</strong> Protágoras, “o homem”, isto é,<br />

cada indivíduo <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, “é a medida <strong>de</strong> todas as coisas”, conduz logicamente, como ressaltou<br />

Sócrates, à negação <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o saber racional. Em matéria ética, não po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> critério para o<br />

juízo <strong>do</strong> bem e <strong>do</strong> mal a opinião <strong>de</strong>ste ou daquele indivíduo. / Mas tal não significa, bem entendi<strong>do</strong>,<br />

que o padrão <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamento ético seja necessariamente universal, váli<strong>do</strong> para todas as culturas e<br />

civilizações, nem que ele seja insuscetível <strong>de</strong> variação, conforme a evolução histórica. Mas tampouco<br />

po<strong>de</strong>-se negar que a história mo<strong>de</strong>rna mostra <strong>um</strong>a extraordinária convergência <strong>de</strong> todas as culturas e<br />

civilizações para <strong>um</strong> núcleo com<strong>um</strong> <strong>de</strong> princípios e regras <strong>de</strong> vida, núcleo esse forma<strong>do</strong> pelo sistema<br />

internacional <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s (COMPARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r. R<strong>um</strong>o à <strong>justiça</strong>. São Paulo:<br />

Saraiva, 2010, p. 223).”<br />

23<br />

Como <strong>de</strong>staca Thomas Kuhn: “Essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificar conceitos estabeleci<strong>do</strong>s e familiares<br />

é crucial para o impacto revolucionário <strong>de</strong> Einsten. Embora mais sutil que as mudanças <strong>do</strong><br />

geocentrismo para o heliocentrismo, <strong>do</strong> flogisto para o oxigênio ou <strong>do</strong>s corpúsculos para as ondas, a<br />

transformação resultante não é menos <strong>de</strong>cididamente <strong>de</strong>strui<strong>do</strong>ra para <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> previamente<br />

estabeleci<strong>do</strong>. Po<strong>de</strong>mos mesmo vir a consi<strong>de</strong>rá-la como <strong>um</strong> protótipo para as reorientações<br />

revolucionárias nas ciências. Precisamente <strong>por</strong> não envolver a introdução <strong>de</strong> objetos ou conceitos<br />

adicionais, a transição da mecânica newtoniana para a einsteiniana ilustra com particular clareza a<br />

revolução científica como sen<strong>do</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>slocamento da re<strong>de</strong> conceitual através da qual os cientistas<br />

veem o mun<strong>do</strong> (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna<br />

Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 137).”


46<br />

A im<strong>por</strong>tância <strong>do</strong>s conceitos <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> geral e, particularmente, em<br />

Thomas Kuhn <strong>de</strong>monstra claramente que eles são forja<strong>do</strong>s pela linguagem,<br />

representativa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a proprieda<strong>de</strong> nuclear com<strong>um</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> grupo <strong>de</strong><br />

cientistas cujas características se revelam fundamentais para a compreensão <strong>do</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo pelo qual o autor busca explicar o <strong>de</strong>senvolvimento da ciência.<br />

Assim como o positivismo lógico e o racionalismo crítico: cada mo<strong>de</strong>lo contém<br />

sua racionalida<strong>de</strong> sistêmica em seus conceitos, disso não dissua<strong>de</strong> a ciência <strong>do</strong><br />

Direito com suas particularida<strong>de</strong>s estruturais, que guardam em seu arcabouço seus<br />

próprios critérios. Como observa Abrantes (1994, p. 191-192),<br />

O caráter em gran<strong>de</strong> parte tácito <strong>do</strong> conhecimento cientítico n<strong>um</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

“Ciência Normal” <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como o <strong>paradigma</strong> é apreendi<strong>do</strong> pela<br />

comunida<strong>de</strong>. Kuhn enfatiza que o <strong>paradigma</strong> não se apren<strong>de</strong> <strong>por</strong> meios<br />

exclusivamente verbais (Kuhn, 1972, p. 226), mas n<strong>um</strong>a prática envolven<strong>do</strong><br />

o contato com os fenômenos naturais. Desse mo<strong>do</strong>, os exemplares (ou o<br />

<strong>paradigma</strong>) tornam-se o meio através <strong>do</strong> qual os membros da comunida<strong>de</strong><br />

científica apren<strong>de</strong>m a ver o mun<strong>do</strong>. As divergências entre partidários <strong>de</strong><br />

<strong>paradigma</strong>s distintos são anteriores à expressão linguística das mesmas: a<br />

“incomensurabilida<strong>de</strong>” remete a <strong>um</strong> nível, digamos, pré-linguistico (ibid., p.<br />

237).<br />

Equivale a dizer que os membros da família da commom law apreen<strong>de</strong>ram a<br />

ver o mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma diferente <strong>do</strong>s da família civil Law; as diferenças <strong>de</strong>correm <strong>do</strong>s<br />

mo<strong>de</strong>los a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s na estruturação <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong> Direito e da Justiça <strong>de</strong> cada<br />

comunida<strong>de</strong>. Enquanto os primeiros herdaram <strong>um</strong>a tradição anglo-saxônica, os<br />

segun<strong>do</strong>s são frutos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tradição romanística.<br />

As praticida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>monstraram as respectivas<br />

comunida<strong>de</strong>s o com<strong>por</strong>tamento dinâmico da<strong>do</strong> ao Direito e à Justiça, <strong>por</strong> esse meio<br />

validan<strong>do</strong> ou não os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s.<br />

Semelhante compartilhamento entre o mo<strong>de</strong>lo a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pela comunida<strong>de</strong><br />

científica possui <strong>um</strong>a estrutura <strong>de</strong> conhecimento os quais são produzi<strong>do</strong>s,<br />

intercambia<strong>do</strong>s e utiliza<strong>do</strong>s entre seus membros. Geram com isso <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

“plasticida<strong>de</strong> da percepção” conforme expressão encetada <strong>por</strong> Churchland.


47<br />

Em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento da história da ciência e em seu fluxo, <strong>de</strong>terminada<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cientistas po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>parar-se com <strong>um</strong>a mudança na forma <strong>de</strong> ver o<br />

mun<strong>do</strong>. Esse insight repercute inevitavelmente na forma dinâmica <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> até então. Tal ruptura é fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong> trabalho indutivo que faz com que<br />

exista <strong>um</strong>a constante evolução cultural da socieda<strong>de</strong> à qual a comunida<strong>de</strong> científica<br />

inclusive das ciências jurídicas não está imune. 24 É <strong>por</strong> essa seara que palmilha o<br />

cientista das ciências jurídicas, embora se <strong>de</strong>em <strong>de</strong> forma lenta as evoluções e as<br />

revoluções neste ambiente, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento, a ruptura se mostra <strong>de</strong> forma<br />

mais clara e objetiva. A revisão <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los está correlacionada aos problemas da<br />

sistematização <strong>do</strong> Direito para o alcance da Justiça. 25 Retoman<strong>do</strong> os conceitos<br />

linguísticos em Thomas Kuhn, eles apresentam-se como elemento ímpar,<br />

fundamental para sua compreensão, bem como para <strong>de</strong>stacar a im<strong>por</strong>tante<br />

contribuição <strong>de</strong>stinada aos estudiosos da ciência, que se <strong>de</strong>param com o pronto e o<br />

inacaba<strong>do</strong>, com o conheci<strong>do</strong> e o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, com o presente fugaz e com o futuro<br />

24<br />

Segun<strong>do</strong> Changeux, “Para Espinosa, “Nada conhecemos como bom ou mau com certeza senão<br />

aquilo que nos conduz a compreen<strong>de</strong>r verda<strong>de</strong>iramente as coisas, ou o que po<strong>de</strong> nos afastar disso”<br />

(Ética, 27). O interesse se <strong>de</strong>sloca, em oposição às teorias <strong>de</strong>dutivas, para as teorias indutivas.<br />

Segun<strong>do</strong> estas, os princípios éticos são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s e revistos com base em sua plausibilida<strong>de</strong>, e sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicar juízos mais particulares. Elas levam em conta, <strong>por</strong>tanto, a evolução cultural da<br />

socieda<strong>de</strong>, <strong>do</strong> conhecimento científico, das técnicas e das culturas. A<strong>do</strong>tarei, é claro, o ponto <strong>de</strong> vista<br />

indutivo, que me parece o mais aceitável para o cientista, graças à possibilida<strong>de</strong> nele contida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

revisão das normas morais, tanto <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao surgimento <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s problemas práticos quanto ao<br />

progresso <strong>do</strong> conhecimento. Esse ponto <strong>de</strong> vista se aproxima daquele da teoria da <strong>justiça</strong> <strong>de</strong> Rawls,<br />

que começa a ser conhecida na França. De mo<strong>do</strong> bem esquemático, Rawls <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o chama<strong>do</strong><br />

méto<strong>do</strong> <strong>do</strong> equilíbrio reflexivo. Os juízos se <strong>de</strong>senvolvem e são submeti<strong>do</strong>s a provas a posteriori, com<br />

a preocupação <strong>de</strong> manter <strong>um</strong> máximo <strong>de</strong> coerência interna e <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong>. Cada juízo cria <strong>um</strong>a<br />

pressão <strong>de</strong> críticas e <strong>de</strong> justificações para mudanças <strong>de</strong> princípios. Se o sistema social é<br />

redistributivo, se retifica os infortúnios <strong>de</strong>correntes das contigências sociais ou naturais, resulta <strong>um</strong>a<br />

ética baseada na crítica das normas morais e em sua contínua revisão, a fim <strong>de</strong> liberar novas formas<br />

<strong>de</strong> conduta. Em particular, essa filosofia me seduz, pois nela po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>scobrir bases “neurais”, e<br />

<strong>por</strong>que, aproximan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> procedimento da ciência, ela evita <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> autoritarismo<br />

consequência ultima das teorias ética <strong>de</strong>dutiva. É <strong>um</strong>a filosofia sem pretensão, <strong>um</strong>a “ética <strong>do</strong>s<br />

pequenos <strong>passo</strong>s”, que resolve os problemas tal como estes se apresentam, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> progressivo, e<br />

que não se funda em postula<strong>do</strong>s a priori, totalmente inaplicáveis (CHANGEUX. Jean-Pierre;<br />

CONNES, Alain. Matéria e pensamento; tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Ed.Unesp, 1996,<br />

p. 212).”<br />

25<br />

Como <strong>de</strong>nuncia Garapon (1997, p. 15), “Isto não impedirá, noutros momentos <strong>–</strong> <strong>de</strong> tal forma somos<br />

voláteis <strong>–</strong> que surja <strong>um</strong>a opinião predisposta a reclamar <strong>um</strong>a <strong>justiça</strong> <strong>de</strong>spojada <strong>de</strong> formas. Quan<strong>do</strong> os<br />

sociólogos americanos falam <strong>de</strong> <strong>justiça</strong> informal (da mesma forma que falam <strong>do</strong> casamento informal),<br />

é noutra coisa totalmente diferente que estão a pensar: em combinações <strong>de</strong> iniciativa privada <strong>–</strong> com a<br />

arbitragem à cabeça <strong>–</strong> <strong>de</strong>stinadas a resolver os litígios fora da esfera <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Mas, entre nós,<br />

jacobinos, a noção permanece centralizada: é à <strong>justiça</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que solicitamos que se liberte <strong>do</strong>s<br />

ritos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a tornar-se mais íntima e menos intimidante. Uma <strong>justiça</strong> acessível e familiar, é esse o<br />

<strong>de</strong>sejo eterno (GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário. Lisboa: Instituto<br />

Piaget, 1997, p. 15).”


48<br />

incerto, cujo escopo se assenta em <strong>um</strong>a dinâmica explicativa e não meramente<br />

<strong>de</strong>scritiva.<br />

O autor <strong>de</strong> A estrutura das revoluções científicas (2007, p. 259-260) verbaliza<br />

que “O conhecimento científico, como a linguagem, é intrinsecamente a proprieda<strong>de</strong><br />

com<strong>um</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> grupo ou então não é nada. Para entendê-lo, precisamos conhecer as<br />

características essenciais <strong>do</strong>s grupos que o criaram e o utilizam”.<br />

Portanto, na mesma medida em que o conhecimento científico exige <strong>um</strong>a<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> na compreensão das características da linguagem que o constroem, os<br />

conceitos kuhnianos são necessários para que haja <strong>um</strong>a compreensão racional <strong>de</strong><br />

seu enca<strong>de</strong>amento bem como <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo teórico proposto pelo autor.<br />

É esse estilo que fez com que Thomas Kuhn enxergasse a ciência como <strong>um</strong><br />

fenômeno histórico, mutável em sua natureza, possuin<strong>do</strong> em sua estrutura interna<br />

<strong>um</strong> dinamismo peculiar. 26<br />

Os conceitos e a linguagem não estiveram aglutina<strong>do</strong>s aleatoriamente, mas<br />

<strong>por</strong> <strong>um</strong>a realização com<strong>um</strong> da estrutura <strong>do</strong> pensamento kuhniano, em <strong>de</strong>corrência<br />

da forma como fora proposta em A estrutura das revoluções científicas. Nessa obra,<br />

é marcante o conceito <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>, pois sua ruptura faz com que os conceitos até<br />

então vigentes passem incomensuravelmente a ser outros. Sem radicalizar, torna-se<br />

possível aceitar o critério da reconceituação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior e sua<br />

representação. 27 A diferente anatomia <strong>de</strong> abordagem <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da ciência<br />

adveio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a atmosfera intelectual em que Kuhn foi o marco diferencial a partir <strong>de</strong><br />

1960, embora outros pensa<strong>do</strong>res tais como Fleck, Feyerabend e mais alguns<br />

estivessem cruzan<strong>do</strong> vocabulários comuns em seus trabalhos.<br />

26<br />

Neste senti<strong>do</strong>, assegura Abrantes: “Uma tese <strong>de</strong> consenso entre os partidários <strong>do</strong> naturalismo é a<br />

<strong>de</strong> que a Epistemologia está comprometida <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> necessário e inexpurgável com questões<br />

empíricas. Nessa medida, os conceitos e teorias epistemológicas são vulneráveis ao crivo da<br />

experiência, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que as teorias científicas. Para os naturalistas, a Epistemologia e a<br />

Ciência são empreendimentos intelectuais mutuamente embrica<strong>do</strong>s e relaciona<strong>do</strong>s, que se<br />

distinguem, talvez, quanto ao grau <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> abstração <strong>de</strong> seus produtos teóricos. Mas a<br />

epistemologia não po<strong>de</strong> se furtar-se a utilizar os conhecimentos e, os méto<strong>do</strong>s científicos para levar a<br />

cabo sua tarefa. E tampouco po<strong>de</strong> furtar-se a justificar suas teses (ABRANTES, Paulo (Org).<br />

Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1994, p. 171).”<br />

27<br />

Para Teixeira apud Abrantes: “Representações são esta<strong>do</strong>s mentais peculiares: são elas que<br />

estabelecem <strong>um</strong>a ligação entre organismos e seu meio ambiente, fornecen<strong>do</strong> assim material para o<br />

pensamento e para a linguagem (no caso <strong>de</strong> espécies mais complexas). Representações são esta<strong>do</strong>s<br />

mentais que contêm em si mesmos o objeto a que se referem, quer esse objeto esteja diante <strong>de</strong> mim,<br />

quer não, e é isso que os <strong>do</strong>ta daquilo que chamamos <strong>de</strong> “intencionalida<strong>de</strong>” (ABRANTES, Paulo<br />

(Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1994, p. 71).”


49<br />

O autor <strong>de</strong> A estrutura das revoluções científicas influencia a forma <strong>de</strong><br />

explicar o <strong>de</strong>senvolvimento da ciência e suas mudanças com seus critérios e<br />

procedimentos teóricos e práticos peculiares, como esclarece Ransanz (1999, p. 26):<br />

Po<strong>de</strong>-se afirmar, sem sombra <strong>de</strong> dúvidas, que o livro <strong>de</strong> Kuhn A Estrutura<br />

das Revoluções Científicas (ERC, daqui para frente) é <strong>um</strong> <strong>do</strong>s trabalhos<br />

acadêmicos mais influentes da última década. Uma clara medida <strong>de</strong> seu<br />

impacto social é dada pelo fato <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua publicação, em 1962,<br />

fora vendi<strong>do</strong> em torno <strong>de</strong> <strong>um</strong> milhão <strong>de</strong> exemplares, incluin<strong>do</strong> suas<br />

traduções em <strong>de</strong>zenove idiomas. Outro indica<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sse impacto é a<br />

quantida<strong>de</strong>, praticamente incontável, <strong>de</strong> bibliografia secundária produzida.<br />

Também isso se dá pelos termos centrais característicos <strong>do</strong> texto, tais<br />

como: “<strong>paradigma</strong>”, “ciência normal”, “revolução científica”, que acabaram<br />

fazen<strong>do</strong> parte <strong>do</strong> vocabulário corrente não somente entre os estudiosos da<br />

ciência, mas nas próprias comunida<strong>de</strong>s científicas, e mesmo em meios<br />

menos acadêmicos.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Men<strong>do</strong>nça e Vi<strong>de</strong>ira, em artigo intitula<strong>do</strong> “A revolução <strong>de</strong><br />

Kuhn”, a orientação sistêmica da linguagem conceitual em Kuhn estaria <strong>de</strong>senhada<br />

em fases sucessivas. Haveria <strong>um</strong>a fase preparadigmática, seguida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong><br />

ciência normal, a qual daria ensejo a <strong>um</strong>a fase <strong>de</strong> ciência extraordinária que,<br />

posteriormente, estaria retornan<strong>do</strong> à ciência normal, após o advento <strong>do</strong><br />

acontecimento <strong>do</strong> episódio revolucionário.<br />

Essa performance a<strong>de</strong>re aos propósitos da pesquisa na explicação da<br />

mutação da dinâmica promovida entre a tecnologia da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana e a<br />

tecnologia da <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> como estrutura capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a <strong>um</strong>a nova<br />

sistemática <strong>do</strong> Direito Processual enquanto sistema <strong>de</strong> armazenamento, gestão e<br />

<strong>de</strong>cisão, o que registra <strong>um</strong>a mudança mo<strong>de</strong>lar ao padrão <strong>do</strong>minante.<br />

Acerca <strong>do</strong>s conceitos kuhnianos, a fase preparadigmática é mais bem<br />

<strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> “multiparadigmática”, marcada pela competição <strong>de</strong> várias escolas<br />

cuja expectativa está voltada à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>um</strong> acor<strong>do</strong>. Esse perío<strong>do</strong> é rotula<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

preciência. A partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates, com o surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a realização científica<br />

notável, consegue-se o consenso entre os cientistas.<br />

Tal realização notável recebe o nome <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong> ou simplesmente mo<strong>de</strong>lo,<br />

no curso <strong>do</strong> qual os cientistas realizam suas ativida<strong>de</strong>s ordinárias, resolvem os<br />

quebra-cabeças em <strong>um</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> ciência normal, <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> à resolução<br />

<strong>de</strong> problemas e ao aperfeiçoamento <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>. Essa <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira etapa retrata a<br />

situação típica e bem representada pelas reformas realizadas no sistema processual<br />

pátrio.


50<br />

As crises surgem diante da não resolução <strong>do</strong>s problemas <strong>por</strong> <strong>de</strong>terminada<br />

comunida<strong>de</strong> científica, tais como os enfrenta<strong>do</strong>s pelo sistema <strong>de</strong> Direito Processual<br />

na busca pela concretização <strong>de</strong> <strong>um</strong> projeto Constitucional <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Justiça material.<br />

Neste caminho, surgem ciências extraordinárias com suas teorias específicas, fortes<br />

candidatas a ser <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>, para dar solução a problemas relevantes, que<br />

carecem <strong>de</strong> solução. Todavia, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> somente surgirá caso ocorra <strong>um</strong>a<br />

ruptura <strong>por</strong> intermédio da revolução científica.<br />

Do singelo organograma em que se traça simplificadamente o roteiro <strong>do</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo kuhniano, a compreensão <strong>de</strong> seus conceitos e da forma racional como estão<br />

<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s é essencial; principalmente <strong>por</strong>que Thomas Kuhn traz em seu pensamento<br />

<strong>um</strong>a forma singular <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> científica em que a psicologia da ciência é <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

tipo individual que se coletiviza. 28<br />

A singularida<strong>de</strong> kuhniana com relação à comunida<strong>de</strong> científica caracteriza-se<br />

pela forma pela qual ela se aglutina bem como se <strong>de</strong>senvolve funcionalmente, visto<br />

que as convenções são estabelecidas pelo grupo <strong>de</strong> cientistas <strong>por</strong> meio <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s<br />

e das práticas da ciência em espécies <strong>de</strong> comissões eleitas entre os notáveis<br />

conhece<strong>do</strong>res <strong>do</strong> sistema, constituin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa relação a sedimentação da autorida<strong>de</strong><br />

da comunida<strong>de</strong>.<br />

Um grupo <strong>de</strong> pessoas, conectadas <strong>por</strong> interesses comuns, forma <strong>um</strong>a<br />

estrutura comunitária voltada para a educação e o aprendiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>do</strong> conhecimento científico, ou melhor, preocupada em explicar como a ciência se<br />

<strong>de</strong>senvolve.<br />

Assim, as <strong>de</strong>cisões da comunida<strong>de</strong> são soberanas, dadas a formação e a<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entendimento sobre as questões científicas examinadas, garantin<strong>do</strong> ao<br />

sistema, pelo qual Thomas Kuhn enten<strong>de</strong> que a ciência se <strong>de</strong>senvolve como <strong>um</strong>a<br />

estrutura teórica e prática.<br />

28<br />

Como confirma Ransanz: “A primeira é que se os valores compartilha<strong>do</strong>s condicionam fortemente o<br />

com<strong>por</strong>tamento <strong>do</strong>s membros <strong>de</strong> <strong>um</strong> grupo, sem dúvida nem to<strong>do</strong>s os membros se aplicam da<br />

mesma maneira. Cada <strong>um</strong> <strong>do</strong>s valores vigentes po<strong>de</strong> ser interpreta<strong>do</strong> e pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneiras<br />

diferentes pelos sujeitos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesma comunida<strong>de</strong>, dan<strong>do</strong> lugar a juízos <strong>de</strong> valor que variam <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

indivíduo para outro. A segunda característica é que a diversida<strong>de</strong> individual na aplicação <strong>do</strong>s valores<br />

compartilha<strong>do</strong>s c<strong>um</strong>pre, no caso da ciência, <strong>um</strong>a função vital para o seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

(RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cultura Económica,<br />

1999, p. 132)”.


51<br />

Isso não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser diferente no âmago da concepção kuhniana, dada sua<br />

forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e explicar a ciência em toda a sua perspectiva dinâmica <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> conteú<strong>do</strong> lexical característico <strong>de</strong> sua<br />

abordagem. 29 Assim, segun<strong>do</strong> Thomas Kuhn, é evi<strong>de</strong>nte que a comunicação é<br />

estabelecida pela linguagem que, a serviço da comunicação daquela comunida<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong> suas crenças, realiza a prática, o exercício e a habitualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>limitan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>terminada cultura como sen<strong>do</strong> <strong>um</strong> local em que o repouso e a conservação <strong>do</strong>s<br />

elementos da comunicação acontecem <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a convenção estabelecida<br />

pela comunida<strong>de</strong> científica, como esclarece o autor em sua obra O caminho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

estrutura (2003, p. 284):<br />

A comunicação é, então, ameaçada, e a ameaça é especialmente severa<br />

<strong>por</strong>que, como as diferenças <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> em geral, a diferença entre os<br />

<strong>do</strong>is não po<strong>de</strong> ser ajuizada <strong>de</strong> maneira racional. Um <strong>do</strong>s indivíduos<br />

envolvi<strong>do</strong>s, ou ambos, po<strong>de</strong> não estar agin<strong>do</strong> em conformida<strong>de</strong> com o uso<br />

social padrão, mas é apenas em relação ao uso social que se po<strong>de</strong> dizer,<br />

<strong>de</strong> qualquer <strong>um</strong> <strong>de</strong>les, que está certo ou erra<strong>do</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, aquilo a<br />

respeito <strong>de</strong> que diferem é convenção, em vez <strong>de</strong> fato.<br />

Por essa razão, a linguagem dá à comunida<strong>de</strong> condições instr<strong>um</strong>entais <strong>do</strong><br />

aprendiza<strong>do</strong>, estabelecen<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o mun<strong>do</strong> em suas<br />

diferenças, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> os objetos, as situações e, nesse meio, envolven<strong>do</strong> os<br />

membros que as constituem.<br />

29<br />

Como bem ilustra<strong>do</strong> na obra O caminho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estrutura: “As pessoas que compartilham <strong>um</strong><br />

núcleo como as que compartilham <strong>um</strong>a estrutura lexical po<strong>de</strong>m compreen<strong>de</strong>r <strong>um</strong>as às outras,<br />

comunicar-se a respeito <strong>de</strong> suas diferenças etc.,entretanto, se os núcleos ou as estruturas lexicais<br />

diferem, então o que parece ser <strong>um</strong> <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> a respeito <strong>de</strong> fatos mostra-se ser incompreensão (as<br />

duas pessoas usam o mesmo nome para espécies diferentes). Os indivíduos que iriam, em potencial,<br />

comunicar-se, <strong>de</strong>param-se com a incomensurabilida<strong>de</strong>, e a comunicação fracassa <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong><br />

particularmente frustrante. Mas <strong>por</strong>que o que está envolvi<strong>do</strong> é a incomensurabilida<strong>de</strong>, o pré-requisito<br />

faltante à comunicação <strong>–</strong> <strong>um</strong> “núcleo” para Jed, <strong>um</strong>a “estrutura lexical” para mim <strong>–</strong> po<strong>de</strong> apenas ser<br />

exibi<strong>do</strong>, mas não articula<strong>do</strong>. O que os participantes na comunicação <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> compartilhar não é<br />

tanto <strong>um</strong>a crença, mas <strong>um</strong>a cultura em com<strong>um</strong> (KUHN, Thomas S. O caminho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estrutura;<br />

tradução Cesar Mortari. São Paulo: Ed. Unesp, 2003, p. 293).”


52<br />

Essa racionalida<strong>de</strong> vinculativa <strong>do</strong>s membros <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong><br />

científica dá-se <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong>s valores meto<strong>do</strong>lógicos e epistemológicos<br />

compartilha<strong>do</strong>s em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> histórico, tornan<strong>do</strong>-se parâmetros objetivos<br />

a partir das condições <strong>de</strong> compromissos formaliza<strong>do</strong>s em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesse com<strong>um</strong><br />

pela comunida<strong>de</strong> científica. 30 Revela-se im<strong>por</strong>tante a realização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a melhor<br />

compreensão <strong>de</strong> seus conceitos linguísticos advin<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> A estrutura das<br />

revoluções científicas. A pretensão inclina-se no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> facilitar o entendimento<br />

<strong>do</strong> pensamento kuhniano, evitan<strong>do</strong> assim o fracassar da comunicação. 31 A<br />

linguagem conceitual <strong>de</strong>ve c<strong>um</strong>prir seu verda<strong>de</strong>iro propósito, ou seja, ser a ponte<br />

entre o homem e o mun<strong>do</strong> que ele busca conhecer, <strong>um</strong>a preocupação que não po<strong>de</strong><br />

cair no esquecimento, conforme esclarece Kuhn (2011, p.13) na obra Tensão<br />

essencial.<br />

O que minha leitura <strong>de</strong> Aristóteles parecia revelar era <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

mudança global no mo<strong>do</strong> como a natureza era vista e a linguagem era<br />

aplicada a ela, <strong>um</strong>a mudança que não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser <strong>de</strong>scrita <strong>de</strong> maneira<br />

apropriada como constituída <strong>de</strong> acréscimos ao conhecimento ou <strong>de</strong> meras<br />

correções <strong>de</strong> equívocos.<br />

30<br />

Como se infere <strong>do</strong> trecho da obra Tensão essencial <strong>de</strong> Kuhn: “Uma das coisas que une os<br />

membros <strong>de</strong> qualquer comunida<strong>de</strong> científica e, ao mesmo tempo, os diferencia <strong>do</strong>s membros <strong>de</strong><br />

outros grupos aparentemente similares é a posse <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem com<strong>um</strong>, <strong>de</strong> <strong>um</strong> dialeto especial.<br />

Esses ensaios sugerem que, ao apren<strong>de</strong>r essa linguagem, como <strong>de</strong>vem fazer para participar <strong>do</strong> ofício<br />

da comunida<strong>de</strong>, os <strong>novo</strong>s membros adquirem <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> compromissos <strong>cognitivo</strong>s que não são,<br />

em princípio, cabalmente analisáveis no âmbito <strong>de</strong>ssa mesma linguagem. Esses compromissos são<br />

consequência <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como termos, frases, e sentenças da linguagem são aplica<strong>do</strong>s à natureza, e é<br />

sua relevância para a ligação linguagem-natureza que torna tão im<strong>por</strong>tante o senti<strong>do</strong> original e mais<br />

restrito <strong>de</strong> "<strong>paradigma</strong>" (KUHN, Thomas S. A tensão essencial: estu<strong>do</strong>s seleciona<strong>do</strong>s sobre tradição<br />

e mudança científica.São Paulo: Ed. Unesp, 2011, p. 22).”<br />

31<br />

A polissemia das palavras não somente dificulta mas conduz a <strong>um</strong>a interpretação equivocada <strong>do</strong><br />

autor ou ao menos à minimização daquela preocupação aclarada na obra Tensão essencial): “Des<strong>de</strong><br />

esse <strong>de</strong>cisivo episódio no verão <strong>de</strong> 1947, a busca pelas melhores leituras, ou pelas melhores leituras<br />

possíveis, tem si<strong>do</strong> algo central em minha pesquisa histórica (e também algo sistematicamente<br />

elimina<strong>do</strong> das narrativas que relatam o seu resulta<strong>do</strong>). As lições aprendidas com a leitura <strong>de</strong><br />

Aristóteles também instruíram minhas leituras <strong>de</strong> autores como Boyle, Newton, Lavoisier e Dalton,<br />

Boltzman e Plank. Para res<strong>um</strong>ir, são duas as lições. Primeira: há muitas maneiras <strong>de</strong> ler <strong>um</strong> texto, e<br />

mais facilmente acessíveis em tempos recentes são, em geral, ina<strong>de</strong>quadas quan<strong>do</strong> aplicadas ao<br />

passa<strong>do</strong>. Segunda: essa plasticida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s textos não põe em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> todas as maneiras <strong>de</strong><br />

lê-los, pois alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong>las (espera-se que, no fim, seja apenas <strong>um</strong>a) possuem <strong>um</strong>a plausibilida<strong>de</strong> e<br />

<strong>um</strong>a coerência ausentes nas outras. Ao tentar transmitir essas lições aos estudantes, proponho-lhes<br />

<strong>um</strong>a máxima: ao ler a obra <strong>de</strong> <strong>um</strong> pensa<strong>do</strong>r im<strong>por</strong>tante, procure ante os aparentes absur<strong>do</strong>s <strong>do</strong> texto<br />

e pergunte-se como <strong>um</strong>a pessoa sensata <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ter escrito aquilo (KUHN, Thomas S. A tensão<br />

essencial: estu<strong>do</strong>s seleciona<strong>do</strong>s sobre tradição e mudança científica.São Paulo: Ed. Unesp, 2011, p.<br />

12).”


53<br />

A preocupação e a forma <strong>de</strong> compreensão <strong>do</strong> alcance relaciona<strong>do</strong> ao senti<strong>do</strong><br />

e ao objeto da linguagem conceitual também são tratadas na dissertação <strong>de</strong><br />

mestra<strong>do</strong> intitulada “Kuhn e as ciências sociais”, <strong>de</strong>senvolvida <strong>por</strong> Assis (1991, p. 8-<br />

9), conforme segue transcrito:<br />

Po<strong>de</strong>-se também consi<strong>de</strong>rar Kuhn a contrapartida epistemológica <strong>de</strong><br />

trabalhos historicamente orienta<strong>do</strong>s como os <strong>de</strong> Alexandre Koyré. Esse<br />

autor russo radica<strong>do</strong> na França, ao estudar a obra <strong>de</strong> Galileu (cf.<br />

especialmente Koyré, 1939), já se antecipava a muitos insights <strong>de</strong> Kuhn,<br />

especialmente no que diz respeito ao papel da retórica na aceitação da<br />

teoria científica, na dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogo racional entre partidários <strong>de</strong><br />

teorias rivais e sobre as alterações (não aditivas) <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> para <strong>um</strong><br />

mesmo termo quan<strong>do</strong> usa<strong>do</strong> no contexto <strong>de</strong> teorias diferentes. Por exemplo,<br />

“Terra” quer dizer coisas diferentes para Galileu e para Aristóteles, mas o<br />

fato <strong>de</strong> galileanos e aristotélicos usarem o mesmo termo com significa<strong>do</strong>s<br />

diferentes tem duas consequências para<strong>do</strong>xais: confundir ou mesmo<br />

impossibilitar <strong>um</strong>a confrontação e, <strong>por</strong> outro la<strong>do</strong>, dar <strong>um</strong>a impressão <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> entre teorias sucessivas, já que a utilização <strong>de</strong> termos iguais<br />

parece sugerir progresso através <strong>de</strong> acréscimos pontuais, o que Koyré<br />

cuida <strong>de</strong> mostrar que, absolutamente, nunca é o caso. 32<br />

Isso <strong>de</strong>monstra o ponto chave da linguagem conceitual em Kuhn, ou seja, que<br />

a ciência, segun<strong>do</strong> sua ótica, está assentada nas diferentes estruturas lexicais<br />

existentes na história da ciência que são registradas secularmente. No ambiente das<br />

ciências jurídicas, as famílias <strong>do</strong> Direito são responsáveis <strong>por</strong> realizar essa<br />

<strong>de</strong>marcação e, a partir <strong>de</strong> então, traçar a dinâmica <strong>do</strong> sistema eleito.<br />

A mudança <strong>de</strong> estrutura conceitual é resulta<strong>do</strong> das rupturas pelas quais as<br />

ciências passam, fundam-se <strong>por</strong>que estão diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> que a cada<br />

momento <strong>de</strong>ixa <strong>um</strong>a fratura irreconciliável com o passa<strong>do</strong>, a “incomensurabilida<strong>de</strong>”,<br />

<strong>de</strong>marcada pelas revoluções científicas.<br />

Em cada presente, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>, <strong>um</strong>a nova estrutura lexical, <strong>um</strong>a nova<br />

linguagem conceitual. Essas i<strong>de</strong>ias geraram críticas duras ao texto A estrutura das<br />

revoluções científicas, não somente naquilo que diz respeito à noção <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>,<br />

mas sobre a forma como o autor buscou explicar o <strong>de</strong>senvolvimento da ciência.<br />

32<br />

Ainda cita Assis o seguinte excerto <strong>de</strong> Koyré: “O que funda<strong>do</strong>res da ciência mo<strong>de</strong>rna, entre eles<br />

Galileu, tinham <strong>de</strong> fazer não era criticar e combater certas teorias erradas para corrigi-las ou substituílas<br />

<strong>por</strong> outras melhores. Tinham <strong>de</strong> fazer algo inteiramente diverso. Tinham <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> e<br />

substituí-lo <strong>por</strong> outro. Tinham <strong>de</strong> reformar a estrutura <strong>de</strong> nossa própria <strong>inteligência</strong>, reformular<br />

novamente e rever conceitos, encarar o Ser <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova maneira, elaborar <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conceito <strong>do</strong><br />

conhecimento, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conceito da ciência, e até substituir <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista bastante natural, o <strong>do</strong><br />

senso com<strong>um</strong>, <strong>por</strong> outro que absolutamente não o é. (Koyré apud ASSIS, Jesus <strong>de</strong> Paula. Kuhn e as<br />

ciências sociais. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em Sociologia). Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Letras e Ciências<br />

H<strong>um</strong>anas, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo, 1991, p. 9).”


54<br />

Em que pesem as críticas, é polissêmica a discussão sobre o termo<br />

“<strong>paradigma</strong>”. Seu méto<strong>do</strong> se <strong>de</strong>snuda útil para explicar a dinâmica evolutiva e<br />

consequente mutação entre as tecnologias das <strong>inteligência</strong>s no processamento <strong>de</strong><br />

informações e da<strong>do</strong>s na circunscrição <strong>do</strong> Direito e da Justiça, em específico <strong>do</strong><br />

sistema <strong>de</strong> Direito Processual como catalisa<strong>do</strong>r das substancialida<strong>de</strong>s.<br />

A pesquisa no presente trabalho valoriza a linguagem conceitual e a dinâmica<br />

da ciência com insofismável percuciência. 33 A objetivida<strong>de</strong> e a precisão <strong>do</strong>s conceitos<br />

representam <strong>um</strong>a necessida<strong>de</strong> fundamental da filosofia da ciência e <strong>de</strong> sua história,<br />

seja em qual mo<strong>de</strong>lo se busque explicar o <strong>de</strong>senvolvimento das ciências. Nesse<br />

senti<strong>do</strong>, conforme esclarece a dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> intitulada “O Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

historiografia da ciência kuhniano: da obra A estrutura das revoluções científicas aos<br />

ensaios tardios”, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Aymoré (2010, p. 154):<br />

Assim, mesmo ao interpretar eventos, <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entos ou textos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, a<br />

análise <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r é influenciada pelo pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> teórico em que foi<br />

forma<strong>do</strong>, <strong>de</strong> maneira que sua interpretação jamais será neutra ou fundada<br />

na mera seleção e organização <strong>de</strong> fatos puros ou básicos. Esta questão <strong>do</strong><br />

pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> que certa interpretação histórica implica e nos leva ao<br />

segun<strong>do</strong> item da analogia entre ativida<strong>de</strong> científica e ativida<strong>de</strong> da história da<br />

ciência, a carga teórica.<br />

Para Kuhn a ciência está assentada não somente na perspectiva <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento traça<strong>do</strong> <strong>por</strong> sua teoria, mas forjada em seus próprios conceitos,<br />

marca<strong>do</strong>s pela influência não somente histórica, mas também das comunida<strong>de</strong>s<br />

científicas, as quais giram em torno <strong>de</strong> <strong>um</strong>a compreensão peculiar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Os conceitos forja<strong>do</strong>s <strong>por</strong> Thomas Kuhn para sua filosofia histórica da ciência,<br />

embora passíveis <strong>de</strong> infinitas críticas, não se afastaram da exigibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> critério<br />

<strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> quanto aos <strong>limite</strong>s <strong>de</strong> sua moldura interna e externa, <strong>de</strong>scritivo e<br />

explicativo <strong>de</strong> natureza universal inerente.<br />

33<br />

Nesse contexto, é o<strong>por</strong>tuna, como <strong>um</strong> paralelo, a manifestação <strong>de</strong> Popper (1973, p. 52-53): “A<br />

linguagem é <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento e im<strong>por</strong>tante é o que se faz com ela <strong>–</strong> no caso que nos ocupa, seu uso<br />

para formular e discutir teorias a propósito <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Um filósofo que <strong>de</strong>vota a vida à preocupação<br />

com o instr<strong>um</strong>ento lembra <strong>um</strong> carpinteiro que <strong>de</strong>vota todas as suas horas <strong>de</strong> trabalho ao afiar as<br />

ferramentas, nunca chegan<strong>do</strong> a usá-las, a não ser <strong>um</strong>a contra a outra. Os filósofos, como to<strong>do</strong>s, têm<br />

o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> maneira clara e direta; mas, à semelhança <strong>do</strong>s físicos, <strong>de</strong>vem executar o trabalho<br />

que lhes cabe <strong>de</strong> forma tal que nada que se revista <strong>de</strong> im<strong>por</strong>tância <strong>de</strong>penda <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como utilizem<br />

as palavras”.


55<br />

Conceitos são universais inerentes, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da aceitabilida<strong>de</strong> ou<br />

não da comunida<strong>de</strong> quanto à sua unissonida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>ém representam <strong>um</strong> referencial<br />

seletivo da teoria como <strong>de</strong>scrito em A estrutura das revoluções científicas.<br />

Dentre os conceitos, há os mais questiona<strong>do</strong>s e evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s, entre os quais<br />

merece <strong>de</strong>staque a nomenclatura <strong>paradigma</strong>, que é <strong>de</strong>scrita pelo autor como <strong>um</strong>a<br />

realização científica mo<strong>de</strong>lar projetan<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> si os <strong>de</strong>mais estu<strong>do</strong>s e pesquisas<br />

daquela área, também <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> matriz disciplinar. 34<br />

Embora controverso e critica<strong>do</strong> ostensivamente <strong>por</strong> Margaret Masterman, no<br />

clássico encontro retrata<strong>do</strong> na obra A crítica ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> conhecimento,<br />

Vi<strong>de</strong>ira afirma, em seu artigo “Paradigmas, comunida<strong>de</strong>s científicas e os físicos<br />

brasileiros” (2012. p. 616):<br />

A <strong>de</strong>speito da equivocida<strong>de</strong> <strong>do</strong> termo <strong>paradigma</strong>, tão bem apontada <strong>por</strong><br />

Margaret Masterman, é ele que garante à ciência <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria,<br />

tornan<strong>do</strong>-a diferente das outras ativida<strong>de</strong>s elaboradas e praticadas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

coletivida<strong>de</strong>. No jargão kuhniano, a ciência é praticada <strong>por</strong> comunida<strong>de</strong>s<br />

científicas, as quais são o que são <strong>por</strong>que possuem <strong>paradigma</strong>s.<br />

Os <strong>paradigma</strong>s ditam a existência das comunida<strong>de</strong>s, todavia é <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>las<br />

que os <strong>paradigma</strong>s se manifestam e existem, ou melhor, coexistem em <strong>um</strong>a<br />

verda<strong>de</strong>ira simbiose, na medida em que os membros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> se<br />

organizam e <strong>de</strong>senvolvem o conhecimento científico nos parâmetros <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s<br />

estipula<strong>do</strong>s <strong>por</strong> aquele <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, enfrentan<strong>do</strong> os problemas e<br />

buscan<strong>do</strong> as resoluções <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus <strong>limite</strong>s, a partir <strong>do</strong>s recursos e das<br />

condições que aquela comunida<strong>de</strong> possui, ten<strong>do</strong>-o como baliza nortea<strong>do</strong>ra.<br />

Como explica Kropf (1999, p. 7), “Na obra <strong>de</strong> Kuhn, a comunida<strong>de</strong> científica,<br />

enquanto unida<strong>de</strong> produtora e legitima<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> conhecimento científico, é a noção<br />

que permite conferir operacionalida<strong>de</strong> tanto ao conceito <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong> quanto ao <strong>de</strong><br />

ciência normal”.<br />

34<br />

Como ilustra Ostermann: “O termo <strong>paradigma</strong> tem <strong>um</strong> senti<strong>do</strong> geral e <strong>um</strong> senti<strong>do</strong> restrito. O<br />

primeiro foi emprega<strong>do</strong> para <strong>de</strong>signar to<strong>do</strong> o conjunto <strong>de</strong> compromissos <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

comunida<strong>de</strong> científica (constelação <strong>de</strong> crenças, valores, técnicas partilhadas pelos membros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong>). A este senti<strong>do</strong>, Kuhn aplicou a expressão “matriz disciplinar”. “Disciplinar”<br />

<strong>por</strong>que se refere a <strong>um</strong>a posse com<strong>um</strong> aos praticantes <strong>de</strong> <strong>um</strong>a disciplina particular; “matriz” <strong>por</strong>que é<br />

composta <strong>de</strong> elementos or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s <strong>de</strong> várias espécies, cada <strong>um</strong> <strong>de</strong>les exigin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminação<br />

mais <strong>por</strong>menorizada (OSTERMANN, Fernanda. A Epistemologia <strong>de</strong> Kuhn. Ca<strong>de</strong>rno Catarinense <strong>de</strong><br />

Ensino <strong>de</strong> Física, Brasil, v.13, n. 3, p.186, <strong>de</strong>z. 1996).”


56<br />

As realizações científicas acontecem segun<strong>do</strong> os mo<strong>de</strong>los convenciona<strong>do</strong>s<br />

pela comunida<strong>de</strong> científica em que o <strong>paradigma</strong> está vigente, os quais estabelecem<br />

suas convenções, legitiman<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ssa maneira, o grupo e a prática <strong>de</strong> suas<br />

ações. 35 Como <strong>um</strong>a bússola conduzin<strong>do</strong> o veleja<strong>do</strong>r em alto mar, está o <strong>paradigma</strong> a<br />

nortear as pesquisas, os problemas e as soluções científicas da comunida<strong>de</strong>, a partir<br />

<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los conquista<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> formação, segun<strong>do</strong> Vi<strong>de</strong>ira no mesmo<br />

artigo acima referi<strong>do</strong> (2012, p. 617). “Os <strong>paradigma</strong>s têm a ‘proprieda<strong>de</strong>’ <strong>de</strong> restringir<br />

o escopo <strong>de</strong> problemas a serem investiga<strong>do</strong>s, <strong>um</strong>a vez que atuam como normas<br />

regula<strong>do</strong>ras daquilo que <strong>de</strong>ve ser entendi<strong>do</strong> como cientificamente aceitável”.<br />

Além <strong>de</strong>sse conceito central <strong>de</strong> A estrutura das revoluções científicas, muitos<br />

outros são im<strong>por</strong>tantes, tais como: comunida<strong>de</strong> científica, ciência normal, anomalia,<br />

incomensurabilida<strong>de</strong>, revolução científica, quebra-cabeças, <strong>de</strong>ntre outros vitais à<br />

compreensão da dinâmica da ciência na perspectiva kuhniana.<br />

A ciência normal é registrada na história da ciência como <strong>um</strong> perío<strong>do</strong><br />

dinâmico e ao mesmo tempo c<strong>um</strong>ulativo da ciência, no qual os cientistas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

comunida<strong>de</strong>, à luz <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong>, realizam suas <strong>de</strong>scobertas sobre o plano <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> su<strong>por</strong>te teórico, <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s e situações envolven<strong>do</strong> as questões afetas à<br />

ciência.<br />

Nesse perío<strong>do</strong> maduro da ciência normal, ocorrem mutações científicas,<br />

inclusive a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novas <strong>de</strong>scobertas, a sinergia <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s conhecimentos,<br />

as incertezas e as verda<strong>de</strong>s com as quais os membros daquela comunida<strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>param, bem como as hipóteses e as resoluções encontradas para os quebracabeças,<br />

como frutos da estrutura mo<strong>de</strong>lar <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, o qual<br />

alberga em sua estrutura, <strong>de</strong> forma integrativa, a ciência normal. 36<br />

35<br />

Como confirma Carneiro: “É nesse senti<strong>do</strong> que <strong>um</strong> da<strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> possibilita não só a <strong>de</strong>finição e<br />

a resolução <strong>de</strong> problemas, mas a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s problemas e aplicações. Do ponto <strong>de</strong> vista<br />

pedagógico, a iniciação <strong>de</strong> membros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> científica a <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> não se dá <strong>por</strong><br />

meio <strong>de</strong> regras ou axiomas ou mesmo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a fundamentação teórica mais consistente (CARNEIRO,<br />

Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 100).”<br />

36<br />

Como retrata Kuhn, “No <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> qualquer ciência, admite-se habitualmente que o<br />

primeiro <strong>paradigma</strong> explica com bastante sucesso a maior parte das observações e experiências<br />

facilmente acessíveis aos praticantes daquela ciência. Em consequência, <strong>um</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

posterior com<strong>um</strong>ente requer a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong> equipamento elabora<strong>do</strong>, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

vocabulário e técnicas esotéricas, além <strong>de</strong> <strong>um</strong> refinamento <strong>de</strong> conceitos que se assemelham cada<br />

vez menos com os protótipos habituais <strong>do</strong> senso com<strong>um</strong>. Por <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, essa profissionalização leva a<br />

<strong>um</strong>a imensa restrição da visão <strong>do</strong> cientista e a <strong>um</strong>a resistência consi<strong>de</strong>rável à mudança <strong>de</strong><br />

<strong>paradigma</strong>. A ciência torna-se sempre mais rígida. Por outro la<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ntro das áreas para as quais o<br />

<strong>paradigma</strong> chama a atenção <strong>do</strong> grupo, a ciência normal conduz a <strong>um</strong>a informação <strong>de</strong>talhada e a <strong>um</strong>a<br />

precisão da integração entre a observação e a teoria que não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser atingida <strong>de</strong> outra maneira


57<br />

O <strong>paradigma</strong> vigente, <strong>por</strong>tanto, <strong>de</strong>senvolve-se a partir <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s e<br />

pesquisas, o que se <strong>de</strong>nomina perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> ciência normal, cuja produção é<br />

c<strong>um</strong>ulativa, voltada para seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento, aprimoramento e alcance <strong>do</strong>s<br />

objetivos nutri<strong>do</strong>s pelos membros <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> científica <strong>de</strong> forma<br />

restrita, como esclarece Ostermann em A epistemologia <strong>de</strong> Kuhn (1996, p. 187):<br />

[...] a pesquisa científica normal está dirigida para a articulação daqueles<br />

fenômenos e teorias já forneci<strong>do</strong>s pelo <strong>paradigma</strong>. A ciência normal<br />

restringe drasticamente a visão <strong>do</strong> cientista, pois as áreas investigadas são<br />

certamente minúsculas. Mas essas restrições, nascidas da confiança no<br />

<strong>paradigma</strong>, revelam-se essenciais para o <strong>de</strong>senvolvimento científico.<br />

Por isso, a ciência normal produz o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s<br />

conhecimentos, sem que, todavia, seja seu propósito, como encontramos em A<br />

estrutura das revoluções científicas (2007, p. 91) “[...] ciência normal <strong>–</strong> <strong>um</strong><br />

empreendimento não dirigi<strong>do</strong> para as novida<strong>de</strong>s e que a princípio ten<strong>de</strong> a suprimilas<br />

<strong>–</strong> po<strong>de</strong>, não obstante, ser tão eficaz para provocá-las. ” O que é reforça<strong>do</strong> na<br />

obra A crítica e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> conhecimento, no artigo intitula<strong>do</strong> “Lógica<br />

da<strong>de</strong>scoberta ou Psicologia da pesquisa”, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Thomas Kuhn (1979, p. 9). 37<br />

Tal propósito, a serviço <strong>do</strong> aprimoramento <strong>do</strong> próprio <strong>paradigma</strong>, é realiza<strong>do</strong><br />

pela comunida<strong>de</strong> científica autonomamente a partir <strong>de</strong> suas habilida<strong>de</strong>s científicas.<br />

O trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> durante a ciência normal representa c<strong>um</strong>ulativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conhecimento e também <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> dar a ele condição <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às<br />

necessida<strong>de</strong>s científicas <strong>do</strong>s membros <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> na resolução<br />

<strong>do</strong>s problemas.<br />

(KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson<br />

Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 91)”.<br />

37<br />

Embora nem to<strong>do</strong>s, muitos problemas <strong>de</strong> pesquisa ass<strong>um</strong>em essa forma. Os testes <strong>de</strong>sse tipo<br />

representam <strong>um</strong> componente com<strong>um</strong> <strong>do</strong> que <strong>de</strong>nominei “ciência normal” ou “pesquisa normal”,<br />

responsável pela imensa maioria <strong>do</strong> trabalho realiza<strong>do</strong> em ciência básica. Esses testes, <strong>por</strong>ém, não<br />

são dirigi<strong>do</strong>s, em nenh<strong>um</strong> senti<strong>do</strong> usual, para a teoria corrente. Ao contrário, quan<strong>do</strong> está às voltas<br />

com <strong>um</strong> problema <strong>de</strong> pesquisa normal, o cientista <strong>de</strong>ve postular a teoria corrente como a regra <strong>de</strong> seu<br />

jogo. Seu objetivo é resolver <strong>um</strong>a charada, <strong>de</strong> preferência <strong>um</strong>a charada em que outros falharam, e a<br />

teoria corrente é indispensável para <strong>de</strong>fini-la e para assegurar que, em haven<strong>do</strong> talento suficiente, a<br />

charada será resolvida.


58<br />

Ainda é o<strong>por</strong>tuno ressalvar que, se a charada não for resolvida, o problema<br />

não está no <strong>paradigma</strong> e sim no cientista; ele é <strong>um</strong> diferencial que divorcia o<br />

pensamento kuhniano das <strong>de</strong>mais correntes da filosofia da ciência até então<br />

vigentes. É ilustrativa a citação <strong>de</strong> Caminho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estrutura,(2006, p. 23-24). 38<br />

Nesse exercício <strong>de</strong> construção da ciência, a comunida<strong>de</strong> profissionalizada <strong>de</strong><br />

cientistas alcança seus resulta<strong>do</strong>s, à pro<strong>por</strong>ção que <strong>de</strong>senvolve práticas para<br />

explorar as re<strong>de</strong>s conceituais e as técnicas instr<strong>um</strong>entais <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> ativo, bem<br />

como aproveitan<strong>do</strong> os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s trabalhos daquela comunida<strong>de</strong> científica para<br />

avaliar as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>.<br />

No perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> ciência normal, ela se <strong>de</strong>senvolve na tentativa <strong>de</strong> fazer a<br />

natureza harmonizar-se <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s pelo <strong>paradigma</strong> nas<br />

soluções <strong>de</strong> problemas. Destaca-se, entretanto, que a compreensão da dinâmica da<br />

ciência em senti<strong>do</strong> amplo não se faz na esteira da c<strong>um</strong>ulativida<strong>de</strong>, ou seja, <strong>um</strong>a<br />

ciência anterior não evolui c<strong>um</strong>ulativamente dan<strong>do</strong> ensejo a <strong>um</strong>a superior.<br />

Esse fenômeno é perceptivo quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> emparelha<strong>do</strong> entre a tecnologia da<br />

<strong>inteligência</strong> da espécie h<strong>um</strong>ana e da Inteligência Artificial embarcada nas máquinas,<br />

como meios <strong>de</strong> processamento <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s.<br />

Não há c<strong>um</strong>ulativida<strong>de</strong>, mas evolução, pois são estruturas diferentes as quais<br />

se enquadram no modus dinâmico da meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> Kuhn. Ambas <strong>de</strong>têm algo em<br />

com<strong>um</strong>, que é o processamento <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s, <strong>por</strong>ém a partir <strong>de</strong> bases<br />

cognitivas particulares.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Rosenberg, os <strong>paradigma</strong>s não melhoram uns aos outros. É<br />

<strong>um</strong> prisma pelo qual se torna evi<strong>de</strong>nte a ciência não se ac<strong>um</strong>ular em direção da<br />

aproximação da contínua verda<strong>de</strong>.<br />

Portanto, a história da ciência é como a da arte, a da literatura, a da religião, a<br />

<strong>do</strong> <strong>direito</strong>, a da política ou a da cultura, histórias <strong>de</strong> mudanças em que o progresso<br />

não po<strong>de</strong> ser compreendi<strong>do</strong> senão como <strong>um</strong>a produção <strong>de</strong> longo prazo.<br />

38<br />

A maioria das pesquisas científicas bem-sucedidas resulta n<strong>um</strong>a mudança <strong>do</strong> primeiro tipo, e sua<br />

natureza é bem capturada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a imagem habitual: a ciência normal é aquilo que produz os tijolos<br />

que a pesquisa científica está sempre adicionan<strong>do</strong> ao crescente acervo <strong>de</strong> conhecimento científico.<br />

Essa concepção c<strong>um</strong>ulativa <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento científico é familiar, e guiou a elaboração <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

consi<strong>de</strong>rável literatura meto<strong>do</strong>lógica. Tanto ela quanto seus subprodutos meto<strong>do</strong>lógicos aplicam-se a<br />

<strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhos científicos significativos.


59<br />

É possível afirmar, pois, que <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo kuhniano existe, conforme<br />

verbaliza Men<strong>do</strong>nça, <strong>um</strong> binômio indissociável entre <strong>paradigma</strong> e ciência normal. 39<br />

Amplia essa compreensão o trecho da obra A estrutura das revoluções científicas<br />

(2007, p. 29). 40<br />

Embora as noções <strong>de</strong> ciência normal e <strong>paradigma</strong> estejam relacionadas, a<br />

primeira, dadas as referidas citações, tem a árdua e copiosa tarefa <strong>de</strong> registrar o<br />

inevitável progresso da ciência a cada <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>, visto ser a forma <strong>de</strong> registrar<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento da ciência poupan<strong>do</strong> questionamentos diante <strong>de</strong> problemas já<br />

soluciona<strong>do</strong>s; quanto à segunda (a noção <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>), sua estrutura vai além <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a simples teoria como cálculo interpreta<strong>do</strong>. Parafrasean<strong>do</strong> Abrantes: é <strong>um</strong><br />

compartilhamento <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los em <strong>um</strong>a ativida<strong>de</strong> coletiva realizada pelos membros<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> científica.<br />

O <strong>paradigma</strong> registra autonomia e in<strong>de</strong>pendência <strong>por</strong> ter em sua essência<br />

<strong>um</strong>a <strong>de</strong>finição certa e precisa, embora esteja o conceito sujeito a críticas. Ele, <strong>de</strong><br />

fato, ostenta <strong>um</strong>a base fundamental para a compreensão <strong>de</strong> ciência em Thomas<br />

Kuhn. Mais <strong>do</strong> que isso, é fundamental para a existência <strong>do</strong> consenso, característica<br />

marcante da prática científica, ao menos em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s momentos. 41 O resulta<strong>do</strong><br />

não somente aponta que o <strong>paradigma</strong> não representa <strong>um</strong>a simples <strong>de</strong>finição<br />

primária sem conteú<strong>do</strong> formal e material, aponta também para a im<strong>por</strong>tância <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

parâmetro <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à especialização da ciência, que surge com o aperfeiçoamento<br />

gesta<strong>do</strong> durante o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> ciência normal, ten<strong>do</strong> em vista suas realizações.<br />

39<br />

“ [...] na explanação kuhniana, a ciência normal forma <strong>um</strong> binômio indissociável com o <strong>paradigma</strong>.<br />

A ciência entra em <strong>um</strong>a fase normal justamente quan<strong>do</strong> é guiada sob a égi<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong>. Nas<br />

palavras <strong>de</strong> Kuhn, “ciência normal” significa a pesquisa firmemente baseada em <strong>um</strong>a ou mais<br />

realizações científicas passadas [<strong>paradigma</strong>s] (MENDONÇA, André Luis <strong>de</strong> Oliveira. O lega<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Thomas Kuhn após cinquenta anos. In: Revista Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 535-60,<br />

2012, p. 537)”.<br />

40<br />

“[...] ciência normal, significa a pesquisa firmemente baseada em <strong>um</strong>a ou mais realizações<br />

científicas passadas. Essas realizações são reconhecidas durante alg<strong>um</strong> tempo <strong>por</strong> alg<strong>um</strong>a<br />

comunida<strong>de</strong> científica específica como pro<strong>por</strong>cionan<strong>do</strong> os fundamentos para a sua prática posterior<br />

(KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson<br />

Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 29).”<br />

41<br />

Como esclarece Men<strong>do</strong>nça: “Os <strong>paradigma</strong>s, ou exemplares, propiciam o advento <strong>de</strong> consenso <strong>–</strong><br />

visível nas revistas especializadas, bem como nos manuais <strong>de</strong> ensino <strong>–</strong> acerca <strong>do</strong>s fundamentos da<br />

prática científica. Sob sua posse, cessam os <strong>de</strong>bates <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m meto<strong>do</strong>lógica (quais os meios<br />

a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s <strong>de</strong> investigação), <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m epistemológica (o que <strong>de</strong>ve ser investiga<strong>do</strong> e quais soluções<br />

<strong>de</strong>vem ser alcançadas) e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ontológica (qual a natureza das entida<strong>de</strong>s investigadas). Uma vez<br />

que findas essas discussões basilares, os cientistas po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r seu tempo em questões mais<br />

específicas (MENDONÇA, André Luis <strong>de</strong> Oliveira. O lega<strong>do</strong> <strong>de</strong> Thomas Kuhn após cinquenta anos.<br />

In: Revista Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 535-60, 2012, p. 538).”


60<br />

A maturida<strong>de</strong>, que dá a <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> seu status, <strong>de</strong>monstra sua supremacia<br />

em relação a seus eventuais concorrentes. Cientistas que se encontravam<br />

pesquisan<strong>do</strong> e disputan<strong>do</strong> a eleição <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>ntre os <strong>paradigma</strong>s concorrentes, ao<br />

conseguirem a prevalência <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, fazem com que os <strong>de</strong>mais<br />

sejam <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong>s.<br />

No perío<strong>do</strong> da ciência normal, o conhecimento ac<strong>um</strong>ula<strong>do</strong>, diretamente<br />

relaciona<strong>do</strong> com o <strong>paradigma</strong> em vigor, contribui <strong>de</strong>cisivamente para com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da ativida<strong>de</strong> científica. Esse resulta<strong>do</strong> <strong>cognitivo</strong> alimenta o<br />

arcabouço teórico, meto<strong>do</strong>lógico e técnico, <strong>por</strong> meio <strong>do</strong> qual os cientistas procuram<br />

resolver os quebra-cabeças científicos.<br />

Caso nesse perío<strong>do</strong> o <strong>paradigma</strong> não se mostre eficaz na solução <strong>de</strong><br />

problemas significativos (as anomalias), gera-se aquele momento em que a<br />

confiança na eficácia <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> já não é mais consensual e, assim, veem-se<br />

nascer os momentos <strong>de</strong> crise e, com eles, aquilo que Kuhn <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> ciência<br />

extraordinária. 42<br />

A ciência normal enfrenta, então, tal fenômeno problemático com o objetivo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver, <strong>de</strong>ntro da estrutura interna <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, <strong>um</strong>a solução para ele.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Kuhn, constatan<strong>do</strong> a iminência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a crise, os cientistas<br />

analisariam a questão no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> resolver a charada com os recursos disponíveis<br />

e oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, o que nem sempre evita os momentos <strong>de</strong> crise da fonte<br />

cria<strong>do</strong>ra da solução das suas mãos, <strong>de</strong>nominada ciência normal.<br />

A ac<strong>um</strong>ulação <strong>de</strong> conhecimento no perío<strong>do</strong> da ciência normal ou a produção<br />

<strong>de</strong> <strong>novo</strong>s conhecimentos diante <strong>do</strong> imprevisto, isto é, das anomalias, está a serviço<br />

da a<strong>de</strong>quação entre o <strong>paradigma</strong> e sua finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> contexto da comunida<strong>de</strong><br />

científica. Tal a<strong>de</strong>quação requer que o imprevisto, o fenômeno anômalo, seja<br />

converti<strong>do</strong> naquilo que é habitual e previsto. Como afirma Kuhn em A estrutura das<br />

revoluções científicas (2007, p. 91),<br />

42<br />

Como <strong>de</strong>staca Ransanz, “Pois bem, dizíamos que quan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a anomalia <strong>–</strong> ou família <strong>de</strong> anomalias<br />

<strong>–</strong> chega a provocar <strong>um</strong>a crise, se inicia a transição da ciência extraordinária. Neste perío<strong>do</strong>, os<br />

acor<strong>do</strong>s básicos se racham, as “regras <strong>do</strong> jogo” da ciência per<strong>de</strong>m força e sua aplicação se torna<br />

cada vez menos estável. As tentativas <strong>de</strong> solução, na medida em que se mantêm as anomalias, se<br />

tornam cada vez mais difíceis, ou seja, se dirigem ao questionamento e à modificação <strong>do</strong>s<br />

componentes mais arraiga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> (RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio<br />

cientifico. México: Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cultura Económica, 1999, p. 75).”


61<br />

Inicialmente experimentamos somente o que é habitual e previsto, mesmo<br />

em circunstâncias nas quais mais tar<strong>de</strong> se observará <strong>um</strong>a anomalia.<br />

Contu<strong>do</strong>, <strong>um</strong>a maior familiarida<strong>de</strong> dá origem à consciência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a anomalia<br />

ou permite relacionar o fato a algo que anteriormente não ocorreu conforme<br />

o previsto. Essa consciência da anomalia inaugura <strong>um</strong> perío<strong>do</strong> no qual as<br />

categorias conceituais são adaptadas até que o que inicialmente era<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> anômalo se converta no previsto.<br />

A anomalia, <strong>por</strong>tanto, é algo estranho e <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> surgi<strong>do</strong> no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

ciência normal, na vigência <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, causan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a crise e estimulan<strong>do</strong> a<br />

comunida<strong>de</strong> científica a superá-la, seja pelas tentativas <strong>de</strong> encontrar soluções a<br />

partir <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> vigente, seja <strong>por</strong> meio da elaboração <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>.<br />

A anomalia sinaliza a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ruptura entre a natureza e o<br />

<strong>paradigma</strong>, conforme ilustra Jacobina em seu artigo “O <strong>paradigma</strong> da epistemologia<br />

histórica: a contribuição <strong>de</strong> Thomas Kuhn”. 43<br />

O cientista <strong>de</strong>para-se com algo <strong>novo</strong> e <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, cuja solução não<br />

parece passível <strong>de</strong> ser obtida pela aplicação <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>. A comunida<strong>de</strong> científica<br />

vê-se diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a situação na qual a tarefa <strong>de</strong> resolver problemas ou solucionar<br />

quebra-cabeças parece seriamente comprometida. Sabe-se que essa é <strong>um</strong>a marca<br />

característica da ciência normal. 44<br />

É im<strong>por</strong>tante lembrar o mo<strong>do</strong> como Kuhn apresenta essa característica<br />

fundamental <strong>do</strong> jogo científico empreendi<strong>do</strong> durante a ciência normal. Como afirma,<br />

em A estrutura das revoluções científicas (2007, p. 59): “Quebra-cabeças indica, no<br />

senti<strong>do</strong> corriqueiro em que emprega<strong>do</strong> o termo, aquela categoria particular <strong>de</strong><br />

problemas que servem para testar nossa engenhosida<strong>de</strong> ou habilida<strong>de</strong> na resolução<br />

<strong>de</strong> problemas”. E, como afirma Ostermann (1996, p. 187):<br />

43<br />

“Para compreen<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>scobertas, o autor utiliza o conceito <strong>de</strong> “anomalia”, que <strong>de</strong>fine como o<br />

resulta<strong>do</strong> experimental não assimila<strong>do</strong> pela teoria vigente, produzi<strong>do</strong> inadvertidamente <strong>por</strong> <strong>um</strong> jogo<br />

que se joga segun<strong>do</strong> as regras estabelecidas pela matriz “disciplinar”: A <strong>de</strong>scoberta começa com a<br />

consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento <strong>de</strong> que, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a maneira, a natureza violou<br />

as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal (JACOBINA, R. R. O <strong>paradigma</strong> da<br />

epistemologia histórica: a contribuição <strong>de</strong> Thomas Kuhn. In: Revista História, Ciências, Saú<strong>de</strong>-<br />

Manguinhos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 6, n. 3, nov. 1999/fev. 2000, p. 09).”<br />

44<br />

Como afirma Kuhn em A estrutura das revoluções científicas, “A existência <strong>de</strong>ssa sólida re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

compromissos ou a<strong>de</strong>sões <strong>–</strong> conceituais, teóricas, meto<strong>do</strong>lógicas e instr<strong>um</strong>entais <strong>–</strong> é fonte principal<br />

da metáfora que relaciona ciência normal à resolução <strong>de</strong> quebra-cabeças. Esses compromissos<br />

pro<strong>por</strong>cionam ao praticante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a especialida<strong>de</strong> amadurecida regras que lhe revelam a natureza <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> e <strong>de</strong> sua ciência, permitin<strong>do</strong>-lhe assim concentrar-se com segurança nos problemas<br />

esotéricos <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s <strong>por</strong> tais regras e pelos conhecimentos existentes (KUHN, Thomas S. A estrutura<br />

das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva,<br />

2007, p. 66)”.


62<br />

Para ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>um</strong> quebra-cabeça, <strong>um</strong> problema <strong>de</strong>ve não só possuir<br />

<strong>um</strong>a solução assegurada, mas também obe<strong>de</strong>cer a regras (ponto <strong>de</strong> vista<br />

estabeleci<strong>do</strong>; concepção prévia) que limitam tanto a natureza das soluções<br />

aceitáveis como os <strong>passo</strong>s necessários para obtê-las.<br />

É <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que quebra-cabeças são <strong>de</strong>safios advin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> problemas<br />

postos aos membros <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> científica com o objetivo <strong>de</strong><br />

colocá-los na busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a solução positiva no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> solucionar <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s<br />

problemas no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> ciência normal.<br />

A anomalia po<strong>de</strong> ser também compreendida como <strong>um</strong> problema estranho aos<br />

problemas possíveis naquele momento e naquelas circunstâncias. Os quebracabeças<br />

e o próprio <strong>paradigma</strong> não são capazes somente <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />

semelhante tipo <strong>de</strong> anomalia, mas <strong>de</strong> dar <strong>um</strong>a resposta esclarece<strong>do</strong>ra a respeito<br />

<strong>de</strong>la.<br />

A anomalia, entretanto, po<strong>de</strong> muitas vezes trazer <strong>um</strong>a situação característica<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>scoberta científica, influencian<strong>do</strong> os <strong>novo</strong>s r<strong>um</strong>os da ciência, como<br />

esclarece Kuhn em A estrutura das revoluções científicas (2007, p. 78): “A<br />

<strong>de</strong>scoberta começa com a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento<br />

<strong>de</strong> que, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que<br />

governam a ciência normal”.<br />

Em res<strong>um</strong>o, como afirma Jacobina (2000, p. 11), temos a seguinte situação:<br />

Em síntese, quan<strong>do</strong> cresce o número <strong>de</strong> anomalias não absorvidas pela<br />

pesquisa normal, quan<strong>do</strong> elas colocam em xeque as generalizações<br />

fundamentais <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> ou quan<strong>do</strong> inibem as aplicações práticas, a<br />

ciência encontra-se n<strong>um</strong>a fase <strong>de</strong> “crise paradigmática”. Com a persistência<br />

da crise, o empreendimento científico vive <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> transição, pois a<br />

pesquisa não mais se ajusta a <strong>um</strong>a situação <strong>de</strong> ciência normal e sim <strong>de</strong><br />

pesquisa extraordinária (Kuhn, 1996, pp. 117-8)<br />

A ciência extraordinária é marcada pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas teorias<br />

explicativas, <strong>por</strong> vezes <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> investigação ou, ainda e<br />

concomitantemente, <strong>por</strong> inovações técnicas e instr<strong>um</strong>entais. Segun<strong>do</strong> Kuhn, os<br />

cientistas terão <strong>de</strong> optar <strong>por</strong> três caminhos, quais sejam: a ciência normal po<strong>de</strong><br />

solucionar o problema que acarretou a crise; o problema po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> para que<br />

as novas gerações o solucionem; ou, po<strong>de</strong> surgir <strong>um</strong> candidato a <strong>paradigma</strong>.


63<br />

Para <strong>de</strong>cidir que via tomar, dimensiona-se o impacto causa<strong>do</strong> ao <strong>paradigma</strong><br />

vigente. A ciência extraordinária po<strong>de</strong> representar to<strong>do</strong> aquele conhecimento,<br />

totalmente <strong>de</strong>spreza<strong>do</strong> pela comunida<strong>de</strong> científica, após a consagração <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo. Produzi<strong>do</strong>s no perío<strong>do</strong> da ciência normal, tais trabalhos são irrelevantes.<br />

É <strong>um</strong> momento im<strong>por</strong>tante para chamar a atenção a respeito da distinção <strong>de</strong><br />

natureza entre o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> ciência extraordinária e aquele que antece<strong>de</strong> a<br />

prevalência <strong>de</strong> <strong>um</strong> primeiro <strong>paradigma</strong> em <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada área <strong>de</strong> investigação.<br />

Trata-se, <strong>por</strong>tanto, <strong>de</strong> diferenciar o perío<strong>do</strong> pré-paradigmático e o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> ciência<br />

extraordinária. No perío<strong>do</strong> pré-paradigmático, como nos adverte Kuhn, a situação é<br />

bastante peculiar. 45<br />

Além <strong>de</strong> claro, o excerto revela ser im<strong>por</strong>tante para a compreensão <strong>do</strong><br />

pensamento kuhniano e esboça o registro da impugnação <strong>de</strong> <strong>um</strong> conhecimento em<br />

busca <strong>de</strong> estabelecer <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conhecimento a ser sedimenta<strong>do</strong> em todas as suas<br />

perspectivas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>.<br />

A criação <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> exige mais <strong>do</strong> que i<strong>de</strong>ias, exige <strong>um</strong> foco em<br />

sua construção. Por essa razão a linguagem kuhniana exige <strong>do</strong> intérprete<br />

tranquilida<strong>de</strong> e discernimento para sua efetiva compreensão, principalmente em<br />

consi<strong>de</strong>rar sua forma mo<strong>de</strong>lar distinta <strong>de</strong> explicar como se dá o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

ciência.<br />

Diante das anomalias, exige-se inicialmente que a comunida<strong>de</strong> científica<br />

procure superá-las a partir <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> aceito. Todavia, caso não aconteça essa<br />

superação, o momento <strong>de</strong> crise que se segue é muitas vezes responsável pelo<br />

surgimento das revoluções científicas.<br />

É esse outro elemento fundamental no universo conceitual kuhniano. Um <strong>de</strong><br />

seus exemplos é justamente Copérnico. 46 om o fracasso, a revolução científica<br />

45<br />

“O perío<strong>do</strong> pré-paradigmático, em particular, é regularmente marca<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>de</strong>bates frequentes e<br />

profun<strong>do</strong>s a respeito <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s, problemas e padrões <strong>de</strong> solução legítimos <strong>–</strong> embora esses <strong>de</strong>bates<br />

sirvam mais para <strong>de</strong>finir escolas <strong>do</strong> que para produzir <strong>um</strong> acor<strong>do</strong>. [...]. Além disso, <strong>de</strong>bates <strong>de</strong>ssa<br />

natureza não <strong>de</strong>saparecem <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vez <strong>por</strong> todas com o surgimento <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> (KUHN, Thomas<br />

S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São<br />

Paulo: Perspectiva, 2007, p. 72).”<br />

46<br />

Em <strong>um</strong> <strong>do</strong>s momentos em que Kuhn trata disso, encontramos o seguinte: “Certamente o fracasso<br />

da ativida<strong>de</strong> técnica normal <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> quebra-cabeças não foi o único ingrediente da crise<br />

astronômica com a qual Copérnico se confrontou. Um estu<strong>do</strong> amplo discutiria igualmente a pressão<br />

que tornou particularmente o problema da precessão <strong>do</strong>s equinócios. A par disso, <strong>um</strong>a explicação<br />

mais completa levaria em consi<strong>de</strong>ração a crítica medieval a Aristóteles, a ascensão <strong>do</strong> neoplatonismo<br />

da Renascença, bem como outros elementos históricos significativos. Mas ainda assim o fracasso<br />

técnico permaneceria como o cerne da crise. N<strong>um</strong>a ciência amadurecida <strong>–</strong> a astronomia alcançara<br />

esse estágio na antiguida<strong>de</strong> <strong>–</strong> fatores externos como os acima cita<strong>do</strong>s possuem im<strong>por</strong>tância especial


64<br />

representa o momento em que o <strong>paradigma</strong>, já em colapso, é ataca<strong>do</strong> e se<br />

<strong>de</strong>sintegra, sen<strong>do</strong> substituí<strong>do</strong> <strong>por</strong> outro representativo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova teoria, como<br />

afirmam Santos & Klassa (2012, p.599):<br />

[...] <strong>um</strong>a revolução científica <strong>de</strong>sarticula a ativida<strong>de</strong> científica normal,<br />

promoven<strong>do</strong> a aceitação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova teoria (ou <strong>paradigma</strong>), incompatível<br />

com a anteriormente estabelecida <strong>por</strong> não tratar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a adaptação ou <strong>um</strong><br />

incremento a ela, e sim <strong>de</strong> <strong>um</strong>a completa reconstrução <strong>do</strong> conhecimento<br />

posto.<br />

O fenômeno aparece em meio ao trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> durante a ciência<br />

normal, com o surgimento das crises indica<strong>do</strong>ras da ineficiência <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> em<br />

fornecer aos membros da comunida<strong>de</strong> científica os parâmetros necessários para<br />

que <strong>de</strong>senvolva suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa.<br />

É urgente, pois, <strong>um</strong>a nova matriz “disciplinar”. Como esclarece Thomas Kuhn<br />

em A estrutura das revoluções científicas (2007, p. 110), “[...] a crise ao provocar<br />

<strong>um</strong>a proliferação <strong>de</strong> versões <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> enfraquece as regras <strong>de</strong> resolução <strong>do</strong>s<br />

quebra-cabeças da ciência normal, <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> que acaba permitin<strong>do</strong> a emergência<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>”.<br />

Também, como explica Jacobina, 47 em consonância com a maneira como<br />

Kuhn vê a dinâmica científica, as revoluções científicas <strong>de</strong>terminam <strong>um</strong>a nova visão<br />

<strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conjunto conceitual com o qual enxergamos a natureza.<br />

É im<strong>por</strong>tante notar que o conceito <strong>de</strong> revolução científica <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

aspecto fundamental no pensamento kuhniano. Com efeito, é o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> olhar<br />

<strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r que precisa, para compreen<strong>de</strong>r os episódios com os quais trabalha,<br />

inserir-se no contexto histórico em questão. 48<br />

na <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> momento <strong>do</strong> fracasso <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, da facilida<strong>de</strong> com que po<strong>de</strong> ser reconheci<strong>do</strong><br />

e da área on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a concentração da atenção, ocorre pela primeira vez o fracasso (KUHN,<br />

Thomas S. A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira.<br />

São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 97).”<br />

47<br />

“Com a mesma liberda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos utilizar conceitos políticos gramscianos para pensar a<br />

revolução científica como superação <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> “tradicional” <strong>por</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> emergente que se<br />

torna “hegemônico”. Essa hegemonia implica <strong>um</strong> <strong>de</strong>slocamento da re<strong>de</strong> conceitual, “<strong>um</strong>a nova forma<br />

<strong>de</strong> ver o mun<strong>do</strong>” (JACOBINA, R. R. O <strong>paradigma</strong> da epistemologia histórica: a contribuição <strong>de</strong><br />

Thomas Kuhn. In: Revista História, Ciências, Saú<strong>de</strong>-Manguinhos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 6, n. 3, nov.<br />

1999/fev. 2000, p. 12).”<br />

48<br />

Como afirma Kuhn: “O conceito <strong>de</strong> revolução científica originou-se da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> que, para<br />

compreen<strong>de</strong>r qualquer <strong>por</strong>ção da ciência <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, o historia<strong>do</strong>r precisa, em primeiro lugar,<br />

apren<strong>de</strong>r a linguagem que tal passa<strong>do</strong> estava escrito. Tentativas <strong>de</strong> tradução para <strong>um</strong>a linguagem<br />

posterior seguramente falham, e o processo <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> linguagem é, <strong>por</strong>tanto, interpretativo<br />

e hermenêutico. Uma vez que o sucesso na interpretação é em geral alcança<strong>do</strong> em gran<strong>de</strong>s parcelas


65<br />

Observan<strong>do</strong> que os cientistas <strong>de</strong>tectam que o <strong>paradigma</strong> até então vigente<br />

não aten<strong>de</strong> aos requisitos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> científica, é possível inferir que o<br />

surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> parece possível.<br />

Esse processo, <strong>de</strong>staque-se, conduz à revolução científica, traz mais <strong>do</strong> que<br />

<strong>um</strong>a alteração na linguagem, mas <strong>um</strong>a alteração na natureza daquilo <strong>de</strong> que as<br />

palavras tratam. Em s<strong>um</strong>a, é possível <strong>de</strong>finir como o registro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mudança<br />

científica profunda, como ilustra<strong>do</strong> no trecho da obra O caminho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estrutura<br />

<strong>de</strong> Thomas Kuhn. 49 Porquanto a crise represente <strong>um</strong> momento <strong>de</strong> discussão e<br />

<strong>de</strong>bate, em que os problemas enfrenta<strong>do</strong>s pelo <strong>paradigma</strong> anterior são discuti<strong>do</strong>s<br />

pela comunida<strong>de</strong> científica, a crise enfrentada é tratada <strong>de</strong> forma direta pelo <strong>novo</strong><br />

candidato a <strong>paradigma</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que esse consiga trans<strong>por</strong> o problema gera<strong>do</strong>r<br />

da crise. Conforme afirma Ostermann (1996, p. 191),<br />

Durante o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> transição, o antigo <strong>paradigma</strong> e o <strong>novo</strong> competem<br />

pela preferência <strong>do</strong>s membros da comunida<strong>de</strong> científica, e os <strong>paradigma</strong>s<br />

rivais apresentam diferentes concepções <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>. Se novas teorias são<br />

chamadas para resolver as anomalias presentes na relação entre <strong>um</strong>a<br />

teoria existente e a natureza, então a nova teoria bem-sucedida <strong>de</strong>ve<br />

permitir predições diferentes daquelas <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> sua pre<strong>de</strong>cessora.<br />

Tal enca<strong>de</strong>amento sucessório entre <strong>paradigma</strong>s é sinal <strong>do</strong> progresso da<br />

ciência, o que é algo peculiar a ela, <strong>por</strong>ém não tida, à luz <strong>do</strong> pensamento kuhniano,<br />

como algo que se ac<strong>um</strong>ula eclodin<strong>do</strong> sempre em algo superior ao anterior.<br />

Aliás, em <strong>um</strong>a leitura atenta na perspectiva kuhniana, ten<strong>do</strong> em vista o recorte<br />

da<strong>do</strong> pelo autor no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que existe <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia enganosa subjacente na ciência,<br />

(“entran<strong>do</strong> no círculo hermenêutico”), a <strong>de</strong>scoberta que o historia<strong>do</strong>r faz <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> repetidamente<br />

envolve o reconhecimento súbito <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s padrões ou gestalts (KUHN, Thomas S. A estrutura das<br />

revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva,<br />

2007, p. 75).”<br />

49<br />

“Em boa parte <strong>do</strong> aprendiza<strong>do</strong> da linguagem, esses <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> conhecimento <strong>–</strong> conhecimento<br />

das palavras <strong>–</strong> conhecimento da natureza <strong>–</strong> são adquiri<strong>do</strong>s em conjunto; na realida<strong>de</strong>, não são <strong>do</strong>is<br />

tipos <strong>de</strong> conhecimento, mas duas faces da moeda única que <strong>um</strong>a linguagem fornece. / O<br />

reaparecimento <strong>do</strong> caráter <strong>de</strong> dupla face da linguagem científica pro<strong>por</strong>ciona <strong>um</strong> final apropria<strong>do</strong> para<br />

este artigo. Se estou certo, a característica principal das revoluções científicas é que elas alteram o<br />

conhecimento da natureza intrínseco à própria linguagem, e que é, assim, anterior a qualquer coisa<br />

que seja em absoluto caracterizável como <strong>de</strong>scrição ou generalização científica ou cotidiana. Fazer<br />

que o vazio ou <strong>um</strong> movimento linear infinito fossem parte da ciência exigiu relatos observacionais que<br />

somente podiam ser formula<strong>do</strong>s alteran<strong>do</strong>-se a linguagem com a qual a natureza era <strong>de</strong>scrita. Até<br />

que essas mudanças ocorressem, a própria linguagem resistiu à invenção e à introdução das novas<br />

teorias procuradas. Suponho que a mesma resistência <strong>por</strong> parte da linguagem seja a razão para a<br />

mudança <strong>de</strong> Planck <strong>de</strong> “elemento” e “ressoa<strong>do</strong>r” para “quant<strong>um</strong>” e “oscila<strong>do</strong>r”. A violação ou distorção<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem científica anteriormente não problemática é a pedra <strong>de</strong> toque para a mudança<br />

revolucionária (I<strong>de</strong>m, p. 44).”


66<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que <strong>por</strong> existirem manuais, comentários, artigos e <strong>de</strong>mais obras no<br />

universo da ciência, tu<strong>do</strong> isso estaria a registrar ou induzir a crença <strong>de</strong> que a ciência<br />

seja produto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a evolução somática, <strong>por</strong>tanto, a sensação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a constante<br />

representa <strong>um</strong> le<strong>do</strong> engano.<br />

Isso se dá <strong>por</strong>que a ruptura, propiciada pelo advento da revolução científica,<br />

evi<strong>de</strong>ncia o conceito linguístico <strong>de</strong> incomensurabilida<strong>de</strong>, o qual é responsável <strong>por</strong><br />

caracterizar as diferenças entre <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> e outro sucedâneo, diante <strong>de</strong> suas<br />

distintas singularida<strong>de</strong>s. 50<br />

O termo incomensurabilida<strong>de</strong>, em Thomas Kuhn, ganha pro<strong>por</strong>ções que<br />

exigem melhores esclarecimentos, à pro<strong>por</strong>ção que reclama alguns pré-requisitos<br />

para dissipar eventuais inconsistências. 51<br />

A incomensurabilida<strong>de</strong> em relação à concepção <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong> em Kuhn não<br />

impossibilita a comunicação entre as comunida<strong>de</strong>s científicas, em que acontecem as<br />

comparações e as equiparações. Um <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça não<br />

significa que a nova logicida<strong>de</strong> e os critérios não <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> estabelecer plena<br />

comunicabilida<strong>de</strong> com os cientistas das ciências jurídicas, nem com os <strong>de</strong>stinatários<br />

<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico, pois a produção, o <strong>de</strong>senvolvimento e as conquistas não<br />

po<strong>de</strong>m ser simplesmente apagadas.<br />

50<br />

Conforme esclarece Kuhn: “Consequentemente, em perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> revolução, quan<strong>do</strong> a tradição<br />

filosófica normal muda a percepção que o cientista tem <strong>de</strong> seu meio ambiente <strong>de</strong>ve ser reeducada <strong>–</strong><br />

<strong>de</strong>ve apren<strong>de</strong>r a ver <strong>um</strong>a nova forma (gestalt) em alg<strong>um</strong>as situações com as quais já está<br />

familiariza<strong>do</strong>. Depois <strong>de</strong> fazê-lo, o mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> suas pesquisas parecerá, aqui e ali, incomensurável<br />

com o que habitava anteriormente (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas;<br />

tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 148).”<br />

51<br />

Segun<strong>do</strong> Gutierre, “[...]Kuhn sugere que “qualquer coisa que possa ser dita n<strong>um</strong>a linguagem po<strong>de</strong>,<br />

com imaginação e esforço, ser entendida pelo falante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a outra. O que é pré-requisito <strong>de</strong> tal<br />

entendimento, contu<strong>do</strong>, não é a tradução, mas a aprendizagem da linguagem”. Desse mo<strong>do</strong>, aquilo<br />

que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>íamos chamar <strong>de</strong> “incomensurabilida<strong>de</strong> conceitual”, a face mais característica da noção<br />

kuhniana <strong>de</strong> incomensurabilida<strong>de</strong>, não representa ameaça necessária para a comunicação ou para a<br />

comparabilida<strong>de</strong> entre <strong>paradigma</strong>s como Kuhn fez questão <strong>de</strong> observar; incomensurabilida<strong>de</strong> não<br />

significa incomunicabilida<strong>de</strong> ou incomparabilida<strong>de</strong> (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há <strong>de</strong><br />

polêmico na i<strong>de</strong>ia kuhniana <strong>de</strong> incomensurabilida<strong>de</strong>? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, jun.<br />

1998, p. 24)”.


67<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Direito e da Justiça <strong>–</strong> com a implantação <strong>do</strong>s meios<br />

tecnológicos da Inteligência Artificial em <strong>de</strong>trimento da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana em<br />

alguns setores <strong>do</strong> sistema <strong>–</strong> mutabiliza, sem dúvida, a dinâmica <strong>de</strong> toda a estrutura<br />

judiciária e influencia, consequentemente, as cientificida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua<br />

estrutura até sua concepção i<strong>de</strong>ológica.<br />

Kuhn, nesse aspecto, tem sua serventia meto<strong>do</strong>lógica cativa reservada para<br />

explicar a dinâmica <strong>de</strong> como isso acontece no conclave revolucionário <strong>do</strong>s cientistas<br />

das ciências jurídicas. Seu pensamento não chega com sua meto<strong>do</strong>logização da<br />

ciência a ser <strong>um</strong>a panaceia para o atendimento <strong>de</strong> todas as ciências, todavia, nos<br />

<strong>limite</strong>s exigi<strong>do</strong>s na presente pesquisa, revelou-se suficientemente apto e compatível<br />

com os propósitos.<br />

No âmbito <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong> Direito Processual, não há <strong>um</strong> sistema universal e<br />

eterno, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a cogência <strong>do</strong> sistema processual tem como objetivo<br />

viabilizar <strong>um</strong>a prestação jurisdicional voltada para a satisfação <strong>do</strong>s Direitos e das<br />

Garantias Fundamentais insculpi<strong>do</strong>s na lei maior. É permitida a aplicação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo que realize esses i<strong>de</strong>ais afins, mesmo não sen<strong>do</strong> realizada pela figura<br />

operacional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz, se em compatibilida<strong>de</strong> com os valores constitucionais.


68<br />

3 O MOVIMENTO DE RUPTURA COMO PROGRESSO DA CIÊNCIA EM THOMAS<br />

KUHN<br />

3.1 A contribuição da ruptura da ciência no estabelecimento da nova or<strong>de</strong>m <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça para o enfrentamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova Era<br />

Thomas Kuhn representa <strong>um</strong> marco entre o antes e o <strong>de</strong>pois na<br />

epistemologia, tal como Sócrates com relação aos pré-socráticos e os filósofos que o<br />

suce<strong>de</strong>ram. O registro que se faz a Thomas Kuhn é necessário, visto que a filosofia<br />

da ciência é tomada como <strong>um</strong>a construção metódica <strong>de</strong> ruptura, distinta das <strong>de</strong>mais<br />

ativida<strong>de</strong>s culturais, <strong>um</strong>a forma superior <strong>de</strong> conhecimento ten<strong>do</strong> a ciência como<br />

responsável pelo conhecer e explicar o funcionamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Kuhn, em semelhante contexto, posiciona-se <strong>de</strong> forma ímpar, pois toma todas<br />

as meto<strong>do</strong>logias até então anteriores ao seu trabalho como equivocadas, como<br />

esclarece Ransanz. 52 A insatisfação e o questionamento <strong>de</strong> Kuhn colocam-no não<br />

somente a questionar seus pares, mas fazem-no apresentar <strong>um</strong>a nova forma <strong>de</strong><br />

abordar o <strong>de</strong>senvolvimento da ciência.<br />

52<br />

“Kuhn afirma que, em geral, os filósofos das ciências não têm presta<strong>do</strong> suficiente atenção aos<br />

problemas e exemplos concretos com que se encontra o estudante tanto nos livros <strong>de</strong> texto como no<br />

laboratório, pois parecem consi<strong>de</strong>rar estes exemplos e estes problemas como <strong>um</strong> permissivo a<br />

praticar o que já sabe; quer dizer, supõem que o estudante não po<strong>de</strong> resolver problemas, a menos<br />

que primeiro tenha apreendi<strong>do</strong> a teoria com alg<strong>um</strong>as regras para aplicá-las (regras <strong>de</strong> interpretação<br />

que conectam nos termos teóricos com as observações, no estilo das chamadas “regras <strong>de</strong><br />

correspondência”). Isto <strong>de</strong>monstra que para <strong>um</strong>a quantida<strong>de</strong> significativa <strong>de</strong> filósofos “as regras, os<br />

problemas são ofereci<strong>do</strong>s somente para ganhar facilida<strong>de</strong> em sua aplicação” (apud. p. 187; p. 287).<br />

Kuhn não aceita esta forma <strong>de</strong> situar o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecimento da ciência <strong>–</strong> que restringe a<br />

compreensão <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> enuncia<strong>do</strong>s -, pois se dá conta <strong>de</strong> que somente quan<strong>do</strong> o estudante<br />

resolve os problemas mo<strong>de</strong>lo, tanto teóricos como experimentais, é quan<strong>do</strong> realmente apren<strong>de</strong> o<br />

significa<strong>do</strong> das leis e <strong>do</strong>s conceitos básicos <strong>de</strong> sua disciplina; e somente <strong>por</strong> essa via que apren<strong>de</strong> a<br />

ver e a manipular a natureza a partir <strong>de</strong> certa perspectiva teórica. Po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que a prática da<br />

resolução <strong>de</strong> problemas ensina como processar a informação sensorial à luz <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo teórico<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> (RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cultura<br />

Económica, 1999, p. 38).”


69<br />

Para esse pensa<strong>do</strong>r, a ciência é <strong>um</strong> fenômeno histórico no qual a<br />

compreensão <strong>de</strong> fases e etapas inseridas na estrutura das ciências representa <strong>um</strong><br />

elemento fundamental para sua compreensão, já que a verda<strong>de</strong> não mais se<br />

subjuga à mera correspondência, mas ao status <strong>de</strong> convenção forjada <strong>de</strong>ntro da<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cientistas. Tal realida<strong>de</strong> é possível <strong>de</strong> se extrair da história <strong>do</strong> Direito<br />

Processual e sua acirrada discussão a respeito <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> condição <strong>de</strong> ação,<br />

como evi<strong>de</strong>ncia Baptista da Silva no cenário histórico processual. 53 A discussão<br />

científica registra sem dúvida as fases e as etapas da evolução <strong>do</strong> sistema<br />

processual. Tal percepção sobre a forma <strong>de</strong> administrar o acesso ao judiciário em<br />

busca <strong>de</strong> ter <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>um</strong>a resposta jurisdicional exige <strong>um</strong>a compreensão<br />

<strong>de</strong>talhada da dinâmica, para isso é salutar o diálogo entre as ciências em expansão.<br />

Entre as vertentes epistemológicas, são i<strong>de</strong>ntificáveis três correntes<br />

pre<strong>do</strong>minantes: a epistemologia especulativa, a epistemologia normativa e a<br />

epistemologia histórico-interpretativa, lega<strong>do</strong> sintetiza<strong>do</strong> nas palavras <strong>de</strong> Jacobina,<br />

senão vejamos:<br />

O discurso especulativo remonta aos gregos e já se faz presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />

primeiras inquietações <strong>do</strong>s pré-socráticos, como Heráclito, Parmêni<strong>de</strong>s e Demócrito<br />

permanecen<strong>do</strong> entre os sofistas em sua precursora preocupação com a linguagem e<br />

a verda<strong>de</strong> e encontran<strong>do</strong> eco nos pensamentos <strong>de</strong> Sócrates, Platão e<br />

principalmente Aristóteles, nas discussões sobre o alcance <strong>do</strong> conhecimento e sobre<br />

as formas <strong>de</strong> combater os erros equívocos (Chauí, 1994). [...] Do renascimento até a<br />

época mo<strong>de</strong>rna, essa vertente inicial constitui-se n<strong>um</strong>a “teoria <strong>do</strong> conhecimento” e<br />

postula a verda<strong>de</strong>ira natureza <strong>do</strong> conhecimento que temos da realida<strong>de</strong> externa.<br />

Dessa vertente <strong>de</strong>stacam-se, <strong>de</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, a “dúvida metódica” <strong>de</strong> Descartes e, <strong>de</strong><br />

outro, as contribuições <strong>de</strong> Bacon e Locke, que inauguram <strong>um</strong>a forte tradição anglo-<br />

53<br />

“Conquanto o jurista pretenda superar a <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong> Liebman, transpon<strong>do</strong> as dificulda<strong>de</strong>s que ela<br />

apresenta, é visível a influência <strong>do</strong> mestre italiano sobre o processualista paulista, particularmente<br />

quan<strong>do</strong> ele <strong>–</strong> buscan<strong>do</strong>, como Liebman, a unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> ação <strong>–</strong> pressupõe <strong>um</strong>a nova<br />

dualida<strong>de</strong>: o <strong>direito</strong> à administração da <strong>justiça</strong>, que seria, como querem os discípulos <strong>de</strong> Liebman,<br />

expressão <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>direito</strong> constitucional <strong>de</strong> petição, ainda que não jurisdicional; e o verda<strong>de</strong>iro <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> ação, que apenas correspon<strong>de</strong>rá aos que lograrem <strong>de</strong>monstrar que lhes é <strong>de</strong>vida a prestação<br />

jurisdicional, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> que o <strong>direito</strong> material lhes outorga a pretensão que reclamam, <strong>um</strong>a vez<br />

que, segun<strong>do</strong> o Prof. Botelho <strong>de</strong> Mesquita, a “ocorrência da hipótese à qual o <strong>direito</strong> material liga os<br />

efeitos pretendi<strong>do</strong>s pelo autor contra o Esta<strong>do</strong>” é <strong>um</strong>a condição da ação (SILVA, Ovídio A. Baptista;<br />

GOMES, Fábio Luiz Gomes. Teoria Geral <strong>do</strong> Processo Civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista<br />

<strong>do</strong>s Tribunais, 2011, p. 68).”


70<br />

saxônica sobre a teoria <strong>do</strong> conhecimento. 54 Essa base epistemológica orientou a<br />

contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong>, salientan<strong>do</strong> a exigência da <strong>de</strong>scoberta científica e sua<br />

justificação, que representa <strong>um</strong> leque maior diante da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliar as<br />

teorias, as <strong>de</strong>scobertas e reconhecer as normas a serem utilizadas pelos cientistas.<br />

Os problemas gera<strong>do</strong>s pelas epistemologias advindas <strong>do</strong> indutivismo, <strong>do</strong><br />

empirismo e <strong>do</strong> falsionismo exigiam <strong>um</strong>a nova proposta filosófica, em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong><br />

vácuo gera<strong>do</strong> <strong>por</strong> esses mo<strong>de</strong>los em sua tentativa <strong>de</strong> explicar o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

das ciências, o que fez com que surgisse <strong>um</strong>a terceira vertente no campo da<br />

epistemologia <strong>de</strong>nominada histórico-interpretativa.<br />

Para isso, essa nova vertente agregou em seu arcabouço epistemológico a<br />

sociologia <strong>do</strong> conhecimento e a psicologia da <strong>de</strong>scoberta, além das histórias das<br />

ciências, campo em que Thomas Kuhn, aproveitan<strong>do</strong> principalmente os trabalhos <strong>de</strong><br />

Fleck e ten<strong>do</strong> como epicentro as concepções <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> científica e<br />

incomensurabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolveu <strong>um</strong> <strong>do</strong>s trabalhos mais questiona<strong>do</strong>s no século<br />

passa<strong>do</strong>, o ensaio A estrutura das revoluções científicas.<br />

A partir das novas concepções, <strong>de</strong>senvolveu conceitos próprios, a <strong>de</strong>scrição<br />

<strong>do</strong> modus operandi <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento científico no qual o fator <strong>de</strong> sucessão <strong>de</strong><br />

perío<strong>do</strong>s liga<strong>do</strong>s à tradição e pontua<strong>do</strong>s <strong>por</strong> rupturas não c<strong>um</strong>ulativas, segun<strong>do</strong> a<br />

visão <strong>de</strong> Kuhn, <strong>de</strong>marcaram não somente <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> explicação <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento da ciência mas também <strong>de</strong>u a esse mo<strong>de</strong>lo a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

nova epistemologia <strong>do</strong> conhecimento científico. A ciência <strong>do</strong> Direito, nas lições <strong>de</strong><br />

Siqueira Castro, imprime esse retrato. 55<br />

54<br />

E continua Jacobina apresentan<strong>do</strong> <strong>de</strong>staque para a epistemologia normativa: “A epistemologia<br />

normativa evita qualquer discurso especulativo <strong>por</strong> ter o objetivo principal <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar as<br />

prescrições sobre como os cientistas <strong>de</strong>vem praticar a ciência. Dessa segunda corrente <strong>de</strong>staca o<br />

verificacionismo e o falsionismo popperiano (Epstein, 1990). Na primeira corrente, tem-se inicialmente<br />

o trabalho <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> Círculo <strong>de</strong> Viena (1925-36), que preten<strong>de</strong>u transformar a filosofia em ciência,<br />

reduzin<strong>do</strong> suas proposições e enuncia<strong>do</strong>s verificáveis (Morin, s. d., p.18). Essa era também a<br />

ambição <strong>do</strong>s empiristas lógicos anglo-saxônicos, que buscaram fundar a certeza <strong>do</strong> pensamento no<br />

“positivismo lógico”; coube a Popper (1975; s. d), no entanto, <strong>de</strong>monstrar que a verificação não<br />

bastava para assegurar a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a teoria científica, <strong>um</strong>a vez que, além <strong>de</strong> outras razões, as<br />

teorias verificadas sucediam-se sem que nenh<strong>um</strong>a pu<strong>de</strong>sse jamais adquirir infalibilida<strong>de</strong>. Popper<br />

rechaça a indução como prova lógica, mas sustenta a i<strong>de</strong>ia da lógica <strong>de</strong>dutiva como valor da prova<br />

(JACOBINA, R. R. O <strong>paradigma</strong> da epistemologia histórica: a contribuição <strong>de</strong> Thomas Kuhn. In:<br />

Revista História, Ciências, Saú<strong>de</strong>-Manguinhos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 6, n. 3, nov. 1999/fev. 2000, p.<br />

03).”<br />

55<br />

“Exige-se, em s<strong>um</strong>a, nessa perspectiva integrada das relações entre Direito, Esta<strong>do</strong> e socieda<strong>de</strong>, a<br />

convicção, <strong>por</strong> certo indispensável à visão crítica <strong>do</strong>s juristas <strong>de</strong> nosso tempo, <strong>de</strong> que o conjunto <strong>de</strong><br />

normas e princípios constitucionais irradia efeitos não apenas regula<strong>do</strong>res mas também<br />

transforma<strong>do</strong>res das realida<strong>de</strong>s sociais e politicas, além <strong>de</strong> pautas <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamento dirigidas não<br />

só para o funcionamento da instituição estatal, mas para a generalida<strong>de</strong> da dinâmica social nos


71<br />

A epistemologia proposta <strong>por</strong> Thomas Kuhn é a<strong>de</strong>quada para explicar o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da ciência <strong>do</strong> Direito, entretanto exige pesquisa atenta e cautelosa.<br />

Um <strong>do</strong>s elementos fundamentais da epistemologia kuhniana reclama novamente<br />

alguns esclarecimentos. Trata-se <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> revolução científica, ao qual<br />

<strong>de</strong>vemos retornar, <strong>um</strong>a vez que ele tem <strong>um</strong> papel central quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r o lugar da ruptura no progresso científico. Segun<strong>do</strong> Cohen, (2002, p.<br />

23),<br />

A expressão “revolução científica” ou “revolução na ciência” não expressa<br />

esse senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e permanência; antes, se refere a <strong>um</strong>a<br />

solução e continuida<strong>de</strong>, a instauração <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m que rompe seus<br />

vínculos com o passa<strong>do</strong>, <strong>um</strong> claro divisor <strong>de</strong> águas entre o velho e<br />

conheci<strong>do</strong> e o <strong>novo</strong> e o diferente.<br />

Assim, o termo revolucionário está para certificar <strong>um</strong> episódio <strong>de</strong> mudança na<br />

ciência diante <strong>de</strong> seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento, o que força inevitavelmente o<br />

rompimento <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> com o presente.<br />

Na orla da ciência <strong>do</strong> Direito em que está inseri<strong>do</strong> o Processo Civil, a<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral representa o Juiz <strong>de</strong> Paz nos aspectos formal e material <strong>de</strong><br />

forma intensa e marcante no processo <strong>de</strong> ruptura, como il<strong>um</strong>inam as lições <strong>de</strong><br />

Baptista da Silva (2011, p. 41):<br />

O relacionamento <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual como <strong>direito</strong> constitucional é, <strong>por</strong><br />

assim dizer, o mais intenso e marcante. Já <strong>por</strong> constituir fonte <strong>do</strong> <strong>direito</strong><br />

processual civil, no <strong>direito</strong> constitucional encontram-se os princípios<br />

fundamentais <strong>do</strong> processo, como o da isonomia (art. 5º. Da CF), além <strong>de</strong><br />

outros.<br />

Deve-se observar que não se questiona se o cientista tinha essa<br />

compreensão ou não, pois é condição natural. Dentro <strong>do</strong> contexto histórico da<br />

ciência, existe <strong>um</strong>a ruptura e o estabelecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> conceitos e<br />

<strong>de</strong> teorias, que convidam <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> científica a refletir a respeito <strong>de</strong><br />

suas ações.<br />

infindáveis aspectos das relações h<strong>um</strong>anas. Por isso mesmo, a extração em máxima potência da<br />

força normativa da Constituição, não apenas <strong>por</strong> seus interpretes e aplica<strong>do</strong>res oficiais, mas<br />

sobretu<strong>do</strong> <strong>por</strong> parte <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o conjunto da cidadania, é que po<strong>de</strong> impulsionar a transformação em<br />

realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitas das i<strong>de</strong>alizações constitucionais. Tem-se aí o fenômeno que os <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res<br />

alemães <strong>de</strong>signam <strong>de</strong> eficácia indireta da Constituição (CASTRO, Carlos Roberto De Siqueira. O<br />

<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal e a razoabilida<strong>de</strong> das leis na nova constituição <strong>do</strong> Brasil. 5. ed. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Forense, 2010, p. 64).”


72<br />

Isso indica a existência <strong>de</strong> algo <strong>novo</strong> que possibilita a solução <strong>de</strong> problemas a<br />

partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>, o qual modifica sensivelmente a forma pela qual os<br />

cientistas percebem o mun<strong>do</strong>, permitin<strong>do</strong> o progresso da ciência. Tal mudança <strong>de</strong><br />

perspectiva estabelece <strong>um</strong>a nova visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, como esclarece Kuhn em A<br />

estrutura das revoluções científicas. 56<br />

O rompimento com o velho e o convívio com o <strong>novo</strong>, parafrasean<strong>do</strong> Cohen,<br />

estaria a serviço <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> conhecimento especializa<strong>do</strong>, <strong>do</strong> sistema<br />

educacional <strong>de</strong> transmissão <strong>do</strong> conhecimento e das diversas instâncias relacionadas<br />

à produção, à difusão e à aplicação <strong>do</strong> conhecimento científico.<br />

É im<strong>por</strong>tante notar que o advento da revolução científica indica ainda que o<br />

processo mais amplo no qual a ciência se <strong>de</strong>senvolve não po<strong>de</strong> ser toma<strong>do</strong> como<br />

c<strong>um</strong>ulativo. Essa nova visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, da qual se falou alg<strong>um</strong>as vezes, <strong>de</strong>termina<br />

<strong>um</strong>a reconstrução <strong>do</strong> campo científico em diversos níveis. 57<br />

Essa característica, presente no perío<strong>do</strong> revolucionário, revela a troca <strong>de</strong><br />

conhecimentos bem como alterações epistemológicas significativas e, com isso,<br />

firma a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong> progresso positivo da ciência no estágio revolucionário a<br />

partir da alteração das bases teóricas, meto<strong>do</strong>lógicas e <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

conhecimento à luz <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>. Lévy, 58 em citação <strong>de</strong> fôlego, trata da<br />

56<br />

“Esse tipo <strong>de</strong> afirmação repete-se no perío<strong>do</strong> posterior às revoluções científicas, pois, se em geral<br />

disfarça <strong>um</strong>a alteração da visão científica ou alg<strong>um</strong>a outra transformação mental que tenha o mesmo<br />

efeito, não po<strong>de</strong>mos esperar <strong>um</strong> testemunho direto sobre essa alteração. Devemos antes buscar<br />

provas indiretas e com<strong>por</strong>tamentais <strong>de</strong> que <strong>um</strong> cientista com <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> vê <strong>de</strong> maneira<br />

diferente <strong>do</strong> que via anteriormente (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas;<br />

tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 152).”<br />

57<br />

Como nos mostra Ostermann: “Uma revolução científica, na qual po<strong>de</strong> surgir <strong>um</strong>a nova tradição <strong>de</strong><br />

ciência normal, está longe <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> processo c<strong>um</strong>ulativo obti<strong>do</strong> através <strong>de</strong> <strong>um</strong>a articulação <strong>do</strong> velho<br />

<strong>paradigma</strong>. É antes <strong>um</strong>a reconstrução da área <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s princípios, que altera<br />

alg<strong>um</strong>as das generalizações teóricas mais elementares <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, bem como muitos <strong>de</strong> seus<br />

méto<strong>do</strong>s e aplicações (OSTERMANN, Fernanda. A Epistemologia <strong>de</strong> Kuhn. Ca<strong>de</strong>rno Catarinense <strong>de</strong><br />

Ensino <strong>de</strong> Física, Brasil, v.13, n. 3, <strong>de</strong>z. 1996, p. 191)”.<br />

58<br />

“Finalmente, Bruno Latour [64, 65, 66, 67] e a nova escola <strong>de</strong> antropologia das ciências mostraram<br />

o papel essencial das circunstâncias e das interações sociais em to<strong>do</strong>s os processos intelectuais, até<br />

mesmo, ou sobretu<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> pensamento formal ou científico. Nenh<strong>um</strong>a essência,<br />

nenh<strong>um</strong>a substância é aceita <strong>por</strong> Latour, que mostra através da investigação histórica ou etnográfica<br />

como as instituições mais respeitáveis, os fatos científicos mais “concretos” ou os objetos técnicos<br />

mais funcionais foram, na realida<strong>de</strong>, resulta<strong>do</strong> provisório <strong>de</strong> associações contigentes e heterogêneas.<br />

Por trás <strong>de</strong> qualquer entida<strong>de</strong> relativamente estável, ele traz à tona a re<strong>de</strong> egonística impura,<br />

heterogênea, que mantém a existência <strong>de</strong>sta entida<strong>de</strong>. Como os rizomas <strong>de</strong> Deleuze e Guattari, as<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Latour ou <strong>de</strong> Callon [15] não respeitam as distinções estabelecidas entre as coisas e<br />

pessoas, sujeitos pensantes e objetos pensa<strong>do</strong>s, inerte e vivo. Tu<strong>do</strong> que for capaz <strong>de</strong> produzir <strong>um</strong>a<br />

diferença em <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> será consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como <strong>um</strong> ator, e to<strong>do</strong> ator <strong>de</strong>finirá a si mesmo pela<br />

diferença que ele produz. Esta concepção <strong>do</strong> ator nos leva, em particular, a pensar <strong>de</strong> forma simétrica<br />

os homens e os dispositivos técnicos. As máquinas são feitas <strong>por</strong> homens, elas contribuem para<br />

formar e estruturar o funcionamento das socieda<strong>de</strong>s e as aptidões das pessoas, elas muitas vezes


73<br />

relação entre a espécie h<strong>um</strong>ana, as tecnologias produzidas <strong>por</strong> estes e as ciências<br />

especializadas.Mais <strong>do</strong> que isso, ao inaugurar <strong>um</strong>a nova visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> e<br />

<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> o distanciamento entre duas matrizes disciplinares distintas, o<br />

processo acima <strong>de</strong>scrito nos reconduz à incomensurabilida<strong>de</strong>. 59 As novas bases<br />

teóricas, meto<strong>do</strong>lógicas e epistemológicas, embora não sejam enfrentadas neste<br />

momento <strong>de</strong> forma exaustiva, servem para apontar a produção positiva <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><br />

revolucionário, à medida que os <strong>novo</strong>s conceitos exigem <strong>do</strong> cientista <strong>um</strong>a<br />

reformulação <strong>de</strong> seu léxico científico.<br />

Isso faz com que o <strong>de</strong>senvolvimento científico, ten<strong>do</strong> em vista a ocorrência<br />

das revoluções científicas, não possam ser tomadas mais como algo absolutamente<br />

contínuo, mas com saltos e rupturas significativas.<br />

É im<strong>por</strong>tante notar que as mudanças ocasionadas pelas revoluções científicas<br />

e a geração <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s <strong>paradigma</strong>s são processos regi<strong>do</strong>s <strong>por</strong> valores, não<br />

necessariamente <strong>por</strong> regras <strong>de</strong> correspondência. Tais valores <strong>de</strong>vem ser<br />

consensuais, isto é, <strong>de</strong>vem ser aceitos pelas comunida<strong>de</strong>s científicas em questão.<br />

Como <strong>de</strong>staca Kropf (1999, p. 8),<br />

Nessa perspectiva, Kuhn afirma que as razões que levam os cientistas a<br />

a<strong>de</strong>rir a <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> funcionam como valores e não como regras<br />

objetivas <strong>de</strong> escolha. Tais valores po<strong>de</strong>m ser aplica<strong>do</strong>s em situações<br />

concretas <strong>de</strong> diversas maneiras pelos indivíduos, mas sempre a partir <strong>do</strong><br />

sistema aceito pela comunida<strong>de</strong>.<br />

efetuam <strong>um</strong> trabalho que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser feito <strong>por</strong> pessoas como você ou eu. Os dispositivos técnicos<br />

são, <strong>por</strong>tanto, realmente atores <strong>por</strong> completo em <strong>um</strong>a coletivida<strong>de</strong> que já não po<strong>de</strong>mos dizer<br />

puramente h<strong>um</strong>ana, mas cuja fronteira esta em permanente re<strong>de</strong>finição (LÉVY, Pierre. As<br />

tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu<br />

da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 138).”<br />

59<br />

Como registra <strong>um</strong> excerto da obra <strong>de</strong> Ransanz: “[...] a incomensurabilida<strong>de</strong> representa a arma mais<br />

efetiva contra a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> progresso c<strong>um</strong>ulativo, visto que é o indica<strong>do</strong>r mais claro <strong>de</strong> rupturas e<br />

<strong>de</strong>scom<strong>passo</strong> na evolução <strong>de</strong> <strong>um</strong>a disciplina. As revoluções científicas sempre têm alg<strong>um</strong> aspecto<br />

<strong>de</strong>strutivo, e as teorias sucessoras, apesar <strong>de</strong> serem amplamente melhores que as substituídas, com<br />

frequência não po<strong>de</strong>m produzir to<strong>do</strong>s os resulta<strong>do</strong>s explicativos <strong>de</strong>stas. [...] como a<br />

incomensurabilida<strong>de</strong> implica <strong>um</strong>a troca <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> nos conceitos básicos da teoria sucessiva,<br />

teremos que observar a i<strong>de</strong>ia com<strong>um</strong> <strong>de</strong> que as teorias posteriores incluem as anteriores. Dessa<br />

relação <strong>de</strong> substituição ou redução interteórica o <strong>de</strong>senvolvimento científico per<strong>de</strong> o lugar central na<br />

explicação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento científico. [...] a evolução <strong>de</strong> teorias alternativas se volta a <strong>um</strong>a<br />

questão muito mais complicada, já que o fenômeno da troca conceitual impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconstruí-la como<br />

<strong>um</strong>a simples comparação, enuncia<strong>do</strong> <strong>por</strong> enuncia<strong>do</strong>, entre as consequências das teorias rivais<br />

(RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cultura Económica,<br />

1999, p. 72).”


74<br />

Isso faz <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> revolucionário <strong>–</strong> além <strong>de</strong> <strong>um</strong> momento <strong>de</strong> transição <strong>–</strong><br />

também <strong>um</strong> hiato rico na constatação da existência <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento científico<br />

diante da alternância <strong>do</strong>s valores cultiva<strong>do</strong>s pela comunida<strong>de</strong> científica, visto que o<br />

conflito trava<strong>do</strong> nesse perío<strong>do</strong> faz com que ela fomente <strong>novo</strong>s conhecimentos<br />

teóricos e práticos, o que conduz os cientistas, após o perío<strong>do</strong> revolucionário, a<br />

mun<strong>do</strong>s diferentes, exigin<strong>do</strong> <strong>um</strong> real aprendiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> das leis e <strong>do</strong>s<br />

conceitos científicos cultiva<strong>do</strong>s em cada perío<strong>do</strong>.<br />

O evento crítico que antece<strong>de</strong> o perío<strong>do</strong> revolucionário impõe à comunida<strong>de</strong><br />

científica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renovar a estrutura teórica <strong>de</strong> conhecimento. A crise,<br />

ainda que <strong>de</strong>termine consequências negativas para o <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong>, conduz<br />

ao restabelecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a discussão aberta aos membros da comunida<strong>de</strong> em<br />

busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a alternativa a<strong>de</strong>quada para estabelecer as novas condições.<br />

Tu<strong>do</strong> isso mostra ainda a im<strong>por</strong>tância vital <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>: sem ele <strong>um</strong>a dada<br />

comunida<strong>de</strong> científica não tem como conduzir sua ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong><br />

problemas. Sua im<strong>por</strong>tância é tão central que os pesquisa<strong>do</strong>res jamais <strong>de</strong>vem<br />

aban<strong>do</strong>nar <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> sem que tenham <strong>um</strong>a boa matriz disciplinar alternativa. 60<br />

Esse fenômeno torna-se constatável à pro<strong>por</strong>ção que se evi<strong>de</strong>ncia que os<br />

cientistas estão reuni<strong>do</strong>s em <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> com o propósito <strong>de</strong> validar<br />

objetivamente os resulta<strong>do</strong>s extraí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pesquisas e, com isso, produzem <strong>um</strong><br />

consenso racional entre seus pares.<br />

Caso a estrutura <strong>do</strong> conhecimento apresente dificulda<strong>de</strong>s em respon<strong>de</strong>r aos<br />

problemas, ela começa a apresentar trincas suscetíveis <strong>de</strong> serem adjetivadas <strong>de</strong><br />

ineficientes e ineficazes, o que sinaliza a <strong>de</strong>bilitação cognitiva <strong>do</strong>s elementos<br />

estruturantes <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> acenan<strong>do</strong> para <strong>um</strong>a possível revolução.<br />

O que, ao mesmo tempo, leva à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção investigativa <strong>do</strong>s<br />

membros da comunida<strong>de</strong> científica no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> programar <strong>um</strong>a nova e promissora<br />

condição, seja na moldura <strong>do</strong> mesmo <strong>paradigma</strong>, seja pelo <strong>de</strong>sfecho revolucionário.<br />

60<br />

Como afirma Ransanz, “Com a crise começa a ’ciência extraordinária’, isto é, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pro<strong>por</strong><br />

estruturas teóricas alternativas que implicam <strong>um</strong> questionamento ou <strong>um</strong>a modificação <strong>do</strong>s conceitos<br />

aceitos até então. Nestes perío<strong>do</strong>s em que, segun<strong>do</strong> Kuhn, “os cientistas têm condições para<br />

questionar tu<strong>do</strong>”, proliferam as propostas alternativas, proliferação que c<strong>um</strong>pre <strong>um</strong> papel <strong>de</strong>cisivo no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das disciplinas, visto que os cientistas não aban<strong>do</strong>naram o <strong>paradigma</strong> ao menos<br />

que exista <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> alternativo que lhes permita resolver as anomalias (RANSANZ, Ana Rosa<br />

Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cultura Económica, 1999, p. 31).”


75<br />

A revolução, <strong>por</strong>tanto, mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong> momento, registra <strong>um</strong> ataque à<br />

estrutura vigente <strong>do</strong> conhecimento da ciência, cujo progresso busca aten<strong>de</strong>r a <strong>um</strong>a<br />

nova base cognitiva na qual o progresso da ciência procura estar disponível para<br />

<strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong>, para a qual se exige <strong>um</strong>a nova estrutura <strong>de</strong> conhecimento.<br />

A revolução não encontra receptivida<strong>de</strong> em <strong>um</strong> com<strong>por</strong>tamento anárquico da<br />

ciência, ao contrário, como <strong>um</strong> processo natural para reconstruí-la sobre os<br />

auspícios <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m. Como ilustra Ransanz (1999, p. 76),<br />

[...] as crises enfraquecem os mo<strong>de</strong>los, mas ao mesmo tempo geram da<strong>do</strong>s<br />

necessários para reconstruir o campo <strong>de</strong> investigação a partir <strong>de</strong> novas<br />

suposições. Como os cientistas nesta situação “tem à disposição para<br />

questionar o to<strong>do</strong>”, proliferam as tentativas <strong>de</strong> articulação <strong>de</strong> estruturas<br />

teóricas alternativas até que <strong>um</strong>a <strong>de</strong>las se <strong>de</strong>staque como candidata rival <strong>do</strong><br />

enfoque anterior. Entretanto, é necessário insistir que nem todas as crises<br />

levam a <strong>um</strong> surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> candidato rival.<br />

A crise e a consequente revolução da ciência, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>flagradas, são<br />

<strong>passo</strong>s im<strong>por</strong>tantes para o progresso científico. No caso da perspectiva kuhniana, a<br />

relevância <strong>de</strong>sse progresso está no fato <strong>de</strong> que a ciência se <strong>de</strong>senvolve buscan<strong>do</strong>, a<br />

cada nova etapa, dar à comunida<strong>de</strong> científica <strong>um</strong> melhor aparato para a resolução<br />

<strong>de</strong> problemas. Assim, embora a ciência normal seja marcada <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo<br />

c<strong>um</strong>ulativo, a dinâmica da ciência em seu senti<strong>do</strong> mais amplo não o é. 61<br />

Além disso, como salienta<strong>do</strong> acima, as revoluções <strong>de</strong>terminam <strong>um</strong>a mudança<br />

na visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>. Uma das questões centrais na interpretação da filosofia da<br />

ciência <strong>de</strong> Kuhn consiste em compreen<strong>de</strong>r esse tipo <strong>de</strong> mudança, ou seja, qual sua<br />

natureza e implicações. 62<br />

61<br />

Como <strong>de</strong>staca Ransanz, “Convém esclarecer que Kuhn <strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>a maneira nega a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

progresso da ciência; o que não compartilha com a tradição é a interpretação <strong>do</strong> progresso como <strong>um</strong>a<br />

aproximação da <strong>de</strong>scrição verda<strong>de</strong>ira <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Sua abordagem seria, na verda<strong>de</strong>, o inverso da<br />

concepção tradicional; a julgar pelas surpreen<strong>de</strong>ntes realizações alcançadas pela ciência, ao que<br />

parece que não é necessário (e sequer seria conveniente) que o <strong>de</strong>senvolvimento científico seja<br />

c<strong>um</strong>ulativo (RANSANZ, Ana Rosa Pérez. Kuhn y el cambio cientifico. México: Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cultura<br />

Económica, 1999, p. 72).”<br />

62<br />

Tal aspecto aparece claramente na seguinte passagem <strong>de</strong> Gutierre: “[...] a revolução científica é<br />

como <strong>um</strong>a avalanche, ela movimenta camadas inteiras <strong>do</strong> léxico para diferentes lugares on<strong>de</strong> logo<br />

adquirem sua engana<strong>do</strong>ra naturalida<strong>de</strong> e aparente estabilida<strong>de</strong> pregressas [...]. O problema <strong>de</strong>lica<strong>do</strong><br />

aqui é o da i<strong>de</strong>ntificação da natureza <strong>de</strong>ssa avalanche, seria ela meramente epistemológica (1e, <strong>um</strong>a<br />

característica <strong>de</strong> nossa linguagem sobre o mun<strong>do</strong>) ou seria também ontológica (1e, <strong>um</strong>a<br />

característica da estrutura da realida<strong>de</strong>). É esta tensão subjacente à posição kuhniana que I Hacking<br />

também procura incor<strong>por</strong>ar naquilo que chama <strong>de</strong> ‘problema <strong>do</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong>’ o problema <strong>de</strong> como<br />

concatenar duas classes <strong>de</strong> enuncia<strong>do</strong>s aparentemente incongruentes na obra <strong>de</strong> Kuhn, tais como<br />

(a) ‘O mun<strong>do</strong> não muda com a mudança <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>s’, e (b) ‘Após <strong>um</strong>a revolução científica, o<br />

cientista trabalha n<strong>um</strong> mun<strong>do</strong> diferente’ (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há <strong>de</strong> polêmico na


76<br />

A movimentação que o perío<strong>do</strong> revolucionário <strong>de</strong>marca e ao mesmo tempo<br />

registra é respondi<strong>do</strong> <strong>por</strong> Gutierrez <strong>de</strong> forma satisfatória no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que, após a<br />

revolução científica, o pesquisa<strong>do</strong>r trabalha n<strong>um</strong> mun<strong>do</strong> diferente, mas em <strong>um</strong><br />

senti<strong>do</strong> preciso: o cientista, ten<strong>do</strong> em vista sua nova matriz disciplinar, a trabalhar<br />

com outro mun<strong>do</strong>, o qual é revela<strong>do</strong> justamente <strong>por</strong> essa nova matriz. 63<br />

As crenças <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> à luz <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova estrutura <strong>de</strong> conhecimento<br />

<strong>–</strong> balizada em <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> e o mun<strong>do</strong> diferente <strong>–</strong> <strong>de</strong>monstram o progresso<br />

como “elemento congênito” da ciência no perío<strong>do</strong> revolucionário, na medida em que<br />

surgem, com finalida<strong>de</strong>s precípuas, novas ferramentas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sse contexto.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a proposição <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s <strong>paradigma</strong>s e a ocorrência <strong>de</strong><br />

revoluções científicas implicam, <strong>por</strong> vezes, impactos sociais relevantes, o que<br />

mostra ter o conhecimento científico, para <strong>de</strong>ntro e além das fronteiras das<br />

comunida<strong>de</strong>s científicas, consequências não apenas para a visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

cientistas, mas também para os leigos. 64<br />

Além <strong>do</strong>s aspectos sociais envolvi<strong>do</strong>s com o progresso da ciência, a inovação<br />

gerada pela nova estrutura <strong>de</strong> conhecimento impulsiona aquela a seu progresso,<br />

não apenas na área específica na qual houve <strong>um</strong>a mudança <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>, mas<br />

também em outras. Por isso, ainda se revela o<strong>por</strong>tuno pontuar como o progresso<br />

po<strong>de</strong> refletir em outras ciências, conforme <strong>de</strong>staca Cohen (2002, p. 33):<br />

i<strong>de</strong>ia kuhniana <strong>de</strong> incomensurabilida<strong>de</strong>? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, p. 21-35, jun. 1998, p.<br />

28).”<br />

63<br />

“Kuhn logra preservar postula<strong>do</strong>s essenciais <strong>de</strong> sua visão da prática e racionalida<strong>de</strong>s científicas.<br />

Por <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, não se aban<strong>do</strong>na a tese <strong>de</strong> que “o cientista trabalha n<strong>um</strong> mun<strong>do</strong> diferente após a<br />

mudança <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>” o mun<strong>do</strong> conceptualiza<strong>do</strong> efetivamente sofre transformações após <strong>um</strong>a<br />

revolução. Mas o mesmo mun<strong>do</strong> po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> diferente, não enquanto <strong>um</strong> objeto<br />

<strong>de</strong> nosso conhecimento, mas como i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> nosso discurso. Esta perspectiva<br />

permite dizer que não há mudança <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> após a troca <strong>de</strong> matrizes disciplinares. É tal versão <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> não é neutra em relação ao campo epistemológico, como seria <strong>de</strong> se esperar caso<br />

acatássemos a frequente caricatura da noção <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> no<strong>um</strong>enal kantiano ainda que não <strong>de</strong> forma<br />

direta, a interação com esta dimensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong>fine parte significativa <strong>de</strong> nossos processos<br />

<strong>cognitivo</strong>s (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há <strong>de</strong> polêmico na i<strong>de</strong>ia kuhniana <strong>de</strong><br />

incomensurabilida<strong>de</strong>? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, p. 21-35, jun. 1998, p. 32).”<br />

64<br />

Como ilustra<strong>do</strong> <strong>por</strong> Cohen, “Contu<strong>do</strong>, certas i<strong>de</strong>ias científicas revolucionárias têm <strong>de</strong>sperta<strong>do</strong><br />

gran<strong>de</strong> oposição <strong>por</strong>que parecem atentar contra as crenças que sustentam a or<strong>de</strong>m social. A origem<br />

das espécies, <strong>de</strong> Darwin (1859), <strong>de</strong>spertou gran<strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> entre os leigos e inclusive em alguns<br />

cientistas <strong>por</strong> motivos essencialmente alheios à ciência [...] Pois, se produzia <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> perturbação<br />

<strong>por</strong> conta das implicações religiosas da evolução darwiniana, que questionava o relato da criação<br />

segun<strong>do</strong> as páginas <strong>de</strong> Genesis. Muitos sentiam verda<strong>de</strong>ira angústia ante a dramática afirmação <strong>de</strong><br />

que o homem tinha antepassa<strong>do</strong>s comuns com o macaco e não ocupa essa posição especial na<br />

natureza que afirmavam todas as filosofias e religiões <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio da história escrita (COHEN, I.<br />

Bernard. Revolución em las ciências; tradução Daniel Zadunaisky. Barcelona: Gedisa, 2002, p. 29).”


77<br />

Uma inovação revolucionária imprescindível em <strong>um</strong>a área po<strong>de</strong> ser o meio<br />

<strong>de</strong> efetuar <strong>um</strong>a <strong>de</strong>scoberta revolucionária em outra. Da<strong>do</strong> que os avanços<br />

revolucionários em <strong>um</strong>a ciência po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>do</strong> que se produzam as<br />

revoluções em outras disciplinas, a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> predizê-las a<strong>um</strong>enta<br />

rapidamente, <strong>de</strong> forma exponencial. Exemplo disso é o auge da biologia<br />

molecular, com o <strong>de</strong>scobrimento da estrutura <strong>do</strong> ADN, que exigiu o emprego<br />

da cristalografia <strong>do</strong> raio X, <strong>um</strong>a técnica <strong>de</strong>senvolvida pela física.<br />

É salutar tomar <strong>de</strong> empréstimo as lições <strong>do</strong> pensamento bungeano, embora,<br />

na obra referendada, o referi<strong>do</strong> pensa<strong>do</strong>r da filosofia da ciência não tenha se vali<strong>do</strong><br />

da proposta kuhniana <strong>de</strong> forma explícita. O que Bunge esclarece é justamente que<br />

as ciências se encontram interconectadas e têm relações im<strong>por</strong>tantes <strong>um</strong>as com as<br />

outras. E <strong>de</strong>sse pensamento já os antigos pensa<strong>do</strong>res da ciência <strong>do</strong> Direito<br />

compartilhavam.<br />

Assim, compreen<strong>de</strong>-se melhor em que medida os impactos em <strong>um</strong>a área são,<br />

<strong>por</strong> vezes, senti<strong>do</strong>s em outros setores da ciência. 65<br />

Esse processo geral <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> trabalho da pesquisa, no qual as<br />

revoluções científicas têm <strong>um</strong> papel central, indica, assim, o caráter dinâmico da<br />

ciência. Para tal conclusão, o contexto histórico é fundamental. Como mostra Cohen,<br />

a ciência mo<strong>de</strong>rna é marcada <strong>por</strong> momentos <strong>de</strong> ruptura, a partir <strong>do</strong>s quais diversos<br />

elementos são modifica<strong>do</strong>s. Conforme afirma o referi<strong>do</strong> autor (2002, p. 53):<br />

O im<strong>por</strong>tante, a partir <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista histórico, é que durante os quatro<br />

últimos séculos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o surgimento da ciência mo<strong>de</strong>rna, os cientistas e os<br />

observa<strong>do</strong>res têm chama<strong>do</strong> revoluções a certos sucessos. Isto inclui trocas<br />

<strong>de</strong> conceitos fundamentais, modificações radicais nas normas aceitas e<br />

habituais <strong>de</strong> explicação, postula<strong>do</strong>s ou axiomas <strong>novo</strong>s, novas formas<br />

aceitáveis <strong>de</strong> conhecimento e novas teorias que abarquem alguns ou to<strong>do</strong>s<br />

estes traços e outros mais.<br />

65<br />

Como afirma Bunge, “A ciência <strong>de</strong>ve, pois, ser consi<strong>de</strong>rada <strong>um</strong> sistema conceitual composto <strong>de</strong><br />

subsistemas, que são as ciências especiais e as interdisciplinas, tais como: a Biofísica e a<br />

Psicobiologia. Consequentemente, o esta<strong>do</strong> em que se encontra cada ciência especial <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

esta<strong>do</strong> das outras ciências, em particular a Matemática e ciências correlatas. Por exemplo, a<br />

Psicologia não po<strong>de</strong> avançar enquanto a Neurofisiologia não se <strong>de</strong>senvolveu. Esta, <strong>por</strong> sua vez,<br />

precisou <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da Neurofísica e da Neuroquímica, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m tanto da Física e da<br />

Química quanto da Biologia celular e molecular. A inter<strong>de</strong>pendência das ciências particulares se<br />

reflete na sua evolução: cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>las coevolui com as <strong>de</strong>mais. A ciência po<strong>de</strong> ser, assim,<br />

comparada à biosfera: ambas são sistemas extremamente complexos, e o esta<strong>do</strong> e a evolução <strong>de</strong><br />

cada <strong>um</strong> <strong>de</strong> seus componentes <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> e da evolução <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os outros. O leitor<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>á imaginar a consequência da sistematização da Ciência para toda política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

científico (BUNGE, Mario. Ciências e <strong>de</strong>senvolvimento; tradução Cláudia Régis Junqueira. São<br />

Paulo: Itatiaia, 1989, p. 42).”


78<br />

Contu<strong>do</strong>, é essa mesma História que produz situações nas quais o esquema<br />

interpretativo <strong>de</strong> Kuhn não se adapta completamente. A biologia produz alguns<br />

<strong>de</strong>sses casos. 66<br />

As afirmações no excerto da obra <strong>de</strong> Mayr trazem, à tona as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> encaixe perfeito <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como Thomas Kuhn compreen<strong>de</strong> e busca explicitar o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da ciência e o fenômeno <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento no plano real.<br />

Essa constatação coloca a questão <strong>de</strong> saber se toda mudança que se dá nas<br />

ciências po<strong>de</strong> ser reconhecida <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo teórico kuhniano, ou seja,<br />

se o processo revolucionário seria a etapa responsável pelo <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

ciência, e se a revolução científica, sen<strong>do</strong> episódio inevitável e sempre recorrente,<br />

segun<strong>do</strong> a perspectiva kuhniana, seria indispensável ao <strong>de</strong>senvolvimento da ciência.<br />

Na citação <strong>de</strong> Mayr, é possível notar que, embora a teoria darwiniana <strong>de</strong>va<br />

ser tomada como <strong>um</strong> exemplo <strong>de</strong> revolução científica, ela não se encaixa nos<br />

mol<strong>de</strong>s teóricos kuhnianos. Essa seria, certamente, <strong>um</strong>a das dificulda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

proposto <strong>por</strong> Kuhn.<br />

O alerta <strong>de</strong> Mayr coloca-nos diante das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação histórica<br />

<strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo, isto é, <strong>de</strong> como seus conceitos po<strong>de</strong>m, sem maiores dificulda<strong>de</strong>s,<br />

aplicar-se a qualquer contexto da História da Ciência.<br />

Assim, observa-se que no campo da epistemologia o que se busca em<br />

verda<strong>de</strong> é saber o que se faz, <strong>por</strong> quê e como se faz ciência. Certamente a proposta<br />

kuhniana fornece alg<strong>um</strong>as ferramentas para semelhante tarefa, entretanto, com elas,<br />

também há consi<strong>de</strong>ráveis dificulda<strong>de</strong>s. Os problemas oriun<strong>do</strong>s da aplicação <strong>do</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo kuhniano não diminuem sua estatura nem, como já se disse, sua im<strong>por</strong>tância<br />

para a explicação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento científico.<br />

66<br />

Como afirma Mayr: “Quan<strong>do</strong> Lamarck propôs em 1808 a primeira teoria <strong>de</strong> genuína evolução<br />

gradual, obteve poucas conversões; não iniciou <strong>um</strong>a evolução científica. Além disso, aqueles que o<br />

seguiram como evolucionista como Étienne Geoffroy e Robert Chambers divergiam amplamente, em<br />

muitos aspectos, <strong>de</strong> Lamarck e <strong>um</strong> <strong>do</strong> outro. Ele com certeza não ocasionou a substituição <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>paradigma</strong> <strong>novo</strong>. Ninguém po<strong>de</strong> negar que a Origem das espécies (1859), <strong>de</strong> Darwin, produziu <strong>um</strong>a<br />

revolução científica genuína. De fato, ela é frequentemente chamada <strong>de</strong> a mais im<strong>por</strong>tante <strong>de</strong> todas<br />

as revoluções científicas. Apesar disso, não se enquadra nas especificações <strong>de</strong> Kuhn para <strong>um</strong>a<br />

revolução científica. A análise da revolução darwiniana enfrenta consi<strong>de</strong>ráveis dificulda<strong>de</strong>s <strong>por</strong>que o<br />

<strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Darwin na realida<strong>de</strong> consistia em to<strong>do</strong> <strong>um</strong> pacote <strong>de</strong> teorias, cinco das quais são da<br />

maior im<strong>por</strong>tância (MAYR, Ernst. Biologia, Ciência Única; tradução Marcelo Leite. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 2009, p. 176).”


79<br />

A questão controvertida gerada é saber se isso representa <strong>um</strong> problema para<br />

a explicação, em senti<strong>do</strong> amplo, <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da ciência e se a teoria<br />

kuhniana capta esse progresso em toda sua extensão. É preciso reconhecer que o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da ciência merece ser concebi<strong>do</strong> como <strong>um</strong> progresso, mesmo<br />

diante da ruptura marcada pelos saltos registra<strong>do</strong>s nos perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> revolução<br />

científica.<br />

Ainda que envolvida com as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação histórica, é preciso<br />

aquilatar que a abordagem kuhniana contempla o contexto histórico e <strong>de</strong>le faz uso,<br />

sem o que, conforme po<strong>de</strong>mos extrair <strong>de</strong> Fleck (2012, p. 25), a epistemologia seria<br />

vazia:<br />

Os conceitos científicos atuais, resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a história específica, estão<br />

longe <strong>de</strong> ser a única possibilida<strong>de</strong> lógica para or<strong>de</strong>nar e compreen<strong>de</strong>r os<br />

fenômenos naturais. Portanto, não se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a ciência sem<br />

consi<strong>de</strong>rar sua história: “toda teoria <strong>do</strong> conhecimento que não pratica a<br />

análise história comparativa é <strong>um</strong> jogo <strong>de</strong> palavras vazias, <strong>um</strong>a<br />

epistemologia imaginária” (Fleck, 2008: 44).<br />

Talvez seja exatamente essa perspectiva histórica que permite a Kuhn<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se da acusação <strong>de</strong> relativismo e afirmar sua crença no progresso científico.<br />

Somente a história não é suficiente. Para tanto, é preciso operar ainda com outra<br />

dimensão, na qual as noções <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> científica e <strong>de</strong> linguagem científica<br />

<strong>de</strong>sempenham <strong>um</strong> papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. 67<br />

67<br />

Po<strong>de</strong>mos perceber isso claramente na seguinte passagem <strong>de</strong> Kuhn: “Os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> teorias<br />

diferentes são como membros <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cultura e linguagens diferentes. Reconhecer esse<br />

paralelismo sugere, em certo senti<strong>do</strong>, que ambos os grupos po<strong>de</strong>m estar certos. Essa posição é<br />

relativista, quan<strong>do</strong> aplicada à cultura e seu <strong>de</strong>senvolvimento. Mas, quan<strong>do</strong> aplicada à ciência, ela<br />

po<strong>de</strong> não sê-lo e, <strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong>, está longe <strong>de</strong> <strong>um</strong> simples relativismo, n<strong>um</strong> aspecto que meus<br />

críticos não foram capazes <strong>de</strong> perceber. [...] As teorias científicas mais recentes são melhores que as<br />

mais antigas, no que toca à resolução <strong>de</strong> quebra-cabeças nos contextos frequentemente diferentes<br />

aos quais são aplicadas. Essa não é <strong>um</strong>a posição relativista e revela em que senti<strong>do</strong> sou <strong>um</strong> crente<br />

convicto <strong>do</strong> progresso científico”. E arremata Thomas Kuhn (2007, p. 256): “Não tenho dúvidas, <strong>por</strong><br />

exemplo, <strong>de</strong> que a mecânica <strong>de</strong> Newton aperfeiçoou a <strong>de</strong> Aristóteles e <strong>de</strong> que a mecânica <strong>de</strong> Einstein<br />

aperfeiçoou a <strong>de</strong> Newton enquanto instr<strong>um</strong>ento para a resolução <strong>de</strong> quebra-cabeças. Mas não<br />

percebo, nessa sucessão, <strong>um</strong>a direção coerente <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento ontológico (KUHN, Thomas S.<br />

A estrutura das revoluções científicas; tradução Beatriz Vianna Boeira; Nelson Boeira. São Paulo:<br />

Perspectiva, 2007, p. 254).”


80<br />

O momento revolucionário em Thomas Kuhn <strong>de</strong>monstra conceitualmente e<br />

com a clareza necessária a relação <strong>de</strong> comparabilida<strong>de</strong> entre teorias e o progresso<br />

da ciência. Assim, o caráter dinâmico e progressivo da ciência é evi<strong>de</strong>nte, na medida<br />

em que Thomas Kuhn <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> em sua teoria o <strong>de</strong>senvolvimento a partir das<br />

alterações paradigmáticas e da mutabilida<strong>de</strong> ocasionada <strong>por</strong> elas.<br />

É evi<strong>de</strong>nte, <strong>por</strong>tanto, que entre as rupturas revolucionárias há <strong>um</strong>a sinergia <strong>de</strong><br />

<strong>novo</strong>s conhecimentos. Mais <strong>do</strong> que isso, a ruptura <strong>de</strong>ntro da teoria da filosofia da<br />

ciência em Kuhn retrata telescopicamente também <strong>um</strong> momento <strong>do</strong> progresso da<br />

ciência em que se faz presente o surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova ciência <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista<br />

epistemológico e ontológico.<br />

Essa ontologia ocorre no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> re-start, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> começo a partir <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>, o qual traz consigo o estabelecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m<br />

divorciada <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo anterior, na ciência <strong>do</strong> Direito, com o re-start se <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong><br />

evi<strong>de</strong>nciar, à medida que o epicentro da Justiça passa para <strong>um</strong>a nova forma <strong>de</strong><br />

tecnologia em <strong>inteligência</strong>.<br />

Garante, assim, a manutenção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça que se firma a partir <strong>do</strong>s<br />

valores maiores conquista<strong>do</strong>s e consolida<strong>do</strong>s à luz <strong>do</strong>s preceitos constitucionais que<br />

irrigam o sistema processual civil como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> Direito<br />

substancial, e que não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> evoluir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a sistemática<br />

compatível com as mudanças <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos como ciência especializada que é,<br />

em <strong>um</strong>a nova dinâmica. 68<br />

O conceito <strong>de</strong> Direito passa, ou para alguns, <strong>de</strong>ixa, que as regras <strong>de</strong> Direito<br />

sejam reconstruídas a partir <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> interpretação, em <strong>um</strong> contexto <strong>de</strong><br />

conflito i<strong>de</strong>ológico hermenêutico.<br />

68<br />

Para Lévy: “Consi<strong>de</strong>ramos o caso <strong>do</strong>s sistemas especialistas, que po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como<br />

bancos <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s muito avança<strong>do</strong>s, capazes <strong>de</strong> tirar conclusões pertinentes das informações <strong>de</strong> que<br />

dispõem. Os sistemas especialistas não são basicamente feitos para conservar o saber <strong>do</strong><br />

especialista, mas sim para evoluir incessantemente a partir <strong>do</strong>s núcleos <strong>de</strong> conhecimento que este<br />

trouxe. Não se fabrica <strong>um</strong> <strong>novo</strong> programa a cada vez que <strong>um</strong>a nova regra é atualizada. Pelo<br />

contrário, as linguagens <strong>de</strong>clarativas permitem que o sistema seja enriqueci<strong>do</strong> ou modifica<strong>do</strong> sem que<br />

seja necessário começar tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>novo</strong>. Dizen<strong>do</strong> <strong>de</strong> outra forma, a não ser em casos especiais, os<br />

esta<strong>do</strong>s anteriores <strong>do</strong> conhecimento não são armazena<strong>do</strong>s. Este apenas existe no sistema em seu<br />

esta<strong>do</strong> mais recente. As possibilida<strong>de</strong>s materiais <strong>de</strong> armazenamento nunca foram tão gran<strong>de</strong>s, mas<br />

não é a preocupação com o estoque ou a conservação que impulsiona a informatização (LÉVY,<br />

Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução<br />

Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 116).”


81<br />

Passa a regras valoradas em seu ato gestacional, em que a Justiça<br />

representa equação <strong>de</strong>corrente <strong>do</strong> cruzamento da ação objetiva <strong>do</strong> Direito (regra),<br />

consi<strong>de</strong>radas já avaliadas objetivamente (tida como completa ou em<br />

complementação), a partir <strong>de</strong> seus núcleos. Em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> ritmo frenético com<br />

que o mun<strong>do</strong> e a espécie h<strong>um</strong>ana, veem-se imersos.<br />

Essa posição seria a mais radical e <strong>por</strong> isso ainda não totalmente<br />

<strong>de</strong>senvolvida, da<strong>do</strong>s os <strong>limite</strong>s da pesquisa, bem como consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> os estágios<br />

atuais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das ciências cognitivas. Por outro la<strong>do</strong>, conforme ilustra<br />

Lévy (2011, p. 118-119),<br />

Se pensarmos com instr<strong>um</strong>entos intelectuais liga<strong>do</strong>s à impressão,<br />

compartilhan<strong>do</strong> os valores e o imaginário <strong>de</strong> <strong>um</strong>a civilização da escrita, nos<br />

encontramos na posição <strong>de</strong> avaliar as formas <strong>de</strong> conhecimento inéditas que<br />

mal acabaram <strong>de</strong> emergir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ecologia cognitiva em vias <strong>de</strong> formação. É<br />

gran<strong>de</strong> a tentação <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nar ou ignorar aquilo que nos é estranho. É<br />

mesmo possível que não nos apercebamos da existência <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s estilos<br />

<strong>de</strong> saber, simplesmente <strong>por</strong>que eles não correspon<strong>de</strong>m aos critérios e<br />

<strong>de</strong>finições que nos constituíram e que herdamos da tradição. Da mesma<br />

forma, é tenta<strong>do</strong>r i<strong>de</strong>ntificar certos procedimentos contem<strong>por</strong>âneos <strong>de</strong><br />

comunicação e tratamento, bastante grosseiros, como o conjunto das<br />

tecnologias intelectuais ligadas aos computa<strong>do</strong>res, confundin<strong>do</strong> assim ao<br />

<strong>de</strong>vir da cultura informatizada com seus balbucios iniciais.<br />

Todavia, há <strong>um</strong> consenso natural na comunida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cientistas <strong>do</strong> Direito<br />

como <strong>um</strong> to<strong>do</strong>, e <strong>do</strong>s processualistas <strong>de</strong>ssa ciência da iminência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova Era,<br />

que essa exige técnicas compatíveis com o atendimento da vol<strong>um</strong>osa <strong>de</strong>manda <strong>por</strong><br />

Direito e Justiça. 69<br />

Sen<strong>do</strong> assim, é possível que <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma o Direito e a Justiça sejam<br />

trans<strong>por</strong>ta<strong>do</strong>s com segurança e maior velocida<strong>de</strong> em caráter <strong>de</strong> armazenamento,<br />

gestão e aplicação, <strong>por</strong> <strong>um</strong>a tecnologia em <strong>inteligência</strong>, em ruptura com a que<br />

anteriormente a prece<strong>de</strong>u.<br />

69<br />

Explica Garapon: “Esta cosmogonia <strong>do</strong> espaço judiciário é <strong>um</strong>a figuração da or<strong>de</strong>m jurídica. O que<br />

encarna o espaço judiciário é a prevalência da or<strong>de</strong>m sobre a transgressão, a sujeição <strong>do</strong> individual<br />

ao social e o prima<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito sobre a força, tanta vez evoca<strong>do</strong> nos frontões <strong>do</strong>s nossos palácios da<br />

<strong>justiça</strong>. A or<strong>de</strong>m assim representada prefigura a or<strong>de</strong>m jurídica, mesmo até o seu princípio. Substitui<br />

a coerência duvi<strong>do</strong>sa e incógnita <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> pela coerência da sua linguagem actuante. A linguagem<br />

jurídica <strong>de</strong>pura a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todas as suas contradições para reor<strong>de</strong>nar segun<strong>do</strong> categorias simples<br />

e operacionais que <strong>de</strong>terminarão outros tantos regimes jurídicos, isto é, outros tantos lugares<br />

atribuí<strong>do</strong>s e com<strong>por</strong>tamentos obrigatórios (GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual<br />

judiciário. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 47).”


82<br />

4 AS RELAÇÕES DINÂMICAS DA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA EM THOMAS<br />

KUHN, SUA LÓGICA E SEUS CRITÉRIOS PARA O DESENVOLVIMENTO<br />

CIENTÍFICO<br />

4.1 As proprieda<strong>de</strong>s dinâmicas da ciência a partir <strong>de</strong> Thomas Kuhn e sua<br />

contribuição para a explicação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento paradigmático <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça<br />

A correlação das proprieda<strong>de</strong>s dinâmicas da ciência na perspectiva kuhniana<br />

guarda relações com a forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e explicar o mun<strong>do</strong> científico, ten<strong>do</strong><br />

em vista a relação existente entre os aspectos epistemológicos e históricos. Kuhn<br />

enten<strong>de</strong> a Ciência como <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> fases ou etapas distintas, as quais<br />

conferem ao <strong>de</strong>senvolvimento científico características peculiares <strong>do</strong> seu dinamismo<br />

paradigmático.<br />

Seu pensamento teórico não se afasta <strong>do</strong> objetivo maior da Ciência, que é o<br />

<strong>de</strong> dar à h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> <strong>um</strong>a compreensão <strong>de</strong> como é o mun<strong>do</strong> e como funciona, e <strong>de</strong><br />

como po<strong>de</strong>mos conhecê-lo a partir da forma como se apresenta.<br />

As fases propostas em sua teoria dialogam entre si <strong>de</strong> forma inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> tal maneira que a Ciência, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua perspectiva, faz-se diferente, a partir <strong>de</strong><br />

então, não somente pela forma como se dava a narrativa <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

como também <strong>por</strong> sua distinta estrutura conceitual.<br />

Suas <strong>de</strong>finições e seus respectivos alcances são responsáveis <strong>por</strong> <strong>de</strong>finir <strong>um</strong><br />

léxico próprio a serviço da forma como pensa o <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência,<br />

projetan<strong>do</strong> conceitualmente toda a extensão <strong>de</strong> sua filosofia, para a compreensão <strong>do</strong><br />

seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento histórico. Segun<strong>do</strong> Ransanz (1999, p.29):<br />

Em <strong>um</strong>a visão <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo, o que primeiro se <strong>de</strong>staca é a<br />

seguinte suposição básica: as diversas disciplinas científicas se<br />

<strong>de</strong>senvolvem <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com <strong>um</strong> padrão geral. Isto é, como o próprio Kuhn<br />

afirma em ERC, seu mo<strong>de</strong>lo busca <strong>de</strong>screver “a estrutura essencial da<br />

contínua evolução da ciência”. Esta estrutura se reflete em <strong>um</strong>a série <strong>de</strong><br />

fases ou etapas pelas quais atravessa toda a disciplina científica ao longo<br />

<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento.


83<br />

É sob esse aspecto que a visão kuhniana <strong>de</strong> captar como o fenômeno da<br />

Ciência se dá, ou seja, como sua estrutura funciona não o afasta da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

aproximar-se da concepção <strong>de</strong> sistema, como forma <strong>de</strong> garantir a organicida<strong>de</strong> e a<br />

coesão funcional <strong>de</strong>sse corpo magno <strong>cognitivo</strong>.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Bunge, <strong>um</strong> sistema representa <strong>um</strong> complexo <strong>de</strong> componentes<br />

interliga<strong>do</strong>s entre si, os quais <strong>de</strong>têm proprieda<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes harmonizadas em<br />

<strong>um</strong>a inter<strong>de</strong>pendência, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser conceitual ou material.<br />

Kuhn rompe com outras correntes e faz <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias <strong>um</strong> pensamento<br />

singular, geran<strong>do</strong>, a partir <strong>de</strong>le, <strong>um</strong> sistema mo<strong>de</strong>lar distinto na forma <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r como o fenômeno dinâmico da ciência acontece, elegen<strong>do</strong> como<br />

componente central <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo a concepção <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>, que abriga <strong>um</strong><br />

conjunto <strong>de</strong> soluções exemplares <strong>do</strong>s problemas que se apresentam. 70<br />

Tal forma <strong>de</strong> abordagem garantiu a Thomas Kuhn o reconhecimento e muitas<br />

críticas pela forma peculiar como encarou o <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência, na medida<br />

em que se tornou impossível, segun<strong>do</strong> sua óptica, evitar a inalterabilida<strong>de</strong> e com ela<br />

os efeitos das transformações inesperadas nos perío<strong>do</strong>s revolucionários, que geram<br />

a alternância <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>.<br />

Nos perío<strong>do</strong>s revolucionários, o cientista, parafrasean<strong>do</strong> Bezerra em seu<br />

artigo intitula<strong>do</strong> “Valores e incomensurabilida<strong>de</strong>: meditações kuhnianas em chave<br />

estruturalista e laudaniana” (2012, p. 464), passa a conviver com distinta teoria,<br />

méto<strong>do</strong>s e padrões <strong>de</strong> forma inerente e articulada diante da ruptura entre os<br />

<strong>paradigma</strong>s. Semelhante alteração <strong>de</strong> percepção/significação é imanente às<br />

proprieda<strong>de</strong>s meto<strong>do</strong>lógicas <strong>de</strong>sse autor e são <strong>de</strong>talhadas no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Abrantes. 71<br />

70<br />

Como afirma Abrantes: “Por ‘exemplares’ Kuhn enten<strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> problemas e <strong>de</strong> soluções<br />

padrão, que materializam o consenso da comunida<strong>de</strong> científica, guian<strong>do</strong> sua prática n<strong>um</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

ciência normal e que são ‘transmiti<strong>do</strong>s’ pelos manuais durante a formação <strong>do</strong>s cientistas. Espera-se<br />

que, <strong>por</strong> mo<strong>de</strong>lagem, o cientista, em seu trabalho científico normal, consiga resolver <strong>novo</strong>s<br />

problemas, pautan<strong>do</strong>-se pelas soluções já estudadas anteriormente para problemas similares<br />

(ABRANTES, Paulo. Kuhn e a noção <strong>de</strong> ‘exemplar’. In: Revista Principia. Santa Catarina, v. 2, n. 1,<br />

p. 61-102, 1998. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2013,<br />

p. 63).”<br />

71<br />

“A questão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> das representações mentais vincula-se ao clássico tema da<br />

intencionalida<strong>de</strong> como proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> ’mental’. Várias contribuições <strong>de</strong>sta coletânea abordam esse<br />

problema. Há cada vez mais <strong>de</strong>fensores da tese <strong>de</strong> que o funcionalismo que toma <strong>por</strong> objeto<br />

exclusivamente o nível ’mental’ <strong>de</strong> processamento simbólico <strong>–</strong> fazen<strong>do</strong> abstração <strong>de</strong> <strong>um</strong>a particular<br />

implementação física (material, biológica) <strong>de</strong>sse processamento <strong>–</strong> não constitui <strong>um</strong>a visão correta da<br />

natureza da cognição, sen<strong>do</strong> incapaz <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a objeções como a <strong>de</strong> J. Searle. A relação entre o<br />

‘mental’ e o ‘cerebral’ não seria análoga à relação entre software e hardware em máquinas digitais<br />

como as <strong>de</strong> arquitetura von Ne<strong>um</strong>ann. Tais críticos <strong>do</strong> funcionalismo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que parte, senão<br />

todas, das funções cognitivas h<strong>um</strong>anas pressupõem <strong>um</strong> ‘instanciamento’ em arquiteturas capazes <strong>de</strong>


84<br />

A produção <strong>de</strong> conhecimento representa <strong>um</strong> fator a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> não<br />

somente pela forma <strong>de</strong> explicar, mas efetivamente pela constatação proposta <strong>por</strong><br />

sua teoria ao <strong>de</strong>tectar como a Ciência é construída, teórica e praticamente, <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

dada comunida<strong>de</strong> científica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> contexto histórico. Ela mostra<br />

como <strong>um</strong> corpo mo<strong>de</strong>lar <strong>de</strong> problemas e soluções fixa<strong>do</strong>s <strong>por</strong> seus <strong>paradigma</strong>s<br />

conduz o trabalho <strong>de</strong> pesquisa. Como esclarece Almeida (1998, p. 124):<br />

Quan<strong>do</strong> a<strong>de</strong>ntramos com maior rigor na dinâmica da produção <strong>do</strong><br />

conhecimento científico, ou na formação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> científica,<br />

torna-se mais claro o fato <strong>de</strong> que a pretensa “longa tradição científica” é<br />

<strong>um</strong>a invenção <strong>do</strong>s tempos mo<strong>de</strong>rnos, nos quais a concepção <strong>de</strong> ciência<br />

está calcada. Segun<strong>do</strong> Kuhn, esta forma <strong>de</strong> apresentação da produção<br />

científica se assemelha à teologia. Ela se impõe pela autorida<strong>de</strong><br />

referendada nos manuais científicos e nas obras filosóficas moldadas<br />

nestes, nos textos <strong>de</strong> divulgação e nas práticas científicas, e, juntos, formam<br />

<strong>um</strong> corpo articula<strong>do</strong> <strong>de</strong> problemas da<strong>do</strong>s e teorias <strong>–</strong> os <strong>paradigma</strong>s <strong>–</strong> que<br />

registram o resulta<strong>do</strong> estável das revoluções passadas, como se estas<br />

fossem as bases <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tradição corrente na ciência normal.<br />

A dinâmica pela qual Kuhn enxerga a ciência tem no <strong>paradigma</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

estrutural fundamental, visto que é em torno <strong>de</strong>le que as <strong>de</strong>mais relações parecem<br />

ter senti<strong>do</strong>, notadamente as ativida<strong>de</strong>s às quais os membros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong><br />

científica se <strong>de</strong>dicam.<br />

É em semelhante contexto que os cientistas ativamente <strong>de</strong>batem, propõem,<br />

esclarecem, rejeitam ou aprovam <strong>de</strong>terminada teoria, que visa explicar <strong>um</strong> conjunto<br />

<strong>de</strong> fenômenos, segun<strong>do</strong> suas peculiares lógicas. 72 Como vimos, os <strong>paradigma</strong>s são<br />

<strong>um</strong> processamento <strong>de</strong> tipo paralelo e distribuí<strong>do</strong>. A neurofisiologia fornece-nos evidências <strong>de</strong> que o<br />

cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> possui <strong>um</strong>a ‘arquitetura’ <strong>de</strong>sse tipo (ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e<br />

cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1994, p. 13).”<br />

72<br />

Como bem as explica Barbosa <strong>de</strong> Oliveira: “Para explicar a natureza <strong>de</strong>ssa diferença, é necessário<br />

introduzir <strong>um</strong> <strong>novo</strong> elemento em nossas consi<strong>de</strong>rações. Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> tópico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> im<strong>por</strong>tância,<br />

que envolve as relações entre o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s conceitos e a Lógica. Vamos, para começar, estabelecer<br />

alg<strong>um</strong>as proposições sobre o estatuto da Lógica. / De <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista teórico, <strong>de</strong>ve-se reconhecer<br />

a existência <strong>de</strong> três disciplinas que merecem o nome <strong>de</strong> “Lógica”. Há em primeiro lugar a “Lógica<br />

Normativa”, cujo objetivo é “prescrever” como “<strong>de</strong>vemos” pensar, como <strong>de</strong>vemos fazer inferências.<br />

Em seguida vem a “Lógica Descritiva”, a qual <strong>de</strong>screve a maneira como <strong>de</strong> fato pensamos. O estu<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> pensamento está incluí<strong>do</strong> no da cognição, assim a Lógica Descritiva é parte da<br />

Psicologia Cognitiva (e, <strong>por</strong>tanto, também da Psicologia tout court), e, <strong>de</strong> <strong>um</strong> outro ponto <strong>de</strong> vista, da<br />

Ciência Cognitiva. A existência da Lógica Descritiva é postulada apenas com finalida<strong>de</strong>s teóricas: não<br />

estamos sugerin<strong>do</strong> que <strong>de</strong>veria haver <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> Lógica Descritiva, ou coisa alg<strong>um</strong>a <strong>de</strong>sse<br />

tipo, e nada <strong>de</strong> essencial <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da ocorrência da palavra “Lógica” no nome “Lógica Descritiva”.<br />

Existe finalmente a Lógica Formal, que estuda os aspectos formais <strong>de</strong> certas classes <strong>de</strong> sistemas<br />

simbólicos. A Matemática também po<strong>de</strong> ser praticada <strong>de</strong>sta maneira, e quan<strong>do</strong> este é o caso, não há<br />

diferença essencial entre as duas disciplinas. A Lógica Formal não tem, <strong>por</strong>tanto, <strong>um</strong>a relação<br />

particular com o pensamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, como são os casos da Lógica Normativa e da Lógica<br />

Descritiva.” E complementa o mesmo autor em trecho contínuo (1994, 43): “Des<strong>de</strong> a fundação <strong>por</strong>


85<br />

substituí<strong>do</strong>s uns pelos outros, quan<strong>do</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>les não é capaz <strong>de</strong> fornecer soluções<br />

exemplares. A passagem <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> para outro, conforme já afirma<strong>do</strong> várias<br />

vezes, conduz a <strong>um</strong>a nova visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Um <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> tem como missão explicar como se dá essa transição <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> ao campo teórico da Ciência respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos <strong>novo</strong>s problemas, o que, em<br />

s<strong>um</strong>a, caracteriza também <strong>um</strong>a das facetas dinâmicas da Ciência em Thomas Kuhn.<br />

A Ciência, <strong>por</strong>tanto, é <strong>por</strong>ta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> com suas mais<br />

diversas formas. Embora seja mo<strong>de</strong>rno esse jeito científico <strong>de</strong> fazer a leitura <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>, Kuhn o faz a partir <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, como ilustra Tossato. 73<br />

Apesar <strong>de</strong> a incomensurabilida<strong>de</strong> chamar a atenção como <strong>um</strong>a proposta <strong>de</strong><br />

dinâmica científica mais acentuada, a substituição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m anterior <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

nova é precisamente o que indica o dinamismo da Ciência presente na proposta<br />

kuhniana.<br />

Dessa maneira, o mo<strong>de</strong>lo estabeleci<strong>do</strong> tem como objetivo compreen<strong>de</strong>r o<br />

dinamismo da própria Ciência, no qual a noção <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> problemas não é<br />

apenas fundamental, mas intrinsecamente relacionada com a noção <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>. 74<br />

Aristóteles até a segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>, a Lógica foi entendida fundamentalmente como<br />

Lógica Normativa. A proposição <strong>de</strong> que a Lógica é <strong>um</strong>a disciplina normativa foi enfaticamente<br />

<strong>de</strong>fendida <strong>por</strong> Frege, como parte <strong>de</strong> sua crítica ao psicologismo. O antipsicologismo <strong>de</strong> Frege teve <strong>um</strong><br />

impacto enorme não só sobre a Lógica, mas sobre toda a tradição filosófica anglo-saxônica, e veio a<br />

se tornar a posição orto<strong>do</strong>xa nestes <strong>do</strong>mínios. O tópico das relações entre Lógica e o pensamento<br />

<strong>passo</strong>u a ser simplesmente ignora<strong>do</strong>, concentran<strong>do</strong>-se o foco <strong>de</strong> interesse nas questões formais. A<br />

ascensão <strong>do</strong> behaviorismo na Psicologia também contribuiu para a mesma consequência, qual seja,<br />

para a criação <strong>de</strong> <strong>um</strong> abismo entre a Lógica e o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> pensamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, e foi apenas com o<br />

surgimento da Ciência Cognitiva que a separação começou a diminuir. Durante to<strong>do</strong> o século XX,<br />

<strong>por</strong>tanto, a Lógica foi fundamentalmente Lógica Formal; na medida, entretanto, em que alg<strong>um</strong>a<br />

relação é admitida pelos lógicos entre os seus estu<strong>do</strong>s e o pensamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, a tendência<br />

continua sen<strong>do</strong> a <strong>de</strong> ver a Lógica como <strong>um</strong>a disciplina normativa (OLIVEIRA apud ABRANTES, Paulo<br />

(Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1994, p. 42).”<br />

73<br />

“Ten<strong>do</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong>, <strong>um</strong>a ciência po<strong>de</strong>, então, passar para o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> ’ciência<br />

normal’, no qual os cientistas têm <strong>um</strong> guia, <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo, para conduzir os seus trabalhos. Contu<strong>do</strong>,<br />

para Kuhn, a história da ciência mostra que os <strong>paradigma</strong>s são substituí<strong>do</strong>s <strong>por</strong> outros quan<strong>do</strong>, nas<br />

ativida<strong>de</strong>s controladas pela ciência normal, surgem anomalias, as quais, com o tempo e a ausência<br />

<strong>de</strong> resolução, levam os cientistas a aban<strong>do</strong>narem as suas ativida<strong>de</strong>s controladas pelo <strong>paradigma</strong><br />

aceito e voltarem-se para propostas distintas, isto é, para outro <strong>paradigma</strong>, distinto <strong>do</strong> até então<br />

vigente. Esse perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> anomalias e crises conduz à revolução, isto é, à substituição <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>paradigma</strong> antigo <strong>por</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong>, repetin<strong>do</strong>-se o processo. Mas o que mais chama a atenção nessa<br />

proposta <strong>de</strong> dinâmica científica é a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> incomensurabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>paradigma</strong>s (TOSSATO,<br />

Clau<strong>de</strong>mir Roque. Incomensurabilida<strong>de</strong>, comparabilida<strong>de</strong> e objetivida<strong>de</strong>. In: Revista Scientiastudia,<br />

São Paulo, v. 10, n. 3, 2012, p. 492).”<br />

74<br />

Como <strong>de</strong>staca Abrantes: “Em comparação com essa abordagem, a originalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Kuhn foi a <strong>de</strong><br />

enfocar a ativida<strong>de</strong> científica como <strong>um</strong>a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resoluções <strong>de</strong> problemas, baseada em<br />

procedimentos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lagem a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> estoque ’paradigmático’ <strong>de</strong> problemas-padrão. Teorias,<br />

enquanto representações linguísticas, não mais sintetizam o conhecimento compartilha<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

comunida<strong>de</strong>, mas sim <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> problemas resolvi<strong>do</strong>s (exemplars) (ABRANTES, Paulo. Kuhn e


86<br />

A proposição <strong>de</strong> soluções exemplares <strong>–</strong> constituídas em procedimentos <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>lagem armazena<strong>do</strong>s em <strong>paradigma</strong>s como forma <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>terminada<br />

comunida<strong>de</strong> científica na solução <strong>de</strong> seus problemas<strong>–</strong> representou <strong>um</strong> rompimento<br />

com as <strong>de</strong>mais epistemologias até então vigentes, promoven<strong>do</strong> <strong>um</strong>a nova estrutura<br />

<strong>de</strong> tratamento ao conhecimento científico.<br />

O enfrentamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> exige <strong>do</strong> cientista,<br />

além <strong>de</strong> buscar explicar o fenômeno enigmático existente, a instr<strong>um</strong>entalização <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a estratégia capaz <strong>de</strong> dar-lhe condições para tanto. Todavia, isso ocorre <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> contexto histórico e em <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> científica na qual as subjetivida<strong>de</strong>s<br />

são objetivadas a partir das relações intersubjetivas.<br />

Essa teoria retrata o <strong>paradigma</strong> como a estrutura mo<strong>de</strong>lar para o<br />

enfrentamento <strong>do</strong>s problemas científicos daquela comunida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong>. A questão merece atenção, para os cientistas, em certo senti<strong>do</strong>, não<br />

avançarem além <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s coloca<strong>do</strong>s <strong>por</strong> aquele <strong>paradigma</strong>, tanto em termos<br />

teóricos, meto<strong>do</strong>lógicos, conceituais quanto técnicos. A situação <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser<br />

modificada completamente diante das crises e superada <strong>por</strong> meio das revoluções<br />

científicas.<br />

Dessa maneira, não somente a espécie h<strong>um</strong>ana mas o espaço e o tempo em<br />

que a Ciência é praticada em toda a sua dinâmica <strong>de</strong>vem ser compreendi<strong>do</strong>s como<br />

momentos históricos em cujo contexto a comunida<strong>de</strong> científica está inserida. Por<br />

isso, indicamos essa <strong>de</strong>limitação. Tal atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda, nos termos <strong>de</strong> Lacey, a<br />

a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> estratégias materiais (2008, p. 47):<br />

[...] a ciência tem <strong>por</strong> objetivo enten<strong>de</strong>r o mun<strong>do</strong> da forma como ele é <strong>–</strong> o<br />

mun<strong>do</strong> material <strong>–</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> suas relações com os seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s;<br />

as estratégias materialistas (e somente elas) forneceriam categorias<br />

apropriadas para esse objetivo. Uma gran<strong>de</strong> resposta po<strong>de</strong> ser extraída <strong>de</strong><br />

Kuhn: não é a natureza <strong>do</strong> “mun<strong>do</strong> material”, mas o momento<br />

historicamente contingente <strong>de</strong> nossas práticas <strong>de</strong> pesquisa que <strong>de</strong>manda a<br />

a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> estratégias materialistas.<br />

a noção <strong>de</strong> ‘exemplar’. In: Revista Principia. Santa Catarina, v. 2, n. 1, 1998, p. 85. Disponível em:<br />

. Acesso em: 10 abr. 2013).”


87<br />

Na perspectiva, a dinâmica da Ciência não é somente presente em<br />

<strong>de</strong>corrência da presença <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, mas ganha <strong>de</strong>staque à pro<strong>por</strong>ção que exige<br />

combinações diversas das relações conceituais e materiais <strong>de</strong> sua teoria com seus<br />

elementos fundantes, em que o epicentro é o <strong>paradigma</strong>, operan<strong>do</strong> como <strong>um</strong> pano<br />

<strong>de</strong> fun<strong>do</strong> na compreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Tal noção <strong>de</strong> estratégia ajuda-nos a compreen<strong>de</strong>r não somente como opera o<br />

mo<strong>de</strong>lo menciona<strong>do</strong> mas também em que senti<strong>do</strong> a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong><br />

<strong>de</strong>termina <strong>um</strong> olhar diferente sobre o mun<strong>do</strong>, em que senti<strong>do</strong> <strong>do</strong>is <strong>paradigma</strong>s<br />

po<strong>de</strong>m ser incompatíveis. 75 Por outro la<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> da limitação <strong>de</strong>sse <strong>paradigma</strong><br />

para respon<strong>de</strong>r aos problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> científica, o<br />

reconhecimento <strong>de</strong> sua limitação é sensivelmente <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong> pela própria<br />

comunida<strong>de</strong>, a qual é conduzida a reconhecer a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incor<strong>por</strong>ar outra<br />

teoria capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às novas necessida<strong>de</strong>s vigentes, momento em que o<br />

mo<strong>de</strong>lo é substituí<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> que contenha em sua estrutura <strong>um</strong>a nova base <strong>de</strong><br />

conhecimento.<br />

To<strong>do</strong> esse processo <strong>do</strong> antes, <strong>do</strong> durante e da passagem entre o <strong>paradigma</strong> e<br />

outro registra inegavelmente <strong>um</strong> <strong>de</strong>senvolvimento dinâmico da Ciência, inclusive<br />

abrin<strong>do</strong> espaço para o tratamento <strong>do</strong> contexto da <strong>de</strong>scoberta, como ilustra Abrantes<br />

(1998, p. 86-87).<br />

75<br />

Como afirma Lacey, ao referir-se a Thomas Kuhn: “Segun<strong>do</strong> ele, enten<strong>de</strong>mos o mun<strong>do</strong> em relação<br />

a <strong>um</strong> pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> forneci<strong>do</strong> pelos <strong>paradigma</strong>s, que são essencialmente históricos e <strong>de</strong>finem as<br />

estratégias <strong>de</strong> restrição e seleção da pesquisa, até mesmo o léxico das categorias que po<strong>de</strong>m ser<br />

empregadas nas representações teóricas e nas <strong>de</strong>scrições empíricas (Kuhn, 1970). [...] <strong>paradigma</strong>s<br />

diferentes possuem léxicos diferentes. Sobrevém, então, a tese <strong>de</strong> Kuhn: teorias formuladas <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>s diferentes são incomensuráveis; não po<strong>de</strong>m ser inconsistentes, pois lhes faltam<br />

categorias comuns, mesmo no nível <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s empíricos. Mas as teorias formuladas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

<strong>paradigma</strong>s sucessivos são incompatíveis <strong>por</strong>que as estratégias <strong>de</strong> restrição e seleção <strong>de</strong>sses<br />

<strong>paradigma</strong>s são incompatíveis <strong>–</strong> não se po<strong>de</strong>m perseguir simultaneamente estratégias incompatíveis<br />

no mesmo contexto (Lacey, 1999b, cap 7); tentar fazer isso é como tentar jogar futebol e rugby no<br />

mesmo campo ao mesmo tempo (Taylor, 1982). Teorias construídas <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> diferentes<br />

estratégias são incompatíveis <strong>por</strong>que as suas respectivas estratégias também são incompatíveis. A<br />

incomensurabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> práticas incompatíveis (Lacey, 1999b). / Nesse contexto, a questão<br />

da escolha <strong>de</strong> teorias torna-se ainda mais complicada, <strong>por</strong>que não po<strong>de</strong>mos separá-la da questão da<br />

escolha <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>s e das estratégias <strong>de</strong> restrição e seleção a eles associadas (LACEY, Hugh.<br />

Valores e ativida<strong>de</strong>s científicas 1. São Paulo: Ed. 34, 2008, p. 34).”


88<br />

Vimos que Kuhn rejeitou a reconstrução “sintática” <strong>de</strong> teorias propostas<br />

pelos empiristas lógicos. Kuhn foi, <strong>por</strong>tanto, <strong>um</strong> <strong>do</strong>s primeiros a perceber as<br />

limitações da visão sentencial e a pro<strong>por</strong>, com a sua noção restrita <strong>de</strong><br />

<strong>paradigma</strong>, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> tratamento para o tema da estrutura <strong>do</strong> conhecimento<br />

científico (ou, se preferirmos, da representação <strong>do</strong> conhecimento científico).<br />

Deste mo<strong>do</strong>, abriu novas perspectivas para <strong>um</strong>a análise <strong>de</strong> diversos<br />

aspectos <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta” e da dinâmica <strong>do</strong><br />

conhecimento científico.<br />

O <strong>paradigma</strong> como <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> valores estabeleci<strong>do</strong>s e aceitos pelos<br />

membros da comunida<strong>de</strong> científica leva em conta <strong>um</strong>a estratégia que possa garantir<br />

o sucesso teórico. Em outras palavras, <strong>um</strong>a teoria somente aten<strong>de</strong>rá às<br />

necessida<strong>de</strong>s no que se refere às resoluções <strong>do</strong>s problemas apresenta<strong>do</strong>s, à<br />

medida que a estratégia correspon<strong>de</strong>r positivamente aos objetivos em jogo. Como<br />

afirma Lacey (2008, p. 71):<br />

Portanto, <strong>um</strong>a estratégia é digna <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ção somente se <strong>de</strong>monstrar ser<br />

fecunda <strong>–</strong> ser <strong>de</strong> fato, e continuar a ser, <strong>um</strong>a fonte <strong>de</strong> teorias que venham<br />

ser corretamente aceitas em relação a certos <strong>do</strong>mínios <strong>de</strong> fenômenos. Uma<br />

estratégia fecunda, a<strong>do</strong>tada, em primeira instância, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

avanço exemplar, capacita a investigação <strong>de</strong> ter lugar em <strong>um</strong> campo<br />

relevante; e, para Kuhn, enquanto a estratégia permanecer fecunda, a<br />

pesquisa <strong>de</strong>ve ser conduzida exclusivamente <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com ela. Dentro da<br />

tradição científica, ele afirma, a fecundida<strong>de</strong> é suficiente, bem como<br />

necessária, para a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estratégia.<br />

A exigência <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> garante a estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>. Caso nele<br />

surja instabilida<strong>de</strong>, isso representa o sinal <strong>de</strong> que a estratégia a<strong>do</strong>tada per<strong>de</strong>u sua<br />

fecundida<strong>de</strong> e, <strong>por</strong>tanto, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ou <strong>de</strong>verá ser substituída.<br />

Na verda<strong>de</strong>, à pro<strong>por</strong>ção que as crenças, as práticas científicas e as<br />

estruturas investigativas da Ciência acabam sofren<strong>do</strong> <strong>um</strong>a natural mutação, esse<br />

com<strong>por</strong>tamento da Ciência <strong>de</strong>monstra que nada está <strong>de</strong>finitivamente acaba<strong>do</strong> e que<br />

as teorias estão em constante mudança, como esclarece Ransanz (1999, p.34-35). 76<br />

76<br />

As teorias concebidas como meros sistemas <strong>de</strong>dutivos <strong>de</strong> enuncia<strong>do</strong>s <strong>–</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s a<strong>de</strong>mais<br />

como produtos termina<strong>do</strong>s e à margem das condições que as possibilitam e compelem <strong>–</strong> não<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam servir como unida<strong>de</strong>s a<strong>de</strong>quadas em <strong>um</strong> enfoque em que se consegue explicar como<br />

evoluem as crenças e as práticas científicas, levan<strong>do</strong> em conta que as balizas <strong>de</strong> investigação<br />

também mudam. É aqui que Kuhn introduziu os <strong>paradigma</strong>s como unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise da ciência.


89<br />

A moldura estabelecida <strong>por</strong> Kuhn <strong>por</strong> certo teve como razão a preocupação<br />

<strong>do</strong> autor no <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência, no contexto <strong>do</strong> entendimento, na<br />

compreensão, na explicação da Ciência em suas mudanças, na medida em que as<br />

verda<strong>de</strong>s estabelecidas com o passar <strong>do</strong> tempo <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tar-se como<br />

algo absolutamente <strong>de</strong>finitivo.<br />

Tais mudanças fazem com que o cientista reaprenda a enxergar o mun<strong>do</strong>,<br />

não <strong>por</strong>que ele é outro, mas <strong>por</strong>que a ruptura entre a or<strong>de</strong>m em vigor e a nova<br />

or<strong>de</strong>m é <strong>um</strong> sinal <strong>de</strong> que a estrutura <strong>do</strong> conhecimento vigente não mais aten<strong>de</strong> às<br />

necessida<strong>de</strong>s da comunida<strong>de</strong> científica.<br />

A dinâmica <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento exige <strong>um</strong>a mudança <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong> e, com<br />

ela, <strong>um</strong>a modificação <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como o cientista vê o mun<strong>do</strong>. Como nos lembra<br />

Andra<strong>de</strong>. 77<br />

O <strong>paradigma</strong> como unida<strong>de</strong> <strong>por</strong>ta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova base teórica <strong>de</strong><br />

conhecimentos tem em sua natureza a inclinação pelo <strong>de</strong>senvolvimento científico,<br />

inclusive a própria Ciência normal, cujo objetivo é explorar o <strong>paradigma</strong> em to<strong>do</strong>s os<br />

seus <strong>limite</strong>s, promoven<strong>do</strong> <strong>um</strong>a melhor explicação da natureza <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> soluções<br />

exemplares. Mais <strong>do</strong> que isso, permite a especialização, outra marca característica<br />

da Ciência normal. Men<strong>do</strong>nça (2012, p. 539) lembra-nos <strong>de</strong> que:<br />

A ciência <strong>de</strong>scrita <strong>por</strong> Kuhn como sen<strong>do</strong> normal é sinônimo <strong>de</strong> pesquisa<br />

especializada. Segun<strong>do</strong> Kuhn, a especialização é a condição para o<br />

progresso científico em que o <strong>paradigma</strong> restringe drasticamente os fatos a<br />

serem leva<strong>do</strong>s em conta <strong>por</strong> <strong>um</strong>a dada comunida<strong>de</strong> científica que se vê<br />

balizada pela retícula <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, permitin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, que se possa<br />

aprofundar o conhecimento a seu respeito. Isso se dá <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong><br />

consenso estabeleci<strong>do</strong> pelo próprio <strong>paradigma</strong> ao condicionar os membros<br />

da comunida<strong>de</strong> científica, permitin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, que se possa aprofundar<br />

o conhecimento a seu respeito.<br />

77<br />

“ [...] o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho cria<strong>do</strong>r é o progresso. [...] Nenh<strong>um</strong>a escola cria<strong>do</strong>ra reconhece <strong>um</strong>a<br />

categoria <strong>de</strong> trabalho que, <strong>de</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong> é <strong>um</strong> êxito cria<strong>do</strong>r, mas que, <strong>de</strong> outro, não é <strong>um</strong>a adição às<br />

realizações coletivas <strong>do</strong> grupo (KUHN, 1991). O sublinha<strong>do</strong> é meu e nele vejo <strong>um</strong>a chave para a<br />

questão. Se o ressuscita<strong>do</strong> volta após <strong>um</strong>a ruptura na ciência normal que ele praticava, tal cientista<br />

terá <strong>de</strong> colocar as lentes inversoras <strong>de</strong> que fala Kuhn, isto é, terá <strong>de</strong> reapren<strong>de</strong>r a ver o mun<strong>do</strong> que já<br />

não será o mesmo <strong>de</strong> que outrora se apartara. Ele terá <strong>de</strong> se reintegrar ao grupo, que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />

aquele com o qual, no passa<strong>do</strong>, comungou e cujos integrantes, agora, “veem coisas novas e<br />

diferentes quan<strong>do</strong>, empregan<strong>do</strong> instr<strong>um</strong>entos familiares, olham para os mesmos pontos examina<strong>do</strong>s<br />

anteriormente”, Em s<strong>um</strong>a, ele precisará ser converti<strong>do</strong> <strong>–</strong> esta é a analogia que Kuhn julga pertinente<br />

(ANDRADE, Napoleão Laureano <strong>de</strong>. Concepções <strong>de</strong> progresso científico em Conant e Kuhn. In:<br />

Ca<strong>de</strong>rno Catarinense <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Física. Brasil, v. 17, n. 1, abr. 2000, p. 71).”


90<br />

Essa forma como Kuhn engendra a compreensão <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

Ciência ao reconhecer a im<strong>por</strong>tância da especialização como <strong>um</strong> indica<strong>do</strong>r certo da<br />

realização dinâmica da Ciência não afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> colapso <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong><br />

e sua substituição. Pelo contrário, é tal especialização que permite as duas coisas.<br />

Tais mudanças, ocasionadas pelo processo <strong>de</strong> especialização, estão, <strong>por</strong> sua<br />

vez, relacionadas com <strong>um</strong> aspecto explora<strong>do</strong> em outros momentos, a saber, a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> que o conhecimento científico progri<strong>de</strong> <strong>por</strong> ac<strong>um</strong>ulação. Como já foi dito, apenas<br />

a Ciência normal <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser tomada como <strong>um</strong> processo c<strong>um</strong>ulativo, mas não o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da ciência em seu senti<strong>do</strong> mais abrangente.<br />

Assim, ao indicar que o <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência não é c<strong>um</strong>ulativo, Kuhn<br />

mostra-nos que o princípio <strong>do</strong> qual partiu foi justamente o <strong>de</strong> progresso científico <strong>por</strong><br />

evolução e não <strong>por</strong> ac<strong>um</strong>ulação, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, da Ciência como <strong>um</strong> processo<br />

dinâmico singular. 78 Os últimos aspectos discuti<strong>do</strong>s mostram que o mo<strong>de</strong>lo<br />

explicativo <strong>de</strong> Kuhn aponta para <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da ciência<strong>–</strong> o da<br />

verticalização e horizontalização realizadas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> próprio <strong>paradigma</strong> <strong>–</strong><br />

garantin<strong>do</strong> assim <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> diferente <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a Ciência, <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo até<br />

então <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>.<br />

Para o autor <strong>de</strong> A estrutura das revoluções científicas, tal estilo<br />

epistemológico estaria a registrar indispensavelmente o marco regulatório <strong>do</strong><br />

progresso da Ciência bem como <strong>um</strong>a alternativa <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong> sua história.<br />

Para tanto, como já afirma<strong>do</strong>, os conceitos cunha<strong>do</strong>s <strong>por</strong> Kuhn são <strong>de</strong>cisivos,<br />

principalmente os <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>, resolução <strong>de</strong> problemas e comunida<strong>de</strong> científica.<br />

No mais, a crítica su<strong>por</strong>tada durante muito tempo, a qual lhe atribui <strong>um</strong>a<br />

atitu<strong>de</strong> irracional, precisou ser revisitada, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> explicar melhor que a<br />

incomensurabilida<strong>de</strong> não representa literalmente a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comparação<br />

entre as teorias substituídas a cada revolução paradigmática. 79<br />

78<br />

Conforme esclarece Men<strong>do</strong>nça: “Como a maioria <strong>do</strong>s filósofos e historia<strong>do</strong>res <strong>de</strong> seu tempo, Kuhn<br />

partia <strong>do</strong> princípio <strong>de</strong> que o progresso <strong>–</strong> apesar <strong>de</strong> não ser, no seu caso, necessariamente c<strong>um</strong>ulativo<br />

<strong>–</strong> é <strong>um</strong>a diferença específica da ciência face a outras formas <strong>de</strong> conhecimento. Tanto que suas<br />

reconstruções são, grosso mo<strong>do</strong>, sempre <strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong> exibir como a ciência progri<strong>de</strong>, seja no<br />

senti<strong>do</strong> normal <strong>de</strong> ac<strong>um</strong>ulação, seja no senti<strong>do</strong> revolucionário <strong>de</strong> ruptura. (Só esse fato já torna<br />

patente que ele não almejou minar a autorida<strong>de</strong> cultural exercida pela ciência, como alguns<br />

imaginam.) O consenso seria justamente o que assegura a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescimento <strong>do</strong><br />

conhecimento científico (MENDONÇA, André Luis <strong>de</strong> Oliveira. O lega<strong>do</strong> <strong>de</strong> Thomas Kuhn após<br />

cinquenta anos. In: Revista Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, 2012, p. 539).”<br />

79<br />

Como esclarece Tossato: “[...] pois ‘magnitu<strong>de</strong>s incomensuráveis po<strong>de</strong>m ser comparadas até<br />

qualquer grau <strong>de</strong> aproximação requeri<strong>do</strong>’ (Kuhn, 2003a, p. 50), e aplica essa possibilida<strong>de</strong> a teorias<br />

distintas, pois a incomensurabilida<strong>de</strong> não implica incomparabilida<strong>de</strong>, ‘a maioria <strong>do</strong>s termos comuns a


91<br />

Thomas Kuhn superou os pensa<strong>do</strong>res anteriores e os <strong>de</strong> sua época como<br />

investiga<strong>do</strong>r <strong>do</strong> caráter histórico da mudança da Ciência. Também se <strong>de</strong>stacou <strong>de</strong><br />

forma ímpar, à pro<strong>por</strong>ção que o <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência, em <strong>de</strong>corrência das<br />

mudanças teóricas encapsuladas pelos <strong>paradigma</strong>s, legitima-se ao enredar-se <strong>de</strong><br />

coerência científica diante <strong>de</strong> toda sua dinâmica material, conceitual, semântica e da<br />

aplicação.<br />

As mudanças científicas confirmam o metabolismo responsável pelo a<strong>um</strong>ento<br />

da capacida<strong>de</strong> explicativa da ciência, <strong>um</strong>a vez que <strong>novo</strong>s <strong>paradigma</strong>s permitem<br />

resolver problemas anteriormente não resolvi<strong>do</strong>s.<br />

A dificulda<strong>de</strong> na combinação das fases, ou melhor, nas etapas presentes na<br />

proposta kuhniana sobre o <strong>de</strong>senvolvimento e o progresso na Ciência é algo com<strong>um</strong><br />

e força <strong>um</strong> entendimento mais aprofunda<strong>do</strong>.<br />

É manifesta, contu<strong>do</strong>, a concepção dinâmica sobre esse <strong>de</strong>senvolvimento<br />

tanto no perío<strong>do</strong> revolucionário quanto naquele <strong>de</strong> Ciência normal. A esse respeito,<br />

encontramos em Vi<strong>de</strong>ira (2007, p.170) <strong>um</strong>a boa compreensão <strong>de</strong> como o progresso<br />

científico se faz presente nos <strong>do</strong>is momentos:<br />

Advogamos aqui a tese <strong>de</strong> que <strong>um</strong>a das i<strong>de</strong>ias seminais <strong>de</strong> Kuhn, a saber,<br />

a incomensurabilida<strong>de</strong> entre as teorias, não implica <strong>um</strong>a concepção<br />

irracional da ciência. Ao contrário, ela é imprescindível para que a ciência<br />

possa evoluir <strong>de</strong> forma tão surpreen<strong>de</strong>nte. A rigor, o progresso científico só<br />

ocorre <strong>–</strong> da maneira que ele se dá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o advento da ciência mo<strong>de</strong>rna <strong>–</strong><br />

<strong>por</strong>que existe o fenômeno da fragmentação. Embora Kuhn tenha aponta<strong>do</strong><br />

na direção certa, precisamos livrar-nos <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as inconsistências e<br />

incongruências <strong>de</strong> seus arg<strong>um</strong>entos <strong>–</strong> a começar pela “re<strong>de</strong>finição” <strong>do</strong><br />

escopo <strong>de</strong> atuação da incomensurabilida<strong>de</strong>, na medida em que ele exprime<br />

mal a i<strong>de</strong>ia correta <strong>de</strong> “falta <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>” <strong>do</strong> conhecimento. Outrossim,<br />

<strong>de</strong>senvolvemos o arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que o <strong>paradigma</strong> é <strong>um</strong> conceito<br />

fundamental para compreen<strong>de</strong>r o progresso da ciência, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se<br />

resgate o seu senti<strong>do</strong> originário em <strong>de</strong>trimento da acepção corrente nos<br />

últimos trabalhos <strong>do</strong> próprio Kuhn. Em s<strong>um</strong>a, o nosso objetivo consiste em<br />

mostrar que o progresso científico ocorre segun<strong>do</strong> duas direções principais:<br />

<strong>por</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, o progresso como aprofundamento <strong>do</strong> conhecimento é<br />

assegura<strong>do</strong> pelo <strong>paradigma</strong> que, <strong>por</strong> sua vez, engendra <strong>um</strong>a pesquisa<br />

especializada; <strong>por</strong> outro, o progresso como ampliação <strong>do</strong> conhecimento é<br />

gera<strong>do</strong> pela incomensurabilida<strong>de</strong>, responsável pela proliferação <strong>de</strong> novas<br />

especialida<strong>de</strong>s.<br />

duas teorias funciona da mesma maneira em ambas; seus significa<strong>do</strong>s, quaisquer que sejam, são<br />

preserva<strong>do</strong>s, sua tradução é simplesmente homofônica’ (2003a. p. 50). Para Kuhn, a admissão da<br />

incomensurabilida<strong>de</strong> é mais mo<strong>de</strong>sta <strong>do</strong> que pensam os seus críticos. E essa visão mo<strong>de</strong>sta<br />

<strong>de</strong>termina a incomensurabilida<strong>de</strong> local, que trata somente da questão da incomensurabilida<strong>de</strong> entre<br />

as linguagens das teorias. Apesar <strong>de</strong> não existir <strong>um</strong>a tradução termo a termo, existem termos que<br />

mantêm sua significação em <strong>um</strong>a teoria e outra, <strong>de</strong> maneira a permitir alg<strong>um</strong> grau <strong>de</strong> comparação<br />

(TOSSATO, Clau<strong>de</strong>mir Roque. Incomensurabilida<strong>de</strong>, comparabilida<strong>de</strong> e objetivida<strong>de</strong>. In: Revista<br />

Scientiastudia, São Paulo, v. 10, n. 3, 2012, p.497).”


92<br />

Cabe enfatizar que a incomensurabilida<strong>de</strong>, resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> confronto <strong>de</strong> <strong>do</strong>is<br />

<strong>paradigma</strong>s, <strong>um</strong> <strong>do</strong>s quais construí<strong>do</strong> nos perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> revolução científica, funciona<br />

como <strong>um</strong> agente ativo fomenta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> progresso da Ciência, à medida que o <strong>novo</strong><br />

<strong>paradigma</strong> funciona como <strong>um</strong>a “catapulta” que promove o avanço <strong>do</strong> conhecimento<br />

sobre o mun<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> a Ciência em crise não mais aten<strong>de</strong> à resolução <strong>do</strong>s<br />

problemas vigentes.<br />

Acompanhan<strong>do</strong> Men<strong>do</strong>nça e Vi<strong>de</strong>ira, é preciso reconhecer em Kuhn outro<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> progresso, agora relaciona<strong>do</strong> com a noção <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>, e o trabalho<br />

altamente especializa<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> nos perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Ciência normal. 80<br />

Além <strong>de</strong> reconhecerem que o progresso está presente nessas fases,<br />

Men<strong>do</strong>nça e Vi<strong>de</strong>ira sustentam ainda que a proposta kuhniana, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à<br />

incomensurabilida<strong>de</strong>, nos levaria a concluir que a ciência não possui unida<strong>de</strong> e<br />

universalida<strong>de</strong>. 81<br />

É <strong>de</strong> observar-se que a concepção kuhniana <strong>de</strong> Ciência, embora criticável,<br />

representou, em seu tempo e nos perío<strong>do</strong>s que a suce<strong>de</strong>ram, <strong>um</strong> arcabouço rico<br />

não somente como fonte <strong>de</strong> pesquisa, mas como estímulo para questionar outras<br />

80<br />

Como afirmam Men<strong>do</strong>nça e Vi<strong>de</strong>ira: “ [...] dizen<strong>do</strong> que é justamente a especialização que garante a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> progresso científico acontecer <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> notório, não encontra<strong>do</strong> em outras áreas <strong>do</strong><br />

conhecimento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>. Para exprimir <strong>de</strong> forma mais precisa, a pesquisa especializada é o prérequisito<br />

indispensável para que possa haver aprofundamento no conhecimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s<br />

fatos da natureza. Para sustentar a tese supramencionada, Kuhn jamais pô<strong>de</strong> prescindir <strong>do</strong> conceito<br />

<strong>de</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>–</strong> embora ele tenha, ao longo <strong>do</strong> tempo, subtraí<strong>do</strong> a riqueza semântica que o termo<br />

<strong>de</strong>notava em sua formulação inicial, como mostraremos adiante. O <strong>paradigma</strong> é responsável pela<br />

instauração da pesquisa mais especializada, <strong>um</strong>a vez que restringe sobremaneira a quantida<strong>de</strong><br />

imensurável <strong>do</strong>s fatos encontra<strong>do</strong>s na natureza (cf. Kuhn, 1975, p. 35). Além <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar drástica e<br />

profundamente o âmbito <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a especialida<strong>de</strong>, o <strong>paradigma</strong> também estabelece o<br />

consenso acerca <strong>do</strong>s fundamentos que <strong>de</strong>vem nortear a prática <strong>de</strong> pesquisa. Quan<strong>do</strong> isso ocorre, os<br />

cientistas passam a trabalhar no interior <strong>de</strong> <strong>um</strong>a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ciência que Kuhn <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong><br />

normal. Modalida<strong>de</strong> essa duramente contestada (cf. Lakatos & Musgrave, 1970, especialmente os<br />

textos <strong>de</strong> Popper, Feyerabend e Watkins), mas não aban<strong>do</strong>nada <strong>por</strong> Kuhn. Acreditamos que a noção<br />

<strong>de</strong> ’ciência normal’, apesar <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> apresentada <strong>por</strong> Kuhn sempre <strong>de</strong> maneira bastante<br />

esquemática, po<strong>de</strong> elucidar como a pesquisa especializada produz resulta<strong>do</strong>s satisfatórios para o<br />

avanço <strong>do</strong> conhecimento científico (MENDONÇA, André Luis <strong>de</strong> Oliveira; VIDEIRA, Antônio Augusto<br />

Passos. Progresso científico e incomensurabilida<strong>de</strong> em Thomas Kuhn. In: Revista Scientiastudia,<br />

São Paulo, v. 5, n. 2, 2007, p. 170).”<br />

81<br />

“O ponto central a ser leva<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração é o fato <strong>de</strong> que a incomensurabilida<strong>de</strong> efetivamente<br />

ocorre. No entanto, diferentemente <strong>do</strong> que pensava Kuhn, as razões para a interrupção da interação<br />

entre comunida<strong>de</strong>s são <strong>de</strong> vários tipos. A rigor, a tese da incomensurabilida<strong>de</strong> indica que a ciência<br />

não possui o caráter <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> e universalida<strong>de</strong>, como pensava a filosofia da ciência tradicional.<br />

Mas <strong>de</strong>vemos fazer <strong>um</strong>a pon<strong>de</strong>ração a respeito da assertiva <strong>de</strong> que a ciência é local e fragmentada.<br />

Reconhecer que os estu<strong>do</strong>s historiográficos e sociológicos <strong>de</strong>monstram que a ciência não dispõe <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> méto<strong>do</strong> universalmente váli<strong>do</strong> não significa que ela estaria fadada ao insucesso. Muito pelo<br />

contrário, como o próprio Kuhn sublinhou, esta é justamente a razão precípua <strong>de</strong> seu êxito. O<br />

problema <strong>de</strong> Kuhn foi ter pensa<strong>do</strong> que a ciência não é unificada <strong>por</strong> conta das diversas comunida<strong>de</strong>s<br />

não partilharem <strong>um</strong>a linguagem com<strong>um</strong> (I<strong>de</strong>m, p. 179).”


93<br />

teorias a respeito da natureza e <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência. Assim, como faz<br />

Chassot, é preciso reconhecer, não obstante as críticas, o caráter pioneiro <strong>do</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> Kuhn (1996, p. 147):<br />

Kuhn, com pioneirismo, permitiu esse <strong>novo</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> olhar a Ciência, pois foi<br />

com a hipótese kuhniana <strong>de</strong>senvolvida em A Estrutura das Revoluções<br />

Científicas que apren<strong>de</strong>mos a ver o saber científico não como <strong>um</strong> processo<br />

linear <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s objetivas e <strong>de</strong> construção progressiva da<br />

socieda<strong>de</strong> em torno <strong>de</strong>ssa verda<strong>de</strong>. Kuhn <strong>de</strong>monstra como a Ciência se<br />

<strong>de</strong>senvolve diferentemente <strong>do</strong>s conceitos positivistas da ciência que<br />

<strong>do</strong>minavam o saber oci<strong>de</strong>ntal, assim como contra os conceitos dialéticos da<br />

ciência <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> socialista. Ele foi <strong>um</strong> iconoclasta impie<strong>do</strong>so <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

Ciência toda <strong>po<strong>de</strong>r</strong>osa e <strong>do</strong>na <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s insuperáveis e imutáveis.<br />

O perfil dinâmico <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> <strong>por</strong> Kuhn em sua teoria científica fez com<br />

que a sua obra A estrutura das revoluções científicas fosse revisitada<br />

constantemente <strong>por</strong> ele, obrigan<strong>do</strong>-o a remo<strong>de</strong>lar sua compreensão da Ciência,<br />

conforme po<strong>de</strong>mos notar no trecho <strong>do</strong> artigo <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “O que há <strong>de</strong> polêmico na<br />

i<strong>de</strong>ia kuhniana <strong>de</strong> incomensurabilida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> lavra <strong>de</strong> Gutierre. 82<br />

Esse excerto mostra <strong>de</strong> que maneira Kuhn procurou enfrentar <strong>um</strong>a das<br />

principais dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua proposta. Como se vê, o problema da<br />

incomensurabilida<strong>de</strong> foi <strong>um</strong>a das dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pelo autor. Não obstante<br />

as críticas recebidas e, claro, em virtu<strong>de</strong> justamente <strong>de</strong>las, Kuhn procurou mostrar<br />

que sua interpretação da Ciência não <strong>de</strong>veria ter como consequência a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tradução <strong>de</strong> termos e tampouco a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comunicação ou diálogo entre <strong>paradigma</strong>s diferentes. O trecho acima nos coloca<br />

justamente diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>do</strong>s reparos feitos <strong>por</strong> Kuhn, ten<strong>do</strong> em vista o melhor<br />

esclarecimento <strong>de</strong> sua filosofia da Ciência.<br />

82<br />

“Boa parte <strong>do</strong>s ataques iniciais <strong>de</strong>sferi<strong>do</strong>s contra o conceito <strong>de</strong> incomensurabilida<strong>de</strong> repousava<br />

sobre a crença <strong>de</strong> que ela, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma, impediria a comunicação entre diferentes comunida<strong>de</strong>s<br />

científicas e a comparabilida<strong>de</strong> das teorias. Entretanto, Kuhn alegou convincentemente que esta não<br />

era <strong>um</strong>a <strong>de</strong>scrição correta <strong>de</strong> suas intenções. De fato, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a publicação <strong>de</strong> A estrutura das<br />

revoluções científicas, ele reconhece que alguns canais <strong>de</strong> interlocução entre comunida<strong>de</strong>s científicas<br />

diferentes permanecem abertos à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tradução parcial, em particular, viabilizariam o<br />

diálogo entre estes grupos distintos. A partir <strong>do</strong>s anos oitenta, Kuhn vai mais longe e chega a afirmar<br />

que apenas <strong>um</strong>a pequena parcela <strong>do</strong>s termos utiliza<strong>do</strong>s <strong>por</strong> <strong>paradigma</strong>s opostos; experimenta<br />

mudanças em seu significa<strong>do</strong> e referência após <strong>um</strong>a revolução, dan<strong>do</strong> margem ao que chama <strong>de</strong><br />

"incomensurabilida<strong>de</strong> local". Nesta versão <strong>do</strong> conceito, os "termos que preservam seu significa<strong>do</strong><br />

após <strong>um</strong>a mudança teórica fornecem base suficiente para a discussão <strong>de</strong> diferenças e para as<br />

comparações relevantes na escolha <strong>de</strong> teorias". Da<strong>do</strong> que a maior parte <strong>do</strong>s termos que preservam<br />

seu significa<strong>do</strong> após <strong>um</strong>a revolução científica envolve apenas <strong>um</strong>a tradução "mecânica" ou<br />

"homofônica", estaria assegurada <strong>um</strong>a base com<strong>um</strong> sobre a qual o <strong>de</strong>bate interparadigmático <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia<br />

ser <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> (GUTIERRE, Jezio Hernani Bomfim. O que há <strong>de</strong> polêmico na i<strong>de</strong>ia kuhniana <strong>de</strong><br />

incomensurabilida<strong>de</strong>? In: Revista Principia, Brasil, v. 2, n. 1, p. 21-35, jun. 1998, p. 22).”


94<br />

As adversida<strong>de</strong>s geradas pelo pensamento kuhniano são fatores inegáveis,<br />

advin<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> A estrutura das revoluções científicas. Apesar das críticas<br />

recebidas, é im<strong>por</strong>tante ressaltar mais <strong>um</strong>a vez o caráter pioneiro e revolucionário <strong>do</strong><br />

pensamento <strong>do</strong> autor, visto que ele <strong>de</strong>sloca a discussão sobre a natureza da Ciência<br />

para <strong>um</strong> plano mais amplo, no qual o conceito <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> científica, <strong>de</strong> valores<br />

partilha<strong>do</strong>s <strong>por</strong> essa mesma comunida<strong>de</strong>, <strong>do</strong> papel vital que os compromissos<br />

teóricos, ontológicos, meto<strong>do</strong>lógicos, epistemológicos e técnicos <strong>de</strong>sempenham <strong>um</strong><br />

papel central e inova<strong>do</strong>r.<br />

Além disso, a ampliação <strong>do</strong> tratamento da<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>senvolvimento científico<br />

coloca-se em <strong>um</strong> contexto interdisciplinar, no qual os aspectos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social<br />

auxiliam a análise filosófica. 83 Assim, o fluxo normativo e <strong>do</strong>s valores <strong>de</strong>monstra que<br />

a ciência está estabelecida em <strong>um</strong>a atmosfera sociocultural (espaço). Esse ambiente<br />

espacial Kuhn <strong>de</strong>limitou para fundar e estruturar sua filosofia da Ciência. Im<strong>por</strong>tante<br />

<strong>de</strong>stacar que as consi<strong>de</strong>rações <strong>do</strong>s fatores sociológicos e psicológicos existentes<br />

refletem indireta ou diretamente na forma <strong>de</strong> captação <strong>do</strong> fenômeno manifesta<strong>do</strong> na<br />

compreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> pela lente da Ciência.<br />

83<br />

Como bem sinaliza Kropf, em seu artigo intitula<strong>do</strong> “Os Valores e a Prática Institucional da Ciência:<br />

as concepções <strong>de</strong> Robert Merton e Thomas Kuhn”: “Um primeiro ponto a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> na tentativa<br />

<strong>de</strong> traçar <strong>um</strong> diálogo entre as perspectivas teóricas <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is autores é a preocupação com<strong>um</strong> em<br />

discutir a influência <strong>do</strong>s contextos socioculturais na organização e no <strong>de</strong>senvolvimento da ciência.<br />

Essa foi <strong>um</strong>a questão que norteou os estu<strong>do</strong>s históricos que marcaram o início da produção<br />

intelectual tanto <strong>de</strong> Merton como <strong>de</strong> Kuhn. Em Science, technology and society in seventeenthcentury<br />

in England, seu primeiro trabalho <strong>de</strong> vulto, Merton <strong>de</strong>senvolve a tese <strong>de</strong> que os valores <strong>do</strong><br />

puritanismo e as necessida<strong>de</strong>s militares, econômicas e tecnológicas na Inglaterra <strong>do</strong> século XVII<br />

contribuíram <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>cisiva para a conformação <strong>de</strong> <strong>um</strong> terreno cultural particularmente fértil<br />

para o florescimento, a afirmação e a difusão da ativida<strong>de</strong> científica. Investigan<strong>do</strong> empiricamente a<br />

origem social da ciência mo<strong>de</strong>rna, esse estu<strong>do</strong> introduz a discussão acerca <strong>do</strong> processo pelo qual<br />

certas condições <strong>de</strong> <strong>um</strong>a dada estrutura social permitem a constituição da ciência como instituição<br />

específica e <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> na socieda<strong>de</strong>. Esse arg<strong>um</strong>ento serviria <strong>de</strong> base à posterior<br />

elaboração <strong>de</strong> Merton sobre o ethos da ciência”. Continua o mesmo autor (1999, p. 5): “Assim,<br />

compreen<strong>de</strong>-se que o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a norma ou valor está radica<strong>do</strong> no seu contexto <strong>de</strong> uso, a partir<br />

das funções que <strong>de</strong>sempenha nas ativida<strong>de</strong>s práticas <strong>do</strong>s indivíduos. Embora Kuhn afirme que é a<br />

autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> grupo que garante o reconhecimento <strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve ser legitimamente aceito como<br />

norma ou valor, tem-se que a própria prática concreta da ciência normal é o que fornece os contextos<br />

a partir <strong>do</strong>s quais os significa<strong>do</strong>s das normas e valores são construí<strong>do</strong>s, com base nessa autorida<strong>de</strong><br />

(KROPF, Simone Petraglia; LIMA, Nísia Trinda<strong>de</strong>. Os valores e a prática institucional da ciência: as<br />

concepções <strong>de</strong> Robert Merton e Thomas Kuhn. In: Revista História, Ciências, Saú<strong>de</strong>-Manguinhos.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 5 n. 3, nov. 1998/fev. 1999, p. 3).”


95<br />

O <strong>paradigma</strong> encampa o caráter dinâmico, à pro<strong>por</strong>ção que enfeixa em sua<br />

estrutura todas as realizações necessárias e essenciais a fim <strong>de</strong> explicar<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s fenômenos a <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> científica, em <strong>um</strong><br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>.<br />

Para isso, o dinamismo <strong>do</strong>s conceitos representa <strong>um</strong> vocabulário estiliza<strong>do</strong><br />

tão somente para estabelecer <strong>um</strong>a compreensão, <strong>um</strong>a explicação e <strong>um</strong>a<br />

comunicação da filosofia da Ciência na perspectiva kuhniana. Por outro la<strong>do</strong>, não<br />

menos im<strong>por</strong>tante é enfatizar que o <strong>paradigma</strong> está, em sua perspectiva, em <strong>um</strong><br />

constante aprofundamento ante a especialização imposta no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> Ciência<br />

normal.<br />

Ele, nesse perío<strong>do</strong>, não se dissua<strong>de</strong> das rupturas advindas nos perío<strong>do</strong>s<br />

revolucionários, à medida que a incomensurabilida<strong>de</strong> responsável <strong>por</strong> esses<br />

episódios somente registra <strong>um</strong>a nova base <strong>de</strong> conhecimento, ou seja, <strong>um</strong>a nova<br />

epistemológica teórica e prática rapidamente capturada <strong>por</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>.<br />

Isso <strong>de</strong>staca <strong>do</strong>is pontos fundamentais: o primeiro, com a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>novo</strong> conhecimento teórico e prático registra<strong>do</strong> pela ruptura <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>, e o<br />

segun<strong>do</strong>, com a manutenção da unida<strong>de</strong> da Ciência, à pro<strong>por</strong>ção que as rupturas<br />

não extingam o aspecto sociocultural <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência sob o frágil<br />

arg<strong>um</strong>ento da irracionalida<strong>de</strong>, dada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comparabilida<strong>de</strong> da<br />

significação.<br />

Por esses e outros arg<strong>um</strong>entos já menciona<strong>do</strong>s, a produtivida<strong>de</strong> científica<br />

obtida pela Ciência, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> à autorida<strong>de</strong> da comunida<strong>de</strong> científica que ela<br />

está sen<strong>do</strong> praticada, revela a dinâmica da Ciência kuhniana. O <strong>paradigma</strong><br />

representa o estatuto maior <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura organizacional da teoria da Ciência, e<br />

a incomensurabilida<strong>de</strong>, o ponto central que aponta na história a ruptura <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova<br />

or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> conhecimento, ambos envolvi<strong>do</strong>s <strong>por</strong> conceitos que “alinhavam” e<br />

sustentam o dinamismo da ciência na perspectiva kuhniana.<br />

O caráter dinâmico, progressivo e racional da Ciência firma-se como evi<strong>de</strong>nte: Kuhn<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> em sua teoria <strong>do</strong> conhecimento científico <strong>um</strong>a sistematização justificada<br />

para as rupturas revolucionárias, para a mudança <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>s e para toda a<br />

concepção forma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> seu pensamento para explicação <strong>de</strong> seu mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

filosofia da Ciência, ou melhor, <strong>de</strong> como a Ciência se <strong>de</strong>senvolve evolutivamente.


96<br />

Os critérios estabeleci<strong>do</strong>s representam <strong>um</strong> divisor <strong>de</strong> águas na forma <strong>de</strong><br />

explicar como a ciência se <strong>de</strong>senvolve, <strong>por</strong> nutrirem proprieda<strong>de</strong>s ímpares, as quais<br />

possibilitam ao exegeta das ciências <strong>do</strong> Direito notar perfeitamente a fissura que se<br />

abre entre as escolas e os mo<strong>de</strong>los que agasalham os respectivos perío<strong>do</strong>s da<br />

Justiça vivida pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas. Kuhn afirma que, <strong>por</strong> ser a ciência <strong>um</strong>a<br />

ativida<strong>de</strong> complexa, muitos pesquisa<strong>do</strong>res acabam <strong>por</strong> <strong>de</strong>la <strong>de</strong>sistir.<br />

É nesse contexto que, a partir <strong>de</strong> Kuhn, a explicação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

ciência recebeu outro movimento, marca<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a filosofia da ciência pautada em<br />

<strong>um</strong> vocabulário peculiar, além <strong>de</strong> toda <strong>um</strong>a estrutura dinâmica anteriormente não<br />

tratada.<br />

Os conceitos <strong>do</strong> pensa<strong>do</strong>r possibilitaram <strong>um</strong>a aproximação interpretativa e<br />

compreensiva equivocada <strong>de</strong> seu pensamento, <strong>por</strong> parte <strong>do</strong>s pensa<strong>do</strong>res críticos<br />

que se opuseram à sua forma <strong>de</strong> conceber o <strong>de</strong>senvolvimento da ciência, isso<br />

<strong>por</strong>que fora muitas vezes, como resvala<strong>do</strong>, mal interpreta<strong>do</strong> e compreendi<strong>do</strong>, dadas<br />

suas idiossincrasias. Tal como se confun<strong>de</strong>m a concepção entre Justiça em<br />

Aristóteles e a Justiça Positivista.<br />

Suas teorias são complexas e áridas, talvez seja <strong>por</strong> elas serem assim que<br />

Kuhn não fun<strong>do</strong>u <strong>um</strong>a escola <strong>de</strong> seu pensamento, dissuadin<strong>do</strong> potenciais a<strong>de</strong>ptos,<br />

sen<strong>do</strong> apenas <strong>um</strong> ícone com alguns segui<strong>do</strong>res, mas tornou-se <strong>um</strong>a peça rara <strong>de</strong><br />

valor inestimável para a História e a Filosofia da Ciência. Compreen<strong>de</strong>r como a<br />

Ciência se <strong>de</strong>senvolve é garantir <strong>um</strong>a cartografia clara, precisa e evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> como<br />

funciona a dinâmica <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Os conceitos <strong>de</strong>ram sustentação à explicação <strong>de</strong> como a Ciência se<br />

<strong>de</strong>senvolve em Thomas Kuhn. Esse contato conceitual contribuiu não somente para<br />

a compreensão <strong>de</strong> seu pensamento na explicação <strong>de</strong> seu mo<strong>de</strong>lo como também<br />

para a compreensão <strong>de</strong> como se <strong>de</strong>senvolve a Ciência em sua perspectiva. É <strong>um</strong><br />

mol<strong>de</strong> compatível e <strong>por</strong> isso útil da explicação da mudança <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo em tecnologia<br />

<strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> como <strong>um</strong> “meio” inova<strong>do</strong>r inseri<strong>do</strong> no ambiente <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong> Direito<br />

Processual.<br />

Sua expertise <strong>de</strong>linea toda a anatomia teórica e funcional da filosofia da<br />

Ciência kuhniana, dan<strong>do</strong> condições <strong>de</strong> visualizar os critérios e os procedimentos<br />

teóricos e práticos <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência que o tornou referencial, com sua<br />

forma peculiar <strong>de</strong> abordagem.


97<br />

Esse pensa<strong>do</strong>r reconhece a mutabilida<strong>de</strong> da Ciência <strong>por</strong> outro ângulo, rompe<br />

com a tradição linear c<strong>um</strong>ulativa <strong>de</strong> enxergar como a Ciência se <strong>de</strong>senvolve e fita<br />

com a visão evolutiva. Para isso, afasta-se da concepção <strong>de</strong> acréscimo na formação<br />

<strong>do</strong> conhecimento científico e das meras complementações e ass<strong>um</strong>e, sem titubear,<br />

a ruptura paradigmática com o advento da revolução da estrutura <strong>do</strong> conhecimento.<br />

Nessa perspectiva, o <strong>paradigma</strong> da mediação <strong>do</strong> Direito para a obtenção da<br />

Justiça <strong>por</strong> intermédio da Inteligência Artificial dispensa a concepção <strong>de</strong> acréscimo e<br />

funda possivelmente <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>novo</strong> em estratégia material conteudista, linguagem<br />

e sistemática funcional.<br />

Objetiva com essa Logicida<strong>de</strong> em tecnologia em <strong>inteligência</strong> não h<strong>um</strong>ana<br />

conduzir o Direito para a concretização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova Justiça, cujo i<strong>de</strong>ário é o <strong>de</strong><br />

garantir o interesse da justeza como categoria própria <strong>de</strong> seu fim, com isso<br />

superan<strong>do</strong> os insupera<strong>do</strong>s problemas da eficiência, da morosida<strong>de</strong> e da ausência <strong>de</strong><br />

previsibilida<strong>de</strong>, concatenan<strong>do</strong> a entrega <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça material cunhada nos<br />

mol<strong>de</strong>s da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O manuseio lastrea<strong>do</strong> no ensaio A estrutura das revoluções científicas, além<br />

<strong>de</strong> outras obras <strong>de</strong> Kuhn e artigos <strong>de</strong> seus comenta<strong>do</strong>res, referendaram o foco <strong>do</strong><br />

aspecto da ruptura e <strong>do</strong> dinamismo da Ciência, sem aban<strong>do</strong>nar o estatuto maior, o<br />

<strong>paradigma</strong>, <strong>por</strong> representar a norma regula<strong>do</strong>ra da comunida<strong>de</strong> científica.<br />

Na Ciência <strong>do</strong> Direito, o Esta<strong>do</strong>/Juiz é o media<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> contexto <strong>do</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça judiciária, <strong>paradigma</strong> esse exposto a <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> da<br />

tecnologização, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as novas técnicas jurídicas, suas condições históricas<br />

e os avanços <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> contem<strong>por</strong>ânea.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência em Kuhn é <strong>um</strong> evento marca<strong>do</strong> <strong>por</strong> etapas;<br />

assim o <strong>paradigma</strong> tem em sua estrutura <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> problemas e soluções<br />

mo<strong>de</strong>larmente estabeleci<strong>do</strong>s e é historicamente i<strong>de</strong>ntificável em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />

momento em que o conhecimento prático e teórico vigente se <strong>de</strong>monstra ineficaz<br />

para o atual contexto.<br />

Gera, assim, <strong>um</strong>a ruptura entre o passa<strong>do</strong> e o presente, entre a antiga or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> conhecimento e a nova, entre o <strong>paradigma</strong> antigo e o vigente. As novas bases <strong>–</strong><br />

teóricas, meto<strong>do</strong>lógicas e filosóficas <strong>–</strong> apontam para <strong>um</strong>a mudança epistemológica e<br />

fazem da ruptura entre <strong>paradigma</strong>s o reconhecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m cognitiva,<br />

engendrada no arcabouço <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo.


98<br />

Sob tal aspecto, a revolução científica registra o fenômeno da substituição da<br />

estrutura conhecimento <strong>por</strong> outro firma<strong>do</strong> em <strong>um</strong>a nova base, <strong>um</strong>a nova estrutura,<br />

posto que o conhecimento até então estabeleci<strong>do</strong> pelo antigo <strong>paradigma</strong> não aten<strong>de</strong><br />

mais aos problemas propostos. Gera<strong>do</strong>res da crise e, consequentemente, da<br />

ruptura, abre passagem para <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conhecimento, <strong>um</strong>a nova estrutura cognitiva.<br />

São as lógicas e os critérios da dinâmica da ciência em Kuhn que encampam<br />

o espírito <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência <strong>do</strong> Direito e da Justiça na pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

A ruptura advinda <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> revolucionário em Thomas Kuhn ante o<br />

advento <strong>do</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> firma a tese <strong>de</strong> que sua epistemologia é distinta <strong>de</strong><br />

outras, marcadas <strong>por</strong> outras escolas, tais como: a <strong>do</strong> positivismo lógico e a <strong>do</strong><br />

racionalismo crítico, <strong>por</strong>ém não trazidas à exposição.<br />

A base cognitiva kuhniana representa <strong>um</strong> conhecimento mo<strong>de</strong>lar germina<strong>do</strong><br />

nos valores fertiliza<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong> científica diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

resolver problemas não mais alcança<strong>do</strong>s pelo <strong>paradigma</strong> anterior, ante a ausência<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a resolução.<br />

No âmbito <strong>do</strong> Judiciário <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o advento <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 1939, a evocação <strong>do</strong><br />

“mantra” da busca <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Justiça eficiente e rápida assegurada<br />

constitucionalmente é vociferada diuturnamente, <strong>por</strong>ém <strong>de</strong> resolução concreta<br />

mínima, margean<strong>do</strong> a inexistência ou a existência formal.<br />

Assim, a ruptura cognitiva registrada na crise <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> kuhniano<br />

somente induz a pensar no surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conhecimento. Sem ruptura, a<br />

manutenção <strong>do</strong> conhecimento é atendida pelo <strong>paradigma</strong> vigente em toda sua<br />

dimensão, dada a elasticida<strong>de</strong> reticular <strong>de</strong>senvolvida no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> Ciência normal.<br />

Kuhn reinterpreta, reinventa, aliás, remo<strong>de</strong>la o modus operandi <strong>de</strong> como a<br />

Ciência se <strong>de</strong>senvolve. É <strong>um</strong>a perspectiva dinâmica diferente e até então não<br />

registrada na história da Ciência. A respeito, é possível conce<strong>de</strong>r ao autor <strong>um</strong><br />

estatuto distinto em sua forma <strong>de</strong> escrever e <strong>de</strong>screver a performance <strong>de</strong> sua<br />

filosofia da Ciência.<br />

Esse pensa<strong>do</strong>r revelou-se <strong>um</strong> empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>r da Ciência: os sujeitos reuni<strong>do</strong>s<br />

<strong>por</strong> interesses comuns em <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> científica <strong>de</strong>scobrem a<br />

ineficiência das razões e <strong>do</strong>s motivos teóricos e metódicos que fazem <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>um</strong>a estrutura ineficaz frente a <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong><br />

vista fenomênico, não que o mun<strong>do</strong> literalmente seja outro, entretanto exige <strong>um</strong>a


99<br />

outra estrutura <strong>de</strong> conhecimento “latu sensu” e “strictu sensu”, formal, material e<br />

prático.<br />

O surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conhecimento, ou melhor, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova estrutura<br />

cognitiva <strong>de</strong>monstra que a Ciência é <strong>um</strong> fenômeno projeta<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> futuro. A<br />

coletivida<strong>de</strong> científica reunida em <strong>um</strong>a prática com<strong>um</strong> e comungan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s valores<br />

parametriza<strong>do</strong>s nos <strong>limite</strong>s <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> aprimora a cognição <strong>de</strong>sse, nos <strong>limite</strong>s da<br />

especialização.<br />

A concepção kuhniana é <strong>um</strong> guia elucidativo da forma pela qual a Ciência se<br />

<strong>de</strong>senvolve, <strong>um</strong> registro da prática da pesquisa e <strong>do</strong>s valores estabeleci<strong>do</strong>s na<br />

matriz disciplinar em todas as suas etapas. A dinâmica proposta <strong>por</strong> Kuhn conforme<br />

<strong>de</strong>senvolvida na presente pesquisa torna possível conhecer como são captura<strong>do</strong>s os<br />

acontecimentos fenomênicos manifesta<strong>do</strong>s na natureza, além <strong>de</strong> recortar e <strong>de</strong>ixar<br />

evi<strong>de</strong>nte que a dinâmica <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo kuhniano é algo com<strong>um</strong> em todas as<br />

fases pela qual este pensa<strong>do</strong>r das ciências aparelhou seu ensaio <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento das ciências.<br />

Assim, o ensaio A estrutura das revoluções científicas representa <strong>um</strong> clássico<br />

ativo e interativo sob vários aspectos, que, <strong>de</strong>ntro da proposta estabelecida, revelouse<br />

suficiente para esclarecer e dimensionar o peso e a im<strong>por</strong>tância <strong>do</strong>s conceitos<br />

kuhnianos na explicação <strong>de</strong> sua filosofia da Ciência, contribuin<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisivamente<br />

para a pedagogia da compreensão e <strong>do</strong> entendimento <strong>do</strong> seu pensamento.<br />

Foi pontual e precisa a compreensão da ruptura como momento <strong>do</strong> progresso<br />

da Ciência, visto que a ruptura não faz com que a Ciência se divorcie <strong>do</strong> seu caráter<br />

racional e que a ruptura não fratura a unida<strong>de</strong> cultural da Ciência diante da<br />

manutenção da significação, tampouco faz da <strong>de</strong>la <strong>um</strong> acontecimento irracional que<br />

rompe <strong>por</strong> completo com a linha cognitiva da Ciência. Portanto, frisa-se que a<br />

ruptura é <strong>um</strong> conflito <strong>de</strong> conhecimentos, em suas bases, quanto à sua estrutura.<br />

Conhecimento ineficaz, “antigo <strong>paradigma</strong>” versus conhecimento eficaz, “<strong>novo</strong><br />

<strong>paradigma</strong>”, essa fadiga <strong>do</strong> conhecimento não torna possível admitir como não<br />

sen<strong>do</strong> <strong>um</strong> momento <strong>de</strong> progresso da Ciência em sua forma <strong>de</strong> conceber a evolução.


100<br />

Esse rompimento, pelo contrário, representa o surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

conhecimento, já que para <strong>um</strong>a nova base prática e teórica há <strong>de</strong> existir <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

<strong>paradigma</strong> que, <strong>por</strong> sua vez, goza <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong> horizontalizada e verticalizada, ou<br />

seja, a exploração <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> nos <strong>limite</strong>s da Ciência normal <strong>–</strong> além <strong>do</strong><br />

aprofundamento <strong>do</strong> conhecimento diante <strong>do</strong> exercício da especialização, em que a<br />

ruptura é sinônimo <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conhecimento.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a Ciência em Thomas Kuhn tem <strong>um</strong>a a<strong>de</strong>rência dinâmica<br />

diferente, em saltos, <strong>por</strong>que ela se faz a partir <strong>do</strong> futuro, rompe com a concepção<br />

superada <strong>de</strong> c<strong>um</strong>ulativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> conhecimento, manten<strong>do</strong>-se, como menciona<strong>do</strong>, em<br />

<strong>um</strong> âmbito <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong>, na medida em que o <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> quanto à forma singular<br />

<strong>de</strong> explicar <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência não fragmenta sua essência enquanto<br />

acervo (significação para a comparabilida<strong>de</strong>) <strong>de</strong> conhecimento abstraí<strong>do</strong> das<br />

revoluções científicas.<br />

Por isso, da cost<strong>um</strong>eira nostalgia recorrente nas discussões acadêmicas<br />

(mas..., não era assim que resolvia tal questão, <strong>por</strong>ém agora, mu<strong>do</strong>u! Esse instituto<br />

não mais resolve a questão <strong>por</strong> estes ou aqueles fatores! Que até o advento da lei<br />

“X” o tratamento era assim, mas não atendia às necessida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong>.<br />

O mun<strong>do</strong>, como se vê, é o mesmo, <strong>por</strong>ém a realida<strong>de</strong> histórica social é<br />

distinta, exigin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a nova base <strong>de</strong> conhecimento para atacar a resolução das<br />

questões indissolúveis pelo <strong>paradigma</strong> anterior, as vezes vigente, <strong>por</strong>ém ineficiente<br />

e ineficaz.<br />

O movimento da Ciência a partir <strong>de</strong> Thomas Kuhn tem como principais balizas<br />

o “<strong>paradigma</strong>” e a “incomensurabilida<strong>de</strong>”, os quais representam elementos ímpares<br />

ao mo<strong>de</strong>lo kuhniano <strong>de</strong> explicar o <strong>de</strong>senvolvimento da Ciência e, ao mesmo tempo,<br />

fundar <strong>um</strong> estilo próprio e <strong>um</strong>a dinâmica distinta na literatura da filosofia da Ciência.<br />

O ensaio kuhniano, embora tenha atraí<strong>do</strong> nas últimas cinco décadas os<br />

holofotes para as balizas recentemente mencionadas, tem na ruptura seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento positivo.<br />

O progresso da Ciência, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a epistemologia cultivada na resolução<br />

<strong>de</strong> problemas que irradiam toda a literatura da Ciência insculpida em A Estrutura das<br />

Revoluções Científicas, propõe seu dinamismo calca<strong>do</strong> no futuro, na evolução<br />

tributária da revolução, responsável <strong>por</strong> franquear a surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo.<br />

Por isso, é concebível como estrutura Lógica e enca<strong>de</strong>ada para aten<strong>de</strong>r aos<br />

propósitos afins na explicação da mutação <strong>do</strong> Direito e da Justiça no século XXI.


101<br />

Mais <strong>do</strong> que isso, em meio ao barroquismo que ainda pre<strong>do</strong>mina na forma <strong>de</strong><br />

tratar <strong>do</strong>s “assuntos” <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m jurídica, antes <strong>de</strong> sua superação <strong>por</strong> <strong>um</strong>a forma<br />

simplificada e objetiva em que a liqui<strong>de</strong>z “fluída” sobrepõe a soli<strong>de</strong>z da “tradição”, na<br />

dicção <strong>de</strong> Ba<strong>um</strong>an. Fica o “reca<strong>do</strong>” <strong>de</strong> Kuhn aos juristas <strong>do</strong> seu real escopo em<br />

participar <strong>do</strong> diálogo com as ciências jurídicas. Segun<strong>do</strong> Abrantes. 84<br />

84<br />

“No livro A estrutura das revoluções científicas, Kuhn coloca em questão os pressupostos<br />

fundamentais da tradição logicista, convencionalista e antipsicologista em Filosofia da Ciência. Ele<br />

rompe com essa tradição impon<strong>do</strong> a Filosofia <strong>um</strong> compromisso naturalista com ‘aquilo que os<br />

cientistas efetivamente fazem’: [...] nós <strong>de</strong>vemos explicar <strong>por</strong>que a Ciência progri<strong>de</strong>, como ela o faz, e<br />

nós <strong>de</strong>vemos em primeiro lugar <strong>de</strong>scobrir como, <strong>de</strong> fato, ela progri<strong>de</strong> (ABRANTES, Paulo (Org).<br />

Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1994, p. 196).”


102<br />

5 AS ESCOLAS DAS PSICOLOGIAS<br />

5.1 Estruturas psicológicas propostas para a explicação <strong>do</strong> funcionamento da mente<br />

h<strong>um</strong>ana<br />

A dificulda<strong>de</strong> que o homem enfrenta para compreen<strong>de</strong>r a si mesmo é o que o<br />

faz produzir a incompreensão <strong>de</strong> sua própria história, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se muitas vezes em<br />

seu próprio eu.<br />

Esse problema gera <strong>um</strong>a potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sertificada para o nada: a<br />

contradição e o conflito em sua psique são causas <strong>de</strong>sses problemas que conduzem<br />

à <strong>de</strong>cadência da razão h<strong>um</strong>ana e que implica no sistema <strong>de</strong>cisório media<strong>do</strong> pela<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana. Para Bobbio (1999, p. 56)<br />

Quan<strong>do</strong> se diz que o juiz <strong>de</strong>ve aplicar a Lei, diz-se, em outras palavras, que<br />

a ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> juiz está limitada pela Lei, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o conteú<strong>do</strong> da<br />

sentença <strong>de</strong>ve correspon<strong>de</strong>r ao conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a lei. Se essa<br />

correspondência não ocorre, a sentença <strong>do</strong> juiz po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>clarada inválida,<br />

tal como <strong>um</strong>a lei ordinária não-conforme à Constituição.<br />

Por isso, da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ciência que possa tentar explicar como<br />

funciona a mente h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong> indivíduo, as psicologias trataram <strong>de</strong> fundar escolas,<br />

cujo objetivo foi o <strong>de</strong> buscar respostas à compreensão <strong>do</strong> funcionamento da mente<br />

h<strong>um</strong>ana.<br />

Elas se dividiram em correntes, com i<strong>de</strong>ologias criadas a partir <strong>de</strong> seus<br />

pensa<strong>do</strong>res, no entanto, o que eles enfrentaram em com<strong>um</strong> foi a constatação <strong>de</strong><br />

certas complexida<strong>de</strong>s envolven<strong>do</strong> o homem como ser tem<strong>por</strong>al e o mun<strong>do</strong> em que<br />

ele existe.<br />

Nesse aspecto, a fisicalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ao mesmo tempo em que <strong>de</strong>monstra<br />

<strong>um</strong> certo equilíbrio em harmonia em si, reflete <strong>por</strong> outro la<strong>do</strong> a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a lei<br />

ainda <strong>por</strong> <strong>de</strong>svendar o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>. É, <strong>por</strong>tanto, prova im<strong>por</strong>tante para tornar<br />

evi<strong>de</strong>nte a existência <strong>do</strong> para<strong>do</strong>xo <strong>do</strong> tempo como <strong>um</strong> fenômeno constatável e <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> relevância para a espécie h<strong>um</strong>ana.


103<br />

É nesse tempo “lapso tem<strong>por</strong>al” que a estrutura corpórea e psicológica<br />

h<strong>um</strong>ana caminha em busca <strong>de</strong> se fazer a cada instante; é nesse fluxo <strong>de</strong> influxos<br />

que o conhecimento se constitui como capacida<strong>de</strong> cognitiva psicológica, <strong>por</strong>que<br />

habita <strong>um</strong>a mente que percebe e é percebida.<br />

Portanto, o homem como ser existencial se faz no tempo, <strong>por</strong>ém nunca se<br />

completa em sua totalida<strong>de</strong> como ser cognoscente, o que faz da psicologia <strong>um</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento científico cuja finalida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> dar respostas às funcionalida<strong>de</strong>s da<br />

menteh<strong>um</strong>ana.<br />

A literatura psicológica, na busca <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar seu objeto <strong>de</strong> pesquisa, essa se<br />

<strong>de</strong>finiu a partir da mente h<strong>um</strong>ana, esse é o foco. Para isso, a fragmentação foi<br />

proposital no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> gerar a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conceitos a partir das <strong>de</strong>limitações das<br />

partes convencionalmente <strong>de</strong>finidas pelos cientistas da mente.<br />

A partir <strong>de</strong> então, as escolas das psicologias e seus percursores passaram a<br />

estudar o homem e sua relação com o mun<strong>do</strong>, a partir <strong>de</strong> certa cartografia, ou<br />

melhor, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> mapa da mente, com o intuito <strong>de</strong> esclarecer o seu<br />

funcionamento.<br />

A categorização <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> em faculda<strong>de</strong>s foi subdividida em<br />

sensação, percepção, mente e memória como elementos <strong>do</strong> tribunal da razão em<br />

que habitam os níveis da consciência. O cérebro <strong>do</strong> homem então é tem<strong>por</strong>al,<br />

<strong>por</strong>que a consciência <strong>do</strong> homem faz-se no tempo no qual se abre a fenda que lhe<br />

possibilita conhecer o mun<strong>do</strong> e conhecer-se como ser existencial.<br />

A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer é mais <strong>do</strong> que isso, é energia, é ação que<br />

acontece a partir da concepção, são níveis, <strong>por</strong> isso, <strong>de</strong> sua vulnerabilida<strong>de</strong> diante<br />

<strong>do</strong>s inconstantes reflexos que ele sofre <strong>do</strong> meio que o constitui e <strong>do</strong> intuitivo meio<br />

que o circunda.<br />

Esse é o laborioso trabalho da psicologia pela busca <strong>de</strong> dar explicação não<br />

somente da complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> da mente h<strong>um</strong>ana, mas explicar sua relação<br />

com o mun<strong>do</strong> que o homem habita. A psicologia, embora seja <strong>um</strong>a ciência<br />

reconhecida há poucos séculos, remonta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a antiguida<strong>de</strong>, conforme ilustram<br />

Telford. 85 O estu<strong>do</strong> da psicologia ou das psicologias revela-se essencial para <strong>um</strong>a<br />

85<br />

“Antes <strong>do</strong> século XIX, a Psicologia era parte integrante da Filosofia, e a maioria das especulações<br />

sistemáticas relativas aos problemas psicológicos foi feita <strong>por</strong> filósofos. Os ensinamentos e escritos<br />

<strong>de</strong> Sócrates (470-399 a.C), Platão e Aristóteles haviam transferi<strong>do</strong> o foco <strong>do</strong> interesse da filosofia<br />

grega, da natureza <strong>do</strong> universo físico, para a natureza <strong>do</strong> homem. Essa transferência pôs em<br />

<strong>de</strong>staque inúmeros problemas psicológicos. / Entre outras observações, notou Platão <strong>do</strong>is princípios


104<br />

viagem r<strong>um</strong>o à compreensão da mente h<strong>um</strong>ana e <strong>de</strong> seus atributos. Exige <strong>do</strong><br />

homem mais <strong>do</strong> que conhecer, saber compreen<strong>de</strong>r e dar às funcionalida<strong>de</strong>s<br />

cognitivas suas reais funções.<br />

O indivíduo, como expressão limitada, ou seja, como “Ser”, como ente, que<br />

possui <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong>, faz-se representar a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> organismo complexo e<br />

completo no to<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua totalida<strong>de</strong>.<br />

É, todavia, apenas <strong>um</strong> elemento, <strong>um</strong>a parte <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema maior, <strong>um</strong><br />

passageiro sen<strong>do</strong> trans<strong>por</strong>ta<strong>do</strong> com outros da mesma espécie que se reserva em<br />

suas peculiarida<strong>de</strong>s; sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> psicológica o <strong>de</strong>fine e o faz singular, sen<strong>do</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>do</strong>s pontos centrais que envolvem sua espécie, seu <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong>, dadas suas<br />

peculiarida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> cérebro e das faculda<strong>de</strong>s mentais. Para Wilber (1979, p. 22),<br />

O ponto central <strong>de</strong>ssa discussão <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s eu/não-eu é que não existe<br />

apenas <strong>um</strong>, mas muitos níveis <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> disponíveis para <strong>um</strong> indivíduo.<br />

Esses níveis <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não são postula<strong>do</strong>s teóricos, mas realida<strong>de</strong>s<br />

observáveis <strong>–</strong> po<strong>de</strong>mos testá-las em nós <strong>por</strong> nós. Com relação a esses<br />

níveis diferentes, é como aquele fenômeno é conheci<strong>do</strong>, mas<br />

essencialmente misterioso, que chamamos <strong>de</strong> consciência como fosse <strong>um</strong><br />

espectro, <strong>um</strong>a coisa semelhante a <strong>um</strong> arco-íris composto <strong>de</strong> diversas faixas<br />

ou níveis <strong>de</strong> autoi<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

envolvi<strong>do</strong>s na memória: a associação <strong>por</strong> contiguida<strong>de</strong> e a associação <strong>por</strong> similarida<strong>de</strong>. Ele <strong>de</strong>u a<br />

enten<strong>de</strong>r que a proprieda<strong>de</strong> pessoal <strong>de</strong> alguém, <strong>um</strong>a lira ou <strong>um</strong>a peça <strong>de</strong> roupa, “forma aos olhos da<br />

mente” <strong>um</strong>a imagem <strong>do</strong> <strong>do</strong>no, <strong>por</strong>que o objeto e a pessoa foram repetidamente vistos juntos no<br />

passa<strong>do</strong>. Platão também <strong>de</strong>u a enten<strong>de</strong>r que a vista <strong>de</strong> <strong>um</strong> objeto ten<strong>de</strong> a evocar outro, <strong>por</strong>que as<br />

duas coisas são parecidas (Warren, 1921). E complementam os autores cita<strong>do</strong>s em longa, mas<br />

essencial citação (1973, p. 16-17): “N<strong>um</strong> exame <strong>do</strong>s conhecimentos <strong>do</strong> seu tempo, Aristóteles<br />

investigou tanto os fenômenos “mentais” quanto os físicos, e notou que os pensamentos se seguem<br />

uns aos outros com certa regularida<strong>de</strong>. En<strong>um</strong>erou a similarida<strong>de</strong>, o contraste e a contiguida<strong>de</strong> como<br />

os três tipos <strong>de</strong> relações que pro<strong>por</strong>cionam elos <strong>de</strong> ligação n<strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pensamentos. Disse<br />

Aristóteles que a mente recebe a impressão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a experiência exatamente como a cera recebe a<br />

marca <strong>de</strong> <strong>um</strong> anel coloca<strong>do</strong> sobre ela; a persistência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a impressão <strong>de</strong>ssa natureza constitui<br />

memória. A memória afigurava-se a Aristóteles como a posse <strong>de</strong> <strong>um</strong>a experiência potencialmente<br />

revivescível. As suas concepções da aprendizagem e da memória constituem <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> <strong>passo</strong> na<br />

direção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a explicação naturalística da vida mental <strong>–</strong> ele indicou claramente que as sequências<br />

<strong>de</strong> processos i<strong>de</strong>acionais (<strong>de</strong> pensamento) não são fortuitas, mas obe<strong>de</strong>cem a princípios discerníveis.<br />

Também acreditava que os mesmos princípios <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s presidiam tanto o pensamento intencional<br />

quanto o fluxo espontâneo <strong>de</strong> pensamentos (Warren, 1921; Boring, 1950). Para Telford e Sawrey<br />

(1973, p. 21). A psicologia é <strong>de</strong>finida em nossa contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong> como sen<strong>do</strong>: [..]ciência <strong>do</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> ou como ciência das experiências e ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s. O termo<br />

<strong>passo</strong>u <strong>por</strong> diversas <strong>de</strong>finições provisórias: tem si<strong>do</strong> sucessivamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como a ciência da<br />

mente, a ciência da ativida<strong>de</strong> mental, a ciência da consciência e a ciência da experiência consciente.<br />

Até certo ponto, essas mutáveis <strong>de</strong>finições refletem a natureza mutável <strong>do</strong>s interesses e<br />

preocupações <strong>do</strong>s que se tem <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> psicólogos (TELFORD, Charles Witt; SAWREY, James M.<br />

Psicologia: <strong>um</strong>a introdução aos princípios fundamentais <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento. 4. ed. São Paulo:<br />

Cultrix, 1973, p. 16).”


105<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a consciência é <strong>um</strong> espectro, é possível notarmos que a<br />

subdivisão em níveis, tais como o <strong>do</strong> ego, o da existência e o da mente, <strong>de</strong>ntre<br />

outros, correspon<strong>de</strong>m a <strong>um</strong>a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sensações e condições capazes <strong>de</strong><br />

influenciar na forma como o pensamento é formula<strong>do</strong> e exterioriza<strong>do</strong> com relação ao<br />

sujeito-objeto. O pensamento, <strong>por</strong>tanto, pres<strong>um</strong>e conhecer-se o que não parece ser<br />

<strong>um</strong>a ativida<strong>de</strong> simples e <strong>de</strong> fácil esclarecimento. 86<br />

Isso significa que existe algo a ser <strong>de</strong>scoberto, <strong>por</strong>tanto, comprova-se não<br />

somente que o homem ainda tem algo a <strong>de</strong>scobrir, como o tempo po<strong>de</strong> ser prova<strong>do</strong><br />

quanto à sua existência em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> algo <strong>por</strong> se <strong>de</strong>scobrir: o processo <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m cognitiva acontece na mente h<strong>um</strong>ana e sua relação com a exterior realida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

A psicologia, instr<strong>um</strong>ento científico investigativo da mente h<strong>um</strong>ana, busca<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua estrutura científica compreen<strong>de</strong>r e explicar como se dá o amplo<br />

funcionamento <strong>do</strong> processo psicológico e, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus níveis <strong>de</strong> compreensão,<br />

isso é objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> pelas escolas conten<strong>do</strong> seus tipos científicos <strong>de</strong><br />

psicologias <strong>de</strong>senvolvidas em busca <strong>de</strong> dar <strong>um</strong>a explicação compreensivamente<br />

clara e objetiva às questões existentes com<strong>por</strong>tamentais.<br />

Para essas escolas, o com<strong>por</strong>tamento <strong>do</strong> homem <strong>de</strong>ntro da linha <strong>do</strong> tempo<br />

registra <strong>um</strong> histórico que po<strong>de</strong> ser conheci<strong>do</strong>, compreendi<strong>do</strong> e explica<strong>do</strong><br />

satisfatoriamente.<br />

A relação <strong>de</strong> causa e efeito <strong>de</strong>signa que pensamento, sensação, percepção,<br />

sentimento, emoção e outros com<strong>por</strong>tamentos psicológicos po<strong>de</strong>m ser objeto <strong>de</strong><br />

estu<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> serem compreendi<strong>do</strong>s melhor, em especial pela ciência da<br />

psicologia e <strong>de</strong>mais ciências que ampliam esse interesse, <strong>de</strong>nominadas cognitivas.<br />

86<br />

Segun<strong>do</strong> Wilber: “Quan<strong>do</strong> o universo como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> procura conhecer-se, <strong>por</strong> intermédio da mente<br />

h<strong>um</strong>ana, alguns aspectos <strong>de</strong>sse universo hão <strong>de</strong> permanecer <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s. Com o <strong>de</strong>spertar <strong>do</strong><br />

conhecimento simbólico, parece ter surgi<strong>do</strong> <strong>um</strong>a cisão no universo entre o conhece<strong>do</strong>r e o conheci<strong>do</strong>,<br />

o pensa<strong>do</strong>r e o pensamento, o sujeito e o objeto; e nossa consciência mais íntima, conhece<strong>do</strong>ra e<br />

investiga<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> externo, finalmente escapa <strong>do</strong> próprio <strong>do</strong>mínio e continua como o<br />

<strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, o não <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> e o in<strong>do</strong>minável, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que sua mão po<strong>de</strong> agarrar <strong>um</strong><br />

cem número <strong>de</strong> objetos mas nunca <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á agarrar-se a si mesma, ou <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que seus<br />

olhos po<strong>de</strong>m ver o mun<strong>do</strong> mas nunca <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão ver-se a si próprios (WILBER, Ken. O espectro da<br />

consciência; tradução Octavio Men<strong>de</strong>s Caja<strong>do</strong>. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 26)”.


106<br />

Todavia, dada a complexida<strong>de</strong> da mente h<strong>um</strong>ana, as conclusões ainda se<br />

apresentam incertas, em que pese o esforço das escolas das psicologias e seus<br />

pensa<strong>do</strong>res. Isso acontece <strong>por</strong>que o com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> é probabilístico,<br />

<strong>por</strong>tanto, não <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>. Na atmosfera jurídica o risco da instabilida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> no<br />

campo da interpretação fruto da psique da espécie h<strong>um</strong>ana. 87<br />

O sistema <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> cerebral é enquadra<strong>do</strong> tipologicamente como sistema<br />

psicológico. Em representação, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como <strong>um</strong> sistema aberto,<br />

perceptivo e intuitivo, influenciável <strong>por</strong> to<strong>do</strong>s os fatores. Em <strong>um</strong>a concepção radical,<br />

até mesmo a certeza apresentada pela ciência da psicologia está afastada da<br />

concepção <strong>de</strong>terminista e aliançada com a probabilida<strong>de</strong> quanto às suas<br />

conclusões; é, <strong>por</strong>tanto, incerta.<br />

Sen<strong>do</strong> <strong>um</strong> sistema aberto, as ações h<strong>um</strong>anas são relações prováveis,<br />

complexas em que as variáveis visíveis e invisíveis projetam respostas a partir das<br />

relações existentes entre a vida h<strong>um</strong>ana, seu eu e mun<strong>do</strong> que o circunda.<br />

Compreen<strong>de</strong>r tais elementos tem como objetivo <strong>de</strong>scobrir, sistematizar,<br />

qualificar e quantificar essas relações com<strong>por</strong>tamentais, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a precisá-las, pois<br />

são úteis pelos seus fins, “a compreensão elementar”, <strong>por</strong>ém difíceis dada a enorme<br />

e complexa dimensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> on<strong>de</strong> todas as pessoas se encontram n<strong>um</strong>a relação<br />

<strong>de</strong> causa e efeito.<br />

No cotidiano, o homem <strong>de</strong>scobre que tu<strong>do</strong> que faz po<strong>de</strong> na maioria das vezes<br />

ocorrer em <strong>de</strong>corrência das influências externas ao seu eu, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a razão<br />

manipulável e <strong>de</strong> <strong>um</strong> inconsciente espontâneo flui<strong>do</strong> pelos anseios e <strong>de</strong>sejos que a<br />

vida realizada lhe pro<strong>por</strong>ciona, segun<strong>do</strong> Assagioli. 88<br />

87<br />

Segun<strong>do</strong> Ross: “Se o juiz se limitar a aplicar a lei aos claros casos referenciais, se manterá preso<br />

às palavras literais da lei, atitu<strong>de</strong> que possivelmente se liga à rejeição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a concebível restrição<br />

<strong>de</strong>la, para o que aplica <strong>por</strong> analogia outras normas jurídicas. Por outro la<strong>do</strong>, se o juiz <strong>de</strong>sejar tomar<br />

<strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão que se situa na zona duvi<strong>do</strong>sa <strong>de</strong> regra (interpretação especifica<strong>do</strong>ra), ou que,<br />

inclusive, é contrária ao significa<strong>do</strong> linguístico natural (interpretação restritiva ou <strong>por</strong> extensão),<br />

buscará apoio para o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>seja<strong>do</strong> on<strong>de</strong> quer que possa encontra-lo. Se o relatório da<br />

comissão <strong>do</strong>s redatores da lei pu<strong>de</strong>r lhe oferecer tal apoio, ele o citará; se não pu<strong>de</strong>r oferecê-lo, ele o<br />

ignorará (ROSS, Alf. Direito e <strong>justiça</strong>; tradução Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003, p. 182).”<br />

88<br />

“Notaria logo que o homem, não obstante o imponente grau <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio sobre a natureza, possui<br />

<strong>um</strong> controle muito limita<strong>do</strong> sobre o seu interior. Perceberia que esse mágico mo<strong>de</strong>rno, capaz <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scer ao fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> oceano e <strong>de</strong> projetá-lo até a lua, é, em larga medida, ignorante <strong>do</strong> que se passa<br />

nas profun<strong>de</strong>zas <strong>do</strong> próprio inconsciente e incapaz <strong>de</strong> se elevar aos l<strong>um</strong>inosos níveis da<br />

supraconsciência, tornan<strong>do</strong>-se cônscio <strong>de</strong> seu próprio self. Unificar-se-ia que esse pretenso semi<strong>de</strong>us<br />

que controla gran<strong>de</strong>s forças elétricas com o mover <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong><strong>do</strong> e inunda o ar <strong>de</strong> sons e imagens para<br />

divertimento <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> pessoas é incapaz <strong>de</strong> lidar com as próprias emoções, impulsos e <strong>de</strong>sejos<br />

(ASSAGIOLI, Roberto. O ato <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 7).”


107<br />

Esse fenômeno dá-se em <strong>de</strong>corrência da possibilida<strong>de</strong> quase permanente da<br />

manipulação <strong>do</strong> fluxo da consciência h<strong>um</strong>ana em <strong>de</strong>corrência da percepção intuitiva<br />

que é exposta em sua razão, que se vê constantemente envolvida <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong><br />

“artifícios tipográficos” naturais ou artificiais que comprometem o resulta<strong>do</strong> fim das<br />

ações <strong>do</strong>s indivíduos, como <strong>de</strong>fine H<strong>um</strong>phrey (1976, p. 38).<br />

Em primeiro lugar, a consciência é consi<strong>de</strong>rada fluida em seu movimento e<br />

livre <strong>de</strong> conceitos arbitrários <strong>de</strong> tempo pelos escritores que pertencem à<br />

geração que suce<strong>de</strong>u W. James e H. Bergson. “Fluida” não significa<br />

necessariamente em fluxo suave. Po<strong>de</strong>mos admitir que o fluxo da<br />

consciência é encontra<strong>do</strong> em níveis próximos ao esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> inconsciência,<br />

mas como os níveis da pré fala mais próximos da superfície são o tema da<br />

maior parte da ficção <strong>do</strong> fluxo da consciência, as condições e interferências<br />

ao fluxo vindas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora tornam-se <strong>um</strong> fator im<strong>por</strong>tante. Em s<strong>um</strong>a,<br />

o tempo “fluxo” não é inteiramente <strong>de</strong>scritivo. A noção <strong>de</strong> sintaxe <strong>de</strong>ve ser<br />

acrescentada a esse fluxo para indicar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser sustentada, <strong>de</strong><br />

ser capaz <strong>de</strong> absorver interferências <strong>de</strong>pois que o fluxo é<br />

momentaneamente rompi<strong>do</strong> e <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong> passar livremente <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

para outro nível da consciência.<br />

A relação entre memória, senti<strong>do</strong> e imaginação é estabelecida pelo processo<br />

associativo intuitivo muitas vezes sob o plano espontâneo <strong>do</strong> inconsciente, <strong>por</strong>tanto,<br />

manipulável ou controlável, como bem sintetiza Krishnamurti/David Bohm (1985, p.<br />

76).“Pensamento é o momento da memória, que é experiência e conhecimento<br />

armazena<strong>do</strong> no cérebro”.<br />

Disso se conclui que o pensamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, o fluxo da consciência, está<br />

canaliza<strong>do</strong> em duas vertentes que abastece o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> obter suas i<strong>de</strong>ias sobre o<br />

mun<strong>do</strong>. Sen<strong>do</strong> essa a sistemática operacional, o pensamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> está<br />

lastrea<strong>do</strong> na memória, como também na visão intuitiva que em si não é pensamento,<br />

todavia, participa ativamente na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões.<br />

A visão intuitiva é pura ação, que gera a incidência <strong>de</strong> modificação <strong>de</strong> forma<br />

atem<strong>por</strong>al. Esta característica da visão intuitiva é capaz <strong>de</strong> causar transformação<br />

mutativa no cérebro, o que revela a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alteração não somente <strong>de</strong><br />

posicionamento como na própria forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o mun<strong>do</strong> e as <strong>de</strong>cisões<br />

sobre ele. A razão no contexto seria <strong>um</strong> mito. 89 Tem-se <strong>um</strong>a constante instabilida<strong>de</strong><br />

89 Conforme esclarece Lévy, “É possível que não exista nenh<strong>um</strong>a faculda<strong>de</strong> particular <strong>do</strong> espírito<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong> que possamos i<strong>de</strong>ntificar como sen<strong>do</strong> a “razão”. Como alguns <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s conseguiram,<br />

apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>senvolver alguns raciocínios abstratos, po<strong>de</strong>mos sem dúvidas explicar este<br />

sucesso fazen<strong>do</strong> apelo a recursos <strong>cognitivo</strong>s exteriores ao sistema nervoso. Levar em conta as<br />

tecnologias intelectuais permite compreen<strong>de</strong>r como os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es da abstração e <strong>de</strong> raciocínio formal<br />

<strong>de</strong>senvolveram-se em nossa espécie. A razão não seria <strong>um</strong> atributo essencial e imutável da alma


108<br />

sobre as posições das coisas, na medida em que o homem é <strong>um</strong>a variável<br />

suscetível <strong>de</strong> ter como revolucionada sua posição psicológica sobre o entendimento,<br />

a compreensão e a <strong>de</strong>finição das coisas.<br />

O cérebro, órgão operacional motriz <strong>do</strong> indivíduo que <strong>de</strong>tém diversas<br />

ativida<strong>de</strong>s e a realizar <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s, possui <strong>um</strong>a função<br />

distante <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong>, como enfatiza Krishnamurti/David Bohm (1985, p. 80).<br />

“Existe <strong>um</strong>a função <strong>do</strong> cérebro que atua sem ter relação com seu conteú<strong>do</strong>? Sim,<br />

com o passa<strong>do</strong>, com o conteú<strong>do</strong> da consciência”.<br />

Tal fenômeno é <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como <strong>um</strong>a visão intuitiva que, <strong>por</strong> sua vez, surge<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> processo material <strong>do</strong> pensamento, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> cérebro, fazen<strong>do</strong> com que<br />

seu movimento e seu <strong>de</strong>stino sejam influencia<strong>do</strong>s, como bem <strong>de</strong>fine<br />

Krishnamurti/David Bohm (1985, p. 139). “Po<strong>de</strong>ríamos consi<strong>de</strong>rar que a visão<br />

intuitiva é <strong>um</strong> movimento muito mais amplo <strong>do</strong> que o processo material que ocorre<br />

no cérebro e, consequentemente, que o movimento mais amplo po<strong>de</strong> agir sobre o<br />

movimento mais restrito, mas o mais restrito não po<strong>de</strong> agir sobre o mais amplo”.<br />

Essa natureza sem causa da razão intuitiva, sem que haja <strong>um</strong>a<br />

preconcepção, <strong>por</strong>ém há <strong>um</strong>a percepção diante <strong>do</strong>s fenômenos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, reforça<br />

sua atem<strong>por</strong>alida<strong>de</strong>, conforme noticiada, além <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> elemento ou <strong>um</strong>a<br />

proprieda<strong>de</strong> que parafrasean<strong>do</strong> Krishnamurti/David Bohm “...altera<strong>do</strong> o padrão <strong>do</strong><br />

arg<strong>um</strong>ento, <strong>do</strong> pensamento, <strong>do</strong> raciocínio e outras faculda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> cérebro <strong>de</strong> forma<br />

energética e influente, é capaz <strong>de</strong> registrar <strong>um</strong> funcionamento diferente nas<br />

ativida<strong>de</strong>s cerebrais”. 90 A limitação estrutural psicologizada da mente h<strong>um</strong>ana <strong>por</strong><br />

h<strong>um</strong>ana, mas sim <strong>um</strong> efeito ecológico, que repousa sobre o uso <strong>de</strong> tecnologias intelectuais variáveis<br />

no espaço e historicamente datadas”. E complementa em trecho contínuo: “O que é racionalida<strong>de</strong>?<br />

Esta é, sem dúvida, <strong>um</strong>a pergunta que po<strong>de</strong> gerar muitas controvérsias. Concor<strong>de</strong>mos, <strong>por</strong> enquanto,<br />

com esta <strong>de</strong>finição mínima: <strong>um</strong>a pessoa racional <strong>de</strong>veria seguir as regras da lógica ordinária e não<br />

contradizer <strong>de</strong> forma <strong>por</strong> mais grosseira a teoria das probabilida<strong>de</strong>s nem os princípios elementares da<br />

estatística. Entretanto, <strong>um</strong> certo número <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas em psicologia cognitiva<br />

experimental a partir <strong>do</strong>s anos sessenta monstraram <strong>de</strong> forma convincente, que, quan<strong>do</strong> separa<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

seu meio ambiente sociotécnico pelos protocolos experimentais da psicologia cognitiva, o ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong><br />

não é racional [40, 58, 104] (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento<br />

na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 154).”<br />

90<br />

Neste aspecto é esclarece<strong>do</strong>r Koestler: “To<strong>do</strong> que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>cir es que se nuestra orientación y<br />

nuestras reacciones motoras y posturales <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n <strong>de</strong> los circuitos electricos <strong>de</strong>l cérebro el hecho <strong>de</strong><br />

vivir en un mun<strong>do</strong> inverti<strong>do</strong> <strong>de</strong>be entreñar muchas modificaciones en el diagrama <strong>de</strong> instalación. Las<br />

gafas <strong>de</strong> inversión son artefactos drásticos, pero la mayoría <strong>de</strong> nosotros vamos <strong>por</strong> la vida lleva<strong>do</strong><br />

unas lentes <strong>de</strong> contacto que no sentimos y que <strong>de</strong>forman nuestras percepciones <strong>de</strong> maneira mas<br />

sutiles. La psicoterapia antigua y mo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el chamanismo hasta las formas contem<strong>por</strong>âneas<br />

<strong>de</strong> las técnicas analíticas y abreacción, siempre se la basea<strong>do</strong> en variante <strong>de</strong>l processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>strucción y reconstrucción que Enst Kria, em mente psicoterapeuta, la llama<strong>do</strong> “regresión para el<br />

servicio <strong>de</strong>l ego” El neurótico con sus compulsiones, su fobia y sus elabora<strong>do</strong>s mecanismos <strong>de</strong>


109<br />

vezes interrompe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituir-se <strong>um</strong>a nova e bem melhor condição <strong>de</strong><br />

conhecimento para aten<strong>de</strong>r a <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong>. 91 A condição h<strong>um</strong>ana conhece<br />

que as falhas no processo <strong>de</strong> resgate <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s na memória são<br />

comuns, mesmo que assenta<strong>do</strong>s em conteú<strong>do</strong>s armazena<strong>do</strong>s. Isso se dá <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à<br />

estrutura <strong>do</strong> sistema <strong>cognitivo</strong> da espécie h<strong>um</strong>ana, a qual conduz a percepção a<br />

fazer pre<strong>do</strong>minar a atenção às informações e aos da<strong>do</strong>s da “razão” intuitiva <strong>de</strong> curto<br />

prazo, muitas vezes contradição às <strong>de</strong> longo prazo que se encontram na memória ou<br />

na estrutura esquemática.<br />

A instabilida<strong>de</strong> é fecundada pela incerteza no processo <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração das<br />

informações e <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s ao qual está submeti<strong>do</strong> o sistema <strong>cognitivo</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>. Isso<br />

po<strong>de</strong> colocá-lo em questionamento, <strong>um</strong>a vez que <strong>um</strong> conflito a envolve, a <strong>de</strong>scrença<br />

<strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a forma exclusiva gera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> conhecimento ou que possa gerar <strong>um</strong> tipo<br />

<strong>de</strong> conhecimento insubstituível. Para Azeve<strong>do</strong> (2006, p. 21):<br />

Assim, as concepções <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> e <strong>de</strong> representação entrelaçam-se com<br />

visões <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>do</strong> ser vivo. Se, <strong>por</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, pensamos a realida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fensa, es victima <strong>de</strong> una especialización rígida y mal adaptada, en Koala colga<strong>do</strong>, para toda la<br />

vida, <strong>de</strong> un poste <strong>de</strong> telegrafo”. E complementa o mesmo autor (1998, p. 166-167): “Toda revolución<br />

tiene un aspecto <strong>de</strong>strutivo y outro constructivo. La <strong>de</strong>strucción se opera echan<strong>do</strong> <strong>por</strong> la borda<br />

<strong>do</strong>ctrinas que antes parecia inexpugnables y axiomas aparentemente evi<strong>de</strong>ntes. El progresso en el<br />

arte implica una reapreación, igualmente <strong>do</strong>lorosa, <strong>de</strong> los valores, critérios <strong>de</strong> im<strong>por</strong>tância y marcos<br />

<strong>de</strong> percepción acepta<strong>do</strong>. He habla<strong>do</strong> <strong>de</strong> este tema con cierto <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong> un libro reciente (the art of<br />

creation) y no insistire en el. Lo que quiero <strong>de</strong>cir aqui es que la creación <strong>de</strong>una novedad en la<br />

evolución mental sigue el mismo esquema <strong>de</strong> reculer pour mieux sauter <strong>de</strong> una regresión tem<strong>por</strong>al<br />

segui<strong>do</strong> <strong>por</strong> un salto haria <strong>de</strong>lante, que hemos encontra<strong>do</strong> en la evolución biológica. Po<strong>de</strong>mos,<br />

continuar con la analogia e interpretar la reacción “aja”, o grito <strong>de</strong>! Eureka! como seña <strong>de</strong> haber<br />

escapa<strong>do</strong> felizmente <strong>de</strong> un callejón sin salida; un acto auto reparacción logra<strong>do</strong> <strong>por</strong> la <strong>de</strong>sdiferenciación<br />

<strong>de</strong> las estruturas cognoscentes hacia un estas más flexible, con la liberación<br />

conseguiente <strong>de</strong> potenciales creativos, equivalente, a la liberación potenciales genéticos <strong>de</strong><br />

crecimiento en los teji<strong>do</strong>s regenera<strong>do</strong>res (KOESTLER, Arthur. En busca <strong>de</strong>l absoluto.2 ed.<br />

Barcelona: Kairós, 1998, p. 165).”<br />

91<br />

Segun<strong>do</strong> Lévy, “Parece que apenas levamos em conta, nos nossos raciocínios, aquilo que se<br />

enquadra em nossos estereótipos e nos esquemas preestabeleci<strong>do</strong>s que usamos normalmente. Muito<br />

mais que o conteú<strong>do</strong> bruto <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, nosso h<strong>um</strong>or no momento e a maneira pela qual são<br />

apresenta<strong>do</strong>s os problemas <strong>de</strong>terminam as soluções que a<strong>do</strong>tamos. [...] Como explicar esta<br />

irracionalida<strong>de</strong> natural? Po<strong>de</strong>ríamos dar conta <strong>de</strong>la através da hipótese <strong>de</strong> “arquitetura” <strong>do</strong> sistema<br />

<strong>cognitivo</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> (<strong>por</strong> analogia com a arquitetura <strong>de</strong> computa<strong>do</strong>res). Nossa atenção consciente ou<br />

nossa memória <strong>de</strong> curto prazo <strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam processar apenas <strong>um</strong>a quantida<strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> informação a<br />

cada vez. Nosso sistema <strong>cognitivo</strong> ofereceria muito poucos recursos aos “processos controla<strong>do</strong>s”. Por<br />

outro la<strong>do</strong>, a memória <strong>de</strong> longo prazo dis<strong>por</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a enorme capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> armazemento e <strong>de</strong><br />

restituição pertinente <strong>do</strong>s conhecimentos. Nesta memória <strong>de</strong> longo prazo, a informação não se<br />

encontraria empilhada ao acaso, mas sim estruturada em re<strong>de</strong>s associativas e esquemas. Estes<br />

esquemas seriam como “fichas mentais” sobre as situações, os objetos e os conceitos que nos são<br />

úteis no cotidiano. Po<strong>de</strong>ríamos dizer que nossa visão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ou nosso mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>,<br />

encontram-se inscritos em nossa memória <strong>de</strong> longo prazo (LÉVY, Pierre. As tecnologias da<br />

<strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 155).”


110<br />

como externa ao indivíduo, esse indivíduo tem <strong>de</strong> ter aparelhos/aparatos<br />

<strong>cognitivo</strong>s para captá-la e, quanto mais precisos forem esses aparelhos,<br />

mais sucesso tem em sua apreensão <strong>de</strong>sse mun<strong>do</strong>, especialmente se tem<br />

êxito em manter sua emoção, sua história <strong>de</strong> vida, à distância.<br />

A irracionalida<strong>de</strong> da racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pensamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> diante <strong>de</strong> diversas<br />

situações e contextos registram na história da h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> acontecimentos<br />

enviesa<strong>do</strong>s e <strong>por</strong> vezes <strong>de</strong>sconexas que sinalizam mais para <strong>um</strong> in<strong>de</strong>terminismo <strong>do</strong><br />

que para <strong>um</strong> certo <strong>de</strong>terminismo.<br />

Na medida em que se avança na história, na superação ou na chegada <strong>de</strong><br />

outros níveis <strong>de</strong> escala se <strong>de</strong>nota a recondução <strong>de</strong> novas realida<strong>de</strong>s até então<br />

<strong>de</strong>sconhecidas. O homem remo<strong>de</strong>la seu pensamento e sua conduta, <strong>por</strong>que produz<br />

com suas competências e habilida<strong>de</strong>s <strong>novo</strong>s conhecimentos, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma<br />

diferente sobre a mesma realida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>tanto, cria e recria seu universo, que se <strong>de</strong>ixa<br />

influenciar no curso <strong>do</strong> para<strong>do</strong>xo <strong>do</strong> tempo.<br />

A volatilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pensamento é influenciada pela agenda <strong>do</strong> inconsciente,<br />

constantemente ativada pela visão intuitiva que influencia e redireciona o<br />

pensamento e as i<strong>de</strong>ias e as <strong>de</strong>mais faculda<strong>de</strong>s cerebrais n<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>mônio<br />

socrático com sua epistemologia especulativa.<br />

Essa influenciabilida<strong>de</strong> é da natureza da espécie h<strong>um</strong>ana e habita o cérebro<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, contribuin<strong>do</strong> assim para a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo da realida<strong>de</strong> que se<br />

ass<strong>um</strong>e como padrão, <strong>por</strong> vezes <strong>de</strong>forma<strong>do</strong> pela condição insuficiente da cognição<br />

h<strong>um</strong>ana e sua fácil influência, como ilustra Koestler. 92<br />

92<br />

“En realidad, el progresso <strong>de</strong> la ciencia esta assombra<strong>do</strong>, como una antigua múmia através <strong>de</strong>l<br />

<strong>de</strong>sierto, con los esqueletos blanquea<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> las teorias <strong>de</strong>sechadas que alguna vez parecieron tener<br />

vida eterna. La progresión <strong>de</strong>l arte implica reapreciaciones, igualmente angustiosas, <strong>de</strong> los valores<br />

acepta<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> los critérios <strong>de</strong> im<strong>por</strong>tância, <strong>de</strong> los marcos <strong>de</strong> la percepción. En los <strong>do</strong>s últimos siglos<br />

Europa ha presencia<strong>do</strong> el surgimiento y la caída clasismo <strong>de</strong> romantismo y <strong>de</strong>l Sturn und Drang; <strong>de</strong>l<br />

naturalismo, el surrealismo y el Dadai <strong>de</strong> la novela social, <strong>de</strong> la novela existencialista, <strong>de</strong>l nouveau<br />

roman. Los cambios han si<strong>do</strong> aun mas drásticos en la história <strong>de</strong> pintura. Pero este mismo curso<br />

zigzagueante caracteriza el progresso <strong>de</strong> la ciência, ya se trate <strong>de</strong> la historia <strong>de</strong> la medicina e <strong>de</strong> la<br />

psicologia o <strong>de</strong> lo câmbios fundamentales en física <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la concepción <strong>de</strong>l cosmos <strong>de</strong> Aristóteles y<br />

la <strong>de</strong> Newton e Einstein. El poeta, el pintor, el cientifico cada uno construye su próprio mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong>forma<strong>do</strong> <strong>de</strong> la realida<strong>de</strong>, selecionan<strong>do</strong> y ressaltan<strong>do</strong> aquellos aspectos <strong>de</strong> la experiência que<br />

consi<strong>de</strong>re significativa e ignoran<strong>do</strong> los que no consi<strong>de</strong>ra pertinentes (KOESTLER, Arthur. En busca<br />

<strong>de</strong>l absoluto.2 ed. Barcelona: Kairós, 1998, p. 75).”


111<br />

Isso se infere <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à quase impossível tarefa hércula h<strong>um</strong>ana em tentar<br />

unificar todas as diversas ciências que envolvem a natureza da vida. A limitada<br />

condição h<strong>um</strong>ana não opera em <strong>um</strong>a plataforma <strong>de</strong> sistema previamente or<strong>de</strong>na<strong>do</strong><br />

e sistematiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>terminável, visto que sua forma estrutural bioquímica<br />

e biofísica complexa.<br />

Consi<strong>de</strong>ra ser composta <strong>de</strong> partes quase que autônomas e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes,<br />

pauta-se em <strong>um</strong> <strong>de</strong>senvolvimento instável influencia<strong>do</strong> pelas variáveis externas e<br />

internas da própria essência <strong>de</strong> sua natureza. A instabilida<strong>de</strong> existente é radicada<br />

nos constantes estímulos e reflexos capta<strong>do</strong>s pelos senti<strong>do</strong>s sensoriais que<br />

vinculam a vida biológica h<strong>um</strong>ana.<br />

No campo das ações, as regras fixas <strong>de</strong>terminadas conduzem-nas<br />

hierarquicamente coor<strong>de</strong>nadas <strong>por</strong> estratégias e leis pre<strong>de</strong>finidas. Esse esquema<br />

metódico psicologiza<strong>do</strong>, se transposto para <strong>um</strong> esquema metódico <strong>cibernético</strong><br />

condiciona<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a estrutura <strong>de</strong> linguagem, não somente sobrepõe como aten<strong>de</strong> à<br />

função fim e representa <strong>um</strong> ponto relevante da proposta inova<strong>do</strong>ra da Tese.<br />

Deve-se consi<strong>de</strong>rar não somente o ponto em com<strong>um</strong> <strong>de</strong> que gozam essas<br />

formas <strong>de</strong> tecnologias em <strong>inteligência</strong> no que concerne ao processamento <strong>de</strong><br />

informações e da<strong>do</strong>s.<br />

Semelhante ruptura <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>s na estruturação <strong>do</strong>s “meios” ao<br />

armazenamento, gestão e <strong>de</strong>cisão apresenta-se como crível ao ambiente das<br />

ciências jurídicas na edificação <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema processual digital na nova Era <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça. 93 O afastamento da vocação individual pessoal <strong>do</strong> ator <strong>h<strong>um</strong>ano</strong><br />

93<br />

Recorta estilisticamente as duas estruturas Abrantes: “A “mo<strong>de</strong>lização” da cognição em<br />

arquiteturas tradicionais ou simbólicas segue o princípio <strong>de</strong> que o alfabeto primitivo e as relações<br />

mentais são funcionalmente relacionadas ao cérebro. Portanto, não há que inserir estrutura cerebral e<br />

alfabeto neural nesses mo<strong>de</strong>los. A plausibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo advém da explicação e da predição <strong>de</strong><br />

operações mentais. A lógica da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sinal e da dissociação <strong>de</strong> tipos resulta no aban<strong>do</strong>no<br />

total das Neurociências. O vocabulário parte <strong>de</strong> blocos mentais e <strong>de</strong> supostas relações entre eles<br />

normalmente <strong>de</strong>scritíveis através das relações da Lógica tradicional (primitivos, conectivos, leis, etc). /<br />

As razões pelas quais se usa a dissociação entre mente e cérebro, postulan<strong>do</strong> os blocos mentais e as<br />

suas relações, advêm <strong>do</strong> problema semântico, no tocante à estrita aceitação da noção <strong>de</strong><br />

representação intencional. Impasses quânticos e não lineares não têm papel como legitima<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong>sse enfoque. Trabalha-se sobre símbolos, e não sobre instâncias que os “implementam”, <strong>por</strong> ver-se<br />

no símbolo <strong>um</strong> bloco irredutível <strong>–</strong> <strong>por</strong>que intencional <strong>–</strong> aos predica<strong>do</strong>s <strong>do</strong> cérebro”. Por outro la<strong>do</strong>,<br />

segun<strong>do</strong> o mesmo autor (1994, p. 164-165): “Inteligência Artificial Conexionista (re<strong>de</strong>s neurais) <strong>–</strong><br />

N<strong>um</strong>a outra vertente <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>lização” <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> cognitiva, surgem as re<strong>de</strong>s neurais, arquiteturas<br />

conexionistas ou Processamento Distribuí<strong>do</strong> Parelelo. O objetivo <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo é: - criar<br />

arquiteturas que, embora sejam simuladas em arquiteturas tradicionais, sejam bastante diversas das<br />

anteriores; - arquiteturas que se assemelhem estruturalmente ao sistema nervoso central: unida<strong>de</strong>s<br />

conectadas <strong>por</strong> junções, como se fossem sinapses, e com valor <strong>de</strong> conexão variável: excitatório,<br />

inibitório, digital (tu<strong>do</strong> ou nada) ou analógico (gradações variadas e contínuas <strong>de</strong> relação); -<br />

subsetruturas tais como memória, processa<strong>do</strong>r, programa, etc, evanescem, dan<strong>do</strong> lugar: a <strong>um</strong>


112<br />

na relação social, no campo da ciência <strong>do</strong> Direito, representará <strong>um</strong>a via alternativa a<br />

essa ciência no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> possibilitar que a Justiça c<strong>um</strong>pra seu interesse nos<br />

mol<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ológicos arquiteta<strong>do</strong>s constitucionalmente. Nessa etapa, em que a<br />

questão <strong>de</strong> divergência tenha si<strong>do</strong> exaurida pelo consenso <strong>do</strong>s seus maiores<br />

conhece<strong>do</strong>res e responsáveis em aplicar os dispositos legais, julga Koestler (1998,<br />

p.187):<br />

Como hemos visto se rige <strong>por</strong> diversos cânones e diferentes niveles, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

la semântica, pasan<strong>do</strong> <strong>por</strong> la gramatica hasta llegar a la fonogia; pero en<br />

cada uno <strong>de</strong> esos niveles, la persona que habla tiene una ampla varieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> alternativas estratégicas; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la selección y el or<strong>de</strong>namento <strong>de</strong>l<br />

material que <strong>de</strong>sea transmitir, pasan<strong>do</strong> <strong>por</strong> la formulación <strong>de</strong> parafos y<br />

frases, la elección <strong>de</strong> metáforas y adjetivos, hasta la enunciación, es <strong>de</strong>cir,<br />

el enfases selectivo que se da a las vocales individuales. Po<strong>de</strong>mos aplicar<br />

consi<strong>de</strong>raciones similares a un pianista que improvisa sobre un tema. En<br />

este caso las reglas <strong>de</strong>l juego son un esquema metódico <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> pero<br />

el pianista tiene una cantidad casi infinita <strong>de</strong> alternativas para las frases, los<br />

ritmos, el tempo o la transposición a outra clave.<br />

A discricionarieda<strong>de</strong>, além das regras <strong>de</strong>finidas pelo jogo, gera sua<br />

instabilida<strong>de</strong> e <strong>por</strong> sua própria condição pre<strong>de</strong>fine as regras para serem aplicadas.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, em haven<strong>do</strong> regras e essas não sen<strong>do</strong> respeitadas, não há que se<br />

falar em regras, dada a falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição ante a ausente pre<strong>do</strong>minância <strong>de</strong><br />

parâmetros <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s, o que tem gera<strong>do</strong> insegurança e incerteza no sistema<br />

<strong>de</strong>cisório opera<strong>do</strong> pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

Portanto, a divergência existente dá-se na medida em que as regras <strong>do</strong> jogo<br />

são <strong>de</strong>finidas pelo código <strong>do</strong> jogo, todavia o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> jogo se lastreia na<br />

estratégia a<strong>do</strong>tada. A inconsistência na codificação é estratégica e dá-se <strong>por</strong>que a<br />

limitação cognitiva ou a liberda<strong>de</strong> discricionária existente estimulam o improviso e a<br />

adaptação circunstancial, entre outros, <strong>de</strong>sestabilizan<strong>do</strong> a relação <strong>do</strong> código com o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> código. 94 No contexto, se consi<strong>de</strong>rarmos to<strong>do</strong>s esses fatores e<br />

processamento que se assenta sobre a dinâmica; à memória, que resulta <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> conexão<br />

entre “neurônios”; ao “conhecimento” e à “<strong>de</strong>cisão” como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> perfil <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> estável<br />

alcança<strong>do</strong> após aprendiza<strong>do</strong> e treinamento; - criar arquiteturas que sejam capazes <strong>de</strong> fazer surgir<br />

“soluções” para problemas sobre os quais não se conhecem to<strong>do</strong>s os <strong>passo</strong>s <strong>de</strong> processamento<br />

(ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognição. Brasília: Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1994,<br />

p. 164).”<br />

94<br />

Ainda segun<strong>do</strong> Koestler: “A naturaleza <strong>de</strong>l código que regula a conduta varia, <strong>por</strong> cierto, segun la<br />

naturaleza y nível <strong>de</strong> la jerarquia en question. Alguns códigos son inatos, como el código genético e<br />

los códigos que gobiernam las ativida<strong>de</strong>s instintivas <strong>de</strong> los animales, otros son adquiri<strong>do</strong>s mediante el<br />

aprendizaje, como el código cinético <strong>de</strong> los circuitos <strong>de</strong> mi sistema nervioso que me permitem andar<br />

en bicicleta sin caerme, o el código <strong>de</strong> conocimiento que <strong>de</strong>fine las reglas <strong>de</strong>l ajedrez. / Parece que la


113<br />

condições que compõem a estrutura psicológica <strong>do</strong> indivíduo, a psicologia<br />

representa <strong>um</strong> autoconhecimento <strong>do</strong> eu ou ao menos <strong>um</strong>a tentativa sólida para tal<br />

fim.<br />

É da sua essência e no tatear <strong>do</strong>s seus instr<strong>um</strong>entos perceber e registrar o<br />

senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> homem na <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> si, no entanto, sua limitada condição o<br />

impossibilita <strong>de</strong> cruzar essa ponte e r<strong>um</strong>ar à conquista da totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> “eu” que em<br />

sua outra meta<strong>de</strong> se encontra na pen<strong>um</strong>bra.<br />

O homem toma <strong>de</strong>cisões em última instância unilateralmente irracionais sobre<br />

o manto da racionalida<strong>de</strong> intelectual e psicologizada fundada <strong>por</strong> si mesmo. A fim<br />

<strong>de</strong> apaziguar as inquietu<strong>de</strong>s sociais, é essencial que se tenha <strong>um</strong>a resposta, ainda<br />

que não seja a melhor. Que haja <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> palavra final sobre <strong>de</strong>terminada<br />

questão. 95 Disso se extrai que a pulsão <strong>do</strong> inconsciente sobre o consciente é <strong>um</strong>a<br />

condição a ser reconhecida, se consi<strong>de</strong>rarmos que a unilateralida<strong>de</strong> da consciência<br />

é suscetível <strong>de</strong> ser invadida pelo inconsciente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> das condições<br />

existentes <strong>do</strong> momento. Segun<strong>do</strong> Searle (1998, p. 33), em <strong>um</strong>a <strong>de</strong>finição clássica<br />

sobre a consciência, ela seria <strong>de</strong>finida reticularmente da seguinte forma:<br />

vida en todas sus manifestaciones, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la morfogenesis hasta el pensamiento simbólico, se rige<br />

<strong>por</strong> reglas <strong>de</strong>l juego que le confieren or<strong>de</strong>n e estabilida<strong>de</strong>, pero que tambien le permiten flexibilida<strong>de</strong>;<br />

y que essas reglas, sean innatas o adquiridas, están representadas en forma <strong>de</strong> codificación en los<br />

diversos niveles <strong>de</strong> la jerarquia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el código genético hasta la estructura <strong>de</strong>l sistema nervioso<br />

associa<strong>do</strong> con el lenguage y el pensamento (KOESTLER, Arthur. En busca <strong>de</strong>l absoluto.2 ed.<br />

Barcelona: Kairós, 1998, p. 194).”<br />

95<br />

Como esclarece Jung: “Julgamento é parcial e preconcebi<strong>do</strong>, <strong>por</strong>que escolhe <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong><br />

particular, à vista <strong>de</strong> todas as outras. O julgamento se baseia, <strong>por</strong> sua vez, na experiência, isto é,<br />

naquilo que já é conheci<strong>do</strong>. Via <strong>de</strong> regra, ele nunca se baseia no que é <strong>novo</strong>, no que é ainda<br />

<strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> e no que, sob certas circunstâncias <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia enriquecer consi<strong>de</strong>ravelmente o processo<br />

dirigi<strong>do</strong>. É evi<strong>de</strong>nte que não se po<strong>de</strong> basear, pela simples razão <strong>de</strong> que os conteú<strong>do</strong>s inconstantes<br />

estão excluí<strong>do</strong>s da consciência. / Por causa <strong>de</strong> tais atos <strong>de</strong> julgamento, o processo dirigi<strong>do</strong> se torna<br />

necessariamente unilateral, mesmo que o julgamento, racional pareça plurilateral e <strong>de</strong>spreconcebi<strong>do</strong>.<br />

Por fim, até a própria racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> julgamento é <strong>um</strong> preconceito da pior espécie <strong>por</strong>que<br />

chamamos <strong>de</strong> racional aquilo que nos parece racional. Aquilo, <strong>por</strong>tanto, que nos parece irracional<br />

está <strong>de</strong> antemão fada<strong>do</strong> à exclusão, justamente <strong>por</strong> causa <strong>de</strong> seu canto irracional, que po<strong>de</strong> ser<br />

realmente irracional, mas po<strong>de</strong> igualmente apenas parecer irracional, sem o ser em senti<strong>do</strong> mais alto<br />

(JUNG, C. G.; ROCHA. A natureza da psique; tradução Dom Mateus Ramalho. 8. ed. Petrópolis:<br />

Vozes, 2011, p. 15).”


114<br />

A consciência, assim conceituada, é <strong>um</strong> interruptor. Por esta acepção, <strong>um</strong><br />

sistema é consciente ou não, mas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> campo da consciência há<br />

esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> que variam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sonolência até a consciência<br />

taltalmente <strong>de</strong>sperta (full awareness). A consciência, assim <strong>de</strong>finida, é <strong>um</strong><br />

fenômeno interno qualitativo <strong>de</strong> primeira pessoa. Os seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s e<br />

animais superiores são evi<strong>de</strong>ntemente conscientes, mas não sabemos até<br />

on<strong>de</strong> a escala filogenética da consciência se esten<strong>de</strong>.<br />

E complementa o mesmo autor (1998, p. 35),<br />

Tais exemplos <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> nos fornecem os mo<strong>de</strong>los a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para<br />

compreen<strong>de</strong>r a relação entre meu atual esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> consciência e os<br />

processos neurobiológicos que o causam. Processos <strong>de</strong> nível inferior no<br />

cérebro causam meu atual esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> consciência, mas este esta<strong>do</strong> não é<br />

<strong>um</strong>a entida<strong>de</strong> separada <strong>do</strong> meu cérebro; ele é apenas <strong>um</strong>a proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

meu cérebro no momento atual. A propósito, a análise <strong>de</strong> que os processos<br />

cerebrais causam a consciência, mas que a consciência, propriamente dita,<br />

é <strong>um</strong>a “proprieda<strong>de</strong>” <strong>do</strong> cérebro, fornece <strong>um</strong>a solução ao tradicional<br />

problema mente-corpo.<br />

Em senti<strong>do</strong> diferente, embora não seja o cerne da pesquisa, <strong>por</strong>ém à guisa <strong>de</strong><br />

conhecimento, é a compreensão dada a respeito da consciência <strong>por</strong> Teixeira, 96 a<br />

colecionar o entendimento <strong>do</strong> Nobel Francis Crick.<br />

No processo <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> posições ou <strong>de</strong>cisões, a relação contraditória ou<br />

<strong>de</strong> oposição é que embasa a convicção da <strong>justiça</strong> ou da in<strong>justiça</strong>. Ao se consi<strong>de</strong>rar a<br />

unilateralida<strong>de</strong> como <strong>um</strong>a dispensa ou afastamento das <strong>de</strong>mais possibilida<strong>de</strong>s,<br />

96<br />

“Uma estratégia a<strong>do</strong>tada pelos neurobiólogos para investigar o problema da consciência foi dividi-lo<br />

n<strong>um</strong>a série <strong>de</strong> subproblemas específicos, antes <strong>de</strong> tentar <strong>de</strong>linear <strong>um</strong>a teoria geral. Dois <strong>de</strong>sses<br />

subproblemas vêm atrain<strong>do</strong> a atenção <strong>do</strong>s neurobiólogos: as bases neuronais que permitem <strong>um</strong>a<br />

diferenciação entre sono e vigília e a integração da informação cognitiva, principalmente na<br />

percepção (binding problem). A diferenciação entre o sono e vigília abre <strong>um</strong>a primeira <strong>por</strong>ta para<br />

sabermos o que significa estar consciente. O binding problem consiste em saber como o cérebro<br />

po<strong>de</strong> integrar diferentes modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação acerca <strong>de</strong> <strong>um</strong> objeto <strong>de</strong> forma a <strong>po<strong>de</strong>r</strong> percebêlo<br />

<strong>de</strong> forma unificada. Por exemplo, posso perceber <strong>um</strong> cão <strong>de</strong> diversas maneiras <strong>–</strong> diferentes<br />

perspectivas visuais. Existem várias raças <strong>de</strong> cães; uso <strong>de</strong> palavras “cão” para referir-me a esses<br />

objetos e uso também a palavra escrita “cão”. Contu<strong>do</strong>, meu cérebro é capaz <strong>de</strong> integrar todas estas<br />

modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação <strong>de</strong> maneira que invoco <strong>um</strong> único objeto quan<strong>do</strong> ouço a palavra “cão”.<br />

Esta unificação operada pelo meu cérebro é particularmente im<strong>por</strong>tante na medida em que a partir<br />

<strong>de</strong>la componho objetos fora <strong>de</strong> mim, o que é <strong>um</strong> primeiro <strong>passo</strong> para <strong>de</strong>finir-me como <strong>um</strong> ser<br />

consciente. / A investigação <strong>de</strong>stes <strong>do</strong>is subproblemas <strong>–</strong> a diferença entre sono e vigília e o binding<br />

problem <strong>–</strong> levaram a resulta<strong>do</strong>s surpreen<strong>de</strong>ntes. Francis Crick (1994), <strong>um</strong> cientista <strong>do</strong> California<br />

Institute of Tecnology, <strong>de</strong>scobriu <strong>um</strong>a correlação entre a ocorrência <strong>do</strong> binding e <strong>um</strong>a constância em<br />

certas oscilações <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> neurônios no córtex <strong>–</strong> <strong>um</strong>a oscilação que se situa sempre entre 35-40<br />

Mhz. Esta <strong>de</strong>scoberta (que lhe valeu o Prêmio Nobel) levou-o a escrever <strong>um</strong> livro, the Astonishing<br />

Hypothesis, que se tornou <strong>um</strong> best-seller <strong>de</strong> divulgação científica. O polêmico no livro <strong>de</strong> Crick é sua<br />

afirmação <strong>de</strong> que nossas alegrias e tristezas, nosso senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> talvez não<br />

sejam nada mais <strong>do</strong> que o com<strong>por</strong>tamento <strong>de</strong> <strong>um</strong> vasto conjunto <strong>de</strong> neurônios e suas reações<br />

químicas. (TEIXEIRA, João <strong>de</strong> Fernan<strong>de</strong>s. Mentes e máquinas: <strong>um</strong>a introdução à ciência cognitiva.<br />

Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 150).”


115<br />

somente a confrontação ética em tese <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia conduzir a <strong>um</strong>a interlocução, a <strong>um</strong><br />

campo <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong> com maior segurança.<br />

Por sua vez, isso dificilmente acontece, <strong>um</strong>a vez que a forma como o<br />

indivíduo não se conhece o impossibilita <strong>de</strong> realizar suas faculda<strong>de</strong>s cerebrais,<br />

aproveitan<strong>do</strong> as relações entre consciente e inconsciente. Por essas e outras<br />

razões, no diálogo aberto, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à hipossuficiência cognitiva coletiva para com o<br />

“eu”, e com o outro, as convicções pessoais se amoldam aos melhores i<strong>de</strong>ais, como<br />

esclarece Jung (2011, p. 35)<br />

É espantoso constatar a quão diminuta é a capacida<strong>de</strong> das pessoas em<br />

admitir a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong> arg<strong>um</strong>ento <strong>do</strong>s outros, embora esta capacida<strong>de</strong> seja<br />

<strong>um</strong>a das premissas fundamentais e indispensáveis <strong>de</strong> qualquer comunida<strong>de</strong><br />

h<strong>um</strong>ana. To<strong>do</strong>s os que têm em vista <strong>um</strong>a confrontação consigo próprio<br />

<strong>de</strong>vem contar sempre com esta dificulda<strong>de</strong> geral. Na medida em que o<br />

indivíduo não reconhece o valor <strong>do</strong> outro, nega o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> existir também<br />

ao “outro” que está em si, e vice-versa. A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogo interior é<br />

<strong>um</strong> critério básico da objetivida<strong>de</strong>.<br />

A constatação consolida-se quan<strong>do</strong> da convicção pessoal para o<br />

posicionamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre algo, a exemplo das <strong>de</strong>cisões judiciais operadas<br />

pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana. Nesse momento, a pessoalida<strong>de</strong> cega impossibilita que<br />

seja avalia<strong>do</strong> o que se aplica para si, não se aplica para o outro ou outros, dadas as<br />

peculiarida<strong>de</strong>s diferenciais existentes, mesmo quan<strong>do</strong> já existe <strong>um</strong> critério <strong>de</strong><br />

valida<strong>de</strong> já pré-<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>.<br />

É a dificulda<strong>de</strong> enorme, quase intransponível, enfrentada pelo Instituto <strong>do</strong>s<br />

Prece<strong>de</strong>ntes judiciais tributário da família da commom law barrada secularmente<br />

pela percepção individualista no trato <strong>do</strong>s interesses coletivos.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> não haver processos psíquicos isola<strong>do</strong>s e a percepção se<br />

estabelecen<strong>do</strong> sempre pela via <strong>do</strong> reflexo na interação <strong>do</strong>s processos, o contato<br />

com a realida<strong>de</strong> passa a ser <strong>um</strong>a incógnita. O risco <strong>de</strong> as i<strong>de</strong>ias serem dissimuladas<br />

ou <strong>de</strong>turpadas <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma é evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> pelo mesmo autor recentemente<br />

cita<strong>do</strong>. 97<br />

97<br />

“No <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s processos psicofísicos lógicos como o das percepções sensoriais, prevalece o<br />

puro mecanismo reflexo, <strong>por</strong>que a intuição experimental é manifestamente inofensiva, não se<br />

produzin<strong>do</strong> nenh<strong>um</strong>a assimilação, e, mesmo que se produza, é ínfima, e <strong>por</strong> isto a experiência não é<br />

seriamente perturbada. Diferente é o que se passa no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s processos psíquicos complexos,<br />

on<strong>de</strong> a disposição da experiência não conhece limitações das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>finidas e conhecidas.<br />

Aqui, on<strong>de</strong> estão ausentes as salvaguardas pro<strong>por</strong>cionadas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> fins<br />

específicos, emergem, em contrapartida, possibilida<strong>de</strong>s ilimitadas que, às vezes, dão origem, já


116<br />

As pessoas cultas e <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> especializada, quan<strong>do</strong> submetidas à<br />

experiência, po<strong>de</strong>m, graças à sua habilida<strong>de</strong> verbal e motora, fechar-se para o<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a palavra “estímulo” com brevíssimo tempo <strong>de</strong> reação, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a<br />

não serem afeta<strong>do</strong>s <strong>por</strong> eles.<br />

Sen<strong>do</strong> o complexo <strong>um</strong>a relação psíquica, é suscetível que exerça <strong>um</strong>a<br />

relação direta ou indireta sobre a consciência <strong>do</strong> homem, abrin<strong>do</strong> a psique on<strong>de</strong><br />

habita a energia suprema <strong>do</strong>s atos coletivos, cuja composição está marcada pela<br />

consciência e pelo inconsciente. É nesse campo pantanoso que o homem fecunda<br />

sua realida<strong>de</strong>, estabelece suas crenças e realiza suas ações.<br />

A mente h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>tanto, em <strong>um</strong>a comparação não orto<strong>do</strong>xa, é muito<br />

próxima <strong>de</strong> <strong>um</strong> labirinto, todavia se apresenta com maior dificulda<strong>de</strong> <strong>por</strong>que o<br />

caminho trilha<strong>do</strong> a cada momento está com <strong>um</strong> <strong>novo</strong> layout.<br />

Para isso, as escolas das psicologias e as ciências cognitivas buscam <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

forma ou <strong>de</strong> outra objetivar, categorizar e catalogar a mente h<strong>um</strong>ana, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

dada lógica e <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s critérios. 98<br />

Enfim, ainda reafirmamos que os estu<strong>do</strong>s e as observações sociais têm feito<br />

das ciências jurídicas <strong>um</strong>a observa<strong>do</strong>ra das <strong>de</strong>mais. A percepção <strong>de</strong> que todas as<br />

soluções as mazelas da Justiça têm coloca<strong>do</strong> o cientista <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong> volta ao<br />

laboratório da pesquisa é <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> nosso século XXI.<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, a <strong>um</strong>a situação <strong>de</strong> experiência que chamamos <strong>de</strong> constelação. Este termo exprime o<br />

fato <strong>de</strong> que a situação exterior <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ie <strong>um</strong> processo psíquico que consiste na aglutinação e na<br />

atualização <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s. A expressão “está concentra<strong>do</strong>” indica que o indivíduo<br />

a<strong>do</strong>tou <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> preparatória e <strong>de</strong> expectativa, com base na qual reagirá <strong>de</strong> forma inteiramente<br />

<strong>de</strong>finida. A constelação é <strong>um</strong> processo automático que ninguém po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ter <strong>por</strong> própria vonta<strong>de</strong>.<br />

Esses conteú<strong>do</strong>s constela<strong>do</strong>s são <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s complexos que possuem energia específica própria.<br />

Quan<strong>do</strong> a experiência em questão é a <strong>de</strong> associações, os complexos em geral influenciam seu curso<br />

em alto grau, provocan<strong>do</strong> reações perturbadas, ou provocam, para dissimulá-las, <strong>um</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />

mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> reação que se po<strong>de</strong> notar, todavia, pelo fato <strong>de</strong> não mais correspon<strong>de</strong>rem ao senti<strong>do</strong> da<br />

palavra estímulo (JUNG, C. G.; ROCHA. A natureza da psique; tradução Dom Mateus Ramalho. 8.<br />

ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 41).”<br />

98<br />

Para Borkowski: “A psicologia experimental abrange to<strong>do</strong> o saber consegui<strong>do</strong> através da aplicação<br />

apropriada <strong>de</strong> observações controladas <strong>de</strong> fenômeno <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento. O que equivale a dizer que<br />

a psicologia experimental é <strong>um</strong>a coleção <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s, processos e instr<strong>um</strong>entos que os psicologistas<br />

empregam em condições controladas, acresci<strong>do</strong>s das informações coletadas mediante a aplicação<br />

das mencionadas táticas. As informações coligidas <strong>por</strong> psicologistas experimentais <strong>de</strong>stinam-se,<br />

tipicamente, a patrocinar nossa compreensão <strong>do</strong>s componentes <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento, a saber, os<br />

componentes <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, da motivação social, perceptivos, fisiológicos e anormais, para<br />

citarmos apenas <strong>um</strong>as poucas áreas <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> da disciplina (BORKOWSKI, John G.; ANDERSON,<br />

Chris D. Psicologia experimental: táticas <strong>de</strong> pesquisa <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento; tradução Octavio Men<strong>de</strong>s<br />

Caja<strong>do</strong>. São Paulo, Cultrix, 1977, p. 5).”


117<br />

É <strong>um</strong>a posição que se propõe resgatar, nos velhos e bons clássicos, as<br />

“dicas” <strong>de</strong> que novas habilida<strong>de</strong>s e competências <strong>de</strong>vem inevitavelmente sugir a<br />

partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a lógica indutiva faceada em <strong>novo</strong>s conhecimentos.<br />

As psicologias e as ciências cognitivas não somente jogam luz e apontam as<br />

<strong>por</strong>osida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s problemas antigos e recorrentes <strong>do</strong> Direito e da Justiça mas, ao<br />

contrário, <strong>de</strong>monstram que a tecnologia da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana para transcen<strong>de</strong>r as<br />

velhas discussões precisará aliançar-se com <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> singular em tecnologia<br />

cognitiva. 99<br />

Em s<strong>um</strong>a, <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> fazer as mesmas coisas com “meios” quantitativa e<br />

qualitativamente superiores a partir <strong>do</strong>s mesmos critérios, ou então negá-los, terá<br />

<strong>por</strong> certo o “caos”. Pois, a estabilização da coletivida<strong>de</strong> singular se revela vital para a<br />

Justiça, para isso, o meio eleito <strong>de</strong>ve pro<strong>por</strong>cionar o fim objetiva<strong>do</strong>.<br />

99<br />

Para Canetti: “As tentativas <strong>de</strong> se chegar ao âmago das nações pa<strong>de</strong>ceram em sua maioria <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

erro fundamental. Buscaram-se <strong>de</strong>finições <strong>do</strong> nacional em si, <strong>um</strong>a nação é isso ou aquilo, dizia-se.<br />

Vivia-se na crença <strong>de</strong> que o im<strong>por</strong>tante seria encontrar a <strong>de</strong>finição certa. Uma vez encontrada, ela se<br />

<strong>de</strong>ixaria aplicar uniformemente a todas as nações. Tornava-se a língua ou o território, a literatura<br />

escrita, a história, o governo, o assim chama<strong>do</strong> sentimento nacional, mas, invariavelmente, as<br />

exceções revelaram-se mais im<strong>por</strong>tantes <strong>do</strong> que a regra. Sempre se <strong>de</strong>scobria que se havia<br />

ampanha<strong>do</strong> algo vivo na calda solta <strong>de</strong> <strong>um</strong> manto casual; este, <strong>por</strong>ém, <strong>de</strong>svencilhava-se com<br />

facilida<strong>de</strong>, e ficava-se <strong>de</strong> mãos vazias. / Paralelamente a esse méto<strong>do</strong> objetivo, havia <strong>um</strong> outro,<br />

ingênuo, que se interessava apenas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a única nação <strong>–</strong> a sua própria - , todas as <strong>de</strong>mais sen<strong>do</strong>lhe<br />

diferentes. Tal méto<strong>do</strong> consistia em <strong>um</strong>a inabalável reinvidicação <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong>, a apartir <strong>de</strong><br />

visões proféticas acerca da própria gran<strong>de</strong>za, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mescla singular <strong>de</strong> pretensões morais e<br />

animais. Não se creia, contu<strong>do</strong>, que essas i<strong>de</strong>ologias nacionais efetivamente possuem todas o<br />

mesmo aspecto. O que as iguala é tão-só seu apetite e reinvidicação ino<strong>por</strong>tunas. Elas querem,<br />

talvez, a mesma coisa, mas não são a mesma coisa. Querem engran<strong>de</strong>cer-se, e embasam esse<br />

engran<strong>de</strong>cimento na multiplicação. Aparentemente, a terra inteira foi prometida a cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>las, e<br />

acabara pertencen<strong>do</strong> naturalmente a cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>las. Todas as <strong>de</strong>mais, ao ouvi-lo, sentem-se<br />

ameaçadas e, em seu me<strong>do</strong>, vêem apenas a ameaça. Assim sen<strong>do</strong>, não se nota que o conteú<strong>do</strong><br />

concreto, que as verda<strong>de</strong>iras i<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong>ssas pretensões nacionais são bastante diversas.<br />

Necessário é dar-se ao trabalho <strong>de</strong> <strong>–</strong> sem compartilhar <strong>de</strong> sua cobiça <strong>–</strong> <strong>de</strong>terminar o que é singular<br />

em cada nação (CANETTI, Elias. Massa e <strong>po<strong>de</strong>r</strong>; tradução Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 1995, p. 167).”


118<br />

6 O SISTEMA COGNITIVO DE DECIDIBILIDADE<br />

6.1 Aspectos relevantes a respeito <strong>do</strong> sistema <strong>cognitivo</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e as influências a<br />

respeito <strong>de</strong> sua percepção no ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir<br />

O conhecimento é <strong>um</strong> to<strong>do</strong> e não apenas parte, <strong>por</strong>ém, em <strong>um</strong> da<strong>do</strong><br />

momento <strong>de</strong> sua história, o homem optou <strong>por</strong> fragmentá-lo, fazen<strong>do</strong> da parte <strong>um</strong><br />

to<strong>do</strong>, como méto<strong>do</strong> para facilitar o processo pedagógico <strong>de</strong> ensino e <strong>do</strong> aprendiza<strong>do</strong><br />

e, com isso, dar a si maior acessibilida<strong>de</strong> ao conhecimento que enten<strong>de</strong>u necessário<br />

a seu projeto existencial <strong>de</strong> vida: pessoal, social e profissional.<br />

Nesse momento <strong>de</strong> observação <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>, o homem tinha registra<strong>do</strong><br />

<strong>um</strong>a forma singular <strong>de</strong> sua relação com o conhecimento, ou seja, com a<br />

fragmentação, revelou seu interesse <strong>por</strong> alguns tipos <strong>de</strong> ciências em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong><br />

outros e, com <strong>um</strong>a maior ênfase, o interesse <strong>do</strong> conhecimento pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pela<br />

exclusivida<strong>de</strong> e sua especialização. Com a particularização, tratou <strong>de</strong> excluir<br />

alg<strong>um</strong>as das ciências cognitivas, as quais enten<strong>de</strong>u não serem relevantes para seu<br />

mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecer para o saber.<br />

Tal posição <strong>de</strong> afastamento, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> o caráter enciclopédico das<br />

ciências, encarregou-se <strong>de</strong> enfraquecer o próprio homem. A fragmentação e a<br />

exigência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a especialização o vêm conduzin<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a limitação <strong>do</strong> saber, a<br />

ponto <strong>de</strong> fazer <strong>do</strong> conhecimento o res<strong>um</strong>o <strong>de</strong> <strong>um</strong>a única fonte <strong>de</strong>ssa espécie, <strong>um</strong><br />

ato volitivo <strong>de</strong> seu interesse.<br />

Com essa posição, esse homem tornou-se especialista e ao mesmo tempo<br />

frágil, ao transformar-se em <strong>um</strong> sabe<strong>do</strong>r <strong>de</strong> parte <strong>do</strong> conhecimento, face à imensidão<br />

<strong>de</strong> conhecimentos que o circundam em seu cotidiano, <strong>do</strong>s mais simples aos mais<br />

complexos e que se multiplicaram vertiginosamente nas últimas décadas. Isso seria<br />

<strong>um</strong> germe a comprometer seu próprio futuro diante da dimensão e da complexida<strong>de</strong><br />

que a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> vem exigin<strong>do</strong>-lhe e, <strong>por</strong> consequência, venha a exigir-lhe.<br />

A tônica social profissionalizante encarregou-se <strong>de</strong> criar <strong>um</strong>a geração <strong>de</strong><br />

especialistas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século passa<strong>do</strong>. O resulta<strong>do</strong> foi a fecundação e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consciência cada vez mais limitada. Isso, quan<strong>do</strong> a<br />

insuficiência cognitiva já era <strong>um</strong>a condição existente, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à estrutura biofísica <strong>do</strong>


119<br />

homem pro<strong>por</strong>cionada <strong>por</strong> <strong>um</strong> organismo biológico, que se agravou ainda mais.<br />

Essas condições colocam tal estrutura em tecnologia <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> em rota <strong>de</strong><br />

substitubilida<strong>de</strong>. 100 Semelhante posição, responsável <strong>por</strong> sua formação intelectual,<br />

marcou <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> da vida <strong>de</strong>sse indivíduo e contribuiu para seu<br />

enfraquecimento <strong>cognitivo</strong>, como já alar<strong>de</strong>a<strong>do</strong>, o que o levou facilmente a aceitar <strong>um</strong><br />

processo regulamenta<strong>do</strong>r imposto pela socieda<strong>de</strong> e pelas <strong>de</strong>mais forças visíveis e<br />

invisíveis que o coor<strong>de</strong>nam e o manipulam cotidianamente, corroboran<strong>do</strong> para sua<br />

<strong>do</strong>minação, atualmente <strong>de</strong>nominada Esta<strong>do</strong>.<br />

A falta <strong>de</strong> condições para emancipá-lo, pro<strong>por</strong>cionada pelo sistema<br />

educacional, social e político <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, força-o a buscar outros meios e mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

compensar os déficits na formação intelectual, para, assim, <strong>po<strong>de</strong>r</strong> dar <strong>um</strong> melhor<br />

senti<strong>do</strong> à realida<strong>de</strong> existente e às novas que se constituem em seu dia a dia.<br />

Todavia, isso não ocorre, a ilusão <strong>de</strong> atingir essas compensações se veem<br />

cada vez mais distantes <strong>de</strong> <strong>um</strong>a concretização efetivamente material, <strong>um</strong>a vez que o<br />

contexto da vida (problemas sociais, educacionais, políticos e financeiros) somente<br />

afirma e confirma as condições <strong>de</strong> sua rendição junto à socieda<strong>de</strong> a que pertence e<br />

que se encontra em acelerada mutabilida<strong>de</strong>.<br />

Novas formas forjadas em <strong>um</strong> conceito <strong>de</strong> vida diferente, que o conduz ao<br />

isolamento <strong>de</strong> comunicar-se cada vez mais consigo mesmo e, com relação a<br />

terceiros, <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> comunicação digital com baixíssima<br />

pessoalida<strong>de</strong>. Descartam <strong>de</strong> certa maneira, com a tecnologia da oralida<strong>de</strong> e da<br />

escrita.<br />

100<br />

Para Lévy: “Não é a primeira vez que a aparição <strong>de</strong> novas tecnologias intelectuais é acompanhada<br />

<strong>por</strong> <strong>um</strong>a modificação das normas <strong>do</strong> saber. Na segunda parte <strong>de</strong>ste livro, Os três tempos <strong>do</strong> espírito,<br />

oralida<strong>de</strong>, escrita, informática, tomaremos <strong>um</strong>a certa distância em relação às evoluções<br />

contem<strong>por</strong>âneas, ressituan<strong>do</strong>-as em <strong>um</strong>a continuida<strong>de</strong> histórica. / De que lugar julgamos a<br />

informática e os estilos <strong>de</strong> conhecimento que lhe são aparenta<strong>do</strong>s? Ao analisar tu<strong>do</strong> aquilo que, em<br />

nossa forma <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da oralida<strong>de</strong>, da escrita e da impressão, <strong>de</strong>scobriremos que<br />

apren<strong>de</strong>mos o conhecimento <strong>por</strong> simulação, típico da cultura informática, com os critérios e reflexos<br />

mentais liga<strong>do</strong>s às tecnologias intelectuais anteriores. Colocar em perspectiva, relativizar as formas<br />

teóricas ou críticas <strong>de</strong> pensar que per<strong>de</strong>m terreno hoje, isto talvez facilite o indispensável trabalho <strong>de</strong><br />

luto que permitirá abrirmo-nos às novas formas <strong>de</strong> comunicar e <strong>de</strong> conhecer (LÉVY, Pierre. As<br />

tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu<br />

da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 19).”


120<br />

Enquanto objeto <strong>–</strong> a forma como o Esta<strong>do</strong> o consi<strong>de</strong>ra <strong>–</strong> faz com que perca,<br />

<strong>por</strong>tanto, sua condição <strong>de</strong> pessoa h<strong>um</strong>ana, sobreviven<strong>do</strong> sob as mínimas condições,<br />

graças ao grau eleva<strong>do</strong> <strong>de</strong> manipulação pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pelas condições sociais,<br />

pro<strong>por</strong>cionadas e estabelecidas pelo regime estatal vigente.<br />

A discussão é complexa em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s, entretanto não é satisfatório<br />

<strong>de</strong>clinar das questões relevantes e ao mesmo tempo essenciais, para <strong>po<strong>de</strong>r</strong> ter<br />

explicações reais e meios <strong>de</strong> enfrentar o futuro ainda incerto, em que o homem, em<br />

sua gran<strong>de</strong> maioria, se vê vazio, não <strong>de</strong>ten<strong>do</strong> condições cognitivas suficientes para<br />

reverter sua realida<strong>de</strong> social.<br />

Embora ativo, é <strong>de</strong> ações relativizadas, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à sua natureza limitada, pois<br />

participa <strong>de</strong> movimentos ou manifestações sem propósitos e sem li<strong>de</strong>rança, que o<br />

conduzem quase sempre a alg<strong>um</strong> lugar <strong>do</strong> começo.<br />

Isso se dá não <strong>por</strong>que os propósitos em si e as ações sejam <strong>de</strong>sarrazoadas,<br />

mas <strong>por</strong>que exigem <strong>um</strong> planejamento e <strong>um</strong>a arquitetura vinculada a <strong>um</strong>a ontologia<br />

social. Sem esses pressupostos estruturantes, logo se dissipa suas ações, e leva a<br />

cair no imaginário informativo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> virtual das re<strong>de</strong>s sociais, on<strong>de</strong>, na maioria<br />

das vezes, alimenta mais <strong>um</strong>a informação noticiária midiática.<br />

A ciência, em <strong>um</strong> outro vértice, sob esse aspecto, dá ao cientista condições<br />

palpáveis para refletir e avaliar <strong>por</strong> meios <strong>de</strong> seus instr<strong>um</strong>entos a probabilida<strong>de</strong> e as<br />

condições que levam o homem à sua árdua missão, inclusive a <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir em vários<br />

senti<strong>do</strong>s, até mesmo no ato <strong>de</strong> não <strong>de</strong>cidir, o que seria <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminação negativa<br />

<strong>por</strong> omissão, a forma positiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir.<br />

Enten<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> que o envolve é <strong>um</strong>a conquista <strong>do</strong> homem enquanto<br />

pessoa da ciência, mesmo saben<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua insuficiência e da falibilida<strong>de</strong> que<br />

pre<strong>do</strong>mina em sua condição h<strong>um</strong>ana.<br />

Aceitar os riscos e abraçar a imprevisibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> futuro coaduna-se com os<br />

<strong>novo</strong>s tempos, em cujo cenário o homem <strong>de</strong>ve procurar sustentar-se diante <strong>de</strong> sua<br />

fragilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua falibilida<strong>de</strong> como elemento central <strong>de</strong> <strong>um</strong>a história que vive e<br />

que se constrói diariamente, bem como <strong>de</strong>ve observar que sua manutenção é<br />

condicionada aos <strong>limite</strong>s <strong>cognitivo</strong>s <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong>.


121<br />

Ciente <strong>de</strong> tais condições, o homem tem observa<strong>do</strong> que a cada dia mais, a<br />

extensão <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas competências e habilida<strong>de</strong>s tem-se da<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entos inteligentes que realizam suas funções, iguais ou além<br />

<strong>de</strong> suas condições com consi<strong>de</strong>rável aprimoramento e especialização, <strong>por</strong>ém<br />

tratadas em muitos aspectos com ressalvas ou restrições, margeadas pela<br />

<strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>, agora, nominada tecnológica.<br />

O dilema da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, ou seja, da multiplicida<strong>de</strong>, da transitorieda<strong>de</strong> e<br />

da simultaneida<strong>de</strong> exige <strong>do</strong> indivíduo <strong>um</strong> esforço maior para compreen<strong>de</strong>r a<br />

profusão <strong>de</strong> conhecimentos e <strong>de</strong> condições que o envolvem, os quais permeiam sua<br />

realida<strong>de</strong> sensível e exigem <strong>um</strong>a compreensibilida<strong>de</strong> maior das questões que se<br />

apresentam, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a não se per<strong>de</strong>r na vasta dimensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que habita.<br />

A vida em tal atmosfera tem-se torna<strong>do</strong> a cada dia <strong>um</strong> diretório digital, que se<br />

divi<strong>de</strong> em outros mais e assim, sucessivamente, exigin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a organização e <strong>um</strong>a<br />

compreensão que escapam das habilida<strong>de</strong>s e competências projetadas ao sistema<br />

<strong>de</strong> vida biológica típica da raça h<strong>um</strong>ana, condição que exige ser consi<strong>de</strong>rada, sem<br />

que haja arg<strong>um</strong>ento ou contra-arg<strong>um</strong>ento.<br />

A realida<strong>de</strong> no processo que envolve o sujeito e mun<strong>do</strong> nem sempre é<br />

conhecida, então a massa <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong> coletiva em sua gran<strong>de</strong> parte é levada,<br />

<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> às margens o seguimento consciente da marcha da vida.<br />

Muitas vezes, <strong>por</strong>tanto, apresenta-se como <strong>de</strong>sconhecida para alguns a<br />

história da h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, as faculda<strong>de</strong>s cognitivas intelectivas, sejam <strong>do</strong> pensamento,<br />

da consciência ou da linguagem, o que seria essencial para que o homem se<br />

conectasse com o mun<strong>do</strong> e as coisas. Sob tais informações, afirma Fiorin (2003, p.<br />

3):<br />

Um iniciante na linguística precisa saber o que é a ciência da linguagem,<br />

saber que há outras formas <strong>de</strong> estudar as línguas, que vão além <strong>do</strong><br />

prescritivismo que hoje inva<strong>de</strong> os meios <strong>de</strong> comunicação, saber que a<br />

linguística preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>screver e explicar os fenômenos linguísticos;<br />

conhecer como se processa a comunicação h<strong>um</strong>ana; perceber que as<br />

línguas não são nomenclaturas, mas formas <strong>de</strong> categorizar o mun<strong>do</strong>,<br />

conhecer os cinco principais objetos teóricos cria<strong>do</strong>s pela ciência da<br />

linguagem nos séculos XIX e XX: a língua, a competência, a variação, a<br />

mudança e o uso, apren<strong>de</strong>r os rendimentos da análise linguística, em seus<br />

diferentes níveis, o fonético, o fonológico, o morfológico; o sintático, o<br />

semântico, o pragmático e o discursivo.


122<br />

Observa-se que a língua está a serviço da classificação e da categorização<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e das coisas, contribuin<strong>do</strong> para sua organização e compreensão. Por<br />

meio das teorias da linguagem, ela representa o instr<strong>um</strong>ento oral ou escrito hábil<br />

para estabelecer a conexão <strong>do</strong> homem com sua realida<strong>de</strong>.<br />

Não como <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> em si, mas como a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>do</strong> sujeito,<br />

<strong>um</strong>a relação endógena e exógena ao mesmo tempo. É, <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong>s<br />

instr<strong>um</strong>entais da linguística, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s <strong>de</strong> gramática, morfologia, sintaxe e<br />

semântica, que a comunicação se estabelece.<br />

Embora haja <strong>um</strong>a relação aberta. Dada a natureza <strong>do</strong> sistema biológico<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, existem diversas formas <strong>de</strong> linguagem que também colaboram com a<br />

comunicação <strong>do</strong> homem com o mun<strong>do</strong>.<br />

O processo <strong>de</strong> comunicação h<strong>um</strong>ana é complexo e pela estrutura existente<br />

não oferece garantia <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> que corrobore para <strong>um</strong>a padronização esse<br />

problema, além <strong>de</strong> gerar ruí<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> comunicação, conspira para afastar<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter nessa relação <strong>um</strong>a objetivida<strong>de</strong> que dê aos participantes a<br />

tranquilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter sobre o mesmo tema <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia fixa e pre<strong>de</strong>finida todas as<br />

vezes em que assunto for recorrente.<br />

Também afilia-se a essas condições a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que nem sempre os<br />

envolvi<strong>do</strong>s <strong>de</strong>tenham <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s intelectuais o mesmo nível <strong>de</strong><br />

formação e consequente conhecimento, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a estabilizar <strong>um</strong>a comunicação e<br />

<strong>um</strong>a compreensão objetivamente uníssonas. Embora a linguagem h<strong>um</strong>ana seja <strong>um</strong>a<br />

forma <strong>de</strong> categorizar o mun<strong>do</strong>, todas as vezes que o homem <strong>de</strong>la faz uso, o faz<br />

diferente.<br />

A falta <strong>de</strong> compreensão <strong>do</strong>s instr<strong>um</strong>entos da linguística, a incompreensão <strong>de</strong><br />

regras claras, precisas e objetivas dificultam a universalização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunicação<br />

isenta <strong>de</strong> falhas.<br />

A língua, sen<strong>do</strong> <strong>um</strong>a cultura e <strong>um</strong>a construtora <strong>do</strong>s conceitos das frases e das<br />

regras discursivas, exige <strong>um</strong>a estabilização que somente po<strong>de</strong> acontecer caso, <strong>de</strong><br />

fato, a ciência da linguagem seja <strong>de</strong> acesso e <strong>de</strong> compreensão em seus elementos<br />

estruturantes aos que <strong>de</strong>la participam, o que é impossível ante a limitação cognitiva<br />

<strong>de</strong> seus protagonistas, além <strong>do</strong>s mecanismos que o subjugam.


123<br />

O <strong>de</strong>snível <strong>cognitivo</strong> <strong>do</strong>s indivíduos envolvi<strong>do</strong>s influencia e compromete a<br />

comunicação da espécie h<strong>um</strong>ana bem como a torna vulnerável na tomada das<br />

<strong>de</strong>cisões que, influenciada pela percepção e pelo afastamento da realida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> e das coisas, os conduz a erros e equívocos.<br />

Portanto, qualquer objetivação <strong>–</strong> da categorização na reconstrução das<br />

realida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>–</strong> em última instância, passa a ser <strong>um</strong> risco, pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong><br />

pela insuficiência e pela falibilida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

A literatura classifica, estrutura e pro<strong>por</strong>ciona que a linguagem h<strong>um</strong>ana, se<br />

conhecida, possibilite que as palavras verbalizadas, <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong> canal <strong>cognitivo</strong>,<br />

contribuam com o processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> conceitos e com a projeção da criação<br />

das realida<strong>de</strong>s, entretanto não garante que todas as vezes que o processo seja<br />

reconstruí<strong>do</strong> se dê da mesma maneira, forma e precisão em objetivida<strong>de</strong>.<br />

Em sua base, a literatura <strong>de</strong>tém <strong>um</strong>a teorização que se faz <strong>por</strong> intermédio da<br />

linguagem que a torna reconhecida como é, e que se historiza <strong>por</strong> esta. A<br />

linguagem, <strong>por</strong> sua vez, representa <strong>um</strong> estatuto tributário <strong>de</strong> <strong>um</strong>a convenção<br />

estabelecida outrora pela comunida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s “literatos”, que<br />

estabeleceram <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al convenciona<strong>do</strong> para estabelecer a comunicação<br />

e/ou <strong>um</strong> canal para sua ocorrência.<br />

Quan<strong>do</strong> isso não acontece, a sensação é a <strong>de</strong> que a espécie h<strong>um</strong>ana não se<br />

conhece, seus membros são estranhos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesma soberania. Disso se<br />

conclui que o homem se conhece pela linguagem e <strong>por</strong> ela projeta suas mais<br />

diversas ações e reações.<br />

Porém, muito embora a linguagem tenha como essência a missão precípua<br />

da comunicação, ela em si não po<strong>de</strong> garantir sua efetivida<strong>de</strong>, pois, para isso,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da disposição <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> intelectiva <strong>do</strong> homem em agir proativamente em<br />

seu c<strong>um</strong>primento.<br />

As dificulda<strong>de</strong>s encontradas nesse processo são diversas e <strong>de</strong> fronteiras<br />

distintas, contíguas ou não, mas se conectam e se influenciam. A língua é <strong>um</strong><br />

fenômeno cultural, em que o homem é produto <strong>do</strong> meio ou a soma <strong>de</strong> todas as<br />

medidas e vale-se <strong>de</strong>sse processo linguístico para conhecer-se, conhecer o mun<strong>do</strong><br />

e realizar suas comunicações em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s e formas.


124<br />

A certeza <strong>de</strong> que essas comunicações aconteçam em sua plenitu<strong>de</strong> fica<br />

prejudicada, pois quase sempre não é possível avaliar, analisar e criticar as<br />

faculda<strong>de</strong>s mentais sem que se faça compreen<strong>de</strong>r nos <strong>limite</strong>s extremos como essa<br />

espécie faz para relacionar-se, o que gera a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter-se garantia <strong>do</strong><br />

c<strong>um</strong>primento das i<strong>de</strong>ologias criadas <strong>por</strong> essa mesma socieda<strong>de</strong>.<br />

No campo das ciências, o <strong>do</strong>mínio da linguagem especializada, atualmente<br />

multipluralista, é <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> que facilita e contribui para <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong><strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> ramo científico estabelecer <strong>um</strong>a<br />

comunicação plena. Isso colabora para o fator da organização, da sistematização e<br />

da uniformização da própria linguagem e comunicação. 101 A fala é <strong>um</strong> produto social<br />

<strong>de</strong>posita<strong>do</strong> no cérebro <strong>do</strong> homem: sua exteriorização, além <strong>de</strong> ser reflexo <strong>do</strong> que o<br />

indivíduo realiza, apresenta <strong>um</strong>a certa produção intelectiva enquanto empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>r<br />

<strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s e competências. É previsível ou ao menos aceitável que tal processo<br />

possa ser influenciável, manipulável e que isso venha a interferir no processo <strong>de</strong><br />

exteriorização <strong>do</strong> indivíduo com o mun<strong>do</strong>.<br />

À pro<strong>por</strong>ção que a língua, a linguagem e a fala são produtos sociais, em cada<br />

contexto e em cada situação, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> das condições, os resulta<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m ser<br />

diferentes. O resulta<strong>do</strong> nesse caso será sempre <strong>um</strong>a probabilida<strong>de</strong> e nunca <strong>um</strong>a<br />

certeza.<br />

No curso <strong>do</strong> processo da linguística, as condições psicofísicas, psicoquímicas<br />

e outras interferências que possam <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar efeitos diversos nos sistemas<br />

cerebral e mental inevitavelmente interferem no indivíduo no ato <strong>de</strong> realizar seu ato<br />

volitivo na tomada <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões.<br />

Em verda<strong>de</strong>, é como se a <strong>de</strong>cisão não fosse tomada <strong>por</strong> ele, mas <strong>por</strong> fatores<br />

alheios à sua compreensão, capta<strong>do</strong>s <strong>por</strong> seu sistema <strong>cognitivo</strong> que, em processo<br />

101 Para Fiorín: “A língua é para Saussure ’<strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> signos’ <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s que se<br />

relacionam organizadamente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> to<strong>do</strong>. É a parte social da linguagem exterior ao indivíduo;<br />

não po<strong>de</strong> ser modificada pelo falante e obe<strong>de</strong>ce às leis <strong>do</strong> contrato social, estabeleci<strong>do</strong> pelos<br />

membros da comunida<strong>de</strong>. O conjunto linguagem-língua contém ainda <strong>um</strong> outro elemento conforme<br />

Saussure, a fala. A fala é <strong>um</strong> ato individual; resulta das combinações feitas pelo sujeito falante<br />

utilizan<strong>do</strong> o código da língua; expressa-se pelos mecanismos psicofísicos (atos <strong>de</strong> fonação)<br />

necessários à produção <strong>de</strong>ssas combinações. / A distinção linguagem/língua/fala partiu o objeto da<br />

linguística <strong>de</strong> Saussure. Dela <strong>de</strong>corre a divisão <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> da linguagem em duas partes: <strong>um</strong>a que<br />

investiga a língua e outra que analisa a fala. As duas partes são inseparáveis, visto que são<br />

inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, a língua é condição para se produzir a fala, mas não há língua sem o exercício da<br />

fala. Há necessida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>tanto <strong>de</strong> duas linguísticas: a linguística da língua e a linguística da fala.<br />

Saussure focaliza em seu trabalho a linguística da língua, “produto social <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> no cérebro <strong>de</strong><br />

cada <strong>um</strong>”, sistema supra-individual que a socieda<strong>de</strong> impõe ao falante (FIORIN, José Luiz. (Org).<br />

Introdução à Linguística. v. 1 e 2. São Paulo: Contexto, 2003, p. 10).”


125<br />

com as bases neurais e valen<strong>do</strong>-se da língua, da linguagem e da fala, comunica-se<br />

<strong>por</strong> meios intelectivos reflexivos, e da fala <strong>por</strong> meios sonoros com o mun<strong>do</strong> exterior.<br />

Nesse caso, mesmo a língua especializada sen<strong>do</strong> objetiva, <strong>por</strong>ém ainda<br />

acaba sen<strong>do</strong> influenciável quan<strong>do</strong> exteriorizada <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> sistema <strong>cognitivo</strong><br />

<strong>do</strong> homem, como esclarece Perna (2010, p. 10):<br />

Koucorek enfatiza em sua obra que a língua especializada é <strong>um</strong> subconjunto<br />

da língua com<strong>um</strong> com recursos próprios e <strong>de</strong> uso restrito a <strong>um</strong>a coletivida<strong>de</strong> que<br />

partilha os mesmos interesses. Tais recursos são os mesmos da língua com<strong>um</strong>, mas<br />

seleciona<strong>do</strong>s, adapta<strong>do</strong>s e enriqueci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s e os<br />

propósitos da área, ten<strong>do</strong> em vista a preservação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> transmiti<strong>do</strong>. 102 A<br />

ciência <strong>do</strong> Direito, no seu exercício acadêmico e prático das normas, tem<br />

reconheci<strong>do</strong> que as disposições normativas, imperativas ou não, têm como<br />

finalida<strong>de</strong> não somente orientar prescritivamente o que é permiti<strong>do</strong>, como o que é<br />

proibi<strong>do</strong> e como também repreen<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>sc<strong>um</strong>primento das <strong>de</strong>terminações legais.<br />

Nessa atmosfera <strong>de</strong> realização, o homem, <strong>de</strong>tentor da linguagem<br />

especializada, julga estar utilizan<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma coerente a linguagem sempre com<br />

base nos registros empreendi<strong>do</strong>s na transmissão <strong>do</strong> conhecimento das leis nos<br />

<strong>limite</strong>s <strong>de</strong> seus contornos sintáticos e semânticos com <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> fática/subjetiva<br />

performada em <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> objetiva, pre<strong>de</strong>terminada pela lei.<br />

A ativida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana profissional enten<strong>de</strong> ser possível estar isenta e<br />

com<strong>por</strong>tada da imparcialida<strong>de</strong> e amparada pela neutralida<strong>de</strong> na condução <strong>de</strong> suas<br />

ações. Nesse aspecto, o homem busca operar e com<strong>por</strong>tar-se como <strong>um</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento.<br />

Servin<strong>do</strong> como condutor <strong>de</strong> <strong>um</strong> conhecimento que reconhece ser bom e<br />

essencial ao <strong>de</strong>senvolvimento social nos <strong>limite</strong>s técnicos que representam suas<br />

habilida<strong>de</strong>s e competências cognitivas.<br />

102<br />

Complementa Perna: “[...] quero <strong>de</strong>stacar que ‘quan<strong>do</strong> se fala em texto especializa<strong>do</strong>, não se po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar Lothar Hoffman que, ultrapassan<strong>do</strong> a concepção wusteriana <strong>de</strong> texto <strong>artificial</strong>,<br />

aproximou-o <strong>do</strong> texto elabora<strong>do</strong> na linguagem com<strong>um</strong>’. Assim ensina Hoffmann: ‘O texto<br />

especializa<strong>do</strong> é instr<strong>um</strong>ento ou o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ativida<strong>de</strong> comunicativa socioprodutiva<br />

especializada. Compõe <strong>um</strong>a unida<strong>de</strong> estrutural e funcional (<strong>um</strong> to<strong>do</strong>) e está forma<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> conjunto<br />

or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> e finito <strong>de</strong> orações coerentes pragmáticas, sintáticas e semanticamente ou <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s<br />

com valor <strong>de</strong> oração que, como signos linguísticos complexos, <strong>de</strong> enuncia<strong>do</strong>s complexos <strong>do</strong><br />

conhecimento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e <strong>de</strong> circunstâncias complexas correspon<strong>de</strong>m à realida<strong>de</strong> objetiva’ (PERNA,<br />

Cristina Becker Lopes; DELGADO, Heloísa Orsi Koch; FINATTO, Maria José Bocorny (Org).<br />

Linguagens Especializadas em Cor<strong>por</strong>a: mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> dizer e interfaces <strong>de</strong> pesquisa. Porto Alegre:<br />

EDIPUCRS, 2010, p. 12. Disponível em:<br />

Acesso em: 14 abr. 2013).”


126<br />

Tal garantia, pelo que se constata, não é certa, quan<strong>do</strong> muito aceita, <strong>por</strong>que é<br />

<strong>do</strong> ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, quan<strong>do</strong> leva<strong>do</strong> ao seu <strong>limite</strong>, em sua linha <strong>de</strong> fronteira, concordar<br />

mesmo discordan<strong>do</strong>, em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> aceitação cínica.<br />

Este com<strong>por</strong>tamento é <strong>um</strong> resquício antropológico e sociológico arraiga<strong>do</strong> em<br />

<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> segmentada em níveis, melhor explican<strong>do</strong>, estamentos em que a<br />

or<strong>de</strong>m superior impõe às camadas inferiores “no senti<strong>do</strong> verticaliza<strong>do</strong>” suas préor<strong>de</strong>nações.<br />

São eles mo<strong>de</strong>los i<strong>de</strong>ários <strong>de</strong> condição a ser obe<strong>de</strong>cida, característicos <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> regulação entre os níveis sociais, <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s e conforma<strong>do</strong>s <strong>por</strong><br />

<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong>.<br />

A clivagem da fala entre os indivíduos também é <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> <strong>por</strong>que é no<br />

nível <strong>de</strong> competência linguística que o indivíduo e a fala po<strong>de</strong>m ser mensura<strong>do</strong>s,<br />

conforme assegura Fiorin. 103<br />

Nesse aspecto organizacional, <strong>de</strong>scritivo, prescritivo, gerativista, <strong>de</strong>ntre<br />

outros, como elementos fundamentais <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> categorização da língua e sua<br />

funcionabilida<strong>de</strong>, a meto<strong>do</strong>logização da língua, ou seja, sua cientificida<strong>de</strong> é<br />

indiscutível.<br />

Sen<strong>do</strong> a cientificida<strong>de</strong> da língua <strong>um</strong> aspecto real e comprovável, não se<br />

afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter no mesmo grau <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> a organização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a língua<br />

capaz <strong>de</strong> gerir a extensão além da realida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong><br />

integração, universalização e padronização <strong>por</strong> meios tecnológicos.<br />

Uma vez que, enquanto restrita ao homem, a linguagem não passa <strong>do</strong>s<br />

<strong>limite</strong>s que ele possui cognitivamente <strong>–</strong> capacida<strong>de</strong> em <strong>–</strong>, além <strong>do</strong> risco<br />

compromete<strong>do</strong>r pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pelas faculda<strong>de</strong>s intelectivas influenciáveis <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> seus senti<strong>do</strong>s.<br />

A questão <strong>de</strong>sse e <strong>de</strong> outros aspectos é saber como isso acontece, quan<strong>do</strong> e<br />

como. Parafrasean<strong>do</strong> Boaventura Santos, o uso prático da razão cínica <strong>do</strong> “é isso”,<br />

“nada muda sem que percebamos”, “há [...] o im<strong>por</strong>tante é que vai mudar”.<br />

103<br />

“Assim como Saussure <strong>–</strong> que separa a língua <strong>de</strong> fala, ou que é linguístico <strong>do</strong> que não é <strong>–</strong><br />

Chomsky distingue competência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho. A competência linguística é a <strong>por</strong>ção <strong>do</strong><br />

conhecimento <strong>do</strong> sistema linguístico <strong>do</strong> falante que lhe permite produzir o conjunto <strong>de</strong> sentenças <strong>de</strong><br />

sua língua. No <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta faculda<strong>de</strong> é que o homem se <strong>de</strong>para com a conjunção<br />

<strong>de</strong>scritiva e a normativa da gramática, cuja finalida<strong>de</strong> é estabelecer a forma <strong>de</strong> como a língua <strong>de</strong>ve<br />

ser dita em to<strong>do</strong>s os seus aspectos. Dentro <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema peculiar a sua natureza e os elementos<br />

que a <strong>de</strong>fine, no caso vincula<strong>do</strong> a elementarida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana (FIORIN, José Luiz. (Org). Introdução à<br />

Linguística. v. 1 e 2. São Paulo: Contexto, 2003, p. 11).”


127<br />

Essas conjecturas relativizadas são sinais que fazem o “pensar” como algo<br />

que pouco po<strong>de</strong> contribuir para algo melhor ou que contribua para alg<strong>um</strong><br />

melhoramento da condição h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>tanto a <strong>inteligência</strong> é relegada pela<br />

ignorância <strong>de</strong> apropriar-se <strong>do</strong>s conhecimentos <strong>de</strong> forma efetiva.<br />

Esse <strong>de</strong>monstrativo da <strong>de</strong>cadência da razão <strong>do</strong> homem o tem conduzi<strong>do</strong><br />

to<strong>do</strong>s os dias a <strong>um</strong> certo retrocesso e, ao fim, <strong>de</strong> suas potenciais possibilida<strong>de</strong>s e<br />

emergin<strong>do</strong> outras formas racionalizantes. 104<br />

A evolução da ciência ou como tu<strong>do</strong> isso acontece na natureza. Para Toulmin<br />

a interrupção ou ruptura <strong>do</strong> processo <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento é <strong>um</strong>a medida a ser<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada. Em suas reflexões, é possível haurir o reconhecimento no máximo<br />

<strong>do</strong> que ele <strong>de</strong>nominava <strong>de</strong> “microrrevoluções”, que seriam unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> variações em<br />

que as partes aceitas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ciência em cada fase seriam parte ou partes úteis para<br />

o ponto <strong>de</strong> partida no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Sua perspectiva <strong>de</strong> abordagem é diferente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a abordagem paradigmática<br />

na perspectiva kuhniana e <strong>de</strong> <strong>um</strong> programa <strong>de</strong> pesquisas em Lakatos que tem sua<br />

<strong>de</strong>fesa assegurada sobre o entendimento <strong>de</strong> sua explicação no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

das ciências sociais nos estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Barry Barnes.<br />

Os acontecimentos científicos são variações <strong>de</strong> algo que se aproveita, se<br />

segue, se altera, se complementa, que forma o corpo daquilo com que a ciência se<br />

preocupa em <strong>um</strong> mesmo mo<strong>de</strong>lo. A antropologia segun<strong>do</strong> Oliveira comunga <strong>de</strong>ste<br />

entendimento (2006, p. 138):<br />

104<br />

Todavia, é esclarece<strong>do</strong>r o artigo <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Ariza: “É interessante a reflexão, mesmo que<br />

critican<strong>do</strong> as principais escolas da filosofia da ciência e seus expoentes; avaliar o pensamento <strong>de</strong>ste<br />

pensa<strong>do</strong>r também se revela im<strong>por</strong>tante para a compreensão <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da ciência na<br />

compreensão da <strong>de</strong>cidibilida<strong>de</strong>. Além disso, conforme as análises <strong>de</strong> Lakatos, Laudan, Kuhn e<br />

Toulmin, é difícil sustentar historicamente a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que existem experimentos cruciais (Melha<strong>do</strong> e<br />

Canace<strong>do</strong>, 1993). / Assim, esgotada a via formal e sistemática como critério <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong>, a única<br />

alternativa possível, como indica Toulmin, é tomar a experiência histórica real <strong>do</strong>s cientistas e <strong>de</strong> suas<br />

mudanças conceituais, como elemento clarifica<strong>do</strong>r (ARIZA, Rafael Porlán; HARRES, João Batista<br />

Siqueira. A epistemologia evolucionista <strong>de</strong> Stephen Toulmin e o ensino <strong>de</strong> ciências. In: Ca<strong>de</strong>rno<br />

Brasileiro <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Física. Florianópolis, v. 19, n. especial, jun. 2002, p. 73. Disponível em:<br />

. Acesso em: 14 abr. 2013)”.


128<br />

Enten<strong>do</strong>, ao contrário, que, na antropologia, os <strong>paradigma</strong>s existem em<br />

simultaneida<strong>de</strong>. Se na física o <strong>paradigma</strong> newtoniano foi substituí<strong>do</strong> pelo da<br />

relativida<strong>de</strong>, ou na matemática a geometria euclidiana foisuperada pela <strong>de</strong><br />

Lobatchevcshi, na disciplina antropológica o <strong>paradigma</strong> racionalista, o<br />

estrutural-funcionalista, o culturalista e o hermenêutico coexistem no interior<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a única matriz.<br />

Para Toulmin o cientista <strong>de</strong>ve estar em <strong>um</strong>a constante ginástica intelectual<br />

para <strong>de</strong>sse esforço resultar <strong>um</strong>a “abertura mental”. O que assemelha segun<strong>do</strong> a<br />

percepção antropológica <strong>de</strong> Roberto Car<strong>do</strong>so <strong>de</strong> Oliveira. 105<br />

A experiência histórica, em contraste com a nova realida<strong>de</strong>, não somente<br />

indica a pertinência <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s conceitos para aten<strong>de</strong>r a essa realida<strong>de</strong> emergente<br />

como obrigatoriamente vincula o cientista a enxergar em senti<strong>do</strong> oposto, ou melhor,<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a materialida<strong>de</strong> estratégica <strong>do</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> o obriga a realizar<br />

ações técnicas compatíveis em dar respostas efetivas aos problemas que a<br />

experiência histórica se encarregou <strong>de</strong> revelar e que outrora não foram resolvi<strong>do</strong>s.<br />

É <strong>de</strong> se observar que, em tal fase, o cientista tem <strong>de</strong> notar que não é ele <strong>–</strong><br />

como pessoa <strong>–</strong> que muda o mun<strong>do</strong>; é a ciência que consiste em <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento<br />

hábil para esse fim, e seu papel <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>r é o <strong>de</strong> perceber as mudanças e<br />

promover essas medidas materialmente eficazes para aten<strong>de</strong>r à socieda<strong>de</strong> a que<br />

pertence.<br />

A incerteza <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pelo <strong>novo</strong> conhecimento e<br />

materializa<strong>do</strong> em estratégias inova<strong>do</strong>ras, muitas vezes gera instabilida<strong>de</strong> cognitivas<br />

e, <strong>por</strong> consequência, inseguranças, <strong>por</strong>que é com<strong>um</strong> na inovação a surpresa <strong>do</strong><br />

contato com o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> pela diversida<strong>de</strong> que ele acoberta. Segun<strong>do</strong> as lições<br />

<strong>de</strong> Ariza (2002, p.76):<br />

A <strong>de</strong>scoberta da diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong> conhecimento tem causa<strong>do</strong> tal <strong>de</strong>sconserto<br />

e insegurança que ou se agarra no <strong>do</strong>gmatismo intelectual, negan<strong>do</strong> a<br />

evidência, ou se fica na superfície <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconhecimento, apenas<br />

reconhecen<strong>do</strong> a distorção <strong>do</strong> tu<strong>do</strong> vale. Em qualquer caso, temos nega<strong>do</strong><br />

que se o conhecimento muda o mesmo <strong>de</strong>ve ocorrer com os critérios <strong>de</strong> sua<br />

avaliação (García e Porlán, 2000).<br />

105<br />

“ [...] veremos, segun<strong>do</strong> Olivé, que a tese relativista mo<strong>de</strong>rada <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> como viável a tradução <strong>de</strong><br />

pelo menos alg<strong>um</strong>as proposições <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> esquema conceitual para outro, sempre que<br />

tiver lugar em <strong>um</strong> grupo <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> com <strong>um</strong>a permanência mínima <strong>de</strong> tempo. Nesse caso, note-se, que<br />

a emergência <strong>de</strong> “condições <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong>” é algo latente (OLIVEIRA, Roberto Car<strong>do</strong>so <strong>de</strong>. O<br />

trabalho <strong>do</strong> antropólogo. 2. ed. Brasília: Paralelo Quinze; São Paulo: Ed. da Unesp, 2006, p. 165).”


129<br />

O conceito <strong>de</strong> ecologia conceitual, a imparcialida<strong>de</strong>, o juízo formal e a<br />

concepção <strong>de</strong> sistema pro<strong>por</strong>cional estatístico <strong>de</strong>vem ser supera<strong>do</strong>s pelas<br />

populações conceituais das ciências no processo histórico <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

tanto para o singular como para o coletivo.<br />

É perceptível no mun<strong>do</strong> das i<strong>de</strong>ias e <strong>do</strong>s conhecimentos das culturas <strong>do</strong> <strong>novo</strong><br />

mun<strong>do</strong>, que as novas realida<strong>de</strong>s existentes e constatáveis das últimas décadas há<br />

pre<strong>do</strong>minância das diversida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conceitos e sua categorização, e que isso,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> <strong>um</strong> espaço maior pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pelas diversida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conceitos e<br />

sua categorização tem dificulta<strong>do</strong> a compreensão <strong>do</strong> conhecer o conhecimento<br />

ainda não conheci<strong>do</strong>, aquele <strong>por</strong> <strong>de</strong>scobrir.<br />

A <strong>de</strong>mocramecanização e a tecnologização são estruturas conceituais<br />

exemplos <strong>de</strong>ssa diversida<strong>de</strong> noticiada, sequer dicionarizadas, mas que já são<br />

categorias <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova linguagem arranjada para o próprio mun<strong>do</strong> em <strong>um</strong>a espécie<br />

<strong>de</strong> estratégica material para se explicar.<br />

Esse fenômeno aos poucos arregimenta a uniformização padronizada das<br />

ações, <strong>do</strong>s cost<strong>um</strong>es e da vida <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> geral na socieda<strong>de</strong>. O enfrentamento <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> seja <strong>do</strong> que é racionalida<strong>de</strong>, seja <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova linguagem, não<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>por</strong> muito tempo, ainda que <strong>por</strong> <strong>um</strong>a minoria <strong>de</strong><br />

intelectuais, já que o im<strong>por</strong>tante da História é que o <strong>de</strong>senvolvimento que essa<br />

encampa, represente sempre algo maior.<br />

A diversida<strong>de</strong> contribui para o <strong>de</strong>senvolvimento, todavia às vezes os aspectos<br />

advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processo tornam-se <strong>um</strong> obstáculo. A dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem em viver<br />

hibridamente reflete e gera a mesma dificulda<strong>de</strong> em dualizar sua imparcialida<strong>de</strong>.<br />

No processo <strong>de</strong> comunicação, da língua e da linguagem, as categorias e a<br />

categorização <strong>–</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a classificação meto<strong>do</strong>lógica e <strong>do</strong>s níveis <strong>de</strong> que<br />

participam <strong>–</strong> é <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r como tu<strong>do</strong> acontece no mun<strong>do</strong><br />

habita<strong>do</strong> pelo homem.<br />

Em <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> em que a linguagem normativa é forjada em regras <strong>de</strong><br />

condutas, em que a verticalização <strong>do</strong> sistema a cada dia procura uniformizar e<br />

estabelecer <strong>um</strong>a linguagem universalmente padronizada, em que a margem para a<br />

reflexão e a interpretação acaba sen<strong>do</strong> dispensada.


130<br />

Dadas as novas condições e formas <strong>do</strong> <strong>novo</strong> ambiente <strong>de</strong> trabalho, a<br />

comunicação judiciária é possível, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se os avanços da tecnologia em<br />

que o léxico jurídico bem com o to<strong>do</strong> o organismo judiciário seja realiza<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a estrutura distinta da existente re<strong>de</strong>senhan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a nova geometria da<br />

comunicação. 106 Categorizar as normas a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conceito <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong><br />

Justiça em justaposição com a categorização das ações com<strong>por</strong>tamentais <strong>do</strong><br />

homem a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem cibernética tecnológica, em que as regras e as<br />

ações são preconcebidas em <strong>um</strong>a gramática e <strong>um</strong>a semântica tecnologizadas,<br />

o<strong>por</strong>tuniza o pre<strong>do</strong>mínio da objetivida<strong>de</strong>, da transparência e da eficiência <strong>do</strong>s<br />

procedimentos. On<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssa comunida<strong>de</strong> estarão vincula<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

objetivação <strong>de</strong> saber com<strong>um</strong>.<br />

Um <strong>paradigma</strong> nestas pro<strong>por</strong>ções contribuiria para a integração, a<br />

uniformização e a padronização <strong>de</strong> qualquer processo implementa<strong>do</strong> na estrutura<br />

organizacional judiciária mediada pela tecnologia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial.<br />

O mo<strong>de</strong>lo em que a intervenção h<strong>um</strong>ana era mais acentuada parece, aos<br />

poucos, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com vários aspectos, ter perdi<strong>do</strong> intensida<strong>de</strong> quantitativa e<br />

qualitativa.<br />

As reformas, os mecanismos alternativos, as mudanças legislativas, a<br />

implementação das súmulas em todas as suas modalida<strong>de</strong>s sinaliza <strong>um</strong> interesse<br />

em se conhecer tu<strong>do</strong>, ou melhor, tu<strong>do</strong> como pré-concebi<strong>do</strong> como imaginava ser<br />

possível Hart (2005, p. 141).<br />

Se o mun<strong>do</strong> em que vivemos fosse caracteriza<strong>do</strong> só <strong>por</strong> <strong>um</strong> número finito<br />

<strong>de</strong> aspectos e estes, conjuntamente com o to<strong>do</strong>s os mo<strong>do</strong>s <strong>por</strong> que se<br />

podiam combinar, fossem <strong>por</strong> nós conheci<strong>do</strong>s, então <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia estatuir-se<br />

antecipadamente para cada possibilida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>ríamos fazer regras cuja<br />

aplicação a casos concretos nunca implicasse <strong>um</strong>a outra escolha. Tu<strong>do</strong><br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser conheci<strong>do</strong> e, <strong>um</strong>a vez que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser conheci<strong>do</strong>, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>-se-ia,<br />

relativamente a tu<strong>do</strong>, fazer algo e especificá-lo antecipadamente através <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a regra. Isto seria <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a jurisprudência “mecânica”.<br />

A uniformização estrutural, operacional e a tecnológica periférica <strong>do</strong><br />

aparelhamento estatal para a gestão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça em números não aten<strong>de</strong> aos<br />

106<br />

Para Lévy: “Não é mais “cada <strong>um</strong> na sua vez” ou “<strong>um</strong> <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> outro”, mas sim <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

lenta escrita coletiva, <strong>de</strong>ssincronizada, <strong>de</strong>sdramatizada, expandida, como se crescesse <strong>por</strong> conta<br />

própria seguin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linhas paralelas, e, <strong>por</strong>tanto, sempre disponível, or<strong>de</strong>nada,<br />

objetivada sobre a tela (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na<br />

era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 66).”


131<br />

rigores <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos, aliás, nem tão <strong>novo</strong>s, <strong>por</strong>que os problemas<br />

remontam a séculos, e a solução somente é pautada na i<strong>de</strong>ologia programática da<br />

norma com <strong>um</strong>a percepção futurista <strong>do</strong> “vai acontecer”.<br />

A <strong>de</strong>sconfiança como her<strong>de</strong>ira da incerteza passa a exigir <strong>um</strong> tratamento<br />

regra<strong>do</strong> a formas e méto<strong>do</strong>s mais eficazes, passíveis <strong>de</strong> resolução efetiva, conforme<br />

se extrai <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> Silva <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>. 107<br />

Os aspectos menciona<strong>do</strong>s são respostas aos problemas da instabilida<strong>de</strong> na<br />

condução das questões, em que as informações e da<strong>do</strong>s são trata<strong>do</strong>s com<br />

disparida<strong>de</strong>s pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

Outra questão <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter <strong>um</strong> banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e<br />

informações que contribua para a otimização <strong>de</strong> tempo quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> resgate <strong>de</strong><br />

questões análogas, a partir da relação entre <strong>um</strong> sistema e as pessoas que o<br />

utilizam. Problema esse incontornável e <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> <strong>por</strong> Lévy. 108<br />

Com a adversida<strong>de</strong>, a complexida<strong>de</strong> e o a<strong>um</strong>ento exponencial <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e<br />

das informações, as associações realizadas pelas ações <strong>do</strong> homem passam <strong>por</strong> <strong>um</strong><br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência.<br />

As falhas e os conflitos fazem <strong>do</strong> sistema operacional <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>um</strong> mecanismo<br />

<strong>de</strong> eleva<strong>do</strong> risco <strong>de</strong> incerteza. No campo das <strong>de</strong>cisões, das execuções ativas ou<br />

passivas é que se concentram os maiores problemas, que dispensa <strong>um</strong> tratamento<br />

individual em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong>coletivo.<br />

Categorizar, ou seja, classificar em grupos e <strong>de</strong>finir critérios para a mo<strong>de</strong>lação<br />

das ações e <strong>do</strong>s movimentos representa <strong>um</strong> <strong>passo</strong> além da condição h<strong>um</strong>ana.<br />

107<br />

“[...] a necessida<strong>de</strong> consta <strong>de</strong> se recuperarem informações para atendimento das <strong>de</strong>mandas <strong>do</strong>s<br />

usuários. Esse atendimento constitui o processo básico <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> recuperação <strong>de</strong><br />

informações (SRI). Através da resolução <strong>de</strong> problema <strong>do</strong>s usuários, verificam-se a a<strong>de</strong>quabilida<strong>de</strong> e a<br />

eficiência <strong>do</strong> SRI, em que vários fatores interferem no <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong>ssa função. Ressalta-se<br />

aqui a boa categorização <strong>do</strong>s objetos que induz a <strong>um</strong>a comunicação com<strong>um</strong> entre sistema e usuário.<br />

Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> acor<strong>do</strong> <strong>cognitivo</strong> entre o indivíduo e a expressão formal <strong>do</strong> sistema que possibilita a<br />

construção <strong>de</strong> <strong>um</strong> ambiente informacional significativo (MACEDO, Ana Cristina Pelosi Silva <strong>de</strong>.<br />

Categorização semântica: <strong>um</strong>a retrospectiva <strong>de</strong> teorias e pesquisas. In: Revista GELNE, ano 4, n. 1,<br />

2002, p. 302. Disponível em: . Acesso em: 10 abr.<br />

2013)”.<br />

108<br />

“Durante <strong>um</strong>a conversa normal, nós não dispomos <strong>de</strong> recursos externos para armazenar e<br />

reorganizar à vonta<strong>de</strong> as representações verbais e gráficas. É sobretu<strong>do</strong> <strong>por</strong> isso que trocamos<br />

generalida<strong>de</strong>s, palavras, mudamos <strong>de</strong> assunto, ficamos à <strong>de</strong>riva. Durante <strong>um</strong>a simples troca verbal, é<br />

muito difícil compreen<strong>de</strong>r e mais ainda produzir <strong>um</strong>a arg<strong>um</strong>entação organizada, complexa e coerente<br />

em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> nossas i<strong>de</strong>ias. Contestamos discursos com mais facilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que dialogamos. Usamos<br />

processos retóricos mais <strong>do</strong> que raciocínio <strong>passo</strong> a <strong>passo</strong>. Reafirmamos nossos arg<strong>um</strong>ento sem vez<br />

<strong>de</strong> avaliar em conjunto as provas e justificativas <strong>de</strong> cada inferência (LÉVY, Pierre. As tecnologias da<br />

<strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 66).”


132<br />

Trans<strong>por</strong> a base <strong>de</strong> conhecimento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> ferramentas avançadas, que<br />

possam dar aquela extensão e estabilida<strong>de</strong> uniforme, contribui para a previsibilida<strong>de</strong><br />

acontecer materialmente.<br />

Aproveitar os conceitos cria<strong>do</strong>s pela linguagem, metodizá-los em <strong>novo</strong>s<br />

instr<strong>um</strong>entos, ferramentais, gramatizá-los, classificá-los, subdividi-los em níveis e<br />

com isso cientificizá-los tecnologicamente, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a comunicação em<br />

reprodução, mediação e conclusão respeite os critérios <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong>,<br />

imparcialida<strong>de</strong> e neutralida<strong>de</strong>, revela-se justo e essencial. 109 Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> para<br />

esse aspecto o ativamento <strong>do</strong>s agentes <strong>de</strong> segurança <strong>–</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>–</strong>, abre-se o<br />

espaço para <strong>um</strong>a nova literatura <strong>do</strong>gmática, ou simplesmente para <strong>um</strong>a <strong>do</strong>gmática<br />

que trabalhe com novas formas <strong>de</strong> conhecimento, pressupostos em elementos e<br />

critérios diferentes, que garantam a efetivida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s aspectos ontológicos da<br />

Justiça.<br />

Em sen<strong>do</strong> as categorias e as categorizações formas <strong>de</strong> classificar a relação<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>/objeto e a participação <strong>do</strong> indivíduo/protagonista <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong> social,<br />

as regras meto<strong>do</strong>lógicas (categorias e categorizações) passam a ser meios <strong>de</strong><br />

organizar to<strong>do</strong>s os fenômenos das ações com<strong>por</strong>tamentais sociais, visto serem elas<br />

circunscritas em sua gran<strong>de</strong> maioria <strong>por</strong> objetos e coisas.<br />

No âmbito <strong>do</strong> sistema judiciário, as regras normativas e a categorização <strong>do</strong>s<br />

casos bem como a uniformização <strong>de</strong> procedimentos para a resolução representam<br />

<strong>um</strong>a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> categorias e categorizações, que se realizam manualmente,<br />

assessoradas pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

109<br />

Segun<strong>do</strong> Lévy esse enca<strong>de</strong>amento se dá “No meio móvel e mal <strong>de</strong>limita<strong>do</strong> da re<strong>de</strong> digital, <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

group-ware a outro, passaremos progressivamente <strong>do</strong> nível <strong>de</strong> leitor ao <strong>de</strong> anota<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>pois ao <strong>de</strong><br />

autor. Hierarquias sociais <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão ser marcadas através <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> escrita e anotação e <strong>de</strong><br />

conexão com hipertextos ou bancos <strong>de</strong> conhecimentos mais estratégicos ou menos estratégicos.<br />

Apesar da provável manutenção <strong>de</strong> estratificações rígidas e privilégios, há gran<strong>de</strong>s possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

que se acentuem a germinação incontrolável e a extensão rizomática da massa <strong>de</strong> representações<br />

discursivas ou icônicas que já ocorrem hoje. / A digitalização permite a passagem da cópia a<br />

modulação. Não haveria mais dispositivos <strong>de</strong> “recepção”, mas sim <strong>de</strong> interface para a seleção, a<br />

recomposição e a interação. Os agenciamentos técnicos passariam a se assemelhar-se com os<br />

módulos sensoriais <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s que, da mesma forma, também não “recebem”, mas filtram, selecionam,<br />

interpretam e recompõem (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na<br />

era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 132).”


133<br />

Em se consolidan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a aceitação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

o ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir passaria a ser cada vez menor com a intervenção/mediação<br />

h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>que a <strong>de</strong>cisão se encontraria tomada, necessitan<strong>do</strong> somente <strong>de</strong><br />

aplicação, <strong>de</strong>finida <strong>por</strong> padrões reconheci<strong>do</strong>s e valida<strong>do</strong>s, como verbaliza<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

Silva. 110<br />

Isso não afasta a linguagem primária (verbalizada), pelo contrário é o<br />

encontro das linguagens, <strong>por</strong>que a primeira vincula o homem ao mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> que ele<br />

participa: <strong>por</strong> ela as regras são <strong>de</strong>finidas e conduzidas a <strong>um</strong> sistema que passa a<br />

condicionar os acontecimentos, <strong>por</strong>ém o sistema da ação gestual gera <strong>um</strong>a<br />

adaptação complementar e conduz para as próximas ações <strong>um</strong> conteú<strong>do</strong> residual, o<br />

que contribui para o <strong>de</strong>senvolvimento e a <strong>de</strong>finição das categorias em coletivida<strong>de</strong>s.<br />

Observa Lévy (2011, p. 146).<br />

As coletivida<strong>de</strong>s cognitivas se auto-organizam, se mantêm e se<br />

transformam através <strong>do</strong> envolvimento permanentes <strong>do</strong>s indivíduos que as<br />

compõem. Mas estas coletivida<strong>de</strong>s não são constituídas apenas <strong>por</strong> seres<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s. Nós vimos que as técnicas <strong>de</strong> comunicação e <strong>de</strong> processamento<br />

das representações também <strong>de</strong>sempenhavam, nelas, <strong>um</strong> papel igualmente<br />

essencial. É preciso ampliar as coletivida<strong>de</strong>s cognitivas às outras técnicas, e<br />

mesmo a toso os elementos <strong>do</strong> universo físico que as ações h<strong>um</strong>anas<br />

implicam.<br />

As categorias e a categorização são produtos organizacionais classificatórios<br />

<strong>do</strong> meio, <strong>por</strong>tanto, influenciáveis, no entanto, se levadas para <strong>um</strong> sistema, a<br />

performance <strong>de</strong> resgate e a utilização das informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s se revelam<br />

muito mais estáveis que a gestão daquelas pro<strong>por</strong>cionada pelo indivíduo e o meio<br />

que o alberga.<br />

A esse respeito, esclarece Marcelo Stopanovski (SD/P) “[...]a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

categorizar é essencial à vida. Nenh<strong>um</strong>a outra habilida<strong>de</strong> é mais fundamental ao<br />

pensamento, à percepção, à ação, à linguagem <strong>do</strong> que a categorização.”<br />

110<br />

“A categorização integra o intelecto e o físico em âmbito biológico, mediante a sensação e a<br />

percepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ao re<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> inclusive provocada <strong>por</strong> estímulos externos. Há to<strong>do</strong> <strong>um</strong><br />

aspecto nas neurociências para a explicação biológica <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento <strong>do</strong> organismo no processo<br />

<strong>de</strong> categorizar. A categorização também se manifesta mediante a interação <strong>do</strong> indivíduo com o<br />

mun<strong>do</strong>. Sem esta não há ins<strong>um</strong>o para que o processo se dê, o gesto categorial implica o<br />

conhecimento <strong>do</strong> <strong>novo</strong> ou a ressignificação <strong>do</strong> já conheci<strong>do</strong>. Lima (2007, p. 158) enuncia que “a<br />

categorização <strong>passo</strong>u <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>cognitivo</strong> individual a <strong>um</strong> processo cultural e social <strong>de</strong><br />

construção da realida<strong>de</strong>” (SILVA, Ovídio A. Baptista; GOMES, Fábio Luiz Gomes. Teoria Geral <strong>do</strong><br />

Processo Civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2011, p. 307).”


134<br />

Além <strong>de</strong> categorizar todas as <strong>de</strong>mais formas, méto<strong>do</strong>s e engenharias para se<br />

compreen<strong>de</strong>rem as funções e as funcionalida<strong>de</strong>s, a mente h<strong>um</strong>ana tem leva<strong>do</strong><br />

gran<strong>de</strong>s teóricos a participar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s e questionáveis experimentos.<br />

Na teoria da representação da mente, a busca <strong>de</strong> tentar <strong>de</strong>svendar como a<br />

mente opera representativamente é <strong>um</strong>a incógnita. Os processos mentais, a<br />

estrutura e os procedimentos mescla<strong>do</strong>s pelas ciências cognitivas e o senso com<strong>um</strong><br />

tentam dar <strong>um</strong>a explicação que represente a realida<strong>de</strong> vigente.<br />

Em artigo publica<strong>do</strong> pela primeira vez qui 30 março <strong>de</strong> 2000, a revisão<br />

substantiva em ter 11 <strong>de</strong>z 2012 http://plato.stanford.edu/entries/mentalrepresentation/,<br />

sobre a representação mental, o contrato pronto é evi<strong>de</strong>nte, senão<br />

vejamos:<br />

Realistas intencionais, como Duestske (<strong>por</strong> exemplo, 1988) e nota <strong>de</strong> Fo<strong>do</strong>r<br />

(<strong>por</strong> exemplo, 1987) que as generalizações que aplicamos na vida cotidiana<br />

em prever e explicar cada com<strong>por</strong>tamento <strong>do</strong> outro (muitas vezes<br />

referenda<strong>do</strong>s coletivamente como “psicologia popular”) são extremamente<br />

bem sucedidas e indispensáveis. Aquilo em que <strong>um</strong>a pessoa acredita, <strong>de</strong><br />

que duvida, que <strong>de</strong>seja, tema, etc é <strong>um</strong> indica<strong>do</strong>r altamente confiável <strong>do</strong><br />

que essa pessoa vai fazer, e não se tem <strong>um</strong>a outra maneira <strong>de</strong> fazer senti<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> cada com<strong>por</strong>tamento <strong>do</strong> outro na atribuição <strong>de</strong> tais esta<strong>do</strong>s, mesmo que<br />

aplican<strong>do</strong> generalizações relevantes. Estamos, assim, comprometi<strong>do</strong>s com<br />

a verda<strong>de</strong> fundamental da psicologia <strong>do</strong> senso com<strong>um</strong> e, <strong>por</strong>tanto, a<br />

existência <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s a que as generalizações se referem.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, em trecho da mesma citação:<br />

Eliminativistas intencionais, como Churchland (talvez) Dennett e (ao mesmo<br />

tempo) Stich arg<strong>um</strong>entam que não há coisas como atitu<strong>de</strong>s proposicionais<br />

(e seus constituintes esta<strong>do</strong>s representacionais); elas estão implicadas com<br />

a explicação e a previsão <strong>de</strong> sucesso <strong>de</strong> nossas vidas mentais e <strong>de</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento. Churchland nega que as generalizações, senso com<strong>um</strong>,<br />

psicologias, atitu<strong>de</strong>s proposionais sejam verda<strong>de</strong>iras. Ele (1981) arg<strong>um</strong>enta<br />

que a psicologia popular é <strong>um</strong>a teoria da mente com <strong>um</strong>a larga história <strong>de</strong><br />

fracasso e <strong>de</strong>clínio, e que resiste à incor<strong>por</strong>ação no quadro das mo<strong>de</strong>rnas<br />

teorias científicas (incluin<strong>do</strong> a psicologia cognitiva).<br />

Da relação reflexiva entre as duas posições (Realistas intencionais x<br />

Eliminativistas intencionais), embora seja possível reconhecer neles em alguns<br />

momentos a concretização <strong>de</strong> alguns casos, <strong>um</strong>a extensão com êxito da psicologia<br />

<strong>do</strong> senso com<strong>um</strong>, da “psicologia popular”, estabelecida secularmente, tais condições<br />

não se sustentam plenamente.


135<br />

O risco da influenciabilida<strong>de</strong> nas <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong> homem, existente na obscura<br />

seara da complexida<strong>de</strong> da mente h<strong>um</strong>ana em que habitam suas faculda<strong>de</strong>s<br />

psicologizadas, tu<strong>do</strong> indica que as entida<strong>de</strong>s que permeiam a explicação<br />

com<strong>por</strong>tamental não têm assento ou estatuto racional suficientes em bases<br />

cientificamente comprováveis.<br />

Isso se dá <strong>por</strong> força das relações <strong>de</strong> causa e efeito na tentativa <strong>de</strong> explicar as<br />

relações com<strong>por</strong>tamentais, pois, sem <strong>um</strong>a teorização da mente, as explicações<br />

sobre essas relações <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> tornam-se duvi<strong>do</strong>sas, quan<strong>do</strong> não<br />

somente especulativas.<br />

A partir das proprieda<strong>de</strong>s que compõem tal relação psicológica, em que os<br />

atos se submetem a <strong>um</strong>a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efeitos intrínsecos e extrínsecos, o<br />

comprometimento das proprieda<strong>de</strong>s elementares <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> mental é inevitável pelo<br />

fator da imprevisibilida<strong>de</strong> advinda <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> funcionamento, como esclarece<br />

(Tye, 2000).<br />

Tye (2000) os distingue em termos <strong>de</strong> seus papéis funcionais e da estrutura<br />

intrínseca <strong>de</strong> seus veículos: pensamentos são representações em <strong>um</strong> meio<br />

semelhante à linguagem, ao <strong>passo</strong> que as experiências são imagens como<br />

representações que consistam em (Cf.o “símbolo cheias <strong>de</strong> matizes” conto<br />

<strong>de</strong> imagens mentais na Tye 1991).<br />

As proprieda<strong>de</strong>s fenomenais da experiência são responsáveis <strong>por</strong> cristalizar<br />

imagens pro<strong>por</strong>cionadas <strong>por</strong> aquela, o que é diferente no pensamento e na<br />

experiência <strong>de</strong> cada indivíduo, o que é causa provável e faz com que o correlato<br />

risco da coexistência <strong>de</strong> conflito possa surgir.<br />

É evi<strong>de</strong>nte que a não uniformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento e da experiência é <strong>um</strong><br />

fenômeno variável incognoscível entre a espécie h<strong>um</strong>ana, mas <strong>de</strong> fácil constatação,<br />

<strong>por</strong>tanto, Horkheimer esclarece (2013, p. 13): “A plausibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s i<strong>de</strong>ais, os<br />

critérios que norteiam nossa ações e crenças, os princípios orienta<strong>do</strong>res da ética e<br />

da política, todas as nossas <strong>de</strong>cisões supremas, tu<strong>do</strong> isso <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fatores<br />

outros que não a razão”.


136<br />

O ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, há tanto clama<strong>do</strong> pela objetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> tribunal no objetivo<br />

racional, não po<strong>de</strong> garantir imparcialida<strong>de</strong> e neutralida<strong>de</strong>, que se complementam<br />

<strong>por</strong>que a supremacia das <strong>de</strong>cisões é pautada <strong>por</strong> valores éticos subjetivos, distintos<br />

das regras morais objetivas estabelecidas pelo homem. 111 A instabilida<strong>de</strong> que se<br />

encontra nos cenários da realida<strong>de</strong> social, na medida em que as relações mais<br />

diversas recebem tratamentos também diversos e <strong>de</strong>suniformes causa<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

angústia insuperável, confere ao homem <strong>um</strong> caráter <strong>de</strong> incompletu<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

servir sua <strong>inteligência</strong>, <strong>de</strong> base segura, para a realização <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> julgar.<br />

A ineficiência da capacida<strong>de</strong> racional <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir tem leva<strong>do</strong> o homem,<br />

opera<strong>do</strong>r <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões, ao <strong>de</strong>scrédito da instituição que ele representa<br />

como elemento maior.<br />

Buzzaid, nos i<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1973, nas exposições <strong>de</strong> motivo já informava que o<br />

malogro da Justiça não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser atribuí<strong>do</strong> ao processo, pois, para que a Justiça<br />

acontecesse efetivamente, haveria <strong>de</strong> ter bons juízes.<br />

Além disso, o mal da morosida<strong>de</strong>, da falta <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> material e outras<br />

mazelas da Justiça, sua não solução como causa central não po<strong>de</strong>m ser senão o<br />

próprio homem.<br />

Há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se avaliar e reavaliar o quanto a interferência <strong>do</strong>s<br />

valores influencia seus atos e o quanto (tempo) ainda a socieda<strong>de</strong> hesita em insistir<br />

com sua participação direta à frente <strong>do</strong> sistema judiciário como protagonista <strong>do</strong> ato<br />

<strong>de</strong> julgar.<br />

Os valores psicológicos, sociológicos, antropológicos, <strong>de</strong>ntre outros têm aos<br />

poucos da<strong>do</strong> explicações científicas, sugestiona-se o homem a afastar-se da<br />

inc<strong>um</strong>bência racional ou racionalizante, <strong>de</strong> participar ativamente <strong>de</strong> atos ou ações<br />

<strong>de</strong>cisórias, em que o escopo se revela inatingível.<br />

Forçar a execução <strong>de</strong> <strong>um</strong>a missão impossível, senão cinematograficamente,<br />

tem-se revela<strong>do</strong> como <strong>um</strong> ato irracional, tal como a vã tentativa <strong>de</strong> dar objetivida<strong>de</strong><br />

111<br />

Como esclarece Goldstein, “A inevitável incompletu<strong>de</strong> até <strong>de</strong> nossos sistemas formais <strong>de</strong><br />

pensamento <strong>de</strong>monstra que não existe <strong>um</strong> fundamento sóli<strong>do</strong> que sirva <strong>de</strong> base a qualquer sistema.<br />

Todas as verda<strong>de</strong>s <strong>–</strong> mesmo aquelas que pareciam tão certas a ponto <strong>de</strong> serem imunes a toda<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão <strong>–</strong> são essencialmente manipuladas. De fato, a própria noção da verda<strong>de</strong><br />

objetiva é <strong>um</strong> mito socialmente construí<strong>do</strong>. Nossas mentes cognoscentes não estão entranhadas na<br />

verda<strong>de</strong>. Pelo contrário, toda a noção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> está entranhada em nossas mentes, elas próprias<br />

os lacaios involuntários <strong>de</strong> formas organizacionais <strong>de</strong> influência. A epistemologia nada mais é que a<br />

sociologia <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>. Assim é, <strong>de</strong> certa forma, a versão pós-mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> Go<strong>de</strong>l (GOLDSTEIN,<br />

Rebecca. Incompletu<strong>de</strong>: a prova e o para<strong>do</strong>xo <strong>de</strong> Kurt Gö<strong>de</strong>l; tradução Ivo Korytowski. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 2008, p. 21).”


137<br />

legal, ou seja, <strong>de</strong> atingir <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> regulatório e satisfatório a objetivida<strong>de</strong> resolutiva<br />

<strong>do</strong>s problemas, face à complexida<strong>de</strong> da realida<strong>de</strong> social existente, aliada à<br />

falibilida<strong>de</strong>.<br />

O sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões tenta superar essas dificulda<strong>de</strong>s, à pro<strong>por</strong>ção que o<br />

com<strong>por</strong>tamento é baliza<strong>do</strong> <strong>por</strong> padrões reconheci<strong>do</strong>s pela lei, todavia, implícita e<br />

subjetivamente, o opera<strong>do</strong>r se envolve mesclan<strong>do</strong> ou mixan<strong>do</strong> a objetivida<strong>de</strong> da lei<br />

com sua pessoalida<strong>de</strong> e subjetivida<strong>de</strong> intelectivas manejadas pelas técnicas <strong>de</strong><br />

interpretação <strong>de</strong>senvolvidas pelo próprio sistema, como tentativa <strong>de</strong> garantir a<br />

estabilização e a efetivida<strong>de</strong> da materialida<strong>de</strong> normativa.<br />

O problema evi<strong>de</strong>nte, <strong>por</strong>tanto, encontra dimensionamento no caminho que<br />

me<strong>de</strong>ia entre a objetivida<strong>de</strong> normativa, e as ações h<strong>um</strong>anas objetiva <strong>do</strong> opera<strong>do</strong>r,<br />

além <strong>do</strong>s fatores sociais que o envolvem.<br />

A capacida<strong>de</strong> racional da consciência enfrenta a encruzilhada intelectual da<br />

psique e sua arriscada travessia na busca da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ass<strong>um</strong>ir a real<br />

certeza no terreno da Justiça material.<br />

Os fins objetiva<strong>do</strong>s pelo homem em muitos aspectos se per<strong>de</strong>m nos meios,<br />

visto que sua cognição limitada implica <strong>um</strong>a limitada capacida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>cidir, o que<br />

faz com que a insegurança e outros fatores aflorem, colocan<strong>do</strong> em risco o próprio<br />

sistema jurídico.


138<br />

7 O SISTEMA NEUROLÓGICO HUMANO<br />

7.1 A dinâmica <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e sua im<strong>por</strong>tante contribuição para o rompimento<br />

<strong>de</strong> <strong>limite</strong>s<br />

O sistema neurológico <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, atualmente, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se o estágio <strong>do</strong><br />

avanço da ciência da medicina, tem-se <strong>de</strong>scoberto tão complexo quanto imaginamos<br />

ser. É suscetível <strong>de</strong> ser representativo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a das viagens r<strong>um</strong>o ao <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> <strong>por</strong> on<strong>de</strong> caminha a vida h<strong>um</strong>ana cerebral e todas as suas faculda<strong>de</strong>s, tais<br />

como: memória, mente, consciência, pensamento, percepção <strong>de</strong>ntre outras.<br />

Se a hipótese da viagem se converte concretamente, existe <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong><br />

probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu retorno, ter o pesquisa<strong>do</strong>r cria<strong>do</strong> <strong>um</strong>a teoria da<br />

mente h<strong>um</strong>ana, o que ainda não existe, <strong>por</strong>ém se apresenta como <strong>um</strong>a hipótese<br />

<strong>de</strong>safia<strong>do</strong>ra que se refugia no mun<strong>do</strong> da pesquisa, diuturnamente.<br />

O caráter científico como forma <strong>de</strong> obter informações, <strong>de</strong> como o cérebro<br />

funciona está valida<strong>do</strong> e justifica-se tamanho <strong>de</strong>safio. Esse, <strong>por</strong>tanto, é a <strong>um</strong>a das<br />

missões mais <strong>de</strong>safia<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> atual estágio <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da ciência e <strong>do</strong>s<br />

cientistas que se ocupam <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

Toda fronteira disponibiliza <strong>um</strong>a linha com o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>. A psicologia e a<br />

neurobiologia em todas as antigas e mo<strong>de</strong>rnas escolas fornecem vasta literatura<br />

para dar condições à compreensão e à explicação aos fenômenos envolven<strong>do</strong> a<br />

mente <strong>do</strong> homem. 112<br />

112<br />

Para Lévy, “A ecologia cognitiva nos incita a revisar a distribuição kantiana <strong>do</strong>s papéis entre<br />

sujeitos e objetos. A psicologia contem<strong>por</strong>ânea e a neurobiologia já confirmaram que o sistema<br />

<strong>cognitivo</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> não é <strong>um</strong>a tábua rasa. Sua arquitetura e seus diferentes módulos especializa<strong>do</strong>s<br />

organizam nossas percepções, nossa memória e nossos raciocínios, <strong>de</strong> forma muito restritiva. Mas<br />

articulamos aos aparelhos especializa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> nosso sistema nervoso dispositivos <strong>de</strong> representação e<br />

<strong>de</strong> processamento da informação que são exteriores a eles. Construímos automatismos (como o da<br />

leitura) que soldam muito estreitamente os módulos biológicos e as tecnologias intelectuais, o que<br />

significa que não há nem razão pura nem sujeito transcen<strong>de</strong>ntal invariável. Des<strong>de</strong> o nascimento, o<br />

pequeno <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> pensante se constitui através <strong>de</strong> línguas, <strong>de</strong> máquinas, <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong><br />

representação que irão estruturar sua experiência (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o<br />

futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Ed. 34, 2011, p. 163).”


139<br />

De <strong>um</strong>a forma mais restritiva, para tentar aproximar-se melhor da realida<strong>de</strong><br />

científica e extrair <strong>de</strong>ssa <strong>um</strong>a maior compreensão <strong>de</strong> como se estabelecem as<br />

funcionalida<strong>de</strong>s cerebrais <strong>do</strong> homem, é preciso estudá-lo em suas minúcias. Nesse<br />

contexto, a psicologia, neurologia e suas áreas <strong>de</strong>rivadas em especialização são<br />

ciências que vêm buscan<strong>do</strong> dar efetiva resposta.<br />

Ainda que não se esgote to<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong>, a proposta <strong>de</strong> sistematização<br />

ofertada pelas referidas áreas <strong>de</strong> pesquisa ten<strong>de</strong> a cada momento <strong>de</strong> seu trabalho<br />

avançar na <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novas informações e da<strong>do</strong>s que possam contribuir com o<br />

avanço da própria ciência.<br />

Essa dinâmica é compatível com a natureza da ciência, <strong>do</strong> <strong>de</strong>finitivo, <strong>por</strong>ém<br />

sempre provisório. Esquematizar e ilustrar como a máquina central operacional que<br />

comanda a biossistema <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>de</strong>senvolve suas funcionalida<strong>de</strong>s e revela-se<br />

essencial como pressuposto necessário para a comprovação da limitação cognitiva.<br />

Isso é evi<strong>de</strong>nte, visto que o próprio homem sequer consegue explicar-se<br />

frente aos mistérios <strong>de</strong> seu sistema processa<strong>do</strong>r e programa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias,<br />

pensamentos, <strong>de</strong>cisões e <strong>de</strong>mais atos que, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma ou <strong>de</strong> outra, esbocem seu<br />

ato volitivo intencional em prover <strong>um</strong>a ação positiva ou negativa.<br />

O processo histórico <strong>do</strong> homem registra momentos <strong>de</strong> crença e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença,<br />

não somente sobre aquilo que não enxerga como o seu contrário. Esse retrato, que<br />

ilustra <strong>um</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> texto e contexto social, revela que o conhecimento, as<br />

faculda<strong>de</strong>s intelectivas e neurais, e a cognoscibilida<strong>de</strong> sobre os objetos e o mun<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma geral não se encontram <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua cabeça.<br />

Comprova-se, <strong>de</strong>ssa maneira, que a capacida<strong>de</strong> cognitiva <strong>do</strong> ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e<br />

sua relação com as coisas e o mun<strong>do</strong> seja <strong>um</strong> processo exógeno. Por outro la<strong>do</strong>, há<br />

que se consi<strong>de</strong>rar, e não restam dúvidas a respeito disso, que to<strong>do</strong> o processo<br />

intelectivo seja realiza<strong>do</strong> en<strong>do</strong>genamente.<br />

Essa gestão neural-intelectual acontece <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, que é<br />

abasteci<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s empiricamente cataloga<strong>do</strong>s pela<br />

racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana na socieda<strong>de</strong> em que vive. Tal processo gera condições para<br />

que o indivíduo se compreenda e consiga relacionar-se bem com as coisas e seus<br />

assemelha<strong>do</strong>s perante o mun<strong>do</strong> que os ro<strong>de</strong>ia.


140<br />

O processo aponta<strong>do</strong> ainda permite o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s e<br />

competências que coloquem o indivíduo em condições <strong>de</strong> atingir a cada instante <strong>um</strong><br />

ponto diferente em sua existência. Para Oliveira Lima (2010, p. 2), em artigo<br />

intitula<strong>do</strong> “Mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> categorização: apresentan<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo clássico e o mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> protótipos geram inquietações”:<br />

Des<strong>de</strong> a época <strong>de</strong> Aristóteles, já havia a preocupação com as práticas <strong>de</strong><br />

nomear, <strong>de</strong>finir e categorizar. Com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s na<br />

ciência cognitiva, a visão <strong>de</strong> como categorizamos sofreu modificações. A<br />

categorização <strong>passo</strong>u <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>cognitivo</strong> individual a <strong>um</strong> processo<br />

cultural e social <strong>de</strong> construção da realida<strong>de</strong> que organiza conceitos,<br />

parcialmente basea<strong>do</strong>s na psicologia <strong>do</strong> pensamento. A informação<br />

perceptiva e fundamental na <strong>de</strong>finição das extensões <strong>de</strong> <strong>um</strong>a categoria,<br />

<strong>por</strong>que, a categorização não é feita <strong>artificial</strong>mente, mas, sim, levan<strong>do</strong>-se em<br />

conta as informações <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a que pertencemos e como respon<strong>de</strong>mos a<br />

elas. Na categorização, o reconhecimento das similarida<strong>de</strong>s e diferenças<br />

leva a criação <strong>de</strong> <strong>um</strong> conhecimento <strong>novo</strong>, pelo agrupamento <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as similarida<strong>de</strong>s e diferenças observadas.<br />

Nota-se que o aspecto essencial da cognição é a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> categorizar:<br />

julgar que <strong>um</strong>a coisa particular é ou não é, é <strong>um</strong> exemplo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a categoria<br />

particular. Nesse processo, entida<strong>de</strong>s distintas são tratadas como equivalentes, o<br />

que faz a categorização ser consi<strong>de</strong>rada como <strong>um</strong> <strong>do</strong>s principais processos<br />

<strong>cognitivo</strong>s para organizar e conduzir a compreensão <strong>de</strong> como a cultura e a<br />

socieda<strong>de</strong> edificam sua realida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> conceitos.<br />

Sabe-se que as ciências cognitivas têm como objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> os processos<br />

gerais regentes da percepção, da organização, <strong>do</strong> armazenamento, da recuperação<br />

e da utilização <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e informações, bem como <strong>de</strong> formas como se organiza a<br />

representação <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s.<br />

A organização conceitual está diretamente relacionada à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

apren<strong>de</strong>r. Ela supõe, então, que a assimilação <strong>de</strong> novas informações, sua<br />

estocagem e sua acomodação são materialmente construções realizadas <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a psicologia <strong>do</strong> pensamento. 113 To<strong>do</strong> esse processo é realiza<strong>do</strong><br />

113 Segun<strong>do</strong> Bezerra (2011, p. 2), “Esta realida<strong>de</strong> exige como condição para a mudança, não<br />

apenas a solução <strong>de</strong> problemas estruturais das escolas, mas também conhecimento <strong>de</strong> como<br />

realmente se apren<strong>de</strong> e o que acontece quan<strong>do</strong> apren<strong>de</strong>mos, subsídio que po<strong>de</strong> ser forneci<strong>do</strong> pelas<br />

neurociências”. E complementa o mesmo autor (2011, p. 5): “À década <strong>de</strong> 90 <strong>–</strong> conhecida como a<br />

“década <strong>do</strong> cérebro” <strong>–</strong> trouxe avanços tecnológicos e ferramentas para estudar a estrutura cerebral e<br />

seu funcionamento. As técnicas <strong>de</strong> neuroimagem possibilitaram <strong>um</strong> mapeamento <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong><br />

e trouxeram subsídios para <strong>um</strong> maior conhecimento <strong>do</strong>s mecanismos <strong>cognitivo</strong>s. Esses <strong>novo</strong>s<br />

conhecimentos nos possibilitam saber que lidamos, pre<strong>do</strong>minantemente com três estilos <strong>de</strong><br />

aprendizes. São eles: 1) aprendizes visuais que prestarão <strong>um</strong>a atenção particular às informações


141<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> a partir <strong>do</strong> contato <strong>do</strong> homem com os objetos e com o<br />

mun<strong>do</strong>. Uma das questões que vai além da busca <strong>por</strong> compreen<strong>de</strong>r como é<br />

realiza<strong>do</strong> tal fenômeno seria, a partir <strong>de</strong>ssa compreensão (teorização), obter a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trans<strong>por</strong>tar e replicar as funções categoriais para <strong>um</strong>a base <strong>artificial</strong>,<br />

conservan<strong>do</strong> nela to<strong>do</strong> o processo realiza<strong>do</strong> pelo cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

O questionamento <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a perspectiva <strong>de</strong>senvolvimentista<br />

apresenta-se no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> possível, <strong>um</strong>a vez que, se a cognição é <strong>um</strong> processo <strong>de</strong><br />

categorização da mente, é possível que tal organização possa ser realizada a partir<br />

<strong>de</strong> estrutras lógicas e/ou <strong>de</strong> algoritmos e sistemas <strong>de</strong> cognição <strong>artificial</strong>mente<br />

programa<strong>do</strong>s.<br />

Em simetria com a estrutura cognitiva <strong>do</strong> cérebro e suas faculda<strong>de</strong>s<br />

funcionais e reservan<strong>do</strong> a natureza formal e material <strong>de</strong> cada sistema, resta <strong>um</strong>a via<br />

restritiva quanto ao processamento das categorias cerebrais, da<strong>do</strong> o mapeamento<br />

<strong>de</strong> todas as possibilida<strong>de</strong>s categoriais.<br />

A mente h<strong>um</strong>ana é <strong>um</strong> centro <strong>de</strong>codifica<strong>do</strong>r e <strong>de</strong> interpretação das<br />

informações flui<strong>do</strong> também semanticamente. Busca-se na mente, <strong>por</strong> seus recursos,<br />

o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s objetos enquanto coisas e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> enquanto fenômeno <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos, em que a transformação que <strong>de</strong>corre <strong>de</strong>ssa interação produz,<br />

<strong>novo</strong>s conhecimentos. 114<br />

visuais, incluin<strong>do</strong> texto; 2) aprendizes auditivos para quem as informações tornam-se mais<br />

assimiláveis pela discussão; 3) aprendizes cinestésicos ou táteis que apren<strong>de</strong>m melhor quan<strong>do</strong><br />

envolvem diretamente o corpo e po<strong>de</strong>m precisar se “tornar” aquilo que estão apren<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

(SPRENGER, 2008, p. 33)”.<br />

114<br />

Para Oliveira Lima: “Nosso conhecimento resi<strong>de</strong> na memória semântica, a qual Eklund (1995, p.4)<br />

<strong>de</strong>fine como <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> conceitos inter-relaciona<strong>do</strong>s. Os processos <strong>cognitivo</strong>s são ativida<strong>de</strong>s<br />

mentais como o pensamento, a imaginação, a lembrança e solução <strong>de</strong> problemas (ALLEN, 1991, p.<br />

13). Como ocorre em outras situações h<strong>um</strong>anas, essas ativida<strong>de</strong>s diferentes <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> em<br />

raciocínio lógico e em memória visual po<strong>de</strong>m afetar o <strong>de</strong>sempenho na recuperação da informação. A<br />

cognição h<strong>um</strong>ana é essencialmente organizada como <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> semântica, na qual conceitos são<br />

liga<strong>do</strong>s pelas associações (LIMA, Gernica Ângela Borém <strong>de</strong> Oliveira. Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> categorização:<br />

apresentan<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo clássico e o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> protótipos. Perspectivas em Ciência da Informação,<br />

Belo Horizonte, v. 15, n. 2, mai./jun.2010, p. 3. Disponível em:<br />

. Acesso em: 10 abr.<br />

2013)”.


142<br />

Embora semelhantes, a estrutura e o mo<strong>de</strong>lo funcional, em que pese estarem<br />

em consonância com a psicologia clássica <strong>de</strong> Hull, apresentam as complexida<strong>de</strong>s e<br />

as capacida<strong>de</strong>s em habilida<strong>de</strong>s e competências <strong>do</strong> que aconteceu no cérebro<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, que o fazem ser <strong>um</strong> “Ser” integrativo cujo pensamento, processa<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

forma, é exterioriza<strong>do</strong> através <strong>de</strong> <strong>um</strong>a outra forma <strong>de</strong> cognição: a cognição<br />

linguística.<br />

As cognições são formas <strong>de</strong> conhecimentos, e não existe apenas <strong>um</strong>a forma<br />

<strong>de</strong>las; é com<strong>um</strong> que não se <strong>limite</strong>m aos <strong>limite</strong>s <strong>de</strong> seus conceitos que, embora<br />

<strong>por</strong>ta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>de</strong>finições, esclarecimentos, compreensão <strong>do</strong> que são, promovam a<br />

interativida<strong>de</strong> e a integração <strong>do</strong>s antigos aos <strong>novo</strong>s conhecimentos, até o <strong>limite</strong> <strong>de</strong><br />

sua capacida<strong>de</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>-se, pois, afirmar que o ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> é peculiar em <strong>de</strong>trimento das <strong>de</strong>mais<br />

espécie animais, <strong>por</strong>que sua estrutura cerebral e suas faculda<strong>de</strong>s intelectuais que<br />

habitam o sistema neural são responsáveis <strong>por</strong> <strong>de</strong>finir seu funcionamento com<br />

propósitos distintos, que vão além <strong>de</strong> sua mera sobrevivência. Essa peculiar<br />

distinção, todavia, não o isenta <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong> ambiente que o envolve e <strong>de</strong>mais<br />

fatores que possam influenciá-lo cognitivamente <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma.<br />

A complexida<strong>de</strong> e a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores têm torna<strong>do</strong> a caminhada <strong>do</strong><br />

homem muito mais distante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a explicação <strong>de</strong>finitiva sobre si e seus propósitos,<br />

como <strong>um</strong>a das espécies que habita não isoladamente <strong>um</strong>a das galáxias <strong>do</strong> sistema<br />

solar.<br />

A relação <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> e <strong>de</strong> representação, apesar <strong>de</strong> não <strong>artificial</strong>mente<br />

construída, acontece a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> contato <strong>do</strong> homem (que tem conhecimento sobre<br />

o mun<strong>do</strong> ou passa a tê-lo pela interação inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte) e o mun<strong>do</strong> (que interage<br />

sobre ele). É nesse fluxo que a comunicação se estabelece e tu<strong>do</strong> acontece. 115<br />

115<br />

Para Azeve<strong>do</strong>, “Significa<strong>do</strong> <strong>–</strong> Para Langacker (2004), na perspectiva da linguística cognitiva, os<br />

significa<strong>do</strong>s estão nas mentes <strong>do</strong>s falantes e ouvintes. A concepção <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo não é, no entanto,<br />

estática, mas sim compatível com a visão interativa <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> (como emergin<strong>do</strong> na interação<br />

social) sen<strong>do</strong> co-construí<strong>do</strong> com base nas várias dimensões <strong>do</strong> contexto. Para o autor, nas mentes<br />

encontram-se preconcepções, expectativas acerca <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s usuais das palavras, bases sobre<br />

as quais a negociação po<strong>de</strong> ocorrer. Langacker (2004) <strong>de</strong>fine significa<strong>do</strong> linguístico <strong>de</strong> maneira não<br />

técnica, admite ser a <strong>de</strong>finição vaga, apesar <strong>de</strong> preferi-la a outra mais precisa, mas que totalmente<br />

composicional: “... além <strong>de</strong> elementos que sejam inquestionavelmente semânticos, o significa<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a expressão inclui quanta estrutura adicional for necessária para tornar a conceptualização<br />

coerente e refletir o que o falante ingenuamente veria como sen<strong>do</strong> o que se quis dizer e o que se<br />

disse, enquanto excluir fatos que sejam inquestionavelmente pragmáticos e <strong>de</strong>snecessários para se<br />

fazer senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> que está linguisticamente certifica<strong>do</strong> (AZEVEDO, Adriana Maria Tenuta <strong>de</strong>.<br />

Estrutura narrativa e espaços mentais. Belo Horizonte: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da UFMG, 2006, p. 25.<br />

Disponível em:


143<br />

A comunicação realizada no cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> acontece <strong>de</strong> diversas formas,<br />

todavia o que pre<strong>do</strong>mina na comunicação h<strong>um</strong>ana com<strong>um</strong>ente é a linguagem<br />

semântica cognitiva.<br />

Linguisticamente, representa <strong>um</strong> fio condutor para a acessibilida<strong>de</strong> da<br />

comunicação e realiza a estruturação <strong>do</strong> conhecimento. A linguagem é <strong>de</strong>cisiva para<br />

<strong>de</strong>finir-se em que frequência a mente h<strong>um</strong>ana irá estabelecer o processo <strong>de</strong><br />

comunicação e as funções <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> processo neural.<br />

A ativida<strong>de</strong> primordial <strong>do</strong>s cientistas que se <strong>de</strong>dicaram ao funcionamento <strong>do</strong><br />

cérebro é catalogar, <strong>de</strong>finir e conceituar as inúmeras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ações e<br />

reações realizadas pelo sistema cerebral neural. A categorização das faculda<strong>de</strong>s<br />

mentais, da<strong>do</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento da ciência e sua integração, já é avançada,<br />

entretanto não ainda o suficiente a atingir a completu<strong>de</strong>/teorização <strong>do</strong> cérebro. O<br />

homem, em muitos aspectos, a este respeito, já está reposiciona<strong>do</strong> para não colidir<br />

com os <strong>novo</strong>s territórios <strong>cognitivo</strong>s que hão <strong>de</strong> ser conquista<strong>do</strong>s.<br />

Esse trabalho, o da pesquisa contínua, em que há sempre novas<br />

<strong>de</strong>scobertas, também tem contribuí<strong>do</strong> para o seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento entrópico,<br />

<strong>um</strong>a vez que a troca <strong>de</strong> energias entre o <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e o tecnológico tem <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> o<br />

avanço <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s horizontes. Esclarece Azeve<strong>do</strong> (2006, p. 30):<br />

Esquemas nesse contexto são expectativas construídas ten<strong>do</strong> <strong>por</strong> base<br />

nossas rotinas, são parte <strong>de</strong> nossa história. Ao interagirmos com o mun<strong>do</strong>,<br />

não partimos <strong>de</strong> <strong>um</strong> ponto zero; a to<strong>do</strong> instante, temos <strong>por</strong> base certas<br />

expectativas em relação ao universo à nossa volta, esquemas<br />

internaliza<strong>do</strong>s.<br />

A própria interação e a negociação constantes garantem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

alteração e flexibilização. Esquemas, <strong>por</strong>tanto, não apresentam caráter <strong>de</strong> rigi<strong>de</strong>z ou<br />

constância absoluta. É <strong>um</strong> processo dinâmico <strong>de</strong> materialização e <strong>de</strong> rotinização da<br />

experiência que habita o sistema neural cerebral.<br />

Relacionadas a essas expectativas, mapas <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s semânticas,<br />

ainda há os esquemas <strong>de</strong> evento que, <strong>por</strong> sua vez, são situações iminentes e <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s sobre toda <strong>um</strong>a sequência <strong>de</strong> acontecimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s<br />

eventos.<br />

Livros/Estrutura%20Narrativa%20&%20Espa%C3%A7os%20Mentais.pdf>. Acesso em: 14 abr.<br />

2013).”


144<br />

A compreensão <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> item lexical envolve conhecimento (s),<br />

esquema (s) ao (s) qual (is) esse item pertence, no contexto <strong>de</strong> uso. As palavras<br />

evocam sistema (s), re<strong>de</strong>s emergentes <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s, aplicáveis a qualquer nível<br />

gramatical: ao léxico, à morfologia, à sintaxe, ao discurso.<br />

A estrutura esquemática narrada e as imagens produzidas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> espectro<br />

<strong>do</strong> espaço mental são formas <strong>de</strong> linguagens que pro<strong>por</strong>cionam a comunicação <strong>do</strong><br />

homem com o mun<strong>do</strong>.<br />

Nesse ambiente, o sistema neural processa to<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s e informações e<br />

em tal processo realiza subjacentemente outras produções. Tais cenários mentais<br />

catalogam informações empíricas e racionais. A linguística da linguagem h<strong>um</strong>ana, se<br />

está nesse grau <strong>de</strong> avanço e contínuo estu<strong>do</strong> em pesquisa, é <strong>por</strong>que busca dar <strong>um</strong>a<br />

explicação ao fenômeno da comunicação. Isso se dá pelo foco e pela repetição.<br />

O processamento das re<strong>de</strong>s neurais ainda passa <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong><br />

catalogação, todavia, concomitantemente com a conceituação das partes, <strong>do</strong>s<br />

setores e da linguagem utilizada, acontece sistematicamente a comunicação.<br />

A comunicação e a compreensão são vivenciadas no dia a dia. O dinamismo<br />

e a forma como isso acontece são media<strong>do</strong>s pelos estu<strong>do</strong>s da linguística, da<br />

gramática e <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>mais ferramentas. A gramática, a linguística e outras<br />

formas que entremeiam o sistema neural parecem necessárias, são condições para<br />

a comunicabilida<strong>de</strong>.<br />

Os elementos da linguagem, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua natureza, são<br />

essenciais tanto quanto as estruturas que compõem a linguagem tecnológica nos<br />

sistemas binários.<br />

Em ambas as estruturas, alg<strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> linguagem se faz presente para a<br />

existência <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> comunicação. A integração e a conexão para conversão<br />

são pontos essenciais para as comunicações e para as linguagens.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que pelas re<strong>de</strong>s neurais as operações cognitivas constroem o<br />

pensamento, e que neste processo os conceitos são <strong>por</strong>ta<strong>do</strong>s como satélites <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

sistema central, o mapeamento sem agredir o sistema explora<strong>do</strong> é <strong>um</strong>a condição<br />

elementar para o avanço da ciência no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir os elementos neurais<br />

conectores responsáveis pelo funcionamento <strong>do</strong> cérebro, bem como se dá seu<br />

processamento, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as variáveis em probabilida<strong>de</strong>s. 116<br />

116<br />

Para Azeve<strong>do</strong>, “O conceito <strong>de</strong> espaços mentais constitui <strong>um</strong> elemento im<strong>por</strong>tante para a <strong>de</strong>scrição<br />

<strong>de</strong> operações cognitivas ligadas ao pensamento. As expressões linguísticas e a gramática são


145<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Fauconnier, os espaços mentais são catálogos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> real,<br />

<strong>por</strong>ém não são realida<strong>de</strong>s no mun<strong>do</strong> real, pro<strong>por</strong>cionam flui<strong>de</strong>z e contribuem<br />

ocasionalmente <strong>de</strong> forma compartilhada quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>screve o mun<strong>do</strong> real.<br />

A conexão e a integração <strong>do</strong>s “imputs” é o que se <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> mesclagem.<br />

Esse mo<strong>de</strong>lo é <strong>de</strong>cisivo no processo <strong>de</strong> comunicação, conforme esclarece Azeve<strong>do</strong><br />

(2006, p. 45):<br />

Para Coulson & Oskley (2000) a teoria da mesclagem evi<strong>de</strong>ncia a relação<br />

entre a compreensão da linguagem e os processos <strong>de</strong> pensamento e da<br />

ativida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>que, na construção <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>, estão envolvi<strong>do</strong>s,<br />

além das estruturas linguísticas, outros elementos: o contexto, o<br />

conhecimento <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> e as habilida<strong>de</strong>s cognitivas gerais.<br />

Aproprian<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>sses elementos, o sistema neurológico constrói sua<br />

dinâmica <strong>de</strong> funcionamento. Biologicamente existe <strong>um</strong>a correlação natural entre<br />

estrutura cerebral e suas funções, fatores essenciais para a produção científica <strong>de</strong><br />

indica<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>mais formas para se conhecer o funcionamento <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

Nos <strong>limite</strong>s da presente pesquisa, que envolve a relação entre tecnologia<br />

entre <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana e <strong>artificial</strong>, a questão que exige mais explicitação está na<br />

compreensão entre as estruturas e as funções, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a natureza <strong>de</strong> cada<br />

espécie <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>, ou seja, <strong>por</strong> serem respectivamente dinâmica e estática.<br />

Extrair a pertinência sistemática da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana para a biológia é o<br />

mesmo que extrair <strong>do</strong> sistema neurológico cerebral da espécie h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong> forma<br />

objetiva a estrutura esquemática e as funções correspon<strong>de</strong>ntes, dan<strong>do</strong> condições <strong>de</strong><br />

simular em semelhança <strong>por</strong> outro canal em tecnologia em <strong>inteligência</strong> as respectivas<br />

re<strong>de</strong>s. 117 O sistema neurológico <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> é <strong>um</strong> mol<strong>de</strong> complexo <strong>de</strong>ntentor <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

media<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo dinâmico no qual espaços mentais são cria<strong>do</strong>s, estrutura<strong>do</strong>s e<br />

interconecta<strong>do</strong>s. Nesse processo, ocorrem mapeamentos e projeções (metafóricas, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ou<br />

transformação, <strong>de</strong> frames e seus elementos, etc) (AZEVEDO, Adriana Maria Tenuta <strong>de</strong>. Estrutura<br />

narrativa e espaços mentais. Belo Horizonte: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da UFMG, 2006, p. 35.<br />

Disponível em: . Acesso em: 14 abr.<br />

2013).”<br />

117<br />

Segun<strong>do</strong> Changeux, “O biólogo <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>finir previamente níveis hierárquicos pertinentes no plano<br />

funcional, e isto antes mesmo <strong>de</strong> iniciar <strong>um</strong>a pesquisa experimental. / Pois bem, os filósofos <strong>do</strong><br />

“espírito”, os maiores <strong>de</strong>les em especial, como Kant, interessam-se <strong>por</strong> essa questão. Kant distingue<br />

<strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong> três níveis, que me parece ser o caso <strong>de</strong> recordar. / O da sensibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> pela<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber “impressões” <strong>por</strong> meio <strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s. O <strong>do</strong> entendimento, ou<br />

faculda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s conceitos, que permite a síntese <strong>do</strong>s elementos sensíveis. O da razão, que contém os<br />

princípios <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> conceitos espontaneamente produzi<strong>do</strong>s pelo entendimento. Tais distinções<br />

kantianas permitem conceber três níveis <strong>de</strong> abstração: 1. A elaboração <strong>de</strong> representações a partir


146<br />

dinâmica com seus <strong>limite</strong>s no funcionamento neural <strong>do</strong> cérebro da espécie h<strong>um</strong>ana.<br />

Neste aspecto substituí<strong>do</strong> <strong>por</strong> outra linguagem e toda <strong>um</strong>a sistematização distinta,<br />

<strong>por</strong>ém em similiar “simulada” performance, orientou a análise, o projeto e a<br />

construção das re<strong>de</strong>s neurais em Inteligência Artificial.<br />

<strong>do</strong>s objetos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior; 2. Sua abstração em conceitos; 3. A organização <strong>de</strong>sses conceitos<br />

em abstrações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m mais elevada... tu<strong>do</strong> isso, bem entendi<strong>do</strong>, no cérebro. Após havê-las<br />

<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>-se tentar, sob seu próprio risco e perigo, relacionar essas “faculda<strong>de</strong>s” com as<br />

organizações conexionais <strong>de</strong> nosso encéfalo (CHANGEUX. Jean-Pierre; CONNES, Alain. Matéria e<br />

pensamento; tradução Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Ed.Unesp, 1996, p. 99).”


147<br />

8 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL<br />

8.1 Aspectos estruturais e dinâmicos <strong>do</strong> sistema da Inteligência Artificial<br />

A história, às vezes pouco atrativa aos olhos <strong>do</strong>s homens como gênero, faz<br />

brilhar, <strong>por</strong> intermédio das janelas da alma, o inusita<strong>do</strong>, o retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova<br />

realida<strong>de</strong>, frente a seus assemelha<strong>do</strong>s, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada<br />

criatura h<strong>um</strong>ana.<br />

Isso comprova a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> individual da espécie h<strong>um</strong>ana, que, ao mesmo<br />

tempo em que é composta <strong>de</strong> seres iguais, em suas peculiarida<strong>de</strong>s e atributos,<br />

distinguem-se uns <strong>do</strong>s outros, o que é, <strong>por</strong> certo, <strong>um</strong>a das principais causa<strong>do</strong>ras das<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.<br />

A questão que se põe e <strong>de</strong> que <strong>por</strong> vezes se esquece é que o homem sequer<br />

consegue explicar sua própria origem ou o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua vida <strong>de</strong> forma satisfatória.<br />

A crença nas hipóteses e nas suposições acaba dan<strong>do</strong> respostas muitas vezes,<br />

vazias, paliativas e conforta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>ssas inquietações, manten<strong>do</strong> a espécie h<strong>um</strong>ana<br />

em <strong>um</strong> sonho <strong>de</strong> ilusões.<br />

Perdi<strong>do</strong> na odisseia <strong>de</strong> seu eu, no abismo <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong><br />

pela imensurável dimensão <strong>do</strong> universo que o cerca, o homem somente se vale <strong>do</strong>s<br />

<strong>limite</strong>s <strong>de</strong> sua cognição para compreen<strong>de</strong>r o mun<strong>do</strong> que habita. Essa anomalia<br />

cognitiva acredita-se ser <strong>um</strong> <strong>do</strong>s maiores problemas da h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> para seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento positivo e o enfrentamento <strong>do</strong>s <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s <strong>de</strong>safios. Segun<strong>do</strong><br />

Gardner (1995, p. 19),<br />

Defino ciência cognitiva como <strong>um</strong> esforço contem<strong>por</strong>âneo, com<br />

fundamentação empírica, para respon<strong>de</strong>r a questões epistemológicas <strong>de</strong><br />

longa data <strong>–</strong> principalmente aquelas relativas à natureza <strong>do</strong> conhecimento,<br />

seus componentes, suas origens, seu <strong>de</strong>senvolvimento e seu emprego.<br />

No <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, a certeza passa a ser <strong>um</strong> juízo <strong>de</strong> improbabilida<strong>de</strong>, na<br />

medida em que ela e as convicções enfrentam no tempo <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> quase<br />

sempre provisória.


148<br />

Essa ilusão como “ente” faz parte da realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem, me<strong>de</strong>ia suas<br />

in<strong>um</strong>eráveis tentativas pela compreensão <strong>de</strong> seu passa<strong>do</strong>, presente e futuro, muitas<br />

vezes em vão, <strong>por</strong>que o referi<strong>do</strong> exercício tem sua essência em causas pouco<br />

prováveis, dada a provisorieda<strong>de</strong> que ronda.<br />

Isso acontece <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a complexa e influenciável força incontornável e<br />

incomensurável <strong>de</strong> variáveis visíveis e invisíveis que afetam a razão h<strong>um</strong>ana e as<br />

faculda<strong>de</strong>s intelectivas <strong>de</strong>ssa espécie. O limita<strong>do</strong> e insuficiente conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> saber<br />

pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pelas normas cognitivas que o estruturam também é contribuinte<br />

<strong>de</strong>ssa fatalida<strong>de</strong>. Segun<strong>do</strong> Penrose (2014, p. 1375)<br />

Más que intentar respon<strong>de</strong>r a la pregunta ?, lá mayoría <strong>de</strong> los<br />

científicos mo<strong>de</strong>rnos tratarán <strong>de</strong> evitarla. Intentarán arg<strong>um</strong>entar que la<br />

pregunta há sin<strong>do</strong> mal planteada: no <strong>de</strong>beríamos preguntar qué es la<br />

realida<strong>de</strong>, sino meramente como se com<strong>por</strong>ta ? Es, <strong>de</strong> hecho,<br />

una pregunta fundamental que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar que há si<strong>do</strong> uno <strong>de</strong> los<br />

intereses principales <strong>de</strong> este libro. Cómo <strong>de</strong>scribimos las leyes que rigen<br />

nuestro universo y sus conteni<strong>do</strong>s?<br />

Essa misteriosa relação sobre o conhecimento apresenta-se como <strong>um</strong>a<br />

questão <strong>de</strong>licada para a espécie h<strong>um</strong>ana que o concebe como algo exclusivo,<br />

particular, incopiável e irreproduzível <strong>por</strong> qualquer outra forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>, pois<br />

no universo da realida<strong>de</strong> tomada para si passa a pensar que reina<br />

soberanamente. 118 As máquinas provavelmente se afiliam ao conhecimento <strong>por</strong><br />

<strong>de</strong>scrição na <strong>de</strong>nominação russeliana <strong>do</strong> termo, dada sua natureza inanimada, sem<br />

ter o prejuízo quanto aos aspectos qualitativos e quantitativos sempre que a<br />

natureza h<strong>um</strong>ana se encarregar <strong>de</strong> programá-la e introduzir técnicas cognitivas que<br />

reproduzam a condição análoga à espécie h<strong>um</strong>ana. Para Ganascia (1997, p. 72)<br />

seria o estatuto básico <strong>do</strong> conhecimento ou regra matriz <strong>do</strong> conhecimento alberga<strong>do</strong><br />

entre homens e as máquinas:<br />

118<br />

Segun<strong>do</strong> Ganascia (1997, p. 73): “Lembremos <strong>um</strong>a distinção clássica entre <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> termo<br />

“conhecimento”, <strong>um</strong> senti<strong>do</strong> forte, segun<strong>do</strong> o qual, o conhecimento provém <strong>de</strong> <strong>um</strong>a intimida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a familiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> contato prolonga<strong>do</strong> com as coisas; e <strong>um</strong> segun<strong>do</strong> o qual o conhecimento é<br />

transmissível, é ensina<strong>do</strong>. Entendi<strong>do</strong> na primeira acepção, o conhecimento é eminentemente<br />

subjetivo, é o fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a experiência pessoal e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a história individual, enquanto, no segun<strong>do</strong><br />

senti<strong>do</strong>, o conhecimento <strong>de</strong>signa aquilo que po<strong>de</strong> ser extraí<strong>do</strong> da relação privilegiada entre <strong>um</strong> sujeito<br />

e <strong>um</strong> objeto e que, <strong>por</strong> isso, po<strong>de</strong> ser transmiti<strong>do</strong>. Para retomar os termos emprega<strong>do</strong>s <strong>por</strong> Bertrand<br />

Russell, isso leva a distinguir entre <strong>um</strong> conhecimento <strong>por</strong> frequentação, isto é, <strong>por</strong> contato pessoal, e<br />

<strong>um</strong> conhecimento <strong>por</strong> <strong>de</strong>scrição”.


149<br />

Tornou-se claro, então, que não havia forma milagrosa, solução universal,<br />

palavra mágica. Rápidamente, nos <strong>de</strong>mos conta <strong>de</strong> que não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>emos<br />

preten<strong>de</strong>r que <strong>um</strong>a máquina fosse inteligente, a não ser que ela dispusesse<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> saber análogo ao saber <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e <strong>de</strong> conhecimentos n<strong>um</strong>erosos e<br />

varia<strong>do</strong>s.<br />

A dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem em realizar suas ações isentas <strong>de</strong> parcialida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

influências internas e externas acontece pela natureza aberta <strong>de</strong> seu sistema<br />

<strong>cognitivo</strong>, em que ele é <strong>um</strong> elemento marca<strong>do</strong> pelo metabolismo da transformação<br />

<strong>de</strong> natureza biológica, e não simplesmente pela retroalimentação <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e<br />

informações como acontece nos sistemas <strong>cibernético</strong>s tecnológicos. 119 Esse caráter<br />

duvi<strong>do</strong>so, marca<strong>do</strong> pela ausência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a garantia da certeza, da previsibilida<strong>de</strong>,<br />

gera insegurança pela falta <strong>de</strong> exatidão <strong>do</strong>s fins almeja<strong>do</strong>s, e isso contribui, na<br />

contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong>, para o surgimento <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> linguagem e, com elas,<br />

<strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> ao estabelecimento não somente da comunicação, mas como<br />

instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> suas ações no campo da previsibilida<strong>de</strong> e da certeza.<br />

Isso parece essencial no direcionamento <strong>do</strong> homem na travessia <strong>do</strong> <strong>novo</strong> milênio.<br />

Para Arendt (1979, p. 40)<br />

O problema, contu<strong>do</strong>, é que, ao que parece, não parecemos estar nem<br />

equipa<strong>do</strong>s nem prepara<strong>do</strong>s para esta ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong> instalar-se na<br />

lacuna entre o passa<strong>do</strong> e o futuro. Por longos perío<strong>do</strong>s em nossa história,<br />

na verda<strong>de</strong> no transcurso <strong>do</strong>s milênios que se seguiram a fundação <strong>de</strong><br />

Roma e que foram <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s <strong>por</strong> conceitos romanos, esta lacuna foi<br />

transposta <strong>por</strong> aquilo que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os romanos, chamamos <strong>de</strong> tradição. Não é<br />

segre<strong>do</strong> para ninguém o fato <strong>de</strong> essa tradição ter-se esgarça<strong>do</strong> cada vez<br />

mais à medida que a época mo<strong>de</strong>rna progrediu. Quan<strong>do</strong>, afinal, rompeu-se<br />

o fio da tradição, a lacuna entre o passa<strong>do</strong> e o futuro <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a<br />

condição peculiar unicamente à ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pensamento e adistrita,<br />

enquanto experiência, aos poucos eleitos que fizeram <strong>do</strong> pensar sua<br />

ocupação primordial. Ela tornou-se realida<strong>de</strong> tangível e perplexida<strong>de</strong> para<br />

to<strong>do</strong>s, isto é, <strong>um</strong> fato <strong>de</strong> im<strong>por</strong>tância política.<br />

119<br />

Para Lévy, “Não somente cada palavra transforma, pela ativação que propaga ao longo <strong>de</strong> certas<br />

vias, o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> excitação da re<strong>de</strong> semântica, mas também contribui para construir ou remo<strong>de</strong>lar a<br />

própria topologia da re<strong>de</strong> ou a composição <strong>de</strong> seus nós. Quan<strong>do</strong> ouvi Isabela <strong>de</strong>clarar, ao abrir <strong>um</strong>a<br />

caixa <strong>de</strong> raviólis, que não se preocupava com dietética, eu havia construí<strong>do</strong> <strong>um</strong>a certa imagem <strong>de</strong><br />

sua relação com a comida. Mas ao <strong>de</strong>scobrir que ela comia <strong>um</strong>a maçã “<strong>por</strong> suas vitaminas” sou<br />

obriga<strong>do</strong> a reorganizar <strong>um</strong>a parte da re<strong>de</strong> semântica a ela relacionada. Em termos gerais, cada vez<br />

que <strong>um</strong> caminho <strong>de</strong> ativação é percorri<strong>do</strong>, alg<strong>um</strong>as conexões são reforçadas, ao <strong>passo</strong> que outras<br />

caem aos poucos em <strong>de</strong>suso. A imensa re<strong>de</strong> associativa que constitui nosso universo mental<br />

encontra-se em metamorfose permanente. As reorganizações po<strong>de</strong>m ser tem<strong>por</strong>árias e superficiais<br />

quan<strong>do</strong>, <strong>por</strong> exemplo, <strong>de</strong>sviamos momentaneamente o núcleo <strong>de</strong> nossa atenção para a audição <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> discurso, ou profundas e permanentes como nos casos em que dizemos que “a vida” ou “<strong>um</strong>a<br />

longa experiência” nos ensinaram alg<strong>um</strong>a coisa (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o<br />

futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Ed. 34, 2011, p. 24)”.


150<br />

As novas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong> diálogo, <strong>de</strong> conexão apresentam-se com<br />

mais eficiência, pela velocização da vida <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> geral. Como <strong>um</strong> produto<br />

oriun<strong>do</strong> da revolução industrial a serviço <strong>do</strong> capitalismo, elas têm pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> <strong>um</strong>a<br />

agilida<strong>de</strong> maior na integração das efervescências cognitivas existentes.<br />

No entanto, esse fenômeno somente se concretiza com o reconhecimento <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a nova tecnologia capaz <strong>de</strong> integrar, unificar e uniformizar da<strong>do</strong>s e informações<br />

bem como possibilitar que essa nova forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> possa armazenar da<strong>do</strong>s e<br />

informações, a partir <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> segurança comprováveis pelos critérios próprios<br />

<strong>de</strong> sua natureza. Isso respon<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma clara e objetiva, às questões que possam<br />

envolver outras ciências que <strong>de</strong>man<strong>de</strong>m o uso das técnicas cognitivas da IA.<br />

Para isso, a Inteligência Artificial sofreu gran<strong>de</strong>s mudanças, não somente pela<br />

resistência <strong>–</strong> credibilida<strong>de</strong> e confiança <strong>do</strong>s seus méto<strong>do</strong>s <strong>–</strong> mas pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

se fazer <strong>um</strong>a forma cognitiva igual ou superior à <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana no <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong><br />

suas atribuições. Para Ganascia (1997, p. 44):<br />

A IA apelou, inicialmente para outras disciplinas, como a lógica ou a<br />

linguística, que se preocuparam antes <strong>de</strong>la com a noção <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>. Em<br />

seguida, ela foi levada a forjar suas próprias ferramentas, apelan<strong>do</strong> à noção<br />

<strong>de</strong> símbolo e <strong>de</strong>pois as <strong>de</strong> conhecimento e representação.<br />

Os vícios comuns à espécie h<strong>um</strong>ana, seus <strong>limite</strong>s e suas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem<br />

ser supera<strong>do</strong>s com o advento <strong>de</strong>ssa nova forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>, passan<strong>do</strong> suas<br />

ações a serem realizadas <strong>por</strong> novas formas e <strong>novo</strong>s méto<strong>do</strong>s, capazes <strong>de</strong><br />

compensar as <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s h<strong>um</strong>anas. A complementação às ações <strong>do</strong> homem são<br />

recursos tecnológicos que começam a surgir e ganham espaço e <strong>de</strong>staque em meio<br />

a sua limitada <strong>inteligência</strong> e suas condições.<br />

A nova forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> fomenta e fornece a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

alcançar a realização das ações h<strong>um</strong>anas <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong><br />

programação <strong>artificial</strong>, em que a meto<strong>do</strong>logização das ações h<strong>um</strong>anas passa <strong>de</strong><br />

seus <strong>limite</strong>s, cost<strong>um</strong>eiramente questiona<strong>do</strong>s e indissolúveis (sem resolução), como<br />

historicamente se tem prova<strong>do</strong>. Isso advém da impossibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> próprio homem<br />

em cingir-se instr<strong>um</strong>entalmente em suas ações da morfogênese, resiliência e<br />

unidirecionalida<strong>de</strong>.


151<br />

Suas limitações têm trazi<strong>do</strong> o questionamento e a reflexão sobre a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se dizer o mun<strong>do</strong>, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong> distinta<br />

embasada em <strong>um</strong>a linguagem <strong>artificial</strong>, que atue complementarmente ou, em<br />

alg<strong>um</strong>as circunstâncias, substitutivamente <strong>por</strong>que muitas das ações h<strong>um</strong>anas não<br />

pressupõem mais <strong>um</strong>a ativida<strong>de</strong> cognitiva reflexiva e tão somente <strong>de</strong> mera<br />

reprodução (repetibilida<strong>de</strong>).<br />

No ambiente <strong>do</strong> intelectual das ciências jurídicas, muitos casos, após<br />

exaustiva discussão da matéria <strong>de</strong> Direito, assentam-se em <strong>um</strong>a tese jurídica<br />

<strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>nte. Semelhante técnica <strong>de</strong> estabilização <strong>do</strong> sistema das<br />

<strong>de</strong>cisões para uniformização, estabilização, previsibilida<strong>de</strong> e segurança <strong>do</strong> Direito e<br />

da Justiça é secular e tem-se mostra<strong>do</strong> com características positivas no ambiente<br />

familiar jurídico da família processual da common law em que a civil law vem-se<br />

inspiran<strong>do</strong> em característico com<strong>por</strong>tamento intercambial intelectual há tempo.<br />

O <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil nacional traz o instituto da<br />

Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva (IIRDR), o qual<br />

irradia a técnica <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte judicial com vocação verticaliza<strong>do</strong>ra e vinculativa. A<br />

discussão encerrou-se no ambiente i<strong>de</strong>ológico e hermenêutico interpretativo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m jurídica com relação ao fato e à juridicida<strong>de</strong> normativa.<br />

Isso significa dizer que a fixação da tese permite que seja <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a matriz <strong>de</strong> caso <strong>um</strong> sistema em programação que, em linhas<br />

gerais, possa i<strong>de</strong>ntificar, conciliar e replicar a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte já firma<strong>do</strong>.<br />

Segun<strong>do</strong> Kevin Knight (1993, p. 291)<br />

A principal i<strong>de</strong>ia <strong>por</strong> trás das re<strong>de</strong>s semânticas é que o significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

conceito vem <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como ele é conecta<strong>do</strong> e outros conceitos. Em <strong>um</strong>a<br />

re<strong>de</strong> semântica, as informações são representadas como <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />

nós conecta<strong>do</strong>s entre si através <strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> arcos marca<strong>do</strong>s, que<br />

representam relações entre nós.<br />

Essas novas condições, ou seja, com o reconhecimento e a implantação <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a nova <strong>inteligência</strong> em que se fazem presentes os atributos diferenciais<br />

menciona<strong>do</strong>s, a nova linguagem seria capaz <strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionar que os resulta<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s sejam efetivamente obti<strong>do</strong>s.


152<br />

A partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a verificação capaz <strong>de</strong> fazer com que os erros estimulem<br />

sistematicamente a correção das estruturas e com isso os objetivos pretendi<strong>do</strong>s<br />

sejam alcança<strong>do</strong>s pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong>s pelo foco em resulta<strong>do</strong>s pre<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s, no 9º<br />

Brazilian Conference on Dinamics, Control and their Aplications, é possível extrair<br />

<strong>um</strong>a melhor compreensão da dinâmica tecnologia das re<strong>de</strong>s neurais artificiais. 120<br />

É possível extrair-lhe as informações e os da<strong>do</strong>s a serem converti<strong>do</strong>s em<br />

símbolos, axiomas, teoremas compostos <strong>por</strong> toda <strong>um</strong>a gramática tecnológica para<br />

que se possa chegar aos mesmos resulta<strong>do</strong>s firma<strong>do</strong>s no prece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> e em<br />

<strong>um</strong> código fonte.<br />

Para que isto aconteça, resta teorizar o esquema <strong>de</strong> funcionamento e<br />

transformá-lo em regra a ser inserida <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico com <strong>um</strong><br />

instituto <strong>de</strong> Direito.<br />

Disso ou para que tal propósito avance com higi<strong>de</strong>z, registram-se alg<strong>um</strong>as<br />

das mais relevantes incógnitas no ambiente <strong>do</strong>gmático jurídico, tais como: a<br />

<strong>de</strong>finição conceitual efetiva <strong>do</strong> que seja a Inteligencia Artificial, como se dá seu<br />

conhecimento, sua estrutura e como consegue, <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> suas técnicas, captar e<br />

relacionar os atos e os fatos da vida social.<br />

É im<strong>por</strong>tante correlacionar os dispositivos que impõem a regra <strong>de</strong> conduta<br />

mediante sanção legal, <strong>de</strong>ntre outras inúmeras questões pertinentes e essenciais<br />

para que existam e sejam superadas, pois não mais se po<strong>de</strong> aceitar o sacríficio da<br />

vida h<strong>um</strong>ana em função da incerteza e da insegurança, quan<strong>do</strong> existem “meios”<br />

compatíveis para evitá-las.<br />

120<br />

“As Re<strong>de</strong>s Neurais Artificiais (RNA) são concepções em hardware e/ou software que exibem<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com a experiência. Para se conseguirem resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s, ou seja, que<br />

a re<strong>de</strong> apresente condições <strong>de</strong> efetuar diagnósticos complexos como é o caso <strong>do</strong> reconhecimento <strong>de</strong><br />

padrão, previsão, etc re<strong>de</strong>s <strong>de</strong>verão apresentar configurações formadas <strong>por</strong> várias unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

“neurônios”, dispostas em fileiras, compon<strong>do</strong> <strong>um</strong> arranjo complexo <strong>de</strong> interligações. As interligações<br />

são formadas <strong>por</strong> pesos (sinapses) que <strong>de</strong>vem ser ajusta<strong>do</strong>s em função <strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> padrões<br />

que produzam saídas <strong>de</strong>sejadas. Esta ativida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>finida como sen<strong>do</strong> Treinamento ou Aprendiza<strong>do</strong>,<br />

sen<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> em off-line. Uma vez ajustada, a re<strong>de</strong> <strong>de</strong>verá ser capaz <strong>de</strong> emitir, para padrões não<br />

constantes no conjunto <strong>de</strong> treinamento, <strong>um</strong> diagnóstico com precisão satisfatória. Este diagnóstico<br />

po<strong>de</strong> ser efetua<strong>do</strong> sem custo computacional. Isto, a princípio po<strong>de</strong> ser visto como <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> viabilização da análise em tempo real. / A maioria das re<strong>de</strong>s neurais feedforward supervisionadas<br />

encontradas na literatura é treinada utilizan<strong>do</strong> o algoritmo retropropagação (back propagation), o qual<br />

é consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>um</strong> benchmark em termos <strong>de</strong> precisão. [...] Portanto, a superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa<br />

meto<strong>do</strong>logia consiste no <strong>de</strong>sign <strong>do</strong> código-fonte abstrain<strong>do</strong>-se os mo<strong>de</strong>los físicos <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o<br />

pensamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> (classes, hierarquias e poliformismo) (CAMPOS, José R. et al. Implementação<br />

<strong>de</strong> re<strong>de</strong>s neurais artificiais utilizan<strong>do</strong> a linguagem <strong>de</strong> programação Java. In: Brazilian Conference on<br />

Dynamics, Control and their Applications, 9. Serra Negra, SP: DINCON’10, 11 jun. 2010. Anais.<br />

Disponível em: . Acesso em: 19<br />

abr. 2013, p. 391).”


153<br />

Uma <strong>de</strong>cisiva questão é saber se <strong>um</strong>a ativida<strong>de</strong> intelectual po<strong>de</strong> ser realizada<br />

pela máquina, temática que é tratada <strong>de</strong> forma mais estruturada no capítulo 9.2,<br />

quan<strong>do</strong> da teorização <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s da Inteligência Artificial, mas que não dispensa<br />

<strong>de</strong> certa forma <strong>um</strong>a posição exaurível <strong>do</strong> presente capítulo.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, Ganascia (1997, p. 17): “Se procurarmos cadastrar as<br />

profissões intelectuais e se pensarmos na ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s médicos, arquitetos,<br />

engenheiros, financistas, há sempre <strong>um</strong>a parte que po<strong>de</strong> ser sistematizada pela<br />

máquina”. E complementa Santinover (2007, p. 66)<br />

Como a re<strong>de</strong> po<strong>de</strong> se adaptar a essas mudanças nas regras ocultas que<br />

governam as alterações <strong>de</strong> preços? Da mesma maneira que nossos<br />

investi<strong>do</strong>res aposenta<strong>do</strong>s fazem: eles não passam alguns anos treinan<strong>do</strong><br />

com o teletipo para <strong>de</strong>pois ficar aplican<strong>do</strong> o que absorveram sem qualquer<br />

treinamento ulterior. Ao contrário, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> (talvez) <strong>um</strong> perío<strong>do</strong> inicial <strong>de</strong><br />

investir em maus papéis, continuam a apren<strong>de</strong>r <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> seus erros. E<br />

isso que acontece também com as re<strong>de</strong>s artificiais realmente em uso pelos<br />

investi<strong>do</strong>res para suplementar as re<strong>de</strong>s biológicas contidas em suas<br />

próprias cabeças. A cada noite, <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> fechamento <strong>do</strong> mercad, a re<strong>de</strong> é<br />

retreinada nos (digamos) quatro últimos anos <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes,<br />

excluin<strong>do</strong>-se <strong>um</strong> dia <strong>do</strong> começo e adicionan<strong>do</strong>-se os da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ultimo dia.<br />

Tal afirmação não afasta a necessida<strong>de</strong> conceitual <strong>de</strong> Inteligência Artificial<br />

que aparece sempre im<strong>por</strong>tante como méto<strong>do</strong> pedagógico <strong>de</strong> firmar sua real<br />

<strong>de</strong>finição e que parece muito mais coerente conceituar neste instante pela<br />

materialização <strong>do</strong>s elementos que a estruturam, contribuin<strong>do</strong> assim para o melhor<br />

entendimento sobre quais são elementos estruturantes <strong>por</strong> trás da referida<br />

<strong>inteligência</strong>. 121 Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a linguagem tem em si <strong>um</strong> conteú<strong>do</strong> convencional<br />

e <strong>de</strong> arbítrio <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, a dificulda<strong>de</strong> a ser superada foi a <strong>de</strong> dar às máquinas a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reproduzir as convenções h<strong>um</strong>anas e suas arbitrarieda<strong>de</strong>s.<br />

Para isso, o <strong>de</strong>senvolvimento simbólico foi molda<strong>do</strong> para atingir o cerne <strong>do</strong><br />

estatuto <strong>do</strong> conhecimento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>. 122 Para facilitar dizer o que pretendia a<br />

121<br />

Ganascia (2011, p. 46) esclarece: “Levan<strong>do</strong> em conta todas essas consi<strong>de</strong>rações, os lógicos<br />

construíram linguagens <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> todas as imperfeições das linguagens h<strong>um</strong>anas.<br />

Denominadas linguagens formais, elas são <strong>de</strong>finidas a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> sinais, o que, em<br />

termos técnicos, se chama <strong>um</strong> alfabeto, e <strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> gramática que permitem<br />

diferenciar as sequência <strong>de</strong> sinais que exprimem alg<strong>um</strong>a coisa, isto é, as expressões, daquelas que<br />

não imprimem nada”.<br />

122<br />

Segun<strong>do</strong> Ganascia (2011, p. 55), “Segun<strong>do</strong> a etimologia, a palavra símbolo provém <strong>do</strong> grego<br />

antigo symbolon, objeto <strong>de</strong> argila que era quebra<strong>do</strong> em <strong>do</strong>is ao fim da estada <strong>de</strong> <strong>um</strong> estrangeiro<br />

n<strong>um</strong>a casa amiga. Cada <strong>um</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is, hóspe<strong>de</strong> e anfitrião, conservava <strong>um</strong>a das meta<strong>de</strong>s. Esses <strong>do</strong>is<br />

pedaços eram, então, transmiti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> geração em geração, n<strong>um</strong>a época em que as viagens eram<br />

raras e mais <strong>de</strong>moradas que hoje. Juntan<strong>do</strong> as duas partes, era possível provar as relações <strong>de</strong>


154<br />

Inteligência Artificial na sondagem <strong>do</strong> estatuto <strong>do</strong> conhecimento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> para<br />

reproduzir suas convenções e as respectivas arbitrarieda<strong>de</strong>s, é essencial ter <strong>de</strong><br />

forma clara e evi<strong>de</strong>ntealguns <strong>de</strong> seus principais conceitos elementares. Ganascia<br />

afirma (1997, p. 110-117):<br />

Teorema: enuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong>monstrável n<strong>um</strong>a teoria. No caso <strong>do</strong>s sistemas<br />

simbólicos, os teoremas são expressões <strong>de</strong>rivadas <strong>do</strong>s axiomas, com ajuda<br />

<strong>de</strong> regras <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação.<br />

Axiomas: verda<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nte e não <strong>de</strong>monstrável. No caso <strong>do</strong>s sistemas<br />

simbólicos, os axiomas <strong>de</strong>signam expressões colocadas a priori, como<br />

teoremas, sem que sejam objetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrações.<br />

Sistema simbólico: os sistemas simbólicos foram <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s pelos<br />

matemáticos para dar senti<strong>do</strong> às expressões, sem fazer referências a<br />

convenções arbitrárias. Com esse fim, os sistemas simbólicos partem <strong>de</strong><br />

axiomas para construir teoremas, com a ajuda <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação.<br />

Tanto os axiomas quanto as regras <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação exprimem-se n<strong>um</strong>a<br />

linguagem formal perfeitamente <strong>de</strong>finida, o que permite <strong>um</strong>a programação<br />

informática <strong>do</strong>s sistemas simbólicos. Sua intensa operacionalização<br />

informática, contu<strong>do</strong>, conduziu a certos fracassos. Foi isso que levou os<br />

especialistas em <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> a recorrer à noção <strong>de</strong> heurística.<br />

Heurísticas: <strong>do</strong> grego heuristikein, que quer dizer “achar”, as heurísticas<br />

<strong>de</strong>signam méto<strong>do</strong>s que auxiliam a <strong>de</strong>scoberta. São particularmente úteis em<br />

<strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong>, quan<strong>do</strong> se procura apelar aos sistemas simbólicos,<br />

<strong>por</strong>que elas permitem discernir, no conjunto das <strong>de</strong>rivações possíveis,<br />

aquelas que têm mais condições <strong>de</strong> conduzir a <strong>um</strong> sucesso.<br />

Regra <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação: procedimento mecânico <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> no âmbito <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

sistema simbólico e com a ajuda <strong>do</strong> qual os teoremas são automaticamente<br />

engendra<strong>do</strong>s, a partir <strong>de</strong> axiomas ou <strong>de</strong> teoremas já <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>s.<br />

Regra <strong>de</strong> inferência: <strong>um</strong>a inferência é <strong>um</strong>a operação formal pela qual se<br />

<strong>de</strong>riva <strong>um</strong>a proposição, a partir <strong>de</strong> outras proposições. No âmbito <strong>do</strong>s<br />

hospitalida<strong>de</strong> tinham si<strong>do</strong> anteriormente estabelecidas entre as duas famílias. Por <strong>de</strong>rivação, símbolo<br />

é que aquilo que <strong>de</strong>signa outra coisa em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a correspondência analógica. Os sistemas<br />

simbólicos possibilitam construir objetos informáticos complexos. Em que medida estes objetos são<br />

capazes <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r a outros objetos, <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar outras coisas além <strong>de</strong>les mesmos. Em outras<br />

palavras, em que senti<strong>do</strong> são simbólicos os sistemas simbólicos? / É isso tentaremos compreen<strong>de</strong>r<br />

agora. No símbolo antigo, isto é, no objeto quebra<strong>do</strong> em <strong>do</strong>is, as saliências <strong>de</strong> <strong>um</strong>a das meta<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>vem coincidir com as cavida<strong>de</strong>s da outra, e vice-versa. Da mesma forma n<strong>um</strong> sistema simbólico, a<br />

<strong>de</strong>stinação entre teoremas e não teoremas correspon<strong>de</strong> analogamente à separação entre o mun<strong>do</strong><br />

real e <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> virtual forma<strong>do</strong> <strong>por</strong> expressões. Duas noções são então correntemente utilizadas<br />

para medir a a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema simbólico e que simboliza: coerência e completu<strong>de</strong>. Muito<br />

esquematicamente dizemos que <strong>um</strong> sistema simbólico é coerente com <strong>um</strong>a interpretação se to<strong>do</strong>s os<br />

teoremas que <strong>de</strong>le <strong>de</strong>rivam são váli<strong>do</strong>s no interior <strong>de</strong>ssa interpretação, isto é, se as saliências <strong>do</strong><br />

sistema simbólico têm, todas elas, <strong>um</strong>a contrapartida na realida<strong>de</strong>”.


155<br />

sistemas simbólicos, as expressões “regras <strong>de</strong> inferências” e “regras <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>rivação” são sinônimas.<br />

A catarse existente nas relações da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, somada à<br />

multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distúrbios, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> cognição, IA, garantirá a<br />

não interferência nos objetivos traça<strong>do</strong>s, evitan<strong>do</strong>, com isso, que as adversida<strong>de</strong>s e<br />

as pressões possam causar vulnerabilida<strong>de</strong>s aos resulta<strong>do</strong>s, próprios <strong>de</strong> seres <strong>de</strong><br />

cuja <strong>inteligência</strong> tem base perceptiva, com<strong>um</strong> a espécie h<strong>um</strong>ana.<br />

Isso se dá com frequência quan<strong>do</strong> da realização da operação <strong>de</strong> informações<br />

e da<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> comunicação das relações sociais em to<strong>do</strong>s os seus<br />

aspectos possíveis e imagináveis.<br />

Disso se questiona: seria, <strong>por</strong>tanto, a espécie h<strong>um</strong>ana exclusiva na<br />

transmissão <strong>de</strong> conhecimento para a realização <strong>de</strong> seus propósitos? Ou melhor,<br />

seria a espécie h<strong>um</strong>ana a única ponte “meio <strong>de</strong> trans<strong>por</strong>te <strong>de</strong> conhecimento” capaz<br />

<strong>de</strong> realizar os atos e as funções comuns em <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong>? Segun<strong>do</strong> Ganascia<br />

(1997, p. 36),<br />

Graças aos insights <strong>de</strong> Wierner, tornou-se possível conceber a informação<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> <strong>um</strong> aparelho transmissor específico: em vez disso,<br />

po<strong>de</strong>-se reforçar a eficácia <strong>de</strong> qualquer comunicação <strong>de</strong> mensagens via<br />

qualquer mecanismo e podia-se consi<strong>de</strong>rar os processos <strong>cognitivo</strong>s<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> qualquer cor<strong>por</strong>ificação particular <strong>–</strong> <strong>um</strong>a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

que os psicólogos logo se aproveitaram ao tentarem <strong>de</strong>screver os<br />

mecanismos subjacentes ao processamento <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong><br />

informação.<br />

O <strong>novo</strong> sistema <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> ainda oferece <strong>um</strong>a maior e mais segura<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, reação, correção, resolução, solução e superação, somente<br />

possível a <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> natureza <strong>artificial</strong>, isento da falibilida<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionada<br />

pelos senti<strong>do</strong>s da espécie h<strong>um</strong>ana, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> suas fragilida<strong>de</strong>s.<br />

Embora seja necessário ter a consciência <strong>de</strong> que a Inteligência Artificial não<br />

seja <strong>um</strong> manifesto em que se tenham somente questões positivas e não negativas <strong>–</strong><br />

o que não é <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> <strong>–</strong> essa característica é contornável, a partir <strong>de</strong><br />

planejamento, testes, correções, ajustes e redundância em to<strong>do</strong>s os fatores<br />

anteriores menciona<strong>do</strong>s e nos <strong>de</strong>mais que participam <strong>de</strong> sua infraestrutura e<br />

estrutura.<br />

Evitam-se, assim, ações <strong>de</strong> rackers, vírus, manutenção das informações e<br />

da<strong>do</strong>s em cloud’s, energia, responsabilização pelas falhas <strong>de</strong> programação e uso, o


156<br />

que representa alguns <strong>do</strong>s pontos a serem avalia<strong>do</strong>s e previsos, <strong>por</strong>ém não se nega<br />

a incorruptibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema, salvo programação feita para tais fins, e o<br />

afastamento das influências emocionais que acometem os <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s.<br />

Segun<strong>do</strong> Ashby em seu clássico sobre o tema: se os cérebros <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s<br />

erram <strong>por</strong> que não aceitar possíveis falhas <strong>do</strong> sistema <strong>cibernético</strong>? No entanto, isso<br />

não suprime a relevante função da Inteligência Artificial e sua relação com a espécie<br />

h<strong>um</strong>ana. 123<br />

A certeza <strong>de</strong> que os fins sejam atingi<strong>do</strong>s dar-se-á <strong>por</strong>que os meios se<br />

encontram aparelha<strong>do</strong>s, manten<strong>do</strong> a unidirecionalida<strong>de</strong>, mesmo sob a influência <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a atmosfera ambiental diversa, não planejada, em que a redundância <strong>do</strong> próprio<br />

sistema possa garantir a relação objetivada.<br />

Isso <strong>de</strong>marca estritamente a relação conectiva entre informação e a<br />

comunicação no ambiente da Inteligência Artificial e sua potencial realização.<br />

Segun<strong>do</strong> Lévy (2011, p. 21):<br />

Seria a transmissão <strong>de</strong> informações a primeira função da comunicação?<br />

Decerto que sim, mas em <strong>um</strong> nível mais fundamental o ato <strong>de</strong> comunicação<br />

<strong>de</strong>fine a situação que vai dar senti<strong>do</strong> às mensagens trocadas. A circulação<br />

<strong>de</strong> informações é, muitas vezes, apenas <strong>um</strong> pretexto para a confirmação<br />

recíproca <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a relação.<br />

É nesses aspectos, ou melhor, nesses pressupostos ou elementos que é<br />

composto o sistema Cibernético. São potencialida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m contribuir<br />

positivamente para a transposição das ações h<strong>um</strong>anas e pro<strong>por</strong>cionar <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong><br />

<strong>inteligência</strong> alternativa, facilita<strong>do</strong>ra e estimula<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> melhoramento <strong>do</strong><br />

conhecimento intelectual <strong>do</strong> homem pelo homem em seu progresso cultural.<br />

123<br />

Para Ganascia (1997, p. 67): “Po<strong>de</strong>-se objetar que o homem é o mais insondável <strong>do</strong>s seres, que<br />

to<strong>do</strong>s os recursos da medicina e da psicanálise, da filosofia e da antropologia não nos permitam<br />

<strong>do</strong>miná-lo. De fato, não se trata <strong>de</strong> explorar o homem em sua profundida<strong>de</strong>, mas elucidar seu<br />

com<strong>por</strong>tamento <strong>cognitivo</strong> e estabelecer <strong>um</strong> paralelo entre esse com<strong>por</strong>tamento e as manipulações<br />

sintáticas produzidas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a máquina ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> caracteres. A a<strong>de</strong>quação entre máquina e o<br />

homem não po<strong>de</strong> mais então ser medida em termos <strong>de</strong> coerência e <strong>de</strong> completu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

simbólico. Deve-se garantir que exista i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre as conclusões da máquina e as <strong>do</strong> homem;<br />

<strong>de</strong>ve-se também garantir que o homem e as máquinas cheguem a elas <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> análogo, que eles<br />

invoquem justificativas semelhantes, que eles expliquem seu raciocínio da mesma maneira”.


157<br />

É, inclusive, plenamente aproveitável no ambiente jurídico <strong>por</strong> pro<strong>por</strong>cionar<br />

que as técnicas processais encampadas <strong>por</strong> seus institutos não se tornem<br />

ineficientes em <strong>de</strong>corrência da ausência <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entos que possam conduzir a<br />

técnicas mais eficazes.<br />

O homem pós-mo<strong>de</strong>rno não vive, ele sobrevive às custas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

transitorieda<strong>de</strong> e <strong>um</strong>a simultaneida<strong>de</strong>, perversas para ele mesmo, que o consomem<br />

até o último instante da existência.<br />

Registra a literatura que, nos tempos atuais, o homem, mesmo com toda a<br />

mo<strong>de</strong>rnização que envolve sua vida, é soda<strong>do</strong> ao trabalho na mesma equivalência<br />

<strong>do</strong> regime nebuloso, ainda que controverti<strong>do</strong> cientificamente, <strong>por</strong>ém metaforiza<strong>do</strong><br />

como “trevas”, que marcou o perío<strong>do</strong> histórico da ida<strong>de</strong> Média.<br />

Em <strong>um</strong>a revolução intelectual, o homem aproveitaria suas limitações a fim <strong>de</strong>,<br />

a partir <strong>de</strong> outros meios, constituir mecanismos para seu próprio melhoramento.<br />

Essa ativida<strong>de</strong> expedicionária <strong>de</strong> busca e <strong>de</strong> testes o faz ser <strong>um</strong> cientista <strong>de</strong> si<br />

mesmo em seu tempo, à procura <strong>do</strong> elo perdi<strong>do</strong> que sua limitada cognição<br />

dificilmente <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á pro<strong>por</strong>cionar-lhe.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Turing, caso se consi<strong>de</strong>re que a tecnologia <strong>de</strong>limita<br />

razoavelmente as capacida<strong>de</strong>s físicas das intelectuais <strong>de</strong> <strong>um</strong> ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, as<br />

práticas sociais po<strong>de</strong>m ser vertidas em práticas sociais tecnológicas pelo simples<br />

fato, <strong>de</strong>vidamente comprova<strong>do</strong> cientificamente, da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se mo<strong>de</strong>lar as<br />

re<strong>de</strong>s neurais <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> uso das lógicas. 124 Assim como no passa<strong>do</strong> as<br />

revoluções industriais se encarregaram <strong>de</strong> mudar completamente o cenário da<br />

indústria no plano mundial, a tecnologia há <strong>de</strong> revolucionar os <strong>novo</strong>s padrões da<br />

intelectualida<strong>de</strong>.<br />

124<br />

Gardner: “McCulloch e Pitts (1943) mostraram que as operações <strong>de</strong> <strong>um</strong>a célula nervosa e suas<br />

conexões com outras células nervosas (<strong>um</strong>a assim chamada re<strong>de</strong> neural) podiam ser mo<strong>de</strong>ladas em<br />

termos <strong>de</strong> lógica. Os neurônios <strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam ser pensa<strong>do</strong>s como enuncia<strong>do</strong>s lógicos, e a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tu<strong>do</strong>-ou-nada <strong>do</strong>s impulsos (ou não impulsos) nervosos <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser comparada à operação <strong>de</strong> cálculo<br />

proposicional (on<strong>de</strong> <strong>um</strong>a proposição ou é verda<strong>de</strong>ira ou é falsa) (Heims 1980, p. 211). Este mo<strong>de</strong>lo<br />

permitia que se pensasse em neurônios como sen<strong>do</strong> ativa<strong>do</strong>s; e em seguida impulsionan<strong>do</strong> <strong>um</strong> outro<br />

neurônio, da mesma forma que <strong>um</strong> elemento ou <strong>um</strong>a proposição em <strong>um</strong>a sequência lógica po<strong>de</strong>m<br />

implicar alg<strong>um</strong>a outra proposição: assim, quan<strong>do</strong> se está lidan<strong>do</strong> seja com lógica ou com neurônios, a<br />

entida<strong>de</strong> A mais a entida<strong>de</strong> B po<strong>de</strong>m implicar a entida<strong>de</strong> C. Além disto, a analogia entre neurônios e<br />

lógica <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser pensada em termos elétricos <strong>–</strong> como os sinais que passam, ou <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> passar,<br />

através <strong>de</strong> <strong>um</strong> circuito. O resulta<strong>do</strong> final da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> McCulloch- Pitts: ‘qualquer coisa que<br />

possa ser <strong>de</strong>scrita <strong>de</strong> forma exaustiva e inequívoca... é... realizável <strong>por</strong> <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> neural finita<br />

apropriada’ (GARDNER, Howard. A nova ciência da mente: <strong>um</strong>a história da revolução cognitiva;<br />

tradução Cláudia Malbergier Caon. São Paulo: Edusp, 1995, p. 33).”


158<br />

Principalmente na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, em que o intelectual é transitório e vazio<br />

ante suas próprias circunstâncias, que o faz ser prisioneiro <strong>do</strong> seu tempo, ou seja,<br />

em que pouco se produz e muito se consome. Sem tempo, o homem não passa <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> escravo.<br />

A questão que exige reflexão gira em torno da funcionalida<strong>de</strong> e da<br />

procedibilida<strong>de</strong> das ações h<strong>um</strong>anas que, ante a complexida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>mandas, exige<br />

para <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada estabilização que os da<strong>do</strong>s e as informações sejam<br />

integra<strong>do</strong>s, padroniza<strong>do</strong>s e uniformiza<strong>do</strong>s para, assim, imprimir segurança a <strong>um</strong><br />

sistema que venha realizar esse processamento <strong>do</strong>s interesses <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

O ambiente jurídico processual secularmente tem-se mostra<strong>do</strong> inacessível,<br />

moroso e inseguro, exigin<strong>do</strong> a implementação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a técnica inova<strong>do</strong>ra que goze<br />

<strong>do</strong>s atributos da objetivida<strong>de</strong> e da segurança. 125 A interativida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana em<br />

socieda<strong>de</strong> salienta reflexos lógicos formais e materiais da informação, cujo processo<br />

promove a comunicação e a aplicação no contexto que a compreen<strong>de</strong>. Desse<br />

quadro, ou seja, <strong>de</strong>ssa mo<strong>de</strong>lagem e <strong>de</strong>ssa estrutura é possível extrair e trans<strong>por</strong><br />

ações para <strong>um</strong> ambiente <strong>de</strong> maior controle, estrutura<strong>do</strong> <strong>artificial</strong>mente, todavia, em<br />

<strong>um</strong>a base cognitiva maior e que goza <strong>de</strong> <strong>um</strong>a dinâmica diferente <strong>do</strong> padrão da<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana. Lévy (2011, p. 40) elucida:<br />

125<br />

Segun<strong>do</strong> Candi<strong>do</strong> (SRD/P), “De acor<strong>do</strong> com o <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> cibernética da University of<br />

reading nos EUA, a cibernética é “a ciência da informação e sua aplicação é sua <strong>de</strong>rivada”. [...] da<br />

palavra grega ‘Kybernetes”, que significa “piloto”. Ela foi acunhada em 1948 pelo professor<br />

universitário americano Norbert Wiener, em seu livro, com o mesmo nome. Embora não pu<strong>de</strong>sse<br />

saber a forma precisa <strong>do</strong>s futuros <strong>de</strong>senvolvimentos tecnológicos, ele previu que controle e<br />

comunicação tornar-se-iam <strong>de</strong> vital im<strong>por</strong>tância para nossa ciência e socieda<strong>de</strong> e sugeriu este <strong>novo</strong><br />

grupo <strong>de</strong> materiais, que transcen<strong>de</strong>m os tradicionais <strong>limite</strong>s acadêmicos. / Ainda segun<strong>do</strong> a mesma<br />

universida<strong>de</strong>, a ciência cibernética [...] “está preocupada com sistemas e seu controle,<br />

particularmente sistemas interativos”. Os processos <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema envolvem quatro<br />

aspectos fundamentais: “aquisição <strong>de</strong> informação, processamento <strong>de</strong> informação, comunicação <strong>de</strong><br />

informação e, finalmente, aplicação útil da informação. Em s<strong>um</strong>a, esta ciência constituiria[...] o grupo<br />

<strong>de</strong> tópicos requeri<strong>do</strong> pela indústria e socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas (CANDIDO, Celso. A cibernetização da<br />

ativida<strong>de</strong> produtiva. Disponível em:<br />

. Acesso em: 12 jun.<br />

2015).”


159<br />

A memória h<strong>um</strong>ana é estruturada <strong>de</strong> tal forma que nós compreen<strong>de</strong>mos e<br />

retemos bem melhor tu<strong>do</strong> aquilo que esteja organiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com<br />

relações espaciais. Lembremos que o <strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a área qualquer <strong>do</strong><br />

saber implica, quase sempre, a posse <strong>de</strong> <strong>um</strong>a representação esquemática.<br />

Os hipertextos po<strong>de</strong>m pro<strong>por</strong> vias <strong>de</strong> acesso e instr<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> orientação<br />

em <strong>um</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> conhecimento sob forma <strong>de</strong> diagramas, <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong><br />

mapas conceituais manipuláveis e dinâmicos. Em <strong>um</strong> contexto <strong>de</strong> formação,<br />

os hipertextos <strong>de</strong>veriam, <strong>por</strong>tanto, favorecer, <strong>de</strong> várias maneiras, <strong>um</strong><br />

<strong>do</strong>mínio mais rápi<strong>do</strong> e mais fácil <strong>de</strong> matéria <strong>do</strong> que através <strong>do</strong> audiovisual<br />

clássico ou <strong>do</strong> su<strong>por</strong>te impresso habitual.<br />

A compreensão da vida h<strong>um</strong>ana é <strong>um</strong> gabarito essencial para estabelecer a<br />

compreensão da vida <strong>artificial</strong>. É notório que o homem e suas necessida<strong>de</strong>s no<br />

mun<strong>do</strong> atual <strong>–</strong> em gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong> seu cotidiano <strong>–</strong> estão pauta<strong>do</strong>s em rotinas que<br />

projetam ações repetidas, na vida social e na profissional, e nas adversida<strong>de</strong>s<br />

conflitivas ou não, exigin<strong>do</strong>, assim, não mais <strong>um</strong> controle individual, mas, ao<br />

contrário, <strong>um</strong> controle coletivo.<br />

Inaugurar <strong>um</strong>a vida <strong>artificial</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong> <strong>artificial</strong> não<br />

representa <strong>um</strong>a criação <strong>por</strong> si só <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura sem que haja a participação ativa<br />

<strong>do</strong> homem como mentor.<br />

O que se afirma é não aniquilar o ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> em si, mas promover suas<br />

ações em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> contexto a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial que possa<br />

auxiliá-lo em seu próprio processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>um</strong>a vez que a coletivização<br />

rompe com a individualização, mudan<strong>do</strong> substancialmente a forma <strong>de</strong> organizar o<br />

mun<strong>do</strong> em que vive.<br />

O Judiciário brasileiro <strong>de</strong>tém estu<strong>do</strong>s não exaustivos cujo objeto reflete<br />

diretamente na orla <strong>do</strong> Direito Processual, <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> os maiores problemas e<br />

<strong>de</strong>safios da Justiça. Não há, entretanto, ações resolutivas concretas para <strong>um</strong><br />

assento <strong>de</strong> padrão <strong>de</strong>finitivo em resolução concreta quanto às mazelas recorrentes.<br />

É <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> em que o processo, parafrasean<strong>do</strong> Nery Junior, é <strong>de</strong><br />

reprodução <strong>de</strong>senfreada <strong>de</strong> <strong>do</strong>utrinas <strong>de</strong>scompromissadas com os aspectos<br />

estruturantes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e reproduzem insanamente o entendimento político <strong>do</strong>s<br />

tribunais <strong>de</strong> cúpula, sem preocuparem-se com o jurisdiciona<strong>do</strong>.<br />

É possível haurir <strong>do</strong> trabalho que o <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil<br />

per<strong>de</strong>u a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter trata<strong>do</strong> não somente <strong>do</strong> aspecto digital para o<br />

trans<strong>por</strong>te <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s jurídicos, mas <strong>de</strong> reconhecer a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

converter alguns institutos e técnicas processuais em <strong>um</strong>a linguagem puramente<br />

tecnológica.


160<br />

E, a partir <strong>de</strong>la, gestar <strong>um</strong> sistema processual digital para c<strong>um</strong>prir o projeto<br />

<strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> constitucionalização <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>do</strong> processo civil. Para Dinamarco (2010, p. 269),<br />

O processualista mo<strong>de</strong>rno, contu<strong>do</strong>, está prepara<strong>do</strong> para a consciência <strong>de</strong><br />

que a ação não é real e nem pessoal, <strong>por</strong>que seu fundamento é<br />

constitucional e não <strong>de</strong> <strong>direito</strong> priva<strong>do</strong> e <strong>por</strong>que não tem <strong>por</strong> objeto o bem<br />

da vida ou a relação controvertida entre as partes, mas o provimento<br />

jurisdicional <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>-juiz (e não pelo particular).<br />

Essa é <strong>um</strong>a proprieda<strong>de</strong> que marca o Direito Processual relevante e sua<br />

suprema vinculação. Em tal senti<strong>do</strong>, se o processualista tem como cartilha originária<br />

a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>por</strong> certo seus olhos <strong>de</strong>vem estar pauta<strong>do</strong>s com escrutínio<br />

no inciso LXXVIII, <strong>do</strong> art. 5º, e os “meios” para garantir a razoável duração <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

processo <strong>de</strong>vem nascer <strong>do</strong> coman<strong>do</strong> da unida<strong>de</strong> e da integrida<strong>de</strong> da Lei Maior. 126<br />

Nesse aspecto, a combinação <strong>de</strong> dispositivos e <strong>de</strong>mais fatores científicos que<br />

legitimam o atual quadro <strong>do</strong> judiciário o levam a reconhecer a im<strong>por</strong>tância <strong>do</strong> uso da<br />

tecnologia em outro estágio, sem que haja quaisquer prejuízos aos Direitos e às<br />

Garantias Fundamentais, pois os “meios” <strong>de</strong>vem estar lastrea<strong>do</strong>s<br />

inquestionavelmente na Lei Maior.<br />

No processo <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong>s dispositivos legais, tanto a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz com outra forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> <strong>de</strong>ve ter como parâmetro ou a<br />

inferência que é a extração da relação <strong>do</strong> fato jurídico da abstração normativa, ou<br />

mediante a interpretação <strong>do</strong> fato jurídico <strong>de</strong> forma ampla, <strong>por</strong>ém vinculada à lei,<br />

reconhecen<strong>do</strong>, inclusive, as <strong>de</strong>mais ciências cognitivas que trabalham diuturnamente<br />

em busca <strong>de</strong> dar respostas às questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social.<br />

Representante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a das espécies <strong>de</strong> vida biológica, o homem não po<strong>de</strong><br />

transformar-se em <strong>um</strong>a máquina nem seu inverso se revela possível. Todavia, em<br />

não sen<strong>do</strong> as faculda<strong>de</strong>s da <strong>inteligência</strong> <strong>–</strong> o pensar, o memorizar, o processar, o<br />

integrar e o cruzar informações ou da<strong>do</strong>s <strong>–</strong> atributos exclusivos <strong>do</strong> homem, não se<br />

126<br />

Athos <strong>de</strong> Gusmão Carneiro é categórico: “A parcela <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico que soberanamente<br />

impõe as finalida<strong>de</strong>s a serem atingidas pelo Esta<strong>do</strong> brasileiro é a Constituição Fe<strong>de</strong>ral. É <strong>por</strong> isto que<br />

tanto os seus fins como também a forma <strong>de</strong> atingi-los, isto é, seus meios, têm que ser extraí<strong>do</strong>s, em<br />

primeiro plano, daquele corpo normativo. Eis a im<strong>por</strong>tância <strong>de</strong> o <strong>direito</strong> processual civil ser estuda<strong>do</strong> o<br />

que po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser chama<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> seu “mo<strong>de</strong>lo constitucional”, expressão que <strong>de</strong>ve ser<br />

compreendida amplamente para compreen<strong>de</strong>r todas as diretrizes que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Constituição,<br />

influenciam e <strong>de</strong>terminam a compreensão <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual civil e <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> <strong>de</strong> seus institutos<br />

(CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases científicas para <strong>um</strong> renova<strong>do</strong><br />

<strong>direito</strong> processual. 2. ed. Salva<strong>do</strong>r: Jus Podi<strong>um</strong>, 2009, p. 381).”


161<br />

revela impossível que outra forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> possa <strong>de</strong>las apropriar-se e realizar<br />

as operações típicas <strong>do</strong>s <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s.<br />

São condições essenciais da vida biológica:<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Existir tanto no tempo quanto no espaço<br />

Apresentar auto-reprodução ou reproduzir-se n<strong>um</strong> outro organismo<br />

Armazenar informações sobre si mesmo<br />

Alternar-se <strong>por</strong> metabolismo (ser capaz <strong>de</strong> transformar matéria em<br />

energia)<br />

Agir no seu próprio ambiente<br />

Conter pautas inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

Manter a estabilida<strong>de</strong> durante as mudanças das condições ambientais<br />

Evoluir<br />

Crescer ou expandir<br />

O conceito <strong>de</strong> vida <strong>artificial</strong>, matizan<strong>do</strong>-o, é a conversão da lógica da vida<br />

biológica em regras, é a transposição a partir <strong>do</strong> mapeamento <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo e da<br />

estrutura da vida h<strong>um</strong>ana em termos e programas que reproduzam paralelamente<br />

to<strong>do</strong>s os com<strong>por</strong>tamentos, as atitu<strong>de</strong>s e as ações da vida.<br />

A vida <strong>artificial</strong> cibernética não é <strong>um</strong>a vida em si, mas <strong>por</strong> si, <strong>por</strong> inspirar-se<br />

em outra vida. Ela participa <strong>do</strong>s atributos da vida biológica, simulan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> seu<br />

processo <strong>de</strong> funcionamento, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a replicar padrões e parâmetros<br />

estabeleci<strong>do</strong>s.<br />

Dada a natureza e a não fungibilida<strong>de</strong> entre a vida <strong>artificial</strong> e a biológica, no<br />

âmbito <strong>do</strong> Direito é i<strong>de</strong>ntificável a semelhança <strong>do</strong> fenômeno quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong><br />

traçar <strong>um</strong> paralelo entre o homem “sistema biológico” e o Direito “sistema<br />

normativo”. O homem não é regra <strong>do</strong> Direito, ele participa das relações sociais e<br />

nelas se coaduna com as regras legais distribuídas em cada relação <strong>de</strong> que<br />

participa.<br />

Dentro da concepção <strong>de</strong> sistema, é possível que naturezas diversas se<br />

comuniquem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência possam as<br />

regras <strong>de</strong> limitação e <strong>de</strong>limitação operar em consonância com o c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong><br />

cada parte, com in<strong>de</strong>pendência e autonomia, realizan<strong>do</strong> suas funções.


162<br />

Assim, as regras <strong>do</strong> Direito representam <strong>um</strong> corpo vivo <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong><br />

or<strong>de</strong>namento jurídico. Se o aplica<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ssas regras or<strong>de</strong>náveis é <strong>um</strong> sistema<br />

biológico, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> sistema <strong>artificial</strong>.<br />

É possível e plenamente realizável que o processo <strong>cognitivo</strong> biológico seja<br />

processa<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong> padronizada em linguagem <strong>artificial</strong>,<br />

estabelecida com base da mesma natureza <strong>–</strong> <strong>inteligência</strong> biológica <strong>–</strong> quanto ao<br />

fornecimento <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e das informações.<br />

A assertiva <strong>de</strong> tal proposição somente será validada, se ela for verda<strong>de</strong>ira,<br />

<strong>por</strong>tanto, satisfatória. A verda<strong>de</strong> nesse aspecto representa <strong>um</strong> critério <strong>de</strong> aceitação<br />

<strong>do</strong> conhecimento e a justificativa <strong>um</strong> critério <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong>ssa verda<strong>de</strong>, seja<br />

<strong>por</strong> simples abstração normativa ou <strong>por</strong> <strong>um</strong>a matriz <strong>de</strong> caso em que to<strong>do</strong>s os<br />

aspectos da interpretação já foram mapea<strong>do</strong>s (típico das teses firmadas em<br />

prece<strong>de</strong>ntes) e convertidas em <strong>um</strong>a linguagem lógica.<br />

É, <strong>por</strong>tanto, mera convenção postular a estabilização e a uniformização <strong>do</strong><br />

entendimento <strong>do</strong> dispositivo legal após o exaustivo trabalho <strong>de</strong> confrontação,<br />

conciliação e certificação Constitucional implantada pela socieda<strong>de</strong> jurídica e que<br />

serve para a concretização <strong>do</strong> esquema <strong>de</strong> aceitação-validação <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico.<br />

Para Guilhoto, (SRD, p.7-10), em trecho extenso, mas essencial para as<br />

<strong>de</strong>finições conceituais e o cotejamento <strong>do</strong>s paralelos entre as cognições: (os<br />

negritos são nossos)<br />

A mutação [...] A análise <strong>de</strong> sistemas estuda a relação e a troca <strong>de</strong><br />

informações entre sistemas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ou inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e, nos<br />

sistemas biológicos, os sistemas organizam-se da mesma forma. O código<br />

genético, <strong>por</strong> exemplo, nada mais é <strong>do</strong> que <strong>um</strong> banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s que fornece<br />

informações para outros sistemas. Portanto, as mutações po<strong>de</strong>m ser<br />

consi<strong>de</strong>radas como erros (ou ruí<strong>do</strong>s) na transmissão das mensagens entre<br />

sistemas, conduzin<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a nova estrutura <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> seu ambiente. Um<br />

exemplo <strong>de</strong> mutação ocorre quan<strong>do</strong> o DNA é copia<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a célula para<br />

outra, e <strong>um</strong>a <strong>de</strong> suas bases é alterada aci<strong>de</strong>ntalmente, forman<strong>do</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

composto. Po<strong>de</strong> ocorrer também quan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a sequência é copiada várias<br />

vezes ou simplesmente excluída da ca<strong>de</strong>ia. Nos sistemas <strong>de</strong> Vida Artificial,<br />

a mutação ocorre <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à substituição, à exclusão ou à cópia múltipla <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> bit. Assim, a mutação ocorre quan<strong>do</strong> <strong>um</strong> 0 se torna 1 ou vice-versa.<br />

Crossing Over [...] O cruzamento é a troca <strong>de</strong> informações na reprodução<br />

<strong>de</strong> sistemas. Com isso, o sistema resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> cruzamento consegue evoluir<br />

e sobre<strong>por</strong>-se aos outros sistemas <strong>de</strong> sua espécie (seleção), já que surge<br />

da combinação <strong>de</strong> características <strong>do</strong>s seus pais. Na Vida Artificial existe<br />

também a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cruzamento <strong>de</strong> informações (bytes ou palavras)<br />

semelhante ao cruzamento genético.


163<br />

Evolução [...] no século XIX o inglês Charles Darwin propôs a teoria <strong>de</strong> que<br />

as espécies evoluíam através da seleção natural, isto é, as espécies que<br />

conseguiam adaptar-se e sobreviver reproduzir-se-iam, crian<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes cada vez mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s. Porém, nesta época Darwin<br />

não tinha conhecimentos <strong>de</strong> genética e <strong>do</strong>s conceitos <strong>de</strong> mutação, pois,<br />

estes apenas surgiram várias décadas <strong>de</strong>pois, quan<strong>do</strong> Gregor Men<strong>de</strong>l<br />

<strong>de</strong>senvolveu as leis da genética, possibilitan<strong>do</strong> a incor<strong>por</strong>ação <strong>de</strong>stes <strong>novo</strong>s<br />

conceitos. Surgiu assim o Neo-Darwinismo (teoria sintética). Nos sistemas<br />

<strong>de</strong> Vida Artificial, a evolução ocorre principalmente com a mutação<br />

(alteração <strong>de</strong> bits aleatórios <strong>de</strong> forma aleatória) e com o cruzamento <strong>de</strong> bits,<br />

bytes e palavras entre sistemas. As modificações estabelecidas através <strong>de</strong><br />

recombinação (mutação ou cruzamento) po<strong>de</strong>m ser testadas no ambiente<br />

em que o sistema se insere, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a saber se a nova combinação<br />

oferece vantagens para a sobrevivência ou o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> mesmo.<br />

Relacionamento entre Sistemas [...] N<strong>um</strong> sistema biológico, existe <strong>um</strong>a<br />

relação entre vários elementos membros <strong>do</strong> sistema. Em sistemas<br />

organizacionais, como as colmeias e os enxames, cada elemento é<br />

responsável <strong>por</strong> tarefas específicas, e é este tipo <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamento que<br />

está intimamente liga<strong>do</strong> aos projetos <strong>de</strong> Vida Artificial. Estas tentam<br />

enten<strong>de</strong>r e simular os processos naturais, como saber a melhor distância<br />

entre <strong>do</strong>is pontos através <strong>de</strong> <strong>um</strong> trajeto <strong>de</strong> formigas, ou a resolução <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

problema através da divisão da solução em tarefas distribuídas<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />

Comunicação [...]A comunicação é o meio pelo qual duas entida<strong>de</strong>s (no<br />

senti<strong>do</strong> mais genérico possível) conseguem expressar fome, raiva,<br />

disponibilida<strong>de</strong> para a reprodução e muitas outras informações. Obviamente<br />

que a comunicação não se propaga apenas <strong>por</strong> via oral (fala ou ruí<strong>do</strong>),<br />

propagan<strong>do</strong>-se também através <strong>de</strong> características físicas (a maioria das<br />

aves expressam agressivida<strong>de</strong> através <strong>do</strong>s pelos (ave tem pelo ou pena?)<br />

eriça<strong>do</strong>s, e os cães expressam ansieda<strong>de</strong> através <strong>do</strong> rabo) e químicas (as<br />

formigas comunicam através <strong>de</strong> feromônios que estas <strong>de</strong>positam nos<br />

alimentos encontra<strong>do</strong>s, que ao eva<strong>por</strong>ar permitem que outras formigas as<br />

acompanhem e encontrem o alimento).<br />

Cooperação[...] A cooperação, juntamente com a comunicação, são<br />

características intrínsecas <strong>do</strong>s sistemas naturais, principalmente quan<strong>do</strong> os<br />

indivíduos ou <strong>um</strong>a população inteira juntam-se para realizar <strong>um</strong>a função<br />

específica, como encontrar alimento. Na maioria das vezes, a cooperação<br />

faz-se a partir <strong>do</strong> interesse metabólico mútuo entre <strong>do</strong>is indivíduos, ou seja,<br />

“Eu tenho <strong>um</strong>a coisa que tu queres, eu quero <strong>um</strong>a coisa que tu tens.”<br />

Aprendizagem [...] A aprendizagem é a base <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e,<br />

consequentemente, da evolução. Existem várias formas <strong>de</strong> aprendizagem,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a observação, a aquisição <strong>de</strong> novas informações (instruções,<br />

indicações e exemplos) ou mesmo pela tentativa e erro. Nos sistemas<br />

artificiais, o objetivo da aprendizagem é permitir o aperfeiçoamento da<br />

seleção <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamentos. Neste caso, esta fortalece os com<strong>por</strong>tamentos<br />

confiáveis e enfraquece os não confiáveis. A partir daí os com<strong>por</strong>tamentos<br />

são rotula<strong>do</strong>s como “hábito”, aceleran<strong>do</strong> a seleção <strong>do</strong>s com<strong>por</strong>tamentos<br />

subsequentes.


164<br />

As formas e os processos da natureza são condições meto<strong>do</strong>lógicas<br />

essenciais para que o homem possa compreen<strong>de</strong>r investigativamente o<br />

conhecimento científico em que ele produz, “gera” e também possa a ser gera<strong>do</strong> em<br />

<strong>um</strong>a outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>.<br />

A Inteligência Artificial é tributária da ação <strong>do</strong> homem e suas novas<br />

<strong>de</strong>scobertas. Os conceitos, as i<strong>de</strong>ias e as categorias são germinadas a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

concepção tecnológica, embora ainda não muito bem compreendida.<br />

Embora oferte <strong>um</strong>a certa dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>codificar a fórmula, esse <strong>novo</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> sitia muitas vezes o homem, tornan<strong>do</strong>-o escravo <strong>de</strong> seus<br />

próprios <strong>limite</strong>s. Ele, sem enten<strong>de</strong>r o real fundamento, ainda não tem enxerga<strong>do</strong> a<br />

tecnologia como sua maior aliada.<br />

O crescimento da complexida<strong>de</strong> e da dimensão frente ao imensurável mun<strong>do</strong><br />

pressupõe o chamamento <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>cognitivo</strong>s, <strong>de</strong> novas ferramentas<br />

<strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong> diferenciada para os <strong>novo</strong>s tempos. 127<br />

A mudança <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça judiciária operada exclusivamente<br />

pelo homem/Juiz, <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Justiça alternativa, em que ao menos parte <strong>de</strong>la <strong>–</strong> das<br />

funções <strong>do</strong> Juiz <strong>–</strong> seja operada pela Inteligência Artificial, revela-se possível em<br />

to<strong>do</strong>s os aspectos <strong>–</strong> jurídico, social, educacional, econômico e financeiro.<br />

Transformar a Justiça judiciária em parte (etapas), em <strong>um</strong>a <strong>justiça</strong> digital é<br />

<strong>um</strong>a proposta <strong>de</strong> acesso a to<strong>do</strong>s irrestritamente, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> os meios ser múltiplos,<br />

não somente para julgamento <strong>de</strong> casos em que os prece<strong>de</strong>ntes estejam assenta<strong>do</strong>s<br />

127<br />

Segun<strong>do</strong> Bertalanffy, “Os perigos <strong>de</strong>sta nova criação infelizmente são evi<strong>de</strong>ntes e já foram muitas<br />

vezes enuncia<strong>do</strong>s. O <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> <strong>cibernético</strong>, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o psiquiatra Ruesh (1967), não se<br />

refere às pessoas, mas aos sistemas. O homem torna-se substituível e cons<strong>um</strong>ível. Para os <strong>novo</strong>s<br />

utopistas da engenharia <strong>do</strong>s sistemas, usan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a frase <strong>de</strong> Boguslan (1965), é o “elemento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>”<br />

que se revela ser precisamente o componente falível <strong>de</strong> suas criações. Este elemento ou tem <strong>de</strong> ser<br />

elimina<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> e substituí<strong>do</strong> pelos equipamentos <strong>do</strong>s computa<strong>do</strong>res, pela máquina autorregulável<br />

e coisas semelhantes, ou tem <strong>de</strong> ser torna<strong>do</strong> tão digno <strong>de</strong> confiança quanto possível, isto é,<br />

mecaniza<strong>do</strong>, conformista, controla<strong>do</strong> e padroniza<strong>do</strong>. Em termos mais ásperos, o homem no gran<strong>de</strong><br />

sistema tem <strong>de</strong> ser e em larga extensão já é <strong>um</strong> débil mental, <strong>um</strong> idiota amestra<strong>do</strong> ou dirigi<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

botões, isto é, altamente treina<strong>do</strong> em alg<strong>um</strong>a estreita especialização ou então tem <strong>de</strong> ser simples<br />

parte da máquina. Isto está <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com <strong>um</strong> princípio bem conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong>s sistemas, o da<br />

progressiva mecanização, na qual o indivíduo se torna cada vez mais <strong>um</strong>a roda <strong>de</strong>ntada <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong><br />

<strong>por</strong> uns poucos lí<strong>de</strong>res privilegia<strong>do</strong>s, mediocrida<strong>de</strong>s e mistifica<strong>do</strong>res que só têm em vista seus<br />

interesses priva<strong>do</strong>s sob a cortina <strong>de</strong> f<strong>um</strong>aça das i<strong>de</strong>ologias (Sorokin, 1966, p. 558 ss). Quer<br />

consi<strong>de</strong>remos a expansão positiva <strong>do</strong> conhecimento e o controle benéfico <strong>do</strong> ambiente e da<br />

socieda<strong>de</strong>, quer vejamos no movimento <strong>do</strong>s sistemas o advento <strong>do</strong> Brave New World e <strong>do</strong> 1984, o<br />

fato é que este movimento merece intenso estu<strong>do</strong> e temos <strong>de</strong> aceitá-lo (BERTALANFFY, Ludwig Von.<br />

Teoria geral <strong>do</strong>s sistemas: fundamentos, <strong>de</strong>senvolvimento e aplicações; tradução Francisco M.<br />

Guimarães. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 29).”


165<br />

<strong>por</strong> teses mas para o uso <strong>de</strong> aplicativos e outros canais que estariam operan<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

esses meios.<br />

Conce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> informações, da<strong>do</strong>s e orientações verbais ou não, em qualquer<br />

lugar, dia e horário, revela a transição <strong>do</strong> provisório estabeleci<strong>do</strong> e já sectário para o<br />

mo<strong>de</strong>lo ético, emancipa<strong>do</strong>r e tecnológico, mais a<strong>de</strong>quada a aten<strong>de</strong>r a situação atual<br />

da socieda<strong>de</strong> em suas <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> (o) Direito <strong>por</strong> Justiça.<br />

Uma Justiça alternativa operada <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial é<br />

a constatação material representativa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mudança <strong>de</strong> hábito para <strong>um</strong> hábito<br />

compatível com os <strong>novo</strong>s tempos. 128<br />

O que registra Kuhn, bem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> nas palavras <strong>de</strong> Bertalanffy, é a<br />

im<strong>por</strong>tância dimensionada pelo <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>, <strong>um</strong> arcabouço <strong>cognitivo</strong> capaz <strong>de</strong><br />

aten<strong>de</strong>r a <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> social em que o Direito e a Justiça não estão ilesos. E<br />

<strong>por</strong> isso há a ênfase dada à epistemologia kuhniana a partir <strong>de</strong> seus conceitos na<br />

explicação <strong>de</strong>sse fluxo em cuja evolução concorrem o Direito e a Justiça.<br />

Essa forma filosófica <strong>de</strong> analisar a ciência, se transposta para a zona <strong>de</strong><br />

intersecção das ciências jurídicas, torna acentuada a mudança <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>do</strong><br />

Direito, quanto à sua forma <strong>de</strong> operacionalização, ou seja, é em seu modus operandi<br />

que o mo<strong>de</strong>lo anterior é fratura<strong>do</strong>, o que não afasta <strong>um</strong>a incomensurável mudança<br />

orgânica em toda a estrutura judiciária, principalmente em sua linguagem e sua<br />

prática.<br />

128<br />

A esse respeito, esclarece Bertalanffy: “De acor<strong>do</strong> com Kuhn (1962), <strong>um</strong>a revolução científica<br />

<strong>de</strong>fine-se pelo aparecimento <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s esquemas ou “<strong>paradigma</strong>s” conceituais. Estes põem em<br />

evidência aspectos que não eram anteriormente vistos e nem percebi<strong>do</strong>s, ou eram mesmo suprimi<strong>do</strong>s<br />

na ciência “normal”, isto é, a ciência geralmente aceita e praticada no momento. Por conseguinte, há<br />

<strong>um</strong> <strong>de</strong>slocamento nos problemas observa<strong>do</strong>s e estuda<strong>do</strong>s e <strong>um</strong>a mudança <strong>de</strong> regras da prática<br />

científica, comparável à troca das gestalten perceptivas nas experiências psicológicas, quan<strong>do</strong>, <strong>por</strong><br />

exemplo, a mesma figura po<strong>de</strong> ser vista como constituída <strong>por</strong> <strong>do</strong>is perfis ou <strong>por</strong> <strong>um</strong>a taça, <strong>um</strong> prato<br />

ou <strong>um</strong> coelho. É bem compreensível que nessas fases críticas seja acentuada a im<strong>por</strong>tância da<br />

análise filosófica, que não é sentida com a mesma necessida<strong>de</strong> em perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> crescimento da<br />

ciência “normal”. As primitivas versões <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> são na maioria das vezes toscas,<br />

resolvem poucos problemas, e as soluções dadas aos problemas individuais estão longe <strong>de</strong> serem<br />

perfeitas. Há <strong>um</strong>a profusão e competição <strong>de</strong> teorias, cada <strong>um</strong>a das quais limitadas no que diz<br />

respeito ao mínimo <strong>de</strong> problemas a que se referem e à solução elegante daqueles que são leva<strong>do</strong>s<br />

em consi<strong>de</strong>ração. Contu<strong>do</strong>, o <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> abrange <strong>novo</strong>s problemas, especialmente os que<br />

anteriormente eram rejeita<strong>do</strong>s como “metafísicos” (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral <strong>do</strong>s<br />

sistemas: fundamentos, <strong>de</strong>senvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed.<br />

Petrópolis: Vozes, 2015, p. 39).”


166<br />

Isso registra <strong>um</strong> <strong>de</strong>safio para a alteração acentuada na norma <strong>do</strong> saber como<br />

preparação para a tomada <strong>de</strong> consciência das novas técnicas <strong>de</strong> conhecimento<br />

digital inseridas no âmbito <strong>do</strong> Direito e da Justiça. A revolução científica cognitiva <strong>do</strong><br />

Direito acontece literalmente em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong>s problemas existentes, os quais se<br />

arrastam sem <strong>um</strong>a efetiva solução.<br />

Observa-se que o sistema <strong>de</strong> operacionalização realizada rudimentarmente<br />

pela máquina cognitiva h<strong>um</strong>ana não aten<strong>de</strong> a <strong>um</strong>a Justiça Constitucional material há<br />

muito tempo.<br />

Principalmente <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça que se consoli<strong>do</strong>u no cenário<br />

nacional, ou seja, <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda massificada gera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a clientela judiciária.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Cruz-Pinto, magistra<strong>do</strong> em Portugal, isso exige <strong>um</strong>a necessária<br />

revolução <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a base <strong>de</strong> formação educacional para formação <strong>de</strong><br />

cidadãos conscientes e responsáveis <strong>do</strong>s Direitos e obrigações.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> ser o Direito <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> regras, imprime <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong><br />

regulatória das ações com<strong>por</strong>tamentais <strong>do</strong> homem, que <strong>de</strong>las participa, segun<strong>do</strong> as<br />

orientações <strong>do</strong> Direito, com isso legitiman<strong>do</strong>-o e confirman<strong>do</strong> a legalida<strong>de</strong> normativa<br />

das regras previstas na lei.<br />

Esse evento racionaliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito quanto à observação concreta e à<br />

necessida<strong>de</strong> iminente <strong>de</strong> harmonizar a vida em socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

cenário social aceitável <strong>de</strong>monstra que em última instância o Direito somente tem<br />

valida<strong>de</strong> se as regras surtirem os efeitos estabeleci<strong>do</strong>s em sua proposta, ou seja,<br />

or<strong>de</strong>m social.<br />

O homem, como <strong>um</strong> ser complexo e existente em escala <strong>de</strong>mográfica, cingi<strong>do</strong><br />

pelos efeitos naturais <strong>do</strong> metabolismo orgânico, encontrou a partir da criação das<br />

regras <strong>do</strong> Direito <strong>um</strong>a forma regular e uniforme para pautar suas ações.<br />

E, com isso, evitar conflitos <strong>de</strong>ntro da espécie, os quais, quan<strong>do</strong> existentes,<br />

<strong>de</strong>vem ser pacifica<strong>do</strong>s efetivamente, a partir <strong>de</strong> regras claras, objetivas e<br />

materialmente concretas para o mun<strong>do</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

A lógica <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong> Direito é, <strong>por</strong>tanto, a <strong>de</strong> que, quan<strong>do</strong> da existência <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> problema, dada a complexida<strong>de</strong> social e a n<strong>um</strong>erosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s h<strong>um</strong>anas,<br />

tenha a atenção <strong>de</strong>ssa instabilida<strong>de</strong> social voltada para o Direito, o qual, enquanto<br />

regulamentação social, emite <strong>um</strong> coman<strong>do</strong> imperativo à resolução, racionalizan<strong>do</strong> a<br />

ação com<strong>por</strong>tamental que confronta com as regras <strong>do</strong> Direito.


167<br />

O confronto é o mesmo que <strong>um</strong>a resistência <strong>de</strong> razões, que cada <strong>um</strong> acha ter<br />

a melhor. O conflito na verda<strong>de</strong> é o <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> entre as unida<strong>de</strong>s h<strong>um</strong>anase/ou<br />

coletivasenvolvidas, é <strong>um</strong> efeito exterior ao Direito e, ao mesmo tempo, a<br />

materialização da divergência; sen<strong>do</strong> assim, o conflito é <strong>um</strong> indica<strong>do</strong>r da existência<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> problema <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista normativo em atração.<br />

Nesse contexto, o Direito, agente racionaliza<strong>do</strong>r, cobra <strong>um</strong>a estabilização da<br />

socieda<strong>de</strong> moldada em suas ações sociais, cobra, <strong>por</strong>tanto <strong>um</strong>a correção ao atrito<br />

social que <strong>de</strong>stoa <strong>do</strong> regulatório normativo previsto nas regras da lei.<br />

Todavia, como a relação h<strong>um</strong>ana é múltipla e a operação <strong>do</strong> sistema não<br />

acontece <strong>de</strong> forma integrada, unificada e uniforme, dadas as condições limitadas <strong>do</strong><br />

sistema operacional, no processo <strong>de</strong> atualização que não é retroalimentação, o<br />

retorno das respostas às <strong>de</strong>mandas acontece em <strong>de</strong>scom<strong>passo</strong> com a realida<strong>de</strong><br />

social pragmática vigente.<br />

Isso se dá <strong>por</strong>que, nos <strong>novo</strong>s tempos, a complexida<strong>de</strong> e a n<strong>um</strong>erosida<strong>de</strong><br />

registram <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong> cognitiva em que o pensamento é racional, analítico,<br />

sintético, linear e lógico.<br />

Em s<strong>um</strong>a, em que se exige <strong>um</strong>a funcionalida<strong>de</strong> mais intensa <strong>do</strong> sistema nas<br />

questões propostas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a atendê-las satisfatoriamente, o que é impossível <strong>de</strong><br />

ser alcança<strong>do</strong> pela via exclusiva da ação h<strong>um</strong>ana.<br />

Os conceitos que incor<strong>por</strong>am essas palavras, entretanto, são distintos. As<br />

divergências existentes na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> em gran<strong>de</strong> parte já são pre<strong>de</strong>finidas,<br />

<strong>por</strong>tanto, o tratamento <strong>do</strong> Direito e da Justiça não exige <strong>um</strong> pensamento racional,<br />

analítico, sintético, linear e lógico, com <strong>de</strong>nsa reflexão, mas com intensa<br />

simplificação e objetivida<strong>de</strong>.<br />

O que po<strong>de</strong> ser feito pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classificar e categorizar <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong><br />

ambiente social jurídico tu<strong>do</strong> que for repeti<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> matrizes lógicas.<br />

Isso <strong>por</strong>que permite sua cisão no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> enfrentamento <strong>de</strong> exaustiva<br />

interpretação e posteriormente na estabilização <strong>de</strong> <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> pronto e acaba<strong>do</strong>,<br />

que, sem dúvida, há <strong>de</strong> vigir até que seja repara<strong>do</strong> ou completa<strong>do</strong>.<br />

Em <strong>um</strong>a medida extrema extirpa<strong>do</strong> dada fundada superação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> social<br />

que motivou com que o Po<strong>de</strong>r Legislativo criasse <strong>um</strong>a indigitada regra legal para<br />

outra anteriormente vigente ou no plano da prática a interpretação dada modificasse<br />

a compreensão e o entendimento <strong>do</strong> dispositivo.


168<br />

Enquanto conjunto <strong>de</strong> regras, o Direito passa a enfrentar a contramão da<br />

realida<strong>de</strong> social <strong>por</strong>que, na racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema operacional <strong>de</strong> aplicação das<br />

regras operada pelo homem/Juiz quan<strong>do</strong> retorna às regras <strong>do</strong> Direito, o tempo<br />

presente já <strong>passo</strong>u, e o registro da mutabilida<strong>de</strong> é a evidência <strong>do</strong> para<strong>do</strong>xo<br />

tem<strong>por</strong>al e suas evi<strong>de</strong>ntes consequências.<br />

Ao recorrer aos méto<strong>do</strong>s herméticos <strong>de</strong> <strong>de</strong>dução jurídica, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> la<strong>do</strong> o<br />

resulta<strong>do</strong> prático e mais rente <strong>do</strong> que a nova realida<strong>de</strong> social está a exigir <strong>do</strong> Direito<br />

e consequentemente da Justiça.<br />

A realida<strong>de</strong> fenomênica é outra. Esse <strong>de</strong>lay compromete a racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

Direito, ele precisa ser aplica<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma mais rápida, principalmente nas questões<br />

pacificadas e que o entendimento é mera replicação inconsciente da lei, pois, caso<br />

contrário, acontecerá o perecimento <strong>do</strong> Direito, a perda da credibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>stinatário da regra encampada <strong>por</strong> aquele compêndio normativo.<br />

O Direito, como <strong>um</strong> corpo responsável pela organização social, precisa, para<br />

sobreviver, acompanhar a transitorieda<strong>de</strong> e a simultaneida<strong>de</strong> da velocida<strong>de</strong> da<br />

realida<strong>de</strong> social, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> suas próprias regras. Seu valor intrínseco está<br />

para sua efetivida<strong>de</strong> instantânea “razoável”. Para isso, sua aplicação cobra <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

certa imediatida<strong>de</strong>.<br />

Não <strong>por</strong>que elas, as regras, já não sejam mais válidas, mas <strong>por</strong>que precisam<br />

ser analisadas constantemente a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> cenário <strong>de</strong> integração, unificação e<br />

uniformização, possível somente <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema que ofereça condições<br />

materiais e efetivas <strong>de</strong> que o efeito racionaliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito seja garanti<strong>do</strong>.<br />

Isso somente acontece se a resposta <strong>do</strong> Direito for dada em <strong>um</strong> tempo<br />

compatível com as expectativas da nova socieda<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna, ou seja, <strong>de</strong> forma<br />

razoavelmente célere, <strong>por</strong>ém <strong>por</strong> meios seguros em renormalização. Segun<strong>do</strong><br />

Hawking (2015, p. 207)<br />

De forma bastane semelhante, infinitos aparentemente absur<strong>do</strong>s ocorrem<br />

nas outras teorias parciais, mas, em to<strong>do</strong>s esses casos, eles po<strong>de</strong>m se<br />

anula<strong>do</strong>s <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> renormalização, o que faz mediante<br />

a introdução <strong>de</strong> outros infinitos. [...] A renormalização, contu<strong>do</strong>, apresenta<br />

<strong>um</strong>a <strong>de</strong>svantagem séria sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> se tentar encontrar <strong>um</strong>a<br />

teoria completa, pois significa que os valores verda<strong>de</strong>iros das massas e as<br />

intensida<strong>de</strong>s das forças não po<strong>de</strong>m ser previstos com base na teoria, mas<br />

precisam se escolhi<strong>do</strong>s para se a<strong>de</strong>quar às observações.


169<br />

Para isso, é concebível a intelectualida<strong>de</strong> tecnológica afastar a ambiguida<strong>de</strong>,<br />

a <strong>de</strong>dução e a verificabilida<strong>de</strong> <strong>por</strong> força <strong>de</strong> sua própria natureza. A nova <strong>inteligência</strong><br />

intelectual <strong>artificial</strong> gestada pela tecnologia passa a dar conta das totalida<strong>de</strong>s das<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>manda parcialmente atendida pela capacida<strong>de</strong> cognitiva<br />

h<strong>um</strong>ana, conforme esclarece Bertalanffy (2015, p. 46),<br />

Um mo<strong>de</strong>lo verbal é melhor <strong>do</strong> que nenh<strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo ou <strong>do</strong> que <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

que, visto po<strong>de</strong> ser formula<strong>do</strong> misteriosamente e imposto à força à<br />

realida<strong>de</strong>, falsifican<strong>do</strong> a teoria <strong>de</strong> enorme influência, como a psicanálise,<br />

que não foram matematizadas ou como a teoria da seleção, Seu impacto<br />

exce<strong>de</strong> <strong>de</strong> muito as construções matemáticas, que só aparecem mais tar<strong>de</strong><br />

e cobrem apenas aspectos parciais e <strong>um</strong>a pequena fração <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s<br />

empíricos. Se a proposição filosófica “não é outra coisa senão” <strong>um</strong>a reflexão<br />

filosófica <strong>de</strong> história da intelectualida<strong>de</strong>, a sua extensão à intelectualida<strong>de</strong><br />

tecnológica assenta na ausência <strong>de</strong> ambiguida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>dução e<br />

verificabilida<strong>de</strong>, que não possam ser aceitos pela aca<strong>de</strong>mia.<br />

A reflexão sobre a possibilida<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>fensabilida<strong>de</strong> material <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

intelectualida<strong>de</strong> calcada na tecnologia vê-se possível: sua aceitação contribui não<br />

somente para i<strong>de</strong>ntificar como para socorrer as dificulda<strong>de</strong>s sociais existentes.<br />

Não parece que os cientistas das ciências jurídicas estariam se<br />

autoexorcizan<strong>do</strong> ou reconhecen<strong>do</strong> a falibilida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana em alguns aspectos, se<br />

reconhecerem como questão relevante a tomada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a discussão em que a<br />

intelectualida<strong>de</strong> tecnológica ocupe o cenário instr<strong>um</strong>ental na mediação <strong>do</strong> Direito<br />

para o alcance da Justiça.<br />

A nevralgia endêmica <strong>do</strong> sistema judiciário em aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas<br />

conflitivas, principalmente aquelas cujos problemas são pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>corre da<br />

falta <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo a absorver esse tipo <strong>de</strong> situação. A massificação com<strong>um</strong> <strong>do</strong>s<br />

conflitos existentes na socieda<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna também tem relação com os<br />

sistemas <strong>de</strong> combinações biológicas com os quais a h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> é estruturada.<br />

Esse fator <strong>de</strong>corre da complexida<strong>de</strong> e da escalabilida<strong>de</strong> aritmética com que a<br />

socieda<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolveu nos últimos séculos, somadas à natureza <strong>do</strong> sistema<br />

metabólico orgânico, social e psicológico da espécie h<strong>um</strong>ana.<br />

A mutabilida<strong>de</strong> oriunda <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema aberto e complexo, embora a<br />

linguagem analítica ordinária pre<strong>do</strong>mine nesse mo<strong>de</strong>lo <strong>cognitivo</strong>, não garante a<br />

efetiva estabilida<strong>de</strong> almejada que se precisa, para que a socieda<strong>de</strong> viva estável,<br />

sem conflitos.


170<br />

As permutações e as combinações geram <strong>novo</strong>s padrões que, se<br />

sistematiza<strong>do</strong>s <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>cibernético</strong> <strong>de</strong> estrutura regula<strong>do</strong>ra, po<strong>de</strong>m<br />

ser efetivamente compreendi<strong>do</strong>s, gerencia<strong>do</strong>s e fiscaliza<strong>do</strong>s.<br />

Redundan<strong>do</strong> na i<strong>de</strong>ntificação imediata quan<strong>do</strong> das irregularida<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong><br />

apresentar às <strong>de</strong>mandas respostas imediatas, diante da natureza operacional <strong>do</strong><br />

sistema. Esclarece Bertalanffy (2015, p. 49).<br />

Ainda <strong>um</strong>a vez <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Hart (1959), a invenção h<strong>um</strong>ana po<strong>de</strong> ser<br />

concebida como construída <strong>por</strong> novas combinações <strong>de</strong> elementos<br />

anteriormente existentes. Se assim é, a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novas invenções<br />

a<strong>um</strong>entará aproximadamente como função <strong>do</strong> mínimo <strong>de</strong> possíveis<br />

permutações e combinações <strong>de</strong> elementos disponíveis, o que significa que<br />

este a<strong>um</strong>ento será <strong>um</strong> fatorial <strong>do</strong> mínimo <strong>de</strong> elementos. Por conseguinte, a<br />

taxa <strong>de</strong> aceleração das transformações sociais está ela própria se<br />

aceleran<strong>do</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que em muitos casos será encontrada n<strong>um</strong>a mudança<br />

cultural não <strong>um</strong>a aceleração longa-rítmica, mas <strong>um</strong>a aceleração log. log.<br />

Na falibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sistemas biológicos <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s, é <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se a<br />

natureza <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong> organismo vivo que compõe a estrutura h<strong>um</strong>ana, como<br />

ilustra Bertalanffy. 129 Em sen<strong>do</strong> diagnostica<strong>do</strong>s pressupostos ou elementos comuns<br />

da retroação <strong>–</strong> é provável que cada <strong>um</strong> conservan<strong>do</strong> sua natureza e sua forma<br />

com<strong>por</strong>tamental <strong>–</strong>em ambos os sistemas, biológico x tecnológico, tem-se com<br />

relação à socieda<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana <strong>um</strong>a clara e objetiva finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se instituir o pleno<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da ciência.<br />

129<br />

“ [...] o organismo vivo é <strong>um</strong> sistema aberto que se mantém em esta<strong>do</strong> estacionário ou se<br />

aproxima <strong>de</strong>ste. Sobrepon<strong>do</strong>-se às primeiras, encontramos as regulações que po<strong>de</strong>mos chamar<br />

secundárias e que são controladas <strong>por</strong> dispositivos fixos, especialmente <strong>do</strong> tipo retroativo. Esta<br />

situação é consequência <strong>de</strong> <strong>um</strong> princípio geral <strong>de</strong> organização que po<strong>de</strong> ser chama<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

mecanização progressiva. De início, os sistemas biológicos, neurológicos, psicológicos ou sociais são<br />

governa<strong>do</strong>s pela interação dinâmica <strong>de</strong> seus componentes. Mais tar<strong>de</strong> estabelecem disposições fixas<br />

e condições <strong>de</strong> coerção que tornam o sistema e suas partes mais eficientes, mas também diminuem<br />

gradualmente e <strong>por</strong> fim abolem na equipotencialida<strong>de</strong>. Assim, a dinâmica é o aspecto mais largo<br />

<strong>por</strong>que po<strong>de</strong>mos sempre, partin<strong>do</strong> das leis gerais <strong>do</strong>s sistemas, introduzin<strong>do</strong> convenientes condições<br />

<strong>de</strong> coerção, enquanto o oposto é impossível. A dinâmica traça <strong>um</strong> processo, ou procedibilida<strong>de</strong><br />

com<strong>um</strong> tanto aos sistemas fecha<strong>do</strong>s como aos sistemas abertos, em ambos os aspectos, a higi<strong>de</strong>z e<br />

a sistematização das ações são mecanismos que têm como finalida<strong>de</strong> manter a estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

componentes e com isso a funcionalida<strong>de</strong>.O organismo vivo, ou <strong>de</strong> vida biológica é marca<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

certa instabilida<strong>de</strong>, principalmente pelo natural e gradual arrefecimento <strong>de</strong> suas equipotencialida<strong>de</strong>s<br />

advindas pela fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua estrutura orgânica (organística)”. E arremata o mesmo autor (2015,<br />

p. 70): “Assim, <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sistemas na tecnologia e na natureza viva segue o esquema<br />

da retroação, sen<strong>do</strong> bem conheci<strong>do</strong> que <strong>um</strong>a nova disciplina chamada cibernética foi criada <strong>por</strong><br />

Norbert Wiener para tratar <strong>de</strong>ste fenômeno. A teoria procura mostrar que os mecanismos <strong>de</strong> natureza<br />

retroativa são a base <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento teleológico ou finalista nas máquinas construídas pelo<br />

homem assim como nos organismos vivos nos sistemas sociais (BERTALANFFY, Ludwig Von.<br />

Teoria geral <strong>do</strong>s sistemas: fundamentos, <strong>de</strong>senvolvimento e aplicações; tradução Francisco M.<br />

Guimarães. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 71).”


171<br />

Deduz-se, positivamente, que, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> tais aspectos, o fato<br />

consentâneo é o <strong>de</strong> que o homem aplique a ciência <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que ela fomente <strong>um</strong>a<br />

tecnologia psicológica, <strong>um</strong>a tecnologia sociológica e <strong>por</strong> certo <strong>um</strong>a tecnologia<br />

judiciária, inclusive em seu mo<strong>de</strong>lo operacional regulatório e punitório. Isso <strong>por</strong>que,<br />

nos sistemas tecnológicos, as equipotencialida<strong>de</strong>s da dinâmica se conservam<br />

estáveis qualitativa e quantitativamente.<br />

A transformação da ativida<strong>de</strong> puramente h<strong>um</strong>ana em ativida<strong>de</strong> <strong>artificial</strong> vê-se<br />

imaginável e possível na medida em que, cientificamente, as leis da natureza<br />

possam ser atingidas empírica e formalmente, como esclarece Bertalanffy (2015,<br />

p.93): “[...] estes exemplos matemáticos ilustram, contu<strong>do</strong> <strong>um</strong>a questão <strong>de</strong> interesse<br />

para nossas consi<strong>de</strong>rações, a saber, o fato <strong>de</strong> que certas leis da natureza po<strong>de</strong>m<br />

ser alcançadas não somente com base na experiência mas também <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

puramente formal”.<br />

Nos <strong>novo</strong>s tempos, transparece ser im<strong>por</strong>tante propiciar que o homem possa<br />

realizar <strong>um</strong>a viagem constante para conhecer melhor o indivíduo que o habita, suas<br />

características operacionais da mente e seus outros mecanismos funcionais<br />

essenciais.<br />

Tecnologizar as áreas <strong>do</strong> conhecimento implica homogeneizar <strong>por</strong> completo a<br />

relação entre o sistema <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e o <strong>cibernético</strong>, fronteiras, cujas partes repousam<br />

nas sombras <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, <strong>por</strong>que o homem ainda se ressente <strong>de</strong> ass<strong>um</strong>ir os<br />

<strong>limite</strong>s <strong>de</strong> suas condições biológicas.<br />

Essa forma <strong>de</strong> eclipse <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong> exige <strong>um</strong> banimento, ou o homem<br />

tornar-se-á refém <strong>de</strong> suas próprias impotências, tungan<strong>do</strong>-se perpetuamente. 130<br />

130<br />

Para Bertalanffy, em citação <strong>de</strong> fôlego, é possível perceber essa necessida<strong>de</strong>: “No sistema,<br />

igualmente certas partes tornam-se contra insubstituíveis <strong>de</strong> certos <strong>de</strong>sempenhos, <strong>por</strong> exemplo: os<br />

reflexos. No entanto, a mecanização nunca é completa no <strong>do</strong>mínio biológico. Embora o organismo<br />

seja parcialmente mecaniza<strong>do</strong> conserva-se ainda <strong>um</strong> sistema unitário. Isto é, a base da regulação e<br />

da interação com as exigências variáveis <strong>do</strong> meio. Em <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> primitiva cada membro po<strong>de</strong><br />

executar quase tu<strong>do</strong> em sua legislação com o to<strong>do</strong>. N<strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> altamente diferenciada, cada<br />

membro é <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> para certo <strong>de</strong>sempenho ou complexo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhos. O caso extremo é<br />

alcança<strong>do</strong> em certas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> insetos, nas quais os indivíduos <strong>por</strong> assim dizer transformamse<br />

em máquinas <strong>de</strong>terminadas para executarem certas funções. A <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong>s indivíduos em<br />

obreiras ou solda<strong>do</strong>s, em alg<strong>um</strong>as comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formigas, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às diferenças <strong>de</strong> alimentação<br />

nos vários estágios, assemelha-se espantosamente à <strong>de</strong>terminação ontogenética das regiões<br />

germinais a terem <strong>um</strong> certo <strong>de</strong>stino no seu <strong>de</strong>senvolvimento. / Neste contraste entre totalida<strong>de</strong> e<br />

soma, consiste a trágica tensão em qualquer evolução biológica, psicológica e sociológica. O<br />

progresso só é possível passan<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> indiferenciada a diferenciação das<br />

partes. Isto implica, contu<strong>do</strong>, que as partes se tornam fixas com respeito a <strong>um</strong>a certa ação. / Por<br />

conseguinte, a segregação progressiva significa também a progressiva mecanização. Esta, <strong>por</strong>ém,<br />

implica perda <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>. Enquanto o sistema é <strong>um</strong> to<strong>do</strong> unitário, <strong>um</strong>a perturbação será seguida<br />

da chegada a <strong>um</strong> <strong>novo</strong> esta<strong>do</strong> estacionário, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às interações internas <strong>do</strong> sistema. / O sistema é


172<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> unificação da ciência e <strong>de</strong> que as estruturas em to<strong>do</strong>s os níveis<br />

po<strong>de</strong>m ser unificadas uniformizan<strong>do</strong>-as, representa <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong> aos ventos da<br />

pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o rompimento <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>s e o avanço ao <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> bem<br />

como a superação <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s estabeleci<strong>do</strong>s representa <strong>um</strong>a forte tendência,<br />

conforme registra Bertalanffy (2015, p. 123).<br />

Especialmente o hiato entre as ciências naturais e as sociais, ou para usar<br />

os termos alemães mais expressivos natur und geisteswiassancha/ten, é<br />

gran<strong>de</strong>mente diminuí<strong>do</strong>, não no senti<strong>do</strong> da redução das últimas as<br />

concepções biológicas, mas no senti<strong>do</strong> das similitu<strong>de</strong>s estruturais. Esta é a<br />

causa da aparência <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista e noções gerais finalmente, conduzir<br />

ao estabelecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> leis ulterior campo.<br />

Avalian<strong>do</strong> o passa<strong>do</strong> e tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema em suas diversas facetas: a<br />

cibernética, a teoria da informação, a teoria <strong>do</strong>s jogos, a teoria da <strong>de</strong>cisão, a<br />

topologia ou a matemática relacional, a análise fatorial e outras, a vocação <strong>do</strong><br />

homem narcísico afastaram-no <strong>de</strong> dar atenção ou voltar seu foco ao mun<strong>do</strong><br />

organizacional e a suas formas. Assim, sua influência centraliza<strong>do</strong>ra e direta impe<strong>de</strong><br />

seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> forma positiva.<br />

A engenharia h<strong>um</strong>ana trata das limitações da capacida<strong>de</strong> e das variações<br />

fisiológicas <strong>do</strong> homem e consi<strong>de</strong>ra em tais trabalhos a cognição da biomecânica, da<br />

biofísica e da psicologia. É factual que instr<strong>um</strong>entos epistemológicos possam captar<br />

a or<strong>de</strong>m e a organização h<strong>um</strong>ana em seu complexo biológico.<br />

A ciência, reconciliada com o <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong>, não limitada ao fisicalismo, ganha<br />

materialida<strong>de</strong> cognitiva suficiente para enten<strong>de</strong>r, compreen<strong>de</strong>r e reconstruir<br />

autorregula<strong>do</strong>r. Se, <strong>por</strong>ém, o sistema foi dividi<strong>do</strong> em ca<strong>de</strong>ias causais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, a regularida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>saparece. Os processos parciais prosseguirão sua relação mais uns com os outros. Este é o<br />

com<strong>por</strong>tamento que encontramos, <strong>por</strong> exemplo, no <strong>de</strong>senvolvimento embrionário, no qual a<br />

<strong>de</strong>terminação caminha <strong>passo</strong> a <strong>passo</strong> com o <strong>de</strong>créscimo <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>”. Em síntese, arremata<br />

Bertalanffy (2015, p. 102): “O progresso só é possível pela subdivisão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ação inicialmente<br />

unitária em ações <strong>de</strong> partes especializadas. Isto, entretanto, significa ao mesmo tempo<br />

empobrecimento, perda <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhos ainda possível no esta<strong>do</strong> in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>. Quanto mais as<br />

partes se especializam em certa maneira tanto mais se tornam insubstituíveis e a perda das partes<br />

po<strong>de</strong> conduzir ao <strong>de</strong>smoronamento <strong>do</strong> sistema total. Usan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a linguagem aristotélica, toda<br />

evolução, ao <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brar alg<strong>um</strong>a potencialida<strong>de</strong>, mota mata em botão muitas outras possibilida<strong>de</strong>s.<br />

Po<strong>de</strong>mos encontrar este fato no <strong>de</strong>senvolvimento embrionário assim como na especialização<br />

filogenética ou na especialização na ciência e na vida diária. / O com<strong>por</strong>tamento interpreta<strong>do</strong> como<br />

utilida<strong>de</strong> e o com<strong>por</strong>tamento entendi<strong>do</strong> como somação, as concepções unitárias e as que se fundam<br />

nos elementos são usualmente consi<strong>de</strong>radas como antítese. Mas <strong>de</strong>scobre-se frequentemente não<br />

haver oposição entre elas e sim transição gradual <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento como totalida<strong>de</strong> para o<br />

com<strong>por</strong>tamento como somação (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral <strong>do</strong>s sistemas:<br />

fundamentos, <strong>de</strong>senvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed. Petrópolis:<br />

Vozes, 2015, p. 101).”


173<br />

cientificamente a organização em outra linguagem <strong>–</strong> o senti<strong>do</strong>, a direção e a<br />

finalida<strong>de</strong> das ações h<strong>um</strong>anas <strong>–</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a tornar-se possível <strong>um</strong>a organização<br />

h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> cientificida<strong>de</strong> cuja base estaria em leis universais sociais ao bom,<br />

pleno e eficaz funcionamento <strong>do</strong> sistema orgânico <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

A padronização <strong>de</strong> variáveis possibilita a compreensão e também a<br />

estabilização estacionária das complexida<strong>de</strong>s não organizadas das relações sociais<br />

e com<strong>por</strong>tamentais. É certo que as ciências sociais e com<strong>por</strong>tamentais não se<br />

fundiram inicialmente em <strong>um</strong>a linguagem <strong>de</strong> sistema, todavia nada impe<strong>de</strong> que seja<br />

refundada ou reconfigurada <strong>um</strong>a teoria <strong>de</strong> sistema a<strong>de</strong>quada a partir <strong>de</strong> sua<br />

estrutura e infraestrutura em suas totalida<strong>de</strong>s.<br />

As incertezas conclusivas e as conjecturas infindáveis das ciências sociais e<br />

com<strong>por</strong>tamentais revelam que a lida das variáveis, seus isolamentos e suas<br />

assertivas são realizadas <strong>de</strong> forma primitiva cuja superação é alcançada pelo<br />

convencimento retórico ou pela satisfação alcançada pela justificação ou, em alguns<br />

casos, pela encruzilhada <strong>do</strong> cansaço <strong>de</strong> <strong>um</strong>a luta pela <strong>de</strong>rrota h<strong>um</strong>ana, dada sua<br />

fragilida<strong>de</strong> física e intelectual. Todavia, a transformação <strong>de</strong> conceitos e linguagens é<br />

possível, como preconiza a teoria <strong>de</strong> Bertalanffy. 131 Para Bertalanffy (2015, p.156), a<br />

concepção <strong>de</strong> sistema guarda consigo <strong>de</strong>terminadas peculiarida<strong>de</strong>s, senão vejamos:<br />

131 “[...] a inclusão das ciências biológicas sociais e <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento junto com a mo<strong>de</strong>rna<br />

tecnologia exige a generalização <strong>de</strong> conceitos básicos da ciência. Isto implica novas categorias <strong>do</strong><br />

pensamento científico, em comparação como os existentes, na física tradicional e os mo<strong>de</strong>los<br />

introduzi<strong>do</strong>s com esta finalida<strong>de</strong> são <strong>de</strong> natureza interdisciplinar”. Nesse senti<strong>do</strong>, conclui o mesmo<br />

autor (2015, p.145): “parece ser que o conceito <strong>de</strong> sistema é bastante abstrato e geral para permitir a<br />

aplicação e entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> quaisquer <strong>de</strong>nominações. As noções <strong>de</strong> “equilíbrio”, “homeostase”,<br />

“retroação”, “esforço”, etc. não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ter origem tecnológica ou fisiológica, mas são aplicadas<br />

com maior ou menor sucesso aos fenômenos psicológicos. Os teóricos <strong>do</strong>s sistemas estão <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />

em que o conceito <strong>de</strong> “sistema” não se limita a entida<strong>de</strong>s materiais, mas po<strong>de</strong> ser aplica<strong>do</strong> a qualquer<br />

“totalida<strong>de</strong> constituída <strong>por</strong> “componentes” inter estruturantes (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria<br />

geral <strong>do</strong>s sistemas: fundamentos, <strong>de</strong>senvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães.<br />

8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 131).”


174<br />

À luz da mo<strong>de</strong>rna teoria <strong>do</strong>s sistemas é possível dar <strong>um</strong> significa<strong>do</strong> preciso<br />

ou alternativo entre os enfoques molar e molecular, nomotético e<br />

i<strong>de</strong>ográfico. Para o com<strong>por</strong>tamento das massas aplicar-se-iam leis <strong>do</strong>s<br />

sistemas que, se pu<strong>de</strong>rem ser matematiza<strong>do</strong>s, tornariam a forma <strong>de</strong><br />

equações diferenciais <strong>do</strong>s tipos das que foram usadas <strong>por</strong> Richar<strong>do</strong>ns<br />

cc/Rapo<strong>por</strong>t, 1957) acima menciona<strong>do</strong>. Em oposição, a livre escolha <strong>do</strong><br />

indivíduo seria <strong>de</strong>scrita <strong>por</strong> formulações da natureza <strong>do</strong>s jogos e da <strong>de</strong>cisão.<br />

/ Axiomaticamente, a teoria <strong>do</strong>s jogos e da <strong>de</strong>cisão referem-se a escolhas<br />

“racionais”. Isto significa <strong>um</strong>a escolha, que “leva ao máximo a utilida<strong>de</strong> ou a<br />

satisfação <strong>de</strong> <strong>um</strong> indivíduo”, que “o indivíduo” é livre <strong>de</strong> escolher entre<br />

vários possíveis cursos <strong>de</strong> ação e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> entre eles ten<strong>do</strong> como base, suas<br />

consequências”, que “escolhe”, estan<strong>do</strong> informa<strong>do</strong> <strong>de</strong> todas as<br />

consequências concebíveis <strong>de</strong> suas ações, aquilo que tem para ele o mais<br />

alto valor”, “prefere maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> bem <strong>de</strong> menor quantida<strong>de</strong>, em<br />

iguais condições”, etc. (ARROW, 1956). Em vez <strong>de</strong> ganho econômico,<br />

qualquer valor superior po<strong>de</strong> ser introduzi<strong>do</strong> sem alterar o formalismo<br />

matemático.<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conduzir as <strong>de</strong>cisões a <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> Inteligência Artificial<br />

se fortalece, <strong>um</strong>a vez que as ações <strong>do</strong> homem são mais a<strong>de</strong>quadamente afeiçoadas<br />

à irracionalida<strong>de</strong>.<br />

Se o racionalismo imbuí<strong>do</strong> da conservação, da satisfação, <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo, da<br />

sobrevivência em busca <strong>de</strong> algo benéfico biologicamente verbalizan<strong>do</strong>, pertence à<br />

natureza da vida animal.<br />

Ao contrário, o homem e seu com<strong>por</strong>tamentalismo, a racionalida<strong>de</strong> “h<strong>um</strong>ana”<br />

apresentam espasmos em <strong>um</strong> oceano maior da irracionalida<strong>de</strong>, dadas as influências<br />

internas e externas que contaminam a razão, o inconsciente, e suas razões<br />

valorativas. 132 Os obstáculos ainda estão insupera<strong>do</strong>s, sejam os fatos teóricos ou<br />

132<br />

Para Habermas (1987, p. viii-ix) em The Philosophical Discourse of Mo<strong>de</strong>rnity (O Discurso<br />

Filosófico da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>): “But the enhanced significance of the aesthetic is only one facet of the<br />

philosophical discourse of mo<strong>de</strong>rnity, which turns centrally on the critique of subjectivistc rationalism.<br />

The strong conceptions of reason and of the autonomous rational subject <strong>de</strong>veloped from Descartes<br />

to kant have, <strong>de</strong>spite the constant pounding given them in the last one hundred and fifty year,<br />

continued to exercise a broad and <strong>de</strong>ep <strong>–</strong> often subterranean <strong>–</strong> influence. The conception of “man”<br />

they fine is, according to the radical critics of enlightenment, at the core of Western h<strong>um</strong>anism, which<br />

accounts in their view for its long complicity whith terror. In proclaiming the end of philosophy <strong>–</strong><br />

whether in the name of negative dialetics or genealogy, the <strong>de</strong>struction of metaphysics or<br />

<strong>de</strong>sconstruction <strong>–</strong> they are in fact targeting the self-assertive and self- aggrandizing notion of reason<br />

that un<strong>de</strong>rlies Western “logocrentrism”. The critique of subject-centered reason is thus a prolongue to<br />

the critique of a bankrupt culture. / To the necessity that characterizes reason in the Cartesian-Kantian<br />

view, the radical critics typically oppose the contingency and conventionality of the rules, criteria, and<br />

products of that counts as rational speech and action at any given time and place; to its universality,<br />

they oppse an irreducible plurality of incommensurable lifeworlds and forms of life, the irremediably<br />

“local” charater of all truth, arg<strong>um</strong>ent, and validity; to the apriori, the empirical; to certainty, fallibility; to<br />

unity, heterogeneity; to homogeneity, the fragmentary; to self-evi<strong>de</strong>nt givenness (“presente”),<br />

universal mediation by differential systems of signs (Sausurre); to the unconditioned, a rejection of


175<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s. Quanto aos primeiros, é <strong>de</strong> se investir incansavelmente no<br />

aprofundamento científico e com ele na <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s conhecimentos, cujo<br />

escopo é o <strong>de</strong> dar <strong>um</strong>a resposta positiva à tecnologização <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento e da<br />

socieda<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

ultimate foundations in any form. Interwoven with this critique of reason is a critique of the sovereign<br />

rational subject <strong>–</strong> atomistic and autonomous, disengaged and disembodied, potentially and i<strong>de</strong>ally<br />

self-transparent. It is no longer possible, the critics argue, to overlook the influence of the unconscious<br />

on the conscious, the role of the preconceptual and nonconceptual in the conceptual, the presence of<br />

the irrational <strong>–</strong> the economy of <strong>de</strong>sire, the will to power <strong>–</strong> at the very core of the rational. Nor is it<br />

possible to ignore the intrinsically social character of “structures of consciousness,” the historical and<br />

cultural variability of categories of thought and principles of action, their inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nce with the<br />

changing forms of social and material reproduction. And it is equally evi<strong>de</strong>nt the “mind” will be<br />

misconceived if it is oppsed to “body,” as will theory if it is opposed to practice; Subjects of knowledge<br />

are embodied and practically engaged with the world, and the products of their thought bear<br />

ineradicable traces of their purposes and projects, passions and interests. In short, the epistemological<br />

and moral subject has been <strong>de</strong>finitively <strong>de</strong>centered and the conception of reason linked to it<br />

irrevocably <strong>de</strong>sublimated Subjectivity and intentionality are not prior to, but a function of, forms of life<br />

and sytems of language; they <strong>do</strong> not “constitute” the world but are themselves elements of a<br />

linguistically disclosed word (HABERMAS, Jürgen. The philosophic discourse of mo<strong>de</strong>rnity: twelve<br />

lectures. Cambridge: Cambridge University Press, 1987, p. vii).”<br />

Tradução: “Mas o significa<strong>do</strong> melhora<strong>do</strong> da estética é apenas <strong>um</strong>a faceta <strong>do</strong> discurso filosófico da<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, que se transforma centralmente na crítica <strong>do</strong> racionalismo subjetivo. As fortes<br />

concepções da razão e <strong>do</strong> sujeito autônomo racional <strong>de</strong>senvolvidas a partir <strong>de</strong> Descartes a Kant,<br />

apesar <strong>do</strong> constante batalha<strong>do</strong> nos últimos 150 anos, continuaram a exercer <strong>um</strong>a ampla e profunda<br />

influência, muitas vezes subterrânea. A concepção <strong>do</strong> "homem" que muda é, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os<br />

críticos radicais <strong>do</strong> il<strong>um</strong>inismo, que é o Neoclassicismo inicia<strong>do</strong> na França, com Voltaire, Descartes,<br />

no centro <strong>do</strong> H<strong>um</strong>anismo oci<strong>de</strong>ntal, o que representa, em sua opinião <strong>por</strong> sua longa c<strong>um</strong>plicida<strong>de</strong><br />

com o terrorismo[...] Ao proclamar o fim da filosofia <strong>–</strong> seja em nome da dialética ou genealogia<br />

negativa, a <strong>de</strong>struição da metafísica ou <strong>de</strong>sconstrução <strong>–</strong> eles estão <strong>de</strong> fato visan<strong>do</strong> à autoafirmação e<br />

ao autoengran<strong>de</strong>cimento, a noção <strong>de</strong> razão que está <strong>por</strong> trás oci<strong>de</strong>ntal "logo centrismo". A crítica da<br />

razão centrada no sujeito é, <strong>por</strong>tanto, <strong>um</strong> prólogo para a crítica <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura à beira da falência. /<br />

Para a necessida<strong>de</strong> que caracteriza a razão na visão kantiana-cartesiana, os críticos radicais<br />

normalmente se opõem à contingência e à convencionalida<strong>de</strong> das regras, critérios e produtos <strong>de</strong> que<br />

conta como discurso racional a ação em <strong>um</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tempo e lugar; a sua universalida<strong>de</strong>,<br />

opõem-se a <strong>um</strong>a pluralida<strong>de</strong> irredutível <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>s, incomensuráveis <strong>de</strong> vida e suas formas, a Carta<br />

irremediavelmente "local" <strong>de</strong> toda a verda<strong>de</strong>, o arg<strong>um</strong>ento, e a valida<strong>de</strong>; ao anterior, a empírica; a<br />

certeza, falibilida<strong>de</strong>; a unida<strong>de</strong>, a heterogeneida<strong>de</strong>; a homogeneida<strong>de</strong>, a fragmentarieda<strong>de</strong>; conce<strong>de</strong><br />

pouco o autoevi<strong>de</strong>nte ("presente"), a mediação universal <strong>por</strong> sistemas diferenciais <strong>de</strong> sinais<br />

(Saussure); para o incondiciona<strong>do</strong>, é <strong>um</strong>a rejeição <strong>de</strong> fundamentos últimos <strong>de</strong> qualquer forma.<br />

Entrelaçada com esta crítica da razão, é <strong>um</strong>a crítica <strong>do</strong> sujeito racional soberano <strong>–</strong> atomística e<br />

autônomo, <strong>de</strong>sengata<strong>do</strong> e sem corpo, e, i<strong>de</strong>almente, potencialmente auto transparente. Não é mais<br />

possível, os críticos arg<strong>um</strong>entam, ignorar a influência <strong>do</strong> inconsciente sobre o consciente, o papel <strong>do</strong><br />

preconceitual e não conceitual no conceitual, a presença <strong>do</strong> irracional <strong>–</strong> a economia <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo, a<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>–</strong> pelo âmago <strong>do</strong> racional. Também não é possível ignorar o caráter<br />

intrinsecamente social das "estruturas <strong>de</strong> consciência," a variabilida<strong>de</strong> histórica e cultural <strong>de</strong><br />

categorias <strong>de</strong> pensamento e princípios <strong>de</strong> ação, a sua inter<strong>de</strong>pendência com as novas formas <strong>de</strong><br />

reprodução social e material. E é igualmente evi<strong>de</strong>nte que a "mente" será mal compreendida se ele<br />

se opõe ao "corpo", como a teoria da vonta<strong>de</strong>, se ela se opõe à prática. Sujeitos <strong>do</strong> conhecimento<br />

estão incor<strong>por</strong>a<strong>do</strong>s e praticamente envolvi<strong>do</strong>s com o mun<strong>do</strong>, e os produtos <strong>de</strong> seu pensamento têm<br />

traços in<strong>de</strong>léveis <strong>de</strong> seus propósitos e projetos, paixões e interesses. Em s<strong>um</strong>a, o epistemológico e o<br />

sujeito moral têm si<strong>do</strong> <strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong>scentra<strong>do</strong>s e a concepção <strong>de</strong> razão ligada a eles <strong>de</strong> forma<br />

irrevogável, <strong>de</strong> sublimada subjetivida<strong>de</strong> e a intencionalida<strong>de</strong> não são antes, mas <strong>um</strong>a função <strong>de</strong><br />

formas <strong>de</strong> vida e sistemas <strong>de</strong> linguagem; não "constituem" o mun<strong>do</strong>, mas são eles próprios elementos<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a palavra linguisticamente divulgada.”


176<br />

Quanto aos segun<strong>do</strong>s, é a resistência <strong>de</strong> se camuflar em si, limitan<strong>do</strong>-se a<br />

rediscutir os velhos problemas com base nas velhas teorias ou em <strong>um</strong>a base<br />

cognitiva anacrônica, <strong>por</strong> elas fornecidas.<br />

Se consi<strong>de</strong>rarmos que a ação <strong>do</strong> homem está muito mais para a<br />

irracionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que para a racionalida<strong>de</strong>, se observarmos que esse<br />

com<strong>por</strong>tamento é muito mais afeiçoa<strong>do</strong> ao com<strong>por</strong>tamento animal, infere-se “in<br />

natura” a lógica da racionalida<strong>de</strong> aquele ato gera<strong>do</strong> pelo com<strong>por</strong>tamento<br />

“raciofórmico”, cuja base são a perpetuação, a conservação, a satisfação e a<br />

manutenção da existência no senti<strong>do</strong> biológico.<br />

Um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e <strong>de</strong> escolha, se leva<strong>do</strong> a parâmetros universais,<br />

mesmo que relaciona<strong>do</strong> a fatores subjetivos e intersubjetivos, <strong>por</strong>ém suspen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o<br />

individualismo típico <strong>do</strong> racional/irracional com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, tornaria o<br />

resulta<strong>do</strong> mecanicamente mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o com<strong>um</strong>ente pauta<strong>do</strong> em <strong>um</strong>a<br />

racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana escassa ou aviltada.<br />

Nesse contexto, o homem não constitui o mun<strong>do</strong>, ele nada mais é que <strong>um</strong><br />

sistema que, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a língua, produz <strong>um</strong>a linguagem em <strong>um</strong>a espécie<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema simbólico para interagir com os elementos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em que ele é<br />

<strong>um</strong> mero passageiro.<br />

Seu sistema bi-neural - córtex <strong>direito</strong> e esquer<strong>do</strong> - <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> cérebro e<br />

suas faculda<strong>de</strong>s possuem <strong>um</strong>a consciência tem<strong>por</strong>al que se faz no tempo e no<br />

espaço juntamente com outras espécies e outras <strong>inteligência</strong>s.<br />

A heterogeneida<strong>de</strong> encontrada no tempo, em distintos momentos, condições,<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> situações para efeito da raça h<strong>um</strong>ana, a <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a condição<br />

biológica <strong>de</strong> organismos social superior, <strong>por</strong>tanto é difícil afirmar como sen<strong>do</strong> <strong>um</strong>a<br />

<strong>inteligência</strong> única, exclusiva e universal.<br />

Em vez <strong>de</strong> <strong>um</strong> to<strong>do</strong> interrelaciona<strong>do</strong> harmoniosamente, temos partes<br />

inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que se estruturam em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> espaço e <strong>de</strong> tempo.<br />

Os aspectos hereditários e sucessórios são fracos para manterem a<br />

homogeneida<strong>de</strong>, dada a fragilida<strong>de</strong> da forma biológica como a h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> se<br />

multiplica, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong>, “<strong>um</strong>a cópia da cópia”, <strong>um</strong> fruto da reprodução sexuada,<br />

<strong>por</strong> isso se dão com facilida<strong>de</strong> a heterogeneida<strong>de</strong> e a complexida<strong>de</strong>. Para Bunge<br />

(2012, p. 143):


177<br />

Los organismos que tienen reproducción sexual son mucho más variables a<br />

causa <strong>de</strong> la reconbinación (o barajadura casi aleatória) <strong>de</strong> los genes<br />

parentales. En ambos casos, el sistema genético, o genoma <strong>–</strong> que esta<br />

compuesto <strong>por</strong> moléculas <strong>de</strong> ADN <strong>–</strong> está a cargo <strong>de</strong> la herencia. Los<br />

organismos no son arrastra<strong>do</strong>s <strong>por</strong> ciertos fines, sino empuja<strong>do</strong>s <strong>por</strong> la<br />

memoria genética <strong>de</strong>l passa<strong>do</strong>, con perdón <strong>de</strong> la metáfora.<br />

A irracionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas ações leva o homem a suspen<strong>de</strong>r e ao mesmo<br />

tempo a reavaliar a forma como são realizadas suas próprias regras regulatórias,<br />

inclusive quan<strong>do</strong> da constituição <strong>de</strong>las.<br />

Se o risco existe em <strong>um</strong> corpo normativo cria<strong>do</strong> pela espécie h<strong>um</strong>ana, sua<br />

viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a operação pessoalizada é igual ou maior<br />

quan<strong>do</strong> transferida sua ativa realização.<br />

Portanto, sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>rável qualquer outro mo<strong>de</strong>lo isento <strong>de</strong> pessoalida<strong>de</strong> e<br />

subjetivida<strong>de</strong>, apresenta-se como possível a realização da aplicação. Para o mun<strong>do</strong><br />

jurídico, como <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>, exige-se a chancela Constitucional, cujo filtro contém<br />

dispositivo que se alberga nos termos <strong>do</strong> artigo 5º, inciso LXXVIII da CF.<br />

A condição com<strong>um</strong> <strong>do</strong> fluxo interno e externo, <strong>do</strong> metabolismo constante,<br />

instável <strong>de</strong> contínua transformação forma o elemento fenomênico da vida. É neste<br />

contexto heterogêneo <strong>de</strong> constante <strong>de</strong>sequilíbrio que o organismo busca<br />

restabelecer-se, tornan<strong>do</strong>-se estável e equilibra<strong>do</strong>.<br />

A tem<strong>por</strong>alida<strong>de</strong> em que se passa este “filme” <strong>do</strong> biossistema, cultiva<strong>do</strong> a<br />

partir <strong>de</strong> aspectos quantitativos e qualitativos, <strong>de</strong>monstra quão instável é a<br />

estabilida<strong>de</strong> das realizações da h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>.<br />

Nesse cenário, a imprevisibilida<strong>de</strong> afasta <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os mo<strong>do</strong>s a sistematização<br />

estável das ações <strong>por</strong> qualquer meio <strong>de</strong> equação que possa dar as regras a tal tipo<br />

<strong>de</strong> vida, na tomada <strong>de</strong> ações e <strong>de</strong>cisões.<br />

O <strong>de</strong>sconforto não habita as leis, <strong>por</strong>que habita o homem, sua condição<br />

biológica, que é a natureza h<strong>um</strong>ana “bio-química”. Dissipá-la é impossível e, se não<br />

fosse a realização <strong>do</strong> fenômeno <strong>de</strong> equilíbrio estacionário obti<strong>do</strong> pelas leis que<br />

regem os sistemas abertos, não haveria a eliminação da instabilida<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionada<br />

pelo próprio sistema, que se vê vulnerável quan<strong>do</strong> exposto aos efeitos endógenos e<br />

exógenos das múltiplas relações pessoais, subjetivas e sociais.


178<br />

As peculiarida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> sistema aberto são inquestionáveis e, <strong>por</strong> assim dizer,<br />

evi<strong>de</strong>ntes. Sua organização dá-se tanto <strong>de</strong> forma visível como <strong>por</strong> situações que<br />

fogem da lógica, <strong>do</strong>s mecanismos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exame em aferição. A<br />

multiplicida<strong>de</strong> supera a barreira das experiências fisiológicas <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a tornar-se<br />

impossível o controle <strong>por</strong> processos matematiza<strong>do</strong>s, se não categoriza<strong>do</strong>s e<br />

<strong>de</strong>limita<strong>do</strong>s pertinentemente.<br />

O processo em que a sistematização mecanicista tecnologizada esteja<br />

presente, se não afastada a impossibilida<strong>de</strong> autorregulatória <strong>do</strong> sistema aberto o<br />

outro, não acontece.<br />

A questão da transposição entre sistemas parece ser <strong>um</strong>a ponte a ser<br />

avaliada quan<strong>do</strong> a simbiose questionada envolve a relação entre sistema aberto e o<br />

sistema <strong>cibernético</strong>, como tratam os ensinamentos <strong>de</strong> Bertalanffy. 133<br />

Esse fluxo estéril somente po<strong>de</strong> produzir resulta<strong>do</strong>s diversos ou aten<strong>de</strong>r a<br />

questões incomuns se <strong>de</strong>vidamente abasteci<strong>do</strong> com a inserção <strong>de</strong> informações e<br />

da<strong>do</strong>s em seu sistema pela retroalimentação. Ao que se apresentam os sistemas,<br />

possuem em sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes e entalhes <strong>de</strong> diferenciações.<br />

Não parece que em alg<strong>um</strong> momento se afaste <strong>por</strong> completo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nostalgia<br />

pelo equilíbrio mecaniza<strong>do</strong> “on<strong>de</strong> a produção pelo <strong>novo</strong> seja essencial”. Em<br />

semelhante aspecto funcional, parece que os sistemas convergem e são estáveis<br />

em i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

Para isso, <strong>de</strong>finir estabilida<strong>de</strong> na intersecção <strong>do</strong>s sistemas, ou seja, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

cada <strong>um</strong>, dada as peculiarida<strong>de</strong>s entre o sistema fecha<strong>do</strong> <strong>–</strong> retroação <strong>–</strong>, e o aberto <strong>–</strong><br />

dinamismo<strong>–</strong>, representa <strong>um</strong> critério elementar.<br />

133 “A base <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> sistema aberto é a interação dinâmica <strong>de</strong> seus componentes. A base <strong>do</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>cibernético</strong> é o ciclo <strong>de</strong> retroação no qual, <strong>por</strong> via da retroação da informação mantém-se <strong>um</strong><br />

valor <strong>de</strong>seja<strong>do</strong> (sollwert), atinge-se <strong>um</strong> alvo, etc. A teoria <strong>do</strong>s sistemas abertos é <strong>um</strong>a cinética e <strong>um</strong>a<br />

termodinâmica generalizada. / O sistema <strong>cibernético</strong>, a retroação e a informação não geram <strong>um</strong>a<br />

relação metabólica típica da relação interativa dinâmica <strong>do</strong> sistema aberto; neste sistema a própria<br />

relação interativa dinâmica é a “informação”. Isso se dá <strong>por</strong>que a relação complexa e fluida<br />

estabelecida é em si <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> “da<strong>do</strong>s e informações” que compõe o corpo <strong>do</strong> processo da<br />

comunicação <strong>do</strong>s sistemas abertos, geran<strong>do</strong> e se autorregulan<strong>do</strong>. / Não se discute ou se aponta se<br />

há perfeição ou não neste modus operandi. No sistema <strong>cibernético</strong>, a alimentação da base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />

e “informação” é que possibilita o funcionamento da <strong>inteligência</strong>, <strong>por</strong>ém o processamento não produz<br />

relação múltipla dada a ausência <strong>de</strong> metabolismo em sua estrutura, o que é <strong>de</strong> sua típica natureza.<br />

As oscilações, compensações, a<strong>um</strong>ento ou diminuição <strong>de</strong> energia são inexistentes nos sistemas<br />

fecha<strong>do</strong>s, comuns ao sistema <strong>cibernético</strong> (BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral <strong>do</strong>s sistemas:<br />

fundamentos, <strong>de</strong>senvolvimento e aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed. Petrópolis:<br />

Vozes, 2015, p. 195).”


179<br />

Também a entropia com relação aos sistemas e os efeitos da física exigem<br />

<strong>um</strong> tratamento principalmente com relação à natureza conceitual <strong>do</strong> instituto da<br />

entropia.<br />

A estabilida<strong>de</strong> apresenta-se i<strong>de</strong>ntidária, com a manifestação <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />

entropia negativa, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> energia e às compensações <strong>do</strong><br />

sistema aberto, o que parece “a priori” impossível para o sistema cuja base advém<br />

da informação e <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, que “são o abasteci<strong>do</strong>”, <strong>por</strong>tanto é <strong>de</strong> se pensar como<br />

compensar as necessida<strong>de</strong>s e as dissipações.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que tu<strong>do</strong> é linguagem, o problema da irreversibilida<strong>de</strong><br />

pro<strong>por</strong>cionada pela física nos sistemas abertos po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a solução para<br />

compreen<strong>de</strong>r a reversibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sistemas fecha<strong>do</strong>s. A não possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar<br />

conta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situações torna o sistema fecha<strong>do</strong> em alg<strong>um</strong> momento<br />

irreversível.<br />

O caminho <strong>do</strong> <strong>limite</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> espectro <strong>de</strong> informações inseri<strong>do</strong>s no sistema<br />

fecha<strong>do</strong> revela-se irreversível quanto à conclusão da falta <strong>de</strong> solução, enquanto para<br />

o sistema aberto a irreversibilida<strong>de</strong> é a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfazer o processo<br />

complexo e flui<strong>do</strong> entre as relações internas e externas <strong>do</strong> sistema.<br />

Em meio a tais sistemas, existe <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> saber, no qual o que parece<br />

essencialmente im<strong>por</strong>tante é o <strong>de</strong> possibilitar que suas relações possam ser<br />

transformadas, conceituadas e reguladas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema que possa<br />

estabelecer condições reais <strong>de</strong> funcionamento quanto ao relacionamento proposto.<br />

É <strong>um</strong> sistema irreversível <strong>por</strong>que metabolicamente a relação físico-química já<br />

aconteceu, sen<strong>do</strong> irreversível também, <strong>um</strong>a vez que as informações e da<strong>do</strong>s<br />

cataloga<strong>do</strong>s atingiram <strong>um</strong> <strong>limite</strong> pela não resposta, face à limitação advinda <strong>do</strong><br />

abastecimento <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s exauri<strong>do</strong>s.<br />

Consi<strong>de</strong>rar a limitação interna e a externa mostra-se razoável e não <strong>de</strong>scarta<br />

suas qualida<strong>de</strong>s, <strong>por</strong>que mesmo em <strong>um</strong> sistema aberto as possibilida<strong>de</strong>s são finitas,<br />

dada <strong>um</strong>a compreensão fenomênica da relação <strong>do</strong> sistema com o mun<strong>do</strong>,<br />

naturalmente constatáveis pelos <strong>limite</strong>s <strong>cognitivo</strong>s, pelo conhecimento da espécie<br />

h<strong>um</strong>ana.


180<br />

Em ambas as hipóteses sistêmicas, esses são possíveis <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r à<br />

realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem, o que vai exigir-lhe a tomada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> escolha. A<br />

elaboração <strong>de</strong> condições e suas peculiarida<strong>de</strong>s impõem ao cientista <strong>de</strong>bruçar-se<br />

sobre as condições, as regras e os fundamentos implícitos aos sistemas na<br />

exposição <strong>de</strong> seus diferenciais.<br />

Observa-se que o ilimita<strong>do</strong> resi<strong>de</strong> antes <strong>do</strong> <strong>limite</strong>; sob tal aspecto o sistema<br />

fecha<strong>do</strong> dispõe <strong>de</strong> maior grau <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong>, pois as regras em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s<br />

po<strong>de</strong>m para <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> ambiente encontrar-se antecipadamente <strong>de</strong>finidas e<br />

categorizadas.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Trincher, a entropia não é afeta o sistema aberto; segun<strong>do</strong> o<br />

entendimento <strong>de</strong>sse biofísico, a entropia/física é oposta à adaptação e à evolução<br />

biológica e afeta a constituição da informação. A concepção física em questão<br />

envolve a física <strong>de</strong>rivativa <strong>de</strong> Boltzmam, mecânica estatística e <strong>de</strong> transição,<br />

concepções que baseiam as relações <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>, a que nos limitamos a mera<br />

alusão ao entendimento da assertiva.<br />

No entanto, se semelhante entendimento é leva<strong>do</strong> à frente, a questão é<br />

enten<strong>de</strong>r <strong>por</strong> que ele enxerga a entropia e nela, como sen<strong>do</strong> <strong>um</strong> processo que não é<br />

afeto aos sistemas vivos. Seriam os sistemas vivos nutri<strong>do</strong>s <strong>de</strong> racionalizantes<br />

comuns (interna cor<strong>por</strong>is a entropia), a partir <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações<br />

<strong>de</strong>finidas, coligadas, adaptadas e constituídas em <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> evolução?<br />

Se sim, a transposição das informações e <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s po<strong>de</strong> dar-se com<br />

exatidão, no sistema Cibernético (retroação), <strong>um</strong>a vez que a informação, a coleção,<br />

a adaptação e a representação dão-se no processo <strong>de</strong> retroação da informação,<br />

<strong>por</strong>ém já pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s pelos racionalizantes <strong>do</strong> sistema entrópico, que seria a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com<strong>um</strong> responsável nestas condições <strong>por</strong> categorizar com precisão o<br />

sistema aberto.<br />

A adaptabilida<strong>de</strong> é <strong>um</strong> conceito real <strong>de</strong> formação da informação, além <strong>de</strong> ser<br />

reconhecida pelos sistemas vivos. Esse fenômeno simplista <strong>de</strong> contato imediato é<br />

razoavelmente constituí<strong>do</strong> nas relações primárias.<br />

Elas objetivam que outras criaturas <strong>do</strong> sistema vivo e seus <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bros<strong>–</strong><br />

embora a complexida<strong>de</strong> possa existir <strong>–</strong> a lógica da construção e da funcionalida<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong> conservar-se pela reprodução perfeita da simbologia <strong>de</strong>senvolvida pelas<br />

matrizes lógicas, conten<strong>do</strong> os seus axiomas e teoremas a partir da lógica utilizada.


181<br />

A realida<strong>de</strong> social, ainda que influenciada <strong>por</strong> <strong>um</strong> sistema maior e que em<br />

grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos po<strong>de</strong> encontrar nas camadas subatômicas suas razões,<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> regras fixas preestabelecidas, não foge da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

estabelecer-se na relação <strong>de</strong> processo e estrutura <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

retroação, principalmente em condições tais que possam as condições normativas<br />

ser fixadas <strong>por</strong> <strong>um</strong> sistema fecha<strong>do</strong> previamente programa<strong>do</strong>. 134 A questão já<br />

existente, apesar <strong>de</strong> ainda em <strong>de</strong>senvolvimento quanto a suas buscas <strong>de</strong> evidência,<br />

é o tratamento da linguagem natural utilizada pela comunida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana e a<br />

cibernética, tratada pela comunida<strong>de</strong> tecnológica das máquinas artificiais. Enfatizase<br />

“artificiais”, <strong>por</strong> não ser menos verda<strong>de</strong> que o homem seja <strong>um</strong>a máquina<br />

biológica, orgânica, que funciona sistematicamente condicionada <strong>por</strong> diversos<br />

fatores.<br />

A reprodução da linguagem natural em sistemas eletrônicos computacionais é<br />

também <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> vivenciada <strong>de</strong> forma concreta no dia a dia da raça h<strong>um</strong>ana.<br />

São certificações, “comprovações <strong>de</strong> assinaturas”, é a impressão <strong>de</strong> textos<br />

reproduzi<strong>do</strong>s, é a realização <strong>de</strong> exames <strong>do</strong>s mais diversos tipos, é a leitura <strong>de</strong><br />

cartões <strong>do</strong>s mais varia<strong>do</strong>s tipos e fins.<br />

134<br />

A esse respeito afirma Bertalanffy: “Os conceitos <strong>de</strong> teoria da informação, particularmente a<br />

equivalência da informação à entropia negativa <strong>–</strong> correspon<strong>de</strong>m, <strong>por</strong>tanto, à termodinâmica “fechada”<br />

(termostática) mais <strong>do</strong> que a termodinâmica irreversível <strong>do</strong>s sistemas abertos. Contu<strong>do</strong>, esta última é<br />

pressuposto se o sistema (como organismo vivo) tiver <strong>de</strong> ser <strong>do</strong> tipo autoorganiza<strong>do</strong>r (FOERSTER &<br />

ZOPF, 1962), isto é, <strong>de</strong>ve ten<strong>de</strong>r para <strong>um</strong>a diferenciação mais alta. Conforme mencionamos acima<br />

até aqui, não foi alcançada nenh<strong>um</strong>a síntese. O esquema <strong>cibernético</strong> permite, mediante os diagramas<br />

<strong>de</strong> blocos, o esclarecimento <strong>de</strong> muitos im<strong>por</strong>tantes fenômenos <strong>de</strong> autorregulação em fisiologia e<br />

presta-se à análise teórica da informação. O esquema <strong>do</strong> sistema aberto permite a análise cibernética<br />

e termodinâmica. A comparação <strong>do</strong>s fluxogramas <strong>de</strong> retroação (figuras 7.2) e <strong>do</strong>s sistemas sociais<br />

abertos (7.1) mostra instrutivamente a diferença. Assim a dinâmica <strong>do</strong>s sistemas abertos e nos<br />

mecanismos <strong>de</strong> retroação são <strong>do</strong>is conceitos diferentes <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los, cada qual correto em sua esfera<br />

própria. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sistema aberto é fundamentalmente não mecanicista e transcen<strong>de</strong>nte não só a<br />

termodinâmica convencional (cf.capitulo 4). / O enfoque <strong>cibernético</strong> conserva o mo<strong>de</strong>lo mecânico<br />

cartesiano <strong>do</strong> organismo, a causalida<strong>de</strong> unidirecional e os sistemas abertos. Sua novida<strong>de</strong> consiste<br />

em introduzir conceitos que transcen<strong>de</strong>m a física convencional, especialmente a teoria da informação.<br />

Em última análise, este par é <strong>um</strong>a expressão mo<strong>de</strong>rna da antiga antítese <strong>de</strong> “processo” e “estrutura”.<br />

Terá <strong>de</strong> ser finalmente resolvi<strong>do</strong> dialeticamente em <strong>um</strong>a nova síntese. / Fisiologicamente, o mo<strong>de</strong>lo<br />

da retroação explica aquilo que po<strong>de</strong> ser chama<strong>do</strong> “regulações secundárias” no metabolismo e em<br />

outros campos, isto é, regulações <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> mecanismos preestabeleci<strong>do</strong>s e caminhos fixos, como<br />

no controle neuro-hormonal.Seu caráter mecanicista torna-o particularmente aplicável na fisiologia<br />

<strong>do</strong>s órgãos e <strong>do</strong>s sistemas <strong>de</strong> órgãos. Por outro la<strong>do</strong>, a interação dinâmica das reações nos sistemas<br />

abertos aplica-se às “regulações primárias” como as que se passam no metabolismo celular (cf. Hess<br />

& Chance, 1959), em que vigora a regulação mais geral e primitiva <strong>do</strong>s sistemas abertos<br />

(BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral <strong>do</strong>s sistemas: fundamentos, <strong>de</strong>senvolvimento e<br />

aplicações; tradução Francisco M. Guimarães. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2015, p. 210).”


182<br />

Tecnologicamente o sistema alcançou a <strong>de</strong>codificação e a reprodução da<br />

linguagem natural h<strong>um</strong>ana em <strong>um</strong>a linguagem tecnológica para aquela ativida<strong>de</strong> que<br />

antes era realizada pelos seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s.<br />

A não aceitação <strong>de</strong> que a linguagem cibernética e os meios tecnológicos<br />

computacionais po<strong>de</strong>m substituir e/ou reposicionar a utilida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana para todas as<br />

funções está arraigada na ambiguida<strong>de</strong> que se tem quan<strong>do</strong> da avaliação <strong>de</strong> como a<br />

mente, a psique e a linguagem h<strong>um</strong>ana operam.<br />

A dificulda<strong>de</strong> em chegar a certas certezas evi<strong>de</strong>ntemente estimula e ainda<br />

fortalece <strong>um</strong>a oposição <strong>de</strong> homens que vivem o dilema, pois, enquanto isso, eles<br />

tomam para si o controle e a palavra final sobre a gran<strong>de</strong> maioria, os <strong>do</strong>minam e se<br />

beneficiam <strong>de</strong>ssa relação. 135 A pesquisa científica em seu <strong>de</strong>senvolvimento enfrenta<br />

o problema conflitivo da meto<strong>do</strong>logização diante da com<strong>um</strong>, sempre presente e da<br />

incessante relação divergente entre a linguagem teórica e a estatística que encampa<br />

as inúmeras probabilida<strong>de</strong>s. A unificação e a uniformização aglutinadas apresentamse<br />

como <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong> plausível ofertadas <strong>por</strong> intermédio da integração<br />

proposta <strong>por</strong> essa forma diferente <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>.<br />

Os avanços promovi<strong>do</strong>s pela pesquisa acontecem como evi<strong>de</strong>nciam e<br />

esclarecem os trabalhos científicos produzi<strong>do</strong>s. Boa parte, todavia, se recru<strong>de</strong>scem,<br />

isto é a prova fiel <strong>de</strong> que o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ainda exerce gran<strong>de</strong> influência sobre os<br />

avanços da tecnologia.<br />

E esse fator, além <strong>de</strong> merecer <strong>de</strong>núncia, <strong>de</strong>nota que o não reconhecimento<br />

em muitos momentos históricos <strong>de</strong>monstra que o “cinismo” está a serviço das<br />

políticas e <strong>do</strong>s interesses que eles escon<strong>de</strong>m espuriamente.<br />

135<br />

Para Perna: “De <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista linguístico, o foco das pesquisas <strong>de</strong> PLN po<strong>de</strong> estar em <strong>um</strong> <strong>de</strong><br />

cinco níveis <strong>de</strong> análise: (a) fonético ou fonológico, (b) morfológico, (c) sintático, (d) semântico ou (e)<br />

pragmático. To<strong>do</strong>s esses níveis possuem suas características próprias e suas dificulda<strong>de</strong>s<br />

associadas, mas cada aplicação <strong>de</strong> PLN po<strong>de</strong> ter a preocupação mais voltada para <strong>um</strong> subconjunto<br />

<strong>de</strong>sses níveis. Por exemplo, aplicações sobre textos científicos usualmente não têm preocupação<br />

com <strong>um</strong>a análise fonológica (a), <strong>por</strong> outro la<strong>do</strong>, aplicações que façam <strong>um</strong>a interface com<br />

reconhecimento <strong>de</strong> voz focam esse nível <strong>de</strong> análise. / Associadas aos tratamentos <strong>de</strong> linguagens<br />

científicas, po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>stacar-se a relevância das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s<br />

nomeadas, a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> termos, a extração <strong>de</strong> informação, entre outras. Todas as ativida<strong>de</strong>s<br />

complexas po<strong>de</strong>m combinar análise morfossintática e semântica, que po<strong>de</strong>m ou não estar associadas<br />

a recursos linguísticos externos, como tesauro <strong>por</strong> exemplo. De <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista prático, muitas<br />

aplicações <strong>do</strong> PLN escolhem <strong>de</strong>dicar-se a apenas alguns níveis para reduzir a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tratamento (PERNA, Cristina Becker Lopes; DELGADO, Heloísa Orsi Koch; FINATTO, Maria José<br />

Bocorny (Org). Linguagens Especializadas em Cor<strong>por</strong>a: mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> dizer e interfaces <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010, p. 185. Disponível em:<br />

Acesso em: 14 abr. 2013).”


183<br />

Muitas vezes trata<strong>do</strong> como utópico, atribuín<strong>do</strong> adjetivos pejorativos como<br />

forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>nciar a evolução acenada. Históricamente situações com este<br />

perfil são evi<strong>de</strong>ntes, como esclarece Kelsen. 136<br />

Esclarece Perna, <strong>por</strong>ém antes <strong>de</strong> citá-lo. É o comentário que rouba a cena da<br />

citação. É possível inferir que a tecnologia vive n<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> regime prisional<br />

semiaberto, em que somente está livre a se apresentar quan<strong>do</strong>, e tão somente<br />

quan<strong>do</strong>, não representar sua liberda<strong>de</strong> risco aos interesses <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>tém o <strong>po<strong>de</strong>r</strong><br />

<strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es. 137 Os conceitos terminológicos são extraí<strong>do</strong>s da linguística, da<br />

136<br />

“Esclareci<strong>do</strong> e crítico das i<strong>de</strong>ologias, positiva e relativista, antissubstancialista, e anti-holistico, sua<br />

abordagem intelectual dificilmente se coaduna com a maioria. Ele <strong>de</strong>fente suas concepções quer<br />

sejam o<strong>por</strong>tunas quer não. no mais das vezes, ele se vê em oposição ao mainstream <strong>do</strong> espírito mais<br />

ou menos intransigente da época. Três exemplos <strong>de</strong>vem bastar para exemplificar esse fato: (1) Ele<br />

faz campanha, em posição minoritária, pelo conceito <strong>de</strong> <strong>um</strong>a jurisdição constitucional amplificada, a<br />

critica que ele, a propósito, atraiu em sua época com seu voto a favor <strong>do</strong> controle das normas pela<br />

Corte Constitucional acabou na atualida<strong>de</strong> <strong>por</strong> ser <strong>de</strong>sacreditada em praticamente to<strong>do</strong>s os seus<br />

pontos. (2) No ambiente <strong>de</strong> Weimar, no qual a vanguarda intelectual sempre expressa <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais<br />

agressivo e sem ro<strong>de</strong>ios sua aversão e repulsa pelo sistema liberal-<strong>de</strong>mocrático da Constituição <strong>de</strong><br />

Weimar, ele se posicionou como partidário convicto da <strong>de</strong>mocracia pluripartidária liberal, pluralista e<br />

representativa. (3) Enfim, seu conceito internacionalista otimista da “paz através <strong>do</strong> <strong>direito</strong>” foi <strong>de</strong><br />

início, quer dizer, nos anos <strong>de</strong> 1940, acusa<strong>do</strong> <strong>de</strong> utópico, mas surge hoje como genuíno teorema <strong>de</strong><br />

política realista (KELSEN, Hans. Autobiografia <strong>de</strong> Hans Kelsen; tradução Gabriel Nogueira Dias e<br />

José Ignácio Coelho Men<strong>de</strong>s Neto. 3. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 3).”<br />

137<br />

“[...] da teoria sintática da linguagem (Chomsky, 1965) e <strong>do</strong>s algoritmos <strong>de</strong> Parsing (Alo e Ullman,<br />

1972). Estes avanços foram muito im<strong>por</strong>tantes para a área, ainda que na época tenham si<strong>do</strong><br />

reconheci<strong>do</strong>s com <strong>um</strong> entusiasmo excessivo <strong>de</strong> que em poucos anos tradutores automáticos perfeitos<br />

estariam disponíveis. Esta expectativa se mostrou in<strong>de</strong>vida tanto pelos conhecimentos linguísticos e<br />

computacionais da época, quanto <strong>por</strong> <strong>um</strong>a impossibilida<strong>de</strong> teórica da tarefa <strong>de</strong> tradução automática<br />

perfeita. (Bar <strong>–</strong> Hillel, 1960). / Na verda<strong>de</strong> consequência disto ou não, em 1966 o comitê assessor<br />

para processamento automático da língua (ALPHC) da aca<strong>de</strong>mia americana <strong>de</strong> ciência recomen<strong>do</strong>u<br />

que esta área não recebesse mais financiamento governamental, pois a tradução automática estaria<br />

muito aquém <strong>do</strong>s conhecimentos científicos atuais. Em contraste com esta <strong>de</strong>cisão, vários avanços<br />

teóricos e práticos foram feitos nos anos seguintes. Então eles po<strong>de</strong>m ser cita<strong>do</strong> o trabalho teórico <strong>de</strong><br />

Chomsky que introduziu o mo<strong>de</strong>lo computacional <strong>de</strong> competência linguística (Chomsky, 1965) que<br />

resultou, nas gramáticas gerativas transformacionais. Diversos trabalhos subsequentes tentaram<br />

aproximar estes conceitos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los computacionalmente tratáveis”. Em senti<strong>do</strong> análogo, esclarece<br />

o mesmo autor com conteú<strong>do</strong> da referida obra (2010, p. 190-192): “[...] ontologias são representações<br />

formais <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio. Geralmente, <strong>um</strong>a ontologia é entendida como <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />

conceitos organiza<strong>do</strong>s hierarquicamente, <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> relações e <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> atributos. [...]<strong>um</strong>a<br />

vez <strong>um</strong> <strong>do</strong>mínio representa<strong>do</strong> <strong>um</strong>a ontologia é possível i<strong>de</strong>ntificar semanticamente as consultas feitas<br />

<strong>por</strong> usuários, tanto quanto classificar as páginas existentes segun<strong>do</strong> seus significa<strong>do</strong>s. Na verda<strong>de</strong>,<br />

diversos recursos po<strong>de</strong>m ser semanticamente i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s. Porém o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

ontologia é, em geral, lento e bastante complexo. E <strong>por</strong> isso existem diversas técnicas e ferramentas<br />

para a construção <strong>de</strong> ontologias. [...] os esforços semiautomáticos mais simples são basea<strong>do</strong>s na<br />

utilização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ferramenta que permita organizar ontologias que <strong>de</strong>vem ser projetadas <strong>por</strong> <strong>um</strong><br />

usuário que conheça o <strong>do</strong>mínio a ser <strong>de</strong>scrito pela ontologia. [...]quanta ferramenta semiautomática<br />

<strong>de</strong> construção <strong>de</strong> ontologias e ontogênese (Fortuna, 2007) que combina técnica <strong>de</strong> n<strong>um</strong>eração <strong>de</strong><br />

texto com <strong>um</strong>a interface <strong>de</strong> utilização que facilita a escolha <strong>de</strong> conceitos e relações. [...] para adquirir<br />

esse conhecimento conceitual <strong>do</strong>s textos (corpus), aplicam -se vários méto<strong>do</strong>s e técnicas da área <strong>de</strong><br />

<strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> que ajudam a automatizar o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> ontologias. Este processo<br />

<strong>de</strong> construção automática <strong>de</strong> ontologias a partir <strong>de</strong> textos <strong>de</strong>nomina-se aprendizagem <strong>de</strong> ontologias<br />

(Buitelometalli, 2009). Segun<strong>do</strong> Buiteaar, este processo divi<strong>de</strong>-se em cinco: extinção <strong>de</strong> termos<br />

condiciona<strong>do</strong>s a conceitos <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>do</strong>mínio, <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> sinônimos entre os termos candidatos e


184<br />

estatística e da abordagem híbrida. Nesse universo, a ambiguida<strong>de</strong>, mesmo que<br />

diante das concepções <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem científica <strong>–</strong> <strong>por</strong> elas serem manuseadas<br />

pela ação h<strong>um</strong>ana <strong>–</strong> e a previsibilida<strong>de</strong> ainda hão <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>radas <strong>um</strong>a<br />

incógnita: se aceitas, há <strong>um</strong>a margem <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> para as influências, o que<br />

não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> risco consi<strong>de</strong>ravelmente relevante.<br />

A concepção <strong>artificial</strong> é possível e nada impe<strong>de</strong> em uniformizar e universalizar<br />

em respeito a linguagem científica que é objetiva. A objetivida<strong>de</strong> da ciência é<br />

proce<strong>de</strong>nte e producente ante <strong>um</strong> cenário em que a pluridimensionalida<strong>de</strong> visada<br />

pelo homem e todas as partes <strong>de</strong> que ele faz parte exigem <strong>um</strong>a integração, para<br />

consolidar a uniformida<strong>de</strong> objetivamente proposta pela própria ciência.<br />

Isso acontece no momento <strong>do</strong> seu nascimento, ainda que como postula<strong>do</strong>,<br />

em <strong>de</strong>corrência da pluralida<strong>de</strong> objetiva da aprovação. Questionar semelhante<br />

possibilida<strong>de</strong> é não acreditar na criação, pois o homem tem <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias gera<strong>do</strong><br />

invenções e inovações, o que evi<strong>de</strong>ncia o caráter contributivo objetivo extraí<strong>do</strong> da<br />

Ciência.<br />

E <strong>por</strong> ter razões, às <strong>de</strong>scobertas instituídas é ten<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong>fensáveis que, a<br />

extensão <strong>de</strong>ssas se propague mediante à acessibilida<strong>de</strong> digital <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

base <strong>de</strong> mecanismos tecnológicos, em que coexistem, <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entos<br />

eletrônicos, linguagem e Inteligência Artificial, o que po<strong>de</strong> auxiliar o homem em suas<br />

ações representativas e <strong>de</strong> funcionalida<strong>de</strong>s, também no mun<strong>do</strong> das ciências<br />

jurídicas.<br />

Isto estaria a serviço da integração das <strong>inteligência</strong>s, objetivan<strong>do</strong> a<br />

experiência e conferin<strong>do</strong> à pluridimensionalida<strong>de</strong> cognitiva alg<strong>um</strong>a estabilização.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Paternostro, cita<strong>do</strong> <strong>por</strong> Horkeimer, não são a tecnologia nem a<br />

autopreservação que <strong>de</strong>vem ser responsabilizadas em si mesmas pelo <strong>de</strong>clínio <strong>do</strong><br />

indivíduo.<br />

escolha <strong>de</strong> conceitos; i<strong>de</strong>ntificação da relação hierárquica entre os conceitos; i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong><br />

relações entre os conceitos; e i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> instâncias (população das ontologias) (PERNA,<br />

Cristina Becker Lopes; DELGADO, Heloísa Orsi Koch; FINATTO, Maria José Bocorny (Org).<br />

Linguagens Especializadas em Cor<strong>por</strong>a: mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> dizer e interfaces <strong>de</strong> pesquisa. Porto Alegre:<br />

EDIPUCRS, 2010, p. 186. Disponível em:<br />

Acesso em: 14 abr. 2013)”.


185<br />

Mas ele próprio, quan<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>na o futuro em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> orgulho gera<strong>do</strong><br />

<strong>por</strong> sua limitada capacida<strong>de</strong> cognitiva, em aceitar o improvável, o incerto e o<br />

<strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> admirável mun<strong>do</strong> da Inteligência Artificial, como instr<strong>um</strong>ento capaz <strong>de</strong><br />

efetivamente, auxiliá-lo na jornada da vida.<br />

8.2 A Inteligência Artificial como “meio” a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e útil para a mediação <strong>do</strong> Direito e<br />

da Justiça<br />

A Inteligência Artificial está para <strong>um</strong>a teorização <strong>de</strong> sua forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong><br />

no espectro <strong>do</strong> presente capítulo, o que não <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>ncia a qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> estu<strong>do</strong><br />

firma<strong>do</strong>, <strong>por</strong>que propõe estar <strong>de</strong> mãos dadas com os mais experientes e<br />

conhece<strong>do</strong>res, em aliança com os que se <strong>de</strong>bruçam pela primeira vez sobre tal<br />

cognição “estranha” na orla <strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

Esse talvez seja o papel <strong>do</strong>s conhecimentos, aliás <strong>do</strong> que se <strong>de</strong>pura<br />

efetivamente <strong>de</strong>les, em transformar-nos em seres mais <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s, mais bem<br />

prepara<strong>do</strong>s e convictos <strong>de</strong> que estamos sempre a encontrar algo <strong>de</strong> <strong>novo</strong> e a nos<br />

admirar com <strong>um</strong>a “puerilida<strong>de</strong>” aprendiz.<br />

A Inteligência Artificial como técnica <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong>ntre os<br />

conhecimentos constitui-se em <strong>um</strong> remédio dúctil, útil, flexível, refina<strong>do</strong>, alternativo e<br />

sistêmico em ato, e potencia a concretização <strong>do</strong> Direito e da Justiça ao firmamento<br />

<strong>de</strong> mais <strong>um</strong> meio alternativo. É <strong>um</strong>a Tecnologia em <strong>inteligência</strong> afinada com os<br />

i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> da Justiça Constitucional, encan<strong>de</strong>cida, segun<strong>do</strong> as lições <strong>de</strong><br />

Oliveira Neto. 138<br />

138<br />

“Mas o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> conti<strong>do</strong> nestas sábias palavras no pensar <strong>de</strong> Barbosa Moreira, ainda<br />

<strong>de</strong>ve ser amplia<strong>do</strong> para abarcar outros prismas relevantes. Cinco são os aspectos que, segun<strong>do</strong> o<br />

professor, <strong>de</strong>vem ser menciona<strong>do</strong>s: a) existência, expressa ou implícita no sistema, <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entos<br />

aptos para a tutela <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>direito</strong>s; b) acesso a to<strong>do</strong>s estes instr<strong>um</strong>entos, ainda quan<strong>do</strong><br />

in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> o sujeito; c) condições propícias para a exata e completa reconstituição <strong>do</strong>s fatos<br />

relevantes, a fim <strong>de</strong> que o convencimento <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong> corresponda, o quanto for possível, à<br />

realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos; d) o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo <strong>de</strong>ve dar ao vence<strong>do</strong>r tu<strong>do</strong> aquilo a que tem <strong>direito</strong><br />

em face <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico; e, e) o resulta<strong>do</strong> obti<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser semelhante ao c<strong>um</strong>primento da<br />

obrigação, com <strong>um</strong> mínimo <strong>de</strong> dispêndio <strong>de</strong> tempo e energia (OLIVEIRA NETO, Olavo <strong>de</strong>;<br />

MEDEIROS NETO, Elias Marques <strong>de</strong>; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino <strong>de</strong>. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

processual civil. São Paulo: Verbatim, 2015, p. 69).”


186<br />

Antes da incursão, a reflexão que parece <strong>de</strong>scortinar o que falta aos homens<br />

<strong>do</strong> nosso século vem da passagem clássica <strong>de</strong> Sócrátes, em Menon, <strong>de</strong> Platão:<br />

Por <strong>um</strong>a coisa eu lutarei até o fim, tanto em palavras como em atos se eu<br />

pu<strong>de</strong>sse <strong>–</strong> que, se nós acreditássemos que <strong>de</strong>vemos tentar <strong>de</strong>scobrir o que<br />

não é sabi<strong>do</strong>, seríamos melhores e mais corajosos e menos preguiçosos <strong>do</strong><br />

que se acreditássemos que aquilo que não sabemos é impossível <strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>scoberto e que não precisamos nem mesmo tentar.<br />

A passagem filosófica e atem<strong>por</strong>al, visto estar sempre atualizada quan<strong>do</strong> da<br />

sua evocação intelectual, coaduna-se com <strong>um</strong>a esperança mais concreta, tangível<br />

<strong>de</strong> que a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana da <strong>de</strong>scoberta possa promover algo <strong>de</strong> melhor e maior<br />

que possa libertá-la e colocá-la segun<strong>do</strong> as regras da legalida<strong>de</strong> em <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong><br />

propriamente <strong>de</strong> Direito. 139 O uso <strong>do</strong> “meio” tecnológico no cotidiano da vida da<br />

espécie h<strong>um</strong>ana não representa em nossa contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong> mais nenh<strong>um</strong><br />

mistério; faz parte imanente <strong>de</strong>ssa nova Era. Mais <strong>do</strong> que aceitar, resta saber<br />

enten<strong>de</strong>r e compreen<strong>de</strong>r sua real im<strong>por</strong>tância como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> “meio” aos fins a<br />

que possam ser <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s. Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong> com outra estrutura em<br />

tecnologia, <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo distinto, <strong>por</strong>ém realizan<strong>do</strong> ativida<strong>de</strong>s comuns da <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>ana. Para Hawking (2009, p. 167)<br />

Mas os computa<strong>do</strong>res obe<strong>de</strong>cem ao que se conhece como a lei <strong>de</strong> Moore:<br />

sua velocida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong>bram a cada <strong>de</strong>zoito meses. Esse é <strong>um</strong><br />

<strong>do</strong>s crescimentos exponenciais que claramente não po<strong>de</strong> continuar<br />

in<strong>de</strong>finidamente. Contu<strong>do</strong>, provavelmente, ele continuará até que os<br />

computa<strong>do</strong>res atinjam <strong>um</strong>a complexida<strong>de</strong> comparável ao <strong>do</strong> cérebro<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>. Alguns afirmam que os computa<strong>do</strong>res nunca <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão apresentar<br />

<strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong> real, seja lá o que for isso. Todavia, parece-me que, se<br />

moléculas químicas muito complicadas po<strong>de</strong>m agir nos seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s para<br />

torna-los inteligentes, então circuitos eletrônicos igualmente complica<strong>do</strong>s<br />

também po<strong>de</strong>m fazer com que os computa<strong>do</strong>res ajam <strong>de</strong> maneira<br />

inteligente. E, se chegarem a ser inteligentes, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão pres<strong>um</strong>ivelmente<br />

projetar computa<strong>do</strong>res que tenham complexida<strong>de</strong> e <strong>inteligência</strong> ainda<br />

maiores.<br />

139<br />

Segun<strong>do</strong> Calamdrei, “Uma nova socieda<strong>de</strong> se cria a duras penas; nós, homens <strong>de</strong> <strong>um</strong>a geração<br />

con<strong>de</strong>nada a viver somente na angústia, não a veremos; mas os jovens que aqui escutam a verão. O<br />

perío<strong>do</strong> que vivemos <strong>de</strong> esforço, amargura, <strong>de</strong>silusões e também <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgostos é <strong>um</strong> perío<strong>do</strong><br />

transitório; encerra <strong>um</strong> significa<strong>do</strong>, <strong>um</strong>a tendência para <strong>um</strong>a meta. Disso os jovens <strong>de</strong>vem ter fé;<br />

habitua<strong>do</strong>s a criticar até severamente a socieda<strong>de</strong> em que vivem, mas não <strong>de</strong>sencoraja<strong>do</strong>s e<br />

ressenti<strong>do</strong>s como quem olha o passa<strong>do</strong> para lamentá-lo. O passa<strong>do</strong> não volta: a vida não retroce<strong>de</strong><br />

jamais. Dessa crise da legalida<strong>de</strong> nascerá <strong>um</strong>a nova legalida<strong>de</strong>, fundada sobre <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

embasamento social, mais vasto e também mais <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> (CALAMANDREI. Piero. A crise da <strong>justiça</strong>;<br />

tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Lí<strong>de</strong>r, 2003, p. 31).”


187<br />

A preocupação e o temor quanto à efetiva utilida<strong>de</strong> e à sua real segurança<br />

po<strong>de</strong>m ser algo com que o homem contem<strong>por</strong>âneo <strong>de</strong>ve preocupar-se em <strong>de</strong>scobrir<br />

ante o seu <strong>de</strong>sconhecimento. Isso se dá ou circunstancialmente, pelos efeitos <strong>do</strong><br />

tempo, <strong>um</strong>a vez que as normas <strong>do</strong> saber ainda estão alicerçadas tradicionalmente<br />

em <strong>um</strong>a base que implica o <strong>de</strong>sencontro com essa nova técnica <strong>de</strong> conhecimento<br />

<strong>de</strong>nominada Inteligência Artificial <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio, em gran<strong>de</strong> parte, <strong>de</strong> somente seus<br />

cria<strong>do</strong>res “cientistas” cognitivistas.<br />

Outro não menos im<strong>por</strong>tante fator é o <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política em <strong>um</strong>a tendência<br />

natural com<strong>por</strong>tamental <strong>de</strong> proteção e <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa em face <strong>de</strong> ameaça <strong>de</strong>sconhecida.<br />

Ela po<strong>de</strong> em poucos anos “varrer” com muitas profissões e as ativida<strong>de</strong>s que até<br />

então são realizadas artesanalmente.<br />

Mesmo que os prejuízos apura<strong>do</strong>s pelo seu não uso como “meio” no<br />

ambiente da Justiça ao jurisdiciona<strong>do</strong> sejam <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za muito superior <strong>do</strong> que se<br />

houvesse investimentos em conscientização, treinamento e ações que implicassem<br />

outros mecanismos <strong>de</strong> reinserção no merca<strong>do</strong> judiciário <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito e <strong>um</strong>a Justiça<br />

Constitucionalmente materializada.<br />

A comunida<strong>de</strong> jurídica em parte alimenta-se <strong>do</strong> sectário sistema, <strong>por</strong>que<br />

ainda hoje <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> contigente <strong>de</strong>sses mesmos protagonistas que se opõem, vive,<br />

melhor esclarecen<strong>do</strong>, concorda com o “gran<strong>de</strong> contingente” <strong>do</strong> conflito i<strong>de</strong>ológico<br />

instala<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a hermenêutica da interpretação <strong>de</strong> pouca utilida<strong>de</strong><br />

prática. Fazen<strong>do</strong> <strong>do</strong>s meios alternativos para a resolução <strong>de</strong> conflitos <strong>um</strong>a <strong>justiça</strong> <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>za menor. 140 O pensamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e suas ações em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s<br />

contextos passam <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo em que as funcionalida<strong>de</strong>s são objetadas <strong>de</strong> tal<br />

mo<strong>do</strong> que se cristalizam como coisas e técnicas <strong>do</strong> conhecimento.<br />

140 Segun<strong>do</strong> Mancuso: “Em verda<strong>de</strong>, os meios auto e heterocompositivos ditos altenativos <strong>de</strong>vem se<br />

justificar <strong>de</strong> per si e buscar seu próprio espaço (até <strong>por</strong>que a resolução <strong>de</strong> conflitos não é monopólio<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>), não <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, pois, esses outros meios buscarem a afirmação social apostan<strong>do</strong> na<br />

<strong>de</strong>ficiência da Justiça oficial, n<strong>um</strong> <strong>de</strong>letério jogo <strong>de</strong> soma zero. / Por ora, infelizmente, a distribuição<br />

da Justiça entre o serviço estatal e os outros meios auto e heterocompositivos parece longe <strong>de</strong> se<br />

estabilizar n<strong>um</strong> equilíbrio <strong>de</strong>sejável, não ten<strong>do</strong> ainda si<strong>do</strong> venci<strong>do</strong> o clima da mútua <strong>de</strong>sconfiança e,<br />

mesmo, a certos respeitos, perscruta-se <strong>um</strong>a preocupação com certa reserva <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>. O contexto<br />

é assim visto <strong>por</strong> Boaventura <strong>de</strong> Souza Santos, Maria Manuel Leitão Marques e João Pedroso: “Em<br />

primeiro lugar, os mecanismos alternativos <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> litígios <strong>de</strong>sviaram <strong>do</strong>s tribunais alg<strong>um</strong>a<br />

litigação, ainda que seja <strong>de</strong>batível até que ponto o fizeram. Em segun<strong>do</strong> lugar, a resposta <strong>do</strong>s<br />

tribunais ao a<strong>um</strong>ento da procura <strong>de</strong> tutela acabou <strong>por</strong> mo<strong>de</strong>rar essa mesma procura, na medida em<br />

que os custos e os atrasos da atuação <strong>do</strong>s tribunais tornaram-se a via judicial menos atrativa<br />

(MANCUSO, Ro<strong>do</strong>lfo <strong>de</strong> Camargo. A resolução <strong>do</strong>s conflitos e a função judicial no<br />

contem<strong>por</strong>âneo esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>. São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2009, p. 220).”


188<br />

Em tal senti<strong>do</strong>, os cientistas da cognição, assisti<strong>do</strong>s <strong>por</strong> outras ciências,<br />

notaram a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> converter as ações cognitivas da espécie h<strong>um</strong>ana em<br />

ações cognitivas artificiais, com os mesmos <strong>de</strong>talhes quantitativos e qualitativos.<br />

Essa concepção encontra guarida em <strong>um</strong>a tendência natural <strong>do</strong>s tempos<br />

mo<strong>de</strong>rnos que mesclam o ambiente <strong>do</strong> Direito e da Justiça, que é a <strong>de</strong>codificação <strong>do</strong><br />

sistema jurídico <strong>por</strong> <strong>um</strong>a nova sistemática, ou seja, a era <strong>do</strong>s microssistemas os<br />

quais contam com <strong>um</strong>a estrutura e <strong>um</strong>a dinâmica mais bem aparelhadas para<br />

resolução <strong>do</strong>s conflitos. 141 A Inteligência Artificial apresenta-se como ferramenta útil,<br />

im<strong>por</strong>tante e compatível com o armazenamento, a sistematização, a padronização, a<br />

unificação e a integração <strong>do</strong>s dispositivos já <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> matrizes <strong>de</strong><br />

lógicas semânticas, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a <strong>um</strong> microssistema <strong>de</strong> Direito Processual para a<br />

realização da Justiça.<br />

Socorre, <strong>de</strong>ssa maneira, e em tempo, os problemas da Justiça como<br />

<strong>de</strong>staca<strong>do</strong> <strong>por</strong> Oliveira Neto (2015, p. 68) em <strong>de</strong>corrência da percepção tida pelos<br />

cientistas <strong>do</strong> Direito diante da mutação da realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que se apresenta.<br />

Ocorre, <strong>por</strong>ém, que embora tenha efetivamente aconteci<strong>do</strong> <strong>um</strong> a<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />

número <strong>de</strong> feitos, já que amplia<strong>do</strong> o acesso à Justiça e elimina<strong>do</strong>s alguns óbices<br />

relevantes, como o custo <strong>do</strong> processo para àqueles que não tinham condição <strong>de</strong><br />

litigar sem prejuízo à sua manutenção; a estrutura <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário continua<br />

arcaica, dan<strong>do</strong> causa a <strong>um</strong> a<strong>um</strong>ento na <strong>de</strong>mora <strong>do</strong>s processos. Afinal, ampliada a<br />

entrada <strong>de</strong> feitos e mantida a mesma estrutura, não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia mesmo ser outra a<br />

consequência: o a<strong>um</strong>ento <strong>do</strong> tempo <strong>de</strong> tramitação <strong>do</strong>s feitos. 142 Para isso, passar-se-<br />

141<br />

Carneiro: “Além disso, a maior complexida<strong>de</strong> das relações sociais levou à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação<br />

<strong>de</strong> microssistemas jurídicos (os estatutos, <strong>de</strong> que tiro o nome com que balizo a atual época). Esses<br />

estatutos são responsáveis <strong>por</strong> disciplinar <strong>por</strong> inteiro <strong>de</strong>terminadas espécies <strong>de</strong> relações jurídicas,<br />

não sob o ângulo <strong>de</strong> <strong>um</strong> só ramo <strong>do</strong> Direito, mas levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração to<strong>do</strong>s os ramos da ciência<br />

jurídica que, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong> mo<strong>do</strong>, com elas se relacionam (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON,<br />

Petrônio (Org). Bases científicas para <strong>um</strong> renova<strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual. 2. ed. Salva<strong>do</strong>r: Jus<br />

Podi<strong>um</strong>, 2009, p. 37).”<br />

142<br />

E assevera Oliveira Neto em trecho contínuo: “Pensou-se, então, n<strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> agilizar o<br />

processo, reduzin<strong>do</strong> o tempo gasto para a sua tramitação e para o alcance da maturida<strong>de</strong> necessária<br />

à <strong>de</strong>cisão final; o que se buscou com a diminuição das formalida<strong>de</strong>s então existentes. O resulta<strong>do</strong><br />

<strong>passo</strong>u a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> mais im<strong>por</strong>tante <strong>do</strong> que a forma, surgin<strong>do</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> processo civil <strong>de</strong><br />

resulta<strong>do</strong>s, com o aban<strong>do</strong>no <strong>de</strong> formas consi<strong>de</strong>radas supérfluas. / Em outros termos, como ensinou<br />

com maestria Cândi<strong>do</strong> Rangel Dinamarco, o <strong>direito</strong> processual se libertou <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong>s excessivas<br />

e <strong>passo</strong>u a ser observa<strong>do</strong> sob a ótica da instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong>, ou seja, <strong>passo</strong>u a ter valor na exata<br />

medida em que se presta à realização <strong>do</strong> <strong>direito</strong> material. / Todavia, mesmo ten<strong>do</strong> em conta a<br />

simplificação das formas, não se operou o resulta<strong>do</strong> espera<strong>do</strong>, com a otimização <strong>do</strong> processamento<br />

<strong>do</strong>s feitos e com <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mora menor na solução <strong>do</strong>s litígios. Em outros termos, o sistema continuou a<br />

ser moroso e não eficaz, com <strong>de</strong>mora exacerbada na solução <strong>do</strong>s processos. / Lembram-se os<br />

processualistas, então, na antiga e sempre presente lição <strong>de</strong> Chiovenda: “Il processo <strong>de</strong>ve dare


189<br />

á a consi<strong>de</strong>rar que: “A Inteligência Artificial, IA é o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> como fazer os<br />

computa<strong>do</strong>res realizarem tarefas em que, no momento as pessoas são melhores”<br />

representa <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> possível. Fonte:<br />

http://www.nce.ufrj.br/GINAPE/VIDA/ia.htm (acesso em 12/11/2015, em artigo que<br />

trata da “Visão Geral Sobre Inteligência Artificial”).<br />

Isso somente não basta, <strong>por</strong>ém, pois, como esclarece Lévy (2011, p. 18),<br />

“Não é a primeira vez que a aparição <strong>de</strong> novas tecnologias intelectuais é<br />

acompanhada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a modificação das normas <strong>do</strong> saber. ” Po<strong>de</strong>mos, assim,<br />

observar que a resistência aos poucos passa a ser minada pela necessida<strong>de</strong> cada<br />

vez mais imperiosa <strong>de</strong> fazer com que os “meios” possam garantir os fins, o que não<br />

é diferente no contexto da Justiça nacional, conforme relembra<strong>do</strong> <strong>por</strong> Oliveira Neto<br />

em citação recente.<br />

A fim <strong>de</strong> que isso aconteça, a base <strong>de</strong> conhecimento é cobrada a renovar-se<br />

ou a inovar constantemente; com relação à última forma, isso se dá pela ruptura <strong>de</strong><br />

<strong>paradigma</strong> em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> fluxo <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da ciência como já <strong>de</strong>scrito<br />

<strong>por</strong> Kuhn, quan<strong>do</strong>, assim, nasce <strong>um</strong>a nova base científica cognitiva para aten<strong>de</strong>r a<br />

<strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> até então <strong>de</strong>sconhecida.<br />

No ambiente duro das ciências jurídicas, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o regime coor<strong>por</strong>ativo,<br />

dada a altivez que reina pre<strong>do</strong>minantemente no império da Justiça, exemplos não<br />

faltam da não concretização material <strong>do</strong>s preceitos constitucionais estabeleci<strong>do</strong>s. O<br />

fenômeno da inconversibilida<strong>de</strong> dar-se-á <strong>por</strong>que falta técnica cognitiva (estrutura em<br />

<strong>inteligência</strong>) teórica e aplicada que possa conferir os resulta<strong>do</strong>s objetiva<strong>do</strong>s.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, é cediço ser impossível <strong>um</strong>a revolução <strong>por</strong> completo em <strong>um</strong><br />

sistema cuja gran<strong>de</strong>za e essencialida<strong>de</strong> não permitem <strong>um</strong> evento <strong>de</strong>ssas<br />

pro<strong>por</strong>ções, todavia, assim como em Darwin, não é <strong>de</strong>scartada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

que isso aconteça representa<strong>do</strong> <strong>por</strong> micros ou pequenas revoluções.<br />

perquanto è possibile praticamente a qui há <strong>um</strong> dirrito tutto quello e próprio quello ch’eglio ha dirrito di<br />

conseguire”. Se o sujeito ativo obtém menos <strong>do</strong> que tinha <strong>direito</strong> o Esta<strong>do</strong> estará negan<strong>do</strong> a<br />

prestação da tutela jurisdicional e, se obtém mais, o processo se converte em instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />

enriquecimento sem causa (OLIVEIRA NETO, Olavo <strong>de</strong>; MEDEIROS NETO, Elias Marques <strong>de</strong>;<br />

OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino <strong>de</strong>. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> processual civil. São Paulo: Verbatim,<br />

2015, p. 68).”


190<br />

Quan<strong>do</strong> isso não acontece, ou seja, se as normas <strong>do</strong> saber efetivamente não<br />

se inovam ou renovam, entra em cena a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> juristas composta <strong>por</strong><br />

membros <strong>de</strong> todas as áreas <strong>do</strong> Direito e trava discussão não sobre as causas<br />

técnicas que inviabilizaram o funcionamento <strong>do</strong> instituto jurídico, mas ao contrário.<br />

Passam a tratar <strong>do</strong>s efeitos, crian<strong>do</strong>-se <strong>um</strong>a sistematização arg<strong>um</strong>entativa<br />

revela<strong>do</strong>ra muito mais da insatisfação <strong>do</strong> que efetivamente da propositura <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

solução <strong>de</strong>finitiva com “ferramentas” técnicas processuais que possam “<strong>de</strong>strancar”<br />

a pauta da falta <strong>de</strong> eficiência e a efetivida<strong>de</strong> da Justiça. 143 Irradia-se nessa esteira<br />

<strong>de</strong> exemplo a Emenda Constitucional 45/2004, que trouxe os caravanistas da<br />

Reforma <strong>do</strong> Judiciário a retomarem a recorrente discussão sobre a “razoável<br />

duração <strong>do</strong> processo”, como bem expressa Marinoni em artigo <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “Novo<br />

CPC ainda <strong>de</strong>ixou pen<strong>de</strong>nte garantia sobre duração razoável <strong>do</strong> processo”. 144<br />

O ponto nevrálgico da questão gravita sobre o disposto no artigo 5º, inciso<br />

LXXVIII da CF, ante a não <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> que seja <strong>um</strong>a razoável duração <strong>do</strong> processo<br />

e o problema <strong>do</strong> <strong>do</strong>gmatismo, da<strong>do</strong> o duplo grau <strong>de</strong> jurisdição, impossibilitan<strong>do</strong> a<br />

efetivida<strong>de</strong> da sentença judicial até a análise <strong>do</strong> Tribunal, o que representa <strong>um</strong> vetor<br />

das inúmeras discussões que regem o dispositivo Constitucional cita<strong>do</strong>, que trata da<br />

razoável duração <strong>do</strong> processo.<br />

143<br />

Como <strong>de</strong>nuncia Carneiro: “Logo, não basta o avanço em <strong>um</strong>a só frente para que se alcance a<br />

celerida<strong>de</strong> processual. O problema é multidimensional e só com medidas que ataquem realmente o<br />

problema é que conseguiremos <strong>um</strong>a <strong>justiça</strong> mais célere. Nos últimos anos, temos modifica<strong>do</strong> muito a<br />

lei e nos esqueci<strong>do</strong> das outras frentes. / De fato, somente alterações legislativas po<strong>de</strong>m causar <strong>um</strong><br />

efeito inverso ao pretendi<strong>do</strong>. Veja-se o seguinte dilema cria<strong>do</strong> em nosso sistema processual pelas<br />

reformas <strong>do</strong>s últimos anos. Como a <strong>justiça</strong> era lenta e não conseguia dar o provimento jurisdicional<br />

n<strong>um</strong> tempo a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, a saída foi a difusão da cognição s<strong>um</strong>ária, principalmente com a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> antecipação da tutela pleiteada, nos termos <strong>do</strong> artigo 273 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil. A<br />

interposição <strong>do</strong> agravo <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>ento também foi facilitada com o seu ajuizamento diretamente no<br />

tribunal e com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>antecipação da tutela recursal pleiteada (efeito suspensivo ou “efeito<br />

ativo”). Essas inovações surgidas em 1994 foram im<strong>por</strong>tantes e, graças ao sucesso que alcançaram,<br />

acabaram <strong>por</strong> agravar o problema <strong>de</strong> lentidão judicial. Atualmente, gran<strong>de</strong> parte das ações é<br />

pleiteada <strong>por</strong> antecipação <strong>de</strong> tutela ou liminares em cognição s<strong>um</strong>ária, que perduram <strong>por</strong> muito<br />

tempo, inclusive existin<strong>do</strong> projeto para a sua estabilização. Com a concessão ou o in<strong>de</strong>ferimento da<br />

antecipação da tutela, fatalmente a parte prejudicada ajuizará agravo <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>ento, sen<strong>do</strong> que no<br />

caso da concessão parcial teremos <strong>do</strong>is recursos <strong>de</strong> agravo. Assim, nos Tribunais acabaram fican<strong>do</strong><br />

inviabiliza<strong>do</strong>s pela enxurrada <strong>de</strong> recursos em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões interlocutórias. Os agravos <strong>do</strong>minam<br />

as pautas <strong>do</strong>s julgamentos colegia<strong>do</strong>s, fato que acaba <strong>por</strong> agravar o congestionamento <strong>de</strong> nossas<br />

Cortes, ajudan<strong>do</strong> a a<strong>um</strong>entar a lentidão processual (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio<br />

(Org). Bases científicas para <strong>um</strong> renova<strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual. 2. ed. Salva<strong>do</strong>r: Jus Podi<strong>um</strong>, 2009,<br />

p. 351).”<br />

144<br />

MARINONI, Luiz Guilherme. Novo CPC ainda <strong>de</strong>ixou pen<strong>de</strong>nte garantia sobre duração razoável <strong>do</strong><br />

processo. In: Revista Consultor Jurídico, 13. abr. 2015. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 11 nov. 2015.


191<br />

A questão endêmica é evi<strong>de</strong>nte <strong>por</strong>que, em 1992, em pleno governo Itamar<br />

Franco, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao Decreto 678, houve a ratificação <strong>de</strong> “A Convenção Americana<br />

<strong>do</strong>s Direitos H<strong>um</strong>anos” (Pacto São José da Costa Rica) que, <strong>de</strong>ntre as garantias<br />

judiciais, já previa a razoável duração <strong>do</strong> processo em seu artigo 8º.<br />

Toda pessoa tem <strong>direito</strong> a ser ouvida, com as <strong>de</strong>vidas garantias e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> prazo razoável, <strong>por</strong> <strong>um</strong> juiz ou <strong>um</strong> tribunal competente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e<br />

imparcial, estabeleci<strong>do</strong> anteriormente <strong>por</strong> lei, na apuração <strong>de</strong> qualquer<br />

acusação ou pena formulada contra ela, ou para que se <strong>de</strong>terminem seus<br />

<strong>direito</strong>s ou obrigações <strong>de</strong> natureza civil, trabalhista, fiscal ou <strong>de</strong> qualquer<br />

outra natureza.<br />

O problema em semelhante contexto não é a inexistência <strong>de</strong> coman<strong>do</strong><br />

normativo, que existe em fartura, aliás é mais fácil o jurisdiciona<strong>do</strong> vir a óbito em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> over<strong>do</strong>se <strong>de</strong> legislação <strong>–</strong> em <strong>um</strong> país com mais <strong>de</strong> 200.000<br />

(duzentos mil) coman<strong>do</strong>s normativos, em que 2/3 aproximadamente estão em<br />

<strong>de</strong>suso pelo efeito da revogação ou da ineficácia <strong>–</strong> <strong>do</strong> que <strong>de</strong> efetiva prestação<br />

jurisdicional.<br />

Em verda<strong>de</strong>, a gestão e os “meios” pelos quais o sistema Judiciário está<br />

formata<strong>do</strong>, ou seja, estabelece as regras técnicas <strong>de</strong> processo para a catalogação,<br />

gestão e <strong>de</strong>cisão, faz com que os fins não sejam alcança<strong>do</strong>s em tempo razoável. E<br />

isso (fato) tem relação direta com a técnica cognitiva pela qual o conhecimento<br />

normativo é trans<strong>por</strong>ta<strong>do</strong>. 145 Sen<strong>do</strong> assim, mais <strong>do</strong> que finalida<strong>de</strong>, é ter o <strong>do</strong>mínio<br />

para <strong>do</strong>sar as medidas certas para que a força <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong> conhecimento<br />

gestada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong> não h<strong>um</strong>ana possa extrair <strong>de</strong> si o brilhantismo em<br />

soluções e resoluções mais eficientes e eficazes quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu uso no Direito e na<br />

Justiça. Dialogan<strong>do</strong> com Dalari, no âmbito da Justiça (2015, p. 13), observamos<br />

que:<br />

145<br />

Segun<strong>do</strong> Pierre, “Mas quan<strong>do</strong> colocamos <strong>de</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong> as coisas e as técnicas e <strong>do</strong> outro os<br />

homens, a linguagem, os símbolos, os valores, a cultura ou o “mun<strong>do</strong> da vida”, então o pensamento<br />

começa a resvalar. Uma vez mais, reificamos <strong>um</strong>a diferença <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> vista em <strong>um</strong>a fronteira<br />

separan<strong>do</strong> as próprias coisas. Uma entida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser ao mesmo tempo objeto da experiência e fonte<br />

instituinte, em particular se ela diz respeito à técnica. / O cúmulo da cegueira é atingi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> as<br />

antigas técnicas são <strong>de</strong>claradas culturais e impregnadas <strong>de</strong> valores, enquanto as novas são<br />

<strong>de</strong>nunciadas como bárbaras e contrárias à vida. Alguém que con<strong>de</strong>na a informática não pensaria<br />

nunca em criticar a impressão e menos ainda a escrita. Isto <strong>por</strong>que a impressão e as escritas (que<br />

são técnicas!) o constituem em <strong>de</strong>masia para que ele pense em apontá-las como estrangeiras. Não<br />

percebe que sua maneira <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong> comunicar-se com seus semelhantes, e mesmo <strong>de</strong> acreditar<br />

em Deus (como veremos mais adiante neste livro) são condicionadas <strong>por</strong> processos materiais (LÉVY,<br />

Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução<br />

Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 15).”


192<br />

O que mais se precisa no preparo <strong>do</strong>s juristas <strong>de</strong> hoje é fazê-los conhecer<br />

bem as instruções e os problemas da socieda<strong>de</strong> contem<strong>por</strong>ânea, levan<strong>do</strong>os<br />

a empreen<strong>de</strong>r o papel que representam na atualização daqueles e<br />

apren<strong>de</strong>rem as técnicas requeridas para a solução <strong>de</strong>stes. Evi<strong>de</strong>ntemente <strong>–</strong><br />

acrescenta BODENHEIMER <strong>–</strong> certas tarefas a serem c<strong>um</strong>pridas com<br />

relação a esse aprendiza<strong>do</strong> terão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>ixadas às disciplinas não<br />

jurídicas da carreira acadêmica <strong>do</strong> estudante <strong>de</strong> Direito. A crença <strong>de</strong> que o<br />

Direito pu<strong>de</strong>sse dar conta <strong>de</strong> todas as razões da socieda<strong>de</strong> parece que<br />

sinaliza ao seu esgotamento.<br />

O próprio Direito e a Justiça vêm ao longo <strong>de</strong> seu trajeto <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> certas<br />

dificulda<strong>de</strong>s em dar conta <strong>do</strong> que as relações sociais exigem quan<strong>do</strong> a matéria a ser<br />

tratada é a resolução <strong>de</strong> conflitos com maior celerida<strong>de</strong> em tempo e no acerto da<br />

medida certa <strong>do</strong>s elementos que <strong>de</strong>vem com<strong>por</strong> o cálculo <strong>do</strong> próprio Direito para o<br />

alcance da Justiça.<br />

Ausente <strong>de</strong> clareza e rico em complexida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>snecessárias, sofre o sistema<br />

Judiciário <strong>de</strong> <strong>um</strong> isolamento, exigin<strong>do</strong> diuturnamente que a socieda<strong>de</strong> não o procure,<br />

da<strong>do</strong>s os problemas infraestruturais e estruturais existentes.<br />

O fato é notório e beira a calamida<strong>de</strong> pública, conforme trazi<strong>do</strong> a comento em<br />

campanha promovida pelo Po<strong>de</strong>r Judicário <strong>–</strong> AMB, quan<strong>do</strong> o próprio sistema clama<br />

que a socieda<strong>de</strong> o evite (<strong>de</strong> acessar) sob o slogam “não <strong>de</strong>ixe o judiciário parar”. 146<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir além da orla da ciência <strong>do</strong> Direito, sem per<strong>de</strong>r o<br />

referencial das ciências jurídicas, tem feito renoma<strong>do</strong>s juristas buscar nas<br />

metacognições respostas para auxiliar a superar as angústias <strong>de</strong> insatisfação que os<br />

acometem e que os conduzem a <strong>um</strong>a luta insana pela fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e pelo amor à<br />

cátedra.<br />

Devem-se buscar soluções a partir <strong>do</strong> próprio sistema, no entanto, alguns<br />

mais experientes e vergasta<strong>do</strong>s pela militância espiam com <strong>de</strong>streza fora das<br />

“caixinhas” <strong>do</strong> Direito. 147 O reconhecimento <strong>do</strong>s valores constitucionais sem censura<br />

146<br />

Cf.: . Acesso em 23 <strong>de</strong>z. 2015.<br />

147<br />

Como retrata o pensamento <strong>de</strong> Dinamarco: “Um significativo fator <strong>de</strong> abertura para as<br />

preocupações éticas com o processo foi o crescimento <strong>do</strong> interesse <strong>de</strong> parte da <strong>do</strong>utrina pelos temas<br />

constitucionais <strong>do</strong> processo civil e verda<strong>de</strong>ira imersão <strong>de</strong> alguns no <strong>direito</strong> processual constitucional.<br />

Enquanto os processualistas permanecessem no estu<strong>do</strong> puramente técnico jurídico <strong>do</strong>s institutos e<br />

mecanismos processuais, confinan<strong>do</strong> suas investigações ao âmbito interno <strong>do</strong> sistema, era natural<br />

que prosseguissem ven<strong>do</strong> mero instr<strong>um</strong>ento técnico e houvessem <strong>por</strong> correta a afirmação <strong>de</strong> sua<br />

indiferença ética. Quan<strong>do</strong> passa ao confronto das normas e institutos <strong>do</strong> processo com as gran<strong>de</strong>s<br />

matrizes político-constitucionais a que estão filia<strong>do</strong>s, é, todavia, natural que o estudioso sinta a<br />

necessida<strong>de</strong> da crítica ao sistema, inicialmente feita à luz <strong>do</strong>s princípios e as garantias que a<br />

Constituição oferece e impõe <strong>–</strong> e com isso está aberto o caminho para as curiosida<strong>de</strong>s metajurídicas<br />

<strong>de</strong>correntes da conscientização <strong>do</strong>s valores que estão à base <strong>de</strong>ssas exigências constitucionais


193<br />

dão a esses a garantia da garantia, para que possam ser imediatamente<br />

convoca<strong>do</strong>s para <strong>um</strong>a efetiva aplicação no âmbito social.<br />

Para avançar na materialização efetiva <strong>do</strong>s valores da lei Maior exige-se <strong>do</strong><br />

jurista <strong>um</strong>a curiosida<strong>de</strong> extramuros em relação ao ambiente que comunga to<strong>do</strong>s os<br />

dias com seus pares “estu<strong>do</strong> puramente técnico jurídico <strong>do</strong>s institutos e mecanismos<br />

processuais”; é preciso para que haja melhorias efetivas no sistema normativo <strong>de</strong><br />

duas equações básicas:<br />

Em primeiro, o reconhecimento inconteste <strong>de</strong> problemas no atual mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong><br />

sistema processual judiciário quanto aos “meios” utiliza<strong>do</strong>s para que as leis<br />

consigam atingir o precípuo escopo da concretização material para a qual foram<br />

legisladas.<br />

A partir da primeira conscientização, <strong>de</strong> que sejam ultrapassadas as críticas e<br />

realizadas ações sem distinção <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>iras partidárias em busca <strong>de</strong> que os “meios”<br />

técnicos sejam eficazes <strong>de</strong> tal forma que o Direito Constitucional não venha a<br />

perecer pela <strong>de</strong>mora na aplicabilida<strong>de</strong> ou.<br />

Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mora gestada pelo tempo que se leva nos<br />

<strong>de</strong>snecessários conflitos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong>correntes da hermenêutica interpretativa sob<br />

questões já pacificadas (consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a dimensão intercontinental <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

brasileiro) e o ostracismo isolacionista que muitas vezes acometem seus<br />

especialistas em suas Justiças, é preciso compreen<strong>de</strong>r e encurtar o<br />

caminho. 148 Para isso, com a Inteligência Artificial e as técnicas <strong>de</strong> conhecimento que<br />

(DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Fundamentos <strong>do</strong> processo civil mo<strong>de</strong>rno. 6. ed. São Paulo:<br />

Malheiros, 2010, p. 127. v. 1).”<br />

148<br />

Segun<strong>do</strong> Lévy: “Quan<strong>do</strong> mensagens fora <strong>do</strong> contexto e ambíguas começaram a circular, a<br />

atribuição <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> passa a ocupar <strong>um</strong> lugar central no processo <strong>de</strong> comunicação. O exercício <strong>de</strong><br />

interpretação tem tanto mais im<strong>por</strong>tância quanto mais as escritas em questão são difíceis <strong>de</strong> <strong>de</strong>cifrar,<br />

como é o caso, <strong>por</strong> exemplo, <strong>do</strong>s sistemas <strong>de</strong> hieróglifos ou cuneiformes. Des<strong>de</strong> o terceiro milênio<br />

antes <strong>de</strong> Cristo, toda <strong>um</strong>a tradição da “leitura” havia se constituí<strong>do</strong> no Egito e na Mesopotâmia. A<br />

ativida<strong>de</strong> hermenêutica, <strong>por</strong> sinal, não se exercia apenas sobre os papéis e tabuinhas, mas também<br />

sobre <strong>um</strong>a infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sintomas, signos e presságios, no céu estrela<strong>do</strong>, em peles, nas entranhas<br />

<strong>do</strong>s animais... Des<strong>de</strong> então, o mun<strong>do</strong> se oferece como <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> texto a ser <strong>de</strong>cifra<strong>do</strong>. De geração<br />

em geração, a distância entre o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> autor e o <strong>do</strong> leitor não para <strong>de</strong> crescer, é novamente<br />

preciso reduzir a distância, diminuir a tensão semântica através <strong>de</strong> <strong>um</strong> trabalho <strong>de</strong> interpretação<br />

ininterrupto”. Ainda segun<strong>do</strong> o autor, a estratégia em <strong>inteligência</strong> se encaminharia para o seguinte<br />

entendimento (2011, p. 90): “A oralida<strong>de</strong> ajustava os cantos e as palavras para conformá-los às<br />

circunstâncias, a civilização da escrita acrescenta novas interpretações aos textos, empurran<strong>do</strong><br />

diante <strong>de</strong> si <strong>um</strong>a massa <strong>de</strong> escritos cada vez mais im<strong>por</strong>tante. / A simples persistência <strong>de</strong> textos<br />

durante várias gerações <strong>de</strong> leitores já constitui <strong>um</strong> agenciamento produtivo extraordinário. Uma re<strong>de</strong><br />

potencialmente infinita <strong>de</strong> comentários, <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates, <strong>de</strong> notas e <strong>de</strong> exegeses ramifica a partir <strong>de</strong> livros<br />

originais.Transmitin<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a geração a outra, o manuscrito parece secretar espontaneamente seu<br />

hipertexto. A leitura leva a conflitos, funda escolas rivais, fornece sua autorida<strong>de</strong> a pretensos retornos<br />

à origem, como tantas vezes aconteceu na Europa após o triunfo da impressão. Apesar <strong>de</strong> visar


essa cognição manobra, é possível vialibilizar as duas esquações básicas<br />

comentadas bem como fazer com que o <strong>novo</strong> instituto advin<strong>do</strong> com o <strong>novo</strong>reforma<strong>do</strong><br />

CPC (IIRDR) Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda<br />

Repetitiva como técnica processual, que ela não se torne ineficaz em curto espaço<br />

<strong>de</strong> tempo como tantas outras já vencidas pelos efeitos <strong>de</strong>letérios da omissão ou da<br />

ação ineficaz à sua viabilida<strong>de</strong>.<br />

Permitir a participação da Inteligencia Artificial como “meio” condutor <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça representa <strong>um</strong> remédio curial ao sistema processual, dan<strong>do</strong> ao<br />

sistema revigoramento pela via da flexibilização pluriprocessual, rompen<strong>do</strong> assim<br />

com o <strong>do</strong>gmatismo arraiga<strong>do</strong> e sempre reclama<strong>do</strong> pela processualística<br />

contem<strong>por</strong>ânea. 149 As leis sofisticam-se literalmente: o que em tese <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser<br />

algo plausível em exuberância, mas não o é, ao contrário, esquecem-se os<br />

legisla<strong>do</strong>res legitima<strong>do</strong>s que seu serviço tem como fundamento a proteção e a<br />

conjugação <strong>de</strong> forças políticas voltadas para a participação efetiva da socieda<strong>de</strong> no<br />

processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> Constitucional <strong>de</strong> Direitos, superan<strong>do</strong>, assim,<br />

o <strong>de</strong>grau da Democracia meramente representativa <strong>por</strong> fatores múltiplos em<br />

vicissitu<strong>de</strong>s estabelecidas pelo homem político.<br />

Destarte, a proposta i<strong>de</strong>ológica da cartilha Constitucional está direcionada na<br />

contramão da história, na medida em que põe o Legisla<strong>do</strong>r nesse processo na<br />

legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu encargo e na condução das suas funções a afastar-se da<br />

socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a isolar-se e a <strong>de</strong>solar-se da sua soberana atribuição. Isto<br />

<strong>por</strong>que, em <strong>um</strong> Direito formal, não se tem <strong>um</strong>a Justiça material, exigin<strong>do</strong>, <strong>por</strong>tanto,<br />

<strong>um</strong>a harmonização, conforme esclarece Zai<strong>de</strong>n Neto (2003, p. 105):<br />

194<br />

diminuir a distância entre o momento da redação e o da leitura, a interpretação produz estas<br />

diferenças, este tempo, esta história que ela <strong>de</strong>seja anular. Já que, ao <strong>de</strong>itar a exegese sobre o<br />

papel, quan<strong>do</strong> em certo senti<strong>do</strong> escreve-se <strong>um</strong>a leitura, constrói-se <strong>um</strong>a irreversibilida<strong>de</strong>. Os<br />

sucessores <strong>de</strong> Averróis não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão mais ler Aristóteles como seus pre<strong>de</strong>cessores. A leitura é fonte<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a tem<strong>por</strong>alida<strong>de</strong> para<strong>do</strong>xal, pois no exato momento em que aproxima o hermeneuta da origem<br />

<strong>do</strong> texto, alarga o fosso <strong>de</strong> tempo que tencionava preencher (LÉVY, Pierre. As tecnologias da<br />

<strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 89).”<br />

149<br />

Segun<strong>do</strong> Carneiro, “Na jurisdição também há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificações, como a<br />

especialização <strong>do</strong>s juízes e a flexibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s remédios judiciários. A especialização facilitaria o<br />

entendimento das causas. Para Taruffo, a flexibilida<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong> a criação <strong>de</strong> provimento que<br />

possa diminuir o número <strong>de</strong> litígios, como a inibitória, assim como a criação <strong>de</strong> procedimentos<br />

a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s à complexida<strong>de</strong> das causas, com a criação <strong>de</strong> remédios processuais em função da real<br />

exigência da tutela (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases científicas para<br />

<strong>um</strong> renova<strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual. 2. ed. Salva<strong>do</strong>r: Jus Podi<strong>um</strong>, 2009, p. 302).”


195<br />

Uma vez corretamente introduzi<strong>do</strong> no sistema constitucional, a rigor <strong>do</strong> que<br />

já dissemos sobre a constitucionalida<strong>de</strong> das normas insertas na própria<br />

Constituição, para que possamos ser coerentes, as súmulas vinculantes e o<br />

princípio da inafastabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> controle jurisdicional (inc. XXXV <strong>do</strong> art. 5º da<br />

Constituição da República) <strong>de</strong>verão ser harmoniza<strong>do</strong>s entre si.<br />

Da lição extraída <strong>do</strong> diálogo entre Zai<strong>de</strong>n Geraige Neto e Teresa Arruda Alvim<br />

Wambier é im<strong>por</strong>tante observar que é <strong>de</strong> conformizar-se o sistema Constitucional e<br />

infraconsconstitucional como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> ao recebimento da técnica cognitiva tributária<br />

da Inteligencia Artificial como “meio” tecnológico útil e eficaz aos Direitos e às<br />

Garantias Fundamentais, dan<strong>do</strong> ao or<strong>de</strong>namento efetivida<strong>de</strong> material sem que viole<br />

qualquer disposição, conforme abordagem teórica <strong>de</strong>senvolvida nos capítulos 10.1<br />

e 10.2 <strong>de</strong> natureza Constitucional.<br />

Faz o Legisla<strong>do</strong>r, <strong>por</strong>tanto, da construção e <strong>de</strong> suas diretrizes, instr<strong>um</strong>entos<br />

que não dão condições concretas para a consolidação da inclusão social como<br />

proposta maior objetivada, revelan<strong>do</strong>, assim, concreta e evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sorientação <strong>do</strong><br />

que está a fazer e <strong>de</strong> seu efetivo <strong>de</strong>ver fazer. 150 Nesse contexto, parafrasean<strong>do</strong><br />

Dinamarco, é <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r a saudável resistência às propostas inova<strong>do</strong>ras,<br />

especialmente quan<strong>do</strong> se visa, com elas, causar mudanças substanciais na or<strong>de</strong>m<br />

instituída no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser da Justiça, mesmo quan<strong>do</strong> a comunida<strong>de</strong> científica em<br />

dificulda<strong>de</strong> nota que o <strong>paradigma</strong> existente não mais aten<strong>de</strong> nas dimensões<br />

exigidas.<br />

A Inteligência Artificial <strong>–</strong> <strong>por</strong> intermédio da linguagem <strong>de</strong> programação<br />

tecnológica <strong>–</strong> tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> converter as ações e as funções<br />

que a espécie h<strong>um</strong>ana realiza através <strong>de</strong> <strong>um</strong>a lógica <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> “matriz<br />

150<br />

Para o professor Dinamarco em obra <strong>de</strong> sua lavra, Nova Era <strong>do</strong> processo civil, a questão é <strong>de</strong><br />

natureza perceptiva: “Mu<strong>do</strong>u a lei e vai mudan<strong>do</strong> a mentalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s juristas, alavanca <strong>por</strong> aquelas<br />

exigências, que talvez hajam principia<strong>do</strong> no pós-guerra <strong>do</strong>s mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XX e ainda perduram.<br />

Gostamos <strong>de</strong> muitas das inovações que vêm sen<strong>do</strong> implantadas, como a tutela coletiva, a abertura<br />

para as causas <strong>de</strong> menor expressão econômica, as tentativas <strong>de</strong> simplificação e agilização<br />

implantadas pelas Reformas <strong>–</strong> mas isso é muito pouco <strong>por</strong>que ainda não <strong>de</strong>finimos os caminhos a<br />

seguir nem o preciso mo<strong>de</strong>lo processual-judiciário <strong>de</strong> que precisamos. Não sabemos bem aon<strong>de</strong><br />

vamos ou o que queremos. Envolvemo-nos em movimentos reforma<strong>do</strong>res que vão das técnicas<br />

processuais mais corriqueiras aos gran<strong>de</strong>s fundamentos <strong>do</strong> sistema, mas nos falta r<strong>um</strong>o. Somos<br />

talvez como a turba exaltada, mas inconsciente, que arrasou e incendiou o presídio da Bastilha sem<br />

ter a noção <strong>do</strong> que aquele gesto, para eles passional e inconsequente, viria a significar para as<br />

estruturas sociais e políticas <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte. Ou como os apóstolos <strong>de</strong> Cristo que o seguiam saben<strong>do</strong><br />

que muito havia a mudar no mun<strong>do</strong> e na alma das pessoas, mas não tinham certamente a menor<br />

noção das transformações que a palavra <strong>do</strong> Filho <strong>de</strong> Deus viria a causar na História da H<strong>um</strong>anida<strong>de</strong><br />

(DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Nova era <strong>do</strong> processo civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:<br />

Malheiros, 2009, p. 19).”


196<br />

semântica”, cuja peculiarida<strong>de</strong> consegue captar em sua estrutura as informações e<br />

os da<strong>do</strong>s em seus pequenos e precisos <strong>de</strong>talhes.<br />

Observa-se que a simplicida<strong>de</strong>, a simplificação, a objetivida<strong>de</strong> e a precisão<br />

dão a essa forma <strong>de</strong> estruturar a realida<strong>de</strong> das coisas, mecanismos que<br />

potencializam as ações h<strong>um</strong>anas, superan<strong>do</strong>-as em seus elementos qualitativos e<br />

quantitivos, quan<strong>do</strong> compara<strong>do</strong>s ou equipara<strong>do</strong>s.<br />

Assim sen<strong>do</strong>, o “meio” tecnológico tem condições <strong>de</strong> gestar <strong>um</strong> procedimento<br />

processual estabeleci<strong>do</strong> pela facilida<strong>de</strong> em acessibilida<strong>de</strong>, em sua utilização, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o recebimento das informações <strong>do</strong>s fatos, seu processamento, acompanhamento,<br />

mo<strong>de</strong>ração e finalização, inclusive incor<strong>por</strong>an<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> tal espécie <strong>de</strong><br />

<strong>inteligência</strong> a inclusão das pessoas cuja necessida<strong>de</strong> exige <strong>um</strong>a especial forma <strong>de</strong><br />

comunicar-se pela limitação física, em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s.<br />

O avanço enxerga<strong>do</strong> para o c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong> mais essa etapa é visivelmente<br />

observa<strong>do</strong> no <strong>de</strong>senrolar da história. Quem não presenciou a substituição <strong>de</strong><br />

máquinas <strong>de</strong> escrever ou mimeógrafos <strong>por</strong> computa<strong>do</strong>res ou impressoras<br />

posteriormente à dificultosa introdução <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> trans<strong>por</strong>te <strong>de</strong> informações<br />

pelos mecanismos digitais e as certificações a partir da emenda Constitucional<br />

45/2004 e edição da lei 11.419/2006.<br />

Não resta dúvida <strong>de</strong> que a agenda da tecnologia <strong>de</strong>ve avançar, o que revela<br />

<strong>por</strong> parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não <strong>um</strong>a inversão <strong>de</strong> polarida<strong>de</strong>, mas a implementação <strong>de</strong><br />

<strong>novo</strong>s meios para gestão <strong>de</strong> funcionamento, organização e aplicação <strong>do</strong> Direito ao<br />

alcance da Justiça.<br />

Para Azere<strong>do</strong>, em rara dissertação nacional sobre a temática da Inteligência<br />

Artificial encontrada na literatura nacional, a contribuição é significativa no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

avaliarmos a experiência americana. 151 A resistência é <strong>um</strong> fator espera<strong>do</strong> <strong>–</strong> como<br />

151<br />

“Não obstante a restrição <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> inerente aos custos <strong>de</strong> uso da tecnologia, o Eletronic Data<br />

Interchange <strong>passo</strong>u a ser relevante, sen<strong>do</strong> inquestionável a magnitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s investimentos realiza<strong>do</strong>s,<br />

razão pela qual havia inequívoca preocupação com os aspectos legais <strong>de</strong>sse <strong>novo</strong> meio <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong><br />

para a formalização <strong>de</strong> contratação. / Assim, a associação americana <strong>de</strong> advoga<strong>do</strong>s, a American Bar<br />

Association, criou grupo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s cujos frutos resultaram em obra <strong>de</strong>nominada The Commercial<br />

Use of Eletronic Data Interchange: A Re<strong>por</strong>t and Mo<strong>de</strong>l Trading Partner Agreement, publicada em<br />

1990, na qual se tratava da valida<strong>de</strong> legal <strong>do</strong>s atos realiza<strong>do</strong>s <strong>por</strong> meio eletrônico, provas das<br />

contratações etc. / Nesse contexto, é im<strong>por</strong>tante notar que as questões enfrentadas à época, como,<br />

<strong>por</strong> exemplo, a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratações feitas <strong>por</strong> meio eletrônico e a prova <strong>do</strong>s atos realiza<strong>do</strong>s entre<br />

as partes, muito embora hoje possam parecer triviais, sofreram, com toda a certeza, a resistência da<br />

cultura enraizada há alguns séculos na tecnologia analógica <strong>do</strong> papel, com seus instr<strong>um</strong>entos<br />

contratuais, títulos <strong>de</strong> crédito, faturas etc (AZEREDO. João Fábio Azeve<strong>do</strong> e. Reflexos <strong>do</strong> emprego<br />

<strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> nos contratos. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em Direito). 2014. 220<br />

p. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. USP. São Paulo, p. 30).”


197<br />

tantos outros que presenciamos em nossos dias <strong>–</strong> pela fábula <strong>do</strong> “ius sperniandi”,<br />

mas passa <strong>por</strong> compreen<strong>de</strong>rem que as novas técnicas precisam ser implementas<br />

para a concretização <strong>do</strong> progresso.<br />

Infelizmente <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> profissionais tornar-se-á obsoleta em<br />

poucos anos, como vêm dialogan<strong>do</strong> os magistra<strong>do</strong>s norte-americanos e os<br />

advoga<strong>do</strong>s daquele Esta<strong>do</strong>, caso não acompanhem a mo<strong>de</strong>rnização tecnológica.<br />

Isso se dá conforme esclarece Lévy. 152<br />

Existe algo <strong>de</strong> universal entre estes Esta<strong>do</strong>s (EUA e BRA); primeiro (sem<br />

dúvida) pessoas, profissionais <strong>de</strong> classes e os conflitos <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> interesse da<br />

Justiça. No caso brasileiro, o monopólio da jurisdição nas últimas décadas vem<br />

sen<strong>do</strong> relativiza<strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> aos meios alternativos <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos, inclusive<br />

capitanea<strong>do</strong> pelo (CNJ) Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, que completa seu primeiro<br />

<strong>de</strong>cênio na implementação <strong>de</strong> diretrizes, conforme Peluso. 153 Os meios alternativos<br />

no processo <strong>de</strong> institucionalização não se dão <strong>de</strong> forma plenamente completa.<br />

152 “Os conhecimentos, <strong>por</strong> exemplo, apenas po<strong>de</strong>m ser adquiri<strong>do</strong>s após <strong>um</strong>a larga experiência e se<br />

i<strong>de</strong>ntificam com os corpos, com os gestos, com os reflexos <strong>de</strong> pessoas singulares. Entretanto, este<br />

tipo bem peculiar <strong>de</strong> memória encarnada per<strong>de</strong> suas características tradicionais sob a ação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

duplo processo. Em primeiro lugar, a aceleração das modificações técnicas, <strong>de</strong>vidas sobre tu<strong>do</strong> à<br />

informatização, acarreta <strong>um</strong>a variação, <strong>um</strong>a modulação constante, ou mesmo mudanças radicais <strong>do</strong>s<br />

conhecimentos operacionais no centro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesma profissão. A flexibilização não está relacionada<br />

apenas com os processos <strong>de</strong> produção e os circuitos <strong>de</strong> distribuição. A exigência <strong>de</strong> reorganização<br />

em tempo real visa também os agenciamentos <strong>cognitivo</strong>s pessoais (LÉVY, Pierre. As tecnologias da<br />

<strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 119).”<br />

153<br />

“Aliás, o CNJ já vem enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que lhe cabe “fixar a implementação <strong>de</strong> diretrizes nacionais para<br />

nortear a atuação institucional <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os órgãos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, ten<strong>do</strong> em vista sua unicida<strong>de</strong>”,<br />

pelo que, na Resolução 70, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2009, dispôs sobre o Planejamento e a Gestão<br />

Estratégica no ambito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário. / Ora, o inciso XXXV <strong>do</strong> art. 5º da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong>ve ser interpreta<strong>do</strong>, como ficou sublinha<strong>do</strong>, não apenas como garantia <strong>de</strong> mero acesso aos órgãos<br />

<strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, mas como garantia <strong>de</strong> acesso à or<strong>de</strong>m justa, <strong>de</strong> forma efetiva, tempestiva e<br />

a<strong>de</strong>quada. Daí a conclusão <strong>de</strong> que cabe ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, pelo CNJ, organizar os serviços <strong>de</strong><br />

tratamento <strong>de</strong> conflitos <strong>por</strong> to<strong>do</strong>s os mecanismos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s, e não apenas <strong>por</strong> meio da adjudicação<br />

<strong>de</strong> solução estatal em processos contenciosos, caben<strong>do</strong>-lhe em especial institucionalizar, em caráter<br />

permanente, os meios consensuais <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> interesses, como a mediação e a<br />

conciliação. / Semelhante política pública <strong>de</strong>verá estabelecer, <strong>de</strong>ntre outras coisas: a) obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> implementação da mediação e da conciliação <strong>por</strong> to<strong>do</strong>s os tribunais <strong>do</strong> país; b) disciplina mínima<br />

para a ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s media<strong>do</strong>res/concilia<strong>do</strong>res, como critérios <strong>de</strong> capacitação, treinamento e<br />

atualização permanente, com carga horária mínima <strong>do</strong>s cursos <strong>de</strong> capacitação e treinamento; c)<br />

confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong>, imparcialida<strong>de</strong> e princípios éticos no exercício da função <strong>do</strong>s<br />

media<strong>do</strong>res/concilia<strong>do</strong>res; d) remuneração <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> media<strong>do</strong>res/concilia<strong>do</strong>res; e) estratégias<br />

para a geração da nova mentalida<strong>de</strong> e da cultura <strong>de</strong> pacificação, inclusive com criação pelas<br />

faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong> disciplinas para a capacitação <strong>do</strong>s futuros profissionais <strong>do</strong> <strong>direito</strong> em meios<br />

alternativos <strong>de</strong> conflitos, em especial a mediação e a conciliação; f) controle Judiciário, ainda que<br />

indireto e a distância, <strong>do</strong>s serviços extrajudiciais <strong>de</strong> mediação/conciliação (PELUSO, Antonio Cezar;<br />

RICHA, Morgana <strong>de</strong> Almeida (Org). Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária<br />

nacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2011, p. 5).”


198<br />

Existe <strong>um</strong>a forte resistência a eles tanto <strong>por</strong> parte <strong>do</strong>s que buscam em tais<br />

mecanismos soluções para seus conflitos como <strong>por</strong> parte <strong>do</strong>s órgãos que operam.<br />

É possível que as novas gerações <strong>de</strong> opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Direito passem a dar real<br />

im<strong>por</strong>tância aos “meios” alternativos já conheci<strong>do</strong>s, além <strong>do</strong>s da tecnologia para que<br />

possam garantir que os fins sejam previsíveis e mais estáveis <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s conjuntos<br />

aximáticos <strong>de</strong> valores pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s constitucionalmente. Para isso os critérios<br />

estabeci<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> “meios” precisam ser estáveis. 154 Para isso, é<br />

im<strong>por</strong>tante que as faculda<strong>de</strong>s superem o tratamento <strong>do</strong>s “meios” alternativos como<br />

instituto <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> secundária. Isso é <strong>um</strong> indica<strong>do</strong>r forte <strong>de</strong> que a jurisdição<br />

estatal ainda é em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>mandada para que atue na solução <strong>de</strong> conflitos.<br />

Por isso, dar a ela “meios” estruturais tecnológicos que a tornem mais<br />

a<strong>de</strong>quada em condições <strong>de</strong> escoar a <strong>de</strong>manda judiciária representa <strong>um</strong>a inovação<br />

da jurisdição estatal, há tanto malvista e <strong>de</strong>sacreditada.<br />

Se os “meios” não advierem <strong>de</strong> sua própria estrutura, <strong>um</strong> caminho alternativo<br />

para dinamizá-la, a<strong>um</strong>enta<strong>do</strong> suas habilida<strong>de</strong>s e capacida<strong>de</strong>s, com <strong>um</strong>a técnica<br />

cognitiva distinta da sua, geran<strong>do</strong> a absorção e resolução <strong>de</strong> contendas, fará c<strong>um</strong>prir<br />

seus reais propósitos institucionais. Para Mancuso (2010, p. 150):<br />

Escreve, a propósito, Paulo Hoffman: “A jurisdição <strong>de</strong>veria servir para<br />

pacificar conflitos, para garantir <strong>direito</strong>s e manter a tranquilida<strong>de</strong> na vida em<br />

socieda<strong>de</strong>, enfim, para que as pessoas se sentissem protegidas. Entretanto,<br />

o que se tem visto no sistema brasileiro é que, em razão da exagerada<br />

duração <strong>do</strong> processo, muitas vezes, favorece-se quem não tem razão em<br />

<strong>de</strong>trimento daquele que vem a juízo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seu <strong>direito</strong>”<br />

Um mecanismo <strong>de</strong>ssa gran<strong>de</strong>za supriria “a imperfeição da máquina<br />

processual” já noticiada na obra Como se faz <strong>um</strong> processo, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Carnelutti<br />

(2015, p. 30), no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> socorrer a morosida<strong>de</strong> da Justiça e suas <strong>de</strong>mais<br />

154<br />

Segun<strong>do</strong> Lévy: “O <strong>de</strong>bate a respeito da natureza opressiva, antissocial, ou ao contrário benéfica e<br />

amigável da informática nunca ficou confina<strong>do</strong> ao circulo <strong>do</strong>s sociólogos, <strong>do</strong>s filósofos, <strong>do</strong>s jornalistas<br />

ou <strong>do</strong>s sindicalistas (os pretensos especialistas das finalida<strong>de</strong>s <strong>–</strong> <strong>do</strong>s usos <strong>–</strong> e das relações entre os<br />

homens). Ele começa com os cientistas, os engenheiros, os técnicos, com os assim chama<strong>do</strong>s<br />

profissionais das relações entre as coisas, aqueles que supostamente cuidariam apenas <strong>do</strong>s meios<br />

das ferramentas. A distinção abstrata e bem dividida entre fins e meios não resiste a <strong>um</strong>a análise<br />

precisa <strong>do</strong> processo sociotécnico no qual, na realida<strong>de</strong>, as mediações (os meios, as interfaces) <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s os tipos se entreinterpretan em relação às finalida<strong>de</strong>s locais, contraditórias e perpetuamente<br />

contestadas, tão bem que, neste jogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svios, <strong>um</strong> “meio” qualquer nunca possui <strong>um</strong> “fim” estável<br />

<strong>por</strong> muito tempo (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da<br />

informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 59).”


199<br />

<strong>de</strong>ficiências operacionais também noticiadas pelo mesmo autor, citadas <strong>por</strong><br />

Dinamarco (2009, p. 15).<br />

Em trabalho <strong>de</strong> sua autoria em que, com a precisão <strong>de</strong> <strong>um</strong> bisturi, <strong>de</strong>monstra<br />

“[...] com razoável clareza, que as causas da ineficiência da Justiça são, segun<strong>do</strong><br />

antiga revelação <strong>de</strong> Carnelutti, a lei processual, as estruturas judiciárias e, acima <strong>de</strong><br />

tu<strong>do</strong>, o homem que opera o processo”.<br />

Superada a resistência da comunida<strong>de</strong> jurídica, passa a ser inegável que a<br />

tecnologia represente <strong>um</strong>a linguagem <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova Era, <strong>de</strong> natureza inclusiva, em<br />

<strong>um</strong> primeiro momento pela socieda<strong>de</strong> participativa da informação, e em <strong>um</strong>a etapa<br />

posterior nutre plenas condições em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> promover a fundação e a<br />

edificação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> participativa <strong>do</strong> conhecimento em seu viés primário, o<br />

da “produção”.<br />

O acesso e o alcance <strong>de</strong>ssa <strong>inteligência</strong> geram a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabilizar<br />

as diversida<strong>de</strong>s sociais existentes inclusive em grau aritmético <strong>de</strong> seu próprio<br />

<strong>de</strong>senvolvimento. A ferramenta em questão dá azo a facilitar a i<strong>de</strong>ntificação, a<br />

<strong>de</strong>codificação, a recodificação, a codificação e a sistematização <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, além <strong>de</strong><br />

informações empreendidas no contexto social que a espécie h<strong>um</strong>ana habita.<br />

Contribui a Inteligência Artificial para o processo <strong>de</strong> aprendiza<strong>do</strong> e <strong>de</strong><br />

interação <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisiva, geran<strong>do</strong> <strong>um</strong>a nova socieda<strong>de</strong> com competências e<br />

habilida<strong>de</strong>s mais rentes da realida<strong>de</strong> jurídica que molda o Esta<strong>do</strong>.<br />

Assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua base, toma conhecimento e “consciência” <strong>de</strong> sua real<br />

im<strong>por</strong>tância, como preten<strong>de</strong> o magistral trabalho <strong>do</strong> Juiz lusitano Eduar<strong>do</strong> Vera-Cruz<br />

Pinto, na obra O futuro da Justiça. 155<br />

Tal processo também é perfilha<strong>do</strong> pela participação ativa e interativa da<br />

tecnologia, pois possibilita melhor acesso, integração, unificação e universalização.<br />

Não somente rompe barreiras mas possibilita seu rompimento, a quebra <strong>do</strong>s<br />

monopólios preconceituosos comuns das i<strong>de</strong>ologias culturais. Inclusive da própria<br />

155<br />

“Face a esta situação, seria necessário partir <strong>do</strong> zero, voltar ao início e preparar <strong>um</strong>a ruptura<br />

necessária que, <strong>por</strong> ser estruturante, não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>signada como revolucionária no senti<strong>do</strong> habitual<br />

<strong>de</strong> acabar com o que está e <strong>de</strong>pois se vê <strong>por</strong>que temos aqui <strong>um</strong>as i<strong>de</strong>ias. Esse início começa no<br />

ensino. Não apenas no ensino universitário <strong>do</strong> Direito mas no ensino público obrigatório liga<strong>do</strong> aos<br />

i<strong>de</strong>ais republicanos <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> pelo Direito como forma <strong>de</strong> chegar à socieda<strong>de</strong> justa. Uma<br />

educação que ensine em escolas organizadas <strong>–</strong> com instalações a<strong>de</strong>quadas e professores motiva<strong>do</strong>s<br />

<strong>–</strong> os valores que juntam as pessoas e constituem <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> politicamente organizada no<br />

Esta<strong>do</strong>. O valor supremo da união entre os cidadãos, o cimento da construção estadual, é a partilha<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>justiça</strong> que os juristas recebem da comunida<strong>de</strong> e trabalham no plano teorético,<br />

conceptualizam e tornam concretizável na vida <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s (PINTO, Eduar<strong>do</strong> Vera Cruz. O futuro da<br />

<strong>justiça</strong>. São Paulo: Ed. IASP, 2015, p. 32).”


200<br />

Justiça com estatuto forja<strong>do</strong> pelas classes elitistas e que, em última instância,<br />

continua a atendê-las e a proteger o próprio Esta<strong>do</strong> pelos meandros e subterfúgios<br />

<strong>do</strong>s dispositivos normativos. Para confirmar essa assertiva, é só verificar <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s<br />

relatórios da Justiça que <strong>um</strong> <strong>do</strong>s maiores <strong>de</strong>mandantes <strong>do</strong> judiciário é o próprio<br />

Esta<strong>do</strong>.<br />

A presença marcante e inexorável da tecnologia habilita <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento instr<strong>um</strong>ental propício a consolidar o Esta<strong>do</strong> Constitucional <strong>de</strong><br />

Direitos, na medida em que dá concretamente condições aos cidadãos para<br />

participarem ativamente, superan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>magogia discursiva <strong>do</strong>s que <strong>de</strong>sconhecem<br />

as causas (Wittgestein) em suas verda<strong>de</strong>iras origens.<br />

Em semelhantes condições, jamais <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os Direitos e a Justiça,<br />

<strong>por</strong>que as <strong>de</strong>sconhecem, em <strong>de</strong>corrência da ausência <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong>, que se<br />

suprime pelo não conhecimento prático das causas, em <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> que somente o<br />

povo o vê “cara a cara” em seu dia a dia.<br />

O Esta<strong>do</strong>, no seu projeto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, po<strong>de</strong> valer-se da<br />

Inteligência Artificial <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem que prima pelo princípio da<br />

clareza objetiva, da simplificação para a plena comunicação.<br />

A quebra <strong>do</strong> monopólio <strong>do</strong> conhecimento jurídico insistentemente permanece<br />

no cenário das edições <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s dispositivos sem que aconteça seu total <strong>de</strong>bêlo,<br />

prejudican<strong>do</strong> com isso a consolidação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Constitucional <strong>de</strong> Direitos e<br />

Garantias Fundamentais, o que representa ser antitético (contraditório) e antinômico<br />

(contrário à norma) em relação à i<strong>de</strong>ologia introjetada pela Lei Maior.<br />

A teorização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura jurídica via sistema vem a facilitar a<br />

organicida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema e a juridicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> inflacionário <strong>de</strong> leis. Na atual<br />

conjuntura, somente mediante <strong>um</strong>a plataforma tecnológica revela-se possível<br />

sintetizar os dispositivos para a aplicação em <strong>um</strong> caso concreto com a razoável<br />

duração que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista constitucional, além <strong>de</strong> possibilitar a<br />

consolidação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça previsível diante <strong>do</strong>s princípios baliza<strong>do</strong>res da<br />

tecnologia (unificação, integração, uniformização e sistematização).<br />

Talvez a miséria processual tenha chega<strong>do</strong> a esse nível <strong>por</strong>que a espécie<br />

h<strong>um</strong>ana, ilhada no marasmo da letargia, não tenha da<strong>do</strong> “trela” aos espíritos mais<br />

altivos das ciências jurídicas no passa<strong>do</strong>, como bem retrata o pensamento <strong>de</strong>


201<br />

Dinamarco ao mencionar a preocupação nos i<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1970, retrata<strong>do</strong>s pelo Projeto<br />

Florença, a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> no esplen<strong>do</strong>r <strong>do</strong> esquecimento. 156<br />

O sistema judiciário precisa <strong>de</strong> <strong>um</strong> r<strong>um</strong>o certo a seguir. É prova evi<strong>de</strong>nte<br />

disso a instabilida<strong>de</strong> existente no sistema, quan<strong>do</strong> se presencia, ante a vigência <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a lei, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fecundar emendas corretivas, conforme estão em<br />

andamento em face <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> CPC que, antes mesmo <strong>de</strong> entrar em vigor,<br />

já registra modificações no sistema recursal <strong>de</strong> remessa <strong>do</strong>s recursos <strong>de</strong> cúpula.<br />

Tem-se a sensação da existência da reforma, da reforma, da reforma! O que<br />

<strong>de</strong>monstra que o processo legislativo não aconteceu ou, se aconteceu, não se <strong>de</strong>u<br />

em plena consonância com preceitos e das diretrizes constitucionais, pois níti<strong>do</strong>s<br />

são os erros e falhas.<br />

Esses “gaps” <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m h<strong>um</strong>ana acabaram <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> para trás o essencial em<br />

<strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> supérfluo ou seria simplesmente a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> técnica processual para<br />

a manutenção <strong>do</strong>s discursos inflama<strong>do</strong>s os quais, observan<strong>do</strong> na história a urgência<br />

<strong>de</strong> eficiência e eficácia, quem não os trocaria pela reflexão silenciosa e a<br />

transmutação <strong>de</strong> ações responsáveis objetivas em resulta<strong>do</strong>s fins mais positivos.<br />

Para Dinamarco (2010, p. 44):<br />

156<br />

“Um grito <strong>de</strong> alerta foi da<strong>do</strong> pelos juristas-pensa<strong>do</strong>res engaja<strong>do</strong>s no movimento que se intitulou<br />

Projeto Florença, que foi berço da mais notável guinada meto<strong>do</strong>lógica da ciência processual <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os tempos. As primeiras palavras escritas pelo revolucionário Mauro Cappelletti no estu<strong>do</strong> preliminar<br />

sobre essa iniciativa são <strong>um</strong> repúdio ao positivismo jurídico, ao proclamarem que “nenh<strong>um</strong> aspecto<br />

<strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>rnos sistemas legais está a salvo da crítica”. A gran<strong>de</strong> lição a extrair da obra <strong>de</strong> Cappelletti<br />

é a <strong>de</strong> que os acessos a <strong>justiça</strong> é mais eleva<strong>do</strong> e digno <strong>do</strong>s valores a cultuar no trato das coisas <strong>do</strong><br />

processo. De minha parte, vou também dizen<strong>do</strong> que a solene promessa <strong>de</strong> oferecer tutela<br />

jurisdicional a quem tiver razão é ao mesmo tempo <strong>um</strong> principio-sintese e o objetivo final, no universo<br />

<strong>do</strong>s princípios e garantias inerentes ao <strong>direito</strong> processual constitucional. To<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais princípios e<br />

garantias foram concebi<strong>do</strong>s e atuam no sistema como meios coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s entre si e <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a<br />

oferecer <strong>um</strong> processo mais justo, que outra coisa não é senão o processo apto a produzir resulta<strong>do</strong><br />

justo (DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Vocabulário <strong>do</strong> processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009,<br />

p. 21).”


202<br />

Mas é eterna e sempre problemática a questão das formas e <strong>do</strong> formalismo<br />

no processo civil. Mesmo prescindin<strong>do</strong> <strong>do</strong> que ocorreu no <strong>direito</strong> romano<br />

clássico, nos <strong>de</strong>senvolvimentos <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s ao <strong>direito</strong> canônico, na história <strong>do</strong><br />

processo civil europeu e <strong>do</strong> brasileiro menos recente, veremos que ainda<br />

hoje a cultura <strong>do</strong> formalismo nos persegue. As Reformas <strong>do</strong> Código <strong>de</strong><br />

Processo Civil brasileiro nasceram <strong>de</strong> <strong>um</strong>a preocupação antiformalista e <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a intenção claramente voltada à <strong>de</strong>formalização, mas muito tempo será<br />

necessário para que se chegue a <strong>um</strong> ponto satisfatório. Muito se fez no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> manter as formas necessárias à garantia das partes, eliminan<strong>do</strong>se<br />

as <strong>de</strong>formações formalistas, mas ainda não se chegou ao espírito <strong>do</strong>s<br />

opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s <strong>por</strong> <strong>um</strong>a cultura formal.<br />

No <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> CPC, no que tange ao recurso Especial e Extraordinário<br />

que <strong>de</strong>veria ser encaminha<strong>do</strong> diretamente em busca <strong>de</strong> dar-se maior celerida<strong>de</strong>,<br />

dificilmente <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser mantida a referida redação, <strong>um</strong>a vez que se encontram<br />

“entulha<strong>do</strong>s” nos containers <strong>do</strong>s <strong>por</strong>ões <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e <strong>do</strong><br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sem previsão <strong>de</strong> julgamento, em <strong>de</strong>corrência da ausência<br />

<strong>de</strong> mínimas condições h<strong>um</strong>anas para que as <strong>de</strong>mandas sejam vencidas pelos<br />

“cavalheiros <strong>de</strong> toga” que compõem os referi<strong>do</strong>s órgãos.<br />

Isso retrata que os “meios” <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s para o processamento <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça estão em sérios apuros frente à realida<strong>de</strong> nua existente, não mais se<br />

revelam adqua<strong>do</strong>s e úteis ante as massivas <strong>de</strong>mandas, que somente po<strong>de</strong>m ser<br />

superadas <strong>por</strong> “meios” mais eficientes e eficazes, tais como as estruturas <strong>de</strong><br />

hipertexto que garantem a captação <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s estrutura<strong>do</strong>s e não<br />

estrutura<strong>do</strong>s, dan<strong>do</strong>-lhes compreensão e or<strong>de</strong>nação. 157 Por essa racionalização<br />

evolutiva sinaliza<strong>do</strong>ra da ruptura <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> oferta<strong>do</strong> pelo sistema Judiciário,<br />

como bem verbaliza<strong>do</strong> <strong>por</strong> Habermas, em semelhantes condições, nem mesmo os<br />

próprios interessa<strong>do</strong>s beneficia<strong>do</strong>s pelo <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> sistema vigente po<strong>de</strong>m barrar a<br />

evolução e o <strong>de</strong>senvolvimento da história.<br />

157<br />

Esclarece Lévy: “Um “manual eletrônico” <strong>de</strong>stinava-se a manter o conjunto <strong>do</strong>s conhecimentos<br />

especiais da comunida<strong>de</strong> atualiza<strong>do</strong> e apresentá-lo <strong>de</strong> maneira coerente. Em qualquer instante, este<br />

manual fornecia a quem o consultasse <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> fotografia <strong>do</strong> saber que o grupo possuía. O<br />

manual, talvez mais <strong>do</strong> que os outros aspectos <strong>do</strong> groupware, tinha <strong>um</strong>a função <strong>de</strong> integração. Em<br />

princípio, o distanciamento intelectual entre os membros da equipe era anula<strong>do</strong>, já que to<strong>do</strong>s seriam<br />

imediatamente informa<strong>do</strong>s assim que alguém tivesse <strong>de</strong>scoberto <strong>um</strong>a nova i<strong>de</strong>ia, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> processo<br />

ou <strong>um</strong>a referência essencial a seus trabalhos. Além disso, os recém-chega<strong>do</strong>s dispunham <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> valor inestimável. Enfim, esta objetivação <strong>do</strong> saber com<strong>um</strong> era concebida<br />

como <strong>um</strong> objeto e <strong>um</strong> tema <strong>de</strong> discussão, já que, segun<strong>do</strong> as palavras <strong>de</strong> Douglas Engelbart: ‘<strong>um</strong>a<br />

comunida<strong>de</strong> ativa estará constantemente envolvida em <strong>um</strong> diálogo a respeito <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu<br />

manual’ (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da<br />

informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 68).”


203<br />

A linguagem <strong>de</strong> programação <strong>de</strong>senvolvida pela Inteligência Artificial está<br />

tecnicamente habilitada para ter em sua plataforma e na interface que engendra<br />

condições <strong>de</strong> captar a estrutura organizacional da socieda<strong>de</strong> que ela irá servir, em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua evolução e com ela o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> técnicas capazes <strong>de</strong><br />

aten<strong>de</strong>r aos <strong>de</strong>talhes com rigor.<br />

Outrossim, alberga habilida<strong>de</strong>s para a resolução das questões existentes e<br />

emergentes, conten<strong>do</strong> ainda mecanismos recursivos hábeis para fazer com que haja<br />

<strong>um</strong>a integrida<strong>de</strong> e <strong>um</strong>a unicida<strong>de</strong> macro das cognições jamais alcançadas pelas<br />

mais sábias das <strong>inteligência</strong>s <strong>de</strong>ntre as da espécie h<strong>um</strong>ana.<br />

O meio tecnológico como méto<strong>do</strong> para mediar o Direito e a Justiça é <strong>um</strong>a via,<br />

<strong>um</strong> “meio” que o Esta<strong>do</strong> tem para <strong>de</strong>sburocratizar a Justiça, para realizá-la com<br />

maior celerida<strong>de</strong>, o que seria o gran<strong>de</strong> e insofismável avanço <strong>do</strong> século XXI.<br />

A jurisdição estatal passaria a ser realizada <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> meios<br />

tecnológicos, aproveitan<strong>do</strong> não somente toda a produção intelectual secularmente<br />

reconhecida, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a torná-la mais eficiente e eficaz, c<strong>um</strong>prin<strong>do</strong>, <strong>por</strong>tanto, com as<br />

esperanças <strong>do</strong> artigo 37, inciso e parágrafos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Embora o ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir ou julgar não seja <strong>um</strong> atributo nem proprieda<strong>de</strong> da<br />

jurisdição, convola-se quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu exercício como bem esclarece Leibman (2004,<br />

p. 96-97) “[...]julgar: são ativida<strong>de</strong>s que <strong>por</strong> si próprias nada têm <strong>de</strong> jurisdicionais e<br />

adquirem esse caráter só <strong>por</strong> serem <strong>um</strong>a premissa necessária para o exercício da<br />

verda<strong>de</strong>ira jurisdição. A or<strong>de</strong>m jurídica ten<strong>de</strong> com a jurisdição ao fim <strong>de</strong> realizar-se<br />

praticamente”.<br />

Da lavra <strong>do</strong> mesmo autor (2004, p.96):<br />

Enten<strong>do</strong> <strong>por</strong> jurisdição a ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> judiciário, <strong>de</strong>stinada a realizar a<br />

<strong>justiça</strong> mediante a aplicação <strong>do</strong> <strong>direito</strong> objetivo às relações h<strong>um</strong>anas<br />

intersubjetivas; no processo <strong>de</strong> cognição, somente a sentença que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> a<br />

li<strong>de</strong> tem plenamente a natureza <strong>de</strong> ato jurisdicional, no senti<strong>do</strong> mais próprio<br />

e restrito.<br />

Isso esclarece e ao mesmo tempo torna mais compreensivo que o <strong>do</strong>gma <strong>de</strong><br />

que seja <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> da jurisdição o ato <strong>de</strong> julgar po<strong>de</strong> ser interpreta<strong>do</strong> em <strong>um</strong><br />

caráter não absoluto, <strong>um</strong>a vez que se po<strong>de</strong> ter a prática <strong>do</strong> mesmo ato, <strong>por</strong> outros<br />

“meios” legais, recepciona<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> Constitucional, ten<strong>do</strong> como fim precípuo o


204<br />

<strong>de</strong> dar c<strong>um</strong>primento à resolução <strong>de</strong> conflitos. 158 Em semelhante cenário, a<br />

Inteligência Artificial começa a <strong>de</strong>marcar <strong>de</strong>ntre as etapas da evolução <strong>do</strong> processo<br />

enquanto estu<strong>do</strong> científico sua im<strong>por</strong>tância e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter <strong>um</strong>a função<br />

estatal para sistematizar, organizar, controlar e julgar, além <strong>de</strong> outras funções ou<br />

atribuições que essa espécie <strong>de</strong> conhecimento po<strong>de</strong> ser requisitada para interce<strong>de</strong>r<br />

junto à jurisdição estatal como também junto aos outros “meios” alternativos para a<br />

resolução <strong>de</strong> conflitos.<br />

É im<strong>por</strong>tante salientar que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da forma estatizada ou não<br />

para a resolução <strong>de</strong> conflitos em que não haja supremacia e entre os mo<strong>de</strong>los, a<br />

escolha <strong>de</strong>ve dar-se pelo jurisdiciona<strong>do</strong>, conforme a natureza e a complexida<strong>de</strong> da<br />

questão em análise, além <strong>de</strong> outros fatores envolvi<strong>do</strong>s.<br />

Isso <strong>de</strong>monstraria não só maturida<strong>de</strong> mas a material evolução da socieda<strong>de</strong><br />

no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ferramentas cada vez mais práticas e hábeis voltadas aos<br />

interesses das causas <strong>de</strong> Direito e da Justiça, respeitan<strong>do</strong> com isso a diferenças e<br />

as diversida<strong>de</strong>s. 159 Essa postura, ou melhor, essa preocupação em aten<strong>de</strong>r às<br />

peculiarida<strong>de</strong>s é <strong>um</strong> sinal que é <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> perio<strong>do</strong> clássico, em que o<br />

processo <strong>passo</strong>u a ser estuda<strong>do</strong> como fenômeno científico para a resolução <strong>de</strong><br />

conflitos.<br />

A atual conjuntura histórica <strong>de</strong>nota que a insuficiência da máquina processual<br />

registrada pela escola processualista encontra-se em rota <strong>de</strong> ruptura, <strong>de</strong>la<br />

emergin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a nova escola, a qual po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> teorização e<br />

meto<strong>do</strong>logização <strong>do</strong>s “meios” tecnológicos para a procedimentalização regulatória<br />

<strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

158<br />

Para Pinto, em prefácio <strong>de</strong> Nalini: “A <strong>de</strong>sjudicialização é <strong>um</strong>a alternativa que precisa ser convertida<br />

em política pública, não para aliviar a carga <strong>de</strong> trabalho cometida ao sistema judicial totalmente<br />

atravanca<strong>do</strong>. O principal é fazer <strong>de</strong> cada pessoa <strong>um</strong> protagonista <strong>de</strong> sua existência, <strong>um</strong> reitor <strong>de</strong> sua<br />

própria conduta, para ajustar-se à conduta civilizada, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação heterônoma <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>-Juiz. Se <strong>um</strong> individuo não sabe resolver questiúnculas, mas prefere submetê-las ao judiciário,<br />

muito menos saberá participar da gestão da coisa pública e implementar, no Brasil, a prometida<br />

Democracia Participativa, aceno <strong>do</strong> Constituinte <strong>de</strong> 1988 (PINTO, Eduar<strong>do</strong> Vera Cruz. O futuro da<br />

<strong>justiça</strong>. São Paulo: Ed. IASP, 2015, p. 9).”<br />

159<br />

Para Peluso: “Dos resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s no Brasil, concluiu-se que não há como im<strong>por</strong> <strong>um</strong> único<br />

procedimento autocompositivo em to<strong>do</strong> o território nacional ante relevantes diferenças nas realida<strong>de</strong>s<br />

fáticas (fattispecie) em razão das quais foram elaboradas. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> núcleos e centros <strong>de</strong><br />

resolução <strong>de</strong> conflitos buscou apenas criar a estrutura básica para que cada tribunal possa<br />

<strong>de</strong>senvolver seu sistema pluriprocessual <strong>de</strong> forma mais consoante com sua realida<strong>de</strong> (PELUSO,<br />

Antonio Cezar; RICHA, Morgana <strong>de</strong> Almeida (Org). Conciliação e mediação: estruturação da política<br />

judiciária nacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2011, p. 22).”


205<br />

A técnica cognitiva, a tecnologia, apresenta-se como “meios” <strong>de</strong> condução<br />

mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s para promover a efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direto e da<br />

Justiça, através <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo que seja <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> via sistema tecnológico <strong>de</strong><br />

informação em <strong>um</strong>a linguagem <strong>de</strong> programação que absorva, com as técnicas<br />

processuais, a condução <strong>do</strong> Direito material.<br />

Essa nova geração há <strong>de</strong> estabelecer <strong>um</strong>a nova pauta para o Direito e para a<br />

Justiça, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a base <strong>de</strong> conhecimento, <strong>de</strong> conceitos, princípios, regras e<br />

postula<strong>do</strong>s ainda não vistos.<br />

É <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> em que a tecnologia passa a pre<strong>do</strong>minar e a reescrever e a<br />

escrever suas bases cognitivas à luz <strong>de</strong> <strong>um</strong>a caneta sem tinta e <strong>um</strong>a reprodução<br />

sem impressão e sem papel.<br />

Surge, assim, <strong>um</strong>a nova geração que caminha para <strong>um</strong>a acessibilida<strong>de</strong><br />

participativa <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações jurídicas viabilizada pela seara da Inteligência<br />

Artificial, fomentan<strong>do</strong>, com isso, o c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong>s preceitos estabeleci<strong>do</strong>s na carta<br />

política Constitucional já outrora plamasda pela discutida ban<strong>de</strong>ira da acessibida<strong>de</strong><br />

da Justiça.<br />

Essa é <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> discutida nos basti<strong>do</strong>res, pois a uniformização <strong>do</strong><br />

sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões em que se retratam causas com a mesma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> fática e<br />

que converge para <strong>um</strong>a mesma tese <strong>de</strong> Direito, já balizada no CPC <strong>de</strong> 73 e em<br />

ininterruptas reformas bem como no atual CPC <strong>de</strong> 2015 <strong>de</strong> forma expressa pelo<br />

instituto (IIRDR) Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva.<br />

A polinização <strong>do</strong> Direito como mecanismo <strong>de</strong> integração, universalização<br />

representa <strong>um</strong>a alavanca arquimediana para a remoção <strong>do</strong>s obstáculos que<br />

assombram a Justiça brasileira, que exige <strong>um</strong>a proativida<strong>de</strong> resolutiva incisiva e<br />

concreta, realizan<strong>do</strong> a abertura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> processual pátrio para que o intercâmbio<br />

cultural não sirva somente para a troca <strong>de</strong> “mimos”, mas <strong>de</strong> experiências concretas<br />

em dimensão contínua e participativa. 160 Essa miscigenação, ainda que seja lenta e<br />

160<br />

Segun<strong>do</strong> Dinamarco, “Tal é a fórmula, <strong>por</strong> enquanto necessariamente vaga, <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como<br />

convém ser processada a troca <strong>de</strong> influências entre as or<strong>de</strong>ns jurídicas <strong>de</strong> países integra<strong>do</strong>s em <strong>um</strong>a<br />

comunida<strong>de</strong>, como o Mercosul, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a eficiente cooperação processual internacional<br />

para atingir seus objetivos econômicos. Para esse fim o Código Mo<strong>de</strong>lo é <strong>um</strong> legítimo e útil repositório<br />

<strong>de</strong> sugestões sobre os mo<strong>do</strong>s como cada país e to<strong>do</strong>s em conjunto po<strong>de</strong>m afeiçoar seus sistemas<br />

processuais com vista à crescente cooperação entre os integrantes <strong>do</strong> bloco latino-americano. Ainda<br />

é muito tênue a coesão entre esses países (compare-se com a que existe entre os integrantes da<br />

Comunida<strong>de</strong> Europeia) e, <strong>por</strong>tanto, seriam prematuros e precipta<strong>do</strong>s quaisquer prognósticos ou<br />

proposições muito concretas que no presente momento histórico se quiserem adiantar (DINAMARCO,<br />

Cândi<strong>do</strong> Rangel. Fundamentos <strong>do</strong> processo civil mo<strong>de</strong>rno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1,<br />

p. 133).”


206<br />

esbarre em vários aspectos, tais como cultura, idioma, política, educação <strong>de</strong>ntre<br />

outros que refletem diretamente no aspecto <strong>do</strong> Direito e da Justiça não se limita<br />

somente a seu Esta<strong>do</strong>, mas que <strong>de</strong>ve iniciar <strong>um</strong> diálogo para harmonizar-se.<br />

As mudanças são inevitáveis, sob pena <strong>de</strong> se implantar certo retrocesso. A<br />

Inteligência Artificial tem <strong>de</strong>staque em países como os EUA <strong>por</strong>que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

adventos mais remotos, acreditaram e investiram, pesadamente na formação <strong>de</strong><br />

base e nos estu<strong>do</strong>s científicos em busca das novas <strong>de</strong>scobertas, inclusive<br />

promoven<strong>do</strong> experiências das ciências cognitivas em geral e em espécie.<br />

É o que retrada Pino Estrada em artigo intitula<strong>do</strong> “A criação <strong>do</strong> Direito pela<br />

Inteligência Artificial”. 161<br />

Então, ao fazer previsões, a <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> estaria crian<strong>do</strong> <strong>um</strong>a<br />

jurisprudência futura? Afinal, estaria preven<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> Tribunais<br />

Superiores, ou seja, também para on<strong>de</strong> o Direito estaria caminhan<strong>do</strong>? Mas,<br />

será que o Direito já está no caminho em que sentenças, acórdãos e outras<br />

<strong>de</strong>cisões sejam cria<strong>do</strong>s pela <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong>? Será que, aos poucos,<br />

estar-se-ia <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> a interpretação das leis para o algoritmo? As pesquisas<br />

estão in<strong>do</strong> para <strong>um</strong>a resposta afirmativa.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, salienta-se que, usan<strong>do</strong> a <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong>, já é possível<br />

a criação <strong>de</strong> leis, encontrar violações <strong>de</strong> contratos comerciais e trabalhistas,<br />

<strong>de</strong>ntre outros, assim como frau<strong>de</strong>s eleitorais, ou seja, também <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser<br />

muito útil para o legisla<strong>do</strong>r, crian<strong>do</strong> leis mais eficientes conforme as<br />

necessida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> ten<strong>do</strong> <strong>por</strong> base os da<strong>do</strong>s que filtrar, mas<br />

ressaltan<strong>do</strong> que a <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e já apren<strong>de</strong> sozinha,<br />

ou seja, não precisa <strong>do</strong> homem para carregar e filtrar os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s<br />

na Internet, normalmente nos sites oficiais <strong>do</strong>s governos e, assim, fornecer<br />

resulta<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>morariam semanas <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate no Congresso Nacional, <strong>por</strong><br />

exemplo.<br />

Neste caso, então, o legisla<strong>do</strong>r passaria a sua tarefa legislativa para <strong>um</strong>a<br />

máquina inteligente e autônoma. Consequentemente, n<strong>um</strong> futuro breve,<br />

Juízes, Desembarga<strong>do</strong>res, Ministros e legisla<strong>do</strong>res serão substituí<strong>do</strong>s <strong>por</strong><br />

máquinas com <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong>, inclusive, até os <strong>de</strong>bates intermináveis<br />

no Congresso Nacional pelo uso <strong>de</strong>stas (máquinas com <strong>inteligência</strong><br />

<strong>artificial</strong>) terminarão em segun<strong>do</strong>s. Res<strong>um</strong>in<strong>do</strong>, o algoritmo usa<strong>do</strong> pela<br />

<strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser mais justo em comparação a <strong>um</strong> magistra<strong>do</strong><br />

e que o próprio parlamento nacional e, assim, permitiria a criação <strong>de</strong> leis<br />

mais justas e necessárias para o <strong>de</strong>senvolvimento local.<br />

O Estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> pelo pesquisa<strong>do</strong>r Pino Estrada teve como base ciência<br />

<strong>um</strong>a pesquisa realizada em outubro <strong>de</strong> 2014 sobre o uso da Inteligência Artificial<br />

161<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 23 <strong>de</strong>z. 2015.


207<br />

como meio para a previsão <strong>do</strong>s julgamentos das cortes americanas. 162 E<br />

complementa a linha <strong>de</strong> pesquisa EUA o artigo <strong>de</strong> autoria Martin Katz e outros<br />

retratan<strong>do</strong> “Predicting The Behavior of Supreme Court of the United States: A<br />

General Approach”. Preven<strong>do</strong> o com<strong>por</strong>tamento da Corte Norte-América: Uma<br />

Abordagem Geral. 163 No aspecto jurídico, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s “meios” e da dinâmica<br />

162<br />

Cf.: .<br />

Acesso em: 23 <strong>de</strong>z. 2015. “Artificial Intelligence and Predicting<br />

Supreme Court Outcomes. In a recent post over at Concurring Opinions, Harry Sur<strong>de</strong>n (Colora<strong>do</strong>)<br />

conclu<strong>de</strong>s with the following prediction: "In the not too distant future, such data-driven approaches to<br />

engaging in legal prediction are likely to become more common within law. Outsi<strong>de</strong> of law, data<br />

analytics and machine-learning have been transforming industries ranging from medicine to finance,<br />

and it is unlikely that law will remain as comparatively untouched by such sweeping changes as it<br />

remains today." / If Sur<strong>de</strong>n is even partially correct we should expect to see data increasingly pressed<br />

into the service of a more sophisticated legal outcomes "prediction" business. Of course, the Katz,<br />

Bommarito, and Blackman paper's claim (discussed in Sur<strong>de</strong>n's post) for a 70.9% successful<br />

prediction rate needs to be placed into some context. Specifically, as many law profs and appellate<br />

litigators instinctively already know, simply by predicting a reversal one can correctly predict the<br />

outcome of a Supreme Court case with approximately 56-73% accuracy (for an exten<strong>de</strong>d discussion,<br />

click here). While a 70.9% prediction rate is im<strong>por</strong>tant, when it comes to Supreme Court cases the<br />

correct baseline is not a Priest-Klein 50%.”<br />

Tradução: “Inteligência Artificial e preven<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> da Suprema Corte. Em <strong>um</strong> post recente sobre a<br />

Concordante Opiniões, Harry Sur<strong>de</strong>n (Colora<strong>do</strong>) conclui com a seguinte previsão: "No futuro não<br />

muito distante, as ordagens <strong>de</strong>sses da<strong>do</strong>s orienta<strong>do</strong> a engajar-se em previsão legal ten<strong>de</strong>m a se<br />

tornar mais comuns <strong>de</strong>ntro da lei Fora da lei. , análise <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> máquina ter<br />

si<strong>do</strong> indústrias que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a medicina para financiar a transformação, e é improvável que a lei vai<br />

permanecer como relativamente intoca<strong>do</strong> <strong>por</strong> tais mudanças radicais como permanece até hoje. / Se<br />

Sur<strong>de</strong>n é ainda parcialmente correta, <strong>de</strong>vemos esperar para ver os da<strong>do</strong>s cada vez mais<br />

pressiona<strong>do</strong>s em serviço <strong>de</strong> <strong>um</strong>a resulta<strong>do</strong>s legais "previsão" negócio mais sofistica<strong>do</strong>. Claro, a<br />

alegação <strong>do</strong> papel Katz, Bommarito, e Blackman (discuti<strong>do</strong> no post <strong>de</strong> Sur<strong>de</strong>n) para <strong>um</strong>a taxa <strong>de</strong><br />

sucesso <strong>de</strong> 70,9% previsão precisa ser coloca<strong>do</strong> em alg<strong>um</strong> contexto. Especificamente, como muitos<br />

profs <strong>de</strong> advoga<strong>do</strong>s e litigantes <strong>de</strong> apelação instintivamente já sabem, simplesmente, preven<strong>do</strong> <strong>um</strong>a<br />

reversão é possível prever corretamente o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> caso da Suprema Corte com cerca <strong>de</strong> 56-<br />

73% <strong>de</strong> precisão (para <strong>um</strong>a discussão alargada, clique aqui). Enquanto <strong>um</strong>a taxa <strong>de</strong> 70,9% previsão<br />

é im<strong>por</strong>tante, quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> casos da Suprema Corte da linha <strong>de</strong> base correto não é <strong>um</strong> Priest-<br />

Klein 50%.”<br />

163<br />

“Building upon <strong>de</strong>velopments in theoretical and applied machine learning, as well as the efforts of<br />

various scholars including Guimer`a and Sales-Par<strong>do</strong> (2011), Ruger et al. (2004), and Martin et al.<br />

(2004), we construct a mo<strong>de</strong>l <strong>de</strong>signed to predict the voting behavior of the Supreme Court of the<br />

United States. Using the extremely ran<strong>do</strong>mized tree method first proposed in Geurts, et al. (2006), a<br />

method similar to the ran<strong>do</strong>m forest approach <strong>de</strong>veloped in Breiman (2001), as well as novel feature<br />

engineering, we predict more than sixty years of <strong>de</strong>cisions by the Supreme Court of the United States<br />

(1953-2013). Using only data available prior to the date of <strong>de</strong>cision, our mo<strong>de</strong>l correctly i<strong>de</strong>ntifies<br />

69.7% of the Court’s overall affirm / reverse <strong>de</strong>cisions and correctly forecasts 70.9% of the votes of<br />

individual justices across 7,700 cases and more than 68,000 justice votes. Our performance is<br />

consistent with the general level of prediction offered by prior scholars. However, our mo<strong>de</strong>l is<br />

distinctive as it is the first robust, generalized, and fully predictive mo<strong>de</strong>l of Supreme Court voting<br />

behavior offered to date. Our mo<strong>de</strong>l predicts six <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s of behavior of thirty Justices appointed by<br />

thirteen Presi<strong>de</strong>nts. With a more sound metho<strong>do</strong>logical foundation, our results represent a major<br />

advance for the science of quantitative legal prediction and <strong>por</strong>tend a range of other potential<br />

applications, such as those <strong>de</strong>scribed in Katz (2013)”.<br />

Tradução: “Basean<strong>do</strong>-se o <strong>de</strong>senvolvimento da aprendizagem teórica e a aplicada máquina, bem<br />

como os esforços <strong>do</strong>s vários estudiosos incluin<strong>do</strong> Guimer`a e Vendas-Par<strong>do</strong> (2011), Ruger et al.<br />

(2004), e Martin et al. (2004), construir <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo projeta<strong>do</strong> para prever o com<strong>por</strong>tamento eleitoral <strong>do</strong><br />

Supremo Tribunal <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. Usan<strong>do</strong> o méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> árvore extremamente ran<strong>do</strong>miza<strong>do</strong>


208<br />

judiciária utiliza<strong>do</strong>s pela família da common law tem atraí<strong>do</strong> os segui<strong>do</strong>res da civil<br />

law. Essa tendência natural que move as culturas a se aproximarem tem legitima<strong>do</strong><br />

o velho e bom adágio <strong>de</strong> que “juntos somos mais fortes”, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> com isso<br />

que a cooperação e a colaboração são instr<strong>um</strong>entos pedagógicos que fazem <strong>um</strong>a<br />

diferença positiva ímpar no processo <strong>de</strong> evolução das culturas. 164 Acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, a<br />

nova processualística brasileira passa a realizar <strong>um</strong>a apologia da verda<strong>de</strong> da<br />

concepção clássica aristotélica, ou seja, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a simbiose a<strong>de</strong>siva entre a palavra e<br />

a coisa ou realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrita, para a objetivida<strong>de</strong>, simplificação e para unida<strong>de</strong><br />

compreensiva totalizante das i<strong>de</strong>ias, que sinteticamente significa dizer: a dispensa<br />

<strong>por</strong> <strong>um</strong>a cansativa e <strong>de</strong>snecessária conjugação <strong>de</strong> elementos para se buscar<br />

compreen<strong>de</strong>r o significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a palavra ou frase na orla da linguagem<br />

especializada <strong>do</strong> Direito e da Justiça. Nessa perspectiva, corrobora a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

Guerra Filho (2007, p. 44-45):<br />

Primeiramente, lembremos que há, na mais recente <strong>do</strong>utrina italiana,<br />

posição sobre a natureza jurídica <strong>do</strong> processo, <strong>de</strong>senvolvida pelos<br />

professores da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma, N. Picardi e E. Fazzalari, com apoio<br />

proposto pela primeira vez em Geurts, et ai. (2006), <strong>um</strong> méto<strong>do</strong> semelhante ao a abordagem aleatória<br />

floresta <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> em Breiman (2001), bem como <strong>um</strong> <strong>novo</strong> recurso <strong>de</strong> engenharia, prevemos mais<br />

<strong>de</strong> sessenta anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões da Suprema Corte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s (1953-2013). Usan<strong>do</strong> apenas<br />

da<strong>do</strong>s disponíveis antes da data da <strong>de</strong>cisão, o nosso mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>ntifica corretamente 69,7% das<br />

afirmar global <strong>do</strong> Tribunal / Reverter <strong>de</strong>cisões e prevê corretamente 70,9% <strong>do</strong>s votos <strong>do</strong>s juízes<br />

individuais através <strong>de</strong> 7.700 casos e mais <strong>de</strong> 68.000 <strong>justiça</strong> votos. Nosso <strong>de</strong>sempenho é consistente<br />

com o nível geral <strong>de</strong> previsão ofereci<strong>do</strong> pelos estudiosos anteriores. No entanto, o nosso mo<strong>de</strong>lo é<br />

distinto, <strong>um</strong>a vez que é o primeiro robusta, generalizada, e totalmente mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> previsão <strong>do</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento <strong>de</strong> voto Supremo Tribunal ofereci<strong>do</strong> a data. Nosso mo<strong>de</strong>lo prevê seis décadas <strong>do</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento <strong>de</strong> trinta juízes nomea<strong>do</strong>s <strong>por</strong> treze Presi<strong>de</strong>ntes. Com <strong>um</strong> som mais meto<strong>do</strong>lógica<br />

fundação, nossos resulta<strong>do</strong>s representam <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> avanço para a ciência da previsão legal<br />

quantitativa e predição legal e <strong>um</strong>a gama <strong>de</strong> outras aplicações potenciais, tais como os <strong>de</strong>scritos em<br />

Katz (2013 )”.<br />

164<br />

Dinamarco <strong>de</strong>staca: “A primeira <strong>de</strong>ssas tendências é a absorção <strong>de</strong> maiores conhecimentos e<br />

mais institutos inerentes ao sistema da common law. Plasma<strong>do</strong>s na cultura europeia-continental<br />

segun<strong>do</strong> os institutos e os <strong>do</strong>gmas hauri<strong>do</strong>s primeiramente pelas lições <strong>do</strong>s processualistas ibéricos<br />

mais antigos e <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>s italianos e alemães, os processualistas latino-americanos vão se<br />

conscientizan<strong>do</strong> da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar novas luzes e novas soluções em sistemas processuais<br />

que <strong>de</strong>sconhecem ou minimizam os <strong>do</strong>gmas e se pautam pelo pragmatismo <strong>de</strong> outros conceitos e<br />

outras estruturas. O interesse pela cultura processualística <strong>do</strong>s países da common law foi inclusive<br />

estima<strong>do</strong> <strong>por</strong> estudiosos italianos que, como Mauro Capelletti e Michele Taruffo, <strong>de</strong>senvolveram<br />

intensa cooperação com universida<strong>de</strong>s norte-americanas. Os congressos internacionais patrocina<strong>do</strong>s<br />

pela Associação Internacional <strong>de</strong> Direito Processual contam com a participação <strong>de</strong> processualistas <strong>de</strong><br />

toda origem, e isso vem quebran<strong>do</strong> as barreiras existentes entre duas ou mais famílias jurídicas,<br />

antes havidas como intransponíveis. Ainda há o que apren<strong>de</strong>r da experiência norte-americana das<br />

class-actions, das aplicações da cláusula due process of law, <strong>do</strong> contempt of court <strong>de</strong> muitas<br />

soluções <strong>de</strong> common law ainda praticamente <strong>de</strong>sconhecidas aos nossos estudiosos <strong>–</strong> mas que é<br />

previsível que os estu<strong>do</strong>s agora en<strong>de</strong>reça<strong>do</strong>s às obras jurídicas da América <strong>do</strong> Norte conduzam à<br />

absorção <strong>de</strong> outros institutos ((DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Fundamentos <strong>do</strong> processo civil<br />

mo<strong>de</strong>rno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 138)”.


209<br />

da <strong>do</strong>utrina administrativista <strong>de</strong> seu país, segun<strong>do</strong> a qual o processo nada<br />

mais seria que <strong>um</strong> procedimento caracteriza<strong>do</strong> pela presença <strong>do</strong><br />

contraditório, isto é, no qual necessariamente <strong>de</strong>ve-se buscar a participação<br />

daqueles cuja esfera jurídica po<strong>de</strong> vir a ser atingida pelo ato final <strong>de</strong>sse<br />

procedimento.<br />

A simplicida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trato com o processo, ou seja, a forma simplificada e<br />

<strong>de</strong>scomplicada conduz à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> programá-lo <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

linguagem tecnológica (plataforma e interface), garantin<strong>do</strong> <strong>por</strong> tal procedimento a<br />

participação <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s.<br />

Como bem esclarece Liebman (2004, p. 86), “As partes são soberanas na<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> submeter ou não ao julgamento da autorida<strong>de</strong> judiciária o conflito <strong>de</strong><br />

interesses que surgiu entre elas, e assim também po<strong>de</strong>m submeter-lhe só <strong>um</strong>a parte<br />

<strong>de</strong>sse conflito”.<br />

Em qualquer contexto <strong>de</strong> gestão processual, o respeito, as regras são fatores<br />

elementares. Em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a plataforma tecnológica, a certeza da<br />

estabilida<strong>de</strong> está estabelecida pela precisão <strong>de</strong> sua programação, com parâmetros<br />

em leis que regulem o sistema <strong>de</strong> processo digital segun<strong>do</strong> <strong>um</strong>a teoria e <strong>um</strong>a<br />

meto<strong>do</strong>logia pre<strong>de</strong>finida.<br />

Também se tem <strong>um</strong>a vantagem pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecerem<br />

sistemas paralelos <strong>de</strong> redundância, para que não haja recuo nos aspectos<br />

quantitativos e qualitativos. To<strong>do</strong>s esses fatores <strong>de</strong>vem estar estereotipa<strong>do</strong>s a partir<br />

<strong>de</strong> lei, para que haja segurança e credibilida<strong>de</strong> com relação à fonte nortea<strong>do</strong>ra que<br />

<strong>de</strong>ve dar todas as diretrizes para a programação <strong>do</strong> sistema e seu funcionamento. 165<br />

A validação das etapas fortifica o c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong> cada etapa processual <strong>de</strong> forma<br />

linear e direta, tais como pressupostos, legitimida<strong>de</strong>, representação, capacida<strong>de</strong>,<br />

custas, competência, suspeição, impedimento, listipendência, pacto arbitral,<br />

perempção, prescrição, <strong>de</strong>cadência, garantias que são pressupostos initio litis, mas<br />

que po<strong>de</strong>m ser objeto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> ex-officio <strong>do</strong> próprio sistema ou <strong>por</strong><br />

165<br />

Para Liebman: “A lei estabelece, <strong>por</strong>ém, alg<strong>um</strong>as regras, cuja observância é necessária para que<br />

o processo se realize com as <strong>de</strong>vidas garantias <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong>, eficiência, or<strong>de</strong>m, respeito ao<br />

<strong>direito</strong> <strong>do</strong>s terceiros e assim <strong>por</strong> diante. A observância <strong>de</strong>ssas regras produz a impossibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

julgamento da controvérsia. Po<strong>de</strong>mos dizer, em geral, que o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser formula<strong>do</strong> pelo autor <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> ao conflito existente entre as partes, e que o processo <strong>de</strong>ve ser <strong>por</strong> sua vez<br />

instaura<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a ser a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> ao conflito existente entre as partes; <strong>por</strong> ultimo, o processo <strong>de</strong>ve<br />

ser proposto e conduzi<strong>do</strong> com a observância <strong>de</strong> <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> caráter formal que condiciona<br />

sua valida<strong>de</strong> e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estu<strong>do</strong>s sobre o<br />

processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004, p. 92).”


210<br />

informação das partes inci<strong>de</strong>nt<strong>um</strong> litis, bem como as condições <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong><br />

da ação (possibilida<strong>de</strong> jurídica <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>, interesse processual e legitimação).<br />

Observa-se ainda que, para os fins <strong>de</strong>sta análise, não se <strong>de</strong>stacou se os<br />

pressupostos ou as condições <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong> são <strong>de</strong> mérito ou não. O sistema<br />

<strong>de</strong>ve operar sobre o princípio da verda<strong>de</strong> real, em que o erro, a falha ou o equívoco<br />

<strong>de</strong>vem ser justifica<strong>do</strong>s junto ao sistema o qual com<strong>por</strong>ta regras e exceções.<br />

Isso significa que aquilo noticia<strong>do</strong> quanto à dinâmica e à performance <strong>de</strong><br />

funcionamento po<strong>de</strong> ser realiza<strong>do</strong> pelos meios tecnológicos programa<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong><br />

regras, diretrizes, procedimentos, autorizações, retificações e prazos,<br />

compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> todas as formalida<strong>de</strong>s formais e materiais em simetria com a Lei<br />

Maior em sua amplitu<strong>de</strong> horizontal e vertical.<br />

É cediço que a espécie h<strong>um</strong>ana habita o reino da imperfeição e <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo.<br />

Sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se aprofundar em seus reais motivos, a liberda<strong>de</strong> social<br />

muitas vezes i<strong>de</strong>ntifica a germinação <strong>do</strong>s conflitos e disso se revela justa a<br />

existência <strong>de</strong> regras e <strong>de</strong> sanção em qualquer ambiente em que haja o conflito <strong>de</strong><br />

interesses com as lutas entre as partes que quase sempre estão a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>um</strong><br />

interesse com outro interesse, salvo as normas <strong>de</strong> mera orientação que prescin<strong>de</strong><br />

sanção.<br />

Por isso, a coor<strong>de</strong>nação e a metologização <strong>do</strong> sistema processual lastreadas<br />

a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a teorização da Inteligência Artificial <strong>de</strong>vem retirar <strong>por</strong> completo a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> arbítrio <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> prevelecer não mais a razão <strong>de</strong><br />

cada <strong>um</strong> <strong>de</strong>les, que acha ter a melhor razão.<br />

Mas <strong>de</strong>ve-se possibilitar que a razão das regras pre<strong>de</strong>finidas nos princípios e<br />

regras <strong>de</strong> Direito em todas as suas hierarquias, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as <strong>de</strong>mais fontes <strong>do</strong><br />

Direito e sua compreensão nacional, possa refletir no sistema <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça pelos “meios” tecnológicos.<br />

Semelhante estrutura <strong>de</strong>ve estar conjugada a priori pela estabilização <strong>de</strong><br />

causas cujo objeto já tenha <strong>um</strong> prece<strong>de</strong>nte e que, a partir <strong>do</strong> caso, seja com base<br />

em todas as informações e da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>senvolvida a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a matriz <strong>de</strong> caso para<br />

que se possa obter <strong>um</strong>a estrutura processual idêntica em a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> critérios<br />

variáveis, proprieda<strong>de</strong>s que representem a relação entre Direito e Justiça tida como<br />

mo<strong>de</strong>lo vinculativo vertical. Já retratava Liebman (2004, p. 76):


211<br />

Vários legisla<strong>do</strong>res mais recentes enten<strong>de</strong>ram, todavia, que <strong>de</strong>ixar ao<br />

arbitrío das partes o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> dar forma e movimento ao processo significa<br />

favorecer a chincana e contrariar a economia processual, <strong>por</strong>que leva<br />

frequentemente a realizar ativida<strong>de</strong>s instrutórias longas e custosas que<br />

<strong>de</strong>pois são atingidas pela anulação <strong>do</strong> processo.<br />

Os “meios” tecnológicos como méto<strong>do</strong> para se convolarem as ações h<strong>um</strong>anas<br />

em ações programadas <strong>por</strong> outra espécie <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> apresentam-se aptos a<br />

alcançar resulta<strong>do</strong>s positivos além das fronteiras.<br />

Enfim, a tecnologização <strong>do</strong> sistema judiciário, para além <strong>do</strong> mero uso <strong>do</strong><br />

sistema para o trans<strong>por</strong>te <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações, garante a soberania <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

Direito como <strong>um</strong> to<strong>do</strong>, no espectro <strong>do</strong> Direito Processual, para a materialização <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> sistema processual Constitucional unifica<strong>do</strong> e integra<strong>do</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que <strong>um</strong> <strong>do</strong>s<br />

principais problemas na curva da evolução Constitucional seja efetivamente<br />

corrigi<strong>do</strong>. Que <strong>do</strong> acesso à Justiça, se entenda e compreenda como quaisquer<br />

“meios”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que garantam os Direitos e Garantias Fundamentais.<br />

Para que isso aconteça, é essencial que se solidifique <strong>um</strong>a política judiciária<br />

vocacionada a compreen<strong>de</strong>r e enten<strong>de</strong>r os problemas e ativamente realizar ações<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r ao sistema judiciário em to<strong>do</strong>s os aspectos que forem<br />

necessários.<br />

As resistências são as recorrentes e já conhecidas, a saber, as retratadas<br />

quan<strong>do</strong> da edição da súmula vinculante insculpida no artigo 103-3 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> que haveria pela referida técnica processual das súmulas a<br />

institucionalização da ditadura <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário ou a Violação da In<strong>de</strong>pendência<br />

Funcional.<br />

Data máxima vênia aos seres “da fala” e aos <strong>de</strong> “toga”: como vencer a<br />

invencível <strong>de</strong>mora e a insegurança jurídica senão pelo sacrifício das individualida<strong>de</strong>s<br />

que, <strong>por</strong> vezes, esbarram nos interesses pessoais mais legítimos em prol da<br />

coletivida<strong>de</strong>? Há que consi<strong>de</strong>rar sem dúvida as preocupações, as críticas e as<br />

contribuições, mas não se po<strong>de</strong> interromper o progresso. 166 A mesma preocupação<br />

se traslada ao (IIRDR) quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> firmamento da tese e sua replicação como<br />

166<br />

Carneiro: “Parece-nos, assim, que a gran<strong>de</strong> discussão sobre o tema não resi<strong>de</strong> necessariamente<br />

no fato <strong>de</strong> se permitir ou não a a<strong>do</strong>ção das chamadas súmulas vinculantes, mas sim em se pensar<br />

critérios e formas que o or<strong>de</strong>namento <strong>de</strong>verá prever para a revisão das mesmas bem como os<br />

mecanismos que o advoga<strong>do</strong> terá para <strong>de</strong>monstrar que o caso prático em que milita não se enquadra<br />

perfeitamente na hipótese abstratamente súmula. Esse, a nosso mo<strong>de</strong>stíssimo ver, o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio<br />

quan<strong>do</strong> se fala em súmula vinculante (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases<br />

científicas para <strong>um</strong> renova<strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual. 2. ed. Salva<strong>do</strong>r: Jus Podi<strong>um</strong>, 2009, p. 784).”


212<br />

prece<strong>de</strong>nte, como já comenta<strong>do</strong> no capítulo 17.4: a problemática <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte é<br />

que tem como fundamento a matéria <strong>de</strong> Direito, <strong>por</strong>ém, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a exaustiva<br />

discussão sobre o caso para <strong>de</strong>finição da tese <strong>de</strong> Direito, é possível <strong>do</strong> caso extrair<br />

to<strong>do</strong>s os pressupostos fáticos daquele caso para a firmação da tese <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte.<br />

Com a extração <strong>de</strong>sses elementos que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito, é possível <strong>de</strong>senvolver <strong>um</strong>a matriz <strong>de</strong><br />

caso <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte em linguagem tecnológica. Isso afastaria o temor ou a<br />

preocupação externalizada pelo sau<strong>do</strong>so jurista Athos <strong>de</strong> Gusmão Carneiro, <strong>por</strong>que<br />

o sistema a cada <strong>novo</strong> caso iria ler e conciliar, verifican<strong>do</strong> a existência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte ou não, com isso vinculan<strong>do</strong> ou não ao prece<strong>de</strong>nte.<br />

Outras questões pertinentes e que a tecnologia po<strong>de</strong> resolver é que, a partir<br />

da matriz <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>nte, os <strong>novo</strong>s casos que preencherem a regra matriz<br />

automaticamente seriam vincula<strong>do</strong>s ao prece<strong>de</strong>nte, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ainda contar o sistema<br />

com filtro para as questões que se encontram na fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição da tese com seu<br />

firmamento para a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte.<br />

Em tal hipótese, também <strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam ser suspensos to<strong>do</strong>s os casos que<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> julgamento <strong>do</strong> caso avoca<strong>do</strong> para <strong>de</strong>finição da tese como <strong>de</strong>fine o<br />

<strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> CPC.<br />

É preciso dar mais <strong>um</strong> <strong>passo</strong> com maturida<strong>de</strong> e responsabilida<strong>de</strong> seguro no<br />

caja<strong>do</strong> da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, avançar firme, e diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> instituto como o<br />

da Instauração <strong>do</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução Repetitiva recebê-lo como <strong>um</strong>a técnica<br />

processual para fazer dar certo <strong>de</strong> forma plena os problemas até então não<br />

supera<strong>do</strong>s pela Justiça.<br />

Para isso é essencial que a Inteligência Artificial possa ser <strong>um</strong>a técnica<br />

cognitiva <strong>de</strong>cisiva em si e como “meio” para consolidar o Direito Processual<br />

Constitucional em unicida<strong>de</strong>, integrida<strong>de</strong>, uniformida<strong>de</strong>, sistematização,<br />

centralização e padronização, converten<strong>do</strong> o Direito e Justiça em serviços <strong>de</strong> fácil<br />

acesso, a custos baixos, simplifica<strong>do</strong>s, previsíveis, rápi<strong>do</strong>s e seguros. Como<br />

esclarece Deleuze (2013, p. 33):


213<br />

Tu<strong>do</strong> passa a ser referi<strong>do</strong>, <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, à letra. É a própria lei da<br />

sobrecodificação <strong>de</strong>spótica. Nossa hipótese é a seguinte: o signo <strong>do</strong><br />

gran<strong>de</strong> Déspota (a ida<strong>de</strong> da escrita), ao retirar-se, teria <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>um</strong>a praia<br />

<strong>de</strong>componível em elementos mínimos com relações regradas entre eles. Tal<br />

hipótese pelo menos dá conta <strong>do</strong> caráter tirânico, terrorista e castra<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

significante. É <strong>um</strong> enorme arcaísmo, que remente aos gran<strong>de</strong>s impérios.<br />

Nem sequer temos certeza que o significante funcione para a linguagem.<br />

Foi <strong>por</strong> essa razão que recorremos a Hjelmslev: já há muito tempo ele fez<br />

<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> teoria espinosista da linguagem, on<strong>de</strong> os fluxos, <strong>de</strong><br />

conteú<strong>do</strong> e <strong>de</strong> expressão, prescin<strong>de</strong>m <strong>de</strong> significante. A linguagem como<br />

sistema <strong>de</strong> fluxos contínuos <strong>de</strong> expressão, recorta<strong>do</strong> <strong>por</strong> agenciamentos<br />

maquímicos <strong>de</strong> figuras discretas e <strong>de</strong>scontínuas. O que não <strong>de</strong>senvolvemos<br />

neste livro foi <strong>um</strong>a concepção <strong>do</strong>s agentes coletivos <strong>de</strong> enunciação, que<br />

preten<strong>de</strong>ria ultrapassar o corte sujeito <strong>de</strong> enunciação e sujeito <strong>do</strong><br />

enuncia<strong>do</strong>. Somos puramente funcionalistas: o que interessa é como<br />

alg<strong>um</strong>a coisa ainda, funciona, qual é a máquina. Ora, o significante ainda<br />

pertence ao <strong>do</strong>mínio da questão “o que isso quer dizer”?, é esta questão<br />

mesma enquanto questão interdita. Mas para nós o inconsciente não quer<br />

dizer nada, a linguagem tampouco.


214<br />

9 ASPECTOS ESTRUTURAIS DA VERDADE<br />

9.1 O estatuto da verda<strong>de</strong>, seu tratamento histórico jurídico na validação <strong>do</strong> Direito e<br />

da Justiça e as lógicas relacionadas<br />

Tratar da verda<strong>de</strong> é comprometer-se com <strong>um</strong>a busca incessante pela sua<br />

<strong>de</strong>scoberta e pelos méto<strong>do</strong>s teóricos-condicionantes que pro<strong>por</strong>cionam a justificação<br />

ou a satisfação, para validação <strong>de</strong> seu estatuto.<br />

Se a consi<strong>de</strong>rarmos como algo existente, <strong>um</strong> corpo ainda que não físico, a<br />

questão inicial a se respon<strong>de</strong>r é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar como se estrutura. Uma segunda<br />

questão <strong>–</strong> ainda mais relevante e responsável pela inquietu<strong>de</strong> da espécie h<strong>um</strong>ana <strong>–</strong><br />

é a <strong>de</strong> verificar se a verda<strong>de</strong> existe ou não passa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a convenção marcada pela<br />

tem<strong>por</strong>alida<strong>de</strong> que encapsula <strong>um</strong>a permanente e inexorável mudança, <strong>de</strong> <strong>um</strong> ponto<br />

<strong>de</strong> vista extrema<strong>do</strong>. Isso seria o mesmo que <strong>um</strong>a posição cética e radicalizada<br />

envolven<strong>do</strong> a atmosfera <strong>do</strong> “verda<strong>de</strong>iro”.<br />

Estan<strong>do</strong> nas cercanias da verda<strong>de</strong>, é possível inferir estar em comunhão com<br />

o conhecimento, o qual tem nela seu substrato maior, sua essência, ou seja, a<br />

verda<strong>de</strong> passa a ser o elemento nuclear que valida o conhecimento, <strong>de</strong> que é o<br />

pressuposto.<br />

O conhecimento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da verda<strong>de</strong> para construir-se em todas as suas<br />

bases elementares. É essa a condição responsável <strong>por</strong> dar sustentação à teoria <strong>do</strong><br />

conhecimento como infraestrutura maior que sustenta a estrutura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

científico nas diversas etapas das socieda<strong>de</strong>s h<strong>um</strong>anas, no uso das tecnologias em<br />

<strong>inteligência</strong>.<br />

Nesse processo, o que se encontra <strong>de</strong> mais substancial são teorias as quais<br />

são mecanismos cria<strong>do</strong>s, geri<strong>do</strong>s e gerencia<strong>do</strong>s pelos indivíduos para explicar o<br />

mun<strong>do</strong>, as coisas e os objetos.<br />

Para isso, parafrasean<strong>do</strong> Kirkram, muitos são os projetos teóricos que dizem<br />

respeito à verda<strong>de</strong>, o que <strong>de</strong> certo não esgotam outras possibilida<strong>de</strong>s, inclusive <strong>de</strong><br />

sua mutabilida<strong>de</strong> estrutural diante da potencial possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rompimento com sua<br />

cognição.


215<br />

No contexto <strong>do</strong> projeto metafísico, temos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar o projeto extensional,<br />

o naturalista e o essencialista. Deve-se ainda consi<strong>de</strong>rar o projeto <strong>de</strong> justificação e o<br />

<strong>do</strong>s atos da fala que se dicotomizam em ilocucionário e assertivo, que envolve<br />

diretamente a civilização da tecnologia da escrita. Por fim, continuan<strong>do</strong> e<br />

parafrasean<strong>do</strong> o referi<strong>do</strong> autor, há <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar no projeto assertivo o da<br />

estrutura profunda. 167 Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a justificação que aparelha a verda<strong>de</strong> está<br />

sempre se referencian<strong>do</strong> a alg<strong>um</strong> ponto para que se possa sustentar a verda<strong>de</strong><br />

justificada, isso implica reflexamente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não ser possível sustentar a<br />

existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>, <strong>por</strong> si só discutida, em <strong>um</strong> projeto ou programa.<br />

Essa instabilida<strong>de</strong> referencial da realida<strong>de</strong> social atual é i<strong>de</strong>ntificada e<br />

<strong>de</strong>talhada <strong>por</strong> Lévy, na medida em que há <strong>um</strong>a movimentação <strong>de</strong> alteração na<br />

estrutura normativa correlacionada com as tecnologias das <strong>inteligência</strong>s <strong>–</strong> oral,<br />

escrita e digital <strong>–</strong> que pre<strong>do</strong>minam. 168 Superada essa questão, ainda se <strong>de</strong>staca a<br />

167<br />

Para Kirkham é necessário or<strong>de</strong>nar cada projeto para a certificação da verda<strong>de</strong>, como explicita: “A<br />

teoria da justificação é <strong>um</strong>a conjunção <strong>de</strong> duas alegações: em primeiro lugar, <strong>de</strong> que <strong>um</strong>a certa<br />

característica, possuída potencialmente <strong>por</strong> afirmações (ou sentenças ou crenças etc), correlacionase,<br />

talvez <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> imperfeito com a verda<strong>de</strong>; em segun<strong>do</strong> lugar, <strong>de</strong> que é relativamente fácil<br />

<strong>de</strong>terminar se <strong>um</strong>a <strong>de</strong>stas afirmações ou sentenças ou crenças etc. possui essa característica<br />

(KIRKHAM, Richard L. Teorias da verda<strong>de</strong>. São Leopol<strong>do</strong>: UNISINOS, 2003, p. 47)”. Isso em<br />

verda<strong>de</strong> ocorre, como bem complementa o mesmo autor: “A teoria da justificação não é realmente<br />

teoria da verda<strong>de</strong>. Pelo menos é muito enganoso chamá-la <strong>de</strong> teoria da verda<strong>de</strong>. Ela não é sobre a<br />

verda<strong>de</strong>. Ela é sobre a justificação. Ela não analisa “verda<strong>de</strong>”, “verda<strong>de</strong>iro” em nenh<strong>um</strong> senti<strong>do</strong>. Ela<br />

também não estabelece as condições necessárias e suficientes para a verda<strong>de</strong> e nem dá o<br />

significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> “verda<strong>de</strong>”. Ela fornece <strong>um</strong>a condição suficiente (ou <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> condições<br />

conjuntamente suficientes, para justificar a crença em <strong>um</strong>a proposição) (KIRKHAM, Richard L.<br />

Teorias da verda<strong>de</strong>. São Leopol<strong>do</strong>: UNISINOS, 2003, p. 43)”. Disso conclui Kirkham: “[...] também<br />

implica que o valor da verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a afirmação possa modificar-se quan<strong>do</strong> dispomos <strong>de</strong> mais<br />

evidência relevante, o que é contra intuitivo (Davidson, 1990, p. 307-308). Essa consequência é<br />

evitada se a verda<strong>de</strong> é equiparada com a justificação máxima ou justificação em circunstâncias<br />

i<strong>de</strong>ais. Mas nenh<strong>um</strong>a <strong>de</strong>ssas manobras nos ajuda com o problema maior <strong>–</strong> equiparar verda<strong>de</strong> e<br />

justificação máxima ainda nos <strong>de</strong>ixa com a seguinte pergunta: justificada maximamente como o quê?<br />

Tal problema (Putman, 1982) também não po<strong>de</strong> ser resolvi<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong>-se verda<strong>de</strong> com<br />

justificação em circunstâncias i<strong>de</strong>ais. Pelo contrário, nenh<strong>um</strong> senti<strong>do</strong> po<strong>de</strong> ser da<strong>do</strong> à noção <strong>de</strong><br />

circunstâncias i<strong>de</strong>ais, a menos que antes se faça alg<strong>um</strong>a escolha a respeito <strong>do</strong>s valores aos quais a<br />

justificação <strong>de</strong>ve se dirigir (KIRKHAM, Richard L. Teorias da verda<strong>de</strong>. São Leopol<strong>do</strong>: UNISINOS,<br />

2003, p. 84)”.<br />

168<br />

“A massa <strong>de</strong> informações armazenadas cresce em <strong>um</strong> ritmo cada vez mais rápi<strong>do</strong>. Os<br />

conhecimentos e habilida<strong>de</strong>s da esfera tecnocientífica e das que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m evoluem cada vez<br />

mais rápi<strong>do</strong>. Disto <strong>de</strong>corre que, em certas áreas, a separação entre a memória pessoal e o saber não<br />

é mais parcial; as duas entida<strong>de</strong>s ten<strong>de</strong>m a estar quase que totalmente dissociadas”. E complementa<br />

o mesmo autor em ato contínuo o seu raciocínio: “O mo<strong>de</strong>lo não se encontra mais inscrito no papel,<br />

este su<strong>por</strong>te inerte, mas roda em <strong>um</strong> computa<strong>do</strong>r. É <strong>de</strong>sta forma que os mo<strong>de</strong>los são continuamente<br />

corrigi<strong>do</strong>s e aperfeiçoa<strong>do</strong>s ao longo das simulações. Um mo<strong>de</strong>lo raramente é <strong>de</strong>finitivo. / Um mo<strong>de</strong>lo<br />

digital normalmente não é nem ‘verda<strong>de</strong>iro’ nem ‘falso’, nem mesmo ‘testável’, em <strong>um</strong> senti<strong>do</strong> estrito.<br />

Ele apenas será mais ou menos útil, mais ou menos eficaz ou pertinente em relação a este ou aquele<br />

objetivo específico. Fatores muito distantes da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m intervir na avaliação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo: a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> simulação, a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização e modificação, as conexões possíveis<br />

com programas <strong>de</strong> visualização, <strong>de</strong> auxílio à <strong>de</strong>cisão ou ao ensino[...] o <strong>de</strong>clínio da verda<strong>de</strong> crítica


216<br />

essencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que, para que se tenha <strong>um</strong>a concepção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> nessas<br />

condições, a justificação exige que o atributo condicionante <strong>de</strong>tenha elementos<br />

substanciais e suficientes para justificar a crença <strong>de</strong> <strong>um</strong>a proposição.<br />

Dessa maneira, infere-se que a justificação <strong>–</strong> <strong>por</strong>tan<strong>do</strong> as condições <strong>de</strong><br />

suficiência ou <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> <strong>–</strong> fertiliza o conceito <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> tanto na acepção formal<br />

quanto no material, vinculada a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> nível (grau) <strong>de</strong> pertinência variável<br />

enquanto proprieda<strong>de</strong>s.<br />

O papel da justificação nesse contexto é o <strong>de</strong> introduzir <strong>por</strong>ta<strong>do</strong>res<br />

justifica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, que possuem elementos substanciais justifica<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a crença, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a satisfazer os pressupostos ou os elementos que<br />

constituem as características <strong>do</strong> veraz, mas que, em última instância, representam a<br />

justificativa da justificação e não a justificativa da verda<strong>de</strong>.<br />

O problema da verda<strong>de</strong> factual no Direito não resi<strong>de</strong> apenas no risco <strong>de</strong><br />

cometer equívocos, falhas ou erros frente às proprieda<strong>de</strong>s ou aos elementos <strong>de</strong><br />

provas.<br />

Mas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a própria mentira pseu<strong>do</strong><strong>de</strong>dutiva, no que, <strong>por</strong> sua vez,<br />

encontra-se o homem soterra<strong>do</strong>, dada sua limitada condição cognitiva que inclusive<br />

o impossibilita <strong>de</strong> integrar os conhecimentos <strong>de</strong> forma satisfatória e, <strong>por</strong> isso,<br />

constantemente os resulta<strong>do</strong>s sofrem influências advindas <strong>do</strong>s processos<br />

perceptivos. Segun<strong>do</strong> Lévy (2011, p. 65):<br />

Foi observa<strong>do</strong> que os assuntos aborda<strong>do</strong>s nas conversas cotidianas<br />

possuem muito menos estrutura, sen<strong>do</strong> sistematicamente menos<br />

hierarquiza<strong>do</strong>s e organiza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que os textos escritos. Estas<br />

características estão relacionadas às <strong>de</strong>ficiências na capacida<strong>de</strong> da<br />

memória <strong>de</strong> curto prazo.<br />

não significa, <strong>por</strong>tanto, que a partir <strong>de</strong> agora qualquer coisa será aceita sem <strong>um</strong>a análise, mas que<br />

iremos lidar com mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> pertinência variável, obti<strong>do</strong>s e simula<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma mais ou menos<br />

rápida, e isto <strong>de</strong> forma cada vez mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>um</strong> horizonte <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a à qual<br />

pudéssemos a<strong>de</strong>rir firmemente. Se há cada vez menos contradições, é <strong>por</strong>que a pretensão da<br />

verda<strong>de</strong> diminui. Não se critica mais, corrigem-se os erros (LÉVY, Pierre. As tecnologias da<br />

<strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 121)”.


217<br />

Outro fator que contribui para tal risco, ou melhor, para seu a<strong>um</strong>ento, é a<br />

tendência natural cultural <strong>de</strong> acreditar que a consciência <strong>do</strong> eu representa <strong>um</strong><br />

tribunal racional incontestável, <strong>por</strong> isso, se aventou tratar <strong>do</strong>s aspectos formais da<br />

verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> alg<strong>um</strong> mo<strong>do</strong> que não houvesse interferência. Nesse contexto, ilustra<br />

Tarski (2007, p. 13):<br />

[...] sua concepção da verda<strong>de</strong> é tão neutra quanto a famosa máxima <strong>de</strong><br />

Aristóteles, na metafísica, ele mesmo cita em “A concepção semântica da<br />

verda<strong>de</strong> e os fundamentos da semântica”: Dizer <strong>do</strong> que é que não é, ou <strong>do</strong><br />

que não é que é, é falso, enquanto que dizer <strong>do</strong> que é que é, ou <strong>do</strong> que não<br />

é que não é, é verda<strong>de</strong>iro.<br />

Essa máxima é certamente neutra em relação a quaisquer teorias, em to<strong>do</strong>s<br />

os <strong>do</strong>mínios, <strong>um</strong>a vez que ela tem <strong>um</strong> caráter puramente formal no campo<br />

semântico da questão. Ela expressa simplesmente as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> e <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong>,<br />

e associa o acor<strong>do</strong> com a verda<strong>de</strong>, e o <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com a falsida<strong>de</strong>.<br />

Tal acor<strong>do</strong> é algo que po<strong>de</strong> ou não se dar entre alg<strong>um</strong>a coisa e aquilo que<br />

<strong>de</strong>la dizemos. Assim, no máximo, o que Aristóteles estaria dizen<strong>do</strong> seria apenas que<br />

a verda<strong>de</strong> resulta da forma como utilizamos a linguagem para lidar com o mun<strong>do</strong>.<br />

Segun<strong>do</strong> essa concepção, a verda<strong>de</strong> resulta então não da constituição <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>, e mesmo da linguagem compreendida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma ontológica, mas <strong>de</strong><br />

nossa prática linguística, o que gera inúmeros equívocos diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ausência<br />

estrutural lógica <strong>do</strong> arg<strong>um</strong>ento <strong>do</strong> <strong>passo</strong> a <strong>passo</strong>, fazen<strong>do</strong> da verda<strong>de</strong> <strong>um</strong> objeto <strong>de</strong><br />

discussão e <strong>de</strong>bate.<br />

A máxima aristotélica tem si<strong>do</strong>, ao longo <strong>do</strong>s séculos, interpretada como<br />

expressão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a concepção correspon<strong>de</strong>nte à verda<strong>de</strong> e, em parte, à luci<strong>de</strong>z <strong>de</strong><br />

Tarski, ao enfrentar o problema clássico e filosófico da verda<strong>de</strong>, que consiste em<br />

torná-la in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua interpretação correspon<strong>de</strong>ncial.<br />

Após ser conhecida, a teoria <strong>de</strong> Tarski, se tivesse si<strong>do</strong> compreendida <strong>por</strong><br />

alguns, como Karl Popper, como <strong>um</strong>a teoria da correspondência, notaria a distinção.<br />

Tarski <strong>de</strong>ixa claro que em sua concepção <strong>de</strong>seja afastar-se das então mais<br />

conhecidas teorias da correspondência.


218<br />

E respectivamente, mais aquelas omissões apresentadas <strong>por</strong> Bertrand<br />

Russell (em A filosofia <strong>do</strong> atomismo lógico) e <strong>por</strong> Wittgenstein (no Tratactus), cujos<br />

compromissos com <strong>de</strong>terminada concepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, da linguagem e da relação<br />

proposicional entre ambos, são evi<strong>de</strong>ntes. 169<br />

Todavia, a concepção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> supera a relação <strong>de</strong> linguagem-objeto <strong>por</strong><br />

meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem especial conteudista <strong>de</strong> aspecto semântico especial em<br />

metalinguagem, com especificida<strong>de</strong>s voltadas para <strong>de</strong>terminada tipologia <strong>de</strong><br />

linguagem, ou seja, formal ou informal.<br />

A carga valorativa <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> é <strong>um</strong> atributo ímpar sobre as sentenças e que<br />

merece atenção, <strong>um</strong>a vez que a semântica existente em cada sentença é peculiar a<br />

certa sentença.<br />

Por essa razão, compreen<strong>de</strong>r a estrutura formal e material das sentenças dá<br />

condições <strong>de</strong> <strong>um</strong>a melhor estabilida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> enfrentamento da realida<strong>de</strong> e sua<br />

concepção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. Para Tarski (2007, p. 149), semântica significa<br />

[...] <strong>um</strong> senti<strong>do</strong> mais específico que o habitual. Vamos enten<strong>de</strong>r <strong>por</strong><br />

semântica a totalida<strong>de</strong> das consi<strong>de</strong>rações que dizem respeito aos conceitos<br />

que, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, expressam certas conexões entre as expressões <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a linguagem e os objetos e senti<strong>do</strong> das coisas a que se referem tais<br />

expressões.<br />

No estabelecimento da semântica para a compreensão da verda<strong>de</strong>, é<br />

necessário que se tenha cautela, como observa Tarski. 170<br />

169<br />

Para Souza Pereira (SRD): “A lógica proposicional é <strong>um</strong> formalismo matemático através <strong>do</strong> qual<br />

po<strong>de</strong>mos abstrair a estrutura <strong>de</strong> <strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento, elimina<strong>do</strong> a ambiguida<strong>de</strong> existente na linguagem<br />

natural. Esse formalismo é composto <strong>por</strong> <strong>um</strong>a linguagem formal e <strong>por</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> regras <strong>de</strong><br />

inferência que nos permitem analisar <strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> forma precisa e <strong>de</strong>cidir a sua valida<strong>de</strong> [1,2,3].<br />

/ Informalmente, <strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento é <strong>um</strong>a sequência <strong>de</strong> premissas seguida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a conclusão. Dizemos<br />

que <strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento é váli<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> sua conclusão é <strong>um</strong>a consequência necessária <strong>de</strong> suas<br />

premissas. Por exemplo, o arg<strong>um</strong>ento: “Sempre que chove, o trânsito fica congestiona<strong>do</strong>”. / ‘Está<br />

choven<strong>do</strong> muito’. / Logo, o trânsito <strong>de</strong>ve estar congestiona<strong>do</strong> é váli<strong>do</strong>, pois sua conclusão é <strong>um</strong>a<br />

consequência necessária <strong>de</strong> suas premissas”.<br />

170<br />

“Na solução <strong>de</strong>sse problema, po<strong>de</strong>mos distinguir diversos <strong>passo</strong>s. Devemos começar pela<br />

<strong>de</strong>scrição da linguagem cuja semântica <strong>de</strong>sejamos construir. Em particular, <strong>de</strong>vemos en<strong>um</strong>erar os<br />

termos primitivos da linguagem e fornecer as regras <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>por</strong> meio das quais <strong>novo</strong>s termos,<br />

distintos <strong>do</strong>s primitivos, possam ser introduzi<strong>do</strong>s na linguagem. Em seguida, <strong>de</strong>vemos distinguir as<br />

expressões da linguagem que são <strong>de</strong>nominadas sentenças. Separar os axiomas da totalida<strong>de</strong> das<br />

sentenças e, finalmente, formular as regras <strong>de</strong> inferência <strong>por</strong> meio das quais os teoremas po<strong>de</strong>m ser<br />

<strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s daqueles axiomas. A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem é exata e clara apenas se ela é<br />

puramente estrutural, ou seja, se empregarmos nela somente conceitos relaciona<strong>do</strong>s com a forma e o<br />

arranjo <strong>do</strong>s signos e das expressões compostas da linguagem. Nem toda linguagem po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>scrita <strong>de</strong>ssa maneira puramente estrutural. As linguagens para as quais se po<strong>de</strong> dar tal <strong>de</strong>scrição<br />

são chamadas <strong>de</strong> linguagens formalizadas (TARSKI, Alfred. A concepção semântica da verda<strong>de</strong>.<br />

São Paulo: Ed. Unesp, 2007, p. 151)”.


219<br />

O vocabulário utiliza<strong>do</strong> na exploração <strong>do</strong> objeto está além da relação<br />

linguagem e objeto, na medida em que as palavras ricas em <strong>de</strong>finição compõem<br />

<strong>um</strong>a fórmula, para Roman Jakobson <strong>de</strong>nominada metalinguagem, conten<strong>do</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>s imanentes aos objetos.<br />

Compon<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ssa forma, as raízes semânticas das sentenças pela via <strong>do</strong><br />

código da metalinguagem. Disso se <strong>de</strong>stacam duas variáveis: a linguagem literal e a<br />

linguagem natural da morfologia e da etimologia das palavras.<br />

A problemática em perseguir as condições <strong>de</strong> verificabilida<strong>de</strong> e constatação<br />

da verda<strong>de</strong> também representa <strong>um</strong>a problemática no âmago da teoria <strong>do</strong><br />

conhecimento. A meto<strong>do</strong>logia científica não garante suficientemente a<br />

verificabilida<strong>de</strong> e a constatação.<br />

Deven<strong>do</strong> para tanto ser avaliada, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> certificação <strong>do</strong>s<br />

conceitos da lógica, da linguagem e da morfologia, para comprovar-se não somente<br />

que semanticamente a verda<strong>de</strong> aten<strong>de</strong> aos preceitos meto<strong>do</strong>lógicos como também a<br />

metalinguagem representa <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> linguagem ou sistematização <strong>de</strong>ssa capaz<br />

<strong>de</strong> conferir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter-se <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>.<br />

A extencionalida<strong>de</strong> e a intencionalida<strong>de</strong> das expressões são condições que<br />

compõem constitutivamente a verda<strong>de</strong>. Não é necessário que <strong>um</strong>a tenha correlação<br />

com a outra, na medida em que a extencionalida<strong>de</strong> está para os elementos ou<br />

objetos que compõem <strong>um</strong>a expressão ou sentença enquanto a intencionalida<strong>de</strong> está<br />

para o conteú<strong>do</strong> informativo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a expressão ou sentença.<br />

Das composições entre extencionalida<strong>de</strong> e intencionalida<strong>de</strong> o conteú<strong>do</strong><br />

material da primeira apresenta-se mais evi<strong>de</strong>nte, dada sua carga materialista,<br />

enquanto, no que se refere à intencionalida<strong>de</strong>, apresenta-se mais fragilizada, o que<br />

vale para os conteú<strong>do</strong>s essenciais ou <strong>de</strong> equivalência, essência <strong>de</strong> sua relação <strong>de</strong><br />

comparabilida<strong>de</strong>.<br />

Acredita-se ser quase <strong>um</strong> dilema a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e to<strong>do</strong><br />

seu contorno em satisfação. Tal situação no campo da semântica é perfeitamente<br />

plausível <strong>de</strong> enfrentamento, <strong>por</strong>ém é <strong>de</strong>safio conspíscuo, árduo e que exige<br />

exercício intelectual <strong>de</strong> nível eleva<strong>do</strong>.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> ser a verda<strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>finição com pressupostos e elementos os<br />

quais <strong>de</strong>vem fazer parte <strong>de</strong> sua estrutura no mun<strong>do</strong> fenomênico, capaz <strong>de</strong> dar a<br />

seus atores não somente aceitabilida<strong>de</strong>, mas tranquilida<strong>de</strong> em satisfação, explica<br />

Tarski (2007, p. 153-154):


220<br />

[...] o estabelecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> materialmente correto <strong>de</strong> utilização <strong>do</strong>s<br />

conceitos semânticos na metalinguagem. Nesse ponto, <strong>do</strong>is procedimentos<br />

são leva<strong>do</strong>s em consi<strong>de</strong>ração. No primeiro, os conceitos semânticos (ou<br />

pelo menos alguns <strong>de</strong>les) são introduzi<strong>do</strong>s na metalinguagem, como<br />

conceitos <strong>novo</strong>s, primitivos e suas proprieda<strong>de</strong>s básicas são estabelecidas<br />

<strong>por</strong> meio <strong>de</strong> axiomas. Entre esses axiomas, incluem-se to<strong>do</strong>s os enuncia<strong>do</strong>s<br />

que garantem o uso materialmente a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>do</strong>s conceitos em questão.<br />

Dessa forma, a semântica torna-se <strong>um</strong>a teoria <strong>de</strong>dutiva, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

baseada na morfologia da linguagem.<br />

Se essas são as condições para <strong>de</strong>finir o conceito <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, é provi<strong>de</strong>ncial<br />

que o critério ou os critérios estabeleci<strong>do</strong>s sejam suficientemente objetivos e claros<br />

para que se alcancem os fundamentos e os objetivos. Outrossim, sejam trata<strong>do</strong>s<br />

com precisão os aspectos formais e materiais da linguagem estabelecida para tal<br />

fim.<br />

Disso se infere que a concepção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> o critério da semântica,<br />

representa <strong>um</strong>a das alternativas ou formas instr<strong>um</strong>entais, meto<strong>do</strong>lógicas, empíricas<br />

e lógicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o que é verda<strong>de</strong>, lastreada a partir <strong>de</strong> axiomas, o que para o<br />

Direito e a Justiça é ponto nevrálgico.<br />

As concepções pragmáticas da verda<strong>de</strong>, da coerência, da correspondência<br />

são meios não menos im<strong>por</strong>tantes com meto<strong>do</strong>logias próprias, e suas peculiarida<strong>de</strong>s<br />

todas buscam pelo significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> conceito <strong>do</strong> que venha a ser verda<strong>de</strong>iro.<br />

Dentro <strong>do</strong> campo da semântica, o procedimento recursivo, segun<strong>do</strong> Tarski<br />

(2007, p. 174-175), representa forma para que a relação <strong>de</strong> satisfação pela<br />

a<strong>de</strong>quação seja <strong>um</strong> meio seguro, como bem explicita:<br />

No que diz respeito à noção <strong>de</strong> satisfação, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>íamos tentar <strong>de</strong>fini-la<br />

dizen<strong>do</strong> que <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s objetos satisfazem <strong>um</strong>a dada função se a última<br />

se torna <strong>um</strong>a sentença verda<strong>de</strong>ira quan<strong>do</strong> nela substituímos as variáveis<br />

livres <strong>por</strong> nomes <strong>do</strong>s objetos da<strong>do</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>, <strong>por</strong> exemplo, a neve<br />

satisfaz a função sentencial “X é branca”, <strong>um</strong>a vez que a sentença “a neve é<br />

branca é verda<strong>de</strong>ira”. Contu<strong>do</strong>, fora outras dificulda<strong>de</strong>s, esse méto<strong>do</strong> não<br />

está a nosso alcance, pois queremos usar a noção <strong>de</strong> satisfação para<br />

<strong>de</strong>finir verda<strong>de</strong>. Para obter <strong>um</strong>a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> satisfação, temos, ao contrário,<br />

<strong>de</strong> aplicar novamente <strong>um</strong> procedimento recursivo indican<strong>do</strong> quais são os<br />

objetos que satisfazem as funções sentenciais mais simples. E, então,<br />

enunciamos as condições sob as quais <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s objetos satisfazem<br />

sua função composta pressupon<strong>do</strong> que sabemos quais objetos satisfazem<br />

as funções mais simples das quais aquela função composta foi construída.


221<br />

Outra questão pertinente que gira em torno da verda<strong>de</strong> semântica é a <strong>de</strong><br />

saber se a proposta disponibilizada pelo instr<strong>um</strong>ental simpático aten<strong>de</strong> ao conceito<br />

<strong>de</strong> verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma satisfatória. As relações entre a linguagem-objeto e a<br />

metalinguagem são diferentes com relação às respectivas naturezas.<br />

Caso se consi<strong>de</strong>re em maior gran<strong>de</strong>za a estrutura lógica da metalinguagem e<br />

se consiga convolar a linguagem-objeto na metalinguagem, tem-se <strong>um</strong>a língua <strong>de</strong><br />

sobreposição, como esclarece Tarski (2007, p.173-174): “Pois a condição <strong>de</strong><br />

‘riqueza essencial’ da metalinguagem se mostra não apenas necessária, mas<br />

também suficiente para a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>finição satisfatória <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>”.<br />

Isto é, se a metalinguagem satisfaz essa condição, a noção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong><br />

ser nela <strong>de</strong>finida. Para Tarski (2007, p. 170):<br />

[...] temos que empregar duas linguagens diferentes ao discutir o problema<br />

da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> forma mais geral <strong>de</strong> quaisquer problemas no<br />

campo da semântica. A primeira <strong>de</strong>ssas linguagens é a linguagem a cujo<br />

respeito se fala, e que é assunto <strong>de</strong> toda a discussão. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong> que estamos buscan<strong>do</strong> aplica-se a sentenças <strong>de</strong>ssa linguagem. A<br />

segunda é a linguagem a qual “a falamos” a respeito da primeira, em termos<br />

da qual <strong>de</strong>sejamos, em particular, construir a <strong>de</strong>finição da verda<strong>de</strong>, para a<br />

primeira linguagem. Vamos nos referir à primeira linguagem como “a<br />

linguagem objeto” e a segunda como a “metalinguagem”.<br />

Se isso se estabelece entre o campo teórico e o prático, a semântica, ao<br />

menos a priori, resolve a relação entre a linguagem lógica da semântica e a<br />

linguagem <strong>do</strong> objeto. Em tal simbiose, as proprieda<strong>de</strong>s das expressões são<br />

avaliadas e analisadas para <strong>de</strong>finir a verda<strong>de</strong>, e essa questão implica<br />

inexoravelmente a teoria <strong>do</strong> conhecimento.<br />

A consistência das palavras e das sentenças está vinculada ao grau <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong> que elas inspiram, <strong>por</strong>tanto, é na logicida<strong>de</strong> suprema da linguagem lógica<br />

ou metalinguagem que as <strong>de</strong>mais linguagens se ancoram para se tornarem<br />

acreditáveis.<br />

Isso <strong>de</strong>smontra o primordial e fiel objetivo da lógica na i<strong>de</strong>ntificação das<br />

contrarieda<strong>de</strong>s ou contradições nas proposições da comunicação e na sua forma<br />

estrutural normativa <strong>de</strong> sustentação da cognição.<br />

Nas últimas décadas, o estu<strong>do</strong> da lógica e seus vetores, melhor <strong>de</strong>talhan<strong>do</strong>,<br />

“lógicas”, se encarregam <strong>de</strong> dar a essa ciência avanços positivos em variadas áreas<br />

<strong>do</strong> conhecimento.


222<br />

Pro<strong>por</strong>cionou a essa ciência <strong>de</strong>senvolver ferramentas para a i<strong>de</strong>nficação <strong>de</strong><br />

contradição ao conteú<strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, contorná-los e permitir a manutenção <strong>do</strong> sistema<br />

como é possível coexistir no campo normativo. Cita Oliveira Lima (SRD/P):<br />

O fato <strong>de</strong> se encontrarem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> mesmo or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

normas que se contraponham não retira <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento seu caráter<br />

sistemático. Embora haja sistemas em que a contradição entre suas partes<br />

resulta na invalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o complexo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias que os formam <strong>–</strong> como<br />

<strong>um</strong> sistema matemático <strong>do</strong> que toda a sua valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da valida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cada <strong>um</strong>a das partes que individualmente lhe são integrantes <strong>–</strong> o sistema<br />

jurídico não per<strong>de</strong> a sua valida<strong>de</strong> <strong>por</strong> conter normas incompatíveis entre si,<br />

conforme <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Bobbio.<br />

No ambiente <strong>do</strong> Direito, insurgem-se téoricos como Alberto Warat e<br />

Fernan<strong>do</strong> Coelho, percursores da escola Crítica Contem<strong>por</strong>ânea <strong>do</strong> Direito.<br />

Consi<strong>de</strong>re-se que essa ciência não tem reconhecimento unânime <strong>de</strong> sua<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cientistas como sen<strong>do</strong> movida <strong>por</strong> <strong>um</strong>a lógica meramente <strong>de</strong>dutiva.<br />

A instabilida<strong>de</strong> se viu acobertada <strong>por</strong> <strong>um</strong> longo perío<strong>do</strong> pela não mais<br />

sustentável posição <strong>de</strong> Luhman em seus ensinamentos sobre a autopoiese, como<br />

esclarece trecho <strong>do</strong> artigo <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Ramos:<br />

A concepção luhmanniana representa <strong>um</strong>a cisão com o mo<strong>de</strong>lo clássico <strong>de</strong><br />

ciência, que preten<strong>de</strong>u <strong>de</strong>screver a vida social orientan<strong>do</strong>-se pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

insatisfação com a realida<strong>de</strong>, tão característica <strong>do</strong>s séculos XIX e XX, para,<br />

na espera <strong>de</strong> <strong>um</strong> melhor futuro, fundamentar suas teorias sociais na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

evolução da civilização, sen<strong>do</strong> o homem o opera<strong>do</strong>r central <strong>de</strong>sse sempre<br />

aperfeiçoamento da socieda<strong>de</strong>. (RAMOS, 2014, p. 10)<br />

Esclarece-se que a contradição <strong>do</strong> sistema lógico-juridico e sua superação<br />

pelo salvamento coteja<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia absolutista <strong>de</strong> sistema jurídico que<br />

cultivou <strong>por</strong> décadas <strong>um</strong>a concepção <strong>de</strong> perfeição <strong>do</strong> Direito e da Justiça em nome<br />

da or<strong>de</strong>m, da crença das verda<strong>de</strong>s hermeneuticas, da crença da objetivida<strong>de</strong> das<br />

normas e o consolo provi<strong>de</strong>ncial embala<strong>do</strong> pelo microssistema social <strong>de</strong> seus<br />

opera<strong>do</strong>res não convenceu em legitimida<strong>de</strong> satisfatória, <strong>um</strong>a vez que o projeto<br />

i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> pelas Constituições, inclusive no caso brasileiro, não alcançou plena<br />

concretização material.<br />

Entre as lógicas que realizaram aparição no cenário <strong>do</strong> Direito, os esforços da<br />

lógica <strong>de</strong>ôntica capitenada <strong>por</strong> Von Wright também não alcançou resulta<strong>do</strong>s plenos,<br />

como se tratará em outras passagens para melhores esclarecimento.


223<br />

O dinamismo superior cujo objetivo visa à eliminação da contradição e que no<br />

ambiente normativo é trata<strong>do</strong> como antinomia normativa absoluta ou aparente <strong>–</strong> cujo<br />

encargo da resolução sempre ficou a encargo da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana <strong>–</strong> <strong>passo</strong>u a ser<br />

contorna<strong>do</strong> pela <strong>inteligência</strong> <strong>de</strong> outros estu<strong>do</strong>s lógicos não clássicos tais como: a<br />

lógica boolena e o normative sistemy,com o escopo estratégico estrutural <strong>de</strong><br />

sistematização <strong>do</strong> Direito com sua axiomatização.<br />

É im<strong>por</strong>tante frisar que secularmente a espécie h<strong>um</strong>ana gerou e vem geran<strong>do</strong><br />

gran<strong>de</strong>s esforços em aproximar a lógica da cognição jurídica, a fim <strong>de</strong> sistematizar<br />

semelhante fenômeno social.<br />

Para as ciências jurídicas, ou melhor, no âmbito <strong>do</strong> Direito e da Justiça, temse<br />

constata<strong>do</strong> que a verda<strong>de</strong> <strong>por</strong> vezes se per<strong>de</strong> no meio da sedução da<br />

arg<strong>um</strong>entação retórica i<strong>de</strong>ológica ou simplesmente se escon<strong>de</strong> sob alg<strong>um</strong><br />

subterfúgio recursivo hermenêutico da linguagem, em que bem sabem manobrar<br />

seus protagonistas opera<strong>do</strong>res, o que seria coerente i<strong>de</strong>ntificar como <strong>por</strong>osida<strong>de</strong>s<br />

ou lacunas axiológicas <strong>do</strong> sistema jurídico.<br />

Além <strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve ser contabiliza<strong>do</strong>, a complexa linguagem e comunicação,<br />

<strong>de</strong>staque-se o <strong>de</strong>clínio qualitativo na formação intelectiva da espécie h<strong>um</strong>ana <strong>por</strong><br />

seus vários fatores <strong>de</strong> influências e <strong>de</strong> interesses.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Baudrillard em sua obra Simulacros e Simulação, afetaram a<br />

marcha <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da espécie h<strong>um</strong>ana, pois já seria <strong>um</strong>a geração<br />

representada <strong>por</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>um</strong> real sem origem nem realida<strong>de</strong>.<br />

O estu<strong>do</strong> e a preocupação <strong>de</strong>ti<strong>do</strong>s <strong>de</strong>svelam-se a im<strong>por</strong>tância; nesse<br />

processo têm <strong>de</strong>staque o contributivo registra<strong>do</strong> pela filosofia e as <strong>de</strong>mais cognições<br />

que encontramos quan<strong>do</strong> a lente da visão intelectual põe-se focada a esses fins e<br />

meios.<br />

O auxilio da lógica no Direito sempre esteve presente, o que estimulou a<br />

fertilização <strong>do</strong> surgimento das lógicas não clássicas, embora não <strong>de</strong>talhadas em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s <strong>do</strong> trabalho.<br />

É inevitável não as mencionar, tais como as lógicas <strong>de</strong>sviantes, fuzzy,<br />

monotônicas ou <strong>de</strong>rrotadas, paraconsistentes, complexas, não reflexivas, superiores<br />

e outras as quais empreen<strong>de</strong>ram técnicas cognitivas para a aproximação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

sistema normativo lógico em total a<strong>de</strong>rência com realida<strong>de</strong> fática social.


224<br />

Essas i<strong>de</strong>ias acabaram <strong>por</strong> refletir na tecnologia da informática jurídica e<br />

to<strong>do</strong>s os seus <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos, no acompanhamento <strong>do</strong> raciocínio, inclusive no<br />

recorte probatório da formação da convicção <strong>do</strong> ato <strong>de</strong>cisional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz.<br />

Tensiona<strong>do</strong> pela lógica clássica das premissas e conclusões idênticas e o<br />

estranho contraste entre o mun<strong>do</strong> e suas exceções, que comprovavam que a lógica<br />

<strong>de</strong>dutiva não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong>a posição polarizada em superiorida<strong>de</strong>.<br />

Portanto, na arena da Justiça a prova <strong>do</strong> Direito invoca<strong>do</strong> e sua produção<br />

também registraram fases, formas e mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que se<br />

amoldaram ao contexto histórico. 171<br />

O contexto histórico e a liturgia <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, além <strong>de</strong> facilitarem a<br />

compreensão para o entendimento, ainda servem para confirmar que a verda<strong>de</strong> era<br />

<strong>um</strong>a convenção estabelecida pela comunida<strong>de</strong>, mas que respeitava toda <strong>um</strong>a<br />

estrutura <strong>de</strong> linguagem lógica.<br />

Isso para estabelecer a comunicação com o mun<strong>do</strong>. Observa-se que, no<br />

perío<strong>do</strong> das ordálias, a verda<strong>de</strong> tinha sua comprovação pela superação <strong>de</strong> <strong>um</strong> ato e<br />

não a comprovação <strong>de</strong> sua realização ou existência.<br />

Em evi<strong>de</strong>nte evolução, tem-se a superação <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> das ordálias pelo<br />

perío<strong>do</strong> longabar<strong>do</strong>, trata<strong>do</strong> <strong>por</strong> Taruffo em sua obra Uma simples verda<strong>de</strong> <strong>–</strong> O Juiz<br />

e a construção <strong>do</strong>s fatos que s<strong>um</strong>ariamente estrutura a busca da verda<strong>de</strong> pela<br />

apuração das provas e com isso ten<strong>de</strong> à <strong>de</strong>scoberta a partir <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s lógicos<br />

como o <strong>de</strong>snudamento da verda<strong>de</strong>.<br />

Taruffo traz com sua produção intelectual luz suficiente para a orientação e a<br />

a<strong>de</strong>quação <strong>do</strong> entendimento da verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesse jurídico nesse perío<strong>do</strong>,<br />

colocan<strong>do</strong>-o em diálogo, <strong>por</strong>ém, com Juan Pablo em sua assertiva afirmativa sobre<br />

171<br />

Como bem ilustra Taruffo: “Na acepção mo<strong>de</strong>rna <strong>do</strong> termo esses eram certamente irracionais,<br />

sen<strong>do</strong> funda<strong>do</strong>s em <strong>um</strong> ato <strong>de</strong> fé relativo à intervenção divina. Tal avaliação, todavia, corre o risco <strong>de</strong><br />

ser eivada pela Buskschluss, ou seja, pelo erro habitual consistente em interpretar eventos passa<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com critérios mo<strong>de</strong>rnos. Em realida<strong>de</strong>, os ordálios po<strong>de</strong>m parecer altamente racionais, no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que eram coerentes com a cultura <strong>do</strong>s contextos sociais circundantes naqueles tempos; a<br />

vida cotidiana das pessoas era <strong>do</strong>minada pelo sangue e pela violência e estava profundamente<br />

imersa em <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> repleto <strong>de</strong> milagres, santos, <strong>de</strong>mônios, bruxas e magos em <strong>um</strong>a cultura <strong>de</strong>sse<br />

gênero, <strong>de</strong>nominada pelo enchsntment, a concepção <strong>de</strong> que o divino pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sempenhar <strong>um</strong><br />

papel im<strong>por</strong>tante na <strong>de</strong>terminação da vida <strong>do</strong>s seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s, podia parecer profundamente<br />

justificada. Mais especificamente, não havia qualquer extravagância em pensar que Deus <strong>de</strong>vesse<br />

intervir na <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> êxito <strong>do</strong>s eventos im<strong>por</strong>tantes como as controvérsias judiciárias: o ordálio<br />

era visto como a “liturgie d’<strong>um</strong> miracle judiciare”, que se realiza através <strong>de</strong> <strong>um</strong>a apreuve, ou seja,<br />

através da superação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a prova, e não da produção probatória na acepção mo<strong>de</strong>rna <strong>do</strong> termo<br />

(TARUFFO. Michele. Uma simples verda<strong>de</strong>: o juiz e a construção <strong>do</strong>s fatos; tradução Vitor <strong>de</strong> Paula<br />

Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 20)”.


225<br />

“o reforço da anteriorida<strong>de</strong>” no campo probatório no uso da lógica <strong>de</strong>dutiva, revela<br />

<strong>um</strong>a Justiça sensivelmente evoluída.<br />

No entanto, essa conclusão habita a incerteza da concatenação estrutural das<br />

provas <strong>–</strong> concepção <strong>de</strong> conjunto <strong>–</strong>, em que <strong>um</strong>a simples falha <strong>do</strong> processo (relação<br />

entre antece<strong>de</strong>nte e consequente) reflete na conclusão. 172<br />

Essa postura minimiza os riscos <strong>de</strong> afastamento da verda<strong>de</strong> na orla judiciária<br />

e os fatos como objeto ou elemento <strong>de</strong> sopesamento para a aplicação <strong>do</strong> normativo<br />

exigem esclarecimento. É im<strong>por</strong>tante ainda <strong>de</strong>stacar que como os fatos não são<br />

extraí<strong>do</strong>s em tempo real, sua reconstrução pelos opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Direito dá-se <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> narrativas, <strong>por</strong>tanto, é através <strong>de</strong>las ou em meio a elas que a verda<strong>de</strong><br />

é obtida.<br />

A lógica nesse processo, vale relembrar, sempre esteve aliançada a testar e a<br />

verificar a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong> arg<strong>um</strong>ento na construção <strong>de</strong>ssa verda<strong>de</strong>. Na atmosfera<br />

processual, a sistemática limita-se ao ônus da prova e à sua produção, sen<strong>do</strong> assim,<br />

para se comprovar o Direito que socorre a situação <strong>de</strong> fato, em verda<strong>de</strong> não é o fato<br />

em si que se <strong>de</strong>fronta, mas o fato hipoteticamente reconstruí<strong>do</strong>, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

narrativa e das provas produzidas para a sua sustentação, como esclarece<br />

Taruffo. 173<br />

172<br />

Taruffo, em trabalho <strong>de</strong> sua lavra sobre a “Motivação da Sentença Civil”, é esclarece<strong>do</strong>r: “Im<strong>por</strong>ta,<br />

ainda, sublinhar a característica, normalmente não consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada, <strong>de</strong><br />

instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> das formas lógicas, bem como rejeitar a difundida tendência <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a<br />

estrutura das formas lógicas como intimamente vinculada e <strong>de</strong>terminada pelas matérias a que vêm<br />

aplicadas. A consequência imediata disso é que a estrutura lógica não é característica intrínseca <strong>do</strong><br />

objeto, mas somente <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que se vale quem estuda <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> objeto, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que<br />

a instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> da lógica significa função heurística estruturante da lógica diante <strong>do</strong> objeto. Que<br />

as formas lógicas não são mais <strong>do</strong> que instr<strong>um</strong>entos, <strong>de</strong> outro la<strong>do</strong>, implica ulteriores consequências:<br />

a primeira é que quem utiliza a lógica po<strong>de</strong> escolher o instr<strong>um</strong>ento mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> às próprias<br />

exigências e as <strong>do</strong> objeto estuda<strong>do</strong>; a segunda é que o uso das formas lógicas é elástico, não<br />

impositivo e não <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>; a terceira é que o uso <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma lógica não acrescenta em nada o<br />

objeto a que é aplicada, servin<strong>do</strong> apenas para <strong>de</strong> fazer emergir certa estrutura racional. / Existem,<br />

<strong>por</strong>ém, <strong>limite</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s quais a lógica po<strong>de</strong> ser validamente aplicada, que se impõem igualmente<br />

ao juiz. Esses, contu<strong>do</strong>, não dizem respeito à natureza <strong>do</strong> raciocínio <strong>do</strong> juiz, mas vertem sobre o uso<br />

que o juiz faz <strong>do</strong>s instr<strong>um</strong>entos lógicos ao longo das diversas fases da sua ativida<strong>de</strong><br />

(in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da respectiva natureza intrínseca), articulan<strong>do</strong>-se essencialmente em três<br />

direções. A primeira atine à escolha das formas lógicas mais a<strong>de</strong>quadas ao material conceitual a que<br />

<strong>de</strong>vem ser aplicadas: seria, <strong>por</strong> exemplo, incongruente o uso <strong>de</strong> inferências <strong>de</strong>dutivas não se<br />

dispon<strong>do</strong> <strong>de</strong> premissas gerais, o uso da lógica <strong>de</strong>monstrativa em <strong>um</strong> procedimento heurístico, a<br />

aplicação <strong>de</strong> estruturas formalizadas a da<strong>do</strong>s não formaliza<strong>do</strong>s e assim <strong>por</strong> diante (TARUFFO.<br />

Michele. Uma simples verda<strong>de</strong>: o juiz e a construção <strong>do</strong>s fatos; tradução Vitor <strong>de</strong> Paula Ramos. São<br />

Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 140)”.<br />

173<br />

“Portanto, a pretensão <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> é típica das narrativas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s (como muitas <strong>de</strong><br />

outras narrativas), in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> que em realida<strong>de</strong> sejam verda<strong>de</strong>iras ou faltas. Entretanto,<br />

visto que <strong>um</strong>a pretensão <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> não é equivalente à veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> enuncia<strong>do</strong>, a história<br />

que o advoga<strong>do</strong> narra em relação a <strong>um</strong> fato da causa não é outra coisa senão <strong>um</strong>a história hipotética


226<br />

Assim, a condição da verda<strong>de</strong> é condição <strong>do</strong> fato e sua real <strong>de</strong>scrição,<br />

acompanhadas das provas que embasam as razões da hipótese narrada. Disso se<br />

infere talvez que os problemas da verda<strong>de</strong> no meio em que habita a espécie<br />

h<strong>um</strong>ana resi<strong>de</strong>m na confusão entre fato e valor (axioma), em que esse ten<strong>de</strong> a<br />

distorcer e a influenciar, muitas vezes negativamente na apuração da verda<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

fato. Segun<strong>do</strong> Lévy (2011, p. 155):<br />

Parece que apenas levamos em conta, nos nossos raciocínios, aquilo que<br />

enquadra em nossos estereótipos e nos esquemas preestabeleci<strong>do</strong>s que<br />

usamos normalmente. Muito mais que o conteú<strong>do</strong> bruto <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, nosso<br />

h<strong>um</strong>or no momento e a maneira pela qual são apresenta<strong>do</strong>s os problemas<br />

<strong>de</strong>terminam as soluções que a<strong>do</strong>tamos.<br />

No ambiente jurídico, a relação correspon<strong>de</strong>ncial para o alcance da verda<strong>de</strong><br />

ainda tem posição privilegiada, embora não absoluta, ante as condições da natureza<br />

da espécie h<strong>um</strong>ana, que exige a estabilização da previsibilida<strong>de</strong> e da certeza.<br />

Isso se dá <strong>por</strong>que a prova produzida com a participação da <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>ana busca magnetizar a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>fendida, ou, simplesmente, corre-se o risco<br />

<strong>de</strong> se ter <strong>um</strong>a narrativa eloquente, coerente e persuasiva, <strong>por</strong>ém ontologicamente<br />

sofista.<br />

Essa carga valorativa imposta arg<strong>um</strong>entativamente, mesclada a partir <strong>do</strong>s<br />

fatos, revela-se muitas vezes distorcida da verda<strong>de</strong>, <strong>por</strong>ém filiada à falsida<strong>de</strong>. 174<br />

A compreensão e o entendimento <strong>do</strong>s fatores envolven<strong>do</strong> a verda<strong>de</strong> no<br />

campo <strong>do</strong> Direito e da Justiça representam historicamente objeto <strong>de</strong> interesse<br />

sobre aquele fato. Essa hipótese é apresentada como verda<strong>de</strong>ira, mas isso nada mais é <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a<br />

hipótese: a veracida<strong>de</strong> ou falsida<strong>de</strong> será estabelecida posteriormente, no curso <strong>do</strong> processo e na<br />

a<strong>de</strong>são final. Nos termos da teoria <strong>do</strong>s atos linguísticos, essas teorias pertencem à categoria <strong>do</strong>s atos<br />

ilocutórios, casteriza<strong>do</strong>s <strong>por</strong> <strong>um</strong>a função assertiva ilocutória. Com efeito, são construídas <strong>por</strong><br />

assertivas, ou seja, <strong>por</strong> enuncia<strong>do</strong>s que preten<strong>de</strong>m afirmar proposições verda<strong>de</strong>iras que, <strong>de</strong>screvem<br />

fatos com <strong>um</strong>a word-to-word direction fit (TARUFFO. Michele. Uma simples verda<strong>de</strong>: o juiz e a<br />

construção <strong>do</strong>s fatos; tradução Vitor <strong>de</strong> Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 68)”.<br />

174<br />

Segun<strong>do</strong> Taruffo, “Em geral a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a narrativa “boa” é obscura e ambígua, visto que <strong>um</strong>a<br />

narrativa po<strong>de</strong> ser boa em função <strong>de</strong> escopos diferentes. De qualquer mo<strong>do</strong>, é bastante fácil<br />

estabelecer quais são os requisitos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a boa narrativa processual: ela <strong>de</strong>ve ser plausível, coerente<br />

com o stock of knowledge típico da plateia a que se <strong>de</strong>stina (e, <strong>por</strong>tanto, “familiar” para essa),<br />

narrativamente, coerente <strong>–</strong> e, pois, persuasiva. Todavia, <strong>um</strong>a objeção <strong>de</strong>cisiva a essa teoria <strong>–</strong> assim<br />

como a qualquer teoria da verda<strong>de</strong> fundada na coerência <strong>do</strong> texto <strong>–</strong> é que narrativas coerentes e<br />

persuasivas po<strong>de</strong>m ser completamente falsas. Para dar-se conta disso, basta pensar em <strong>um</strong><br />

testemunho, que po<strong>de</strong> ser narrativamente coerente, mas falso, ou em <strong>um</strong>a sentença, que po<strong>de</strong> ser<br />

justificada <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> coerente, sem correspon<strong>de</strong>r às provas e, <strong>por</strong>tanto, à realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos: trata-se<br />

<strong>de</strong> claros exemplos da distinção fundamental entre a coerência (ou a persuasão) das narrativas e sua<br />

veracida<strong>de</strong> (TARUFFO. Michele. Uma simples verda<strong>de</strong>: o juiz e a construção <strong>do</strong>s fatos; tradução<br />

Vitor <strong>de</strong> Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 89)”.


227<br />

científico ao estu<strong>do</strong> da verda<strong>de</strong> nesse ambiente. Trata-se <strong>de</strong> pressuposto <strong>de</strong>cisivo a<br />

traçar <strong>um</strong>a linha compreensiva entre a tradição e a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> nos estu<strong>do</strong>s da<br />

realida<strong>de</strong> cognitiva das ciências jurídicas.<br />

Como veremos, passa, a partir <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> XX, a ter<br />

maior atenção das lógicas como disciplina filiada à Filosofia <strong>do</strong> Direito. No mais, o<br />

magistério <strong>de</strong> Taruffo releva-se o<strong>por</strong>tuno e esclarece<strong>do</strong>r (2012, p. 31):<br />

O estu<strong>do</strong> da lógica foi, na realida<strong>de</strong>, <strong>um</strong> aspecto fundamental da cultura<br />

medieval: na famosa <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Abelar<strong>do</strong>, talvez o maior professor <strong>do</strong><br />

século XII, a lógica era discretio veritatia, ou seja, a ciência das ciências,<br />

que permitia distinguir a verda<strong>de</strong>. A tradição lógica medieval começa,<br />

segun<strong>do</strong> a opinião com<strong>um</strong>, com Severino Boécio. Ele foi bastante<br />

conheci<strong>do</strong> pelo De Consolatione Philosophine (que escreveu no cárcere em<br />

Pávia, pouco antes <strong>de</strong> ser assassina<strong>do</strong>), mas foi conhecidíssimo como autor<br />

<strong>de</strong> várias obras <strong>de</strong> lógica e como tradutor <strong>do</strong>s mais im<strong>por</strong>tantes livros <strong>de</strong><br />

lógica escritos <strong>por</strong> Porfírio, Cícero e, em particular, Aristóteles. O corpus<br />

<strong>de</strong>ssas obras constitui assim a chamada lógica vetas, que foi estudada <strong>por</strong><br />

séculos nas escolas Medievais. No início <strong>do</strong> século XII, teve início <strong>um</strong>a<br />

im<strong>por</strong>tante mudança no estu<strong>do</strong> da lógica; essa continua, nas décadas<br />

sucessivas, com as obras <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s filósofos como Abelar<strong>do</strong>, Pedro<br />

Lombar<strong>do</strong> e Hugo São Victor. Trata-se da formação da assim chamada<br />

lógica mo<strong>de</strong>rnor<strong>um</strong>, que inclui outras partes das obras <strong>de</strong> Aristóteles (a<br />

chamada lógica nova) e que continuou na segunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século.<br />

Obviamente tais referências, mais <strong>do</strong> que sintéticas, não preten<strong>de</strong>m dar<br />

<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia a<strong>de</strong>quada da infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> problemas, discussões, obras e<br />

traduções que caracterizam o estu<strong>do</strong> da lógica no perío<strong>do</strong> em questão:<br />

contu<strong>do</strong>, talvez bastem para sugerir a riqueza da tradição e <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> lógica, bem como a im<strong>por</strong>tância que tal<br />

estu<strong>do</strong> teve na Building, cultural <strong>do</strong> homem Medieval, em particular <strong>do</strong><br />

jurista.<br />

To<strong>do</strong> esse arcabouço histórico sinaliza objetivamente a constatação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

agenda marcada pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas concepções acerca da <strong>de</strong>scoberta<br />

da verda<strong>de</strong>.<br />

A sobreposição das razões é tema que ainda será trata<strong>do</strong>, pois, embora a<br />

lógica com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras vertentes tenha se encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

consubstanciar outras modalida<strong>de</strong>s, a relação entre lógicas, tecnologias e o jurista<br />

tem si<strong>do</strong> <strong>de</strong>limitada <strong>por</strong> resistências da própria tecnologia estrutural intelectual da<br />

espécie h<strong>um</strong>ana. 175 O avanço <strong>do</strong> homem, parafrasean<strong>do</strong> Francis Wolff, tem seu<br />

175<br />

Como ilustra Oliveira Lima (SRD/P): “Para ilustrar o problema relativo ao tratamento lógico <strong>do</strong><br />

Direito, é possível reproduzir os motivos pelos quais Kelsen nega ser o Direito, entendi<strong>do</strong> como<br />

norma jurídica, analisável pelo ponto <strong>de</strong> vista lógico-formal. Segun<strong>do</strong> o jurista austríaco, <strong>um</strong>a norma<br />

jurídica possui conteú<strong>do</strong> prescritivo, e, como tal, insuscetível <strong>de</strong> ser avaliada em termos <strong>de</strong> verda<strong>de</strong><br />

ou falso, muito embora possa ser válida ou inválida em relação ao or<strong>de</strong>namento jurídico que a<br />

contém. Faltan<strong>do</strong> às normas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliação em termos <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong>, to<strong>do</strong> o acervo<br />

científico construí<strong>do</strong> em torno das proposições lógicas não se lhes aplicaria diretamente. Daí dizer


228<br />

saber condiciona<strong>do</strong> ao <strong>limite</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da natureza <strong>de</strong> sua espécie, nada<br />

além <strong>de</strong>sse espectro (normativo <strong>do</strong> conhecimento) e <strong>do</strong> enfrentamento <strong>de</strong>ssa<br />

realida<strong>de</strong> em seu cotidiano.<br />

Mesmo assim, esse repertório traz historicamente <strong>um</strong>a in<strong>de</strong>lével marca <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a medida <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> contida em suas mãos no que tange aos<br />

elementos probatórios comprometi<strong>do</strong>s com a <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong>.<br />

Dissipa-se, <strong>de</strong> qualquer forma, o caráter místico e pouco seguro com as<br />

coisas reais. No ambiente jurídico, germina com maior vigor a relevante im<strong>por</strong>tância<br />

<strong>de</strong> que as <strong>de</strong>cisões sejam seguras, sen<strong>do</strong> que para isso a produção <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> exige que aconteça em <strong>um</strong> sistema que contenha os atributos<br />

da verda<strong>de</strong> para que sejam compatíveis com viabilização da segurança pretendida.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Taruffo, a <strong>de</strong>coberta da verda<strong>de</strong> é tida como <strong>de</strong>monstração da<br />

racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem ou ao menos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada racionalização<br />

esquemática, em que os envolvi<strong>do</strong>s tenham condições <strong>de</strong> analisar as informações e<br />

os da<strong>do</strong>s, valen<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s conhecimentos da lógica, da filosofia e <strong>de</strong> outras<br />

cognições para certificar-se da veracida<strong>de</strong> fática <strong>de</strong> interesse jurídico.<br />

Esse é o programa utiliza<strong>do</strong> pela espécie h<strong>um</strong>ana no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

suas convicções para a construção das certezas <strong>de</strong> suas verda<strong>de</strong>s. Mas essa “lilás”<br />

afirmação não é nem tão simples nem tão certa. 176 Para o Direito e a Justiça, tem-se<br />

que o Direito e lógica formal são temas imiscíveis. / O rechaço kelseniano à análise lógica <strong>do</strong> Direito<br />

não impediu que, no século XX, inúmeros autores se <strong>de</strong>bruçassem sobre o tema e produzissem <strong>um</strong>a<br />

extensa bibliografia. Von Wright, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>um</strong>a referência nos estu<strong>do</strong>s da lógica <strong>de</strong>ôntica,<br />

<strong>de</strong>senvolveu <strong>um</strong> amplo estu<strong>do</strong> sobre a lógica das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> obrigação, permissão e proibição<br />

aplicável, em particular, ao Direito e, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, às normas. [...] Uma das gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s<br />

em conferir <strong>um</strong> tratamento lógico ao Direito resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> ser a expressão proposição empregada<br />

<strong>de</strong> diferentes maneiras pelos estudiosos que se propõem a analisar o tema. É justamente <strong>por</strong> tal<br />

constatação que a melhor <strong>por</strong>ta <strong>de</strong> entrada para se analisar os conflitos normativos é, seguin<strong>do</strong> o<br />

caminho trilha<strong>do</strong> <strong>por</strong> Bobbio, a diferenciação entre proposições prescritivas e <strong>de</strong>scritivas. Dessa<br />

forma, incialmente é o<strong>por</strong>tuno consi<strong>de</strong>rar que os motivos lança<strong>do</strong>s <strong>por</strong> Kelsen para refutar o<br />

tratamento lógico <strong>do</strong> Direito não levaram em consi<strong>de</strong>ração o fato <strong>de</strong> ser possível enten<strong>de</strong>r as normas<br />

jurídicas a partir <strong>de</strong> proposições, mas proposições <strong>de</strong> <strong>um</strong> tipo especial, a saber, as prescritivas (LIMA,<br />

Gernica Ângela Borém <strong>de</strong> Oliveira. Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> categorização: apresentan<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo clássico e o<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> protótipos. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 15, n. 2,<br />

mai./jun.2010, p. 108 Disponível em:<br />

. Acesso em: 10 abr.<br />

2013)”.<br />

176<br />

Para Lévy, “É possível que não exista nenh<strong>um</strong>a faculda<strong>de</strong> particular <strong>do</strong> espírito <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> que<br />

possamos i<strong>de</strong>ntificar como sen<strong>do</strong> a “razão”. Como alguns <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s conseguiram, apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong>senvolver alguns raciocínios abstratos, po<strong>de</strong>mos sem dúvida explicar este sucesso fazen<strong>do</strong> apelo a<br />

recurso <strong>cognitivo</strong>s exteriores ao sistema nervoso. Levar em conta as tecnologias intelectuais permite<br />

compreen<strong>de</strong>r como os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>de</strong> abstração e <strong>de</strong> raciocínio formal <strong>de</strong>senvolveram-se em nossa<br />

espécie. A razão não seria <strong>um</strong> atributo essencial e imutável da alma h<strong>um</strong>ana, mas sim <strong>um</strong> efeito<br />

ecológico, que repousa sobre o uso <strong>de</strong> tecnologias intelectuais variáveis no espaço e historicamente


229<br />

mostra<strong>do</strong> mais coerente para seu acerto em previsibilida<strong>de</strong>, funcionalida<strong>de</strong>,<br />

agilida<strong>de</strong>, segurança e utilida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura preconcebida com<br />

pressupostos conceituais pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s para que possa otimizar a análise e a<br />

avaliação entre a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatos, os que são <strong>de</strong> interesse <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> jurídico e<br />

a equação <strong>de</strong> juridicida<strong>de</strong> a ser extraída <strong>do</strong> abstrato mun<strong>do</strong> normativo.<br />

O tipo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> que se busca da Justiça, po<strong>de</strong> ser distinto <strong>de</strong> outras<br />

verda<strong>de</strong>s, <strong>por</strong>ém não se revela coerente <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer com que as verda<strong>de</strong>s<br />

possam dialogar, para que haja não somente o envolvimento das cognições, mas o<br />

estímulo para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> mais coesa e convincente <strong>do</strong><br />

ponto <strong>de</strong> vista da previsibilida<strong>de</strong> e da segurança.<br />

Para isso, é preciso dar organicismo e tenacida<strong>de</strong> em coerência, o que po<strong>de</strong><br />

ser obti<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> outra razão, ou seja, da razão lógica e suas espécies<br />

em coesão com a epistemologia da Inteligência Artificial, que se vale <strong>de</strong> to<strong>do</strong> avanço<br />

secular das ciências lógicas e das <strong>de</strong>mais ciências cognitivas em busca <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r, explicar e auxiliar a espécie h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong> forma ampliativa, em to<strong>do</strong>s os<br />

senti<strong>do</strong>s afins. Uma espécie <strong>de</strong> trans<strong>um</strong>anismo.<br />

Por trás da programação da intelectualida<strong>de</strong> da espécie h<strong>um</strong>ana, existe <strong>um</strong>a<br />

linguagem e <strong>um</strong>a sistemática capazes <strong>de</strong> reproduzir seu conteú<strong>do</strong> <strong>cognitivo</strong>, pois o<br />

homem representa <strong>um</strong>a tecnologia produtora <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>ém a<br />

evolução da tecnologia tem permiti<strong>do</strong> pelo viés da lógica ou das re<strong>de</strong>s neurais <strong>de</strong><br />

conexão permitir que a <strong>inteligência</strong> intelectual h<strong>um</strong>ana trabalhe em projetos<br />

trans<strong>um</strong>anos. Eles visam garantir a essa espécie a utilização <strong>de</strong> outras tecnologias,<br />

a fim <strong>de</strong> produzir melhoramento e <strong>de</strong>senvolvimento e, a partir <strong>de</strong>sses, a<br />

concretização <strong>de</strong> realizações i<strong>de</strong>ológicas não obtidas ainda, dadas suas próprias<br />

condições limitativas.<br />

datadas (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da<br />

informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 154)”.


230<br />

Os avanços e os estu<strong>do</strong>s das ciências lógicas e suas ramificações<br />

conectaram-se com outras tantas ciências tais como Inteligência Artificial, Liguística,<br />

Neuroliguística, Neurociência, Neurofísica, Neurobiologia, Matemática, <strong>de</strong>ntre outras<br />

que compõem <strong>um</strong>a nova, ampla e progressiva plataforma <strong>de</strong> produção e reprodução<br />

<strong>de</strong> conhecimentos, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a programação computacional eletronizada, cuja<br />

base advém da produção dialógica <strong>de</strong> outras ciências.<br />

No campo da lógica, tem-se a concepção clássica marcada pela lógica modal<br />

perquerin<strong>do</strong> a lógica <strong>de</strong>ôntica, a normative systemy, a lógica booleana, a lógica<br />

fuzzy e outras, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar não somente o avanço, mas o nível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento que as lógicas atingiram em busca <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r à comunicação entre<br />

o homem e a máquina <strong>de</strong> forma mais profunda na zona em com<strong>um</strong> <strong>de</strong><br />

processamento <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações. Lévy (2011, p. 157-158):<br />

Existem, <strong>por</strong>ém, outras tendências em <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong>. Os<br />

pesquisa<strong>do</strong>res da corrente conexionista baseiam-se muito mais no<br />

funcionamento <strong>do</strong> sistema nervoso <strong>do</strong> que nas regras da lógica formal.<br />

Segun<strong>do</strong> os conexionistas, os sistemas <strong>cognitivo</strong>s são re<strong>de</strong>s compostas <strong>por</strong><br />

<strong>um</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pequenas unida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m atingir diversos<br />

esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> excitação. As unida<strong>de</strong>s apenas mudam <strong>de</strong> esta<strong>do</strong> em função<br />

<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s das unida<strong>de</strong>s às quais estão conectadas. Todas as<br />

transformações na re<strong>de</strong> têm, <strong>por</strong>tanto, causas locais e os efeitos se<br />

propagam pelas proximida<strong>de</strong>s. Para os conexionistas, o <strong>paradigma</strong> da<br />

cognição não é o raciocínio, mas sim a percepção.<br />

As lógicas e as tecnologias embarcadas no âmbito <strong>do</strong> Direito e da Justiça têm<br />

sinaliza<strong>do</strong> <strong>um</strong> senti<strong>do</strong> incom<strong>um</strong> ao habitat <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res das ciências jurídicas. O<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da tecnologia e sua ainda incomensurável potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

avanço têm aproxima<strong>do</strong> o Direito e a Justiça <strong>de</strong> outras ciências.<br />

Ainda que com muita resistência, os estágios <strong>de</strong> armazenamento <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e<br />

informações e a respectiva gestão estão em seus estágios <strong>limite</strong>s.<br />

Isso indica fissura <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova etapa da tecnologia em <strong>inteligência</strong> <strong>do</strong> Direito<br />

e da Justiça. Ao que parece ser <strong>um</strong> acontecimento a ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a politica<br />

judiciária <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que subjaz aos interesses econômicos e sociais à luz <strong>do</strong>s<br />

Direitos e das Garantias Constitucionais geri<strong>do</strong>s <strong>por</strong> esse, a partir <strong>do</strong>s interesses<br />

coletivos sociais (coletivida<strong>de</strong> macro), em <strong>um</strong> típico com<strong>por</strong>tamento <strong>de</strong> Democracia<br />

participativa. 177 É bem verda<strong>de</strong> que é impossível fazer ciências <strong>de</strong> <strong>um</strong>a única ciência,<br />

177<br />

Para Lévy, “O conhecimento das entranhas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a máquina ou <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema operacional será<br />

então usa<strong>do</strong> com o objetivo <strong>de</strong> tornar o produto final amigável. O virtuosismo técnico só produz seu


231<br />

pois seria pueril pensar que os mágicos das ciências gozariam <strong>de</strong>sse status ao nutrir<br />

<strong>um</strong>a única e exclusiva competência científica a dar base a sua cognição. A<br />

informática jurídica ou a tecnologia jurídica pelos meios computacionais <strong>cibernético</strong>s<br />

<strong>de</strong>marcam <strong>novo</strong>s tempos em seu estágio.<br />

O avanço <strong>de</strong>ssa cognição não po<strong>de</strong> ser asfixiada, é necessário que a<br />

<strong>inteligência</strong> como não atributo exclusivo da intelectualida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana possa revelarse<br />

em outras formas <strong>de</strong> tecnologia e isso registre <strong>um</strong>a nova etapa da história <strong>do</strong><br />

Direito. 178<br />

efeito completo quan<strong>do</strong> consegue <strong>de</strong>slocar os eixos e os pontos <strong>de</strong> contato das relações entre<br />

homens e máquinas, reorganizan<strong>do</strong> assim, indiretamente, a ecologia cognitiva como <strong>um</strong> to<strong>do</strong>.<br />

Separar o conhecimento das máquinas da competência cognitiva e social é o mesmo que fabricar<br />

<strong>artificial</strong>mente <strong>um</strong> cego (o informata “puro”) e <strong>um</strong> paralítico (o especialista “puro” em ciências<br />

h<strong>um</strong>anas), que se tentará associar em seguida; mas será tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais, pois os danos já terão si<strong>do</strong><br />

feitos”. E arremata o mesmo autor: “Aqueles que lançaram a microinformática ou groupware não são,<br />

<strong>de</strong> forma alg<strong>um</strong>a, “técnicos puros”. Deveríamos, antes, consi<strong>de</strong>rar os gran<strong>de</strong>s participantes da<br />

“revolução da informática” como homens políticos <strong>de</strong> <strong>um</strong> tipo <strong>um</strong> pouco especial. O que os distingue é<br />

o fato <strong>de</strong> trabalharem na escala molecular das interfaces, lá on<strong>de</strong> se organizam as passagens entre<br />

os reinos, lá on<strong>de</strong> os microfluxos são <strong>de</strong>svia<strong>do</strong>s, acelera<strong>do</strong>s, transforma<strong>do</strong>s, as representações<br />

traduzidas, lá on<strong>de</strong> os elementos constituintes <strong>do</strong>s homens e das coisas se enlaçam (LÉVY, Pierre.<br />

As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos<br />

Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 55)”.<br />

178<br />

Para Guibourg: “Julia Barragán, em su reciente artículo para la Enciclopédia Iberoamericana <strong>de</strong><br />

Filosofia, distingue para la informática jurídica <strong>do</strong>s enfoques: los que <strong>de</strong>nomina como<br />

“<strong>do</strong>minantemente computacional” y <strong>de</strong> “equilíbrio entre las esferas”. El primero encara al <strong>de</strong>recho<br />

como un mero campo <strong>de</strong> aplicación <strong>de</strong> la informática y busca “algoritmos que se aplicam sin<br />

restricciones sobre una masa <strong>de</strong> datos sin forma”. En este senti<strong>do</strong>, los juristas, “como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>l<br />

peca<strong>do</strong> original <strong>de</strong> expresarse em su próprio linguaje, y <strong>de</strong> razonar conforme a sus propios patrones,<br />

parecen con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s a no disfrutar nunca plenamente <strong>de</strong> todas lãs maravillas que la informática<br />

<strong>de</strong>spliega ante sus ojos asombra<strong>do</strong>s”. Em el segun<strong>do</strong> enfoque, en cambio, “la ciência <strong>de</strong><br />

lacomputación <strong>de</strong>sa <strong>de</strong> ser ele referente inamovible cuya certeza no se pone em duda, para<br />

convertirse em un território permanentemente sujeto a criticas, refinamentos y validaciones, los cuales<br />

<strong>de</strong>rivan necessariamente <strong>de</strong> “a esfera jurídica” y se vinculan “con la necesidad <strong>de</strong> producir una<br />

transformación <strong>de</strong>l entorno em el que se producen las inferências y las <strong>de</strong>cisiones, jurídicas, com la<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que lãs mismas posean la mejor base arg<strong>um</strong>ental alcanzable”. Em este contexto, las<br />

características conocidas <strong>de</strong>l linguage <strong>de</strong>l <strong>de</strong>recho (“la textura aberta, el caráter vago <strong>de</strong> algunas<br />

palavras y, fundamentalmente, su semântica”) como son <strong>de</strong>fectos o errores que hay que corrigir, a<br />

qualquier precio para llegar, a perfilar, <strong>um</strong> buen conjunto, <strong>de</strong> aplicación <strong>de</strong> los algoritmos, sino que<br />

ellas mismas constituyen condiciones que generan un <strong>po<strong>de</strong>r</strong>oso estimulo em la <strong>de</strong>finición <strong>de</strong><br />

estruturas <strong>de</strong> datos interesantes y compleyas, semanticamente conformadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>um</strong> punto <strong>de</strong> vista<br />

jurídico”. Destaca la misma autora que la “posibilidad <strong>de</strong> que exista más <strong>de</strong> una respusta correcta,<br />

según Sean los antece<strong>de</strong>ntes que se seleccionen para tornar la <strong>de</strong>cisión (...) no constituye una<br />

herejía que haja que exorcizar rapidamente, sino que sien<strong>do</strong> el rasgo típico <strong>de</strong> lo que se conoce<br />

como, interpretación, <strong>de</strong> Derecho, <strong>de</strong>ve ser preserva<strong>do</strong> em la estructura <strong>de</strong> los datos””. E<br />

complementa a mesma autora (1998, p. 191-192): “Em el Congreso Mundial <strong>de</strong> 1995, Daniele<br />

Bourcier formuló una advertência: “escribir un sistema experto es codificar el <strong>de</strong>recho”. Y explicaba<br />

que “tanto los mo<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> eleboración <strong>de</strong> los sistemas <strong>de</strong> información legal, como la codificación,<br />

forman parte <strong>de</strong> los mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> racionalización <strong>de</strong> la producción jurídica”, ya sea em el momento <strong>de</strong> la<br />

redacción <strong>de</strong> los textos, o em el <strong>de</strong> su aplicación. Segun Bourcier, los instr<strong>um</strong>entos <strong>de</strong>ben ser<br />

coherentes (concentración <strong>de</strong> material jurídico), manejales (incluir unicamente disposición normativa),<br />

tener <strong>um</strong>a estrutura lógica, estar escrito em un linguaje claro, suprimir las dificulta<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

interpretacción y, finalmente, ser completos em relación com la matéria tratada (GUIBOURG, Ricar<strong>do</strong>


232<br />

No ambiente <strong>do</strong> Judiciário, o <strong>de</strong>staque no uso da tecnologia é<br />

indubitavelmente a mudança <strong>de</strong> forma pela qual os serviços jurídicos ganharam<br />

outra roupagem, isto é, as velhas e antiquadas máquinas <strong>de</strong> escrever ce<strong>de</strong>ram<br />

espaço aos computa<strong>do</strong>res, tablets, laptops, smathphones, impressoras, scanners<br />

<strong>de</strong>ntre outros aparatos tecnológicos.<br />

No Brasil, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004 e da Lei<br />

11.419/2006, o sistema <strong>passo</strong>u a conviver com <strong>um</strong> processo <strong>um</strong> pouco mais<br />

sofistica<strong>do</strong> e não só no uso <strong>de</strong> equipamentos tecnológicos, mas também como<br />

instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações e os respectivos fluxos.<br />

Iniciou-se a partir <strong>de</strong> então o trans<strong>por</strong>te <strong>de</strong> informações e <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s pelas<br />

re<strong>de</strong>s digitais. Passaram os procedimentos e os processos a ser realiza<strong>do</strong>s com o<br />

uso <strong>de</strong> certificação digital e os atos <strong>de</strong> peticionamentos, os protocolos e outros<br />

passaram a afastar-se <strong>do</strong> tradicional mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s papéis, concentran<strong>do</strong>-se no<br />

admirável mun<strong>do</strong> tecnológico digital <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações.<br />

O que se registrou nestes longos <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> Emenda Constitucional 45/04 e<br />

ainda se arrasta no tempo, exceto a reclamação e a resistência <strong>do</strong>s profissionais <strong>do</strong><br />

Direito no uso da tecnologia para a prática <strong>do</strong>s atos forenses, principalmente com os<br />

problemas causa<strong>do</strong>s pelas competências e pela territorialida<strong>de</strong> das cortes que<br />

encontra forças dada a ausência <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema integra<strong>do</strong> e unifica<strong>do</strong> nacional em<br />

tecnologia judiciária. Noticia Lévy (2011, p. 118):<br />

É gran<strong>de</strong> a tentação <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nar ou ignorar aquilo que nos é estranho. É<br />

mesmo possível que não nos apercebamos da existência <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s estilos<br />

<strong>de</strong> saber simplesmente <strong>por</strong>que eles não correspon<strong>de</strong>m aos critérios e às<br />

<strong>de</strong>finições que nos constituíram e que herdamos da tradição.<br />

Em <strong>um</strong> horizonte mais avança<strong>do</strong> no uso das lógicas e das tecnologias<br />

avançadas, é possível, hoje, que os dispositivos legais passem a ocupar repositórios<br />

cujas inferências e reflexões jurídicas sejam feitas <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> algoritmos<br />

inteligentes e que <strong>de</strong>sse processo advenham <strong>de</strong>cisões judiciais mediadas pelo uso<br />

da tecnologia, como <strong>de</strong>monstram estu<strong>do</strong>s e experiências da cultura norte americana,<br />

cita<strong>do</strong>s na pesquisa.<br />

A. Bases teóricas <strong>de</strong> la informática jurídica. Doxa, n. 21, II, 1998, pp. 189-200. Disponível em:<br />

. Acesso em: 23 abr. 2015, p. 190)”.


233<br />

O advento da internalização da Instauração <strong>do</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong><br />

Demanda Repetitiva permite que os prece<strong>de</strong>ntes forja<strong>do</strong>s a partir da tese fundada<br />

no dispositivo <strong>do</strong> Direito possam utilizar <strong>–</strong> <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> plataforma em interface<br />

tecnológica <strong>–</strong> a captação <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> sistema, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a programação em<br />

categorização e classificação <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> homogênea para a aplicação<br />

<strong>do</strong> mesmo Direito.<br />

Essa forma ou mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> racionalização normativa <strong>de</strong>certo não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á<br />

afastar-se <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais, bem como, com sua objetiva,<br />

clara e precisa programação tecnológica, alcançar o acesso <strong>de</strong> forma mais célere,<br />

<strong>por</strong>ém, com efetiva segurança <strong>do</strong>s meios e resulta<strong>do</strong>s, além <strong>de</strong> no plano material,<br />

dar ao Direito e a Justiça <strong>um</strong>a aplicação isonômica.<br />

A instabilida<strong>de</strong>no meio jurídico é perplexa <strong>por</strong>que o saber tem relação com o<br />

grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da espécie em que ele é mensura<strong>do</strong>, no entanto, no caso,<br />

a espécie h<strong>um</strong>ana não po<strong>de</strong> esquecer-se <strong>de</strong> que <strong>um</strong> sistema com semelhantes<br />

características <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á superá-lo em efetivo afinamento com seus interesses afins.<br />

Todavia terá que ser realiza<strong>do</strong> pela participação da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que essa ainda representa fator <strong>de</strong>cisivo no plano motricial das<br />

<strong>de</strong>scobertas e inovações no processo <strong>de</strong> evolução <strong>de</strong>ssa espécie.<br />

Os juristas, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma geral, historicamente tomaram o Direito e a Justiça<br />

como <strong>um</strong> monopólio <strong>de</strong> construção intelectual genuinamente <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, como em<br />

breve se extrai <strong>de</strong> Alicante no repositório Doxa, em entrevista a Mário Lozano.<br />

A falta <strong>de</strong> interesse pela informática jurídica e o uso da tecnologia noticiada foi<br />

<strong>um</strong> com<strong>por</strong>tamento natural <strong>de</strong> todas as épocas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> enigmático e enclausura<strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> acadêmico e profissional <strong>do</strong> Direito, segun<strong>do</strong> Atienza (2004, p. 376-377):<br />

Durante 35 años he trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> introducir la informática jurídica en senti<strong>do</strong><br />

amplio (que incluye tambien el Derecho <strong>de</strong> la informática) en la Università<br />

<strong>de</strong>gli Studi <strong>de</strong> Milan, en <strong>do</strong>n<strong>de</strong> enseñé <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1969 hasta 2004, pero con la<br />

única excepción <strong>de</strong> Renato Treves siempre encontre <strong>um</strong> disinterés total <strong>por</strong><br />

esa enseñanza. Ni siquiera <strong>do</strong>s mandatos como presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>l centro <strong>de</strong><br />

cálculo <strong>de</strong> toda la universidad abrieron una brecha em esa muralla. La<br />

pasión intelectual me transformó em pusher acadêmico: durante años he i<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>spachan<strong>do</strong> módicas cantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informática jurídica bajo la cubierta <strong>de</strong><br />

la teoria general <strong>de</strong>l Derecho.


234<br />

Da im<strong>por</strong>tante entrevista realizada <strong>por</strong> Atienza ao Preceptor/Informata Mario<br />

Lozano ainda é possível em extenso trecho haurir os aspectos históricos <strong>do</strong> uso da<br />

tecnologia no ambiente jurídico e os caminhos trilha<strong>do</strong>s na trajetória <strong>do</strong> ius<br />

cibernetico. 179 Um fator que não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> após o retrospecto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

179<br />

“Espero haber hecho contribuciones tanto teóricas como practicas a la informática jurídica em<br />

Italia. Em el plano teórico, como perteneciente a la primera generación <strong>de</strong> juristas informáticos <strong>–</strong> es<br />

<strong>de</strong>cir, la que tuvo que “inventarse” la disciplina <strong>–</strong>, he trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> distinguir la aplicación <strong>de</strong> la<br />

informática al Derecho (es <strong>de</strong>cir, la informática jurídica en senti<strong>do</strong> estricto), <strong>de</strong> la aplicación <strong>de</strong>l<br />

Derecho a la informática (es <strong>de</strong>cir, el Derecho <strong>de</strong> la información), una disciplina técnica, la primera, y<br />

jurídica, la segunda. Esta organización <strong>de</strong> la disciplina que estaba nascien<strong>do</strong>, ya anunciada em la<br />

Giuscibernetica <strong>de</strong> 1969, tomo cuerpo luego en mi corso <strong>de</strong> informática jurídica: en 1971, la primera<br />

edición constaba <strong>de</strong> un solo vol<strong>um</strong>en; en 1981, los <strong>do</strong>s vol<strong>um</strong>enes <strong>de</strong> la segunda edición introducian<br />

una distinción que luego se afianzaria, pues se <strong>de</strong>dicaba, en uno a la Elaborazione <strong>de</strong>i dati non<br />

n<strong>um</strong>erici traduci<strong>do</strong> al espanhol en 1984 <strong>por</strong> Aguiló, Atienza y Ruiz Manero), y outro al Diritto <strong>de</strong>ll<br />

informática. En 1984, esta segunda edición se completo conL’analisis <strong>de</strong>le procedure giuridiche, en<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> proponia una edición <strong>de</strong> las normas compatibles com la informática. Enfin, en 1985-86<br />

publiqué los tres volúmenes que sistematizaban toda la matéria: <strong>um</strong> vol<strong>um</strong>en técnico, Informática per<br />

lês cienze social, y <strong>do</strong>s volúmenes jurídicos, II diritto priva<strong>do</strong> <strong>de</strong>ll’ informática y II diritto público <strong>de</strong>ll’<br />

informática. Después <strong>de</strong> esta fecha, la rápida evolución tanto <strong>de</strong> la tecnologia como <strong>de</strong>l Derecho há<br />

hecho imposible una atualización <strong>de</strong> este trabalho <strong>por</strong> parte <strong>de</strong> una sola persona. / Em el plano<br />

práctico, mis realizaciones se refieren, en primer lugar, a los bancos <strong>de</strong> datos jurídicos, tanto<br />

legislativos como judiciales. Nació así, en 1973, el primer banco <strong>de</strong> datos legislativos <strong>de</strong> Lombardia,<br />

<strong>de</strong>stina<strong>do</strong> sin embargo a divolverse al passar <strong>de</strong> fase experimental y la <strong>de</strong> gestión. Este era el<br />

problema típico <strong>de</strong> aquellos inicios: los protipos geniales no se transformaban casi nunca em servicios<br />

para el ciudadano y hoy, em elfon<strong>do</strong> <strong>de</strong>l Gran Mar Océano <strong>de</strong> la informática Jurídica, yecen muchos<br />

galeones con sus bo<strong>de</strong>gas llenas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>as <strong>do</strong>radas y olvidadas. Por ello, la pasión <strong>por</strong> las<br />

(<strong>de</strong>masiadas) noveda<strong>de</strong>s tecnológicas no <strong>de</strong>be hacer olvidar la historia <strong>de</strong> la informática jurídica: en<br />

treinta años, los problemas jurídicos a resolver han queda<strong>do</strong> com frecuencia inaltera<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> la misma<br />

manera que las soluciones pioneiras <strong>de</strong>l pasa<strong>do</strong>, todavia pue<strong>de</strong>n oferecer indicaciones útiles incluso<br />

en tempos <strong>de</strong> tecnologias pasmosas. Em aquel banco <strong>de</strong> datos legislativos en línea coloqué en 1987<br />

el primer CD-ROM italiano con sentencias <strong>de</strong> segun<strong>do</strong> gra<strong>do</strong> <strong>de</strong>l área milanesa. Puesto que ese<br />

banco <strong>de</strong> datos judiciales no en línea iba <strong>por</strong> <strong>de</strong>lante <strong>de</strong> su merca<strong>do</strong> potencial, su conteni<strong>do</strong> se hizo<br />

<strong>de</strong>sembocar em el sistema Italgire <strong>de</strong> la Corte <strong>de</strong> Cassazione. / Esas realizaciones prácticas no<br />

habrian si<strong>do</strong> posibles sin los constantes contatos com las casas constructoras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res, que al<br />

comienzo <strong>de</strong> la era informática también eran productoras <strong>de</strong> los programas a ejecutar. Seguí los<br />

primeiros cursos <strong>de</strong> programación em la socieda<strong>de</strong> Honeywell, colaboré com la socieda<strong>de</strong> IBM (que<br />

puso a mi disposición personas, programas y tempo-maquina para realizar los primeros proyectos <strong>de</strong><br />

information retrieval legislativa, em los años setenta), y tambien con Olivetti y com Univac. Pero la<br />

colaboración, mas dura<strong>de</strong>ra y el recuer<strong>do</strong> mas intenso están liga<strong>do</strong>s a la rama informática <strong>de</strong> la<br />

socieda<strong>de</strong> Siemens, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> encontré durante años <strong>um</strong> incomparable ambiente <strong>de</strong> trabajo y <strong>de</strong><br />

investigación, em Italia y em Alemania. Bajo las alas <strong>de</strong> “Mamá Siemens”, nacieron no solo lãs<br />

aplicacines al Derecho, a las bibliotecas e a los catastros, sino también mis libros sobre la historia <strong>de</strong>l<br />

calculo mecânico: las monografias sobre Lebniz, Babbage, Scheutz y Zuse publicadas <strong>por</strong> la editorial<br />

EtasKompass, al principio como inteligentes aguinal<strong>do</strong>s empresariales para Navidad, y <strong>de</strong>spués como<br />

volúmenes distribuí<strong>do</strong>s también em lãs librerías. Entre los años setenta y ochenta se perfilo em el<br />

horizonte y se <strong>de</strong>svaneció tambien el sueño <strong>de</strong>l or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r europeo, cuan<strong>do</strong> las empresas europeas<br />

rataron <strong>de</strong> colaborar constituyen<strong>do</strong> la socieda<strong>de</strong> “Unidata”, muy pronto <strong>de</strong>shecha <strong>por</strong> los corrosivos<br />

intereses nacionales. El “or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r europeo” no vió la luz y, en particular, Italia perdió el tren <strong>de</strong> la<br />

informática: Lorenzo Soria, se <strong>do</strong>ctoró conmigo presentan<strong>do</strong> la tesi”Informática, ocasión perdida”,<br />

publicada en 1979 <strong>por</strong> Einaudi. De esos años <strong>de</strong> provechoso trabajo, pero también <strong>de</strong> ilusiones hoy<br />

casi olvidadas, me quedan los proyectos realiza<strong>do</strong>s y, cosas raras, los vínculos <strong>de</strong> amistad<br />

robusteci<strong>do</strong>s em un ambiente <strong>de</strong> trabajo para mi irrepetiblemente constructivo (ATIENZA, Manuel.<br />

Entrevista a Mario Losano. In: DOXA. Cua<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Filosofia <strong>de</strong>l Derrecho, n. 28, 2004, p. 374.<br />

Disponível em: . Acesso em:<br />

14 ago. 2015.)”.


235<br />

vida, ou melhor, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a carreira incessante extraí<strong>do</strong> da entrevista <strong>de</strong> Lozano nas<br />

cercanias da introdução da tecnologia no ambiente <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito e da Justiça<br />

é a <strong>de</strong> que não somente o fato <strong>de</strong> a tecnologia se revelar estranha ao mun<strong>do</strong> das<br />

normas, mas estranha aos seus maiores expoentes (comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cientistas).<br />

Da existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tensão política e jurídica aplicada que envolve a<br />

estrutura <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário diante da questão da mutabilida<strong>de</strong> que possa gerar a<br />

influência da tecnologia no ambiente <strong>de</strong> como será o judiciário e não <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

preocupação semântica <strong>do</strong> <strong>por</strong>quê da tecnologia no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça.Embora discuta-se, segun<strong>do</strong> Lévy (2011, p. 107): “É certo que nos falta<br />

recuo para avaliar <strong>de</strong> forma plena todas as consequências <strong>de</strong>sta mutação<br />

tecnológica sobre as profissões...”<br />

A resistência <strong>de</strong> enxergar nos “meios” tecnológicos <strong>um</strong> caminho mais eficiente<br />

aos <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s fins <strong>do</strong> Direito e da Justiça não é o suficiente para o<br />

convencimento da sua melhor eficiência e eficácia, ainda que a tecnologia ofereça<br />

maior segurança em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua estrutura lógica ou conexionista no<br />

coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>passo</strong> a <strong>passo</strong> <strong>do</strong> que se será realiza<strong>do</strong> nos atos procedimentais.<br />

A arg<strong>um</strong>entação e a críticas interpretativas geram <strong>um</strong> afastamento <strong>do</strong><br />

consenso sobre o envolvimento da tecnologia da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana como fluxo da<br />

condução processual <strong>do</strong>s atos que em sua gran<strong>de</strong> maioria repetem-se<br />

cotidianamente além <strong>do</strong> evi<strong>de</strong>nte atraso pelo <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong>snecessário <strong>de</strong> tempo<br />

no manuseio <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações e sua larga escala nos mol<strong>de</strong>s clássicos.<br />

Defen<strong>de</strong>-se sob esse aspecto que alguns conceitos serão muda<strong>do</strong>s<br />

inevitavelmente com o advento da tecnologia da Inteligência Artificial. Aliás,<br />

antropologicamente é possível i<strong>de</strong>ntificar a preocupação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz como <strong>de</strong><br />

inúmeros outros atores <strong>do</strong> palco <strong>do</strong> Judiciário <strong>–</strong> enquanto personagens <strong>de</strong> sua<br />

história <strong>–</strong> com o fato <strong>de</strong> que serão substituí<strong>do</strong>s nas atribuições ou funções, que<br />

passarão a ser realizadas pelo uso da tecnologia.<br />

Nas histórias das civilizações <strong>do</strong>s racionais ou irracionais, isso é recorrente<br />

em to<strong>do</strong>s os níveis. Em apertada síntese para não per<strong>de</strong>r o foco <strong>do</strong> capítulo, o<br />

perío<strong>do</strong> que antece<strong>de</strong>u a escrita e que elevou o homem a ser seu maior protagonista<br />

da história, as narrativas épicas, os mitos e toda a forma <strong>de</strong> ensinamento e<br />

reprodução <strong>do</strong> saber foram marca<strong>do</strong>s pela oralida<strong>de</strong> como retra<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Platão.<br />

Com o advento da escrita, surge a história. A verda<strong>de</strong> em tal processo é<br />

fecundada diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a interpretação crítica a qual <strong>de</strong>manda maior tempo <strong>por</strong>que


236<br />

a espécie h<strong>um</strong>ana entra em conflito <strong>por</strong> intermédio da dialética, <strong>do</strong> arg<strong>um</strong>ento crítico,<br />

das discussões, enfim, <strong>de</strong> to<strong>do</strong> <strong>um</strong> aparato pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pela criação <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e<br />

informações, produzi<strong>do</strong>s e reduzi<strong>do</strong>s à escrita.<br />

Com a tecnologia e seu <strong>de</strong>senvolvimento em <strong>um</strong> salto histórico <strong>–</strong> no qual o<br />

<strong>de</strong>safio <strong>do</strong> informata é o <strong>de</strong> programar tão somente e utilizar os “meios” tecnológicos<br />

para o entrenimento <strong>–</strong> o aparelho informático <strong>passo</strong>u a sinalizar para outros usos<br />

afins e encontrou em seu percurso as ciências e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as inocular com<br />

o germe <strong>do</strong>s “meios” tecnológicos <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s em múltiplas finalida<strong>de</strong>s fins para as<br />

utilida<strong>de</strong>s, necessida<strong>de</strong>s e essencialida<strong>de</strong>s sociais.<br />

A velocida<strong>de</strong> passa a ser <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> <strong>por</strong>que a tecnologia interfaceia a<br />

espécie h<strong>um</strong>ana e gradualmente a substitui nas ações <strong>de</strong> seu cotidiano, e as lógicas<br />

<strong>de</strong>sse processo captam a tecnologia da fala, <strong>do</strong> pensamento, da razão e as<br />

reproduzem com equipotencialida<strong>de</strong>. No âmbito da lógica modal que remonta a<br />

Aristóteles, esclarece Coscarelli (2008, p. 5):<br />

Em sua metafísica, Aristóteles preten<strong>de</strong> superar <strong>de</strong> vez a ontologia eleática<br />

(a escola eleática é a escola da filosofia que segue Parmêni<strong>de</strong>s). Ele admite<br />

a multiplicida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ser. A partir daí, começa a discorrer sobre as<br />

características <strong>do</strong> mesmo. A primeira distinção são as categorias que<br />

representam o grupo principal <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ser e constituem as<br />

originárias <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong> ser. Aristóteles fala em <strong>de</strong>z categorias, mas discorre<br />

efetivamente sobre oito, a saber: substância (ou essência), qualida<strong>de</strong>,<br />

quantida<strong>de</strong>, relação, ação, paixão, lugar e tempo. A teoria das categorias<br />

tem im<strong>por</strong>tantes consequências no <strong>de</strong>senvolvimento da lógica. No entanto,<br />

outra distinção filosófica nos interessa <strong>de</strong> forma mais próxima: a distância<br />

entre potência e ato. Por exemplo, a semente e <strong>um</strong>a árvore em ato, mas<br />

não o ato. Existe <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> diferença entre o cego e quem tem os olhos<br />

sãos, mas os mantém fecha<strong>do</strong>s. O primeiro não é capaz <strong>de</strong> enxergar, o<br />

segun<strong>do</strong> é <strong>um</strong>a pessoa que enxerga em potência, mas não em ato. Apenas<br />

quan<strong>do</strong> abrir os olhos enxergará em ato. Essa distinção foi o embrião da<br />

lógica modal. Quan<strong>do</strong> se afirma que o homem vê a pedra, essa proposição<br />

po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>ira ou falsa. Se o homemnão vê a pedra, ela é falsa. Se a<br />

homem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver a pedra, a afirmação é possível, mesmo que<br />

seja falsa, ou seja, que o homem não esteja ven<strong>do</strong> a pedra naquele<br />

momento. Se o homem não tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver a pedra, a afirmação<br />

é impossível. Da mesma forma, <strong>um</strong>a afirmação que é verda<strong>de</strong>ira e não<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser falsa é necessária. Nesse ponto, Aristóteles começa a<br />

consi<strong>de</strong>rar afirmações modais, como “é necessário que...” “é impossível<br />

que”, “é possível que...”. O adjetivo “modal” refere-se ao mo<strong>do</strong> como a<br />

afirmação é verda<strong>de</strong>ira ou falsa: ela é necessariamente verda<strong>de</strong>ira ou<br />

necessariamente falsa (o que equivale a dizer que é impossível), ou<br />

possivelmente verda<strong>de</strong>ira ou falsa. Nasce assim a lógica modal.<br />

O trabalho das conjunções possíveis no âmbito da lógica modal <strong>de</strong>monstra,<br />

ou melhor, evi<strong>de</strong>ncia <strong>um</strong>a conjunção impossível. Nesse senti<strong>do</strong>, as afirmações


237<br />

necessárias confirmam <strong>um</strong>a subsequente relação necessária. O efeito<br />

tem<strong>por</strong>alida<strong>de</strong> que envolve a espécie h<strong>um</strong>ana é significativo para tal modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

lógica, pois, mesmo que as afirmações necessárias sejam possíveis, é impossível<br />

que aconteçam concomitantemente.<br />

Essa estrutura modal, mesmo que não tão complexa, <strong>passo</strong>u a ser utilizada<br />

para a análise <strong>de</strong> diálogos arg<strong>um</strong>entativos cujo objetivo era o <strong>de</strong> certificar sua<br />

verda<strong>de</strong> ou falsida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>ém não estava somente a este serviço.<br />

A lógica modal contribui exaustivamente para a moldura da construção das<br />

regras da arg<strong>um</strong>entação, pois <strong>de</strong>ten<strong>do</strong>-as, tornar-se-ia possível <strong>de</strong>senvolver bons<br />

arg<strong>um</strong>entos, i<strong>de</strong>ntificá-los e projetar <strong>um</strong> turbilhão evolutivo sem prece<strong>de</strong>ntes. 180 Se as<br />

obrigações estão somente para as permissões correlacionadas com o que é<br />

obrigatório, isso seria <strong>um</strong>a prova suficiente da limitação da lógica em se harmonizar<br />

com o pensar <strong>do</strong> homem. Aliás, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser <strong>um</strong> forte indício <strong>de</strong> que a lógica e todas<br />

as suas formas não se submetessem a aten<strong>de</strong>r com subsunção a cognição da<br />

espécie h<strong>um</strong>ana, como esclarece Lévy (2011, p. 157):<br />

Mais <strong>um</strong>a vez, a lógica é <strong>um</strong>a tecnologia intelectual datada, baseada na<br />

escrita, e não <strong>um</strong>a maneira natural <strong>de</strong> pensar. A enorme maioria <strong>do</strong>s<br />

raciocínios <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s não usa regras <strong>de</strong> <strong>de</strong>dução formais. A lógica é, para o<br />

pensamento, o mesmo que a régua <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira é para o traça<strong>do</strong> <strong>de</strong> linhas<br />

retas quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>senha. Esta é a razão pela qual os trabalhos em<br />

<strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> basea<strong>do</strong>s unicamente na lógica formal têm poucas<br />

chances <strong>de</strong> chegar a <strong>um</strong>a simulação profunda da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana. Em<br />

vez <strong>de</strong> <strong>um</strong>a réplica <strong>do</strong> pensamento vivo, a IA clássica ou lógica construiu,<br />

na verda<strong>de</strong>, novas tecnologias intelectuais, como os sistemas especialistas.<br />

Produziu a lógica, sem dúvida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a concepção clássica <strong>um</strong>a tecnologia<br />

em <strong>inteligência</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s reais em pontecialida<strong>de</strong>s, assim é natureza da<br />

180<br />

Segun<strong>do</strong> Coscarelli: “O espírito que imperou até tempos bem recentes foi <strong>de</strong> unicida<strong>de</strong> da lógica.<br />

Hoje, o espírito é <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> sistemas lógicos. Foi a mesma mudança <strong>de</strong> espírito processada com a<br />

<strong>de</strong>scoberta da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras geometrias que não a euclidiana. A geometria mo<strong>de</strong>rna não<br />

lida apenas com <strong>um</strong> sistema geométrico; até <strong>um</strong> perío<strong>do</strong>, não muito distante da história da<br />

matemática, lidava-se apenas com o sistema euclidiano, que era visto como o único, como a<br />

geometria. Tal mudança se processou na lógica em <strong>um</strong> momento mais tardio e constitui <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong><br />

revolução <strong>de</strong> pensamento. A bem da verda<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> discutimos a respeito <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema lógico,<br />

nós o fazemos através <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “meta linguagem” e, nessa metalinguagem, seguimos regras <strong>de</strong><br />

arg<strong>um</strong>entação como Aristóteles queria discutir. No momento histórico, em que Aristóteles escreveu,<br />

não existia a <strong>de</strong>stinação entre a linguagem e a metalinguagem. Em <strong>um</strong>a análise mais profunda, essa<br />

é a distinção possibilita pensar em múltiplas lógicas (COSCARELLI, Bruno Costa. Introdução à<br />

lógica modal. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em Ciências). Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. São Paulo, 2008, p.<br />

13)”.


238<br />

lógica clássica formal, o que não po<strong>de</strong> é o referi<strong>do</strong> entendimento ser extendi<strong>do</strong> a<br />

outras <strong>de</strong>mais espécies e formas.<br />

A verda<strong>de</strong> produzida pela tecnologia da Inteligência Artificial apresenta-se<br />

com <strong>um</strong>a característica mais pragmatizada, em que as dinâmicas das novas<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>monstram que a pontualida<strong>de</strong> tem<strong>por</strong>al não permite que a<br />

<strong>inteligência</strong> da espécie h<strong>um</strong>ana em alguns aspectos alcance os mesmos resulta<strong>do</strong>s<br />

qualitativos e quantitativos.<br />

De fato, o mun<strong>do</strong> contem<strong>por</strong>âneo que habitam o Direito e a Justiça não<br />

permite se per<strong>de</strong>r tempo em conflitos i<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong>correntes das técnicas<br />

hermenêuticas <strong>de</strong> interpretação <strong>um</strong> tanto instáveis. É preciso gizar <strong>um</strong>a tecnologia<br />

em <strong>inteligência</strong> que possa pelos seus “meios” fluir segun<strong>do</strong> melhores critérios. Para<br />

conceber previsibilida<strong>de</strong>, segurança, isonomia e celerida<strong>de</strong> ao sistema judiciário.


239<br />

10 O ESTADO CONSTITUCIONAL E OS “MEIOS” PARA A CONQUISTA DOS<br />

DIREITOS E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS<br />

10.1 Aspectos <strong>de</strong> base <strong>de</strong> <strong>um</strong> projeto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito para <strong>um</strong><br />

Esta<strong>do</strong> Constitucional<br />

Os aspectos constitucionais <strong>de</strong> base serão sempre relevantes para a carta<br />

política que os alberga, pois ela registra em seu conteú<strong>do</strong> as conquistas<br />

experienciadas pela espécie h<strong>um</strong>ana ao longo <strong>de</strong> sua própria história, <strong>por</strong> isso é<br />

fundamental que, em quaisquer reflexões a respeito, não sejam perdidas <strong>de</strong> vista.<br />

A Constituição abriga <strong>de</strong> forma protetiva to<strong>do</strong>s eles, tanto os existentes já<br />

conquista<strong>do</strong>s e sedimenta<strong>do</strong>s como os que em outros momentos históricos serão<br />

<strong>de</strong>snuda<strong>do</strong>s e reconheci<strong>do</strong>s na mesma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za.<br />

Portanto, ela opera como verda<strong>de</strong>ira guardiã <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias<br />

Fundamentais, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>r <strong>um</strong> projeto <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong><br />

Direito para <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> Constitucional concreto.<br />

Os princípios e as regras constitucionais representam a base funda<strong>do</strong>ra e<br />

estruturante da Constituição Fe<strong>de</strong>ral na fundação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que ela representa. É<br />

carta inaugural essencial e indispensável conten<strong>do</strong> geneticamente eficácia direta e<br />

indireta <strong>do</strong>s valores que alberga.<br />

Sob tal aspecto, têm como fatores principiológicos e regratológicos a geração<br />

<strong>de</strong> sinergias para a proteção e a segurança jurídica em seus preceitos como <strong>um</strong><br />

to<strong>do</strong>, dan<strong>do</strong> com isso tenacida<strong>de</strong> à unida<strong>de</strong> constitucional, elemento responsável<br />

pela manutenção da hegemonia para o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> funcionamento da or<strong>de</strong>m<br />

Constitucional.<br />

A preservação e a proteção neste contexto têm reserva<strong>do</strong> ao Direito<br />

Constitucional papel <strong>de</strong> prepon<strong>de</strong>rância, além <strong>de</strong> ser bifronte, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> garantir<br />

a hegemonia normativa e <strong>de</strong> promover a libertação <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias<br />

Fundamentais, tanto no plano formal quanto material.


240<br />

É possível inferir que seu valor vinculativo esteja aquém da capacida<strong>de</strong><br />

cognitiva <strong>do</strong>s seus intérpretes e <strong>de</strong>stinatários, pois sua atem<strong>por</strong>alida<strong>de</strong> revela esse<br />

fenômeno, o que resulta <strong>de</strong> insight em seu <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

muitas vezes meramente i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s.<br />

Quan<strong>do</strong> não alcança<strong>do</strong>, cobra imperativamente <strong>de</strong> suas operações pelo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> técnicas que possibilitem vencer o aspecto i<strong>de</strong>ológico e atingir<br />

os fins colima<strong>do</strong>s no plano <strong>de</strong> sua efetivida<strong>de</strong> ou simplesmente giza-se <strong>um</strong>a<br />

potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dano à norma fundamental, consoante o brocar<strong>do</strong> kelseniano.<br />

Segun<strong>do</strong> Nery Junior (2010):<br />

A Constituição é a or<strong>de</strong>m jurídica fundamental da coletivida<strong>de</strong>: <strong>de</strong>termina os<br />

princípios diretivos, segun<strong>do</strong> os quais <strong>de</strong>vem formar-se a unida<strong>de</strong> política e<br />

as tarefas estatais a serem exercidas; regula ainda procedimentos <strong>de</strong><br />

pacificação <strong>de</strong> conflitos no interior da socieda<strong>de</strong>; para isso cria bases e<br />

normatiza traços fundamentais da or<strong>de</strong>m total jurídica.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, os propósitos <strong>de</strong> inovação, ampliação, restrição ou quaisquer<br />

outros que possam surgir pela influência da <strong>de</strong>scoberta da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana ou<br />

não, <strong>de</strong>verão sempre se pautar a essa Lei Maior <strong>por</strong> sua natureza <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za<br />

fundamental, ou seja, sen<strong>do</strong> referência os seus elementos <strong>de</strong> base, os quais<br />

compendiam a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, evitan<strong>do</strong>, assim, que os Direitos e as Garantias<br />

Fundamentais sejam aliena<strong>do</strong>s pelo fetiche <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos.<br />

O referi<strong>do</strong> diploma, embora não redigi<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma linear, o arranjo<br />

institucional Constitucional consubstancializa<strong>do</strong> em seu teor, permite <strong>um</strong>a posição<br />

<strong>de</strong> ridi<strong>de</strong>z e tenacida<strong>de</strong> ao ter em seus fundamentos elementos estruturantes que<br />

fazem <strong>de</strong>ssa lei a pedra angular <strong>do</strong> sistema, e isso se dá em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />

infraestratura. 181<br />

181<br />

Segun<strong>do</strong> Nery Junior, “Para tanto, é necessário que a Constituição realize três tarefas<br />

fundamentais. / A primeira é a <strong>de</strong> integração, estabelecen<strong>do</strong> a unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, regulan<strong>do</strong> e<br />

pacifican<strong>do</strong> o conflito <strong>de</strong> diversos grupos que o formam. Para a manutenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, é necessário<br />

que ele seja sustenta<strong>do</strong> pelos seus cidadãos, que estes se sintam responsáveis <strong>por</strong> ele e o<br />

<strong>de</strong>fendam. A Constituição tem função fundamental na integração e formação da unida<strong>de</strong> política e <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, <strong>por</strong>que lhe assegura <strong>um</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico e <strong>um</strong> processo organiza<strong>do</strong> para a solução <strong>de</strong><br />

conflitos que surgirem em seu interior. / A segunda função é a da organização, isto é, a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico não somente se apresenta para a formação e conservação da unida<strong>de</strong><br />

política, senão também para organizar a ação e a incidência <strong>do</strong>s órgãos estatais constituí<strong>do</strong>s com<br />

esses fundamentos. A Constituição é que organiza os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, constituin<strong>do</strong> os órgãos a<br />

exercerem as diversas tarefas estatais, bem como suas competências correspon<strong>de</strong>ntes, necessárias<br />

para o c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong>ssas tarefas. Ela organiza os procedimentos a serem segui<strong>do</strong>s, que permitem<br />

a a<strong>do</strong>ção das <strong>de</strong>cisões a<strong>de</strong>quadas. / A terceira função consiste da direção jurídica. O or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico, que permite a existência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ve ser moralmente reto, legítimo e auferi<strong>do</strong>


241<br />

Isso não significa, todavia, que a história da evolução seja obstacularizada<br />

pelos preconceitos oriun<strong>do</strong>s muitas vezes da própria condição h<strong>um</strong>ana, mesmo à luz<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a lei hierarquicamente superior, mas, ao contrário, o que se exige <strong>do</strong> estudioso<br />

<strong>do</strong> Direito é a tomada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maior consciência sobre as conquistas realizadas e/ou<br />

<strong>de</strong> que qualquer mudança, alteração ou acréscimo <strong>de</strong>verão ser analiticamente<br />

avaliadas, comprovadas e certificadas, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> evitar dissídias no plano <strong>do</strong><br />

sistema Constitucional. 182 A ansieda<strong>de</strong> pela velocida<strong>de</strong> diante <strong>do</strong> sacrifício imposto<br />

ao Direito e à Justiça, face à morosida<strong>de</strong> e à inefetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Direitos e das<br />

Garantias Fundamentais previstas na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, levaram o Legisla<strong>do</strong>r<br />

Constitucional a incluir no rol <strong>do</strong> artigo 5º, LXXVIII da CF, dispositivo a fomentar <strong>um</strong>a<br />

razoável duração <strong>do</strong> processo em consonância com a “Convenção Interamericana<br />

<strong>de</strong> Direitos <strong>do</strong> H<strong>um</strong>anos <strong>de</strong> 1969”. Segun<strong>do</strong> Nery Junior, o referi<strong>do</strong> dispositivo tem a<br />

seguinte conotação semântica (2010, p. 316):<br />

O princípio da duração razoável <strong>do</strong> processo possui dupla função <strong>por</strong>que,<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, respeita ao tempo <strong>do</strong> processo em senti<strong>do</strong> estrito, vale dizer,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se a duração que o processo tem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu inicio até o final<br />

com o trânsito em julga<strong>do</strong> judicial ou administrativo, e, <strong>de</strong> outro, tem a ver<br />

com a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> meios alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos, <strong>de</strong> sorte a<br />

alivaiar a carga <strong>de</strong> trabalho da <strong>justiça</strong> ordinária, o que, sem dúvida, viria a<br />

contribuir para abreviar a duração média <strong>do</strong> processo.<br />

historicamente. A função diretiva da Constituição consiste, principalmente, em <strong>do</strong>tar os <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais <strong>de</strong> força vinculante para to<strong>do</strong> o or<strong>de</strong>namento jurídico. Ao realizar essas três tarefas, a<br />

Constituição <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser apenas a or<strong>de</strong>m jurídica fundamental <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e passa a ser também a<br />

or<strong>de</strong>m jurídica fundamental da socieda<strong>de</strong> (NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim<br />

(Org). Aspectos polêmicos e atuais <strong>do</strong>s recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Ed. Revista<br />

<strong>do</strong>s Tribunais, 2011, p. 38. Série Aspectos polêmicos e atuais <strong>do</strong>s recursos, v. 12)”.<br />

182<br />

Para Arendt: “Como o preconceito se antecipa ao juízo, recorren<strong>do</strong> ao passa<strong>do</strong>, sua razão <strong>de</strong> ser<br />

tem<strong>por</strong>al é limitada às épocas históricas e formam, em termos puramente quantitativos, a maior parte<br />

da história, nas quais o <strong>novo</strong> é relativamente raro e o velho pre<strong>do</strong>mina na estrutura política e social. A<br />

palavra julgar tem, em nosso uso idiomático, <strong>do</strong>is significa<strong>do</strong>s distintos <strong>um</strong> <strong>do</strong> outro <strong>por</strong> completo, que<br />

sempre confundimos quan<strong>do</strong> falamos. Ela significa, <strong>por</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, o subordinar <strong>do</strong> indivíduo e <strong>do</strong><br />

particular a algo geral e universal, o medir normaliza<strong>do</strong>r com critérios nos quais se verifica o concreto<br />

e sobre os quais se <strong>de</strong>cidira. Em to<strong>do</strong>s esses juízos encontra-se <strong>um</strong> preconceito; só o indivíduo é<br />

julga<strong>do</strong>, mas não o próprio critério nem sua a<strong>de</strong>quabilida<strong>de</strong> para medir. Também o critério foi <strong>um</strong> dia<br />

posto em julgamento, mas <strong>de</strong>pois esse juízo foi ass<strong>um</strong>i<strong>do</strong> e como se tornou <strong>um</strong> meio para se <strong>po<strong>de</strong>r</strong><br />

continuar julgan<strong>do</strong> (ARENDT, Hannah. O que é política: fragmentos das obras póst<strong>um</strong>as compila<strong>do</strong>s<br />

<strong>por</strong> Ursula Ludz. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 31)”.


242<br />

Consigna ainda o Legisla<strong>do</strong>r sobre a essencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>ento a permitir<br />

“meios” que garantam a efetivida<strong>de</strong>, todas as vezes em que houver <strong>um</strong>a ameaça ou<br />

<strong>um</strong>a lesão <strong>de</strong> Direito nos termos <strong>do</strong> mesmo artigo em seu inciso LIV, <strong>por</strong> intermédio<br />

da jurisdição Estatal e inciso XXXV <strong>do</strong> mesmo jaez Constitucional.<br />

Sen<strong>do</strong> pacífico o entendimento na comunida<strong>de</strong> científica <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong> que a<br />

jurisdição não ocupa posição <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong>, conforme esclarece Carneiro (2009,<br />

p. 293) “[...]não é possível afirmar que a composição realizada <strong>por</strong> outros agentes<br />

não seja igualmente justa, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com a lei”. Nem tampouco há razões<br />

para sustentar a supremacia entre os mecanismos alternativos para a resolução <strong>de</strong><br />

conflitos. Para Garja<strong>do</strong>ni a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> flexibilização em <strong>um</strong> sentir pragmático<br />

(2008, p. 104):<br />

Eis aqui o fundamento da flexibilização das regras <strong>de</strong> forma, ainda que<br />

previstas genericamente e rigidamente pelo sistema. De fato, os<br />

procedimentos abstratamente previstos pelo legisla<strong>do</strong>r são <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

formal cujo principal escopo é <strong>de</strong>belar a crise <strong>do</strong> <strong>direito</strong> material. Se a<br />

variação ritual se impõe para solução mais rápida e a<strong>de</strong>quada <strong>do</strong> litígio,<br />

então não há espaço, apesar <strong>do</strong> vício <strong>de</strong> forma, para se falar em nulida<strong>de</strong>,<br />

já que o escopo <strong>do</strong> procedimento foi plenamente atingi<strong>do</strong>.<br />

Esse movimento pró-celerida<strong>de</strong>, “razoável duração <strong>do</strong> processo” no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da prestação jurisdicional, vem exigin<strong>do</strong> <strong>do</strong> Legisla<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>s<br />

opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Direito a implementação <strong>de</strong> “meios” mais eficazes a fim <strong>de</strong> dar <strong>um</strong>a<br />

efetivida<strong>de</strong> concreta na entrega da prestação jurisdicional conforme ofertada.<br />

O termo “meios”, para não ser compreendi<strong>do</strong> como <strong>um</strong>a incógnita,<br />

transparece com <strong>um</strong> indicativo terminológico aberto ou in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>,<br />

inclusive, ser interpreta<strong>do</strong> ou compreendi<strong>do</strong> como “meios” não <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s para sua<br />

efetiva concretização.<br />

Deduz-se, neste senti<strong>do</strong>, que, <strong>um</strong>a vez que os “meios” <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s já<br />

conheci<strong>do</strong>s ao longo da história judiciária não têm logra<strong>do</strong> êxito suficiente para dar<br />

conta da atávica <strong>de</strong>manda <strong>do</strong>s serviços judiciários seja dada a ela <strong>um</strong>a resposta em<br />

<strong>um</strong> tempo razoável.<br />

Essa impressão vem sen<strong>do</strong> reconhecida no tempo não somente pela<br />

comunida<strong>de</strong> jurídica, como indiretamente pelos órgãos indica<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>de</strong>sempenho<br />

<strong>do</strong> sistema judiciário que tem como fonte <strong>de</strong> pesquisa primária seus <strong>de</strong>stinatários, “o<br />

povo”.


243<br />

É certo que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> e com ela <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maior presteza na<br />

entrega <strong>do</strong> bem da vida é histórica e exaustivamente <strong>de</strong>batida no cenário acadêmico<br />

e judiciário <strong>do</strong> Brasil. Denota, no entanto, <strong>um</strong>a certa dificulda<strong>de</strong> em estabelecer-se<br />

<strong>um</strong> critério consensual <strong>do</strong> que venha a ser ou <strong>do</strong> que é “a razoável duração <strong>do</strong><br />

processo”.<br />

A questão exige qualificação e quantificação; para isso <strong>de</strong>finir e correlacionar,<br />

a natureza <strong>do</strong>s Direitos e o tempo razoável para <strong>um</strong>a resposta da questão objeto <strong>de</strong><br />

exame é curial. A Justiça prática vem tratan<strong>do</strong> da questão com os olhos volta<strong>do</strong>s<br />

para a velocida<strong>de</strong> sem tanto observar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classificar os Direitos ou até<br />

mesmo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça que melhor se a<strong>de</strong>quariam à<br />

realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visão crítica envolven<strong>do</strong> o tripé <strong>do</strong><br />

Direito, Esta<strong>do</strong> e socieda<strong>de</strong>.<br />

Revela-se essencial a categorização da natureza <strong>do</strong>s Direitos para<br />

equitativamente sopesar a Justiça objetivada, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> inclusive a infraestrutura<br />

judiciária disponibilizada pelo Esta<strong>do</strong> e os “meios” existentes apresenta<strong>do</strong>s, os quais<br />

quais <strong>de</strong>põem <strong>de</strong> forma clara e objetiva sobre o estágio em que o Direito e a Justiça<br />

encontram-se no cenário brasileiro. 183 Soma-se a essas informações científicas que<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam bem preencher o aresto a ausência <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s mais aprofunda<strong>do</strong>s sobre<br />

os <strong>de</strong>talhes da Justiça nacional como méto<strong>do</strong>s volta<strong>do</strong>s a projetar <strong>um</strong>a política <strong>de</strong><br />

reestruturação para <strong>um</strong> real melhoramento, além <strong>de</strong> pesquisas voltadas para a<br />

inclusão <strong>do</strong> sistema judiciário em to<strong>do</strong>s as etapas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da tecnologia.<br />

Armazenamento, gestão e aplicação como natural tendência <strong>de</strong>sse século.<br />

183<br />

Segun<strong>do</strong> Siqueira Castro: “Em realida<strong>de</strong>, no Brasil os obstáculos que entravam o acesso <strong>do</strong>s<br />

jurisdiciona<strong>do</strong>s às instâncias judiciais e induzem ao <strong>de</strong>scrédito popular quanto à atuação da Justiça<br />

se <strong>de</strong>vem a <strong>de</strong>ficiências endógenas <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, como também a causas exógenas a esse<br />

<strong>de</strong>partamento da soberania estatal. Não há dúvida, em primeiro plano, <strong>de</strong> que sobretu<strong>do</strong> os órgãos e<br />

serventias da instância inicial da instituição presta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> jurisdição pa<strong>de</strong>cem <strong>de</strong> notório<br />

<strong>de</strong>saparelhamento, que, segun<strong>do</strong> o judicioso diagnóstico da lavra <strong>do</strong> Ministro Carlos Mário da Silva<br />

Velloso, <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, caracteriza-se pelas dificulda<strong>de</strong>s seguintes: a) pelo número<br />

insuficiente <strong>de</strong> juízes; b) pela existência <strong>de</strong> cargos vagos <strong>de</strong> juízes; c) pela forma ina<strong>de</strong>quada <strong>de</strong><br />

recrutamento <strong>de</strong> juízes; d) pela inexistência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a especialização <strong>do</strong>s órgãos <strong>de</strong> 1º grau; e) pela<br />

má qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> apoio administrativo <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> aos magistra<strong>do</strong>s; f) pelo crescimento, a cada ano, <strong>do</strong><br />

número <strong>de</strong> processos distribuí<strong>do</strong> a cada juiz <strong>de</strong> <strong>direito</strong>; g) e pelo excesso <strong>de</strong> formalismo imposto pelas<br />

normas processuais. Todas essas <strong>de</strong>ficiências estruturais, que a rigor são visíveis, promovem a<br />

disfunção <strong>do</strong>s órgãos da Justiça que, ou <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> prestar a in<strong>de</strong>clinável jurisdição <strong>por</strong>que os<br />

confrontos <strong>de</strong> pretensão acabam encontran<strong>do</strong> outros caminhos <strong>de</strong> composição, ou prestam-na com<br />

intolerável lentidão ou com padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> aquém <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejável (CASTRO, Carlos Roberto <strong>de</strong><br />

Siqueira. O <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal e a razoabilida<strong>de</strong> das leis na nova constituição <strong>do</strong> Brasil. 5.<br />

ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2010, p. 229)”.


244<br />

Observa-se nesse contexto que os “meios” tecnológicos po<strong>de</strong>m representar<br />

<strong>um</strong> flui<strong>do</strong> capaz <strong>de</strong> otimizar a sistematização, a integração, a unificação e a<br />

padronização <strong>do</strong> funcionamento da estrutura judiciária atráves <strong>de</strong> <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

programação <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s serviços<br />

judiciários.<br />

Também os “meios” po<strong>de</strong>m superar o mero trans<strong>por</strong>te <strong>de</strong> informações e<br />

da<strong>do</strong>s em <strong>um</strong>a plataforma <strong>de</strong> programação tecnologizadas e empreen<strong>de</strong>r, <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> algoritmos inteligentes, o <strong>de</strong>senvolvimento digital <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico com <strong>um</strong> to<strong>do</strong> a partir da Inteligência Artificial, conforme experiências<br />

empreendidas nas universida<strong>de</strong>s norte-americanas.<br />

É necessário, neste momento, fazer <strong>um</strong>a breve digressão histórica, <strong>um</strong> over<br />

view sobre os pressupostos que influenciaram a eclosão <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> dispositivo que<br />

estrutura a “razoável duração <strong>do</strong> processo” na Constituição Pátria.<br />

Em semelhante senti<strong>do</strong>, preceitua o artigo 6.1 da Convenção para a Proteção<br />

<strong>do</strong>s Direitos <strong>do</strong> Homem e das Liberda<strong>de</strong>s Fundamentais, formalizada em 4/11/1950,<br />

em Roma: 184<br />

Art. 6. 1. Qualquer pessoa tem <strong>direito</strong> a que a sua causa seja examinada,<br />

equitativa e publicamente, n<strong>um</strong> prazo razoável <strong>por</strong> <strong>um</strong> tribunal in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

e imparcial, estabeleci<strong>do</strong> pela lei, o qual <strong>de</strong>cidirá, quer sobre a <strong>de</strong>terminação<br />

<strong>do</strong>s seus <strong>direito</strong>s e obrigações <strong>de</strong> carácter civil, quer sobre o fundamento <strong>de</strong><br />

qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento <strong>de</strong>ve<br />

ser público, mas o acesso à sala <strong>de</strong> audiências po<strong>de</strong> ser proibi<strong>do</strong> à<br />

imprensa ou ao público durante a totalida<strong>de</strong> ou parte <strong>do</strong> processo, quan<strong>do</strong> a<br />

bem da moralida<strong>de</strong>, da or<strong>de</strong>m pública ou da segurança nacional n<strong>um</strong>a<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, quan<strong>do</strong> os interesses <strong>de</strong> menores ou a protecção<br />

da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada<br />

estritamente necessária pelo tribunal, quan<strong>do</strong>, em circunstâncias especiais,<br />

a publicida<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse ser prejudicial para os interesses da <strong>justiça</strong>.<br />

Outrossim, tem-se a Convenção Interamericana sobre os Direitos H<strong>um</strong>anos,<br />

em seu artigo 8º, 1, assinada em San José da Costa Rica, que assim dispõe: 185<br />

184<br />

Disponível em: . Acesso em: 17 out.<br />

2015.<br />

185<br />

Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

17 out. 2015.


245<br />

Artigo 8º - Garantias judiciais - Toda pessoa terá o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ser ouvida,<br />

com as <strong>de</strong>vidas garantias e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> prazo razoável, <strong>por</strong> <strong>um</strong> juiz ou<br />

Tribunal competente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e imparcial, estabeleci<strong>do</strong> anteriormente<br />

<strong>por</strong> lei, na apuração <strong>de</strong> qualquer acusação penal formulada contra ela, ou<br />

na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s e obrigações <strong>de</strong> caráter civil, trabalhista,<br />

fiscal ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza.<br />

O Brasil tornou-se signatário <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> pacto <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> Decreto Lei<br />

<strong>de</strong> n. º 27, <strong>de</strong> 26/5/1992, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> em 25/9 <strong>do</strong> mesmo ano e publica<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

meio <strong>do</strong> Decreto n.º 678, <strong>de</strong> 9/11, também em 1992.<br />

Destaca-se, ainda, que a legislação brasileira recepciona os trata<strong>do</strong>s e as<br />

convenções estrangeiras que não colidam com os princípios e as garantias<br />

fundamentais, o que fez com que o inciso LXXVIII viesse a fazer parte da base<br />

constitucional.<br />

No senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> corroborar não somente com celerida<strong>de</strong> na outorga da<br />

prestação jurisdicional mas dan<strong>do</strong> organicida<strong>de</strong> aos princípios da acessibilida<strong>de</strong> nos<br />

termos <strong>do</strong> artigo 5º inciso XXXV conjuga<strong>do</strong> com o inciso LIV <strong>do</strong> mesmo dispositivo,<br />

que referenda a garantia <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal.<br />

É im<strong>por</strong>tante ter em vista, <strong>de</strong> forma clara e cristalina, a simetria não só<br />

internamente <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista Constitucional, mas como se consolida a simbiose<br />

interativa <strong>do</strong> entendimento <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s e as Convenções Internacionais que<br />

tutelam os Direitos e Garantias Fundamentais no âmbito alienígena.<br />

O que im<strong>por</strong>ta ainda mencionar é que toda a engenharia advinda das<br />

conquistas históricas da espécie h<strong>um</strong>ana não se tem converti<strong>do</strong> materialmente da<br />

forma como se tem i<strong>de</strong>ologicamente <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> no plano normativo, embora não<br />

tenham falta<strong>do</strong> inspirações para que a base que funda e estrutura os Direitos e as<br />

Garantias Fundamentais possa estabelecer-se concretamente.<br />

Disso se infere que a preocupação tem<strong>por</strong>al parece fulminar com o Direito,<br />

<strong>por</strong>que o atraso faz <strong>de</strong>le <strong>um</strong>a entrega injusta ou simplesmente <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> <strong>de</strong>stempo<br />

no funcionamento <strong>do</strong> sistema o enfraquecimento <strong>do</strong> próprio sistema jurídico em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua inefetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> prazo razoável. Para Tucci (2010, p.<br />

99),


246<br />

É inegável, <strong>por</strong> outro la<strong>do</strong>, que, quanto mais distante da ocasião<br />

tecnicamente propícia for proferida a sentença, a respectiva eficácia será,<br />

pro<strong>por</strong>cionalmente, mais fraca e ilusória. De tal sorte, “<strong>um</strong> julgamento tardio<br />

irá per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> progressivamente seu senti<strong>do</strong> repara<strong>do</strong>r, na medida em que<br />

se postergue o momento <strong>do</strong> reconhecimento judicial <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s; e,<br />

transcorri<strong>do</strong> o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será,<br />

<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> inexorável, injusta, <strong>por</strong> maior que seja o mérito científico <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong> da <strong>de</strong>cisão”.<br />

A preocupação com a razoabilida<strong>de</strong> tem<strong>por</strong>al não é <strong>um</strong> problema exclusivo <strong>do</strong><br />

sistema judiciário brasileiro. Outras legislações não tratadas no presente trabalho <strong>de</strong><br />

forma mais percunsciente dão notícia da im<strong>por</strong>tância <strong>de</strong> investir em “meios” que<br />

possam criar <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Justiça mais previsível, célere e <strong>de</strong>sburocratiza<strong>do</strong>,<br />

inclusive em outros regimes judiciários, tal como a commomlaw, que se divorcia <strong>por</strong><br />

completo <strong>de</strong> qualquer mecanismo que <strong>por</strong>ventura venha criar injustificadamente<br />

meios ou formas que procrastinem a prestação jurisdicional. Os estu<strong>do</strong>s e os testes<br />

no uso das tecnologias em Inteligência Artificial já somam mais <strong>de</strong> meio século.<br />

Fica frisa<strong>do</strong> que a celerida<strong>de</strong> processual e, com isso, a razoável duração <strong>do</strong><br />

processo, representa <strong>um</strong> objetivo vital ao Direito e à Justiça. No caso <strong>do</strong> Brasil, sua<br />

incor<strong>por</strong>ação no or<strong>de</strong>namento Constitucional não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>corativa.<br />

Não po<strong>de</strong> tampouco cultivar a crença <strong>de</strong> que a utilização <strong>de</strong> “meios” ou<br />

mecanismos já ultrapassa<strong>do</strong>s possam fazer com que se concretize a implementação<br />

postular <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça eficiente e eficaz, sem que se repense o sistema, a partir <strong>de</strong><br />

novas i<strong>de</strong>ias, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> novas técnicas e habilida<strong>de</strong>s. 186 O universalismo <strong>do</strong><br />

problema envolven<strong>do</strong> a relação entre a contenda e a resolução é recorrente,<br />

também não menos im<strong>por</strong>tante e constantemente frisa<strong>do</strong> no cotidiano, <strong>de</strong> que é<br />

função <strong>do</strong> processo otimizar “meios” que possam outorgar <strong>um</strong> Direito Constitucional<br />

conten<strong>do</strong> todas as Garantias Fundamentais que superem a i<strong>de</strong>ologia da pretensão e<br />

alcancem a materialida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologicamente concreta.<br />

186<br />

Afirma Tucci: “Parece mesmo fora <strong>de</strong> questão que a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>do</strong> provimento <strong>–</strong> “a tempestività<br />

a que se referem os italianos, como resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> equilíbrio entre os tempos <strong>de</strong> progresso e tempos <strong>de</strong><br />

espera (tempi dis viluppo e tempi di attesa) <strong>–</strong> constitui <strong>um</strong> <strong>do</strong>s primordiais elementos para <strong>de</strong>terminar<br />

o grau <strong>de</strong> eficiência <strong>do</strong>s tribunais”. / Em s<strong>um</strong>a, o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo “não apenas <strong>de</strong>ve<br />

outorgar <strong>um</strong>a satisfação jurídica às partes, como também, para que essa resposta seja a mais plena<br />

possível, a <strong>de</strong>cisão final <strong>de</strong>ve ser pronunciada em <strong>um</strong> lapso <strong>de</strong> tempo compatível com a natureza <strong>do</strong><br />

objeto litigioso, visto que a Justiça seja injusta não faz falta que contenha equivoco, basta que não<br />

julgue quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve julgar (TUCCI, José Rogério Cruz. (Org). Direito processual civil europeu<br />

contem<strong>por</strong>âneo. São Paulo: Lex, 2010, p. 99)”.


247<br />

Deve ser mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong> Direito pretendi<strong>do</strong>, que seja efetivamente alcança<strong>do</strong><br />

no plano material, ou não se po<strong>de</strong> afirmar a existência plena <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Constitucional <strong>de</strong> Direitos e Garantias Fundamentais, mas tão somente<br />

i<strong>de</strong>ologicamente pensa<strong>do</strong>.<br />

Para isso, voltan<strong>do</strong>-se para a realida<strong>de</strong> brasileira, a dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Legisla<strong>do</strong>r<br />

e <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res em <strong>de</strong>finir os “meios” mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s aos fins úteis para precisar<br />

“a razoável duração <strong>do</strong> processo” dá-se também pela carência <strong>de</strong> critérios<br />

qualificativos para classificar os conflitos.<br />

Com isso, po<strong>de</strong>-se conhecer em minúcias suas causas, suas origens, suas<br />

naturezas, além <strong>do</strong> fraco investimento em pesquisa <strong>de</strong> fronteiras, quan<strong>do</strong> muito<br />

estimulan<strong>do</strong> o aprofundamento em <strong>um</strong>a <strong>do</strong>gmática já superada pela infertilida<strong>de</strong>.<br />

O problema da educação para a evolução é tema recorrente e exige <strong>um</strong><br />

profun<strong>do</strong> tratamento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas bases, <strong>por</strong>ém recente estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Eduar<strong>do</strong> Vera-<br />

Cruz Pinto (2015, p. 33), trazi<strong>do</strong> pelos ventos lusitanos, exterioriza assertivo<br />

entendimento a im<strong>por</strong>tância <strong>de</strong>sse elemento fundamental.<br />

Como futuro da <strong>justiça</strong> supõe, isto é, impõe, <strong>um</strong>a visão culturalizada (não<br />

só científica ou técnica; não só social ou política; não só econômica ou<br />

histórica) da Justiça que a reaproxime <strong>do</strong> Direito e <strong>do</strong> Povo, em nome <strong>do</strong><br />

qual é exercida; como requer políticas públicas claras que concretizem os<br />

<strong>direito</strong>s inscritos na Constituição e a retirem da conflitualida<strong>de</strong> partidária<br />

fulanizada e em torno <strong>do</strong> efêmero e da circunstância; erguen<strong>do</strong>-a à<br />

politicida<strong>de</strong> própria <strong>de</strong> opções diversas em contraditório, com estadistas<br />

capazes <strong>de</strong> implantar tais políticas.<br />

Com essas informações obtidas a partir <strong>de</strong> critérios objetivos firma<strong>do</strong>s <strong>por</strong><br />

políticas públicas sérias, passaria a ser essencial a implementação <strong>de</strong> outros<br />

critérios substanciais às li<strong>de</strong>s, extrain<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas informações e da<strong>do</strong>s reais da<br />

realida<strong>de</strong> entre lei e socieda<strong>de</strong> para que seja possível relacionar o tempo razoável<br />

para <strong>um</strong>a resposta judicial.<br />

Define-se, assim, a substancialida<strong>de</strong>: da complexida<strong>de</strong> da causa, da natureza<br />

da causa, da dinâmica procedimental para a causa já pre<strong>de</strong>terminada e os “meios”<br />

que o Esta<strong>do</strong> irá utilizar para mediar o Direito ou os <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s tipos <strong>de</strong> Direitos<br />

para o aquilatamento da Justiça.


248<br />

Por essa seara, estará o Esta<strong>do</strong> trabalhan<strong>do</strong> para a concretização <strong>do</strong> espírito<br />

preconiza<strong>do</strong> pela Convenção para a Proteção <strong>do</strong>s Direitos <strong>do</strong> Homem subscrita<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os i<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1950 em Roma, conforme trecho que se transcreve <strong>do</strong> artigo 6º. 1.<br />

anteriormente coleciona<strong>do</strong> em sua íntegra, que pedagogicamente se faz relevante<br />

reprisar “Qualquer pessoa tem <strong>direito</strong> a que a sua causa seja examinada, equitativa<br />

e publicamente, n<strong>um</strong> prazo razoável <strong>por</strong> <strong>um</strong> tribunal in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e imparcial,<br />

estabeleci<strong>do</strong> pela lei, o qual <strong>de</strong>cidirá ”<br />

Por isso, a melhor interpretação compreensiva <strong>do</strong> disposto no inciso LXXVIII<br />

<strong>do</strong> artigo 5º da Constituição Fe<strong>de</strong>ral teleologicamente é a <strong>de</strong> que os “meios” são<br />

caminhos pelos quais o Esta<strong>do</strong>, valen<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> todas as possibilida<strong>de</strong>s legais, possa<br />

garantir a prestação <strong>de</strong> serviços da Justiça concretamente, sempre em alinhamento<br />

com os <strong>de</strong>mais princípios <strong>de</strong> Direito e as respectivas Garantias Fundamentais.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, a <strong>de</strong>finição e a compreensão <strong>do</strong>s princípios e as regras<br />

constitucionais <strong>de</strong> Direito apresentam-se essenciais não somente para a <strong>de</strong>finição<br />

conceitual, mas como facita<strong>do</strong>r para o entendimento <strong>de</strong> como se dá a relação<br />

normativa no atual estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> inclusive a complexa<br />

teia <strong>de</strong> fatos sociais, segun<strong>do</strong> Ávila. 187<br />

187<br />

“Para Josef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> mandamento seja encontra<strong>do</strong>. Mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a distinção baseada no grau <strong>de</strong><br />

abstração da prescrição normativa, a diferença entre os princípios e as regras seria <strong>um</strong>a distinção<br />

qualitativa. O critério distintivo <strong>do</strong>s princípios em relação às regras seria, <strong>por</strong>tanto, a função <strong>de</strong><br />

fundamento normativo para a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. / Seguin<strong>do</strong> o mesmo caminho, Karl Larenz <strong>de</strong>fine<br />

os princípios como normas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância para o or<strong>de</strong>namento jurídico, na medida em que<br />

estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação <strong>do</strong> Direito, <strong>de</strong>les <strong>de</strong>corren<strong>do</strong>,<br />

direta ou indiretamente, normas <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamento. Para esse autor os princípios seriam<br />

pensamentos diretivos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a regulação jurídica existente ou possível, mas que ainda não são<br />

regras suscetíveis <strong>de</strong> aplicação, na medida em que lhe falta o caráter formal <strong>de</strong> proposições jurídicas,<br />

isto é, a conexão entre <strong>um</strong>a hipótese <strong>de</strong> incidência e, <strong>um</strong>a consequência jurídica. Daí <strong>por</strong>que os<br />

princípios indicariam somente a direção em que está situada a regra a ser encontrada, como que<br />

<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> <strong>um</strong> primeiro <strong>passo</strong> direciona<strong>do</strong>r <strong>de</strong> outros <strong>passo</strong>s para a obtenção da regra. O critério<br />

distintivo <strong>do</strong>s princípios em relação às regras também seria a função <strong>de</strong> fundamento normativo, para<br />

a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, sen<strong>do</strong> essa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> hipotético <strong>de</strong> formulação normativa.<br />

Para Canaris duas características afastariam os princípios das regras. Em primeiro lugar, o conteú<strong>do</strong><br />

axiológico: os princípios, ao contrário das regras, possuiriam <strong>um</strong> conteú<strong>do</strong> axiológico explícito e<br />

careceriam, <strong>por</strong> isso, tem regras para a sua concretização. Em segun<strong>do</strong> lugar, há o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

interação com outras normas: os princípios, ao contrário das regras, receberiam seu conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

senti<strong>do</strong> somente <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo dialético <strong>de</strong> complementação e limitação. Acrescentam-se,<br />

pois, <strong>novo</strong>s elementos aos critérios distintivos antes menciona<strong>do</strong>s, na medida em que se qualifica<br />

como axiológica a fundamentação exercida pelos princípios e se predica como <strong>de</strong>stinatário seu mo<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> interação”. E complementa o mesmo autor (2008, p. 48): “Vale dizer: a distinção entre princípios e<br />

regras não po<strong>de</strong> ser baseada no suposto méto<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> ou nada <strong>de</strong> aplicação das regras, pois também<br />

elas precisam, para que sejam implementadas suas consequências, <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo prévio e, <strong>por</strong><br />

vezes, longo e complexo como o <strong>do</strong>s princípios <strong>de</strong> interpretação que <strong>de</strong>monstrem quais as<br />

consequências que serão implementadas (ÁVILA. H<strong>um</strong>berto. (Org). Teoria <strong>do</strong>s princípios: da<br />

<strong>de</strong>finição à aplicação <strong>do</strong>s princípios jurídicos. 8 ed. amp. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 35)”.


249<br />

A questão não é simples e exige fôlego em disposição para compreen<strong>de</strong>r e<br />

integrar a perspectiva <strong>do</strong> que embrionariamente foi semea<strong>do</strong> na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral como <strong>de</strong>finição em objetivo.<br />

Essa carta política, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra data, vem consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o pacto fe<strong>de</strong>rativo e<br />

seus elementos funda<strong>do</strong>res, os quais já traziam <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia Constitucional social<br />

que, gradualmente, em que pesem as vissicitu<strong>de</strong>s existentes, vem com muito<br />

esforço se concretizan<strong>do</strong>.<br />

10.2 O inevitável <strong>de</strong>stino <strong>do</strong> uso da tecnologia como “meio” para a concretização <strong>do</strong><br />

Projeto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito<br />

A pretensão <strong>de</strong> criar condições mais favoráveis para os serviços judiciários <strong>do</strong><br />

ponto <strong>de</strong> vista Constitucional é preexistente a esse diploma e tem prece<strong>de</strong>ntes com<br />

maior <strong>de</strong>staque em nosso or<strong>de</strong>namento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a lei 10.259/01, que implantou os<br />

Juiza<strong>do</strong>s Especiais Cíveis e Criminais, ganhan<strong>do</strong> maior estatura, dimensão e<br />

projeção com a Emenda Constitucional 45/2004, que lastreou no ano a subsequente<br />

lei 11.419/06 para implementação <strong>do</strong> processo digital nos tribunais pátrios.<br />

A mencionada emenda alicerçou <strong>–</strong> com maior vigor <strong>–</strong> <strong>um</strong>a agenda <strong>de</strong>clarativa<br />

para a instauração da tecnologia para a concretização <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias<br />

Fundamentais junto ao sistema judiciário.<br />

Semelhante postura converge para a instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> tecnológica <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s<br />

tempos, ou seja, para que a tecnologização das formas e <strong>do</strong>s “meios” a to<strong>do</strong> instante<br />

passe a fazer parte da vida da espécie h<strong>um</strong>ana em auxílio ou substituição. Para a<br />

comunida<strong>de</strong> científica <strong>do</strong> Direito, aten<strong>de</strong>ria ao problema da complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

or<strong>de</strong>namento jurídico em relação à sua interpretação, juridicida<strong>de</strong> e aplicação. 188<br />

188<br />

Segun<strong>do</strong> Lévy, “O que é significação? Ou, antes, para abordar o problema <strong>de</strong> <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista<br />

mais operacional, em que consiste o ato <strong>de</strong> atribuir senti<strong>do</strong>? A operação elementar da ativida<strong>de</strong><br />

interpretativa é a associação; dar senti<strong>do</strong> a <strong>um</strong> texto é o mesmo que ligá-lo, conectá-lo a outros<br />

textos, e, <strong>por</strong>tanto, é o mesmo que construir <strong>um</strong> hipertexto. É sabi<strong>do</strong> que pessoas diferentes irão<br />

atribuir senti<strong>do</strong>s <strong>por</strong> vezes opostos a <strong>um</strong>a mensagem idêntica. Isto <strong>por</strong>que, se <strong>por</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong> o texto é o<br />

mesmo para cada <strong>um</strong>, <strong>por</strong> outro o hipertexto po<strong>de</strong> diferir completamente. O que conta é a re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

relações pela qual a mensagem será capturada, a re<strong>de</strong> semiótica que o interpretante usará para<br />

captá-la. Você talvez conecte cada palavra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa página a <strong>de</strong>z referências, a cem<br />

comentários. Eu, quan<strong>do</strong> muito, a conecto a <strong>um</strong>as poucas proposições. Para mim, esse texto<br />

permanecerá obscuro, enquanto para você estará formigan<strong>do</strong> <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s. / Para que as<br />

coletivida<strong>de</strong>s compartilhem <strong>um</strong> mesmo senti<strong>do</strong>, <strong>por</strong>tanto, não basta que cada <strong>um</strong> <strong>de</strong> seus membros


250<br />

A cele<strong>um</strong>a que germina no contexto judiciário é saber se esse progressivo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e seu avanço em uso e em escalabilida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>m<br />

entrar em colisão com os Direitos e as Garantias Fundamentais conquista<strong>do</strong>s e já<br />

consolida<strong>do</strong>s pela espécie h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista Constitucional.<br />

Compreen<strong>de</strong>-se, em Harbele, que o processo passa a ter sua utilida<strong>de</strong><br />

vinculada à constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a prática que tem como fim <strong>um</strong>a relação forte<br />

entre tutela jurisdicional e efetivida<strong>de</strong>. Se isso acontece, é <strong>por</strong>que a tutela<br />

jurisdicional foi concretizada em concordância com os preceitos da Lei Maior.<br />

Portanto, foram protegi<strong>do</strong>s pela consagração da concretização <strong>do</strong>s Direitos e<br />

das Garantias Fundamentais trans<strong>por</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>por</strong> “meios” que vão da eficiência à<br />

efetivida<strong>de</strong>. Se isso acontece, não im<strong>por</strong>tam os “meios”, pois os resulta<strong>do</strong>s passam<br />

a ser os fins colima<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s pelos preceitos da carta política.<br />

Nesse caso, o adágio “a or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s fatores não altera o produto” é a<strong>de</strong>rente.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral transcen<strong>de</strong> o conserva<strong>do</strong>rismo e com<strong>por</strong>ta-se como<br />

instr<strong>um</strong>ento autorrealizável e transforma<strong>do</strong>r das realida<strong>de</strong>s sociais e políticas. Os<br />

“meios” inseri<strong>do</strong>s no indigita<strong>do</strong> inciso LXXVIII, <strong>do</strong> artigo 5º não <strong>po<strong>de</strong>r</strong> ser interpreta<strong>do</strong><br />

restritivamente <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a excluir os “meios” tecnológicos da sua condição, ou<br />

melhor, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> tecnologia em <strong>inteligência</strong> hábil e útil ao Direito e a Justiça.<br />

Soma a essa interpretação o caráter sistêmico e expansivo <strong>do</strong> diploma<br />

Constitucional. Segun<strong>do</strong> o magistério <strong>de</strong> Comoglio, Ferri e Taruffo (2011, p. 24):<br />

receba a mesma mensagem. O papel <strong>do</strong>s groupwares, o <strong>de</strong> reunir, não apenas os textos, mas<br />

também as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> associações, anotações e comentários às quais eles são vincula<strong>do</strong>s pelas<br />

pessoas. Ao mesmo tempo, a construção <strong>do</strong> senso com<strong>um</strong> encontra-se exposta e como que<br />

materializada: a elaboração coletiva <strong>de</strong> <strong>um</strong> hipertexto. / Trabalhar, viver, conversar fraternalmente<br />

com outros seres, cruzar <strong>um</strong> pouco <strong>por</strong> sua história, isto significa, entre outras coisas, construir <strong>um</strong>a<br />

bagagem <strong>de</strong> referências e associações comuns, <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> hipertextual unificada, <strong>um</strong> contexto<br />

compartilha<strong>do</strong>, capaz <strong>de</strong> diminuir os riscos da incompreensão (LÉVY, Pierre. As tecnologias da<br />

<strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 72)”.


251<br />

Un´ulteriore conseguenza che si riconnette alle garanzie costituzionali<br />

riguarda i mo<strong>de</strong>lli di procedimento. Per un verso, la ten<strong>de</strong>nza a costruire<br />

procedimenti speciali che privilegiano la rapidità e l’ efficienza <strong>de</strong>lla<br />

soluzione <strong>de</strong>l conflito trova <strong>de</strong>i <strong>limite</strong> nel senso che i diritti processual<br />

fondamentali riconosciuti alle parti possono essere articolati in vari modi ma<br />

non possono essere lesi nel loro nucleo essenziale. Per altro verso,<br />

I’interpretazione sempre più articulata e complessa che <strong>de</strong>le garantizie <strong>de</strong>l<br />

processo viene compiuta dalla <strong>do</strong>ttrina e dalla giurispru<strong>de</strong>nza ten<strong>de</strong>a<br />

consi<strong>de</strong>rarle non come un elenco di principi isolati ma come base per<br />

I’elaborazione di un insieme organico di regole. Le garanzie fondamentali<br />

appaiono <strong>do</strong>tate di una “forza expansiva” che va oltre il significato letterale<br />

<strong>de</strong>le norme costituzionali. 189<br />

A carta política Constitucional goza <strong>de</strong> autonomia e in<strong>de</strong>pendência para a<br />

realização <strong>de</strong> ações que visem a garantir materialmente os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s Direitos e<br />

Garantias i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s em seu âmago. Por isso <strong>de</strong> sua irradiação expansiva<br />

conforme e nunca retritiva exclu<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais.<br />

Diferente da Justiça, os “olhos” da Constituição vagam diuturnamente abertos,<br />

em constante diálogo com seu sistema e as <strong>de</strong>mais ciências que formam outros<br />

sistemas os quais perfilham a realida<strong>de</strong> social com efetivo “conhecimento <strong>de</strong> causa”<br />

(wittgenstein).<br />

Seu papel é dar entendimento conforme aos seus preceitos axiomáticos <strong>de</strong><br />

valores, sem preconceitos, viabilizan<strong>do</strong> pressupostos e elementos compatíveis com<br />

seus preceitos que consoli<strong>de</strong>m os princípios e as regras <strong>de</strong> Direito em simetria com<br />

a Lei Maior.<br />

Nesse contexto, a tecnologia e a consequente tecnologização <strong>do</strong> sistema<br />

representam <strong>um</strong>a etapa da agenda <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento positivo, pois dá pluralida<strong>de</strong><br />

à participação das forças que fazem com que a carta política Constitucional se<br />

concretize a partir da relação entre a <strong>de</strong>mocracia representativa e a participativa.<br />

Canalizan<strong>do</strong> <strong>por</strong> este caminho, <strong>um</strong> maior diálogo entre socieda<strong>de</strong> e Esta<strong>do</strong>,<br />

fazen<strong>do</strong> com que a legitimida<strong>de</strong> contribua no processo <strong>de</strong> firmamento da melhor<br />

189<br />

“Outra consequência que se reconecta com as garantias constitucionais resguarda ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

procedimento. Por <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, a tendência para construir procedimentos especiais que privilegia a<br />

velocida<strong>de</strong> e a eficiência da solução <strong>de</strong> Conflito encontra seu <strong>limite</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o <strong>direito</strong><br />

fundamental reconhece ser parte <strong>de</strong>sse articula<strong>do</strong> <strong>de</strong> diversas formas, mas não po<strong>de</strong>ser prejudica<strong>do</strong><br />

nesse núcleo essêncial. Por outro la<strong>do</strong>, a interpretação sempre mais articulada e cada vez mais<br />

complexa que <strong>de</strong>le garante o processo vemrealiza<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina e jurisprudência ten<strong>de</strong>m a<br />

consi<strong>de</strong>rá-las não como elenco <strong>de</strong> princípios isola<strong>do</strong>s, mas como base para a elaboração <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

corpo <strong>de</strong> regras. As garantias fundamentais são <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a força expansiva que vai além <strong>do</strong>s<br />

significa<strong>do</strong>s literais das normas constitucionais”. Tradução minha.


252<br />

interpretação <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais. 190 No plano brasileiro, o<br />

marco zero foi origina<strong>do</strong> com o advento da Constituição <strong>de</strong> 1988. Após supera<strong>do</strong> o<br />

perío<strong>do</strong> ditatorial, tem registra<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimentos, exigin<strong>do</strong>, entretanto, a<br />

<strong>de</strong>puração das vissicitu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> sistema e asseveran<strong>do</strong>, com isso, que a Constituição<br />

ganhe <strong>um</strong> movimento mais participativo e inova<strong>do</strong>r <strong>por</strong> to<strong>do</strong>s.<br />

Consi<strong>de</strong>re-se a motricida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s conhecimentos, <strong>de</strong>ntre eles, a cognição<br />

tecnológica representante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova Era para os Direitos e Garantias<br />

Fundamentais, na medida em que essa estrutura cognitiva é a<strong>de</strong>quada e útil à<br />

consolidação da <strong>de</strong>mocracia participativa preceituada no âmago <strong>do</strong> diploma<br />

constitucional, nos termos <strong>do</strong> artigo 1º, inciso II (a cidania) cc, artigo 3º, inciso II<br />

(garantir o <strong>de</strong>senvolvimento nacional), artigo 5º “caput” (liberda<strong>de</strong>).<br />

Essa ferramenta (tecnologia em <strong>inteligência</strong>) e suas formas <strong>de</strong>marcam <strong>um</strong>a<br />

nova fase da estrutura jurídica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, em que se percebe que a forma como a<br />

espécie h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong>s profissionais <strong>do</strong> Direito iniciou não é mais a mesma. Revela<br />

que o futuro já presente se é distinto <strong>de</strong> outrora. Isso registra <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

abismo irreconciliável entre o antes e o <strong>de</strong>pois como bem explica<strong>do</strong> <strong>por</strong> Kuhn,<br />

segun<strong>do</strong> sua teoria <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das ciências.<br />

A adaptação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> é feita com certa absorção <strong>de</strong> <strong>do</strong>r com<strong>um</strong><br />

à ruptura causada <strong>por</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> em sua plenitu<strong>de</strong>, mas que age<br />

190<br />

Segun<strong>do</strong> Siqueira Castro, “Exige-se, em s<strong>um</strong>a, nessa perspectiva integrada das relações entre<br />

Direito, Esta<strong>do</strong> e socieda<strong>de</strong>, a convicção, <strong>por</strong> certo indispensável à visão crítica <strong>do</strong>s juristas <strong>de</strong> nosso<br />

tempo, <strong>de</strong> que o conjunto <strong>de</strong> normas e princípios constitucionais irradia efeitos não apenas<br />

regula<strong>do</strong>res, mas também transforma<strong>do</strong>res das realida<strong>de</strong>s sociais e políticas, além <strong>de</strong> pautas <strong>de</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento dirigidas não só para o funcionamento da instituição estatal, mas para a generalida<strong>de</strong><br />

da dinâmica social nos infindáveis aspectos das relações h<strong>um</strong>anas. Por isso mesmo, a extração em<br />

máxima potência <strong>de</strong> força normativa da Constituição, não apenas <strong>por</strong> seus intérpretes e aplica<strong>do</strong>res<br />

oficiais, mas sobretu<strong>do</strong> <strong>por</strong> parte <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o conjunto da cidadania, é que po<strong>de</strong> impulsionar a<br />

transformação em realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitas das i<strong>de</strong>alizações constitucionais. Tem-se aí o fenômeno que<br />

os <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res alemães <strong>de</strong>signam <strong>de</strong> eficácia indireta da Constituição, alusivo à extensão das<br />

normas constitucionais às relações civis, distinguin<strong>do</strong>-o <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> efeito imediato <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais, consistente na sua instantânea aplicação aos órgãos e agentes <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, na<br />

esteira <strong>do</strong> preceito conti<strong>do</strong> no artigo 1º (3) da Lei Fundamental <strong>de</strong> Bonn <strong>de</strong> 1949, que reza: “Os<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais a seguir discrimina<strong>do</strong> constituem <strong>direito</strong> imediatamente aplicável para os<br />

Po<strong>de</strong>res Legislativos, Executivo e Judiciário.” A efetivida<strong>de</strong> indireta da Lei Maior, que traduz a sua<br />

assimilação pela socieda<strong>de</strong> em suas práticas ordinárias <strong>de</strong> vida, revela a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> normativa da<br />

Constituição ou, como prefere Schnei<strong>de</strong>r <strong>–</strong> a força normativa da Constituição em sua totalida<strong>de</strong>.<br />

Nessa ótica <strong>de</strong> teorização sócio-participativa, os marcos para a compreensão das normas<br />

constitucionais relativas aos <strong>direito</strong>s <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s fun<strong>de</strong>m-se no binômio constituição-<strong>de</strong>mocrática, que<br />

encerra as virtu<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>safios e esperanças <strong>do</strong> vigente Esta<strong>do</strong> Constitucional Democrático ou Esta<strong>do</strong><br />

Democrático <strong>de</strong> Direito, como prefere o enuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as Cartas constitucionais da atualida<strong>de</strong>,<br />

em qualquer caso investi<strong>do</strong> em instância sociopolítica <strong>de</strong> salvaguarda e promoção <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais <strong>do</strong> homem. Tal significa dizer, segun<strong>do</strong> a análise magistral <strong>de</strong>senvolvida <strong>por</strong> Hans<br />

Schnei<strong>de</strong>r (CASTRO, Carlos Roberto <strong>de</strong> Siqueira. O <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal e a razoabilida<strong>de</strong> das<br />

leis na nova constituição <strong>do</strong> Brasil. 5. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2010, p. 64)”.


253<br />

gradativamente na transição <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo vigente. Em tal processo, erros são<br />

imanentes, aliás são extremamente comuns junto à <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana tanto<br />

quanto será perante a Inteligência Artificial. Não seria arg<strong>um</strong>ento suficientemente<br />

legítimo para ignorar essa espécie <strong>de</strong> tecnologia.<br />

O tempo <strong>de</strong>manda<strong>do</strong>, conforme se po<strong>de</strong> inferir das lições verbalizadas <strong>por</strong><br />

H<strong>um</strong>berto Ávila, que em s<strong>um</strong>a registra a exigência <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo longo e<br />

complexo para a acomodação <strong>do</strong>s princípios e regras constitucionais no processo <strong>de</strong><br />

interpretação, testes e sua consequente implantação <strong>do</strong>s Direitos, não se coadunam<br />

com <strong>um</strong>a tedência já em vigência.<br />

O diploma Constitucional, <strong>por</strong> essa via, representa e consolida efetivamente<br />

sua natureza <strong>de</strong> carta política “atem<strong>por</strong>al” <strong>por</strong>que recepciona os “meios”<br />

tecnológicos como ferramenta <strong>de</strong> uso efetivamente pragmático, ou seja, <strong>de</strong>monstrase<br />

sempre atualizada ao tempo presente. Im<strong>por</strong>ta <strong>de</strong>stacar que sua leitura (CF) não<br />

po<strong>de</strong> dar-se <strong>de</strong> forma reducionista, em <strong>de</strong>corrência da falibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu intérprete.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a esquizofrenia oriunda da ansieda<strong>de</strong> pela velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

fazer Justiça <strong>de</strong>ve ser mediada <strong>por</strong> seus próprios mecanismos, garantin<strong>do</strong> com isso<br />

sua unicida<strong>de</strong> e integrida<strong>de</strong>. A divergência <strong>de</strong> sistemas não justifica <strong>um</strong>a oposição<br />

ao diálogo entre as estruturas, ou melhor, entre as <strong>inteligência</strong>s. As máquinas<br />

somente fazem o que a elas é inc<strong>um</strong>bi<strong>do</strong> <strong>–</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a programação feita<br />

pela espécie h<strong>um</strong>ana.<br />

Para os próximos anos <strong>de</strong> nossa Era as plataformas tecnológicas e as<br />

interfaces <strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong>verão mediar a transição <strong>de</strong> mera transmissão <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />

eletrônico <strong>–</strong> o que no passa<strong>do</strong> não era possível <strong>–</strong> para <strong>um</strong> processo eletrônico em<br />

sua essência formal e material.<br />

A lesão e a ameaça <strong>do</strong>s Direitos, artigo 5º, inciso LIV, precisam ter<br />

compatibilida<strong>de</strong> com os <strong>novo</strong>s “meios” nos termos <strong>do</strong> mesmo artigo em seu inciso<br />

LXXVIII. Se a urgência é mesclada e protegida pela garantia <strong>do</strong>s preceitos<br />

constitucionais, tornar-se-á possível habitarem no mesmo ambiente a velocida<strong>de</strong> e a<br />

garantia. Isso significa que, <strong>de</strong> tempos em tempos, a espécie h<strong>um</strong>ana forçosamente<br />

tem <strong>de</strong> familiarizar-se com <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> diante da revolução das estruturas<br />

científicas. (Thomas Kuhn, 1962).<br />

Nesse processo, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que os Direitos e as Garantias Fundamentais<br />

primam pela segurança jurídica, bem como pela não exclusão <strong>de</strong> Direitos pelo


254<br />

princípio <strong>do</strong> não retrocesso constitucional, conforme se extrai <strong>do</strong>s termos <strong>do</strong> inciso<br />

IV, <strong>do</strong> par. 4º <strong>do</strong> artigo 60 da CF.<br />

Vale enfatizar que o dispostivo restrige a abolição <strong>por</strong> emenda que ten<strong>de</strong>ncie<br />

a abolir “os Direitos e as Garantias Individuais” e no mesmo dispositivo em incisos<br />

circundantes, alterações que <strong>por</strong>ventura possam violar as <strong>de</strong>nominadas cláusulas<br />

pétreas, salvo <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Constituinte Originário.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, frisa-se que os “meios” tecnológicos não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão gerar<br />

exclusão social pela implantação <strong>de</strong> seus mecanismos, nem tampouco violar os<br />

Direitos e as Garantias Fundamentais, confirman<strong>do</strong> corroborativamente <strong>por</strong> essa via<br />

o respeito ao c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong> princípio social inclusivo que a própria tecnologia<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, apoiada na Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Esse processo incentiva a condução da caravana inclusiva para a<br />

conscientização da espécie h<strong>um</strong>ana, na medida em que os “meios” tecnológicos têm<br />

condições <strong>de</strong> promover <strong>um</strong> alcance maior perante to<strong>do</strong>s os níveis sociais.<br />

Nesse processo, a pedagogia <strong>do</strong> acesso e sua repetibilida<strong>de</strong> educativa,<br />

<strong>de</strong>senvolvidas <strong>por</strong> diversos formatos, não somente facilitam mas geram condições<br />

alternativas <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> mesmo tema, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> estratégias<br />

diversificadas, meto<strong>do</strong>logia interativa e integrativa, que se i<strong>de</strong>ntifiquem com as<br />

tendências atuais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> contem<strong>por</strong>âneo.<br />

A re<strong>de</strong> tecnológica constitucional terá condições <strong>de</strong> fazer da Constituição <strong>um</strong><br />

manual <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong> a to<strong>do</strong>s, sempre atualizada, em consonância com a<br />

publicização <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos, mas com critérios preestabeleci<strong>do</strong>s com o escopo<br />

<strong>de</strong> harmonizar o <strong>direito</strong> à imagem, à privacida<strong>de</strong>, à proprieda<strong>de</strong> privada e intelectual.<br />

Os choques <strong>de</strong> tem<strong>por</strong>alida<strong>de</strong>s são ajustáveis, <strong>por</strong>tanto contornáveis, dan<strong>do</strong><br />

efetivida<strong>de</strong> material aos Direitos pelos “meios” tecnológicos, evitan<strong>do</strong> com isso<br />

qualquer forma <strong>de</strong> exclusão.


255<br />

Tu<strong>do</strong> indica que tais “meios” se mostram idôneos para a concretização <strong>do</strong>s<br />

propósitos constitucionais na busca <strong>de</strong> consolidar o almeja<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático<br />

<strong>de</strong> Direito, que não resiste ao preconceito <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> pelo <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> da<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana que, <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong>, passa a ser supera<strong>do</strong> pela gradual<br />

compreensão <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s conhecimentos.<br />

Essa nova linguagem tem em sua estrutura <strong>um</strong>a performance que possibilita<br />

ao sistema <strong>de</strong> leis conseguir dialogar com os Direitos em <strong>um</strong> tempo mais exíguo,<br />

dan<strong>do</strong> completu<strong>de</strong> à juridicida<strong>de</strong> normativa e com isso evitan<strong>do</strong> <strong>um</strong> distanciamento<br />

entre os membros da mesma comunida<strong>de</strong>.<br />

A precisão que a tecnologia traz <strong>–</strong> através <strong>de</strong> sua forma <strong>de</strong> materialização<br />

(linguagem <strong>de</strong> programação) <strong>–</strong> a faz ser <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> comunicação apta não<br />

somente para a socialização <strong>do</strong> acesso, mas também para socialização da<br />

compreensão <strong>do</strong> cidadão quanto a seus Direitos e suas Garantias Fundamentais, a<br />

partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a participação positiva alusiva aos ensinamentos <strong>de</strong> Hans Schnei<strong>de</strong>r.<br />

Por essa interface, a Constituição, patrimônio público da socieda<strong>de</strong>, fruto <strong>de</strong><br />

conquistas <strong>de</strong>moradas e <strong>de</strong>masiadamente custosas, possibilita ao Esta<strong>do</strong> e ao povo<br />

<strong>de</strong>senvolverem <strong>um</strong> envolvimento mais próximo, estimulan<strong>do</strong> o engajamento e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento jurídico-político, fechan<strong>do</strong> com isso o fosso <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> pelo<br />

<strong>de</strong>sinteresse participativo na conjugação socieda<strong>de</strong>-Esta<strong>do</strong>.<br />

Com esse ativismo social volta<strong>do</strong> ao interesse da legalida<strong>de</strong> jurídico-política,<br />

o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve passar a ofertar <strong>um</strong>a prestação <strong>de</strong> serviços judiciários com ênfase em<br />

<strong>um</strong>a jurisdição <strong>de</strong>stacada pelo princípio da realida<strong>de</strong>, da razoabilida<strong>de</strong> e da<br />

interdição <strong>do</strong>s arbítrios, conforme esclarecem Ávila e outros (2008, p. 94-95):<br />

O princípio da realida<strong>de</strong> não estará satisfeito quan<strong>do</strong> os fatos são<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s distintamente <strong>do</strong> que a realida<strong>de</strong> os exterioriza, ou seja,<br />

proscreve-se que se a <strong>de</strong>sconheça ou que se a distorça, ainda que<br />

involuntariamente, <strong>por</strong> erro <strong>de</strong> apreciação. O princípio da razoabilida<strong>de</strong><br />

estará volta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> falte a necessária a<strong>de</strong>quação, o que inclui a<br />

necessida<strong>de</strong> e a pro<strong>por</strong>cionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> objeto, à finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ato.O princípio<br />

da interdição <strong>do</strong> arbítrio estará transgredi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o ato <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong><br />

pratica<strong>do</strong> não estiver su<strong>por</strong>ta<strong>do</strong> em motivação explícita ou implícita, que<br />

justifique pretendidas <strong>de</strong>sigualações quanto à proteção <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais.


256<br />

A tecnologização das ações h<strong>um</strong>anas está em melhor conformida<strong>de</strong> com a<br />

manutenção não somente <strong>do</strong>s Princípios e Garantias Fundamentais como <strong>do</strong>s atos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, em que tenha, a priori, <strong>por</strong> <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> o entendimento consolida<strong>do</strong> da<br />

subsunção normativa.<br />

Quer dizer: não que não se possa abarcar inclusive <strong>por</strong> seus “meios” a<br />

pon<strong>de</strong>ração <strong>do</strong> sistema normativo com os fatos sociais <strong>–</strong> o que não se revela<br />

impossível <strong>–</strong> e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mapear analiticamente as relações sociais e to<strong>do</strong> o<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico, dan<strong>do</strong> a eles critérios objetivos, com isso, classifican<strong>do</strong>-os e<br />

categorizan<strong>do</strong>-os <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> matrizes lógicas.<br />

Infere-se que a existência <strong>de</strong> princípios, subprincípios, regras, etc. sinaliza<br />

<strong>um</strong>a materialida<strong>de</strong> expansiva que tem como escopo diminuir a discricionarieda<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s <strong>de</strong>legatários <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>, que <strong>de</strong>vem ater-se ao Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito. Tal<br />

preocupação tem-se comprova<strong>do</strong> pelas ações perversas praticadas pela espécie<br />

h<strong>um</strong>ana, narradas e registradas pelas histórias <strong>do</strong> Judiciário. Direito é <strong>um</strong> serviço<br />

público cuja prescrição Constitucional <strong>de</strong>termina que seja cons<strong>um</strong>i<strong>do</strong> com<br />

estabilida<strong>de</strong> em previsivibilida<strong>de</strong>.<br />

Por isso, obter o efetivo resulta<strong>do</strong> constitucional <strong>por</strong> outros “meios” legais e<br />

legitima<strong>do</strong>s pelos <strong>de</strong>stinatários, além <strong>de</strong> dar <strong>um</strong>a maior tranquilida<strong>de</strong> à constelação<br />

<strong>de</strong> Direitos e Garantias Fundamentais consagra<strong>do</strong>s na Carta Magna, contribui para<br />

que o Esta<strong>do</strong> possa c<strong>um</strong>prir com sua agenda principiológica da eficiência, da<br />

economicida<strong>de</strong>, da efetivida<strong>de</strong> e da responsivida<strong>de</strong>, conforme retratam Ávila e<br />

outros. 191<br />

191<br />

“Portanto, se a clássica característica jurídica da eficácia estaria satisfeita <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o ato<br />

alcançasse aptidão para a produção <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s visa<strong>do</strong>s, a nova característica jurídica da<br />

eficiência foi adiante <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que só estará satisfeita quan<strong>do</strong> esses resulta<strong>do</strong>s pretendi<strong>do</strong>s forem<br />

efetivamente alcança<strong>do</strong>s e qualifica<strong>do</strong>s <strong>por</strong> <strong>um</strong>a correlação ótima entre os meios emprega<strong>do</strong>s e o que<br />

efetivamente se logrou. Segun<strong>do</strong> essa linha, a economicida<strong>de</strong> é <strong>um</strong> critério que teria da eficiência,<br />

pois resultará da aferível e a<strong>de</strong>quada pro<strong>por</strong>cionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s recursos <strong>de</strong>spendi<strong>do</strong>s aos resulta<strong>do</strong>s<br />

obti<strong>do</strong>s, razão pelo qual o seu emprego nas finanças públicas <strong>passo</strong>u a representar <strong>um</strong> <strong>do</strong>s mais<br />

im<strong>por</strong>tantes avanços <strong>do</strong> Direito para o controle <strong>do</strong> que foi outrora in<strong>de</strong>vassável, reserva <strong>de</strong> arbítrio<br />

administrativo, <strong>um</strong> teimoso resquício regaliano que até pouco prevalecia na administração <strong>do</strong>s gastos<br />

públicos. Do mesmo mo<strong>do</strong>, a efetivida<strong>de</strong> também é <strong>um</strong> critério <strong>de</strong>riva<strong>do</strong> da eficiência, só que seu<br />

ambiente <strong>de</strong> exigência é mais amplo, <strong>um</strong>a vez que a correlação ótima entre os meios emprega<strong>do</strong>s é o<br />

que efetivamente se logrou e passa a ser aferida não apenas in casu, mas ten<strong>do</strong> em vista o benefício<br />

para o conjunto da socieda<strong>de</strong>, ou seja, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> ao ato <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, seja ele normativo,<br />

administrativo ou judicativo, está produzin<strong>do</strong> no meio social aqueles efeitos que haviam si<strong>do</strong> abstrata<br />

e genericamente visa<strong>do</strong>s na or<strong>de</strong>m jurídica [...] a responsivida<strong>de</strong> consiste na obrigação <strong>de</strong> o agente<br />

público respon<strong>de</strong>r pela postergação ou pelo <strong>de</strong>svio da vonta<strong>de</strong> popular <strong>de</strong>mocraticamente<br />

manifestada, fato que po<strong>de</strong> ocorrer mesmo que os parâmetros da legalida<strong>de</strong> estrita estejam<br />

satisfeitos (ÁVILA. H<strong>um</strong>berto. (Org). Fundamentos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito: estu<strong>do</strong>s em homenagem<br />

ao Professor Almiro <strong>do</strong> Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 95)”.


257<br />

A valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s princípios não está para a existência tanto quanto para sua<br />

recorrente funcionabilida<strong>de</strong>; o <strong>de</strong>suso ou a falta <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong> sua existência<br />

e relevância fazem com que o Direito perca sua efetiva finalida<strong>de</strong>.<br />

A tecnologização fomenta a disseminação <strong>do</strong> conhecimento, a<br />

conscientização e a participação social, ou seja, o ativismo social jurídico<br />

participativo gera inclusão com o uso <strong>do</strong>s “meios” tecnológicos, promoven<strong>do</strong> assim a<br />

sedimentação da Democracia material.<br />

O sistema oferta<strong>do</strong> pela tecnologia da Inteligência Artificial sinaliza para<br />

potencial juridicida<strong>de</strong> ao or<strong>de</strong>namento jurídico, <strong>um</strong>a vez que a legalida<strong>de</strong> póspositivista<br />

está para além <strong>do</strong> texto da legalida<strong>de</strong> estrita. Ao contário, congrega e<br />

exige integração, unificação, uniformização e sistematização <strong>de</strong> todas as espécies<br />

<strong>de</strong> dispositivos para a proteção <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais.<br />

Essa necessida<strong>de</strong> alberga <strong>de</strong>staque e não po<strong>de</strong> ser eclipsada pela<br />

ineficiência <strong>do</strong>s “meios”, exigin<strong>do</strong> reconhecimento e aplicabilida<strong>de</strong> pelo Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a forma mais eficiente.<br />

Em sen<strong>do</strong> a carta política Constitucional <strong>um</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ento Público projeta<strong>do</strong><br />

para a proteção <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais <strong>de</strong> forma interativa e<br />

integrativa, nos termos <strong>do</strong> par. 2º <strong>do</strong> artigo 5º da CF, a produção legislativa <strong>de</strong>ve ser<br />

realizada pelo controle e pela participação (aprovação x reprovação) <strong>de</strong> seus<br />

agentes.<br />

Portanto, os agentes políticos são escolhi<strong>do</strong>s com a finalida<strong>de</strong> própria para a<br />

edificação das leis <strong>por</strong> ser <strong>um</strong> ato com característica legislativa <strong>por</strong> excelência, mas<br />

que não suprime a legimida<strong>de</strong> plurarista da socieda<strong>de</strong> em sua posição<br />

socioparticipativa legislativa.<br />

Nesse processo, a publicização é <strong>um</strong> elemento substancial em que a<br />

tecnologia como meio atuante, interativo, integrativo e publicista garante aos Direitos<br />

a intimida<strong>de</strong> e a privacida<strong>de</strong> da pessoa como elementos que estão encapsula<strong>do</strong>s<br />

pelo princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa h<strong>um</strong>ana, inciso III <strong>do</strong> artigo 1º da CF.<br />

Na mesma pro<strong>por</strong>ção em que abre o acesso, também oferece controle <strong>por</strong><br />

intermédio da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações quanto ao uso ilegal <strong>de</strong> seus fins,<br />

facilitan<strong>do</strong> rapidamente ao transgressor, o bloqueio e a suspensão da acessibilida<strong>de</strong><br />

às re<strong>de</strong>s.


258<br />

Des<strong>de</strong> que seus usuários sejam cadastra<strong>do</strong>s ou para alguns fins,<br />

cre<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s para a liberação <strong>de</strong> acessos a efetiva participação, como <strong>de</strong>fine o<br />

“marco civil da internet”, oficialmente chama<strong>do</strong>, impresso na Lei nº 12.965, <strong>de</strong><br />

23/4/2014.<br />

A informatização tecnológica, seja pelo uso no trans<strong>por</strong>te <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e<br />

informações, seja pela fundação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a banda para a operação <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

judiciário em plataforma tecnológica e <strong>de</strong> interface tecnológica.<br />

Representa <strong>um</strong> meio <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos que, além da publicização,<br />

corroborará para o c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong> princípio da economicida<strong>de</strong> com maior acesso<br />

às políticas públicas judiciárias e às ações <strong>do</strong>s seus agentes. 192<br />

Toda essa tendência <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos não po<strong>de</strong> afastar-se da segurança<br />

jurídica <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais. Para isso, <strong>de</strong>ve viabilizar a<br />

certeza e a previsibilida<strong>de</strong> da atuação jurisdicional <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões em<br />

consonância com o princípio da legalida<strong>de</strong> e da juridicida<strong>de</strong>-estabilida<strong>de</strong> emanadas<br />

pela or<strong>de</strong>m estatal.<br />

Tal relação sistematizada é possível <strong>de</strong> ser alcançada pelos “meios”<br />

tecnológicos em tempo menor, a partir da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> centralização <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e<br />

das informações <strong>do</strong>s Direitos, promoven<strong>do</strong> assim maior confiança <strong>do</strong> jurisdiciona<strong>do</strong><br />

ao sistema nacional jurisdicional. Segun<strong>do</strong> a New Scientist, em artigo “Law by<br />

algorithm: Are computers fairer than h<strong>um</strong>ans?” 193<br />

192<br />

Em tal senti<strong>do</strong>, Ávila e outros consi<strong>de</strong>ram “[...] a Democracia como processo <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

agentes políticos e <strong>de</strong> políticas públicas, na qual pouca ou quase nenh<strong>um</strong>a dificulda<strong>de</strong> se apresenta<br />

como óbice para ser amplamente implantada. Para esta terceira vertente da <strong>de</strong>mocracia material<br />

nada mais é necessário <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a ampla admissão <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quadas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> controle social<br />

no or<strong>de</strong>namento jurídico, e, para bem empregá-las <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> preparação cívica, su<strong>por</strong>tada <strong>por</strong><br />

<strong>um</strong>a livre e ampla re<strong>de</strong> <strong>de</strong> informações. / Mas como esses <strong>do</strong>is requisitos não po<strong>de</strong>m ser<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> difícil superação nesta era da informação, como apropriadamente a <strong>de</strong>nomina<br />

Manuel Castells, mesmo em países em via <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, tem-se que, <strong>por</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, a<br />

preparação cívica se po<strong>de</strong> dar pari passu com a educação regular em todas as escolas,<br />

notadamente na prática diuturna da discussão <strong>do</strong>s temas coletivos e da tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão em grupo,<br />

e, <strong>por</strong> outro la<strong>do</strong>, a ampla e livre re<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação é pro<strong>por</strong>cionada pela mídia e pela internet, dá-se<br />

que esta vertente <strong>de</strong> realização da <strong>de</strong>mocracia material é bastante promissora a curto prazo,<br />

justifican<strong>do</strong>-se que sobre ela sejam concentra<strong>do</strong>s os esforços oficiais (ÁVILA. H<strong>um</strong>berto. (Org).<br />

Fundamentos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito: estu<strong>do</strong>s em homenagem ao Professor Almiro <strong>do</strong> Couto e Silva.<br />

São Paulo: Malheiros, 2005, p. 111)”.<br />

193<br />

“Lei <strong>por</strong> Algoritmo: Os computa<strong>do</strong>res são mais justos <strong>do</strong> que os <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s?” Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em 24 <strong>de</strong>z. 2015.


259<br />

Some have even proposed making an algorithm the law itself, with tools that<br />

could automatically sniff out contract violations, problematic patents or<br />

election fraud. Lisa Shay at West Point in New York and colleagues have<br />

suggested rewriting “amenable laws” <strong>–</strong> those that <strong>de</strong>al with clear-cut cases<br />

of right and wrong <strong>–</strong> so that algorithmic law enforcement could un<strong>de</strong>rstand<br />

them. They have already attempted to build computer systems that can<br />

issue speeding tickets. 194<br />

Essa perspectiva tem gran<strong>de</strong>s chances <strong>de</strong> consolidar-se não somente pela<br />

eficácia e pela efetivida<strong>de</strong> das leis, mas pela eficiência <strong>do</strong>s “meios”. O dispositivo<br />

como imperativo no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m vê-se legitima<strong>do</strong> pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

disseminação e propagação <strong>de</strong> seu alcance normativo, reforçan<strong>do</strong> a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

sistema.<br />

Sua previsibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> geral, gera maior estabilida<strong>de</strong> sistêmica no<br />

âmbito da prestação juridiscional. A transição ou a implantação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los ou<br />

formas <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sobre os “meios” <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

balizada na preservação e garantia <strong>do</strong>s preceitos constitucionais, não teria razão<br />

para resistir à não utilização.<br />

Em quaisquer circunstâncias, é necessário avaliar a constelação <strong>de</strong> princípios<br />

e as regras existentes, para a ação media<strong>do</strong>ra não vir a arranhar o or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico em sua simetria legal, nem tampouco suprimir os Direitos e as Garantias<br />

individuais em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> expressa proibição Constitucional.<br />

Por outro vértice, a cautela ou simplesmente o cuida<strong>do</strong> técnico profissional<br />

<strong>do</strong>s intérpretes não tem o condão <strong>de</strong> restringir a inclusão <strong>de</strong> “meios” que preservem<br />

e garantam o efetivo alcance <strong>do</strong>s valores principiológicos <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Constitucional.<br />

É im<strong>por</strong>tante colocar em evidência que a publicização <strong>do</strong>s “meios”<br />

tecnológicos <strong>de</strong>ve preservar a confiança e garantir que as tecnologias em<br />

Inteligência Artificial não coloquem em conflito a confiança que a Justiça <strong>de</strong>ve<br />

outorgar <strong>por</strong> sua própria natureza, além <strong>de</strong> fragilizar os valores conquista<strong>do</strong>s e<br />

consolida<strong>do</strong>s a serem conserva<strong>do</strong>s entre o Esta<strong>do</strong> e o cidadão.<br />

194<br />

“Alguns têm mesmo proposto <strong>um</strong> algoritmo para fazer a própria lei, com ferramentas que po<strong>de</strong>m<br />

farejar automaticamente violações <strong>de</strong> contratos, patentes problemáticas ou frau<strong>de</strong> eleitoral . Lisa<br />

Shay em West Point , em Nova York e seus colegas sugeriram reescrever "leis passíveis " - aqueles<br />

que lidam com casos óbvios <strong>de</strong> certo e erra<strong>do</strong> <strong>–</strong> aplicação da lei para que algorítmica <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia<br />

compreendê-los. Eles já tentaram construir sistemas <strong>de</strong> computa<strong>do</strong>r que po<strong>de</strong> emitir multas <strong>por</strong> alta<br />

velocida<strong>de</strong>”. Tradução minha.


260<br />

Para isso, <strong>um</strong>a política-jurídica <strong>de</strong> planejamento para o uso <strong>do</strong>s recursos<br />

tecnológicos é essencial, além <strong>de</strong> seu constante aprimoramento, para que os<br />

Direitos e as Garantias Fundamentais não sejam viola<strong>do</strong>s.Isto não significa a<br />

supressão <strong>de</strong> possíveis instabilida<strong>de</strong>s, nem tampouco o afastamento <strong>do</strong> raiar <strong>de</strong><br />

novas i<strong>de</strong>ias que se materializarão no tempo e no espaço, conforme esclarecem<br />

Ávila e outros. 195<br />

É, <strong>por</strong>tanto, da natureza <strong>do</strong> Direito a mutabilida<strong>de</strong> oriunda da tensão essencial<br />

registrada pela linha divisória da ruptura, sen<strong>do</strong> assim, voltan<strong>do</strong> os olhos para a<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, é inafastável conter em sua estrutura mecanismo <strong>de</strong> alteração<br />

ou inclusão, seja <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> emendas constitucionais, leis e suas espéciesou<br />

<strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Constituinte Originário.<br />

Disso se <strong>de</strong>pren<strong>de</strong> que a carta Magna dispõe <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong><br />

adaptabilida<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>quação para conciliar-se com a nova realida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> cada<br />

tempo histórico em que ela rouba a cena, sem <strong>de</strong>svencilhar-se <strong>do</strong> princípio da<br />

segurança jurídica e da confiança legítima, que funciona <strong>de</strong> forma cooperativa e<br />

coor<strong>de</strong>nativa na relação entre Esta<strong>do</strong> e socieda<strong>de</strong>.<br />

Em razão <strong>de</strong>ssa mobilida<strong>de</strong> que tem como finalida<strong>de</strong> a proteção <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas, a participação da <strong>inteligência</strong> tecnológica <strong>–</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que em<br />

conformida<strong>de</strong> legal com a Lei Maior <strong>–</strong> não po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong> obstáculo para o avanço da<br />

história da espécie h<strong>um</strong>ana, principalmente se as mudanças ten<strong>de</strong> a reforçar e<br />

otimizar a o alcance <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais. Segun<strong>do</strong> Ávila<br />

(2005, p. 72),<br />

195<br />

“Não que as situações <strong>de</strong> vida sejam em si mesmas imóveis, previsíveis, estáveis e permanentes<br />

<strong>–</strong> Heráclito já clamara o constante dinamismo e mutação das coisas: Pântarei, tu<strong>do</strong> flui. Mas<br />

Parmêni<strong>de</strong>s, ao só reconhecer vali<strong>de</strong>z ao eterno, não estava <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> razão, e a história <strong>do</strong><br />

Direito o comprova; o or<strong>de</strong>namento jurídico é perpassa<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a secular relação, <strong>de</strong> tensão entre<br />

permanência e ruptura, entre estabilida<strong>de</strong> e mudanças, entre o que ten<strong>de</strong> a ser eterno e o que ten<strong>de</strong><br />

à perpétua mudança. Em outras palavras, o or<strong>de</strong>namento jurídico, tal qual a vida, equilibra-se entre<br />

os polos da segurança (na abstrata imutabilida<strong>de</strong> das situações constituídas) e da inovação (para<br />

fazer frente ao pântarei). Assim, na relação (que é fundamental) entre tempo e <strong>direito</strong>, a expressão<br />

“princípio da segurança jurídica” marca, como signo <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s que é, o espaço <strong>de</strong> retenção, <strong>de</strong><br />

imobilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> permanência: valoriza, <strong>por</strong> exemplo, o fato <strong>de</strong> o cidadão não ser<br />

apanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> surpresa <strong>por</strong> codificação ilegítima na linha <strong>de</strong> conduta da administração, ou pela lei<br />

posterior, ou pela modificação na aparência das formas jurídicas (ÁVILA. H<strong>um</strong>berto. (Org).<br />

Fundamentos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito: estu<strong>do</strong>s em homenagem ao Professor Almiro <strong>do</strong> Couto e Silva.<br />

São Paulo: Malheiros, 2005, p. 133)”.


261<br />

[...] os princípios, ao estabelecerem fins a serem atingi<strong>do</strong>s, exigem a<br />

promoção <strong>de</strong> <strong>um</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas <strong>–</strong> bens jurídicos <strong>–</strong> que impõe condutas<br />

necessárias à sua preservação ou realização. Daí possuírem caráter<br />

<strong>de</strong>ôntico-teleológico: <strong>de</strong>ôntico, <strong>por</strong>que estipulam razões para a existência <strong>de</strong><br />

obrigações, permissões ou proibições; teleológico, <strong>por</strong>que as obrigações,<br />

permissões e proibição <strong>de</strong>correm <strong>do</strong>s efeitos advin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento, que preservam ou promovem <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong><br />

coisas. Daí afirmar-se, que os princípios são normas-<strong>do</strong>-que-<strong>de</strong>ve-ser<br />

(ought-to-be-normal); seu conteú<strong>do</strong> diz respeito a <strong>um</strong> esta<strong>do</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> coisas<br />

(state of affairs).<br />

A Inteligência Artificial e suas ramificações em plataforma em interface<br />

tecnológica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que criteriosamente programadas, avaliadas, testadas e<br />

certificadas, e garantin<strong>do</strong>-se a redundância em estabilida<strong>de</strong> (dinâmica e funcional),<br />

representam “meios” não somente <strong>de</strong> preservação <strong>do</strong>s valores insculpi<strong>do</strong>s na carta<br />

política Constitucional como instr<strong>um</strong>ento hábil para a realização concreta, ou seja,<br />

para o alcance da materialização <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais<br />

previstos.<br />

Esse movimento da tecnologização <strong>do</strong> sistema jurídico e, consequentemente,<br />

<strong>de</strong> sua estrutura, sedimenta <strong>um</strong>a nova prática <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> Direito da Justiça. O<br />

com<strong>por</strong>tamento hauri<strong>do</strong> das ferramentas tecnológicas aponta para <strong>um</strong>a ação mais<br />

rápida <strong>do</strong>s i<strong>de</strong>ais até o presente muitas vezes atingi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma parcial.<br />

É certo que a parcialida<strong>de</strong> da concretização cristaliza não somente <strong>um</strong><br />

avanço histórico da h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> como os “meios” pelos quais ela vem<br />

<strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> para alcançar o Esta<strong>do</strong> Constitucional materialmente i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>.<br />

Isso não significa, no entanto, que as clássicas formas ou os clássicos<br />

pensamentos não foram im<strong>por</strong>tantes. Eles po<strong>de</strong>m ser compreendi<strong>do</strong>s como<br />

tecnologias que contribuíram em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> estágio <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento políticojurídico<br />

e parcipativo-jurídico.<br />

Em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento <strong>passo</strong>u a ce<strong>de</strong>r a <strong>um</strong>a ruptura que registra<br />

mudanças <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> político-jurídico, no qual o sau<strong>do</strong>sismo <strong>de</strong>sse<br />

rompimento <strong>de</strong>ve ser compensa<strong>do</strong> pelo prazer da evolução, pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>novo</strong> sistema judiciário e suas novas ferramentas para a resolução <strong>de</strong> conflitos.


262<br />

Com a Era das <strong>de</strong>scodificações a <strong>de</strong>scentralização <strong>do</strong>s códigos com suas<br />

diretrizes normativas, consolida-se <strong>um</strong>a forte tendência <strong>do</strong>s microssistemas, diante<br />

da necessida<strong>de</strong> e da utilida<strong>de</strong> voltada ao contigente massifica<strong>do</strong>, a tecnologia<br />

representa <strong>um</strong> “meio” eficaz <strong>de</strong> sistematização, integração, unificação e<br />

uniformização <strong>do</strong> Direito. Inclusive <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito produzir legislativamente segun<strong>do</strong><br />

as regras <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema digital. Segun<strong>do</strong> Barroso (2008, p. 9),<br />

O Direito Constitucional <strong>de</strong>fine a moldura <strong>de</strong>ntro da qual o intérprete<br />

exercerá sua criativida<strong>de</strong> e seu senso <strong>de</strong> Justiça, sem conce<strong>de</strong>r-lhe,<br />

contu<strong>do</strong>, <strong>um</strong> mandato para voluntarismos <strong>de</strong> matizes varia<strong>do</strong>s. De fato, a<br />

Constituição institui <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> normas que <strong>de</strong>verão orientar sua<br />

escolha entre as alternativas possíveis: princípios, fins públicos, programas<br />

<strong>de</strong> ação.<br />

O <strong>limite</strong> ou a <strong>de</strong>limitação Constitucional representa o espaço <strong>do</strong> aceitável<br />

como justo. Se isso é <strong>um</strong>a informação que tem aceitabilida<strong>de</strong> no plano da<br />

legalida<strong>de</strong>, legitimida<strong>de</strong> e licitu<strong>de</strong>, é possível que se projete <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

linguagem <strong>de</strong> programação <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s critérios <strong>de</strong> regras e exceções a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, as<br />

respectivas leis <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

Também se po<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões pacificadas e que respeitam a<br />

classificação <strong>de</strong> “cases”, pela moldura Constitucional, que <strong>um</strong> sistema tecnológico<br />

possa classificar <strong>por</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> semelhança (prece<strong>de</strong>nte) e, a partir <strong>de</strong>ssa<br />

catalogação, estabilizar <strong>um</strong>a escolha uníssona <strong>de</strong> Direitos para as <strong>de</strong>mandas<br />

repetidas, <strong>por</strong>tanto, que tenham correlação <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> Direito.<br />

Com isso, o Direito como técnica <strong>de</strong> criação h<strong>um</strong>ana para pacificação social<br />

passa pelo crivo da instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação <strong>de</strong> classes, para <strong>um</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> estabilização pela inclusão e pela conscientização da socieda<strong>de</strong><br />

digital.<br />

Por esse vetor, torna-se se possível que o projeto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong><br />

Direitos e Garantias Fundamentais se pontifique e com ele se consoli<strong>de</strong> o Esta<strong>do</strong><br />

Constitucional i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>, valen<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s “meios” tecnológicos para pontificá-lo.<br />

Essa nova ferramenta <strong>do</strong> conhecimento é fruto da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana e da<br />

sua capacida<strong>de</strong> para a <strong>de</strong>scoberta. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> meio <strong>de</strong><br />

canalização <strong>do</strong> Direito e da Justiça faz <strong>de</strong>sse patrimônio social <strong>um</strong> diploma com <strong>um</strong>a<br />

maior publicização.


263<br />

O exercício constante participativo a<strong>um</strong>enta a legitimida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong><br />

maior consciência <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais e com isso a<br />

certificação da legalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s dispositivos legais.<br />

A tecnologização <strong>do</strong> Direito afirma <strong>um</strong>a crítica acentuada ao revelar a<br />

violência a qual o sistema jurídico sofre <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos mais remotos, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

in<strong>justiça</strong> embrionária que, com esse <strong>novo</strong> meio, passa a ser <strong>um</strong> tira-teima, <strong>um</strong><br />

replay, da forma pela qual o Direito é media<strong>do</strong> pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

O <strong>de</strong>snível da linguagem utilizada para a disseminação social <strong>do</strong> Direito e seu<br />

funcionamento sempre esteve a reservar o diálogo restritivo entre os seus<br />

opera<strong>do</strong>res oficiais, com isso não favorecen<strong>do</strong> a essencial pedagogia <strong>de</strong><br />

transformação, em que o Direito <strong>de</strong>ve ser reconheci<strong>do</strong> como conhecimento teórico e<br />

prático <strong>de</strong> <strong>um</strong>a agenda educacional cidadã.<br />

Ao contrário, é instr<strong>um</strong>ento que tem submeti<strong>do</strong> a socieda<strong>de</strong> às torturas da<br />

catequização; essa nova teorização meto<strong>do</strong>lógica estaria vocacionada a<br />

constitucionalizá-la, pela via <strong>do</strong> acesso aos Direitos e às Garantias Fundamentais.<br />

O canal da tecnologia abre espaço para a inclusão, a participação, a<br />

reivindicação, o apontamento das ilegalida<strong>de</strong>s e, com isso, para o im<strong>por</strong>tante papel<br />

da legitimida<strong>de</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>, ainda, ser <strong>um</strong> meio idôneo e capaz <strong>de</strong> otimizar a jurisdição tanto como<br />

auxiliar como em substituição à jurisdição ordinária, em que o Direito e os fatos<br />

jurídicos tenham cristaliza<strong>do</strong> <strong>um</strong> entendimento conclusivo objetivo no firmamento da<br />

tese, conforme está incor<strong>por</strong>a<strong>do</strong> no <strong>novo</strong> reforma<strong>do</strong> CPC.<br />

Resta sempre em tais hipóteses não mais <strong>um</strong> caráter interpretativo, mas<br />

simplesmente aplicativo/repetivo <strong>do</strong> Direito, <strong>de</strong> forma objetiva, que po<strong>de</strong> ser<br />

realiza<strong>do</strong> via sistema tecnológico <strong>de</strong> interface juridiscional digital.<br />

Embora a jurisdição estatal seja <strong>um</strong> Direito e <strong>um</strong>a Garantia em respeito ao<br />

princípio <strong>do</strong> Juiz natural, ela não é exclusiva. O que o sistema Constitucional exige é<br />

que qualquer meio <strong>de</strong> fazer Justiça preserve e garanta os Direitos e as Garantias<br />

Fundamentais.


264<br />

A função da jurisdição ordinária é <strong>de</strong> proteção, <strong>de</strong> vigilância, <strong>de</strong> guardiã, nem<br />

sempre materialmente concretizada <strong>por</strong> razões <strong>de</strong> sua natureza e <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s<br />

impostos a ela, mas que não afastam a significativa contribuição tanto da função<br />

principiológica como <strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> que a referida espécie cultiva.<br />

Reconhece, todavia, outros tipos <strong>de</strong> jurisdição, tais como a especial, a<br />

extraordinária ou a anômala.<br />

Portanto, a tecnologia como “meio”, não menos suscetível a “erros” ou<br />

“falhas” não po<strong>de</strong> ser penalizada pela <strong>de</strong>sconfiança estabelecida nem pelo<br />

preconceito da cognição da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

Condição existente e inerente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das distinções entre<br />

princípios e regras <strong>de</strong> Direito, <strong>do</strong>s mecanismos <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração, o certo é que a<br />

preservação e as garantias para a segurança <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito para a<br />

concretização da Justiça exigem critérios <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação na formulação <strong>de</strong><br />

mecanismos que precisam da efetivida<strong>de</strong> Constitucional.<br />

Nesse contexto, a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana vale-se <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> cognitiva<br />

para interpretar a interlocução <strong>do</strong> sistema normativo. Esse processo, tratanto-se <strong>de</strong><br />

Direito Constitucional como célula mater <strong>de</strong> referência para to<strong>do</strong> o or<strong>de</strong>namento, a<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, nesse processo hermenêutico <strong>de</strong> avaliação e validação,<br />

segun<strong>do</strong> Barroso tem a seguinte compreensão (2008, p. 30):<br />

A <strong>do</strong>gmática mo<strong>de</strong>rna avaliza o entendimento <strong>de</strong> que as normas em geral e<br />

as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas gran<strong>de</strong>s<br />

categorias diversas: os princípios e as regras. Normalmente, as regras<br />

contêm relato mais objetivo, com incidência restritiva às situações<br />

específicas às quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor <strong>de</strong><br />

abstração e <strong>um</strong>a finalida<strong>de</strong> mais <strong>de</strong>stacada no sistema. Inexiste hierarquia,<br />

entre ambas as categorias, à vista <strong>do</strong> princípio da unida<strong>de</strong> da Constituição.<br />

Isto não impe<strong>de</strong> que princípios e regras <strong>de</strong>sempenhem funções distintas<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento.<br />

Superada a im<strong>por</strong>tância e a essencialida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s preceitos constitucionais, o<br />

problema então passa para a aferição, o ajustamento e a concretização <strong>do</strong><br />

i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Constitucional. A legalida<strong>de</strong> passa a ser compreendida como<br />

legitimida<strong>de</strong> e licitu<strong>de</strong>.


265<br />

A moldura estabelecida passa a estar <strong>de</strong>limitada <strong>de</strong>ntro da orla estalebelecida<br />

pelo diploma Constitucional em qualquer concepção. Isso se dá pelo objetivo<br />

máximo que se busca para a preservação e a efetiva realização <strong>do</strong>s fins difundi<strong>do</strong>s<br />

pelo escopo da mencionada carta política.<br />

A <strong>inteligência</strong> em língua, linguagem e to<strong>do</strong> o arcabouço que faz com que tal<br />

processo <strong>de</strong> comunicação se materialize e palmilhe neste senti<strong>do</strong> tem avança<strong>do</strong> nas<br />

últimas décadas, ganhan<strong>do</strong> <strong>de</strong>staque a tecnologia, cuja agenda <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

vem a cada dia <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> que <strong>por</strong> trás da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana existe <strong>–</strong> em<br />

suas ações intelectivas ou mecânicas <strong>–</strong> <strong>um</strong>a fórmula com variáveis e proprieda<strong>de</strong>s<br />

que estabelecem e condicionam o com<strong>por</strong>tamento <strong>de</strong>ssa espécie, tornan<strong>do</strong> possível<br />

enten<strong>de</strong>r e compreen<strong>de</strong>r como se dá a lógica <strong>de</strong> suas ações e reações<br />

esquematicamente.<br />

A tecnologia e toda a estrutura engendrada pela Inteligência Artificial possui<br />

mecanismos capazes <strong>de</strong> formular “meios” a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s a auxiliar a jurisdição ordinária<br />

ou atuar como jurisdição especial cibernética na mediação para a solução <strong>de</strong><br />

conflitos.<br />

Em sen<strong>do</strong> avalizada pelo Esta<strong>do</strong>, inco<strong>por</strong>an<strong>do</strong> essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jurisdição<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que filtrada e compatível com o Direito Constitucional, apresenta-se como útil<br />

sua oferta à socieda<strong>de</strong> como <strong>um</strong> to<strong>do</strong>. O Direito é <strong>um</strong>a criação h<strong>um</strong>ana para<br />

condicionar, regular e corrigir com<strong>por</strong>tamentos em busca <strong>de</strong> equacionar o equilíbrio<br />

social, evitan<strong>do</strong> ou combaten<strong>do</strong> conflitos.<br />

A tecnologização <strong>do</strong> Direito representa <strong>um</strong>a ferramenta capaz <strong>de</strong> extensionar<br />

a solução para casos idênticos e repeti<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> forma mais a<strong>de</strong>quada para <strong>um</strong>a<br />

quantida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> jurisdiciona<strong>do</strong>s ou massa <strong>de</strong> casos i<strong>de</strong>ntidários, com isso<br />

evitan<strong>do</strong> os riscos da interpretação caso a caso e das <strong>de</strong>cisões conflitantes,<br />

hereditária da <strong>do</strong>gmática jurídica com sua dinâmica. Para Queiroz Assis (1995, p.<br />

101). “A positivação <strong>do</strong> <strong>direito</strong> segue-se a concepção <strong>de</strong> sistematiza-lo e que<br />

implicou na valorização pelos juristas <strong>do</strong>s preceitos legais surgin<strong>do</strong>, em França, já no<br />

século XIX, a Escola da Exegese”.<br />

Os “meios” tecnológicos apresentam-se em <strong>um</strong> formato <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> distinto<br />

e diferencia<strong>do</strong>, e surge em <strong>um</strong> momento em que o projeto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong><br />

Direito encontra-se fragiliza<strong>do</strong> pelas vicissitu<strong>de</strong>s da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana e suas<br />

ações com<strong>por</strong>tamentais.


266<br />

A corrosão <strong>do</strong> caráter (Richard Sennet) é tamanha que o Esta<strong>do</strong><br />

Constitucional, embora existente, não alcança o plano material <strong>de</strong> forma plena. O<br />

Esta<strong>do</strong> é indisciplina<strong>do</strong> <strong>por</strong> excelência e se revela com problemas sérios e profun<strong>do</strong>s<br />

em sua estrutura, principalmente <strong>por</strong> se posicionar <strong>de</strong> forma alienada a realida<strong>de</strong><br />

vigente, afastan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> suas responsabilida<strong>de</strong>s. Segun<strong>do</strong> A<strong>de</strong>odato (2011, p. 83).<br />

Outro im<strong>por</strong>tante precursor <strong>do</strong> realismo é Thomas Hobbes, cuja <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong><br />

absolutismo, curiosamente, fundamenta-se n<strong>um</strong>a teoria contratualista e na<br />

soberania popular. O Esta<strong>do</strong> constitui-se como resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> contrato social<br />

e, <strong>por</strong> não ser parte, não se obriga sequer a ele. Os cidadãos, não<br />

su<strong>por</strong>tan<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> natureza <strong>do</strong> homem como lobo <strong>do</strong> homem,<br />

entregam ao soberano to<strong>do</strong>s os seus <strong>direito</strong>s naturais. Logo, não há <strong>direito</strong>s<br />

acima da soberania constituinte, nenh<strong>um</strong>a amarra prévia às opções <strong>do</strong><br />

Leviatã, também <strong>um</strong> postula<strong>do</strong> básico <strong>do</strong> positivismo que estava <strong>por</strong> vir.<br />

Todavia, em <strong>um</strong>a concepção mais abalizada <strong>do</strong> ponto da vista da atualida<strong>de</strong>,<br />

o Esta<strong>do</strong> em sua essência além <strong>de</strong> ser a soma <strong>do</strong>s cidadãos, parte-se <strong>do</strong><br />

pressuposto <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong> passa a ser o maior interessa<strong>do</strong> na instr<strong>um</strong>entalização<br />

tecnológica da sua estrutura. O <strong>de</strong>sfiliamento <strong>do</strong>s aspectos partidários e a supressão<br />

<strong>do</strong>s preconceitos geram <strong>um</strong> solo propício à condução <strong>de</strong> novas i<strong>de</strong>ias aos seus<br />

<strong>novo</strong>s propósitos.<br />

No âmbito <strong>do</strong> Judiciário, a crise existente <strong>de</strong>ve levar as cabeças oficiais a se<br />

afastarem <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates infindáveis e se posicionarem ampara<strong>do</strong>s em <strong>um</strong>a nova<br />

cognição capaz <strong>de</strong> garantir <strong>um</strong>a razoável duração <strong>do</strong> processo, ten<strong>do</strong> na<br />

tecnologização das formas a celerida<strong>de</strong> necessária e essencial para a tramitação<br />

<strong>do</strong>s Direitos. 196<br />

196<br />

Segun<strong>do</strong> Coutinho e outros, “A questão da revisão das relações funcionais se coloca no centro <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>bate <strong>de</strong> <strong>um</strong>a teoria <strong>do</strong>/para o Esta<strong>do</strong> Constitucional que consi<strong>de</strong>re, além <strong>de</strong>ssa recomposição da<br />

especialização <strong>de</strong> funções, os problemas e dificulda<strong>de</strong>s que se apresentam, para a realização <strong>do</strong>s<br />

projetos constitucionais contem<strong>por</strong>âneos. De forma explícita, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconstrução das<br />

respostas clássicas acerca da realização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Constitucional se apresenta como o [<strong>um</strong> <strong>do</strong>s]<br />

problema (s) fundamental (is), consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se como dito acima, <strong>um</strong> ambiente <strong>de</strong> escassez e <strong>de</strong><br />

emergência e <strong>de</strong> mudanças paradigmáticas. / Neste último aspecto parece-nos fundamental que se<br />

estabeleçam instr<strong>um</strong>entos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para o que se <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia caracterizar como mecanismos <strong>de</strong><br />

informação Constitucional,através <strong>do</strong>s quais o juiz Constitucional teria melhores condições para<br />

promover o <strong>de</strong>svelamento da norma Constitucional, o que, entretanto, não é suficiente para<br />

solucionar o déficit <strong>de</strong>mocrático presente neste âmbito <strong>de</strong> ação estatal (COUTINHO, Jacinto Nelson<br />

<strong>de</strong> Miranda; MORAIS, José Luis Bolzan <strong>de</strong>; Streck, Lenio Luiz (Org.). Estu<strong>do</strong>s constitucionais. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: Renoar, 2007, p. 170)”.


267<br />

A preocupação sinaliza para <strong>um</strong> primeiro momento da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter<br />

<strong>um</strong>a infraestrutura judiciária capaz <strong>de</strong> auxiliar o Esta<strong>do</strong>/Juiz no processo <strong>de</strong><br />

disseminação para <strong>um</strong>a conscientização Constitucional pelo canal da<br />

informatização.<br />

Todavia, a questão posta não supera o problema <strong>do</strong> déficit <strong>de</strong>mocrático<br />

proposto pelo Esta<strong>do</strong> para a concretização i<strong>de</strong>alizada <strong>do</strong>s Direitos. Essa questão<br />

ainda ganha maior relevo, <strong>por</strong>que, na medida em que a promessa não se faz<br />

c<strong>um</strong>prir, torna-se sintomática a sensação <strong>de</strong> que o Direito estatal vai-se esmaecen<strong>do</strong><br />

frente aos seus fins.<br />

A materialização <strong>de</strong>ssa atmosfera é visível, <strong>um</strong>a vez que o Esta<strong>do</strong> passa a<br />

ser o primeiro <strong>de</strong>sc<strong>um</strong>pri<strong>do</strong>r <strong>de</strong> seus propósitos institucionais e, <strong>de</strong> maneira reflexiva,<br />

passa a influenciar a socieda<strong>de</strong> a não c<strong>um</strong>prir os coman<strong>do</strong>s legais, a sequer<br />

interessar-se <strong>por</strong> sua compreensão para conduzir a <strong>um</strong>a participação política-jurídica<br />

efetiva.<br />

Os “meios” implementa<strong>do</strong>s são lentos, visto serem burocratiza<strong>do</strong>s pela<br />

participação h<strong>um</strong>ana. Com isso, o fosso da não emancipação <strong>por</strong> <strong>um</strong>a consciência<br />

crítica e consciente <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais divi<strong>de</strong>m o espaço<br />

com <strong>um</strong> projeto <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito em crise, <strong>por</strong>que insiste em fazer<br />

a travessia <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos utilizan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> “meios” não mais eficazes. Para<br />

Morais e outros (2007, p. 159):<br />

Deste contexto emerge <strong>um</strong>a disputa profunda no entorno <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Constitucional, como Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>do</strong> Direito, seja no que diz com<br />

<strong>um</strong>a crise <strong>de</strong> realização como crise estrutural <strong>de</strong> políticas públicas voltadas<br />

à concretização <strong>de</strong> suas promessas, seja, e até mesmo em razão <strong>de</strong>sta,<br />

<strong>um</strong>a crise funcional que se expressa <strong>por</strong> <strong>um</strong>a disputa pelos espólios da<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gestão e <strong>de</strong> regulação, <strong>de</strong>ste mesmo Esta<strong>do</strong>, como<br />

fenômeno mo<strong>de</strong>rno, tal qual antes <strong>de</strong>senha<strong>do</strong>. Além <strong>do</strong> que, neste<br />

emaranha<strong>do</strong>, a própria tradição <strong>do</strong> constitucionalismo se vê constrangi<strong>do</strong>,<br />

<strong>por</strong> <strong>um</strong>a insuficiência, profunda em dar resposta a<strong>de</strong>quadas a tal dilema.<br />

A crise <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> cobra <strong>do</strong> Judiciário <strong>um</strong>a posição <strong>de</strong> <strong>por</strong>ta-voz da<br />

Democracia. Ao chegar ao Judiciário, socieda<strong>de</strong> tem encontra<strong>do</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo que não<br />

representa a Justiça i<strong>de</strong>alizada nem tampouco a pretendida para o atendimento das<br />

questões <strong>de</strong> Direito.É fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a crise que tem suas origens nas entranhas <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

Esta<strong>do</strong> soda<strong>do</strong> pela ausência <strong>de</strong> <strong>um</strong> planejamento público <strong>de</strong> que lhe é <strong>de</strong>ver/fazer.


268<br />

É necessário que os oficiais pensa<strong>do</strong>res da Justiça reconheçam a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundir <strong>um</strong>a nova política judiciária e com ela <strong>um</strong> sistema judiciário no<br />

qual a estrutura normativa seja escrita em <strong>um</strong>a linguagemcapaz <strong>de</strong> acompanhar<br />

<strong>um</strong>a nova tendência <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça.<br />

É inevitável que o sistema se valha <strong>do</strong>s “meios” tecnológicos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

preservem as garantias estabelecidas na carta política Constitucional, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> fazer<br />

com que o projeto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito seja alcança<strong>do</strong> <strong>por</strong> to<strong>do</strong>s, sem<br />

que a dialética da evolução seja interrompida <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a agenda histórico-social<br />

que faz em si e <strong>por</strong> si com a participação ativa <strong>do</strong>s atores <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s e não <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s.<br />

Acredita Hannah Arendt (2003, p. 03) “ser evi<strong>de</strong>nte que o homem é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

maneira altamente maravilhosa e misteriosa, <strong>do</strong> <strong>do</strong>m <strong>de</strong> fazer milagre”. A saber, ele<br />

po<strong>de</strong> agir, tomar iniciativa, im<strong>por</strong> “<strong>um</strong> <strong>novo</strong> começo”.<br />

Há <strong>um</strong>a tensão que dificulta o Esta<strong>do</strong> e seus oficiais juristas em aceitar <strong>um</strong><br />

<strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça e <strong>de</strong> Direito geri<strong>do</strong> ou gesta<strong>do</strong> a partir da tecnologia; é<br />

possível enxergar neste com<strong>por</strong>tamento <strong>um</strong>a situação normal, diante <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> e não previsto na tradição forma<strong>do</strong>ra.<br />

O <strong>novo</strong> ou o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> em geral causam afastamento, preocupação e<br />

<strong>de</strong>sconfiança, efeitos que <strong>de</strong>monstram o quanto a ancestralida<strong>de</strong> antropológica <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong> ainda habita a espécie h<strong>um</strong>ana. São atitu<strong>de</strong>s, no entanto, superáveis com o<br />

processo <strong>de</strong> emancipação pela permissão <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s conhecimentos. Para Arendt<br />

(2003, p. 29),<br />

Pois nenh<strong>um</strong> homem po<strong>de</strong> viver sem preconceitos, não apenas <strong>por</strong>que não<br />

tem <strong>inteligência</strong> ou conhecimento suficiente para julgar <strong>de</strong> <strong>novo</strong> tu<strong>do</strong> que<br />

exigisse <strong>um</strong> juízo seu no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua vida, mas sim <strong>por</strong>que tal falta <strong>de</strong><br />

preconceito requereria <strong>um</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> alerta sobre <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

O preconceito que contamina e influencia a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong><br />

vista Constitucional não encontra referência, <strong>um</strong>a vez que o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito<br />

encontra-se protegi<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong>sejo latente <strong>do</strong> c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong>s Direitos e das<br />

Garantias Fundamentais impressos no diploma Constitucional.<br />

O uso da Inteligência Artificial em semelhante processo não subtrai <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

seus princípios basilares plasma<strong>do</strong>s no artigo 37 da CF, pois qualquer lesão aos<br />

Direitos e às Garantias são passíveis <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong> <strong>–</strong> <strong>por</strong> intermédio da jurisdição<br />

<strong>–</strong> se movimente para a <strong>de</strong>vida correção.


269<br />

A jurisdição, nesse senti<strong>do</strong>, como já feito menção anteriormente e que volta<br />

ao comento, tem previsão Constitucional nos incisos XXXVII (não haverá juízo ou<br />

tribunal <strong>de</strong> exceção) e LIII (ninguém será processa<strong>do</strong> nem sentencia<strong>do</strong>, senão pela<br />

autorida<strong>de</strong> competente).<br />

São ambos capitanea<strong>do</strong>s pelo artigo 5º da CF, bem como pelo artigo 95 <strong>do</strong><br />

mesmo diploma, que consagram as garantias da vitalicieda<strong>de</strong>, inamovibilida<strong>de</strong> e<br />

irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsídio, dispositivos que consagram o princípio <strong>do</strong> Juiz natural.<br />

Esse princípio também encontra proteção no rol das cláusulas pétreas como<br />

já menciona<strong>do</strong>, no entanto, sua existência é apenas <strong>um</strong>a condição como forma<br />

disponibilizada ao jurisdiciona<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> para a resolução <strong>de</strong> conflitos e<br />

proteção <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais, como esclarecem Zai<strong>de</strong>n Neto<br />

e outros. 197<br />

No mais, em relação aos outros princípios, tais como o da dignida<strong>de</strong> da<br />

pessoa h<strong>um</strong>ana, inciso III, art. 1º, inciso I, <strong>do</strong> art. 3º, inciso LXXVIII, <strong>do</strong> artigo 5º<br />

<strong>de</strong>ntre outros não menos im<strong>por</strong>tantes, em respeito ao princípio da unicida<strong>de</strong> e da<br />

integrida<strong>de</strong> constitucional, enfatiza-se a presença da jurisdição estatal como forma<br />

<strong>de</strong> obter <strong>um</strong>a resposta a <strong>um</strong>a questão <strong>de</strong> Direito, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a priori a proibição<br />

da autotutela e a inafastabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário como guardião da or<strong>de</strong>m<br />

Constitucional.<br />

Disso vaza a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se possam buscar outros “meios” para <strong>um</strong>a<br />

solução <strong>de</strong> conflitos, questão superada pela <strong>do</strong>utrina e pacificada pelo STF quan<strong>do</strong><br />

da análise <strong>do</strong> confronto entre o inciso XXXV, <strong>do</strong> artigo 5º da CF e a lei 9.307/96 e<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os Direitos e as Garantias Fundamentais sejam respeita<strong>do</strong>s. Para<br />

Couture (2010, p. 112) a jurisdição estatal representa <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo, <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong><br />

subordinação <strong>do</strong> jurisdiciona<strong>do</strong> a or<strong>de</strong>m estatal <strong>de</strong> Direito:<br />

197<br />

“Não se percebeu que, se no Esta<strong>do</strong> Liberal seu campo <strong>de</strong> atuação era limita<strong>do</strong> ao <strong>de</strong><br />

soluciona<strong>do</strong>r <strong>de</strong> conflitos que se <strong>de</strong>senrolavam fundamentalmente no espaço priva<strong>do</strong> e on<strong>de</strong> o uso da<br />

lei seria privilegia<strong>do</strong>, confundida que era ela, a lei, com o conceito maior <strong>de</strong> <strong>justiça</strong>,no Esta<strong>do</strong><br />

Democrático <strong>de</strong> Direito social sua atuação é outra, passan<strong>do</strong> ele <strong>–</strong> Juiz <strong>–</strong> a julgar conforme os<br />

critérios <strong>de</strong> <strong>justiça</strong> plasma<strong>do</strong>s na Constituição. / Este quadro justifica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se cunhar <strong>um</strong><br />

<strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> juiz e, consequentemente, <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, que necessita se posicionar<br />

<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> diferente daquele até então a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, já que to<strong>do</strong> o seu fundamento <strong>de</strong> atuação passa a ser<br />

justifica<strong>do</strong> não mais pela conjugação política, mas sim pela proteção <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s fundamentais<br />

previstos no texto maior (GERAIGE NETO, Zai<strong>de</strong>n. O princípio da inafastabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> controle<br />

jurisdicional: art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais,<br />

2003, p. 106)”.


270<br />

Tien<strong>do</strong>, esto así, no pue<strong>de</strong> hablarse entonces <strong>de</strong> relación entre las partes y<br />

el juez, ni entre ellas mismas. El juez sentencia, no ya <strong>por</strong>que esto<br />

constituya un <strong>de</strong>recho <strong>de</strong> las partes, si no <strong>por</strong>que es para el, <strong>um</strong> <strong>de</strong>ber<br />

funcional <strong>de</strong> caráter administrativo y politico: las partes no están ligadas<br />

entre si, sino que existen apenas esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sujección <strong>de</strong> ellas para or<strong>de</strong>n<br />

jurídico em su conjunto <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> expectativas y <strong>de</strong> cargas. Y<br />

esto no configura una relación, sino una situación, o sea, como se há dicho,<br />

el esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> una persona frente a la sentencia judicial.<br />

Afinal, sen<strong>do</strong> o fim precípuo <strong>do</strong> julgamento a Justiça, ou seja, <strong>de</strong>cidir sobre<br />

algo é <strong>um</strong> ato <strong>de</strong> julgar, esse movimento embala<strong>do</strong> <strong>por</strong> este verbo “julgar” em<br />

qualquer circunstância <strong>de</strong>verá fincar sua base nos preceitos constitucionais.<br />

É necessário ultrapassar a igualda<strong>de</strong> para atingir a liberda<strong>de</strong> em Direito, que<br />

é o fim político-jurídico objetiva<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Justiça Constitucional,<br />

que é o cálculo feito pelas regras <strong>do</strong> Direito para o fato social apresenta<strong>do</strong> para o<br />

aquilatamento.<br />

Para semelhante procedimento, a Justiça estatal ordinariamente convoca o<br />

Juiz natural para realizar a mediação <strong>do</strong> Direito na entrega da prestação<br />

jurisdicional, afasta a priori a concepção <strong>de</strong> relação e matiza a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sujeição <strong>do</strong><br />

jurisdiciona<strong>do</strong> para a or<strong>de</strong>m jurídica estatal, conforme aduzi<strong>do</strong> <strong>por</strong> Couture, que<br />

corrobora neste senti<strong>do</strong> o entendimento <strong>de</strong> Gusmão Carneiro (2012, p. 35). 198<br />

198<br />

“No magistério <strong>de</strong> Cândi<strong>do</strong> Dinamarco, “a jurisdição é a ativida<strong>de</strong> pública e exclusiva com a qual o<br />

Esta<strong>do</strong> substitui a ativida<strong>de</strong> das pessoas interessadas e propicia a pacificação <strong>de</strong> pessoas ou grupos<br />

em conflito, mediante a atuação da vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>direito</strong> em casos concretos. Ele o faz revelan<strong>do</strong> essa<br />

vonta<strong>de</strong> concreta mediante <strong>um</strong>a <strong>de</strong>claração (processo <strong>de</strong> conhecimento), ou promoven<strong>do</strong> com meios<br />

práticos os resulta<strong>do</strong>s <strong>por</strong> ela aponta<strong>do</strong>s (execução forçada). A jurisdição é, pois, manifestação <strong>do</strong><br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> estatal (DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Fundamentos <strong>do</strong> processo civil mo<strong>de</strong>rno. 6. ed.<br />

São Paulo: Malheiros, 2010, p. 115. v. 1)”. E complementa o mesmo <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r, “O princípio <strong>do</strong> juiz<br />

natural, segun<strong>do</strong> Nelson Nery Junior (com remissão a Karl Schwab, Gomes Canotilho, Vital Moreira e<br />

Celso Bastos), consiste na exigência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminabilida<strong>de</strong>, que é a prévia individualização <strong>do</strong>s juízes<br />

<strong>por</strong> meio <strong>de</strong> leis gerais; na garantia <strong>de</strong> <strong>justiça</strong> material, <strong>de</strong>corrente da in<strong>de</strong>pendência e imparcialida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s juízes; no estabelecimento <strong>de</strong> critérios objetivos para a fixação da competência <strong>do</strong>s juízes e na<br />

exata observância das <strong>de</strong>terminações referentes à divisão funcional interna. Resta vetada, <strong>de</strong>starte, a<br />

<strong>de</strong>signação, substituição ou convocação <strong>de</strong> juízes <strong>por</strong> parte <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo ou <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo, tarefa reservada com exclusivida<strong>de</strong> ao próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário, em seu autogoverno<br />

(RePro, 101:107). / Taxativamente proibi<strong>do</strong>s que são, pela Lei Maior (art. 5º, XXXVII), os “juízos” e<br />

“Tribunais <strong>de</strong> exceção”, a jurisdição somente po<strong>de</strong> ser exercida <strong>por</strong> pessoa legalmente investida no<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> julgar, como integrante <strong>de</strong> alg<strong>um</strong> <strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, previstos no artigo 92 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral (DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Fundamentos <strong>do</strong> processo civil mo<strong>de</strong>rno. 6.<br />

ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 37. v. 1)”.


271<br />

Nas duas condições trazidas pelo posicionamento <strong>do</strong>utrinário cita<strong>do</strong> <strong>por</strong> Athos<br />

<strong>de</strong> Gusmão Carneiro, na primeira citan<strong>do</strong> Dinamarco, tem-se que a<br />

substitutibibilida<strong>de</strong> é feita pelo Esta<strong>do</strong> no gozo da atribuição da jurisdição e na<br />

segunda hipótese, citan<strong>do</strong> Nery, o Juiz <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e imparcial<br />

<strong>de</strong>senvolve <strong>por</strong> intermédio e em nome <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, na condição <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz a<br />

jurisdição.<br />

A jurisdição, sob esse aspecto, é o procedimento disponibiliza<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>,<br />

regula<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema processual cuja simetria se alinha aos<br />

preceitos constitucionais.<br />

Quanto a esses aspectos, é certo que a jurisdição estatal <strong>de</strong>limita o âmbito <strong>de</strong><br />

atuação e as competências <strong>de</strong> seus agentes, no entanto, fica claro que a referida<br />

jurisdição, embora exclusiva quanto à sua natureza estatizada, não é a única no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> mediação e conciliação <strong>do</strong> Direito para o alcance da Justiça.<br />

É evi<strong>de</strong>nte, entretanto, que o cerne operacional <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito pela<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana realizada pelo Esta<strong>do</strong>/juiz tem rendi<strong>do</strong> fartas discussões, na<br />

medida em que a pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que se vale essa tecnologia media<strong>do</strong>ra, muitas<br />

vezes é influenciável e gera disfunções (instabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s meios) quan<strong>do</strong> da<br />

objetivação da subjetivação da equação entre Direitos e fatos.<br />

Isto registra certa preocupação, mas, ao mesmo tempo, torna público que a<br />

operação, embora arriscada pela imprecisão e pela instabilida<strong>de</strong>, goza sempre <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a <strong>de</strong>limitação aceitável <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista Constitucional. 199 É esse <strong>um</strong> <strong>do</strong>s fatores<br />

que levaram o sistema a admitir outros “meios” alternativos para a resolução <strong>de</strong><br />

conflitos, afastan<strong>do</strong> o caráter absoluto da jurisdição estatal para o ato <strong>de</strong> julgar,<br />

<strong>por</strong>ém manten<strong>do</strong>-a como última racio, na ostensiva e minu<strong>de</strong>nte missão <strong>de</strong> vigiar os<br />

Direitos e as Garantias Fundamentais.<br />

199<br />

Como esclarece Barroso, “O risco <strong>de</strong> tal disfunção, todavia, não a <strong>de</strong>smerece como técnica <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisão nem priva a <strong>do</strong>utrina da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar parâmetros mais bem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s para a sua<br />

aplicação. No estágio atual, a pon<strong>de</strong>ração ainda não atingiu o padrão <strong>de</strong>sejável <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong>,<br />

dan<strong>do</strong> lugar a ampla discricionarieda<strong>de</strong> judicial. Tal discricionarieda<strong>de</strong>, no entanto, como regra <strong>de</strong>verá<br />

ficar limitada às hipóteses em que o sistema jurídico não tenha si<strong>do</strong> capaz <strong>de</strong> oferecer em tese,<br />

elegen<strong>do</strong> <strong>um</strong> valor ou interesse que <strong>de</strong>va prevalecer. A existência da pon<strong>de</strong>ração não é <strong>um</strong> convite<br />

para o exercício indiscrimina<strong>do</strong> <strong>do</strong> ativismo judicial. O controle <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>cisões obtidas<br />

mediante pon<strong>de</strong>ração tem si<strong>do</strong> feito através <strong>do</strong> exame <strong>de</strong> arg<strong>um</strong>entação <strong>de</strong>senvolvida (BARROSO,<br />

Luís Roberto (Org). A nova interpretação constitucional: pon<strong>de</strong>ração, <strong>direito</strong>s fundamentais e<br />

relações privadas. 3. ed. rev. e atual. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2008, p. 350)”.


272<br />

Sen<strong>do</strong> assim, outros “meios”alternativos para resolução <strong>de</strong> conflitos vêm<br />

sen<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s e tolera<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong>, tais como arbitragem, mediação,<br />

conciliação, <strong>de</strong>ntre outros que não colidam e não violem os Direitos e as Garantias<br />

Fundamentais, embora tais mo<strong>de</strong>los alternativos tenham como opera<strong>do</strong>r central a<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

No entanto, nada impe<strong>de</strong> que sejam implanta<strong>do</strong>s “meios” tecnológicos,<br />

programa<strong>do</strong>s pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, a partir <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> plataforma<br />

tecnológica jurídico-normativa e <strong>de</strong> interface em tecnologia como recurso alternativo<br />

<strong>de</strong> mediar o Direito, <strong>de</strong>vidamente regula<strong>do</strong>, avalia<strong>do</strong> e certifica<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>.<br />

Isso po<strong>de</strong> ocorrer sem que se violem os princípios e as garantias previstos na<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s recursos tecnológicos para auxiliar a<br />

jurisdição (Esta<strong>do</strong>/juiz), que atua <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e com imparcialida<strong>de</strong> para<br />

a resolução <strong>de</strong> conflitos. Segun<strong>do</strong> Willis Santiago (2007, p. 17),<br />

Essa circunstância, <strong>por</strong> si só, já justifica que se veja a Constituição como <strong>um</strong><br />

processo, tal como propusemos em outra o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong>. Sim, <strong>por</strong>que a<br />

simples elaboração <strong>de</strong> <strong>um</strong> texto constitucional, <strong>por</strong> melhor que ele seja, não<br />

é suficiente para que o i<strong>de</strong>ário que o inspirou se introduza efetivamente nas<br />

estruturas sociais, passan<strong>do</strong> a reger com prepon<strong>de</strong>rância o relacionamento<br />

político <strong>de</strong> seus integrantes. Também é im<strong>por</strong>tante a percepção <strong>de</strong> que a<br />

realização efetiva da organização política i<strong>de</strong>alizada da Constituição<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> engajamento maciço <strong>do</strong>s que <strong>de</strong>la fazem parte nesse<br />

processo, e <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito seria, em primeiro lugar,<br />

aquele em que se abre canais para essa participação.<br />

Não restam dúvidas <strong>de</strong> que os “meios” tecnológicos representam <strong>um</strong>a<br />

ferramenta hábil e eficaz no processo Constitucional <strong>de</strong> inclusão social para a<br />

emancipação da socieda<strong>de</strong>, bem como meio a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e útil para a participação da<br />

socieda<strong>de</strong>, fazen<strong>do</strong> com que a moeda da legitimida<strong>de</strong> passe a ter <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

peso. 200 Esse movimento participativo <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á fadigar os opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Direito, que<br />

veem cada vez mais a presença <strong>de</strong> seus interessa<strong>do</strong>s em busca <strong>de</strong> saber as razões<br />

200 É o que se infere <strong>do</strong> trecho <strong>de</strong> lavra <strong>de</strong> Jane Pereira: “Portanto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a ótica da socieda<strong>de</strong><br />

aberta <strong>de</strong> interpretes, a Constituição passa a ser entendida como processo público, como “<strong>um</strong> vesti<strong>do</strong><br />

que muitos bordam, não somente o jurista constitucional”. / Essa concepção reflete, <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong>, a<br />

progressiva interação entre as duas categorias que, em suas origens, revelam-se aparentemente<br />

antitéticas e inconciliáveis: a <strong>de</strong>mocracia e o constitucionalismo. Com efeito, a tese <strong>do</strong> pluralismo<br />

interpretativo confere lastro <strong>de</strong>mocrático à interpretação Constitucional, diminuin<strong>do</strong> o déficit <strong>de</strong><br />

legitimida<strong>de</strong> que lhe cost<strong>um</strong>a ser imputa<strong>do</strong> (PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação<br />

constitucional e <strong>direito</strong>s fundamentais: <strong>um</strong>a contribuição ao estu<strong>do</strong> das restrições aos <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais na perspectiva da teoria <strong>do</strong>s princípios. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2006, p. 59)”.


273<br />

e os motivos que levaram a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> posicionamento <strong>de</strong> Direito perante as<br />

cortes <strong>de</strong> julgamento.<br />

Isto implica dificultar muitas vezes os canais em que a acessibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />

contigente será ainda maior bem como fazer <strong>do</strong>s “meios” tecnológicos mecanismos<br />

ou ferramentas que não somente auxiliem a estrutura judiciária como ass<strong>um</strong>am<br />

papéis vitais no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> programas que possam pro<strong>por</strong>cionar <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

“meio” alternativo para a resolução <strong>de</strong> conflitos.<br />

O Direito aos “meios” tecnológicos tem simetria com o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> proteção<br />

Constitucional, isto é, se existe atualmente <strong>um</strong> comprometimento da estrutura<br />

normativa <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> <strong>um</strong> atendimento <strong>de</strong> carga<br />

parcialmente material, tal fato se <strong>de</strong>staca <strong>por</strong>que não somente as normas infraconstitucionais<br />

não atingem seus fins bem como se encontram em déficit no Esta<strong>do</strong><br />

Constitucional.<br />

É obrigação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> gerir <strong>um</strong>a política-jurídica pública capaz <strong>de</strong> viabilizar<br />

mais <strong>do</strong> que o acesso, mas a entrega <strong>do</strong>s Direitos materiais em <strong>um</strong> tempo razoável.<br />

Se isso não acontece, significa que se tem prova evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que os “meios”<br />

disponibiliza<strong>do</strong>s estão a sacrificar o Direito e a Justiça.<br />

Exige-se <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>por</strong> essa maneira com<strong>por</strong>tamental, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> proteger<br />

a socieda<strong>de</strong> contra a lesão ou a ameaça aos Direitos e às Garantias Fundamentais<br />

em <strong>de</strong>corrência da omissão estatal, como <strong>de</strong>staca Barroso (2008, p. 154):<br />

[...] a teoria <strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> proteção, <strong>de</strong>senvolvida posteriormente,<br />

reconduz o problema da tutela <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s fundamentais às relações entre<br />

indivíduo e Esta<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> essa formulação, a dimensão objetiva <strong>do</strong>s<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais impõe coman<strong>do</strong>s aos <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es públicos, que <strong>de</strong>vem<br />

atuar no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> evitar lesões aos bens jurídicos fundamentais. Assim,<br />

partin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa noção é possível extrair da dimensão objetiva <strong>um</strong> <strong>direito</strong><br />

subjetivo, consubstancia<strong>do</strong> no <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> reclamar <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>um</strong>a atuação<br />

consistente em resguardar os <strong>direito</strong>s fundamentais <strong>de</strong> ameaças, mesmo<br />

que perpetradas <strong>por</strong> particulares.<br />

O reclamo recorrente ao Esta<strong>do</strong> não po<strong>de</strong> mais ser ouvi<strong>do</strong> e respondi<strong>do</strong> com<br />

a edição inflacionária <strong>de</strong> leis. A melhor lei já se encontra posta, é preciso, <strong>por</strong>tanto,<br />

viabilizar <strong>um</strong>a política judiciária em que haja efetiva tutela <strong>do</strong>s dispositivos<br />

constitucionais já consagra<strong>do</strong>s. O inciso LXXVIII <strong>do</strong> artigo 5º da CF autoriza<br />

expressamente a a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> uso da tecnologia da Inteligência Artificial como <strong>um</strong>a<br />

das espécies <strong>de</strong> “meios”.


274<br />

A Inteligência Artificial representa <strong>um</strong> “meio” <strong>de</strong>ntre vários outros. Certo que é<br />

o único respeito que <strong>de</strong>verá conservar sagradamente que sejam os Direitos e as<br />

Garantias previstos na Constituição Fe<strong>de</strong>ral liturgicamente respeita<strong>do</strong>s em<br />

conformida<strong>de</strong> com os interesses sociais <strong>do</strong>s seus reais <strong>de</strong>stinatários.


275<br />

11 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO ATUAL PARADIGMA (DE/DA)<br />

JUSTIÇA<br />

11.1 Uma Justiça com natureza judiciária<br />

O aspecto Constitucional <strong>de</strong>marca a valida<strong>de</strong> das leis que se encontram<br />

<strong>de</strong>ntro da estrutura <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. A relação entre<br />

procedimento e substancialida<strong>de</strong> das leis quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua aplicabilida<strong>de</strong> são<br />

parametrizadas pela i<strong>de</strong>ologia garantista e dirigista da lei Constitucional.<br />

Com base nesses parâmetros que se <strong>de</strong>marca o referencial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

quan<strong>do</strong> da governabilida<strong>de</strong>, da validação e da aplicação das leis, enquanto força<br />

autorizada. Pois, mais <strong>do</strong> que regras, as leis somente se justificam <strong>por</strong> serem leis na<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> racionaliza<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> segunda or<strong>de</strong>m; têm como pressupostos<br />

condições legislativas estruturantes que as trasvestem <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong><br />

(obrigatorieda<strong>de</strong>).<br />

A carga valorativa, os fatores principiológicos e o amparo pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

esses fatores representam divisores <strong>de</strong> água no contexto da Democracia<br />

Constitucional, aliás, são pontos relevantes e fundantes que dão elementos <strong>de</strong><br />

polarida<strong>de</strong> ao referi<strong>do</strong> diploma no c<strong>um</strong>e da pirâmi<strong>de</strong> or<strong>de</strong>namental. 201<br />

201<br />

Para Streck,”O <strong>po<strong>de</strong>r</strong> judiciário, em especial, a <strong>justiça</strong> constitucional, passa a ter <strong>um</strong> papel <strong>de</strong><br />

absoluta relevância, mormente no que é pertinente à jurisdição Constitucional. O Po<strong>de</strong>r Judiciário não<br />

po<strong>de</strong> ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong>a postura passiva diante da socieda<strong>de</strong> e na perspectiva substancialista, concebe-se<br />

ao Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>um</strong>a nova inserção no âmbito das relações <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, levan<strong>do</strong>-o a<br />

transcen<strong>de</strong>r, as funções <strong>de</strong> checks and balances, ou seja, como bem lembra Vianna, mais <strong>do</strong> que<br />

equilibrar e harmonizar os <strong>de</strong>mais <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es, o judiciário, na tese substancialista <strong>de</strong>ve ass<strong>um</strong>ir o papel<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> intérprete que põe em evidência, inclusive contra as minorias eventuais, a vonta<strong>de</strong> geral<br />

implícita, no <strong>direito</strong> positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios como <strong>de</strong> valor<br />

permanente na sua cultura <strong>de</strong> origem e no <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte <strong>–</strong> o universalismo mais presente em<br />

Cappelletti <strong>do</strong> que em Dworkin, este último mais próximo <strong>de</strong> <strong>um</strong> republicanismo cívico”. E ainda<br />

esclarece reprisan<strong>do</strong> pedagogicamente o mesmo autor (2007, p. 45), “Em síntese, a corrente<br />

substancialista enten<strong>de</strong> que, mais <strong>do</strong> que equilibrar e harmonizar os <strong>de</strong>mais <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es, o judiciário<br />

<strong>de</strong>veria ass<strong>um</strong>ir o papel <strong>de</strong> intérprete que põe em evidência, inclusive contra as minorias eventuais, a<br />

vonta<strong>de</strong> geral implícita, no <strong>direito</strong> positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios,<br />

seleciona<strong>do</strong>s como <strong>de</strong> valor permanente na sua cultura <strong>de</strong> origem e na <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte (STRECK, Lenio<br />

Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: <strong>um</strong>a exploração hermenêutica da construção <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. 7.<br />

ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2007, p. 46)”.


276<br />

A <strong>de</strong>finição proposta é <strong>um</strong> <strong>de</strong>staque que se apresenta ao mo<strong>de</strong>lo<br />

pre<strong>do</strong>minante da estrutura judiciária e que aten<strong>de</strong> aos anseios <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r e <strong>de</strong><br />

como preten<strong>de</strong> supri-lo junto à socieda<strong>de</strong>, como <strong>de</strong>stinatária final e maior<br />

cons<strong>um</strong>i<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s serviços jurisdicionais encampa<strong>do</strong>s pelo referi<strong>do</strong> <strong>paradigma</strong>. 202 A<br />

questão evi<strong>de</strong>nciada no caso <strong>do</strong> Brasil é a <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r prima facie se existe<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> sistema da Justiça judiciária <strong>um</strong>a sedimentação <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo substancialista<br />

em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo procedimentalista, segun<strong>do</strong> Streck (2007, p. 50-51),<br />

[...] no plano <strong>do</strong> agir cotidiano <strong>do</strong>s juristas no Brasil, nenh<strong>um</strong>a das duas<br />

teses (procedimentalismo e substancialismo) é perceptível. Ou seja, se<br />

estamos longe da postura substancialista <strong>–</strong> e a prática nos tem<br />

<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> tal assertiva em face da inefetivida<strong>de</strong> da expressiva maioria<br />

<strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s sociais previstos na Constituição e da postura ass<strong>um</strong>ida pelo<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário na apreciação <strong>de</strong> institutos. Como o manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> injunção,<br />

a ação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>por</strong> omissão, além da falta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a filtragem<br />

hermenêutica constitucional das normas anteriores, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

<strong>por</strong> outro la<strong>do</strong>, também não se po<strong>de</strong> afirmar que convivemos com <strong>um</strong>a<br />

prática procedimentalista <strong>do</strong> tipo proposto <strong>por</strong> Habermas. Ora, a submissão<br />

<strong>do</strong> congresso à reiterada utilização indiscriminada <strong>de</strong> medidas provisórias<br />

<strong>por</strong> parte <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>de</strong>ixa claro o quanto estamos distantes <strong>de</strong><br />

promover o que Habermas <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “combinação universal e a<br />

mediação recíproca entre a soberania <strong>do</strong> povo institucionalizada e não<br />

institucionalizada”, enfim, o quanto estamos distantes da criação<br />

<strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e da garantia da preservação <strong>do</strong>s procedimentos<br />

legislativos aptos a estabelecer a autonomia <strong>do</strong>s cidadãos.<br />

202<br />

Para Streck, “O conceito <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito aqui trabalha<strong>do</strong> pressupõe <strong>um</strong>a<br />

valorização <strong>do</strong> jurídico, e, fundamentalmente, exige a (re) discussão <strong>do</strong> papel <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> ao Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário e (a Justiça Constitucional) nesse (<strong>novo</strong>) panorama estabeleci<strong>do</strong> pelo constitucionalismo <strong>do</strong><br />

pós-guerra mormente em países como o Brasil, cujo processo Constitucional ass<strong>um</strong>iu <strong>um</strong>a postura<br />

que Cittadino <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “Comunitarista” on<strong>de</strong> os Constitucionalistas (Comunistaristas) lutaram<br />

pela incor<strong>por</strong>ação <strong>do</strong>s compromissos éticos- comunitários na Lei <strong>–</strong> Maior, buscan<strong>do</strong> não apenas<br />

reconstruir o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, mas também “resgatar a força <strong>do</strong> Direito””. Em arremate, afirma<br />

Streck (2007, p. 39): “A noção <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito está, pois, indissociavelmente ligada<br />

à realização <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s fundamentais. É <strong>de</strong>sse liame indissolúvel que exsurge aquilo que se po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> plus normativo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito. Mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a classificação <strong>de</strong><br />

Esta<strong>do</strong> ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a variante <strong>de</strong> sua evolução histórica, o Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito faz <strong>um</strong>a<br />

síntese das fases anteriores, agregan<strong>do</strong> a construção das condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s para suprir as<br />

lacunas das etapas anteriores, representadas pela necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> resgate das promessas da<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, tais como: igualda<strong>de</strong>, <strong>justiça</strong> social e a garantia <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s fundamentais. A<br />

essa noção <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> se acopla o conteú<strong>do</strong> das Constituições através <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> vida,<br />

consubstancia<strong>do</strong> nos princípios que apontam para <strong>um</strong>a mudança no status quo da socieda<strong>de</strong>. Por<br />

isso, como já referi<strong>do</strong> anteriormente, no Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito a lei (Constituição) passa a<br />

ser <strong>um</strong>a forma privilegiada <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entalizar a ação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na busca <strong>do</strong> <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato aponta<strong>do</strong><br />

pelo texto Constitucional, enten<strong>do</strong> assim no seu to<strong>do</strong> dirigente principiológico (STRECK, Lenio Luiz.<br />

Hermenêutica jurídica e(m) crise: <strong>um</strong>a exploração hermenêutica da construção <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. 7. ed.<br />

rev. e atual. Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2007, p. 38)”.


277<br />

O mo<strong>de</strong>lo gera<strong>do</strong> a fim <strong>de</strong> proteger os interesses individuais, interindividuais e<br />

transindividuais é limita<strong>do</strong> às Garantias e aos Direitos Fundamentais, somente em<br />

alguns casos pelo aspecto substancialista.<br />

Por essa razão, o não acontecimento da cidadania <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> atual <strong>paradigma</strong><br />

é notório, tornan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> fácil constatação, <strong>um</strong>a vez que não existe <strong>um</strong>a <strong>de</strong>finição<br />

concreta e ações eficazes para o c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong> que se propõe na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, inclusive no senti<strong>do</strong> emancipatório, o que geraria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

concretização <strong>do</strong> aspecto procedimentalista.<br />

O imaginário abstrato gera<strong>do</strong> no cotidiano faz <strong>do</strong> sistema judiciário <strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> “gigantes <strong>do</strong> ring” em <strong>um</strong> faz <strong>de</strong> conta na aplicação da lei e <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong><br />

em <strong>um</strong> faz <strong>de</strong> conta <strong>de</strong> satisfação pelo recebimento (aplicabilida<strong>de</strong>) da or<strong>de</strong>m<br />

normativa.<br />

Exsurge <strong>de</strong>ssa relação o problema da Justiça judiciária <strong>de</strong>nominada Justiça<br />

Constitucional, a partir <strong>de</strong> 1988, que <strong>de</strong>spontou como <strong>um</strong> certo modismo da<br />

constitucionalização <strong>do</strong> sistema nas últimas décadas como <strong>um</strong>a panaceia aos<br />

Direitos.<br />

É <strong>de</strong> serem ilustra<strong>do</strong>s em seus <strong>por</strong>menores, entretanto, precaven<strong>do</strong>-se <strong>do</strong><br />

hábito <strong>do</strong> arg<strong>um</strong>ento ou contra-arg<strong>um</strong>ento retórico que, quan<strong>do</strong> não se perfaz no<br />

âmago das palavras em <strong>um</strong> culto <strong>por</strong> <strong>um</strong>a razão cínica, vazia, somente gere <strong>um</strong>a<br />

expectativa formal <strong>do</strong> Direito que <strong>de</strong>marca em muito a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema<br />

vigente. 203<br />

203<br />

Em trecho <strong>de</strong> fôlego, segun<strong>do</strong> o professor Lênio Streck, é possível tornar evi<strong>de</strong>nte a afirmação:<br />

“[...] reservan<strong>do</strong>-se a intervenção <strong>do</strong> judiciário apenas para facultar aos excluí<strong>do</strong>s da participação <strong>do</strong><br />

acesso direto aos “<strong>po<strong>de</strong>r</strong>es políticos”, a realida<strong>de</strong> brasileira aponta em direção contrária: o assim<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Social não se concretizou no Brasil (foi, pois, <strong>um</strong> simulacro), on<strong>de</strong> a função<br />

intervencionista <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> serviu para a<strong>um</strong>entar ainda mais as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais; parcela<br />

expressiva <strong>do</strong>s mínimos <strong>direito</strong>s individuais e sociais não é c<strong>um</strong>prida; o controle abstrato <strong>de</strong> normas<br />

apresenta <strong>um</strong> déficit <strong>de</strong> eficácia, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “baixa constitucionalida<strong>de</strong>”, os preceitos<br />

fundamentais que apontam para o acesso à <strong>justiça</strong> continuam ineficazes (basta lembrar,<br />

exemplificadamente, afora a “ciência” <strong>de</strong> <strong>um</strong>a morte anunciada “ocorrida com o manda<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

injunção, que a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>sc<strong>um</strong>primento <strong>de</strong> preceito fundamental somente foi regulamentada<br />

anos <strong>de</strong>pois da promulgação da CF); no âmbito <strong>do</strong> parcelamento, aprovam-se leis <strong>por</strong> voto <strong>de</strong><br />

li<strong>de</strong>rança, <strong>um</strong> voto <strong>de</strong> <strong>um</strong> eleitor <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pequena unida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rada chega a valer <strong>de</strong>zesseis vezes o<br />

voto <strong>de</strong> <strong>um</strong> cidadão das unida<strong>de</strong>s maiores, fazen<strong>do</strong> com que <strong>um</strong>a estranha matemática transforme a<br />

maioria em minoria; tais fatores <strong>–</strong> entre tantos outros que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam ser assinala<strong>do</strong>s e que já foram<br />

examina<strong>do</strong>s anteriormente, naquilo que <strong>de</strong>nomino <strong>de</strong> crise <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>s <strong>do</strong> Direito e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>–</strong><br />

<strong>de</strong>notam a inaplicabilida<strong>de</strong> das teses procedimentalistas, as quais, <strong>por</strong> sua especificida<strong>de</strong> formal,<br />

longe estão <strong>de</strong> estabelecer as condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> para a elaboração <strong>de</strong> <strong>um</strong> projeto apto à<br />

construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a concepção substancial (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m)<br />

crise: <strong>um</strong>a exploração hermenêutica da construção <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre:<br />

Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2007, p. 52)”.


278<br />

A Justiça judiciária está baseada na relação <strong>de</strong> lei e <strong>de</strong> sua interpretação: as<br />

palavras, as frases, as sentenças, <strong>de</strong>clarativas ou não, cost<strong>um</strong>eiramente correm o<br />

risco <strong>de</strong> ser corrompidas pela empiria das interpretações convictivas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz<br />

partidário <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ologias.<br />

O mal da inação qualitativa da Justiça judiciária no Brasil também guarda<br />

fundamentos na postura <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>, que se mantém em boa parte <strong>de</strong> suas<br />

ações no <strong>de</strong>sc<strong>um</strong>primento da lei <strong>por</strong> cuja produção ele mesmo foi responsável. 204 A<br />

manobra das discricionarieda<strong>de</strong>s somada à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se convencer pela<br />

justificação da fundamentação é fato evi<strong>de</strong>nte; o procedimento <strong>de</strong> “julgar” <strong>de</strong>staca<br />

com esse com<strong>por</strong>tamento irracional (permiti<strong>do</strong>) a existência <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s legislativas<br />

nos atos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir.<br />

Os cientistas <strong>do</strong> Direito têm observa<strong>do</strong> e noticia<strong>do</strong> esse fenômeno, <strong>por</strong>ém,<br />

rendi<strong>do</strong>s, reproduzem ou produzem <strong>um</strong>a cultura oficiosa <strong>do</strong> Direito <strong>por</strong>que seguem a<br />

simetria das discricionarieda<strong>de</strong>s divorciadas <strong>do</strong> texto legislativo e <strong>do</strong>s equívocos<br />

concretiza<strong>do</strong>s pela razão irracional <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> judiciante.<br />

O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito po<strong>de</strong> ser compreendi<strong>do</strong>, parafrasean<strong>do</strong> Seabra<br />

Fagun<strong>de</strong>s, como Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> lei injuridicida<strong>de</strong>. Na contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong>, passa a ser<br />

algo “misterioso” longe da realida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>alizada constitucionalmente e ao mesmo<br />

tempo distante <strong>do</strong> presente i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>, é inseguro no agora e incerto quanto ao<br />

futuro, <strong>por</strong>que a lei, ao ser da<strong>do</strong> start, nem sempre se reconecta em seus aspectos<br />

diretivos que a constituíram.<br />

Os discursos envolven<strong>do</strong> as discussões da proteção, da eficiência e da<br />

máxima efetivida<strong>de</strong> são inundantes, mas não acontecem com frequência no plano<br />

material, como é categórico nas lições <strong>de</strong> Warat (1997, p. 129):<br />

204<br />

Conforme esclarece Siqueira Castro, “O próprio Esta<strong>do</strong>, nessa ótica legalista, é visto como<br />

instituição jurídica limitada ao <strong>direito</strong>, não obstante soberana e representativa da comunida<strong>de</strong><br />

nacional, cuja formação, segun<strong>do</strong> o escólio insuperável <strong>de</strong> Georges Bur<strong>de</strong>au, dá através <strong>do</strong> processo<br />

<strong>de</strong> institucionalização legalizante <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, mediante a qual este transfere da pessoa <strong>do</strong> governante<br />

(o monarca absolutista) para essa entida<strong>de</strong> abstratamente concebida pelo Direito Público. Nessa<br />

linha <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais insere-se o conheci<strong>do</strong> magistério <strong>de</strong> Jellinek, para quem “O Direito é o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> jurídico<br />

limita<strong>do</strong>...” O <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não é, <strong>por</strong>tanto, pura e simplesmente, <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, é <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> exerci<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certos <strong>limite</strong>s jurídicos <strong>–</strong> <strong>por</strong> aí <strong>–</strong> é <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> jurídico. Por tu<strong>do</strong> isso, a carência <strong>de</strong><br />

legalida<strong>de</strong>, assim entendida como inexistência <strong>de</strong> previsão legal para o exercício das prerrogativas da<br />

autorida<strong>de</strong>, significa <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> abstenção, <strong>de</strong> sorte que a atuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e seus agentes sem<br />

guarida legal im<strong>por</strong>tam em abuso <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> (CASTRO, Carlos Roberto <strong>de</strong> Siqueira. O <strong>de</strong>vi<strong>do</strong><br />

processo legal e a razoabilida<strong>de</strong> das leis na nova constituição <strong>do</strong> Brasil. 5. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Forense, 2010, p. 91)”.


279<br />

Como expressão <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong>strutivo da condição transmo<strong>de</strong>rna, os “usos<br />

simula<strong>do</strong>s” <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>direito</strong> para os oprimi<strong>do</strong>s” não constituem outra coisa que<br />

<strong>um</strong>a hiper realização <strong>do</strong> <strong>direito</strong> oficialmente instituí<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>: <strong>um</strong> efeito<br />

psicodélico <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> <strong>direito</strong> (<strong>um</strong> sabor selvagem, <strong>um</strong>a sensual<br />

perversida<strong>de</strong>, <strong>um</strong> certo tom <strong>de</strong> blasfêmia, como o eco <strong>de</strong> <strong>um</strong>a missa negra<br />

[...] toda, para criar o magnetismo próprio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a transgressão vulgar). A<br />

Fascinação pelo Kitchs insinuan<strong>do</strong>, alternativos, seus encantos, para o<br />

mun<strong>do</strong> jurídico: <strong>um</strong> imaginário que, na medida em que não admite o<br />

trabalho das diferenças, favorece a aceitação inconsciente <strong>do</strong>s valores da<br />

exploração.<br />

A vivência pelo i<strong>de</strong>al imagina<strong>do</strong> como verda<strong>de</strong>iro, como possível, mas não<br />

realizável <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da concretização, contamina e alucina os protagonistas<br />

da teatralida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s palcos da Justiça, compostos <strong>de</strong> advoga<strong>do</strong>s, juízes, promotores<br />

e to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais auxiliares da Justiça, sem <strong>de</strong>ixar para trás os interessa<strong>do</strong>s pela<br />

obtenção da tutela.<br />

É <strong>um</strong> discurso embebeda<strong>do</strong>r, <strong>um</strong> alucinógeno, <strong>um</strong> drama gera<strong>do</strong> além das<br />

realida<strong>de</strong>s surrealistas, que só encontra guarida no conforto <strong>do</strong> justifica<strong>do</strong> pela<br />

justificação. A verda<strong>de</strong> é convencionada <strong>por</strong> meio da magia que habita a al<strong>de</strong>ia das<br />

palavras, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> maldição gerada pelos conflitos i<strong>de</strong>ológicos que tomam o<br />

“espírito” <strong>do</strong>s letra<strong>do</strong>s.<br />

Nesse ambiente, as <strong>de</strong>cisões são fundamentadas e entregues às pressas<br />

pela <strong>de</strong>manda excessiva que recai sobre o sistema judiciário, que combate a<br />

in<strong>justiça</strong> em seus efeitos.<br />

Como fechar a contabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentenças em <strong>um</strong>a das varas da Justiça<br />

<strong>de</strong>sse país, em que entram 500 (quinhentos) <strong>novo</strong>s processos mensalmente e são<br />

promovidas quantida inferior <strong>de</strong> sentenças mesmo sobre as linhas <strong>de</strong> produção<br />

fordista ou taylorista <strong>de</strong> auxiliares?<br />

A pesquisa não se serve a <strong>de</strong>nunciar o lamentável Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> simulação <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça que toma o Esta<strong>do</strong> brasileiro. Simular segun<strong>do</strong> a concepção<br />

baudrilardiana sinteticamente seria fazer aparecer <strong>um</strong>a coisa que não existe na<br />

realida<strong>de</strong>.<br />

O estu<strong>do</strong> traz em suas bases teóricas nas linhas <strong>de</strong> pesquisas e propostas a<br />

im<strong>por</strong>tância da espécie h<strong>um</strong>ana que compõe as fileiras das comunida<strong>de</strong>s científicas<br />

das ciências jurídicas em mover esforços para fazer com que as tecnologias em<br />

<strong>inteligência</strong> não h<strong>um</strong>anas possam servir <strong>de</strong> “meio” a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s e seguros aos fins<br />

científicos.


280<br />

Como verda<strong>de</strong>iro condutor <strong>de</strong> informações e elemento substancial para a<br />

construção <strong>de</strong> maquinarias para a gestão e a realização <strong>de</strong> ações, a <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>ana tem-se revela<strong>do</strong> <strong>de</strong>masiadamente inficiente e ineficaz.<br />

À guisa <strong>de</strong> esclarecimento, países como Holanda e Austrália já se servem<br />

das tecnologias em Inteligência Artificial para realizar a gestão previ<strong>de</strong>nciária da<br />

socieda<strong>de</strong> e a gestão pública <strong>de</strong> verbas, receitas e suas respectivas <strong>de</strong>stinações,<br />

metas e controles. E os EUA têm estu<strong>do</strong>s avança<strong>do</strong>s e aplica<strong>do</strong>s no âmbito <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça, conforme arestos coleciona<strong>do</strong>s.<br />

Esse fenômeno <strong>de</strong> apatia científica no âmbito jurídico faz-se presente e temse<br />

agrava<strong>do</strong> <strong>por</strong>que a socieda<strong>de</strong>, em sua gran<strong>de</strong> maioria, vê-se rendida pela nuvem<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong>sconhecimento, fator responsável pela geração <strong>de</strong> problemas diversos.Tratase<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> mal que tem acometi<strong>do</strong> com maior frequência os países em<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, como o caso <strong>do</strong> Brasil.<br />

É nessas condições que o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça judiciária se encontra<br />

estabeleci<strong>do</strong>, <strong>por</strong> isso, a Justiça, nos mol<strong>de</strong>s propostos, ao mesmo tempo em que<br />

verbaliza as diferenças, a escamoteia, como forma <strong>de</strong> sobreviver <strong>do</strong>s valores<br />

inconscientes da exploração.<br />

Se tu<strong>do</strong> isso acontece, não restam dúvidas <strong>de</strong> que to<strong>do</strong>s são, se não<br />

comparsas, coautores <strong>de</strong> <strong>um</strong>a situação histórica presente que se perpetua <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

tempos mais remotos, que se sustenta ao longo <strong>do</strong> processo histórico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Direito, como é assertivo nas lições <strong>de</strong> Warat (1997, p.121):<br />

To<strong>do</strong> <strong>um</strong> truque <strong>de</strong> subversão à or<strong>de</strong>m jurídica vigente, que conta com a<br />

c<strong>um</strong>plicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversos grupos <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> <strong>direito</strong> que preferem<br />

adquirir prestigio tecen<strong>do</strong> alianças, em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> que seria seu natural<br />

esforço para pensar com profundida<strong>de</strong> (<strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> cremos panfletário e<br />

mais clarifica<strong>do</strong>r). To<strong>do</strong> <strong>um</strong> espírito cor<strong>por</strong>ativo <strong>de</strong> esquerda que faz da<br />

produção <strong>de</strong> elogios mútuos e da publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certas imagens<br />

revolucionárias <strong>um</strong>a ativida<strong>de</strong> lucrativa”. 205<br />

205<br />

É lega<strong>do</strong> pelo mesmo autor, (1997, p. 156), “O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito é o nome para a impossibilida<strong>de</strong><br />

jurídica, o significante, transcen<strong>de</strong>ntal que <strong>de</strong>termina o mo<strong>do</strong> simbólico <strong>de</strong> sua realização social: a<br />

metafísica <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> jurídico, constituída <strong>por</strong> <strong>um</strong>a história que se oferece i<strong>de</strong>alizada. Um “visto e<br />

<strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>” que traduz para o presente senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> lei <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, alucinan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a plenitu<strong>de</strong> originária”.


281<br />

Os mo<strong>de</strong>los jurídicos, <strong>por</strong> conseguinte, são concretizações, <strong>por</strong> exercerem<br />

<strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> prática da Justiça em ação, mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a teoria; os mo<strong>de</strong>los<br />

jurídicos representam o modus operandi <strong>do</strong> atual <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Justiça im<strong>por</strong>tante,<br />

como bem <strong>de</strong>fine Fernan<strong>do</strong> Coelho (1991, p. 207).<br />

Os mo<strong>de</strong>los jurídicos propriamente ditos resultam <strong>de</strong> <strong>um</strong>a opção, que tanto<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r quanto <strong>do</strong> juiz ou <strong>do</strong> indivíduo no uso <strong>de</strong> seu <strong>po<strong>de</strong>r</strong><br />

negocial, consoante o princípio da autonomia da vonta<strong>de</strong>. Tais atos<br />

volitivos, que im<strong>por</strong>tam n<strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão a respeito da solução normativa a ser<br />

a<strong>do</strong>tada, estão sempre jungi<strong>do</strong>s à prescrição <strong>de</strong> consequências, que<br />

permitem a efetivação <strong>do</strong>s com<strong>por</strong>tamentos <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s, permiti<strong>do</strong>s ou<br />

proibi<strong>do</strong>s. A linguagem <strong>do</strong> <strong>direito</strong> consagra o termo sanção para aludir a<br />

estas consequências. Enquanto os mo<strong>de</strong>los <strong>do</strong>gmáticos são constituí<strong>do</strong>s<br />

pela <strong>do</strong>utrina jurídica, “como estruturas técnico-compreensivas <strong>do</strong><br />

significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los jurídicos e <strong>de</strong> suas condições <strong>de</strong> vigência e <strong>de</strong><br />

eficácia na sistemática <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico”. 206<br />

A manutenção <strong>do</strong>s conceitos e das formas <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s universais e imutáveis,<br />

e os que se alteram em total <strong>de</strong>scom<strong>passo</strong> com a realida<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna são <strong>um</strong><br />

retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura que alimenta a Justiça judiciária.<br />

É o que produz a Justiça e com ela o resulta<strong>do</strong> que se alcança, melhor<br />

explican<strong>do</strong>, a forma como o Direito é trata<strong>do</strong> em sua pon<strong>de</strong>ração, e seu manejo<br />

justifica essa Justiça tardia.<br />

Se o Direito como ente racionaliza<strong>do</strong>r tratou <strong>de</strong> comunicar as <strong>de</strong>mais ciências<br />

da im<strong>por</strong>tância das regras dada a complexida<strong>de</strong> das ações h<strong>um</strong>anas, não po<strong>de</strong> se<br />

fechar em seu ostracismo a ponto <strong>de</strong> perceber o quanto a tecnologização po<strong>de</strong><br />

contribuir para sua estabilização e extensão <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais seguro e previsível,<br />

contrastan<strong>do</strong>, assim, com o mo<strong>de</strong>lo atual, retrata<strong>do</strong> <strong>por</strong> Bittar (2009, p. 76-77):<br />

206<br />

Ainda citan<strong>do</strong> Fernan<strong>do</strong> Coelho: “[...] com sustentação em Weber, o <strong>direito</strong> é racionaliza<strong>do</strong> pelas<br />

necessida<strong>de</strong>s sociais, dada sua complexida<strong>de</strong>. Segun<strong>do</strong> Weber na interpretação <strong>de</strong> sua obra <strong>por</strong><br />

Freund, o <strong>direito</strong> foi leva<strong>do</strong> a racionalizar-se em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s problemas jurídicos que a própria<br />

evolução social suscitava, isto é, pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentar as relações sociais cada vez<br />

mais complexas e n<strong>um</strong>erosas; <strong>por</strong> outro la<strong>do</strong>, n<strong>um</strong> processo <strong>de</strong> retorno, que os atuais funcionalistas e<br />

técnicos da informática traduziram como retroalimentação ou “feed back”, o <strong>direito</strong> assim produzi<strong>do</strong><br />

como regulamentação social das outras ativida<strong>de</strong>s teria acarreta<strong>do</strong> <strong>novo</strong>s problemas, apresentan<strong>do</strong>os<br />

aos diversos setores da vida social <strong>de</strong> forma a torná-los conscientes da im<strong>por</strong>tância crescente <strong>do</strong><br />

<strong>direito</strong> (COELHO, Luiz Fernan<strong>do</strong>. Teoria crítica <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1991, p.<br />

307)”.


282<br />

A legalida<strong>de</strong>, a par <strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a questão fortemente presente no pensamento<br />

kelseniano, com sua pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> normas jurídicas, trata-se, acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a invenção <strong>do</strong> século XIX. Aliás, <strong>de</strong>ve-se ressaltar que a matriz <strong>de</strong><br />

toda esta concepção acerca <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito e da política remonta a <strong>um</strong><br />

contexto histórico anterior ao vivi<strong>do</strong> <strong>por</strong> Hans Kelsen. Essas concepções<br />

foram gestadas quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> assentamento da or<strong>de</strong>m burguesa, da<br />

hegemonia econômica <strong>do</strong> capitalismo, <strong>do</strong> racionalismo científico positivista e<br />

<strong>do</strong> liberalismo político, se tornan<strong>do</strong> fatores que reclamam a formação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>direito</strong> seguro, estável, <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental, rígi<strong>do</strong> e formal, capaz <strong>de</strong> salvaguardar a<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s arbítrios <strong>do</strong> soberano e <strong>de</strong> conferir igualda<strong>de</strong> formal a to<strong>do</strong>s<br />

indistintamente, permitin<strong>do</strong> que o merca<strong>do</strong> seja <strong>por</strong> suas próprias forças,<br />

sob a proteção <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias.<br />

Essa forma e suas conjunturas <strong>de</strong>finem o caráter <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong>r e regula<strong>do</strong>r<br />

das relações estabelecidas junto ao Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, todavia, em última instância,<br />

compromete-se pelas <strong>por</strong>osida<strong>de</strong>s que corroem a proposta que a sustenta, o que se<br />

constata ao serem avalia<strong>do</strong>s o repertório histórico e os indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> satisfação<br />

quanto à confiabilida<strong>de</strong> como instituição orgânica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, como esclarece<br />

Bittar. 207<br />

A neutralização <strong>do</strong> Direito em codificações trouxe condições suficientes e<br />

favoráveis ao controle nos senti<strong>do</strong>s da lei pela nascente ciência <strong>do</strong>gmática <strong>do</strong><br />

Direito. O sistema jurídico <strong>passo</strong>u a funcionar como <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> sistema<br />

garanti<strong>do</strong>r, racionaliza<strong>do</strong>r da eficácia das pressões advindas <strong>do</strong>s sistemas<br />

econômico, político e social, <strong>de</strong>claradas no século XIX.<br />

A estabilização <strong>do</strong> projeto mo<strong>de</strong>rno reclama a lei escrita e codificada como<br />

projeto próprio para a unificação <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s e, mais <strong>do</strong> que isso, para a<br />

estratificação das relações sociais em conteú<strong>do</strong>s controláveis <strong>de</strong> realização <strong>de</strong><br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>, conferin<strong>do</strong>, assim, efetivo controle normaliza<strong>do</strong>r.<br />

207<br />

“De inspiração mo<strong>de</strong>rna, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, <strong>de</strong>corre exatamente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a concepção<br />

liberal burguesa <strong>de</strong> <strong>do</strong>mesticação <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> pelo <strong>direito</strong>, na medida em que o princípio da legalida<strong>de</strong><br />

se insculpe após a Revolução Francesa, como <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> libelo antimonarquia, o que é<br />

traduzi<strong>do</strong> na tradição posterior com o <strong>um</strong> libelo antiarbítrio. Se há regras pre<strong>de</strong>terminadas, se há <strong>um</strong><br />

sistema <strong>de</strong> leis previamente da<strong>do</strong>, se existem normas que regulamentam a vida social, será segun<strong>do</strong><br />

essas regras que haverão <strong>de</strong> se <strong>de</strong>finir as condutas, seja <strong>de</strong> cidadãos (povo), seja <strong>de</strong> exercentes <strong>do</strong><br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> (Esta<strong>do</strong>). É parte, <strong>por</strong>tanto, <strong>do</strong> i<strong>de</strong>ário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Mo<strong>de</strong>rno o princípio da legalida<strong>de</strong>”. O mesmo<br />

autor ainda enfatiza (2009, p. 64): “O <strong>direito</strong> é ingrediente cada vez mais im<strong>por</strong>tante da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

normalização. O trajeto da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>clara a partir <strong>do</strong> século XVII em diante é <strong>um</strong> trajeto em<br />

que o <strong>direito</strong> haveria <strong>de</strong> estar presente como garanti<strong>do</strong>r <strong>de</strong> oposição ao Esta<strong>do</strong> (ao Soberano, ao<br />

Monarca, aos abusos <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, à não intervenção sobre o indivíduo como agente liberal <strong>do</strong><br />

Merca<strong>do</strong>), ao mesmo tempo que como codifica<strong>do</strong>r da unida<strong>de</strong> massifica<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamentos<br />

sociais, que <strong>de</strong>veriam se estandardizar em uniformida<strong>de</strong>s favoráveis ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> controle<br />

normaliza<strong>do</strong>r (BITTAR, Eduar<strong>do</strong> C. B. O <strong>direito</strong> na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. 2. ed. ver. atual. e ampl. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 74)”.


283<br />

A i<strong>de</strong>ologia encampada pela semântica da lei trazia a i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento a partir <strong>do</strong> controle normatizante (regras). Essas passavam <strong>de</strong> ser<br />

simplesmente a expressão <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito neutro textual, para, n<strong>um</strong>a análise crítica,<br />

significar a expressão <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> Estatal.<br />

Mesmo que isso fosse o responsável <strong>por</strong> <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>nciar o crédito da Justiça<br />

judiciária, dadas as condições <strong>de</strong> manutenção da tirana <strong>de</strong>mocracia com que o<br />

sistema administra suas funções, o que francamente pouco dissuadiu das <strong>de</strong>mais<br />

formas <strong>de</strong> governo que a atual visava substituir. Para Bittar (2009, p. 58-59) o<br />

Direito.<br />

Quan<strong>do</strong> se pensa que o <strong>direito</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>ento neutro<br />

<strong>de</strong> controle social, na medida em que olha objetivamente os conflitos sociais<br />

e procura pacificar-lhes o confronto, <strong>de</strong>ixa-se <strong>de</strong> pensar que, já em seu<br />

nasce<strong>do</strong>uro, o <strong>direito</strong> nasce comprometi<strong>do</strong> com a or<strong>de</strong>m burguesa e liberal<br />

em ascensão, como parte <strong>de</strong> <strong>um</strong> panneau <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>missões<br />

amplifica<strong>do</strong> <strong>por</strong> gran<strong>de</strong>s teorias, justifica<strong>do</strong> <strong>por</strong> sistemas <strong>de</strong> pensamento e<br />

<strong>de</strong>seja<strong>do</strong> <strong>por</strong> gran<strong>de</strong>s contingentes <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s, especialmente pelas elites<br />

<strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> riquezas. O <strong>direito</strong> passa a ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong> papel fundamental na<br />

constituição da arquitetura mo<strong>de</strong>rna. De fato, quan<strong>do</strong> se fala mesmo em<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e especialmente em mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> jurídica está-se a falar que<br />

“a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> representa o equivalente a <strong>um</strong> certo e inusita<strong>do</strong> grau <strong>de</strong><br />

complexida<strong>de</strong> que a organização <strong>do</strong> <strong>direito</strong> adquiriu em nossa civilização.”<br />

De acor<strong>do</strong> com A<strong>de</strong>odato, po<strong>de</strong>-se mesmo falar que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> traz<br />

consigo os pressupostos, pois a afirmação paulatina <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, quais sejam:<br />

o monopólio da produção normativa; a sobrevalorização das fontes formais<br />

<strong>do</strong> <strong>direito</strong> com relação a fontes espontâneas <strong>do</strong> <strong>direito</strong>; a autorreferibilida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>direito</strong> como sistema sobre si mesmo. 208<br />

Na clausura da racionalida<strong>de</strong> normativa, o sistema orgânico da lei em todas<br />

as suas vertentes somente se faz conhecer <strong>por</strong> <strong>de</strong>ntro da moldura teórica<br />

<strong>de</strong>senvolvida para seu funcionamento a partir <strong>do</strong>s i<strong>de</strong>ais que a originaram.<br />

O intelectual <strong>do</strong> Direito vive em <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> “mitômano” que ele mesmo<br />

fun<strong>do</strong>u, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> permitida pelo sistema, pensan<strong>do</strong> <strong>por</strong> vezes, que<br />

está <strong>de</strong>ntro da racionalida<strong>de</strong> e a serviço <strong>de</strong> <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> pelo qual <strong>de</strong>veria labutar. 209 A<br />

208<br />

Para Warat, duetan<strong>do</strong> com Bittar: “Existem duas formas <strong>de</strong> fazer filosofia <strong>do</strong> Direito. Uma<br />

pre<strong>do</strong>minantemente e outra com muito menos ibope. A primeira consiste em <strong>um</strong>a gama <strong>de</strong> reflexões<br />

vinculadas a <strong>um</strong>a concepção normativista <strong>do</strong> Direito, a outra em <strong>um</strong>a busca da <strong>de</strong>sconstrução das<br />

i<strong>de</strong>ais e conceitos que foram ac<strong>um</strong>ula<strong>do</strong>s n<strong>um</strong>a cultura <strong>do</strong>minante, até se transformarem em<br />

estereótipo, lugares comuns, que aprisionam os juristas em <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> pensar e fazer o Direito<br />

absolutamente fora da realida<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a contun<strong>de</strong>nte e avassala<strong>do</strong>ra fuga <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>de</strong> qualquer<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentir os homens e seus vínculos (WARAT, Luis Alberto. A rua grita Dionísio!<br />

Direitos <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s da alterida<strong>de</strong>, surrealismo e cartografia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: L<strong>um</strong>en Juris, 2010, p.<br />

49)”.<br />

209<br />

Para Warat, “A riqueza i<strong>de</strong>ológica <strong>do</strong> encantamento <strong>do</strong>s discursos e <strong>do</strong> imaginário <strong>do</strong>s juristas é<br />

infinita e muito provocativa. Inclusive coincidin<strong>do</strong> com a legenda no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que os saberes <strong>do</strong>


284<br />

estrutura normativa é algo além das frases que compõem os artigos, no entanto, as<br />

in<strong>justiça</strong>s po<strong>de</strong>m se dar pelo vértice <strong>de</strong> <strong>um</strong>a limitação que estaria buscan<strong>do</strong> pré<strong>de</strong>finir<br />

as ações <strong>do</strong> órgão <strong>judicante</strong> em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> arbitrarieda<strong>de</strong>.<br />

Essa preocupação não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> cultivar <strong>um</strong>a outra que margeia a ausência<br />

<strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong> e imparcialida<strong>de</strong> no movimento <strong>de</strong> manobra <strong>do</strong> sistema ainda<br />

quan<strong>do</strong> o opera<strong>do</strong>r arbitrariamente se encontra condiciona<strong>do</strong> as regras gerais <strong>de</strong><br />

interpretação <strong>do</strong> Direito para gerir e aplicar as leis aos casos concretos.<br />

As dimensões das normas são verda<strong>de</strong>iros conceitos <strong>do</strong> que se po<strong>de</strong> e não<br />

se po<strong>de</strong> fazer, geran<strong>do</strong> <strong>um</strong>a consequente reprimenda, em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sc<strong>um</strong>primento<br />

normativo.<br />

Juntamente com essa proposta, Alexy trouxe em sua <strong>do</strong>utrina a teoria da<br />

arg<strong>um</strong>entação racional contem<strong>por</strong>ânea que, em s<strong>um</strong>a, seria o controle racional<br />

intersubjetivo em que os mecanismos da linguagem se encarregaram <strong>de</strong> neutralizar<br />

a persuasão <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s retóricos calca<strong>do</strong>s nas i<strong>de</strong>ologias.<br />

De certa maneira, não se realiza em sua totalida<strong>de</strong> essa precípua finalida<strong>de</strong>,<br />

visto que a referida teoria incor<strong>por</strong>a em sua estrutura certo espaçamento para a<br />

mobilida<strong>de</strong> intersubjetiva quan<strong>do</strong> da veiculação das regras normativas, em s<strong>um</strong>a,<br />

dada a inafastabilida<strong>de</strong> da presença h<strong>um</strong>ana.<br />

O controle racional da arg<strong>um</strong>entação jurídica é algo difícil <strong>de</strong> concretizar-se;<br />

as condições cognitivas <strong>do</strong> homem ante suas cognições e os fatores sociais ou não<br />

perfilham sua vida, contribuin<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisiva e responsavelmente. Para Warat. (2010, p.<br />

64),<br />

Direito constituem o ponto forte <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s conhecimentos h<strong>um</strong>anistas ou sociais”. E<br />

complementa o mesmo autor (2010, p. 57): “Basicamente o racionalista da concepção normativa <strong>do</strong><br />

<strong>direito</strong> trata <strong>de</strong> estabelecer as condições <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> emocional para<br />

o Direito, quer dizer, formas da razão que permitam evitar as <strong>de</strong>cisões emocionais e <strong>de</strong>cisões<br />

arbitrárias. Dessas tarefas impossíveis, além <strong>de</strong> serem profundamente prejudiciais, sobretu<strong>do</strong>, a<br />

confusão entre sensibilida<strong>de</strong> e arbitrarieda<strong>de</strong>, em nome da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controlar a arbitrarieda<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r o racionalismo abortou, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a interpretação e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões sensíveis,<br />

extirpou <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>direito</strong> a sua sensibilida<strong>de</strong>. E a magistratura <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma insensível<br />

não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir arbitrariamente. Uma <strong>de</strong>cisão distante da <strong>justiça</strong> (WARAT, Luis<br />

Alberto. A rua grita Dionísio! Direitos <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s da alterida<strong>de</strong>, surrealismo e cartografia. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: L<strong>um</strong>en Juris, 2010, p. 50)”.


285<br />

O <strong>direito</strong> coercitivo nasce da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção simbólica <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

segurança na convivência gregária. Por outro la<strong>do</strong>, o caráter linguístico <strong>do</strong><br />

Direito nos coloca à frente ao dilema <strong>de</strong> ter que admitir que a linguagem,<br />

sob qualquer circunstância, po<strong>de</strong> apresentar alg<strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> garantia. Não<br />

existem autorida<strong>de</strong>s, órgãos, juízes que possam nos pro<strong>por</strong>cionar a mínima<br />

garantia da linguagem: é a crise da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que se abre diante <strong>de</strong><br />

nossos olhos incrédulos e assusta<strong>do</strong>s.<br />

A linguagem recebe, inadvertidamente, influência <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s. O Direito,<br />

quan<strong>do</strong> verbaliza<strong>do</strong>, é instável, influenciável e, <strong>por</strong> consequência, inseguro, pois<br />

produz e reproduz no <strong>limite</strong> <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> quem produz a linguagem, com isso a<br />

garantia das regras <strong>de</strong>finidas são estremecidas.<br />

A linguagem da Justiça judiciária, embora embasada no Direito normativo<br />

quan<strong>do</strong> operada pelo homem com suas faculda<strong>de</strong>s mentais psicologizadas, é<br />

su<strong>por</strong>tada e, <strong>por</strong> consequência, aceita, <strong>por</strong>ém sem nenh<strong>um</strong>a garantia.<br />

Concor<strong>de</strong> com o coman<strong>do</strong>, media<strong>do</strong> pela linguagem vocalizada, isso se dá<br />

<strong>por</strong>que o indivíduo, no fun<strong>do</strong>, é rendi<strong>do</strong>; primeiro reconhece sua falibilida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana,<br />

sua fácil influência h<strong>um</strong>ana, sua fácil influência sobre o meio ambiente em que<br />

resi<strong>de</strong> e, com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> se pôr em questionamento a si mesmo, silencia nas regras<br />

estabelecidas simbolicamente pelo cenário da Justiça.<br />

A relação entre homem e norma faz que <strong>um</strong>a linguagem influencie a outra,<br />

<strong>por</strong>tanto o texto da norma passa a ser como o homem, ou seja, tu<strong>do</strong> fala, fala<br />

diferente, fala incerto, divaga, oscila, perpetua-se no tempo, mesmo se o indivíduo<br />

não mais está ali.<br />

Embora esteja esse discurso <strong>do</strong> Direito assenta<strong>do</strong> sobre a retórica<br />

Constitucional, <strong>um</strong>a certeza é evi<strong>de</strong>nte: a <strong>de</strong> que o Direito não po<strong>de</strong> limitar-se a <strong>um</strong>a<br />

ginástica retórica ou a <strong>um</strong>a semântica da linguagem condicional <strong>de</strong> interesses.<br />

Nesse aspecto, o Direito, passa a sentir, que no campo aberto da pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

enfrenta <strong>um</strong>a diversida<strong>de</strong> inconstante <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s.Em sua visão<br />

linear, preten<strong>de</strong> impedir possíveis incompletu<strong>de</strong>s.<br />

Por isso, compreen<strong>de</strong>r a socieda<strong>de</strong> em que venha a advogar como<br />

instr<strong>um</strong>ento da solução <strong>de</strong> conflitos existentes é <strong>um</strong>a missão que a cada dia se<br />

encontra prejudicada.<br />

Se o faz, o faz em sua parcialida<strong>de</strong>, pelo fato <strong>de</strong> não <strong>po<strong>de</strong>r</strong> prever e, com<br />

isso, garantir a entrega <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito constitucionalmente garanti<strong>do</strong><br />

em sua individualida<strong>de</strong> ou coletivida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> da sua respectiva partilha.


286<br />

O problema não parte <strong>do</strong> Direito, mas <strong>do</strong> sistema que o monopoliza em<br />

operacionalizar sua compreensão e aplicação, <strong>um</strong>a vez que não existe <strong>um</strong>a<br />

aplicação direta <strong>do</strong> Direito em conformida<strong>de</strong> com a proposta matricial.<br />

O problema é gera<strong>do</strong> em <strong>de</strong>corrência da interposta presença <strong>do</strong> homem como<br />

agente opera<strong>do</strong>r, que reconstrói, valoriza e direciona a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> convencimento<br />

fundamenta<strong>do</strong>, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a justificação pessoal e/ou subjetiva.<br />

A norma, <strong>por</strong> conseguinte, é fragmentária, dadas as realida<strong>de</strong>s a que <strong>de</strong>ve<br />

aten<strong>de</strong>r. Se é <strong>um</strong>a constante da condição <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong> Direito, sua constituição em<br />

cada caso é <strong>um</strong> discurso arg<strong>um</strong>entativo, controla<strong>do</strong>r e media<strong>do</strong>r das situações em<br />

que se exige a aplicação da lei.<br />

A operação revela-se inconsistente <strong>por</strong>que força o jurista, além das suas<br />

condições cognitivas, a interpretar o conjunto normativo <strong>de</strong> cada situação, todavia a<br />

socieda<strong>de</strong> posiciona-se em outra mão.<br />

Para o indivíduo a lei e a solução buscadas são símbolos prontos e acaba<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s Justiça, já que a concepção pós-mo<strong>de</strong>rna parte da premissa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

pre<strong>de</strong>finição à espera <strong>de</strong> <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> soluciona<strong>do</strong>r.<br />

Ao contrário <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> clássico <strong>do</strong> Direito que parte <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito<br />

i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>, previsto em seus digestos em <strong>um</strong>a busca implacável, em reconstruir a<br />

partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> caso concreto, a reconstrução <strong>do</strong> Direito.<br />

Isso aconteceu e acontece, <strong>por</strong>ém é <strong>um</strong>a via tortuosa, arriscada pela<br />

incerteza, insurança e inacessibilida<strong>de</strong> plema ao jurisdiciona<strong>do</strong>! Quase sempre se<br />

revela inviável <strong>por</strong>que po<strong>de</strong> colmatar mais <strong>um</strong> dano em vez <strong>de</strong> <strong>de</strong> efetiva solução.<br />

O normativismo existente, <strong>por</strong>tanto, longe <strong>de</strong> emancipar o homem, ainda o<br />

mantém como representante <strong>de</strong> <strong>um</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> exceção e <strong>de</strong> ilusão, como<br />

cataloga<strong>do</strong> <strong>por</strong> Warat (2010. P, 84):<br />

O normativismo então funda sua particular e eficaz visão <strong>do</strong> Direito apoia<strong>do</strong><br />

em <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> erguida na i<strong>de</strong>ia da força: a <strong>do</strong> Direito apoia<strong>do</strong> em <strong>um</strong>a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> erguida na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> força: a <strong>do</strong> Direito e o Esta<strong>do</strong>, claramente<br />

enuncia<strong>do</strong> <strong>por</strong> Kelsen como <strong>um</strong> <strong>do</strong>s pilares conclusivos da sua teoria pura.<br />

O principal efeito <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> foi a legitimação simbólica <strong>do</strong> monopólio<br />

da coerção Estatal, <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> <strong>passo</strong> preliminar para a fundação da<br />

<strong>de</strong>nominação mo<strong>de</strong>rna. A partir <strong>de</strong>sse momento, tornamo-nos<br />

impossibilita<strong>do</strong>s para pensar no exterior <strong>de</strong>ssa concepção, nos caminhos da<br />

emancipação. Estan<strong>do</strong> aberto o caminho para esta postura, neste palmilhar<br />

que a experiência também permite ao homem se encontrar com seus pares<br />

e consigo mesmo, com sua própria estima e lhes permite constituir vínculo<br />

<strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> e acesso com os outros, quer dizer: estabelecer os vínculos <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>, com outras palavras.


287<br />

Como <strong>um</strong> conjunto conceitual, a emancipação das experiências radicais <strong>de</strong><br />

alterida<strong>de</strong> é entendida como última expressão, como a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer<br />

vínculos, <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> e afeto.<br />

Porém, além <strong>de</strong> qualquer distorção léxica que nos torne reciprocamente<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, co<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ou aliena<strong>do</strong>s <strong>por</strong> essa seara, as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> coerção que<br />

legitimou a caricatura simbólica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> soberano passariam a germinar <strong>um</strong>a<br />

reflexão sobre o atual mo<strong>de</strong>lo e <strong>um</strong> outro que possa aten<strong>de</strong>r melhor a <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

conceito <strong>de</strong> Justiça. 210<br />

Dessa forma, além <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os fatores, é <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que o sistema da<br />

Justiça judiciária, ao remontar a história, encontra-a <strong>de</strong>finida na racionalização <strong>de</strong><br />

sua época, em cujo perío<strong>do</strong> é recortada em <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo para aten<strong>de</strong>r às<br />

circunstâncias e às contingências sociais <strong>de</strong>mandadas.<br />

Os excessos <strong>de</strong> formalismo e a estreita relação da Justiça com as novas<br />

realida<strong>de</strong>s vêm naturalmente crian<strong>do</strong> <strong>um</strong> abismo cada vez maior entre o Direito e<br />

Justiça.<br />

A crise, além <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nte, a cada dia sinaliza para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s<br />

volta<strong>do</strong>s a compreen<strong>de</strong>r cientificamente as melhores formas <strong>de</strong> enfrentar as novas<br />

tendências sociais.<br />

210<br />

Segun<strong>do</strong> Streck, “A crise <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo (mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> Direito) se instala justamente <strong>por</strong>que a<br />

<strong>do</strong>gmática jurídica implica socieda<strong>de</strong> transmo<strong>de</strong>rna e repleta <strong>de</strong> conflitos transindividuais, continua<br />

trabalhan<strong>do</strong> com a perspectiva <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito cunha<strong>do</strong> para enfrentar conflitos interindividuais, bem<br />

níti<strong>do</strong>s em nossos códigos (civil, penal, processo penal e processual civil, etc). / Esta é a crise <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo (ou mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção) <strong>de</strong> Direito <strong>do</strong>minante nas práticas jurídicas <strong>de</strong> nossos tribunais,<br />

fóruns e na <strong>do</strong>utrina. No âmbito da magistratura, é meio <strong>de</strong> o raciocínio <strong>po<strong>de</strong>r</strong> ser estendi<strong>do</strong> às<br />

<strong>de</strong>mais instâncias <strong>de</strong> administração da <strong>justiça</strong>. Ele faria apontar <strong>do</strong>is fatores que contribuem para o<br />

agravamento da problemática: “o excessivo individualismo e o formalismo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>:<br />

esse individualismo e o formalismo representam <strong>um</strong>a visão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>: esse individualismo se traduz<br />

pela convicção <strong>de</strong> que a parte prece<strong>de</strong> o to<strong>do</strong>, ou seja, <strong>de</strong> que os <strong>direito</strong>s <strong>do</strong> indivíduo estão acima<br />

da comunida<strong>de</strong>; como o que im<strong>por</strong>ta é o merca<strong>do</strong>, espaço on<strong>de</strong> as relações sociais e econômicas<br />

são travadas, o individualismo ten<strong>de</strong> a transbordar em atomismo: a magistratura é treinada para lidar<br />

com diferentes formas <strong>de</strong> ação, mas não consegue ter <strong>um</strong> entendimento preciso das estruturas<br />

socieconômicas on<strong>de</strong> elas se relacionam. Já o formalismo <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> apego a <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> ritos e<br />

procedimentos burocratiza<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s impessoais, justifica<strong>do</strong>s em norma da certeza jurídica da<br />

segurança <strong>do</strong> processo. Não preparada técnica, nem <strong>do</strong>utrinariamente, pois ao compreen<strong>de</strong>r os<br />

aspectos substitutivos <strong>do</strong>s pleitos a ela submeti<strong>do</strong>s, ela enfrenta dificulda<strong>de</strong>s para interpretar os<br />

<strong>novo</strong>s conceitos <strong>do</strong>s textos legais típicos da socieda<strong>de</strong> industrial, principalmente os que estabelecem<br />

<strong>direito</strong>s coletivos, protegem os <strong>direito</strong>s <strong>–</strong> difusos <strong>–</strong> e dispensam tratamento preferencialmente aos<br />

seguimentos economicamente <strong>de</strong>sfavoreci<strong>do</strong>s (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m)<br />

crise: <strong>um</strong>a exploração hermenêutica da construção <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre:<br />

Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2007, p. 35)”.


288<br />

Reor<strong>de</strong>nar a Justiça em <strong>um</strong> reconceito significa mais <strong>do</strong> que mudar <strong>um</strong> nome,<br />

mas toda a infraestrutura e a estrutura <strong>do</strong> Direito, coor<strong>de</strong>nan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a dinâmica<br />

tecnologizada <strong>de</strong> acesso a <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça, como bem esclarece<br />

Rouanet (2003, p. 127):<br />

“Racionalização da <strong>justiça</strong>: foi a campanha <strong>de</strong> Beccaria contra a práticas<br />

penais anacrônicas, a <strong>de</strong> Voltaire contra os procedimentos medievais<br />

utiliza<strong>do</strong>s para con<strong>de</strong>nar Carlos à fogueira. A racionalização das leis: foi a<br />

cruzada contra o <strong>direito</strong> cost<strong>um</strong>eiro, contra a proliferação <strong>de</strong> leis regionais,<br />

que variavam <strong>de</strong> províncias em províncias e <strong>de</strong> senhoria a senhoria. Para<br />

Voltaire o que torna as leis variáveis, <strong>de</strong>feituosas, inconsequentes, é que<br />

elas foram todas estabelecidas segun<strong>do</strong> necessida<strong>de</strong>s passageiras, como<br />

remédios aplica<strong>do</strong>s ao acaso, que curavam <strong>um</strong> <strong>do</strong>ente e matavam outros”<br />

No registro da história, o Direito exigiu ao menos <strong>um</strong>a forma racionalizante<br />

para estabelecer as bases <strong>de</strong> diretrizes e estabilizar a Justiça, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a<br />

salvaguardar os indivíduos <strong>de</strong> cada época, da subjetivida<strong>de</strong> e pessoalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

encampa<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> nas províncias e conda<strong>do</strong>s.<br />

Mais <strong>do</strong> que passageiros, os problemas são transitórios e simultâneos. Se<br />

passam, aparecem em outros lugares; com<strong>um</strong>ente se aparecem em vários ou<br />

diversos lugares concomitantemente, talvez essas condições em dimensões tão<br />

amplas não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam ser constatáveis nos tempos <strong>do</strong> “antigamente”.<br />

As novas condições exigem que a integração aliada à racionalida<strong>de</strong> normativa<br />

aconteça <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a aglutinar e <strong>de</strong>finir regras e com<strong>por</strong>tamentos pre-<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s. Para<br />

isso, a padronização e a uniformização somente po<strong>de</strong>m acontecer se o Direito<br />

reconhecer e aceitar que sua estrutura precisa ser cingida <strong>por</strong> <strong>um</strong>a ciência que, ao<br />

mesmo tempo distinta, tenha a neutralida<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> trans<strong>por</strong>tar a racionalida<strong>de</strong><br />

daquela sem comprometer sua natureza.<br />

Isso significa que as formas <strong>de</strong> trans<strong>por</strong>te, condução, gestão e <strong>de</strong>mais ações<br />

opera<strong>do</strong>ras exigem <strong>um</strong>a participação ativa da tecnologização. Sen<strong>do</strong> assim, dada a<br />

sobreposição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> como órgão legisla<strong>do</strong>r, controla<strong>do</strong>r e aplica<strong>do</strong>r das leis,<br />

<strong>de</strong>tentor da autonomia e in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong>s indivíduos, que no curso da história<br />

renunciou em troca <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito positivo, racionaliza<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> Justiça judiciária, espera-se <strong>um</strong>a movimentação pela mudança <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo.


289<br />

Pense-se que o ativismo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a campanha contra a Justiça é dispensável,<br />

<strong>por</strong>que os da<strong>do</strong>s <strong>por</strong> si só evi<strong>de</strong>nciam <strong>um</strong>a campanha negativa pelo <strong>de</strong>scrédito da<br />

Justiça.<br />

Uma das constatações <strong>do</strong> reconhecimento <strong>do</strong> sectarismo <strong>do</strong> sistema é o<br />

registro da Reforma <strong>do</strong> Judiciário, pois reformar é utilizar as mesmas bases para<br />

construir o <strong>novo</strong> ou simplesmente restaurar o velho.<br />

A partir da emenda Constitucional <strong>de</strong> n.º 45/04, o sistema judiciário <strong>passo</strong>u a<br />

contar com o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, cuja característica é <strong>de</strong> regulamentação<br />

<strong>do</strong> sistema judiciário o qual, inclusive, vem sucessivamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua criação<br />

emitin<strong>do</strong> normativos complementares a seu contínuo aprimoramento para o alcance<br />

<strong>do</strong>s seus fins.<br />

Essa dialeticida<strong>de</strong> revela não somente <strong>um</strong>a incompletu<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema mas<br />

<strong>um</strong>a ausência <strong>de</strong> estrutura para aten<strong>de</strong>r às questões judiciárias <strong>de</strong> forma satisfatória,<br />

inclusive quan<strong>do</strong> da edição (ano) da fase conclusiva da presente pesquisa, o<br />

resulta<strong>do</strong> que se tem <strong>do</strong> CNJ não é muito promissor quanto à sua real finalida<strong>de</strong>.<br />

Ainda que seu papel tenha si<strong>do</strong> significativo, <strong>por</strong>ém, diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>manda<br />

acentuada cuja gestão operacional <strong>de</strong>penda exclusivamente em gran<strong>de</strong> parte da<br />

intervenção da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, o referi<strong>do</strong> órgão já apresenta sinais <strong>de</strong><br />

ineficiência <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à massiva <strong>de</strong>manda que lhe sobrecai. 211 O Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

<strong>de</strong>ntre os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, evocou para si o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> pela intermediação,<br />

pon<strong>de</strong>ração e controle das <strong>de</strong>cisões jurídicas. O mito da <strong>de</strong>cisão, como se somente<br />

a ele fora da<strong>do</strong> o cre<strong>de</strong>nciamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz, tem<br />

previsão Constitucional.<br />

211<br />

Para Oliveira Freitas, “Há, <strong>por</strong> óbvio, questões que merecem <strong>um</strong> olhar mais crítico, justamente<br />

para se buscar o aperfeiçoamento das ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Conselho. Nesse senti<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>mos sublinhar o<br />

fato <strong>de</strong> que os resulta<strong>do</strong>s positivos da atuação <strong>do</strong> Conselho propiciaram gran<strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> e<br />

expectativa <strong>de</strong> eficácia com relação às <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>le emanadas. Todavia, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o gigantismo<br />

<strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário e das <strong>de</strong>mandas que a ele são dirigidas, convivemos, atualmente, com reflexos<br />

negativos <strong>do</strong> sucesso da atuação <strong>do</strong> Conselho, quais sejam maior lentidão na solução <strong>do</strong>s<br />

procedimentos e <strong>de</strong>spro<strong>por</strong>ção da estrutura física das necessida<strong>de</strong>s prementes. Em relação às<br />

questões operacionais a ausência <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong> das datas <strong>de</strong> julgamento (há diversos<br />

procedimentos que são inseri<strong>do</strong>s em pauta, mas <strong>de</strong>mandam inúmeras sessões para serem julga<strong>do</strong>s)<br />

e as alterações procedimentais ocorridas a cada alteração <strong>de</strong> Presidência <strong>do</strong> Conselho dificultam,<br />

sobremaneira, a atuação da advocacia e, <strong>por</strong> conseguinte, o exercício da cidadania (FREITAS,<br />

Arystóbulo <strong>de</strong> Oliveira. O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça e a advocacia. In: Revista <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>,<br />

ano XXXV, n. 128, p. 07-12, <strong>de</strong>z. 2015, p. 11)”.


290<br />

No entanto, entre o século passa<strong>do</strong> e este têm ganha<strong>do</strong> <strong>de</strong>staques outros<br />

meios alternativos cria<strong>do</strong>s como medidas paralelas não somente para salvar o atual<br />

sistema e com isso conservá-lo, como para dar meios aos jurisdiciona<strong>do</strong>s <strong>de</strong> se<br />

chegar a Justiça <strong>de</strong> forma mais célere.<br />

Uma das questões interessantes e que precisam ser <strong>de</strong>stacadas é <strong>de</strong> saber<br />

em nossa contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong> se é concebível somente aceitar <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão com<br />

resulta<strong>do</strong> efetivo <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz, em outra forma <strong>de</strong> se expressar.<br />

O que se põe no centro da discussão é a reavaliação <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong><br />

pon<strong>de</strong>ração, avaliação, análise e aplicação das normas, sua exclusivida<strong>de</strong> e o<br />

contraste com os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s diante das <strong>de</strong>mandas não atendidas <strong>do</strong> ponto<br />

<strong>de</strong> vista material. Elas são gera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> insatisfação e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a erosão <strong>de</strong>generativa<br />

<strong>do</strong> sistema judiciário <strong>por</strong> insuficiência <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> mencionadas.<br />

É <strong>um</strong>a questão que excita, e merece atenção científica, da<strong>do</strong> nosso estágio<br />

latente pela implementação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnológica, hipótese essa, objeto<br />

<strong>do</strong> trabalho.<br />

Portanto, seja passível <strong>de</strong> crítica ou não, é relevante <strong>de</strong>stacarmos nossa<br />

<strong>de</strong>scrença fundamentalista pela veneração <strong>de</strong> tomar como verda<strong>de</strong>iras somente as<br />

<strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>cididas pelo Esta<strong>do</strong>/Juiz, dadas a insuficiência e a falibilida<strong>de</strong> que<br />

envolve sua condição “h<strong>um</strong>ana”, mesmo que travestida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a onisciência e <strong>um</strong>a<br />

onipresença hipoteticamente criadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o esta<strong>do</strong> burguês e replicada nos<br />

i<strong>de</strong>ários <strong>do</strong>utrinários, inclusive da Teoria Pura <strong>do</strong> Direito, e que influenciou as<br />

principais famílias <strong>do</strong> Direito, tanto da escola romanística como a anglo-saxã.<br />

A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> acenada quase sempre não passa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a concepção tardia,<br />

e a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> simetricamente acompanha essa mesma logicida<strong>de</strong>, aqui<br />

parafrasean<strong>do</strong> o professor Lênio Streck.<br />

Na medida em que o modus operandi existente, além <strong>de</strong> não integrar, pouco<br />

faz <strong>por</strong> uniformizar o sistema cada vez mais <strong>de</strong>manda<strong>do</strong> <strong>por</strong> questões repetitivas <strong>de</strong><br />

massa, ou até mesmo comuns <strong>do</strong> cotidiano.<br />

São questões individualmente idênticas que se reproduzem diante da<br />

dimensão <strong>do</strong> território nacional, mas que recebem tratamentos díspares,<br />

sintomáticos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça que não funciona quanto à sua estabilida<strong>de</strong> em<br />

previsibilida<strong>de</strong>.


291<br />

É o retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> carente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tecnologia em Inteligência Artificial<br />

capaz <strong>de</strong> sistematizar, dan<strong>do</strong> com isso unicida<strong>de</strong> e organicida<strong>de</strong> ao sistema <strong>de</strong><br />

fatos e leis. Exige-se, <strong>por</strong>tanto, inovação em tecnologia para produzir a evolução em<br />

qualida<strong>de</strong> e quantida<strong>de</strong> na esfera <strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

A questão gravita, quase sempre, na legalida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão que, entretanto,<br />

está vinculada à lei que, em última instância, <strong>de</strong>ve ser aplicada pelo Esta<strong>do</strong>. Nesse<br />

senti<strong>do</strong>, a Justiça judiciária <strong>de</strong>s<strong>de</strong> longa data serve-se <strong>de</strong> seu serviçal Juiz para<br />

realizar seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Justiça, em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> Justiça da e/ou pela súplica, em<br />

total incompatibilida<strong>de</strong> com os i<strong>de</strong>ais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito.<br />

Essa forma antiga <strong>de</strong> entregar a Justiça, ou melhor, <strong>de</strong> promover a <strong>de</strong>cisão<br />

aos conflitos sociais parece ainda existir e resistir, graças à persistência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

insistência paradigmática <strong>do</strong> sistema atual <strong>de</strong> Justiça.<br />

Busca com todas as suas forças não somente garantir sua legitimida<strong>de</strong>, mas<br />

se autolegitimar em <strong>um</strong> espaço que lhe é outorga<strong>do</strong>, cuja finalida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> entregar<br />

resulta<strong>do</strong>s <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> soluções para as <strong>de</strong>mandas apresentadas.<br />

Talvez seja essa a síndrome das formas, ou seja, da forma única e exclusiva<br />

meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> se julgar, corolário histórico, com bases lastreadas em <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong><br />

imposto pelas forças <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> elitista, cujos interesses se <strong>de</strong>stacaram para<br />

legitimar o <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Justiça ainda vigente, <strong>por</strong>ém que não mais se sustenta.<br />

Esse mo<strong>de</strong>lo, quanto aos atributos <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong>, certeza, estabilida<strong>de</strong> e<br />

eficácia, vem convocan<strong>do</strong> os cientistas das ciências jurídicas a promover nas últimas<br />

décadas vastos estu<strong>do</strong>s e com eles realizar microrreformas, bem como reformas, no<br />

sistema normativo e na gestão <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

O empreendimento acadêmico e profissional está, sem dúvidas, a serviço <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong> salvação e validação <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> atual, movimento que evi<strong>de</strong>ncia<br />

a existência da pre<strong>do</strong>minância <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pseu<strong>do</strong> Justiça.<br />

Aliás, é <strong>de</strong> se refletir, se não <strong>um</strong>a confusão terminológica ou nominalista entre<br />

a concepção <strong>de</strong> Justiça e resulta<strong>do</strong> justo, na medida em que a entrega da Justiça se<br />

confun<strong>de</strong> com o resulta<strong>do</strong> justo.<br />

Na atualida<strong>de</strong> e, em última instância, receber <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> justo é o que a<br />

pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> reconhece como Justiça, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> como ela é<br />

gerida no contexto operacional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que é o responsável pela administração.


292<br />

Resulta<strong>do</strong> justo, significa receber simplesmente <strong>um</strong>a resposta rápida,<br />

concreta e eficaz ao problema i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>, as pre<strong>de</strong>finições são condições préestabelecidas<br />

eticamente <strong>por</strong> esse perfil social, on<strong>de</strong> a praticida<strong>de</strong>, a economia, a<br />

simplificação das formas e a volatilida<strong>de</strong> são ícones presentes.<br />

O Esta<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> seus mandatários da lei, embora, bem<br />

prepara<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> formação em qualida<strong>de</strong> ímpar, não acompanham essas diferenças<br />

em suas raízes.<br />

Por isso, entre a Justiça pretendida e a Justiça entregue, habita <strong>um</strong>a Justiça<br />

inconsciente que trabalha para o aprofundamento das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, a exploração<br />

da miséria, sem <strong>um</strong>a perspectiva <strong>de</strong> retomada as propostas insculpidas<br />

constitucionalmente.<br />

A Justiça praticada no cotidiano forense tem rosto, tem nome, tem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,<br />

tem parti<strong>do</strong>, enfim, é <strong>um</strong>a Justiça em que o Direito se faz pela força <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

linguagem, on<strong>de</strong> a única garantia que se tem é <strong>de</strong> não <strong>po<strong>de</strong>r</strong> garantir os resulta<strong>do</strong>s<br />

diante da imprevisibilida<strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, seria <strong>de</strong>sim<strong>por</strong>tante saber quem julga,<br />

caso o resulta<strong>do</strong> justo sempre que <strong>de</strong>manda<strong>do</strong> fosse entregue. Aliás, os fins<br />

justificariam os “meios”.<br />

A <strong>um</strong>a curiosida<strong>de</strong> ou outra não estaríamos imunes, <strong>por</strong>ém a estabilida<strong>de</strong> e a<br />

tranquilida<strong>de</strong> estariam a serviço <strong>de</strong> minimizar o segun<strong>do</strong> problema <strong>de</strong> quem busca<br />

em nossa atualida<strong>de</strong> a Justiça.<br />

O <strong>paradigma</strong> vigente expõe os jurisdiciona<strong>do</strong>s a <strong>um</strong>a loteria certificada pelo<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, pois, cada vez que se busca <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>um</strong> problema análogo<br />

a exposição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser ter <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão díspare se revela<br />

possível.<br />

A concessão outorgada <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> ao Esta<strong>do</strong>/Juiz, mais <strong>um</strong>a vez revela que<br />

quem recebe o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> o exerce segun<strong>do</strong> suas convicções com base em <strong>um</strong>a lei <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m estatal.<br />

O Esta<strong>do</strong> se faz representar, no entanto, <strong>um</strong>a representação que em seu<br />

curso per<strong>de</strong> a autenticida<strong>de</strong> da originalida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>que se a vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é a <strong>de</strong><br />

entregar o Direito <strong>por</strong> intermédio da Justiça, essa raramente acontece <strong>por</strong> força <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a força interposta <strong>do</strong> homem/Juiz, que interce<strong>de</strong> segun<strong>do</strong> <strong>um</strong>a convicção<br />

secundária <strong>de</strong> sua pessoalida<strong>de</strong> e da subjetivida<strong>de</strong> que o mina.


293<br />

Nessas condições, o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> exerci<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>/juiz é <strong>um</strong> não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, pois o<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é in<strong>de</strong>legável, <strong>por</strong>ém, quan<strong>do</strong> exerci<strong>do</strong> <strong>por</strong> representação ou<br />

<strong>de</strong>legação <strong>por</strong> expressa autorização Constitucional, se eiva<strong>do</strong> pelos efeitos da<br />

ineficácia na aplicabilida<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> arrepio <strong>do</strong>s coman<strong>do</strong>s normativos, ou<br />

seja, se não <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s da lei, per<strong>de</strong> a condição <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>. O <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>/juiz está adistrito aos <strong>limite</strong>s da lei, como to<strong>do</strong>s os cidadãos. Siqueira Castro<br />

(2010, p.91) é categórico:<br />

Por isso, em não haven<strong>do</strong> competência, o que há, para o Po<strong>de</strong>r Público é<br />

incompetência, impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir, inação compulsória. Isto significa<br />

dizer, com Pontes <strong>de</strong> Miranda, que o “<strong>direito</strong> à chamada liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />

ou não fazer é <strong>direito</strong> à lei como <strong>limite</strong>”. O próprio Esta<strong>do</strong>, nessa óptica<br />

legalista, é visto como instituição jurídica limitada pelo <strong>direito</strong>, não obstante<br />

soberana e representativa da comunida<strong>de</strong> nacional...<br />

A lei, embora passe pelo crivo da legalida<strong>de</strong> da outorga pelas casas<br />

legislativas, não goza da mesma estabilida<strong>de</strong> na legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu exercício<br />

prático <strong>de</strong> interpretação.<br />

Parece, que a forma <strong>de</strong> aplicação existente exige <strong>um</strong>a mudança <strong>de</strong><br />

afastamento no méto<strong>do</strong> na reconstrução como exerci<strong>do</strong> pelo sistema Judiciário, o<br />

que po<strong>de</strong> implicar em ilegalida<strong>de</strong> se o conteú<strong>do</strong> e sua respectiva finalida<strong>de</strong> forem<br />

vilipendia<strong>do</strong>s.<br />

A completu<strong>de</strong> <strong>–</strong> como sinônimo <strong>de</strong> sistema <strong>–</strong> é tida nas últimas décadas como<br />

comprometida, na medida em que, <strong>de</strong>ntro da teoria <strong>de</strong> sistema, não é possível que<br />

ele não goze <strong>de</strong>sta.<br />

Sinaliza para esse sintoma o comprometimento da redundância em buscar se<br />

autorregenerar ou <strong>de</strong> dar conta <strong>de</strong> sua estrutura em sua integralida<strong>de</strong> totalizante. As<br />

falhas, os erros e os equívocos no funcionamento tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> <strong>um</strong>a certa<br />

insuficiência para aten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma plausível ao <strong>paradigma</strong> vigente.<br />

A forma <strong>de</strong> entrega e recepção da Justiça, embora seja <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo, ou<br />

melhor, <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo ainda vigente, evi<strong>de</strong>ncia <strong>um</strong>a ausência <strong>de</strong> completu<strong>de</strong> em<br />

efetivida<strong>de</strong> diante da falta <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s.


294<br />

Talvez <strong>por</strong>que o Esta<strong>do</strong>/Juiz tem <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

outorga <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> formal previsto em lei, pouco exigi<strong>do</strong> na instância da<br />

materialida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a materialida<strong>de</strong> aparente, já que suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>vem<br />

obe<strong>de</strong>cer ao critério da fundamentação da <strong>de</strong>cisão, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> o binômio <strong>do</strong><br />

convencimento e da convicção e não <strong>de</strong> <strong>um</strong>a fundamentação voltada para a<br />

materialização da <strong>de</strong>cisão tomada. 212<br />

Na primeira forma, o Juiz fundamenta para si, afastan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> risco <strong>do</strong> vício<br />

da nulida<strong>de</strong>, na segunda, estaria fundamentan<strong>do</strong> para quem se <strong>de</strong>stina seu ato <strong>de</strong><br />

julgar, mais <strong>do</strong> que se <strong>de</strong>svencilhar <strong>do</strong> risco <strong>do</strong> vício.<br />

Tal com<strong>por</strong>tamento seria o <strong>de</strong> incor<strong>por</strong>ar sua <strong>de</strong>cisão com a materialida<strong>de</strong> da<br />

lei no aspecto mais profun<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da vinculação <strong>do</strong> seu ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir e<br />

seus efeitos na orientação e na formação pedagógica <strong>do</strong>s jurisdiciona<strong>do</strong>s.<br />

No atual mo<strong>de</strong>lo, a Justiça material somente acontece a cada <strong>de</strong>cisão dada <strong>–</strong><br />

reconstrução <strong>do</strong> Direito <strong>por</strong> intermédio das técnicas hermenêuticas <strong>de</strong> interpretação<br />

<strong>–</strong>, em <strong>um</strong>a incessante busca pelo resulta<strong>do</strong> justo acontecer, ou seja, a Justiça se<br />

reencontrar com o Direito.<br />

Nas condições <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> menciona<strong>do</strong> a Justiça não tem conexão com o<br />

Direito a priori mas sim com o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão que exige simples<br />

fundamentação, isso <strong>por</strong>que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, ao final <strong>do</strong> procedimento, ou seja, <strong>de</strong> que<br />

essa dinâmica possibilite reencontrá-lo com a lei conforme alhures menciona<strong>do</strong>.<br />

A revelação das constantes, frustradas e episódicas ocorrências geraram<br />

diversas mudanças no sistema <strong>de</strong> leis e <strong>do</strong> judiciário como órgão opera<strong>do</strong>r, isso para<br />

fazer prevalecer essa forma faceada <strong>de</strong> entrega <strong>de</strong> soluções para as <strong>de</strong>mandas<br />

existentes.<br />

212<br />

Para Calamandrei, “O contraste entre a consciência <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong> e a lei chega, às vezes, a tal<br />

exasperação que produz até nos juízes sob diversas formas, <strong>um</strong> fenômeno semelhante ao que se<br />

verifica no Parlamento quan<strong>do</strong> a polêmica política chega a ponto <strong>de</strong> fazer esquecer as regras da<br />

correção parlamentar. Também no processo assiste-se, às vezes, a casos em que parece que o juiz,<br />

a fim <strong>de</strong> se subtrair às consequências a que foi, logicamente o <strong>de</strong>veria conduzir a fiel aplicação da<br />

lei, está disposto a passar <strong>por</strong> cima <strong>de</strong> normas elementares da correção processual: aquele “<strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

lealda<strong>de</strong>” que art. 88 <strong>do</strong> CPC lembra às partes e aos <strong>de</strong>fensores, mas não aos juízes, pois sempre se<br />

consi<strong>de</strong>rou que não era necessário que os juízes fossem lembra<strong>do</strong>s disso. Pelo contrário, nestes<br />

últimos anos, viram-se diversos casos <strong>de</strong> sentenças cuja motivação <strong>de</strong>ixa transparecer que o juiz não<br />

teve dúvidas em seguir, no exercício <strong>de</strong> sua função, tortuosos caminhos com o fim <strong>de</strong> burlar a lei.<br />

Este é <strong>um</strong> assunto que necessitaria <strong>de</strong> <strong>um</strong> longo discurso, e <strong>de</strong>vo, aqui, limitar-me a alg<strong>um</strong>a amostra<br />

<strong>de</strong>sse fenômeno que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia <strong>de</strong>nominar-se a ‘crise da motivação’ (CALAMANDREI. Piero. A crise da<br />

<strong>justiça</strong>; tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Lí<strong>de</strong>r, 2003, p. 28)”.


295<br />

O atual mo<strong>de</strong>lo também se faz lembrar pelos resquícios <strong>de</strong> <strong>um</strong>a concepção<br />

paternalista estabelecida pelo Esta<strong>do</strong> secularmente, sob a pseu<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> proteger<br />

os mais fracos, quan<strong>do</strong>, ao contrário, explora essa miséria como bases que<br />

fundamentam e sustentam sua existência.<br />

Tu<strong>do</strong> indica que o <strong>de</strong>scomprometimento e as falhas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> também são<br />

her<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> <strong>um</strong>a política assistencialista, que enfraqueceu o teci<strong>do</strong> social <strong>de</strong> tal<br />

mo<strong>do</strong> a fazer daquele em vez <strong>de</strong> <strong>um</strong> aplica<strong>do</strong>r <strong>de</strong> leis <strong>um</strong> gestor na criação <strong>de</strong><br />

cargos, <strong>de</strong>ntre eles o <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz que, para cada conflito existente nas cercanias<br />

<strong>de</strong> seu conda<strong>do</strong>, passa a reconstruir os fatos e operar como <strong>um</strong> adivinha<strong>do</strong>r da<br />

Justiça.<br />

O Esta<strong>do</strong>/Juiz, <strong>por</strong> sua vez, não tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> garantidamente<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconstruir os fatos conflituosos que lhe são submeti<strong>do</strong>s para a<br />

pacificação social, na medida em que esse fenômeno somente é digno <strong>de</strong><br />

retratabilida<strong>de</strong>, ou diante das circunstâncias <strong>de</strong> sua ocorrência ou <strong>por</strong> participação<br />

direta <strong>de</strong> seus interessa<strong>do</strong>s, ou seja, que somente a quem os vivencia é dada a<br />

legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconstruí-los.<br />

Isso é evi<strong>de</strong>nte na medida em que há as partes <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong> escolher a forma<br />

<strong>de</strong> Justiça que almeja e a performance <strong>de</strong> seu media<strong>do</strong>r. Esse movimento pela<br />

flexibilização da sistemática processual é noticia<strong>do</strong> <strong>por</strong> Garja<strong>do</strong>ni e também se<br />

encontram raízes no <strong>novo</strong> reforma<strong>do</strong> CPC em seu artigo 190, no que tange ao<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “negócio processual”. Para Garja<strong>do</strong>ni (2008, p. 215),<br />

Não me parece que o extremismo <strong>de</strong> parte da <strong>do</strong>utrina pátria na<br />

manifestação pela cogência das regras procedimentais seja compatível<br />

com o i<strong>de</strong>ário instr<strong>um</strong>entalista e com os escopos <strong>do</strong> processo, tampouco<br />

com o princípio da liberda<strong>de</strong>, que é base <strong>de</strong> nosso sistema constitucional.<br />

Se <strong>por</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, como regra, as normas processuais no to<strong>do</strong> (incluídas as<br />

procedimentais) são <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública e, como tal, <strong>de</strong> observância<br />

obrigatória <strong>por</strong> to<strong>do</strong>s os atores processuais <strong>–</strong> com o que não discordamos<br />

em princípio <strong>–</strong>, <strong>por</strong> outro, inúmeras situações ligadas ao <strong>direito</strong> material, à<br />

realida<strong>de</strong> das partes, ou simplesmente à inexistência <strong>de</strong> prejuízo, <strong>de</strong>vem<br />

permitir a eleição <strong>do</strong> procedimento, inclusive pelas próprias partes.<br />

Se isso é <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>, o ônus da parte é o <strong>de</strong> conduzir não ao Juiz, mas ao<br />

Esta<strong>do</strong> os fatos que lhes dizem respeito e nesse mesmo contexto reivindicar <strong>por</strong><br />

<strong>um</strong>a solução.


296<br />

Não menos verda<strong>de</strong> é que esse procedimento não obrigatoriamente passa a<br />

ser <strong>de</strong> interesse <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>stinatários, <strong>de</strong> que seja pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> e avalia<strong>do</strong> pelo<br />

homem/ Juiz, cujo ranço <strong>de</strong> falibilida<strong>de</strong> tem causa<strong>do</strong> espécie aos que arbitrariamente<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ssa via una e irracional, já em crise motivacional como noticia<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

Calamandrei.<br />

Portanto, o <strong>paradigma</strong> atual gira no senti<strong>do</strong> anti-horário da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

Têm-se, então, a ineficiência e os infindáveis arg<strong>um</strong>entos retóricos inebriantes <strong>de</strong><br />

que as novas leis estariam chegan<strong>do</strong> para pro<strong>por</strong>cionar resulta<strong>do</strong>s mais justos,<br />

rápi<strong>do</strong>s e eficazes.<br />

O que não corrobora com <strong>um</strong>a nova geração <strong>de</strong> pessoas que fertilizam o<br />

teci<strong>do</strong> terrestre, que têm em mente <strong>um</strong>a <strong>de</strong>finição clara, objetiva e simplificada <strong>de</strong><br />

como preten<strong>de</strong>m que suas contendas sejam solucionadas.<br />

Essas pouco se preocupam com critérios, ten<strong>do</strong> mais vivacida<strong>de</strong> em seu<br />

espectro <strong>de</strong> interesses volta<strong>do</strong>s para <strong>um</strong>a pauta <strong>de</strong> situações pre<strong>de</strong>finidas, tanto na<br />

forma como preten<strong>de</strong>m conduzir suas vidas, como da forma pelas quais suas<br />

reprimendas <strong>de</strong>vem ser aplicadas.<br />

Semelhante <strong>artificial</strong>ismo com que os problemas são trata<strong>do</strong>s no cotidiano<br />

forense <strong>de</strong>staca <strong>um</strong>a equidistância já presente, transmitin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a sensação <strong>de</strong> total<br />

<strong>de</strong>scompromisso e <strong>de</strong>sinteresse pelos problemas alheios.<br />

O efeito da nova dinâmica, ao contrário, <strong>de</strong>ixa para trás o rito pernóstico que<br />

cotidianamente se imprime nos anais <strong>do</strong> judiciário, com resulta<strong>do</strong>s injustos, <strong>por</strong>que<br />

está na análise das variáveis advindas da complexida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>mandas aliada à<br />

transitorieda<strong>de</strong> e simultaneida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s conflitos.<br />

Tem-se <strong>de</strong>para<strong>do</strong> com <strong>um</strong>a limitação cognitiva que, influenciada pelas<br />

condições insalubres da própria estrutura <strong>do</strong> Judiciário, somente está a serviço <strong>do</strong><br />

atraso, <strong>do</strong> retrocesso e <strong>do</strong> comodismo.<br />

Isso não é difícil <strong>de</strong> provar, visto que muito poucos têm busca<strong>do</strong> junto ao<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário pela Justiça judiciária. Aliás, a <strong>de</strong>cisão judiciária, eivada pelas<br />

vicissitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seu opera<strong>do</strong>r, além <strong>de</strong> afastar seus cons<strong>um</strong>i<strong>do</strong>res, ainda contribui<br />

para a baixa confiabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse <strong>po<strong>de</strong>r</strong> estatal. É o que retratam as pesquisas<br />

mencionadas na presente pesquisa científica.<br />

Dessa maneira, se a <strong>de</strong>cisão está na força da lei, a que serviço está o<br />

Esta<strong>do</strong>/Juiz? Se nessa re<strong>do</strong>ma social quem grita <strong>por</strong> Justiça ou pelo resulta<strong>do</strong> que<br />

essa <strong>de</strong>ve prover é a parte lesada ou ameaçada.


297<br />

Torna-se fácil inferir que o maior necessita<strong>do</strong> pela entrega <strong>de</strong> <strong>um</strong>a prestação<br />

<strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> Justiça não é o Esta<strong>do</strong>/Juiz, mas os que buscam a tutela aos seus<br />

Direitos lesa<strong>do</strong>s ou ameaça<strong>do</strong>s.<br />

Assim, parece que as questões envolven<strong>do</strong> a melhor a<strong>de</strong>quação técnica, a<br />

colaboração e a cooperação <strong>do</strong> acesso pela busca <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s, a clareza e a<br />

objetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s dispensam a <strong>por</strong>tabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> mensageiro<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, o qual nem sempre está apto a <strong>de</strong>codificar as pretensões a que o<br />

interessa<strong>do</strong> o submete, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> falhas no controle da marcha da<br />

processualida<strong>de</strong> como instr<strong>um</strong>ento hábil constitucionalmente para a gestão da<br />

legalida<strong>de</strong>.<br />

A finalida<strong>de</strong> pública <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>por</strong>tanto, vem sen<strong>do</strong> sodada pela forma como<br />

o mo<strong>de</strong>lo atual <strong>de</strong> Justiça judiciária, seja na microgestão, seja na macrogestão <strong>do</strong>s<br />

processos, vem acontecen<strong>do</strong>. A vonta<strong>de</strong> da lei emanada pelo Esta<strong>do</strong> não consegue<br />

ser c<strong>um</strong>prida <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> reconheci<strong>do</strong> e legitima<strong>do</strong> em sua própria<br />

estrutura.<br />

Se isso acontece, é <strong>por</strong>que os opera<strong>do</strong>res e to<strong>do</strong>s os seus auxiliares são<br />

constantemente coniventes, outrora <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s ou con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s à servidão das<br />

condições impostas pelo próprio Esta<strong>do</strong>, que se encontra soterra<strong>do</strong> na<br />

periculosida<strong>de</strong> e na insalubrida<strong>de</strong> públicas.<br />

Essas personagens curvam-se ao “sempre foi assim” ou simplesmente<br />

seguem <strong>um</strong>a rotina secularmente mantida como padrão para o alcance <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> Justiça a ser alcançada futuramente, vincula<strong>do</strong> ao mentecapto adágio<br />

<strong>de</strong> que o Brasil é <strong>um</strong> país <strong>do</strong> futuro.<br />

Essa condição imposta pela instituição estatal conserva-se<br />

insubordinadamente, mesmo contrarian<strong>do</strong> sua missão-fim, mesmo que esse <strong>po<strong>de</strong>r</strong><br />

esteja alicerça<strong>do</strong> na ausência <strong>de</strong> razão emancipada e que seria condição primordial<br />

para o exercício da soberania <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça estabelecida em simetria com <strong>do</strong>s<br />

reais interesses e fundamentos da própria lei.<br />

Esse tribunal, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es, traz <strong>um</strong>a simbologia<br />

kantiana, a concepção <strong>de</strong> “tribunal da razão”, pois a especulativida<strong>de</strong> tem <strong>de</strong><br />

justificar-se em comunhão com a Justiça das leis, segun<strong>do</strong> Rouanet (2003, p. 163):


298<br />

[...] o êxito foi tão completo que, em 1775, Malesherbes podia dizer, em seu<br />

discurso <strong>de</strong> recepção na Aca<strong>de</strong>mia: “Surgiu <strong>um</strong> tribunal in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es que to<strong>do</strong>s os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es respeitam, que aprecia to<strong>do</strong>s os<br />

talentos, que se pronuncia sobre todas as pessoas <strong>de</strong> mérito’. A mesma<br />

i<strong>de</strong>ia é repetida <strong>por</strong> Con<strong>do</strong>rcet, em plena Revolução: ‘Formou-se <strong>um</strong>a<br />

opinião pública, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>osa pelo número <strong>do</strong>s que a compõem, enérgica,<br />

<strong>por</strong>que to<strong>do</strong>s os motivos que a <strong>de</strong>terminam agiam ao mesmo tempo sobre<br />

to<strong>do</strong>s os espíritos. Assim, viu-se elevar, a favor da razão e da <strong>justiça</strong>, <strong>um</strong><br />

tribunal in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es, <strong>do</strong> qual era difícil enten<strong>de</strong>r algo<br />

e <strong>de</strong> que era impossível esquivar-se’. Essa opinião pública é moldada pelos<br />

intelectuais, que fazem através da palavra escrita o que os ora<strong>do</strong>res gregos<br />

e romanos faziam da palavra oral. É o que diz Malesherbes, para quem<br />

‘n<strong>um</strong> século esclareci<strong>do</strong>, em que cada cidadão po<strong>de</strong> falar à nação inteira<br />

<strong>por</strong> meio da imprensa, aqueles que têm talento <strong>de</strong> instruir os homens e o<br />

<strong>do</strong>m <strong>de</strong> comovê-los, os homens <strong>de</strong> letras, em <strong>um</strong>a palavra, são no meio <strong>do</strong><br />

público disperso o que eram os ora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Atenas e Roma no meio público<br />

reuni<strong>do</strong>’. A imprensa tem assim o <strong>do</strong>m <strong>de</strong> unificar <strong>um</strong> público que não po<strong>de</strong><br />

mais ser integra<strong>do</strong> pela oratória.<br />

O atual sistema da Justiça judiciária não garante a objetivida<strong>de</strong> e a<br />

normativida<strong>de</strong> das leis, aliás divorcia-se constantemente, <strong>um</strong>a vez que a mesma lei<br />

aquilatada em momentos e contextos diversos está sempre a receber conotações<br />

diversas da gravura <strong>de</strong> sua impressão, em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> polifonia. Para [...]<br />

(Rouanet, 2003 p. 258) “a polifonia é <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogos múltiplos, com muitas<br />

vozes, o que certamente nos protege contra <strong>um</strong>a voz única, mas não nos aproxima<br />

da verda<strong>de</strong>. Nela, muitos atores falam <strong>–</strong> mas não <strong>um</strong> com o outro”.<br />

De certo mo<strong>do</strong>, a tecnologia da <strong>inteligência</strong> escrita superou a da oralida<strong>de</strong>,<br />

uniu os povos e os fez evoluir. Tamanha foi a evolução que a referida técnica<br />

<strong>de</strong>scobriu seus <strong>limite</strong>s e tem no último século trabalha<strong>do</strong> na <strong>de</strong>scoberta da<br />

tecnologia da Inteligência Artificial para suprir os abismos cria<strong>do</strong>s <strong>por</strong> sua<br />

pre<strong>de</strong>cessora.<br />

A questão, <strong>por</strong> outro vértice, exige saber se o sistema encampa<strong>do</strong> pela atual<br />

estrutura judiciária <strong>–</strong> cuja tecnologia pre<strong>do</strong>minante em gestão e <strong>de</strong>cisão tem si<strong>do</strong><br />

objeto <strong>de</strong> questionamento <strong>–</strong> estaria buscan<strong>do</strong> ao menos harmonizar-se com a ética<br />

discursiva harberniana. 213<br />

213<br />

Conforme ilustra Rouanet: “O ponto <strong>de</strong> partida da teoria da ação comunicativa é o mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong><br />

(Lebens welt): o lugar das relações sociais espontâneas, das certezas pré- reflexivas, <strong>do</strong>s vínculos<br />

que nunca foram postos em dúvida. As relações sociais que se dão no mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> ass<strong>um</strong>em,<br />

caracteristicamente, a forma <strong>de</strong> ação comunicativa: <strong>um</strong> processo interativo, linguisticamente<br />

mediatiza<strong>do</strong>, pelo qual os indivíduos coor<strong>de</strong>nam seus projetos <strong>de</strong> ação e organizam suas ligações<br />

recíprocas. Na comunicação normal, invocamos sempre, implicitamente, pretensões <strong>de</strong> valida<strong>de</strong><br />

(Gultigkeitsanspruche) com relação a to<strong>do</strong>s os enuncia<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong> falamos, estamos sempre<br />

asseveran<strong>do</strong>, tacitamente, que nossas afirmações sobre fatos e acontecimentos verda<strong>de</strong>iros, que a<br />

norma subjacente ao enuncia<strong>do</strong> linguístico é justa, e que a expressão <strong>do</strong> nosso sentimento é veraz.<br />

Na comunicação que se dá no mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong>, as três pretensões <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> se entrelaçam. O


299<br />

As discussões cognitivas problematizam as teorias e as normas na sua<br />

condição <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> no cotidiano, o que acaba tornan<strong>do</strong> o sistema instável<br />

diante da insegurança constituída pela ausência <strong>de</strong> garantia, quan<strong>do</strong> da<br />

reconstrução da norma segun<strong>do</strong> a técnica hermenêutica interpretativa utilizada na<br />

oralida<strong>de</strong> e/ou na escrita.<br />

Esse problema advém da linguagem e da operacionalida<strong>de</strong> pela qual o Direito<br />

se canaliza para aten<strong>de</strong>r à Justiça. Os fatos, <strong>por</strong> sua vez, passam <strong>por</strong> <strong>um</strong>a condição<br />

crítica hipotética <strong>de</strong> discussão, investigação, avaliação e julgamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz,<br />

que atua entre os interessa<strong>do</strong>s para validar a verda<strong>de</strong>.<br />

Isso aponta para <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada instabilida<strong>de</strong> nas relações <strong>por</strong>que o<br />

homem/ juiz se vê no <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> exercitar o juízo <strong>de</strong> compensação em enten<strong>de</strong>r que<br />

<strong>um</strong>a das partes encontra-se fragilizada. Esse ativismo ou flexibilismo <strong>judicante</strong><br />

transforma o Esta<strong>do</strong>/juiz em <strong>um</strong> interventor da vida privada, <strong>por</strong>que se subenten<strong>de</strong><br />

que a Justiça é <strong>um</strong> i<strong>de</strong>al a ser persegui<strong>do</strong> e alcança<strong>do</strong> <strong>por</strong> este ator.<br />

No campo da valida<strong>de</strong> teórico-normativa, a Justiça é fragmentada e<br />

reprocessada pela ação-problematização. Nesse aspecto, primeiro reconhece o<br />

problema apresenta<strong>do</strong> como existente e, <strong>por</strong> conseguinte, verda<strong>de</strong>iro, passan<strong>do</strong><br />

ulteriormente a ser justifica<strong>do</strong> pelas condições ou garantidas pela manutenção<br />

vigente das condições <strong>de</strong> Justiça em equação com as regras <strong>do</strong> Direito, se<br />

presentes na valida<strong>de</strong> teórico-normativa.<br />

A consensualida<strong>de</strong> entre esses méto<strong>do</strong>s valida a proposição <strong>de</strong> Justiça, como<br />

é possível inferir das lições <strong>de</strong> Rouanet (2003, p. 260). “A intersubjetivida<strong>de</strong> é<br />

simétrica e assimétrica dada a diferença na polarida<strong>de</strong> sofisticamente sustentada<br />

pela ética da arg<strong>um</strong>entação”<br />

processo comunicativo se vincula sempre a três “mun<strong>do</strong>s”: o mun<strong>do</strong> objetivo das coisas, com relação<br />

ao qual cabem pretensões <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> (Wahrheitsanspruche); o mun<strong>do</strong> social das normas e<br />

instituições, com relação às quais são invocadas pretensões <strong>de</strong> <strong>justiça</strong> (Richtigkeitsanspruche); e o<br />

mun<strong>do</strong> subjetivo das vivências e sentimentos, com relação ao qual alegam pretensões <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong><br />

(Wahrhaftigkeitsanspruche). / A coor<strong>de</strong>nação comunicativa entre os interlocutores se dá através da<br />

expectativa <strong>de</strong> que, se necessário, cada interlocutor <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á justificar essas pretensões <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>. A<br />

valida<strong>de</strong> da pretensão <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>monstrada pela consistência entre as palavras <strong>do</strong><br />

interlocutor e os seus atos. Mas no caso das outras duas, ele precisará apresentar provas e<br />

arg<strong>um</strong>entos <strong>–</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> quadro teórico geralmente aceito, no caso das proposições <strong>de</strong>scritivas,<br />

ou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m normativa existente, no caso das proposições prescritivas. Por exemplo, ele<br />

dirá que as primeiras são verda<strong>de</strong>iras <strong>por</strong>que se apoiam n<strong>um</strong>a teoria aceita sobre o mun<strong>do</strong> físico, e<br />

as segundas são corretas <strong>por</strong>que se apoiam n<strong>um</strong>a norma vigente. A situação muda quan<strong>do</strong> o que se<br />

contesta é a própria valida<strong>de</strong> da teoria ou da norma. Sua problematização requer o aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong> e o ingresso n<strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> arg<strong>um</strong>entação sui generis. É o discurso (ROUANET, Sergio<br />

Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 259)”.


300<br />

O fascista arg<strong>um</strong>ento da imparcialida<strong>de</strong> também en<strong>do</strong>ssa<strong>do</strong> pelo discurso da<br />

ética <strong>de</strong> arg<strong>um</strong>entação é o que compromete o sistema da Justiça judiciária e a torna<br />

nanica diante <strong>do</strong>s i<strong>de</strong>ais que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, sobreviven<strong>do</strong>, ou melhor, manten<strong>do</strong>-se da<br />

eloquência carismática <strong>de</strong> personagens que cor<strong>por</strong>ificam <strong>um</strong>a messiânica forma <strong>de</strong><br />

Justiça assentada em i<strong>de</strong>ologias sectárias. 214<br />

Isso <strong>de</strong>corre pela própria condição estrutura <strong>do</strong> homem enquanto ator nas<br />

relações que se apresenta, como bem esclarece Marx e Hillix (2008, p.19).<br />

O ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> recebe <strong>um</strong> curso semelhante <strong>de</strong> a<strong>de</strong>stramento no que<br />

concerne a observação. Ele passará a olhar alguns aspectos <strong>do</strong>s objetos e<br />

eventos como significativos e outros como insignificantes. Diferentes<br />

culturas dão a seus membros diferentes cursos <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> da observação;<br />

exemplos impressionantes, para os cidadãos <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, <strong>por</strong><br />

exemplo, são as n<strong>um</strong>erosas espécies <strong>de</strong> neve que os esquimós po<strong>de</strong>m<br />

distinguir e a perícia <strong>do</strong>s pigmeus para seguir o rastro <strong>de</strong> <strong>um</strong> animal.<br />

Infelizmente, não é muito provável que o cientista se impressione com a sua<br />

própria e extraordinária sensibilida<strong>de</strong> para certos aspectos <strong>do</strong>s eventos ou<br />

com a sua igualmente notável sensibilida<strong>de</strong>, em alguns casos. É difícil<br />

avaliar as nossas próprias peculiarida<strong>de</strong>s, a menos que possamos comparar<br />

o nosso com<strong>por</strong>tamento com os <strong>de</strong> outros.<br />

A Justiça precisa libertar-se da condição judiciária. Essa conotação <strong>de</strong>u-se<br />

<strong>por</strong>que a instituição <strong>–</strong> como local ocupa<strong>do</strong> <strong>por</strong> atores <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s, como seres livres<strong>–</strong><br />

se encarregou <strong>de</strong> transferir suas vicissitu<strong>de</strong>s a <strong>um</strong>a Justiça que tem <strong>um</strong>a artimética<br />

em <strong>um</strong> Direito enquanto realização consensual <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> científica <strong>de</strong><br />

legisla<strong>do</strong>res.<br />

Nesse ponto, ela é objetiva inegavelmente em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> consenso <strong>de</strong> seus<br />

membros. A tecnologia da Inteligência Artificial é <strong>um</strong> “meio” que garante os fins, e<br />

esses justificam o “meio” escolhi<strong>do</strong> como mecanismo/instr<strong>um</strong>ento capaz <strong>de</strong> cingir o<br />

Direito e a Justiça em <strong>um</strong>a linguagem a<strong>de</strong>quada, segura e útil, na concretização <strong>do</strong>s<br />

valores angulares conquista<strong>do</strong>s e consagra<strong>do</strong>s pela espécie h<strong>um</strong>ana.<br />

214<br />

Conforme <strong>de</strong>staca Rouanet: “C<strong>um</strong>pre observar, preliminarmente, que a simples afirmação <strong>de</strong> que<br />

os valores <strong>de</strong> “nossa” cultura <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>sativa<strong>do</strong>s durante a observação não garante <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

alg<strong>um</strong> que esse resulta<strong>do</strong> seja alcança<strong>do</strong>. To<strong>do</strong>s sabemos que na prática nenh<strong>um</strong> observa<strong>do</strong>r<br />

consegue, realmente, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> avaliar, mesmo quan<strong>do</strong> julga estar apenas <strong>de</strong>screven<strong>do</strong>, e que nessa<br />

avaliação os preconceitos culturais; mesmo inconscientemente, <strong>de</strong>sempenham <strong>um</strong> papel <strong>de</strong>cisivo. O<br />

relativismo meto<strong>do</strong>lógico se baseia n<strong>um</strong>a ficção, e se expõe aos mesmos impasses <strong>do</strong> positivismo:<br />

agir como se todas as culturas fossem equivalentes e como se <strong>de</strong>ntro da mesma cultura to<strong>do</strong>s os<br />

elementos fossem váli<strong>do</strong>s não oferece nenh<strong>um</strong>a garantia <strong>de</strong> que na prática essa ficção possa manterse<br />

(ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das<br />

Letras, 2003, p. 264)”.


301<br />

12 PROCESSO CIVIL E SEUS ASPECTOS RELEVANTES SEMPRE IMANENTES<br />

12.1 Aspectos principiológicos <strong>do</strong> processo<br />

O Processo é <strong>um</strong> bem: se <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a <strong>um</strong> bom fim ou aos fins das causas<br />

que forjaram sua existência instr<strong>um</strong>ental, terá atingi<strong>do</strong> o objeto que é fazer com que<br />

a processualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu sistema garanta a reparação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ameaça e/ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

lesão <strong>de</strong> Direito quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua ocorrência.<br />

Atualmente, ou melhor, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as décadas para cá, <strong>passo</strong>u-se a exigir que<br />

seja o processo repensa<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma não meramente residual, mas científica, com a<br />

preocupação voltada para que sua estrutura <strong>–</strong> no que concerne à sua precípua<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>–</strong> alcance a concretização material no território <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Direito.<br />

Esse com<strong>por</strong>tamento representa <strong>um</strong>a tendência natural <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong><br />

mais madura, que passa a exigir a plena funcionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

interpretação mais rente da realida<strong>de</strong> sociológica entre Esta<strong>do</strong>, socieda<strong>de</strong>, Direito e<br />

Justiça. 215 A concepção <strong>de</strong> processo é estofada pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> solução ou <strong>de</strong> “meios”<br />

a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s e úteis a este fim. Esse é seu objetivo papel, mas, para que aconteça a<br />

emancipação social, exige que aconteça <strong>um</strong>a inclusão para o aprendiza<strong>do</strong> e o<br />

aprimoramento <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s conhecimentos.<br />

215<br />

Segun<strong>do</strong> Nojiri, “Embora Émile Durkheim (1857-1917) seja consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o verda<strong>de</strong>iro funda<strong>do</strong>r da<br />

escola sociológica jurídica, foi Eugen Ehrlich (1862-1922) o responsável pela publicação da primeira<br />

obra sistemática sobre o assunto. O seu livro, Grundlegung <strong>de</strong>r Soziologie <strong>de</strong>s Rechts (Fundamentos<br />

da sociologia <strong>do</strong> <strong>direito</strong>), que inaugurou, <strong>de</strong> fato, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> caminho para <strong>um</strong>a ciência social <strong>do</strong> Direito,<br />

é consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>por</strong> alguns como o maior trabalho da sociologia jurídica escrito até hoje. / Para Ehrlich<br />

não é o Esta<strong>do</strong> o único responsável pela criação <strong>do</strong> Direito; na realida<strong>de</strong>, a maior parte <strong>do</strong> Direito<br />

encontra-se no seio da socieda<strong>de</strong>, entre as relações sociais, como o matrimônio, a família, os<br />

contratos, etc. Em sua concepção, a norma jurídica está condicionada pela socieda<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> sua<br />

aplicação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>um</strong> pressuposto social. Esse precursor da sociologia <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong>fendia a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o centro <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Direito não se encontra na legislação, nem<br />

na ciência jurídica, nem na jurisprudência, mas na própria socieda<strong>de</strong> (NOJIRI, Sergio. A<br />

interpretação judicial <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2005, p. 59)”.


302<br />

Pois, assim, as ações com<strong>por</strong>tamentais com a produtivida<strong>de</strong> apontada para<br />

os reclamos e as regularizações das questões processuais ainda <strong>por</strong> se<br />

concretizarem serão perceptivamente notadas. A esse respeito, em diálogo com<br />

Dinamarco (2009, p. 22), é possível compreen<strong>de</strong>r melhor a partir <strong>de</strong> seu magistério:<br />

É preciso, no entanto, não se ofuscar tanto com o brilho <strong>do</strong>s princípios nem<br />

se ver na obcecada imposição <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s e cada <strong>um</strong> a chave mágica da<br />

Justiça, ou o mo<strong>do</strong> infalível <strong>de</strong> evitar in<strong>justiça</strong>s. Nem a segurança jurídica,<br />

supostamente propiciada <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> absoluto <strong>por</strong> eles, é <strong>um</strong> valor tão eleva<strong>do</strong><br />

que legitime <strong>um</strong> fechar <strong>de</strong> olhos aos reclamos <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo rápi<strong>do</strong>, ágil<br />

e realmente capaz <strong>de</strong> eliminar conflitos, propician<strong>do</strong> soluções válidas e<br />

invariavelmente úteis.<br />

lavra:<br />

E complementa assertivamente o mesmo autor, em trecho contínuo <strong>de</strong> sua<br />

A a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong>ssa premissa meto<strong>do</strong>lógica manda, em primeiro lugar, que<br />

to<strong>do</strong>s os princípios e garantias constitucionais sejam havi<strong>do</strong>s como<br />

penhores da obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s justos, sem receber <strong>um</strong> culto fetichista<br />

que <strong>de</strong>sfigura o sistema. Manda também que eles sejam interpreta<strong>do</strong>s<br />

sistematicamente e em consonância com os valores vigentes ao tempo da<br />

interpretação.<br />

Muitas vezes é preciso sacrificar a pureza <strong>de</strong> <strong>um</strong> princípio, como meio <strong>de</strong><br />

oferecer tutela jurisdicional efetiva e suficientemente pronta ou tempestiva; muitas<br />

vezes, também, é preciso ler <strong>um</strong>a Garantia Constitucional à luz <strong>de</strong> outra, ou outras,<br />

sob pena <strong>de</strong> conduzir o processo e os Direitos <strong>por</strong> r<strong>um</strong>os in<strong>de</strong>sejáveis. A<br />

interpretação, nesse senti<strong>do</strong>, precisa ser bem feita, mais <strong>do</strong> bem falada, como já<br />

dizia Benjamim Franklin. 216 A ansieda<strong>de</strong>, ou melhor, o excesso <strong>de</strong> proteção, muitas<br />

vezes atrofia ou até mesmo fulmina o próprio “Ser” <strong>–</strong> o <strong>de</strong>stinatário <strong>do</strong>s Direitos e<br />

das Garantias Fundamentais <strong>–</strong> que se põe a proteger, no caso, em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a estrutura normativa em que a Constituição il<strong>um</strong>ina o melhor caminho a<br />

palmilhar, é ínsito que seja a tomada das <strong>de</strong>cisões realizada a partir <strong>de</strong>sta Lei Maior.<br />

216<br />

Para Nojiri, ”Por consi<strong>de</strong>rar insuficiente o Direito. Esse conceito, que ele próprio chegou a<br />

reconhecer trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a inovação “imprecisa e fecunda”, foi, pela primeira vez, emprega<strong>do</strong> no<br />

Direito <strong>por</strong> <strong>um</strong> alemão <strong>de</strong> nome Run<strong>de</strong>. Escuda<strong>do</strong> nesse autor, Gény afirma que os elementos<br />

factuais <strong>de</strong> toda organização social trazem consigo as condições <strong>de</strong> equilíbrio, revelan<strong>do</strong> ao<br />

investiga<strong>do</strong>r atento a norma que <strong>de</strong>ve aplicar. Todavia, adverte que, para o preenchimento das<br />

lacunas, não basta apenas consi<strong>de</strong>rar as circunstâncias <strong>de</strong> fato submetidas ao conhecimento <strong>do</strong> juiz,<br />

sen<strong>do</strong> necessário não per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> Justiça e a utilida<strong>de</strong> com<strong>um</strong> que o legisla<strong>do</strong>r<br />

procurou atingir (NOJIRI, Sergio. A interpretação judicial <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s<br />

Tribunais, 2005, p. 63)”.


303<br />

Todavia, o que se tem enfrenta<strong>do</strong> no dia a dia conspira contra a flui<strong>de</strong>z <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

sistema que, a partir <strong>de</strong> sua pedra angular, fonte <strong>de</strong> inspiração da interpretação <strong>do</strong><br />

or<strong>de</strong>namento jurídico, tenha <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> em fazer com que inclusive os<br />

Direitos e as Garantias Fundamentais sejam não somente preserva<strong>do</strong>s, mas<br />

c<strong>um</strong>pri<strong>do</strong>s materialmente.<br />

Os princípios Constitucionais em vários <strong>do</strong>s seus coman<strong>do</strong>s representam as<br />

bases <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> Processual Constitucional, exaustivamente perfilha<strong>do</strong> no<br />

capítulo e seus subitens 10, 10.1 e 10.2 da presente pesquisa.<br />

No entanto, o que se tem colhi<strong>do</strong> da interpretação <strong>do</strong>s dispositivos na<br />

tentativa <strong>de</strong> fazer com que o Esta<strong>do</strong> Constitucional se concretize, <strong>de</strong> <strong>um</strong> certo mo<strong>do</strong><br />

é o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong>sse eixo Maior. Infelizmente, tem-se afasta<strong>do</strong> da i<strong>de</strong>ologia<br />

proposta e sedimentada no bojo Constitucional, diante da insegurança, da ineficácia<br />

e da incerteza <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça emperrada pela dinâmica <strong>de</strong> funcionamento <strong>um</strong> tanto<br />

morosa e imprevisível.<br />

O problema neste cotejo <strong>por</strong> certo não está nos princípios e no sistema após<br />

sua existência concebida <strong>por</strong> meio <strong>do</strong> processo legítimo da casa legislativa ou, às<br />

vezes, até mesmo <strong>de</strong> forma anômala em trabalho integrativo oriunda das <strong>de</strong>cisões<br />

judiciais, <strong>por</strong>ém é possível que a melhor i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> leis quanto à sua<br />

sistematização não mais seja essa.<br />

O sistema exige certo <strong>de</strong>sapego e, em alguns momentos pela<br />

conscientização, como bem alerta<strong>do</strong> <strong>por</strong> Dinamarco <strong>de</strong> “<strong>um</strong> fechar <strong>de</strong> olhos aos<br />

reclamos <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo rápi<strong>do</strong>, ágil e realmente capaz <strong>de</strong> eliminar conflitos,<br />

propician<strong>do</strong> soluções válidas e invariavelmente úteis”, entretanto, às vezes,<br />

in<strong>de</strong>sejavelmente não resolvi<strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> aos preconceitos que cultivam as falsas<br />

verda<strong>de</strong>s, muitas vezes intransponíveis, em <strong>de</strong>corrência das amarras <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

tradição, já em vias <strong>de</strong> ruptura.


304<br />

Semelhante com<strong>por</strong>tamento ofusca a luz <strong>de</strong> nova alternativas. Talvez esse<br />

verniz incorrigível tenha, como <strong>um</strong>a cela<strong>do</strong>ra, bloquea<strong>do</strong> a mente da espécie<br />

h<strong>um</strong>ana responsável <strong>por</strong> dar as notas <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo simplifica<strong>do</strong>, objetivo e<br />

rápi<strong>do</strong>, sem que tenha volitivamente concorri<strong>do</strong> com culpa.<br />

O <strong>do</strong>gmatismo processual tal como outros vícios com os quais a espécie<br />

h<strong>um</strong>ana frágil se vê, <strong>um</strong>a vez <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio, encarregou-se <strong>de</strong> colocá-lo em<br />

relativização, para <strong>de</strong>finir-se <strong>um</strong>a postura flexível em busca <strong>de</strong> sanear as infindáveis<br />

discussões sem mesmo dar conta <strong>do</strong> sofrimento amarga<strong>do</strong> pelos seus reais e mais<br />

necessita<strong>do</strong>s <strong>de</strong>stinatários. Para Arendt (2003, p. 33),<br />

Todas as interpretações pressupõem, <strong>de</strong> forma tácita, que só po<strong>de</strong>m exigir<br />

juízos <strong>do</strong>s homens on<strong>de</strong> eles possuem parâmetros; que a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

discernimento não seja nada mais <strong>do</strong> que a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agregar, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> correto e a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, o isola<strong>do</strong> ao geral que lhe correspon<strong>de</strong> e sobre o<br />

qual se chegou a <strong>um</strong> acor<strong>do</strong>.<br />

Assim sen<strong>do</strong>, os princípios Constitucionais são vincula<strong>do</strong>s ao Processo Civil<br />

Constitucional, segun<strong>do</strong> Baptista da Silva (2010, p. 41) “O relacionamento <strong>do</strong> <strong>direito</strong><br />

processual civil com o <strong>direito</strong> constitucional é, <strong>por</strong> assim dizer, o mais intenso e<br />

marcante”, e disso se tem que a reciprocida<strong>de</strong> se mantém na mesma intensa e reta<br />

direção, <strong>por</strong>ém exige <strong>um</strong>a leitura e <strong>um</strong>a interpretação voltadas para a libertação <strong>do</strong>s<br />

Direitos.<br />

Somente a partir <strong>de</strong>les é que as garantias po<strong>de</strong>m encontrar-se em locais<br />

seguros. No âmbito <strong>do</strong> Direito Processual, é vital que os “meios” insculpi<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

inciso LXXVIII da Lei Maior tenham (os meios) reconhecida interpretação <strong>de</strong> que a<br />

tecnologia é <strong>um</strong> “meio” <strong>de</strong>ntre os “meios” capaz <strong>de</strong> dar a solução efetiva à<br />

morosida<strong>de</strong>, à incerteza e à imprevisibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema processual.<br />

O sistema processual precisa ser refunda<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s conhecimentos,<br />

cuja missão é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver outro sistema para a mediação <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça, em <strong>um</strong>a outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tecnologia em <strong>inteligência</strong> ao enfrentamento<br />

da nova Era social. 217<br />

217<br />

Esse entendimento é extraí<strong>do</strong> <strong>de</strong> Fux: “A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>por</strong> sua vez, no art. 37 consagra o<br />

princípio da eficiência na administração pública, princípio que se impõe a to<strong>do</strong>s os Po<strong>de</strong>res, inclusive,<br />

<strong>por</strong> óbvio, ao Judiciário. Um processo ineficiente, <strong>por</strong>tanto, é inconstitucional, ferin<strong>do</strong> as garantias<br />

fundamentais <strong>do</strong> acesso à Justiça e <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal (art. 5º, inc. XXXV e LIV da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral). Relembrem-se as palavras <strong>de</strong> Canotilho <strong>de</strong> que a proteção jurídica <strong>do</strong>s tribunais implica a<br />

garantia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a produção eficaz. / Im<strong>por</strong>ta dispensarmos o processo civil da ótica positivista, para<br />

começarmos a pensá-lo sob o pós-positivismo, fazen<strong>do</strong> sua filtragem constitucional pela <strong>do</strong>gmática


305<br />

Para Fux, em arremate, é conveniente, <strong>de</strong>ixar esboçada a valoração dada aos<br />

aspectos principiológicos da Constituição <strong>de</strong> 1988, para que não haja quaisquer<br />

dúvidas sobre a orientação principiológica que <strong>de</strong>ve balizar o Processo Civil no<br />

plano da materialida<strong>de</strong>, consagran<strong>do</strong>, assim, os fundamentos da razão <strong>do</strong>s<br />

princípios. 218<br />

O processo é trinômio <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong>, constitucionalida<strong>de</strong> e<br />

assertivida<strong>de</strong> em coalisão pelo efetivo resulta<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> tais valores preserva<strong>do</strong>s,<br />

protegi<strong>do</strong>s e garanti<strong>do</strong>s, e consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> não existir restrição quanto aos aspectos<br />

formais. Há espaço para consolidar-se como mecanismo alternativo <strong>por</strong> intermédio<br />

da tecnologia em Inteligência Artificial, superan<strong>do</strong> os estágios <strong>de</strong> armazenamento e<br />

a gestão <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s para atuar como sistema <strong>de</strong> auxilio, mediação e <strong>de</strong>cisão.<br />

principialista. / Im<strong>por</strong>ta inserir no diploma processual civil a principiologia consagrada na Constituição<br />

<strong>de</strong> 1988, através da qual os princípios <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser regra secundárias para se transformarem em<br />

norma superiores, orientan<strong>do</strong> a interpretação das leis; não sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>mais repetir as palavras <strong>de</strong><br />

Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo <strong>de</strong> que no conflito entre a norma e o princípio, <strong>de</strong>ve optar <strong>por</strong> este (FUX, Luiz (Org).<br />

O <strong>novo</strong> processo civil brasileiro: <strong>direito</strong> em expectativa: reflexões acerca <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> <strong>novo</strong> código<br />

<strong>de</strong> processo civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2011, p. 174)”.<br />

218<br />

“Por princípios sempre se enten<strong>de</strong>u a origem, o ponto <strong>de</strong> partida, aquilo <strong>de</strong> que <strong>de</strong>riva a outra<br />

coisa: principi<strong>um</strong> est prim<strong>um</strong> a quo aliu<strong>do</strong>ritur. / Como emprega<strong>do</strong> nas ciências h<strong>um</strong>anas, e<br />

particularmente no Direito, princípio é a origem, a base, a razão fundamental que inspira certa<br />

<strong>do</strong>utrina, a qual, <strong>por</strong> sua vez, caracteriza <strong>um</strong> sistema ou influi na interpretação. A a<strong>do</strong>ção solene <strong>de</strong><br />

certo princípios, ou a sua a<strong>do</strong>ção reiterada <strong>–</strong> está sempre verificada a posteriori <strong>–</strong>, “consciente ou<br />

inconscientemente dão forma e caráter “aos sistemas”, no nosso caso, aos sistemas processuais.<br />

Afirmam Ada Pelegrini Grinover, Araújo Cintra e Dinamarco que “é <strong>do</strong> exame <strong>do</strong>s princípios gerais<br />

que informam cada sistema, que resultará qualificá-lo naquilo que tem <strong>de</strong> particular e <strong>de</strong> com<strong>um</strong> com<br />

os <strong>de</strong>mais, <strong>do</strong> presente e <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>”. / Daí a noção <strong>de</strong> síntese crítica que lhe atribuem os escritores,<br />

explican<strong>do</strong> o efeito <strong>de</strong> certas generalizações encontradas nos or<strong>de</strong>namentos e méto<strong>do</strong>s processuais.<br />

/ Princípios há dita<strong>do</strong>s <strong>por</strong> razões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática ou técnica; outros, enraiza<strong>do</strong>s na própria origem<br />

<strong>do</strong> Direito, são éticos na sua essência. Não discrepa <strong>do</strong> seu conceito, <strong>por</strong>tanto, o fato <strong>de</strong> ass<strong>um</strong>irem<br />

caráter programático ou conotações sociopolíticas, quan<strong>do</strong> circunstâncias históricas e culturais o<br />

exijam. Hoje o Direito processual civil vive a fase da instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong>, cujo i<strong>de</strong>ário concebe a<br />

jurisdição e o seu instr<strong>um</strong>ento, o processo, como meio <strong>de</strong> concretização da or<strong>de</strong>m jurídica, da<br />

pacificação da convivência h<strong>um</strong>ana e da efetivação <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s e garantias constitucionais. Procura<br />

aten<strong>de</strong>r-se ao bra<strong>do</strong> <strong>de</strong> Mauro Cappelletti: “Os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas<br />

processuais servem a funções sociais. ” Segun<strong>do</strong> a visão instr<strong>um</strong>entalista, não se concebe mais o<br />

processo como <strong>um</strong> fim em si mesmo, indiferente aos efeitos que <strong>de</strong>ve produzir em relação ao<br />

indivíduo particular, à socieda<strong>de</strong> e ao Esta<strong>do</strong>. Hoje se quer <strong>um</strong> processo civil <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s, no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a forma <strong>do</strong> procedimento só se justifica enquanto serve a apuração da verda<strong>de</strong> para a<br />

<strong>de</strong>cisão sobre o mérito <strong>do</strong> litígio ou propicia a satisfação concreta <strong>do</strong> titular <strong>do</strong> Direito em to<strong>do</strong> o seu<br />

<strong>direito</strong> e só aquilo a que tem <strong>direito</strong>, conforme <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> no título respectivo e constante <strong>do</strong> seu<br />

pedi<strong>do</strong> (FUX, Luiz (Org). O <strong>novo</strong> processo civil brasileiro: <strong>direito</strong> em expectativa: reflexões acerca<br />

<strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> <strong>novo</strong> código <strong>de</strong> processo civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2011, p. 198)”.


306<br />

12.2 A relevância Constitucional processual<br />

A participação enfática na orla processual da carta Maior tem seus históricos<br />

lastrea<strong>do</strong>s no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> consubstancializa<strong>do</strong> em seu processo <strong>de</strong> evolução.<br />

Pelo <strong>limite</strong> <strong>do</strong> escopo <strong>do</strong> trabalho, não será realiza<strong>do</strong> <strong>um</strong> verda<strong>de</strong>iro, amplo e <strong>de</strong>nso<br />

proselitismo sobre a temática.<br />

Todavia, <strong>de</strong> forma objetiva, é possível <strong>de</strong>ixar os sinais reticulares <strong>de</strong> <strong>um</strong>a raiz<br />

cujo cerne está volta<strong>do</strong> para a relevância Constitucional e, em simetria, seus reflexos<br />

ao diploma processual civil.<br />

O Esta<strong>do</strong> Constitucional tem como principal característica a proteção e a<br />

preservação <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias fundamentais, cujos propósitos estão<br />

volta<strong>do</strong>s a fazer com que a carta política atinja a concretização <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong><br />

programático <strong>de</strong> forma substancial. 219<br />

A Constituição, em tais condições, representa não somente a limitação <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> ao Direito, como dispõe <strong>de</strong> diretrizes que habilitam as relações sociais a<br />

seguirem pressupostos que convirjam com seus reais objetivos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong> seus<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>es, <strong>de</strong>ntre eles o Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Quanto a esse Po<strong>de</strong>r, observa-se sua essencialida<strong>de</strong> não somente como<br />

guardião da or<strong>de</strong>m da carta política Maior, mas soma-se a essa missão a condição<br />

<strong>de</strong> viabiliza<strong>do</strong>r e otimiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito e da Justiça. É <strong>um</strong> Po<strong>de</strong>r no/em Direito que o<br />

legitima.<br />

219<br />

Segun<strong>do</strong> Coutinho e Silva, “O Esta<strong>do</strong> liberal, também chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> legalista ou positivista,<br />

nasceu no século XIX com a ascensão da burguesia, atendi<strong>do</strong> <strong>de</strong> movimentos filosóficos que<br />

contestavam o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> absoluto monárquico (ancien régime). / Des<strong>de</strong> a Segunda Guerra Mundial,<br />

houve toda <strong>um</strong>a evolução até chegar ao Esta<strong>do</strong> Constitucional, ou Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito Constitucional:<br />

“De governo <strong>de</strong> homens (Esta<strong>do</strong> Absoluto) evoluímos para o governo das leis (Esta<strong>do</strong> legalista) e<br />

<strong>de</strong>ste estamos nos dirigin<strong>do</strong> para o governo <strong>do</strong> Direito. / Somente com o il<strong>um</strong>inismo e o<br />

jusnaturalismo racionalista, explica Gustavo Binenbojm, é que surge o constitucionalismo mo<strong>de</strong>rno,<br />

consagran<strong>do</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> separação <strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, como forma <strong>de</strong> contê-los, e <strong>de</strong> proteção<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s individuais, “que precediam ao próprio Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong>veriam ser reconheci<strong>do</strong>s pela or<strong>de</strong>m<br />

jurídica”. / A transição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> liberal para o Esta<strong>do</strong> social trouxe <strong>um</strong>a alteração significativa na<br />

concepção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong> suas finalida<strong>de</strong>s, que, como afirma Ada PellegrineGrinover, passa a<br />

aten<strong>de</strong>r ao bem com<strong>um</strong> e a satisfazer <strong>direito</strong>s fundamentais, estes já como a segunda geração <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s fundamentais (<strong>direito</strong>s econômico-sociais, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> abstenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

substitui-se seu <strong>de</strong>ver a <strong>um</strong> dar; facere, praestare, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a atuação positiva e que<br />

realmente permitisse a fruição <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da primeira geração, assim como os <strong>novo</strong>s<br />

<strong>direito</strong>s (SILVA, Ana <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Coutinho. Motivação das <strong>de</strong>cisões judiciais. São Paulo: Atlas,<br />

2012, p. 12)”.


307<br />

A Jurisdição, como <strong>um</strong> meio pelo qual o Esta<strong>do</strong> atua para a orientação, a<br />

regulação e a pacificação social, passa a exigir que o instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> funcionamento<br />

da máquina judiciária seja fundi<strong>do</strong> sob os auspícios <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias<br />

Fundamentais.<br />

Por essa seara, busca a máxima eficiência em efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema no<br />

plano material. No entanto, para que isso aconteça, exige-se (cobra) <strong>um</strong> contínuo e<br />

constante aperfeiçoamento <strong>do</strong> sistema, <strong>por</strong>ém para sua valida<strong>de</strong> que esteja<br />

arraiga<strong>do</strong> no terreno da or<strong>de</strong>m Constitucional.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, as leis em to<strong>do</strong>s os seus aspectos, <strong>de</strong>vem submeter-se ao filtro<br />

<strong>do</strong>s elementos e <strong>do</strong>s pressupostos constitucionais <strong>–</strong> regras, princípios e diretrizes <strong>–</strong><br />

nos campos teórico e prático, para a partir <strong>de</strong> então encontrarem-se habilitadas a<br />

exercerem sua função <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> sistema judiciário. Para Scarpinella (2010, p. 124),<br />

Os “princípios constitucionais” ocupam-se especificamente com a<br />

conformação <strong>do</strong> próprio processo, assim entendi<strong>do</strong> o méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>-juiz e, <strong>por</strong>tanto, méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> exercício da função jurisdicional. São<br />

eles que fornecem as diretrizes mínimas, mas fundamentais, <strong>do</strong> próprio<br />

com<strong>por</strong>tamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-juiz. É esta a razão pela qual, no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste trabalho, a menção à expressão “mo<strong>de</strong>lo<br />

constitucional <strong>do</strong> processo civil”, sem qualquer ressalva, quer se referir mais<br />

especificamente a este primeiro grupo <strong>de</strong> normas, o relativo aos “princípios<br />

constitucionais <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual civil”, a <strong>um</strong>a das partes, pois, que<br />

integram o “mo<strong>de</strong>lo constitucional <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual civil”<br />

A Constituição é fôrma para a fecundação, a certificação e a regulação, e isso<br />

faz com que os opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma geral passem sempre a<br />

posicionar-se criticamente a qualquer alteração ao sistema.<br />

De <strong>um</strong>a forma ou <strong>de</strong> outra, trouxe <strong>um</strong> maior senso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

quan<strong>do</strong> das alterações, <strong>do</strong>s acréscimos ou das supressões <strong>de</strong> ferramentas legais na<br />

estrutura or<strong>de</strong>namental em qualquer hierarquia. 220 Dessa forma, sen<strong>do</strong> o processo<br />

220<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, é esclarece<strong>do</strong>r Dinamarco: “Um significativo fator <strong>de</strong> abertura para as<br />

preocupações éticas com o processo foi o crescimento <strong>do</strong> interesse <strong>de</strong> parte da <strong>do</strong>utrina pelos temas<br />

constitucionais <strong>do</strong> processo civil e verda<strong>de</strong>ira imersão <strong>de</strong> alguns no <strong>direito</strong> processual constitucional.<br />

Enquanto os processualistas permanecessem no estu<strong>do</strong> puramente técnico-jurídico <strong>do</strong>s institutos e<br />

mecanismos processuais, confinan<strong>do</strong> suas investigações ao âmbito interno <strong>do</strong> sistema, era natural<br />

que prosseguissem ven<strong>do</strong> nele mero instr<strong>um</strong>ento técnico e houvessem <strong>por</strong> correta a afirmação <strong>de</strong><br />

sua indiferença ética. Quan<strong>do</strong> passa ao confronto das normas e institutos <strong>do</strong> processo com as<br />

gran<strong>de</strong>s matrizes político-constitucionais a que estão filia<strong>do</strong>s, é, todavia,natural que o estudioso sinta<br />

a necessida<strong>de</strong> da crítica ao sistema, inicialmente feita à luz <strong>do</strong>s princípios e garantias que a<br />

Constituição oferece e impõe <strong>–</strong> e com isso está aberto o caminho para as curiosida<strong>de</strong>s metajurídicas<br />

<strong>de</strong>correntes da conscientização <strong>do</strong>s valores que estão à base <strong>de</strong>ssas exigências constitucionais<br />

(DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Fundamentos <strong>do</strong> processo civil mo<strong>de</strong>rno. 6. ed. São Paulo:<br />

Malheiros, 2010, p. 127. v. 1)”.


308<br />

meio instr<strong>um</strong>ental <strong>de</strong> condução <strong>do</strong> Direito material para o alcance da Justiça, é<br />

condição natural que a estrutura processual esteja em harmonia com o diploma<br />

Constitucional para sua valida<strong>de</strong> funcional.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema, inclusive após a emenda 45/2004,<br />

observou-se <strong>um</strong>a busca significativa no melhoramento da organização da estrutura<br />

jurisdicional e <strong>de</strong> seu aparelhamento.<br />

É perceptível a ansieda<strong>de</strong>. A produção legislativa em ascensão indica ou<br />

carência <strong>de</strong> lei (s) ou, <strong>por</strong> <strong>um</strong> outro la<strong>do</strong>, certa <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> como dar juridicida<strong>de</strong><br />

na medida certa, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> cuja territorialida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica<br />

apresentam-se com inescusável gigantismo.<br />

As mudanças tiveram o intuito <strong>de</strong> fortalecer o Po<strong>de</strong>r Judiciário, dan<strong>do</strong><br />

melhores condições <strong>de</strong> funcionamento, com isso crian<strong>do</strong> e <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong><br />

mecanismos <strong>de</strong> controle, <strong>de</strong> distribuição, <strong>de</strong> racionalização e <strong>de</strong> sistematização <strong>do</strong><br />

funcionamento <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, em busca <strong>de</strong> dar mais efetivida<strong>de</strong> à prestação<br />

<strong>do</strong>s serviços da Justiça. Para Nelson Jobim (2015, p. 88),<br />

O CNJ surge como órgão <strong>de</strong> controle integrante da própria estrutura <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, embora não composto exclusivamente <strong>por</strong> magistra<strong>do</strong>s.<br />

Na sua posição o CNJ reflete todas as vertentes <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário através<br />

da inclusão <strong>de</strong> representantes <strong>de</strong> seus órgãos <strong>de</strong> cúpula. De outra parte,<br />

como forma <strong>de</strong> afastar, <strong>de</strong>finitivamente, qualquer risco <strong>de</strong> tendência<br />

cor<strong>por</strong>ativista proveniente da monopolização <strong>do</strong> controle pelos próprios<br />

membros da magistratura, a EC nº 45 incluiu representantes <strong>do</strong> Congresso<br />

Nacional, <strong>do</strong> Ministério Público e da Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil (OAB).<br />

Assim, a questão da “separação <strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es” <strong>de</strong>sapareceu, pois o <strong>novo</strong><br />

órgão integra o mesmo <strong>po<strong>de</strong>r</strong>.<br />

A constitucionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema e seu regular funcionamento são<br />

fundamentais para que o projeto <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Constitucional ou Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito<br />

Constitucional possa alcançar a cristalização <strong>do</strong>s objetivos i<strong>de</strong>ologicamente<br />

pretendi<strong>do</strong>s com a gestão <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> Constitucional. 221<br />

221<br />

Segun<strong>do</strong> Dinamarco, “É natural que <strong>um</strong>a Reforma Constitucional <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário atue com<br />

expressiva intensida<strong>de</strong> sobre a or<strong>de</strong>m processual, dada a notória filiação <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual à<br />

Constituição e dada a íntima relação existente entre os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> exercício da jurisdição e a<br />

configuração funcional <strong>do</strong>s órgãos e organismos que a exercem (organização judiciária). Só isso<br />

bastaria para que a emenda constitucional n. 45, <strong>de</strong> 08 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2004, responsável pela<br />

chamada Reforma <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, tivesse relevante atuação sobre o sistema <strong>do</strong> processo<br />

brasileiro, ao menos como reflexo das alterações impostas à estrutura e ao funcionamento <strong>do</strong>s<br />

organismos jurisdicionais. Mas também diretamente a emenda atuou sobre o processo civil, ditan<strong>do</strong><br />

<strong>um</strong>a série <strong>de</strong> regras tipicamente processuais relevantes (DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel.<br />

Fundamentos <strong>do</strong> processo civil mo<strong>de</strong>rno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 197. v. 1)”.


309<br />

Além das alterações promovidas pela reforma noticiada no âmbito processual,<br />

em breve digressão a partir <strong>de</strong> 1988, observa-se que traz a lei Maior princípios que<br />

balizam to<strong>do</strong> o funcionamento <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o sistema, dan<strong>do</strong> expressiva im<strong>por</strong>tância,<br />

para que a Justiça se torne <strong>de</strong> fácil acessibilida<strong>de</strong>, célere e eficaz.<br />

Acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, aufere-se a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estar sempre em<br />

conformida<strong>de</strong> e vinculação com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral ou é simplesmente<br />

inconstitucional. 222<br />

É tamanha a relevância da Constituição no cenário judiciário pátrio não só<br />

<strong>por</strong>que o diploma cristaliza e evoca <strong>–</strong> sempre que insta<strong>do</strong> <strong>–</strong> as conquistas históricas<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, mas <strong>por</strong>que não <strong>de</strong>ixa dúvidas <strong>de</strong> que<br />

os preceitos Constitucionais são irrenunciáveis e inegociáveis.<br />

Sem processo, <strong>por</strong>ém, em haven<strong>do</strong> a Constituição, já se revela o suficiente<br />

para, a partir <strong>de</strong>ssa carta política, tratar <strong>de</strong> quaisquer controvérsias ou conflitos <strong>de</strong><br />

Direito, <strong>por</strong>ém, sem Constituiçao, sequer haverá que se cogitar a existência <strong>de</strong><br />

processo.<br />

Isso se dá <strong>por</strong> força da essencialida<strong>de</strong> da Lei Maior na manutenção da or<strong>de</strong>m<br />

justa e, consequentemente, <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento no <strong>de</strong>senho, na estruturação e<br />

toda evolução da legislação processual.<br />

O <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> CPC tem alberga<strong>do</strong> <strong>de</strong>staque <strong>por</strong> trazer em seu bojo <strong>de</strong><br />

forma expressa os princípios constitucionais como dispositivos essenciais que<br />

<strong>de</strong>vem nortear sempre em primeira chamada ou nota, to<strong>do</strong>s os atos pertinentes ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento váli<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo.<br />

222<br />

Para Scarpinella Bueno, “Assim, além <strong>de</strong> o processo ter <strong>de</strong> “ser” conforme ao mo<strong>de</strong>lo<br />

constitucional <strong>do</strong> processo, ele <strong>de</strong>ve ser interpreta<strong>do</strong> e aplica<strong>do</strong> com os olhos volta<strong>do</strong>s à realização<br />

concreta <strong>de</strong> valores e situações jurídicas que são a ele exteriores, passan<strong>do</strong>, necessariamente, pelos<br />

valores que a própria Constituição exige que, pelo processo, sejam <strong>de</strong>vidamente realiza<strong>do</strong>s. / Dos<br />

diversos princípios <strong>do</strong> processo civil, pensamos que, para os fins <strong>do</strong> presente trabalho, <strong>do</strong>is <strong>de</strong>vem<br />

ser coloca<strong>do</strong>s em primeiro plano: o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal (CF, art. 5º, LIV) e o <strong>do</strong> contraditório e da<br />

ampla <strong>de</strong>fesa (CF, art. 5º, LV). / Ainda que haja autores que reputam suficiente a previsão <strong>do</strong><br />

princípio <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal, <strong>por</strong>que to<strong>do</strong>s os outros princípios seriam <strong>de</strong>le <strong>de</strong>correntes, não há<br />

como negar a explícita opção política <strong>do</strong> <strong>direito</strong> brasileiro quanto à previsão expressa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a série <strong>de</strong><br />

princípios <strong>do</strong> processo civil, ainda que eles possam, em cada caso concreto, ter incidência conjunta. /<br />

Im<strong>por</strong>tante<strong>de</strong>stacar, a propósito, que os princípios constitucionais <strong>do</strong> processo são da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Direito<br />

positivo. Longe <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r suscitar questões típicas da filosofia <strong>do</strong> Direito ou da teoria geral <strong>do</strong><br />

Direito nesta se<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong>mos duvidar <strong>de</strong> que esses princípios, embora sejam valores, são “<strong>direito</strong><br />

positivo”, “<strong>direito</strong> posto”, e, <strong>por</strong> isso mesmo, nada têm <strong>de</strong> metafísico ou, quan<strong>do</strong> menos, <strong>de</strong><br />

metajurídico. Eles, como normas jurídicas que são, vinculam o intérprete e o aplica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito<br />

(BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: <strong>um</strong> terceiro enigmático.<br />

2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 45)”.


310<br />

Esse caráter pedagógico <strong>de</strong> sistematização <strong>do</strong> processo <strong>de</strong>monstra a<br />

relevância e, ao mesmo tempo, reforça os valores principiológicos e regratológicos<br />

insculpi<strong>do</strong>s na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, convidan<strong>do</strong> seus opera<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>stinatários a<br />

exercitá-los diuturnamente no ambiente teórico e prático <strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

O com<strong>por</strong>tamento regulatório Constitucional filtra molecularmente o processo<br />

em todas as suas etapas, buscan<strong>do</strong> garantir ao sistema processual transparência<br />

pública no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> maior coerência. Esse compromisso com o Direito conspira em<br />

favor da assertiva Justiça Constitucional. 223 A Constituição nesse processo é norma<br />

inspira<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> regulação, <strong>por</strong>tanto, sua relevância <strong>de</strong> direção traduz-se na<br />

obrigatorieda<strong>de</strong> vinculativa das <strong>de</strong>mais normas em estarem em simetria com seus<br />

propósitos ou se terá inconstitucionalida<strong>de</strong> reflexa. Para o sistema processual, a CF<br />

oferta mecanismos/instr<strong>um</strong>entos genuínos <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> seus princípios e regras que<br />

catalisam <strong>um</strong> processo constitucionaliza<strong>do</strong>.<br />

Portanto, qualquer técnica processual que germine <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

instituto obrigatoriamente é criteriosamente perfilha<strong>do</strong> pelo diploma Constitucional<br />

para a análise e a avaliação <strong>de</strong> sua compatibilida<strong>de</strong>, seus efeitos e reflexos aos<br />

Direitos e às Garantias Fundamentais.<br />

223<br />

Segun<strong>do</strong> Nojiri, “O Direito regula sua própria criação, na medida em que <strong>um</strong>a norma jurídica<br />

<strong>de</strong>termina o mo<strong>do</strong> em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa norma.<br />

Como <strong>um</strong>a norma jurídica é válida <strong>por</strong> ser criada <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> <strong>por</strong> outra norma jurídica, esta<br />

é o fundamento <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> daquela. A relação entre a norma que regula a criação <strong>de</strong> outra norma e<br />

essa outra norma po<strong>de</strong> ser apresentada como <strong>um</strong>a relação <strong>de</strong> supra e infraor<strong>de</strong>nação, que é figura<br />

espacial da linguagem. A norma que <strong>de</strong>termina a criação <strong>de</strong> outra norma é a norma superior. A or<strong>de</strong>m<br />

jurídica, especialmente a or<strong>de</strong>m jurídica cuja personificação é o Esta<strong>do</strong>, é, <strong>por</strong>tanto, não <strong>um</strong> sistema<br />

<strong>de</strong> normas coor<strong>de</strong>nadas entre si, que se acham, <strong>por</strong> assim dizer, la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong>, no mesmo nível, mas<br />

<strong>um</strong>a hierarquia <strong>de</strong> diferentes níveis <strong>de</strong> normas (NOJIRI, Sergio. A interpretação judicial <strong>do</strong> <strong>direito</strong>.<br />

São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2005, p. 73)”.


311<br />

13 PROCESSO CIVIL E SEU NOVO-REFORMADO ESTATUTO<br />

13.1 Os aspectos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estrutura ao <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> CPC<br />

O segre<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> bom começo tem reduzi<strong>do</strong> a simplicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s bons<br />

ensinamentos. É <strong>de</strong>sse bom senso que os sábios têm extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimaginável o<br />

supremo contemplável.<br />

No trato <strong>do</strong> Direito processual, a seara <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estrutura <strong>do</strong> sistema<br />

processual tem concebi<strong>do</strong> inigualáveis e relevantes aspectos que <strong>de</strong>monstram a<br />

evolução <strong>de</strong>ssa ciência. Nesse senti<strong>do</strong>, Dinamarco tem contribuí<strong>do</strong> com a clareza e<br />

a objetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu magistério (2010, p. 245):<br />

O conhecimento científico <strong>do</strong> Direito processual e seus institutos exigem a<br />

prévia e consciente <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> certos princípios fundamentais. Não<br />

po<strong>de</strong> o processualista, como <strong>de</strong> resto cientista alg<strong>um</strong> po<strong>de</strong>, dispensar-se <strong>de</strong><br />

conhecer e tomar posição acerca <strong>de</strong> regras e noções gerais e fundamentais<br />

que informam e comandam toda a disciplina que preten<strong>de</strong> <strong>do</strong>minar, dan<strong>do</strong>lhe<br />

unida<strong>de</strong> e verda<strong>de</strong>iro senti<strong>do</strong> sistemático.<br />

A história <strong>do</strong> Direito processual é <strong>um</strong> convite ao conhecimento <strong>de</strong>ssa ciência,<br />

que não po<strong>de</strong> o cientista <strong>do</strong> processo dispensar-se, ainda que en passant <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

tomar notas em agenda seria consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>um</strong> crasso equívoco, <strong>um</strong>a vez que serão<br />

balizas fundamentais durante to<strong>do</strong> o percurso da viagem jurídica. Também<br />

pro<strong>por</strong>cionarão indica<strong>do</strong>res que irão contribuir para conferir a evolução <strong>do</strong> referi<strong>do</strong><br />

instituto, auferirin<strong>do</strong> o atual estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

O processo em suas origens não gozava <strong>de</strong> autonomia e in<strong>de</strong>pendência. Não<br />

<strong>de</strong>tinha <strong>um</strong>a condição <strong>de</strong> sistema visto ser incor<strong>por</strong>a<strong>do</strong> pelo Direito Civil. Sua falta<br />

<strong>de</strong> sistematização ante a ausência em méto<strong>do</strong>s e regras procedimentais pouco<br />

assegurava as partes envolvidas nos conflitos <strong>de</strong> Direito.


312<br />

Era impossível valer-se da segurança <strong>de</strong> conceitos, regras e procedimentos<br />

claros na empreitada <strong>do</strong> esclarecimento <strong>de</strong> possíveis conflitos.Todavia, com o<br />

<strong>de</strong>scortinamento da obra <strong>de</strong> Oscar Von Bullow, como cita Dinamarco, o processo<br />

<strong>passo</strong>u a receber <strong>um</strong> <strong>novo</strong> tratamento. 224<br />

A obra tem <strong>de</strong>staque <strong>por</strong> sua característica <strong>de</strong>nunciativa quanto ao<br />

formalismo procedimental, a valoração das partes e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

protetivo garanti<strong>do</strong>r e, a par <strong>de</strong>sse contexto, dá real im<strong>por</strong>tância ao aspecto<br />

meto<strong>do</strong>lógico científico. Gesta, com isso, <strong>um</strong> sistema autônomo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong><br />

Direito substancial. Supera, nessa perspectiva, a polêmica travada entre Winscheid-<br />

Muther no que concerne à lesão e à ação enquanto Direito Público subjetivo. 225 Com<br />

a visão <strong>de</strong> Von Bullow, o caráter público <strong>do</strong> processo passa a <strong>de</strong>marcar <strong>novo</strong>s<br />

contornos, a figura <strong>do</strong> Juiz passa a ter significância para a objetiva consolidação <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça.<br />

A relação interpartes passa a conter elementos objetivos <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento a conter a exigência <strong>de</strong> certos pressupostos para a viabilida<strong>de</strong> e a<br />

valida<strong>de</strong> <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> que passa a ser <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> jurisdição disponibilizada<br />

pelo Esta<strong>do</strong> para a solução <strong>de</strong> casos.<br />

224<br />

“Mas eis que, em 1868, Oskar Von Bullow edita <strong>um</strong> livro que haveria <strong>de</strong> instaurar verda<strong>de</strong>ira<br />

revolução no Direito processual Die Lehre von <strong>de</strong>n Proce Beinren<strong>de</strong>n und die Proce<br />

B<strong>um</strong>avassetzungen). Este livro constitui verda<strong>de</strong>iro assento <strong>de</strong> nascimento da ciência processual<br />

como tal; afastan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> mero procedimentalismo sem diretrizes e certamente com os senti<strong>do</strong>s<br />

alerta<strong>do</strong>s pelas novas verda<strong>de</strong>s agitadas na polêmica que Windscheid e Murthen travaram na década<br />

antece<strong>de</strong>nte, po<strong>de</strong> Von Bullow inaugurar o estu<strong>do</strong> científico <strong>do</strong> processo (DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong><br />

Rangel. Fundamentos <strong>do</strong> processo civil mo<strong>de</strong>rno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 261)”.<br />

225<br />

Segun<strong>do</strong> Chiovenda, “É conhecida a viva polêmica <strong>de</strong> Windscheid e Muther. Este último pareceu<br />

refutar a nova teoria <strong>do</strong>s conceitos <strong>do</strong>minantes; na realida<strong>de</strong>, não fazia mais <strong>do</strong> que completá-la,<br />

<strong>de</strong>dican<strong>do</strong>-se à investigação <strong>do</strong> elemento nega<strong>do</strong> <strong>por</strong> Windscheid. A direção <strong>de</strong> tal investigação está<br />

talvez explicada pelas polêmicas então acesas sobre os <strong>direito</strong>s públicos subjetivos (fazia pouco<br />

tempo que havia apareci<strong>do</strong> o livro <strong>de</strong> Gerber); <strong>do</strong> mesmo conceito inerente ao klagerecht, antes<br />

obscuro e, na verda<strong>de</strong>, da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o <strong>direito</strong> subjetivo pressuponha originariamente o obriga<strong>do</strong>.<br />

Muther chegou, assim, a conceber o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acionar como <strong>um</strong> <strong>direito</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na pessoa <strong>de</strong> seus<br />

órgãos jurisdicionais, como <strong>um</strong> <strong>direito</strong> à formula ou, para nós, à tutela jurídica. A esse <strong>direito</strong> subjetivo<br />

público, que tem <strong>por</strong> pressuposto <strong>um</strong> <strong>direito</strong> priva<strong>do</strong> e sua violação, correspon<strong>de</strong>, no Esta<strong>do</strong>, não<br />

somente o <strong>de</strong>ver a respeito <strong>do</strong> titular <strong>do</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong> dividir-lhe a tutela, mas também <strong>um</strong> <strong>direito</strong> subjetivo<br />

seu <strong>–</strong> leia-se: público <strong>–</strong>, <strong>de</strong> realizar contra o particular obriga<strong>do</strong> a coação necessária para obter o<br />

c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong> suas obrigações. Esse <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acionar é, pois, diverso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> priva<strong>do</strong> lesiona<strong>do</strong>,<br />

seja a respeito <strong>do</strong> sujeito passivo, seja a respeito <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>. Mas, posto que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acionar<br />

ten<strong>de</strong> a obter que o Esta<strong>do</strong> exercite seu <strong>direito</strong> contra o <strong>de</strong>manda<strong>do</strong>, assim também a actio <strong>de</strong>ve se<br />

referir mediantemente ao obriga<strong>do</strong> <strong>do</strong> obriga<strong>do</strong>, e se diz que correspon<strong>de</strong> contra o particular. E, <strong>um</strong>a<br />

vez entendida a ação como <strong>um</strong> <strong>direito</strong> que nasce com o <strong>direito</strong> priva<strong>do</strong> condicionalmente à violação<br />

<strong>de</strong>ste, chega-se, em Roma, a consi<strong>de</strong>rar actio como sinônimo <strong>de</strong> obligatio (CHIOVENDA, Giuseppe.<br />

A ação no sistema <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s; tradução Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Lí<strong>de</strong>r, 2003, p.<br />

13)”.


313<br />

É sustentável que, entre o início da ida<strong>de</strong> média e o renascentismo, a<br />

socieda<strong>de</strong> jurídica tenha experencia<strong>do</strong> movimento jurídico suficiente ao <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo capaz <strong>de</strong> dar à espécie h<strong>um</strong>ana <strong>um</strong> tratamento h<strong>um</strong>anista <strong>do</strong>s seus<br />

Direitos.<br />

Perío<strong>do</strong>s como o das Ordálias e <strong>do</strong> Longobar<strong>do</strong>s são, esclareci<strong>do</strong>s <strong>por</strong><br />

MiclelleTaruffo em sua obra filosófica sobre o papel <strong>do</strong>s Fatos, <strong>do</strong> Juiz e da Verda<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>monstram a precedência bem como a contribuição <strong>de</strong>ssas fases ao nascimento<br />

<strong>do</strong> cientificismo processual <strong>de</strong> Von Bullow em sua teorização processual.<br />

Esse movimento <strong>de</strong> época forja o alçamento <strong>do</strong> processo ao status da<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, il<strong>um</strong>inan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a via legal ao Direito <strong>de</strong> acesso ao imperativo<br />

jurisdicional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com regras procedimentais pre<strong>de</strong>finidas.<br />

Em que a liturgia se afeiçoa melhor com a essência <strong>do</strong> que seja o Direito e a<br />

Justiça. O Direito <strong>de</strong> tutela, <strong>de</strong> socorro ao exame <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ameaça ou lesão <strong>de</strong> Direito<br />

são reconheci<strong>do</strong>s, a partir <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong> acesso à Justiça.<br />

Nesse caminhar, ainda é im<strong>por</strong>tante relembrar sinteticamente a teoria<br />

processual <strong>de</strong> Wach como contribuinte da processualística contem<strong>por</strong>ânea. Para ele<br />

o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ação é autônomo contra o Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>svincula<strong>do</strong> da subjetivida<strong>de</strong>, da<br />

lesão ou ameaça <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. Sua concepção concreta, <strong>por</strong>ém, reconhecia a<br />

existência da ação em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão proce<strong>de</strong>nte.<br />

Para Chiovenda, consoante o lega<strong>do</strong> <strong>do</strong> mestre Wach, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ação é<br />

autônomo, entretanto contra o ofensor; funda assim a teoria potestativa da ação<br />

enquanto <strong>po<strong>de</strong>r</strong> legitima<strong>do</strong> em albergue à lei.<br />

O Esta<strong>do</strong> estaria a garantir o funcionamento jurisdicional para o c<strong>um</strong>primento<br />

da lei, sen<strong>do</strong> assim, a ação é o exercício <strong>do</strong> próprio <strong>direito</strong> material. Contrária,<br />

<strong>por</strong>tanto, à teoria abstrata da ação <strong>de</strong> Degenkolb em que <strong>–</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong><br />

resulta<strong>do</strong> material <strong>–</strong> o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ação era garanti<strong>do</strong> pela mera afirmarção <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

dano, ameaça ou lesão <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>direito</strong> reivindica<strong>do</strong>.<br />

Por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira e apertada síntese, a teoria eclética em que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ação é<br />

<strong>um</strong>a composição <strong>de</strong> autonomia e abstração, <strong>de</strong>ve preencher a categoria das<br />

condições da ação com os requisitos da possibilida<strong>de</strong> jurídica <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>; legítimo<br />

interesse em utilida<strong>de</strong> e a<strong>de</strong>quação; e legitimida<strong>de</strong> para agir, categorias não mais<br />

prevista <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil nos termos <strong>do</strong> inciso VI <strong>do</strong><br />

artigo 485.


314<br />

Nesse palmilhar e em <strong>um</strong> salto <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as somas <strong>de</strong> décadas, com exame<br />

entre os lin<strong>de</strong>iros CPC’s <strong>de</strong> 1973 e 2015, o estu<strong>do</strong> <strong>por</strong> vezes teve <strong>por</strong> hastear a<br />

ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nomenclatura que talvez não se completasse em sua totalida<strong>de</strong>.<br />

Trata-se como <strong>novo</strong> algo que irradia partes <strong>de</strong> <strong>um</strong> antigo.<br />

Isso implicaria não somente em <strong>um</strong>a imprecisão terminológica, mas também<br />

<strong>um</strong>a incompletu<strong>de</strong> semântica, <strong>por</strong> isso, a<strong>do</strong>tou-se chamar nos <strong>limite</strong>s da presente<br />

pesquisa a legislação processual que se encontra em seu perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> vacacio,<br />

insculpida pela lei 13.105/15 <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil.<br />

Além da manutenção ontológica da estrutura anterior, a exclusão <strong>de</strong> alguns<br />

institutos e a implantação <strong>de</strong> outros se <strong>de</strong>ram, na primeira hipótese, pela fraca<br />

contribuição para resolução <strong>do</strong>s fins <strong>do</strong> processo.<br />

E, em <strong>um</strong>a segunda hipótese, pela compreensão <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos em que a<br />

jurisprudência e a <strong>do</strong>utrina nacional superam o estágio <strong>de</strong> meros mecanismos <strong>de</strong><br />

estímulo ou <strong>de</strong> convenciomento orientativo <strong>do</strong> Juiz e passam a <strong>de</strong>stacar-se com<br />

proeminente <strong>po<strong>de</strong>r</strong> vinculativo, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as alterações processuais das últimas<br />

décadas.<br />

Uma questão im<strong>por</strong>tante que não po<strong>de</strong> passar <strong>de</strong>spercebida é a dificulda<strong>de</strong><br />

que o sistema jurídico nacional tem em reavaliar sua própria estrutura e em<br />

apreen<strong>de</strong>r com a equiparação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los, dada a rigi<strong>de</strong>z Constitucional<br />

estabelecida.<br />

O <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil não tratou <strong>de</strong> acompanhar em<br />

to<strong>do</strong> o seu pontifica<strong>do</strong> da realida<strong>de</strong> social tecnológica que enraíza a atual socieda<strong>de</strong><br />

global, cuja im<strong>por</strong>tância é notória e que indica <strong>de</strong>ver sobre<strong>por</strong>-se ao<br />

convencionalismo secular nos próximos anos.<br />

É <strong>um</strong> entendimento que se harmoniza com a sistematização já exigida em<br />

<strong>um</strong>a nova etapa da ciência processual, sucedânea da fase teoleológica ou<br />

instr<strong>um</strong>ental a processual tecnologia digital, muito embora não se possam negar as<br />

conquistas obtidas alhures, como ilustra Dinamarco. 226<br />

226<br />

“O processo civil mo<strong>de</strong>rno é o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a evolução <strong>de</strong>senvolvida, no mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> cultura<br />

romano-germânica, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> longo perío<strong>do</strong> no qual o sistema processual era encara<strong>do</strong> como<br />

mero capítulo <strong>do</strong> Direito priva<strong>do</strong>, sem autononomia; <strong>passo</strong>u <strong>por</strong> <strong>um</strong>a riquíssima fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta<br />

<strong>de</strong> conceitos e construção <strong>de</strong> estruturas bem or<strong>de</strong>nadas, mas ainda sem a consciência <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

comprometimento com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direcionar o processo a resulta<strong>do</strong>s substancialmente justos;<br />

é só em tempos muito recentes, a partir <strong>de</strong> mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XX, começou a prevalecer a<br />

perspectiva tecnológica <strong>do</strong> processo, supera<strong>do</strong> o tecnicismo reinante <strong>por</strong> <strong>um</strong> século. Falamos <strong>por</strong> isso<br />

em três fases meto<strong>do</strong>lógicas na história <strong>do</strong> processo civil: <strong>um</strong>a <strong>de</strong> sincretismo, <strong>um</strong>a autonomista ou


315<br />

Semelhante contexto impôs à jurisdição estatal <strong>um</strong>a herança cingida <strong>por</strong><br />

experiências, as quais exigiam <strong>do</strong>s processualistas não somente a <strong>de</strong>núncia pela<br />

infuncionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fins objetivos, mas a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter, <strong>por</strong> meio da<br />

jurisdição estatal, o melhoramento necessário para o alcance <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s mais<br />

justos. 227<br />

Em todas as circunstâncias mo<strong>de</strong>lares <strong>do</strong> processo civil, tem-se observa<strong>do</strong><br />

ser o foco <strong>de</strong>ssa ciência a garantia da efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>direito</strong> material <strong>por</strong> intermédio<br />

<strong>do</strong> procedimento processual em <strong>um</strong>a plataforma jurisdicional estatal, em<br />

consonância com a evolução i<strong>de</strong>alizada em busca <strong>de</strong> consolidar o Projeto<br />

Democrático Constitucional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito. Segun<strong>do</strong> Gusmão Carneiro (2009,<br />

p. 376),<br />

conceitual e, finalmente, <strong>um</strong>a teleológica ou instr<strong>um</strong>entalista (DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel.<br />

Fundamentos <strong>do</strong> processo civil mo<strong>de</strong>rno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 124)”.<br />

227<br />

Segun<strong>do</strong> Coutinho Silva, “Mas até que se visasse na jurisdição <strong>um</strong>a função pacifica<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

diante <strong>de</strong> situações conflituosas, alg<strong>um</strong>as teorias buscaram explicá-las e <strong>de</strong>fini-las, voltadas apenas<br />

para o resulta<strong>do</strong> jurídico <strong>do</strong> processo. / Para Chivenda, a<strong>de</strong>pto da teoria dualista, a jurisdição, como<br />

função da soberania <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, teria o escopo “da atuação da vonta<strong>de</strong> concreta da lei <strong>por</strong> meio da<br />

substituição, pela ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgãos públicos da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> particulares ou <strong>de</strong> outros órgãos<br />

públicos, já no afirmar a existência da vonta<strong>de</strong> da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva. A<br />

jurisdição, <strong>por</strong>tanto, segun<strong>do</strong> Chiovenda, objetivaria a situação prática da vonta<strong>de</strong> da lei, i<strong>de</strong>ia que foi<br />

seguida <strong>por</strong> Liebman para quem a jurisdição seria a ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>stinada a<br />

formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, seguin<strong>do</strong> o <strong>direito</strong> vigente, disciplina<br />

<strong>de</strong>terminada situação jurídica. Na visão chiovendiana, o verda<strong>de</strong>iro <strong>po<strong>de</strong>r</strong> estatal estaria na lei e na<br />

jurisdição na mente se manifestaria a partir da revelação da vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, assim, o juiz<br />

apenas aplicaria a vonta<strong>de</strong> da lei ao caso concreto. / Já para Carnellutti, que a<strong>do</strong>tava premissas<br />

unitárias, a jurisdição buscaria, a justa composição da li<strong>de</strong>, <strong>um</strong> regimento concreto para aquele<br />

conflito <strong>de</strong> interesses. O juiz, <strong>por</strong> meio da sentença, criaria a norma individual para o caso concreto,<br />

mediante “<strong>um</strong> processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação da norma já existente <strong>–</strong> ao caso concreto”, sem, todavia, criar<br />

<strong>um</strong> <strong>direito</strong> que ainda não existia”. / Também Calamandrei, que a<strong>de</strong>ria à teoria unitária <strong>do</strong><br />

or<strong>de</strong>namento jurídico, sustentava que a lei se individualizaria <strong>por</strong> meio da sentença, o que leva à<br />

conclusão, anotada <strong>por</strong> Marinoni, <strong>de</strong> que, embora filia<strong>do</strong> a teoria unitária <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico, as<br />

concepções <strong>de</strong> Carnellutti e <strong>de</strong> Calamandrei não se afastaram da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a função <strong>do</strong> juiz<br />

estaria estritamente subordinada à <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> apenas <strong>de</strong>clarar a lei: “na verda<strong>de</strong>, a<br />

distinção entre a formulação <strong>de</strong> Chiovenda e as <strong>de</strong> Carnellutti e Calamandrei está em que, para a<br />

primeira, a jurisdição <strong>de</strong>clara a lei, mas não produziria <strong>um</strong>a nova regra, que integra o or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico, enquanto, para as <strong>de</strong>mais, a jurisdição, apesar <strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar a lei, cria <strong>um</strong>a regra<br />

individual que passa a integrar o or<strong>de</strong>namento jurídico (SILVA, Ana <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Coutinho. Motivação<br />

das <strong>de</strong>cisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 8)”.


316<br />

Im<strong>por</strong>ta para o tema presente evi<strong>de</strong>nciar, ainda que em breve linhas, a<br />

evolução <strong>do</strong> pensamento <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual civil, isto é, seu “estu<strong>do</strong><br />

científico”, <strong>por</strong>que é a transformação <strong>de</strong>ste pensamento ao longo <strong>do</strong> tempo<br />

que se apresenta como <strong>um</strong> <strong>do</strong>s fatores <strong>de</strong>terminantes para compreen<strong>de</strong>r,<br />

na atualida<strong>de</strong>, as diretrizes mais amplas <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual civil como <strong>um</strong><br />

to<strong>do</strong>. Elas refletem, <strong>de</strong> outra parte, a própria modificação <strong>do</strong> Direito<br />

legisla<strong>do</strong>, razão pela qual a apresentação <strong>de</strong> sua síntese é providência<br />

inafastável. Elas permitem, <strong>por</strong> fim, <strong>um</strong>a melhor i<strong>de</strong>ntificação das razões <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a renovada forma <strong>de</strong> pensar, estudar e, consequentemente, sistematizar<br />

o <strong>direito</strong> processual civil.<br />

A busca pela garantia daquilo que o indivíduo tem <strong>de</strong> Direito sem que tivesse<br />

<strong>de</strong> recorrer ao Po<strong>de</strong>r Judiciário revela-se como <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia <strong>do</strong>s tempos passa<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong>staca-se novamente atual o <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil como <strong>um</strong>a<br />

esperança a ser concretizada superan<strong>do</strong> os Direitos meramente i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s ao<br />

encontro <strong>do</strong>s materializa<strong>do</strong>s.<br />

Os aspectos estruturais da nova legislação processual inclinam-se no senti<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> valer-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem mais objetiva, <strong>de</strong> fácil compreensão, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

ductibilida<strong>de</strong> mais plastificada, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maior autonomia quanto às regras <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>ras<br />

a serem a<strong>do</strong>tadas pelas partes para a resolução <strong>do</strong>s conflitos.<br />

Tu<strong>do</strong> isso constitui incentivo <strong>por</strong> <strong>um</strong> maior estímulo para os meios<br />

alternativos, <strong>do</strong>s quais o da conciliação consolidan<strong>do</strong> os trabalhos <strong>de</strong> evolução <strong>do</strong><br />

sistema processual e <strong>do</strong> CNJ nos termos da resolução 125/2010. À guisa <strong>de</strong><br />

reflexão, i<strong>de</strong>ia que subjaz embrionariamente, essa postura <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é eliminar o<br />

conflito, pois, econômica e financeiramente, não parece muito atrativo <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong><br />

vista econômico e financeiro ao erário público.<br />

Retoman<strong>do</strong> o escopo, o pensamento chiovendiano <strong>de</strong>ixou seu lega<strong>do</strong> e<br />

apresenta-se como <strong>um</strong> elemento estimula<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sses <strong>novo</strong>s propósitos, afastan<strong>do</strong>se,<br />

assim, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a promessa secular que cost<strong>um</strong>eiramente esbarra em vários tipos<br />

<strong>de</strong> entraves, os quais inviabilizam o acontecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo mo<strong>de</strong>lo, não<br />

mais questiona<strong>do</strong> pelos inúmeros aspectos negativos, <strong>de</strong>ntre eles o da morosida<strong>de</strong>,<br />

da inefetivida<strong>de</strong> e da imprevisibilida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> trato <strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

Para o <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil em traço prepon<strong>de</strong>rante em<br />

suas raízes, ou seja, o que fermentou e fomentou com a exclosão da reforma e <strong>do</strong>s<br />

trabalhos advin<strong>do</strong>s foi a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a melhor sintonização entre o Direito e<br />

as Garantias Fundamentais existentes na Lei Maior e <strong>um</strong> sistema processual melhor<br />

e mais bem-acaba<strong>do</strong> em viabilizar a consolidação <strong>do</strong>s valores constitucionais como<br />

prática <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça mais próxima da realida<strong>de</strong> social.


317<br />

O que se observa é a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova-reformada estrutura<br />

processual, no entanto, não se po<strong>de</strong> afirmar a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova e efetiva<br />

estrutura processual que possa <strong>de</strong>belar não somente os sintomas, mas as causas<br />

<strong>do</strong>s reconheci<strong>do</strong>s e sabi<strong>do</strong>s problemas <strong>do</strong> atual sistema processual.<br />

Qualquer mudança exige o reconhecimento <strong>de</strong> certa infuncionalida<strong>de</strong><br />

sistêmica que não mais se su<strong>por</strong>ta, da<strong>do</strong>s os danos oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s problemas<br />

conheci<strong>do</strong>s e sabi<strong>do</strong>s em <strong>de</strong>talhes.<br />

É da espécie h<strong>um</strong>ana o <strong>de</strong>staque ímpar <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> da<strong>do</strong> à cantiga das<br />

questões que mais a afligem, dan<strong>do</strong>-lhes <strong>um</strong> tratamento tão moroso que, ao término,<br />

tem-se outra necessida<strong>de</strong>, ou seja, a discussão é tanta que se esquece <strong>do</strong>s<br />

verda<strong>de</strong>iros e essenciais fins.<br />

Tem-se <strong>um</strong>a sensação <strong>de</strong> que o legisla<strong>do</strong>r esteve o tempo to<strong>do</strong> ilha<strong>do</strong> em<br />

<strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconexa da evolução das ciências e da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong><br />

geral no plano mundial, até <strong>por</strong>que, em outros lugares existem Direito, Judiciário e<br />

Justiça enquanto universais na concepção realista e conceitualista.<br />

É possível notar que houve <strong>–</strong> em que pesem as mudanças pontuais e<br />

im<strong>por</strong>tantes realiza<strong>do</strong>s <strong>–</strong> <strong>um</strong>a perda <strong>de</strong> o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocar-se o <strong>novo</strong>reforma<strong>do</strong><br />

Código <strong>de</strong> Processo Civil na era tecnológica digital.<br />

Não menos im<strong>por</strong>tante, o <strong>de</strong>bate <strong>do</strong> CPC fora feito <strong>de</strong> forma tão afobada ao<br />

atropelo das técnicas legislativas que se corre o risco <strong>de</strong> tornar-se <strong>um</strong> sistema<br />

processual que mal entrou em vigência e contará com emendas e reformas<br />

<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> que faltou empenho <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.


318<br />

Diferentemente <strong>do</strong> discurso sofistica<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ministro Luiz Fux, <strong>um</strong> código<br />

nessas condições é possível que até mesmo ultrapasse os seus 50 anos <strong>de</strong><br />

existência, <strong>por</strong>ém “data maxima venia”, meramente como figura <strong>de</strong>corativa no<br />

museu <strong>do</strong>s processos. 228<br />

228<br />

Conforme ilustra Dellore: “O NCPC tramitou no Congresso <strong>por</strong> mais <strong>de</strong> 5 anos <strong>–</strong> e, frise-se, houve<br />

in<strong>de</strong>vidas alterações mesmo após o término <strong>de</strong> sua tramitação. Porém isso não significa que o <strong>de</strong>bate<br />

e, especialmente, as reflexões quanto às modificações foram suficientes. / O fato é que, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

boas inovações, o NCPC tem <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s que trarão problemas. Listo alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong>ssas:<br />

mudanças na coisa julgada, or<strong>de</strong>m cronológica no julgamento, audiência (quase) obrigatória <strong>de</strong><br />

conciliação ou mediação, regime da tutela <strong>de</strong> urgência, fundamentação exaustiva da sentença, rol<br />

taxativo <strong>do</strong> agravo <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>ento, IRDR e o fim da admissibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s recursos na origem. /<br />

Conforme o prazo da vigência <strong>do</strong> NCPC se aproxima, com o estu<strong>do</strong> mais <strong>de</strong>ti<strong>do</strong> <strong>do</strong> Código, os<br />

problemas começam a preocupar a comunida<strong>de</strong> jurídica como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> (e não apenas os<br />

processualistas mais engaja<strong>do</strong>s no tema). / Nesse senti<strong>do</strong>, ciente <strong>do</strong>s transtornos que o NCPC<br />

causará aos Tribunais Superiores, STF e STJ se movimentam para sua alteração. Seja pelo simples<br />

a<strong>um</strong>ento <strong>do</strong> prazo da vacatio legis, seja pela modificação <strong>do</strong> texto. Vejamos cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>ssas<br />

propostas separadamente. / O a<strong>um</strong>ento da vacatio legis. No final <strong>de</strong> junho, a imprensa<br />

especializada divulgou que o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>do</strong> STF, sugeriu o a<strong>um</strong>ento da vacatio legis <strong>do</strong><br />

NCPC, para mais 3 a 5 anos. Dois seriam os principais pontos <strong>de</strong> preocupação <strong>do</strong>s ministros, pois<br />

isso seria capaz <strong>de</strong> acarretar <strong>um</strong> a<strong>um</strong>ento brutal na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processos submeti<strong>do</strong>s aos<br />

tribunais superiores: (i) o fim da admissibilida<strong>de</strong> na origem (vi<strong>de</strong> item abaixo) e (ii) o a<strong>um</strong>ento das<br />

hipóteses <strong>de</strong> cabimento da reclamação. / A proposta não foi bem recebida <strong>por</strong> parte <strong>do</strong>s<br />

processualistas, como po<strong>de</strong> se perceber, <strong>por</strong> exemplo, em manifestação <strong>de</strong> William Santos Ferreira. /<br />

De qualquer forma, não se tem notícia, até o momento, <strong>de</strong> projeto legislativo nesse senti<strong>do</strong>. / Cabe<br />

lembrar que a história <strong>do</strong>s Códigos no Brasil também apresenta situações como essa. Em 2002, no<br />

segun<strong>do</strong> semestre, cogitou-se <strong>de</strong> alongar a vacatio legis <strong>do</strong> atual Código Civil. Mas o projeto acabou<br />

não sen<strong>do</strong> aprova<strong>do</strong>, e o CC02 vigorou a partir <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2003. / Algo mais curioso aconteceu no<br />

final <strong>do</strong>s anos 1960. / O Código Penal <strong>de</strong> 1969, que pretendia substituir o Código Penal <strong>de</strong> 1940, foi<br />

promulga<strong>do</strong> pelo Decreto-Lei 1.004/1969, e entraria em vigor no dia 1º <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1970. Contu<strong>do</strong>,<br />

sucessivas leis alteraram sua redação e o início da sua vigência <strong>–</strong> até que, finalmente, o CP/1969 foi<br />

revoga<strong>do</strong> pela Lei 6.578/1978… Ou seja: <strong>um</strong> Código que foi sem nunca ter si<strong>do</strong>. A volta <strong>do</strong> juízo <strong>de</strong><br />

admissibilida<strong>de</strong> na origem, para o recurso especial e extraordinário. / O que temos <strong>de</strong> concreto no<br />

momento é a proposta legislativa para alterar a admissibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s recursos para tribunal superior. /<br />

Na sua redação atual, o NCPC não mais prevê a admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer recurso na origem.<br />

Especificamente em relação ao REsp e RE, o assunto está assim regula<strong>do</strong> no Código (grifos nossos):<br />

Art. 1.030. Recebida a petição <strong>do</strong> recurso pela secretaria <strong>do</strong> tribunal, o recorri<strong>do</strong> será intima<strong>do</strong> para<br />

apresentar contrarrazões no prazo <strong>de</strong> 15 (quinze) dias, fin<strong>do</strong> o qual os autos serão remeti<strong>do</strong>s ao<br />

respectivo tribunal superior. Parágrafo único. A remessa <strong>de</strong> que trata o caput dar-se-á<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>. / As justificativas para essa modificação seriam (i) a<br />

diminuição <strong>de</strong> <strong>um</strong> recurso <strong>–</strong> ao arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que na maior parte das vezes a parte ingressa com o<br />

agravo contra a admissão e (ii) a maior celerida<strong>de</strong> que isso traria na tramitação. A<strong>de</strong>mais, afirmou-se<br />

que a i<strong>de</strong>ia teria si<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> ministro <strong>do</strong> STJ <strong>–</strong> o que, contu<strong>do</strong>, foi rechaça<strong>do</strong> pelo próprio magistra<strong>do</strong>.<br />

/ Propôs o STJ alteração <strong>do</strong> NCPC quanto a esse aspecto, ora tramitan<strong>do</strong> no Sena<strong>do</strong>. Trata-se <strong>do</strong><br />

PLS 414/2015, que tem a seguinte ementa: Dispõe sobre o juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso<br />

extraordinário ou especial e instaura o recurso <strong>de</strong> agravo <strong>de</strong> admissão, nos próprios autos, <strong>de</strong>ssa<br />

<strong>de</strong>cisão, alteran<strong>do</strong> dispositivos da Lei nº 13.105, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015 <strong>–</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil.<br />

/ O projeto propõe a alteração <strong>de</strong> 3 artigos <strong>do</strong> NCPC: 994, VIII; 1.030, p.u. e 1.042. / Em relação ao<br />

p.u. <strong>do</strong> art. 1.030, busca-se voltar ao sistema hoje existente, <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> na origem. A redação<br />

proposta é a seguinte (grifos nossos): Parágrafo único. Fin<strong>do</strong> esse prazo, serão os autos conclusos<br />

para admissão ou não <strong>do</strong> recurso, no prazo <strong>de</strong> quinze dias, em <strong>de</strong>cisão fundamentada. / As <strong>de</strong>mais<br />

alterações se referem ao agravo da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> inadmissão. No sistema original <strong>do</strong> NCPC, existe o<br />

“agravo em recurso especial ou extraordinário”, <strong>de</strong> utilização restrita, cabível basicamente em relação<br />

a <strong>de</strong>cisões envolven<strong>do</strong> recursos repetitivos. / Na reforma proposta, volta-se ao sistema hoje existente,<br />

com o recurso <strong>–</strong> agora <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> “agravo <strong>de</strong> admissão” (alteração <strong>do</strong> art. 994, VIII) <strong>–</strong> sen<strong>do</strong><br />

cabível da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> inadmissão <strong>do</strong> REsp ou RE. Assim, o art. 1.042 é to<strong>do</strong> reformula<strong>do</strong> pelo PLS<br />

414/2015 <strong>–</strong> em parte semelhante ao atual art. 544 <strong>do</strong> CPC73: Art. 1.042. Não admiti<strong>do</strong> o recurso


319<br />

Sem dúvida, é patente e atônica a invencível luta <strong>do</strong> processualista brasileiro<br />

em quixotescamente tentar vencer a invencível realida<strong>de</strong> processual <strong>por</strong> esforços <strong>de</strong><br />

suas próprias forças.<br />

Como já retrata<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Kuhn em sua meto<strong>do</strong>logização <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

das ciências, em sua concepção <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>, o mo<strong>de</strong>lo processual vigente no<br />

<strong>de</strong>correr da história veio <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> sinais <strong>de</strong> fadiga e consequente<br />

infuncionalida<strong>de</strong>.<br />

extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo <strong>de</strong> admissão para o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ou<br />

para o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, conforme o caso. 1º Na hipótese <strong>de</strong> interposição conjunta <strong>de</strong><br />

recurso extraordinário e recurso especial, o agravante <strong>de</strong>verá inter<strong>por</strong> <strong>um</strong> agravo para cada recurso<br />

não admiti<strong>do</strong>. 2º A petição <strong>de</strong> agravo <strong>de</strong> admissão será dirigida à presidência <strong>do</strong> tribunal <strong>de</strong> origem,<br />

não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> pagamento <strong>de</strong> custas e <strong>de</strong>spesas postais. 3º O agrava<strong>do</strong> será intima<strong>do</strong>, <strong>de</strong><br />

imediato, para oferecer resposta. 4º Haven<strong>do</strong> apenas <strong>um</strong> agravo <strong>de</strong> admissão, o recurso será<br />

remeti<strong>do</strong> ao tribunal competente. Haven<strong>do</strong> interposição conjunta, os autos serão remeti<strong>do</strong>s ao<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça. 5º Concluí<strong>do</strong> o julgamento <strong>do</strong> agravo <strong>de</strong> admissão pelo Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça e, se for o caso, <strong>do</strong> recurso especial, os autos serão remeti<strong>do</strong>s ao Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, para apreciação <strong>do</strong> agravo <strong>de</strong> admissão a ele dirigi<strong>do</strong>, salvo se estiver prejudica<strong>do</strong>.<br />

6º No Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o agravo <strong>de</strong> admissão <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser<br />

julga<strong>do</strong>, conforme o caso, conjuntamente com o recurso extraordinário ou especial, assegurada,<br />

neste caso, sustentação oral, observan<strong>do</strong>-se o disposto no respectivo regimento interno, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o<br />

relator, se for o caso, <strong>de</strong>cidir na forma <strong>do</strong> art. 932. / Por fim, assim prevê o PLS, em seu artigo 2º:<br />

Esta Lei entra em vigor na data <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2016. Isso é relevante, pois indica que o<br />

legisla<strong>do</strong>r, ao menos neste momento, enten<strong>de</strong> que o início da vigência <strong>do</strong> NCPC é 17 <strong>de</strong> março, tema<br />

que já é objeto <strong>de</strong> rica polêmica. / Acompanham a justificativa <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> reforma <strong>do</strong> NCPC<br />

números <strong>do</strong> TRF4 quanto à recorribilida<strong>de</strong>, afirman<strong>do</strong>-se que cerca <strong>de</strong> <strong>um</strong> terço das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />

inadmissão não seriam objeto <strong>de</strong> recurso pelas partes que interpuseram o REsp. /<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos, parece-me que esse não é o único <strong>–</strong> nem o principal<br />

<strong>–</strong> problema com o fim da admissibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> RE e REsp na origem. No meu enten<strong>de</strong>r, os principais<br />

pontos negativos <strong>do</strong> sistema que hoje se encontra no NCPC são os seguintes: (i) com maior ou<br />

menor qualida<strong>de</strong> (conforme o tribunal e magistra<strong>do</strong>), atualmente há <strong>um</strong>a triagem em relação aos<br />

recursos para tribunal superior, realizada <strong>por</strong> 32 <strong>de</strong>sembarga<strong>do</strong>res (27 TJs e 5 TRFs), cada <strong>um</strong> com<br />

sua equipe <strong>de</strong> assessores. Isso vai <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser feito na origem para ser realiza<strong>do</strong> <strong>por</strong> 33 ministros<br />

no STJ e 11 no STF? / Claro que seria possível <strong>um</strong>a adaptação, mas não no prazo curto <strong>de</strong> 1 ano<br />

(que, agora, são apenas 8 meses). E, especialmente, não em <strong>um</strong> momento <strong>de</strong> grave crise econômica<br />

pela qual passa o País, em que se é necessário corte e não a<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gastos. Nesse contexto,<br />

como se falar em a<strong>um</strong>ento da estrutura <strong>do</strong>s tribunais superiores? / (ii) o fim da admissibilida<strong>de</strong> na<br />

origem é <strong>um</strong> estímulo a se recorrer. Isso <strong>por</strong>que o advoga<strong>do</strong>, ciente <strong>de</strong> que alguém em Brasília (seja<br />

ministro, assessor ou estagiário) irá analisar o recurso, po<strong>de</strong> ter a esperança <strong>do</strong> provimento. / Alguns<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam dizer que isso é mera conjectura. Em termos. Basta ver o que aconteceu com o agravo <strong>de</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento em 1995. A L. 9.139/1995 previu que o agravo <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>ento seria interposto<br />

diretamente no tribunal, com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efeito suspensivo. Um <strong>do</strong>s objetivos da alteração<br />

legislativa era tentar acabar com o uso <strong>do</strong> manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> segurança para atribuir efeito suspensivo ao<br />

agravo. Isso <strong>de</strong> fato acabou <strong>–</strong> mas, como efeito colateral, houve <strong>um</strong>a explosão no número <strong>de</strong> agravos<br />

<strong>de</strong> instr<strong>um</strong>ento. Afinal, com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter a manifestação <strong>do</strong> relator, o recurso na<br />

modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>ento <strong>passo</strong>u a ser muito mais utiliza<strong>do</strong> <strong>–</strong> o que gerou inúmeras reformas<br />

posteriores. / Portanto, no meu enten<strong>de</strong>r, é boa a reforma proposta pelo PLS 414/2015. Muda algo<br />

que não <strong>de</strong>veria ter si<strong>do</strong> altera<strong>do</strong>. / Contu<strong>do</strong>, <strong>um</strong> ponto da reforma <strong>do</strong> NCPC chama a atenção<br />

negativamente. Como já exposto, a versão original <strong>do</strong> Novo Código previa o recurso para a hipótese<br />

em que havia in<strong>de</strong>vidamente a retenção. Na nova versão, isso <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser previsto <strong>–</strong> e, assim, a<br />

dificulda<strong>de</strong> hoje existente perdurará (DELLORE, Luiz. Novo CPC: já a reforma da reforma?<br />

Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2015)”.


320<br />

As reformas são tentativas <strong>de</strong> salvamento produzidas no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> ciência normal, <strong>por</strong>ém a ruptura (são marcadas <strong>por</strong> insatisfação, caos, etc),<br />

inevitável diante da clara e notória situação endêmica <strong>de</strong> inefetivida<strong>de</strong> material<br />

Constitucional.<br />

É preciso que os processualistas permitam experimentar <strong>um</strong> pouco menos <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>gmatismo, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a colocar os pés no futuro em participação e colaboração <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> <strong>novo</strong> conhecimento. Com esse gesto, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão perceber que é impossível na<br />

atual conjuntura <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das ciências construir o futuro <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a única e exclusiva forma <strong>de</strong> ciência.<br />

É essêncial que percepção <strong>do</strong> cientista <strong>do</strong> Direito note que o <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> que<br />

o envolve exige <strong>um</strong>a participação consi<strong>de</strong>rável e efetiva em tecnologia. Em <strong>um</strong>a<br />

etapa <strong>de</strong> evolução o Processo Civil, esse nascerá em <strong>um</strong>a linguagem 100% (cem<br />

<strong>por</strong> cento) digital, inaugurada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Plataforma Digital Processual em integração e<br />

conciliação aos Direitos e as Justiças <strong>de</strong> forma sistematizada.<br />

13.2 Uma teoria procedimental simplificada para a resolução <strong>do</strong>s conflitos<br />

O <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu anteprojeto e toda<br />

sua tramitação pelas casas legislativas, e a vida “clínica” <strong>do</strong>s juristas que se<br />

envolveram direta e indiretamente na empreitada estiveram envoltos na busca <strong>de</strong><br />

dar ao sistema processual <strong>um</strong> melhor e maior tratamento.<br />

A preocupação teve sua atenção voltada para os problemas que sempre<br />

assolaram o Po<strong>de</strong>r Judiciário brasileiro, tais como morosida<strong>de</strong>, incerteza e<br />

insegurança jurídica, <strong>de</strong>ntre outros assuntos controversos <strong>de</strong> natureza secular.<br />

Quanto à finalida<strong>de</strong> precípua <strong>do</strong> sistema processual no âmbito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, certamente se seguiu o mantra da finalida<strong>de</strong> material em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong><br />

formal como “carro chefe”. O tratamento representa <strong>um</strong> tempero que não se<br />

<strong>de</strong>sgarra da língua nem da linguagem processual ou então não é processualista.<br />

No entanto, o tempo das pressas, das vaida<strong>de</strong>s e da necessida<strong>de</strong> da urgente<br />

e beligerante disputa <strong>por</strong> roubar <strong>um</strong>a cena pela atenção tem feito a espécie h<strong>um</strong>ana<br />

<strong>de</strong>ixar para o <strong>de</strong>stempo o que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia fazer <strong>de</strong> melhor.


321<br />

Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar mecanismos ou valer-se <strong>de</strong> técnicas<br />

que libertassem a espécie h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong>snecessariamente complexo que<br />

to<strong>do</strong>s os dias está a cultivar. Para Teresa Wambier parece que a preocupação <strong>do</strong><br />

alvoroço <strong>do</strong>s juristas esteve presente em suas meditações e reflexões processuais<br />

(2015, 198-199):<br />

Mas, voltan<strong>do</strong> a nossa pergunta: o que se po<strong>de</strong> esperar <strong>do</strong> NCPC?<br />

Fundamentalmente que c<strong>um</strong>pra três finalida<strong>de</strong>s 1ª) que resolva o problema<br />

das partes <strong>de</strong>finitivamente; 2ª) que o faça com agilida<strong>de</strong>; 3ª) e que haja<br />

melhora na performance <strong>do</strong> judiciário, no que diz respeito a <strong>do</strong>is aspectos: a<br />

sua lentidão e a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar segurança jurídica, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

previsibilida<strong>de</strong>.<br />

Sem <strong>um</strong>a imersão <strong>de</strong>talhada, em cada instituto da lei Maior, até <strong>por</strong>que tais<br />

aspectos já foram trata<strong>do</strong>s no ambiente Constitucional, todavia, ao menos nos<br />

ditames <strong>de</strong>sse comento é possível e exigível que o sistema processual esteja em<br />

simetria com os princípios e as regras constitucionais.<br />

Deve ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> que os Direitos e as Garantias Fundamentais precisam<br />

aten<strong>de</strong>r aos i<strong>de</strong>iais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça que se amol<strong>de</strong> aos interesses <strong>de</strong> seus<br />

<strong>de</strong>stinatários.<br />

A concatenação <strong>do</strong> espírito que envolveu os processualistas a dar início e<br />

conduzir to<strong>do</strong> o processo legislativo <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil<br />

conforme ilustra Gusmão Carneiro. 229<br />

Basicamente, é o que o jurisdiciona<strong>do</strong> quer ou pres<strong>um</strong>e-se ser o “esta<strong>do</strong> da<br />

arte” para <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> social que o sistema contemple flui<strong>de</strong>z, dinâmica e<br />

resolução simplificada com segurança jurídica e isonomia, principalmente frente à<br />

massa <strong>de</strong> conflitos homogêneos a luz <strong>do</strong>s dispositivos constitucionais <strong>de</strong> proteção e<br />

<strong>de</strong>fesa.<br />

229<br />

“Não se po<strong>de</strong>, <strong>por</strong>ém, começar sem o expresso reconhecimento da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeitar as<br />

conquistas teóricas das eras anteriores da evolução <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual civil. Assim, <strong>por</strong> exemplo, a<br />

separação entre os casos <strong>de</strong> extinção <strong>do</strong> processo sem resolução <strong>do</strong> mérito e com tal resolução; as<br />

modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervenção <strong>de</strong> terceiros; a regulamentação <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s da coisa julgada, entre outros<br />

pontos da boa técnica processual regula<strong>do</strong>s pelo vigente Código <strong>de</strong> Processo Civil exige,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, que as novas gerações olhem para a frente postadas sobre os ombros <strong>de</strong> gigantes. /<br />

Há, <strong>por</strong>ém, novas bases teóricas que <strong>de</strong>vem ser levadas em conta na elaboração <strong>do</strong> <strong>novo</strong> Código,<br />

sobre as quais <strong>passo</strong> a fazer breves consi<strong>de</strong>rações. A meu ver, a primeira <strong>de</strong>ssas bases é a<br />

constitucionalização <strong>do</strong> Direito processual civil, a que já fiz anteriormente referência. É preciso que o<br />

Novo Código <strong>de</strong> Processo Civil seja <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a <strong>de</strong>senvolver os princípios que compõem o mo<strong>de</strong>lo<br />

constitucional <strong>de</strong> processo civil (CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org). Bases<br />

científicas para <strong>um</strong> renova<strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual. 2. ed. Salva<strong>do</strong>r: Jus Podi<strong>um</strong>, 2009, p. 38)”.


322<br />

Os percalços <strong>do</strong>s expedientes marca<strong>do</strong>s pelas nulida<strong>de</strong>s e pelos inci<strong>de</strong>ntes<br />

representam arestas a serem tratadas com o escopo <strong>de</strong> dar às partes a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sempre alcançar o mérito. O homem médio pouco está interessa<strong>do</strong><br />

em preliminares, quan<strong>do</strong> o fruto a ser colhi<strong>do</strong>, aquele que brilha em suas<br />

expectativas e incen<strong>de</strong>iam os seus olhos, é o mérito da causa o “seu” Direito<br />

propriamente dito.<br />

Espera-se <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil que os opera<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong>ixem os espetáculos para os momentos íntimos entre os pares e que compareçam<br />

com a solução pre<strong>de</strong>finida para quem quer saber somente <strong>do</strong> <strong>de</strong>sfecho <strong>do</strong><br />

espetáculo.<br />

É recorrente o adágio propala<strong>do</strong> nos corre<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s fóruns nacionais, quan<strong>do</strong><br />

se ouve a menção: “Dr. ganhei”. Isso retrata o quanto o arcaísmo e o colonialismo<br />

dificultam a compreensão <strong>do</strong> que realmente acontece em meio à realida<strong>de</strong> judiciária<br />

em seu cotidiano.<br />

Portanto, o que os juristas precisam enten<strong>de</strong>r é que a ductilida<strong>de</strong>, a<br />

linearida<strong>de</strong> e a objetivida<strong>de</strong> em to<strong>do</strong>s os aspectos <strong>de</strong>vem incor<strong>por</strong>ar os <strong>novo</strong>s<br />

diplomas legais. O <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, ao menos em<br />

expectativa, tem como objetivo aten<strong>de</strong>r a <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> maneira mais<br />

próxima, com imediatismo na solução <strong>do</strong>s conflitos, evitan<strong>do</strong> que o <strong>de</strong>sconforto <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>masia<strong>do</strong> tempo <strong>de</strong> espera transforme o Po<strong>de</strong>r Judiciário em <strong>um</strong> “SUS” da Justiça.<br />

A comutação <strong>do</strong>s procedimentos e a simplificação das etapas concentradas<br />

<strong>de</strong>vem fomentar a alfabetização <strong>do</strong>s cons<strong>um</strong>i<strong>do</strong>res da Justiça, que <strong>–</strong> pelo cost<strong>um</strong>e<br />

da rotina e pela previsibilida<strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamental <strong>do</strong> sistema <strong>–</strong> prezam conviver com o<br />

senso básico <strong>de</strong> Justiça sem floreios e com mais presteza.<br />

Ou então, não há acesso, mas monopólio <strong>do</strong> conhecimento jurídico,<br />

inviabilizan<strong>do</strong> a fundação, o <strong>de</strong>senvolvimento e a consolidação <strong>de</strong> <strong>um</strong> Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário. Em que os protagonistas sejam coopera<strong>do</strong>res e colabora<strong>do</strong>res no<br />

estímulo e, consequentemente, atores das melhores práticas processuais.<br />

Se a proposta é <strong>de</strong> melhora, significa dizer que os problemas po<strong>de</strong>m ter si<strong>do</strong><br />

supera<strong>do</strong>s, e os <strong>novo</strong>s tempos <strong>de</strong>vem permitir discussões <strong>de</strong> ajustes e sintonia com<br />

base em nova cartilha, <strong>novo</strong>s conceitos e novas práticas.<br />

Espera-se que o <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil seja pedagógico<br />

na implantação <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema judiciário <strong>de</strong>mocrático participativo, conten<strong>do</strong><br />

somente as regras necessárias para a solução <strong>de</strong>finitiva <strong>do</strong>s conflitos sociais.


323<br />

As regras <strong>do</strong> jogo <strong>de</strong>vem ser pre<strong>de</strong>finidas e objetivamente concretizadas,<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> plano <strong>de</strong> metas em que to<strong>do</strong>s estejam direciona<strong>do</strong>s ao mesmo alvo.<br />

Para isso, os “meios” a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s precisam ser os mais aptos em a<strong>de</strong>quação e<br />

utilida<strong>de</strong>, o que representa a convergência da teorização Constitucional processual<br />

a<strong>do</strong>tada com a flexibilização instr<strong>um</strong>ental tecnológica.<br />

Embora não expresso, é possível haurir tal entendimento <strong>do</strong> artigo 4º da lei<br />

13.105/2015 combina<strong>do</strong> com o inciso LXXVIII <strong>do</strong> artigo 5º da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. A<br />

observação encontra assento incondicional com o Princípio da legalida<strong>de</strong> como<br />

coman<strong>do</strong> que hasteia o Esta<strong>do</strong> Constitucional <strong>de</strong> Direito.<br />

Em que pesem as falhas h<strong>um</strong>anas na tentativa <strong>de</strong> fazer realmente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

reforma algo melhor, a perda <strong>de</strong> <strong>um</strong>a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> pelo legisla<strong>do</strong>r nacional é<br />

evi<strong>de</strong>nte. Po<strong>de</strong>ria ter i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> <strong>um</strong>a gestão <strong>do</strong> sistema processual <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a plataforma digital processual nacional integrativa, unifica<strong>do</strong>ra e expansiva.<br />

Mesmo saben<strong>do</strong> que o tema da tecnologia não tenha recebi<strong>do</strong> a <strong>de</strong>vida e<br />

enfática atenção, tal como encampada em tratamento fulcral na presente Tese, ele<br />

tem si<strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s em vários outros continentes, inclusive com forte<br />

participação <strong>do</strong> professor Mario Lozano, discípulo <strong>de</strong> Norberto Bobbio, na Itália, na<br />

temática da informática jurídica.<br />

A o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong>, sem <strong>um</strong>a capitulação <strong>de</strong>dicada ao processo civil digital, ainda<br />

que fosse limita<strong>do</strong> <strong>por</strong> normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia limitada ou contida, recebe<br />

e inspira potencialmente o “meio” tecnológico como espécie e forma <strong>de</strong>ntre os<br />

“meios” nos termos <strong>do</strong> artigo 5º, inciso LXXVIII da lei Maior artigo 4º <strong>do</strong> <strong>novo</strong>reforma<strong>do</strong><br />

Código <strong>de</strong> Processo Civil.<br />

Esse entendimento consolida <strong>um</strong>a interpretação conforme aos princípios da<br />

unicida<strong>de</strong> e da integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema Constitucional, sem que conflite com as<br />

regras <strong>de</strong> competência e <strong>de</strong> territorialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>marcadas já pelo sistema, como bem<br />

verbaliza<strong>do</strong> <strong>por</strong> Nelson Jobim (2015, p. 91):<br />

[...] a Jurisdição, enquanto manifestação da unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> soberano <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, tampouco po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se <strong>um</strong>a e indivisível, [...] o Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário tem caráter nacional, não existin<strong>do</strong> senão <strong>por</strong> metáfora e<br />

metonímias, ‘Judiciários estaduais’ ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> ‘Judiciário Fe<strong>de</strong>ral’.


324<br />

Sen<strong>do</strong> assim, é váli<strong>do</strong> afirmar que a competência e a territorialização <strong>do</strong>s<br />

Tribunais em verda<strong>de</strong> são <strong>de</strong>marcações organizacionais que ten<strong>de</strong>m a se<br />

dissiparem com o advento da sistematização da Justiça <strong>–</strong> com as novas <strong>inteligência</strong>s<br />

em tecnologia <strong>–</strong> que é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m nacional, sem que tenha oposição ou reivindicação<br />

<strong>de</strong> quaisquer violações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m Constitucional.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o plano da evolução, po<strong>de</strong>m ter <strong>um</strong>a re<strong>de</strong>marcação em to<strong>do</strong>s<br />

os senti<strong>do</strong>s, <strong>um</strong>a vez respeita<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os procedimentos legislativos. O <strong>novo</strong><br />

<strong>paradigma</strong> estaria a socorrer as <strong>de</strong>núncias feitas pela ilustre processualista Teresa<br />

Arruda Alvim Wambier (2015, p. 201):<br />

A situação que se instalou hoje, no país, é <strong>de</strong> extremo <strong>de</strong>srespeito ao<br />

princípio da isonomia. Os tribunais interpretam <strong>de</strong> maneira diferente a<br />

mesma regra jurídica a torto e a <strong>direito</strong>. É extremamente com<strong>um</strong> que<br />

tribunais, no mesmo momento histórico, <strong>de</strong>cidam a mesma questão jurídica<br />

<strong>de</strong> maneiras diversas, o que gera extrema insegurança jurídica. Fala-se,<br />

<strong>por</strong>tanto, da falta <strong>de</strong> uniformida<strong>de</strong> da jurisprudência no país, o que acaba<br />

comprometen<strong>do</strong> o princípio da isonomia, <strong>por</strong>que, se a lei <strong>de</strong>ve ser a mesma<br />

para to<strong>do</strong>s, é evi<strong>de</strong>nte que a interpretação da lei <strong>de</strong>ve ser a mesma para<br />

to<strong>do</strong>s também. Senão a regra fica totalmente <strong>de</strong>smoralizada.<br />

Denota-se pelo “observatório” da história que a não uniformida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito<br />

ao acatamento da Justiça incorre, pela inexistência <strong>de</strong> institutos ou técnicas<br />

processuais, em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, o que possibilita <strong>um</strong>a mais efetiva<br />

categorização. A temática mereceu melhor tratamento e matização quan<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

estu<strong>do</strong> da jurisprudência, das súmulas e <strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes.<br />

Destaca-se que muitas técnicas trazidas <strong>por</strong> institutos consolida<strong>do</strong>s em outros<br />

países foram utilizadas parcamente com “déficit <strong>de</strong> uso”, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> acanha<strong>do</strong> e com<br />

total falta <strong>de</strong> interesse “comprometimento profissional”, a ponto <strong>de</strong> não convencer <strong>de</strong><br />

sua real im<strong>por</strong>tância.<br />

Atribui-se a isso também a falta <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong> mecanismos tecnológicos<br />

como meios aptos na condução <strong>do</strong>s serviços jurídicos em todas as etapas. Os<br />

meios tecnológicos são bons tanto quanto a concepção <strong>de</strong> Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva, instituto utiliza<strong>do</strong> na Alemanha que se crê<br />

tenha se espelha<strong>do</strong> em outros como comparação ou equiparação, a exemplo da<br />

common law.


Como segun<strong>do</strong> plano, fica o pensamento: Como fazer tu<strong>do</strong> isso? Tão<br />

somente pelo esforço da vonta<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s recursos limita<strong>do</strong>s e esgotáveis da espécie<br />

h<strong>um</strong>ana, sem a entronização <strong>do</strong>s meios tecnológicos como mecanismos técnicos<br />

capazes <strong>de</strong> dar a real dimensão ao sistema judiciário normativo.<br />

A responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> monopólio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é a <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a tal agenda<br />

essencial e <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m nacional <strong>de</strong> forma plena e concreta, no<br />

que concerne aos serviços da Justiça.<br />

Para isso, a a<strong>de</strong>quação <strong>do</strong>s instr<strong>um</strong>entos processuais junto ao Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário exige mais <strong>do</strong> que “leis”! Elas nós já temos em excesso! É fazê-las c<strong>um</strong>prir<br />

a precípua missão pedagógica <strong>por</strong> inclusão, formação, orientação, socialização e<br />

pacificação social. Por intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> meio simples e seguro que aproxime<br />

efetivamente seus <strong>de</strong>stinatários.<br />

325<br />

13.3 O papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz no <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> CPC na pon<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>s valores<br />

Mais im<strong>por</strong>tante <strong>do</strong> que apren<strong>de</strong>r é recordar. O juiz representa o elemento<br />

central <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo jurisdicional vigente, como representante <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> junto<br />

ao Po<strong>de</strong>r Judiciário e em sobreposição aos interesses das partes com forte<br />

vinculação com a lei criada pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo.<br />

Resulta ser a máquina h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz a responsável <strong>por</strong> processar<br />

os fatos e os dispositivos legais e <strong>de</strong>ssa alquimia promover <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> si e da<br />

capacida<strong>de</strong> cognitiva que <strong>de</strong>tém o processamento<strong>do</strong> Direito para o alcance da<br />

Justiça.<br />

Essa é sua real e finalística missão. Para o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>ssa função<br />

pública, o Esta<strong>do</strong>/juiz nutre-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>po<strong>de</strong>r</strong>osa roupagem estrutural fornecida pelo<br />

Esta<strong>do</strong> <strong>–</strong> segun<strong>do</strong> as normas nortea<strong>do</strong>ras que alimentam o Po<strong>de</strong>r Judiciário para<br />

seu funcionamento <strong>–</strong>, conforme prevista da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e na Lei Orgânica<br />

que regulamenta sua ativida<strong>de</strong>.


326<br />

Ao analisar e comparar a relação entre os estatutos processuais <strong>de</strong> 1973 e<br />

2015, passa a ser ativida<strong>de</strong> colegial <strong>de</strong> s<strong>um</strong>a im<strong>por</strong>tância no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> extrair <strong>de</strong>ssa<br />

ativida<strong>de</strong> pedagógica o substrato <strong>do</strong> que po<strong>de</strong> se esperar <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Juiz, a partir<br />

<strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil. 230<br />

De <strong>um</strong>a forma direta e incisiva, essas ativida<strong>de</strong>s representam as linhas<br />

nortea<strong>do</strong>ras da cartografia que <strong>de</strong>marca a dinâmica <strong>do</strong>s trabalhos <strong>do</strong> juiz e seu<br />

papel à luz da legislação ainda vigente até o instante <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong><br />

presente estu<strong>do</strong>.<br />

Todavia, encontra-se em vacatio, o <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> estatuto processual,<br />

cristaliza<strong>do</strong> pela lei 11.305/2015, o qual tem trazi<strong>do</strong> comentários e questionamentos,<br />

inclusive quanto ao aspecto formal <strong>do</strong> processo legislativo e aos <strong>de</strong>mais aspectos<br />

pertinentes ao surgimento <strong>de</strong> qualquer tema que envolva o campo <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário nacional.<br />

Distante <strong>do</strong> <strong>de</strong>talha<strong>do</strong> e comenta<strong>do</strong> contexto <strong>do</strong>s aspectos constitucionais<br />

legislativos, o que parece plausível <strong>de</strong> atenção ao <strong>limite</strong> <strong>do</strong> presente capítulo é<br />

perscrutar como ficou o papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz à luz da nova sistemática processual.<br />

Segun<strong>do</strong> Puoli (2015, p. 132), o juiz,<br />

Em sua missão <strong>de</strong> criar regras <strong>de</strong> “sobre <strong>direito</strong>”, a Lei <strong>de</strong> Introdução às<br />

Normas <strong>do</strong> Direito Brasileiro (LINDB) estipula em seu art. 5º que, “na<br />

aplicação da lei o juiz aten<strong>de</strong>rá aos fins sociaisa que ela se dirige e às<br />

exigências <strong>do</strong> bem com<strong>um</strong>. Esta diretriz se en<strong>de</strong>reça ao campo da<br />

interpretação das normas jurídicas, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> claro que o juiz, ao<br />

empreen<strong>de</strong>r a ativida<strong>de</strong> intelectual <strong>de</strong> buscar pelo senti<strong>do</strong> efetivo <strong>do</strong>s textos<br />

legais <strong>de</strong>ve ater-se não apenas à exata expressão gramatical, posto que<br />

<strong>de</strong>verá ter em mente, também, a finalida<strong>de</strong> social da norma. Inclusive, cabe<br />

observar que, no referi<strong>do</strong> artigo da LINDB, parece haver repetição<br />

<strong>de</strong>snecessária <strong>de</strong> palavras, eis que, smj, a finalida<strong>de</strong> social das normas se<br />

confun<strong>de</strong> com a busca pela realização <strong>do</strong> bem com<strong>um</strong> que, no “frigir <strong>do</strong>s<br />

ovos”, correspon<strong>de</strong> ao objetivo último <strong>do</strong> próprio Direito.<br />

230<br />

Segun<strong>do</strong> Didier et al. (2011, p. 103-104): “O Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>de</strong> 1973 e suas sucessivas<br />

modificações, preveem, em artigos distintos, os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>do</strong> juiz, tanto na direção <strong>do</strong> processo quanto<br />

no que se refere à instrução processual propriamente dita. Assim estabelece o art. 125 <strong>do</strong> código<br />

que: O juiz dirige o processo, competin<strong>do</strong>-lhe: I <strong>–</strong> assegurar às partes igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento; II <strong>–</strong><br />

velar pela rápida solução <strong>do</strong> litígio; III <strong>–</strong> prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignida<strong>de</strong> da<br />

Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. / Veja-se que os incisos <strong>do</strong> art. 125<br />

apresentam cláusulas abertas, caben<strong>do</strong> ao intérprete apontar qual o real conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong><br />

intrínseco a “velar pela rápida solução <strong>do</strong> litígio”, <strong>por</strong> exemplo. / Além <strong>do</strong> art. 125, art. 445,<br />

especificamente no que tange às audiências <strong>de</strong> instrução e julgamento, estabelece que o juiz exerce<br />

o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> polícia, competin<strong>do</strong> lhe: I <strong>–</strong> manter a or<strong>de</strong>m e o <strong>de</strong>coro na audiência; II <strong>–</strong> or<strong>de</strong>nar que se<br />

retirem da sala <strong>de</strong> audiência os que se com<strong>por</strong>tarem inconvenientemente; III <strong>–</strong> requisitar, quan<strong>do</strong><br />

necessário, a força policial. Ainda no tocante aos <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es instrutórios <strong>do</strong> juiz, fixa o art. 342. O juiz<br />

po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> ofício, em qualquer esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo, <strong>de</strong>terminar o c<strong>um</strong>primento pessoal das partes, a fim<br />

<strong>de</strong> interrogá-las sobre os fatos da causa”.


327<br />

O <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil explicita <strong>de</strong> forma objetiva <strong>um</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> da vida laboriosa <strong>do</strong> profissional juiz na lida com o sistema<br />

normativo que outrora já vinha sen<strong>do</strong> capta<strong>do</strong> pelos estu<strong>do</strong>s com<strong>por</strong>tamentais <strong>do</strong><br />

magistra<strong>do</strong> brasileiro, conforme cita<strong>do</strong> <strong>por</strong> Castelar e que aparelha aqui o objeto <strong>do</strong>s<br />

estu<strong>do</strong>s científicos.<br />

Posto avaliar a questão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz, aquilata-se que o Esta<strong>do</strong><br />

Constitucional <strong>de</strong> Direito tem como objetivo filtrar pela lei Maior <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> prático<br />

em que, nortea<strong>do</strong> pelos dispositivos garantísticos, se alcance o Esta<strong>do</strong> social<br />

efetivamente, o que seria o objetivo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito.<br />

Em resulta<strong>do</strong> inverso, seria forçar o intérprete a partir <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social<br />

(Justiça social) para legitimar sua ação em <strong>um</strong>a lei abstrata que estaria a justificar a<br />

posição tomada. Seria o mesmo que primeiro <strong>de</strong>cidir e <strong>de</strong>pois fundamentar.<br />

Na nova atmosfera, nota-se o registro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a obrigação maior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz,<br />

<strong>um</strong>a participação mais ativa, interativa e proativa na contem<strong>por</strong>ização <strong>do</strong>s conflitos,<br />

através <strong>de</strong> ações reais no campo teórico e prático, ou melhor, prático-teórico, no<br />

exercício da judicatura.<br />

Todavia, operan<strong>do</strong> <strong>por</strong> mecanismos <strong>de</strong> contenção e “calibração” <strong>do</strong> sistema<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma menos rígida à luz da legalida<strong>de</strong> e mais afeta ao Esta<strong>do</strong> social.<br />

Acredita-se que as circunstâncias vão indubitavelmente influenciar como também<br />

<strong>de</strong>terminar o tipo <strong>de</strong> Justiça, segun<strong>do</strong> a ocasião ou causalida<strong>de</strong>.<br />

A tarefa hércula atribuída ao magistra<strong>do</strong> completa-se com os seguintes<br />

adágios “É a responsabilida<strong>de</strong> maior <strong>do</strong> que a compensação <strong>do</strong> cargo” ou “Como é<br />

que vou dar conta <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> isso?”<br />

De fato, diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a inexistente política judiciária <strong>–</strong> que <strong>de</strong>veria tratar da<br />

infraestrutura <strong>do</strong> Judiciário em busca <strong>de</strong> cauterizar problemas recorrentes <strong>–</strong> é mister<br />

implantar mecanismos <strong>novo</strong>s e mais eficazes <strong>do</strong> que os já<br />

existentes. 231 Indispensável também a<strong>do</strong>tar <strong>um</strong>a agenda <strong>de</strong> compromissos<br />

231<br />

Segun<strong>do</strong> Mancuso, “Impõe-se, presentemente, o implemento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a renovada e arrojada política<br />

judiciária, focada na ampla divulgação sobre os mo<strong>do</strong>s auto e heterocompositivos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong><br />

controvérsias, como <strong>um</strong>a alternativa à secular cultura judiciarista, cujas nefastas consequências hoje<br />

se fazem sentir tanto sobre o Esta<strong>do</strong> como sobre os jurisdiciona<strong>do</strong>s. Neste senti<strong>do</strong>, a avaliação <strong>de</strong><br />

Carlos Alberto Salles: ‘Para fins da questão central, [...] qual seja a <strong>de</strong> saber quanto a viabilida<strong>de</strong><br />

jurídica <strong>de</strong> se restringir o acesso à <strong>justiça</strong> em benefício <strong>de</strong> mecanismos alternativos, <strong>de</strong>ve-se<br />

consi<strong>de</strong>rar a existencia <strong>de</strong> <strong>um</strong> forte elemento <strong>de</strong> opção política no tipo <strong>de</strong> proposta sob exame. Não<br />

<strong>por</strong> outra razão fala-se em políticas <strong>de</strong> limitação <strong>de</strong> acesso à <strong>justiça</strong>, buscan<strong>do</strong> evi<strong>de</strong>nciar não se<br />

cuidar <strong>de</strong> escolhas estritamente técnicas, mas submetidas direta ou indiretamente a critérios<br />

valorativos e condiciona<strong>do</strong>s a <strong>limite</strong>s jurídicos’ (MANCUSO, Ro<strong>do</strong>lfo <strong>de</strong> Camargo. A resolução <strong>do</strong>s


328<br />

judiciários, projetar e c<strong>um</strong>prir metas possíveis em soluções <strong>de</strong>finitivas. O juiz,<br />

enquanto meio <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> para a operação <strong>do</strong> Direito e da Justiça, em seu <strong>novo</strong> papel,<br />

parece estar sen<strong>do</strong> conduzi<strong>do</strong> ao hiperbólico.<br />

Sedimenta-se essa realida<strong>de</strong> pela simples impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução <strong>do</strong>s<br />

fins técnicos <strong>de</strong> sua função, diante da insuficiência h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong>s meios, ou seja,<br />

para a realização das propostas trazidas pelo <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo<br />

Civil parafrasean<strong>do</strong> Marinoni não basta somente <strong>um</strong> <strong>novo</strong> CPC.<br />

A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar o ponto <strong>de</strong> equilíbrio ou equitativo em cada caso na<br />

pon<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>s aspectos sociais geraria em primeira or<strong>de</strong>m a hostilização <strong>do</strong><br />

princípio da legalida<strong>de</strong>.<br />

Esteio <strong>do</strong> sistema Constitucional, além <strong>de</strong> comprometer as conquistas e os<br />

<strong>de</strong>mais princípios basilares que dão sustentação ao Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito. A estrutura<br />

encapsulada em diálogo entre o artigo 8º e art. 140 e os parágrafos da lei<br />

11.305/2015 força o juiz a ir além da interpretação <strong>do</strong>s dispositivos legais.<br />

Essa ginástica hermêutica interpretativa dá-se pela incessante busca da<br />

concretização pela força imperativa das leis ao alcance <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social, que <strong>de</strong>ve<br />

ser <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es, mas que coloca o Judiciário e seu<br />

protagonista central como a última via a dar efetivida<strong>de</strong> concreta aos problemas não<br />

trata<strong>do</strong>s pela administração pública. Siqueira Castro (2010, p. 245-246) <strong>de</strong>nuncia o<br />

fim da separação <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es:<br />

To<strong>do</strong>s esses exemplos <strong>de</strong> transposição constitucional <strong>de</strong> competências<br />

institucionais revelam a pouca rigi<strong>de</strong>z <strong>do</strong> cânone da separação <strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es,<br />

<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> em evidência sua fragilida<strong>de</strong> teórica para servir como fonte <strong>de</strong><br />

monopólio <strong>por</strong> cada Po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> exercício da competência orgânica<br />

respectiva. Daí afirmar José Afonso da Silva, que “a ampliação das<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Contem<strong>por</strong>âneo impôs nova visão da teoria da<br />

separação <strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es e novas formas <strong>de</strong> relacionamento entre os órgãos<br />

legislativo e Executivo e <strong>de</strong>ste com o Judiciário, tanto que atualmente se<br />

prefere falar em colaboração <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es, que se fundamenta na conciliação<br />

<strong>de</strong> duas técnicas: in<strong>de</strong>pendência orgânica e harmonia <strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es.<br />

Uma ênfase maior <strong>de</strong>veria ser <strong>de</strong>stinada ao Po<strong>de</strong>r Executivo e ao plano <strong>de</strong><br />

governo volta<strong>do</strong>s para <strong>um</strong>a administração e <strong>um</strong>a gestão pública com planos e metas<br />

para a infraestrutura, a educação, a saú<strong>de</strong> e a economia, <strong>de</strong>ntre outras áreas afetas<br />

ao <strong>de</strong>senvolvimento e ao crescimento quantitativo e qualitativo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

conflitos e a função judicial no contem<strong>por</strong>âneo esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>. São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s<br />

Tribunais, 2009, p. 151)”.


329<br />

O tratamento da<strong>do</strong> pelo <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil nos<br />

aludi<strong>do</strong>s dispositivos não tem <strong>um</strong>a sistematização científica com a realida<strong>de</strong> vigente,<br />

<strong>de</strong>monstra que a reforma em alguns aspectos mexeu on<strong>de</strong> não <strong>de</strong>veria ter mexi<strong>do</strong> e<br />

causa, assim, <strong>um</strong> <strong>de</strong>sarranjo em nítida <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> técnica legislativa<br />

<strong>por</strong> insuficiência <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong> causa.<br />

A ansieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r em colocar na estrutura <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código<br />

<strong>de</strong> Processo Civil to<strong>do</strong>s os suprimentos para torná-lo <strong>um</strong>a ferramenta suprema,<br />

estabiliza<strong>do</strong>ra, eficaz e, <strong>por</strong> consequência, útil à manutenção da segurança, da<br />

máxima acessibilida<strong>de</strong>, da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> trato com os conflitos sociais não se <strong>de</strong>u <strong>por</strong><br />

completo.<br />

Essa postura legislativa refletiu mais <strong>do</strong> que o <strong>de</strong>sconhecimento <strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong>sníveis sociais da realida<strong>de</strong> brasileira. A carência <strong>de</strong> pesquisas e estu<strong>do</strong>s<br />

balisa<strong>do</strong>s evi<strong>de</strong>ncia a inexistência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a política judiciária bem alicerçada e<br />

estruturada capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r, com o apoio <strong>de</strong> especialistas, às reais causas<br />

motiva<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>s problemas da Justiça brasileira.<br />

Observa-se que o momento não permite mais ensaios e testes. É <strong>de</strong><br />

conhecimento prático e teórico a endêmica morosida<strong>de</strong> e a incerteza judiciária.<br />

Resta evitar exigir <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz a prática <strong>de</strong> ações que fogem <strong>de</strong> seus reais<br />

propósitos e possibilida<strong>de</strong>, a ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>svirtuar suas reais funções, ou seja,<br />

atuan<strong>do</strong> mais para a assistência social <strong>do</strong> que para a proteção e a manutenção <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito. A manobra legislativa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa forma reprisa o conteú<strong>do</strong><br />

encapsula<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito Constitucional.<br />

Contem<strong>por</strong>aneamente, a técnica da explicitação é tida como simplificação e<br />

objetivação <strong>do</strong>s textos legais, <strong>por</strong>ém expandiu exageradamente a função <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>/juiz no sentir <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s dispositivos que molduram suas funções.<br />

É im<strong>por</strong>tante que o Esta<strong>do</strong>/juiz possa contar com o levantamento <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e<br />

informações <strong>de</strong> outras ciências <strong>de</strong>vidamente atualizadas, além <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s<br />

comparativos. O a<strong>por</strong>te <strong>de</strong> produção intelectual contribui <strong>de</strong>cisivamente na melhoria<br />

não só <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong>s problemas originários como <strong>de</strong> institutos e técnicas<br />

processais.


330<br />

O cerceamento <strong>de</strong>sses conhecimentos em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> função<br />

que se faz imaginar pela nova sistemática processual <strong>por</strong> vezes faz obliterar o<br />

Direito. Se a perspectiva é dar acessibilida<strong>de</strong>, estabilida<strong>de</strong> e segurança à Justiça, a<br />

condução <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz com dilatada discricionarieda<strong>de</strong> social implicará<br />

instabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória.<br />

O <strong>novo</strong> <strong>de</strong>sign <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz se não mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á sem dúvidas<br />

prejudicar a conjugação <strong>do</strong> plano, <strong>do</strong> projeto e <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />

compatíveis com o sistema normativo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> extensão que visa à estabilização<br />

<strong>do</strong>s Direitos, graças à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a melhor juridicida<strong>de</strong> em tempo razoável.<br />

Embora extensa e complexa, a Justiça precisa dar-se em tempo razoável,<br />

previsível e segura. 232<br />

No adágio antigo “Na panela em que muitos mexem, a comida <strong>de</strong>sanda”, temse<br />

a subsunção da or<strong>de</strong>m forjada pelo parágrafo único <strong>do</strong> art. 140 <strong>do</strong> atual <strong>novo</strong>reforma<strong>do</strong><br />

Código <strong>de</strong> Processo Civil.<br />

Não se po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> fato, suplantar <strong>do</strong>s jurisdiciona<strong>do</strong>s os Direitos e as Garantias<br />

Fundamentais conquista<strong>do</strong>s, nem tampouco engessar a ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong> na<br />

lida com a lei e a realida<strong>de</strong> social que ele enfrenta, no lavor da rotina judiciária.<br />

Os critérios que representam “as regras <strong>do</strong> jogo” exigem maior clareza e<br />

objetivida<strong>de</strong>, melhores <strong>do</strong> que a obscurida<strong>de</strong> e os infortúnios da incerteza, o que,<br />

além <strong>de</strong> retrocesso, não teria a<strong>de</strong>rência ao cotejamento sistemático da lei Maior,<br />

principalmente para os que nela buscam socorro. Caso contrário, os jurisdiciona<strong>do</strong>s<br />

observariam que o diploma processual não serviria <strong>de</strong> meios protetivos, como<br />

esclarece Puoli (2015, p. 134):<br />

232<br />

Para Tucci, “Diante <strong>de</strong>sse im<strong>por</strong>tante fenômeno, houve, como era notório,<strong>um</strong> vertiginoso<br />

crescimento da <strong>de</strong>manda perante o Po<strong>de</strong>r Judiciário. Os números alarmantes são <strong>de</strong> conhecimento<br />

geral. E isso tu<strong>do</strong> agrava<strong>do</strong> pela circunstância <strong>de</strong> que a constitucionalização <strong>de</strong> <strong>um</strong> conflito tão<br />

ousa<strong>do</strong> <strong>de</strong> garantias, sem a consecução consistente <strong>de</strong> políticas públicas e sociais correlatas, tem<br />

propicia<strong>do</strong>, sem dúvida, maior judicialização <strong>do</strong>s conflitos. / A sincronização <strong>do</strong> sistema judiciário pelo<br />

ato <strong>de</strong> julgar representa <strong>um</strong>a ação <strong>de</strong> dilatação agregada ao dispositivo, com o escopo <strong>de</strong> dar à<br />

aplicação da lei o alcance necessário ao caso concreto. Todavia a influenciabilida<strong>de</strong> a que se<br />

submete a espécie h<strong>um</strong>ana nos contextos sociais faz com que o próprio sistema seja coloca<strong>do</strong> em<br />

risco. / Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que as garantias sociais são normas com carga material <strong>de</strong> aplicação imediata,<br />

é necessário que o sistema processual contenha mecanismo que gere <strong>um</strong> procedimento claro e<br />

objetivo, para que os julga<strong>do</strong>s contenham critérios que o<strong>por</strong>tunizem sempre a rapi<strong>de</strong>z, a<br />

previsibilida<strong>de</strong> e a segurança jurídica, ou simplesmente, somente os <strong>de</strong>savisa<strong>do</strong>s irão tocar o sinete<br />

<strong>do</strong> Judiciário (TUCCI, José Rogério Cruz. Nota <strong>do</strong>s Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res. In: Revista <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, ano<br />

XXXV, n. 126, p. 7, mai. 2015, p. 144)”.


331<br />

Afirma-se isto sem me<strong>do</strong> <strong>de</strong> erro, eis os vários valores da dignida<strong>de</strong><br />

h<strong>um</strong>ana, da pro<strong>por</strong>cionalida<strong>de</strong> e da razoabilida<strong>de</strong>, <strong>por</strong> sua pouca <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />

normativa, não po<strong>de</strong>m servir <strong>de</strong> pretexto para que em to<strong>do</strong> e/ou qualquer<br />

caso, possa ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rada a lei. Se isto fosse permiti<strong>do</strong>, haveria<br />

aniquilação <strong>de</strong> valor segurança, posto que o uso indiscrimina<strong>do</strong> <strong>de</strong> tais<br />

princípios levaria a inúmeros julgamentos subjetivos que, sem a <strong>de</strong>vida<br />

legitimida<strong>de</strong>, retirariam valida<strong>de</strong> das escolhas feitas pelos canais políticos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação, a respeito das condutas que <strong>de</strong>vem ser prestigiadas e/ou<br />

reprimidas em nossa socieda<strong>de</strong>. Deste mo<strong>do</strong> propugna-se que, como já tem<br />

si<strong>do</strong> ensina<strong>do</strong>, continuem tais valores a ser invoca<strong>do</strong>s como normas, <strong>de</strong><br />

contenção, aplicáveis apenas em situações <strong>limite</strong>s, nas quais a norma<br />

positivada estiver levan<strong>do</strong> a verda<strong>de</strong>iros absur<strong>do</strong>s não tolera<strong>do</strong>s pelo<br />

sistema.<br />

A nova sistemática processual propõe mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, mas<br />

<strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> juízes. O que se extrai <strong>de</strong>sse contexto, com o a<strong>um</strong>ento <strong>do</strong><br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> nas mãos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz, é haver <strong>um</strong> gradual acréscimo <strong>de</strong> risco.<br />

O que significaria dizer, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa forma, que a lei sofre <strong>um</strong> <strong>de</strong>svalor ao<br />

seu imperativo pelas inúmeras formas permissivas <strong>de</strong> técnicas hermenêuticas <strong>de</strong><br />

que o aplica<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> valer-se ao interpretar o dispositivo legal em favor <strong>de</strong> sua<br />

pessoalida<strong>de</strong> ou subjetivida<strong>de</strong>.<br />

O Esta<strong>do</strong> social levará muito em consi<strong>de</strong>ração a formação <strong>de</strong> cada<br />

Esta<strong>do</strong>/juiz, o que contribuirá inexoravelmente para sedimentar a <strong>de</strong>núncia feita no<br />

presente estu<strong>do</strong> diante da relação entre <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> e a Justiça imprevisível.<br />

Essa tendência já vinha introjetada pelo projeto <strong>de</strong> lei 166/10 e acaba<br />

concretizan<strong>do</strong>-se com a edição da nova lei <strong>do</strong> estatuto processual civil. É preciso<br />

acreditar, no entanto, que o brocar<strong>do</strong> latim iuranovit curia tenha o condão <strong>de</strong> fazer<br />

com que os magistra<strong>do</strong>s partam da Lei para o Esta<strong>do</strong> social.<br />

Caso não seja essa a logística operacional processual a<strong>do</strong>tada, ter-se-á<br />

como consagrada não <strong>um</strong>a Justiça, mas “Justiças” <strong>de</strong> cada caso, <strong>por</strong>que a<br />

circunstâncias <strong>de</strong> cada caso po<strong>de</strong>m permitir interpretações e resulta<strong>do</strong>s diversos. 233<br />

233<br />

Todavia, afirma Fux: “O projeto <strong>de</strong> Lei n. 166/10, que propõe o <strong>novo</strong> sistema processual, traz<br />

dispositivo elencan<strong>do</strong> e amplian<strong>do</strong> os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>, reforçan<strong>do</strong> a função <strong>do</strong> juiz <strong>de</strong> dirigir o<br />

processo asseguran<strong>do</strong> o tratamento isonômico às partes, velan<strong>do</strong> pela rápida solução <strong>do</strong> litígio e<br />

a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong> as fases e atos processuais às especificações <strong>do</strong> conflito, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a conferir maior<br />

efetivida<strong>de</strong> à tutela <strong>do</strong> bem jurídico. / Os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>do</strong> juiz manifestam-se durante to<strong>do</strong> o processo,<br />

contu<strong>do</strong> há momentos <strong>de</strong> concetração <strong>do</strong> exercício <strong>de</strong>sses <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es que permitem <strong>um</strong>a<br />

sistematização básica, pelo tempo, circunstâncias e características da fase processual em que se<br />

verificam. / São cinco as espécies <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>do</strong> juiz: 1) o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> admitir, ou inadimitir a <strong>de</strong>manda,<br />

inician<strong>do</strong> ou não o processo; 2) o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar o procedimento, estabelecen<strong>do</strong> como será o<br />

curso processual; 3) o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> estruturar a acervo probatório, <strong>de</strong>ferin<strong>do</strong> e in<strong>de</strong>ferin<strong>do</strong> provas,<br />

fiscalizan<strong>do</strong> sua produção e <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong>-a <strong>de</strong> oficio, quan<strong>do</strong> necessário; 4) o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> julgar os<br />

pedi<strong>do</strong>s e extinguir o processo inapto a prosseguir; 5) o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> coerção, que concretiza a <strong>de</strong>cisão<br />

judicial pelo exercício da força <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, no caso <strong>de</strong> recalcitrância <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>va c<strong>um</strong>prí-la (FUX,


332<br />

A segurança exarada pelo entendimento fuxiano apresenta-se muito seguro<br />

<strong>de</strong> si, <strong>por</strong>ém com<strong>por</strong>ta-se com certo sofisma, o que significa dizer que o teor <strong>do</strong> seu<br />

entendimento é quase o equivalente a tirar a verda<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> si e reproduzi-la aos<br />

<strong>de</strong>mais.<br />

O que não parece ser a melhor técnica para o que se tem <strong>de</strong> concreto junto à<br />

realida<strong>de</strong> judiciária pátria, em que é atribuída aos tribunais a estabilização <strong>do</strong> Direito.<br />

Em contraponto e com incomensurável experiência da labuta, explica Dinamarco<br />

(2010, p. 90):<br />

À vista das particularida<strong>de</strong>s e exigências que em cada caso concreto<br />

i<strong>de</strong>ntificar, o juiz formulará ele próprio o juízo <strong>de</strong> valor que enten<strong>de</strong>r<br />

apropria<strong>do</strong>, <strong>de</strong>cidin<strong>do</strong> conforme essa convicção; no Direito brasileiro<br />

exemplifica-se com a fixação <strong>de</strong> alimentos a disposição sobre a guarda <strong>do</strong>s<br />

filhos, o arbitramento <strong>de</strong> honorários da suc<strong>um</strong>bência etc. Mas a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

escolha <strong>do</strong> juiz não chega ao ponto <strong>de</strong> confundir sua ativida<strong>de</strong> com a <strong>do</strong><br />

legisla<strong>do</strong>r: pauta-se a <strong>de</strong>ste <strong>por</strong> <strong>um</strong> insondável critério político <strong>de</strong><br />

conveniência, ao <strong>passo</strong> que ao juiz consiste sempre em buscar em alg<strong>um</strong><br />

lugar, ainda que no mais recôndito <strong>do</strong>s sentimentos da socieda<strong>de</strong>, a norma<br />

geral <strong>de</strong> que se origina a regra <strong>do</strong> caso concreto; e tanto isso é verda<strong>de</strong><br />

que o juiz tem o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> motivar a sentença dispositiva, a qual ainda<br />

sujeita aos recursos normais.<br />

Da forma como posto no <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, o<br />

alargamento <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, em que pese a vinculação motivacional exigida, a mesma<br />

como <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> <strong>por</strong> Calamandrei, não faltarão exemplos <strong>de</strong> c<strong>um</strong>primento ou<br />

distanciamento <strong>do</strong> Direito.<br />

A confusão legislativa entre Esta<strong>do</strong> social e Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito exige que on<strong>de</strong><br />

se lê aquela expressão se entenda esta. Mais <strong>do</strong> que isso, como já ensinava<br />

Hannah Arendt, é preciso antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir avaliar os critérios, pois quase sempre os<br />

relegamos ao esquecimento.<br />

Nesse contexto, o Direito na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> exige que os critérios a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />

sejam <strong>de</strong> <strong>um</strong> meio que possibilite a presença da estabilida<strong>de</strong> para produzir <strong>um</strong><br />

resulta<strong>do</strong> estável, previsível, enfim seguro.<br />

O Esta<strong>do</strong>/juiz não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>spreza<strong>do</strong>, todavia precisa ser repensa<strong>do</strong> não<br />

enquanto função, <strong>por</strong>ém enquanto meio <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito ao alcance da<br />

Justiça. Para Oliveira Neto (2015, p.), o <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil<br />

silenciou a respeito <strong>do</strong> princípio da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> física <strong>do</strong> juiz, senão vejamos.<br />

Luiz (Org). O <strong>novo</strong> processo civil brasileiro: <strong>direito</strong> em expectativa: reflexões acerca <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong><br />

<strong>novo</strong> código <strong>de</strong> processo civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2011, p. 198)”.


333<br />

Há <strong>de</strong> ser ressalta<strong>do</strong>, <strong>por</strong> fim, que o atual diploma silenciou quanto a <strong>um</strong> <strong>do</strong>s<br />

princípios expressamente previstos no anterior, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

física <strong>do</strong> juiz, razão pela qual o magistra<strong>do</strong> que conclui a instrução não está<br />

mais vincula<strong>do</strong> ao julgamento da causa, que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser feito <strong>por</strong> outro juiz.<br />

O excerto firma o entendimento <strong>de</strong> que existe o risco <strong>de</strong> influenciabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>/juiz em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> envolvimento com a causa e as provas produzidas.<br />

Outrossim, confirma o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito como métrica guia a ser seguida pelo<br />

Esta<strong>do</strong>/juiz.<br />

Posiciona o Esta<strong>do</strong>/juiz como <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> <strong>um</strong>a função precípua <strong>de</strong> vigilância<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito ao seu exímio c<strong>um</strong>primento. Disso po<strong>de</strong> se ressaltar que o<br />

silêncio <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r dá a enten<strong>de</strong>r seis possibilida<strong>de</strong>s.<br />

a) O Esta<strong>do</strong>/juiz instrui o caso e julga conforme seu convencimento e convicção.<br />

b) O Esta<strong>do</strong>/juiz atua na fase preparatória e, estan<strong>do</strong> o caso apto para <strong>de</strong>cisão, <strong>um</strong><br />

outro Esta<strong>do</strong>/juiz que não tenha participa<strong>do</strong> da fase <strong>de</strong> preparação <strong>de</strong>cidiria o<br />

caso.<br />

c) De flexibilizar o sistema operacional <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito na fase preparatória<br />

<strong>–</strong> po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser utiliza<strong>do</strong> outro meio, no caso o tecnológico, em que as partes se<br />

encarregariam <strong>de</strong> produzir as provas <strong>por</strong> suas próprias responsabilida<strong>de</strong>s até o<br />

ato <strong>de</strong>cisional; estan<strong>do</strong> o caso instruí<strong>do</strong>, o Esta<strong>do</strong>/juiz <strong>de</strong>cidiria;<br />

d) De flexibilizar o sistema operacional <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito na fase <strong>de</strong>cisional <strong>–</strong><br />

nesta hipótese o Esta<strong>do</strong>/juiz instruiria o processo com as partes e abasteceria<br />

<strong>um</strong> sistema media<strong>do</strong> <strong>por</strong> meio tecnológico que <strong>de</strong>cidiria a questão.<br />

e) De flexibilizar o sistema operacional na fase preparatória e <strong>de</strong>cisional <strong>–</strong> nesta<br />

hipótese <strong>um</strong> sistema (meio) programa<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tecnologia em<br />

Inteligência Artificial estaria mo<strong>de</strong>lada para receber as informações <strong>de</strong> fato,<br />

avaliar as provas produzidas, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> exigir a complementação, avaliar,<br />

pon<strong>de</strong>rar e <strong>de</strong>cidir segun<strong>do</strong> a legislação vigente.<br />

f) De flexibilizar a partir <strong>do</strong> firmamento da tese com base em Direito e a<br />

consequente formação <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>ntes, constituir <strong>um</strong> sistema programa<strong>do</strong> em<br />

Inteligência Artificial capaz para nesta hipótese a cada <strong>novo</strong> caso que tenha<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com o prece<strong>de</strong>nte gerar automaticamente <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão mediada pela<br />

tecnologia jurídica.


334<br />

14 ASPECTOS GERAIS PARA UM MODELO ESTRUTURAL PROCESSUAL<br />

TECNOLÓGICO<br />

14.1 A verda<strong>de</strong>ira função <strong>do</strong> conhecer para a <strong>de</strong>vida programação<br />

Antes <strong>de</strong> qualquer mudança, é natural que a resistência se apresente como<br />

primeiro estágio. Em seguida, juntamente com a resistência, é com<strong>um</strong> também que<br />

as críticas façam parte <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> dia <strong>por</strong> <strong>um</strong> longo perío<strong>do</strong>.<br />

Porém, com o tempo, aos poucos os olhos começam a notar que a nova<br />

or<strong>de</strong>m passa a <strong>de</strong>monstrar sua aptidão e com isso tem-se <strong>por</strong> superada a alteração<br />

temida. É assim a ação com<strong>por</strong>tamental da espécie h<strong>um</strong>ana: dá-se diante <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> proteção.<br />

A cada momento da história, as respostas coligidas têm relação com o<br />

contexto em que se encontram e é nessa atmosfera que os fenômenos acontecem,<br />

<strong>por</strong> isso, qualquer interpretação fora <strong>do</strong> contexto se releva anacrônica.<br />

É preciso, <strong>por</strong>tanto, compreen<strong>de</strong>r os fatores sociais, antropológicos,<br />

sociológicos, <strong>de</strong>ntre outros não cita<strong>do</strong>s, mas que <strong>por</strong> serem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância,<br />

acabam <strong>por</strong> influenciar os resulta<strong>do</strong>s e explicar os fins.<br />

No âmbito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, tais questões suscitadas e rapidamente<br />

“caricaturadas” têm cons<strong>um</strong>i<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema as mais diversas combinações,<br />

alterações, inserções, restaurações e reformas.<br />

Com o objetivo maior <strong>de</strong> fazer com que, <strong>de</strong>ntro da estrutura <strong>de</strong> organização<br />

estatal vigente <strong>de</strong> Justiça, <strong>um</strong> <strong>de</strong> seus <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es possa alcançar as propostas feitas<br />

secularmente quan<strong>do</strong> o tratamento em questão envolve o indivíduo e suas<br />

complexas relações, com brevida<strong>de</strong>, previsibilida<strong>de</strong> e segurança.<br />

É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>las que os conflitos germinam, tornam-se problemas e muitas<br />

vezes se eternizam, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a não resolução efetiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. O<br />

homem, em semelhante processo, é o centro <strong>de</strong> maior preocupação.


335<br />

Juridicamente, o que o sistema judiciário <strong>de</strong>ve fazer é protegê-lo e, ao mesmo<br />

tempo, permitir que sua vida navegue sem que possíveis conflitos ou suas<br />

existências transformem-se em eterno pesa<strong>de</strong>lo. Simples assim! Esse é o objetivo e<br />

nada mais!<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, é função <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário servir bem o cidadão; para isso,<br />

os meios que o Esta<strong>do</strong> tem encontra<strong>do</strong> para a resolução <strong>do</strong>s conflitos é a jurisdição,<br />

sem que haja <strong>por</strong> parte <strong>de</strong>la a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> outros meios alternativos. 234<br />

A jurisdição revela-se como <strong>um</strong> meio <strong>de</strong>ntre outros pelo qual, no fim da<br />

prestação jurisdicional, seja com o resulta<strong>do</strong> positivo ou negativo, realiza<strong>do</strong> o ato <strong>de</strong><br />

mediação <strong>do</strong> Direito para o alcance da Justiça conforme i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong><br />

constitucionalmente e que acontece ao menos em tese.<br />

O Esta<strong>do</strong> garante a disponibilização <strong>de</strong> <strong>um</strong> mecanismo para a resolução <strong>de</strong><br />

conflitos e busca dar efetivida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>ém, caso não se concretize, não implica essa<br />

inefetivida<strong>de</strong> a dissolução ou a <strong>de</strong>sconstrução da jurisdição estatal. Por este viés, o<br />

Esta<strong>do</strong> garante os meios e não os fins.<br />

O máximo que se constata é o empenho e o <strong>de</strong>sempenho pelo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> técnicas para a concretização material <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Constitucional <strong>de</strong> Direito.<br />

Semelhante situação po<strong>de</strong> ser observada diante das sentenças conten<strong>do</strong><br />

erros ou in<strong>justiça</strong>s: sua existência no plano material não afeta o processo, que se<br />

conserva a ser utiliza<strong>do</strong> em outros casos em que haverá outras <strong>de</strong>cisões. Como<br />

retrada Lacerda (2008, p. 31):<br />

234<br />

Como esclarece Coutinho Silva: “A violação das normas <strong>de</strong> conduta traçadas pelo <strong>direito</strong> material<br />

impõe a atuação <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver estatal <strong>de</strong> prestar a tutela jurisdicional, pacifican<strong>do</strong> os conflitos. / Com a<br />

elaboração das leis, afirma Liebman, não se consi<strong>de</strong>ra ainda plenamente realizada a função <strong>do</strong><br />

Direito. Embora a lei dite as regras <strong>de</strong> conduta que <strong>de</strong>vem ser observadas pelos membros da<br />

socieda<strong>de</strong>, essas normalmente possuem conteú<strong>do</strong> geral e abstrato, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que “é preciso<br />

assegurar, na medida <strong>do</strong> possível, a sua estreita observância, em nome da liberda<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s <strong>de</strong><br />

cada <strong>um</strong> na or<strong>de</strong>m objetiva da convivência social”; em outras palavras, é necessário, sempre que<br />

falte a observância espontânea, i<strong>de</strong>ntificar, <strong>de</strong>clarar e dar atuação a essas regras, caso <strong>por</strong> caso, nas<br />

vicissitu<strong>de</strong>s concretas da vida <strong>de</strong> cada dia, eventualmente até meios coercitivos (SILVA, Ana <strong>de</strong><br />

Lour<strong>de</strong>s Coutinho. Motivação das <strong>de</strong>cisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 19)”.


336<br />

GOLDSCHMIDT apresentou <strong>um</strong>a análise muito certa daquilo que é peculiar<br />

ao Direito processual. Mas toda esta visão não <strong>de</strong>strói, absolutamente, a<br />

teoria <strong>de</strong> que no processo existe <strong>um</strong>a relação jurídica <strong>de</strong> Direito público<br />

entre as partes e o Esta<strong>do</strong>, representa<strong>do</strong> pelo juiz. O juiz é <strong>um</strong><br />

representante <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, a relação jurídica não é com a pessoa <strong>do</strong> juiz;<br />

efetivamente, é como o Esta<strong>do</strong> no exercício <strong>de</strong> sua função jurisdicional, e<br />

esta função é exercida <strong>por</strong> <strong>um</strong> juiz. Nota-se que no curso <strong>do</strong> processo o juiz<br />

po<strong>de</strong> mudar sem que se altere a relação jurídica <strong>de</strong> Direito público. O<br />

problema da sentença injusta, da senteça errada, em nada afeta a natureza<br />

jurídica <strong>do</strong> processo como <strong>um</strong>a relação, evi<strong>de</strong>ntemente típica, que possui<br />

estas características dinâmicas.<br />

Nessa dinâmica ao final, <strong>de</strong> forma acertada ou não, existe <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão<br />

realizada pela jurisdição. Muito embora o ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir não seja da natureza da<br />

jurisdição, ele encampa essa condição <strong>de</strong>cisória <strong>por</strong>que o Esta<strong>do</strong> a <strong>de</strong>finiu como<br />

instituto a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> ao exercício da Justiça, sen<strong>do</strong> ela administrada pelo Esta<strong>do</strong> na<br />

pessoa <strong>de</strong> <strong>um</strong> juiz.<br />

Duas questões interessantes e relevantes <strong>de</strong>stacam-se: a) O ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir<br />

conflito não é exclusivo da jurisdição, que o faz <strong>por</strong> força <strong>de</strong> princípios e garantias<br />

constitucionais. b) se os erros ou atos injustos não <strong>de</strong>snaturam nem o processo em<br />

si como técnica instr<strong>um</strong>ental para obtenção da Justiça que acontece <strong>por</strong> intermédio<br />

da jurisdição que também é estatal, tanto a jurisdição como o processo nada mais<br />

são <strong>do</strong> que técnicas conceituais/procedimentais <strong>de</strong>senvolvidas para aten<strong>de</strong>r aos fins<br />

da Justiça.<br />

Pressupõe-se, <strong>por</strong>tanto, que as técnicas existentes nesses institutos são<br />

escritas <strong>por</strong> esquemas teóricos <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações para atingir <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> fim.<br />

Isso leva a pensar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que partes ou totalida<strong>de</strong>s possam ser<br />

<strong>de</strong>senvolvidas pela linguagem da tecnologia, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> todas<br />

as bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações existentes e to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> funcionamento<br />

<strong>do</strong> mecanismo jurisdicional.<br />

O Po<strong>de</strong>r Judiciário é <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> conexão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no exercício <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong><br />

seus <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es em sua organização. Observa-se que é <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> servir bem o<br />

cidadão aos serviços da Justiça.<br />

Sen<strong>do</strong> a jurisdição <strong>um</strong> atributo da Justiça estatal, o compromisso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

ao seu c<strong>um</strong>primento tem natureza iminentemente política, ou seja, a Justiça estatal<br />

faz parte <strong>de</strong> <strong>um</strong> programa Democrático Constitucional que busca garantir os Direitos<br />

e as Garantias Fundamentais <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> seu eficaz funcionamento: ao menos<br />

essa é a proposta insculpida na lei Maior.


337<br />

O Esta<strong>do</strong>, nesse processo, vem notan<strong>do</strong> que o atendimento aos conflitos<br />

sociais está a cada dia se fazen<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>ficitária, em que pesem os esforços,<br />

os mecanismos gera<strong>do</strong>s e todas as medidas a<strong>do</strong>tadas pelas políticas judiciárias<br />

vigentes com a edição <strong>de</strong> novas leis, institutos e técnicas jurídicas que <strong>por</strong> eles<br />

germinam.<br />

Têm-se <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong> mais retrocessos <strong>do</strong> que avanços, principalmente <strong>por</strong>que<br />

as medidas a<strong>do</strong>tadas não estão vocacionadas para dar o tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> às<br />

estruturas <strong>do</strong>s sistemas e as técnicas processuais que os investem, quan<strong>do</strong> muito<br />

buscan<strong>do</strong> contem<strong>por</strong>izar os efeitos, o que muitas vezes pouco resolvem.<br />

A partir da emenda constitucional n. 45/2004, o or<strong>de</strong>namento encampou o<br />

inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição e a lei <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong><br />

Processo Civil à luz da lei 13.105/2015 em seu artigo 4º que, em s<strong>um</strong>a, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a prestação <strong>do</strong>s serviços da Justiça <strong>de</strong>ve dar-se <strong>por</strong> “meios”que<br />

garantam <strong>um</strong>a duração razoável.<br />

Ilustra ainda que os referi<strong>do</strong>s dispositivos dialogo com trata<strong>do</strong>s e convenções<br />

internacionais, legislações comparadas e até mesmo com o sistema processual <strong>de</strong><br />

1973, encampa<strong>do</strong> em gran<strong>de</strong> parte pelo atual CPC <strong>de</strong> 2015, ainda não vigente.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> esses e outros fatores já expostos na pesquisa, não se revela<br />

pretensioso que os “meios” ventila<strong>do</strong>s no rol <strong>do</strong>s Direitos e Garantias Fundamentais<br />

da Lei Maior não possam ser interpreta<strong>do</strong>s no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> reconhecer a tecnologia<br />

como “meio” apto a gerir o sistema processual cuja natureza ainda tem gran<strong>de</strong><br />

pre<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s resquícios da convencionalida<strong>de</strong> hereditária das sistemáticas que o<br />

antece<strong>de</strong>ram.<br />

O avanço avalia<strong>do</strong> seria a inauguração <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema processual digital em<br />

que as regras or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ras pu<strong>de</strong>ssem estar programadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a plataforma<br />

em tecnologia capaz <strong>de</strong> processar todas a informações <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> <strong>direito</strong>.<br />

A tecnologia, <strong>por</strong> si só, com exceção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los tecnológicos mais mo<strong>de</strong>rnos<br />

<strong>–</strong> capazes <strong>de</strong> produzir <strong>inteligência</strong> <strong>–</strong> exige que o sistema seja programa<strong>do</strong> e<br />

alimenta<strong>do</strong> com informações e da<strong>do</strong>s que lhe dão condições <strong>de</strong> funcionamento.<br />

A tecnologia apresenta-se como <strong>um</strong> bem em si, pois se nutre da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

rapi<strong>de</strong>z, eficiência e segurança, é meio que pontifica fins que são comuns à natureza<br />

da informática, ou seja, a tecnologia é <strong>um</strong>a ciência que oferece ao sistema judiciário<br />

habilida<strong>de</strong>s e competências para que possa fazer com as leis possam c<strong>um</strong>prir seus<br />

fins, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que exista <strong>um</strong> projeto encampa<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a politica judiciária tecnológica.


338<br />

O ambiente tecnológico nutre ainda plasticida<strong>de</strong> e ductibilida<strong>de</strong> o que torna<br />

possível a integração <strong>de</strong> várias linguagens, permite a comunicação plena no <strong>limite</strong><br />

das intersecções culturais <strong>–</strong> <strong>limite</strong> <strong>do</strong> su<strong>por</strong>tável.<br />

A vantagem <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema processual digital é a possibilida<strong>de</strong> da<br />

implantação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a política intelectual da soma, ou seja, <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> que foi produzi<strong>do</strong>,<br />

a fim <strong>de</strong> o sistema registrar e promover as <strong>de</strong>vidas acomodações para o pleno<br />

funcionamento feito para este objetivo.<br />

O uso a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse meio facilita a realização <strong>do</strong>s serviços antes<br />

realiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma artesanal pela espécie h<strong>um</strong>ana, ativida<strong>de</strong> a cada dia mais difícil,<br />

em <strong>de</strong>corrência da complexida<strong>de</strong> e da diversida<strong>de</strong> contigencial.<br />

A missão das interfaces é a <strong>de</strong> tornar as ações intuitivas da <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong> fácil compreensão e reprodução pelos meios tecnológicos. Em <strong>um</strong>a<br />

rápida análise, quan<strong>do</strong> a espécie h<strong>um</strong>ana trata <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> leis, <strong>de</strong>nota em regra<br />

que se têm teses antagônicas, mas que, ao final, existe <strong>um</strong>a convergência a favor <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a posição <strong>do</strong>minante ou majoritária.<br />

Isso no campo da tecnologia é compreensível e administrável, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a<br />

previsibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> que se apresenta com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> similar.<br />

Por isso, é possível programar a superação <strong>de</strong>ssa instabilida<strong>de</strong>, inclusive<br />

condicionan<strong>do</strong> o posicionamento ao entendimento pre<strong>do</strong>minante como forma <strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>são ao critério da consensualida<strong>de</strong> <strong>por</strong> maioria, i<strong>de</strong>ia essa heditária da lógica da<br />

Democracia.<br />

A previsibilida<strong>de</strong> indicada <strong>de</strong>monstra que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />

complexida<strong>de</strong> e da diversida<strong>de</strong>, a espécie h<strong>um</strong>ana não é <strong>um</strong>a espécie cujas<br />

peculiarida<strong>de</strong>s representem mutabilida<strong>de</strong> impossível <strong>de</strong> ser usada com parâmetros.<br />

Além <strong>de</strong> que, em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito e Justiça, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

estabilização <strong>do</strong> entendimento <strong>do</strong>s dispositivos faz com que as diversida<strong>de</strong>s sejam<br />

objetivadas pela sedimentação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tese ou <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento previsível.<br />

As distorções ou diferenças são rapidamente equalizadas, pois, <strong>um</strong>a vez<br />

i<strong>de</strong>ntificadas como diferentes, passam a ser padrões <strong>de</strong> referencial aguardan<strong>do</strong> que<br />

<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> similar passe a gerar <strong>um</strong>a modalida<strong>de</strong> diferente <strong>de</strong> família<br />

com<strong>por</strong>tamental.<br />

Portanto, a espécie h<strong>um</strong>ana é clausterizel, isto significa dizer que existem<br />

gostos e padrões iguais, e isso é passível <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e catalogação <strong>por</strong> <strong>um</strong><br />

sistema informatiza<strong>do</strong>.


339<br />

Essa repetição é que faz com que o computa<strong>do</strong>r, a informática e a Inteligência<br />

Artificial como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> possam i<strong>de</strong>ntificar, classificar, categorizar, registrar e<br />

reproduzir o com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

Sen<strong>do</strong> as normas abstratas e <strong>por</strong>ta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> conceitos in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s e<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se a imprevisibilida<strong>de</strong> e a complexida<strong>de</strong> sociais, a partir <strong>do</strong> momento<br />

em que a tecnologia passe a captar as adversida<strong>de</strong>s e as complexida<strong>de</strong>s da<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, com isso conhecen<strong>do</strong>-as melhor, o sistema normativo po<strong>de</strong><br />

passar a receber outra conotação.<br />

É possível correlacionar! Não se trata <strong>de</strong> invasão <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong><br />

trazer da privacida<strong>de</strong> a previsibilida<strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamental social, estudá-la melhor e dar<br />

tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> à atmosfera <strong>do</strong> Direito.<br />

Em condições como essas citadas, até mesmo o processo legislativo passaria<br />

a ser influencia<strong>do</strong> pela tecnologia, pois passaria a dar melhores condições para que<br />

tal <strong>po<strong>de</strong>r</strong> estivesse em sintonia mais próxima da realida<strong>de</strong> social, editan<strong>do</strong> normas<br />

compatíveis com a socieda<strong>de</strong> cujo conteú<strong>do</strong> preten<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r.<br />

Atualmente, a compreensão e o alcance normativo são realiza<strong>do</strong>s pela teoria<br />

da arg<strong>um</strong>entação jurídica, em que o hermeneuta é leva<strong>do</strong> ao estresse, ao realizar<br />

ginástica intelectual em esforço muitas vezes <strong>de</strong> impossível conclusão.<br />

É tensiona<strong>do</strong> seu <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> e/ou capacida<strong>de</strong> intelectual em cognição<br />

especializada, dada sua capacida<strong>de</strong> cognitiva, em busca <strong>de</strong> contextualizar o real<br />

alcance normativo, sem muitas vezes sequer conhecer seu <strong>de</strong>stinatário.<br />

O <strong>de</strong>stino <strong>do</strong> Direito e da Justiça tem pela frente o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> “meio”,<br />

a tecnologia que revolucionou a história <strong>do</strong> homem, levan<strong>do</strong>-o para lugares<br />

<strong>de</strong>masiadamente distantes; sinaliza para mudar o <strong>de</strong>stino <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong> seus<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>es e <strong>de</strong> suas funções.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a proposição já verbalizada <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve servir bem o<br />

cidadão, a tecnologia como meio <strong>de</strong> condução das informações e da<strong>do</strong>s para a<br />

realização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça menos custosa, <strong>de</strong> fácil acesso, mais célere e eficaz,<br />

representa <strong>um</strong>a proposta irrecusável.<br />

Tem-se que o sistema tecnológico já está inseri<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico <strong>por</strong> intermédio da emenda Constitucional 45/04 e da lei 11.417/06, <strong>por</strong>ém<br />

utilizada como auxiliar equidistante <strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> Direito e da Justiça, mesmo com<br />

bases consolidadas no diploma Constitucional e processual já plasma<strong>do</strong>s.


340<br />

Atualmente, a tecnologia judiciária matém em sua plataforma <strong>de</strong> forma não<br />

integrada entre as Justiças e os processos eletrônicos, tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong> armazenamento<br />

<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s estrutura<strong>do</strong>s e não estrutura<strong>do</strong>s.<br />

Semelhante mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> loteamento sistêmico aqui <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> não provém da<br />

concepção da tecnologia, que visa sempre integrar, sistematizar, unificar, centralizar<br />

e padronizar. Significa dizer que retrata o mau uso ou o uso ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> da<br />

tecnologia.<br />

Aqueles representam em torno <strong>de</strong> 6% (tema, assunto, números<br />

i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>res, partes e <strong>de</strong>mais da<strong>do</strong>s cadastrais) e esses, em torno <strong>de</strong> 94%,<br />

conten<strong>do</strong> efetivamente as informações a que os opera<strong>do</strong>res atualmente precisam ter<br />

acesso para <strong>de</strong>liberar sobre quais ações <strong>de</strong>vem realizar.<br />

É assim a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações com que a espécie h<strong>um</strong>ana lida<br />

em seu cotidiano, além <strong>do</strong> que é verbaliza<strong>do</strong> cotidianamente entre os homens<br />

comuns, em torno <strong>de</strong> mais ou menos 2.500 (duas mil e quinhentas) palavras e,<br />

entre as mulheres, o <strong>do</strong>bro.<br />

Tecnologicamente, é possível com a décima parte <strong>de</strong>ssa quantida<strong>de</strong> atingir os<br />

objetivos pretendi<strong>do</strong>s, o que significa dizer que a comunicação h<strong>um</strong>ana da forma<br />

como instr<strong>um</strong>entalizada gera <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> tempo aos fins objetiva<strong>do</strong>s.<br />

No atual estágio da tecnologia e com o acúmulo <strong>do</strong> capital intelectual em que<br />

se encontra o <strong>de</strong>senvolvimento social, o conhecimento <strong>de</strong>ssas <strong>inteligência</strong>s, ou<br />

melhor, a união <strong>de</strong>ssas <strong>inteligência</strong>s possibilita que a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana tenha<br />

<strong>de</strong>scoberto na Artificial <strong>um</strong>a fonte reprodutora da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

Como isso, po<strong>de</strong>-se dizer que a Inteligência Artificial possa com a tecnologia<br />

em linguagem <strong>de</strong> programação e <strong>de</strong>mais formas em <strong>inteligência</strong> extrair <strong>do</strong>s textos<br />

informações e da<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>les fazer uso e/ou produzir <strong>novo</strong>s conhecimentos a partir<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a matriz semântica, correlacionan<strong>do</strong> ao contexto e aos fins que se objetivam.<br />

Uma mecânica cibernética <strong>de</strong>ssa dimensão oferta a produção <strong>de</strong> textos objetivos e<br />

sua rápida condução pelos canais da tecnologia.<br />

Programar o Direito e a Justiça não parece algo impossível, pois a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concretização <strong>do</strong>s preceitos constitucionais até então severamente<br />

hostiliza<strong>do</strong>s pela ineficácia representa fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a necessida<strong>de</strong> cuja realida<strong>de</strong> se<br />

comprova em qualquer <strong>um</strong>a das Justiças existentes e disponíveis <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> território<br />

nacional.


341<br />

Aliás, como já cita<strong>do</strong>, a avaliação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário feita <strong>por</strong> seus<br />

cons<strong>um</strong>i<strong>do</strong>res diretos dispensa as arg<strong>um</strong>entações <strong>de</strong> qualquer jurista pátrio, <strong>por</strong><br />

melhor que seja.<br />

Em que pese a tamanha qualida<strong>de</strong> que ele ofertou <strong>de</strong>ter em cognição, se ao<br />

sistema que serve seu conhecimento pouco contribui para a resolução <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a anomalia que perdura <strong>por</strong> mais <strong>de</strong> século na morosida<strong>de</strong>, ineficiência e<br />

imprevisibilida<strong>de</strong>.<br />

Em semelhante cenário, tem-se observa<strong>do</strong> <strong>por</strong> meio <strong>de</strong>/das informações<br />

transmitidas <strong>por</strong> pesquisas que a taxa <strong>de</strong> repetibilida<strong>de</strong> é <strong>um</strong>a variável com<strong>um</strong>,<br />

<strong>de</strong>ntro da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatos e <strong>de</strong> Direito.<br />

E que para cada caso universal exige-se <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão que possa universalizar<br />

a categoria <strong>de</strong> casos, cuja i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> Direito tenha gera<strong>do</strong> <strong>um</strong>a família<br />

específica no âmbito <strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

Conhecida essa realida<strong>de</strong>, o Esta<strong>do</strong>, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a política judiciária<br />

tecnológica, po<strong>de</strong> mover-se produzin<strong>do</strong> meios capazes <strong>de</strong> dar auxílio e apoio no<br />

que se revelar necessário ao pleno funcionamento <strong>do</strong> <strong>novo</strong> sistema <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong><br />

conflitos.<br />

Uma plataforma <strong>de</strong>ssa dimensão permitiria a inserção <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, a<br />

produção, o funcionamento e o controle, instituin<strong>do</strong> com isso o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

relação entre indivíduos e as informações e da<strong>do</strong>s produzi<strong>do</strong>s pelos <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entos<br />

que se materializam no cotidiano social.<br />

Uma instituição <strong>de</strong>ssa gran<strong>de</strong>za permitiria maior produtivida<strong>de</strong> em respostas à<br />

procura <strong>por</strong> Justiça, geraria <strong>um</strong>a participação mais inclusiva, possibilitaria a<br />

mensuração da produtivida<strong>de</strong> judiciária, armazenaria a produção intelectual jurídica.<br />

De mo<strong>do</strong> a dar acessibilida<strong>de</strong> pelos mesmos meios, integraria a produção nos<br />

planos nacional e internacional. Está <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s das cre<strong>de</strong>nciais<br />

internacionais e promoveria a padronização <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> jurídico.<br />

Uma Justiça com essa envergadura evitaria a reprodução <strong>de</strong> trabalhos<br />

repeti<strong>do</strong>s, fomentaria <strong>um</strong>a melhor homogeneização a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a juridicida<strong>de</strong><br />

integral.<br />

Teria condições <strong>de</strong> entregar <strong>um</strong>a maior publicida<strong>de</strong>, conteria o<br />

dimensionamento quantitativo e qualitativo e a visualização <strong>de</strong> indica<strong>do</strong>res reais<br />

ativos em várias formas e formatos.


342<br />

Em tais condições, a tecnologização <strong>do</strong> Direito e da Justiça representam <strong>um</strong><br />

meio <strong>de</strong> flexibilizar o sistema judiciário, permitin<strong>do</strong> que os “meios” tecnológicos<br />

possam servir a Justiça <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma diferenciada, c<strong>um</strong>prin<strong>do</strong>, assim, mais <strong>um</strong>a<br />

meta da sua agenda <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. 235 Em síntese, a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, em<br />

<strong>um</strong>a dimensão menor, tem a mesma dinâmica, pois, o sistema reproduz, a partir <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a programação na qual o mo<strong>de</strong>lo matricial é produzi<strong>do</strong> pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

A espécie h<strong>um</strong>ana guarda suas informações no <strong>limite</strong> máximo <strong>de</strong> sua<br />

memória, enquanto a plataforma tecnológica conta com <strong>um</strong> repositório <strong>de</strong> hard-disc<br />

on<strong>de</strong> os conhecimentos ficam disponíveis, sen<strong>do</strong> resgatáveis quan<strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>s,<br />

<strong>um</strong>a vez que to<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> é in<strong>de</strong>xa<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas categorização e<br />

classificação.<br />

A espécie h<strong>um</strong>ana e sua produção intelectual em gran<strong>de</strong> parte têm sua<br />

reprodução <strong>por</strong> intermédio da empiria, enquanto o sistema tecnológico dispõe <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong>s bayesianas que são programações (IA) <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong>s condicionais, em<br />

<strong>um</strong>a relação <strong>de</strong> sugestão dinâmica extraídas da base com<strong>por</strong>tamental.<br />

O resulta<strong>do</strong> para essa espécie <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> para cada produção tem sua<br />

total integração, conduzida para o repositório, enquanto a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, se<br />

não exercitada, aos poucos começa a ter o conteú<strong>do</strong> dissipa<strong>do</strong> pelo não uso ou pela<br />

ausência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a complentação.<br />

Enquanto a Inteligência Artificial possui estrutura sofisticada, que é o<br />

aprendiza<strong>do</strong> obti<strong>do</strong> pelo fluxo <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong> sistema e a produção das re<strong>de</strong>s que<br />

transacionam em torno <strong>de</strong> quase 2 bilhões <strong>de</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entos <strong>por</strong> segun<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

pesquisa, que parece ser h<strong>um</strong>anamente inalcançável.<br />

235<br />

Para Gajar<strong>do</strong>ni: “Eis aqui o fundamento da flexibilização das regras, <strong>de</strong> forma ainda que prevista<br />

genericamente e rigidamente pelo sistema. / De fato, os procedimentos abstratamente previstos pelo<br />

legisla<strong>do</strong>r são <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo formal cujo principal escopo é <strong>de</strong>belar a crise <strong>de</strong> <strong>direito</strong> material. Se a<br />

variação ritual se impõe para a solução mais rápida e a<strong>de</strong>quada <strong>do</strong> litígio, então não há espaço,<br />

apesar <strong>do</strong> vício <strong>de</strong> forma, para se falar em nulida<strong>de</strong>, já que o escopo <strong>do</strong> procedimento foi plenamente<br />

atingi<strong>do</strong> (GAJARDONI, Fernan<strong>do</strong> da Fonseca. Flexibilização procedimental: <strong>um</strong> <strong>novo</strong> enfoque para<br />

o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> procedimento em matéria processual, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as recentes reformas <strong>do</strong> CPC. São<br />

Paulo: Atlas, 2008, p. 104)”.


343<br />

Portanto, é possível afirmar que tu<strong>do</strong> que é conheci<strong>do</strong> pela espécie h<strong>um</strong>ana<br />

po<strong>de</strong> ser programável em <strong>um</strong>a outra linguagem <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> meio em<br />

tecnologia <strong>de</strong> Inteligência Artificial. Disso também po<strong>de</strong> se inferir que o Direito e a<br />

Justiça se veem a cada instante convida<strong>do</strong>s a se alfabetizarem ao idioma da (IA),<br />

para o c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong>s seus fins.<br />

14.2 As súmulas, a jurisprudência e os prece<strong>de</strong>ntes, seus papéis sistêmicos<br />

processuais embrionários <strong>de</strong> linguagens tecnológicas<br />

A i<strong>de</strong>ia maior que habita <strong>por</strong> trás <strong>do</strong>s institutos que <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma<br />

cristalizam o entendimento sobre a relação complexa <strong>de</strong> fatos, sua diversida<strong>de</strong> e o<br />

Direito que <strong>de</strong>ve perfilhar os casos idênticos caminham r<strong>um</strong>o à essencialida<strong>de</strong><br />

jurídica <strong>de</strong> ter-se efetivamente <strong>um</strong>a Justiça imparcial, prevísivel e segura. É <strong>direito</strong><br />

<strong>do</strong> Cidadão ter Direito!<br />

Para isso é im<strong>por</strong>tante <strong>de</strong>senvolver mecanismos e estruturas cujas técnicas<br />

possuam meios a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s e compatíveis para a realização <strong>de</strong> centralização,<br />

unificação, integração, uniformização, padronização e sistematização operacional <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça, com isso garantin<strong>do</strong> ao jurisdiciona<strong>do</strong>, ou melhor, aos<br />

envolvi<strong>do</strong>s, <strong>um</strong>a Justiça material. 236<br />

A concepção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça previsível se afilia à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> segurança jurídica,<br />

<strong>de</strong> isonomia, <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong> concreta e <strong>de</strong>scomplicada <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito que tem<br />

vocação para popularida<strong>de</strong>. De acesso livre e a to<strong>do</strong>s.<br />

Um Direito já interpreta<strong>do</strong> em seu entendimento para o fácil uso. Isso muitas<br />

vezes se vê sacrifica<strong>do</strong> pelo esforço <strong>cognitivo</strong> <strong>de</strong> interpretações que somente<br />

aten<strong>de</strong>m a <strong>um</strong>a posição isolada.<br />

236<br />

Segun<strong>do</strong> Didier Jr. e outros (2011, p. 16), “[...]atualmente, o sistema <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

constitucionalida<strong>de</strong> das leis no Direito <strong>de</strong> nosso país, notadamente essa função da chamada<br />

“objetivação” <strong>do</strong> recurso extraordinário, que, muito embora seja <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> controle difuso <strong>de</strong><br />

constitucionalida<strong>de</strong> das leis, tem servi<strong>do</strong>, também, ao controle abstrato. / A “objetivação” <strong>do</strong> recurso<br />

extraordinário, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> outros expedientes (ex: criação da súmula vinculante <strong>–</strong> CF, art. 103 A-;<br />

repercussão geral <strong>do</strong> recurso extraordinário <strong>–</strong> CF, art. 102, par.3º; julgamento <strong>do</strong>s recursos especiais<br />

repetitivos <strong>–</strong> CPC, art. 543 C, a<strong>um</strong>ento <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong>s relatores <strong>–</strong> CPC, art. 557<strong>–</strong>, julgamento liminar<br />

<strong>de</strong> improcedência <strong>–</strong> CPC, art. 285<strong>–</strong>A; <strong>de</strong>monstra, claramente, a tendência <strong>de</strong> uniformização da<br />

jurisprudência, verticalização das <strong>de</strong>cisões judiciais e valorização <strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes no or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico brasileiro”.


344<br />

E que nem sempre representam o entendimento consolida<strong>do</strong> sobre o Direito<br />

cultural nacional em questão, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça tomada mais pela espetacularida<strong>de</strong><br />

pelo prazer <strong>do</strong> duelo <strong>do</strong> que pela materialida<strong>de</strong> Constitucional pela satisfação da<br />

própria lei, que é a prevenção ou a pacificação <strong>de</strong> <strong>um</strong> conflito.<br />

A massificação <strong>do</strong> Direito e da Justiça é <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> inquestionável, mas se<br />

tem cura pela via da classificação e da categorização <strong>do</strong>s casos e <strong>do</strong>s dispositivos<br />

afetos a sua resolução.<br />

Esta meto<strong>do</strong>logização conduzirá a consolidação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça pautada para<br />

dar aos iguais o mesmo Direito e isso passaria a acontecer com a cristalização<br />

normativa <strong>de</strong>cidida pelos tribunais. 237<br />

Semelhante com<strong>por</strong>tamento cientificamente se apresenta como <strong>um</strong>a<br />

alternativa <strong>de</strong> fluxo-esquemático-objetivo ao sistema processual e que se contrapõe<br />

ao <strong>de</strong>sestimulante sistema gera<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> fluxo-esquemático-subjetivo, em que as<br />

“regras <strong>do</strong> jogo” <strong>de</strong>ixam a <strong>de</strong>sejar quanto à certeza e à previsibilida<strong>de</strong>. São causas<br />

idênticas com <strong>de</strong>cisões não idênticas.<br />

Por isso as técnicas processuais <strong>de</strong> estabilização <strong>do</strong> Direito<br />

embrionariamemte se assemelham às regras <strong>de</strong> programação da <strong>inteligência</strong><br />

computacional, ou seja, <strong>de</strong>têm diretrizes <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong> normativa <strong>por</strong> força <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> prévio e objetivo estabelecimento das regras que <strong>de</strong>vem parametrizar as<br />

relações.<br />

237<br />

Conforme esclarece Carmona: “Atribuir efeitos normativos aos tribunais é, em verda<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a<br />

tendência <strong>do</strong> Direito brasileiro. Mesmo antes <strong>do</strong> advento da súmula vinculante, o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral já dispunha <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> normativo expresso na competência, regular e seguidamente exercida,<br />

para <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis ou atos normativos fe<strong>de</strong>rais e estaduais, cassan<strong>do</strong>-os ou<br />

<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> a cassação <strong>de</strong> sua eficácia. / Entretanto, para qualificar <strong>de</strong> normas jurídicas as súmulas<br />

vinculantes, é necessário, primeiramente, estabelecer o conceito <strong>de</strong> norma jurídica. Segun<strong>do</strong> Kelsen,<br />

“normas jurídicas são normas <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema que, para o caso <strong>de</strong> violação da norma, prevê, no final,<br />

<strong>um</strong>a sanção, isto é, <strong>um</strong>a força organizada, especialmente <strong>um</strong>a pena ou <strong>um</strong>a execução. Dentre as<br />

características das súmulas vinculantes que a qualificam como norma jurídica, po<strong>de</strong>mos incluir seu<br />

formato geral e abstrato, similar ao texto legal. Entretanto, é o efeito vinculante, imposto ao Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário e à Administração Pública, que impõe maiores observações (CARMONA, Carlos Alberto<br />

(Org). Reflexões sobre a reforma <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil: estu<strong>do</strong>s em homenagem a Ada<br />

Pellegrini Grinover, Cândi<strong>do</strong> R. Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: Atlas, 2007, p. 274)”.


345<br />

Mesmo na ação h<strong>um</strong>ana, é presente <strong>um</strong>a certa racionalização<br />

com<strong>por</strong>tamental pelo número <strong>de</strong> combinações <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s pelo próprio<br />

com<strong>por</strong>tamento. Por isso, é possível que a tecnologia em Inteligência Artificial <strong>por</strong><br />

meio <strong>de</strong> programação converta a racionalização h<strong>um</strong>ana em outra linguagem.<br />

O projeto <strong>por</strong> <strong>um</strong> sistema mais bem forja<strong>do</strong> pelos princípios da legalida<strong>de</strong>, da<br />

isonomia e da segurança já vinha ganhan<strong>do</strong> corpo expressivo no or<strong>de</strong>namento<br />

nacional brasileiro, conforme comenta<strong>do</strong> <strong>por</strong> Scarpinella em sua obra Amicus Curiae<br />

no Processo Civil Brasileiro. 238<br />

Um sistema que preserve critérios estabiliza<strong>do</strong>r propõe melhores soluções<br />

bem como o encaminhar para que as novas gerações <strong>de</strong> profissionais passem a<br />

exercitar <strong>um</strong>a posição menos mortaliana e carnelluttiana <strong>do</strong> processo, assentan<strong>do</strong>se<br />

em <strong>um</strong>a postura mais participativa, colaborativa e cooperativa em busca <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir<br />

o entendimento <strong>de</strong>finitivo sobre o Direito.<br />

As ondas <strong>de</strong> reformas movimentaram, ao que tu<strong>do</strong> indica, a inspiração <strong>do</strong><br />

legisla<strong>do</strong>r processual, ao inserir no sistema processual a Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva em busca <strong>de</strong> estabilização e previsibilida<strong>de</strong> no<br />

sistema judiciário.<br />

238<br />

“Não há mais razão para olvidar a im<strong>por</strong>tância que, mesmo para <strong>um</strong> “país da civil law”, como o<br />

nosso, a força, quan<strong>do</strong> menos, “persuasiva” <strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s, sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s tribunais superiores, mas<br />

também <strong>do</strong>s tribunais <strong>de</strong> segun<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> jurisdição, ass<strong>um</strong>iram nos últimos anos. E até, em alguns<br />

casos, o caráter vinculante daquelas <strong>de</strong>cisões. / Des<strong>de</strong> sua introdução lenta, com a Lei n. 8.038/90,<br />

até a Emenda Constitucional n. 45/2004, o nosso processo civil <strong>passo</strong>u a conhecer a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

que, <strong>um</strong>a vez resolvi<strong>do</strong>s uns poucos casos sobre dada questão, outros a eles similares acabariam <strong>por</strong><br />

ser resolvi<strong>do</strong>s da mesma forma; até mesmo, diante daquela “jurisprudência”, <strong>passo</strong>u-se a admitir<br />

certos “atalhos” procedimentais, o mais notório <strong>de</strong>les os julgamentos monocráticos no âmbito <strong>do</strong>s<br />

tribunais, estampa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>ntre tantos dispositivos <strong>do</strong> nosso Código <strong>de</strong> Processo Civil, no seu art. 557.<br />

/ Não nos cabe aqui criticar ou elogiar essas modificações legais ou constitucionais. Suficiente,<br />

também aqui, constatarmos essa realida<strong>de</strong> normativa. Seja <strong>por</strong>que <strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong>cisões têm<br />

efeitos vinculantes, seja, quan<strong>do</strong> menos, <strong>por</strong>que têm efeitos “meramente persuavivos”, nunca, para a<br />

nossa experiência jurídica, foi tão im<strong>por</strong>tante saber o que e como os tribunais <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m as mais<br />

variadas questões. E saber como eles <strong>de</strong>cidiram para saber como eles vão <strong>de</strong>cidir nos sucessivos<br />

“<strong>novo</strong>s’ casos que lhes são postos para julgamento (BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no<br />

processo civil brasileiro: <strong>um</strong> terceiro enigmático. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.<br />

36)”.


346<br />

Scarpinella, em sua obra o Novo Código <strong>de</strong> Processo Civil Anota<strong>do</strong> (2015, p.<br />

612-613), ao referir-se ao art; 976 em suas anotações, assim dispõe:<br />

O inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda repetitiva, proposto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

anteprojeto elabora<strong>do</strong> pela comissão <strong>de</strong> juristas, é, sem dúvida alg<strong>um</strong>a, a<br />

mais profunda modificação sugerida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>do</strong>s trabalhos relativos<br />

ao <strong>novo</strong> CPC. / O instituto quer viabilizar <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira concentração <strong>de</strong><br />

processos que versa sobre <strong>um</strong>a mesma questão <strong>de</strong> <strong>direito</strong> no âmbito <strong>do</strong>s<br />

tribunais e permitir que a <strong>de</strong>cisão a ser proferida nele vincule to<strong>do</strong>s os<br />

<strong>de</strong>mais casos que estejam sob a sua competência territorial <strong>do</strong> tribunal<br />

julga<strong>do</strong>r.<br />

Distancia-se da discussão <strong>do</strong>gmática <strong>de</strong> competência e territorialida<strong>de</strong> ou<br />

sobre a inconstitucionalida<strong>de</strong> formal ventilada pelo mesmo <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r, consoante<br />

as disposições encampadas pelo parágrafo único <strong>do</strong> artigo 65 da CF.<br />

E o conflito oriun<strong>do</strong> da supressão dada quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> cotejamento <strong>do</strong> artigo 977<br />

e o artigo 986, <strong>de</strong>corrente da relação entre legitima<strong>do</strong>s para o requerimento da<br />

instauração <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte e <strong>do</strong>s legitima<strong>do</strong>s para a revisão da tese firmada.<br />

O que a<strong>de</strong>re ao escopo <strong>de</strong> pesquisa <strong>do</strong> presente trabalho é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

o <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil pugnar pela existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

linguagem capaz <strong>de</strong> não somente sintetizar seus i<strong>de</strong>ais, mas <strong>de</strong> dar vida à i<strong>de</strong>ologia<br />

que encampa <strong>por</strong> integração, unificação, uniformização e padronização necessárias<br />

ao c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema processual cingi<strong>do</strong> pelos preceitos constitucionais <strong>do</strong><br />

acesso concreto, da celerida<strong>de</strong>, da previsibilida<strong>de</strong>, da segurança e da eficácia.<br />

Aventa-se pelo instituto aponta<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se cristalizar pela<br />

Instauração <strong>do</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva que as <strong>de</strong>cisões<br />

tenham simetria com o tribunal que li<strong>de</strong>re feudalmente o entendimento <strong>de</strong>finitivo em<br />

sua competência e territorialida<strong>de</strong>.<br />

Dá, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, atendimento prioritário ao prece<strong>de</strong>nte que alcança a<br />

consolidação da tese firmada, assim com os <strong>de</strong>mais membros da família (súmulas,<br />

jurisprudências, enuncia<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>ntre outros).<br />

A comutação <strong>do</strong> sistema pre<strong>do</strong>minante da civil law em nosso or<strong>de</strong>namento ao<br />

que sinaliza parece estabelecer <strong>um</strong>a harmonização com o sistema da commom law<br />

com a inovação e a inserção <strong>do</strong> instituto (IIRDR). 239<br />

239<br />

Como esclarece Nobili, “O sistema jurídico pátrio segue a civil law, diante <strong>de</strong> sua origem romana,<br />

sen<strong>do</strong> orienta<strong>do</strong> pela aplicação <strong>de</strong> normas estabelecidas pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo. Significa dizer que<br />

as <strong>de</strong>cisões são baseadas em diplomas legais, previamente estabeleci<strong>do</strong>s e públicos, que preten<strong>de</strong>m<br />

prever as situações da vida cotidiana, subs<strong>um</strong>in<strong>do</strong>-se a elas. / Do outro la<strong>do</strong>, tem se o commom law,


347<br />

Essa posição é <strong>de</strong> real im<strong>por</strong>tância e respeitabilida<strong>de</strong> pelo <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong><br />

vinculação e, consequentemente, obrigatorieda<strong>de</strong> pelo grau <strong>de</strong> supremacia em<br />

verticalida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> trazer em sua essência a potencial natureza da<br />

tecnologização <strong>do</strong>s meios e das formas. Segun<strong>do</strong> Nobili (2014, p. 20),<br />

Para garantir a amplitu<strong>de</strong> da participação <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s, o projeto prevê<br />

a mais ampla publicida<strong>de</strong> possível, conforme artigo 931 <strong>do</strong> projeto,<br />

<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> o registro eletrônico no Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, bem<br />

como nos bancos eletrônicos especializa<strong>do</strong>s. / O banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s será <strong>de</strong><br />

sua im<strong>por</strong>tância para que o sistema que resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

uniformização <strong>de</strong> jurisprudência funcione. Se o objetivo é criar uniformida<strong>de</strong>,<br />

que tem se fornecida ferramenta atualizada que permita a pesquisa pelo<br />

aplica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>direito</strong> das jurisprudências <strong>do</strong>minantes.<br />

A or<strong>de</strong>m Constitucional plasmada na carta política tem forte preocupação com<br />

a proteção e a gararantia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, sen<strong>do</strong> assim, o meio tecnológico se<br />

vê essencial como linguagem capaz para alcançar a unificação, a integração e a<br />

uniformização <strong>do</strong> instituto Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda<br />

Repetitiva.<br />

Inclusive na estabilização das teses idênticas que <strong>de</strong>vem chegar perante os<br />

tribunais distintos e que exigem para efeito <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> Constitucional dar ao<br />

mesmo Direito <strong>um</strong>a única interpretação. Segun<strong>do</strong> Scarpinella (2008, p. 37), “como<br />

alguém po<strong>de</strong> ser afeta<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira tão intensa <strong>por</strong> <strong>um</strong> julgamento <strong>do</strong> qual não<br />

participou, <strong>do</strong> qual não podia participar e sequer sabe que existiu? ”<br />

Para que a nova sistemática processual se consoli<strong>de</strong> em nosso sistema, é<br />

elementar que haja sem dúvida <strong>um</strong>a participação efetiva <strong>do</strong> uso da tecnologia para<br />

que possa dar eficácia ao instituto em comento, inclusive reconhecen<strong>do</strong> a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar <strong>um</strong> sistema processual pelas bases da própria tecnologia em<br />

<strong>um</strong>a linguagem a<strong>de</strong>quada à sua funcionalida<strong>de</strong>.<br />

que possui raízes na cultura anglo-saxônica. Neste a <strong>de</strong>cisão judicial baseia-se em outras <strong>de</strong>cisões<br />

anteriores, em prece<strong>de</strong>ntes, nos usos e cost<strong>um</strong>es <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada localida<strong>de</strong>. Há aplicação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisão em processo similar em outros ainda em julgamento. Nesse caso não há diploma legal<br />

estabeleci<strong>do</strong>, vota<strong>do</strong> pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo (NOBILI, Juliana Teixeira. Comentários sobre o regime<br />

das ações repetitivas. Artigo (Pós-Graduação Lato Sensu em Direito). Escola da Magistratura <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2014, p. 5)”.


348<br />

Quer-se dizer <strong>de</strong>talhadamente que é gerar estrutura hábil e com competência<br />

precisa para que possa classificar, i<strong>de</strong>ntificar e selecionar o “DNA”, ou seja, a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s casos com base na tese em Direito firmada. A confusão entre o<br />

pareci<strong>do</strong> e o idêntico po<strong>de</strong> causar ao sistema judiciário ainda maiores problemas na<br />

medida em que haverá recursos inevitavelmente contra falhas <strong>de</strong>ssa natureza.<br />

Essa dinâmica visa evitar os “gap’s” sistêmicos <strong>por</strong> ausência <strong>de</strong> centralização,<br />

integração, unificação e padronização. Consolida, assim, a i<strong>de</strong>ia subjacente que visa<br />

à aglutinação e à uniformização <strong>do</strong> Direito no ambiente <strong>de</strong> alcance <strong>do</strong>s dispositivos<br />

legais vigentes. 240<br />

Consoante essa essencialida<strong>de</strong>, a manutenção da vida útil da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral está inclinada para sua coesão e coerência jurídica, como alarda<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

Scarpinella, quan<strong>do</strong> sinalizan<strong>do</strong> para o problema da omissão <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> como se<br />

dará a revisão da tese firmada pelo inci<strong>de</strong>nte anteriormente fixa<strong>do</strong>. A compreensão e<br />

a interpretação <strong>de</strong>vem dar-se sempre conforme os preceitos constitucionais.<br />

Além <strong>do</strong> fator <strong>de</strong> como fazer a referida revisão, toman<strong>do</strong> <strong>de</strong> empréstimo a<br />

emblemática questão que toma a cena, precisa-se saber em que velocida<strong>de</strong> se dará<br />

a revisão da tese, diante da nova realida<strong>de</strong> social.<br />

Acredita-se que o velho e retrógra<strong>do</strong> mecanismo <strong>de</strong> discussões infindáveis<br />

que retrata a liturgia <strong>do</strong> manuseio artesanal <strong>do</strong>s tempos empíricos <strong>do</strong>s tribunais<br />

(conflitos i<strong>de</strong>ológicos eterno envolta das infindáveis técnicas hermenêuticas <strong>de</strong><br />

interpretação) precisa ce<strong>de</strong>r a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> à participação <strong>do</strong> uso da Inteligência<br />

Artificial que, <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a plataforma em tecnologia, as memórias <strong>do</strong>s<br />

conhecimentos armazena<strong>do</strong>s e soma<strong>do</strong>s possa consolidar cada vez mais <strong>um</strong>a<br />

posição <strong>de</strong> consensualida<strong>de</strong>.<br />

240<br />

Conforme esclarece Fux <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o projeto 166/10: “O <strong>novo</strong> inci<strong>de</strong>nte analisa<strong>do</strong> no contexto<br />

instr<strong>um</strong>entalista processual predispõe-se, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> outros instr<strong>um</strong>entos, à realização conjunta <strong>de</strong><br />

tais valores. A uniformida<strong>de</strong> na interpretação da lei é medida <strong>de</strong> segurança, na medida em que torna<br />

previsível o com<strong>por</strong>tamento que o Esta<strong>do</strong> espera seja a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo cidadão no que toca a <strong>um</strong> da<strong>do</strong><br />

tema jurídico (previsibilida<strong>de</strong> das expectativas estatais). Ao mesmo tempo, aplican<strong>do</strong>seisonomicamente<br />

a lei, promove-se a <strong>justiça</strong>. / A i<strong>de</strong>ia, com o inci<strong>de</strong>nte, é a <strong>de</strong> aglutinar em <strong>um</strong> só<br />

procedimento a resolução <strong>de</strong> questão pertinente a <strong>um</strong> universo abrangente <strong>de</strong> pessoas, para que<br />

sobre ela o Judiciário se pronuncie uniformemente. E, <strong>por</strong> tal ponto <strong>de</strong> vista, o inci<strong>de</strong>nte se constituirá,<br />

inegavelmente, em favor <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> valor igualitário no processo, <strong>de</strong> que adiante se falará. A<br />

igualda<strong>de</strong> perante a lei pressupõe, evi<strong>de</strong>ntemente, também a igualda<strong>de</strong> na sua aplicação. Restaria<br />

esvaziada a cláusula isonômica se a lei, apesar <strong>de</strong> única, igual para to<strong>do</strong>s, fosse aplicada<br />

diferentemente para cada qual, sem que se pu<strong>de</strong>sse dizer razoável ao discrimen.O inci<strong>de</strong>nte, pois,<br />

permitirá concretizar o tratamento igualitário imposto abstratamente pela Constituição (FUX, Luiz<br />

(Org). O <strong>novo</strong> processo civil brasileiro: <strong>direito</strong> em expectativa: reflexões acerca <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> <strong>novo</strong><br />

código <strong>de</strong> processo civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2011, p. 447)”.


349<br />

Pro<strong>por</strong>cionan<strong>do</strong> o afastamento <strong>de</strong> divergência no ambiente da aplicação <strong>do</strong><br />

Direito, as causas <strong>–</strong> <strong>por</strong>que tanto <strong>um</strong>a quanto as outras já estão <strong>de</strong>senha<strong>do</strong>s em<br />

<strong>um</strong>a matriz semântica <strong>–</strong> já têm gravadas suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

Com isso, passan<strong>do</strong> a ser capaz <strong>de</strong> gerir, dan<strong>do</strong> efetiva consolidação ao<br />

Direito e à Justiça, pois o custo e o tempo <strong>do</strong> trabalho estão para a programação <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> sistema que possa centralizar, integrar, unificar e uniformizar as informações <strong>do</strong>s<br />

tribunais. Tanto quanto o custo e o tempo <strong>do</strong> trabalho das técnicas <strong>de</strong> interpretação<br />

para cada caso.<br />

Há <strong>um</strong>a diamentral diferença não somente em equipotencialida<strong>de</strong><br />

(manutenção da dinâmica programada), a tecnologia em Inteligência Artificial é <strong>um</strong><br />

meio estável em que os fins que se propõem (programa<strong>do</strong>s) são previsíveis, ou seja,<br />

também estáveis.<br />

O monopólio <strong>do</strong> Direito exige superação <strong>do</strong>s meios em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong><br />

resulta<strong>do</strong>; a tecnologia representa <strong>um</strong> mecanismo, a flexibilização <strong>do</strong> sistema<br />

processual e <strong>do</strong> Direito como <strong>um</strong> to<strong>do</strong>, pois, não há motivo para <strong>um</strong>a rebelião<br />

revolucionária das formas tradicionais, entretanto é necessário olhar o futuro com os<br />

olhos <strong>do</strong> futuro, a partir <strong>de</strong> outros instr<strong>um</strong>entos e mecanismos.<br />

Um sistema processual digital em que o Direito possa ser media<strong>do</strong> pelo uso<br />

da tecnologia representa apenas <strong>um</strong> ritual distinto que, se cerca<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Direitos e<br />

das Garantias Fundamentais, propõe resulta<strong>do</strong>s que socorram os maiores<br />

problemas da Justiça. Acredita-se que, assim, se terá <strong>por</strong> satisfeito o próprio Direito.<br />

É mudança <strong>de</strong> <strong>um</strong> ator <strong>por</strong> outro, ou seja, a substituição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tecnologia<br />

em <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana <strong>por</strong> <strong>um</strong>a tecnologia em Inteligência Artificial. Não se discute<br />

a função <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz, pois <strong>de</strong> relevância na vigilância e na proteção <strong>do</strong>s Direitos e<br />

Garantias Fundamentais, inclusive <strong>do</strong>s meios a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s como via alternativa para a<br />

mediação <strong>do</strong> Direito.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral tem como gizada pelo ato em potência dispositivos<br />

que avalizam que a cartografia das competências e das territorialida<strong>de</strong>s sejam<br />

re<strong>de</strong>finidas, re<strong>de</strong>marcadas virtualmente <strong>–</strong> tráfego <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s <strong>–</strong> em prol<br />

da manutenção <strong>do</strong> princípio da integrida<strong>de</strong>, da unicida<strong>de</strong> e da conformida<strong>de</strong><br />

Constitucional.<br />

Para isso não mais basta somente <strong>um</strong>a interpretação coesa, mas <strong>um</strong>a coesa<br />

re<strong>de</strong>finição <strong>do</strong> sistema, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a aten<strong>de</strong>r a <strong>um</strong> Direito material mais flui<strong>do</strong> e<br />

universal.


350<br />

Busca-se <strong>um</strong>a evolução legislativa capaz <strong>de</strong> dar coesão ao sistema judiciário,<br />

possibilitan<strong>do</strong> que os institutos vocaciona<strong>do</strong>s para a unificação, a integração, a<br />

uniformização e a sistematização <strong>do</strong> Direito e da Justiça possam consolidar-se, sem<br />

que enfrentem os obstáculos <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>do</strong>gmatismo romanístico <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte.<br />

A sedimentação da segurança jurídica está para a consolidação da existência<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a única or<strong>de</strong>m Constitucional e não para <strong>um</strong> mosaico <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns<br />

constitucionais ou Justiças, como <strong>de</strong>nunciara Nelson Jobim:<br />

O rompimento <strong>de</strong>sse monopólio não afeta a or<strong>de</strong>m constitucional nem<br />

tampouco a Justiça ou a função <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz. Os meios tecnológicos têm<br />

reserva<strong>do</strong> os Direitos e as Garantias Fundamentais Constitucionais em concordância<br />

com o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Direito e da Justiça almeja<strong>do</strong> <strong>de</strong> preservação e proteção. O<br />

controle é <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz que o conduziu ao posto <strong>de</strong> guardião da CF.<br />

Isso vem <strong>de</strong> encontro ao entendimento jusfilosófico, parafrasean<strong>do</strong><br />

Dinamarco, <strong>de</strong> que o caráter universal e eterno <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema não subsiste nem ao<br />

tempo, nem à sua imutabilida<strong>de</strong>. Revela, assim, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reerguer <strong>um</strong>a<br />

nova estrutura <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> novas competências e habilida<strong>de</strong>s e com elas <strong>um</strong>a<br />

nova linguagem.<br />

A lei Maior tem atua<strong>do</strong> na procura <strong>de</strong> <strong>um</strong>a direção e na orientação <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s<br />

tempos. Diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong>, tem-se encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> apresentar com maior<br />

relevância sua posição angular, inclusive dan<strong>do</strong> ao sistema processual <strong>um</strong>a moldura<br />

capaz <strong>de</strong> estruturar o processo <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> que os conciliem e <strong>de</strong>ssa comunhão<br />

possam consolidar o Esta<strong>do</strong> Constitucional projeta<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988.<br />

Neste contexto, a jurisprudência, como os <strong>de</strong>mais mecanismos <strong>de</strong> orientação<br />

madura na interpretação da lei, com conspícuo esforço, veio rompen<strong>do</strong> com o<br />

retrógra<strong>do</strong> e polariza<strong>do</strong> entendimento <strong>de</strong> que os prece<strong>de</strong>ntes, as súmulas e os<br />

reitera<strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s calca<strong>do</strong>s em reiteradas <strong>de</strong>cisões que consolidam a interpretação<br />

<strong>do</strong> Direito estariam a solapar a in<strong>de</strong>pendência e a autonomia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz<br />

Em verda<strong>de</strong>, essa pejorativa e egoística forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong><br />

jurídica <strong>do</strong>s tempos mo<strong>de</strong>rnos pre<strong>do</strong>minou <strong>por</strong> <strong>um</strong> longo perío<strong>do</strong> às custas <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

marco pelo individualismo <strong>de</strong>scompromissa<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça previsível e segura.<br />

Segun<strong>do</strong> Tucci (2010, p. 87), em consi<strong>de</strong>rações pertinentes.


351<br />

Os processualistas mais orto<strong>do</strong>xos que escreveram há alg<strong>um</strong>as décadas<br />

seguiram também essa corrente <strong>de</strong> pensamento que sempre prepon<strong>de</strong>rou<br />

nos países <strong>de</strong> <strong>direito</strong> codifica<strong>do</strong>. Alfre<strong>do</strong> Buzzaid, à luz <strong>do</strong> sistema<br />

processual vigente, assevera que os prece<strong>de</strong>ntes judiciais (exemplos), <strong>por</strong><br />

mais prestigia<strong>do</strong>s que sejam, não po<strong>de</strong>m obrigar os juízes, que<br />

permanecem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, livres <strong>de</strong> qualquer subserveniência hierárquica<br />

superior no exercício da ativida<strong>de</strong> jurisdicional. E é exatatamente este<br />

espelho que afasta a subordinação aos arestos <strong>do</strong>s autos tribunais. / Esta é<br />

também a concepção <strong>de</strong> Roberto Rosas, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que a jurisprudência é<br />

a reiteração <strong>de</strong> casos análogos passa<strong>do</strong>s para o rol <strong>do</strong>s fatos cons<strong>um</strong>a<strong>do</strong>s,<br />

que apenas sãopossíveis <strong>de</strong> revisão <strong>por</strong> força <strong>de</strong> motivos relevantes ou <strong>de</strong><br />

mutações nas duas origens ou fontes emana<strong>do</strong>ras: a lei ou a <strong>do</strong>utrina:<br />

Apenas nesse ponto visl<strong>um</strong>bramos o entendimento da jurisprudência, já<br />

consolidada e incor<strong>por</strong>ada aos repertórios jurispru<strong>de</strong>nciais, qual <strong>um</strong> código<br />

nortea<strong>do</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões a seguir.<br />

O entendimento <strong>de</strong>monstra que a jurisprudência tem em sua essência o<br />

germe da consolidação e <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>snaturação vincula<strong>do</strong>s não somente à qualida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s acórdãos que a originam, mas também ao inexorável efeito da tem<strong>por</strong>alida<strong>de</strong>.<br />

Esses pontos balizam a relação dialética <strong>de</strong> consolidação e mutação, diante<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> fluida e dispersa pela tecnologização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova cultura<br />

<strong>do</strong>minante.<br />

Isso exige que os “meios” <strong>de</strong> canalização e condução <strong>do</strong> Direito e da Justiça<br />

atendam ao Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> mecanismo capaz <strong>de</strong> aglutinar <strong>de</strong><br />

cada Justiça judiciária as informações e da<strong>do</strong>s.<br />

Com isso centralizan<strong>do</strong> e compartilhan<strong>do</strong> o entendimento interativo <strong>do</strong> Direito<br />

e da Justiça <strong>de</strong> forma concentrada, conciliada e consolidada, para assim garantir e<br />

preservar a homogeneida<strong>de</strong> da interpretação das leis, a normativida<strong>de</strong> e <strong>um</strong>a<br />

juridicida<strong>de</strong> materialmente verticalizada e horizontalizada.<br />

Com essa dinâmica, a vinculação <strong>do</strong> entendimento sobre a integrativa<br />

interpretação <strong>do</strong> Direito passa <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo simplifica<strong>do</strong> e <strong>de</strong> objetivação mais<br />

célere, matizan<strong>do</strong> assim o preceitua<strong>do</strong> dispositivo <strong>do</strong> artigo 5º, inciso LXXVIII da CF<br />

e artigo 4º <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil.<br />

O im<strong>por</strong>tante disso está para a matriz i<strong>de</strong>ológica <strong>do</strong> sistema processual, pois<br />

não apresentará rachaduras e nem o risco <strong>do</strong> rompimento com a lei Maior, além <strong>de</strong><br />

garantir a concepção <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> e integrida<strong>de</strong> normativa Constitucional.<br />

As i<strong>de</strong>ias <strong>por</strong> trás das ações são provindas da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana em to<strong>do</strong>s<br />

os senti<strong>do</strong>s. O que se distingue é a mecânica <strong>do</strong> fluxo para o funcionamento <strong>do</strong><br />

sistema que passa a ser realiza<strong>do</strong> pela linguagem tecnológica da programação.


352<br />

O processo em qualquer linguagem é <strong>um</strong>a variável que consiste em <strong>um</strong><br />

começo e <strong>um</strong> fim. As súmulas, a jurisprudência e os prece<strong>de</strong>ntes são ferramentas<br />

(técnicas) processuais <strong>de</strong> estabilização da eficácia normativa que germinam da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> dispositivo jurídico quan<strong>do</strong> da classificação e da categorização <strong>do</strong>s<br />

fatos e <strong>do</strong> Direito, muito embora tenham suas peculiarida<strong>de</strong>s. 241<br />

Sen<strong>do</strong> a lei <strong>um</strong>a condicionante com<strong>por</strong>tamental, isto se dá <strong>por</strong>que encontra<br />

na socieda<strong>de</strong> <strong>um</strong> valor referencial e o converte em lei.Significa dizer que ela é eficaz<br />

para a regulamentação <strong>de</strong> <strong>um</strong> com<strong>por</strong>tamento e, a partir <strong>de</strong> então, passam a<br />

consolidarem-se técnicas processuais para que sejam otimizadas, tais como: as<br />

súmulas, os prece<strong>de</strong>ntes e as jurisprudências.<br />

Extrai-se <strong>de</strong>ssa relação a possibilida<strong>de</strong> concreta <strong>de</strong> que o com<strong>por</strong>tamento é<br />

tão previsível quanto a lei que o regula e isso acontece quan<strong>do</strong> o entendimento <strong>do</strong><br />

dispositivo começa <strong>por</strong> vários caminhos hermêuticos-interpretativos a chegar no<br />

mesmo <strong>de</strong>stino, ou seja, retoma ao começo “a norma legal”.<br />

As ferramentas <strong>de</strong> estabilização <strong>do</strong> Direito po<strong>de</strong>m ser, <strong>por</strong>tanto, escritas em<br />

<strong>um</strong>a linguagem tecnológica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estejam em consonância com a carta política<br />

Constitucional.<br />

Significa dizer que os resulta<strong>do</strong>s são os mesmos, restan<strong>do</strong> altera<strong>do</strong> o ritual<br />

procedimental <strong>de</strong> funcionamento que tem como escopo sanear os maiores e<br />

conheci<strong>do</strong>s problemas da Justiça <strong>–</strong> acessibilida<strong>de</strong> concreta, morosida<strong>de</strong>,<br />

imprevisibilida<strong>de</strong> e segurança.<br />

241<br />

Explicita Fux: “Inegável a gran<strong>de</strong> im<strong>por</strong>tância que o emprego da jurisprudência e <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte<br />

tem no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os or<strong>de</strong>namentos jurídicos. O fundamento <strong>de</strong> que o sistema da commomlaw<br />

se baseia no prece<strong>de</strong>nte e que o sistema <strong>do</strong> civil law se baseia na lei é coisa <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, já que<br />

neste existe referência à jurisprudência e naquele faz-se amplo uso da lei escrita. / De fato, o papel<br />

da jurisprudência, tanto nos países <strong>do</strong> common law quan<strong>do</strong> nos países da civil law está sofren<strong>do</strong><br />

alterações. Nestes, há <strong>um</strong>a tendência <strong>de</strong> valorizar o papel da jurisprudência como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />

revelação e or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong>s usos e cost<strong>um</strong>es da socieda<strong>de</strong>, em prejuízo da supremacia absoluta da<br />

lei. De outro la<strong>do</strong>, os países <strong>de</strong> tradição anglo-americana aban<strong>do</strong>nam este <strong>direito</strong> exclusivamente<br />

consuetudinário e passam a elaborar normas legislativas <strong>de</strong> caráter geral. Segun<strong>do</strong> Taruffo, há que<br />

se observar duas dimensões <strong>do</strong> fenômeno que estamos tratan<strong>do</strong>, quais sejam, o teórico e prático.<br />

Teoricamente, os prece<strong>de</strong>ntes representam marcos que orientam a interpretação da norma e só se<br />

compreen<strong>de</strong>m quan<strong>do</strong> liga<strong>do</strong>s diretamente ao fato concreto a ser <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>. Ao contrário, na prática o<br />

prece<strong>de</strong>nte jurispru<strong>de</strong>ncial constitui o ofício cotidiano <strong>do</strong> jurista, que é facilita<strong>do</strong> através <strong>do</strong> emprego<br />

<strong>de</strong> banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e da informática. / N<strong>um</strong>a primeira aproximação, utilizam-se, <strong>de</strong> forma a simplificar<br />

o estu<strong>do</strong>, os termos prece<strong>de</strong>ntes e jurisprudência como se fossem sinônimos. Contu<strong>do</strong>, já po<strong>de</strong>mos<br />

apontar alg<strong>um</strong>as distinções <strong>de</strong> caráter quantitativo e qualitativo entre eles. / A primeira diferença, <strong>de</strong><br />

caráter quantitativo, consiste na aplicação <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte a <strong>um</strong> caso concreto, ao contrário da<br />

jurisprudência, em que há pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões relativas a vários e diversos casos concretos.<br />

Neste caso, é difícil estabelecer qual é a <strong>de</strong>cisão realmente relevante para o julga<strong>do</strong>r na hora <strong>de</strong><br />

aplicar a jurisprudência (FUX, Luiz (Org). O <strong>novo</strong> processo civil brasileiro: <strong>direito</strong> em expectativa:<br />

reflexões acerca <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> <strong>novo</strong> código <strong>de</strong> processo civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2011, p. 526)”.


353<br />

A crise da morosida<strong>de</strong> da Justiça não será superada com a criação <strong>de</strong> <strong>novo</strong><br />

código processual ou da inserção <strong>de</strong> institutos que, <strong>por</strong> melhores que sejam,<br />

encontram travas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo na maleficência da cognição h<strong>um</strong>ana e <strong>de</strong> sua<br />

vocação para a hipocondrização <strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito e da Justiça, dada a infuncionalida<strong>de</strong>.<br />

Observa-se que outros mecanismos foram questiona<strong>do</strong>s, <strong>por</strong>ém gesta<strong>do</strong>s e<br />

concebi<strong>do</strong>s em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico processual em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> emendas<br />

constitucionais ou pela edição <strong>de</strong> leis tutoras <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s institutos <strong>de</strong> Direito<br />

processual, tais como: as tutelas antecipadas, o c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong> sentença, as<br />

súmulas vinculantes <strong>de</strong>ntre outros institutos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> técnicas processuais.<br />

A superação da letargia judiciária, diante da colossal <strong>de</strong>manda aos serviços<br />

da Justiça, precisa abrir caminhos para <strong>um</strong>a educação <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias<br />

à cidadania <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas bases em informação e formação.<br />

É preciso que os estu<strong>do</strong>s conduzam a <strong>um</strong> melhor entendimento intelectual,<br />

para que a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana possa enxergar além <strong>do</strong>s horizontes da “ilha” jurídica<br />

que a cerca no ambiente jurídico nacional.<br />

Com isso, passa a ser possível romper o monopólio escravocrata <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

Direito e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça estatal elitistas, que somente se movem quan<strong>do</strong> os seus<br />

interesses merecem tutela.<br />

Com a evolução <strong>do</strong> espírito jurídico, é evi<strong>de</strong>nte que haja o reconhecimento da<br />

existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s valores, objetivos e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vida<br />

pre<strong>do</strong>minantemente <strong>do</strong>minada pelo uso da tecnologia.<br />

Disso se extrai que a tecnologia representa <strong>um</strong> “meio” pelo qual se po<strong>de</strong> ter<br />

Direito e Justiça <strong>de</strong> forma segura, rápida e previsível. É <strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong> forte e<br />

capaz <strong>de</strong> consolidar o neoprocessualismo com as virtu<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s aspectos<br />

principiológicos constitucionais efetivamente realiza<strong>do</strong>s no plano material. Para<br />

Nobili (2014, p. 14),<br />

Inicialmente, sobreleva notar que o neoprocessualismo vem, cada vez mais,<br />

inseri<strong>do</strong> no próprio bojo da matéria normas principiológicas <strong>do</strong> <strong>direito</strong><br />

constitucional. Tal fato resta plenamente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> pelo texto <strong>do</strong> projeto<br />

<strong>do</strong> <strong>novo</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, que passa a incluir expressamente em<br />

sua redação princípios constitucionais processuais. Esclareça-se que não<br />

se preten<strong>de</strong>, <strong>por</strong> óbvio, afirmar que antes tais princípios não eram aplica<strong>do</strong>s<br />

ao processo amplamente, apenas que, tamanha a sua expressão na<br />

matéria, será tomada explícito na novel codificação.


354<br />

É possível que, para tal finalida<strong>de</strong>, exija-se a programação <strong>de</strong> várias técnicas<br />

advindas <strong>de</strong> institutos jurídicos, codifican<strong>do</strong>-os <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> algoritmos<br />

inteligentes que realizem ativida<strong>de</strong>s tais como as realizadas pela <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>ana.<br />

A técnica processual digital com capacida<strong>de</strong> e habilida<strong>de</strong> para interpretar<br />

dispositivos jurídicos passa, a partir das novas práticas, a produzir processualistas<br />

com competências nas áreas <strong>de</strong> tecnologia <strong>de</strong> informação e programação<br />

tecnológica que iniciem <strong>um</strong>a nova etapa processual, ou seja, teorizem os<br />

dispositivos <strong>de</strong> lei em esquemas teórico-práticos em linguagem tecnológica.<br />

A Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva já vem<br />

trazen<strong>do</strong> em sua concepção o reconhecimento da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classificar-se e<br />

categorizar as causas idênticas com base no firmarmento <strong>de</strong> tese <strong>de</strong> Direito.<br />

A concepção <strong>por</strong> trás <strong>do</strong> indigita<strong>do</strong> instituto jurídico tem em sua essência<br />

conceitos tecnológicos <strong>de</strong> unificação, integração, padronização e sistematização.<br />

Para o eficaz uso <strong>do</strong> instituto, existe a preeminente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se criarem<br />

ferramantas capazes <strong>de</strong> dar o pontencial <strong>de</strong>senvolvimento para o alcance <strong>de</strong> sua<br />

finalida<strong>de</strong>.<br />

Não <strong>de</strong>senvolvida ações nesse senti<strong>do</strong>, será <strong>um</strong>a técnica processual <strong>de</strong><br />

excelente qualida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>ém aban<strong>do</strong>nada pelo <strong>de</strong>suso, conforme aconteceu com que<br />

dispunha o artigo 476 <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 1973. 242<br />

242<br />

Tucci <strong>de</strong>staca em seu magistério: “O regime <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>nte judicial opera em to<strong>do</strong> o sistema<br />

jurídico a partir da interação <strong>de</strong> vários fatores, que po<strong>de</strong>m ser classifica<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> esquema <strong>de</strong><br />

Michele Taruffo (1994, p. 387-388), pelos seguintes vetores: 1) a dimensão institucional; 2) a<br />

dimensão objetiva; 3) a dimensão estrutural e 4) a dimensão da eficácia. / A primeira <strong>de</strong>las <strong>–</strong> a<br />

dimensão institucional <strong>–</strong> <strong>de</strong>ve ser analisada à luz da organização judiciária e a forma pela qual a<br />

relação <strong>de</strong> subordinação hierárquica entre os tribunais é escalada. [...]a dimensão objetiva <strong>do</strong><br />

prece<strong>de</strong>nte, <strong>por</strong> outro la<strong>do</strong>, diz respeito à <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> sua influência na <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> casos futuros<br />

[...] já no tocante à dimensão estrutural, ou seja, ao conceito substancial <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte, exige-se,<br />

normalmente, <strong>um</strong> número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões similares, para chegar-se à concepção <strong>de</strong><br />

“jurisprudência consolidada” “<strong>do</strong>minante” ou “unânime” [...]. Finalmente, a dimensão da eficácia <strong>de</strong>riva<br />

<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> influência que o prece<strong>de</strong>nte exerce sobre a futura <strong>de</strong>cisão em <strong>um</strong> caso análogo, ou ainda<br />

da técnica instituída pela legislação, quanto à sua respectiva eficácia (vinculante ou persuasiva)”.No<br />

mais, em trabalho recente e <strong>de</strong> lavra <strong>do</strong> mesmo <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r retrocita<strong>do</strong>, extrai-se a ênfase dada ao<br />

tratamento <strong>do</strong>s reais propósitos <strong>do</strong>s mecanismos <strong>de</strong> estabilização e unifomização da interpretação da<br />

lei. Tucci (2015, p. 146): “E tal inequívoca função nomofilásica foi reiterada, em tom <strong>de</strong> exortação,<br />

pelo ministro H<strong>um</strong>berto Gomes <strong>de</strong> Barros, em conheci<strong>do</strong> voto proferi<strong>do</strong> no Agravo Regimental no<br />

Recurso Especial n. 228.432 RS, julga<strong>do</strong> pela Corte Especial. / “O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça foi<br />

concebi<strong>do</strong> para <strong>um</strong> escopo especial: orientar a aplicação da lei fe<strong>de</strong>ral e unificar-lhe a interpretação,<br />

em to<strong>do</strong> o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se<br />

manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> quem o<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça é sucessor, nesse mister. Em verda<strong>de</strong>, o Po<strong>de</strong>r Judiciário mantém<br />

sagra<strong>do</strong> compromisso com a <strong>justiça</strong> e a segurança. Se <strong>de</strong>ixarmos que nossa jurisprudência varie ao<br />

sabor das convicções pessoais, estaremos prestan<strong>do</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>sserviço a nossas instituições. Se nós <strong>–</strong>


355<br />

No mais, outra análise à luz <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, no<br />

que se refere ao seu <strong>novo</strong> instituto <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva, revela-se o<strong>por</strong>tuna.<br />

Nessa esteira, c<strong>um</strong>pre ainda observar que <strong>do</strong> teor <strong>do</strong> artigo 976, I existe <strong>um</strong>a<br />

supressão expressa das questões <strong>de</strong> fato, ou seja, o (IIRDR) tem <strong>de</strong> firmar-se com<br />

base em tese <strong>de</strong> Direito.<br />

Este mo<strong>de</strong>lo fere inescusalvemente o princípio da isonomia no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> não<br />

i<strong>de</strong>ntificar o objeto <strong>de</strong> fato <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte, o DNA <strong>do</strong> fato. A particularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fato,<br />

sua real i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, se violada, impe<strong>de</strong> a concretização material da segurança <strong>do</strong><br />

sistema jurisdicional.<br />

O fato tem imanência para a “dimensão estrutural” citada <strong>por</strong> Tucci, com base<br />

nas lições <strong>de</strong> Taruffo, ou seja, “ao conceito substancial <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte, exige-se,<br />

normalmente, <strong>um</strong> número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões similares”. Para Taruffo em<br />

referência direta (2015, p. 426-427),<br />

Da mesma forma, a referência a máximas, chaman<strong>do</strong>-as <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>ntes,<br />

significa não levar em conta o fato <strong>de</strong> que o “verda<strong>de</strong>iro” prece<strong>de</strong>nte baseiase<br />

na analogia entre os fatos <strong>do</strong> caso anteriormente <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> e os fatos <strong>do</strong><br />

caso que <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>, já que somente quan<strong>do</strong> se verificar essa<br />

analogia o juiz <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> caso aplicará a racio <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>ndi com base em<br />

que fora <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> o caso anterior. Sem aprofundar aqui esses temas, que<br />

requereriam <strong>um</strong>a análise bem mais ampla, basta observar que<br />

evi<strong>de</strong>ntemente o legisla<strong>do</strong>r não tem <strong>um</strong>a noção confiável <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

termos que usa. Em to<strong>do</strong> caso, com o fim <strong>de</strong> prosseguir o discurso, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>se-á<br />

a<strong>do</strong>tar <strong>um</strong>a convenção estipulativa em função da qual “prece<strong>de</strong>nte”<br />

inclui em seu significa<strong>do</strong> italiano qualquer referência a qualquer <strong>de</strong>cisão<br />

que, mesmo em forma <strong>de</strong> mera máxima, refira-se à sentença pronunciada<br />

em outro caso.<br />

os integrantes da Corte <strong>–</strong> não observarmos as <strong>de</strong>cisões que ajudamos a formar, estaremos dan<strong>do</strong><br />

sinal para que os <strong>de</strong>mais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo <strong>de</strong> que, em acontecen<strong>do</strong><br />

isso, per<strong>de</strong> senti<strong>do</strong> a existência da nossa Corte. Melhor será extingui-la”. Todavia, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong>ssa<br />

premissa notória, o exercício profissional revela que, acerca <strong>de</strong> inúmeras questões im<strong>por</strong>tantes, há<br />

flagrante e in<strong>de</strong>sejada instabilida<strong>de</strong> nos prece<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong>s tribunais superiores. E isso ocorre <strong>–</strong> o que é<br />

pior <strong>–</strong> n<strong>um</strong> mesmo momento tem<strong>por</strong>al e sem qualquer justificação plausível! / É indiscutível que o juiz<br />

não po<strong>de</strong> ser escravo <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte judicial, <strong>por</strong>que certamente haveria aí <strong>um</strong>a abdicação da<br />

in<strong>de</strong>pendência da livre persuasão racional, assegurada pelo art. 131 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil<br />

(CPC). / Contu<strong>do</strong>, se o tribunal resolver <strong>de</strong>sprezar o prece<strong>de</strong>nte judicial, cabe-lhe o ônus <strong>do</strong><br />

arg<strong>um</strong>ento contrário. Gino Gorla (1990, p. 11-12), em <strong>um</strong> <strong>de</strong> seus últimos ensaios, pon<strong>de</strong>ra, acerca<br />

<strong>de</strong>sse verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>ver, que seria até temerário permitir, sem <strong>um</strong>a arg<strong>um</strong>entação consistente, que<br />

<strong>um</strong> posicionamento jurispru<strong>de</strong>ncial sedimenta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> ser aplica<strong>do</strong> em hipótese similar.A tutela<br />

<strong>do</strong> cidadão, que confiou no Judiciário, não po<strong>de</strong> jamais ser relegada a pretexto <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> discrionário<br />

da magistratura! (TUCCI, José Rogério Cruz. Nota <strong>do</strong>s Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res. In: Revista <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>,<br />

ano XXXV, n. 126, p. 7, mai. 2015, p. 150)”.


356<br />

A substancialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte tem a ver com a real moldura <strong>do</strong> objeto que<br />

reclama o Direito <strong>por</strong> ameaça ou lesão <strong>de</strong> Direito. Neste aspecto, tem-se o germe da<br />

essencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema cuja <strong>inteligência</strong> seja capaz <strong>de</strong> captar as<br />

peculiarida<strong>de</strong>s em suas raízes mais rentes. I<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong>, com isso, o objeto <strong>do</strong> fato<br />

para a sua correspen<strong>de</strong>nte vinculação ao inci<strong>de</strong>nte em <strong>de</strong>corrência da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

marcada pelas características <strong>do</strong> fato.<br />

Esta a<strong>de</strong>rência concatena a dimensão objetiva e <strong>de</strong> eficácia, ou seja,<br />

simplificada e respectivamente a relação que “diz respeito à <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> sua<br />

influência na <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> casos futuros” e “<strong>de</strong>riva <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> influência que o<br />

prece<strong>de</strong>nte exerce sobre a futura <strong>de</strong>cisão em <strong>um</strong> caso análogo”.<br />

Para esse controle envolven<strong>do</strong> as dimensões Institucional, estrutural, objetiva<br />

e <strong>de</strong> eficácia, é essencial que o sistema possibilite que haja <strong>um</strong>a pre<strong>de</strong>terminação e<br />

<strong>um</strong>a pre<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> classificação e categorização <strong>do</strong>s fatos e suas respectivas<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

É im<strong>por</strong>tante <strong>de</strong>finir o objeto real <strong>do</strong> fato e não somente formal pela<br />

interpretação <strong>de</strong> <strong>um</strong> caso especifico à luz <strong>do</strong> Direito, pois nem sempre a tese<br />

fundada em matéria <strong>de</strong> Direito, quan<strong>do</strong> vasculhada a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sobre os fatos,<br />

correspon<strong>de</strong> à equiparação dada. Há <strong>um</strong> risco iminente <strong>de</strong> se corroerem os<br />

princípios da isonomia, da legalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> outros encapsula<strong>do</strong>s na CF.<br />

Isso significa dizer que, em tese, terá <strong>um</strong>a sobreposição quantitativa sobre o<br />

aspecto qualitativo, na medida em que os aspectos que geram a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

inci<strong>de</strong>nte preenchem o aspecto material com relação ao caso <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>.<br />

No entanto, quan<strong>do</strong> projeta<strong>do</strong> a casos futuros, seu grau <strong>de</strong> influenciabilida<strong>de</strong><br />

será fada<strong>do</strong> a inconsistências no âmbito da segurança e da igualda<strong>de</strong>, essenciais<br />

quan<strong>do</strong> o tema trata da uniformização e da estabilização da Justiça.<br />

Isto <strong>por</strong>que serão inúmeros os casos, principalmente os que não favorecem<br />

as pretensões <strong>do</strong> autor no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar que o seu caso “a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

fato” é distante da encampada pelo prece<strong>de</strong>nte firma<strong>do</strong> com base na tese <strong>de</strong> Direito.<br />

O prece<strong>de</strong>nte referenda<strong>do</strong> somente sobre a questão <strong>de</strong> Direito faz inferir <strong>um</strong><br />

Direito ao Direito, sem que haja <strong>um</strong>a espécie h<strong>um</strong>ana para ser protegida em suas<br />

complexida<strong>de</strong>s, peculiarida<strong>de</strong>s e particularida<strong>de</strong>s, o que reforça o embrião <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

linguagem tecnológica para aten<strong>de</strong>r à complexa e dinâmica massa <strong>de</strong> cliente da<br />

Justiça.


357<br />

Corrobora com esse entendimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem capaz <strong>de</strong> dar conta a<br />

complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho que o Po<strong>de</strong>r Judiciário haverá <strong>de</strong> enfrentar com o início da<br />

vigência <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil e a obrigatória participação <strong>do</strong><br />

Ministério Público na emissão <strong>de</strong> pareceres.<br />

Para vencer o invencível trabalho repetitivo em suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, exige-se<br />

que os dispositivos legais passem a ser <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> matrizes <strong>de</strong> casos,<br />

que teriam comunicação com classificação e categorização rigorosas na <strong>de</strong>finição<br />

<strong>do</strong>s fatos (suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s) e <strong>do</strong> Direito. Com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>finirem as<br />

teses <strong>de</strong> Direito <strong>por</strong> sistema ou <strong>por</strong> discussão exaustiva entre os pares e, ao fim,<br />

consolida<strong>do</strong> o entendimento, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> assim os prece<strong>de</strong>ntes.<br />

Uma vez <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s os prece<strong>de</strong>ntes, ter-se-ia sua comunicação <strong>por</strong> intermédio<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema tecnológico <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>ntes que seriam os responsáveis <strong>por</strong> dar os<br />

parâmetros para a formatação das matrizes <strong>de</strong> casos.<br />

Que, <strong>por</strong> sua vez, passariam a dar vinculação aos fatos, pois sua<br />

classificação e respectiva categorização encontraria automaticamente <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão<br />

em consonância com o prece<strong>de</strong>nte e que gerou respectivamente <strong>um</strong>a matriz <strong>do</strong> caso<br />

que se amolda à questão <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> Direito examinada.<br />

Semelhante realida<strong>de</strong> tecnológica já se encontra retratada no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

sistema normativo proposto <strong>por</strong> Alchourrón y Bulygin no <strong>de</strong>senvolvimento e<br />

aprimoramento da lógica booleana, que compõe o sistema Sapiens implanta<strong>do</strong> em<br />

tecnologia similar junto ao TRF4 aqui no Brasil em auxílio a seus procura<strong>do</strong>res.<br />

Sem <strong>um</strong>a sistemática <strong>de</strong>sse nível, é certo que dada a <strong>de</strong>manda em escala<br />

que assola o judiciário brasileiro, novamente estaremos mais <strong>um</strong>a vez diante <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

Instituto <strong>de</strong> Direito Processual que funciona plenamente no sistema alienígena,<br />

<strong>por</strong>ém, quan<strong>do</strong> adapta<strong>do</strong> à nossa realida<strong>de</strong>, per<strong>de</strong>rá sua qualida<strong>de</strong> em eficiência e<br />

eficácia.


358<br />

14.3 O <strong>de</strong>sembarque da IIRDR (Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda<br />

Repetitiva) no sistema processual e suas perspectivas no cenário processual<br />

brasileiro<br />

Antes <strong>de</strong> incursionar no que se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r sobre o <strong>novo</strong> instituto<br />

encapsula<strong>do</strong> pelo <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong><br />

Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva, é im<strong>por</strong>tante fazer<br />

<strong>um</strong>a rápida e breve digressão sem qualquer pretensão exauriente.<br />

O instituto aponta<strong>do</strong> não é tão <strong>novo</strong> assim, pois, em nosso or<strong>de</strong>namento,<br />

alguns dispositivos nas últimas décadas vieram trazen<strong>do</strong> com as reformas<br />

processuais a inclusão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia que pu<strong>de</strong>sse contribuir com a estabilização<br />

interpretativa <strong>do</strong> Direito (uniformização), maior celerida<strong>de</strong> e previsibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

julgamentos.<br />

Por exemplo: a <strong>do</strong>utrina, conforme esclarece Dinamarco, <strong>de</strong>nominou a<br />

comparação <strong>do</strong>s casos como tese jurídica idêntica <strong>de</strong> julgamento <strong>por</strong><br />

amostragem. 243<br />

Assim, analisan<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma percunciente o trabalho <strong>de</strong> folêgo <strong>de</strong> José<br />

Rogério Cruz e Tucci, é possível extrair em resenha a dinâmica <strong>de</strong> como a temática<br />

sobre os prece<strong>de</strong>ntes judiciários remontam <strong>por</strong> séculos.<br />

Pois a citação <strong>de</strong> trechos somente levaria a fragmentar o liame da<strong>do</strong> ao seu<br />

entendimento e que aos propósitos <strong>do</strong> presente trabalho se revela essencial a<br />

tomada <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>utrina pela perspectiva <strong>do</strong> estilo literário menciona<strong>do</strong>.<br />

243<br />

“Além das súmulas vinculantes e em associação com a exigência da repercussão geral como<br />

pressuposto <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinário (CF. art. 102, par. 3º), o art. 543-C <strong>do</strong><br />

Código <strong>de</strong> Processo Civil instituiu interessante mecanismo <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> não só a agilizar os julgamentos<br />

no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, como também a propagar a outros casos ou recursos o resulta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>sses julgamentos, ou seja, mecanismos <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a coletivizar julgamentos <strong>de</strong>sses tribunais.<br />

Trata-se <strong>do</strong>s julgamentos <strong>por</strong> amostragem, admissíveis quan<strong>do</strong> em <strong>um</strong> número significativo <strong>de</strong><br />

recursos especiais (os chama<strong>do</strong>s repetitivos) repetem-se as mesmas questões <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

infranconstitucional. O tribunal toma <strong>um</strong> ou alguns recursos como <strong>paradigma</strong>s, e a tese jurídica que<br />

ali vier a ser fixada repercutirá nos processos pen<strong>de</strong>ntes perante os Tribunais<strong>de</strong> Justiça ou Regionais<br />

Fe<strong>de</strong>rais, (a) para que não tenham seguimento os recursos especiais já interpostos contra acórdãos<br />

<strong>por</strong>ta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão coinci<strong>de</strong>nte com a orientação <strong>do</strong> STJ (art, 543-B, par. 7º, inc. I) ou (b) para que<br />

os acórdãos divergentes da posição ass<strong>um</strong>ida pelo STJ sejam reencaminha<strong>do</strong>s pela turma julga<strong>do</strong>ra<br />

(inc. II) (DINAMARCO, Cândi<strong>do</strong> Rangel. Fundamentos <strong>do</strong> processo civil mo<strong>de</strong>rno. 6. ed. São<br />

Paulo: Malheiros, 2010. v. 1, p. 243)”.


359<br />

Em nosso sistema judiciário, inicialmente a dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> pre<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong><br />

tratamento não <strong>do</strong>gmático <strong>de</strong>u-se <strong>por</strong> força da não consolidação <strong>do</strong> entendimento<br />

<strong>do</strong>minante sobre <strong>de</strong>terminada interpretação.<br />

Em linhas mais estreitas e objetivas <strong>–</strong> seja em <strong>de</strong>corrência da cultura ou<br />

outros fatores reptilianos, <strong>–</strong> o jurista nacional é sempre arredio em aceitar o<br />

entendimento da maioria sobre o arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> ter sua autonomia e in<strong>de</strong>pendência<br />

violadas.<br />

Essa postura <strong>de</strong>monstra <strong>um</strong>a não superação aos preconceitos risca<strong>do</strong>s sob o<br />

prisma da antropologia e da sociologia contem<strong>por</strong>âneas, no mau uso da<br />

Democracia participativa nas questões envolven<strong>do</strong> a orla jurídica ou o evi<strong>de</strong>nte<br />

processo <strong>de</strong> maturação que vivem as jovens Democracias como a <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

brasileiro, que pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> emancipação plena.<br />

Isso ocorre com muita frequência, embora não se contenham “as jovens<br />

Democracias” para qualquer questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m em se verbalizar invocan<strong>do</strong> a<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Sem, muitas vezes, sequer conter em seu posicionamento <strong>um</strong>a real e eficaz<br />

compreensão <strong>de</strong> seu teor em compreensão e <strong>de</strong> como <strong>de</strong>senvolver o raciocínio<br />

jurídico em conformida<strong>de</strong> com os princípios da integrida<strong>de</strong> e unicida<strong>de</strong> constitucional<br />

em <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira alegoria.<br />

Nessa esteira, é im<strong>por</strong>tante se aproprian<strong>do</strong> <strong>do</strong>s ensinamentos <strong>de</strong> Tucci, como<br />

já resvala<strong>do</strong>, traçar primeiro em linhas gerais <strong>um</strong> organograma, retratan<strong>do</strong> a história<br />

<strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes a luz da realida<strong>de</strong> jurídica pátria.<br />

A partir <strong>do</strong> Regulamento 737, <strong>de</strong> 1850, o Brasil teve sua emancipação da<br />

coroa <strong>por</strong>tuguesa em matéria <strong>de</strong> organização judiciária e leis que <strong>de</strong>ssem<br />

parâmetros ao funcionamento <strong>do</strong>s processos, <strong>por</strong>ém quanto aos dispositivos em<br />

questão não havia <strong>um</strong>a voz que entoasse a figura <strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes judiciais.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a natureza neófita <strong>do</strong> sistema judiciário, o Brasil transplantou<br />

os assentos preexistentes <strong>de</strong> jurisprudência que Portugal tinha em seu or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico, conforme esclarece o Decreto 2.684, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1875.<br />

Esta sistemática procurava ao mesmo tempo suprir a ausência <strong>de</strong> repositórios<br />

jurispru<strong>de</strong>nciais da época bem como contribuir com a segurança da or<strong>de</strong>m jurídica, a<br />

partir <strong>do</strong> baliza<strong>do</strong> <strong>de</strong> casos análogos e <strong>de</strong> seus julgamentos.


360<br />

O processamento perante o sistema judiciário da época ainda monárquica<br />

avalizava a emissão <strong>de</strong> assentos pela Casa <strong>de</strong> Suplicação <strong>do</strong> Brasil, o que dava <strong>por</strong><br />

força <strong>do</strong> artigo 2º a orientação e a estabilização aos julga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Supremo Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, ten<strong>do</strong> como referência o menciona<strong>do</strong> Decreto. O regime <strong>de</strong> assento<br />

persistiu até o advento da República.<br />

Com a fratura <strong>do</strong> sistema autoritário da Casa <strong>de</strong> Suplicação <strong>do</strong> Brasil, a<br />

evolução fez com que o sistema judiciário em espelhamento ao sistema norte<br />

americano writ of error, <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, surgi<strong>do</strong> em<br />

1891, pu<strong>de</strong>sse dar aos julga<strong>do</strong>s <strong>um</strong>a conformida<strong>de</strong> universal para a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral tirada <strong>do</strong> instituto <strong>do</strong> Recurso Extraordinário.<br />

O embrião <strong>do</strong> controle sobre os órgãos inferiores estava <strong>de</strong>ssa forma<br />

planta<strong>do</strong> em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, ten<strong>do</strong> consolidação lastreada no Decreto<br />

16.273, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1923, como a criação <strong>do</strong> instituto <strong>de</strong> prejulga<strong>do</strong>, que<br />

se limitava à Corte <strong>de</strong> Apelação <strong>do</strong> então Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A Corte Suprema avocava a questão <strong>de</strong> Direito controvertida, <strong>do</strong>s órgãos<br />

fracionários <strong>do</strong> tribunal, para a apreciação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os integrantes em plenário. O<br />

sistema perdurou até o advento da Reforma Judiciária <strong>de</strong> 1926, mas logo teve o<br />

entendimento <strong>do</strong> prejulga<strong>do</strong> revivifica<strong>do</strong> <strong>por</strong> força <strong>do</strong> Decreto 19.408, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 1930.<br />

Como não se tinha <strong>um</strong>a legislação processual nacional, <strong>de</strong>staca-se para São<br />

Paulo a a<strong>do</strong>ção em seu Código Processual Estadual a figura <strong>do</strong> prejulga<strong>do</strong> em seu<br />

artigo 1126, buscan<strong>do</strong> evitar a existência <strong>de</strong> julga<strong>do</strong>s divergentes.<br />

Em 1936, a lei 319 universalizou o prejulga<strong>do</strong> para o âmbito nacional para<br />

evitar os problemas causa<strong>do</strong>s pelas interpretações que em s<strong>um</strong>a ten<strong>de</strong>nciavam para<br />

a divergência <strong>do</strong> entendimento sobre a lei. 244<br />

244<br />

Citan<strong>do</strong> Tucci na integra, é <strong>de</strong> se obervar: “É interessante notar que o art. 103, par. 1º, <strong>do</strong> velho<br />

Decreto 16.273, <strong>de</strong>terminada que o prejulga<strong>do</strong> era obrigatório para o caso concreto “e norma<br />

aconselhável para os casos futuros, salvo relevantes motivos <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, que justifiquem renovar-se<br />

idêntico procedimento <strong>de</strong> instalação das camaras reunidas”. / Já o art. 7º <strong>do</strong> Decreto 19.408,<br />

dispunha que o prejulga<strong>do</strong> se <strong>de</strong>stinava a “uniformizar a jurisprudência das câmaras reunidas”.<br />

Frisava-se então que o prestigio e o grau <strong>de</strong> persuasão <strong>do</strong> julgamento uniformiza<strong>do</strong>r, para a solução<br />

<strong>de</strong> litígios análogos no futuro era <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m eminentemente ética. / No entanto, parece-nos que sob a<br />

égi<strong>de</strong> da Lei 319, o prejulga<strong>do</strong> possuía eficácia vinculante intramuros, e, <strong>por</strong>tanto, horizontal, <strong>por</strong>que,<br />

a teor <strong>do</strong> art. 1º, letra b, se <strong>por</strong>ventura <strong>um</strong>a das turmas contrariasse a regra jurídica antes fixada pelo<br />

tribunal pleno, era cabível, contra o acórdão, recurso <strong>de</strong> revista (TUCCI, José Rogério Cruz. (Org).<br />

Direito processual civil europeu contem<strong>por</strong>âneo. São Paulo: Lex, 2010, p. 60)”.


361<br />

Tem-se que o sistema jurídico brasileiro, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista histórico <strong>de</strong> que se<br />

extraem as diretrizes da evolução normativa, marca <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> divorciada <strong>do</strong><br />

sistema <strong>de</strong> vinculação aos prece<strong>de</strong>ntes.<br />

Muito embora o que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia surgir e que <strong>de</strong> fato passa a ter <strong>um</strong>a nova<br />

compreensão a partir <strong>do</strong> momento em que a carta política constitucional passa a<br />

conferir a partir <strong>de</strong> si a permissivida<strong>de</strong> vinculante <strong>do</strong>s prejulga<strong>do</strong>s.<br />

Em flashback processual, observa-se no teor <strong>do</strong> artigo 861 <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 1939<br />

que houve a institucionalização <strong>do</strong> prejulga<strong>do</strong> com o escopo <strong>de</strong> dar aos tribunais<br />

<strong>um</strong>a estabilida<strong>de</strong> <strong>por</strong> força da uniformida<strong>de</strong> interpretativa <strong>do</strong>s dispositivos jurídicos,<br />

embora isto não vinculasse os tribunais.<br />

O Regimento interno <strong>do</strong> STF, <strong>por</strong> força <strong>de</strong> Emenda Constitucional, calcificou<br />

as <strong>de</strong>nominadas súmulas da jurisprudência pre<strong>do</strong>minante com o objetivo <strong>de</strong><br />

uniformizar a prece<strong>de</strong>nte jurispru<strong>de</strong>ncial <strong>do</strong>minante.<br />

A partir <strong>de</strong> 1964, <strong>do</strong> STF já contava com 370 súmulas, <strong>por</strong>ém não <strong>de</strong>tinham o<br />

soberano <strong>po<strong>de</strong>r</strong> da vinculação, servin<strong>do</strong>-se tão somente para a influência persuasiva<br />

<strong>de</strong> seu teor. Registra-se ainda a busca <strong>por</strong> mais <strong>de</strong> <strong>um</strong> século pela estabilização <strong>de</strong><br />

julga<strong>do</strong>s através <strong>de</strong> súmulas ou prejulga<strong>do</strong>s em natureza ou formato nominalistas.<br />

Como pináculos <strong>de</strong>ssa incessante busca envolven<strong>do</strong> os prejulga<strong>do</strong>s,<br />

prece<strong>de</strong>ntes, as jurisprudências e súmulas, ainda é <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rarem os trabalhos<br />

<strong>de</strong> Harol<strong>do</strong> Vadão com o Anteprojeto <strong>de</strong> Lei Geral <strong>de</strong> Aplicação das Normas<br />

Jurídicas <strong>de</strong> 1964.<br />

O entendimento <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> jurista recepcionava a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong><br />

Resolução Unifica<strong>do</strong>ra da Jurisprudência <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, bem como o<br />

Anteprojeto <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 1973, em seus artigos 516 usque 520, que previam a<br />

uniformização <strong>de</strong> jurisprudência vinculativa para a extensão nacional.<br />

To<strong>do</strong>s esses esforços encontraram dificulda<strong>de</strong>s, <strong>por</strong> ausência <strong>de</strong> base<br />

Constitucional, o que sinaliza qual o caminho primeiro a ser percorri<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> a<br />

questão <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> exige mudança estrutural.<br />

Exige se <strong>um</strong>a primeira mudança no âmbito <strong>do</strong> Direito Constitucional, para que<br />

possa to<strong>do</strong> o sistema ter harmonia simétrica com o instituto a ser inseri<strong>do</strong> no sistema<br />

jurídico.


362<br />

Neste senti<strong>do</strong>, no caso <strong>do</strong> Brasil, o prece<strong>de</strong>nte como gênero ao longo <strong>de</strong> sua<br />

trajetória veio ganhan<strong>do</strong> diversas formas e características, as quais merecem ser<br />

retratada para dar sustentação ao instituto germina<strong>do</strong> no bojo <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong><br />

Código <strong>de</strong> Processo Civil com natureza hierarquicamente vinculativa. 245<br />

A partir <strong>de</strong> então, nota-se a abertura, a im<strong>por</strong>tância e a vinculação admitida<br />

aos prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ntro da or<strong>de</strong>m Constitucional pátria. Com essa nova atmosfera,<br />

os artigos 476 usque 479 <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 73 revigoraram o entendimento <strong>de</strong><br />

uniformização jurispru<strong>de</strong>ncial, como comenta Marcato. 246<br />

Neste cotejo ainda subsiste a súmula impeditiva <strong>de</strong> recurso, conforme<br />

disciplinada pelo artigo 557 <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 73 e <strong>do</strong> parágrafo 1º, <strong>do</strong> artigo 555 <strong>do</strong><br />

mesmo diploma processual e também retratada pelo ilustre processualista em aresto<br />

<strong>do</strong> mesmo trecho. 247<br />

245<br />

Segun<strong>do</strong> Tucci, “Im<strong>por</strong>ta sublinhar que essa aludida reforma, no parágrafo 2º <strong>do</strong> art. 102,<br />

<strong>de</strong>terminou ainda que: “As <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>finitivas <strong>de</strong> mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

nas ações <strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral, produzirão eficácia<br />

contra to<strong>do</strong>s e efeito vinculante, relativamente aos <strong>de</strong>mais órgãos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário e ao Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo. / Observa-se, assim, que a primordial razão política inspira<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Legislativo Fe<strong>de</strong>ral foi,<br />

sem dúvida, a <strong>de</strong> instituir <strong>um</strong> mecanismo <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a subordinar o <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas em curso<br />

perante juízos inferiores <strong>–</strong> monocráticos e colegia<strong>do</strong>s <strong>–</strong> à <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Excelso Pretório Pátrio. O<br />

procedimento da referida ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> somente foi regulamenta<strong>do</strong> pela<br />

Lei 9.868, <strong>de</strong> 1999, que também disciplinou aquele da tradicional ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.<br />

Pois bem se verifica que esse diploma legal acabou amplian<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> expressivo a eficácia<br />

vinculante <strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral no tocante ao controle direto <strong>de</strong><br />

constitucionalida<strong>de</strong> das leis (TUCCI, José Rogério Cruz. (Org). Direito processual civil europeu<br />

contem<strong>por</strong>âneo. São Paulo: Lex, 2010, p. 70)”.<br />

246<br />

“Sobre o papel reserva<strong>do</strong> à jurisprudência no or<strong>de</strong>namento jurídico: recentemente, não sem<br />

polêmicas, os processualistas vêm discutin<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reconhecer <strong>um</strong> papel mais<br />

relevante à jurisprudência. Entre nós, tradicionalmente, a jurisprudência vinha sen<strong>do</strong> utilizada para a<br />

tentativa <strong>de</strong> induzir o magistra<strong>do</strong> a proferir julgamento conforme <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> posicionamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

pelos nossos tribunais e que esposasse a tese da parte que o invocava. O verda<strong>de</strong>iro significa<strong>do</strong> da<br />

expressão jurisprudência, <strong>por</strong> mais completo, <strong>de</strong>ve a<strong>do</strong>tar os elementos da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Rubens<br />

Limongi França, incansável estudioso das <strong>de</strong>nominadas formas <strong>de</strong> expressão <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, ou seja, a<br />

jurisprudência <strong>de</strong>ve ser vista “como o conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões uniformes <strong>de</strong> <strong>um</strong> ou vários tribunais,<br />

sobre o mesmo caso em cada matéria, e forma constante, reiterada e pacífica” (MARCATO, Antônio<br />

Carlos (coord.). Código <strong>de</strong> processo civil interpreta<strong>do</strong>. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1.631)”.<br />

247<br />

“Não obstante, o resgate da im<strong>por</strong>tância da jurisprudência vem sen<strong>do</strong> institucionaliza<strong>do</strong> em<br />

alg<strong>um</strong>as im<strong>por</strong>tantes o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nossa história legislativa recente, seja no plano constitucional,<br />

seja no plano infraconstitucional. Assim, a emenda à CF (Emenda n. 3/93), passan<strong>do</strong> pelas Leis n.º<br />

9.868/99 e 9.882/99 já referidas, que conferiram efeitos vinculantes aos julga<strong>do</strong>s das ações<br />

<strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, bem assim da arguição <strong>de</strong> violação a<br />

preceito fundamental, chegan<strong>do</strong> a nosso CPC que, pelo menos em duas o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>staca a<br />

im<strong>por</strong>tância da jurisprudência (ver art. 557, com redação que lhe <strong>de</strong>u a Lei n.º 9.759/98 e o art. 558,<br />

paragrafo 1º,com a redação que lhe <strong>de</strong>u a Lei n.º 10.352/2001), há <strong>um</strong>a nítida e expressa consciência<br />

da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conferir maior im<strong>por</strong>tância a prece<strong>de</strong>ntes jurispru<strong>de</strong>nciais. / Im<strong>por</strong>tantíssimo<br />

anotar <strong>–</strong> e a anterior edição <strong>de</strong>sse código comenta<strong>do</strong> não a mencionou <strong>–</strong> a im<strong>por</strong>tância das<br />

<strong>de</strong>nominadas súmulas <strong>de</strong> efeitos vinculantes. A Emenda Constitucional n. 45, <strong>de</strong> 08 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

2004, modificou o nosso or<strong>de</strong>namento, reconhecen<strong>do</strong>, finalmente, a im<strong>por</strong>tância que se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>votar<br />

aos julga<strong>do</strong>s. / Além da a<strong>do</strong>ção das súmulas vinculativas ou vinculantes, a referida EC n 45, também<br />

acabou disciplinan<strong>do</strong>, <strong>por</strong> exemplo, <strong>novo</strong>s requisitos para o conhecimento <strong>do</strong>s recursos


363<br />

Disso se observa que o prece<strong>de</strong>nte, na or<strong>de</strong>m jurídica <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong><br />

Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>de</strong> 2015, somente matizou o caminho que havia tanto<br />

pisa<strong>do</strong> e repisa<strong>do</strong> pelos sistemas anteriores.<br />

É possível que a extenuação <strong>do</strong> erro causa<strong>do</strong> pelo atraso <strong>cognitivo</strong> <strong>do</strong>s<br />

juristas que antece<strong>de</strong>ram a posição legislativa ora a<strong>do</strong>tada tenha cedi<strong>do</strong> espaço<br />

para que a voz da realida<strong>de</strong> passasse a ser reconhecida pelo Instituto da<br />

Instauração <strong>do</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva.<br />

Com atenção aos dispositivos <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, é<br />

possível enxergar melhor a sistemática disposição <strong>do</strong>s artigos e da forma como<br />

<strong>de</strong>vem funcionar, embora ainda tenha o capítulo em comento, extenso contexto <strong>de</strong><br />

discussão que será apresenta<strong>do</strong> após a superação da apresentação onomástica <strong>do</strong>s<br />

dispositivos legais. 248<br />

extraordinários. Atualmente (consoante o par. 3º <strong>do</strong> art. 102 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>–</strong> fruto da EC<br />

45), os recursos extraordinários submetem-se ao requisito da “repercussão geral das questões<br />

constitucionais”. Deseja-se, com essa exigência, confirmar a vocação <strong>do</strong> STF como <strong>um</strong> tribunal<br />

constitucional e não apenas <strong>um</strong> outro e eventual grau <strong>de</strong> jurisdição predisposto às partes. Realizan<strong>do</strong><br />

a exigência da <strong>de</strong>monstração da repercussão geral que <strong>um</strong> caso possa revelar, pro<strong>por</strong>ciona-se: a) o<br />

não conhecimento <strong>de</strong> recursos extraordinários que veiculem insatifações particulares das partes<br />

suc<strong>um</strong>bentes em graus <strong>de</strong> jurisdição anterior; b) a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientar a formação <strong>de</strong> súmulas, a<br />

partir da compilação <strong>de</strong> julga<strong>do</strong>s <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a temas relevantes, <strong>por</strong>que <strong>de</strong> repercussão geral para a<br />

socieda<strong>de</strong>; c) possibilita-se verificar a constitucionalida<strong>de</strong> <strong>–</strong> diante da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> propósitos <strong>–</strong> v. g.,<br />

da lei 11.276/2006 que, alteran<strong>do</strong> o Código <strong>de</strong> Processo Civil, criou as <strong>de</strong>nominadas “súmulas<br />

impeditivas <strong>de</strong> recursos”, disciplinan<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o magistra<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1º grau <strong>de</strong> jurisdição<br />

sequer conhecer da apelação interposta, diante da vigência <strong>de</strong> súmula <strong>do</strong> STJ ou STF que ostente a<br />

interpretação <strong>do</strong> <strong>direito</strong> material envolvi<strong>do</strong> no caso concreto (MARCATO, Antônio Carlos (coord.).<br />

Código <strong>de</strong> processo civil interpreta<strong>do</strong>. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1.631)”.<br />

248<br />

“LIVRO III <strong>–</strong> Dos Processos nos Tribunais e <strong>do</strong>s Meios <strong>de</strong> Impugnação <strong>–</strong> Das Decisões Judiciais <strong>–</strong><br />

Título I <strong>–</strong> Da Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s Processos e <strong>do</strong>s Processos <strong>de</strong> Competência Originária <strong>do</strong>s Tribunais <strong>–</strong><br />

Capítulo I <strong>–</strong> Disposições Gerais:<br />

Art. 926. Os tribunais <strong>de</strong>vem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.<br />

§ 1 o Na forma estabelecida e segun<strong>do</strong> os pressupostos fixa<strong>do</strong>s no regimento interno, os tribunais<br />

editarão enuncia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> súmula correspon<strong>de</strong>ntes à sua jurisprudência <strong>do</strong>minante.<br />

§ 2 o Ao editar enuncia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> súmula, os tribunais <strong>de</strong>vem ater-se às circunstâncias fáticas <strong>do</strong>s<br />

prece<strong>de</strong>ntes que motivaram sua criação.<br />

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:<br />

I <strong>–</strong> as <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em controle concentra<strong>do</strong> <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>;<br />

II <strong>–</strong> os enuncia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> súmula vinculante;<br />

III <strong>–</strong> os acórdãos em inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> assunção <strong>de</strong> competência ou <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas repetitivas<br />

e em julgamento <strong>de</strong> recursos extraordinários e especiais repetitivos.<br />

IV <strong>–</strong> os enuncia<strong>do</strong>s das súmulas <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em matéria Constitucional e <strong>do</strong><br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça em matéria infraconstitucional;<br />

V <strong>–</strong> a orientação <strong>do</strong> plenário ou <strong>do</strong> órgão especial aos quais estiverem vincula<strong>do</strong>s;<br />

§ 1 o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1 o , quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidirem<br />

com fundamento neste artigo.


364<br />

Percebe-se claramente a imperativida<strong>de</strong> vinculativa <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte conforme<br />

prevê a Constituição Fe<strong>de</strong>ral em seu artigo 102, I, l, agora estatuída a reclamação<br />

também <strong>do</strong> âmbito processual <strong>por</strong> força <strong>do</strong> artigo 988. 249<br />

O legisla<strong>do</strong>r, ao que parece, foi toma<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> espírito <strong>de</strong> maior<br />

racionalida<strong>de</strong> diante <strong>do</strong> real, inescondível e incomensurável existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

realida<strong>de</strong> que exorbita a individualida<strong>de</strong> processual.<br />

§ 2 o A alteração <strong>de</strong> tese jurídica a<strong>do</strong>tada em enuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong> súmula ou em julgamento <strong>de</strong> casos<br />

repetitivos <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser precedida <strong>de</strong> audiências públicas e da participação <strong>de</strong> pessoas, órgãos ou<br />

entida<strong>de</strong>s que possam contribuir para a rediscussão da tese.<br />

§ 3 o Na hipótese <strong>de</strong> alteração <strong>de</strong> jurisprudência <strong>do</strong>minante <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e <strong>do</strong>s<br />

tribunais superiores ou daquela oriunda <strong>de</strong> julgamento <strong>de</strong> casos repetitivos, po<strong>de</strong> haver modulação<br />

<strong>do</strong>s efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.<br />

§ 4 o A modificação <strong>de</strong> enuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong> súmula, <strong>de</strong> jurisprudência pacificada ou <strong>de</strong> tese a<strong>do</strong>tada em<br />

julgamento <strong>de</strong> casos repetitivos observará a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundamentação a<strong>de</strong>quada e específica,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.<br />

§ 5 o Os tribunais darão publicida<strong>de</strong> a seus prece<strong>de</strong>ntes, organizan<strong>do</strong>-os <strong>por</strong> questão jurídica <strong>de</strong>cidida<br />

e divulgan<strong>do</strong>-os, preferencialmente, na re<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> computa<strong>do</strong>res.<br />

Art. 928. Para os fins <strong>de</strong>ste Código, consi<strong>de</strong>ra-se julgamento <strong>de</strong> casos repetitivos a <strong>de</strong>cisão proferida<br />

em:<br />

I <strong>–</strong> inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas repetitivas;<br />

II <strong>–</strong> recursos especiais e extraordinários repetitivos.<br />

Parágrafo único. O julgamento <strong>de</strong> casos repetitivos tem <strong>por</strong> objeto questão <strong>de</strong> <strong>direito</strong> material ou<br />

processual”.<br />

249<br />

“Capítulo IX <strong>–</strong> Da Reclamação<br />

Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou <strong>do</strong> Ministério Público para:<br />

I <strong>–</strong> preservar a competência <strong>do</strong> tribunal;<br />

II <strong>–</strong> garantir a autorida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong> tribunal;<br />

III<strong>–</strong> garantir a observância <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em controle concentra<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

constitucionalida<strong>de</strong>;<br />

IV <strong>–</strong> garantir a observância <strong>de</strong> enuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong> súmula vinculante e <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>nte proferi<strong>do</strong> em<br />

julgamento <strong>de</strong> casos repetitivos ou em inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> assunção <strong>de</strong> competência.<br />

§ 1 o A reclamação po<strong>de</strong> ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão<br />

jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autorida<strong>de</strong> se pretenda garantir.<br />

§ 2 o A reclamação <strong>de</strong>verá ser instruída com prova <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental e dirigida ao presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> tribunal.<br />

§ 3 o Assim que recebida, a reclamação será autuada e distribuída ao relator <strong>do</strong> processo principal,<br />

sempre que possível.<br />

§ 4 o As hipóteses <strong>do</strong>s incisos III e IV compreen<strong>de</strong>m a aplicação in<strong>de</strong>vida da tese jurídica e sua não<br />

aplicação aos casos que a ela correspondam.<br />

§ 5 o É inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julga<strong>do</strong> da <strong>de</strong>cisão.<br />

§ 6 o A inadmissibilida<strong>de</strong> ou o julgamento <strong>do</strong> recurso interposto contra a <strong>de</strong>cisão proferida pelo órgão<br />

reclama<strong>do</strong> não prejudica a reclamação”.


365<br />

O fenômeno da massificação <strong>do</strong> Direito e da Justiça diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a gigante<br />

clientela que se ac<strong>um</strong>ula nos escaninhos <strong>do</strong> judiciário, precisa encontrar<br />

mecanismos que possam <strong>de</strong>sobstruir o acúmulo <strong>de</strong> processos. 250<br />

250<br />

O artigo 976 e seguintes <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> CPC assim dispõem:<br />

“Art. 976. É cabível a instauração <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas repetitivas quan<strong>do</strong> houver,<br />

simultaneamente:<br />

I <strong>–</strong> efetiva repetição <strong>de</strong> processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>;<br />

II <strong>–</strong> risco <strong>de</strong> ofensa à isonomia e à segurança jurídica.<br />

§ 1 o A <strong>de</strong>sistência ou o aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> processo não impe<strong>de</strong>m o exame <strong>de</strong> mérito <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte.<br />

§ 2 o Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no inci<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong>verá<br />

ass<strong>um</strong>ir sua titularida<strong>de</strong> em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistência ou <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>no.<br />

§ 3 o A inadmissão <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas repetitivas <strong>por</strong> ausência <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong><br />

seus pressupostos <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> não impe<strong>de</strong> que, <strong>um</strong>a vez satisfeito o requisito, seja o inci<strong>de</strong>nte<br />

novamente suscita<strong>do</strong>.<br />

§ 4 o É incabível o inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas repetitivas quan<strong>do</strong> <strong>um</strong> <strong>do</strong>s tribunais<br />

superiores, no âmbito <strong>de</strong> sua respectiva competência, já tiver afeta<strong>do</strong> recurso para <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> tese<br />

sobre questão <strong>de</strong> <strong>direito</strong> material ou processual repetitiva.<br />

§ 5 o Não serão exigidas custas processuais no inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas repetitivas.<br />

Art. 977. O pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> instauração <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte será dirigi<strong>do</strong> ao presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> tribunal:<br />

I <strong>–</strong> pelo juiz ou relator, <strong>por</strong> ofício;<br />

II <strong>–</strong> pelas partes, <strong>por</strong> petição;<br />

III <strong>–</strong> pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, <strong>por</strong> petição.<br />

Parágrafo único. O ofício ou a petição será instruí<strong>do</strong> com os <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entos necessários à<br />

<strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> preenchimento <strong>do</strong>s pressupostos para a instauração <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte.<br />

Art. 978. O julgamento <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte caberá ao órgão indica<strong>do</strong> pelo regimento interno <strong>de</strong>ntre aqueles<br />

responsáveis pela uniformização <strong>de</strong> jurisprudência <strong>do</strong> tribunal.<br />

Parágrafo único. O órgão colegia<strong>do</strong> inc<strong>um</strong>bi<strong>do</strong> <strong>de</strong> julgar o inci<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong> fixar a tese jurídica julgará<br />

igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo <strong>de</strong> competência originária <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se<br />

originou o inci<strong>de</strong>nte.<br />

Art. 979. A instauração e o julgamento <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte serão sucedi<strong>do</strong>s da mais ampla e específica<br />

divulgação e publicida<strong>de</strong>, <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> registro eletrônico no Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça.<br />

§ 1 o Os tribunais manterão banco eletrônico <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s atualiza<strong>do</strong>s com informações específicas sobre<br />

questões <strong>de</strong> <strong>direito</strong> submetidas ao inci<strong>de</strong>nte, comunican<strong>do</strong>-o imediatamente ao Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Justiça para inclusão no cadastro.<br />

§ 2 o Para possibilitar a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong>s processos abrangi<strong>do</strong>s pela <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte, o registro<br />

eletrônico das teses jurídicas constantes <strong>do</strong> cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos<br />

<strong>de</strong>terminantes da <strong>de</strong>cisão e os dispositivos normativos a ela relaciona<strong>do</strong>s.<br />

§ 3 o Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento <strong>de</strong> recursos repetitivos e da repercussão geral<br />

em recurso extraordinário.<br />

Art. 980. O inci<strong>de</strong>nte será julga<strong>do</strong> no prazo <strong>de</strong> 1 (<strong>um</strong>) ano e terá preferência sobre os <strong>de</strong>mais feitos,<br />

ressalva<strong>do</strong>s os que envolvam réu preso e os pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> habeas corpus.<br />

Parágrafo único. Supera<strong>do</strong> o prazo previsto no caput, cessa a suspensão <strong>do</strong>s processos prevista no<br />

art. 982, salvo <strong>de</strong>cisão fundamentada <strong>do</strong> relator em senti<strong>do</strong> contrário.


366<br />

Art. 981. Após a distribuição, o órgão colegia<strong>do</strong> competente para julgar o inci<strong>de</strong>nte proce<strong>de</strong>rá ao seu<br />

juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a presença <strong>do</strong>s pressupostos <strong>do</strong> art. 976.<br />

Art. 982. Admiti<strong>do</strong> o inci<strong>de</strong>nte, o relator:<br />

I <strong>–</strong>suspen<strong>de</strong>rá os processos pen<strong>de</strong>ntes, individuais ou coletivos, que tramitam no Esta<strong>do</strong> ou na<br />

região, conforme o caso;<br />

II <strong>–</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto<br />

<strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte, que as prestarão no prazo <strong>de</strong> 15 (quinze) dias;<br />

III <strong>–</strong> intimará o Ministério Público para, queren<strong>do</strong>, manifestar-se no prazo <strong>de</strong> 15 (quinze) dias.<br />

§ 1 o A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.<br />

§ 2 o Durante a suspensão, o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutela <strong>de</strong> urgência <strong>de</strong>verá ser dirigi<strong>do</strong> ao juízo on<strong>de</strong> tramita o<br />

processo suspenso.<br />

§ 3 o Visan<strong>do</strong> à garantia da segurança jurídica, qualquer legitima<strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> no art. 977, incisos II<br />

e III, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á requerer ao tribunal competente para conhecer, <strong>do</strong> recurso extraordinário ou especial, a<br />

suspensão <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem<br />

sobre a questão objeto <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte já instaura<strong>do</strong>.<br />

§ 4 o In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s da competência territorial, a parte no processo em curso no qual<br />

se discuta a mesma questão objeto <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte é legitimada para requerer a providência prevista no<br />

§ 3 o <strong>de</strong>ste artigo.<br />

§ 5 o Cessa a suspensão a que se refere o inciso I <strong>do</strong> caput <strong>de</strong>ste artigo se não for interposto recurso<br />

especial ou recurso extraordinário contra a <strong>de</strong>cisão proferida no inci<strong>de</strong>nte.<br />

Art. 983. O relator ouvirá as partes e os <strong>de</strong>mais interessa<strong>do</strong>s, inclusive pessoas, órgãos e entida<strong>de</strong>s<br />

com interesse na controvérsia, que, no prazo com<strong>um</strong> <strong>de</strong> 15 (quinze) dias, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão requerer a juntada<br />

<strong>de</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entos bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.<br />

§ 1 o Para instruir o inci<strong>de</strong>nte, o relator <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á <strong>de</strong>signar data para, em audiência pública, ouvir<br />

<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> pessoas com experiência e conhecimento na matéria.<br />

§ 2 o Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte.<br />

Art. 984. No julgamento <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte, observar-se-á a seguinte or<strong>de</strong>m:<br />

I <strong>–</strong> o relator fará a exposição <strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte;<br />

II <strong>–</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão sustentar suas razões, sucessivamente:<br />

a) o autor e o réu <strong>do</strong> processo originário e o Ministério Público, pelo prazo <strong>de</strong> 30 (trinta) minutos;<br />

b) os <strong>de</strong>mais interessa<strong>do</strong>s, no prazo <strong>de</strong> 30 (trinta) minutos, dividi<strong>do</strong>s entre to<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> exigida<br />

inscrição com 2 (<strong>do</strong>is) dias <strong>de</strong> antecedência.<br />

§ 1 o Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o número <strong>de</strong> inscritos, o prazo <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser amplia<strong>do</strong>.<br />

§ 2 o O conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> acórdão abrangerá a análise <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os fundamentos suscita<strong>do</strong>s concernentes à<br />

tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.<br />

Art. 985. Julga<strong>do</strong> o inci<strong>de</strong>nte, a tese jurídica será aplicada:<br />

I <strong>–</strong> a to<strong>do</strong>s os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e que<br />

tramitem na área <strong>de</strong> jurisdição <strong>do</strong> respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juiza<strong>do</strong>s<br />

especiais <strong>do</strong> respectivo Esta<strong>do</strong> ou região;<br />

II <strong>–</strong> aos casos futuros que versem idêntica questão <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e que venham a tramitar no território <strong>de</strong><br />

competência <strong>do</strong> tribunal, salvo revisão na forma <strong>do</strong> art. 986.<br />

§ 1 o Não observada a tese a<strong>do</strong>tada no inci<strong>de</strong>nte, caberá reclamação.<br />

§ 2 o Se o inci<strong>de</strong>nte tiver <strong>por</strong> objeto questão relativa à prestação <strong>de</strong> serviço concedi<strong>do</strong>, permiti<strong>do</strong> ou<br />

autoriza<strong>do</strong>, o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> julgamento será comunica<strong>do</strong> ao órgão, ao ente ou à agência regula<strong>do</strong>ra<br />

competente para fiscalização da efetiva aplicação, <strong>por</strong> parte <strong>do</strong>s entes sujeitos a regulação, da tese<br />

a<strong>do</strong>tada.


367<br />

O apontamento <strong>do</strong>s dispositivos <strong>de</strong>monstra ao menos em parte a vitória<br />

legislativa em consolidar o incessante buscar pelas técnicas processuais que<br />

pu<strong>de</strong>ssem gerar a estabilização/uniformização da Justiça.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a relevância <strong>do</strong> instituto e a não mais novida<strong>de</strong> existencial<br />

conforme espelhamento da<strong>do</strong> <strong>por</strong> outros institutos alhures verbaliza<strong>do</strong>s em<br />

assemelhadas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

Crê-se que a Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva<br />

tem como escopo aten<strong>de</strong>r quantitativa e qualitativamente o princípio da<br />

inafastabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário e o seu conheci<strong>do</strong> problema com o<br />

contingenciamento <strong>de</strong> processos que assolam a Justiça nacional, como esclarece<br />

Oliveira Neto (2015, p. 108):<br />

Em todas essas hipóteses, nota-se clara preoculação <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r em, <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> la<strong>do</strong>, criar mecanismos processuais que, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> efetivo, possam dar<br />

vazão ao vol<strong>um</strong>e, muitas vezes invencível, <strong>de</strong> processos que o Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário brasileiro é obriga<strong>do</strong> e <strong>por</strong> força <strong>do</strong> princípio da inafastabilida<strong>de</strong><br />

da jurisdição, prescreve no art. 5º, inciso XXXV da CF <strong>–</strong> a enfrentar e julgar<br />

diuturnamente, e que geram a tão propalada morosida<strong>de</strong> da Justiça.<br />

De outro la<strong>do</strong>, e ainda mais im<strong>por</strong>tante, está a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, cada vez<br />

mais, se consolidar e uniformizar a jurisprudência <strong>do</strong>s tribunais pátrios, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> a obter não apenas a <strong>de</strong>sejada e necessária segurança jurídica, como<br />

também garantir a isonomia entre os jurisdiciona<strong>do</strong>s. Casos idênticos<br />

<strong>de</strong>vem ser trata<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> maneira similar, sob pena <strong>de</strong> violar, em<br />

ultima instância, o princípio da igualda<strong>de</strong>, <strong>um</strong> <strong>do</strong>s pilares <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Democrático <strong>de</strong> Direito, tal como dispõe os arts. 1º, caput, e o 5º, caput e<br />

inciso I, da CF. 251<br />

Art. 986. A revisão da tese jurídica firmada no inci<strong>de</strong>nte far-se-á pelo mesmo tribunal <strong>de</strong> ofício ou<br />

mediante requerimento <strong>do</strong>s legitima<strong>do</strong>s menciona<strong>do</strong>s no art. 977, inciso III.<br />

Art. 987. Do julgamento <strong>do</strong> mérito <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o<br />

caso.<br />

§ 1 o O recurso tem efeito suspensivo, pres<strong>um</strong>in<strong>do</strong>-se a repercussão geral <strong>de</strong> questão constitucional<br />

eventualmente discutida.<br />

§ 2 o Aprecia<strong>do</strong> o mérito <strong>do</strong> recurso, a tese jurídica a<strong>do</strong>tada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ou pelo<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça será aplicada no território nacional a to<strong>do</strong>s os processos individuais ou<br />

coletivos que versem sobre idêntica questão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>”.<br />

251<br />

Destaca ainda o mesmo <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r que a nova sistemática garante: “[...] possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

julgamento liminar <strong>de</strong> improcedência <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>. Essa sistemática po<strong>de</strong> ser aplicada aos casos cuja<br />

“matéria controvertida, for unicamente <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e no juízo já houver si<strong>do</strong> proferida sentença <strong>de</strong> total<br />

improcedência em caso idênticos” (grifo nosso).Daí é que “<strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser dispensada a citação, e<br />

proferida sentença, reproduzin<strong>do</strong>-se o teor da anteriormente prolatada”, como possibilita o art. 285 A<br />

<strong>do</strong> CPC (grifo nosso). O mecanismo, como pontua a <strong>do</strong>utrina, permite a resolução superantecipada<br />

da li<strong>de</strong> viabilizan<strong>do</strong> o julgamento <strong>de</strong> imediato, <strong>de</strong> mérito (Trayo, 2011, p. 312). Em tais hipóteses, a<br />

sentença liminar <strong>de</strong> rejeição da <strong>de</strong>manda <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á estar vazada não em verda<strong>de</strong>iros prece<strong>de</strong>ntes,


368<br />

O que im<strong>por</strong>ta da nova técnica processual é que a <strong>de</strong>cisão, em caso <strong>de</strong><br />

IIRDR, esteja em entendimento <strong>de</strong> Direito, cuja tese tenha si<strong>do</strong> firmada <strong>por</strong><br />

interpretação e entendimento pre<strong>do</strong>minante pela <strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong>. Isso reflete não<br />

somente <strong>um</strong> avanço, mas mecanismo que vem <strong>de</strong> encontro com os princípios<br />

constitucionais menciona<strong>do</strong>s.<br />

Outra questão pertinente pela relevância é que <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa forma o<br />

monopólio da competência e da territorialida<strong>de</strong> historicamente vem sofren<strong>do</strong> <strong>um</strong>a<br />

mutabilida<strong>de</strong>, como se <strong>de</strong>duz <strong>do</strong> parágrafo 1º, <strong>do</strong> artigo 557 <strong>do</strong> CPC <strong>de</strong> 73, que<br />

flexibilizou o princípio da colegialida<strong>de</strong>.<br />

A alteração dá-se <strong>de</strong> forma gradual, na medida em que o relator <strong>passo</strong>u a<br />

gozar <strong>de</strong> autonomia e in<strong>de</strong>pendência para julgar monocraticamente as questões<br />

manifestamente inadmissíveis em grau <strong>de</strong> recurso ou provê-lo quan<strong>do</strong> o caso estiver<br />

assenta<strong>do</strong> em jurisprudência <strong>do</strong>minante.<br />

Na conjuntura estrutural <strong>do</strong> <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, os<br />

casos repetitivos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não afeta<strong>do</strong>s pelos tribunais superiores, po<strong>de</strong>m ser<br />

conheci<strong>do</strong>s pelos tribunais <strong>de</strong> Justiça e Regionais Fe<strong>de</strong>rais.<br />

Exigem, todavia, que se pense mais a fun<strong>do</strong> e <strong>de</strong> forma integrativa em <strong>um</strong>a<br />

ferramenta que possa integrar, unificar, centralizar, uniformizar, padronizar e<br />

sistematizar operacionalmente o inci<strong>de</strong>nte em relação aos tribunais, dada a força<br />

vinculante <strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes e a im<strong>por</strong>tância <strong>do</strong> seu c<strong>um</strong>primento. Segun<strong>do</strong> Fux<br />

(2011, p. 10),<br />

O inci<strong>de</strong>nte tem a vantagem <strong>de</strong> permitir a solução <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas<br />

com idêntica questão jurídica, <strong>por</strong> meio da solução única, mercê <strong>de</strong> tornar<br />

obrigatória a normação a<strong>do</strong>tada que vai influir inclusive na admissibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> eventuais recursos para os tribunais locais ou superiores, <strong>por</strong>tanto fixada<br />

a tese, a sua a<strong>do</strong>ção será obrigatória.<br />

O escopo <strong>do</strong> sistema como <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra data visa aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong><br />

forma célere, isonômica e previsível, para a gestão <strong>de</strong> <strong>um</strong> instituto <strong>de</strong>ssa<br />

envergadura, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a forte e crescente <strong>de</strong>manda que se tem <strong>por</strong> parte <strong>do</strong>s<br />

jurisdiciona<strong>do</strong>s.<br />

como estamos acost<strong>um</strong>a<strong>do</strong>s a tratar (isto é, <strong>de</strong>cisões que já tenham si<strong>do</strong> reexaminadas em grau, ou<br />

graus superiores, e que representem, <strong>de</strong> maneira efetiva, o entendimento consolida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s tribunais),<br />

mas sim, em <strong>de</strong>cisões singulares <strong>do</strong> juízo <strong>de</strong> primeiro grau (OLIVEIRA NETO, Olavo <strong>de</strong>; MEDEIROS<br />

NETO, Elias Marques <strong>de</strong>; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino <strong>de</strong>. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> processual civil.<br />

São Paulo: Verbatim, 2015, p. 109)”.


369<br />

Exigem-se o <strong>de</strong>senvolvimento e a implantação <strong>de</strong> bases tecnológicas para o<br />

tráfego <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s, bem como a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> relacionamento <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre os milhares <strong>de</strong> causas distribuídas diariamente, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

automaticamente serem i<strong>de</strong>ntificadas com os prece<strong>de</strong>ntes já firma<strong>do</strong>s ou em via <strong>de</strong><br />

firmação.<br />

O sistema informaria instantaneamente <strong>um</strong>a posição “<strong>de</strong>cisão” sobre a tutela<br />

pretendida. Portanto o “sabe que existiu” <strong>do</strong> jurisdiciona<strong>do</strong>, conforme a<strong>por</strong>ia<br />

suscitada pelo mestre Scarpinella, já seria “sabi<strong>do</strong> que existiu” pela via <strong>de</strong><br />

sistematização, centralização, integração, unificação e uniformização <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

processual digital a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, útil e compatível.<br />

A gestão <strong>do</strong> Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva e<br />

<strong>de</strong>mais institutos <strong>de</strong> natureza processual, os quais <strong>de</strong>sembarcam no <strong>novo</strong>-reforma<strong>do</strong><br />

Código <strong>de</strong> Processo Civil, exige o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa técnica processual <strong>por</strong><br />

intermédio da linguagem da Inteligência Artificial.<br />

Visa permitir <strong>um</strong>a maior velocida<strong>de</strong>, equiparan<strong>do</strong>-se à concepção <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

sistema processual integrativo, como esclarecem Bianchi (2008, p. 51): “Trata-se <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> processo integrativo, em que as diversas normas relativas ao tema<br />

formam <strong>um</strong> conjunto em que, mais <strong>do</strong> que se subsidiarem, interpenetram-se <strong>de</strong><br />

forma harmônica (teoria <strong>do</strong> diálogo das fontes normativas) ”.<br />

14.4 O Processo Civil enquanto instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> com características<br />

tecnologizadas e sua eficaz utilida<strong>de</strong><br />

A instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo em sua finalida<strong>de</strong> precípua <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas<br />

origens, ou melhor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seus estudiosos começaram a preocupar-secom sua<br />

real im<strong>por</strong>tância como instr<strong>um</strong>ento essencial para garantir a efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito<br />

material,tem encontra<strong>do</strong> <strong>limite</strong>s não em si, mas nos meios pelos quais ele se<br />

viabiliza.<br />

Seu funcionamento, ao ser toma<strong>do</strong> pela razão <strong>do</strong> homem, transformou sua<br />

genuína natureza e primordialfuncionalida<strong>de</strong> em <strong>um</strong>a complexa, <strong>de</strong>snecessária e<br />

confusa equação em que, antes <strong>do</strong> homem, vitimiza-se o Direito e a Justiça que esta<br />

mesma espécie se propõe alcançar.


370<br />

Essa disfunção entre tecnologias é sinal <strong>de</strong> certa anomalia sistêmica, a qual<br />

representa <strong>um</strong> quebra-cabeças em que a extensão da história (o inquérito) <strong>de</strong><br />

informações e da<strong>do</strong>s das ciências processuais tem-se <strong>de</strong>para<strong>do</strong> como <strong>de</strong> dificílima<br />

superação.<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> <strong>um</strong>a crise no âmbito <strong>do</strong> judiciário é notória e ocupa<br />

discussões das mais diversas naturezas, tornan<strong>do</strong>-se, ao longo <strong>do</strong> tempo,<br />

agravadas, a ponto <strong>de</strong> atingir-se o nível <strong>do</strong> inaceitável,mesmo assim, persistin<strong>do</strong> na<br />

produção <strong>de</strong>senfreada <strong>de</strong> reformas em busca <strong>de</strong> salvar o <strong>paradigma</strong> existente.<br />

A reinvenção <strong>–</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>–</strong> é <strong>um</strong>a proposta capaz <strong>de</strong><br />

reconduzir o processo aos seus fins, todavia, sua base <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong>ve ser<br />

alicerçada a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura cognitiva ainda não conhecida e distinta,<br />

conforme já verbalizaram Kuhn e Bertalanffy, aqui matiza<strong>do</strong>.<br />

É <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo com <strong>um</strong>a concepção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia nova para progresso <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça, a partir <strong>de</strong> então, pro<strong>por</strong>cionan<strong>do</strong><strong>um</strong>a dinâmica estratégica<br />

material que não po<strong>de</strong> ser medida a partir da atual existente.<br />

Porém, com carga valorativa eficiente e suficiente para a condução <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> no âmbito <strong>do</strong> judiciário, para isso, é vital que o Direito e a Justiça<br />

estejam <strong>um</strong>bilicalmente envolvi<strong>do</strong>s com as ciências e toda a evolução proposta <strong>por</strong><br />

força <strong>de</strong> suas gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobertas que, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma ou <strong>de</strong> outra, influenciam a<br />

realida<strong>de</strong> social.<br />

Aliás, <strong>um</strong> projeto com a missão <strong>de</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> fim aos problemas recorrentes e<br />

não resolvi<strong>do</strong>s em sua totalida<strong>de</strong> no que concerne à acessibilida<strong>de</strong>, à morosida<strong>de</strong> e<br />

à imprevisibilida<strong>de</strong> da Justiça. Segun<strong>do</strong> Calamandrei (2003, p. 43),<br />

Uma criação constante <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> Direito supõe, quan<strong>do</strong> for ativa, <strong>um</strong>a<br />

crença no valor da evolução. Essa crença diz respeito à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o<br />

Direito progri<strong>de</strong> transforman<strong>do</strong>-se. É <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia nova a <strong>do</strong> progresso <strong>do</strong><br />

Direito. A antiguida<strong>de</strong> situava o i<strong>de</strong>al no passa<strong>do</strong>, e não no futuro.<br />

A simplificação das formas e a instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> proposta pelo mecanismo<br />

processual como ferramenta na <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong> enfrenta em seu percurso<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo em exercício o arrisca<strong>do</strong> trabalho participativo da razão h<strong>um</strong>ana<br />

quan<strong>do</strong> da cognição entre fato e o Direito. 252 A cele<strong>um</strong>a da participação <strong>do</strong> homem<br />

252<br />

Para Watanabe: “Em cada <strong>um</strong> <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s trinômios, há sempre <strong>do</strong>is objetos distintos <strong>de</strong><br />

conhecimentos, que são o <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e os fatos. Às vezes, os fatos são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s in status


371<br />

no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito e da Justiça perfaz-se <strong>por</strong>que a estrutura ofertada pelo Esta<strong>do</strong><br />

para a organização judiciária e<strong>–</strong>consequentemente <strong>–</strong> <strong>do</strong> sistema jurídico <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>,<br />

em suas junções moleculares e em toda a sua ca<strong>de</strong>ia produtiva para o efetivo<br />

funcionamento, <strong>do</strong> “homem”e da “interpretação” <strong>por</strong> ele promovida.<br />

Trata-se da função intelectual responsável peloprocesso <strong>de</strong>reconstrução<br />

<strong>do</strong>Direito e simultaneamente <strong>por</strong> dar concretu<strong>de</strong> ao processo justo e <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>,<br />

baliza<strong>do</strong> pelo or<strong>de</strong>namento processual, a quem tem <strong>um</strong>a lesão ou ameaça <strong>do</strong> seu<br />

<strong>direito</strong>. Segun<strong>do</strong> Scarpinella (2015, p. 50),<br />

É inócuo falar em <strong>um</strong> “processo justo” ou em <strong>um</strong> “processo <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>” dan<strong>do</strong>se<br />

a falsa impressão <strong>de</strong> que aqueles atributos ten<strong>de</strong>m a se esgotar com a<br />

tão só observância da correção <strong>do</strong> meio <strong>de</strong> produzir a <strong>de</strong>cisão jurisdicional<br />

apta a veicular a tutela jurisdicional. O “justo” e o “<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>”, com efeito, vão<br />

além <strong>do</strong> reconhecimento jurisdicional <strong>do</strong> Direito.<br />

A i<strong>de</strong>ia que subjaz é a <strong>de</strong> que esse Direito se materialize à luz <strong>do</strong>s preceitos<br />

Constitucionais e que essa dinâmicaseja canalizada e, ao mesmo, mutabilizada pela<br />

“efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito pelo e no processo”.<br />

O meio tem <strong>de</strong> nutrir plenas condições a partir <strong>de</strong> suas técnicas <strong>de</strong> consolidar<br />

os valores reais que se encontram <strong>por</strong> trás das palavras “justo” e “<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>”, em sua<br />

forma e essência ou simplesmente serão apenas palavras <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>.<br />

A garantia que se espera <strong>do</strong> sistema processual para a resolução <strong>do</strong>s<br />

conflitos é <strong>de</strong> que, ao final o processo, se possam dar condições <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

Direito (resolução da li<strong>de</strong>).<br />

Isso contribui com o entendimento da Tese, ao observar que os olhos estão<br />

volta<strong>do</strong>s para o Direito, sua afirmação, confirmação e reconhecimento, <strong>por</strong>tanto, o<br />

acontecimento da Justiça, <strong>um</strong>a vez que essa somente acontece <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong><br />

Direito.<br />

assertionis, (nos itens que cuidam das condições da ação, o tema é aborda<strong>do</strong> mais amplamente).<br />

Outras vezes, os fatos são submeti<strong>do</strong>s a efetiva cognição. Sobre isso, diz Liebman, com muita<br />

proprieda<strong>de</strong>, que a operação “tem caráter histórico, <strong>por</strong>que seu escopo é <strong>de</strong>scobrir a verda<strong>de</strong><br />

relativamente às circunstâncias <strong>de</strong> fatos relevantes para a causa”. A cognição sobre a matéria <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> abrange, antes <strong>de</strong> mais nada, a regra jurídica em sua abstração e, em seguida, a valoração<br />

jurídica <strong>do</strong>s fatos com o estabelecimento das consequências jurídicas aplicáveis ao caso concreto.<br />

Deve o juiz, preleciona Liebman, “escolher e individualizar as normas aplicáveis ao caso, interpretálas<br />

corretamente e, <strong>por</strong> fim, fazer a sua precisa aplicação concreta”. O Direito e os fatos po<strong>de</strong>m<br />

aparecer na causa como pontos conheci<strong>do</strong>s e incontroversos, ou a respeito <strong>de</strong>le surgirem dúvidas e<br />

controvérsias, quan<strong>do</strong> então receberão o nome <strong>de</strong> questões (WATANABE, Kazuo. Cognição no<br />

processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 81)”.


372<br />

Isso exige <strong>um</strong>a sensível preocupação no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a logística <strong>do</strong> Direito<br />

e a dinâmica <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> sistema ao alcance da Justiça tenham<br />

<strong>inteligência</strong> suficiente para <strong>um</strong>a melhor conscientização pedagógica das leis <strong>–</strong> juízo<br />

<strong>de</strong> prevenção <strong>–</strong> e possam reparar a ocorrência <strong>do</strong> dano com brevida<strong>de</strong> <strong>–</strong> juízo <strong>de</strong><br />

reparação.<br />

Como Calamandrei <strong>de</strong>ixou em seu lega<strong>do</strong>, no século passa<strong>do</strong> (1989, p. 47):<br />

“O Direito progri<strong>de</strong> na medida em que as leis impe<strong>de</strong>m o dano ao próximo e<br />

garantem a cada <strong>um</strong> o que lhe é <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>”. Para isso o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve<br />

encontrar sua evolução no futuro.<br />

Os meios para esse evento, ou seja, para a concretização <strong>do</strong> Direito e com<br />

ele o alcance da Justiça <strong>–</strong> realiza<strong>do</strong> pelo processo<strong>–</strong>são possíveis e aqui se aventa<br />

que a civilização h<strong>um</strong>ana e os cientistas processuais conheçam-no <strong>por</strong> outro<br />

<strong>paradigma</strong>.<br />

Em rápida suspensão <strong>do</strong> juízo, é possível compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s clássicos<br />

<strong>do</strong> Direito e da Justiça <strong>um</strong>a tentativa <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s expoentes como Calamadrei,<br />

Carnellutti, Mortari, Chiovenda e outros tratarem as ciências jurídicas com <strong>um</strong><br />

particular isolamento, na medida em que a leitura feita <strong>do</strong> presente esteve em<br />

gran<strong>de</strong> parte balizada com os olhos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.<br />

Retoman<strong>do</strong> e acompanhan<strong>do</strong> a eloquência e a flui<strong>de</strong>z <strong>do</strong> pensamento <strong>de</strong><br />

Scarpinella, bem como <strong>de</strong> outros pensa<strong>do</strong>res atualiza<strong>do</strong>s, os meios somente<br />

passam a ser im<strong>por</strong>tantes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que possam alcançar os fins, com essa posição,<br />

também não se quer admitir que as realizações sejam tomadas <strong>de</strong> formas<br />

inconsequentes, mas exigem <strong>um</strong>a nova perspectiva.<br />

Fora isso, observan<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> funcionamento, sem a existência da<br />

interpretação media<strong>do</strong>ra da máquina h<strong>um</strong>ana, toda a performance <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento aproxima-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a categorização lógica.<br />

Enca<strong>de</strong>ada e concatenada <strong>do</strong> fenômeno social <strong>por</strong> intermédio das regras,<br />

cuja reprodução o Direito no máximo exige, <strong>um</strong>a vez que o sistema normativo tem<br />

autonomia e in<strong>de</strong>pendência em si e <strong>por</strong> si.<br />

No caso <strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes, conforme reticula<strong>do</strong> consoante a nova legislação<br />

processual da lei 11.305/2015, o firmamento da tese encerra tem<strong>por</strong>almente a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> juízo consciente <strong>de</strong> interpretação, restan<strong>do</strong> tão somente a<br />

inconsciência da reprodução após o firmamento da tese.


373<br />

Sob tal aspecto, é possível que a organização e a sistematização tecnológica<br />

possam aten<strong>de</strong>r a gestão <strong>de</strong> funcionamento para o efetivo funcionamento <strong>do</strong> <strong>novo</strong><br />

Instituto <strong>de</strong> Direito Processual Civil (IIRDR).<br />

Há ainda a observar que a evolução da tecnologia e o caráter <strong>de</strong> plasticida<strong>de</strong><br />

oferta<strong>do</strong>s pelas lógicas e as interfaces cognitivas que a cada instante se<br />

harmonizam com as psicologias <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> se revelam úteis para<br />

as ciências <strong>do</strong> processo.<br />

Po<strong>de</strong>m, com sucesso, harmonizar-se, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> e atualizan<strong>do</strong> o sistema<br />

normativo como mapean<strong>do</strong>, classifican<strong>do</strong> e categorizan<strong>do</strong> as mudanças<br />

com<strong>por</strong>tamentais balizan<strong>do</strong> assim to<strong>do</strong> o funcionamento.<br />

O processo <strong>de</strong> interpretação no contexto mínimo, médio e global das normas<br />

jurídicas e <strong>do</strong> exercício da cognição no âmbito <strong>do</strong>s fatos tem leva<strong>do</strong> a Justiça não<br />

somente a incertezas, mas às eternas divergências conclusivas, principalmente nas<br />

questões em que existe <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> Direito e que pugnam <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

reprodução resolutiva imediata da questão.<br />

As percepções <strong>do</strong> homem, em suas variáveis, influenciam os instr<strong>um</strong>entos<br />

regulatórios <strong>do</strong> sistema processual.A intermediação da razão h<strong>um</strong>ana nesse<br />

processo tem dificulta<strong>do</strong> comque o Direito e a Justiça se firmem como elementos<br />

certos e estáveis, como alerta Watanabe (2012, p. 69):<br />

Na verda<strong>de</strong>, o que ocorre na maioria das vezes é o juiz sentir primeiro a<br />

<strong>justiça</strong> <strong>do</strong> caso, pelo exame das alegações e valoração das provas, e<br />

<strong>de</strong>pois procurar os expedientes dialéticos, que o caso com<strong>por</strong>ta e <strong>de</strong> que<br />

ele é capaz, para justificar a conclusão. E nesse item, embora<br />

pre<strong>do</strong>minantemente lógico, entram também inúmeros outros fatores, como o<br />

psicológico, volitivo, sensitivo, vinvencial intuitivo, cultural e outros mais...<br />

O processo <strong>de</strong> meio, ou melhor, os meios pelos quais o processo <strong>de</strong>senvolve<br />

sua instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong>, seja nos mol<strong>de</strong>spublicista ou garantista, constantemente se<br />

vê envolvi<strong>do</strong> em questões prejudiciais e <strong>de</strong> fatores elementares externos e internos<br />

que prejudicam e a lógica da operação <strong>de</strong> <strong>de</strong>dução <strong>do</strong> Direito para o alcance da<br />

Justiça e nela interferem.<br />

A classificação em <strong>um</strong>a atmosfera como essa é <strong>um</strong>a constante incerta,<br />

variável e alternada em que, ao final, as regras <strong>do</strong> sistema processual estão mais<br />

para as razões h<strong>um</strong>anas, <strong>do</strong> que efetivamente para a razão <strong>do</strong> Direito e da Justiça.


374<br />

Tais fatores coli<strong>de</strong>m com as tendências <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça pre<strong>do</strong>minantemente<br />

coletiva e cujos protagonistas têm caráter <strong>de</strong> acentuada exigência em<br />

pre<strong>de</strong>terminação para a segurança.<br />

Destarte, a <strong>inteligência</strong> <strong>do</strong> sistema processual embrionariamente alberga <strong>um</strong>a<br />

concepção tecnologizada na qual se visl<strong>um</strong>bra a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> categorizar e<br />

classificar as normas <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem algoritima <strong>de</strong> programação<br />

bem como <strong>do</strong>s fatos que as regras <strong>de</strong>vem aten<strong>de</strong>r, poupan<strong>do</strong>-as da influência da<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana quan<strong>do</strong> posicionada a operar. Com isso promoven<strong>do</strong> a solução<br />

sem a participação da jurisdição. Nesse senti<strong>do</strong>, ensaia Scarpinella (2015, p. 41):<br />

Uma coisa é negar, o que é absolutamente correto, que nenh<strong>um</strong>a lesão ou<br />

ameaça a Direito possa ser afastada <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário. Outra,<br />

absolutamente incorreta, é enten<strong>de</strong>r que somente o Judiciário e o exercício<br />

da função jurisdicional po<strong>de</strong>m resolver conflitos, como se fosse esta <strong>um</strong>a<br />

competência exclusiva sua.<br />

E complementa o mesmo autor (2015, p. 50) “Não há, <strong>de</strong> qualquer sorte,<br />

como querer compreen<strong>de</strong>r o inciso LXXVIII <strong>do</strong> art. 5º da CF como sinômino <strong>de</strong><br />

celerida<strong>de</strong>”.Extrai-se <strong>de</strong>ssa expressão serem impossíveis o Direito e a Justiça,<br />

abarca<strong>do</strong>s pela estrutura judiciária existente.<br />

Passe como n<strong>um</strong> “passe <strong>de</strong> mágica” <strong>de</strong> <strong>um</strong> dia para outro a aten<strong>de</strong>r não<br />

somente aos inúmeros processos que aguardam há anos, <strong>por</strong> juntada, instrução ou<br />

julgamento, como os <strong>novo</strong>s ingressantes processos a serem media<strong>do</strong>s <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

logística capaz <strong>de</strong> absorver o contigente <strong>do</strong> sistema. 253<br />

Embarca<strong>do</strong> nas referidas lições <strong>do</strong>utrinárias, embora não explicita<strong>do</strong>s, os<br />

conceitos tais como racionalização, otimização, eficiência, resolvem o maior número<br />

<strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong> <strong>um</strong>a só vez, o que significa a simplificação <strong>por</strong><br />

intermédio da categorização e da classificação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

253<br />

Segun<strong>do</strong> Scarpinella em sucessivo parágrafo: “O que <strong>de</strong>ve ser revela<strong>do</strong> nele, a <strong>de</strong>speito <strong>do</strong> texto<br />

constitucional, é verificar como “economizar” a ativida<strong>de</strong> jurisdicional no senti<strong>do</strong> da redução <strong>de</strong>sta<br />

ativida<strong>de</strong>, redução <strong>do</strong> número <strong>de</strong> atos processuais, quiçá, até, da propositura <strong>de</strong> outras <strong>de</strong>mandas,<br />

resolven<strong>do</strong>-se o maior número <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong> <strong>um</strong>a só vez. O que o princípio quer,<br />

<strong>de</strong>starte, é que a ativida<strong>de</strong> jurisdicional e os méto<strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s <strong>por</strong> ela sejam racionaliza<strong>do</strong>s,<br />

otimiza<strong>do</strong>s, torna<strong>do</strong>s mais eficientes (o que, aliás, vai ao encontro da organização <strong>de</strong> toda ativida<strong>de</strong><br />

estatal, consoante se extrai <strong>do</strong> caput <strong>do</strong> art. 37 da CF e <strong>do</strong> “princípio da eficiência” lá previsto<br />

expressamente), sem prejuízo, evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>do</strong> atingimento <strong>de</strong> seus objetivos mais amplos<br />

(BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código <strong>de</strong> processo civil anota<strong>do</strong>. São Paulo: Saraiva, 2015, p.<br />

50)”.


375<br />

Existem nessas terminologias clara e evi<strong>de</strong>nte interação com os princípios da<br />

tecnologia da informação, <strong>por</strong>tanto, indicam <strong>um</strong>a instr<strong>um</strong>entalização tecnológica <strong>do</strong><br />

sistema processual e, consequentemente, <strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

A imperativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> julgar constantemente no âmbito jurisdicional cobra <strong>um</strong>a<br />

revogação da <strong>de</strong>saponsentação <strong>do</strong> sistema vigente, todavia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

recondiciona<strong>do</strong> em muitas das esferas <strong>do</strong> Direto nas quais há Justiças<br />

Especializadas a a<strong>de</strong>rirem ao mo<strong>de</strong>lo tecnológico para a otimização <strong>de</strong> seus fins ou<br />

<strong>de</strong> estarem aposentadas ou simplesmente exigem <strong>um</strong>a aposenta<strong>do</strong>ria compulsória.<br />

O alicerce <strong>do</strong> império da incerteza <strong>do</strong> sistema vigente está em ruínas, pois<br />

opera às custas <strong>de</strong> menos regra e mais percepção intuitiva, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que essa<br />

quase sempre pre<strong>do</strong>mina sobre o pensamento reflexivo lastrea<strong>do</strong> da memória<br />

cognitiva.<br />

Esse hiato ainda se enlarguece, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a ativida<strong>de</strong> intelectual da<br />

cognição tem relação com a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za intelectual <strong>de</strong> cada julga<strong>do</strong>r e sua<br />

concreta disparida<strong>de</strong>.<br />

A motivação <strong>do</strong> ato volitivo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>cognitivo</strong> da<br />

construção e da justificação <strong>de</strong> sua conclusão, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, tem-se<br />

transforma<strong>do</strong> em <strong>um</strong> antí<strong>do</strong>to capaz <strong>de</strong> revelar o ato falho, pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong><br />

pelaparcialida<strong>de</strong>, em que o interesse estimula<strong>do</strong> pela percepção intuitiva conduz o<br />

homem/Juiz a tomar <strong>um</strong>a posição distante <strong>do</strong> i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, que<br />

é em si o próprio o Direito social.<br />

Observan<strong>do</strong> em alta resolução, o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito é o Esta<strong>do</strong> social <strong>de</strong><br />

Direito e não <strong>do</strong>is Esta<strong>do</strong>s ou <strong>do</strong>is Direitos, mas apenas <strong>um</strong> só. A cognição h<strong>um</strong>ana,<br />

influenciada pelo juízo intuitivo, po<strong>de</strong> conduzir o homem à contradição <strong>de</strong> sua<br />

própria função.<br />

Embora a linguagem técnica seja <strong>um</strong>a re<strong>do</strong>ma que visa minimizar o mal maior<br />

da discricionarieda<strong>de</strong> a-normativa, esse fenômeno da influência sobre as questões é<br />

evi<strong>de</strong>nte e tem-se torna<strong>do</strong> cost<strong>um</strong>eiro, dada a vulnerabilida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>fensável da<br />

cognição h<strong>um</strong>ana. 254 Essa falha ou equívoco <strong>do</strong> sistema representa a<br />

254<br />

Segun<strong>do</strong> Taruffo, “Trata-se, evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> qualificação <strong>do</strong> discurso justificativo, ou<br />

<strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong> suas partes, que partem <strong>de</strong> critérios heterogêneos. Contu<strong>do</strong>, não é impossível<br />

coor<strong>de</strong>nar esses aspectos <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da estrutura da justificação, em especial se concerne<br />

mais à racionalida<strong>de</strong> interna <strong>do</strong> discurso justificativo <strong>do</strong> que à racionalida<strong>de</strong> externa, constituída pela<br />

correspondência <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong> aos valores <strong>do</strong>s seus usuários. Sob esse perfil, o núcleo da<br />

justificação é constituí<strong>do</strong> pelas partes que aparecem mo<strong>de</strong>ladas segun<strong>do</strong> formas lógicas: on<strong>de</strong> isso<br />

ocorre, <strong>de</strong> fato, a valida<strong>de</strong> da justificação é controlável a partir da correção lógica <strong>do</strong>s seus


376<br />

infuncionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema atual. Isso se dá <strong>por</strong>que o caráter particularista da<br />

presença h<strong>um</strong>ana nas relações sociais e a equação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> valores vem<br />

ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> espaço à participação coletiva, na qual a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> passa <strong>do</strong> particular ao<br />

coletivo (reclassifican<strong>do</strong>, recatalogan<strong>do</strong> e reposicionan<strong>do</strong> a equação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

valores em outra perspectiva). Por isso, <strong>um</strong>a sociologia e <strong>um</strong>a psicologia<br />

tecnológica po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>spontar em poucas décadas.<br />

Um <strong>novo</strong> Direito e <strong>um</strong>a nova Justiça também são suscetíveis <strong>de</strong> emergir. Não<br />

é <strong>um</strong>a posição nova para o processo enquanto instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> regras claras e<br />

pre<strong>de</strong>finidas para aten<strong>de</strong>r e socorrer os conflitos sociais.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o Direito e a Justiça são convenções, o estabelecimento <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> Direito e <strong>um</strong>a Justiça alicerça<strong>do</strong>s em bases epistemológicas distintas,<br />

representaria <strong>um</strong>a revolução.<br />

Dentro <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong>marca<strong>do</strong>s pelo <strong>de</strong>senvolvimento das ciências na<br />

concepção kuhniana e seus conceitos, o contexto estaria a registrar o perío<strong>do</strong> das<br />

ciências extraordinárias.<br />

Em que o <strong>de</strong>staque para <strong>um</strong> <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>staca-se enquanto potencial<br />

<strong>paradigma</strong> capaz <strong>de</strong> substituir o existente, consolidan<strong>do</strong>, assim, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

Direito e <strong>de</strong> Justiça reconheci<strong>do</strong> pela comunida<strong>de</strong> científica. Para Derrida (2010, p.<br />

42),<br />

Tu<strong>do</strong> seria ainda simples se essa distinção entre <strong>justiça</strong> e Direito fosse <strong>um</strong>a<br />

verda<strong>de</strong>ira distinção, <strong>um</strong>a oposição cujo funcionamento permanecesse<br />

logicamente regula<strong>do</strong> e <strong>do</strong>minável. Mas acontece que o Direito preten<strong>de</strong><br />

exercer-se em nome da <strong>justiça</strong>, e que a <strong>justiça</strong> exige ser instalada n<strong>um</strong><br />

Direito que <strong>de</strong>ve ser posto em ação (construí<strong>do</strong> e aplica<strong>do</strong> pela força<br />

enforced). A <strong>de</strong>sconstrução se encontra e se <strong>de</strong>sloca sempre entre ambos.<br />

A presença <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no exercício <strong>do</strong> monopólio da estabilida<strong>de</strong> das relações<br />

sociais, na distribuição da Justiça para a pacificação social, exige que a<br />

instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> para a aplicação <strong>do</strong> Direito material seja eficaz, ponto esse manso<br />

e pacífico.<br />

Outrossim, a re<strong>do</strong>ma <strong>do</strong> monopólio não po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> barramento ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong> na tomada <strong>de</strong> ações proativas em busca <strong>de</strong><br />

arg<strong>um</strong>entos. Quan<strong>do</strong> essa subsiste, tem-se o ponto máximo <strong>de</strong> objetivação e racionalização <strong>do</strong><br />

arg<strong>um</strong>ento justificativo, na medida em que é mais intensa a sua estruturação lógica segun<strong>do</strong> módulos<br />

<strong>de</strong> valida<strong>de</strong> geralmente reconheci<strong>do</strong>s (TARUFFO. Michele. A motivação da sentença civil; tradução<br />

Daniel Mitidiero; Rafael Abreu; Vitor <strong>de</strong> Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 249)”.


377<br />

vencer seus próprios problemas e com isso superar seus maiores obstáculos. 255 Se a<br />

simbiose entre Direito e Justiça atingiu <strong>um</strong> estágio no qual a fusão <strong>de</strong>sses institutos<br />

se tornou ineficaz na condução da or<strong>de</strong>m social material, é <strong>de</strong> se notar que o<br />

repensar a reconstrução <strong>do</strong>s meios para os fins exige <strong>um</strong>a proativida<strong>de</strong> acentuada<br />

<strong>por</strong> parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Caso contrário, os sintomas da ruptura <strong>de</strong> semelhante mo<strong>de</strong>lo estariam<br />

passan<strong>do</strong> ao largo <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, seja pelo <strong>de</strong>sconhecimento ou<br />

simplesmente pela <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da realida<strong>de</strong>.<br />

É <strong>de</strong> observar-se que os meios alternativos representam mecanismos<br />

embuti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> técnicas processuais não jurisdicionais e <strong>de</strong>sformaliza<strong>do</strong>s da jurisdição<br />

estatal, com o fito <strong>de</strong> solucionar os conflitos entre as partes, sem afastar o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

jus vigilandi no animus protetivo da legalida<strong>de</strong>, nos termos no inciso II <strong>do</strong> artigo 5º da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Há ainda a dimensão in<strong>de</strong>terminada para o termo “meios” na dimensão da<br />

presente Tese, diante da contribuição ofertada pelas ciências cognitivas, para cujo<br />

atual estágio a tecnologia pro<strong>por</strong>cionada pela Inteligência Artificial apresenta-se com<br />

potenciais condições <strong>de</strong> revolucionar muitas áreas científicas que sempre se<br />

valeram <strong>do</strong> combustível da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana para seu funcionamento.<br />

No entanto, a tecnologia, com sua evolução, vem <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se e<br />

apresentan<strong>do</strong> condições reais e seguras para promover <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Direito <strong>–</strong> como<br />

mecanismo <strong>de</strong> proteção e reparação <strong>do</strong>s danos oriun<strong>do</strong>s das relações sociais <strong>–</strong> o<br />

fluxo “meio” <strong>de</strong> gestão para o pleno funcionamento <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> regras<br />

com<strong>por</strong>tamentais.<br />

A Inteligência Artificial também vai além e permite que sua linguagem absorva<br />

to<strong>do</strong> o esquema teórico jurídico processual em <strong>um</strong>a linguagem <strong>de</strong> programação.<br />

Possibilita, assim, que os resulta<strong>do</strong>s <strong>–</strong> embora não mais recorta<strong>do</strong>s nas<br />

formalida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s rituais tradicionais <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito <strong>–</strong> possam ser atingi<strong>do</strong>s sem que<br />

se firam os Direitos e as Garantias Fundamentais insculpi<strong>do</strong>s na Lei Maior.<br />

Se este fenômeno se concretiza, o Processo Civel Digital é salvo para <strong>do</strong>is<br />

gran<strong>de</strong>s papéis, ou seja, primeiro como “meio”, ou seja, fluxo <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong><br />

255<br />

Segun<strong>do</strong> o escólio <strong>de</strong> Scarpinella, “É incorreta essa compreensão totalizante <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

e, <strong>por</strong> isso mesmo, que o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s meios alternativos (no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> não jurisdicionais) é<br />

tão im<strong>por</strong>tante, inclusive para a formação <strong>do</strong> estudante e <strong>do</strong> estudioso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual civil como<br />

quis frisar, não <strong>por</strong> acaso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o n. 1 supra (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código <strong>de</strong><br />

processo civil anota<strong>do</strong>. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 41)”.


378<br />

sistema enquanto mecanismo hábil e competente para armazenamento <strong>de</strong><br />

informações e da<strong>do</strong>s contribuin<strong>do</strong> em toda sua sistematização <strong>de</strong> funcionamento.<br />

Um segun<strong>do</strong> papel seria o da possibilida<strong>de</strong>, a partir das bases científicas<br />

existentes <strong>do</strong> Processo Civil, <strong>de</strong>senvolver <strong>um</strong> sistema processual digital já escrito<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua estrutura em <strong>um</strong>a lógica semântica tecnológica capaz <strong>de</strong> fornecer os<br />

elementos, os pressustos, os atributos e os indica<strong>do</strong>res ao sistema judiciário, além<br />

<strong>de</strong> promover com maior rapi<strong>de</strong>z e qualida<strong>de</strong> a gestão da Justiça, inclusive em<br />

tecnologia <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.<br />

Seria <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> Direito com regras justas em outra perspectiva, o que<br />

dispensaria o envólucro da Justiça que para ser em si ou <strong>por</strong> si precisa <strong>do</strong> auxílio da<br />

cognição interpretativa em caráter <strong>de</strong> reconstrução.<br />

Na perspectiva <strong>um</strong> Direito ativo, somente se constrói em cada caso,<br />

individualmente. Essa particularida<strong>de</strong>, ou melhor, essa Justiça morosa, custosa,<br />

imprevisível e insegura não aten<strong>de</strong> satisfatoriamente à <strong>de</strong>manda simples, diga-se <strong>de</strong><br />

passagem, sequer a <strong>de</strong> dimensão massificada em ascendência.<br />

O Direito po<strong>de</strong> em si ser justo, po<strong>de</strong> em si ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>, claro e objetivo. A<br />

classificação com base em <strong>um</strong>a nova configuração social faz <strong>de</strong>le <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento<br />

sempre atual, isto <strong>por</strong>que o Direito é <strong>um</strong> corpo vivo que a socieda<strong>de</strong> está produzin<strong>do</strong><br />

cotidianamente.<br />

Ele tem em sua natureza <strong>um</strong> caráter evolutivo <strong>por</strong> ruptura, pois, se os arranjos<br />

<strong>de</strong> reformas, emendas e <strong>de</strong>mais ações legislativas não alcançam as <strong>de</strong>mandas<br />

sociais satisfatoriamente.<br />

A base cognitiva precisa ser alterada para o atendimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova<br />

socieda<strong>de</strong> que não mais aten<strong>de</strong> a <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sistema que, já em sua estrutura, é<br />

abasteci<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> tipo <strong>cognitivo</strong> estagna<strong>do</strong>.<br />

Portanto, em <strong>um</strong>a nova Era <strong>do</strong> Direito, em <strong>um</strong>a primeira etapa em que as<br />

regras postas e utilizáveis sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconstrução intelectual, <strong>por</strong>que se<br />

estabilizaram o Fato e o Direito em questão <strong>por</strong> força da convenção <strong>do</strong>s atores, que<br />

legitima ruptura.<br />

Esse Direito pronto “interpreta<strong>do</strong>” é <strong>um</strong> prece<strong>de</strong>nte mo<strong>de</strong>lar vinculativo que<br />

permite <strong>um</strong> Direito em série <strong>de</strong> reprodução, concretiza<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura<br />

processual tecnologizada.


379<br />

Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a máquina não h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>ta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência<br />

Artificial capaz <strong>de</strong> mediar o Direito segun<strong>do</strong> as regras processuais instr<strong>um</strong>entais<br />

escritas pela linguagem <strong>de</strong> programação.<br />

Esse diastema entre o passa<strong>do</strong> e o presente na orla <strong>do</strong> processo vem<br />

preor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a razão tecnologizada. Isso se dá pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afastar<br />

to<strong>do</strong>s os sistemas da corruptivida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana, conforme os canais midiáticos têm<br />

constantemente informa<strong>do</strong>, e não menos intensa apresentação são retratadas nas<br />

literaturas que <strong>de</strong>latam as frau<strong>de</strong>s, os conchavos espúrios que acontecem às<br />

margens da lei.<br />

O sistema processual, quan<strong>do</strong> instr<strong>um</strong>entaliza<strong>do</strong> pela razão <strong>do</strong> homem,<br />

tornou-se tirânico e totalitário, a Justiça <strong>passo</strong>u a esquecer seus fins, afastou-se das<br />

regras normativas e <strong>passo</strong>u com isso a ganhar os palcos das discussões infindáveis.<br />

Nesse dinâmica, as conclusões provisórias são levadas a outros<br />

intermináveis começos sem que efetivamente possam estabelecer <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia<br />

previsível, certa e eficaz <strong>do</strong> processo e em cujo cerne o justo torne-se<br />

evi<strong>de</strong>ntemente tangível em seu cerne. Segun<strong>do</strong> Aroca (2011, p. 17),<br />

Para mi si em siglo XX loscuerposlegalesprocesalescivilesestaban<br />

traspassa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> autoritarismo, y regulabanel processo civil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> elpunto<br />

<strong>de</strong> vista <strong>de</strong>ljuez (Esta<strong>do</strong>) que aplica su or<strong>de</strong>namento jurídico, nuestra LEC<br />

habia consegui<strong>do</strong> superar esa etapa y regula el processo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la<br />

perspectiva <strong>de</strong>lciudadano que acu<strong>de</strong> al juez (Esta<strong>do</strong>) para que se<br />

haganefectivos sus <strong>de</strong>rechos subjetivos.<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tecnologizar o sistema processualvem <strong>de</strong> encontro com<br />

<strong>um</strong>a vital tendência para a concretização material <strong>do</strong> justo, conjuga<strong>do</strong> com <strong>um</strong>a nova<br />

razão social, o que equivale a aten<strong>de</strong>r suas perspectivas <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça.<br />

Para isso, o or<strong>de</strong>namento jurídico precisa reconhecer o <strong>direito</strong> <strong>de</strong>ssa via<br />

alternativa <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito e, a partir <strong>de</strong> então, ser reconstruí<strong>do</strong> nos mol<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong>, a esperança <strong>de</strong> que se materializem os atributos almeja<strong>do</strong>s<br />

i<strong>de</strong>ologicamente no diploma Constitucional.<br />

Com a mudança <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> totalitário para <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático social, em<br />

que <strong>um</strong>a nova categoria <strong>de</strong> Direitos e Garantias Fundamentais ganha em tese força<br />

e efetivo reconhecimento, as ferramentas para a concretização <strong>do</strong> alcance precisam<br />

ser remo<strong>de</strong>ladas ou serão somente sonhos.


380<br />

A reconstrução <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura cognitiva que possibilite o reconhecimento<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social <strong>de</strong> Direito almeja mais <strong>do</strong> que garantir, tem como objetivo dar<br />

condições <strong>de</strong> fortalecimento <strong>do</strong> próprio sistema judiciário, pois, na medida em que a<br />

lei não é c<strong>um</strong>prida, ela passa a ser enfraquecida, <strong>de</strong>sestabilizan<strong>do</strong><br />

consequentemente o or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

Os choques culturais exigem <strong>um</strong>a tradução simultânea em <strong>um</strong>a linguagem<br />

universal e toda <strong>um</strong>a aparelhagem em que as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s possam se<br />

igualizarclassificadamente.<br />

Em que pese a diversificação <strong>do</strong>s meios e das formas, é possível sistematizar<br />

<strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> que o Direito, como elemento <strong>de</strong> aritmética social, possa ser distribuí<strong>do</strong><br />

sem que sirva as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s totalitárias. A esse respeito, para Derrida (2010, p.<br />

30),<br />

O Direito não é <strong>justiça</strong>. O Direito é o elemento <strong>do</strong> cálculo, é justo que haja<br />

<strong>um</strong> <strong>direito</strong>, mas a <strong>justiça</strong> é incalculável, ela exige que se calcule o<br />

incalculável; e as experiências a<strong>por</strong>éticas são experiências tão improváveis<br />

quanto necessárias da <strong>justiça</strong>, isto é, momentos em que a <strong>de</strong>cisão entre o<br />

justo e o injusto nunca é garanti<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a regra.<br />

Essa questão somente po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>, na medida em que o sistema<br />

normativo foi constituí<strong>do</strong> para cada situação exigir que a regra seja calibrada<br />

segun<strong>do</strong> as regras estabelecidas para o funcionamento <strong>do</strong> Direito para o alcance da<br />

Justiça, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> para tanto <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> em que a razão não se <strong>de</strong>stacava<br />

pelo pre<strong>do</strong>mínio da tecnologia, precisamente em <strong>um</strong> tempo em que a incerteza<br />

pre<strong>do</strong>minava em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> nível <strong>de</strong> avanço das ciências e <strong>do</strong> conhecimento<br />

produzi<strong>do</strong> <strong>por</strong> essas. Com os <strong>novo</strong>s tempos, o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> relevou a face <strong>do</strong><br />

conheci<strong>do</strong>.<br />

Por outro vértice, se as regras <strong>do</strong> cálculo forem reconfiguradas a partir <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a calculabilida<strong>de</strong> lógica pre<strong>de</strong>finida, surge então <strong>um</strong>a Justiça calculável, <strong>um</strong>a<br />

Justiça em que a <strong>de</strong>cisão não representa <strong>um</strong> fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a resconstrução intelectual<br />

<strong>do</strong> Direito.<br />

Sob semelhante hipótese, a <strong>de</strong>cisão passa a ser aplicação lógica objetiva,<br />

dan<strong>do</strong> com isso condições maiores <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong> e certeza, pois nesse caso, as<br />

regras encontram-se postas, com isso resolven<strong>do</strong> a incerteza que <strong>um</strong>a garantia não<br />

po<strong>de</strong> possuir.


381<br />

O Esta<strong>do</strong> precisa reconhecer a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a organização judiciária<br />

precisa ser modificada: não se trata <strong>de</strong> fazer <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo aproveitan<strong>do</strong> o velho<br />

mol<strong>de</strong> ou se valen<strong>do</strong> das velhas e ultrapassadas i<strong>de</strong>ias.<br />

A atual socieda<strong>de</strong>, na qual os com<strong>por</strong>tamentos dimensionam <strong>um</strong>a história<br />

social ainda não escrita, exige que os conceitos, as <strong>de</strong>finições, sejam construídas<br />

para assim fundar <strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m judiciária.<br />

Bem como refazer toda a dinâmica cognitiva em que <strong>um</strong>a estrutura distinta da<br />

vigente passe a <strong>de</strong>terminar e <strong>de</strong>limitar <strong>um</strong> funcionamento <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema capaz <strong>de</strong><br />

aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda existente, segun<strong>do</strong> Watanabe (2012, p. 28):<br />

Aspecto que não po<strong>de</strong> ser negligencia<strong>do</strong> é a organização judiciária, certo é<br />

que, <strong>por</strong> mais perfeitas que sejam as leis materiais e processuais, será<br />

sempre falha a tutela jurisdicional <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s, se inexistirem juízes<br />

prepara<strong>do</strong>s para aplicá-las e <strong>um</strong>a a<strong>de</strong>quada infraestrutura material e<br />

pessoal para lhe dar o apoio necessário.<br />

A im<strong>por</strong>tância <strong>do</strong> reconhecimento das necessida<strong>de</strong>s e das essencialida<strong>de</strong>s<br />

não atendidas revela que a situação econômica e financeira <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> influencia<br />

sua forma <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça.<br />

Isso se dá <strong>por</strong>que a base <strong>de</strong> <strong>um</strong>a política voltada para a educação, o<br />

planejamento e a gestão da coisa pública não conseguem acompanhar nem o<br />

presente nem tampouco visualizar ou reconhecer as tendências <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong><br />

que a cada dia acontece.<br />

O atrofiamento <strong>do</strong>s órgãos faz com que se estabeleça <strong>um</strong> discurso assenta<strong>do</strong><br />

em <strong>um</strong>a falsa realida<strong>de</strong> bem como no cultivo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento e <strong>um</strong> crescimento sempre tardios, projetan<strong>do</strong>-se nos terrenos da<br />

simulação ou dissimulação.<br />

Devi<strong>do</strong> a isso, são ineficazes <strong>por</strong> expelirem <strong>um</strong>a sensação <strong>de</strong> que, em que<br />

pesem os esforços, to<strong>do</strong> o trabalho árduo <strong>de</strong> gerações tornara-se em vão. 256 São<br />

256<br />

Segun<strong>do</strong> Damaska, “De los esfuerzos <strong>por</strong> relacionar el processo legal com la organización<br />

económica y social <strong>de</strong> los Esta<strong>do</strong>s Mo<strong>de</strong>rnos, han surgi<strong>do</strong> claras líneas <strong>de</strong> investigación sobre las<br />

formas <strong>de</strong> procedimento. Pese a que mucho aspectos <strong>de</strong> la administración <strong>de</strong> justicia pue<strong>de</strong>n ser<br />

provechosamente estudia<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esta perspectiva (<strong>por</strong> ejemplo que, resulta<strong>do</strong>s obtienen em<br />

juicios aquellos que tienen recursos económicos y aquellos que, no los tienen, há resulta<strong>do</strong><br />

s<strong>um</strong>amente difícil relacionar el diseño <strong>de</strong>l processo con alg<strong>um</strong>a classificación <strong>de</strong> los Esta<strong>do</strong>s según<br />

las variables socieconomicas. Esto pue<strong>de</strong> ilustrar bien <strong>por</strong> los infecun<strong>do</strong>s que han resulta<strong>do</strong> los<br />

estúdios “mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> produción” (feudalismo, capitalismo, socialismo, etcétera) como <strong>de</strong>terminantes<br />

últimos <strong>de</strong> las instituciones sociales, incluyen<strong>do</strong> el sistema legal (DAMASKA, Mirjan R. Las caras <strong>de</strong><br />

la justicia y el <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong>. Santiago: Editorial Jurídica <strong>de</strong> Chile, 2000, p. 8)”.


382<br />

questões que passam pelo <strong>de</strong>sconhecimento ou são relegadas à <strong>de</strong>sim<strong>por</strong>tância,<br />

<strong>por</strong>ém impactam o funcionamento da Justiça. O não conhecimento claro das regras<br />

da organização judiciária faz com que o exercício com<strong>por</strong>tamental da procura <strong>do</strong>s<br />

serviços judiciários enfrente sérios problemas em <strong>de</strong>corrência da insciência das<br />

regras <strong>de</strong> Direito material.<br />

Isso marca, ou seja, registra a dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem em compreen<strong>de</strong>r o<br />

Direito que o assiste e, <strong>por</strong> isso, também contribui para a produção <strong>do</strong> problema <strong>do</strong><br />

conflito. Por outro la<strong>do</strong>, a morosida<strong>de</strong> ofertada pelo sistema <strong>de</strong> gestão <strong>do</strong> Direito<br />

material (sistema processual) em que a mediação <strong>do</strong> Direito acontece e que se dá<br />

<strong>por</strong> intermédio da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana transforma-a em <strong>um</strong>a associada/cotista <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> na constituição <strong>do</strong> crédito da ineficácia <strong>do</strong> Direito.<br />

Diante <strong>de</strong> tal contexto, <strong>de</strong>nota-se que o Esta<strong>do</strong> insiste no conceito <strong>do</strong> Direito<br />

<strong>de</strong> ação <strong>por</strong> meio <strong>do</strong> uso da sectária máquina h<strong>um</strong>ana, limitada, e<br />

i<strong>de</strong>ologicamenteinfluenciável.<br />

Pro<strong>por</strong>cionan<strong>do</strong> com isso que o Direito venha a não c<strong>um</strong>prir seus reais<br />

propósitos em frente a <strong>um</strong>a <strong>de</strong>manda massiva e que exige <strong>um</strong>a efetiva sustentação<br />

<strong>de</strong> equipotencialida<strong>de</strong>.<br />

A prestação da ativida<strong>de</strong> jurisdicional, ou melhor, <strong>do</strong> serviço <strong>de</strong> acesso à<br />

resolução <strong>de</strong> problemas po<strong>de</strong> dar-se <strong>por</strong> outros meios, <strong>de</strong>ntre eles pela construção<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> inteligente em que a Inteligência Artificial possa, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

programação específica realizada, tratar <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e das informações <strong>do</strong> Direito.<br />

Essa alquimia entre fato <strong>–</strong> com<strong>por</strong>tamento social <strong>–</strong>, e norma <strong>–</strong> regras <strong>de</strong><br />

conduta <strong>–</strong>, valen<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> mecanismos tecnológicos, po<strong>de</strong> sem censura promover o<br />

ato <strong>de</strong> medição e <strong>de</strong>cisão, <strong>de</strong>vidamente cre<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> em <strong>um</strong> estágio<br />

em que haja efetiva emancipação social.<br />

No entanto, no âmbito <strong>do</strong>s prece<strong>de</strong>ntes judiciais, a mediação <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça pelos “meios” tecnológicos se mostra plausível <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

tangibilida<strong>de</strong> imediata, além <strong>de</strong> possibilitar ao Judiciário <strong>um</strong> plano processual<br />

nacional tecnológico entre as Justiças, outorgan<strong>do</strong> organicismo, centralização,<br />

sistematização, uniformização e padronização <strong>do</strong> Direito.


383<br />

Sobretu<strong>do</strong>, a manutenção da processualística não seria<br />

<strong>de</strong>sacreditada.Mesmo realizada tecnologicamente, a substituição da <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>ana pela Inteligência Artificial ainda resistiria à concepção <strong>de</strong> cognição que<br />

sinteticamente é a cristalização <strong>de</strong> <strong>um</strong> ato <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana transmutada em<br />

<strong>um</strong>a linguagem <strong>de</strong> programação, cuja finalida<strong>de</strong> se mantém reproduzida no ato<br />

volitivo <strong>cibernético</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir. Para Watanabe (2012, p. 67),<br />

A cognição é precisamente <strong>um</strong> ato <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>, consistente em<br />

consi<strong>de</strong>rar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas<br />

partes, vale dizer, que as questões <strong>de</strong> fato e as <strong>de</strong> <strong>direito</strong> que são<br />

<strong>de</strong>duzidas no processo e cujo resulta<strong>do</strong> é o alicerce, o fundamento <strong>do</strong><br />

judici<strong>um</strong>, <strong>do</strong> julgamento <strong>do</strong> objeto litigioso <strong>do</strong> processo.<br />

O exercício intelectual <strong>do</strong> sistema processual, tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> Inteligência<br />

Artificial, estaria atrela<strong>do</strong> à objetivação <strong>do</strong>s fatos, categoriza<strong>do</strong>s, e a objetivação da<br />

lei <strong>–</strong> a <strong>de</strong>finição <strong>–</strong> das regras <strong>de</strong> conduta cristalizadas a partir <strong>de</strong> sua reprodução,<br />

que tem a participação direta <strong>do</strong>s cientistas <strong>do</strong> Direito como contribuintes<br />

inafastáveis na emissão <strong>de</strong> pareces, críticas e opiniões <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das<br />

matrizes tecnógicas <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema processual.<br />

É a ativida<strong>de</strong> lógica intelectual jurídica para <strong>um</strong>a ativida<strong>de</strong> lógica intelectual<br />

<strong>artificial</strong> em <strong>um</strong> diálogo das cognições, com o escopo <strong>de</strong> promover a programação<br />

<strong>do</strong> sistema sobre a questão posta.<br />

Com a vantagem <strong>de</strong> estar sempre mais próxima à realida<strong>de</strong> avaliada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

tendência efetiva e natural ofertada pela sistematização, pela integração e pela<br />

uniformização <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s, em que se oferta <strong>um</strong>a atualização em <strong>um</strong><br />

tempo mais simplifica<strong>do</strong>.<br />

A tomada da <strong>de</strong>cisão como algo que se faz <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

reconstrução <strong>do</strong> Direito traveste-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a convenção em via <strong>de</strong> ruptura,<br />

principalmente <strong>por</strong> força das tensões <strong>do</strong> indicidível ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidível duvi<strong>do</strong>so.<br />

O Direito e a Justiça ainda reinam e pre<strong>do</strong>minam como <strong>um</strong> discurso autêntico<br />

e necessário. Eis que a socieda<strong>de</strong> ainda <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> algoz das ré<strong>de</strong>as da<br />

<strong>do</strong>minação, no entanto, não nos mol<strong>de</strong>s bárbaros oferta<strong>do</strong>s!<br />

É preciso suplementar com as pedagogias da emancipação, <strong>por</strong>ém nessa<br />

fase clínica <strong>do</strong> atendimento aos conflitos exigem-se mais agilida<strong>de</strong>, abreviação e<br />

prestativida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e segurança.


384<br />

O processo é o instr<strong>um</strong>ento que precisa garantir resulta<strong>do</strong>s efetivos. Suas<br />

proprieda<strong>de</strong>s estão para as proprieda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Direito e com estas suas variáveis<br />

exigem ainda maior atenção <strong>do</strong> sistema processual cujo objetivo é dar estabilida<strong>de</strong><br />

para a concretização da Justiça que, segun<strong>do</strong> as lições <strong>de</strong> Derrida, faz-se pelo<br />

Direito, embora essa concepção <strong>de</strong> equilíbrio, <strong>de</strong> coisa justa, seja também<br />

<strong>de</strong>nunciada <strong>por</strong> este mesmo autor (2012, p. 44):<br />

Para ser justa, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> <strong>um</strong> juiz, <strong>por</strong> exemplo, <strong>de</strong>ve não apenas seguir<br />

<strong>um</strong>a regra <strong>de</strong> <strong>direito</strong> ou <strong>um</strong>a lei geral, mas <strong>de</strong>ve ass<strong>um</strong>i-la, aprová-la<br />

confirmar seu valor, <strong>por</strong> <strong>um</strong> ato <strong>de</strong> interpretação restaura<strong>do</strong>r, como se a lei<br />

não existisse anteriormente, como se o juiz a inventasse ele mesmo em<br />

cada caso.<br />

Nesse contexto, a característica tecnológica <strong>do</strong> processo revela-se latente,<br />

pois a garantia pregada pelo processo à aplicação <strong>do</strong> Direito material ao caso<br />

concreto é a busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a lógica para questões semelhantesseja única, após<br />

exaustiva interpretação e consolidação <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> Direito evoca<strong>do</strong> tal como se<br />

perfaz na formação <strong>do</strong> prece<strong>de</strong>nte.<br />

Dessa forma, a resolução não estabilizada se convola em uniforme com o<br />

firmamento <strong>do</strong> entendimento, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>snecessária a reprodução em série pela<br />

intervenção h<strong>um</strong>ana.<br />

Quanto à antítese entre a Justiça reproduzida e a Justiça reconstruída, essa<br />

questão po<strong>de</strong> ser dissipada pela convenção <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conceito <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong><br />

Justiça, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que avaliza<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>, o qual <strong>de</strong>témsoberana competência para<br />

legislar.<br />

E o já fez, <strong>um</strong>a vez que concluiu <strong>de</strong>monstrativamente que as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

geradas pela Justiça reconstruída nas individualida<strong>de</strong>s contribuíram para o a<strong>um</strong>ento<br />

estatístico das in<strong>justiça</strong>s. A espécie h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>tanto, é previsível, possível <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

métrica capaz <strong>de</strong> gerar efetivo controle.<br />

Todavia, se tal fenômeno acontece, ou seja, se os casos semelhantes ou<br />

idênticos às <strong>de</strong>cisões são os mesmos, o Direito e a equação que os reconhecem<br />

com unicida<strong>de</strong> e universalida<strong>de</strong> passam a ser <strong>um</strong> cálculo<strong>de</strong> medida universal.<br />

O que indubitavelmente po<strong>de</strong> ser alcança<strong>do</strong> pela intervenção tecnológica a<br />

partir <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e da criação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> <strong>artificial</strong> em que se programe,<br />

em conformida<strong>de</strong> com o Direito, consolidan<strong>do</strong> assim <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito que é o<br />

mesmo que <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Justiçaem Direito.


385<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que, em última instância, a Justiça em que o homem é o<br />

media<strong>do</strong>r representa <strong>um</strong>a etiqueta da justificação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a posição a<strong>do</strong>tada, <strong>por</strong>tanto,<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> convencionada a cada caso.<br />

A partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a reconstrução intelectual <strong>do</strong> homem em sua árdua tarefa<br />

laborial em torno <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito<strong>–</strong> a alternativa <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema media<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito<br />

valen<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> uso da linguagem <strong>de</strong> programação, da tecnologia <strong>de</strong>senvolvida pelo<br />

próprio homem, se revela legal e legitima.<br />

Põe-se então a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Esta<strong>do</strong> sentir a essencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

mobilizar em <strong>um</strong>a tarefa que lhe é <strong>de</strong> competência.O vigente <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Direito e<br />

Justiçaestá mina<strong>do</strong> em sua efetivida<strong>de</strong> e nas garantias que lhes são pertinentes.<br />

É preciso que as questões i<strong>de</strong>ntidárias, as iguais, que possibilitam <strong>um</strong>a<br />

abreviação e com ela <strong>um</strong>a celerida<strong>de</strong>, instr<strong>um</strong>entalizem medidas que possam<br />

aten<strong>de</strong>r ao critério <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> jurídica <strong>–</strong> e que não o fazem<strong>–</strong> conforme <strong>de</strong>nuncia<br />

Cappelletti (2008, p. 8). 257<br />

Tal estrutura <strong>de</strong> gestão, se é que essa <strong>de</strong>nominação seja a mais acertada,<br />

somente se afasta da realida<strong>de</strong> social, além <strong>de</strong> ser omisso quanto a realizar a<br />

criação <strong>de</strong> meios mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s ao seu enfrentamento.<br />

O sistema media<strong>do</strong>r da Justiça<strong>–</strong> fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a organização judiciária<br />

burocrática <strong>–</strong> não encara os problemas nem os combates <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma<br />

planejada.Ao contrário, vivem os protagonistas da cons<strong>um</strong>ida estrutura e perpetuamse<br />

em seus meandros na crença <strong>de</strong> que ainda não tenha chega<strong>do</strong> o momento <strong>de</strong><br />

produzir <strong>um</strong>a política judiciária que possa criar e ativar mecanismos tecnológicos a<br />

c<strong>um</strong>prir com <strong>um</strong>a gestão <strong>do</strong>s conflitos com maior eficiência e, comisso, com menos<br />

burocracia.<br />

257<br />

“Trata-se, além <strong>do</strong> mais, <strong>de</strong> <strong>um</strong> fenômeno que não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia permanecer isola<strong>do</strong>. O “gigantismo” <strong>do</strong><br />

legisla<strong>do</strong>r, inevitavelmente, foi acompanha<strong>do</strong> <strong>por</strong> aquele da administração e da burocracia. Os<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>de</strong> intervenção da administração Pública foram também estes, enormemente dilata<strong>do</strong>s. Os<br />

órgãos e funcionários administrativos, os mais disparata<strong>do</strong>s, centrais, regionais, locais, ass<strong>um</strong>iram<br />

<strong>um</strong> papel sempre mais amplo, na regulamentação da nossa vida <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os dias. Uma razão da<br />

reconhecida inevitabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal fenômeno encontra-se simplesmente, no fato <strong>de</strong> os parlamentares<br />

não terem nem tempo nem a competência e conhecimentos necessários, a fim <strong>de</strong> colocarem em obra<br />

(e, tanto menos, para o “pontual” controle <strong>de</strong> adimplemento), <strong>um</strong>a disciplina suficientemente precisa<br />

nos vastos campos e nos quais o Esta<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno reteve o teor <strong>de</strong> interior. O resulta<strong>do</strong> está neste<br />

Esta<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, o sucessor <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> liberal não intervencionista e invariavelmente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como<br />

Esta<strong>do</strong> Social ou Esta<strong>do</strong> Assistencial, E’ta<strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nce ou welfarestate, que, fosse pelo uso<br />

intensivo <strong>de</strong> seu instr<strong>um</strong>ento legislativo caracterizou-se <strong>de</strong> único como “Esta<strong>do</strong> Legislativo” acabou<br />

transforman<strong>do</strong>-se n<strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> sempre mais acentuadamente caracterizável como “administrativo” e<br />

“burocrático” (CAPPELLETTI, Mauro. Processo, i<strong>de</strong>ologias e socieda<strong>de</strong>; tradução Elício <strong>de</strong> Cresce<br />

Sobrinho. Porto Alegre: Fabris, 2008. v.1, p. 8)”.


386<br />

A inversão <strong>de</strong> competência faz com que o homem/Juiz se interesse cada vez<br />

mais pela produção <strong>de</strong> leis, sem que seja <strong>de</strong> sua real competência, quan<strong>do</strong>, neste<br />

tempo, sequer o Direito e a Justiça possam garantir a estabilida<strong>de</strong> e a uniformida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> previsível e certo.<br />

Segun<strong>do</strong> Cappelletti (2008, p.17), “A ambiguida<strong>de</strong> é <strong>um</strong> elemento inevitável<br />

da linguagem h<strong>um</strong>ana; e a complexida<strong>de</strong> encontra-se na própria natureza das<br />

relações h<strong>um</strong>anas que a lei <strong>de</strong>seja regular”, <strong>por</strong> outro la<strong>do</strong>, complementa o mesmo<br />

autor (2008, 18-19):<br />

Finalmente, não se po<strong>de</strong> olvidar o fato <strong>de</strong> que, segun<strong>do</strong> <strong>um</strong>a opinião assaz<br />

difusa, os juízes ordinários, especialmente aqueles das cortes Superiores,<br />

<strong>por</strong> temperamento, educação e ida<strong>de</strong>, são, geralmente, muito<br />

conserva<strong>do</strong>res para <strong>po<strong>de</strong>r</strong>em absorver, a<strong>de</strong>quadamente, <strong>um</strong>a tarefa<br />

dinamicamente criativa n<strong>um</strong> mun<strong>do</strong> em rápida transformação.<br />

Isto <strong>de</strong>monstra que a Justiça vigente ofertada, realizada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a dinâmica<br />

processual mediada pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, sequer se aproxima <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça<br />

legal ou legítima, em <strong>de</strong>corrência da <strong>de</strong>mora ou da ausência <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

concepção atualizada, sistematizada, integrada e unificada. Eis que se registra o<br />

divórcio entre Justiça e Direito, oriunda a impossibilida<strong>de</strong> jurídica <strong>do</strong> Direito.<br />

A trajetória da passagem <strong>do</strong> Direito para a solução <strong>do</strong> conflito, essa via<br />

instr<strong>um</strong>entalizada pela razão h<strong>um</strong>ana em busca da concretização material da<br />

Justiça, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> acontecer com frequência. O estreitamento <strong>de</strong>ssa seara, diante <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a constante transformação, fulmina a possibilida<strong>de</strong> da ocorrência <strong>do</strong> advento <strong>do</strong><br />

Direito.<br />

No passa<strong>do</strong> ou simplesmente em perío<strong>do</strong>s remotos, a quantida<strong>de</strong> menor <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mandas e a existência amena <strong>de</strong> fluxo junto ao Po<strong>de</strong>r Judiciário permitiam que a<br />

tarefa da mediação <strong>do</strong> Direito fosse realizada pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

Com o advento da tecnologia, as formas <strong>de</strong> vida se alteraram, os cost<strong>um</strong>es,<br />

os hábitos e toda <strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que antigamente eram realizadas<br />

artesanalmente tornaram-se ineficazes em sua gran<strong>de</strong> maioria para o atendimento<br />

<strong>de</strong> seus propósitos.<br />

O conhecimento <strong>de</strong> que a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana se apropriou e se valeu para<br />

seu <strong>de</strong>staque e posicionamento como “racio suprema” representa apenas <strong>um</strong>a das<br />

formas ou espécies <strong>de</strong> cognição.


387<br />

Esse mo<strong>de</strong>lo <strong>cognitivo</strong> é caracteriza<strong>do</strong> pelo repouso e sua constante<br />

repetição para a fixação <strong>do</strong>s elementos <strong>cognitivo</strong>s, todavia o conhecimento<br />

emergente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a transformação rápida e constante tem em si <strong>um</strong>a natureza<br />

distinta da base estabelecida, que fun<strong>do</strong>u a estrutura histórica <strong>do</strong> homem, algo<br />

jamais conheci<strong>do</strong> e cuja forma sedimenta <strong>um</strong>a Gestalt ímpar.<br />

No campo <strong>do</strong> sistema judiciário, a presença da forma <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r o Direito e<br />

a Justiça, <strong>de</strong> conhecê-los e <strong>de</strong> exerciá-los operacionalmente tem-se apresenta<strong>do</strong><br />

como <strong>um</strong>a afronta e, ao mesmo tempo, <strong>um</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> alerta para a comunida<strong>de</strong><br />

científica <strong>do</strong> reino.<br />

Processualmente falan<strong>do</strong>, sua instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> vem sinalizan<strong>do</strong> para<br />

alterações versadas na simplificação e na integração <strong>do</strong> sistema. Tal tendência vem<br />

<strong>de</strong> encontro com a extinção <strong>de</strong> vários institutos <strong>do</strong> sistema processual, sistema<br />

responsável <strong>por</strong> carregar o Direito material em sua concretização, melhor<br />

explican<strong>do</strong>, para sua efetivida<strong>de</strong>.<br />

O que a Justiça da reconstrução, <strong>de</strong>ntro da orla da massificação das formas<br />

com<strong>por</strong>tamentais que implicam a reprodução i<strong>de</strong>ntifica das ações faz com que a<br />

Justiça passe a exigir reproduções uniformes.<br />

Reinscrever as leis processuais com as canetas da tecnologia (linguagem <strong>de</strong><br />

programação) é levá-las a <strong>um</strong>a nova e distinta base <strong>de</strong> conhecimento, em que a<br />

linguagem possa oferecer a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o Direito consiga acompanhar a<br />

acelerada transformação <strong>do</strong> cotidiano e, ao mesmo tempo, dar respostas imediatas<br />

e contextualizadas tem<strong>por</strong>almente, com isso, pro<strong>por</strong>cionan<strong>do</strong> sempre <strong>um</strong>a Justiça<br />

atualizada.<br />

Este Direito promoverá <strong>um</strong>a Justiça calculável, previsível, certa e<br />

condiciona<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> pre<strong>do</strong>minantemente forjada e estabelecida em<br />

outros valores.<br />

Essa reflexão revela o quanto o Direito está atrasa<strong>do</strong> em nosso Esta<strong>do</strong>. Quiçá<br />

a Justiça, em <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo amorfo <strong>de</strong> regras que se convertem ao <strong>de</strong>suso ou à<br />

ineficácia <strong>por</strong>que a dinâmica da mediação realizada pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana está<br />

para o aspecto formal <strong>do</strong> Direito formal. 258<br />

258<br />

Conforme ilustra Aroca: “Muy atinada es, a mi juicio, la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> Montero Aroca <strong>de</strong> que, a efectos <strong>de</strong><br />

indagar o clarificar las bases i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong> <strong>um</strong> proceso civil <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, hay que distinguir<br />

netamente entre los <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es materiales y procesales <strong>de</strong>l juezlos primeiros afectan al conteni<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<br />

sentencia, mientras que los segun<strong>do</strong>s afectan a la conducción <strong>de</strong>l proceso. Otorgar al juez mayores,<br />

indiscrimina<strong>do</strong>s y nos mediatos <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es materiales netamente tiene su base en <strong>um</strong>a concepción no


388<br />

A instabilida<strong>de</strong> provocada pela constante volatilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem/Juiz<br />

<strong>de</strong>monstra que o sistema jurídico passa muito mais tempo buscan<strong>do</strong> acertar <strong>um</strong><br />

equilíbrio na forma como esse agente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve atuar (com<strong>por</strong>tar-se em suas<br />

ações), <strong>do</strong> que efetivamente com o Direito e a Justiça.<br />

Parte-se constantemente <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias em busca <strong>do</strong> elo perdi<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

Justiça i<strong>de</strong>alizada, ou seja, <strong>de</strong> que se possa fazer com que a lei processual faça com<br />

que o Direito material se concretize.<br />

Enquanto isso, o fator tempo e o tempo da história fazem com que as<br />

i<strong>de</strong>ologias somente sejam substituídas <strong>por</strong> outras sem que se consiga <strong>um</strong>a<br />

realização capaz <strong>de</strong> estabelecer <strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m jurídica concretamente eficaz.<br />

É evi<strong>de</strong>nte o anseio <strong>do</strong>s processualistas em busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>distinto e profun<strong>do</strong><br />

trabalho que possa pro<strong>por</strong>cionar ao sistema processual facilitar a concretização o<br />

Direito material aglutinan<strong>do</strong> concomitantemente, com rapi<strong>de</strong>z, segurança e eficácia.<br />

Para Aroca (2011, p. 85),<br />

En la realidad, no es que prevalesca una o otra i<strong>de</strong>ologia. Es que el proceso<br />

sea civil, sea penal, es siempre visto como un instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> garantia y,<br />

firme este valor insustituible, en lo <strong>de</strong>más se trata <strong>de</strong> encontrar mo<strong>de</strong>los que<br />

permitan <strong>um</strong>a justicia em lo posible rápida y eficaz. Pero si esto es verda<strong>de</strong>,<br />

sera necessário, inspiran<strong>do</strong>-se em las enseñanzas <strong>de</strong> Vocino, tomar los<br />

mitos <strong>por</strong> lo que son: princípios que manifestan ten<strong>de</strong>ncias o, diretamente,<br />

formulas sugestivas com las cuales se busca aglutinar consensos.<br />

O que im<strong>por</strong>ta ao Esta<strong>do</strong> e ao instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> para a Justiça <strong>do</strong><br />

Direito é a efetiva entrega <strong>do</strong> bem da vida objetiva<strong>do</strong>. Os meios nesse caso não se<br />

justificam, <strong>por</strong>ém os fins, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que legais, justificam os meios <strong>–</strong> ainda que não<br />

formais <strong>–</strong> <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong>, segurança, rapi<strong>de</strong>z e eficiência quanto ao resulta<strong>do</strong>, em<br />

consonância com a flexilibida<strong>de</strong> já consolidada.<br />

Não sen<strong>do</strong> esta a i<strong>de</strong>ia que move o Esta<strong>do</strong>, significa dizer que a mudança <strong>de</strong><br />

<strong>paradigma</strong> não acontece <strong>por</strong> capricho das clássicas mentalida<strong>de</strong>s, as quais não<br />

po<strong>de</strong>m transferir a conta ou fazer <strong>do</strong>s tempos atuais <strong>um</strong>a extensão <strong>do</strong> arcaísmo à<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

liberal <strong>de</strong>l processo. No obstante al ondan<strong>do</strong> em los distingos, seguramente hay que distinguir entre<br />

los <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>de</strong>l juez respecto <strong>de</strong> la introducción <strong>de</strong> hechos no alega<strong>do</strong> y los <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>de</strong>l juez respecto<br />

<strong>de</strong> la prueba <strong>de</strong> los hechos alega<strong>do</strong>s <strong>por</strong> las partes (MONTERO AROCA, Juan et al. Derecho<br />

Jurisdiccional II: proceso civil. 20. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2012, p. 51)”


389<br />

Uma jurisdição que tenha seus fundamentos em Inteligência Artificial, ou<br />

melhor, <strong>um</strong> sistema aparelha<strong>do</strong> pela tecnologia, em que o processo civil se<br />

apresenta orienta<strong>do</strong> <strong>por</strong> regras <strong>de</strong>vidamente programadas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a linguagem<br />

diferente, não po<strong>de</strong> ser empecilho ou obstáculo a impedir a marcha <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Ao contrário, os cientistas <strong>de</strong>vem unir-se, ao menos as forças intelectuais em<br />

com<strong>um</strong> para que as tendências se tornem realida<strong>de</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>, a jurisdição<br />

processual Constitucional <strong>de</strong>fendida pelo Esta<strong>do</strong> e pelos processualistas visa<br />

concregar o acesso da Justiça ao acesso <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito no plano prático<br />

material almeja<strong>do</strong>.<br />

Não mais pela reconstrução, mas pela reprodução <strong>de</strong> <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> que se<br />

combina integrativamente com seu cotidiano. O processo, enquanto técnica<br />

instr<strong>um</strong>ental, é plenamente transmutável em linguagem <strong>de</strong> programação em<br />

Inteligência Artificial em sua generalida<strong>de</strong> ou especialida<strong>de</strong>.<br />

Agora é preciso baixar as correntes que mantêm os <strong>por</strong>tões <strong>do</strong> castelo da<br />

comunida<strong>de</strong> jurídica em sua autopoese e convidar os informatas das ciências<br />

cognitivas para escrever o processo em linguagem <strong>artificial</strong>, sob o olhar atento <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s os cientistas envolvi<strong>do</strong>s.


390<br />

15 O LIMITE COGNITIVO DO PODER JUDICANTE<br />

15.1 Uma anomalia da natureza h<strong>um</strong>ana<br />

Frente ao <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> e no imenso universo da vida em socieda<strong>de</strong>, os<br />

problemas enfrenta<strong>do</strong>s revelam que o <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> é <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> presente e<br />

inerente à condição existencial. É <strong>um</strong> problema significativo a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> pelo<br />

homem, promotor <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong> social.<br />

Para o opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito e da Justiça, esse fator tem si<strong>do</strong> durante os<br />

séculos objeto <strong>de</strong> vasta discussão, <strong>por</strong>ém, como <strong>um</strong> postula<strong>do</strong>, a soberana razão<br />

nutrida pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana vem-se manten<strong>do</strong> incól<strong>um</strong>e. Parafrasean<strong>do</strong><br />

Nietzsche, talvez a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário a cada <strong>um</strong> <strong>de</strong> seus julgamentos,<br />

seja <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> erro sem o qual esse <strong>po<strong>de</strong>r</strong> não se subsistiria.<br />

Os problemas da cognição, embora passa<strong>do</strong>s ao largo <strong>do</strong> interesse <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

gran<strong>de</strong> maioria, representam <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> a ser consi<strong>de</strong>rada em todas as<br />

circunstâncias da vida.<br />

Para os fins <strong>do</strong> trabalho objeto da Tese, circunscreve-se sua relevância<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> aspecto forense no ato exclusivo <strong>de</strong> julgar ou <strong>de</strong>cidir para alguns, em<br />

c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong> exercício da jurisdição estatal, na medida em que a <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>anamente produzida começa a sinalizar <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a comprometer o sistema que<br />

gerencia.<br />

O âmbito <strong>do</strong> cotidiano jurídico supera a circunstancialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra data,<br />

talvez <strong>por</strong> estar a serviço <strong>de</strong> <strong>um</strong> regime <strong>de</strong> privilégios em que o homem <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> ou<br />

ao menos menciona<strong>do</strong> como <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>fesa à ameaça ou lesão<br />

<strong>de</strong> seus Direitos não passe <strong>de</strong> <strong>um</strong> ser abstrato, transitório e simultâneo aos olhos <strong>de</strong><br />

seu assemelha<strong>do</strong>, <strong>de</strong> seu outro (em gênero), que está legitima<strong>do</strong> a objetivá-lo pelo<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> da posição que ocupa e pelo <strong>limite</strong> <strong>do</strong> seu <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> conhecimento.<br />

É im<strong>por</strong>tante a atenção nos <strong>de</strong>talhes da cognição h<strong>um</strong>ana, pois se encontram<br />

presentes no cotidiano, <strong>por</strong>tanto, são relevantes, essenciais e influenciam os<br />

resulta<strong>do</strong>s da vida <strong>do</strong> homem, principalmente quan<strong>do</strong> o conhecimento é convoca<strong>do</strong><br />

pelo tribunal da razão para o im<strong>por</strong>tante ato <strong>de</strong> julgar.


391<br />

Os <strong>por</strong>menores pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong>s pelos <strong>de</strong>talhes contemplam elementos<br />

constituintes <strong>de</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada e verificada se po<strong>de</strong> ser<br />

sopesada como <strong>um</strong> padrão orienta<strong>do</strong>r. A questão em análise é a garantia, é a<br />

valida<strong>de</strong> <strong>do</strong> real alcance da verda<strong>de</strong> produzida pela cognição h<strong>um</strong>ana.<br />

Se é possível avaliar as instabilida<strong>de</strong>s e as adversida<strong>de</strong>s que possam incidir<br />

sobre a cognição <strong>do</strong> homem, isso se mostra <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> relevante, pois garantir a<br />

estabilida<strong>de</strong> objetiva <strong>do</strong>s padrões <strong>de</strong> <strong>um</strong> conhecimento pro<strong>por</strong>cionaria o afastamento<br />

das arbitrarieda<strong>de</strong>s e toda a relativida<strong>de</strong> imposta pelas subjetivida<strong>de</strong>s e<br />

pessoalida<strong>de</strong>s comuns da cognição <strong>do</strong> homem.<br />

Negar a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, ao menos em tese, parece impossível, <strong>por</strong>ém<br />

afirmar que ela não apresenta critérios <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> é <strong>um</strong>a certeza, talvez, seu<br />

ponto mais <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>, frágil, e que exige im<strong>por</strong>tante atenção quan<strong>do</strong> coloca<strong>do</strong> na<br />

posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir a vida <strong>de</strong> outrem.<br />

No âmbito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, que não difere <strong>de</strong> outras classes <strong>de</strong><br />

especialistas, a orto<strong>do</strong>xia <strong>de</strong>sses grupos que <strong>do</strong>minam o <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, e, no caso <strong>do</strong><br />

Judiciário, o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir ou julgar.<br />

Esse órgão trouxe à socieda<strong>de</strong>, em <strong>um</strong>a viagem <strong>de</strong> mais ou menos 300<br />

anos, problemas como a falta <strong>de</strong> confiança, a instabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre outros fatores<br />

que comprometem a hegemonia <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r da Casa das Leis, forçan<strong>do</strong>-nos a<br />

concordar com que se trata <strong>de</strong> <strong>um</strong> problema <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> homem e sua<br />

estrutura <strong>de</strong> funcionamento. Como bem esclarece H<strong>um</strong>berto Ávila (2008, p.75):<br />

O im<strong>por</strong>tante é que a distinção entre as regras e os princípios remete a<br />

conhecimento e capacida<strong>de</strong>s diversos <strong>do</strong> aplica<strong>do</strong>r, relativamente ao objeto<br />

e ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> justificação da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> interpretação. As regras e os<br />

princípios divergem relativamente à sua força justificativa e ao seu objeto <strong>de</strong><br />

avaliação.<br />

O retrocesso aponta<strong>do</strong> é significativo, pois registra-se o escancara<strong>do</strong> risco<br />

para que se tenha medidas iguais e com pesos diferentes, o que não permite que<br />

seja <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> no <strong>de</strong>sconhecimento da falta <strong>de</strong> im<strong>por</strong>tância, passan<strong>do</strong> a exigir<br />

acurada atenção ao seu estu<strong>do</strong> científico no âmbito <strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

A limitação cognitiva é a causa das maiores in<strong>justiça</strong>s que <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> po<strong>de</strong><br />

praticar, pois, o contrassenso já faz parte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a concepção <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

conhecimento, à medida que a limitação existente faz com que o atributo “<strong>po<strong>de</strong>r</strong>” não<br />

possa predicá-lo, ou seja, “<strong>po<strong>de</strong>r</strong>” limita<strong>do</strong> não é <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, mas “ditadura <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>”.


392<br />

Significa dizer que o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> nasce da razão e não a razão <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, todavia<br />

que <strong>po<strong>de</strong>r</strong> é esse cuja razão se vê limitada em sua própria essência em <strong>de</strong>corrência<br />

da limitação cognitiva ou o exerce <strong>de</strong> forma incerta e imprevisível.<br />

A manutenção e o pre<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> “<strong>po<strong>de</strong>r</strong>” da<strong>do</strong> ao homem como elemento<br />

central na operação <strong>do</strong> sistema judiciário, durante to<strong>do</strong> esse perío<strong>do</strong> noticia<strong>do</strong>, tem<br />

relação com a ignorância <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> <strong>um</strong> tradicionalismo <strong>–</strong> e características <strong>de</strong>la <strong>–</strong><br />

ao não <strong>de</strong>sapego pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pela própria cátedra judiciária e seus protagonistas.<br />

Isso comprova que os interesses grupais, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s momentos,<br />

com<strong>por</strong>tam-se com perversida<strong>de</strong> e obstam o <strong>de</strong>senvolvimento daquilo que acham<br />

estar protegen<strong>do</strong>.<br />

Verifica-se nesse aspecto certo comodismo daqueles que <strong>do</strong> sistema estão a<br />

beneficiar-se. É <strong>um</strong> com<strong>por</strong>tamento com<strong>um</strong> ao senso da individualida<strong>de</strong>, que<br />

contraria o aspecto da coletivida<strong>de</strong> e a hegemonização <strong>do</strong> sistema.<br />

No âmbito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, o ato <strong>judicante</strong> <strong>de</strong> “<strong>po<strong>de</strong>r</strong>” <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir ou julgar,<br />

além das condições <strong>do</strong> <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> já mencionadas, pedagogicamente sempre<br />

que o<strong>por</strong>tuno é reprisa<strong>do</strong>. Ainda existe a impossibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz <strong>de</strong><br />

reconstruir os fatos: isso representa <strong>um</strong>a vã, vazia e postulatória tentativa da prática<br />

<strong>de</strong>sses atos.<br />

Esse cost<strong>um</strong>e é com<strong>um</strong> no âmbito da Justiça, mesmo que <strong>de</strong> efeito material<br />

<strong>de</strong> pouca positivida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>ém ainda é realiza<strong>do</strong> ritualisticamente, <strong>por</strong>que o<br />

homem/Juiz, no exercício <strong>de</strong> suas atribuições, tem-se revela<strong>do</strong> <strong>um</strong> tirano com<br />

relação ao or<strong>de</strong>namento jurídico na medida em que o <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra.<br />

Tem cultiva<strong>do</strong> <strong>um</strong>a crença <strong>de</strong> ser ele a encarnação da lei, ou aquele que a<br />

cada caso <strong>–</strong> visan<strong>do</strong> à Justiça social <strong>–</strong> busca, segun<strong>do</strong> sua convicção, fazer o que<br />

chama <strong>de</strong> Justiça, conforme esclarece Arman<strong>do</strong> Castelar Pinheiro em artigo<br />

científico sobre “Judiciário, Reforma e Economia: A Visão <strong>do</strong>s Magistra<strong>do</strong>s”. 259<br />

259<br />

“Sa<strong>de</strong>k (1995) mostra que 73,7% <strong>do</strong>s juízes entrevista<strong>do</strong>s “concordam inteiramente” ou<br />

“concordam muito” com a opinião <strong>de</strong> que “o juiz não po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong> mero aplica<strong>do</strong>r das leis, tem <strong>de</strong> ser<br />

sensível aos problemas sociais”, ainda que “apenas” 37,7% tenham se posiciona<strong>do</strong> da mesma forma<br />

sobre a opinião <strong>de</strong> que “o compromisso com a <strong>justiça</strong> social <strong>de</strong>ve prepon<strong>de</strong>rar sobre a estrita<br />

aplicação da lei”. Esses resulta<strong>do</strong>s contrastam com a visão tradicional que se tem <strong>do</strong>s juízes em <strong>um</strong><br />

sistema <strong>de</strong> civil law, preocupa<strong>do</strong>s, acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, com a correta aplicação da lei (ver Djankov et alii<br />

(2001)]. Eles introduzem também a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a prática judiciária po<strong>de</strong> levar ao sacrifício da<br />

previsibilida<strong>de</strong>, isto é, da certeza jurídica, em favor da <strong>justiça</strong> social. / A não-neutralida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

magistra<strong>do</strong>s e outras questões <strong>por</strong> Sa<strong>de</strong>k (1995) são retomadas <strong>por</strong> Vianna et alii (1997), que<br />

analisam ampla pesquisa com 3.927 magistra<strong>do</strong>s, 3.166 <strong>do</strong>s quais em ativida<strong>de</strong>. Os magistra<strong>do</strong>s que<br />

participaram da pesquisa distribuem-se <strong>por</strong> todas as regiões <strong>do</strong> país e pelas <strong>justiça</strong>s militar, fe<strong>de</strong>ral,<br />

trabalhista e estadual, e 2.947 <strong>do</strong>s respon<strong>de</strong>ntes pertencem a este último ramo <strong>do</strong> Judiciário.O tema


393<br />

Isto <strong>por</strong>que o que se busca, em verda<strong>de</strong>, é reconstituir o evento concreto já<br />

aconteci<strong>do</strong>. Como isso é tem<strong>por</strong>almente impossível, os fatos narra<strong>do</strong>s não po<strong>de</strong>m<br />

ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como eventos concretos; são enuncia<strong>do</strong>s, embora, se houvesse<br />

efetiva participação soberana volitiva das partes, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>-se-ia cogitar tal<br />

possibilida<strong>de</strong>.<br />

No mais, em complemento ao arrisca<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> prestação jurisdicional<br />

oferta<strong>do</strong>, ainda habita a lin<strong>de</strong>ira ausência <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> aos dispositivos jurídicos pela<br />

omissão ou pela supressão.<br />

Como é evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> recente caso objeto <strong>de</strong> julgamento<br />

pelo Esta<strong>do</strong>/juiz que abaixo se transcreve a síntese, o que comprova a manutenção<br />

<strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento já noticia<strong>do</strong> recorta<strong>do</strong> <strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> pesquisa trazi<strong>do</strong> a baila <strong>por</strong><br />

Castelar quanto ao Judiciário, Reforma e Economia: A Visão <strong>do</strong>s Magistra<strong>do</strong>s<br />

data<strong>do</strong> <strong>de</strong> 2003. 260<br />

Portanto, sen<strong>do</strong> mais <strong>um</strong> <strong>do</strong>s elementos limitantes para a condição <strong>de</strong> quem<br />

julga, misteriosamente realiza<strong>do</strong> nas cercanias judiciárias, expõe a crise da<br />

segurança e da confiabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema.<br />

da neutralida<strong>de</strong> é introduzi<strong>do</strong> em duas questões da pesquisa. A primeira <strong>de</strong>las, cujas respostas são<br />

reproduzidas na Tabela 1, mostra que 83% <strong>do</strong>s magistra<strong>do</strong>s concordam com a assertiva <strong>de</strong> que “o<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário não é neutro, e que em suas <strong>de</strong>cisões o magistra<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve interpretar a lei no senti<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> aproximá-la <strong>do</strong>s processos sociais substantivos e, assim, influir na mudança social”. Observe-se<br />

ainda que essa posição é amplamente majoritária entre os magistra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> primeiro e segun<strong>do</strong> graus<br />

e entre os ministros <strong>de</strong> tribunais superiores (PINHEIRO, Arman<strong>do</strong> Castelar. Texto para discussão nº<br />

966. IPEA. Rio <strong>de</strong> Janeiro, jul. 2003, p. 6. Disponível em:<br />

. Acesso em: 13 jul. 2015)”.<br />

260<br />

“Liminar garante a <strong>um</strong>a paciente fornecimento <strong>de</strong> substância pela USP- São Carlos. / O ministro<br />

Edson Fachin, <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF), conce<strong>de</strong>u liminar suspen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong><br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo (TJ-SP) que impedia <strong>um</strong>a paciente <strong>de</strong> ter acesso a substância<br />

contra o câncer fornecida pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (campus <strong>de</strong> São Carlos). No caso em<br />

questão, a Presidência <strong>do</strong> TJ-SP havia <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> a suspensão da tutela antecipada anteriormente<br />

concedida pelo juízo da Vara da Fazenda Pública da Comarca <strong>de</strong> São Carlos que garantia o<br />

fornecimento à paciente da fosfoetanolamina sintética. / No entendimento <strong>do</strong> ministro, proferi<strong>do</strong> na<br />

Petição (PET) 5828, o caso apresenta urgência e plausibilida<strong>de</strong> jurídica, o que justifica a concessão<br />

da liminar. O tema relativo ao fornecimento <strong>de</strong> medicamentos sem registro na Agência Nacional <strong>de</strong><br />

Vigilância Sanitária (Anvisa) aguarda pronunciamento da Corte em processo <strong>de</strong> repercussão geral<br />

reconhecida <strong>–</strong> Recurso Extraordinário (RE) 657718 <strong>–</strong> o que garante plausibilida<strong>de</strong> jurídica à tese<br />

suscitada no pedi<strong>do</strong>. “O fundamento invoca<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>cisão recorrida refere-se apenas à ausência a<br />

ausência <strong>de</strong> registro na Anvisa da substância requerida pela peticionária. A ausência <strong>de</strong> registro, no<br />

entanto, não implica, necessariamente, lesão à or<strong>de</strong>m jurídica”, afirmou o ministro. Quanto ao<br />

pericul<strong>um</strong> in mora, ele <strong>de</strong>stacou que está evi<strong>de</strong>nte nos autos a comprovação <strong>de</strong> que a espera <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

provimento final <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á tornar-se ineficaz (PINHEIRO, Arman<strong>do</strong> Castelar. Texto para discussão nº<br />

966. IPEA. Rio <strong>de</strong> Janeiro, jul. 2003. Disponível em:<br />

. Acesso em: 13 jul. 2015)”.


394<br />

Volta e meia estão ou voltam a se realizar, em nítida manobra <strong>do</strong> sistema,<br />

sobre os auspícios <strong>do</strong> “arg<strong>um</strong>ento da interpretação”, para se justificar <strong>um</strong>a Justiça<br />

social com distorções acentuadas <strong>do</strong> referencial da Justiça <strong>de</strong> Direito ou <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Justiça social <strong>de</strong> Direito. A respeito, Marx e Hillix, dialogan<strong>do</strong> com Edwin Guthrie,<br />

são categóricos:<br />

Edwin Guthrie foi <strong>um</strong> psicólogo que afirmou, clara e vigorosamente, que<br />

tanto os fatos como as teorias são verbais. Sabemos que alg<strong>um</strong>as coisas<br />

originalmente aceitas como fatos são mais tar<strong>de</strong> rejeitadas; assim, parece<br />

que os fatos não po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s sinônimos <strong>de</strong> eventos concretos.<br />

Os eventos não po<strong>de</strong>m ser “verda<strong>de</strong>iros” agora e tornar-se logo “falsos”,<br />

embora os enuncia<strong>do</strong>s e seu respeito possam ser aceitos n<strong>um</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />

momento e não n<strong>um</strong> outro. Eis o que Guthrie teve a dizer-nos sobre o<br />

assunto (1946, pág.1): Os objetos e eventos não são fatos, eles são,<br />

meramente, objetos e eventos. Só passam a ser fatos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> serem<br />

<strong>de</strong>scrito <strong>por</strong> pessoas. E é na natureza <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>scrição que resi<strong>de</strong> a<br />

quintessência <strong>do</strong> fato. Só quan<strong>do</strong> <strong>um</strong> evento recebe <strong>um</strong> gênero muito<br />

específico <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição é que se converte n<strong>um</strong> fato. Quan<strong>do</strong> dizemos,<br />

“Passemos agora aos fatos”, o que estamos dizen<strong>do</strong> é muito mais <strong>de</strong> que<br />

<strong>de</strong>vemos observar, ou ouvir, ou cheirar, ou tocar em objetos reais, ou <strong>de</strong><br />

que <strong>de</strong>vemos to<strong>do</strong>s observar <strong>um</strong> acontecimento. O que realmente estamos<br />

propon<strong>do</strong> é que procuremos to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>scobrir certos enuncia<strong>do</strong>s sobre os<br />

quais possamos concordar unanimemente. Os fatos são a base da<br />

cooperação h<strong>um</strong>ana. 261<br />

A tentativa <strong>de</strong> vencer as condições limitativas da cognição para certificar-se<br />

<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> e ultrapassá-lo faz <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> observação na formação da relação<br />

processual, ou seja, da construção <strong>do</strong>s fatos <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz <strong>um</strong>a<br />

condição <strong>de</strong> incerteza.<br />

261<br />

E complementam os mesmos autores (2008, p. 18): “Esta concepção <strong>do</strong>s fatos rouba muito da<br />

soli<strong>de</strong>z e imutabilida<strong>de</strong> que frequentemente consi<strong>de</strong>ramos que eles possuem. Vacas e corpos<br />

ca<strong>de</strong>ntes não são fatos; só os enuncia<strong>do</strong>s ou <strong>de</strong>scrições feitas sobre eles são fatos. Como os fatos<br />

são verbais, a maneira como eles são enuncia<strong>do</strong>s ou <strong>de</strong>scritos é arbitrária. Aos enuncia<strong>do</strong>s a que<br />

chamamos fatos também cost<strong>um</strong>amos chamar “verda<strong>de</strong>iros”; assim, a verda<strong>de</strong>, tal como a usamos a<br />

palavra, terá o mesmo elemento <strong>de</strong> arbitrarieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> relativida<strong>de</strong> que os fatos têm. O que é<br />

verda<strong>de</strong>iro para <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> pessoas po<strong>de</strong> não ser verda<strong>de</strong>iro para <strong>um</strong> outro grupo. Além disso,<br />

para qualquer grupo <strong>de</strong> pessoas os fatos mudam e a verda<strong>de</strong> muda, quan<strong>do</strong> reformulamos os nossos<br />

enuncia<strong>do</strong>s sobre o universo e à medida que os nossos conhecimentos a<strong>um</strong>entam (MARX, Melvin; H;<br />

HILLIX, William. A. Sistemas e teorias em psicologia; tradução Alvaro Cabral. 17. ed. São Paulo:<br />

Pensamento/Cultrix, 2008, p. 18)”.


395<br />

É <strong>um</strong>a construção realizada <strong>de</strong> forma arbitrária <strong>por</strong> esse agente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

valen<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s recursos <strong>cognitivo</strong>s daquele instante. Isso <strong>por</strong> ser tal processo<br />

gesta<strong>do</strong> a partir da relação entre observação e experiência, e nessa relação tem-se<br />

<strong>um</strong>a mescla <strong>de</strong> pessoalida<strong>de</strong> e subjetivida<strong>de</strong> que compromete a estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

processo da construção <strong>do</strong> fato e toda a ca<strong>de</strong>ia até o ato <strong>de</strong>cisório. 262 A influência<br />

sobre os senti<strong>do</strong>s e sobre a observação <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> homem, além <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>tida observação <strong>de</strong> como ele constrói ou reconstrói suas convicções, reflete<br />

incontestavelmente como esse homem organiza suas i<strong>de</strong>ias, seus pensamentos e<br />

trata das questões objetivas apresentadas.<br />

Em verda<strong>de</strong>, as objetivida<strong>de</strong>s da realida<strong>de</strong> social são perfilhadas <strong>por</strong> suas<br />

pessoalida<strong>de</strong>s e subjetivida<strong>de</strong>s, <strong>por</strong> isso, a <strong>de</strong>núncia ao formalismo tem-se<br />

incendia<strong>do</strong> nas últimas décadas em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> materialismo urgente exigi<strong>do</strong>, e<br />

pouco concretiza<strong>do</strong>.<br />

Isso acontece pela forma como este “Ser” enxerga, encara e constrói o<br />

mun<strong>do</strong> que habita. Segun<strong>do</strong> Barroso, tal problema tem fundamento vincula<strong>do</strong> ao<br />

materialismo histórico marxista, às <strong>de</strong>scobertas científicas e à psicanálise freudiana,<br />

conforme esclarece em citação <strong>de</strong> fôlego. 263<br />

262<br />

Envolven<strong>do</strong> essa temática, esclarecem Borkowski: “Uma dificulda<strong>de</strong> im<strong>por</strong>tante surge a respeito<br />

<strong>do</strong>s fatos <strong>por</strong>que a observação é sempre a soma das experiências imediatas <strong>de</strong> alguém e das várias<br />

operações mentais que se seguem logo às experiências para pro<strong>por</strong>cionar i<strong>de</strong>ntificação e<br />

interpretação. Como assevera Agassi (1966), “não há fatos indiscutíveis nem fatos inidôneos”, o que<br />

quer dizer que os fatos conheci<strong>do</strong>s mediante observação contêm as concepções i<strong>de</strong>ológicas e as<br />

tendências teóricas <strong>do</strong> cientista, bem como as sensações puras. Consequentemente, o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

qualquer observação, sejam quais forem as condições em que ela se faz, é <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, em parte,<br />

pelas teorias e concepções <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a que está ligada (Feyerabend, 1970). Corrobora essa noção a<br />

pesquisa que ora se realiza sobre a memória e que mostra <strong>po<strong>de</strong>r</strong>em os planos mentais ou pontos <strong>de</strong><br />

vista que representam nossas concepções <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong>terminar a maneira com que <strong>de</strong>screvemos<br />

nossas percepções. A influência <strong>do</strong>s nossos pontos <strong>de</strong> vista sobre o que observamos nos leva a<br />

reconstruir o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s eventos à luz da nossa concepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (Bransford&McCarrell,<br />

1974) (BORKOWSKI, John G.; ANDERSON, Chris D. Psicologia experimental: táticas <strong>de</strong> pesquisa<br />

<strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento; tradução Octavio Men<strong>de</strong>s Caja<strong>do</strong>. São Paulo, Cultrix, 1977, p. 12)”.<br />

263<br />

“Sem enveredar <strong>por</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>bate filosófico feito <strong>de</strong> sutilezas e complexida<strong>de</strong>s, a verda<strong>de</strong> é que a<br />

crença il<strong>um</strong>inista no <strong>po<strong>de</strong>r</strong> quase absoluto da razão tem si<strong>do</strong> intensamente revisitada e terá sofri<strong>do</strong><br />

pelo menos <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s abalos. O primeiro, ainda no século XIX, provoca<strong>do</strong> <strong>por</strong> Marx, e o segun<strong>do</strong>,<br />

já no século XX, causa<strong>do</strong> <strong>por</strong> Freud. Marx, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> conceito essencial à sua teoria <strong>–</strong><br />

materialismo histórico <strong>–</strong> assentou que as crenças religiosas, filosóficas, políticas e morais <strong>de</strong>pendiam<br />

da posição social <strong>do</strong> indivíduo, das relações <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> trabalho, na forma como estas se<br />

constituem em cada fase da história econômica. Vale dizer: a razão não é fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong> exercício <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser, pensar e criar, mas prisioneira da i<strong>de</strong>ologia, <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> valores introjeta<strong>do</strong>s e<br />

imperceptíveis que condicionam o pensamento, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>temente da vonta<strong>de</strong>. / O segun<strong>do</strong> abalo<br />

veio com Freud. Em passagem clássica, ele i<strong>de</strong>ntifica três momentos nos quais o homem teria sofri<strong>do</strong><br />

duros golpes na percepção <strong>de</strong> si mesmo e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> à sua volta, to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sferi<strong>do</strong>s pela mão da<br />

ciência. Inicialmente com Copérnico e a revelação <strong>de</strong> que a Terra não era o centro <strong>do</strong> universo, mas<br />

<strong>um</strong> minúsculo fragmento <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema cósmico <strong>de</strong> vastidão inimaginável. O segun<strong>do</strong> com Darwin,<br />

que através da pesquisa biológica <strong>de</strong>struiu o suposto lugar privilegia<strong>do</strong> que o homem ocuparia no


396<br />

Nesse cenário, influenciável e muitas vezes com o entendimento soda<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

fatores que o afastam da luz <strong>do</strong> dispositivo, o Esta<strong>do</strong>/Juiz <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> c<strong>um</strong>prir seu ofício<br />

como funcionário categoriza<strong>do</strong> e responsável pelo ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir conforme a lei.<br />

Enquanto interposto em nome <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, põe-se no meio da socieda<strong>de</strong><br />

ten<strong>do</strong> como missão, em <strong>de</strong>terminada circunscrição, exercer seu <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> jurisdição<br />

para a pacificação social mediante a aplicação das regras normativas previstas no<br />

or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong> Direito, o que <strong>por</strong> vezes não acontece.<br />

O Juiz, ao negar o Direito, em que pese a necessida<strong>de</strong> Constitucional pela<br />

fundamentação, ou melhor, a justificativa da sua justificação (<strong>de</strong>cisão concreta)<br />

conjugada a seu livre convencimento no exercício da sua posição, <strong>por</strong> vezes se<br />

<strong>de</strong>sancora da lei.<br />

Tal fenômeno invariavelmente acontece <strong>por</strong>que sua capacida<strong>de</strong> cognitiva em<br />

integração <strong>do</strong>s conhecimentos corrobora no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso ao<br />

Direito não se pontifique, pois nem sempre sua capacida<strong>de</strong> cognitiva atinge esse<br />

nível <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> para trás o jurisdiciona<strong>do</strong> e o Direito.<br />

A negação ao Direito somente é racional(compreensível)se consi<strong>de</strong>rada pela<br />

sua limitação cognitiva diante <strong>do</strong> seu limita<strong>do</strong> espectro <strong>de</strong> formação sobre o seu<br />

próprio mun<strong>do</strong>, enquanto é irracional, se <strong>–</strong> e somente se <strong>–</strong> for mensurada a partir <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a visão <strong>de</strong> integração, padronização e uniformização <strong>do</strong> sistema normativo, <strong>por</strong><br />

obrigatorieda<strong>de</strong> legal.<br />

Essa condição, enquanto regra condicionante da vida em socieda<strong>de</strong>, que sua<br />

condição não permite concretizar, diante da complexida<strong>de</strong> em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s que<br />

envolvem a vida pós-mo<strong>de</strong>rna a qual leva ao náufrago sua tentativa em interpretar a<br />

lei, aproxima-a da realida<strong>de</strong> social. Segun<strong>do</strong> Arendt. (2003, p. 34),<br />

Hoje, tal suposição se impôs amplamente <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s estabelecimentos <strong>de</strong><br />

ensino acadêmico, como se po<strong>de</strong> reconhecer pelo fato <strong>de</strong> as disciplinas que<br />

têm a ver com a história <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> e com aquilo que suce<strong>de</strong> nela terem si<strong>do</strong><br />

diluídas primeiro nas ciências sociais e <strong>de</strong>pois na psicologia. Isso não<br />

significa nada mais <strong>do</strong> que a renúncia <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> “histórico” <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

âmbito da criação e provou sua incontestável natureza animal. O último <strong>de</strong>sses golpes <strong>–</strong> que é que<br />

aqui se <strong>de</strong>sejaria enfatizar <strong>–</strong> veio com o próprio Freud: a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> que o homem não é senhor<br />

absoluto sequer da própria vonta<strong>de</strong>, <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sejos, <strong>de</strong> seus institos. O que ele fala e cala, o que<br />

pensa, sente e <strong>de</strong>seja é fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> invisível que controla seu psiquismo: o inconsciente<br />

(BARROSO, Luís Roberto (Org). A nova interpretação constitucional: pon<strong>de</strong>ração, <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. e atual. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2008, p. 6)”.


397<br />

A tentativa <strong>de</strong> fazer o sistema normativo ter funcionalida<strong>de</strong> efetiva a partir <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> sistema operacional já supera<strong>do</strong> <strong>–</strong> <strong>por</strong> intermédio da criação <strong>de</strong> mecanismos<br />

jurídicos ultrapassa<strong>do</strong>s nas atuais circunstâncias <strong>–</strong> revela que em muitos aspectos o<br />

homem, para muitas das funções que ocupou no passa<strong>do</strong>, chegou a seu <strong>limite</strong> e<br />

precisa reconhecer esse fenômeno, ou o futuro não acontece em seu presente,<br />

levan<strong>do</strong> ao sacrifício <strong>de</strong> si e <strong>de</strong> seus assemelha<strong>do</strong>s.<br />

Tal com<strong>por</strong>tamento, contrário às novas tendências, tal postura quixotesca <strong>do</strong><br />

pensar estar imerso na racionalida<strong>de</strong> imutável ou, quan<strong>do</strong> muito, salva<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s<br />

mo<strong>de</strong>los obsoletos.<br />

Negan<strong>do</strong> com esse com<strong>por</strong>tamento <strong>um</strong>a satisfação <strong>do</strong> próprio Direito e que a<br />

Justiça aconteça a partir <strong>de</strong> seus próprios interesses, exige providências ativas a<br />

partir <strong>de</strong> ações concretas, com isso se afastan<strong>do</strong> da menorida<strong>de</strong> individualista em<br />

<strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maiorida<strong>de</strong> que visa à coletivida<strong>de</strong>. Para isso, é necessário que<br />

se emancipe. Reconhecer a insuficiência e a falibilida<strong>de</strong> é o primeiro <strong>passo</strong> para a<br />

emancipação.<br />

Isso <strong>de</strong>monstra que o conhecimento gesta<strong>do</strong> <strong>por</strong> séculos no constructo <strong>do</strong>s<br />

sistemas teórico-normativos representa o nível máximo <strong>do</strong> patrimônio da socieda<strong>de</strong><br />

como esquema sistêmico teórico-normativo para a resolução <strong>de</strong> conflitos.<br />

Todavia, ao mesmo tempo exige que esse arcabouço seja<br />

<strong>de</strong>mocramecaniza<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tecnologização não h<strong>um</strong>ana, capaz <strong>de</strong><br />

integrar, unificar e uniformizar to<strong>do</strong> o sistema teórico-normativo.<br />

Assim, dan<strong>do</strong> à socieda<strong>de</strong> a previsibilida<strong>de</strong> clara e exata das regras legais<br />

que regulam as relações sociais e com elas a efetiva certeza jurídica que são<br />

funcionais ao balizamento com<strong>por</strong>tamental, a fim <strong>de</strong> sedimentar <strong>um</strong>a Justiça <strong>de</strong><br />

extensão social.<br />

A Justiça, visto ser movimentada com o objetivo <strong>de</strong> concretizar-se, busca, em<br />

última instância, a aplicação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a lei ou leis, o reconhecimento normativo <strong>de</strong><br />

regras que regularizam a pretensão <strong>do</strong> agente.


398<br />

É o Direito concreto, é a cristalização da Justiça enquanto resulta<strong>do</strong> efetivo da<br />

alquimia fundida entre o Direito e o mun<strong>do</strong>, esse ocupa<strong>do</strong> pelo “indivíduo”, não mais<br />

pelo singular no senti<strong>do</strong> literal, mas <strong>um</strong>a nova versão <strong>do</strong> singular, <strong>do</strong> singular<br />

coletivo, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> universal <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, na medida em que to<strong>do</strong>s estão<br />

vincula<strong>do</strong>s pelas mesmas causas, efeitos e conseqüências. Há, <strong>por</strong> isso, a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema macro <strong>cognitivo</strong> que possa conectar, integrar e<br />

universalizar as adversida<strong>de</strong>s advindas da coletivização das massas.<br />

O Esta<strong>do</strong>, sob esse aspecto, vê-se no <strong>de</strong>ver/fazer <strong>de</strong> <strong>um</strong>a proteção<br />

fiscalizatória, reparatória e, quan<strong>do</strong> inevitável, modificatória <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>s.<br />

Reconstruir o Direito e a Justiça é <strong>um</strong>a inc<strong>um</strong>bência que somente àquele é<br />

reservada.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se as razões históricas <strong>de</strong> sua existência que o legitimam a<br />

convocar mudanças e fazê-las acontecer sempre que essenciais ou necessárias em<br />

seu ato maior <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança das questões <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, c<strong>um</strong>prin<strong>do</strong> assim sua verda<strong>de</strong>ira<br />

função, conforme preceitua sua teoria, como esclarece Dalari (2015, p. 17):<br />

Basta isso para se perceber que para a formação <strong>do</strong> jurista contem<strong>por</strong>âneo<br />

o estu<strong>do</strong> da Teoria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é indispensável. O Esta<strong>do</strong> é universalmente<br />

reconheci<strong>do</strong> como pessoa jurídica, que expressa sua vonta<strong>de</strong> através <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminadas pessoas ou <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s órgãos. Nesse da<strong>do</strong> é que se<br />

apoiam todas as teorias que sustentam a limitação jurídica <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, bem como o reconhecimento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> como sujeito <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e<br />

obrigações jurídicas. O <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é, <strong>por</strong>tanto, <strong>po<strong>de</strong>r</strong> jurídico, sem<br />

per<strong>de</strong>r seu caráter político.<br />

Nesse âmbito <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> fazer, o Esta<strong>do</strong> está vincula<strong>do</strong> à lei; sua<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração é fragmentar as teorias que o justificam enquanto <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

e obrigações como verbaliza<strong>do</strong>.<br />

Sen<strong>do</strong>, <strong>por</strong>tanto, o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> jurídico, significa dizer que o<br />

“jurídico” é o que o faz realizar suas atribuições nos <strong>limite</strong>s <strong>do</strong> que o sistema jurídico<br />

permite em toda a sua estrutura or<strong>de</strong>namental<br />

Existe o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reestruturar e/ou implementar ações, mo<strong>de</strong>los, pouco<br />

im<strong>por</strong>tan<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong> e a forma, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que legais, previstos e públicos, pois o<br />

cidadão, enquanto administra<strong>do</strong>, exige e cobra <strong>por</strong> <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> prático concreto<br />

também na or<strong>de</strong>m legal.


399<br />

Sen<strong>do</strong> assim, em sen<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo da Justiça judiciária existente ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong><br />

aos fins e propósitos <strong>de</strong> sua responsabilida<strong>de</strong> maior, é inevitável a obrigação <strong>de</strong> que<br />

sejam realizadas as medidas que pro<strong>por</strong>cionem <strong>um</strong>a melhor solução e que essa se<br />

concretize. Nesse aspecto, são inquestionáveis as lições <strong>de</strong> Goldstein (2008, p. 21):<br />

[...] a inevitável incompletu<strong>de</strong> até <strong>de</strong> nossos sistemas formais <strong>de</strong><br />

pensamento, isso <strong>de</strong>monstra que não existe <strong>um</strong> fundamento sóli<strong>do</strong> que<br />

sirva <strong>de</strong> base a qualquer sistema. Todas as verda<strong>de</strong>s <strong>–</strong> mesmo aquelas que<br />

pareciam tão certas a ponto <strong>de</strong> serem imunes a toda possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

revisão <strong>–</strong> são essencialmente manipuladas. De fato, a própria noção da<br />

verda<strong>de</strong> objetiva é <strong>um</strong> mito socialmente construí<strong>do</strong>. Nossas mentes<br />

cognoscentes não estão entranhadas na verda<strong>de</strong>. Pelo contrário, toda a<br />

noção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> está entranhada em nossas mentes, elas próprias os<br />

laicos involuntários <strong>de</strong> formas organizacionais <strong>de</strong> influência. A epistemologia<br />

nada mais é que a sociologia <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>. Assim é, <strong>de</strong> certa forma, a versão<br />

pós-mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> Go<strong>de</strong>l. 264<br />

Portanto, ainda distante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a teoria da mente h<strong>um</strong>ana, ciente <strong>de</strong> que ela<br />

não po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong> sistema digital <strong>–</strong> <strong>um</strong> computa<strong>do</strong>r <strong>–</strong> e esclareci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a reflexiva<br />

e <strong>de</strong>nsa <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong> é <strong>um</strong> ato próprio e exclusivo <strong>do</strong> ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

Tal circunstância força a observação concreta <strong>de</strong> que essas afirmações a<br />

priori não negam sua oposição <strong>–</strong> seria plenamente possível que em <strong>um</strong> da<strong>do</strong><br />

momento isso possa acontecer <strong>–</strong> na medida em que <strong>um</strong>a teoria <strong>de</strong> mente viesse a<br />

<strong>de</strong>smistificar “os processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas”, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se a limitação conclusiva<br />

até o momento aceita.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, é cediço que a mente h<strong>um</strong>ana, dada sua natureza, é<br />

vulnerável e suscetível às mais diversas formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>formações quanto às i<strong>de</strong>ias e<br />

formas <strong>de</strong> pensamento que possa produzir.<br />

264<br />

No mais, complementa a mesma referência com A<strong>do</strong>rno em Go<strong>de</strong>l, senão vejamos: “Outros<br />

pensa<strong>do</strong>res arg<strong>um</strong>entam que, no tocante à natureza da mente h<strong>um</strong>ana, as implicações <strong>do</strong>s teoremas<br />

<strong>de</strong> Go<strong>de</strong>l apontam para <strong>um</strong>a direção totalmente diferente. Por exemplo: Roger Penrose, em seus <strong>do</strong>is<br />

best-sellers, Theemperor’s news mind. A mente nova <strong>do</strong> rei] e Sha<strong>do</strong>w softhe mind Sombras da<br />

mente], tornou os teoremas da incompletu<strong>de</strong> fundamentais ao seu arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que nossas mentes,<br />

sejam lá o que forem, não po<strong>de</strong>m ser computa<strong>do</strong>res digitais. O que os teoremas <strong>de</strong> Go<strong>de</strong>l provam,<br />

afirma, é que, mesmo em nosso pensamento mais técnico, regi<strong>do</strong> <strong>por</strong> regras <strong>–</strong> ou seja, a matemática<br />

<strong>–</strong>, os processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>m ser reduzi<strong>do</strong>s a procedimentos mecânicos<br />

programa<strong>do</strong>s nos computa<strong>do</strong>res. Observe que o arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> Penrose, frontalmente oposto à<br />

interpretação pós-mo<strong>de</strong>rna <strong>do</strong> parágrafo anterior, enten<strong>de</strong> que os resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Go<strong>de</strong>l <strong>de</strong>ixaram o<br />

conhecimento matemático em gran<strong>de</strong> parte intacto. Os teoremas <strong>de</strong> Go<strong>de</strong>l não <strong>de</strong>monstraram os<br />

<strong>limite</strong>s da mente h<strong>um</strong>ana (basicamente, mo<strong>de</strong>los que reduzem to<strong>do</strong> o pensamento ao “seguir regras”.<br />

Não nos <strong>de</strong>ixam a <strong>de</strong>riva na incerteza pós-mo<strong>de</strong>rna, mas negam <strong>um</strong>a particular teoria da mente)<br />

(GOLDSTEIN, Rebecca. Incompletu<strong>de</strong>: a prova e o para<strong>do</strong>xo <strong>de</strong> Kurt Gö<strong>de</strong>l; tradução Ivo<br />

Korytowski. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 21)”.


400<br />

Sen<strong>do</strong> assim, para afastar-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma mais segura da falibilida<strong>de</strong> e<br />

insuficiência da mente h<strong>um</strong>ana, é possível, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> em que as ações e<br />

os problemas já previstos com regras <strong>de</strong> correção pré-<strong>de</strong>finidas e (valoradas) sejam<br />

mediadas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a forma inteligente não h<strong>um</strong>ana.<br />

Que não busque a verda<strong>de</strong>, como fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a construção interpretada,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as peculiarida<strong>de</strong>s da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, mas tão somente a aplique<br />

à verda<strong>de</strong> (<strong>de</strong>finida), a partir <strong>de</strong> critérios lógicos pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s, o que não colocaria em<br />

rota <strong>de</strong> colisão as respectivas <strong>inteligência</strong>s, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a logicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>las.<br />

A manutenção segura da relação entre a <strong>inteligência</strong> da <strong>de</strong>scoberta e a<br />

<strong>inteligência</strong> da procedibilida<strong>de</strong> pre<strong>de</strong>finidas pelas razões <strong>de</strong> sua natureza<br />

categorizadamente organizadas a partir <strong>do</strong>s algoritmos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem<br />

tecnológica garantiria a simbiose das <strong>inteligência</strong>s e, com isso, a segurança pela<br />

previsibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s na esfera <strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

Dessa forma, distancian<strong>do</strong>-se da instabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>judicante</strong> em que o<br />

homem participa como peça central da mediação, <strong>de</strong> forma não neutra conforme<br />

estu<strong>do</strong> científico resvala<strong>do</strong>.<br />

No processo <strong>de</strong> mediação, esse ator se vale <strong>de</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> semântica, a<br />

qual inevitavelmente produz resulta<strong>do</strong>s incertos, fraturan<strong>do</strong> quase sempre a<br />

previsibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> almeja<strong>do</strong>, mesmo que a baliza esteja fincada<br />

meridianamente na lei.<br />

Em outra forma inteligente, em que os valores encontram-se preestabeleci<strong>do</strong>s<br />

e <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s, o critério <strong>de</strong> <strong>de</strong>dutibilida<strong>de</strong> ou verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>dutiva garante <strong>um</strong>a maior e<br />

mais acentuada previsibilida<strong>de</strong> nos resulta<strong>do</strong>s.<br />

Porque a suficiência das informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s encontra-se disponível e<br />

em constante manutenção pela retroalimentação <strong>do</strong> sistema, seja pelo ato próprio<br />

da ação h<strong>um</strong>ana, seja pelas formas tecnológicas estruturais instr<strong>um</strong>entais da<br />

integração, da unificação e da uniformização das bases cognitivas cibernéticas.<br />

É perceptível que o atual sistema <strong>de</strong> Justiça ofertada pelo Esta<strong>do</strong>, além <strong>de</strong><br />

ineficiente <strong>por</strong> todas as mazelas adjetivadas existentes as quais ganham corpo nos<br />

comentários midiáticos diante <strong>do</strong> caos social estabeleci<strong>do</strong>.


401<br />

Ainda <strong>de</strong>monstra estar na contramão da mo<strong>de</strong>rnização, n<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

antimo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, contribuin<strong>do</strong> com a não emancipação da socieda<strong>de</strong>, na medida em<br />

que a atitu<strong>de</strong> postural paternalista <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz o faz viver no imaginário <strong>de</strong> que,<br />

além <strong>de</strong> estar fazen<strong>do</strong> Justiça, está estabelecen<strong>do</strong> a paz social. A esse respeito, as<br />

lições <strong>de</strong> Rouanet são categóricas (2003, p. 122):<br />

Quan<strong>do</strong> verbaliza que “mas também não é mo<strong>de</strong>rna, no senti<strong>do</strong> il<strong>um</strong>inista,<br />

quan<strong>do</strong> a autonomia <strong>do</strong>s indivíduos se subordina à eficácia <strong>do</strong>s sistemas”.<br />

Pior que se submeter à eficácia <strong>do</strong>s sistemas é a realida<strong>de</strong> vigente em que<br />

os indivíduos encontram-se substituí<strong>do</strong>s em suas pretensões legítimas,<br />

on<strong>de</strong> a instabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema, além <strong>de</strong> colocar o Esta<strong>do</strong>/Juiz como parte,<br />

interposto na entrega da Lei ou sua aplicação, como verda<strong>de</strong>iro legitima<strong>do</strong><br />

substituto mandatário na entrega <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> legal, enfrenta o risco maior<br />

da subjetivação <strong>do</strong> interesse como se a <strong>de</strong>cisão tomada fosse a si próprio e<br />

não <strong>de</strong> quem pleiteia. 265<br />

Não se discute sobre con<strong>de</strong>ná-lo ao <strong>de</strong>gre<strong>do</strong>, ao contrário, a incineração<br />

<strong>de</strong>ssa espécie virótica precisa ser dizimada, a ponto <strong>de</strong> tornarem-se as instituições<br />

sociais, os órgãos e as <strong>de</strong>mais espécies <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> imunizadas <strong>de</strong>sse mal,<br />

que remonta aos séculos remotos, chegan<strong>do</strong> a nossos tempos. 266<br />

265<br />

A antimo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> ainda é <strong>de</strong>stacada <strong>por</strong> Rouanet com objetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>scritiva: “Para a<br />

mo<strong>de</strong>rnização funcional, racionalizar significa injetar a razão instr<strong>um</strong>ental nos mecanismos <strong>de</strong>cisórios<br />

da empresa ou <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Para a mo<strong>de</strong>rnização il<strong>um</strong>inista, racionalizar significa, também, injetar a<br />

razão emancipatória no próprio teci<strong>do</strong> da organização social. Conceito <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização il<strong>um</strong>inista<br />

não é <strong>um</strong>a construção arbitrária. Ele foi <strong>de</strong>riva<strong>do</strong> das três configurações históricas que servem <strong>de</strong><br />

substrato à i<strong>de</strong>ia il<strong>um</strong>inista: a ilustração, o liberalismo e o socialismo. / A ilustração é o primeiro elo<br />

<strong>de</strong>ssa sequência histórica. Ela propôs <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte, no qual<br />

figuram pela primeira vez os objetivos gêmeos da eficácia e da autonomia. Enquanto “her<strong>de</strong>iros” da<br />

ilustração, o liberalismo e o socialismo incor<strong>por</strong>am à sua maneira esses <strong>do</strong>is vetores, atualizan<strong>do</strong>-os,<br />

re<strong>de</strong>finin<strong>do</strong>-os, aprofundan<strong>do</strong>-os, adaptan<strong>do</strong>-os e concretizan<strong>do</strong>-os em maior ou menor grau em seus<br />

respectivos processos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização. / O maniqueísmo infindável entre o tradicionalismo arraiga<strong>do</strong><br />

em nossas instituições precisa ser bani<strong>do</strong>, dan<strong>do</strong> passagem para a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e com ela as<br />

novas tendências e os <strong>novo</strong>s <strong>paradigma</strong>s (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>:<br />

ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 122)”.<br />

266<br />

Como cita Rouanet: “[...] os parlaments representavam todas as irracionalida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> velho aparelho<br />

judiciário, com sua processualística ineficiente, as <strong>de</strong>moras intermináveis no julgamento das causas,<br />

o uso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> cost<strong>um</strong>eiro, a não-pro<strong>por</strong>cionalida<strong>de</strong> entre a pena e a culpa, e as práticas <strong>de</strong><br />

apuração <strong>do</strong>s fatos, como a tortura, que só excepcionalmente podiam levar à <strong>de</strong>scoberta da verda<strong>de</strong>.<br />

Além disso, atacar os parlaments era contribuir <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> mais <strong>de</strong>cisivo não só para a mo<strong>de</strong>rnização<br />

da máquina judiciária em si, mas para a mo<strong>de</strong>rnização social em seu conjunto, <strong>por</strong>que eles<br />

encarnavam em sua pureza os entraves à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> representa<strong>do</strong>s pelo sistema <strong>de</strong> privilégios,<br />

pela divisão da socieda<strong>de</strong> em or<strong>de</strong>ns, pelo provimento <strong>de</strong> cargos segun<strong>do</strong> critérios econômicos e<br />

estamentais <strong>–</strong> em s<strong>um</strong>a, eram a própria essência da <strong>do</strong>minação tradicional, bloquean<strong>do</strong> o advento<br />

da <strong>do</strong>minação legal, ponto terminal da mo<strong>de</strong>rnização política (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 153)”.


402<br />

O compromisso com a in<strong>do</strong>lência provocada pelo amainamento da tradição<br />

consoli<strong>do</strong>u gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong> retrocesso, propician<strong>do</strong> que os problemas, além <strong>de</strong> se<br />

avol<strong>um</strong>arem, tratassem <strong>de</strong> ser a causa e a justificativa <strong>de</strong> outros problemas, como o<br />

atraso, bem como tornan<strong>do</strong>-se responsável <strong>por</strong> diversos outros questionamentos.<br />

Não que o questionamento advin<strong>do</strong> da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão não seja<br />

legítimo, como <strong>um</strong> <strong>do</strong>s elementos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, com<strong>um</strong> nos<br />

ambientes em que a liberda<strong>de</strong> da vivência e da convivência em socieda<strong>de</strong> é<br />

<strong>de</strong>staque.<br />

Todavia, na medida em que a normalida<strong>de</strong> começa a dar espaço para a<br />

anormalida<strong>de</strong>, esses sintomas veicula<strong>do</strong>s pelos meios <strong>de</strong> comunicação sociais<br />

existentes registram <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa forma a falta <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> no funcionamento <strong>do</strong><br />

sistema.<br />

Nota-se que a meto<strong>do</strong>logia e sua funcionabilida<strong>de</strong> estão cada vez mais<br />

comprometen<strong>do</strong> a Democracia e os valores <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>s <strong>por</strong> ela, como verbaliza<br />

Assagioli (1973, p. 25-26):<br />

Esta qualida<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> é <strong>de</strong>monstrável principalmente no estágio <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>liberação. A falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e resolução é <strong>um</strong>a das fraquezas <strong>do</strong>s<br />

sistemas <strong>de</strong>mocráticos, nos quais a <strong>de</strong>liberação ten<strong>de</strong> a ser <strong>um</strong> processo<br />

sem fim. Sabemos o quanto é difícil induzir <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> assembleia e<br />

chegar, se não à unanimida<strong>de</strong>, pelo menos a <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão majoritária.<br />

Existem exemplos históricos conheci<strong>do</strong>s da ineficácia das assembleias; <strong>um</strong><br />

<strong>de</strong>les refere-se ao Sena<strong>do</strong> Romano: dizia-se que D<strong>um</strong> Roma e consultur,<br />

Segunt<strong>um</strong> expugnatur: “Enquanto os Sena<strong>do</strong>res romanos extravagam-se<br />

às consultas, o inimigo conquistava a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Segunt<strong>um</strong>”. O outro<br />

exemplo engraça<strong>do</strong> é o <strong>do</strong>s car<strong>de</strong>ais reuni<strong>do</strong>s para eleger <strong>um</strong> papa, em<br />

Viterbo. Discutiram e conten<strong>de</strong>ram durante meses, até que finalmente o<br />

povo se impacientou e, irrita<strong>do</strong>, <strong>de</strong>stelhou a sala on<strong>de</strong> estavam reuni<strong>do</strong>s os<br />

ca<strong>de</strong>ais. Depois disso, eles chegaram logo a <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão.<br />

A burocracia empreendida pelo sistema é indutora <strong>do</strong> negligenciamento <strong>do</strong><br />

ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir; o <strong>de</strong>cidir erra<strong>do</strong> ou equivocadamente em muitos aspectos tem relação<br />

com o tempo leva<strong>do</strong> em todas as fases que o sistema absorve para sua efetiva<br />

conclusão.<br />

Portanto, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> evento, <strong>por</strong> vezes a substancialida<strong>de</strong> alcançada já se<br />

encontra dissipada, pois a busca pretendida no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> obter-se <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong><br />

positivo, estável e equânime não aconteceu.


403<br />

O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s atos ao reconhecimento, a análise, a<br />

avaliação e a integração <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s e informações são morosos <strong>por</strong>que<br />

ainda <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m em gran<strong>de</strong> parte da intervenção h<strong>um</strong>ana nos atos preparatórios,<br />

organizatórios, fiscalizatórios e <strong>de</strong>cisórios.<br />

Uma outra questão relevante focada na <strong>de</strong>mora <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir converteu-se em<br />

<strong>um</strong> entrave da própria <strong>de</strong>cisão. Quan<strong>do</strong> se atrasam duas coisas, nenh<strong>um</strong>a <strong>de</strong>las<br />

acontece, ou seja, a ação para a realização <strong>do</strong> ato e o ato que se espera em si.<br />

Esse episódio tem si<strong>do</strong> nas últimas décadas muito prejudicial ao sistema da Justiça<br />

judiciária.<br />

Com isso, é possível <strong>de</strong>duzir que o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> falar-se em Justiça, em fazê-la,<br />

em <strong>de</strong>fendê-la tornou-se <strong>um</strong> discurso vazio e irreal frente à falta <strong>de</strong> existência<br />

concreta <strong>de</strong> sua realização no plano da realida<strong>de</strong> judiciária.<br />

Geran<strong>do</strong> quase sempre <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> razão cínica pela aceitação das<br />

condições negativas, <strong>um</strong>a rendição da razão no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o mo<strong>de</strong>lo é o único<br />

pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser aceito sem ressalvas, em <strong>um</strong>a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamento diverso imposto pelo atual sistema.<br />

O cenário da Justiça composto <strong>por</strong> coisas e pessoas nos mol<strong>de</strong>s existentes<br />

não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo, embora coerentemente<br />

questiona<strong>do</strong> <strong>por</strong> ter-se torna<strong>do</strong> ultrapassa<strong>do</strong> frente à nova realida<strong>de</strong> social.<br />

O mapeamento realiza<strong>do</strong> pelo CNJ (Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça) forja <strong>um</strong>a<br />

aparente realização <strong>de</strong> Justiça a partir <strong>de</strong> números e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong> implantar<br />

no sistema <strong>um</strong>a forma mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> administrar, a qual não passa <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s<br />

estatísticos no c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong> metas formais, que já se encontram engessa<strong>do</strong>s <strong>por</strong><br />

ausência <strong>de</strong> mecanismos capazes <strong>de</strong> absorver a <strong>de</strong>manda a que é submeti<strong>do</strong>.<br />

Uma quase transmutação empresária ao negócio público, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a gestão em administração <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, contém planejamento, controle,<br />

metas, <strong>de</strong>ntre outros mecanismos inerentes a <strong>um</strong>a gestão.<br />

No entanto, em que pese a intencionalida<strong>de</strong> positiva, a aplicação das leis<br />

ainda se vê frustrada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa proposta <strong>de</strong> gestão da Justiça, na medida em<br />

que a legitimida<strong>de</strong> passa a ser questionada pela forma como é aplicada <strong>–</strong><br />

parcialida<strong>de</strong>, imprevisibilida<strong>de</strong>, incerteza, geran<strong>do</strong> com esses resulta<strong>do</strong>s <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>sobediência em vários senti<strong>do</strong>s ao próprio sistema.


404<br />

A lei, neste contexto, também <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> acontecer no plano da realida<strong>de</strong><br />

<strong>por</strong>que a socieda<strong>de</strong>, <strong>por</strong> mais que esteja recru<strong>de</strong>scida pela ignorância<br />

pro<strong>por</strong>cionada pelo Esta<strong>do</strong> em sua formação, encontrou pelos canais tecnológicos o<br />

acesso ao mínimo <strong>de</strong> informação, embora pouco em formação.<br />

Esse <strong>novo</strong> canal tem promovi<strong>do</strong> se não realização <strong>por</strong> mudanças ao menos o<br />

questionar (<strong>por</strong> expressões <strong>de</strong> insatisfações diversas) para as mudanças<br />

acontecerem no campo da Justiça.<br />

A Justiça externalizada, ou seja, a verbalizada no cotidiano é <strong>de</strong> natureza<br />

semântica, das palavras, <strong>do</strong>s discursos infindáveis, das sessões sacralizadas pela<br />

exorcização <strong>do</strong> tempo quan<strong>do</strong> os pares e toda a multidão se dispersam em seus<br />

smartfones, tablets, notebooks e ao final aplau<strong>de</strong>m com o vigor erudito da bela<br />

aparência, pouco se im<strong>por</strong>tan<strong>do</strong> com a constatação da realida<strong>de</strong>, em <strong>um</strong>a espécie<br />

<strong>de</strong> cristalização da <strong>de</strong>scrença, <strong>de</strong> que algo efetivo possa acontecer. 267 Esse ponto ou<br />

muitos <strong>de</strong>ssa natureza se limitam à visão <strong>de</strong> parte da totalida<strong>de</strong>, que se reduz a<br />

justificar em afirmar que o <strong>limite</strong> <strong>do</strong> conhecimento produz muito mais in<strong>justiça</strong>s <strong>do</strong><br />

que Justiças.<br />

Tal posição exige <strong>um</strong>a revisão na forma <strong>de</strong> encarar a realida<strong>de</strong> da Justiça,<br />

pois o problema não é a Justiça, mas sim a forma como está estruturada (aspectos<br />

fundantes da construção): organizacionalmente e operada, ainda calcada nos<br />

mol<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s séculos passa<strong>do</strong>s.<br />

O crescimento <strong>de</strong>mográfico, as diversida<strong>de</strong>s culturais, a globalização, a<br />

internacionalização, a mundialização, o rompimento das culturas, as mutações e<br />

com esses fenômenos as complicações advindas da complexida<strong>de</strong> das relações<br />

sociais, a escalabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacada pelas gran<strong>de</strong>s massas, as variáveis invisíveis<br />

que se multiplicam em problemas diversos <strong>do</strong>s previstos e ao mesmo tempo<br />

<strong>de</strong>finin<strong>do</strong> situações pre<strong>de</strong>finidas conjugadas com a <strong>de</strong>manda crescente geram<br />

267<br />

Para Wilber, isso é: “Nosso problema, aparentemente, é que criamos <strong>um</strong> mapa convencional, com<br />

seus <strong>limite</strong>s, <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro território da natureza, que não tem <strong>limite</strong>s, e <strong>de</strong>pois confundimos<br />

completamente os <strong>do</strong>is. Como Korzybski e os semantistas gerais <strong>de</strong>monstram, nossas palavras,<br />

símbolos, sinais, pensamentos e i<strong>de</strong>ias são apenas mapas da realida<strong>de</strong>, não a própria realida<strong>de</strong>,<br />

<strong>por</strong>que “o mapa não é o território”. A palavra “água” não mata nossa se<strong>de</strong>. Mas vivemos n<strong>um</strong> mun<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> mapas e palavras como se fosse o mun<strong>do</strong> real”. Ainda para o autor (2007, p. 32): “[...] quan<strong>do</strong> se<br />

cin<strong>de</strong> o universo em sujeito e objeto, n<strong>um</strong> esta<strong>do</strong> que vê e n<strong>um</strong> esta<strong>do</strong> que é visto, alg<strong>um</strong>a coisa<br />

sempre fica <strong>de</strong> fora. Nessas condições, o universo “sempre se esquivará parcialmente a si mesmo”.<br />

Nenh<strong>um</strong> sistema observa<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> observar-se enquanto observa. O vi<strong>de</strong>nte não po<strong>de</strong> ver-se ven<strong>do</strong>,<br />

to<strong>do</strong> olho tem <strong>um</strong> ponto cego (WILBER, Ken. A consciência sem fronteiras: pontos <strong>de</strong> vista <strong>do</strong><br />

Oriente e <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte sobre o crescimento pessoal; tradução Kátia Maria Orberg; Eliane Fittipaldi<br />

Pereira. São Paulo: Cultrix, 1979, p. 45)”.


405<br />

instabilida<strong>de</strong> a <strong>um</strong>a Justiça construída a partir <strong>do</strong>s critérios e <strong>do</strong>s interesses das<br />

classes elitistas e <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>.<br />

Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema que surgiu <strong>–</strong> e não há como escon<strong>de</strong>r, <strong>por</strong>que a<br />

história é a maior <strong>de</strong>latora <strong>–</strong> pelos interesses <strong>do</strong>s grupos minoritários que<br />

comandavam a política, a economia e os <strong>de</strong>mais postos <strong>de</strong> coman<strong>do</strong> em tempos<br />

passa<strong>do</strong>s, <strong>um</strong>a Justiça <strong>de</strong> natureza tipicamente colonial, cultivada sobre o solo<br />

burocrático.<br />

A linguagem, a forma <strong>de</strong> tratamento, a rotinização, os rituais e as<br />

formalida<strong>de</strong>s são indícios <strong>de</strong> que existe toda <strong>um</strong>a codificação para aproximação, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> a o<strong>por</strong> obstáculos para acesso ao processamento e ao alcance <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s<br />

sociais.<br />

No campo <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> julgar, a contaminação com o sistema operacional é<br />

instável e insegura, <strong>por</strong>ém ainda é reservada a cota <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong>, <strong>por</strong> certo, pela<br />

fácil influenciabilida<strong>de</strong> intuitiva em que o homem enquanto ator e receptor das<br />

<strong>de</strong>cisões se encontra imerso.<br />

A certeza já não é tão certa, <strong>por</strong>que, além <strong>de</strong> questionada, começa nos <strong>novo</strong>s<br />

tempos a ser objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s científicos. Além <strong>do</strong> mais, com a integração das<br />

cognições, os sistemas, sejam quais forem suas funções, passaram a ser<br />

convoca<strong>do</strong>s a prestar contas ao atendimento <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s concretos, que<br />

estiveram a tutelar.<br />

A sabotagem da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana e das <strong>de</strong>mais faculda<strong>de</strong>s que lhe<br />

outorgam o status <strong>de</strong> <strong>um</strong> Ser racional se fragiliza <strong>por</strong> vários meios: nos atos <strong>de</strong><br />

pensar, <strong>de</strong> refletir e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, passan<strong>do</strong> a exigir <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo em substituição que<br />

atenda aos problemas até então não resolvi<strong>do</strong>s, e que implique prejuízos aos que<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça que vem aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> muito bem aos critérios <strong>de</strong> letargia,<br />

com ausência <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong>, rica em parcialida<strong>de</strong> e paupérrima em eficácia.<br />

Ela sacrifica a previsibilida<strong>de</strong> e prejudica <strong>um</strong>a certeza jurídica em <strong>de</strong>trimento<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça social conforme verbaliza<strong>do</strong> <strong>por</strong> Pinheiro em estu<strong>do</strong> já passa<strong>do</strong>.<br />

Os problemas ti<strong>do</strong>s em <strong>de</strong>corrência da falibilida<strong>de</strong> da razão cognitiva são<br />

vieses que entremeiam <strong>de</strong> forma refratária e silenciosa a mente <strong>do</strong> homem, <strong>por</strong>que é<br />

<strong>um</strong> Ser com limitações, <strong>por</strong>ém relega<strong>do</strong> em segun<strong>do</strong> plano pela socieda<strong>de</strong>. Durante<br />

muitos anos, a socieda<strong>de</strong> atribuiu as falhas, os erros e os equívocos a outras<br />

causas, tais como problemas espirituais, sociais, raciais, <strong>de</strong>ntre outros.


406<br />

A substituição heurística, promovida pela retórica nas resoluções <strong>do</strong>s<br />

problemas, diante <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, operou como facilita<strong>do</strong>ra e ao mesmo tempo<br />

substituta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão <strong>por</strong> outra em <strong>de</strong>corrência da associação que se realiza<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> <strong>limite</strong> da capacida<strong>de</strong> cognitiva da memória.<br />

Essa limitação encontra-se presente no ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, <strong>um</strong>a vez que ele ousa<br />

<strong>de</strong>la sempre <strong>de</strong>sacreditar, isso <strong>por</strong>que sua condição <strong>de</strong> insuficiência, ou melhor, a<br />

ignorância <strong>–</strong> em não se conhecer <strong>–</strong> revela-se como algo peculiar que a gran<strong>de</strong><br />

maioria das pessoas pensam não possuir em si mesma.<br />

A racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana dificilmente visualiza o mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma sistêmica, o<br />

que representa <strong>um</strong> outro problema da cognição <strong>do</strong> homem, <strong>por</strong>tanto sua natureza<br />

não projeta integração, unificação e uniformização, <strong>um</strong>a vez que sua visão é parcial:<br />

a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visibilida<strong>de</strong> obtida das partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que habita, passa a ter na<br />

parte, <strong>um</strong> to<strong>do</strong>.<br />

Semelhante perfil contribui para que o foco <strong>de</strong> seu campo visual, além <strong>de</strong> ser<br />

estreito, contribua para <strong>um</strong> certo déficit <strong>de</strong> perda no campo periférico. A percepção<br />

tida é critério que contribui para escapar da verda<strong>de</strong> e acreditar na ilusão.<br />

A facilida<strong>de</strong> na associação das i<strong>de</strong>ias para a obtenção <strong>de</strong> pensamentos e<br />

obtenção <strong>de</strong> conclusões muitas vezes está contaminada <strong>por</strong> informações falsas que,<br />

<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao <strong>limite</strong> <strong>do</strong> conhecimento fazem com que o caminho que se apresenta como<br />

verda<strong>de</strong>iro seja na verda<strong>de</strong> <strong>um</strong>a intuição aparente gerada pela ilusão da percepção,<br />

comprometen<strong>do</strong> assim a <strong>inteligência</strong> e o pensamento.<br />

Por isso, a assertiva <strong>de</strong> que “o Po<strong>de</strong>r Judiciário não é neutro, e que em suas<br />

<strong>de</strong>cisões o magistra<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve interpretar a lei no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> aproximá-la <strong>do</strong>s<br />

processos sociais substantivos...” é <strong>um</strong> risco ao próprio or<strong>de</strong>namento jurídico que se<br />

vê, referem-se à imprevisibilida<strong>de</strong> e à incerteza.<br />

A estrutura da forma <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> como pensar a Justiça junto ao Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, ou como ele se forma, a partir <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico que a cada ano se<br />

torna ainda maior.


407<br />

Vem ao longo <strong>do</strong>s anos sen<strong>do</strong> <strong>um</strong>a causa não tratada pelo sistema judiciário,<br />

aliás <strong>de</strong> en passanta pífia literatura séria existente no Brasil <strong>de</strong>lata que o Judiciário é<br />

<strong>um</strong> sistema com ínfimo estu<strong>do</strong> científico volta<strong>do</strong> para o seu próprio conhecimento. É<br />

o que retratam os estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Faria nos i<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos <strong>de</strong> 1990 sobre: “O Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário no Brasil: Para<strong>do</strong>xos, Desafios e Alternativas” (1996, p.19)<br />

Diante <strong>de</strong>sse cenário, o Esta<strong>do</strong> brasileiro parece estar chegan<strong>do</strong> ao <strong>limite</strong><br />

ou esgotamento <strong>de</strong> seu processo <strong>de</strong> intervenção fiscaliza<strong>do</strong>ra e regula<strong>do</strong>ra<br />

na socieda<strong>de</strong>, na medida em que sai atuação tem si<strong>do</strong> pautada <strong>por</strong><br />

diretrizes <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas e erráticas, que o impe<strong>de</strong>m <strong>de</strong> corrigir as graves<br />

distorções sociais, regionais e setoriais, <strong>de</strong> assegurar <strong>um</strong> mínimo <strong>de</strong><br />

organicida<strong>de</strong> e coerência lógico-formal em seu or<strong>de</strong>namento jurídico e <strong>de</strong><br />

formular <strong>um</strong> projeto jurídico político minimamente consistente para a nação.<br />

Isso significa que nas últimas décadas todas as mudanças <strong>de</strong> lei ou reformas<br />

não alteram a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem aplica a lei ou consi<strong>de</strong>ram quantitativa ou<br />

qualitativamente a estrutura, o hábito da judicialida<strong>de</strong> nacional, o investimento e<br />

outros fatores prepon<strong>de</strong>rantes, nem tampouco avaliam se sua utilida<strong>de</strong> operacional<br />

encontra-se no campo da concretização <strong>de</strong> forma satisfatória, com isso, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

força as vozes que vociferam contra problemas contun<strong>de</strong>ntes existentes.<br />

Muitos aplica<strong>do</strong>res, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo legislativo, ao acompanharem a<br />

tramitação legal, já se posicionam <strong>por</strong> negar o imperativo da lei <strong>por</strong> causas pessoais<br />

e subjetivas que abalam sua convicção, tiran<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema a estabilida<strong>de</strong> padrão<br />

que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> e que é vital para que a instituição <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário possa gozar<br />

<strong>de</strong> respeitabilida<strong>de</strong>. Melhor explican<strong>do</strong>, se a instabilida<strong>de</strong> parte en<strong>do</strong>genamente <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, em que condições ficam a relação exógena com este “<strong>po<strong>de</strong>r</strong>”?<br />

Portanto, a contaminação <strong>de</strong> negativa <strong>do</strong> Direito é <strong>um</strong> germe que está<br />

embrionariamente instala<strong>do</strong> no próprio Esta<strong>do</strong>/Juiz, na medida em que ele questiona<br />

a normativida<strong>de</strong> da lei ou opera na função <strong>de</strong> parte, na reconstrução <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> que<br />

ele nunca foi parte sob o manto <strong>do</strong> mito da imparcialida<strong>de</strong> e da neutralida<strong>de</strong> ou se<br />

apresenta como <strong>um</strong> genuíno intérprete da lei para o alcance da Justiça.


408<br />

Esse influenciar ou não está no <strong>do</strong>mínio, no controle da <strong>de</strong>cisão como<br />

<strong>de</strong>staca<strong>do</strong> <strong>por</strong> Kahneman, 268 em sua obra premiada com o prêmio Nobel <strong>de</strong><br />

Economia. Nessa citação, fica evi<strong>de</strong>nte que a sedução da ilusão e <strong>do</strong> controle da<br />

percepção são fatores que influenciam <strong>um</strong>a posição sobre <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> objeto, <strong>de</strong><br />

cuja traição nem mesmo o homem/Juiz está a salvo.<br />

Na observação <strong>de</strong> rotina das aulas em to<strong>do</strong>s os estágios, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a graduação<br />

até as titulações mais elevadas, nos encontros <strong>de</strong> jornadas, palestras, simpósios ou<br />

seminários, a questão <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> sempre esteve envolven<strong>do</strong> alg<strong>um</strong>as máximas<br />

irredutíveis, gera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> incógnitas fronteiriças e limita<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro acesso<br />

a <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> como padrão sobre as questões envolven<strong>do</strong> o Direito e a Justiça.<br />

268<br />

“Nem todas as ilusões são visuais. Há ilusões <strong>de</strong> pensamento, que chamamos <strong>de</strong> ilusões<br />

cognitivas. Quan<strong>do</strong> ainda estava na universida<strong>de</strong>, frequentei alguns cursos sobre arte e ciência da<br />

psicoterapia. Durante <strong>um</strong>a <strong>de</strong>ssas aulas, o professor nos agraciou com <strong>um</strong>a pitada <strong>de</strong> sua sabe<strong>do</strong>ria<br />

clínica. O que ele contou foi o seguinte: “De tempos em tempos, você vai ter <strong>um</strong> paciente que vai lhe<br />

contar <strong>um</strong>a história perturba<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s múltiplos equívocos cometi<strong>do</strong>s em seu tratamento prévio. Ele<br />

<strong>passo</strong>u <strong>por</strong> inúmeros médicos e nenh<strong>um</strong> <strong>de</strong>u tratamento certo. O paciente po<strong>de</strong> <strong>de</strong>screver<br />

lucidamente como seus terapeutas o compreen<strong>de</strong>ram mal, mas que ele percebeu rapidamente que<br />

você é diferente. Você partilha <strong>do</strong>s mesmos sentimentos, está convenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o compreen<strong>de</strong> e<br />

que vai <strong>po<strong>de</strong>r</strong> ajudar.” Nesse ponto meu professor ergueu a voz e disse: “Nem sonhem em pegar<br />

esse paciente! Chutem-no para fora <strong>do</strong> consultório! Ele muito provavelmente é <strong>um</strong> psicopata e você<br />

não será capaz <strong>de</strong> ajudá-lo.” Muitos anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>scobri que o professor nos advertira contra o<br />

charme psicopático e a principal autorida<strong>de</strong> no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> psicopatia confirmou o conselho <strong>do</strong><br />

professor era sensato. A analogia com a ilusão <strong>de</strong> Muller-Lyer é próxima. O que estava sen<strong>do</strong><br />

ensina<strong>do</strong> não era como <strong>de</strong>víamos nos sentir em relação ao paciente. Nosso professor partia da<br />

certeza <strong>de</strong> que a simpatia que sentiríamos pelo paciente não estaria sob nosso controle; ela brotaria<br />

<strong>do</strong> Sistema 01. Além <strong>do</strong> mais, não era para apren<strong>de</strong>rmos a <strong>de</strong>sconfiar <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> geral <strong>de</strong> nossos<br />

sentimentos em relação aos pacientes. A lição era que <strong>um</strong>a forte atração <strong>por</strong> <strong>um</strong> paciente com <strong>um</strong><br />

histórico repeti<strong>do</strong> <strong>de</strong> tratamentos fracassa<strong>do</strong>s é <strong>um</strong> sinal perigoso <strong>–</strong> como as setas nas linhas<br />

paralelas. É <strong>um</strong>a ilusão <strong>–</strong> <strong>um</strong>a ilusão cognitiva <strong>–</strong> e me foi ensina<strong>do</strong> (Sistema 2) a reconhecê-la e ficar<br />

<strong>de</strong> sobreaviso para não acreditar nela nem agir com base nisso. E complementa o autor, (2011, p. 38-<br />

39): “A pergunta que se faz com mais frequência sobre ilusões cognitivas é se elas po<strong>de</strong>m ser<br />

<strong>do</strong>minadas. A mensagem <strong>de</strong>sses exemplos não é encoraja<strong>do</strong>ra. Como o Sistema 1 opera<br />

automaticamente e não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sliga<strong>do</strong> a seu bel prazer, erros <strong>do</strong> pensamento intuitivo muitas<br />

vezes são difíceis <strong>de</strong> prevenir. Os vieses nem sempre po<strong>de</strong>m ser evita<strong>do</strong>s, pois o Sistema 2 talvez<br />

não ofereça pista alg<strong>um</strong>a sobre o erro. Mesmo quan<strong>do</strong> dicas para prováveis erros estão disponíveis,<br />

estes só po<strong>de</strong>m ser preveni<strong>do</strong>s <strong>por</strong> meio <strong>do</strong> monitoramento acentua<strong>do</strong> e da ativida<strong>de</strong> diligente <strong>do</strong><br />

Sistema 2. Como <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> viver sua vida, <strong>por</strong>ém, vigilância continua não sen<strong>do</strong> necessariamente<br />

<strong>um</strong> bem, e certamente impraticável. Questionar constantemente nosso próprio pensamento seria<br />

impossivelmente tedioso, e o Sistema 2 é vagaroso e ineficiente <strong>de</strong>mais para servir como substituto<br />

para o Sistema 1 na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões rotineiras. O melhor que po<strong>de</strong>mos fazer é <strong>um</strong> acor<strong>do</strong>:<br />

apren<strong>de</strong>r a reconhecer situações em que os enganos são prováveis e se esforçar mais para evitar<br />

enganos significativos quan<strong>do</strong> há muita coisa em jogo (KAHNEMAN, Daniel. Rápi<strong>do</strong> e <strong>de</strong>vagar: duas<br />

formas <strong>de</strong> pensar; tradução Cassio <strong>de</strong> Arantes Leite. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Objetiva, 2012, p. 38)”.


409<br />

Entre o encurrala<strong>do</strong> e o estreito funil da previsibilida<strong>de</strong> e da garantia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

Justiça simétrica, as regras <strong>do</strong> Direito “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> como o judiciário vai<br />

interpretar”, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> como “O juiz vai enten<strong>de</strong>r”, “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>do</strong> contexto e da<br />

situação em concreto”, mesmo quan<strong>do</strong> as situações em concreto guardavam o<br />

mesmo padrão <strong>de</strong> problema outrora enfrenta<strong>do</strong> e consolida<strong>do</strong>, ou seja, a simetria em<br />

última instância sempre se apresentou incompleta.<br />

Po<strong>de</strong>-se inferir que essa situação é proposital, dada a natureza h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>/juiz, até <strong>por</strong>que o próprio judiciário em <strong>de</strong>núncia espontânea se auto<strong>de</strong>clara<br />

<strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> seus representantes quase que unissonamente em verbalizar que<br />

“o Po<strong>de</strong>r Judiciário não é neutro...” corrobora o risco <strong>do</strong> ativismo judicial no resulta<strong>do</strong><br />

na Justiça. Segun<strong>do</strong> Kahneman (2011, p. 58), a condição biológica h<strong>um</strong>ana é <strong>um</strong><br />

indica<strong>do</strong>r limitante da capacida<strong>de</strong> cognitiva:<br />

Uma <strong>de</strong>monstração perturba<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong> esgotamento no julgamento<br />

foi relatada recentemente nos Proceeding of National Aca<strong>de</strong>my of Science.<br />

Os participantes inadverti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> eram oito juízes da condicional em<br />

Israel. Eles passam dias inteiros revisan<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> condicional. Os<br />

casos são apresenta<strong>do</strong>s em or<strong>de</strong>m aleatória, e os juízes <strong>de</strong>dicam pouco<br />

tempo a cada <strong>um</strong>, n<strong>um</strong>a média <strong>de</strong> seis minutos. (A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>fault é a<br />

rejeição da condicional; apenas 35% <strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s são aprova<strong>do</strong>s. O tempo<br />

exato <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>cisão é registra<strong>do</strong>, e os perío<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s três intervalos para<br />

as refeições <strong>do</strong>s juízes <strong>–</strong> a pausa da manhã, o almoço e o lanche da tar<strong>de</strong> <strong>–</strong><br />

durante o dia também são registra<strong>do</strong>s.) Os autores <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> fizeram <strong>um</strong><br />

gráfico da pro<strong>por</strong>ção <strong>de</strong> pedi<strong>do</strong>s aprova<strong>do</strong>s em relação ao tempo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

última pausa para refeição. A pro<strong>por</strong>ção conhece picos após cada refeição,<br />

quan<strong>do</strong> cerca <strong>de</strong> 65% <strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s são concedi<strong>do</strong>s. Durantes as duas<br />

horas, mais ou menos, até a refeição seguinte <strong>do</strong>s juízes, a taxa <strong>de</strong><br />

aprovação cai regularmente, até chegar perto <strong>de</strong> zero pouco antes da<br />

refeição. Como era <strong>de</strong> se esperar, esse é <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> in<strong>de</strong>sejável e os<br />

autores verificaram cuida<strong>do</strong>samente muitas explicações alternativas. A<br />

melhor explicação possível <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s é <strong>um</strong>a má notícia: juízes cansa<strong>do</strong>s e<br />

com fome ten<strong>de</strong>m a incorrer mais fácil posição <strong>de</strong>fault <strong>de</strong> negar pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

condicional. Tanto o cansaço como a fome provavelmente <strong>de</strong>sempenham<br />

<strong>um</strong> papel.


410<br />

Dos trabalhos <strong>de</strong> Kahneman 269 é possível inferir que a complexida<strong>de</strong> orgânica<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz e to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais fatores que compõem seu sistema psicológico e<br />

neurológico o fazem representante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a máquina <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s incertos cuja<br />

<strong>de</strong>cisão a cada caso po<strong>de</strong> ser influenciada <strong>por</strong> variáveis visíveis e invisíveis que <strong>de</strong><br />

cada resulta<strong>do</strong> em última instância tem-se <strong>um</strong>a incógnita.<br />

A aceitação da limitação cognitiva não é <strong>um</strong>a aceitação pacífica na espécie<br />

h<strong>um</strong>ana, existe sempre <strong>um</strong>a reação incom<strong>um</strong> como esclarece Kahneman (2011, p.<br />

68):<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que temos acesso limita<strong>do</strong> às operações <strong>de</strong> nossas mentes é<br />

difícil <strong>de</strong> aceitar <strong>por</strong>que, naturalmente, é estranha a nossa experiência, mas<br />

é verda<strong>de</strong>ira: você sabe muito menos sobre si mesmo <strong>do</strong> que sente saber.<br />

Opriming é <strong>um</strong> estimulo que revela que as ações e as emoções têm<br />

influência <strong>por</strong> eventos capta<strong>do</strong>s pela consciência sem a clara<br />

percepção.Como na consciência nascem as i<strong>de</strong>ias, estas acabam sen<strong>do</strong><br />

influenciadas geran<strong>do</strong> ações, efeito este <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> i<strong>de</strong>omotor, o qual<br />

reflete a forma como agimos em <strong>de</strong>corrência das informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s<br />

que recebemos. 270<br />

Somos influencia<strong>do</strong>s a aceitar com maior facilida<strong>de</strong> o que nos faz felizes,<br />

somente após a aceitação <strong>do</strong> que será submeti<strong>do</strong> à verificação, o que significa dizer<br />

que tais características <strong>de</strong>monstram que a conclusão se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> forma precipitada.<br />

269<br />

“Essa complexa configuração <strong>de</strong> reações ocorreu <strong>de</strong> forma rápida, automática e fácil. Você não<br />

<strong>de</strong>sejou e não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>tê-la. Foi <strong>um</strong>a operação <strong>do</strong> Sistema 1. Os eventos que tiveram lugar como<br />

resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> você ver as palavras aconteceram <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo chama<strong>do</strong> ativação associativa:<br />

i<strong>de</strong>ias que foram evocadas disparam muitas outras i<strong>de</strong>ias, n<strong>um</strong>a cascata crescente <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> em<br />

seu cérebro. O traço essencial <strong>de</strong>ssa série complexa <strong>de</strong> eventos mentais é a coerência. Cada<br />

elemento está conecta<strong>do</strong>, e cada <strong>um</strong> apoia e fortalece os outros. A palavra evoca lembranças, que<br />

evocam emoções, que <strong>por</strong> sua vez evocam expressões faciais e outras reações, tais como <strong>um</strong><br />

a<strong>um</strong>ento geral <strong>de</strong> tensão e <strong>um</strong>a tendência a evitar algo. A expressão facial e o gesto <strong>de</strong> evitar<br />

intensificam os sentimentos aos quais estão liga<strong>do</strong>s, e os sentimentos <strong>por</strong> sua vez reforçam i<strong>de</strong>ias<br />

compatíveis. Tu<strong>do</strong> isso acontece rapidamente e tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vez, geran<strong>do</strong> <strong>um</strong> padrão autorreforça<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> reações cognitivas, emocionais e físicas que são ao mesmo tempo diversas e integradas <strong>–</strong> isso é<br />

chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> associativamente coerente (KAHNEMAN, Daniel. Rápi<strong>do</strong> e <strong>de</strong>vagar: duas formas <strong>de</strong><br />

pensar; tradução Cassio <strong>de</strong> Arantes Leite. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Objetiva, 2012, p. 67)”.<br />

270<br />

No campo da conclusão precipitada <strong>–</strong> Kahneman: “Tirar conclusões precipitadas com base em<br />

evidência limitada é tão im<strong>por</strong>tante para a compreensão <strong>do</strong> pensamento intuitivo, e aparece com<br />

tanta frequência neste livro, que vou usar <strong>um</strong>a abreviatura <strong>de</strong>sajeitada para isso: WYSIATI, as iniciais<br />

<strong>de</strong> what you see is all there is, ou “o que você vê é tu<strong>do</strong> que há”. O Sistema 1 é radicalmente<br />

insensível tanto à qualida<strong>de</strong> como à quantida<strong>de</strong> da informação que origina as impressões e intuições<br />

(KAHNEMAN, Daniel. Rápi<strong>do</strong> e <strong>de</strong>vagar: duas formas <strong>de</strong> pensar; tradução Cassio <strong>de</strong> Arantes Leite.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro. Objetiva, 2012, p. 112)”.


411<br />

Nesse contexto, ainda é <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar com apoio no mesmo ensinamento<br />

que a coerência da evidência leva à confiança da <strong>de</strong>cidibilida<strong>de</strong> segun<strong>do</strong><br />

Kahneman. 271<br />

Parafrasean<strong>do</strong> H<strong>um</strong>phrey (1976), a forma como o homem se exterioriza para<br />

o mun<strong>do</strong> dá-se <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> fluxo da consciência, <strong>um</strong>a ficção<br />

contem<strong>por</strong>ânea na tentativa <strong>de</strong> materializar-se o funcionamento psicológico da<br />

mente.<br />

É na fase preverbal que a consciência individual é influenciada, conduzin<strong>do</strong> a<br />

mente associativa na direção moldada pela ditadura da técnica <strong>do</strong> meio on<strong>de</strong><br />

topograficamente esse ser se encontra.<br />

A fala que se propõe a dialogar com o mun<strong>do</strong> é o <strong>de</strong>snudamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a fase<br />

psíquica que se faz evi<strong>de</strong>nte <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> fluxo da consciência. A percepção <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> logo dá ao homem condições <strong>de</strong> saber que, <strong>de</strong>ntre as espécies, sua<br />

condição é <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong> como os <strong>de</strong>mais, segun<strong>do</strong> Assagioli (1973, p. 7).<br />

Notaria logo o homem, não obstante o impotente grau <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio sobre a<br />

natureza, que possui <strong>um</strong> controle muito limita<strong>do</strong> sobre o seu interior.<br />

Perceberia que esse mágico mo<strong>de</strong>rno, capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>scer ao fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> oceano<br />

e <strong>de</strong> projetar-se até a lua, é, em larga medida, ignorante <strong>do</strong> que se passa<br />

nas profun<strong>de</strong>zas <strong>do</strong> próprio inconsciente e incapaz <strong>de</strong> se elevar aos<br />

l<strong>um</strong>inosos níveis da supraconsciência, tornan<strong>do</strong>-se cônscio <strong>de</strong> seu próprio<br />

self. Verificar-se-ia que esse pretenso semi<strong>de</strong>us que controla gran<strong>de</strong>s forças<br />

elétricas com o mover <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong><strong>do</strong> e inunda o ar <strong>de</strong> sons e imagens para<br />

divertimento <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> pessoas <strong>–</strong> é incapaz <strong>de</strong> lidar com as próprias<br />

emoções, impulsos e <strong>de</strong>sejos.<br />

Avalian<strong>do</strong> a forma dada às repartições ou às partes da estrutura estatal,<br />

torna-se perceptível que em alguns cargos ou funções ou no caso <strong>do</strong> homem/Juiz no<br />

exercício <strong>de</strong> suas atribuições o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> que o legitima tem como base reciprocida<strong>de</strong>s<br />

totalizantes <strong>do</strong> positivismo <strong>um</strong>a imposição que estaria em tese ou dan<strong>do</strong> a ele,<br />

durante longos séculos, <strong>um</strong> “<strong>po<strong>de</strong>r</strong>” acima <strong>de</strong> qualquer questionamento.<br />

271<br />

“Os participantes tinham plena consciência <strong>do</strong> arranjo, e os que escutavam apenas <strong>um</strong> la<strong>do</strong><br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam facilmente ter produzi<strong>do</strong> o arg<strong>um</strong>ento para o outro la<strong>do</strong>. Entretanto, a apresentação <strong>de</strong><br />

evidência unilateral tinha <strong>um</strong> efeito bem pronuncia<strong>do</strong> nos veredictos. Além <strong>do</strong> mais, os participantes<br />

que viam evidência unilateral mostravam maior confiança com seus veredictos <strong>do</strong> que aqueles que<br />

viam ambos os la<strong>do</strong>s. Isso é exatamente o que seria <strong>de</strong> se esperar se a confiança que as pessoas<br />

sentem é <strong>de</strong>terminada pela coerência da história que conseguem construir a partir da informação<br />

disponível. É a consistência da informação que im<strong>por</strong>ta para <strong>um</strong>a boa história, não sua completu<strong>de</strong>,<br />

na verda<strong>de</strong>, você vai <strong>de</strong>scobrir que saber pouco torna mais fácil ajustar tu<strong>do</strong> que você sabe em <strong>um</strong><br />

padrão coerente (KAHNEMAN, Daniel. Rápi<strong>do</strong> e <strong>de</strong>vagar: duas formas <strong>de</strong> pensar; tradução Cassio<br />

<strong>de</strong> Arantes Leite. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Objetiva, 2012, p. 113)”.


412<br />

Estratégia ou não, seja <strong>por</strong>que o Esta<strong>do</strong> não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia multiplicar-se para ser<br />

<strong>um</strong> ator julga<strong>do</strong>r, então <strong>um</strong> <strong>do</strong>s seus dias <strong>de</strong> criação assim verbalizou: tu serás o<br />

juiz, terás <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, julgarás em meu nome os seus semelhantes que são os meus<br />

súditos, mas que se curvarão às tuas <strong>de</strong>terminações <strong>de</strong>cisórias, <strong>por</strong>que eu te<br />

legitimo.<br />

As circunstâncias das razões da época se justificaram como <strong>um</strong> modus <strong>de</strong><br />

organização para cessar a instabilida<strong>de</strong> diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar à socieda<strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> regramento racionaliza<strong>do</strong>r ao seu mo<strong>de</strong>lo com<strong>por</strong>tamental social, ou seja, pela<br />

razão <strong>de</strong> transição em busca <strong>de</strong> estabelecer metas ao <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

socieda<strong>de</strong> para a travessia até as terras da emancipação e da tecnologização da<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

A questão é que a limitada condição h<strong>um</strong>ana fez <strong>de</strong>sse ator <strong>um</strong> mal-estar<br />

para a h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, visto que sua limitada compreensão o faz ser <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sequilíbrio social.<br />

Isso acontece <strong>por</strong>que mais <strong>do</strong> que tiranizar as condições psicológicas <strong>do</strong><br />

sistema <strong>cognitivo</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> profissional que é <strong>de</strong>manda<strong>do</strong> <strong>por</strong> algo <strong>de</strong> cujo<br />

papel sequer tem claramente consciência, é primordial que seja avalia<strong>do</strong> em que<br />

condições é gera<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema judiciário <strong>de</strong> Justiça, em que se tutelam<br />

as limitações simbolizadas pela soberania <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>.<br />

Nesse contrassenso histórico, antes <strong>de</strong> ingressarmos em seus <strong>por</strong>menores é<br />

preciso enten<strong>de</strong>r as generalida<strong>de</strong>s, ou seja, a compreensão <strong>de</strong>las, para se concluir<br />

pelas limitações daqueles, para isso, exige-se que se faça <strong>um</strong>a incursão em <strong>um</strong>a<br />

compreensão mais ampla <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>cognitivo</strong> <strong>do</strong> sistema judiciário.<br />

As dificulda<strong>de</strong>s presentes sinalizam para a existência <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s não<br />

somente no atual estágio da vida social, mas também <strong>do</strong>s problemas oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />

sacrifícios aos quais o indivíduo fora e é submeti<strong>do</strong> ante <strong>um</strong> racionalismo mal<br />

interpreta<strong>do</strong>, bem como <strong>do</strong> individualismo e <strong>do</strong> universalismo em que o mo<strong>de</strong>lo<br />

estatal se estabeleceu.<br />

A imposição coercitiva em que se consubstancializou o Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

transformou seu maior ator em <strong>um</strong> repressor da coletivida<strong>de</strong> individual <strong>do</strong>s auxiliares<br />

da Justiça e <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>stinatários, pelas razões já esposadas.


413<br />

No anseio <strong>de</strong> im<strong>por</strong> as regras, a liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens foi sacrificada e com<br />

ela sacrificadas a previsibilida<strong>de</strong> e a certeza jurídica embrionária da própria lei. Os<br />

homens foram afasta<strong>do</strong>s da emancipação e <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s a qualquer preço pela<br />

imposição racionaliza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> sistema judiciário.<br />

O pensamento cultiva<strong>do</strong> está para aceitar as condições estabelecidas sem<br />

contestar os mo<strong>de</strong>los apresenta<strong>do</strong>s. Na limitação das reações ao <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, o Po<strong>de</strong>r <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>/juiz encontra força para im<strong>por</strong> seu mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça e é nessas condições<br />

que o <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> encontra espaço para propagar-se, mesmo não aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

forma plena aos interesses da Justiça.<br />

Tu<strong>do</strong> isso acontece e se faz presente <strong>por</strong>que a razão h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />

das cognições, inclusive <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz, não é <strong>um</strong> tribunal pleno e capaz <strong>de</strong><br />

autoconhecer-se, a ponto <strong>de</strong> renunciar à sua vocação <strong>do</strong> ato <strong>de</strong>signatório <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir.<br />

Mesmo saben<strong>do</strong> que essa função está muito mais propensa a <strong>um</strong>a prestação<br />

insegura pela imprevisibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ação plenamente previsível, conforme<br />

ilustra citação extensa, mas propícia, extraída das lições <strong>de</strong> Rouanet. 272<br />

272<br />

“O racionalismo da psicanálise é muito especial. Ela tem a consciência <strong>de</strong> que os filósofos não<br />

tinham da precarieda<strong>de</strong> da razão. Ela sabe que, filogeneticamente, a razão é <strong>um</strong>a aquisição recente,<br />

<strong>um</strong>a recém-chegada no largo itinerário da hominização. Ontogeneticamente, a razão é <strong>um</strong> simples<br />

verniz na superfície <strong>do</strong> córtex, associa<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> funcionamento da vida psíquica a <strong>do</strong>is<br />

processos, secundários, reino da energia ligada on<strong>de</strong> se dão as ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> pensamento que<br />

“<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>m” diretamente <strong>de</strong> outras esferas, a <strong>do</strong>is processos primários, cal<strong>de</strong>irão <strong>de</strong> bruxas em que<br />

a energia livre <strong>do</strong>mina os entraves. A razão é orientada pelo princípio da realida<strong>de</strong>, mas também este<br />

é <strong>um</strong>a simples metamorfose <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> prazer, a substituição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>scarga imediata, mas<br />

disfuncional <strong>por</strong> <strong>um</strong>a gratificação diferida, mas segura. Em termos tópicos, a razão é a ativida<strong>de</strong> <strong>por</strong><br />

excelência <strong>do</strong> ego, mas o próprio ego está em parte sujeito aos processos primários, só em parte o<br />

ego opera conscientemente, enquanto se<strong>de</strong> <strong>do</strong>s mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. O trabalho <strong>do</strong> ego é quase<br />

sempre inconsciente. O ego po<strong>de</strong> ser a <strong>de</strong>srazão a serviço da razão, como ocorre mais<br />

especificamente em mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa como a racionalização e intelectualização, e como se dá<br />

na resistência à terapia pela qual o ego tem a responsabilida<strong>de</strong> principal. A própria <strong>inteligência</strong> crítica,<br />

atributo mais alto da razão, po<strong>de</strong> ser mobilizada pelo ego em sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acha<strong>do</strong> da <strong>do</strong>ença, a<br />

relação clínica ass<strong>um</strong>e então o aspecto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a luta entre a razão terapêutica e a razão <strong>de</strong> <strong>um</strong> ego<br />

que mobiliza toda a sua capacida<strong>de</strong> crítica para entrincheirar-se em sua patologia. O mesmo ego<br />

inconsciente que acionou dispositivos automáticos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> contra a cura, interpretan<strong>do</strong>a<br />

como o reaparecimento <strong>do</strong>s mesmos riscos contra os quais <strong>de</strong>flagra no passa<strong>do</strong> a <strong>de</strong>fesa. / O lugar<br />

da razão, ego não tem força necessária para executar sua tarefa. Ele se com<strong>por</strong>ta, <strong>de</strong> fato, como <strong>um</strong><br />

monarca constitucional, cuja sanção é necessária para que <strong>um</strong>a lei possa entrar em funcionamento,<br />

mas que hesita muito antes <strong>de</strong> vetar <strong>um</strong> projeto <strong>do</strong> parlamento. É em gran<strong>de</strong> parte <strong>um</strong> monarca<br />

nominal, cujos <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es são limita<strong>do</strong>s <strong>por</strong> três “formas”: a realida<strong>de</strong>, o superego e o id inscrito neste<br />

sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência, a ativida<strong>de</strong> intelectual <strong>do</strong> ego é necessariamente precária. É <strong>um</strong> ego<br />

somente <strong>um</strong>a parte consciente: <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o que <strong>de</strong>ve tornar consciente, <strong>um</strong> ego em parte<br />

irracional que resolve se é ou não racional transformar e em ação <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s impulsos; é <strong>um</strong> ego<br />

submeti<strong>do</strong> a pressões internas mais ou menos perturba<strong>do</strong>ras que têm <strong>de</strong> exercer sua função <strong>de</strong><br />

exploração da realida<strong>de</strong> exterior e, com base nas informações adquiridas, abrir ou fechar a barreira<br />

da consciência (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 2003, p. 104)”.


414<br />

Diante <strong>de</strong>ssa cartografia da cognição h<strong>um</strong>ana, é <strong>de</strong> suspeitar-se da<br />

precarieda<strong>de</strong>, é <strong>de</strong> conferirem-se <strong>limite</strong>s muitas vezes insuperáveis. A<br />

vulnerabilida<strong>de</strong> que envolve os processos que essa estrutura, esse tribunal da razão<br />

habita os <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>ncia da condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir <strong>de</strong> forma segura sem que a<br />

mutabilida<strong>de</strong> possa influenciar o homem. Essa é <strong>um</strong>a das questões mais<br />

controversas, que tem revela<strong>do</strong> a insegurança jurídica <strong>do</strong>s tempos atuais.<br />

A condição psíquica h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong> consciente e <strong>do</strong> inconsciente é o que faz<br />

esse viajante <strong>do</strong> tempo ser <strong>um</strong> <strong>do</strong>s problemas para a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça<br />

edificada. A possibilida<strong>de</strong> a exposição <strong>de</strong> problemas da neurose o limita a ponto <strong>de</strong><br />

não ser o estereótipo fiel <strong>de</strong> algo perfeito, pleno, completo quanto à Excelência<br />

<strong>de</strong>sejada e <strong>por</strong> vezes exigida para seu tratamento.<br />

A limitação cognitiva é <strong>um</strong>a das condições para que a irracionalida<strong>de</strong> esteja<br />

mais presente <strong>do</strong> que ausente na vida h<strong>um</strong>ana, atribuin<strong>do</strong> à razão a suspeita <strong>de</strong> ser<br />

tão frágil e influenciável, como verbaliza Rouanet (2003, pag. 105):<br />

[...] Ten<strong>de</strong> à credibilida<strong>de</strong>: as leis <strong>do</strong> pensamento são monótonas, as<br />

comprovações empíricas requerem esforço, os prazeres vesti<strong>do</strong>s pela<br />

razão, são tenta<strong>do</strong>res a razão que nos recusa tantas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

prazer se converte em inimiga. O homem <strong>de</strong>scobre como é agradável<br />

escapar <strong>de</strong>la, pelo menos <strong>por</strong> alg<strong>um</strong> tempo ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> as seduções <strong>do</strong><br />

absur<strong>do</strong>.<br />

O risco da <strong>de</strong>cidibilida<strong>de</strong> justa está comprometi<strong>do</strong> pela limitação <strong>do</strong><br />

conhecimento e da experiência, além das influências que perfilham a razão <strong>do</strong><br />

homem. 273 Pelo elemento <strong>do</strong> “próprio interesse” tem-se a precarieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fins<br />

coletivos, visto que a individualida<strong>de</strong> é castra<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visão holística <strong>do</strong>s<br />

interesses comuns <strong>do</strong> coletivo.<br />

273<br />

Para Rouanet: “O único padrão racional suscetível <strong>de</strong> orientar a autorida<strong>de</strong> pública é o maior bem<br />

<strong>do</strong> maior número, e a única função <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r é maximizar a felicida<strong>de</strong> individual e coletiva, o que<br />

só po<strong>de</strong> ser alcança<strong>do</strong> se ele compreen<strong>de</strong>r a essência da psicologia h<strong>um</strong>ana, que é a busca <strong>do</strong><br />

próprio interesse.Essa condição <strong>do</strong> “próprio interesse” é pressuposto da condição da natureza <strong>do</strong><br />

homem; para alguns a condição <strong>do</strong> “próprio interesse” é elemento da psique h<strong>um</strong>ana, se essa se<br />

comprova o homem/Juiz não é imparcial ao ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir para outro na medida em que o “próprio<br />

interesse” é seu limita<strong>do</strong>r como prova evi<strong>de</strong>nte e sua irracional precarieda<strong>de</strong> (ROUANET, Sergio<br />

Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 129)”.


415<br />

A concepção rousseauniana <strong>de</strong> que o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> emana <strong>do</strong> povo e que a<br />

soberania é indivisível e in<strong>de</strong>legável é falaciosa, <strong>por</strong>que a exclusão marcada pelas<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, pela não efetiva participação e pelo “interesse próprio” jamais<br />

consagrará a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Democracia que não <strong>passo</strong>u e não passa da<br />

abstração. A Justiça pelo mo<strong>de</strong>lo que está moldada não ultrapassa os <strong>limite</strong>s <strong>do</strong><br />

abstracionismo.<br />

A vivência e a convivência em socieda<strong>de</strong> são mais <strong>do</strong> que fenômenos sociais,<br />

são condições sociais em que os indivíduos multiplica<strong>do</strong>s entre si encontram-se em<br />

<strong>um</strong> esta<strong>do</strong> social <strong>de</strong> regras e condutas. Tal como outras formas <strong>de</strong> vida, a<br />

comunida<strong>de</strong> se apresenta como estrutura <strong>do</strong> relacionamento estruturante e<br />

estrutura<strong>do</strong>.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura e, consequentemente, a sua<br />

falibilida<strong>de</strong>, é possível que seu rompimento para a constituição <strong>de</strong> <strong>um</strong> outra seja <strong>um</strong>a<br />

hipótese <strong>de</strong>fensável no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> operacionalização.<br />

Também o conceito <strong>de</strong> lei e Justiça em que exista <strong>um</strong>a participação com<strong>um</strong><br />

entre os interessa<strong>do</strong>s, pela substituição, a partir da <strong>de</strong>sconstrução e da reconstrução<br />

<strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> lei e da Justiça, representa <strong>um</strong> da<strong>do</strong> positivo, conferin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a<br />

comunicação estável e <strong>um</strong>a funcionalida<strong>de</strong> provável.<br />

Outrossim, sua meto<strong>do</strong>logização em linguagem <strong>de</strong> sistema possibilita a<br />

padronização das formas e sua eficiência mediada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong> da<br />

aplicabilida<strong>de</strong>.<br />

Isso não afasta que a subjetivida<strong>de</strong> e pessoalida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>scobertas<br />

realizadas pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana não sejam objetivadas, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a <strong>um</strong> padrão<br />

legal <strong>de</strong> consensualida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

Sen<strong>do</strong> <strong>um</strong>a das principais características <strong>de</strong> que sua legalida<strong>de</strong> e sua<br />

legitimida<strong>de</strong> evitem a <strong>de</strong>sobediência ao seu c<strong>um</strong>primento pelos imprevistos da<br />

mutabilida<strong>de</strong> incessante em que a socieda<strong>de</strong> se assenta, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> sua<br />

dificulda<strong>de</strong> cognitiva em integrar, unificar e padronizar da<strong>do</strong>s e informações.<br />

Dar estabilida<strong>de</strong> à previsibilida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> cenários <strong>do</strong> Direito é o mesmo<br />

que reenquadrar as ações sociais em mo<strong>de</strong>los preestabeleci<strong>do</strong>s e condiciona<strong>do</strong>s às<br />

regras e às condições preestabelecidas.<br />

Aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> com isso a <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong> lógica diferente, que se dissua<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los passa<strong>do</strong>s, o que fundamenta a exigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> que<br />

compreenda <strong>um</strong>a compatibilida<strong>de</strong> entre a relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, Direito e Justiça.


416<br />

Com isso, a objetivida<strong>de</strong> universal recebe <strong>um</strong>a característica sistêmica <strong>de</strong><br />

administração racionalizada nas leis em seu senti<strong>do</strong> puro, afastan<strong>do</strong> também <strong>por</strong><br />

esse aspecto da racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana quan<strong>do</strong> da aplicação da lei, ou seja,<br />

suspen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a interpretação <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito que não necessita mais <strong>de</strong> interpretação,<br />

mas simplesmente <strong>de</strong> aplicação ao caso concreto.<br />

O mo<strong>de</strong>lo da Justiça judiciária em rota <strong>de</strong> ruptura é <strong>um</strong>a típica representação<br />

<strong>do</strong> que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> “velho aparelho judiciário”. Essa <strong>de</strong>finição não se<br />

acoberta com as simples e às vezes profundas tentativas <strong>de</strong> dar-lhe eficiência em<br />

agilida<strong>de</strong> e eficácia. O problema é estrutural, é das partes mais singelas às mais<br />

complexas aquelas em que encontramos sinais <strong>de</strong> falência, como bem ilustra<br />

Rouanet (2003, p 153):<br />

[...] os parlamentos representam todas as irracionalida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> velho aparelho<br />

judiciário, com sua processualística ineficiente, as <strong>de</strong>moras intermináveis no<br />

julgamento das causas, o uso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> cost<strong>um</strong>eiro, a não<br />

pro<strong>por</strong>cionalida<strong>de</strong> entre a pena e a culpa, e práticas <strong>de</strong> apuração <strong>do</strong>s fatos,<br />

como a tortura, que só excepcionalmente podiam levar à <strong>de</strong>scoberta da<br />

verda<strong>de</strong>.<br />

O problema posto é que esta normativida<strong>de</strong> expõe, ou melhor, <strong>de</strong>screve <strong>um</strong>a<br />

situação que perdura há mais ou menos 300 anos; são mais ou menos 15 gerações<br />

sustentan<strong>do</strong>-se na concepção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a falsa Justiça.<br />

Um <strong>do</strong>s maiores problemas a se consi<strong>de</strong>rar na situação <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> não é<br />

a <strong>de</strong>sfuncionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema da Justiça judiciária, mas o que isso representa em<br />

retrocesso no processo <strong>de</strong> aceitação <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>.<br />

O alarme científico é objetivo, a ciência não <strong>de</strong>scansa, ela envereda<br />

madrugada a<strong>de</strong>ntro, dias a fio sem pestanejar, é no lampejo <strong>do</strong>s insights que as<br />

i<strong>de</strong>ias são <strong>de</strong>scobertas.<br />

A limitação da cognição h<strong>um</strong>ana, como <strong>um</strong> problema na natureza h<strong>um</strong>ana, é<br />

o dato <strong>de</strong> não retirar o atributo <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>,<br />

“<strong>inteligência</strong> da <strong>de</strong>scoberta”.<br />

Questiona-se sua estrutura dinâmica, sua fragilida<strong>de</strong>, sua limitação<br />

integrativa, unifica<strong>do</strong>ra e uniformiza<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> processabilida<strong>de</strong>, todavia permite-se que<br />

essa reconheça outras formas cognitivas que possam ampliá-la, conduzi-la e<br />

trans<strong>por</strong>tá-la para outros níveis <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong>, permitin<strong>do</strong> o avanço <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento da espécie h<strong>um</strong>ana.


417<br />

Valen<strong>do</strong>-se da concepção khuniana <strong>do</strong> estágio da ciência normal, nota-se que<br />

to<strong>do</strong>s os eventos e os acontecimentos históricos, toda a inflação legislativa <strong>do</strong><br />

sistema apenas buscam no tempo salvar o atual mo<strong>de</strong>lo.<br />

No entanto as anomalias marcam não somente o surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ciência<br />

extraordinária que simboliza <strong>novo</strong>s mo<strong>de</strong>los, novas formas, como registra a latência<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a ruptura diante da insustentabilida<strong>de</strong> marcada pelo caos (perío<strong>do</strong><br />

revolucionário) pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pelo <strong>paradigma</strong> atual.<br />

A história já sinalizava à época da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fusão, para os tempos<br />

futuros, como já se constata nos dias hoje, <strong>do</strong>s tempos atuais, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o<br />

sistema normativo possa espelhar fielmente a opinião social asfixiada, como bem<br />

ilustra Rouanet . 274<br />

Dessa maneira, caso se consi<strong>de</strong>re que o sistema judiciário é <strong>um</strong> órgão<br />

representante <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Justiça, sua realização <strong>de</strong> Justiça ainda não se realizou<br />

completamente, dada a forma como sua estrutura pro<strong>por</strong>ciona a entrega das<br />

soluções <strong>do</strong>s conflitos.<br />

O progresso em <strong>um</strong>a concepção mo<strong>de</strong>rna é evi<strong>de</strong>nte, talvez não existente, no<br />

senti<strong>do</strong> positivo da efetivida<strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, o homem não tem a Justiça que<br />

busca, o resulta<strong>do</strong> que seu meio contempla sem autonomia e sem ter condições <strong>de</strong><br />

conquistá-lo, vive daquilo que o sistema positivo posto enten<strong>de</strong> como melhor.<br />

O Esta<strong>do</strong>/Juiz como preposto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na <strong>de</strong>signação da Justiça judiciária é<br />

<strong>um</strong> representante <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong> incerta, visto que o Esta<strong>do</strong> somente reconhece<br />

gran<strong>de</strong> parte das Justiças distribuídas <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões e que às<br />

vezes não acontece.<br />

274<br />

“A diferença entre “opinião pública” e “opinião <strong>do</strong> povo” consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a primeira como <strong>um</strong>a fonte<br />

<strong>de</strong> progresso e a segunda como bárbara e retrógrada, não é central para o conceito ilustra<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

opinião pública, e foi Kant que apontou o caminho para a dissolução <strong>de</strong>ssa antítese. “Falta ainda<br />

muito, no ponto em que entre estão as coisas; para que os seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s toma<strong>do</strong>s em conjunto já<br />

estejam em condições [...] <strong>de</strong> utilizar com proveito e discernidamente sua própria razão sem o socorro<br />

<strong>do</strong>s outros”. Nessa formulação, Kant não está traçan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a barreira <strong>de</strong> <strong>direito</strong> entre “público” e<br />

“popular”, mas reconhecen<strong>do</strong> a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a fronteira <strong>de</strong> fato, no “ponto em que estão as<br />

coisas”. Barreira transitória, superável, cuja remoção está na lógica da ilustração e cujo<br />

<strong>de</strong>saparecimento leva a coincidência entre o “público leitor” e “socieda<strong>de</strong> civil universal”. O século que<br />

testemunhar essa fusão não será apenas em zeitaltr <strong>de</strong>r aufklamung, mas também <strong>um</strong><br />

aufgeklarteszeitspter (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São<br />

Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 165)”.


418<br />

Isso também contribui para que a socieda<strong>de</strong> se posicionasse na sombra da<br />

reflexão e se <strong>de</strong>senvolvesse para encontrar, em sua maturida<strong>de</strong>, autonomia para<br />

avaliar e conscientizar-se sobre o reconhecimento <strong>de</strong> seus erros e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

suas correções, ten<strong>do</strong> busca<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a jurisdição substitutiva <strong>por</strong> intermédio das<br />

conciliações, mediações, arbitragens e outros meios.<br />

O Esta<strong>do</strong> apequena-se frente à sua falência recursal (substancialida<strong>de</strong><br />

procedimental), relegan<strong>do</strong> ao indivíduo o <strong>direito</strong> subjetivo <strong>de</strong> obter respostas<br />

objetivas e diretas às suas responsabilida<strong>de</strong>s essenciais, <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<br />

prover, quan<strong>do</strong> indaga<strong>do</strong> sobre a possibilida<strong>de</strong>:<br />

O conceito <strong>de</strong> Direito e Justiça aten<strong>de</strong> à racionalida<strong>de</strong> da lógica social<br />

vigente?<br />

<br />

<br />

<br />

É possível fazer Justiça a partir <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo vigente?<br />

É possível atingir a Justiça a partir <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> processo civil existente,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o homem/Juiz como instr<strong>um</strong>ento central operacional para<br />

esse pontifica<strong>do</strong>?<br />

Qual o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong> processual se exige para que se<br />

possa atingir a Justiça?<br />

Semelhantes questões e outras po<strong>de</strong>m ser reconhecidas como mo<strong>de</strong>los<br />

extraordinários, <strong>paradigma</strong>s que estão se constituin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> sistema, <strong>por</strong>ém são mo<strong>de</strong>los que ainda não se parecem fortes o<br />

suficiente para romper com o vigente.<br />

Aponta-se, nesse senti<strong>do</strong>, que a implantação da tecnologia, no sistema<br />

judiciário, representa <strong>um</strong>a mudança <strong>de</strong> linguagem, forma e mo<strong>do</strong> organizacional no<br />

acompanhamento das novas tendências.<br />

Entretanto não surpreen<strong>de</strong> que o reconhecimento <strong>do</strong> <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> no ato <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cidir, <strong>do</strong> <strong>limite</strong> estrutural esteja em rota constante <strong>de</strong> conscientização para<br />

trans<strong>por</strong> a lei em <strong>um</strong>a linguagem sistêmica e pragmática a serviço da <strong>de</strong>cisão.<br />

É algo que aponta para <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> entrega <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s: a<br />

aglutinação e a con<strong>de</strong>nsação das questões apresentadas sinalizam para <strong>um</strong>a<br />

ruptura <strong>do</strong> sistema judiciário. É óbvio que isso exigirá <strong>um</strong>a responsabilida<strong>de</strong> maior<br />

<strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> e será cobra<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma estrutural.


419<br />

Padronizar é caminhar para o universalizar. Já há tempos que a tecnologia se<br />

apresenta em substituição <strong>do</strong> homem pelo homem. As máquinas fazem veículos,<br />

trans<strong>por</strong>tam-nos nos ares, operam <strong>do</strong>enças, realizam exames, diagnosticam<br />

catástrofes <strong>de</strong>ntre outras realizações.<br />

Isso <strong>por</strong>que foi da<strong>do</strong> a elas o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> treinamento, ou melhor, foram<br />

programadas pelos homens a partir <strong>de</strong> convenções subjetivas, promovidas <strong>por</strong> suas<br />

<strong>de</strong>scobertas, valoradas e objetivadas <strong>de</strong> forma consensual pela comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pesquisa<strong>do</strong>res.<br />

Aliás, toda forma <strong>de</strong> interferência e substitutibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong><br />

sistema <strong>de</strong>monstra mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong> simples poupar-se, é constata<strong>do</strong>r <strong>de</strong> sua<br />

limitada capacida<strong>de</strong> cognitiva.<br />

Isso significa que não se revela impossível estabelecer parâmetros a partir <strong>de</strong><br />

contextos da expressão <strong>do</strong> homem em socieda<strong>de</strong>, mo<strong>de</strong>los que possam<br />

tecnologicamente, a partir <strong>de</strong> conceitos preestabeleci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma universal<br />

reconhecer ou não <strong>um</strong> Direito para cada contexto, evitan<strong>do</strong> assim a influência<br />

subjetiva <strong>do</strong> mito da imparcialida<strong>de</strong>, atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> relativismo<br />

meto<strong>do</strong>lógico.<br />

O procedimento pelo qual o pesquisa<strong>do</strong>r age como se to<strong>do</strong>s os elementos da<br />

cultura fossem váli<strong>do</strong>s, <strong>por</strong> mais que fora <strong>do</strong> contexto específico da pesquisa, leva-o<br />

ao risco <strong>de</strong> sustentar <strong>um</strong>a opinião oposta.<br />

Toda forma <strong>de</strong> interferência e substitutibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> sistema<br />

<strong>de</strong>monstra mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong> simples poupar-se, é constata<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> sua limitada<br />

capacida<strong>de</strong> cognitiva <strong>de</strong>vidamente provada e comprovada.<br />

A crise pro<strong>por</strong>cionada pelos <strong>limite</strong>s reflete naturalmente o surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

mudança ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça. 275<br />

275<br />

Conforme ilustra Minayo: “[...] na abordagem sistêmica, a visão <strong>de</strong> mudança se relaciona à crise e<br />

aponta para várias saídas. Segun<strong>do</strong> Prigogile (1991; 1984), à medida que surge <strong>um</strong>a crise e o<br />

sistema <strong>de</strong>ixa seu curso natural, escolhe outras alternativas disponíveis. Nesse ponto <strong>de</strong> bifurcação<br />

provoca<strong>do</strong> pela crise, são produzidas mudanças quantitativas e qualitativas. Mas o r<strong>um</strong>o <strong>de</strong>ssas<br />

transformações é em princípio imprevisível, pois existem várias possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolhas<br />

disponíveis nos sistemas complexos. As escolhas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s sistemas complexos são opostas às<br />

variáveis visíveis e invisíveis, no entanto, no caso <strong>do</strong>s sistemas legais, se constata com frequência<br />

que as ditaduras das culturas que refletem na qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> produto social <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> inflexibiliza e<br />

inviabiliza a institucionalização <strong>de</strong> sistemas ten<strong>de</strong>ntes a universalizar as culturas que implicam<br />

práticas diversas no tratamento <strong>de</strong> situações semelhantes na aplicação <strong>do</strong> Direito. Essa forma <strong>de</strong><br />

tratamento tribaliza o Direito no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver o homem mo<strong>de</strong>rno às escuras nas entranhas<br />

da caverna <strong>de</strong> Platão; aceitar essa condição é reconhecer a relativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito, ou simplesmente<br />

meio Direito, <strong>por</strong> essa razão que dada a dimensão intercontinental <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> “Brasileiro” mesmo <strong>de</strong><br />

posse <strong>de</strong> <strong>um</strong> diploma nacional a compreensão, a interpretação e a <strong>de</strong>cisão são expectativas incertas


420<br />

Constata-se disso <strong>um</strong>a concepção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visão clássica <strong>do</strong> positivismo que<br />

acredita ter em seu <strong>do</strong>mínio ausência <strong>de</strong> ambiguida<strong>de</strong>, imprecisão e<br />

mensurabilida<strong>de</strong>, no entanto, não o consegue, na medida em que essas<br />

expectativas são criadas <strong>por</strong> atores que julgam realizar suas ações sob a égi<strong>de</strong> da<br />

neutralida<strong>de</strong> e da objetivida<strong>de</strong> das leis.<br />

O que não acontece da<strong>do</strong> o seu ativismo intenso no intuito <strong>de</strong> influir no<br />

contexto social. A supremacia <strong>de</strong>ssa soberba racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem mo<strong>de</strong>rno, que<br />

se posiciona como soberano, tem sua maior representativida<strong>de</strong> questionável, como<br />

verbaliza Minayo (2010, p. 120-121):<br />

Tanto Lukács como Goldman não compartilham <strong>do</strong> racionalismo à moda<br />

<strong>do</strong>s séculos XVIII e XIX e vigente ainda na atualida<strong>de</strong>, para quem a razão é<br />

a única instância <strong>do</strong> conhecimento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> em que sensações,<br />

sentimentos, experiência, i<strong>de</strong>ia e imaginação seriam <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a papéis<br />

subordina<strong>do</strong>s ou mesmo engana<strong>do</strong>res na hierarquia <strong>do</strong> material específico<br />

para estu<strong>do</strong> das ciências sociais. As concepções teóricas <strong>de</strong>sses autores<br />

(Lukács, 1967) Goldman (1990), não admitem exagero da supremacia da<br />

razão, assim como <strong>do</strong> subjetivismo, pois atuam com a mútua relação <strong>de</strong><br />

interconexões entre fatores objetivos e subjetivos e entre instância material<br />

e espiritual em sua unida<strong>de</strong> dialética. Lucas crê que os conhecimentos<br />

produzi<strong>do</strong>s são apenas aproximações da dinâmica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> social e, <strong>por</strong><br />

isso mesmo são sempre relativos.<br />

Essa aproximação, <strong>por</strong> ser muito próxima da realida<strong>de</strong> externa <strong>do</strong> homem<br />

(faculda<strong>de</strong>s psicológicas <strong>do</strong> homem), recebe o status <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> objetiva absoluta,<br />

<strong>por</strong>ém não é <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> no senti<strong>do</strong> tautológico.<br />

A questão que sobressai ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça judiciária e que não se parecia<br />

evi<strong>de</strong>nte no início <strong>do</strong> século XX, mas que aos poucos veio à eclosão se <strong>de</strong>staca pelo<br />

não c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong>s propósitos i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s.<br />

Com a criação <strong>do</strong> constitucionalismo como sugestão <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>s<br />

propostos, advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s processos finais <strong>de</strong> colonização, mo<strong>de</strong>los imperialistas,<br />

fascistas e ditatoriais, em muitos Esta<strong>do</strong>s se concretizou parcialmente, sen<strong>do</strong> o<br />

problema da Justiça <strong>um</strong> <strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>res.<br />

A pressão existente consiste na forma operacional que se dá ou como se<br />

forma; a estrutura <strong>do</strong> funcionamento <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> leis valida a insatisfação<br />

aliançada na falta <strong>de</strong> confiança <strong>do</strong> sistema judiciário.<br />

(MINAYO, Maria Cecília <strong>de</strong> Souza. O <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> conhecimento: pesquisa qualitativa em saú<strong>de</strong>. 12<br />

ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 134)”.


421<br />

A concepção constitucionalista em Esta<strong>do</strong>s com <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica<br />

relativamente baixa apresenta-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma eficiente em relação aos mo<strong>de</strong>los<br />

anteriores, como <strong>um</strong>a panaceia aos problemas políticos, sociais e estruturais.<br />

No entanto, com o passar <strong>do</strong> tempo, a pressão formada pela participação<br />

ativa da socieda<strong>de</strong> faz <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>um</strong>a válvula <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação pela<br />

pacificação e <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos intermitentemente, ou seja, em constante e<br />

acentuada <strong>de</strong>manda.<br />

O mo<strong>de</strong>lo substancialista da interpretação e da reinterpretação das leis e a<br />

proteção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito e todas as Garantias Constitucionais<br />

previstas, na lei Maior, faz com que o sistema experimente daquilo que ele passaria<br />

a ser o maior toma<strong>do</strong>r, “o regime escravocrata”. A pressão é tamanha que, além <strong>de</strong><br />

o sistema operar no seu <strong>limite</strong>, não aten<strong>de</strong> à mutabilida<strong>de</strong> das necessida<strong>de</strong>s a qual<br />

surge em <strong>de</strong>masia, para resolver-se.<br />

Fica evi<strong>de</strong>nte que o mo<strong>de</strong>lo encampa<strong>do</strong> pela Justiça judiciária prima pela<br />

opção ao substancialismo parcial, ainda que não plenamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong><br />

vista da concretu<strong>de</strong>, fenômeno que também é refleti<strong>do</strong> nas mesmas condições <strong>do</strong><br />

procedimentalismo. Segun<strong>do</strong> Streck (2007, p. 43):<br />

Habermas propõe <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia constitucional que não se<br />

fundamenta nem em valores compartilha<strong>do</strong>s, nem em conteú<strong>do</strong>s<br />

substantivos, mas em procedimentos que asseguram a formação<br />

<strong>de</strong>mocrática da opinião e da vonta<strong>de</strong> e que exige <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> política<br />

não mais ancorada em <strong>um</strong>a “nação <strong>de</strong> cultura”, mas sim, em <strong>um</strong>a “nação <strong>de</strong><br />

cidadãos”. Assenta crítica a jurisprudência <strong>de</strong> valores e a perseguição<br />

tecnológica ao senti<strong>do</strong> fim das leis, reforça. Que o Pluralismo <strong>de</strong>mocrático<br />

está a <strong>de</strong>sserviço da própria <strong>de</strong>mocracia na medida em que a simetria <strong>do</strong>s<br />

indivíduos não possibilita compatibilizar e se ter <strong>um</strong> <strong>direito</strong> substancialmente<br />

uníssono, no máximo procedimental. 276<br />

276<br />

Ainda citan<strong>do</strong> Streck, é <strong>de</strong> se observar o recorte <strong>de</strong>limitativo <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário: “[...] o<br />

procedimentalismo <strong>de</strong> Ely ancora-se na premissa <strong>de</strong> que “o controle absoluto <strong>de</strong> normas <strong>de</strong>ve referirse,<br />

em primeira linha, às condições da gênese <strong>de</strong>mocrática das leis inician<strong>do</strong> pelas estruturas<br />

comunicativas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a esfera pública legada pelos meios <strong>de</strong> massa, passan<strong>do</strong>, a seguir, pelas<br />

chances reais <strong>de</strong> se conseguir espaço para vozes <strong>de</strong>sviantes e <strong>de</strong> reclamar efetivamente <strong>direito</strong>s <strong>de</strong><br />

participação formalmente iguais, chegan<strong>do</strong> até a representação simétrica <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os grupos<br />

relevantes, interesses e orientações axiológicas no nível das cor<strong>por</strong>ações parlamentares e atingin<strong>do</strong> a<br />

amplitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s temas, arg<strong>um</strong>entos e problemas, <strong>do</strong>s valores e interesses, que tem entrada nas<br />

<strong>de</strong>liberações parlamentares e que são levadas em conta na fundamentação das normas a serem<br />

<strong>de</strong>cididas, e o <strong>paradigma</strong> procedimental harbesiano <strong>do</strong> Direito preten<strong>de</strong> apenas assegurar as<br />

condições necessárias a partir das quais os Membros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> jurídica, <strong>por</strong> meio <strong>de</strong><br />

práticas comunicativas <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>terminação, interpretam e concretizam os i<strong>de</strong>ais inscritos na<br />

constituição, “on<strong>de</strong>” a função da corte Constitucional, originária ou não <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, seria a<br />

<strong>de</strong> zelar pelo respeito aos procedimentos <strong>de</strong>mocráticos para a formação da opinião e da vonta<strong>de</strong>


422<br />

Dessa forma, se a racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana está para o sistema jurídico,<br />

significa afirmar que seu opera<strong>do</strong>r está adstrito às limitações impostas pelo<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico, não o seguin<strong>do</strong>, então a lei não teria razão <strong>de</strong> existir.<br />

O que significa ilustrar que, além das limitações impostas pelas faculda<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />

juízo, essas aparecem também frente à procedibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>manda consoante a<br />

carga <strong>de</strong> “conflitos” submeti<strong>do</strong>s à sua análise, à sua avaliação e à sua <strong>de</strong>cisão, que<br />

nem sempre estão em simetria com a lei.<br />

O crescimento e a natural complexida<strong>de</strong> das próprias relações sociais exigem<br />

<strong>do</strong> sistema jurídico <strong>de</strong>terminada racionalida<strong>de</strong> com o enca<strong>de</strong>amento das leis,<br />

afastan<strong>do</strong> com isso a própria onipresença e onisciência <strong>do</strong> jurista opera<strong>do</strong>r, na<br />

medida em que o Direito alia<strong>do</strong> à Justiça possui <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua própria<br />

natureza, como afirma Fernan<strong>do</strong> Coelho (1991, p. 298):<br />

O princípio da racionalida<strong>de</strong> se exige em pressuposto i<strong>de</strong>ológico a partir <strong>do</strong><br />

movimento em que o senso com<strong>um</strong> projeta sua própria razão, isto é, o<br />

mo<strong>do</strong> como ela se manifesta subjetivamente nos seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s, para o<br />

Direito objetivamente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>: não é o jurista ou os sujeitos das<br />

relações jurídicas que são racionais, o próprio Direito, em suas expressões<br />

normativas, ornamentais e <strong>de</strong>cisionais que <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong><br />

imanente, o qual o jurista po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve captar.<br />

Os arg<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> que o Juiz é <strong>um</strong> homem <strong>do</strong> seu tempo e que <strong>por</strong> essas e<br />

outras razões <strong>de</strong>ve inserir-se nas relações sociais na perseguição da verda<strong>de</strong>ira<br />

Justiça estão travesti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a arg<strong>um</strong>entação retórica que tenta <strong>de</strong> todas as<br />

maneiras escon<strong>de</strong>r, ou melhor, escamotear a insuficiência <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> tirano,<br />

<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte que, dadas suas condições em não alcançar os objetivos efetivos para a<br />

resolução <strong>de</strong> conflitos, quiçá a Justiça, o coloque como “anima<strong>do</strong>r partícipe” <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

teatralida<strong>de</strong> da Justiça <strong>por</strong>que acontece às custas da traição da própria lei, a qual<br />

<strong>de</strong>veria ser a primeira a ser reconhecida e aferida em sua aplicação. 277 Dessa<br />

política, a partir da própria cidadania, e não a <strong>de</strong> se arrogar no papel <strong>de</strong> legisla<strong>do</strong>r político, não<br />

<strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, <strong>por</strong>tanto, transformar-se a <strong>justiça</strong> Constitucional em “guardiã <strong>de</strong> <strong>um</strong>a suposta or<strong>de</strong>m<br />

suprapositiva <strong>de</strong> valores substanciais. Reservan<strong>do</strong>-se a intervenção <strong>do</strong> judiciário apenas para<br />

facultar aos excluí<strong>do</strong>s da participação o acesso <strong>direito</strong> aos <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es políticos, a realida<strong>de</strong> brasileira<br />

aponta em direção contrária; o assim <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Social não se concretizou no Brasil (foi,<br />

pois, <strong>um</strong> simulacro), on<strong>de</strong> a função intervencionista <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> serve para a<strong>um</strong>entar ainda mais as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais; parcela expressiva <strong>do</strong>s <strong>direito</strong>s individuais e sociais não é c<strong>um</strong>prida; o controle<br />

abstrato <strong>de</strong> normas apresenta <strong>um</strong> déficit <strong>de</strong> eficácia, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “baixa constitucionalida<strong>de</strong>”<br />

(STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: <strong>um</strong>a exploração hermenêutica da<br />

construção <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2007, p. 51)”.<br />

277<br />

Segun<strong>do</strong> Uhlmann, “Conceito <strong>de</strong> UMWEIT (Ambiente). Sua indução literal é “mun<strong>do</strong> ao re<strong>do</strong>r”<br />

Jakob Von Vexkull <strong>–</strong> Biólogo e filósofo, oriun<strong>do</strong> da nobreza <strong>do</strong> Báltico e sem dúvidas <strong>um</strong> <strong>do</strong>s mais


423<br />

máxima <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se que as ciências, em particular a biologia, interpretam os<br />

fenômenos com os “olhos” <strong>de</strong> quem as observa, ou seja, a observação acaba sen<strong>do</strong><br />

“contaminada” pelas crenças.<br />

Os valores <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r (características <strong>do</strong> subjetivismo), em outras<br />

palavras são influencia<strong>do</strong>s pelos efeitos da memória (retenção <strong>de</strong> informações <strong>–</strong><br />

visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema observa<strong>do</strong>r) com a experiência ac<strong>um</strong>ulada.<br />

A influência <strong>do</strong> meio sobre o homem o faz vulnerável a suas certezas, refém e<br />

ao mesmo tempo escravo <strong>de</strong> sua razão irracional que sofre, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> seus<br />

senti<strong>do</strong>s, a contaminação <strong>do</strong>s fatores internos e externos.<br />

Por isso, o ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir o bem feito <strong>de</strong>ve estar em comunhão estrita com lei<br />

e não <strong>um</strong>a lei constituída a cada caso com as implicações das influências subjetivas<br />

e pessoais da operacionalização h<strong>um</strong>ana. A realida<strong>de</strong> subjetiva da Justiça social<br />

que se infere tem a mesma medida da subjetivida<strong>de</strong> social que tem seu observa<strong>do</strong>r<br />

da realida<strong>de</strong>. A lei, em tal cenário, tem valor secundário.<br />

Não basta que as leis sejam elaboradas sob os auspícios da “Justiça”, em<br />

consonância com os fenômenos <strong>do</strong> seu tempo, é vital que sejam aplicadas nos<br />

mesmos mol<strong>de</strong>s, no entanto, a forma e a atmosfera pela qual isso acontece, ou seja,<br />

operacionalizada pelo Esta<strong>do</strong>/Juiz, inevitavelmente se vê precária em precisão e<br />

objetivida<strong>de</strong>.<br />

A efetivida<strong>de</strong> da prestação jurisdicional e o acesso à Justiça, embora sejam<br />

comunheiros <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal, vêm ao longo <strong>do</strong> tempo ten<strong>do</strong> as relações<br />

estremecidas pela crise <strong>do</strong> Direito e da Justiça diante da ausência <strong>de</strong> condições<br />

estruturais e infraestruturas <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> Judiciário. Para Nalini (1994, p. 6):<br />

frutíferos pensa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> séc. XX. A sua obra principal “Theoretsche Biologic” (1958) é consi<strong>de</strong>rada<br />

como <strong>um</strong>a obra precursora <strong>do</strong> construtivismo (ou construcionismo da literatura anglo-saxônica <strong>–</strong> o<br />

emprego <strong>de</strong> constructos <strong>–</strong> construções lógicas). Na base das suas consi<strong>de</strong>rações localiza-se a<br />

máxima “Alle WirklichkeitIst Subjetive Ers Cheinung (toda realida<strong>de</strong> é <strong>um</strong> fenômeno subjetivo)<br />

(UHLMANN, Wilhelm Günter. Teoria geral <strong>do</strong>s sistemas: <strong>do</strong> atomismo ao sistemismo; <strong>um</strong>a<br />

abordagem sintética das principais vertentes contem<strong>por</strong>âneas <strong>de</strong>sta proto-teoria. São Paulo: Versão<br />

Pré-Print, 2002, p. 39)”.


424<br />

Para que a <strong>justiça</strong> se aproxime mais <strong>do</strong> povo, torne-se mais ágil, Nalini<br />

sugere a utilização <strong>de</strong> recursos da informática, pugna pelo aperfeiçoamento<br />

<strong>do</strong> apoio administrativo ao juiz, quer que a simplificação <strong>de</strong> procedimentos,<br />

a especialização <strong>de</strong> juízes e o estabelecimento <strong>de</strong> tribunais especiais, a<br />

formação <strong>de</strong> magistra<strong>do</strong>s em cursos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s, a serem ministra<strong>do</strong>s pela<br />

Escola da Magistratura e a observância <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong>s essenciais. Isto<br />

quer dizer que aquilo que não se constitui em formalida<strong>de</strong> essencial <strong>de</strong>ve<br />

ser afasta<strong>do</strong>, da<strong>do</strong> que o apego exagera<strong>do</strong> à forma polui o Direito, pon<strong>do</strong><br />

em segun<strong>do</strong> plano a relação <strong>de</strong> <strong>direito</strong> material.<br />

O sistema judiciário, <strong>de</strong>ssa forma, é acometi<strong>do</strong> <strong>de</strong> asfixia operacional em que<br />

a inoperância vigente sinaliza a substituição <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>por</strong> outro que <strong>de</strong>tenha<br />

<strong>um</strong>a tecnologia capaz <strong>de</strong> dar maior flui<strong>de</strong>z ao Direito há tanto represa<strong>do</strong>.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, é <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se que o Esta<strong>do</strong>/Juiz, na condição <strong>de</strong> opera<strong>do</strong>r<br />

central, compreendi<strong>do</strong> em sua estrutura como <strong>um</strong> sistema orgânico aberto, tenha<br />

suas funções e atribuições legitimadas pelo <strong>po<strong>de</strong>r</strong> lei.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, nada obsta que <strong>por</strong> força <strong>de</strong> lei se incor<strong>por</strong>e ao sistema<br />

judiciário sua instr<strong>um</strong>entalização das funções <strong>de</strong> mediação das regras normativas,<br />

gerida <strong>por</strong> intermédio <strong>por</strong> <strong>um</strong> sistema eletrônico modula<strong>do</strong> pela Inteligência Artificial.<br />

Sen<strong>do</strong> a lei <strong>um</strong> bem <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o para a concatenação da paz social, como<br />

<strong>um</strong> remédio circunscrito a <strong>de</strong>terminadas circunstâncias sociais, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à cura da<br />

<strong>do</strong>ença social <strong>de</strong>nominada conflito.<br />

Para que o fenômeno da cura possa tomar o corpo <strong>do</strong> paciente “indivíduo” ou<br />

“parte”, é necessário que o acesso se dê <strong>de</strong> forma irrestrita, pedagógica e<br />

compreensível. Para isso, os meios mais simplifica<strong>do</strong>s e menos custosos sejam <strong>um</strong>a<br />

tônica a pre<strong>do</strong>minar.<br />

O afastamento <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário não está totalmente liga<strong>do</strong> ao custo. O<br />

custo maior é a incerteza da entrega <strong>do</strong> <strong>direito</strong> frente à postura <strong>do</strong> órgão <strong>judicante</strong>. O<br />

problema e a solução são faces <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesma moeda que nos tempos pósmo<strong>de</strong>rnos<br />

são converti<strong>do</strong>s em bases inseguras; a influência pessoal e subjetiva é<br />

realizada com <strong>de</strong>formida<strong>de</strong>, muitas vezes ao total arrepio da lei. Segun<strong>do</strong> o IPEA em<br />

trabalho realiza<strong>do</strong> (SIPS) Sistema <strong>de</strong> Indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Percepção Social, as análises<br />

são esclarece<strong>do</strong>ras. 278<br />

278<br />

“As primeiras análises sobre a percepção social da <strong>justiça</strong> no Brasil produzidas no âmbito <strong>do</strong><br />

projeto “Sistema <strong>de</strong> Indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Percepção Social” (SIPS), <strong>do</strong> Ipea mostram ao menos três<br />

direções nas quais pesquisas <strong>de</strong> opinião pública po<strong>de</strong>m oferecer im<strong>por</strong>tantes subsídios a processos<br />

<strong>de</strong> reforma e mo<strong>de</strong>rnização nesse setor. / A primeira está associada à imagem pública das<br />

instituições da <strong>justiça</strong>. Neste aspecto, quer pela “nota média” atribuída à <strong>justiça</strong> pelos respon<strong>de</strong>ntes<br />

da pesquisa (4,55 n<strong>um</strong>a escala <strong>de</strong> 0 a 10), quer pela avaliação que estes fazem sobre dimensões<br />

específicas da <strong>justiça</strong>, na qual se <strong>de</strong>staca <strong>um</strong> juízo mais negativo em relação às dimensões <strong>de</strong>


425<br />

A viagem da interpretação da lei feita pelo Esta<strong>do</strong>/Juiz é morosa, custosa e<br />

viciada <strong>por</strong> sua pessoalida<strong>de</strong> e subjetivida<strong>de</strong>, <strong>por</strong>tanto haven<strong>do</strong> <strong>um</strong>a linguagem<br />

pronta para aplicação, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>codificada, pouparia o<br />

jurisdiciona<strong>do</strong> da peregrinação da incerteza, o<strong>por</strong>tuniza<strong>do</strong> a <strong>um</strong> acesso fácil a seu<br />

Direito, ou melhor, a <strong>um</strong> Direito previsível.<br />

É necessário que seja reconheci<strong>do</strong> o valor da lei em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> sua<br />

interpretação ou <strong>de</strong> sua reconstrução. A implantação <strong>de</strong> processos informatiza<strong>do</strong>s<br />

nutri<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maior responsabilida<strong>de</strong> das partes já emancipadas em <strong>um</strong> nível<br />

intelectual que os cre<strong>de</strong>ncie a <strong>por</strong>tar-se perante o Po<strong>de</strong>r Judiciário Cibernético<br />

tornar-se-ia condição para o cre<strong>de</strong>nciamento. Para Nalini (1994, p. 23):<br />

O juiz inquieto assim compreendi<strong>do</strong>, o que não se conforma com a<br />

observância burocrática <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres, mas nutre o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> se aproximar<br />

da verda<strong>de</strong>ira <strong>justiça</strong> <strong>–</strong> po<strong>de</strong> então mergulhar no árduo mister <strong>de</strong> questionar<br />

a constitucionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s atos normativos com os quais se <strong>de</strong>fronta,<br />

amparan<strong>do</strong>-se na lógica jurídica da razão.<br />

Percebe-se que a racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem/Juiz é o que conduz pelos<br />

caminhos <strong>de</strong> sua própria consciência, nutrida nas bases <strong>de</strong> <strong>um</strong> conhecimento<br />

coopta<strong>do</strong> não somente pelos seus senti<strong>do</strong>s como também pela experiência nutrida<br />

pelas escolas <strong>do</strong> conhecimento que o acompanha em sua formação para se tornar<br />

<strong>um</strong> opera<strong>do</strong>r <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> leis. 279<br />

rapi<strong>de</strong>z, imparcialida<strong>de</strong> e honestida<strong>de</strong>, foi possível verificar que essa imagem é relativamente frágil<br />

entre os cidadãos e que a reversão <strong>de</strong>sse quadro exigirá mais que o a<strong>um</strong>ento puro e simples da sua<br />

produtivida<strong>de</strong>. / A segunda está associada à relativa constância da avaliação negativa entre<br />

diferentes estratos da socieda<strong>de</strong> brasileira. Quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>talha a “nota média” em função <strong>de</strong> variáveis<br />

socio<strong>de</strong>mográfica (região, raça/etnia, sexo, escolarida<strong>de</strong> e renda), bem como da experiência prévia<br />

<strong>do</strong>s respon<strong>de</strong>ntes no trato com a <strong>justiça</strong> (como autor, réu ou sem experiência), percebe-se que, em<br />

princípio, a relativa fragilida<strong>de</strong> na imagem pública da <strong>justiça</strong> é generalizada na população e ten<strong>de</strong> a<br />

ser mais negativa entre os que buscaram ativamente a <strong>justiça</strong> para a resolução <strong>de</strong> conflitos ou a<br />

realização <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s. / A terceira, <strong>por</strong> fim, está associada à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> novas áreas ou questões<br />

prioritárias, tanto para estu<strong>do</strong>s quanto para a formulação <strong>de</strong> políticas públicas. Exemplo disso foi a<br />

emergência da qualida<strong>de</strong> da <strong>justiça</strong> (operacionalizada na pesquisa como “capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir<br />

<strong>de</strong>cisões boas, que aju<strong>de</strong>m a solucionar os conflitos <strong>de</strong> forma justa”) como tema tão impactante na<br />

melhora da percepção da área pelos entrevista<strong>do</strong>s quanto a rapi<strong>de</strong>z. Isto abre a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> para<br />

que temas sempre ti<strong>do</strong>s <strong>por</strong> fundamentais na construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova política pública para a oferta<br />

da <strong>justiça</strong> <strong>–</strong> como o recrutamento e a formação <strong>de</strong> magistra<strong>do</strong>s ou a busca <strong>por</strong> mais proximida<strong>de</strong><br />

entre as instituições e os cidadãos <strong>–</strong> retornem a agenda pública, hoje <strong>do</strong>minada <strong>por</strong> preocupações<br />

com a aceleração <strong>do</strong>s procedimentos e a melhoria da alocação <strong>de</strong> recursos (INSTITUTO DE<br />

PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Sistema <strong>de</strong> indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> percepção social SISP.<br />

Brasília, 31 mar. 2011, p. 3. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 13 jul. 2015)”<br />

279<br />

Neste senti<strong>do</strong> complementa Nalini: “O que se enten<strong>de</strong> <strong>por</strong> razão? Em princípio, é a faculda<strong>de</strong> que<br />

tem o homem <strong>de</strong> estabelecer relações lógicas, <strong>de</strong> avaliar, <strong>de</strong> raciocinar, <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>rar i<strong>de</strong>ias


426<br />

Nesta perspectiva <strong>do</strong> silogismo ao logicismo <strong>de</strong>dutivo clássico <strong>de</strong>ntre outras<br />

formas críticas e integrativas ao reconhecimento e à aplicação <strong>do</strong> Direito, observa-se<br />

que a razão h<strong>um</strong>ana, embora não seja a essência <strong>do</strong> Direito, representa <strong>um</strong>a<br />

faculda<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana, <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> pela qual o Direito acontece. Nesse<br />

aspecto, Nalini (1994, p. 25):<br />

Precursores como J. Holmes e Roscoe Pound qualificaram-na <strong>de</strong><br />

“fundamentalismo jurídico”, “formalismo”, “<strong>de</strong>dutivismo”, “teoria fonográfica<br />

<strong>do</strong> <strong>direito</strong>”, “jurisprudência mecânica”. Mas foi Wassertrom quem talvez<br />

melhor tenha sistematiza<strong>do</strong> os arg<strong>um</strong>entos utiliza<strong>do</strong>s pelos realistas contra<br />

a lógica como fonte primária e básica <strong>do</strong> julgamento: “a teoria <strong>de</strong>dutiva<br />

necessariamente é incorreta <strong>por</strong>que: a) não leva em conta o fato <strong>de</strong> que<br />

jamais existem <strong>do</strong>is casos idênticos; b) não leva em consi<strong>de</strong>ração que a<br />

operação <strong>de</strong> classificação <strong>do</strong>s fatos nos conceitos é o crucial e que esse<br />

fenômeno não é <strong>um</strong> fenômeno <strong>de</strong>dutivo, e c) ignora que possa não haver<br />

regras jurídicas prévias para aplicar.<br />

Hoje se distingue perfeitamente o papel da lógica <strong>de</strong>dutiva como elemento<br />

necessário, embora não único, da sentença. Operar sem lógica significa erro, mas a<br />

pura lógica não significa verda<strong>de</strong>. 280<br />

O reconhecimento da razão como processo <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m a conduz a ser<br />

<strong>um</strong>a suprema forma <strong>de</strong> sistematizar, or<strong>de</strong>nar e aplicar os princípios gerais e<br />

abstratos <strong>de</strong> Direito em <strong>um</strong> processo judicial em busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça que, em<br />

última instância, é o reconhecimento da existência <strong>de</strong> regras e <strong>de</strong> seu efetivo<br />

c<strong>um</strong>primento, que <strong>de</strong>veria ser <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m.<br />

universais. A razão invocada pelos juristas tem varia<strong>do</strong>, todavia. Po<strong>de</strong> ser o lunch da literatura norteamericana<br />

ou ser concebida como “a razão real” sempre como “elemento explicativo” <strong>do</strong> subjetivismo,<br />

no estu<strong>do</strong> da formulação das normas pelo juiz (NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à<br />

<strong>justiça</strong>.São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1994, p. 230”.<br />

280<br />

Para Nalini: “Miller e Howek res<strong>um</strong>iram perfeitamente a corrente, que disseminou: “A razão[...] não<br />

é a vida <strong>do</strong> Direito. É realmente parte <strong>do</strong> Direito. Mas que vida? Não, se <strong>por</strong> razão enten<strong>de</strong>mos a<br />

<strong>de</strong>rivação lógica a partir <strong>de</strong> princípios gerais e abstratos, então o processo judicial não atua assim;<br />

nada obstante, se enten<strong>de</strong>mos <strong>por</strong> razão <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> observação disciplina<strong>do</strong>, uni<strong>do</strong> e <strong>um</strong><br />

reconhecimento <strong>de</strong> que existe <strong>um</strong>a eleição entre valores alternativos e o esta<strong>do</strong> das possíveis<br />

consequências da <strong>de</strong>cisão, então a razão tem <strong>um</strong> papel <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m (NALINI, José Renato. O<br />

juiz e o acesso à <strong>justiça</strong>.São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1994, p. 25)”.


427<br />

Seu <strong>de</strong>sc<strong>um</strong>primento nesse processo valorativo, direto ou <strong>de</strong> alternativas não<br />

lógicas, mas consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como <strong>um</strong> processo <strong>cognitivo</strong> <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> cerca<strong>do</strong> pelas<br />

teorias <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema jurídico, a <strong>de</strong>cisão legal, passa a ser <strong>um</strong> processo racional<br />

eiva<strong>do</strong> <strong>de</strong> irracionalida<strong>de</strong>, dadas as influências que o tribunal da razão po<strong>de</strong> sofrer.<br />

Uma hipótese para a salvação <strong>do</strong> Direito seria dar vida própria a si mesmo,<br />

afastan<strong>do</strong>-o da razão para que a cada ato se revivificasse em <strong>um</strong> caso concreto,<br />

erigin<strong>do</strong>-se na Justiça.<br />

Essa questão puxaria <strong>um</strong>a outra, que não será aventada ao menos nesse<br />

momento, i<strong>de</strong>ntificada como a natureza <strong>do</strong> Direito existente. Talvez sua<br />

<strong>de</strong>sconstrução e reconstrução sejam vias a reestabelecer o conceito <strong>de</strong> Direito<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Ciber<strong>direito</strong> ou Bio<strong>direito</strong>.<br />

Nutrir a razão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a segurança certeira para ass<strong>um</strong>ir o papel <strong>de</strong> primeira<br />

or<strong>de</strong>m no ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, relegan<strong>do</strong> o Direito a <strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m secundária, na qual a<br />

razão h<strong>um</strong>ana, gerada <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> observação, tem-se<br />

constata<strong>do</strong> no <strong>de</strong>senvolver da história <strong>do</strong> homem como algo cerca<strong>do</strong> <strong>de</strong> inúmeros<br />

riscos, <strong>um</strong>a vez que é falto em suas ações <strong>de</strong> morforgênese, resiliência e<br />

unidirecionalida<strong>de</strong>. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se a facilida<strong>de</strong> pela qual a razão h<strong>um</strong>ana é<br />

influenciável, estaria a serviço da primeira or<strong>de</strong>m na <strong>de</strong>stituição <strong>do</strong> Direito.<br />

A percepção <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> sistema da Justiça Judiciária cujas<br />

ações perpassam pelo centro operacional <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz <strong>de</strong>monstra não<br />

somente a fragilida<strong>de</strong> como a incerteza quanto aos resulta<strong>do</strong>s pretendi<strong>do</strong>s da<br />

Justiça.<br />

A <strong>de</strong>smistificação surge <strong>de</strong> <strong>um</strong>a uníssona preocupação que se <strong>de</strong>tecta diante<br />

da falibilida<strong>de</strong> oriunda <strong>do</strong>s casos concretos <strong>do</strong> cotidiano; outrossim fatores como a<br />

inacessibilida<strong>de</strong>, o custo, os riscos quanto à eficiência e à eficácia, <strong>de</strong>ntre outros<br />

geram a <strong>de</strong>scrença não somente <strong>do</strong> sistema como <strong>um</strong> to<strong>do</strong>, mas principalmente da<br />

<strong>inteligência</strong> central responsável pela operacionalização, que se limita a formar suas<br />

convicções i<strong>de</strong>ológicas nos <strong>limite</strong>s <strong>de</strong> seu limita<strong>do</strong> espectro <strong>cognitivo</strong>.


428<br />

Fisicamente, aparenta outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> limitação, <strong>por</strong> não conseguir<br />

aten<strong>de</strong>r à massificada <strong>de</strong>manda intentada <strong>por</strong> indivíduos e sua complexa forma,<br />

formal e material <strong>de</strong> manutenção. Para Nalini (1992, p. 16):<br />

Por isso, cresce a preocupação, que é geral, e alcança os países<br />

<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s da Terra, <strong>de</strong> pesquisar e estabelecer da<strong>do</strong>s e providências<br />

que superem ou atenuem as notórias falhas existentes. O esforço para a<br />

melhoria da situação reinante há <strong>de</strong> começar <strong>por</strong> substancial eliminação <strong>do</strong><br />

nível <strong>do</strong> ensino jurídico. E prosseguir com rigorosa seleção <strong>do</strong>s que buscam<br />

ingressar na magistratura; e com permanente atualização <strong>do</strong>s que<br />

venceram essa etapa. 281<br />

Nessa incuba<strong>do</strong>ra em que a razão h<strong>um</strong>ana se vê envolvida, fincam-se as<br />

bases da preocupação oriundas <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> formação e das influências<br />

pro<strong>por</strong>cionadas pela política, pela economia e outros em que os jogos <strong>de</strong> interesses<br />

e <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> são presentes.<br />

A preocupação <strong>por</strong> si só registra <strong>um</strong>a insuficiência histórica recorrente a ser<br />

superada, com<strong>um</strong> inclusive em to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais sistemas judiciários em que se tem<br />

como opera<strong>do</strong>ra a espécie h<strong>um</strong>ana.<br />

A crença da escolarização e <strong>do</strong> aprimoramento continua<strong>do</strong> revela a<br />

incompletu<strong>de</strong> para a obtenção <strong>de</strong> respostas satisfatórias, são questões<br />

apresentadas e <strong>de</strong>volvidas sem soluções satisfatórias. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

soluciona<strong>do</strong>r é temperada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia arg<strong>um</strong>entativa <strong>do</strong> convencimento<br />

retórico passional <strong>do</strong>s que se beneficiam em to<strong>do</strong>s os aspectos.<br />

Entretanto, quan<strong>do</strong> muito, tem-se <strong>um</strong>a Justiça formal requintada pelos<br />

temperos i<strong>de</strong>alistas das cartas legais que conduzem seus interessa<strong>do</strong>s para <strong>um</strong>a<br />

cruzada inconsciente <strong>de</strong> que essa é a forma legítima e legitimada <strong>por</strong> <strong>um</strong> i<strong>de</strong>ário<br />

hipotético <strong>de</strong> <strong>um</strong>a norma fundamental que sequer sabe o que é, e que se <strong>de</strong>ve<br />

reconhecer como <strong>um</strong> <strong>do</strong>gma inconteste da supremacia máxima das leis.<br />

281<br />

E complementa Nalini: “Longe <strong>de</strong> pacificar-se nos países <strong>de</strong> mais longas tradições e <strong>de</strong> adianta<strong>do</strong><br />

grau <strong>de</strong> civilização e cultura, o problema adquire intensida<strong>de</strong> angustiante naqueles em que o Po<strong>de</strong>r<br />

Público é associa<strong>do</strong> à corrupção e à pouca serieda<strong>de</strong>, e em que <strong>do</strong>s juízes se exige, <strong>por</strong> isso,<br />

atuação mais eficiente e pronta. Nesse estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, o judiciário <strong>–</strong> que também se<br />

ressente <strong>do</strong> <strong>de</strong>scrédito <strong>do</strong> sistema político <strong>–</strong> é, para<strong>do</strong>xalmente, a <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira perspectiva<br />

institucionalizada <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos antes da opção <strong>por</strong> méto<strong>do</strong>s não convencionais e, <strong>por</strong><br />

isso mesmo, não acolhi<strong>do</strong>s pelo Direito (NALINI, José Renato. Recrutamento e preparo <strong>de</strong> juízes<br />

na Constituição <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1992, p. 16)”.


429<br />

A insegurança e a instabilida<strong>de</strong> fazem eclodir manifestações ten<strong>de</strong>nciosas a<br />

mudanças. As trincas no sistema são a sinalização para rupturas, indícios <strong>de</strong> que o<br />

sistema judiciário é acometi<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> osteo<strong>por</strong>ose judiciária. 282<br />

Com o avanço tecnológico e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se acoplar às ciências <strong>do</strong><br />

Direito a transversalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras ciências e com elas outras linguagens <strong>de</strong><br />

conhecimento não somente a explicar a realida<strong>de</strong> social, mas <strong>de</strong> dar resolução as<br />

complexida<strong>de</strong>s vigentes que a instituição judiciária quanto à sua forma operacional,<br />

to<strong>do</strong>s seus níveis e seguimentos exigem <strong>um</strong>a nova infraestrutura e estrutura.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a máxima “que o exemplo começa com quem é responsável”,<br />

passa seu representante central a ser questiona<strong>do</strong> pela tecnologia quanto à sua<br />

essencialida<strong>de</strong> e à sua indispensabilida<strong>de</strong>e quanto ao seu ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir. Inc<strong>um</strong>be o<br />

Esta<strong>do</strong> como gestor e responsável <strong>por</strong> avaliar se os atos <strong>de</strong>cisórios estão a<br />

acompanhar-se <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para a execução <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir.<br />

A manutenção endógena no sistema operacional <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário é<br />

tributária <strong>de</strong> fatores que ao longo <strong>do</strong> tempo tem contribuí<strong>do</strong> para seu <strong>de</strong>scrédito<br />

como instituição <strong>de</strong> respeito e credibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Com a integração <strong>de</strong> informações e <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cibernetizar<br />

a mediação pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>ra para a aplicação das leis <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entos<br />

tecnológicos passa a ser <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> possível.<br />

Segun<strong>do</strong> Nalini (1994, p. 37), “To<strong>do</strong>s os benefícios da nova tecnologia vêm<br />

chegan<strong>do</strong>, todavia, <strong>de</strong> maneira tímida ao judiciário. Há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceleração<br />

na implementação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a política <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> seus recursos na ativida<strong>de</strong> fim e<br />

não apenas na ativida<strong>de</strong> meio”. 283<br />

282<br />

Segun<strong>do</strong> Nalini, “Ao aparecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tendência que se preocupou com a ampliação <strong>do</strong><br />

acesso <strong>do</strong>s homens ao equipamento oficial <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à composição <strong>de</strong> conflitos, cost<strong>um</strong>ava-se<br />

atribuir relativa im<strong>por</strong>tância aos aspectos práticos <strong>de</strong>ssa alteração <strong>de</strong> enfoque, subdividi<strong>do</strong> na tríplice<br />

reforma: Normativa, Institucional e Processual. / Não é tarefa simples empreen<strong>de</strong>r-se <strong>um</strong>a<br />

reformulação normativa: Os próprios formula<strong>do</strong>res das teorias que se <strong>de</strong>senvolveram sob a<br />

<strong>de</strong>nominação ampla <strong>de</strong> movimento <strong>de</strong> acesso à Justiça vieram a consi<strong>de</strong>rá-la inviável. Ou, quan<strong>do</strong><br />

menos, acometida da característica <strong>de</strong> perpetuida<strong>de</strong> que qualifica a empresa que os americanos tão<br />

bem <strong>de</strong>nominam <strong>de</strong> endlesstask.Adverte Cappelletti ser “intrínseca à” i<strong>de</strong>ia em si mesma <strong>de</strong> acesso a<br />

constatação <strong>de</strong> que <strong>um</strong>a reforma <strong>do</strong> <strong>direito</strong> substancial é ilusória, se não acompanhada <strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s instr<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> execução da mesma (NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à<br />

<strong>justiça</strong>.São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1994, p. 31)”.<br />

283<br />

E complementa Nalini: “O admirável mun<strong>do</strong> <strong>novo</strong> já existe. Unida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>radas como São Paulo<br />

po<strong>de</strong>m se permitir experimentações que talvez sirvam para o <strong>de</strong>lineamento <strong>de</strong> <strong>um</strong> judiciário <strong>novo</strong>,<br />

mas atuante e prepara<strong>do</strong> para os <strong>de</strong>safios <strong>do</strong> terceiro milênio que, afinal está a menos <strong>de</strong> seis anos<br />

<strong>de</strong>stes dias. / A informática permitirá a substituição <strong>do</strong> processo corpóreo <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo<br />

inteiramente informatiza<strong>do</strong>. [...] será <strong>um</strong> sonho? Ou o Judiciário <strong>de</strong>verá se a<strong>de</strong>quar<strong>–</strong> inevitavelmente <strong>–</strong><br />

à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, sob pena <strong>de</strong> parecer e vir a ser substituí<strong>do</strong> <strong>por</strong> formas alternativas <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong>


430<br />

O reconhecimento da ineficiência e a consequente falência <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo não<br />

significam <strong>um</strong> retrocesso, ao contrário, significam que <strong>um</strong>a cultura amadure a ponto<br />

<strong>de</strong> exigir <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo a suprir suas necessida<strong>de</strong>s.<br />

Significa dizer que aquele atendia, agora não aten<strong>de</strong> mais às novas<br />

necessida<strong>de</strong>s. A simplificação das formas é possível <strong>de</strong> se obter com a segurança e<br />

a garantia das formas <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> meios informatiza<strong>do</strong>s, cujos algoritmos são<br />

isentos <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>s, dá parcialida<strong>de</strong> e da não neutralida<strong>de</strong>.<br />

Se <strong>por</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong> o próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário preocupa-se em aprimorar o<br />

Esta<strong>do</strong>/Juiz em todas suas etapas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o processo inicial <strong>de</strong> seleção, isso significa<br />

que a cognição <strong>de</strong>sse instr<strong>um</strong>ento ainda está <strong>por</strong> se completar.<br />

Se, <strong>por</strong>ventura, conduzida ao seu <strong>limite</strong>, apresentar-se <strong>de</strong>ficiente aos seus<br />

propósitos, esses sintomas estão a mostrar que o <strong>paradigma</strong> sinaliza para seu<br />

rompimento.<br />

Portanto, fica evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> que a limitação cognitiva é notória, bem como o<br />

tempo <strong>de</strong>manda<strong>do</strong> em suas funções operacionais passa a ser limita<strong>do</strong>, não<br />

aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a<strong>de</strong>quadamente a seus fins, diante da complexida<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionada pela<br />

<strong>de</strong>manda existente.<br />

O tempo perdi<strong>do</strong> ou <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a batalha cuja vitória se revela <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

começo impossível <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ter <strong>um</strong> melhor aproveitamento a partir <strong>do</strong><br />

aperfeiçoamento profissional intelectual, na medida em que, em vez <strong>de</strong> preocupar-se<br />

com a operacionalização da função <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, passaria essa inc<strong>um</strong>bência a <strong>um</strong>a<br />

forma <strong>de</strong> conhecimento organiza<strong>do</strong> tecnologicamente que iria gerenciar,<br />

sistematizar, integrar e aplicar as regras legais <strong>do</strong> sistema: função <strong>de</strong> guardião<br />

Constitucional.<br />

O Po<strong>de</strong>r Judiciário tornar-se-ia <strong>um</strong>a base pacifica<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> conflitos sociais com<br />

eficácia mais ampla, inclusive setorizan<strong>do</strong> a Justiça e com ela especializan<strong>do</strong> as<br />

respectivas áreas.<br />

conflitos? / To<strong>do</strong>s os benefícios coloca<strong>do</strong>s à disposição <strong>do</strong> homem pela ciência <strong>de</strong>vem servir ao<br />

Judiciário, pois o papel reserva<strong>do</strong> a este é garantir a existência digna <strong>do</strong> ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>. Motivo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scrédito da Justiça é a sua paralisação, submissa à força inercial, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Medieno ainda tem<br />

chance <strong>de</strong> recuperar o tempo perdi<strong>do</strong>, em cuja busca não se esmera, salvo esforços isola<strong>do</strong>s. Basta<br />

a vonta<strong>de</strong> política. A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ousar e eliminar os preconceitos (NALINI, José Renato. O juiz e o<br />

acesso à <strong>justiça</strong>.São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1994, p. 38)”.


431<br />

Em condições como essa, <strong>um</strong>a base cognitiva tecnológica <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

Inteligência Artificial aglutinaria <strong>por</strong> meio das re<strong>de</strong>s as mais diversas ciências<br />

cognitivas, contribuin<strong>do</strong> exponencialmente com o conhecimento sobre as causas<br />

submetidas à <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> sistema. Nesse senti<strong>do</strong>, é esclarece<strong>do</strong>r Nalini (1994, p.<br />

49):<br />

A formação clássica <strong>do</strong> juiz não o preparou para o enfrentamento <strong>de</strong>ssas<br />

situações que precisam <strong>de</strong> soluções rápidas. Omisso o Judiciário,<br />

<strong>de</strong>saparelha<strong>do</strong> mental e estruturalmente para esse <strong>novo</strong> tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda,<br />

po<strong>de</strong> surgir a ocupação <strong>do</strong> vazio <strong>de</strong>cisório <strong>por</strong> outras instâncias <strong>de</strong><br />

composição <strong>do</strong> litígio, esvain<strong>do</strong>-se a competência, a credibilida<strong>de</strong> e o<br />

prestígio da função estatal preor<strong>de</strong>nada à resolução <strong>de</strong> controvérsias.<br />

Fragmentar e conduzir a ruptura <strong>do</strong> monopólio <strong>de</strong>sse opera<strong>do</strong>r é <strong>um</strong>a<br />

condição natural a qualquer outra espécie <strong>de</strong> império. Existe <strong>um</strong>a certa resistência.<br />

As mazelas da monopolização dão-se pela via única <strong>de</strong> acesso à resolução, da<br />

inexistência <strong>de</strong> instância recursal, da reclamação e da resolução, da <strong>de</strong>formida<strong>de</strong><br />

mórbida <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo sem que haja possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> substitutibilida<strong>de</strong>, e<br />

da rejeição <strong>de</strong> acolhimento <strong>de</strong> propostas que divirjam <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s<br />

controla<strong>do</strong>res, entre outros.<br />

A formal e material estrutura <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> sistema judiciário ontologicamente,<br />

parafrasean<strong>do</strong> Hannah Arendt, visa pro<strong>por</strong>cionar o <strong>direito</strong> a seus Direitos, inclusive<br />

<strong>de</strong> estar a serviço <strong>de</strong> seus fins.<br />

Infere-se, <strong>de</strong>ssa forma, que a logística <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário no que se refere à<br />

forma como se constitui sua operação na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> não representa estar em<br />

conformida<strong>de</strong> com as matrizes da mo<strong>de</strong>rnização. 284<br />

284<br />

Segun<strong>do</strong> Nalini, “A escola da magistratura <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> imperativo constitucional. Tem <strong>por</strong> objetivo<br />

institucional a manutenção <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> preparação a carreira, cursos <strong>de</strong> reciclagem para os juízes<br />

nela integra<strong>do</strong>s e a realização <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s a nível <strong>de</strong> pós-graduação que, nos estatutos da Escola<br />

Paulista, se <strong>de</strong>nomina “Altos Estu<strong>do</strong>s”. / As dificulda<strong>de</strong>s existentes em relação ao Juiz <strong>do</strong> interior<br />

serão enfrentadas com o acompanhamento à distância, indican<strong>do</strong> os orienta<strong>do</strong>res a leitura e a<br />

elaboração <strong>de</strong> trabalhos que periodicamente serão apresenta<strong>do</strong>s (NALINI, José Renato. O juiz e o<br />

acesso à <strong>justiça</strong>.São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1994, p. 61)”.


432<br />

Esses e outros mecanismos são ilusões <strong>de</strong> que o homem mo<strong>de</strong>rno não<br />

consegue realizar senão à custa <strong>de</strong> muito sacrifício, renúncia e abnegação. A<br />

contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong> e os dias “achata<strong>do</strong>s” pelas necessida<strong>de</strong>s diversas, entre<br />

essencialida<strong>de</strong> e futilida<strong>de</strong>s, bombar<strong>de</strong>iam todas as classes, inclusive a <strong>do</strong><br />

homem/Juiz que se vê fustiga<strong>do</strong> e seduzi<strong>do</strong> como qualquer com<strong>um</strong> da espécie<br />

h<strong>um</strong>ana.<br />

É com<strong>um</strong> suas tarefas serem realizadas às pressas, na última hora, sem <strong>um</strong>a<br />

prévia e acurada reflexão, e sua razão passa a ser marcada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a irracionalida<strong>de</strong><br />

irreflexiva <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua própria condição h<strong>um</strong>ana até ao <strong>limite</strong> que se esten<strong>de</strong> a <strong>de</strong>cidir<br />

sobre a irracionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus assemelha<strong>do</strong>s: quem julga também se coloca como<br />

<strong>um</strong> <strong>de</strong>ntre to<strong>do</strong>s, <strong>por</strong> vezes sob critérios distintos.<br />

Nessa incerteza, ou melhor, nessa transitorieda<strong>de</strong> ou simultaneida<strong>de</strong> pósmo<strong>de</strong>rna,<br />

torna-se evi<strong>de</strong>nte que a racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz tem seu pensamento<br />

relativiza<strong>do</strong> pela incerteza <strong>de</strong> suas certezas ou simplesmente tem, em cada certeza<br />

formada em seu pensamento, certa <strong>do</strong>se <strong>de</strong> relativida<strong>de</strong> que o faz vítima <strong>de</strong> <strong>um</strong> malestar<br />

psicológico oriun<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a excessiva <strong>de</strong>manda.<br />

O ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> excesso compromete a estrutura <strong>de</strong> sua razão, que<br />

infelizmente não faz Justiça, visto não representar <strong>um</strong> mero tribunal em que a<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana em tese <strong>de</strong>ve acontecer. A razão, <strong>por</strong>quanto, não é o Direito,<br />

não o sen<strong>do</strong>, a Justiça torna-se <strong>um</strong>a incerta eventualida<strong>de</strong>.<br />

A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer-se <strong>um</strong>a meto<strong>do</strong>logia estável para a realização <strong>do</strong><br />

Direito torna os meios para tais fins inseguros, seja no manejo da lógica formal, da<br />

lógica material, da dialética, <strong>do</strong> bom senso, da razoabilida<strong>de</strong>, da flexibilida<strong>de</strong>, da<br />

igualda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> outros meios que possam contribuir para a formação <strong>de</strong> critérios<br />

justos para validação da verda<strong>de</strong> como pressuposto <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> Direito<br />

previamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>.


433<br />

Os sintomas perversos <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> são reconheci<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

processos realiza<strong>do</strong>s durante a seleção <strong>de</strong> seus opera<strong>do</strong>res, bem como durante o<br />

preparo e a efetiva integração no plano prático da Justiça, como esclarece Fernan<strong>do</strong><br />

Coelho (1979, p. 172):<br />

Que tipo <strong>de</strong> pensamento é o mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> a tal concepção? E que<br />

critérios po<strong>de</strong>m servir para fundamentar a valida<strong>de</strong> ou a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />

pensamento? São problemas que situam o conhecimento que os tem <strong>por</strong><br />

objeto na dimensão lógica, embora sob aspecto outro que não o da lógica<br />

formal, e a <strong>do</strong>utrina germânica chamada lógica material (Sadlogisk). Esta<br />

espécie <strong>de</strong> lógica jurídica <strong>–</strong> que parece, como veremos no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste<br />

estu<strong>do</strong>, estaria toda a lógica jurídica dada à insuficiência <strong>do</strong> pensamento<br />

analítico para a solução <strong>do</strong>s problemas jurídicos concretos <strong>–</strong> configura elo<br />

<strong>de</strong> ligação entre as diversas tarefas <strong>do</strong> jurista e parece confundir-se com a<br />

própria ciência <strong>do</strong> Direito, mas o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> procedimentos intelectuais<br />

atinentes àquela criação e realização, ten<strong>do</strong> em vista o aspecto crítico, vale<br />

dizer, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da sua verda<strong>de</strong>.<br />

A operacionalização compreensiva <strong>do</strong> Direito subjaz aos procedimentos<br />

intelectuais para o alcance <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito já <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> pelo conjunto <strong>de</strong> regras<br />

forma<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> <strong>um</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico. Portanto, a cada aplicação, o exercício<br />

prático <strong>do</strong> Direito é influencia<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> processo dispendioso e arrisca<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong><br />

pela razão h<strong>um</strong>ana.<br />

Isso se dá em <strong>de</strong>corrência da insuficiência cognitiva h<strong>um</strong>ana que exige para<br />

sua compreensão intelectual <strong>do</strong> Direito que ele, mesmo existin<strong>do</strong> como regras, como<br />

<strong>um</strong>a linguagem normativa regula<strong>do</strong>ra, seja submeti<strong>do</strong> aos procedimentos<br />

intelectuais e aos méto<strong>do</strong>s conheci<strong>do</strong>s para a realização <strong>do</strong> Direito <strong>por</strong> intermédio da<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

Essa reconstrução para alguns ou construção para outros pensa<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

Direito revela que a atuação entre as regras <strong>do</strong> Direito e sua realização no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

fenômeno social é mediada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a operação h<strong>um</strong>ana ineficaz para as<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong>.<br />

Tal fato se torna visível na medida em que a erudição vazada <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong><br />

Justiça reclama <strong>por</strong> <strong>um</strong>a operação mais célere, eficiente e eficaz na entrega <strong>do</strong>s<br />

resulta<strong>do</strong>s, ou seja, <strong>por</strong> <strong>um</strong>a resolução efetiva <strong>do</strong>s conflitos existentes.<br />

Caso seja <strong>de</strong> to<strong>do</strong> verda<strong>de</strong> que a ciência jurídica não po<strong>de</strong> ser reduzida a<br />

<strong>um</strong>a única forma <strong>de</strong> conhecimento, soma-se a tal afirmação que as estruturas<br />

lógicas são imanentes a <strong>um</strong>a complexa re<strong>de</strong> forma<strong>do</strong>ra da jurisprudência <strong>do</strong> Direito.


434<br />

É mais verda<strong>de</strong> ainda que, <strong>por</strong> mais avança<strong>do</strong> que seja o capital intelectual<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, ainda assim se mostra insuficiente para realizar essa gestão com precisão<br />

e objetivida<strong>de</strong> integrativas. 285 A conectivida<strong>de</strong> entre tais núcleos representa <strong>um</strong>a<br />

cele<strong>um</strong>a insuperável para a condição <strong>do</strong> homem/Juiz, <strong>um</strong> obstáculo à concretização<br />

material da juridicida<strong>de</strong>. A <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista racional<br />

(neurológico/psicologiza<strong>do</strong>) se estabelece a cada fato social <strong>por</strong> perspectivas<br />

diversas, ainda que a comunicaçãoaliançada pelos núcleos <strong>do</strong> conhecimento<br />

epistemológico, científico, <strong>do</strong>gmático e lógico seja convocada a participar.<br />

A finalida<strong>de</strong> social última <strong>do</strong> Direito não se realiza com uniformida<strong>de</strong>, com<br />

segurança, com plena estabilida<strong>de</strong> a cada aplicabilida<strong>de</strong>, isso afasta, <strong>por</strong>tanto, o<br />

Esta<strong>do</strong> pleno <strong>de</strong> Direito, na medida em que ele não acontece <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> efetivo e,<br />

sempre que insta<strong>do</strong> a participar aos seus propósitos fins, vê-se envolto na incerteza.<br />

O i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> Justiça pelas vias <strong>do</strong> Direito, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos remotos, é<br />

condiciona<strong>do</strong> aos instr<strong>um</strong>entos intelectuais gera<strong>do</strong>s pelos cientistas das ciências<br />

jurídicas. Em semelhante trabalho incansável e diuturno, o próprio Direito com<br />

in<strong>de</strong>pendência e autonomia gerou mecanismos para sua própria concretização:<br />

disso se tem a concepção <strong>de</strong> sistema jurídico conten<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s seus atributos com os<br />

quais se faz peculiar.<br />

A inconsistência entre o sistema jurídico e o opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito, o<br />

Esta<strong>do</strong>/Juiz vem-se apresentan<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a prejudicar a concepção <strong>de</strong> sistema,<br />

segun<strong>do</strong> Fernan<strong>do</strong> Coelho (1999, p. 19):<br />

Deve ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, <strong>por</strong>ém, que o ser <strong>do</strong> Direito su<strong>por</strong>ta essa<br />

dinamicida<strong>de</strong> intrínseca; o fato <strong>de</strong> ele autorrealizar-se enquanto é Direito e<br />

utilizan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> processos meto<strong>do</strong>lógicos que, na medida em que são<br />

coloca<strong>do</strong>s em prática, já implicam o seu próprio existir como fenômeno. O<br />

jurista é aqui partícipe <strong>do</strong> fenômeno, pois ele se realiza enquanto o conhece<br />

e opera com as formas <strong>de</strong> juridicida<strong>de</strong> para a consecução <strong>do</strong>s seus fins e <strong>de</strong><br />

seus próprios objetivos <strong>de</strong> jurista, que são compatíveis ou se confun<strong>de</strong>m<br />

com os <strong>do</strong> Direito.<br />

285<br />

Observam-se neste contexto as lições <strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Coelho: “Que o pensamento jurídico está<br />

estrutura<strong>do</strong> em 04 (quatro) dimensões: a) existe <strong>um</strong> conhecimento epistemológico, que relaciona o<br />

“eu” cognoscente com o processo <strong>de</strong> conhecimento <strong>do</strong> Direito, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> esse processo em si<br />

mesmo; b) existe <strong>um</strong> conhecimento científico que relaciona o “eu” cognoscente com o objeto <strong>de</strong> cada<br />

<strong>um</strong>a das diferentes ciências jurídicas; c) existe <strong>um</strong> conhecimento jurídico <strong>do</strong>gmático que transforma o<br />

“eu” cognoscente em partícipe <strong>do</strong> objeto da ciência <strong>do</strong> Direito; d) existe <strong>um</strong> conhecimento lógico, que<br />

fornece o instr<strong>um</strong>ental necessário ao trabalho jurídico (COELHO, Luiz Fernan<strong>do</strong>. Lógica jurídica e<br />

interpretação das leis. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1979, p. 16)”.


435<br />

A condição <strong>de</strong> partícipe é significativa para a vida, para a sobrevivência <strong>do</strong><br />

Direito e <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ntro e a partir <strong>do</strong> seu próprio ser (o Direito<br />

possui corpo e vida próprios).<br />

Sua estrutura e sua operacionalida<strong>de</strong> não estão condicionadas ao<br />

Esta<strong>do</strong>/Juiz, enquanto <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong> não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rem parasitariamente<br />

da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana a fim <strong>de</strong> existir.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, esse processo po<strong>de</strong> ser realiza<strong>do</strong> com<strong>um</strong>ente <strong>por</strong> intermédio<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial, nutrida <strong>de</strong> morfogenia, resiliência e unidirecionalida<strong>de</strong><br />

social, atributos que não gozam (a razão, estabelecida pela <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana), <strong>de</strong><br />

forma plena e eficaz, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s riscos <strong>de</strong> influência que essa razão possui.<br />

O processo <strong>de</strong> conteudilização <strong>do</strong> Direito e sua aplicabilida<strong>de</strong> prática são da<br />

natureza <strong>de</strong> sua própria teoria. Sua captação e sua materialização são suscetíveis<br />

<strong>de</strong> serem sedimentadas <strong>por</strong> mecanismos tecnológicos, organizan<strong>do</strong>-os,<br />

sistematizan<strong>do</strong>-os e respaldan<strong>do</strong> as normas e o or<strong>de</strong>namento.<br />

A compreensão dialética po<strong>de</strong> ser reestruturada, na medida em que os atores<br />

empiricamente participam da realida<strong>de</strong> social. A base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações<br />

contribui para a aplicação lógica e <strong>do</strong>gmática <strong>do</strong> Direito.<br />

Que po<strong>de</strong> ser realizada <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial media<strong>do</strong>ra<br />

das relações jurídicas, <strong>de</strong> forma pura, neutra e imparcial, com isso se afastan<strong>do</strong> da<br />

vulnerabilida<strong>de</strong> típica da racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

A <strong>inteligência</strong> cibernética passaria a participar <strong>do</strong> fenômeno social, a<br />

contribuir, a responsabilizar-se pelas ações típicas <strong>do</strong> Direito em seu cotidiano<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m, pronto para ser aplica<strong>do</strong> às<br />

realida<strong>de</strong>s sociais em que for convoca<strong>do</strong> a reestabelecer a or<strong>de</strong>m ou prevenir a<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, evitan<strong>do</strong>, assim, os riscos das escolhas pro<strong>por</strong>cionadas pelos inúmeros<br />

processos seletivos da judicatura. 286<br />

286<br />

Para Nalini, “A gran<strong>de</strong> e normal via <strong>de</strong> acesso à magistratura é o certame público. Os candidatos<br />

se submetem a provas escritas e orais e, quan<strong>do</strong> da avaliação, os títulos po<strong>de</strong>m influir no resulta<strong>do</strong><br />

classificatório. O recrutamento <strong>por</strong> concurso público é consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o meio sujeito à álea, sempre<br />

presente na nomeação <strong>por</strong> indicação ou mesmo na eletivida<strong>de</strong>. Mas não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> merecer críticas,<br />

das quais as mais acerbas provêm <strong>do</strong> próprio judiciário. / A sistemática <strong>de</strong> provas consegue <strong>de</strong>tectar,<br />

no universo <strong>do</strong>s candidatos, aqueles que <strong>de</strong>têm <strong>um</strong> mínimo <strong>de</strong> conhecimento jurídico, cre<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s<br />

para <strong>um</strong>a aprovação, mas essa habilitação nem sempre coinci<strong>de</strong> com as expectativas nutridas pelas<br />

cortes <strong>de</strong> <strong>justiça</strong> quanto ao profissional que vai receber seus quadros (NALINI, José Renato.<br />

Recrutamento e preparo <strong>de</strong> juízes na Constituição <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s<br />

Tribunais, 1992, p. 86)”.


436<br />

A a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> <strong>um</strong> indica<strong>do</strong>r, ou indica<strong>do</strong>res mínimos, é exemplo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

Justiça nanica, tacanha e reduzida a <strong>um</strong>a insuficiência intelectual incapaz <strong>de</strong><br />

reproduzir <strong>um</strong> espelhamento Constitucional condigno com os objetivos<br />

principiológicos compromissa<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, quadro<br />

esse estereotipa<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s científicos realiza<strong>do</strong>s e compulsa<strong>do</strong>s<br />

no bojo <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong>.<br />

Os problemas são diversos, todavia, sorrateiramente solapa<strong>do</strong>s pelo<br />

<strong>de</strong>sconhecimento social e <strong>por</strong> seus respectivos <strong>de</strong>stinatários que têm no Esta<strong>do</strong>/Juiz<br />

o referencial da Justiça.<br />

O <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> fica à mercê <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça bloqueada, tardia e que ao final<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> realizar seu objetivo precípuo, ou seja, dar aos conflitos sociais sempre<br />

<strong>um</strong>a melhor solução e orientação, da<strong>do</strong> o caráter pedagógico que não po<strong>de</strong> afastarse<br />

das instituições estatais para a formação, a correção e a reestruturação <strong>do</strong><br />

cost<strong>um</strong>e judiciário. Segun<strong>do</strong> Nalini (1992, p. 89):<br />

[...] o resulta<strong>do</strong> final po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>salenta<strong>do</strong>r. Pois, a cada concurso, alg<strong>um</strong><br />

<strong>do</strong>s aprova<strong>do</strong>s vem a <strong>de</strong>monstrar inaptidão, da mais diversa or<strong>de</strong>m, para o<br />

<strong>de</strong>sempenho da judicatura. É o juiz que não consegue julgar, gran<strong>de</strong> parte<br />

às vezes em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> bloqueios psicológicos, mas não rara mercê <strong>de</strong><br />

formação religiosa rígida e profunda vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s atributos <strong>de</strong> sua<br />

personalida<strong>de</strong>. O magistra<strong>do</strong> <strong>de</strong>vota muito <strong>do</strong> esforço pessoal à carreira.<br />

Permanece no fór<strong>um</strong> <strong>por</strong> perío<strong>do</strong>s suficientes ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

razoável trabalho. É <strong>um</strong> bom prepara<strong>do</strong>r, realiza audiências, mas não se<br />

<strong>de</strong>svencilha <strong>do</strong>s laços que o impe<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sentenciar, ou ao menos <strong>de</strong> fazêlo<br />

<strong>de</strong> forma, quantitativamente compatível com as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua<br />

carga <strong>de</strong> trabalho.<br />

A fragilida<strong>de</strong> racional e a insuficiência formam <strong>um</strong> liame típico <strong>do</strong>s sistemas<br />

orgânicos a conduzi-los à realização mínima, quan<strong>do</strong> não comprometida pela falta<br />

<strong>de</strong> condições para a realização <strong>de</strong> seu ofício. É essencial a exposição caricatural<br />

<strong>do</strong>s estereótipos <strong>de</strong> juízes que compõem o centro da Justiça judiciária, aliás os tipos<br />

<strong>de</strong> peças centrais que operam o Direito na consecução da<br />

jurisdicida<strong>de</strong>. 287 Parafrasean<strong>do</strong> Renato Nalini, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> configurações,<br />

287<br />

A esse respeito, discorre Nalini: “ a) O juiz que se exce<strong>de</strong> na autorida<strong>de</strong> passa a exercê-la<br />

arbitrariamente converten<strong>do</strong>-se em déspota no microcosmo que vai servir. É ríspi<strong>do</strong> no trato,<br />

h<strong>um</strong>ilhan<strong>do</strong> os subalternos; impõe condutas <strong>de</strong>svinculadas <strong>de</strong> qualquer preceito, <strong>de</strong> maneira a obter<br />

subserviência na função e pessoalmente, pelo mero fato <strong>de</strong> exercê-la; b) Da experiência <strong>do</strong> Des. José<br />

Liberato Costa Polvora, ex-Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Tocantins, extrai-se que “o<br />

pedantismo <strong>de</strong> certos magistra<strong>do</strong>s antipatiza a Justiça, além <strong>de</strong> manter afasta<strong>do</strong>s aqueles, que<br />

buscam a confiança <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão justa. É <strong>de</strong>plorável o vírus da “juizite”[...]; c) Existe juiz burocrata.<br />

Provin<strong>do</strong> <strong>de</strong> categorias funcionais que se caracterizam <strong>por</strong> encargos <strong>do</strong>s quais se exige pouca


437<br />

passível <strong>do</strong>s não vocaciona<strong>do</strong>s, tornaria impossível <strong>de</strong>terminá-los; isso é algo<br />

próximo <strong>do</strong> que os americanos <strong>de</strong>nominam <strong>de</strong> end less task.<br />

A influência da razão na pré-formação <strong>do</strong> caráter juiz, além <strong>de</strong> torná-lo<br />

vulnerável, é <strong>um</strong> ponto que coloca o sistema da Justiça judiciária em <strong>um</strong> conflito<br />

eterno, pois, nestas cercanias a equida<strong>de</strong>, a consensualida<strong>de</strong> e o equilíbrio<br />

intelectual não habitam.<br />

Pior que reconhecer tal situação <strong>de</strong>sarrazoada é manter o Esta<strong>do</strong>/Juiz<br />

ampara<strong>do</strong> <strong>por</strong> força da disposição legal com a vitalicieda<strong>de</strong> imposta ao cargo, <strong>por</strong><br />

força Constitucional.<br />

A <strong>de</strong>cadência <strong>do</strong> sistema operacional e a falta <strong>de</strong> opção <strong>de</strong> outra forma <strong>de</strong><br />

realizá-lo confrontam-se com os princípios <strong>de</strong>mocráticos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito. Sem<br />

opção para os jurisdiciona<strong>do</strong>s, nota-se a presença <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa imposição.<br />

Portanto, algo que contradiz a essência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>.<br />

autorida<strong>de</strong>, senão da observância rígida <strong>de</strong> rotinas sedimentadas, transfere ele para a função judicial<br />

a <strong>de</strong>formação adquirida na origem. Dificulta a tramitação <strong>do</strong>s papéis, n<strong>um</strong> fluxo processual já em si<br />

complica<strong>do</strong>. Inadmite distinguir, <strong>de</strong>ntre as providências que lhe são requeridas, aquelas suscetíveis<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão imediata justificável pela relevância <strong>do</strong>s interesses em questão. Tu<strong>do</strong> há <strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m preestabelecida, que <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra a poliédrica fisionomia da<br />

realida<strong>de</strong>; d) Subcategoria i<strong>de</strong>ntificável <strong>do</strong> burocrata é a <strong>do</strong> juiz estatutário. Enquadra-se na categoria<br />

<strong>do</strong>s funcionários públicos, para justificar a mediocrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>sempenho. Fiel c<strong>um</strong>pri<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s horários,<br />

preten<strong>de</strong> permanecer no fór<strong>um</strong> durante o tempo necessário a configurar a jornada. Não leva<br />

processos para casa. Reclama continuamente da remuneração. Critica aqueles colegas que se<br />

preocupam com a qualida<strong>de</strong> da outorga e se sacrificam para vencer a sobrecarga. Tem consciência<br />

tranquila quan<strong>do</strong> afirma trabalhar para viver e não o inverso. Orienta o cartório a lhe fazer a conclusão<br />

<strong>de</strong> número certo <strong>de</strong> processos e invoca suas <strong>de</strong>mais necessida<strong>de</strong>s pessoais <strong>–</strong> a saú<strong>de</strong>, a família, a o<br />

lazer <strong>–</strong> como escusa para o acervo <strong>de</strong> processos que não consegue vencer; e) Magistra<strong>do</strong>s há que<br />

se i<strong>de</strong>ntificam <strong>de</strong> imediato com as teses cor<strong>por</strong>ativistas e passam a investir to<strong>do</strong> o talento e<br />

disponibilida<strong>de</strong> na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua concretização, a preocupação permanente e como reajuste <strong>de</strong><br />

vencimentos e <strong>de</strong>mais vantagens. Formulam hipóteses que permitam a extensão ao quadro <strong>do</strong>s<br />

magistra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> qualquer benefício auferi<strong>do</strong> <strong>por</strong> outra categoria. Interpretam favoravelmente as<br />

disposições, recorrem a <strong>um</strong>a análise assistemática para a conclusão que beneficia seus interesses,<br />

conjugam Leis conflitantes para <strong>de</strong>las extrair soluções que a explicitu<strong>de</strong> normativa não lhe garante.<br />

Tornam-se insensíveis à reivindicação <strong>de</strong> outras classes e à realida<strong>de</strong> nacional. O universo se reduz<br />

a aspectos retributários <strong>de</strong> função e em torno <strong>de</strong>sta órbita <strong>de</strong>ve gravitar tu<strong>do</strong> o mais; f) Há o juiz que<br />

se esquece na fogueira da vaida<strong>de</strong> e inverte em si, preocupan<strong>do</strong>-se com a divulgação <strong>de</strong> suas<br />

<strong>de</strong>cisões, a<strong>do</strong>ta posturas exóticas para garantir publicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>svincula seu acrescentamento<br />

cultural <strong>do</strong> retorno necessários em torno <strong>de</strong> eficiência na prestação jurisdicional; g) Outra vertente é<br />

aquela que se manifesta no exercício da política local <strong>–</strong> A interferência nas questiúnculas<br />

comarcanas, a a<strong>de</strong>são a grupos partidários, o <strong>de</strong>sequilíbrio da imparcialida<strong>de</strong> que é pressuposto da<br />

função judicial; h) O juiz carreirista preten<strong>de</strong> chegar rapidamente aos últimos estágios da função,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> preparo ou <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> atropelar, nessa corrida, colegas mais antigos ou, até,<br />

mais capazes; i) Seu antípoda, o juiz acomoda<strong>do</strong>, pouco se interessa pela carreira. Dedica-se a<br />

outras ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>scuida-se <strong>do</strong> aprimoramento, oferece o mínimo <strong>de</strong> si e consi<strong>de</strong>ra o seu ingresso<br />

como final <strong>de</strong> <strong>um</strong>a batalha árdua, que lhe assegurará a permanência vitalícia no quadro <strong>do</strong>s que<br />

dizem o <strong>direito</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> atributos pessoais aferíveis posteriormente à posse (NALINI,<br />

José Renato. Recrutamento e preparo <strong>de</strong> juízes na Constituição <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> 1988. São Paulo:<br />

Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1992, p. 90)”.


438<br />

A situação é remansosa e encontra-se instalada há séculos, <strong>por</strong>ém abafada<br />

pelo interesse <strong>do</strong>s comuns que preferem habitar a incerteza <strong>do</strong> caos a reconhecer a<br />

falibilida<strong>de</strong> existente <strong>do</strong> sistema operacional da Justiça que, sectário, já não mais<br />

aten<strong>de</strong> aos critérios <strong>de</strong> rapi<strong>de</strong>z, previsibilida<strong>de</strong>, certeza e confiança, pois enquanto<br />

aplica<strong>do</strong>r das regras normativas é o que verbaliza Nalini (1992, p. 95):<br />

A constatação da falibilida<strong>de</strong> nos méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> provimento das vacâncias no<br />

quadro da judicatura não é recente; no limiar da década <strong>de</strong> sessenta o Prof.<br />

Egas Moniz <strong>de</strong> Aragão já proclamava: “A carreira da Magistratura,<br />

infelizmente, não tem o condão <strong>de</strong> atrair os mais prepara<strong>do</strong>s e capazes.<br />

Bem ao contrário, para ela se voltam alguns <strong>de</strong>siludi<strong>do</strong>s da vida profissional,<br />

outros não conseguiram vencer, ou que intentaram <strong>um</strong> sucesso<br />

excessivamente rápi<strong>do</strong>, finalmente há os que buscam apenas estabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> subsidio constante. Poucas são, na realida<strong>de</strong>, as verda<strong>de</strong>iras<br />

vocações <strong>de</strong> juiz.<br />

No que tange à carreira <strong>de</strong> magistra<strong>do</strong> <strong>–</strong> escreveu Fre<strong>de</strong>rico Marques <strong>–</strong><br />

cremos que em breve precisaremos imitar a igreja e fazer intensa campanha<br />

em prol das invocações judiciárias. “Bem exata é a sua observação. Embora<br />

o vencimento inicial possa ser a<strong>um</strong>enta<strong>do</strong>, constituin<strong>do</strong>-se, pois, no menor<br />

problema, há outras dificulda<strong>de</strong>s, a igual <strong>do</strong> que ocorre com os religiosos,<br />

que afugentam os candidatos da vida <strong>de</strong> juiz, vida dura, inçada <strong>de</strong><br />

sacrifícios, em certas ocasiões tão penosas quanto a <strong>do</strong>s ascetas, o que<br />

espanta obviamente quem divise <strong>um</strong> triunfo mais cômo<strong>do</strong>.<br />

Nessa seara inóspita, árida e escaldante missão, a tarefa homérica, ainda que<br />

predita constitucionalmente, é a <strong>de</strong> manter o opera<strong>do</strong>r da Justiça ávi<strong>do</strong> pela<br />

constante atualização, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao contexto estafante e extenuante da vida pósmo<strong>de</strong>rna.<br />

O palmilhar com o far<strong>do</strong> que conduz o opera<strong>do</strong>r da Justiça ao cargo, embora<br />

<strong>um</strong>a conquista, gradativamente se torna <strong>um</strong> sistema obsoleto, da<strong>do</strong> o<br />

comprometimento que sua limitação cognitiva oferece aos fins <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça, principalmente quanto às garantias previstas nas leis. A nostalgia da<br />

investidura e as condições ofertadas pelo cargo exigem mais <strong>do</strong> que o acesso e as<br />

atribuições.


439<br />

Uma reforma <strong>do</strong> sistema operacional da Justiça em busca <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

mais célere, eficiente e eficaz, contribuiria não somente para o melhoramento da<br />

Justiça como pouparia a socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> imenso tempo <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a contornar as<br />

inúmeras falhas que a Justiça apresenta quan<strong>do</strong> instr<strong>um</strong>entalizada pelo<br />

Esta<strong>do</strong>/Juiz. 288 O sonho enfrenta suas próprias limitações, que não conseguem ser<br />

ultrapassadas, nas quais os <strong>limite</strong>s da razão instr<strong>um</strong>ental <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz não<br />

permitem que ele se <strong>de</strong>svencilhe da avalanche ator<strong>do</strong>ante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>manda<br />

h<strong>um</strong>anamente invencível.<br />

A <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> meios para superar a limitação r<strong>um</strong>o à satisfação da<br />

realização da Justiça vale-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> aparato tecnológico cuja <strong>inteligência</strong> permite a<br />

soma <strong>de</strong> conhecimentos diversos para a reflexão e a apuração <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão.<br />

Nesse contexto, agregar aspectos filosóficos, sociológicos, antropológicos,<br />

<strong>de</strong>ntre outras cognições <strong>de</strong> forma unificada e integrada permitiria o melhoramento<br />

<strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s fins.<br />

A integração das bases <strong>de</strong> conhecimentos é tarefa hercúlea que somente<br />

po<strong>de</strong> ocorrer <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> tecnologia em Inteligência Artificial, no qual<br />

informações e da<strong>do</strong>s possam dar respostas imediatas sempre que pesquisadas as<br />

mais diversas questões consultadas.<br />

É essencial que a objetivida<strong>de</strong>, a presteza e a segurança no exercício da<br />

judicatura possam concretizar-se, aliás, a judicatura enquanto ato próprio <strong>de</strong> julgar<br />

<strong>por</strong> si só, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong>s meios que pro<strong>por</strong>cionarem sua realização.<br />

É convidativo o momento em que a própria judicatura possa dialogar <strong>de</strong> forma<br />

mais estreita com as novas ciências, possa dialogar com a tecnologia, possa<br />

reconhecer que os <strong>novo</strong>s tempos pugnam <strong>por</strong> mo<strong>de</strong>los diversos, procedimento e<br />

realizações condizentes com <strong>um</strong>a nova geração <strong>de</strong> conflitos.<br />

288<br />

Ainda estriba<strong>do</strong> nos ensinamentos <strong>de</strong> Nalini: “A Escola <strong>de</strong> Juízes é a concretização <strong>de</strong> velho<br />

anseio <strong>de</strong> cultura da Justiça <strong>de</strong> interessa<strong>do</strong>s no aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. O<br />

Ministro Aliomar Baleeiro já asseverava, em conferência realizada em Belo Horizonte em ciclo sobre a<br />

Reforma <strong>do</strong> Judiciário patrocina<strong>do</strong> pela UFMG e pela PUC/MG, que, n<strong>um</strong>a palavra, não bastam os<br />

meios materiais, os Palácios da Justiça, os computa<strong>do</strong>res, os aparelhos <strong>de</strong> microfilmagem, os<br />

equipamentos: há sempre o problema <strong>do</strong> juiz como homem. E o Min. Carlos Mário da Silva Velloso,<br />

ao pro<strong>por</strong> a instrução atualizatória constante para os Juízes, assinalava que os cursos serviriam a<br />

<strong>de</strong>spertar o Juiz “Para a gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> suas funções, e sua in<strong>de</strong>pendência há <strong>de</strong> ser tal que, mesmo<br />

em situações adversas, possa ele c<strong>um</strong>prir o seu <strong>de</strong>ver, sem vacilações, <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> aquilo que está<br />

impedin<strong>do</strong> ou dificultan<strong>do</strong> o exercício <strong>de</strong> suas funções” (NALINI, José Renato. Recrutamento e<br />

preparo <strong>de</strong> juízes na Constituição <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Ed. Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1992,<br />

p. 98)”.


440<br />

A questão epistolar <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir precisa ser <strong>de</strong>smistificada<br />

<strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> a encontrar e dar senti<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a nova exigência. Decidir <strong>por</strong> meio <strong>de</strong><br />

novas práticas sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se c<strong>um</strong>prir com o justo <strong>de</strong> forma integrada e <strong>de</strong>finitiva,<br />

dan<strong>do</strong> estabilida<strong>de</strong> ao sistema, revela-se <strong>um</strong> futuro presente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja<br />

interesse efetivo pelas mudanças. Segun<strong>do</strong> Bittar (2009, p. 85):<br />

A razão instr<strong>um</strong>ental está a serviço <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> espírito <strong>de</strong> criar, e o<br />

controle aparece como o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> realizar realizações jurídicas. E isso que<br />

permite dizer que o agir, mais que tu<strong>do</strong>, avança sobre o pensar. E para isso<br />

contribui à flagrante tecnização e pragmatização <strong>do</strong>s valores e das relações<br />

sociais. Então a atitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> jurista, segun<strong>do</strong> Kelsen, <strong>de</strong>ve consistir n<strong>um</strong> partir<br />

da norma jurídica dada para chegar à própria norma dada.<br />

Sem enfrentar as incongruências ou as divergências <strong>de</strong> <strong>um</strong>a teoria pura <strong>do</strong><br />

<strong>direito</strong> em Kelsen, os atos <strong>de</strong> julgar e <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir em tempos distintos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> são<br />

suscetíveis <strong>de</strong> reconhecer que a tecnização e a pragmatização aten<strong>de</strong>m muito<br />

melhor <strong>do</strong> que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça divorciada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> transitória e<br />

simultânea, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se as novas regras sociais, nas quais o jogo social<br />

espelha <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong>.<br />

Tem-se <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa em que as soluções <strong>de</strong>vem ser imediatas<br />

em busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pacificação <strong>do</strong>s conflitos diversos; a tecnização pragmática<br />

operaria sobre a validação das regras <strong>de</strong> regulação a partir <strong>de</strong> sua<br />

utilida<strong>de</strong>/efetivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> seu resulta<strong>do</strong>.<br />

Em que pese fauna e flora social coexistirem com valores diversos,<br />

convergentes ou divergentes, a estabilização das regras normativas <strong>por</strong> intermédio<br />

da tecnologia, em que essa me<strong>de</strong>ia (pon<strong>de</strong>ra) as interposições <strong>de</strong> interesses<br />

(distintos) e aplica as regras pre<strong>de</strong>finidas <strong>de</strong> forma sistematizada no âmbito jurídico,<br />

representa mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a solução, mas <strong>um</strong>a opção <strong>de</strong> se franquear a socieda<strong>de</strong><br />

a mais <strong>um</strong> canal disponível para a resolução <strong>de</strong> conflitos. Destaca Bittar (2003, p.<br />

214):<br />

Visto no tempo e no espaço, po<strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r mesmo que <strong>um</strong> sistema<br />

jurídico váli<strong>do</strong>, ao possuir relevância se esta intrinsecamente liga<strong>do</strong> a seu<br />

tempo, ou seja, ao presente. Se ele é ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para sua época, se é<br />

risco fruto <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, funcionais como tal, ou seja, como relíquia histórica<br />

<strong>–</strong> Se está no com<strong>passo</strong> das necessida<strong>de</strong>s sociais para o presente e colocase<br />

afina<strong>do</strong> com o futuro, é sim <strong>um</strong> or<strong>de</strong>namento em que transparece força<br />

<strong>por</strong> meio <strong>de</strong> suas normas.


441<br />

A pacificação <strong>do</strong>s conflitos sociais e a mediação das relações <strong>por</strong> intermédio<br />

<strong>de</strong> aparatos tecnológicos, se existentes e aprova<strong>do</strong>s, corroboram para comprovar a<br />

eficácia <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico. A implementação sobre as luzes da morfogênese,<br />

da resiliência e da unidirecionalida<strong>de</strong> tem gran<strong>de</strong>s o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> romper com <strong>um</strong><br />

sistema jurídico “cultiva<strong>do</strong> ao centro e às margens <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultural senhorial”, como<br />

verbaliza Marilena Chauí.<br />

A Justiça judiciária em sua nascente já traz em si o germe <strong>de</strong> <strong>um</strong>a burocracia<br />

que alimenta seus interessa<strong>do</strong>s, em si representantes da encarnação <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

feito para proteger seus próprios interesses, além, <strong>de</strong>sse protecionismo esten<strong>de</strong>r-se<br />

ao Esta<strong>do</strong> que o gestou e concebeu.<br />

Outrossim, se sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> é o Esta<strong>do</strong>, no caso, o Esta<strong>do</strong> Brasil, há <strong>de</strong> se<br />

ter também na mesma medida, ou seja, em simetria, <strong>um</strong>a Justiça sub<strong>de</strong>senvolvida<br />

que justifique o culto a <strong>um</strong> sistema operacional normativo que não garante que o ato<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir comece na lei e termine na lei.<br />

Nesse caso, o problema da corrosão <strong>do</strong> Direito não está no Direito, mas na<br />

forma como ele é opera<strong>do</strong>, mais precisamente em seu opera<strong>do</strong>r. A ineficácia <strong>do</strong><br />

sistema jurídico quanto à sua inoperância é evi<strong>de</strong>nte, <strong>por</strong>que sua eficiência e<br />

eficácia não se concretizam diante das i<strong>de</strong>ias ilusórias <strong>de</strong> <strong>um</strong> opera<strong>do</strong>r que vive<br />

imerso <strong>de</strong> forma altruísta em seu “purismo meto<strong>do</strong>lógico”.<br />

A racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem é questionável. Se isso é <strong>um</strong> fato, torna-se<br />

possível, a partir <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> provas cataloga<strong>do</strong>s pela História enquanto<br />

ciência, conduzi-lo ao julgamento. Aceitar que as <strong>de</strong>cisões sejam políticas, aceitar<br />

que a parcialida<strong>de</strong> e a intencionalida<strong>de</strong> participem ativamente <strong>do</strong> palco da Justiça é<br />

negar sua própria condição <strong>de</strong> ação justa. 289 A administração feita pela racionalida<strong>de</strong><br />

h<strong>um</strong>ana como tribunal <strong>de</strong> julgamento tem conduzi<strong>do</strong> a socieda<strong>de</strong> a <strong>um</strong> perecimento<br />

gradual e, <strong>por</strong> conseguinte, ao seu pa<strong>de</strong>cimento. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o com<strong>por</strong>tamento<br />

da razão esteve em toda a sua trajetória comprometida com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong><br />

paz e <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> não passa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia contraditória em si mesma.<br />

289<br />

Segun<strong>do</strong> Horkheimer: “A crise atual da razão consiste basicamente no fato <strong>de</strong> que até certo ponto<br />

o pensamento ou se tornou incapaz <strong>de</strong> conceber tal objetivida<strong>de</strong> em si ou começou a negá-la como<br />

ilusão. Esse processo ampliou-se gradativamente até incluir o conteú<strong>do</strong> objetivo <strong>de</strong> to<strong>do</strong> conceito<br />

racional. No fim, nenh<strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> particular po<strong>de</strong> ser vista como racional per-se; to<strong>do</strong>s os<br />

conceitos básicos, esvazia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong>, vêm a ser apenas invólucros formais. Na medida em<br />

que é subjetivada, a razão se torna também formalizada (HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão;<br />

tradução Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Centauro, 2002, p. 13)”.


442<br />

É notória e propícia a assertiva <strong>de</strong> “i<strong>de</strong>ologia contraditória”, na medida em que<br />

a lei não é c<strong>um</strong>prida <strong>por</strong> não <strong>de</strong>ter força <strong>de</strong> fazer-se c<strong>um</strong>prir, inclusive pelos próprios<br />

órgãos que a aplicam: a racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> próprio Direito passa a ser <strong>um</strong>a<br />

irracionalida<strong>de</strong>, visto que seu opera<strong>do</strong>r contribui para a não concretização <strong>do</strong> próprio<br />

Direito. De tal fato advém o fenômeno da não concretização da Justiça, isso <strong>por</strong>que<br />

a razão contamina <strong>de</strong>generativamente o Direito.<br />

O mo<strong>de</strong>lo da Justiça judiciária passa a ser <strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong> transformar-se o<br />

conflito em solução. O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> etapas, da implantação <strong>de</strong> regras <strong>por</strong><br />

meio <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo racional e sistemático redunda <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia formal, <strong>por</strong>ém<br />

sem conteú<strong>do</strong> material que satisfaça seu <strong>de</strong>stinatário.<br />

A não entrega <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s práticos e materiais aceitáveis dá-se <strong>por</strong>que a<br />

carga normativa coercitiva está divorciada <strong>do</strong> compromisso pedagógico <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a ciência comprometida com a compreensibilida<strong>de</strong> da realida<strong>de</strong> social, <strong>de</strong>dicada<br />

à educação e à formação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consciência real, voltada para a teoria e a<br />

experiência prática <strong>do</strong> próprio Direito enquanto regras <strong>de</strong> convívio em socieda<strong>de</strong>.<br />

A Justiça judiciária proposta operada pelo homem/Juiz não é o Direito em<br />

ação concreta, é o homem e sua razão em ação. Ao passar pelo filtro operacional,<br />

ele <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser Direito e passa ser <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Direito condicionada aos meios<br />

<strong>cognitivo</strong>s <strong>de</strong> seu aplica<strong>do</strong>r. Segun<strong>do</strong> Warat (2010, p. 68),<br />

[...] os juristas, em seu afã normativista, tratam as normas ignoran<strong>do</strong> que,<br />

to<strong>do</strong> o texto (legal) tem sua escrita, ou seja, o trabalho <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong>sse<br />

sujeito. A linguagem escrita como inscrição <strong>do</strong> corpo na linguagem é para<br />

mim o ponto <strong>de</strong> partida da minha retórica-psico-semântica. A escrita jurídica<br />

como objeto, campo temático <strong>de</strong> minha retórica (sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que a<br />

escrita começa significante). E complementa o mesmo autor (2010, p. 73)<br />

“Nenh<strong>um</strong> opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito adquiriu consciência da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

formalizar as dimensões psicanalíticas das experiências que os<br />

comprometem enquanto juristas”.<br />

Alg<strong>um</strong>as das condições que materializam essa realida<strong>de</strong> são as meto<strong>do</strong>logias<br />

<strong>do</strong> ensino e aprendiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito sen<strong>do</strong> meios e formas responsáveis pela<br />

manutenção e perpetuação <strong>do</strong> <strong>do</strong>gmatismo jurídico <strong>de</strong> todas as suas formas, em<br />

que o Direito se apresenta como <strong>um</strong> sistema perfeito <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s perenes,<br />

incontestáveis e irradiosas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia política <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para sua gestão,<br />

organização e punição.


443<br />

O que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser dissuadi<strong>do</strong> pelos cientistas <strong>do</strong> Direito é que é <strong>um</strong>a posição<br />

pouco tomada, <strong>um</strong>a vez que os gran<strong>de</strong>s expoentes, já consagra<strong>do</strong>s e com sua<br />

situação intelectual, financeira e econômica resolvida, pouco se im<strong>por</strong>tam com o que<br />

se parece com as futuras gerações.<br />

Muitos <strong>de</strong>ssa plêia<strong>de</strong> não passam <strong>de</strong> repeti<strong>do</strong>res amorfos <strong>de</strong> concepções<br />

legais retrógradas e ineficazes, ainda que válidas <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista positivista. A<br />

questão é mais acentuada e margeia o grito <strong>do</strong> <strong>de</strong>sespero, no que se <strong>de</strong>staca a<br />

limitação cognitiva quan<strong>do</strong> o opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito enfrenta outros conhecimentos. 290<br />

A integração e a unificação <strong>do</strong>s conhecimentos são algo que passa distante<br />

da possibilida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana, ainda mais <strong>do</strong> homem pós-mo<strong>de</strong>rno, seja pela quantida<strong>de</strong>,<br />

seja pela transitorieda<strong>de</strong>, seja pela simultaneida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos. Essa<br />

complexida<strong>de</strong> constitui <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong> cínica <strong>do</strong> erra<strong>do</strong>, mas consi<strong>de</strong>rada normal.<br />

Portanto, no <strong>limite</strong> da espécie h<strong>um</strong>ana, <strong>de</strong> sua disposição em produzir, que o<br />

caminho alternativo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a outra forma <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong> tornar-se inteligível, ainda que<br />

<strong>artificial</strong>mente, po<strong>de</strong> apontar sinalizan<strong>do</strong> para <strong>um</strong>a outra via positiva.<br />

Além <strong>de</strong> ser mais <strong>um</strong>a opção dada à espécie h<strong>um</strong>ana, como <strong>um</strong>a<br />

possibilida<strong>de</strong> efetiva <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong> e imparcialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgar e ser julga<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong>starte, <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça previsível e certa quanto aos aspectos<br />

legais baliza<strong>do</strong>res.<br />

Im<strong>por</strong>tante <strong>de</strong>stacar, ainda, que, <strong>de</strong>ntro da orla judiciária, o cenário <strong>do</strong><br />

conserva<strong>do</strong>rismo e da imobilida<strong>de</strong> são com<strong>por</strong>tamentos perversos, que asfixiam o<br />

reconhecimento das <strong>de</strong>ficiências da organização judiciária.<br />

Os sinais <strong>de</strong> ineficiência são trata<strong>do</strong>s como se os maiores problemas fossem<br />

a implementação <strong>de</strong> leis materiais e processuais com maior consistência e vigor<br />

para a resolução <strong>do</strong>s conflitos, como bem pontua Watanabe. 291<br />

290<br />

Conforme esclarece Warat: “Convém insistir em que to<strong>do</strong> conhecimento só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>pura<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> e orienta<strong>do</strong> para a objetivação, na medida em que é produzi<strong>do</strong> com <strong>um</strong>a visão<br />

interdisciplinar. Por isso mesmo, o que reivindica para a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a meto<strong>do</strong>logia <strong>do</strong> ensino<br />

jurídico não é <strong>um</strong>a maniqueísta e castra<strong>do</strong>ra seleção <strong>de</strong> teorias que rejeitam e excluem o<br />

conhecimento produzi<strong>do</strong> em outras áreas. Também, na prática educacional, a utilização da teoria que<br />

esta disciplina conformará não afasta o recurso, a outras teorias, que, compatibilizadas com a<br />

primeira, <strong>de</strong>vem orientar os processos <strong>de</strong> ensino e aprendizagem (WARAT, Luis Alberto; CUNHA,<br />

Rosa Maria Car<strong>do</strong>so da. Ensino e saber jurídico. Rio <strong>de</strong> Janeiro: El<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> Tijuca, 1977, p. 56)”.<br />

291<br />

“Nesse âmbito, os estu<strong>do</strong>s que vem sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s não se limitam ao mero aspecto<br />

organizacional, sua estrutura e funcionalida<strong>de</strong>. Novas estratégias <strong>de</strong> tratamento <strong>do</strong>s conflitos <strong>de</strong><br />

interesses têm si<strong>do</strong> analisadas e até mesmo postas em prática, procuran<strong>do</strong>-se soluções alternativas<br />

aos meios tradicionais em uso, como o juízo <strong>de</strong> conciliação, os juízos arbitrais e a participação <strong>de</strong><br />

leigos na administração da <strong>justiça</strong>. Lamentavelmente no Brasil, as tentativas <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> novas<br />

alternativas esbarram em vários obstáculos <strong>do</strong>s quais os mais sérios são o imobilismo e a estrutura


444<br />

A par disso, a criação <strong>de</strong> técnicas alternativas vem <strong>de</strong> encontro a estudioso<br />

interesse científico <strong>de</strong> superar a cultura da sentença para implementar a cultura da<br />

resolução, o que exige reconhecer e dar passagem a outras formas <strong>de</strong> linguagens e<br />

outros mecanismos, inclusive tecnológicos que possam aten<strong>de</strong>r à excessiva<br />

<strong>de</strong>manda em relação à baixa oferta.<br />

O consenso promovi<strong>do</strong> pela conciliação e pela mediação no solo da<br />

hipossuficiência educacional tem produzi<strong>do</strong>s frutos positivos, <strong>por</strong>ém não suficientes,<br />

<strong>por</strong>que em muitos casos essas medidas são frustradas, diante da resistência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

população <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandantes que exige <strong>um</strong>a resposta <strong>do</strong> sistema <strong>por</strong> meio da <strong>de</strong>cisão<br />

a qual tem como simetria o Direito existente.<br />

Coletar da<strong>do</strong>s e informações <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma publicista é algo que po<strong>de</strong> mudar<br />

o senti<strong>do</strong> da Justiça, o que não acontece com a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se precisa <strong>por</strong><br />

razões claramente evi<strong>de</strong>ntes que se justificam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a forma <strong>de</strong> mediar as regras<br />

com a <strong>de</strong> sistematizar as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> questões análogas que dispensam qualquer<br />

juízo <strong>de</strong> erudição intelectual <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

Para isso, a participação ativa <strong>de</strong> mecanismos tecnológicos <strong>do</strong> trazer<br />

(trans<strong>por</strong>tar) esses <strong>novo</strong>s elementos po<strong>de</strong> inescusavelmente produzir <strong>um</strong>a nova<br />

consciência <strong>do</strong> que possa ser mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da eficiência e da<br />

satisfação.<br />

Tanto a socieda<strong>de</strong> clama <strong>por</strong> isso, promoven<strong>do</strong> a estabilização <strong>do</strong> Direito,<br />

que exige a aceitação <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stinatário e, ao mesmo tempo, evitan<strong>do</strong> a<br />

esquizofrênica inflação legislativa.<br />

mental marcada pelo excessivo conserva<strong>do</strong>rismo, que se traduz no apego irracional às formulas <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong>, <strong>de</strong> <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, e à inexistência, <strong>por</strong> outro <strong>de</strong> qualquer pesquisa interdisciplinar sobre os<br />

conflitos <strong>de</strong> interesses e as <strong>de</strong>mandas (no senti<strong>do</strong> das ações ajuizadas), suas causas, seus mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

solução ou acomodação, os obstáculos ao acesso à <strong>justiça</strong> e vários outros aspectos que propiciem o<br />

melhor entendimento da realida<strong>de</strong> social <strong>por</strong> parte <strong>do</strong>s responsáveis pela melhor organização da<br />

<strong>justiça</strong> (WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,<br />

2012, p. 28)”.


445<br />

16 CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DA PRIMEIRA REFORMA DO<br />

PODER JUDICIÁRIO<br />

16.1 Os motivos históricos <strong>do</strong> sistema operacional <strong>judicante</strong> e a centelha da<br />

tecnologização proposta entre os pontos e contrapontos da reforma<br />

O CNJ (Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça) existe em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

<strong>por</strong> força <strong>de</strong> lei e seu espaço, segun<strong>do</strong> <strong>um</strong>a das posições majoritárias, <strong>de</strong>corre <strong>do</strong>s<br />

problemas apresenta<strong>do</strong>s pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário em conseqüência <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> gestão<br />

e controle, arg<strong>um</strong>entos <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s à época da criação <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> órgão <strong>de</strong><br />

fiscalização, atualmente cataloga<strong>do</strong> na Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa, daqui<br />

<strong>por</strong> diante, simplesmente (CRF).<br />

O foco da chamada reforma <strong>do</strong> judiciário, tributária da originária PEC n.º<br />

96/92 e outras, que mesclou e girou sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se alterarem alguns<br />

diplomas legais, <strong>de</strong>ntre eles a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o Código <strong>de</strong> Processo Civil e a<br />

Código <strong>de</strong> Processo Penal, foi implantar <strong>um</strong>a Justiça funcional <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a melhor gestão administrativa, em s<strong>um</strong>a, <strong>um</strong>a Justiça otimizada, capaz <strong>de</strong><br />

superar os conflitos insuperáveis da sua administração.<br />

O objetivo da proposta era o <strong>de</strong> dar <strong>um</strong>a maior transparência ao processo <strong>de</strong><br />

apuração, avaliação e validação <strong>do</strong>s trabalhos <strong>do</strong> Judiciário e com isso torná-lo<br />

público à socieda<strong>de</strong>.<br />

Fornecen<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s e informações sobre o <strong>de</strong>sempenho da Justiça, que há<br />

décadas se apresentava não transparente, morosa e pouco eficiente. As <strong>de</strong>mandas<br />

existentes e as ações <strong>do</strong> judiciário eram submetidas a <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> “caixa preta”<br />

vulgarmente <strong>de</strong>nominada.<br />

Assim, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> judiciário com forte segurança normativa em<br />

que o fortalecimento <strong>do</strong> sistema somente <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia advir a partir <strong>do</strong> momento em que<br />

a Justiça pu<strong>de</strong>sse, proveniente <strong>de</strong> seus prece<strong>de</strong>ntes s<strong>um</strong>ulares, veicular <strong>de</strong>cisões<br />

padronizadas e uniformizadas.<br />

Alimentou muitos <strong>do</strong>s discursos e discussões nas casas legislativas.Com isso,<br />

o movimento para a aprovação da reforma que perdurava <strong>por</strong> mais <strong>de</strong> duas décadas<br />

<strong>passo</strong>u a ganhar força até sua efetiva aprovação.


446<br />

Isso se <strong>de</strong>u graças ao entendimento que começava a tomar ainda mais<br />

consciência, da<strong>do</strong>s e informações obti<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s levantamentos; constatavam a<br />

pre<strong>do</strong>minância <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça lotérica e imprevisível das causas, junto aos tribunais.<br />

As <strong>de</strong>mandas judiciárias repetitivas também chamavam a atenção em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> processo natural e gradual <strong>do</strong> crescimento <strong>de</strong>mográfico social e a<br />

procura <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Justiça pacifica<strong>do</strong>ra.<br />

Devi<strong>do</strong> a esses problemas <strong>de</strong> incerteza, imprevisibilida<strong>de</strong> e morosida<strong>de</strong>, há a<br />

essencialida<strong>de</strong> em buscar-se manter posições análogas sobre casos cujo <strong>de</strong>sfecho<br />

pugnava pelo mesmo <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato, geran<strong>do</strong> não somente <strong>um</strong>a estabilida<strong>de</strong>, mas com<br />

ela <strong>um</strong>a credibilida<strong>de</strong> ao sistema. Semelhantes problemas já haviam si<strong>do</strong> aponta<strong>do</strong>s<br />

teoricamente nos estu<strong>do</strong>s feitos <strong>por</strong> José Eduar<strong>do</strong> Faria, nos i<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1990.<br />

Com tais propósitos, o pacote da reforma <strong>do</strong> Judiciário também trouxe a<br />

im<strong>por</strong>tância da introdução da tecnologização <strong>do</strong>s meios judiciários em to<strong>do</strong>s os<br />

aspectos, inclusive implementan<strong>do</strong> <strong>um</strong> gerenciamento capaz <strong>de</strong> traduzir a Justiça<br />

em números.<br />

Foram esses os fatores centrais da reforma, sen<strong>do</strong> eles os responsáveis pela<br />

criação e pela implantação <strong>do</strong> CNJ (Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça), mesmo que o<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> em suas hierarquias se tornasse unida<strong>de</strong>s em constante tensão diante da<br />

pressão gerada a partir <strong>de</strong> órgão fiscaliza<strong>do</strong>r.<br />

A proposta <strong>de</strong> gestão e <strong>de</strong> <strong>um</strong> maior controle abriu as <strong>por</strong>tas para pôr em<br />

prática as tecnologias e com elas não somente a organização e a sistematização<br />

<strong>do</strong>s procedimentos, mas também a mecanização e a parametrização <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong>s<br />

órgãos judiciários.<br />

A discussão <strong>do</strong>s Direitos e Garantias Fundamentais tornou-se <strong>um</strong>a discussão<br />

pífia e maltratada, ante os interesses <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong> em produzir relatórios, da<strong>do</strong>s<br />

e informações, <strong>por</strong>tanto substituin<strong>do</strong> muitos <strong>do</strong>s aspectos positivos, <strong>por</strong>que se<br />

suprimia o qualitativo em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> quantitativo da “Justiça em números”.<br />

O interesse <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em apresentar <strong>um</strong>a gestão e com ela as<br />

procedibilida<strong>de</strong>s pairava além <strong>do</strong>s indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações, <strong>por</strong>ém no<br />

interesse <strong>de</strong> criar mecanismos <strong>de</strong> funcionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a a<strong>um</strong>entar o<br />

controle e a fomentar a cada momento <strong>um</strong>a vida autossuficiente <strong>do</strong> sistema judiciário<br />

e da socieda<strong>de</strong> gerenciada <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista legal.


447<br />

Por trás <strong>de</strong>ssa perspectiva, ainda sobejava <strong>um</strong> tendência natural <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

Esta<strong>do</strong> mínimo, somente ocupan<strong>do</strong> a posição <strong>de</strong> gerente “media<strong>do</strong>r”, como<br />

resvala<strong>do</strong>, conseguin<strong>do</strong> que a complexida<strong>de</strong> advinda <strong>do</strong> crescimento pu<strong>de</strong>sse<br />

encontrar seu próprio ponto <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong>.<br />

Em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> acomodação <strong>do</strong> sistema <strong>por</strong> ausência <strong>de</strong> opção, à<br />

medida que a força em movimento, em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s e que envolve to<strong>do</strong>s os<br />

envolvi<strong>do</strong>s, em que estes ass<strong>um</strong>issem responsabilida<strong>de</strong>s anteriormente<br />

capitaneadas só pelo ente “Estatal”, na figura <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Nesse aspecto, a ingerência e a disfunção das funções <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> quanto a<br />

suas irresponsabilida<strong>de</strong>s no trato da Justiça levam a pensar serem elas <strong>um</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento proposital, ao menos <strong>por</strong> <strong>um</strong> prisma.<br />

O Esta<strong>do</strong> sai <strong>de</strong> <strong>um</strong>a era paternalista e passa a ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong>a posição <strong>de</strong><br />

“madralista” daqueles que <strong>por</strong> muito tempo esteve a tutelar: a socieda<strong>de</strong>. Tal<br />

posição, se não na totalida<strong>de</strong>, ao menos em parte justifica o reposicionamento<br />

proposto pela reforma <strong>do</strong> Judiciário.<br />

Aliás, a ineficiência e os meios alternativos <strong>de</strong> Justiça representam <strong>um</strong>a nova<br />

forma <strong>de</strong> Justiça e sua gestão, em que a socieda<strong>de</strong> ass<strong>um</strong>e <strong>um</strong>a maior parte da<br />

responsabilida<strong>de</strong>.<br />

O peso da responsabilida<strong>de</strong> e a responsabilização da socieda<strong>de</strong> contribuem<br />

para que venha a acontecer <strong>um</strong> amadurecimento mais célere, além <strong>de</strong> encaminhar a<br />

socieda<strong>de</strong> para a sua autorregulação, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> emancipação.<br />

Estranhamente, <strong>por</strong>ém, ela parece fadada ao insucesso, <strong>por</strong>que a garantia <strong>de</strong><br />

acesso e a efetiva formação educacional substancial <strong>de</strong> base ainda representam<br />

<strong>um</strong>a proposta muito distante <strong>de</strong> concretizar-se no contexto histórico educacional da<br />

realida<strong>de</strong> brasileira.<br />

No processo <strong>de</strong> manifestação da reforma <strong>do</strong> Judiciário, a crença <strong>de</strong> que o<br />

esse representa ainda o melhor e exclusivo caminho para se alcançarem os<br />

preceitos garanti<strong>do</strong>res e fundamentais da dignida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana também se manteve no<br />

centro das discussões, reforçan<strong>do</strong> ainda mais a proposta da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

melhor gestão em administração e controle <strong>do</strong> sistema judiciário.<br />

Dessarte, se houvesse que sintetizar os motivos da reforma <strong>do</strong> judiciário, o<br />

res<strong>um</strong>o motiva<strong>do</strong>r estaria lastrea<strong>do</strong> na busca <strong>de</strong> <strong>um</strong> posicionamento sobre as<br />

questões em que a divergência surge na forma <strong>de</strong> conflito insuperável.


448<br />

O judiciário, como opera<strong>do</strong>r e media<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s problemas legais, não estava a<br />

aten<strong>de</strong>r os conflitos existentes, ainda que fugissem <strong>de</strong> sua alçada problemas <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m educacional e política, <strong>de</strong>ntre outros. Os indica<strong>do</strong>res eram relega<strong>do</strong>s ao<br />

esquecimento e a fatos advin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo histórico os quais também ocupam<br />

os anais <strong>do</strong> processo noticia<strong>do</strong>s na reforma.<br />

No perío<strong>do</strong> militar, <strong>por</strong> exemplo, o apontamento <strong>de</strong> <strong>um</strong> caminhar <strong>do</strong> sistema<br />

judiciário assenta<strong>do</strong> em <strong>um</strong> conserva<strong>do</strong>rismo arcaico típico das classes jurídicas<br />

reinantes retratava essa época.<br />

A ponto <strong>de</strong> o regime ditatorial <strong>de</strong>terminar <strong>por</strong> Decreto que a competência <strong>do</strong><br />

judiciário quanto às questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política <strong>do</strong> próprio interesse <strong>do</strong> regime fosse<br />

redirecionada à Justiça militar, poupan<strong>do</strong> assim muitos magistra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> próprio<br />

regime.<br />

O Judiciário não tinha <strong>um</strong>a participação ativa e relevante, atuava na orla da<br />

superficialida<strong>de</strong> das causas, combaten<strong>do</strong> os efeitos e relegan<strong>do</strong> aquelas para<br />

momentos futuros.<br />

Firma<strong>do</strong> na manutenção das causas no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> ou <strong>do</strong><br />

esquecimento, é evi<strong>de</strong>nte o distanciamento <strong>do</strong> Judiciário das realida<strong>de</strong>s conforme se<br />

extrai <strong>do</strong> trecho <strong>do</strong> diário <strong>do</strong> Congresso Nacional (seção I) 7851, sexta 1º, Maio<br />

1992:<br />

Por <strong>um</strong> <strong>de</strong>sses absur<strong>do</strong>s inerentes a to<strong>do</strong> processo revolucionário, o<br />

Judiciário foi o único <strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que manteve <strong>um</strong>a estrutura<br />

praticamente inalterada, enquanto o Legislativo e o Executivo foram<br />

modifica<strong>do</strong>s e, diga-se <strong>de</strong> passagem, nem sempre <strong>de</strong> maneira feliz <strong>–</strong> o<br />

Judiciário foi esqueci<strong>do</strong>. Acusou-o <strong>do</strong> reflexo <strong>de</strong> tais transformações, sem<br />

ter colhi<strong>do</strong> seus eventuais benefícios. E permaneceu como fora concebi<strong>do</strong>,<br />

para atuar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> esquema menos ambicioso, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong><br />

estável, on<strong>de</strong> valessem realmente os prece<strong>de</strong>ntes na apreciação <strong>do</strong>s casos<br />

leva<strong>do</strong>s à Justiça. A caducida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s conceitos anteriormente esposa<strong>do</strong>s é<br />

que urgia, afinal, o evi<strong>de</strong>nte: <strong>um</strong>a extensa e profunda revisão, para que se<br />

possa, <strong>de</strong> <strong>novo</strong>, dar a cada <strong>um</strong> o que é seu.


449<br />

No processo <strong>de</strong> reforma, são evi<strong>de</strong>ntes os problemas, <strong>do</strong> opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sistema<br />

há tanto sinaliza<strong>do</strong>, como atesta o Diário <strong>do</strong> Congresso Nacional (seção I) 7851,<br />

sexta 1º, Maio 1992:<br />

O <strong>de</strong>spreparo <strong>do</strong>s juízes é, sem dúvida, causa <strong>de</strong> preocupação, mas, <strong>de</strong> vez<br />

que estes não julgam <strong>de</strong> ofício, <strong>de</strong>ve preocupar igualmente o <strong>de</strong>spreparo <strong>de</strong><br />

promotores e advoga<strong>do</strong>s, a formação intelectual <strong>do</strong> juiz não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á, <strong>de</strong> si<br />

só, remediar a in<strong>justiça</strong> em que redundar <strong>um</strong>a causa, <strong>por</strong> mal posta ou mal<br />

preparada. / O ato <strong>do</strong> juiz é distribuir Justiça na medida em que aplica as<br />

regras <strong>de</strong> <strong>direito</strong> preestabelecidas, outrossim da leitura <strong>do</strong>s dispositivos<br />

Constitucionais que se infere a competência <strong>do</strong> órgão cupular <strong>do</strong> STJ e <strong>do</strong><br />

STF em rever suas súmulas, ou até mesmo cancelá-las <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s mol<strong>de</strong>s<br />

previstos em Lei; isto se amolda à tipicida<strong>de</strong> fechada <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

judiciário on<strong>de</strong> os da<strong>do</strong>s e informações ten<strong>de</strong>nciam a <strong>um</strong><br />

preestabelecimento <strong>de</strong> regras e condições a serem exercitadas<br />

cotidianamente aos casos apresenta<strong>do</strong>s.<br />

Por trás das i<strong>de</strong>ias extraídas das tendências, existem as i<strong>de</strong>ologias que<br />

apontam para a emancipação gera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> sistema Judiciário, no qual a<br />

consagração efetiva <strong>do</strong>s Direitos alcança esse estatuto, <strong>um</strong>a vez que a jurisdição<br />

oferta ao jurisdiciona<strong>do</strong> a garantia da aplicação das regras <strong>do</strong> Direito quan<strong>do</strong><br />

evocadas.<br />

O Esta<strong>do</strong> representa parte relevante, não como agente realiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito,<br />

como corpo i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>r e canaliza<strong>do</strong>r <strong>de</strong> mudanças que acontecem a partir <strong>do</strong>s<br />

interesses sociais.<br />

A jurisdição, a Justiça e a pacificação social passam a ser problemas <strong>de</strong><br />

políticas públicas, que representam <strong>um</strong>a condição da realida<strong>de</strong> inerente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Desse mosaico, os indivíduos, as classes e as comunida<strong>de</strong>s participam e se<br />

convergem, geran<strong>do</strong> <strong>um</strong>a sinergia promotora <strong>do</strong> futuro.<br />

O Esta<strong>do</strong> passa a ser <strong>um</strong> indivíduo “singular” coletivo, cuja autonomia e<br />

in<strong>de</strong>pendência precisa ser reconceituada, re<strong>de</strong>finida para os <strong>novo</strong>s tempos. A<br />

Justiça também passa a ser <strong>um</strong> microssistema <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema, em que os<br />

<strong>novo</strong>s mo<strong>de</strong>los representam <strong>um</strong>a política <strong>de</strong> opção ou novas possibilida<strong>de</strong>s, cujo<br />

<strong>de</strong>sejo impulsiona<strong>do</strong> <strong>por</strong> vetores internos e externos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> possibilita <strong>um</strong>a nova<br />

concepção <strong>de</strong> Justiça, <strong>um</strong>a nova alternativa ou <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>.<br />

A nova perspectiva busca romper com a hegemonia <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema reinante,<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seus fundamentos, esteve embasada em <strong>um</strong>a elite<br />

institucional e burocrata, forjada para aten<strong>de</strong>r os propósitos estatistas e <strong>de</strong> pessoas<br />

<strong>de</strong> sua re<strong>do</strong>ma.


450<br />

A reforma implementada a partir da emenda Constitucional 45 po<strong>de</strong> ser<br />

reconhecida como a primeira gran<strong>de</strong> alteração <strong>do</strong>s séculos <strong>do</strong> sistema Judiciário<br />

brasileiro, entretanto não <strong>de</strong>ve parar <strong>por</strong> suas cercanias. É possível inferir que as<br />

mudanças oriundas <strong>do</strong> processo reforma<strong>do</strong>r representam mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a<br />

inquietu<strong>de</strong> ou incomodação contra o velho mo<strong>de</strong>lo.<br />

Sinaliza para em <strong>um</strong> futuro próximo o rompimento <strong>do</strong> atual mo<strong>de</strong>lo, na medida<br />

em que a reforma, além <strong>de</strong> trazer a concepção <strong>de</strong> gestão e tecnologização <strong>do</strong><br />

sistema, trouxe em seu âmago reforma<strong>do</strong>r a busca <strong>por</strong> superar as insatisfações<br />

frente às ineficiências existentes perante o Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

É essencial meditar sobre <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo ou <strong>um</strong> meio alternativo diverso<br />

<strong>do</strong>s existentes a partir da contribuição da tecnologia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não se afaste <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>stinatário as <strong>de</strong>mais opções já existentes.<br />

Em que pese a reforma existente, ela não tratou <strong>do</strong> sistema a partir da<br />

operacionalização, quan<strong>do</strong> muito apontou os problemas mais gritantes, propôs a<br />

incidência <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> empresa e abriu as <strong>por</strong>tas a implantação da<br />

tecnologização.<br />

Todavia, os meios tecnológicos ainda somente inci<strong>de</strong>m quanto às ferramentas<br />

auxiliares nos lugares em que o complexo como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> é opera<strong>do</strong> pelo homem em<br />

quase todas as suas etapas.<br />

Sen<strong>do</strong> a espécie h<strong>um</strong>ana o centro operacional <strong>do</strong> sistema das principais<br />

<strong>de</strong>cisões, infelizmente as pressões e as influências <strong>de</strong>sferidas sobre ele ten<strong>de</strong>m a<br />

refletir <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisiva sobre os resulta<strong>do</strong>s da Justiça.<br />

A exemplo <strong>de</strong> questões como essas mencionadas, está o fato existente e<br />

inconteste <strong>de</strong>, no auge da ditadura militar, o Po<strong>de</strong>r Judiciário haver ti<strong>do</strong> sua<br />

competência redirecionada <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> Decreto Lei para que as <strong>de</strong>cisões não<br />

viessem a colidir com os interesses <strong>do</strong> sistema vigente, conforme já comenta<strong>do</strong>.<br />

Disso se conclui que a orientação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua edição<br />

embrionariamente esteve sempre orientada a aten<strong>de</strong>r em primeira or<strong>de</strong>m aos<br />

critérios estabeleci<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> e só posteriormente direcionadas aos fins<br />

sociais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os interesses <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> fossem <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s <strong>por</strong> ele mesmo e que<br />

não houvesse conflito com suas disposições.<br />

Em qualquer das hipóteses, a contaminação da parcialida<strong>de</strong> está a prejudicar<br />

a neutralida<strong>de</strong> e a imparcialida<strong>de</strong> pelo fato <strong>de</strong> ser o homem/Juiz o responsável pela<br />

manutenção e pela aplicação das regras legais.


451<br />

Portanto, o resulta<strong>do</strong> final da prestação jurisdicional em tais condições esteve<br />

sempre eiva<strong>do</strong> <strong>de</strong> vicissitu<strong>de</strong>s pessoais ou subjetivas <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>.<br />

Pôr os olhos nessa realida<strong>de</strong> e suas peculiarida<strong>de</strong>s distorcidas <strong>de</strong>monstra<br />

que os elementos basilares da Justiça sempre foram pressupostos inexistentes,<br />

máxime postula<strong>do</strong>s conceitualmente constituí<strong>do</strong>s e postos para justificar <strong>um</strong>a Justiça<br />

formal.<br />

A reforma <strong>do</strong> judiciário quan<strong>do</strong> muito tratou <strong>de</strong> melhorar as condições<br />

externas da Justiça quanto à sua otimização e à sua sistematização, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong><br />

incól<strong>um</strong>es to<strong>do</strong>s os nefastos e sectários elementos i<strong>de</strong>ológicos estruturantes <strong>de</strong> sua<br />

tipologia, ou seja, a reforma tratou <strong>de</strong> aproveitar o mesmo sistema incrementan<strong>do</strong><br />

alguns meios e alternativas na tentativa <strong>de</strong> salvamento pelo melhoramento <strong>do</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo vigente.<br />

Muito embora o processo reforma<strong>do</strong>r tenha advin<strong>do</strong> em <strong>de</strong>corrência da<br />

reabertura política e social proveniente <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização com a<br />

Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>de</strong> 1988.<br />

Os resquícios e suas mazelas ainda se mantiveram presentes, tratan<strong>do</strong> “com<br />

primor” os interesses primeiros <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong>s interesses sociais das<br />

minorias cons<strong>um</strong>i<strong>do</strong>ras da Justiça que, em verda<strong>de</strong>, representam a gran<strong>de</strong><br />

coletivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indivíduos abstratos.<br />

A participação ativa <strong>de</strong> órgãos internacionais, classes e instituições <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

brasileiro foram efetivas, entretanto ainda não suficiente para romper com o<br />

monopólio da operacionalização da Justiça.<br />

Por trás da reforma e sob o auspício da certeza e da segurança jurídica das<br />

<strong>de</strong>cisões para a manutenção das Garantias e <strong>do</strong>s Direitos Fundamentais, a<br />

mo<strong>de</strong>rnização agitada ainda manteve as velhas estruturas <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

A criação <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> gestão, <strong>de</strong> tecnologização, a criação <strong>de</strong> súmulas<br />

para a estabilização das <strong>de</strong>cisões, o reconhecimento <strong>de</strong> outros meios alternativos<br />

para a resolução <strong>de</strong> conflitos.<br />

Com a criação <strong>do</strong> CNJ para o controle como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> <strong>do</strong> Judiciário <strong>de</strong>ntre<br />

outras implantações correntes no movimento <strong>de</strong> reforma <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, não se<br />

dissiparam o controle central da Justiça das mãos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz, nem tampouco<br />

<strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> primar pelo interesse político, econômico e financeiro <strong>do</strong> próprio<br />

Esta<strong>do</strong>.


452<br />

A instabilida<strong>de</strong> operacional, ainda que criticada e reconhecida, mesmo assim<br />

sempre é acomodada pelo esquecimento ou pelo arrastamento e <strong>de</strong>sconcentração<br />

<strong>do</strong> foco, para causas diversas da questão apontada, subterfúgio retrógra<strong>do</strong>, mas em<br />

afina<strong>do</strong> uso político estratégico.<br />

O litígio e as controvérsias sociais existentes ainda representam<br />

metaforicamente <strong>um</strong> alimento, <strong>um</strong> combustível interessante para a sustentação <strong>do</strong><br />

sistema judiciário secularmente ineficiente. O Judiciário representa, <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong>,<br />

<strong>um</strong> centro <strong>de</strong> <strong>do</strong>mesticação <strong>do</strong>s indivíduos em socieda<strong>de</strong>.<br />

O ciclo vicioso representa tipicamente <strong>um</strong> sistema que alimenta o próprio<br />

sistema, que posa <strong>de</strong> guardião <strong>do</strong>s Direitos da coletivida<strong>de</strong>, no entanto, quan<strong>do</strong><br />

muito <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a si mesmo contra a invasão bárbara <strong>do</strong>s que tentam tirar <strong>de</strong>le o que<br />

ele <strong>de</strong>veria espontaneamente oferecer, Justiça <strong>por</strong> intermédio da pacificação, Justiça<br />

<strong>por</strong> intermédio da educação, Justiça <strong>por</strong> intermédio da entrega <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s<br />

satisfatórios que no mínimo seria dar <strong>um</strong>a resposta aos ditames da lei, dan<strong>do</strong> a cada<br />

<strong>um</strong> o que realmente é seu.<br />

Por isso, se a reforma <strong>do</strong> Judiciário tinha como proposta a gestão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

estrutura condicionada aos critérios preestabeleci<strong>do</strong>s pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

agin<strong>do</strong> com in<strong>de</strong>pendência e autonomia, pro<strong>por</strong>cionan<strong>do</strong> não somente o acesso,<br />

mas a manutenção e a entrega segura da Justiça, isto não aconteceu, nem ao<br />

menos parcialmente.<br />

O atrofiamento pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pelos interesses <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>, que ten<strong>de</strong>m<br />

a financiar a insegurança e a falta <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> <strong>por</strong> ausência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a postura<br />

proativa na gestão monopolística <strong>do</strong> Direito, ce<strong>de</strong> espaço para <strong>um</strong>a gestão <strong>de</strong><br />

interesses <strong>do</strong> próprio Direito, no qual a Justiça acontece somente <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista<br />

arg<strong>um</strong>entativo da retórica.<br />

Em semelhantes condições, a reforma foi mal concluída e exige <strong>um</strong>a outra,<br />

principalmente para reconhecer que o monopólio operacional <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

precisa ser tempera<strong>do</strong> com <strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong> diferente: integrada, uniforme e<br />

automatizada, tanto no processo <strong>de</strong> gestão quanto na aplicação e no c<strong>um</strong>primento<br />

da lei, ao menos como <strong>um</strong> caminho alternativo que funcione eficazmente.<br />

A comunicação tecnológica e as <strong>de</strong>mais estruturas e formas que a tecnologia<br />

po<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionar foram tratadas com <strong>um</strong> certo i<strong>de</strong>alismo pragmático na reforma <strong>de</strong><br />

2005. E aos poucos aparecem a ela incor<strong>por</strong>adas após quase 11 (onze) anos, <strong>de</strong><br />

forma tardia e acanhada.


453<br />

Os conflitos que participam <strong>do</strong> cotidiano <strong>de</strong>sse Esta<strong>do</strong>, a violência em elevada<br />

escala são sinais <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> pouco interventor, <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> mínimo e pouco<br />

inclina<strong>do</strong> para o Esta<strong>do</strong> social, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da eficiência e da eficácia <strong>de</strong> seus<br />

propósitos.<br />

A participação mínima <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> cobra <strong>de</strong>le que, na outra ponta da relação,<br />

esse agente público ostente <strong>um</strong>a orientação com regras claras, objetivas e <strong>de</strong><br />

resposta imediata.<br />

A massificação faz com que ou o Esta<strong>do</strong> seja ativo na orientação <strong>–</strong> evitan<strong>do</strong><br />

a repressão <strong>–</strong> e o Judiciário se esvazie <strong>do</strong>s seus fins, ou, sen<strong>do</strong> ineficiente a<br />

orientação em formação pedagógica e educacional, a repressão judiciária torne-se o<br />

instr<strong>um</strong>ento aparentemente eficaz, <strong>por</strong>que o acesso e as respostas acabam<br />

chegan<strong>do</strong> sempre com atraso, ante a ausência <strong>de</strong> integração, unificação e<br />

padronização, impossíveis <strong>de</strong> se concretizarem, dadas as limitações da espécie<br />

h<strong>um</strong>ana em aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas que superam seus <strong>limite</strong>s.<br />

O esvaziamento pela ausência <strong>de</strong> confiança da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstra que o<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça judiciária não aten<strong>de</strong> com o vigor exigi<strong>do</strong>, relegan<strong>do</strong> as margens<br />

<strong>por</strong> sua inutilida<strong>de</strong> instr<strong>um</strong>ental, com isso, pro<strong>por</strong>cionan<strong>do</strong> o surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo alternativo que possa aten<strong>de</strong>r à transitorieda<strong>de</strong> social.<br />

Se, no passa<strong>do</strong>, o Esta<strong>do</strong>, em vez <strong>de</strong> torturar magistra<strong>do</strong>s <strong>por</strong> colidirem com<br />

seus i<strong>de</strong>ários <strong>de</strong> Justiça com o regime, pro<strong>por</strong>cionava a suspensão da competência<br />

daqueles para entregar <strong>um</strong>a in<strong>justiça</strong> voltada aos interesses estatais.<br />

Na pós- mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> a limitação cognitiva que supera sua condição h<strong>um</strong>ana<br />

legitima o Esta<strong>do</strong>, ao menos em pro<strong>por</strong>cionar outros meios alternativos para a<br />

obtenção da Justiça, sem que haja <strong>um</strong>a participação direta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz no ato <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cidir.<br />

Portanto, a reforma <strong>do</strong> judiciário tratou da im<strong>por</strong>tância da tecnologia à época<br />

como gênero, quan<strong>do</strong> as espécies com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s aparatos da<br />

tecnologia foram <strong>de</strong>feridas para o futuro, que precisa receber atenção para a<br />

concretização <strong>do</strong> seu auxílio.<br />

O Esta<strong>do</strong> está cre<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> ao redirecionamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça Cibernética<br />

para gerir <strong>–</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência que integre da<strong>do</strong>s e informações capazes <strong>–</strong><br />

e em poucos minutos apresentar <strong>um</strong>a solução sobre as questões conflitantes<br />

apresentadas, patrocinan<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong>sse <strong>novo</strong> canal <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

Direito, <strong>de</strong> Justiça e <strong>de</strong> julgamento.


454<br />

Isso seria o mesmo que redirecionar a competência <strong>do</strong> opera<strong>do</strong>r <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> para<br />

o opera<strong>do</strong>r tecnológico. A diferença é que não haveria supressão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz, ao<br />

contrário, a nova <strong>inteligência</strong> estaria atuan<strong>do</strong> cooperativamente como tendência <strong>de</strong><br />

todas as novas e mo<strong>de</strong>rnas legislações <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e o Esta<strong>do</strong>/juiz, c<strong>um</strong>prin<strong>do</strong> sua<br />

real função <strong>de</strong> guardião da or<strong>de</strong>m Constitucional.<br />

Seria cooperar para melhorar, e a escolha pelo sistema seria <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu usuário, respeitan<strong>do</strong> com isso a essência da Democracia,<br />

que é a <strong>de</strong> criar opções e o<strong>por</strong>tunizar seu efetivo exercício <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista<br />

material.<br />

Se opção ou sobreposição, somente o tempo e o próprio homem serão<br />

capazes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r. A questão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a reforma efetiva e real tem <strong>por</strong> bem<br />

afiançar <strong>um</strong>a posição garanti<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema em que a efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito se<br />

concretize.<br />

Percebe-se que, após o Esta<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong>, a próxima fronteira é o Esta<strong>do</strong><br />

tecnologiza<strong>do</strong>, o que colocaria a to<strong>do</strong>s em plena conexão e integração, inclusive <strong>do</strong>s<br />

Direitos.<br />

Ressalta-se que a reforma <strong>do</strong> Judiciário representa mais <strong>do</strong> que a<br />

recolocação <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> na evolução e no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s tempos pósmo<strong>de</strong>rnos.<br />

Seu registro e sua ocorrência são indica<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>de</strong>sprestígio <strong>do</strong> próprio<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário que, como já dito, apresentava condições <strong>de</strong> ineficiência em sua<br />

atenção aos Direitos da socieda<strong>de</strong> em geral.<br />

Esse fator também é indicativo <strong>de</strong> como o Esta<strong>do</strong> trata suas instituições, ou<br />

seja, ao mesmo tempo em que contribui para seu sectarismo a ponto <strong>de</strong> colocá-las<br />

na contramão da história, expõe-nas junto à socieda<strong>de</strong> como forma <strong>de</strong> diminuí-las,<br />

fragilizá-las e im<strong>por</strong> <strong>um</strong>a re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas funções nos mol<strong>de</strong>s torna<strong>do</strong>s<br />

obrigatórios pelo próprio Esta<strong>do</strong>.<br />

A inculcação da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o sistema judiciário não contribui e nem<br />

tampouco pouco aten<strong>de</strong> com efetivida<strong>de</strong> à resolução <strong>do</strong>s problemas, maquia a<br />

realida<strong>de</strong>, fazen<strong>do</strong> crer em seu próprio enfraquecimento e, assim, seu controle está<br />

a serviço <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e não da socieda<strong>de</strong> como <strong>um</strong> to<strong>do</strong>.<br />

Simultaneamente, o Esta<strong>do</strong> transfere à socieda<strong>de</strong> a responsabilida<strong>de</strong> em<br />

participar <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo que ela <strong>de</strong>sconhece e para o qual não foi convidada a<br />

participar, mesmo após o processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização da República <strong>do</strong> Brasil.


455<br />

Os meios alternativos para a resolução <strong>de</strong> conflitos tornaram-se <strong>um</strong>a<br />

panaceia correta <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista estratégico para o trato <strong>do</strong>s problemas. Um Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário menor transformou-se em <strong>um</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário controla<strong>do</strong> e <strong>–</strong> em tese <strong>–</strong><br />

sem <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, <strong>por</strong> ter mostra<strong>do</strong> que a Justiça não é <strong>um</strong> ato exclusivo <strong>do</strong> Judiciário e<br />

po<strong>de</strong> ser realizada <strong>por</strong> outros mecanismos legais previstos em lei, <strong>por</strong>tanto não<br />

obrigatoriamente pela via da jurisdição estatal.<br />

Com esse mo<strong>de</strong>lo, o Esta<strong>do</strong> também <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> realizar os investimentos na<br />

estrutura já existente e na geração <strong>de</strong> novas. O Esta<strong>do</strong> afasta-se e <strong>de</strong>ixa que a<br />

socieda<strong>de</strong>, mesmo em conflito, passe a a<strong>do</strong>tar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça que melhor lhe<br />

convenha, sempre distancian<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz, aliás, colocan<strong>do</strong> a Justiça<br />

judiciária com última racio para a resolução <strong>do</strong>s conflitos.<br />

A tecnologia aparece <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> cenário em que a diminuição e o<br />

afastamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ação mais ativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> apresentam-se sempre menores<br />

como <strong>um</strong>a estratégica a ser consi<strong>de</strong>rada.<br />

Observa-se que a digitalização <strong>do</strong>s processos, a distribuição eletrônica das<br />

ações, a distribuição eletrônica <strong>de</strong> manda<strong>do</strong>s, a <strong>de</strong>finição eletrônica <strong>de</strong> escala <strong>do</strong>s<br />

auxiliares, a liquidação <strong>de</strong> sentenças via sistema, a unificação e a uniformização das<br />

<strong>de</strong>cisões, <strong>de</strong>ntre outras ações, <strong>de</strong>monstram ser implementação da tecnologia<br />

sinaliza<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a gestão totalmente digital, ou melhor, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça<br />

tecnologizada.<br />

A extinção <strong>de</strong> cargos e funções começou a dar visibilida<strong>de</strong> com maior clareza<br />

aos arquivos físicos. Logo que to<strong>do</strong>s os processos forem digitais, dispensarão o<br />

investimento em espaço físico e <strong>de</strong> contingente profissional para sua manutenção, e,<br />

com o procedimento <strong>de</strong> citação com a tecnologização da socieda<strong>de</strong>, o próprio<br />

sistema tratará <strong>de</strong> cruzar as informações e <strong>de</strong>stinar a informação das partes da<br />

existência <strong>de</strong> processos. Os órgãos públicos e priva<strong>do</strong>s ass<strong>um</strong>irão a conexão pela<br />

publicida<strong>de</strong> e pelo c<strong>um</strong>primento das <strong>de</strong>terminações legais: no caso <strong>do</strong> último, <strong>por</strong><br />

<strong>de</strong>legação.<br />

O c<strong>um</strong>primento das medidas será obrigatório, visto que a indisponibilida<strong>de</strong> via<br />

sistema da base patrimonial <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r será atingida, à pro<strong>por</strong>ção que qualquer<br />

operação passe a exigir a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r e <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r.


456<br />

Com isso, o Esta<strong>do</strong> passa a ter controle a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />

conten<strong>do</strong> todas as informações <strong>do</strong> indivíduo e <strong>de</strong> seus bens, os impostos serão<br />

integra<strong>do</strong>s e não haverá <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> renda, ao contrário, haverá apuração <strong>de</strong><br />

tributos anualmente calcula<strong>do</strong>s pelo próprio sistema em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> extrato<br />

digital <strong>de</strong> acréscimo patrimonial.<br />

O Esta<strong>do</strong> é <strong>um</strong> articula<strong>do</strong>r, e a Justiça passa a ser moldada da forma como<br />

melhor lhe aprouver. O indício e a materialida<strong>de</strong> da diminuição da Justiça judiciária<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a instalação da reforma <strong>do</strong> Judiciário são evi<strong>de</strong>ntes.<br />

Se os meios alternativos e a tecnologia são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s ferramentais<br />

maneja<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> em sua atuação como gestor <strong>do</strong>s seus interesses e da<br />

socieda<strong>de</strong>, o tratamento <strong>do</strong>s problemas jurídicos começa a passar para <strong>um</strong>a nova<br />

conotação.<br />

Uma das hipóteses <strong>de</strong>fensáveis e incontestáveis é a <strong>de</strong> que os problemas<br />

têm natureza social <strong>por</strong> surgirem <strong>de</strong>ntro da própria socieda<strong>de</strong>. Os conflitos, <strong>por</strong>tanto,<br />

são formas perturba<strong>do</strong>ras da higi<strong>de</strong>z mental <strong>do</strong> indivíduo, tornan<strong>do</strong>-o <strong>de</strong>pressivo,<br />

estressa<strong>do</strong> e com outros sintomas negativos.<br />

O <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> semelhante processo tem leva<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> a tratar os<br />

problemas jurídicos como <strong>do</strong>enças sociais cujo combate ou tratamento mais eficaz<br />

passa ao largo das <strong>por</strong>tas <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

E os cidadãos começam a ser encaminha<strong>do</strong>s a clínicas psiquiátricas, a<br />

consultórios <strong>de</strong> profissionais da psicologia, entre outros estabelecimentos que<br />

possam resolver problemas físicos e psicológicos. É evi<strong>de</strong>nte o estrangulamento da<br />

Justiça, pois, quan<strong>do</strong> viabilizada pelos canais midiáticos, é apresentada com forte<br />

conotação negativa.<br />

A reforma como vem sen<strong>do</strong> feita ao longo <strong>do</strong>s anos, a avaliação <strong>de</strong> como o<br />

Esta<strong>do</strong> vem tratan<strong>do</strong> o Po<strong>de</strong>r Judiciário a partir <strong>do</strong> regime militar, a implantação <strong>de</strong><br />

meios alternativos <strong>de</strong> gestão e tecnologização, a alquimia pela qual os problemas<br />

jurídicos passam a ser trata<strong>do</strong>s, ou seja, para tornarem-se <strong>do</strong>enças sociais, com<br />

sintomas, catalogação e receituário clínico <strong>de</strong> tratamento e prescrição médica,<br />

geram o <strong>de</strong>sprestigio <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário como <strong>um</strong> to<strong>do</strong>.<br />

E também apontam para o rompimento <strong>do</strong> monopólio da Justiça judiciária<br />

que, embora ainda resista, é possível ter sua ruptura prevista, como qualquer<br />

criação realizada pela espécie h<strong>um</strong>ana.


457<br />

Longe <strong>de</strong> examinar to<strong>do</strong>s os elementos que estruturam e movem o sistema<br />

da Justiça judiciária, é possível inferir que a materialização das mudanças encontrase<br />

arraigada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> interesse maior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

No Esta<strong>do</strong> mínimo, o ticket<strong>–</strong> custo financeiro e econômico <strong>–</strong> começa a ser<br />

menor, já que a socieda<strong>de</strong> passa a dividir com aquele a responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>por</strong> sua autogestão.Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> Justiça, o enfraquecimento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>monstra que historicamente a estratégia esteve a serviço <strong>do</strong>s interesses<br />

<strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>, que se mantém como <strong>um</strong> Po<strong>de</strong>r acima <strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es.<br />

Em <strong>um</strong>a visão radical, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>-se-ia sustentar que inexiste Po<strong>de</strong>r Judiciário. O<br />

que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r é a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong> órgão Judiciário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para a<br />

tomada <strong>de</strong> medidas legais, na “tentativa” <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos com a qual se<br />

obteria pacificação social, até o <strong>limite</strong> que o Esta<strong>do</strong> tem julga<strong>do</strong> o<strong>por</strong>tuno e<br />

conveniente.<br />

O mecanismo <strong>de</strong> controle pelo enfraquecimento é histórico e recorrente. A<br />

peça central operacional <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário é o Esta<strong>do</strong>/Juiz, no entanto, caso tal<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> passe a ser menos <strong>de</strong>manda<strong>do</strong> a cada dia, é possível que em alg<strong>um</strong><br />

momento sua extinção seja <strong>um</strong>a consequência e, com ela, haja o surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>novo</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>judicante</strong> aparelha<strong>do</strong> pela tecnologia em Inteligência Artificial.<br />

O enfraquecimento da socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como <strong>um</strong> agente<br />

reagente que faz com que as diferenças possam ser niveladas, assim, massifica-se<br />

pela força <strong>do</strong> enfraquecimento e as questões comuns daquele grupo passam a ser<br />

idênticas, com os mesmos sintomas com<strong>por</strong>tamentais.<br />

Exigirão, <strong>de</strong>ssa forma, a execução <strong>de</strong> mecanismos compatíveis e similares,<br />

os quais somente <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão ocorrer se o sistema judiciário aten<strong>de</strong>r aos critérios <strong>de</strong><br />

unificação e uniformida<strong>de</strong> pelo processo <strong>de</strong> integração <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e informações via<br />

sistema.


458<br />

A movimentação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sinaliza para novas reformas, para a<br />

reestruturação e não apenas para mudanças que seriam aproveitar as velhas bases<br />

com suas qualida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>feitos quase sempre incorrigíveis. Com essa tendência,<br />

<strong>novo</strong>s mo<strong>de</strong>los serão invitáveis; para Paiva (2012, p. 136):<br />

Quanto maior a repercussão da reforma junto à opinião pública, menor foi a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o corpo burocrático tratar a questão como algo restrito à<br />

administração estatal. A prestação <strong>de</strong> contas, que a socieda<strong>de</strong> passa a<br />

exigir <strong>do</strong> Judiciário, é <strong>um</strong> to<strong>do</strong>, é <strong>um</strong> indicativo <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática,<br />

maior controle social e republicanização das instituições.<br />

A socieda<strong>de</strong> <strong>passo</strong>u a não querer mais Justiça nos mol<strong>de</strong>s da antiga, e sim<br />

<strong>um</strong>a Justiça diferente, <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s, aliás, mais resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que efetivamente<br />

Justiça. A “Republicanização” é <strong>um</strong> nome representativo da tecnologização e da<br />

mecanização <strong>do</strong>s Direitos e Garantias Fundamentais <strong>por</strong> intermédio da implantação<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova sistemática operacional.<br />

A emenda 45/04 é <strong>um</strong> marco tardio que não eclodiu em 1992. A implantação<br />

da mecanização tecnológica ou da tecnologização da Justiça sinaliza para a ruptura<br />

da or<strong>de</strong>m vigente.On<strong>de</strong> a base da Justiça judiciária em sua larga escala ainda é <strong>um</strong>a<br />

rotina absorvida pelo Esta<strong>do</strong>/Juiz <strong>de</strong> primeira instância.<br />

O qual representa <strong>um</strong>a base <strong>de</strong> pouca utilida<strong>de</strong> quanto ao posicionamento <strong>do</strong><br />

entendimento legal, <strong>por</strong> serem as instâncias superiores as responsáveis pela<br />

validação e pacificação <strong>do</strong>s entendimentos no processo “interpretatório” da lei,<br />

reserva a essa, à exclusivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Tribunais <strong>de</strong> cúpula e <strong>de</strong> sobreposição.<br />

A tecnologização é <strong>um</strong> fenômeno comprovável cientificamente, <strong>por</strong> isso,<br />

concreto no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir a nova natureza da Justiça. A padronização é a<br />

constatação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a horizontalização <strong>do</strong> sistema em Inteligência Artificial capaz <strong>de</strong>,<br />

em segun<strong>do</strong>s, atualizar, integrar, unificar, uniformizar e padronizar os parâmetros<br />

das questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legal.


459<br />

A coletivização <strong>do</strong> acesso ten<strong>de</strong> a contribuir para formar <strong>um</strong>a nova<br />

consciência, compromissada com o coletivo, com o universal e, com esses e outros<br />

propósitos, contribuir colaborativa e cooperativamente para com o melhoramento da<br />

socieda<strong>de</strong> como <strong>um</strong> to<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> Rouanet (2003, p. 228-229):<br />

O individualismo ético da ilustração se baseava efetivamente n<strong>um</strong>a<br />

separação ilusória entre indivíduo e socieda<strong>de</strong>, e não formulou com clareza<br />

a relação entre a autorrealização <strong>do</strong> indivíduo e o interesse coletivo. Mas<br />

estaríamos con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s necessariamente a per<strong>de</strong>r, com o fim <strong>do</strong><br />

individualismo, duas <strong>de</strong> suas consequências mais valiosas: o <strong>direito</strong> à<br />

felicida<strong>de</strong>, sacrifica<strong>do</strong> ao bem-estar da socieda<strong>de</strong> e ao julgamento moral<br />

autônomo, absolvi<strong>do</strong> na eticida<strong>de</strong>? 292<br />

292<br />

Por outro la<strong>do</strong>, nesse excerto, em contraponto, esclarece o mesmo autor, em citação extensa, mas<br />

propícia à reflexão realizada: “A Ética discursiva não aceita o individualismo, mas po<strong>de</strong> oferecer <strong>um</strong><br />

caminho para preservar essas duas conquistas <strong>do</strong> individualismo. O individualismo é incompatível<br />

com a teoria da ação comunicativa. Para ela o homem é <strong>um</strong> ser plural. Ele nasce n<strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong><br />

linguística e organiza as relações com seus semelhantes sobre o pano <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong><br />

intersubjetivamente compartilha<strong>do</strong>. Mas se a teoria discursiva não é individualista, ela está longe <strong>de</strong><br />

atribuir à comunida<strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong> tutela. / Isso significa, entre outras coisas (I) que o indivíduo tem<br />

<strong>direito</strong>s complementares ao da comunida<strong>de</strong>, e (II) que as normas e instituições da comunida<strong>de</strong> não<br />

po<strong>de</strong>m esquivar-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a investigação crítica. O indivíduo só existe em interação, mas essa<br />

interação pressupõe o reconhecimento da dignida<strong>de</strong> e integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada participante. Em cada<br />

processo comunicativo, Ego e Alter aspiram a ser reconheci<strong>do</strong>s como individualida<strong>de</strong>s únicas e<br />

insubstituíveis. O homem tem <strong>direito</strong>s como indivíduo, que não po<strong>de</strong>m ser cancela<strong>do</strong>s pelos <strong>direito</strong>s<br />

da comunida<strong>de</strong>. / Entre esses <strong>direito</strong>s <strong>do</strong> homem como indivíduo, e não apenas como membro da<br />

comunida<strong>de</strong>, como homme e não apenas como citoyen, na terminologia da ilustração, está o <strong>direito</strong> à<br />

autorrealização, segun<strong>do</strong> seu próprio esta<strong>do</strong> e sua própria concepção <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>. / Habermas está<br />

tão consciente <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong> que se afasta, nesse ponto, <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo kantiano, sem dúvidas, com to<strong>do</strong><br />

o seu pietismo, Kant não negou que o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> fosse legitimo. Ele simplesmente negou<br />

que a felicida<strong>de</strong> fosse <strong>um</strong> telos para a ação moral. Não era <strong>um</strong>a questão suscetível <strong>de</strong> ser regulada<br />

pelo imperativo categórico, que se ocupa apenas <strong>de</strong> preceitos aplicáveis a to<strong>do</strong>s os homens. As<br />

concepções <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> variam <strong>de</strong> indivíduo para indivíduo, e não po<strong>de</strong>m ser universalizadas. / Não<br />

obstante, é certo que há elementos autorida<strong>de</strong> excessiva na ética kantiana. A separação radical entre<br />

a esfera <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver e a da inclinação entre a razão e a sensibilida<strong>de</strong> tem algo <strong>de</strong> externa, mas implica<br />

<strong>um</strong>a repressão autoimposta. Consequentemente, Habermas aban<strong>do</strong>nou esses elementos. Os<br />

<strong>de</strong>sejos e efeitos, excluí<strong>do</strong>s <strong>por</strong> Kant, são readmiti<strong>do</strong>s pela ética discursiva, sob a forma <strong>de</strong> interesses<br />

generalizáveis. O conceito monológico <strong>de</strong> autonomia é substituí<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> conceito intersubjetivo,<br />

segun<strong>do</strong> o qual o livre <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento da personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os outros. / Isso não basta, evi<strong>de</strong>ntemente, para incluir a questão da felicida<strong>de</strong> no âmbito <strong>de</strong> ética<br />

discursiva. Nisso, ela segue o mo<strong>de</strong>lo kantiano. A autorrealização é estritamente individual e lida com<br />

<strong>um</strong>a esfera que não é acessível à ética discursiva e à <strong>do</strong>s valores. Qualquer esforço <strong>de</strong> interferir<br />

nessa área teria caráter repressivo e <strong>do</strong>gmático. A felicida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>duzida <strong>de</strong> nenh<strong>um</strong><br />

imperativo categórico. O que ela po<strong>de</strong> fazer é <strong>de</strong>limitar o espaço <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> qual po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brar-se<br />

os projetos <strong>de</strong> autorrealização <strong>de</strong> indivíduos e grupos <strong>de</strong> indivíduos. Esse projeto não po<strong>de</strong> violar os<br />

elementos universais <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>, conti<strong>do</strong>s no princípio da universalida<strong>de</strong>, como a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os homens. / Essa limitação não exclui as experiências contraculturais, as formas<br />

alternativas <strong>de</strong> vida, a livre sexualida<strong>de</strong>. Mas exclui aqueles projetos <strong>de</strong> autorrealização que violem o<br />

princípio kantiano <strong>de</strong> tratar os homens como fins e não como meios <strong>–</strong> a violência, a intolerância, a<br />

opressão, e mesmo ao <strong>de</strong>srespeito e esforços <strong>de</strong> autorrealização tenta<strong>do</strong>s <strong>por</strong> outros grupos <strong>de</strong><br />

indivíduos (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 2003, p. 228)”.


460<br />

A intersubjetivida<strong>de</strong> da ética discursiva é a garantia da norma aplicada; sua<br />

reinserção na vida social em <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> mínimo representaria a ética da<br />

responsabilida<strong>de</strong>, afastan<strong>do</strong>-se da ética da convicção que, em última instância, é<br />

<strong>um</strong>a repressão à individualida<strong>de</strong> coletiva realizada pelos próprios indivíduos.<br />

A consciência das consequências da aplicação da lei é <strong>um</strong> <strong>passo</strong> que<br />

antece<strong>de</strong> o c<strong>um</strong>primento das obrigações <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver rigoroso da própria lei, ou seja, a<br />

lei <strong>de</strong>ve começar em si e terminar em si, <strong>por</strong>que isso representa <strong>um</strong> i<strong>de</strong>ário kantiano<br />

da visão hipotética <strong>de</strong> categorias.<br />

Na ética discursiva/ética da responsabilida<strong>de</strong>, os atores encapsula<strong>do</strong>s ao<br />

princípio U, têm consciência <strong>de</strong> queconsi<strong>de</strong>ram as “consequências e os efeitos<br />

colaterais”. Nesta emancipação, o indivíduo po<strong>de</strong> alcançar a felicida<strong>de</strong> pela via da<br />

coletivida<strong>de</strong>, com isso, validan<strong>do</strong> a ética discursiva.<br />

O entendimento ganha valida<strong>de</strong> toman<strong>do</strong> como base o cenário atual em que<br />

as normas são ineficazes, <strong>um</strong>a vez que a legitimida<strong>de</strong> não encontra o<br />

reconhecimento da legalida<strong>de</strong> junto a seus <strong>de</strong>stinatários.<br />

A par disso, o Esta<strong>do</strong> tem nota<strong>do</strong> que a base <strong>do</strong> sistema judiciário ao longo<br />

<strong>do</strong>s tempos vem per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> estabilida<strong>de</strong>, a ponto <strong>de</strong> não alcançar <strong>de</strong> forma efetiva a<br />

resolução <strong>de</strong> conflitos, mesmo quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> uso regular <strong>de</strong> suas normas, componentes<br />

<strong>de</strong> seu or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

Os problemas são <strong>do</strong>s mais diversos, mas nenh<strong>um</strong> supera o vol<strong>um</strong>e maciço<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas <strong>–</strong> frente o gigantismo nacional populacional <strong>–</strong> e a limitação da<br />

infraestrutura e da estrutura física e intelectual <strong>do</strong> sistema judiciário.<br />

Afirmar que não são objetos <strong>de</strong> questionamentos e <strong>de</strong> reflexões esses<br />

problemas tornariam correto constatar que a ausência <strong>de</strong> inovação para sobre<strong>por</strong> os<br />

velhos <strong>paradigma</strong>s ainda seria <strong>um</strong>a questão <strong>por</strong> acontecer.<br />

O <strong>de</strong>sprestígio e o <strong>de</strong>srespeito dispensam comentários, aliás corriqueiros, e<br />

curiosas são as “cenas da <strong>justiça</strong> ao vivo” quan<strong>do</strong> o crime organiza<strong>do</strong> banaliza a<br />

estrutura judiciária.<br />

Seus colabora<strong>do</strong>res auxiliares e até mesmo seu opera<strong>do</strong>r em alguns casos<br />

relativizam <strong>de</strong> forma prevaricatória suas atribuições <strong>por</strong> “me<strong>do</strong>” das consequências<br />

advindas das retaliações <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> paralelo.<br />

Se no passa<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sprestigio foi <strong>um</strong>a arma <strong>de</strong>cisiva <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong> para<br />

contribuir na facilitação <strong>do</strong>s entraves e das arestas encontra<strong>do</strong>s na fase <strong>de</strong> reforma<br />

<strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> Judiciário.


461<br />

Agora o Esta<strong>do</strong>, servin<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> mesmo “remédio”, encontra-se oprimi<strong>do</strong>. Os<br />

efeitos tardios da política <strong>do</strong> “enfraquecimento pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong>sprestígio”<br />

apontam para a necessida<strong>de</strong> da inovação acentuada <strong>do</strong> Judiciário em seu sistema<br />

operacional para <strong>de</strong>cidir.<br />

A integração e a uniformização bem como a participação cada vez maior <strong>de</strong><br />

sistemas virtuais forja<strong>do</strong>s em <strong>um</strong>a linguagem tecnologizada ganham espaço junto à<br />

realida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

A tecnologização como <strong>um</strong>a media<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> julgar passa a ser <strong>um</strong>a<br />

opção <strong>de</strong> abreviação, <strong>de</strong> eficácia, <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a escolha válida,<br />

que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á aten<strong>de</strong>r, e muito, aos interessa<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>ixam atualmente <strong>de</strong> recorrer<br />

ao Judiciário, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> confiança que nutrem <strong>por</strong> seu julga<strong>do</strong>r.<br />

Do Boletim AASP n.º 2933. (2015, p. 5): “Regulamenta<strong>do</strong>s os procedimentos<br />

para julgamento <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> uniformização <strong>de</strong> jurisprudência (TST)”: A<br />

tendência constante a tal tipo <strong>de</strong> procedimento leva somente a <strong>um</strong> fim, <strong>de</strong> que a<br />

Justiça judiciária em sua base tem em <strong>um</strong> certo espaço <strong>de</strong> tempo busca<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

introduzir soluções preestabelecida em casos comuns.<br />

Promover a transposição <strong>de</strong>ssa base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, informações e cognições para<br />

<strong>um</strong> Po<strong>de</strong>r Judicante Uniformiza<strong>do</strong> com o uso da tecnologia em que o Direito passa a<br />

ser media<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial <strong>–</strong> a Era das plataformas<br />

digitais. Essa posição representa <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> alternativo <strong>de</strong> acesso para a<br />

obtenção da Justiça.<br />

A impenetrabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Judiciário já há muito tempo fora superada, a<br />

i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> problemas e a consciência <strong>de</strong> que seus serviços são essenciais <strong>por</strong><br />

causa da natureza pública e monopolística exigem <strong>um</strong> entrega efetiva.<br />

Se, <strong>por</strong> alg<strong>um</strong> fator, sinalizam <strong>um</strong>a entrega em que o quantitativo e o<br />

qualitativo não se fazem presentes ou quase sempre o fazem <strong>de</strong> forma parcial, além<br />

<strong>de</strong> revelar a ausência <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstram claramente que o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

Justiça judiciária não participa <strong>de</strong> forma plena da realida<strong>de</strong> social, contrarian<strong>do</strong><br />

frontalmente a (CRF).<br />

A <strong>de</strong>mocramecanização já se vê presente, todavia somente como <strong>um</strong><br />

coadjuvante, <strong>um</strong> aparato auxiliar <strong>do</strong> sistema operacional da Justiça na obtenção <strong>do</strong>s<br />

fins a tornará completa.


462<br />

Esse processo precisa atingir o alvo central que é o opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sistema<br />

judiciário, com a implementação <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, informações, integração e uniformização<br />

em busca <strong>de</strong> que o entendimento e o julgamento possam tornar-se efetivamente<br />

previsível.<br />

Com essa nova performance e dinâmica, a Justiça passa a ter em seus meios<br />

para seus fins <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mocramecanização tecnológica que possa gerir o<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>de</strong> forma integrada e unificada, evitan<strong>do</strong>, assim, <strong>de</strong>ntre tantos<br />

outros males, a clivagem judicial, criada quan<strong>do</strong> da aplicação das leis.<br />

Semelhantes distorções também são tributárias <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forte verticalização <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário em suas instâncias. A rivalida<strong>de</strong> e a falta <strong>de</strong> simetria entre seus<br />

opera<strong>do</strong>res (<strong>de</strong> instância para instância) são claras, notórias e evi<strong>de</strong>ntes (<strong>um</strong>a<br />

tensão política), tratan<strong>do</strong>-se entre si como se fossem Justiças, acepção errática<br />

<strong>de</strong>nunciada <strong>por</strong> Nelson Jobim em artigo coleciona<strong>do</strong> na revista AASP n. 128, ano<br />

2015, cita<strong>do</strong> nesta pesquisa.<br />

Tal com<strong>por</strong>tamento se consolida <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à liberda<strong>de</strong> institucional <strong>do</strong> livre<br />

convencimento e da formal fundamentação que o Juiz <strong>de</strong>ve reservar-se quan<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

ato <strong>de</strong> julgar. Pouco im<strong>por</strong>ta se tal ato frutificou a solução ou simplesmente se <strong>de</strong>u<br />

mediante <strong>um</strong>a reposta obrigacional <strong>do</strong> seu ofício, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que fundamentada.<br />

Além, é óbvio, da forma <strong>de</strong>senhada e disposta na (CRF) com relação à<br />

organização judiciária, mal semelhante que acomete a Teoria Geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ao<br />

entendimento da conjugação <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, em que não mais se admite a<br />

interpretação <strong>de</strong> “separação” mas sim <strong>de</strong> cooperação e colaboração reservadas à<br />

autonomia e à in<strong>de</strong>pendência, em virtu<strong>de</strong> das respectivas funções e finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

tais órgãos.<br />

A não insubstitutibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> opera<strong>do</strong>r, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz, seja <strong>por</strong>que sua<br />

ineficiência em escalabilida<strong>de</strong>/<strong>de</strong>manda ce<strong>de</strong>u espaço a outros meios alternativos<br />

sob a mitômana máxima <strong>do</strong>s meios alternativos à realização da Justiça, na verda<strong>de</strong><br />

indicaria ser mais coerente afirmar que os até então “meios alternativos” são<br />

indica<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>res da ingerência e da infuncionabilida<strong>de</strong> da Justiça em<br />

seu efetivo funcionamento.


463<br />

Os meios alternativos <strong>de</strong> acesso a <strong>um</strong>a Justiça acabam atuan<strong>do</strong> como<br />

complemento ou suprimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a inação judiciária. Esse diagnóstico aponta para<br />

a falência <strong>do</strong> seu mo<strong>de</strong>lo, dada a falência <strong>do</strong> sistema operacional da Justiça, a<br />

falência <strong>do</strong> homem como carrasco <strong>do</strong> seu eu <strong>–</strong> outro, <strong>por</strong>que trata da lei (quan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

sua aplicação) com menos interesse da Justiça e muito mais pessoalida<strong>de</strong> e<br />

subjetivida<strong>de</strong>, no intuito <strong>de</strong> atingir <strong>um</strong>a mudança social que nem sempre é, foi ou<br />

será parte efetiva para compreen<strong>de</strong>r as razões e as reais mudanças a serem<br />

introduzidas.<br />

A Justiça em números representa o estereótipo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça <strong>de</strong> “bacia” ou<br />

“container-izada”, plena <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s estatísticos, simplificada, <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>,<br />

padronizada pela uniformização <strong>de</strong>stinada a somente dar respostas à psicopatia <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, que tem preocupação com a quantida<strong>de</strong> e pouco com a qualida<strong>de</strong>, em <strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> se livrar <strong>do</strong> “problema” ao qual, em tese, <strong>de</strong>veria dar a melhor solução.<br />

Por isso, o sistema processual civil tem <strong>de</strong> vencer a barreira da<br />

instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> e galgar r<strong>um</strong>o à digitalida<strong>de</strong> em estrutura operacional. Da<strong>do</strong> o<br />

nível <strong>de</strong> avanço e o <strong>de</strong>senvolvimento das ciências cognitivas nas últimas décadas, é<br />

possível sustentar teoricamente os cientistas po<strong>de</strong>m edificar <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conceito em<br />

Processo Civil com <strong>um</strong>a outra meto<strong>do</strong>logia.<br />

Não se revela com tal mo<strong>de</strong>lo, diz-se o convencional com tal forma <strong>de</strong><br />

atuação: <strong>do</strong>minar e ofertar o atributo da previsibilida<strong>de</strong>, da garantia, da eficiência e<br />

da eficácia, <strong>por</strong>que as formas <strong>de</strong> integração, unificação e uniformização são<br />

realizadas ainda <strong>de</strong> maneira arcaica e rudimentar, conforme se po<strong>de</strong> constatar <strong>do</strong>s<br />

julgamentos realiza<strong>do</strong>s nos tribunais nacionais.<br />

Caso se consi<strong>de</strong>re nesse contexto que a menor preocupação é o<br />

compromisso com o “justo”, a manutenção <strong>do</strong> custo operacional <strong>de</strong> <strong>um</strong> Juiz, não se<br />

justifica mantê-lo nos quadros <strong>do</strong> judiciário na posição em que se encontra,<br />

produzin<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong> que pro<strong>por</strong>ciona.<br />

Sua capacida<strong>de</strong> e funcionabilida<strong>de</strong> (expertise nas ciências jurídicas) para os<br />

fins <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça que se repete em prece<strong>de</strong>ntes po<strong>de</strong> ser redirecionada a outras<br />

funções para o aperfeiçoamento <strong>do</strong> próprio Direito e da Justiça <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> critério <strong>de</strong><br />

formação continuada.


464<br />

Também, em sen<strong>do</strong> a integração, a unificação e a uniformização processos<br />

ainda realiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma manual, a quantida<strong>de</strong>, a simplificação, a padronização e<br />

outros atributos encontram-se comprometi<strong>do</strong>s, dada a limitação <strong>do</strong> sistema<br />

operacional responsável pela gestão <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e informações <strong>de</strong> interesse <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

A reforma <strong>do</strong> judiciário foi <strong>um</strong> <strong>passo</strong>, <strong>um</strong> “tidbit” que <strong>de</strong>latou <strong>um</strong> pouco <strong>do</strong><br />

caótico quadro <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es essenciais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Nesse contexto, a reforma<br />

faz prova <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>!<br />

O sistema <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário não com<strong>por</strong>ta outra reforma, <strong>um</strong>a vez que a<br />

estrutura existente não su<strong>por</strong>ta as infindáveis tentativas <strong>de</strong> remo<strong>de</strong>lagens plásticas<br />

da Justiça judiciária ofertadas e disponibilizadas.<br />

Nas reformas, não encontramos espaço para rupturas, mo<strong>de</strong>los que possam<br />

substituir outros <strong>por</strong>que são melhores no atendimento das necessida<strong>de</strong>s e das<br />

essencialida<strong>de</strong>s.<br />

Por certo, o Po<strong>de</strong>r Judiciário caminha para <strong>um</strong>a Revolução <strong>do</strong> Judiciário, <strong>um</strong><br />

recorte mais profun<strong>do</strong>. São <strong>novo</strong>s conceitos, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> sistema, <strong>um</strong>a nova i<strong>de</strong>ologia,<br />

<strong>um</strong>a nova forma <strong>de</strong> funcionamento.<br />

Neste instante, o Judiciário não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> filológico da<br />

palavra <strong>um</strong> “Po<strong>de</strong>r”, é, <strong>por</strong>tanto, máxime <strong>um</strong> sistema geri<strong>do</strong> em condições<br />

pre<strong>de</strong>finidas a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> regras legisladas e aprovadas pelo Esta<strong>do</strong><br />

<strong>por</strong> meio <strong>de</strong> seus representantes. Essa antítese aparente se dá <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à ineficiência<br />

em c<strong>um</strong>prir com os seus fins i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s na CRF.<br />

O Judiciário é <strong>um</strong>a extensão <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o qual está legitima<strong>do</strong> a<br />

observar e avaliar o funcionamento <strong>de</strong> seus órgãos <strong>de</strong> regulação, manutenção e<br />

punição. O Judiciário em si é <strong>um</strong>a mera casa <strong>de</strong> aplicação das leis, como já<br />

chamada no passa<strong>do</strong> “Casa das Leis”.<br />

Atualmente, é <strong>por</strong>ta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça <strong>de</strong>nominada para fins <strong>de</strong>sta pesquisa<br />

científica como Justiça judiciária, o que não afasta o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> incor<strong>por</strong>ar isolada ou<br />

concomitantemente o reconhecimento, a implantação e o funcionamento <strong>de</strong> outro<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>judicante</strong>, na medida em que o ato <strong>de</strong> julgar não é privativo da<br />

jurisdição como afirma<strong>do</strong> pelo já cita<strong>do</strong> Liebman.


465<br />

A assertiva vem amparada em pesquisa científica inquestionável, <strong>de</strong><br />

avaliação séria, realizada pelo IPEA. Mais <strong>um</strong>a vez, constatou-se a falta <strong>de</strong><br />

credibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema em que a reforma somente tratou <strong>de</strong> maquiar suas mais<br />

profundas e incorrigíveis distorções, diante da “Percepção social <strong>do</strong> brasileiro sobre<br />

o sistema judiciário”, segun<strong>do</strong> pesquisa <strong>do</strong> IPEA”. 293<br />

293<br />

“Percepção social <strong>do</strong> brasileiro sobre o sistema judiciário, segun<strong>do</strong> pesquisa <strong>do</strong> IPEA: Pesquisa<br />

realizada pelo Instituto <strong>de</strong> Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) traz novas informações sobre como a<br />

população avalia o sistema judiciário brasileiro.Depois <strong>do</strong> primeiro SIPS Justiça (Sistema <strong>de</strong><br />

Indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Percepção Social), divulga<strong>do</strong> em novembro <strong>de</strong> 2010, a segunda edição, realizada pelo<br />

Instituto <strong>de</strong> Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), traz novas informações sobre como a população<br />

avalia o sistema judiciário brasileiro. / No estu<strong>do</strong>, foram apresenta<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s à<br />

percepção pública da atuação <strong>de</strong> promotores, juízes, <strong>de</strong>fensores públicos, advoga<strong>do</strong>s e policiais civis<br />

e fe<strong>de</strong>rais. Nenh<strong>um</strong> <strong>de</strong>les foi bem avalia<strong>do</strong>. As polícias civis são o segmento <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> <strong>justiça</strong><br />

com pior avaliação <strong>por</strong> parte da população. / A pesquisa analisou alguns hábitos <strong>de</strong> justiciabilida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s brasileiros. Verificou-se que a procura pela <strong>justiça</strong> para a resolução <strong>de</strong> conflitos ou a realização<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s está associada a atributos socio<strong>de</strong>mográficos ou a tipos <strong>de</strong> problemas enfrenta<strong>do</strong>s. Os<br />

tipos <strong>de</strong> problemas mais sérios relata<strong>do</strong>s pelos entrevista<strong>do</strong>s são os problemas <strong>de</strong> família, vizinhança<br />

e relações <strong>de</strong> trabalho. / Há muito se sabe que a <strong>justiça</strong> nem sempre é acionada pelos cidadãos para<br />

resolver to<strong>do</strong>s os conflitos. Estes acha<strong>do</strong>s fazem emergir questões im<strong>por</strong>tantes para a reflexão sobre<br />

como esse fenômeno ocorre no caso brasileiro. / O estu<strong>do</strong> também <strong>de</strong>monstrou a relativa fragilida<strong>de</strong><br />

da imagem pública da Justiça entre os cidadãos, a avaliação negativa da <strong>justiça</strong> é generalizada na<br />

socieda<strong>de</strong> brasileira e ten<strong>de</strong> a ser mais negativa entre os que buscaram ativamente a Justiça para a<br />

resolução <strong>de</strong> conflitos ou a realização <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s. / A pesquisa revelou <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> Justiça<br />

marca<strong>do</strong> <strong>por</strong> investigações policiais “bastante críticas” e <strong>por</strong> critérios como rapi<strong>de</strong>z, imparcialida<strong>de</strong> e<br />

honestida<strong>de</strong> abaixo <strong>de</strong> níveis médios em <strong>um</strong>a escala que vai <strong>de</strong> zero a quatro pontos. A polícia<br />

judiciária aparece com a pior avaliação entre o grupo analisa<strong>do</strong>. Uma das queixas mais frequentes da<br />

população diz respeito ao mau atendimento nas <strong>de</strong>legacias. / Notas atribuídas pela população à<br />

Justiça brasileira: Escala <strong>de</strong> 0 a 10: A população dá nota 4,55 à Justiça brasileira. Escala <strong>de</strong> 0 a 4: (i)<br />

As pessoas ouvidas <strong>de</strong>ram nota 1,81 para a polícia civil; (ii) 2,2, foi anota atribuída à Polícia Fe<strong>de</strong>ral e<br />

à Promotoria; (iii) Os juízesreceberam nota 2, 14; (iv) Os <strong>de</strong>fensores públicos 2, 0; (v) Os advoga<strong>do</strong>s<br />

receberam 1, 96. A pesquisa ouviu 2.770 brasileiros em to<strong>do</strong>s os Esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> país *05/2011<br />

(Disponível em: <br />

Acesso em 06 jul. 15.)”


466<br />

17 A EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO PARADOXAL NA CONCEPÇÃO DE<br />

JUSTIÇA<br />

17.1 Por <strong>um</strong>a re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Justiça, <strong>um</strong>a alquimia fundida a partir da cultura, <strong>do</strong><br />

homem e da linguagem para a edificação <strong>de</strong> <strong>um</strong> plano Constitucional social concreto<br />

O <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo proposto, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça mediada pela Inteligência Artificial<br />

em que a tecnologização se encarregará <strong>de</strong> integrar <strong>um</strong>a base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e<br />

informações no âmbito nacional e internacional segun<strong>do</strong> as regras gramaticais e<br />

semânticas <strong>de</strong>ssa nova linguagem, guarda em si gran<strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esbarrar<br />

no enfraquecimento ou na extinção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> jurisdiciona<strong>do</strong>s pen<strong>de</strong>ntes,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e completamente <strong>de</strong>sconexos das novas regras propostas para a<br />

re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova Justiça.<br />

Está aí <strong>um</strong> sofrimento inevitável, promovi<strong>do</strong> pela relação para<strong>do</strong>xal entre <strong>um</strong>a<br />

Justiça que se <strong>de</strong>strói e <strong>um</strong>a que se constrói, <strong>por</strong>que a espécie h<strong>um</strong>ana, a fim <strong>de</strong><br />

aceitar <strong>um</strong>a situação ou sua condição, precisa hodiernamente mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a<br />

resposta, mas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a confirmação <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> regras com carga resolutiva <strong>de</strong><br />

efetivida<strong>de</strong> material concreta, que conduza a <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>nominada Justiça,<br />

todavia distinta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia meramente programática. Para Derrida (2010,<br />

p.05): o processo da <strong>de</strong>sconstrução <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça é <strong>do</strong>loroso,<br />

<strong>por</strong>ém necessário.<br />

O sofrimento da <strong>de</strong>sconstrução, aquilo <strong>de</strong> que ela sofre e <strong>de</strong> que sofrem os<br />

que ela faz sofrer é talvez a ausência <strong>de</strong> regra, <strong>de</strong> norma e <strong>de</strong> critério<br />

seguro para distinguir, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> inequívoco, <strong>direito</strong> e <strong>justiça</strong>. Trata-se, pois,<br />

<strong>de</strong> conceitos (normativos ou não) <strong>de</strong> norma, <strong>de</strong> regra ou <strong>de</strong> critério. Trata-se<br />

<strong>de</strong> julgar aquilo que permite julgar, aquilo que se autoriza o julgamento.<br />

Embora esse seccionamento<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> certa ruptura, ofertada <strong>por</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo, permita encontrar no seio da vacância <strong>um</strong>a regra <strong>de</strong> transição que<br />

possa ser modulada a ponto <strong>de</strong> evitar sempre <strong>um</strong> mal maior, <strong>por</strong>ém não totalmente.<br />

Mudar significa que a permanência física será substituída, no caso <strong>do</strong> sistema<br />

jurídico suas bases.


467<br />

O temor da falta <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> pela <strong>de</strong>struição causada pela ruptura exige<br />

<strong>um</strong>a resposta com carga <strong>de</strong> efeito material, o preenchimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> corpo <strong>cognitivo</strong><br />

que garanta o estabelecimento, que autorize o ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir ou julgar, sen<strong>do</strong><br />

inconcebível o vazio.<br />

O <strong>de</strong>sencaixe, ohiato que se abre, é <strong>um</strong> abismo incontornável para <strong>um</strong>a<br />

solução proposta a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo, condição natural <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ruptura<br />

paradigmática na cultura e na linguagem <strong>do</strong> homem, no surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

sistema <strong>de</strong> operacionalização para a ocorrência <strong>do</strong> evento Justiça.<br />

Não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser diferente no contexto das ciências jurídicas, em especial na<br />

temática envolven<strong>do</strong> o Direito e a Justiça que são (epicentros), pois a eles também<br />

se esten<strong>de</strong>m os efeitos <strong>de</strong> transição.<br />

Esses são sintomas comuns a todas as mudanças <strong>de</strong> conceitos e da<br />

dinâmica a serem re<strong>de</strong>finidas, principalmente no ambiente das leis, <strong>um</strong>a vez que os<br />

<strong>novo</strong>s diplomas visam aten<strong>de</strong>r a <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> social a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

linguagem mais a<strong>de</strong>quada.<br />

Traz com isso, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma geral ou específica, instr<strong>um</strong>ental implacável<br />

para minimizar os entraves até então enfrenta<strong>do</strong>s e, com isso, otimizar toda a<br />

procedibilida<strong>de</strong> possível para a concretização <strong>do</strong>s objetivos materiais <strong>do</strong><br />

or<strong>de</strong>namento jurídico em suas diversas áreas, em consonância com a carta Magna,<br />

seu maior referencial.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Warat, a cartografia <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s precisa ser re<strong>de</strong>senhada<br />

para a aceitação e o exercício das novas práticas sociais. As formas <strong>de</strong> refletir, ler,<br />

ouvir, escutar, interpretar, arg<strong>um</strong>entar, sentir e <strong>de</strong>finir o Direito e a Justiça são<br />

contingenciais (tem<strong>por</strong>ais), <strong>por</strong>tanto, passageiras (<strong>um</strong>a construção). Há, <strong>por</strong> essa<br />

perspectiva,sempre <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> à espera <strong>do</strong> jurista, que esse acaba <strong>por</strong><br />

<strong>de</strong>scobrir.<br />

A revisitação <strong>do</strong> conhecimento precisa ser concretizada sempre que<br />

necessária. É <strong>um</strong> far<strong>do</strong> com<strong>um</strong> a quem envereda <strong>por</strong> essa seara, somente assim os<br />

propósitos discuti<strong>do</strong>s e rediscuti<strong>do</strong>s da autonomia e da eficácia <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão encontrar<br />

<strong>um</strong> solo propício à sua fertilização.<br />

Em que os <strong>novo</strong>s conceitos tragam em si <strong>um</strong>a carga maior <strong>de</strong> materialida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scritiva e orientativa no campo <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico, afastan<strong>do</strong> o para<strong>do</strong>xo<br />

entre a Justiça formal e a concreta, e entre o Direito formal e o material.


468<br />

É essencial que o Esta<strong>do</strong> garanta o exercício prático da liberda<strong>de</strong> intelectual<br />

normativa sem tornar-se obstáculo para sua efetivida<strong>de</strong>, mesmo que tenha <strong>de</strong> rever<br />

seus próprios conceitos (mudança <strong>do</strong>s mecanismos <strong>do</strong> seu próprio sistema orgânico<br />

<strong>de</strong> gestão ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura <strong>do</strong> Direito e da Justiça), quan<strong>do</strong> perceptível a falência,<br />

po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, tanto o sistema como a cultura, em ser atingi<strong>do</strong>s pelos efeitos da<br />

mudança.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, torna-se necessário que o Esta<strong>do</strong> reveja sua própria estrutura<br />

e reavalie <strong>–</strong> “juízo <strong>de</strong> reconsi<strong>de</strong>ração” <strong>–</strong> suas antigas formas <strong>de</strong> lidar com os agora<br />

“problemas atuais”, não só no trato da aplicação da lei, como na entrega <strong>do</strong><br />

resulta<strong>do</strong> ampara<strong>do</strong> na lei em que se baliza, em respeito ao princípio da simetria<br />

normativa, até o efetivo alcance da Justiça proposta.<br />

A partir <strong>de</strong> então, é consi<strong>de</strong>rável que as <strong>de</strong>cisões mo<strong>de</strong>lares precisem<br />

representar as i<strong>de</strong>ias críticas frente aos problemas noticia<strong>do</strong>s pelo para<strong>do</strong>xo, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> a satisfazer seus <strong>de</strong>stinatários, <strong>de</strong> maneira que o Esta<strong>do</strong> e a socieda<strong>de</strong> civil<br />

estejam <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s pela lei.Com isso, a autonomia estaria<br />

acontecen<strong>do</strong> no plano real, superan<strong>do</strong> as articulações discursivas heurísticas<br />

retóricas, pelo fato <strong>de</strong> a satisfação prepon<strong>de</strong>rar.<br />

É imprescindível que a calculabilida<strong>de</strong> e a previsibilida<strong>de</strong> esperadas estejam<br />

presentes no campo teórico e no prático, e, com isso, seja alcançada em <strong>um</strong> estágio<br />

<strong>de</strong> tempo razoável a re<strong>de</strong>finição da Justiça e da forma pela qual será<br />

procedimentalizada, ten<strong>do</strong> no mesmo senti<strong>do</strong> as regras <strong>do</strong> Direito como critérios<br />

orienta<strong>do</strong>res para a concretização da Justiça.<br />

A socieda<strong>de</strong> passaria à condição <strong>de</strong> alforriada <strong>do</strong> arbítrio subjetivo das<br />

<strong>de</strong>cisões judiciais, afastada da pessoalida<strong>de</strong> revestida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a imparcialida<strong>de</strong><br />

mística, pouco confiável e <strong>de</strong> conceituação imperfeita ou duvi<strong>do</strong>sa.<br />

Isso passa a ser possível na medida em que a tecnologização força a<br />

re<strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s conceitos <strong>de</strong> Direito e Justiça, e a mediação <strong>de</strong> toda a estruturação<br />

para a materialização <strong>do</strong>s serviços disponibiliza<strong>do</strong>s pelo sistema judiciário, para que<br />

aconteça efetivamente, <strong>por</strong>que o mecanismo responsável atinge <strong>de</strong> forma fulcral<br />

toda a logística judiciária, ou seja, da <strong>de</strong>finição das regras, da mediação, da<br />

aplicação até seu efetivo c<strong>um</strong>primento.<br />

O sistema judiciário passa, assim, a ser submeti<strong>do</strong> a critérios objetivos e<br />

concretos <strong>de</strong> funcionamento, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Justiça, enquanto<br />

estrutura para seu acontecimento e seu conceito.


469<br />

A tem<strong>por</strong>alida<strong>de</strong> que envolve as <strong>de</strong>finições e as conceituações sociais em<br />

alguns momentos são inevitavelmente atingidas pela incomensurabilida<strong>de</strong><br />

pro<strong>por</strong>cionada pela ruptura. Portanto, se “o tempo não para, tu<strong>do</strong> consequentemente<br />

passa”, e <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo supera o outro.<br />

Não se trata <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cruzada contra a Justiça, visto ser <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento<br />

essencial e imanente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no controle, na manutenção e na integração da<br />

or<strong>de</strong>m social, todavia, para que isso aconteça, as regras <strong>de</strong> Direito precisam ser<br />

otimizadas, sob pena <strong>de</strong> sacrificar o próprio Direito e a Justiça, há tanto clamada e<br />

esperada.<br />

A implementação <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema media<strong>do</strong> pela tecnologia representa mais <strong>do</strong><br />

que <strong>um</strong> compromisso ass<strong>um</strong>i<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>, mas a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> dada <strong>por</strong> esse a si<br />

mesmo em operacionalizar as regras a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo que retrate as<br />

perspectivas <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos, tanto em <strong>de</strong>manda como na satisfação <strong>de</strong>ssas,<br />

c<strong>um</strong>prin<strong>do</strong>, assim, com as propostas <strong>de</strong>mocráticas legislativas, constitucionalmente<br />

gravadas na carta Maior, <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong> é sentinela.<br />

O império da lei e sua aplicação precisam ser garanti<strong>do</strong>s, conforme menciona<br />

Rouanet (2003, p. 128): “Monopólio da autorida<strong>de</strong>, contra os particularismos<br />

judiciários, legislativos, militares, e racionalização <strong>de</strong>ssa autorida<strong>de</strong>[...]”. É <strong>um</strong> Direito<br />

<strong>do</strong> cidadão ter <strong>um</strong> Direito material e concreto <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> exclusivamente a ele e sem<br />

censura, ou melhor, on<strong>de</strong> o sujeito passa a ter <strong>um</strong>a perspectiva tangível e efetiva <strong>de</strong><br />

estar sob o império da lei, ou então se convive com o caos.<br />

Para tal acontecimento realizar-se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a concepção mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, a geração <strong>de</strong> mecanismos instr<strong>um</strong>entaliza<strong>do</strong>s tecnológicos para esses fins<br />

representa <strong>um</strong>a prática vital para a manutenção <strong>de</strong> sua própria soberania, inclusive<br />

no processo <strong>de</strong> integração, unificações e uniformização <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

plano nacional <strong>de</strong> política legislativa judiciária.<br />

O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve garantir a diligência funcional <strong>de</strong> seus fins, sob pena <strong>de</strong> ser<br />

questiona<strong>do</strong> a ponto <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>posto <strong>por</strong> <strong>um</strong> outro ou <strong>um</strong>a outra forma <strong>de</strong> controle<br />

em sua gestão organizacional judiciária.<br />

A pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tão falada incen<strong>de</strong>ia o estopim da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> real,<br />

ainda não <strong>de</strong>flagrada. Essa pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>sfrutada representa <strong>um</strong>a<br />

complementação ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> gozo, uso e fruição <strong>do</strong> Direito.


470<br />

A via crucis para a consagração da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que ainda não houve<br />

<strong>de</strong>ve acontecer em sua totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> ambiente <strong>do</strong> Judiciário. Para isso, é<br />

essencial que a constatação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s coloque em questionamento o próprio<br />

Esta<strong>do</strong>/Juiz, cuja elementarieda<strong>de</strong> tem historicamente comprometida a própria<br />

Justiça social tutelada constitucionalmente.<br />

Na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, tanto quanto na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a finalida<strong>de</strong> última<br />

significa otimizar, fazer acontecer, divorciar-se <strong>do</strong>s padrões retrógra<strong>do</strong>s e<br />

infuncionais <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo ultrapassa<strong>do</strong>, sectário e que se vê estagna<strong>do</strong> no<br />

absolutismo das vozes <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tardia” como verbaliza Lênio Streck.<br />

Na imensidão das palavras, esquece-se da substancialida<strong>de</strong> das formas, no<br />

senti<strong>do</strong> aristotélico <strong>do</strong> termo, com a acentuada distinção <strong>de</strong> que na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> a<br />

revolução esperada se daria a partir <strong>do</strong>s homens e na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> se dará com<br />

eles e as máquinas, sen<strong>do</strong> essas auxiliares essenciais se treinadas <strong>por</strong> aqueles.<br />

O plano da estrutura <strong>do</strong> para<strong>do</strong>xo da Justiça constitucional vigente engloba a<br />

“liberda<strong>de</strong>-autonomia”, consi<strong>de</strong>rada já existente nessa, a auto<strong>de</strong>terminação como<br />

conceito que abarca a concepção <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>rnização-autonomia”, firmada a partir <strong>do</strong><br />

conceito <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>rnização-eficácia”.<br />

Semelhante conceito, mal interpreta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>u ensejo à gestão <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> das<br />

minorias e <strong>de</strong> seu controle, crian<strong>do</strong> suas próprias condições sob a pseu<strong>do</strong> pretensão<br />

<strong>de</strong> estar garantin<strong>do</strong> os Direitos e as Garantias Fundamentais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as <strong>de</strong>clarações<br />

<strong>do</strong>s Direitos <strong>do</strong> homem.<br />

A ingerência das minorias e a má gestão no controle e na administração <strong>do</strong>s<br />

Direitos sociais no funcionamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é clara e evi<strong>de</strong>nte no exercício <strong>de</strong> seu<br />

cotidiano.<br />

Merecen<strong>do</strong> <strong>de</strong>staque a não conquista <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s eficazes propostos<br />

constitucionalmente, diante da ausência <strong>de</strong> autonomia <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>s para o<br />

exercício <strong>de</strong> <strong>um</strong>a postura procedimentalista calcada na substancialida<strong>de</strong><br />

Constitucional. 294<br />

294<br />

Para Rouanet, “Na ótica da autonomia, em s<strong>um</strong>a, a mo<strong>de</strong>rnização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não visava à<br />

implantação <strong>de</strong> <strong>um</strong> Leviatã burocrático, reduzin<strong>do</strong> os governa<strong>do</strong>s a peças <strong>de</strong> <strong>um</strong>a engrenagem<br />

incompreensível, e sim à criação <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> a serviço da liberda<strong>de</strong> e da auto<strong>de</strong>terminação. Na<br />

prática, a mo<strong>de</strong>rnização-autonomia acabou coincidin<strong>do</strong> em larga medida com a mo<strong>de</strong>rnização<strong>–</strong><br />

eficácia.Um <strong>do</strong>s primeiros efeitos da mo<strong>de</strong>rnização política introduzida pela Revolução com base nas<br />

i<strong>de</strong>ias da Ilustração foi a extinção das irracionalida<strong>de</strong>s administrativas <strong>do</strong> Antigo Regime, mas a prova<br />

<strong>de</strong> que essa coincidência é contingente foi dada pelo Esta<strong>do</strong> bonapartista, eficaz mas não livre. Para<br />

a Ilustração, a intenção não era substituir o Esta<strong>do</strong> burocrático ineficiente <strong>de</strong> Versalhes <strong>por</strong> <strong>um</strong><br />

Esta<strong>do</strong> burocrático eficiente em Paris, e sim <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> circunscrito em seu <strong>po<strong>de</strong>r</strong> e legitima<strong>do</strong> <strong>por</strong>


471<br />

A incompreensão <strong>do</strong> que seja efetivamente “autonomia” tem gera<strong>do</strong> os efeitos<br />

maléficos <strong>do</strong>s motins, das guerras civis em muitos tipos <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>s, a <strong>de</strong>struição <strong>de</strong><br />

mon<strong>um</strong>entos, <strong>de</strong> órgãos públicos e priva<strong>do</strong>s.<br />

O que exige que o Esta<strong>do</strong> pense e aja em conjunto com a socieda<strong>de</strong> para que<br />

a médio e a longo prazo consiga recolocar nos trilhos da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>um</strong> povo<br />

consciente <strong>de</strong> suas responsabilida<strong>de</strong>s, alcançan<strong>do</strong>, assim, a concretização da<br />

mo<strong>de</strong>rnização-autonomia, em que a eficácia não esteja tão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> controle.<br />

A integração das ciências é <strong>um</strong>a condição <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos, <strong>um</strong>a vez que os<br />

<strong>novo</strong>s conhecimentos e sua incessante mutabilida<strong>de</strong> passam a exigir e a contribuir<br />

para novas soluções, pautadas no equilíbrio <strong>de</strong> expectativas previsíveis, a partir <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> regras já valoradas e condicionadas em <strong>um</strong>a nova sistemática,<br />

operacionalmente tecnologizadas.<br />

A ciência da retórica que, durante muito tempo, recebeu aplausos e manteve<br />

seu espaço cativo com suas honrarias, ce<strong>de</strong> espaço para <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong>, <strong>um</strong><br />

mun<strong>do</strong> real em que o conhecimento das ciências exige resulta<strong>do</strong>s reais e efetivos,<br />

capazes <strong>de</strong> não somente resgatar a credibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> mas <strong>de</strong> fornecer-lhe<br />

condições <strong>de</strong> implantar e implementar <strong>novo</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> controle na solução <strong>do</strong>s<br />

conflitos em que ele <strong>de</strong>ve dar a última resposta.<br />

O homem <strong>do</strong> Direito é <strong>um</strong> homem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, e o mun<strong>do</strong> é feito <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

totalida<strong>de</strong> com suas particularida<strong>de</strong>s e seus universais, <strong>por</strong> isso, a padronização é<br />

<strong>um</strong>a condição <strong>de</strong> <strong>um</strong> futuro já presente.<br />

O risco da ingerência promovi<strong>do</strong> pelas pessoalida<strong>de</strong>s e pelas subjetivida<strong>de</strong>s<br />

exige que sejam cria<strong>do</strong>s mecanismos legais, capazes <strong>de</strong> dar respostas rápidas,<br />

seguras e eficazes, dan<strong>do</strong> às adversida<strong>de</strong>s sociais segurança pelo plano da<br />

estabilida<strong>de</strong> concreta. Para isso, instr<strong>um</strong>entais sistêmicos converti<strong>do</strong>s a esses<br />

objetivos se revelam essenciais.<br />

Na compreensão das proprieda<strong>de</strong>s internas e externas <strong>do</strong>s atos sociais,<br />

resi<strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura cognitiva para as <strong>de</strong>cisões e suas efetivas soluções; <strong>de</strong>ssa<br />

alquimia raia a concepção <strong>de</strong> Justiça como algo transcen<strong>de</strong>ntal.<br />

alg<strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> participação <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>s. Um Esta<strong>do</strong> que se limitasse a <strong>de</strong>ter o monopólio da<br />

violência e <strong>do</strong> fisco, e a administrar <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os critérios formais <strong>de</strong> competência seria<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, segun<strong>do</strong> a lógica da eficácia, mas não segun<strong>do</strong> a lógica da autonomia<br />

(ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das<br />

Letras, 2003, p. 159)”.


472<br />

Nesse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça judiciária, as <strong>de</strong>cisões, muitas vezes inconcebíveis,<br />

são “aceitas” “como <strong>de</strong>cisões <strong>por</strong>ta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s efetivos, que acomodam os<br />

anseios <strong>do</strong> homem em socieda<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong>, em verda<strong>de</strong>, representam<br />

autoritariamente <strong>um</strong>a imposição ao indivíduo, forçan<strong>do</strong>-oa silenciar, <strong>por</strong> ausência <strong>de</strong><br />

opção.<br />

Isso se dá <strong>por</strong>que o homem, já cansa<strong>do</strong> <strong>de</strong> esperar, extenua<strong>do</strong>, tunga<strong>do</strong>,<br />

precisa acreditar que chegou ao fim <strong>de</strong> <strong>um</strong>a longa e insólita busca, pois mais nada<br />

tem a per<strong>de</strong>r.<br />

Disso se conclui que a Justiça social proposta constitucionalmente exige<br />

re<strong>de</strong>finição, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> caminho alternativo que possibilite sua<br />

concretização, passan<strong>do</strong> <strong>do</strong> campo i<strong>de</strong>ológico para o mun<strong>do</strong> ontológico.<br />

Por essa razão, a <strong>de</strong>ssacralização da forma <strong>de</strong> ver e enxergar o mun<strong>do</strong><br />

aponta para <strong>um</strong>a ruptura <strong>do</strong> tradicionalismo em que aquele se viu imerso <strong>por</strong><br />

séculos. Segun<strong>do</strong> Rouanet, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mo<strong>de</strong>rnização a racionalização <strong>do</strong>s processos<br />

estava para otimização, <strong>por</strong>tanto, mo<strong>de</strong>rnização significa dizer, em última instância,<br />

eficácia. 295 Universalizar a padronização da ação h<strong>um</strong>ana em to<strong>do</strong>s os segmentos<br />

da vida social é algo que busca afastar a instabilida<strong>de</strong> e aproximar a previsibilida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>sresulta<strong>do</strong>s; isso se concretiza quan<strong>do</strong> os entes conscientes <strong>do</strong>s mesmos<br />

propósitos e fins passam a ter o mesmo entendimento.<br />

A eficácia fomentada pelo advento da mo<strong>de</strong>rnização, no plano da pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />

para acontecer imprescindivelmente <strong>de</strong>verá estar alinhada na<br />

tecnologização das formas, sair <strong>do</strong> trivial, <strong>do</strong> relativo, para fundar, com <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

conceito, <strong>um</strong>a nova posição <strong>do</strong> entendimento sobre a Justiça na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, é<br />

o que se po<strong>de</strong> extrair das lições <strong>de</strong> Rouanet (2003, p. 273):<br />

295<br />

Como bem cita o autor, “[...] verificamos que para Weber, mo<strong>de</strong>rnização significa principalmente o<br />

a<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> eficácia. Mesmo quan<strong>do</strong> outros valores parecem estar em jogo, como a <strong>de</strong>mocracia ou a<br />

autonomia da razão, o que se escon<strong>de</strong> atrás <strong>de</strong>les é sempre <strong>um</strong> <strong>de</strong>sempenho mais eficaz <strong>do</strong> sistema<br />

econômico, político ou cultural. Esse conceito <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização é o que prevalece na literatura e nas<br />

políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social. Mo<strong>de</strong>rnizar significa melhorar a eficácia <strong>do</strong> sistema<br />

tributário, educacional, <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> trans<strong>por</strong>te, <strong>de</strong> alimentação. Mo<strong>de</strong>rnizar é melhorar a eficiência<br />

da administração pública, das instituições políticas, <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s. É <strong>um</strong> conceito funcional <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>rnização, no senti<strong>do</strong> literal: n<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna as instituições funcionam melhor que em<br />

socieda<strong>de</strong> tradicionais (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São<br />

Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 121)”.


473<br />

Mas não têm falta<strong>do</strong>, também, as críticas políticas. Logo <strong>de</strong>pois da guerra,<br />

<strong>por</strong> exemplo, a guinada universalista foi alimentada pela indignação moral<br />

provocada pelos crimes <strong>do</strong> nazismo: <strong>um</strong> padrão não relativo <strong>de</strong> julgamento<br />

foi consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> necessário para con<strong>de</strong>nar essas atrocida<strong>de</strong>s, qualquer que<br />

fosse o seu condicionamento cultural. Mas foi preciso esperar a década <strong>de</strong><br />

1970 para que essa crítica política ass<strong>um</strong>isse a forma que nos interessa<br />

agora: a <strong>de</strong> que o relativismo era intrinsecamente conserva<strong>do</strong>r.<br />

A imutabilida<strong>de</strong> principiológica e cultural não se sustenta ante a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> alteração da estrutura mo<strong>de</strong>lar <strong>de</strong> Justiça, <strong>um</strong>a vez que o para<strong>do</strong>xo entre formal e<br />

concreto precisa ser supera<strong>do</strong> e distingui<strong>do</strong>. As culturas também não subss<strong>um</strong>em a<br />

imutabilida<strong>de</strong>, pois, em ambas atmosferas, a ruptura <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos em alg<strong>um</strong><br />

momento pe<strong>de</strong> passagem, segun<strong>do</strong> Rouanet. 296<br />

Evitar a padronização é <strong>um</strong> discurso relativista <strong>de</strong> <strong>um</strong>a acepção antropológica<br />

baseada na cultura da visualização <strong>do</strong>s tempos que não estão mais presentes; a<br />

velocida<strong>de</strong> da era em que a socieda<strong>de</strong> está introjetada exige <strong>um</strong> processamento e o<br />

implemento das normas quase que instantaneamente para que elas não passem a<br />

conter a exigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se justificarem enquanto imperativo normativo.<br />

Para isso, a pre<strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s problemas e das possíveis hipóteses <strong>de</strong> solução<br />

são racionalizantes <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova lógica. Na contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong>, o que se coloca em<br />

questionamento, mais <strong>do</strong> que a norma e sua valida<strong>de</strong>, o que se põe em evidência é<br />

o sistema judiciário, no qual habitam o sistema operacional <strong>judicante</strong>, o Direito e a<br />

Justiça.<br />

296<br />

“[...] a tese <strong>de</strong> que o homem é <strong>de</strong> tal maneira impregna<strong>do</strong> pela cultura que não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scentrarse,<br />

contestan<strong>do</strong> os seus valores <strong>de</strong> base. Ora, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista comunicativo, o <strong>de</strong>scentramento é<br />

<strong>um</strong>a consequência necessária à própria interação, cuja problematização requer a entrada no<br />

discurso. A arg<strong>um</strong>entação moral suspen<strong>de</strong> a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s contextos espontâneos <strong>de</strong> ação e submete<br />

à crítica o sistema normativo e institucional. As evidências comunitárias são postas entre parênteses.<br />

O que era inquestiona<strong>do</strong> se torna hipotético, as certezas culturais se tornam problemáticas. Com que<br />

<strong>direito</strong>, entretanto, o homem se julga habilita<strong>do</strong> a examinar criticamente a sua Lebenswelt <strong>–</strong> a sua<br />

“cultura”? Com o <strong>direito</strong> que lhe é concedi<strong>do</strong> pela própria forma <strong>de</strong> estruturação <strong>de</strong> Lebenswelt. Ela é<br />

atravessada <strong>por</strong> processos comunicativos que repousam em pretensões <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>, entre as quais a<br />

<strong>de</strong> caráter normativo. Quan<strong>do</strong> pratico <strong>um</strong> ato linguístico <strong>de</strong> caráter regulativo <strong>–</strong> or<strong>de</strong>m, proibição,<br />

recomendação <strong>–</strong>, estou pronto a justificar meu <strong>direito</strong> <strong>de</strong> praticar esse ato, se questiona<strong>do</strong> <strong>por</strong> meu<br />

interlocutor. Na comunicação normal, se essa situação ocorrer, farei essa justificação alegan<strong>do</strong> que<br />

estou obe<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a norma intersubjetiva aceita. Mas se a própria norma for contestada, esse<br />

arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> ser suficiente. Terei que ingressar n<strong>um</strong> discurso prático, no qual to<strong>do</strong>s os<br />

interessa<strong>do</strong>s <strong>por</strong>ão à prova a valida<strong>de</strong> da norma: é <strong>um</strong>a arg<strong>um</strong>entação <strong>de</strong> segun<strong>do</strong> grau, em que a<br />

norma não serve mais <strong>de</strong> justificação, pois é ela própria que precisa ser justificada (ROUANET,<br />

Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003,<br />

p. 274)”.


474<br />

O repensar <strong>cognitivo</strong> tem ou enfrenta <strong>limite</strong>s, é filtra<strong>do</strong>, pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> e<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como condição para avaliar o sistema <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito para o<br />

alcance da Justiça, no entanto, não restam dúvidas <strong>de</strong> que a pesquisa não <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às preocupações afetas às anomalias <strong>do</strong> sistema vigente.<br />

Esse reposicionamento quanto à inovação trazida em alg<strong>um</strong> momento <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça como elementos construí<strong>do</strong>s pela socieda<strong>de</strong> viria à tona, através<br />

da re<strong>de</strong>finição e da reconceituação <strong>do</strong>s institutos menciona<strong>do</strong>s.<br />

É <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar, também, que essa mudança inevitavelmente aconteceria<br />

em tempo e espaço distintos daqueles que a geraram, fator com<strong>um</strong> e aceitável aos<br />

aspectos da evolução h<strong>um</strong>ana, principalmente quan<strong>do</strong> essa ass<strong>um</strong>e a<br />

responsabilida<strong>de</strong> pelo seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

O acor<strong>do</strong> com<strong>um</strong> e universal <strong>de</strong> <strong>um</strong>a comunicação com assentamento<br />

padroniza<strong>do</strong> é possível <strong>por</strong>que o homem <strong>de</strong>tém <strong>um</strong>a estrutura <strong>de</strong> linguagem, em<br />

que pesem as diversida<strong>de</strong>s culturais e <strong>de</strong> cost<strong>um</strong>es, que não afastam <strong>um</strong>a<br />

possibilida<strong>de</strong> suscetível <strong>de</strong> ser concretizada.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Mead, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada participante coloca-se na<br />

situação <strong>de</strong> vida e constelação <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os outros pela via <strong>do</strong> telos da<br />

compreensão é plenamente possível.<br />

Dessa forma,a circularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que os homens são iguais <strong>por</strong>que se<br />

comunicam e se comunicam <strong>por</strong>que são iguais tem relação com a teoria<br />

comunicativa, responsável <strong>por</strong> fraturar com a teoria historista funda<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> re<strong>do</strong>mas,<br />

<strong>de</strong> abismos e <strong>do</strong>s mais diversos escon<strong>de</strong>rijos <strong>de</strong> que o homem se imbuiu na história<br />

para ser diferente <strong>de</strong> seu outro.<br />

A discussão da valida<strong>de</strong> cultural como entrave à universalização não po<strong>de</strong><br />

encontrar mais <strong>de</strong>fensores, como outrora sufragou o regime hitleriano, isso dadas às<br />

circunstâncias contingenciais <strong>de</strong> caos e conflitos que germinam em toda as malhas<br />

soberanas <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s.<br />

O conceito <strong>de</strong> cultura sem universalida<strong>de</strong>, sem simbiose passa a ser herético<br />

e intolerável em nossos dias e nos que se suce<strong>de</strong>rão, nos quais a socieda<strong>de</strong><br />

passará a exigir a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong> único mun<strong>do</strong>, pois a sua sobrevivência exige<br />

integração, unificação e padronização estrutural <strong>de</strong> valores e <strong>de</strong>mais vetores da<br />

viagem existencial.


475<br />

Com isso, o questionamento <strong>de</strong> segunda or<strong>de</strong>m contra a soberania da própria<br />

norma <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir com tanta constância, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à uniformização contributiva das<br />

culturas na compreensão da estrutura normativa.<br />

Passa, <strong>por</strong>tanto, essa norma a não mais se justificar, quan<strong>do</strong> tem em si toda a<br />

racionalida<strong>de</strong> lógica <strong>de</strong> interesses <strong>do</strong>s partícipes <strong>de</strong> <strong>um</strong> coletivo social. Nisso,<br />

dispensa a reconstrução e dispõe-se à aplicação imediata da lei (norma), sem ter <strong>de</strong><br />

justificar-se.<br />

Uma vez haven<strong>do</strong> a universalização pela padronização gestada a partir da<br />

contribuição participativa <strong>do</strong>s indivíduos, é inevitável que a aceitação das regras<br />

postas não sejam mais questionadas, restan<strong>do</strong> tão somente sua aplicabilida<strong>de</strong>, visto<br />

que a crítica fixada à lei fica suspensa em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> efeito da consensualida<strong>de</strong><br />

participativa. Cita Rouanet (2003, p. 276):<br />

A psicologia já <strong>de</strong>monstrou há muito tempo o que ainda não é claro para<br />

muitos antropólogos: que em to<strong>do</strong>s os indivíduos existe <strong>um</strong>a progressão,<br />

condicionada pela faixa etária, que o leva <strong>de</strong> <strong>um</strong> estágio em que a moral<br />

comunitária é aceita como fundamento último <strong>de</strong> julgamento ético, para <strong>um</strong><br />

último estágio, em que o homem julga segun<strong>do</strong> critérios gerais e abstratos<br />

que transcen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> to<strong>do</strong> a or<strong>de</strong>m social. As pesquisas interculturais<br />

provaram a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta tese em todas as culturas, mas mostraram<br />

também que em alg<strong>um</strong>as os valores culturais impõem <strong>um</strong>a regressão a<br />

estágios psicogeneticamente já ultrapassa<strong>do</strong>s. A cultura bloqueia aquelas<br />

estruturas <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> exigidas pela situação discursiva.Nessa<br />

hipótese, é prestar <strong>um</strong> péssimo serviço às forças renova<strong>do</strong>ras que existem<br />

potencialmente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada cultura reforçar, pela abstenção ou<br />

aprovação tácita, como fazem os relativistas, as forças que inibem a<br />

atualização <strong>de</strong>ssa competência. O homem não po<strong>de</strong> viver fora da cultura,<br />

mas ela não é o seu <strong>de</strong>stino, e sim <strong>um</strong> meio para a sua liberda<strong>de</strong>. Levar a<br />

sério a cultura não significa sacralizá-la e sim permitir que a exigência <strong>de</strong><br />

problematização inerente à comunicação que se dá na cultura se<br />

<strong>de</strong>senvolva até o telos <strong>do</strong> <strong>de</strong>scentramento. Não somos <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s fora da<br />

cultura, mas não seremos homens livres se não pu<strong>de</strong>rmos sempre que<br />

necessário ass<strong>um</strong>ir <strong>um</strong>a posição <strong>de</strong> exteriorida<strong>de</strong> com relação ao mun<strong>do</strong><br />

social. 297<br />

297<br />

Para Wilber: “É precisamente no dualismo <strong>de</strong> “criar <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>” que o universo se corta,<br />

mutila e, consequentemente, se torna “falso para si mesmo”, como assinalou G. Spencer Brown. E a<br />

própria base <strong>de</strong>ste “criar <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>” é a ilusão dualística <strong>de</strong> ser o sujeito fundamentalmente<br />

separa<strong>do</strong> e distinto <strong>do</strong> objeto. Como vimos, foi exatamente nessa maneira <strong>de</strong> ver que os cita<strong>do</strong>s<br />

físicos esbarraram, a maneira <strong>de</strong> ver culminante <strong>de</strong> 300 anos <strong>de</strong> pesquisa científica persistente e<br />

consistente. Ora, isto é da máxima im<strong>por</strong>tância, pois, tais cientistas só <strong>po<strong>de</strong>r</strong>iam compreen<strong>de</strong>r a<br />

improprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> conhecimento dualístico reconhecen<strong>do</strong> (<strong>por</strong> mais obscuramente que fosse) a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> conhecer a Realida<strong>de</strong>, <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> conhecer que não opera<br />

separan<strong>do</strong> o conhece<strong>do</strong>r <strong>do</strong> conheci<strong>do</strong>, o sujeito <strong>do</strong> objeto. Eddington explica o segun<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

conhecer: Temos duas espécies <strong>de</strong> conhecimento, que chamo <strong>de</strong> conhecimento simbólico e<br />

conhecimento íntimo... [As] formas mais cost<strong>um</strong>eiras <strong>de</strong> raciocínio foram <strong>de</strong>senvolvidas apenas para<br />

o conhecimento simbólico. O conhecimento íntimo não se sujeita à codificação e à análise; ou,


476<br />

Uma questão curiosa que merece atenção é a posição <strong>de</strong> Marx e Hillix (2008,<br />

p. 18) para o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> conferirmos o padrão para resguardar a estabilida<strong>de</strong> das<br />

coisas, senão vejamos:<br />

Não po<strong>de</strong>mos insistir em que arranhar a superfície <strong>de</strong> <strong>um</strong>a folha <strong>de</strong> papel ou<br />

os padrões <strong>de</strong> pressão vocalmente produzida no ar sejam verda<strong>de</strong>iros; os<br />

arranhões e os padrões <strong>de</strong> pressão constituem estímulos que são úteis ou<br />

não para orientar o com<strong>por</strong>tamento <strong>de</strong> pessoas e que produzem ou não a<br />

resposta “verda<strong>de</strong>ira”, sob condições apropriadas, nas pessoas que ouvem<br />

ou leem o que foi escrito no papel. Se os padrões <strong>de</strong> estímulo<br />

<strong>de</strong>sempenham bem suas complexas funções nas situações <strong>de</strong><br />

aprendizagem em que adquiriram significa<strong>do</strong> e nas situações em que<br />

orientam o com<strong>por</strong>tamento, então os padrões ten<strong>de</strong>m a persistir e po<strong>de</strong>mos<br />

consi<strong>de</strong>rá-los verda<strong>de</strong>iros. No caso contrário, eles acabarão sen<strong>do</strong><br />

substituí<strong>do</strong>s <strong>por</strong> outras verda<strong>de</strong>s, outros fatos. Mesmo aqueles enuncia<strong>do</strong>s<br />

que continuam sen<strong>do</strong> chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iros, <strong>por</strong>que formulam previsões<br />

rigorosamente corretas, são suscetíveis <strong>de</strong> eventual substituição <strong>por</strong><br />

verda<strong>de</strong>s superiores que fazem as mesmas previsões <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> mais<br />

simples e, assim, permitem codificar a “verda<strong>de</strong>” mais economicamente.<br />

A forma substancial e visual com que homem precisa o mun<strong>do</strong>, para atingir o<br />

nível <strong>do</strong> padrão consensual, se substituída <strong>por</strong> <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> falada <strong>de</strong><br />

participações conjunta para que se possam estabelecer os padrões a serem<br />

segui<strong>do</strong>s, representa <strong>um</strong> méto<strong>do</strong> da ética discursiva.<br />

Com a padronização a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a observação indiferente, separada pela<br />

distância <strong>do</strong> sujeito-objeto exige que seja refundada a relação <strong>de</strong> intersubjetivida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>vidamente categorizadas e catalogadas. Com isso, os da<strong>do</strong>s e as informações<br />

passam a relacionar-se com as normas <strong>de</strong> forma sistêmica, contribuin<strong>do</strong> para o<br />

processo <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong>, bem como para a avaliação <strong>do</strong> efetivo c<strong>um</strong>primento da<br />

norma realizada pelo processo <strong>de</strong> retroalimentação.<br />

O <strong>de</strong>bate com a realida<strong>de</strong> faz com que a técnica-normativa não seja<br />

questionada quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua aplicação, todavia esse <strong>de</strong>bate não se dará a partir <strong>do</strong>s<br />

padrões da antiguida<strong>de</strong>.<br />

melhor, quan<strong>do</strong> tentamos analisá-lo, per<strong>de</strong>-se a intimida<strong>de</strong>, que é substituída pelo simbolismo.<br />

Eddington chama “íntimo” ao segun<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> conhecer <strong>por</strong>que sujeito e objeto estão intimamente<br />

uni<strong>do</strong>s em sua operação. Entretanto, assim que surge o dualismo <strong>de</strong> sujeito e objeto, a “intimida<strong>de</strong> se<br />

per<strong>de</strong>” e é “substituída pelo simbolismo”, e caímos instantaneamente <strong>de</strong> volta ao mun<strong>do</strong> comuníssimo<br />

<strong>do</strong> conhecimento analítico e dualístico. Dessarte <strong>–</strong> e <strong>de</strong>ntro em pouco o <strong>de</strong>screveremos miudamente<br />

<strong>–</strong> o conhecimento simbólico é o conhecimento dualístico. E <strong>um</strong>a vez que é ilusória a separação entre<br />

sujeito e objeto, o conhecimento simbólico que <strong>de</strong>la se segue, em certo senti<strong>do</strong>, é igualmente ilusório<br />

(WILBER, Ken. O espectro da consciência; tradução Octavio Men<strong>de</strong>s Caja<strong>do</strong>. São Paulo: Cultrix,<br />

2007, p. 35)”.


477<br />

Debate normativo é o processo acareativo da norma com a norma, <strong>do</strong> fato<br />

com o fato. Da apuração <strong>de</strong> cada processo se tem <strong>um</strong>a conclusão e, somente assim,<br />

se gera estabilização pela uniformização.<br />

O que se preten<strong>de</strong> elevar como padrão <strong>de</strong> Justiça, aliás o que se chama <strong>de</strong><br />

Justiça na medida em que ela não encontra sua função frente ao para<strong>do</strong>xo <strong>do</strong> formal<br />

e <strong>do</strong> material, é, ao que parece, sua relação <strong>de</strong> correspondência que vem sen<strong>do</strong><br />

minada pela rejeição da concretização material da norma legislada.<br />

A insistência é conflituosa e a objetivida<strong>de</strong> carregada pelo coman<strong>do</strong> das<br />

normas per<strong>de</strong> sua objetivida<strong>de</strong> pela participação subjetiva e pessoal <strong>do</strong> homem<br />

como agente media<strong>do</strong>r <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento, na dimensão tamanha: a dimensão<br />

diminuta da individualida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana o faz <strong>um</strong> incoerente vaticina<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sistema.<br />

Tem-se, então, <strong>um</strong> <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s problemas, a ausência da comunicação ou a<br />

falta <strong>de</strong> efetiva representativida<strong>de</strong> entre o legisla<strong>do</strong>r e a socieda<strong>de</strong>; esse é <strong>um</strong> <strong>do</strong>s<br />

gran<strong>de</strong>s problemas a serem supera<strong>do</strong>s.<br />

Acredita-se que a comunicação acenada precisa ser mais bem avaliada, ou<br />

seja, a comunicação que se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r como causa das disfunções normativas<br />

entre fato e norma advém da precarieda<strong>de</strong> com que ainda as leis sãocriadas,<br />

gerenciadas, sistematizadas, aplicadas e c<strong>um</strong>pridas.<br />

Em muitos momentos, o media<strong>do</strong>r <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> toma para si essa função.<br />

Incor<strong>por</strong>a<strong>do</strong> na condição <strong>de</strong> legisla<strong>do</strong>r da norma e <strong>de</strong> Justiça, realiza <strong>um</strong><br />

procedimento paralelo em busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a realização pessoal e pouco jurídica.<br />

Contrarian<strong>do</strong> o sistema, dan<strong>do</strong> a ele ainda maior vulnerabilida<strong>de</strong> sobre o<br />

manto da discricionarieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> tal forma que a função <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais opera<strong>do</strong>res e<br />

auxiliares passa a não ter mais parâmetros, <strong>um</strong>a vez que sen<strong>do</strong> a lei a regra<br />

orienta<strong>do</strong>ra para mediar, sua <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> seu maior<br />

interessa<strong>do</strong> (media<strong>do</strong>r) faz com que o sistema se <strong>de</strong>sintegre estruturalmente.<br />

O comprometimento <strong>do</strong>s interlocutores ou atores exige <strong>um</strong>a consciência <strong>do</strong>s<br />

valores estabeleci<strong>do</strong>s como condição inquestionável dada <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

diálogo franco.<br />

Isso evitaria infrutíferas tentativas <strong>de</strong> estabelecer a soberania da retórica<br />

discursiva, em que a reserva mental <strong>do</strong>s interesses subjetivos está na maior parte<br />

das vezes a serviço da supremacia <strong>do</strong> simplesmente vencer <strong>por</strong> vencer na acepção<br />

terminologicamente shopenhauriana.


478<br />

O mo<strong>de</strong>lo colonialista <strong>de</strong> entregar o resulta<strong>do</strong>, <strong>de</strong> entregar à Justiça tardia tem<br />

revela<strong>do</strong> que na discussão <strong>do</strong> que se enten<strong>de</strong> <strong>por</strong> justo ou <strong>do</strong> como fazer para se<br />

fazer o milagre da Justiça encontra-se nas mãos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a minoria elitizada.<br />

Portanto, a caricatura da Justiça não é popular, é fidalga. De <strong>um</strong>a Justiça que<br />

tem “rosto” e cujos “olhos” encontram-se <strong>de</strong>svenda<strong>do</strong>s, cientes e conscientes <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a dinâmica intelectual limitada e que urge correção.<br />

Ao contrário <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estética pre<strong>do</strong>minantemente das classes mais<br />

abastadas, a questão emblemática é que na maior parte das vezes em situações<br />

comuns ou tidas como corriqueiras o homem/Juiz representa, ou bem dizen<strong>do</strong>, é <strong>um</strong><br />

interposto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que sequer sabe ou tem a h<strong>um</strong>ilda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consultar seu juízo<br />

para tomar consciência <strong>do</strong> que efetivamente o homem das massas precisa receber<br />

no invólucro <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Justiça.<br />

A visão tridimensional apresenta-se entre o que se pensa que seja, o que se<br />

quer receber e o que efetivamente se recebe como Justiça. Para tal sujeito <strong>de</strong><br />

Direitos sequer a embalagem é im<strong>por</strong>tante.<br />

Uma vez que o que ele quer, na verda<strong>de</strong>, é <strong>um</strong> conteú<strong>do</strong> prático <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong><br />

resolve<strong>do</strong>r que pacifique imediatamente sua angústia, suspenda as chagas que o<br />

consomem para viver com dignida<strong>de</strong> segun<strong>do</strong> a lei <strong>do</strong> Direito. Ilustra Rouanet (2003,<br />

p. 259):<br />

O ponto <strong>de</strong> partida da teoria da ação comunitária é o mun<strong>do</strong> vivi<strong>do</strong><br />

(lebenswelt): o lugar das relações sociais espontâneas, das certezas préreflexivas,<br />

<strong>do</strong>s vínculos que nunca foram postos em dúvida. As relações<br />

sociais que se dão no mun<strong>do</strong> ass<strong>um</strong>em caracteristicamente a forma <strong>de</strong><br />

ação comunicativa: <strong>um</strong> processo interativo, linguisticamente mediatiza<strong>do</strong>,<br />

pelo qual os indivíduos coor<strong>de</strong>nam seus projetos <strong>de</strong> ação e organizam suas<br />

ligações recíprocas.<br />

É <strong>de</strong> se observar que essa sistemática aponta a bem da verda<strong>de</strong> para a oferta<br />

da <strong>um</strong>a validação antes mesmo <strong>do</strong> fluxo <strong>do</strong> ganho da fala. Para melhor fazer-se<br />

enten<strong>de</strong>r, na contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong> toda nossa comunicação é estabelecida sobre a<br />

pretensa autorização da valida<strong>de</strong>.


479<br />

Singelamente, as ações são ditas <strong>por</strong>que são verda<strong>de</strong>iras com base em <strong>um</strong><br />

conjunto teórico-normativo. Sob esse aspecto, partimos <strong>do</strong> pressuposto <strong>de</strong> que o<br />

que afirmamos é justo <strong>por</strong> estar sustenta<strong>do</strong> em <strong>um</strong>a regra “lei”, e que as afirmações<br />

<strong>de</strong> fato estão em consonância com as regras apontadas e que essa combinação tem<br />

<strong>um</strong>a conotação <strong>de</strong> justa, reveste-se <strong>de</strong> justa pela subsunção da regra.<br />

No entanto, se oposta <strong>um</strong>a comunicação, a regra é questionada quanto à sua<br />

valida<strong>de</strong>. Se questionada, a valida<strong>de</strong> da regra é exposta à comunicação como não<br />

validada, não justa. É <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, ou melhor, é em semelhante mo<strong>de</strong>lo que<br />

alimentamos o padrão <strong>de</strong> Justiça judiciária atual.<br />

A <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> validação no mo<strong>de</strong>lo sectário aponta<strong>do</strong> é <strong>um</strong> problema<br />

indissolúvel. Se a tentativa for <strong>de</strong> salvá-lo como se tem incessantemente opera<strong>do</strong><br />

com reformas, microrreformas e o inflacionário sistema legislativo que diuturnamente<br />

está a trabalhar na construção da colcha <strong>de</strong> retalhos legislativa, sob o auspício <strong>de</strong><br />

proteger a tábua Constitucional, a resolução que se espera não se concretizará.<br />

Uma das tentativas que o Esta<strong>do</strong> encontrou ao longo <strong>do</strong>s séculos inspirada<br />

nos mo<strong>de</strong>los pretorianos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Grécia antiga foi o <strong>de</strong> colocar entre o sistema <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário e o seu <strong>de</strong>stinatário <strong>um</strong> representante da lei, o Esta<strong>do</strong>/Juiz.<br />

No entanto, a relação entre a oferta e a procura <strong>por</strong> Justiça não era<br />

massificada como nos dias atuais e, <strong>por</strong> consequência, complexa pelo vol<strong>um</strong>e e pela<br />

mutabilida<strong>de</strong> das formas sociais e culturais.<br />

Um <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo para suprir os velhos <strong>paradigma</strong>s, ou simplesmente no<br />

curso da história promover o rompimento com o esta<strong>do</strong> atual, representa <strong>um</strong><br />

movimento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> e exemplarmente <strong>de</strong>fensável diante da insatisfação <strong>do</strong>s<br />

indivíduos coletivos.<br />

O<strong>por</strong>-se à subserviência <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> totalizante <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Justiça<br />

judiciária é mais que <strong>um</strong> Direito, é o reconhecimento <strong>de</strong> que a ciência e os cientistas<br />

estão objetivamente a serviço da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, como <strong>de</strong>latores e construtores<br />

<strong>de</strong> ferramentais atualizadas às novas necessida<strong>de</strong>s.


480<br />

A ruptura com o comodismo, a tranquilida<strong>de</strong> da apatia <strong>do</strong> estar bem ou bom<br />

cost<strong>um</strong>eiramente alimentante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a condição antropomórfica é condição para o<br />

surgimento e o convencimento <strong>de</strong> que a or<strong>de</strong>m estabelecida não aten<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma<br />

satisfatória e eficaz à solução das contendas, ou melhor, a pretensão resistida tem<br />

nos últimos tempos gera<strong>do</strong> raízes da intolerância e da problematização <strong>do</strong> próprio<br />

sistema que no passa<strong>do</strong> fora cria<strong>do</strong> para lhe dar conta. Para Minayo (2010, 89-90),<br />

[...] o papel <strong>do</strong> cientista social <strong>de</strong>veria ser o <strong>de</strong> tornar evi<strong>de</strong>nte, para seus<br />

contem<strong>por</strong>âneos, a dinâmica da socieda<strong>de</strong> em que vive e o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua<br />

participação específica. A utilida<strong>de</strong> das ciências sociais seria dada pela sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar os gran<strong>de</strong>s problemas vivi<strong>do</strong>s pelo povo em<br />

questões públicas, em favor <strong>de</strong> mudanças sociais, tornan<strong>do</strong> os cidadãos<br />

capazes <strong>de</strong> saírem <strong>de</strong> seus <strong>limite</strong>s individuais e se sentirem parte <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

história à qual a sua biografia está estreitamente vinculada.<br />

A incapacida<strong>de</strong> da mudança é <strong>um</strong> campo a ser transposto imediatamente,<br />

<strong>por</strong>que o homem tem como potencialida<strong>de</strong> elevar-se, a partir <strong>do</strong> <strong>novo</strong> conhecimento<br />

além <strong>do</strong>s tabloi<strong>de</strong>s das estruturas matemáticas como números ou simplesmente<br />

resulta<strong>do</strong>s informativos estarrece<strong>do</strong>res, envolvi<strong>do</strong>s pela liberda<strong>de</strong> da inércia.<br />

A crise global é <strong>um</strong> indica<strong>do</strong>r forte da fragilida<strong>de</strong> das instituições, inclusive <strong>do</strong><br />

Judiciário, conforme ilustra o artigo veicula<strong>do</strong> pelo IBRAJUS (Instituto Brasileiro <strong>de</strong><br />

Administração <strong>do</strong> Sistema Judiciário). 298<br />

Em <strong>novo</strong>s tempos, a visão exige <strong>um</strong>a sensibilida<strong>de</strong> suficiente para as<br />

compreensões diferentes. A fenomenologia advinda <strong>do</strong> cotidiano pelos problemas<br />

enfrenta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro da estrutura <strong>do</strong> sistema judiciário exige essa situação face a<br />

face, fundada <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> espaço e <strong>do</strong> tempo em que a experiência <strong>do</strong> dia é a<br />

realida<strong>de</strong>, em que a realida<strong>de</strong> é o produto vivo da pesquisa, em que os instr<strong>um</strong>entos<br />

298 Disponível em: Acesso em: 06 jul. 15.<br />

“Hoje o funcionamento das instituições políticas e jurídicas dá o su<strong>por</strong>te para o atual esta<strong>do</strong> da<br />

técnica e sua utilização limitada e o <strong>de</strong>safio a enfrentar é justamente encontrar novas técnicas que<br />

nos permitam superar os <strong>limite</strong>s impostos pela forma que lidamos com o capital. Conforme observa<br />

Santos, ainda não temos essa visão sistêmica, mas com a atual crise já estão <strong>de</strong>flagradas a<br />

perversida<strong>de</strong> e a fraqueza discursiva <strong>do</strong> sistema financeiro que atua sob o interesse expansivo sem o<br />

compromisso ético, produzin<strong>do</strong> a contradição e a incoerência visíveis na crise iniciada nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s e suas consequências pelo mun<strong>do</strong> afora. Santos, <strong>de</strong> maneira esperançosa, propõe <strong>um</strong>a<br />

mutação filosófica <strong>do</strong> homem a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> amadurecimento da crise, <strong>de</strong> <strong>um</strong> olhar crítico sobre a<br />

história que vivemos e <strong>um</strong>a ressignificação <strong>do</strong> nosso papel como pessoa, como cons<strong>um</strong>i<strong>do</strong>r, homem<br />

integral e cidadão. Seria apenas o início <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova história <strong>de</strong> reconstrução vertical <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (<strong>de</strong><br />

baixo para cima), com a implantação <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo econômico, social, político e jurídico <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

nova globalização baseada em <strong>um</strong>a diferente distribuição <strong>do</strong>s bens e serviços. A partir daí <strong>po<strong>de</strong>r</strong>emos<br />

falar em <strong>novo</strong>s mo<strong>de</strong>los institucionais, capazes <strong>de</strong> retratar <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> diferente, menos caótica e<br />

seguramente mais legítima”.


481<br />

<strong>de</strong> aferição são rotineiramente testa<strong>do</strong>s e comprovam que a estrutura se encontra<br />

compromissada. Nesse contexto, são vitais os apontamentos <strong>de</strong> Minayo ao citar<br />

Weber e Schutz (2010, p. 144-145):<br />

[...] Segun<strong>do</strong> Schutz, as pessoas não cost<strong>um</strong>am questionar as coisas e<br />

acontecimentos, simplesmente vivem-nos como estruturas significativas que<br />

atribuem senti<strong>do</strong> a sua existência. O mun<strong>do</strong> cotidiano apresenta-se para<br />

Shutz, nas tipificações construídas pelos próprios atores sociais, que<br />

expressam suas próprias relevâncias ao classificar a realida<strong>de</strong>. Essas<br />

tipificações incluem tanto o universal e o estável como o específico e o<br />

mutável. Aqui se observa <strong>um</strong>a diferença radical entre Schutz e Weber.<br />

Enquanto para este o tipo i<strong>de</strong>al é <strong>um</strong>a constatação analítica criada pelo<br />

cientista para se aproximar <strong>do</strong> real, os “tipos” e as “tipificações” tais como<br />

pensa<strong>do</strong>s <strong>por</strong> Schutzdizem em respeito à construção <strong>do</strong> ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong><br />

com<strong>um</strong> quan<strong>do</strong> busca compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> em que vive e se comunica<br />

com seus semelhantes. / Schutz (1964), embora, em consequência <strong>de</strong> sua<br />

proposta <strong>de</strong> tipificação, que os da<strong>do</strong>s primários colhi<strong>do</strong>s em campo pelos<br />

cientistas sociais já em estrutura<strong>do</strong>s e interpreta<strong>do</strong>s pelas pessoas e grupos<br />

que eles pretendam compreen<strong>de</strong>r, pois a realida<strong>de</strong> social possui senti<strong>do</strong><br />

para os que vivem nela. Dessa forma, diz ele, os objetos das ciências<br />

sociais são constructos da segunda potência (1964, p. 300). Dizen<strong>do</strong> com<br />

outras palavras, a matéria-prima para a investigação sociológica são os<br />

constructos <strong>de</strong> primeira “potência” elabora<strong>do</strong>s pelos membros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

socieda<strong>de</strong> ou comunida<strong>de</strong> na sua vivência que inclui presente, passa<strong>do</strong> e<br />

projeção para o futuro.<br />

Portanto, a criação <strong>de</strong> <strong>um</strong> tipo i<strong>de</strong>al ou tipificação acompanhan<strong>do</strong> os<br />

conceitos estereotipa<strong>do</strong>s permite que o meio social <strong>do</strong> indivíduo, sua vida e o seu<br />

grau <strong>de</strong> conhecimento sejam consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s, avalia<strong>do</strong>s e participa<strong>do</strong>s com<br />

antecedência.<br />

O classificar para padronizar é ainda possível, além <strong>de</strong> que as questões<br />

subjetivamente relevantes sejam consi<strong>de</strong>radas na nova estrutura conceben<strong>do</strong> <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>terminada estabilida<strong>de</strong>.<br />

A questão qualitativa experenciada pelo conhecimento empírico da vivência é<br />

distinta em qualquer circunstância, sen<strong>do</strong> inclusive impossível <strong>de</strong> ser retratada <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a construção parcial estabelecida no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça judiciária.<br />

A classificação da realida<strong>de</strong> é <strong>um</strong>a condição com<strong>um</strong> e trans<strong>por</strong>tá-la a <strong>um</strong><br />

sistema gerencia<strong>do</strong>r controla<strong>do</strong> <strong>por</strong> tecnologia é possível e perfeitamente aceitável,<br />

evitan<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong>sse procedimento as divergências que colocam em risco<br />

diante <strong>do</strong> não alcance <strong>do</strong> seu telos.


482<br />

A verda<strong>de</strong> é que a regulamentação <strong>de</strong> alguns elementos responsáveis pela<br />

manutenção da experiência e <strong>do</strong> conhecimento necessita <strong>de</strong> correção e<br />

conformida<strong>de</strong> para se que possam fortalecer as bases das uniformida<strong>de</strong>s<br />

classificatórias. Segun<strong>do</strong> Minayo (2010, p. 147),<br />

[...] to<strong>do</strong>s vivem n<strong>um</strong> grupo <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, recebem a maior parte <strong>de</strong> seus<br />

conhecimentos através <strong>do</strong>s pais, professores e pre<strong>de</strong>cessores. Recebem<br />

também <strong>um</strong>a visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, maneiras <strong>de</strong> classificar e tipificar a realida<strong>de</strong>,<br />

crian<strong>do</strong> <strong>um</strong> universo vivencial específico, <strong>de</strong> tal forma que seu saber vai <strong>do</strong><br />

“familiar” ao “anônimo” a partir da situação “face a face” e da vida prática,<br />

<strong>por</strong> meio das quais se relacionam com o mun<strong>do</strong>.<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> objetivar as subjetivida<strong>de</strong>s já não era apreciada <strong>por</strong> Villey,<br />

na medida em que os cientistas sociais sempre utilizavam a socieda<strong>de</strong> como teste e<br />

elemento hipotético para as avaliações e as análises conclusivas, para assim<br />

estabelecer padrões sociais <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tamentos e nesse contexto gerar as regras <strong>de</strong><br />

controle. 299 Não há que se reconhecerem as regras <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>por</strong> intermédio das<br />

ciências criadas pelos contratualistas, mas, ao contrário, pelas regras <strong>de</strong> controle<br />

criadas pelos indivíduos, validadas <strong>por</strong> estes, elevan<strong>do</strong> tal conhecimento gera<strong>do</strong> ao<br />

nível <strong>de</strong> científico, inclusive regran<strong>do</strong>-os a partir <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s.<br />

A premência <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>cognitivo</strong>, estabeleci<strong>do</strong> <strong>por</strong> parâmetros estáveis e<br />

previsíveis <strong>de</strong>ntre vários fatores, tem como objetivo eliminar a concepção totalitarista<br />

<strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> pelo <strong>po<strong>de</strong>r</strong> e <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> homem sobre o homem.<br />

Nestsas condições, se <strong>por</strong>ventura o positivismo jurídico tal qual o capitalismo<br />

estão em seus <strong>limite</strong>s, a reinvenção pela invenção inova<strong>do</strong>ra pe<strong>de</strong> espaço para <strong>um</strong><br />

<strong>novo</strong> Direito e <strong>um</strong>a nova Justiça em busca <strong>de</strong> perenemente proteger estes institutos,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seus conceitos.<br />

Não menos im<strong>por</strong>tante é o afastamento <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento da imposição pela<br />

convenção, fazen<strong>do</strong> emergir a imposição consensualizada, o reconhecimento <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a integração social restabelecen<strong>do</strong>a universalida<strong>de</strong>.<br />

299<br />

Segun<strong>do</strong> Santos: “A proposta <strong>de</strong> Villey visa a algo <strong>de</strong> diferente, a ponto <strong>de</strong> colocar o homem como<br />

centro. Embora os <strong>direito</strong>s <strong>do</strong> indivíduo, no início pareçam ser ilimita<strong>do</strong>s, encontram no outro suas<br />

limitações; mais <strong>do</strong> que isso, <strong>de</strong>latam <strong>um</strong>a falha gravíssima no <strong>direito</strong> positivo, revelam que sua<br />

gestação coisificada é, indiscutivelmente, ina<strong>de</strong>quada ao homem, quan<strong>do</strong> o que se busca é dar<br />

guarida à subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste. O autor, em <strong>um</strong> lampejo, capta a dificulda<strong>de</strong> e, ao mesmo tempo, a<br />

crise na qual o positivismo jurídico se encontra em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua inelasticida<strong>de</strong> (SANTOS, Fabio<br />

Marques Ferreira. Conversão <strong>do</strong> <strong>direito</strong> positivo ao <strong>direito</strong> subjetivo mo<strong>de</strong>rno. In: Revista Em tempo.<br />

Marília, v. 11, n. 11, 2012, p. 42)”


483<br />

E, ao mesmo tempo, reconhecen<strong>do</strong> comprovadamente o positivismo, mesmo<br />

na modalida<strong>de</strong> flexibilizada que, em última instância, nada mais é <strong>do</strong> que <strong>um</strong>a ilusão<br />

da participação e da compreensão <strong>do</strong>s atores <strong>do</strong> seu esta<strong>do</strong> social.<br />

A neutralida<strong>de</strong> hipotética <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>ve ce<strong>de</strong>r espaço às leis sociais e<br />

não mais à aceitação das leis estatais, que se tornam, <strong>por</strong>ém, <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a outra<br />

natureza.<br />

É necessário que se tenha no corpo das normas <strong>um</strong>a notória e evi<strong>de</strong>nte<br />

participação <strong>do</strong>s observa<strong>do</strong>s (suas subjetivida<strong>de</strong>s pré<strong>de</strong>finidas) e não simplesmente<br />

o reducionismo pragmático <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r. Esse, ao realizar essa interação pessoal<br />

e subjetiva, o faz <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> inseguro a <strong>um</strong> custo muito alto (risco da<br />

imprevisibilida<strong>de</strong>). Tal engenharia h<strong>um</strong>ana, forjada em <strong>um</strong> sistema que con<strong>de</strong>nsa os<br />

da<strong>do</strong>s e as informações resultantes <strong>de</strong> cada inteiração a partir <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ologias,<br />

não garante a padronização esperada “erga omnes”, conforme ilustra trecho <strong>do</strong><br />

artigo “O Judiciário e a Credibilida<strong>de</strong> da Justiça”, <strong>do</strong> Des. Marcus Antônio <strong>de</strong> Souza<br />

Faver:<br />

[...] <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as conferências realizadas <strong>por</strong> Couture, na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Paris, nos i<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1950, ficou evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> que as <strong>de</strong>cisões judiciais<br />

<strong>de</strong>veriam ser encaradas em <strong>do</strong>is níveis: <strong>um</strong> micro e outro macroprocessual.<br />

Significa dizer que Couture já i<strong>de</strong>ntificava a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong> efeito, <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

extravasamento, para fora <strong>do</strong> processo, <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> da <strong>de</strong>cisão judicial ao<br />

<strong>de</strong>cidir <strong>um</strong> conflito. Quan<strong>do</strong> <strong>um</strong> juiz é guinda<strong>do</strong> à solução <strong>de</strong> <strong>um</strong> conflito <strong>de</strong><br />

sua <strong>de</strong>cisão surgem <strong>do</strong>is níveis <strong>de</strong> repercussão. O primeiro nível, <strong>de</strong><br />

conteú<strong>do</strong> interno, que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> efeito microprocessual <strong>–</strong><br />

o juiz <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> a questão que lhe foi colocada e dá solução ao conflito <strong>de</strong><br />

acor<strong>do</strong> com a sua técnica, a sua análise prolatória e os parâmetros<br />

jurídicos. Ao assim proce<strong>de</strong>r, coloca no âmago da <strong>de</strong>cisão muito da sua<br />

convicção i<strong>de</strong>ológica, <strong>de</strong> sua interpretação pessoal e <strong>de</strong> sua formação como<br />

pessoa h<strong>um</strong>ana, mesmo <strong>por</strong>que, como dizia Cappelletti, não há <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>cisão judicial neutra, pois inexoravelmente, ao proferir <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão, o juiz<br />

coloca sobre ela toda a sua formação i<strong>de</strong>ológica, política, religiosa, pessoal<br />

e moral, ou seja, a interpretação <strong>do</strong> Direito está impregnada pela formação<br />

global que o juiz, como pessoa h<strong>um</strong>ana, possa ter. Todavia, ao estabelecer<br />

a <strong>de</strong>cisão a nível microprocessual, o juiz não po<strong>de</strong> se esquecer <strong>de</strong> que há<br />

na <strong>de</strong>cisão <strong>um</strong> conteú<strong>do</strong> macroprocessual, pois a socieda<strong>de</strong> irá tirar<br />

daquele pronunciamento, <strong>um</strong>a orientação <strong>de</strong> conduta em outros litígios<br />

assemelha<strong>do</strong>s partin<strong>do</strong> da orientação jurídica, anteriormente <strong>de</strong>lineada <strong>por</strong><br />

aquela <strong>de</strong>cisão, <strong>por</strong> aquele juiz. 300<br />

300<br />

Cf.: FAVER, Marcus Antônio <strong>de</strong> Souza. O judiciário e a credibilida<strong>de</strong> da <strong>justiça</strong>. In: Revista<br />

EMERJ, v. 4, n. 13, 2001. Disponível em:<br />

. Acesso em: 13<br />

jul. 2015


484<br />

É necessário criar <strong>um</strong> <strong>novo</strong> significa<strong>do</strong> teórico-normativo para restabelecer<br />

sua im<strong>por</strong>tância, a im<strong>por</strong>tância da norma como agente regula<strong>do</strong>r constitucionalmente<br />

compromissa<strong>do</strong> com sua finalida<strong>de</strong>.<br />

A eticida<strong>de</strong> normativa precisa ser restituída ao seio da socieda<strong>de</strong> e que a<br />

ciência verda<strong>de</strong>ira seja gerada pela própria socieda<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>senvolve sobre os<br />

contornos principiológicos <strong>de</strong> seus próprios valores, conforme é possível inferir <strong>do</strong><br />

mesmo artigo retromenciona<strong>do</strong>. 301<br />

Mormente se acontece efetivamente o rompimento com o historismo éticonormativo,<br />

responsável pelo <strong>de</strong>sastroso arrastamento da difícil realida<strong>de</strong> “ilustrada<br />

pelo representante <strong>do</strong> próprio sistema”e autoriza <strong>um</strong> universalismo ético-normativo,<br />

<strong>um</strong> resgate <strong>do</strong> sistema judiciário, com o estabelecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conceito <strong>de</strong><br />

Direito, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conceito da Justiça.<br />

301<br />

“A meu ver, o Direito está em crise quan<strong>do</strong> ocorre o seu afastamento da realida<strong>de</strong> social pela<br />

ruptura <strong>de</strong> coerência que, nesse aspecto, <strong>de</strong>veria manter, pela <strong>de</strong>cadência <strong>do</strong> seu conteú<strong>do</strong> ético que<br />

o conduz à sua finalida<strong>de</strong> e à realização <strong>de</strong> Justiça. Esse é <strong>um</strong> conceito cultural e histórico que afeta<br />

o aspecto ético e psicológico da socieda<strong>de</strong>. Há assim Crise <strong>do</strong> Direito em <strong>de</strong>corrência da má<br />

elaboração e da má execução das leis <strong>por</strong> ocasião da sua aplicação. Enfrentamos, então, em nossos<br />

dias <strong>um</strong> verda<strong>de</strong>iro “marginalismo jurídico”, caracteriza<strong>do</strong> pela falta <strong>de</strong> sintonia entre a realida<strong>de</strong><br />

social, que o Direito imperfeitamente procura refletir, e pelo seu caráter esotérico, com pertinência ao<br />

<strong>de</strong>sconhecimento pelas massas, que nele não vêem <strong>um</strong> conteú<strong>do</strong> h<strong>um</strong>anístico nem o catecismo <strong>de</strong><br />

que falava Bentham e a posição <strong>de</strong> vanguarda <strong>de</strong> alguns institutos para os quais o povo ainda não<br />

amadureceu conscientemente. Resulta disso tu<strong>do</strong> que o Direito às vezes se encontra em dissonância<br />

com o meio social, <strong>por</strong> estar aquém <strong>do</strong>s anseios da socieda<strong>de</strong>, repercutin<strong>do</strong> negativamente na<br />

coletivida<strong>de</strong> a fratura entre o Direito posto e os anseios da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente basicamente da<br />

fragilida<strong>de</strong> político-i<strong>de</strong>ológica <strong>do</strong>s nossos representantes que elaboram as leis. Surge, então, <strong>um</strong><br />

adágio popular no Brasil que reflete essa situação <strong>–</strong> “leis que pegam e leis que não pegam”. Há <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>sarmonia entre a estrutura legal e a vonta<strong>de</strong> consciente e natural que o cidadão tem <strong>de</strong> que a sua<br />

conduta seja ditada <strong>por</strong> leis que estejam <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o sentimento e a vonta<strong>de</strong> da própria<br />

socieda<strong>de</strong>. Essa crise <strong>do</strong> Direito torna-se até dramática quan<strong>do</strong> situada no plano da eficácia das leis.<br />

Na verda<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> os princípios <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s implícita ou explicitamente nas normas legais e<br />

correspon<strong>de</strong>ntes quase sempre a i<strong>de</strong>ias liberais injustas são confronta<strong>do</strong>s com a realida<strong>de</strong> cotidiana,<br />

ocorrem a perplexida<strong>de</strong>, o choque social e a frustração da socieda<strong>de</strong>, o que é dramático. É<br />

necessário acentuar que obviamente a lei nasce para ter <strong>um</strong>a eficácia real, ou seja, para atingir e<br />

aten<strong>de</strong>r os fins sociais para os quais foi editada. Se, no entanto, ao ser aplicada, o conteú<strong>do</strong> da<br />

motivação ou <strong>do</strong> texto legal <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser consagra<strong>do</strong> ou sen<strong>do</strong> até mesmo contraposto pelas práticas<br />

sociais, a lei será ineficaz na medida e na pro<strong>por</strong>ção <strong>de</strong>sta discrepância, provocan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira<br />

crise <strong>do</strong> Direito.Penso assim que, na realida<strong>de</strong> brasileira, estamos viven<strong>do</strong> <strong>um</strong>a crise <strong>do</strong> Direito. Há<br />

<strong>um</strong>a angústia <strong>de</strong> buscar o Direito justo e eficaz que corresponda aos anseios da nossa socieda<strong>de</strong>.<br />

Entretanto, ao la<strong>do</strong> da crise <strong>do</strong> Direito há a discussão palpável em relação ao Direito Penal, a<br />

socieda<strong>de</strong> está agitada n<strong>um</strong>a situação em que se a<strong>um</strong>enta o índice da criminalida<strong>de</strong> e afrouxamos<br />

sistemas legais, a<strong>um</strong>entan<strong>do</strong> a sensação <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong>. Então, a socieda<strong>de</strong> vive <strong>um</strong>a angústia<br />

<strong>de</strong>corrente da crise <strong>do</strong> Direito e que acarreta, no seu <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento, o que se <strong>de</strong>nomina Crise <strong>de</strong><br />

Justiça, que não consegue dar à população <strong>um</strong>a resposta aos seus anseios. (Destaques são nossos)<br />

(FAVER, Marcus Antônio <strong>de</strong> Souza. O judiciário e a credibilida<strong>de</strong> da <strong>justiça</strong>. In: Revista EMERJ, v. 4,<br />

n. 13, 2001, p. 16. Disponível em:<br />

. Acesso em: 13<br />

jul. 2015)”.


485<br />

Ensejan<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> aparato <strong>de</strong> mediação tecnologiza<strong>do</strong> condizente com<br />

as novas realida<strong>de</strong>s sociais, condições <strong>de</strong> cessar os para<strong>do</strong>xos que o sistema<br />

apresenta a partir <strong>de</strong> novas re<strong>de</strong>finições e com essas a sintonização entre o Direito,<br />

a Justiça e a Socieda<strong>de</strong>.<br />

Como isso, a afirmação <strong>de</strong> que o sistema judiciário precisa mudar ganha<br />

expressão maior e com ela a confirmação da assertiva afirmativa “pela mudança”, à<br />

medida que a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sacredita <strong>do</strong> judiciário<br />

E os cientistas <strong>do</strong> Direito <strong>por</strong> mais que busquem manter o atual <strong>paradigma</strong>,<br />

não conseguem extrair <strong>de</strong>le respostas que possam satisfazer as pretensões <strong>de</strong><br />

Justiça e da Justiça.No caso brasileiro, a adversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> culturas exige a<br />

consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> todas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a única.<br />

O Direito e a Justiça não po<strong>de</strong>m discordar nem tampouco esquecer esse fator<br />

e as implicações albergadas <strong>por</strong> aqueles.O etnocentrismo contextualiza bem o<br />

cenário, <strong>um</strong>a vez que consi<strong>de</strong>ra to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s tutela<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong>,<br />

conforme ilustra Rouanet. 302<br />

É <strong>um</strong> pensamento mantene<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sse com<strong>por</strong>tamento social<br />

embrionariamente responsável pela forma das ações, produções, <strong>de</strong>finições e<br />

<strong>de</strong>mais atos que participam da constituição <strong>do</strong> Direito e da Justiça.<br />

302<br />

“Nem to<strong>do</strong>s os conserva<strong>do</strong>res são relativistas, mas apesar <strong>de</strong> discrepâncias individuais po<strong>de</strong>mos<br />

dizer que to<strong>do</strong> relativismo ten<strong>de</strong> a posições conserva<strong>do</strong>ras. A afirmação <strong>de</strong> que não há princípios<br />

éticos universais <strong>de</strong> que o que é váli<strong>do</strong> n<strong>um</strong>a cultura não é váli<strong>do</strong> em outras, <strong>de</strong> que não há padrões<br />

<strong>de</strong> medida que permitam a <strong>um</strong>a cultura julgar a outra, e outros itens da vulgata relativista, <strong>de</strong>rivam em<br />

linha reta <strong>do</strong> historismo alemão inspira<strong>do</strong> em Her<strong>de</strong>r. Para o historismo, toda moral finca suas raízes<br />

no Volksgeist, e como cada povo tem o seu Geist, os valores são necessariamente múltiplos, únicos e<br />

incomensuráveis. Ora, esse historismo foi <strong>um</strong>a reação i<strong>de</strong>ológica conserva<strong>do</strong>ra contra o tufão<br />

universalista que soprava da França. Afirman<strong>do</strong> os valores da particularida<strong>de</strong>, os historistas estavam<br />

se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> da razão universalista <strong>do</strong> Il<strong>um</strong>inismo, que queria refazer em toda parte a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

homens, à luz <strong>de</strong> princípios universais <strong>de</strong> <strong>justiça</strong>. / Foi o mesmo esquema historista que levou Burke a<br />

repudiar a Revolução Francesa, invocan<strong>do</strong> the rights of theEnglisman, produzi<strong>do</strong>s pela história e<br />

<strong>por</strong>tanto legítimos, em contraposição aos droits <strong>de</strong> I’homme, universais e <strong>por</strong>tanto, abstratos. Foi o<br />

esquema que presidiu o pensamento ultralegitimista que se seguiu à Revolução, para o qual só<br />

existem homens particulares, e não homem em geral, com a consequência <strong>de</strong> que a Declaração <strong>do</strong>s<br />

Direitos <strong>do</strong> Homem era vazia, <strong>por</strong>que não tinha <strong>de</strong>stinatários concretos. Foi o esquema que<br />

impregnou a escola histórica alemã, para a qual só contam os valores “orgânicos”, inseri<strong>do</strong>s na<br />

particularida<strong>de</strong> da família e da nação. Foi o esquema <strong>do</strong> nazismo, que opunha a particularida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

“sangue e <strong>do</strong> solo” ao universalismo apátrida <strong>do</strong>s ju<strong>de</strong>us cosmopolitas. É o esquema <strong>do</strong>s<br />

autoritarismos latino-americanos, que repudiam as “<strong>do</strong>utrinas exóticas” em nome da realida<strong>de</strong><br />

nacional (ROUANET, Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 2003, p. 268)”.


486<br />

Ponto irradia<strong>do</strong>r que mentoriza <strong>de</strong>terminantemente o mo<strong>do</strong> como a socieda<strong>de</strong><br />

forma sua cognição sobre o mun<strong>do</strong> (cultura) que a envolve, geran<strong>do</strong> suas<br />

sensações, suas percepções e suas reações. Já não é mais a raça ou a concepção<br />

<strong>de</strong> nação que dá a <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> seus parâmetros, são os valores que essa<br />

socieda<strong>de</strong> cultiva.<br />

Portanto, <strong>um</strong> terceiro gênero em que os envolvi<strong>do</strong>s/interessa<strong>do</strong>s possam<br />

evitar a sobreposição da cultura e ao mesmo tempo consi<strong>de</strong>rar o homem<br />

concretamente enseja-lhe possibilitar que esse chegue à conclusão <strong>de</strong> que o Direito<br />

e a Justiça são critérios que precisam ser repensa<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura em<br />

perspectiva micro e macro para os <strong>novo</strong>s tempos.<br />

A participação ativa <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s, e somente <strong>de</strong>ssa forma, contribuirá,<br />

para implementar <strong>um</strong> sistema media<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito distinto <strong>do</strong> existente, para que a<br />

mediação <strong>do</strong> critério aludi<strong>do</strong> possa justificar o meio (<strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>) que o levará a<br />

conduzir a <strong>um</strong>a respectiva inovação na construção <strong>de</strong> Justiça.<br />

Conforme evi<strong>de</strong>ncia Santos (2012, p. 43) em artigo intitula<strong>do</strong> “Conversão <strong>do</strong><br />

Direito Positivo ao Direito Subjetivo Mo<strong>de</strong>rno”: “Os <strong>de</strong>fensores <strong>do</strong> <strong>direito</strong> positivo não<br />

conseguem encontrar o <strong>direito</strong> subjetivo emtoda a sua extensão, no bojo <strong>do</strong> <strong>direito</strong><br />

positivo, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> falsa representação on<strong>de</strong> o alcance <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> proteção,<br />

em sua totalida<strong>de</strong>, acaba <strong>por</strong> não acontecer[...]”<br />

Portanto, para que haja superação <strong>do</strong>s <strong>de</strong>svios, é necessário que <strong>um</strong>a<br />

tecnologia em <strong>inteligência</strong> <strong>de</strong> linguagem que possa superar as culturas rompa o<br />

distanciamento promovi<strong>do</strong> <strong>por</strong> aquelas.<br />

Por esse processo, torna-se-á possível conciliar as subjetivida<strong>de</strong>s e as<br />

objetivida<strong>de</strong>s consensualizadas. O Direito como <strong>um</strong> <strong>do</strong>s frutos <strong>de</strong>sse processo<br />

passa a não ser para<strong>do</strong>xal, tanto quanto a Justiça que possa produzir.


487<br />

18 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE UM NOVO PARADIGMA DE JUSTIÇA<br />

18.1 A epistemologia das <strong>de</strong>cisões mediadas <strong>por</strong> <strong>um</strong> sistema tecnológico orienta<strong>do</strong> a<br />

partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial<br />

A <strong>de</strong>mocracia é <strong>um</strong>a força social e, para que ela se consoli<strong>de</strong>, é essencial as<br />

pessoas <strong>de</strong>la participem ativamente. Nesse espaço no qual a força social acontece,<br />

<strong>de</strong>vem-se semear e cultivar propostas concretas, com o objetivo <strong>de</strong> que germine <strong>um</strong><br />

Esta<strong>do</strong> social <strong>de</strong> Direitos conferi<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro da moldura <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático<br />

<strong>de</strong> Direito materializa<strong>do</strong> constitucionalmente.<br />

Enquanto forma, representa <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> para<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>de</strong>senvolver suas relações, pacificar seus conflitos, mediar suas tensões em<br />

meio ao <strong>po<strong>de</strong>r</strong> das maiorias e das minorias, seja na or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> ou das<br />

fraquezas sociais, culturais e econômicas.<br />

Para que isso se firme, é necessário que os valores morais estejam<br />

presentes, pois somente assim a relação entre governantes e governa<strong>do</strong>s <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á<br />

estabelecer-se <strong>de</strong> forma plena.<br />

A socieda<strong>de</strong>, nesse processo, precisa estar próxima <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, para validá-lo e<br />

também para operar colaborativa e contributivamente com o processo <strong>de</strong><br />

estabelecimento da Democracia: a omissão da socieda<strong>de</strong> compromete o sistema em<br />

to<strong>do</strong>s os níveis, geran<strong>do</strong> a não concretização objetivada.<br />

O confronto trava<strong>do</strong> na estrutura da <strong>de</strong>mocracia pela participação ativa da<br />

socieda<strong>de</strong> é quase <strong>um</strong>a ilustração <strong>de</strong> <strong>um</strong> maniqueísmo, no entanto, examinan<strong>do</strong><br />

melhor, é possível notar-se que o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> totalitário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong> seus interessa<strong>do</strong>s,<br />

nos contornos <strong>de</strong>sse regime político, quan<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong> e contraria<strong>do</strong>, tem a<br />

função <strong>de</strong> atuar arrefecen<strong>do</strong> o totalitarismo <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>. Portanto, os<br />

interesses <strong>do</strong>s representantes e <strong>do</strong>s representa<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> em oposição ao Esta<strong>do</strong><br />

evitam que suas totalida<strong>de</strong>s se aperfeiçoem.<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que houvesse na Democracia <strong>um</strong>a internalida<strong>de</strong> central partiu <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> ações procedimentais capaz <strong>de</strong> dar aos Direitos e Garantias<br />

Fundamentais através <strong>de</strong> seus instr<strong>um</strong>entais substanciais conjuga<strong>do</strong>s a <strong>um</strong>a<br />

interpretação condizente com as propostas estabelecidas pela carta Maior.


488<br />

Foi <strong>um</strong>a promessa i<strong>de</strong>ológica, em parte ainda não concretizada, conforme<br />

esclarece Warat (1997, p. 100): “Quan<strong>do</strong> penso na <strong>de</strong>mocracia, quero simplesmente<br />

me referir às formas em que a socieda<strong>de</strong> se reinventa para resistir ao totalitarismo;<br />

veja nesta resistência o senti<strong>do</strong> da <strong>de</strong>mocracia e na <strong>de</strong>mocracia o senti<strong>do</strong> da<br />

resistência”. 303 Dessa maneira, as regras que <strong>de</strong>vem garantir <strong>um</strong> jogo estável para as<br />

<strong>de</strong>cisões são submetidas constantemente a questionamentos infindáveis, geran<strong>do</strong>,<br />

consequentemente, instabilida<strong>de</strong>, sedimentan<strong>do</strong> com isso a crise <strong>do</strong> Direito.<br />

Nessa substancialida<strong>de</strong>- “instabilida<strong>de</strong>” noticiada, se não rompida a<br />

hegemonia, <strong>por</strong> <strong>um</strong>a substancialida<strong>de</strong> procedimental fundada na “estabilida<strong>de</strong>”,<br />

dificilmente se alcançará <strong>um</strong> estágio no qual os preceitos constitucionais sejam não<br />

somente conheci<strong>do</strong>s, mas reconheci<strong>do</strong>s e aplica<strong>do</strong>s em sua integralida<strong>de</strong>, em s<strong>um</strong>a,<br />

ultrapassa<strong>do</strong> o aspecto formal e consolida<strong>do</strong> o aspecto material.<br />

O mo<strong>de</strong>lo Democrático interventor <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> Totalitário, para ver-se<br />

compensa<strong>do</strong> para a concretização da prática imaginária, fermentou <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong><br />

vista jurídico “controle <strong>por</strong> intermédio das leis”, <strong>um</strong> sistema consubstancia<strong>do</strong> na<br />

eleição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça judiciária participativa <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os atores que protagonizam<br />

em seu palco.<br />

A i<strong>de</strong>ologia típica <strong>do</strong> regime Democrático participativo, fundada em <strong>um</strong>a<br />

norma hipotética Constitucional na qual o i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> está <strong>por</strong> acontecer, vem ao<br />

longo <strong>do</strong>s séculos revelan<strong>do</strong> que a promessa não se concretiza.<br />

O sistema astuciosamente se reinventa <strong>por</strong> outros nomes, <strong>por</strong>ém conserva<br />

em sua essência a mesma estrutura vergastada pela não funcionalida<strong>de</strong>, com isso,<br />

cai no <strong>de</strong>scrédito daqueles que seriam seus maiores admira<strong>do</strong>res, “a socieda<strong>de</strong>”.<br />

A disfuncionalida<strong>de</strong> em eficiência e a eficácia em ascensão, motivadas pela<br />

substancialida<strong>de</strong> da “instabilida<strong>de</strong>” gerada <strong>por</strong> <strong>um</strong> sistema em que a interpretação e<br />

a <strong>de</strong>finição são coli<strong>de</strong>ntes, fazem com que o “caos” aos poucos comece a ganhar<br />

repercussão.<br />

303<br />

E complementa o mesmo autor, estriba<strong>do</strong> em Ross, Kelsen e Bobbio: “Recorrem Ross, Kelsen e<br />

Bobbio ao que se <strong>de</strong>nomina <strong>um</strong>a concepção puramente procedimental da <strong>de</strong>mocracia. Em nenh<strong>um</strong><br />

momento estes atores pensam a <strong>de</strong>mocracia como o conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada or<strong>de</strong>m social e<br />

econômica que se propaga com o melhor e mais justo. Os três aludi<strong>do</strong>s autores veem a <strong>de</strong>mocracia<br />

como o conjunto <strong>de</strong> regras ou procedimentos, aqueles que amiú<strong>de</strong> se chamam “regras <strong>do</strong> jogo”, que<br />

permitem tomar as <strong>de</strong>cisões coletivas. Estas no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que se dirigem a to<strong>do</strong>s os membros <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a coletivida<strong>de</strong> e que, além disso, são vinculantes (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral aos<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais: o <strong>direito</strong> não estuda<strong>do</strong> pela teoria jurídica mo<strong>de</strong>rna. Porto Alegre: S. A.<br />

Fabris, 1997. v. 3, p. 100)”.


489<br />

A falta <strong>de</strong> controle pela falta <strong>de</strong> “crença” <strong>de</strong> que o sistema possa aten<strong>de</strong>r à<br />

i<strong>de</strong>ia primeira proposta pela carta Constitucional encontra forças <strong>de</strong> forma estrutural,<br />

à pro<strong>por</strong>ção que os problemas indiciários da corrosão da estrutura são i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s,<br />

<strong>por</strong>ém <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>s pelo esquecimento da transitorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a razão cínica que<br />

inva<strong>de</strong> o teci<strong>do</strong> social em to<strong>do</strong>s os seus níveis.<br />

A simbólica i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>cisões, ou melhor, <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>mandas<br />

filtradas pelo Esta<strong>do</strong>/Juiz exaram <strong>de</strong>cisões forjadas na mais neutra e imparcial<br />

legalida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>monstração material e notória <strong>de</strong> <strong>um</strong> le<strong>do</strong> engano.<br />

Essa situação está muito mais para <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo procedimentalista <strong>do</strong> que para<br />

<strong>um</strong> substancialista. No entanto exige-se <strong>um</strong> melhor esclarecimento. O problema não<br />

está radica<strong>do</strong> como se não houvesse participação <strong>do</strong>s verda<strong>de</strong>iros interessa<strong>do</strong>s e<br />

<strong>de</strong>stinatários da lei em to<strong>do</strong> o arcabouço ético/normativo, em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> total<br />

omissão.<br />

Ao contrário, <strong>por</strong>ém, o sistema como <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> tanto oferta menos respostas<br />

em tempo significativo para as <strong>de</strong>mandas que lhe são submetidas <strong>–</strong> geran<strong>do</strong> com<br />

isso o <strong>de</strong>scrédito pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Justiça tardia <strong>–</strong> como também, <strong>por</strong> ter<br />

solapa<strong>do</strong> historicamente o homem <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>ver ético/discursivo, conseguiu gerar<br />

<strong>um</strong>a participação consciente e responsável da construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça lastreada<br />

a partir <strong>de</strong> ações justas.<br />

Um evento <strong>de</strong>ssa magnitu<strong>de</strong> contribuiria <strong>–</strong> e muito <strong>–</strong> com o sistema judiciário,<br />

pois, em vez <strong>de</strong> tratar <strong>do</strong>s conflitos, trataria da validação das ações<br />

com<strong>por</strong>tamentais, que estariam em sintonia com as regras (as leis) pre<strong>de</strong>finidas e<br />

conscientemente disseminadas e correspondidas pelo teci<strong>do</strong> social pela coletivida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> indivíduos.<br />

Essa não constatação existencial no plano real leva o conjunto ético/<br />

normativo sempre ao questionamento, relega<strong>do</strong> à <strong>de</strong>sconfiança e à insatisfação,<br />

reproduzin<strong>do</strong> infinitamente o adjetivo <strong>de</strong> in<strong>justiça</strong>, <strong>de</strong> que a Justiça é injusta.<br />

Isto acontece <strong>por</strong>que a vocação <strong>do</strong> sistema não está para substanciar<br />

satisfatoriamente a quem individual ou coletivamente busca <strong>por</strong> <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong><br />

positivo. A burocracia imanente ao sistema está estrategicamente equacionan<strong>do</strong><br />

<strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong> equilibrar o mínimo <strong>de</strong> acesso, da<strong>do</strong> o mínimo <strong>de</strong> condições em<br />

pro<strong>por</strong>cionar respostas às <strong>de</strong>mandas existentes, visto haver <strong>de</strong>ficiência limitativa da<br />

infraestrutura e da estrutura disponibilizadas para operar o sistema judiciário.


490<br />

Uma mudança <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> sistema operacional das leis não estaria próxima<br />

<strong>de</strong> algo que se <strong>de</strong>sconhece, mas, ao contrário, estaria a serviço <strong>do</strong> c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong><br />

que se conhece <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s científicos, e que se <strong>de</strong>fine como<br />

proposta consciente para o alcance <strong>do</strong> bom e <strong>do</strong> justo.<br />

E que já é ponto pacífico tanto <strong>por</strong> parte da socieda<strong>de</strong> como <strong>do</strong> próprio<br />

sistema operacional <strong>de</strong> aplicação das leis, como ilustram os anexos I e II *<br />

(Judiciário, Reforma e Economia: A Visão <strong>do</strong>s Magistra<strong>do</strong>s 07/2003); ** (Sistema <strong>de</strong><br />

Indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Percepção Social 05/2011), através das informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s<br />

coleta<strong>do</strong>s.<br />

A lei Constitucional exige que sua substancialida<strong>de</strong> seja concretizada, sob<br />

pena <strong>de</strong> o “caos” judiciário abrir <strong>um</strong>a vala ainda maior. É vital o que se <strong>de</strong>duz das<br />

novas legislações, a im<strong>por</strong>tância <strong>de</strong> se implantarem mecanismos tecnológicos que<br />

pro<strong>por</strong>cionem integração, unificação e uniformização para a concessão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

resposta mais célere, eficiente e eficaz.<br />

Essa proposta, ou seja, o atrelamento <strong>do</strong> bom e <strong>do</strong> justo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

da forma como será processada, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o cenário da tecnologização,<br />

mediada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a nova forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>, contribuirá para o afastamento <strong>de</strong><br />

parte <strong>do</strong>s problemas.<br />

Nos dias atuais, a participação <strong>do</strong> homem na mediação <strong>do</strong> sistema está<br />

prejudicada <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a <strong>um</strong> empobrecimento intelectual cultiva<strong>do</strong> nas últimas décadas.<br />

Esse enfraquecimento é o responsável pelo rebaixamento <strong>do</strong> nível da qualida<strong>de</strong><br />

estrutural em to<strong>do</strong>s os níveis e <strong>de</strong>mandará décadas para se reestabelecer.<br />

Uma organização operacional tecnológica promoverá a <strong>de</strong>monstração precisa<br />

<strong>de</strong> falhas, erros e equívocos ainda acoberta<strong>do</strong>s. A justaposição <strong>–</strong> a partir da<br />

integração <strong>–</strong> produzirá da<strong>do</strong>s e informações mais precisas sobre o cenário da<br />

Justiça, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> com maior exatidão as positivida<strong>de</strong>s e as negativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />

sistema em menor tempo.<br />

Com isso, o estabelecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> plano <strong>de</strong> ações pro<strong>por</strong>cionará que as<br />

infindáveis e <strong>de</strong>snecessárias discussões sejam substituídas <strong>por</strong> tempo suficiente<br />

para o homem voltar sua atenção ao estu<strong>do</strong> das ciências <strong>do</strong> Direito e repensar seu<br />

papel.


491<br />

Além <strong>de</strong> trabalhar arduamente <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Justiça social em dimensões ainda<br />

não alcançadas, pois pensa estar realizan<strong>do</strong> Justiça em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>sc<strong>um</strong>primento da lei, ao reconstruir a lei junto ao caso concreto, na intenção <strong>de</strong><br />

atingir os fins sociais proclama<strong>do</strong>s no jaez normativo.<br />

Este parece ser <strong>um</strong> momento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong> polarização <strong>do</strong> sistema, quan<strong>do</strong><br />

os beneficiários passem a ter <strong>um</strong>a efetiva participação não somente na cobrança <strong>de</strong><br />

resulta<strong>do</strong>s, mas responsáveis pela contribuição e pela produção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s.<br />

O acesso a <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça cobrará maior responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s, em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> cobrar e fazer juntos. A socieda<strong>de</strong> terá <strong>de</strong><br />

passar <strong>do</strong> individualismo “fali<strong>do</strong>”, ao solidário “compartilha<strong>do</strong>”, tendência natural para<br />

<strong>um</strong> <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> capaz <strong>de</strong> garantir a estabilização da espécie h<strong>um</strong>ana.<br />

Note-se que o enfraquecimento <strong>do</strong> regime Democrático exige <strong>um</strong>a releitura da<br />

literatura e <strong>um</strong>a retomada para a realização <strong>de</strong> novas ações, <strong>de</strong> <strong>um</strong> refazer <strong>de</strong> forma<br />

diferente, <strong>de</strong> inovações.<br />

Mesmo consciente da simultaneida<strong>de</strong> e transitorieda<strong>de</strong> cognitiva, todavia, o<br />

que se busca é ter em mente a espinha <strong>do</strong>rsal <strong>do</strong> sistema para não se per<strong>de</strong>r na<br />

trajetória.<br />

Pensar como no passa<strong>do</strong> <strong>–</strong> em que substituir a obrigação alheia era sinônimo<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> início libertário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Liberal para o Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>–</strong> impediria<br />

perceber com o passar <strong>do</strong> tempo a ruptura <strong>de</strong> diversos <strong>paradigma</strong>s.<br />

A ruptura <strong>do</strong> regime Democrático <strong>de</strong> Direito e da Política revela que<br />

<strong>de</strong>mandaram <strong>por</strong> novas estruturas, <strong>novo</strong>s conhecimentos e <strong>novo</strong>s <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bros para a<br />

conjugação e a adaptação das novas realida<strong>de</strong>s, no entanto, ainda não<br />

concretizadas.<br />

Não basta esforçar-se, a burocracia da manutenção <strong>do</strong>s “Direitos”<br />

“formalmente” esvazia<strong>do</strong>s <strong>de</strong>monstra a ineficiência <strong>do</strong> sistema e,<br />

consequentemente, a fragilida<strong>de</strong> da “casquinha <strong>de</strong> ovo” com que temos construí<strong>do</strong><br />

os <strong>po<strong>de</strong>r</strong>es Estatais, inclusive <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>por</strong>tanto, atitu<strong>de</strong> da mais pura<br />

irracionalida<strong>de</strong>.


492<br />

Vale dizer, <strong>de</strong>ssa forma, que a Democracia se estabeleceu parcialmente, na<br />

medida em que o Esta<strong>do</strong> afastou seu principal cliente <strong>do</strong> tratamento das questões<br />

que lhes são afetas, comprovan<strong>do</strong> pela exclusão, sua limitação em aten<strong>de</strong>r a <strong>um</strong>a<br />

agenda constitucionalmente existente, da Justiça. Segun<strong>do</strong> Warat (1997, p. 102):<br />

Para Bobbio as <strong>de</strong>cisões coletivas precisam ser tomadas através <strong>de</strong> regras.<br />

Ou seja, trata-se <strong>de</strong> regras que estabelecem quem <strong>de</strong>ve tomar as <strong>de</strong>cisões<br />

e como <strong>de</strong>ve tomar. A esse autor, a regra fundamental da <strong>de</strong>mocracia é que<br />

as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>vem ser tomadas com o máximo consenso daqueles aos<br />

quais as <strong>de</strong>cisões afetam.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, o mo<strong>de</strong>lo existente não aten<strong>de</strong> aos anseios, mediários ou<br />

finais, <strong>por</strong>que as regras pre<strong>de</strong>finidas para a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões são vilipendiadas<br />

pela intervenção h<strong>um</strong>ana, cuja limitação cognitiva compromete a efetivida<strong>de</strong> e a<br />

eficácia das regras.<br />

O homem representa o risco ao Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito quan<strong>do</strong> a ele é<br />

confiada a aplicação das regras. Em <strong>um</strong> brocar<strong>do</strong> menos formal ou até mesmo<br />

eiva<strong>do</strong> <strong>de</strong> toscalida<strong>de</strong>, seria o mesmo que <strong>de</strong>ixar o “lobo cuidan<strong>do</strong> das ovelhas e<br />

acreditar que ao final da história estariam todas elas salvas <strong>do</strong> coiote”.<br />

O afastamento <strong>do</strong> <strong>de</strong>stinatário da Justiça <strong>do</strong> processo participativo direto<br />

mescla<strong>do</strong> com o indireto historicamente foi proposital; promoveu, com esse<br />

com<strong>por</strong>tamento, o afastamento da responsabilida<strong>de</strong> central não somente pela<br />

construção <strong>do</strong> Direito e da Justiça, a qual <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ter se constituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma<br />

diferente com a prática <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ostensiva vigilância participativa.<br />

Como toma<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>sses serviços públicos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social, a socieda<strong>de</strong><br />

obteve pouca consciência <strong>do</strong> processo e da substancialida<strong>de</strong> tanto <strong>do</strong> Direito como<br />

da Justiça, até mesmo pela <strong>de</strong>formação <strong>de</strong> seu processo pedagógico e educacional<br />

<strong>de</strong> base na sua formação.<br />

Ambas, ou seja, a procedibilida<strong>de</strong> e a substancialida<strong>de</strong>, são exercícios,<br />

<strong>por</strong>que são ações <strong>do</strong> homem enquanto ser social, todavia, praticadas <strong>de</strong> forma<br />

irregular, comprometem o resulta<strong>do</strong> pretendi<strong>do</strong>, no caso o brasileiro.<br />

A situação ainda é mais grave, <strong>por</strong>que a consciência advinda <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

“educação em <strong>direito</strong>s” além <strong>de</strong> precária não acompanha a complexida<strong>de</strong> das<br />

relações sociais.


493<br />

Esse hiato abre a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> para que outro mo<strong>de</strong>lo inexoravelmente possa<br />

eclodir, e, em <strong>um</strong>a posição menos radical, coexistir, até que gradualmente seja<br />

manti<strong>do</strong> como mais <strong>um</strong>a opção alternativa <strong>de</strong> acesso à Justiça ou ass<strong>um</strong>a <strong>de</strong> forma<br />

majoritária a posição mo<strong>de</strong>lar suprema na operacionalização <strong>do</strong> sistema normativo,<br />

que somente <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser constata<strong>do</strong> em <strong>um</strong> presente que ainda não aconteceu<br />

materialmente.<br />

Um <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> mediação para a ocorrência da Justiça propõe que o<br />

indivíduo tenha o máximo <strong>de</strong> participação <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição/conceituação <strong>do</strong><br />

Direito e da Justiça. O afastamento <strong>do</strong>s aspectos formais é <strong>um</strong> <strong>de</strong>monstrativo <strong>do</strong><br />

contato material; <strong>de</strong>ssa forma, a substancialida<strong>de</strong> procedimental acontece em<br />

consonância com os i<strong>de</strong>ários constitucionais.<br />

O retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> ganha força na medida em que o espaço<br />

anteriormente preenchi<strong>do</strong> vem apresentan<strong>do</strong> esvaziamento em sua eficácia e<br />

efetivida<strong>de</strong>. 304 E complementa o mesmo autor (1997, p.138): “A repetição <strong>do</strong> passa<strong>do</strong><br />

impe<strong>de</strong> receber os sinais <strong>do</strong> <strong>novo</strong>, <strong>de</strong>termina a morte <strong>do</strong> pensamento, <strong>do</strong> sentimento<br />

e da ação”. Po<strong>de</strong> ser concebi<strong>do</strong> como algo que nos alivia, nos exclui, ou nos <strong>de</strong>vora.<br />

Repetir o passa<strong>do</strong> seria <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> esgotar o presente, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestimar sua<br />

força criativa e introduzir <strong>um</strong>a pulsão <strong>de</strong>strutiva, <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> instalar o cinismo<br />

como condição da transmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

Seria <strong>um</strong> eterno presente <strong>de</strong> sobrevivências e <strong>um</strong> futuro in<strong>de</strong>cifrável. Não é<br />

mais possível reservar-se ao silêncio da inércia e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a aforia vã. É im<strong>por</strong>tante que<br />

se tome <strong>um</strong>a ação criativa, crítica e construtiva <strong>de</strong> <strong>um</strong> parâmetro que se vê<br />

reticula<strong>do</strong> nas erupções da frau<strong>de</strong> e da não eficácia <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo já suplanta<strong>do</strong>.<br />

304<br />

Para Warat: “Im<strong>por</strong>ta notar, aqui, que sempre se produziu <strong>um</strong>a usurpação retórica da regra da<br />

maioria. As <strong>de</strong>cisões coletivas não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> produzir heteronomamente quan<strong>do</strong> se invoca<br />

ficticiamente a vonta<strong>de</strong> majoritária. As maiorias manipuladas su<strong>por</strong>tam, em seu próprio nome, o<br />

funcionamento heterônomo das <strong>de</strong>cisões coletivas. Sobre a base da vonta<strong>de</strong> da maioria, se cria <strong>um</strong>a<br />

aparência <strong>de</strong> autonomia que serve para ocultar o caráter heterônomo das <strong>de</strong>cisões coletivas. Em<br />

nome da autonomia os juristas conseguem legitimar a contribuição heterônoma <strong>do</strong>s sujeitos <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

e das significações jurídicas, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> nas suas mãos <strong>de</strong> instâncias institucionais a formação <strong>de</strong><br />

prática política e jurídica da socieda<strong>de</strong> (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral aos <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais: o <strong>direito</strong> não estuda<strong>do</strong> pela teoria jurídica mo<strong>de</strong>rna. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997.<br />

v. 3, p. 103)”.


494<br />

As inúmeras reformas e a inflação legislativa perpétua, a que é submetida a<br />

casa das leis, não consegue superar a natureza <strong>de</strong> <strong>um</strong>a necessida<strong>de</strong> emergente<br />

existente e produz inexoravelmente crises endêmicas e pandêmicas ao Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário.<br />

A ruptura é <strong>por</strong> vezes arrefecida pelas i<strong>de</strong>ologias subversivas e<br />

apazigua<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> regimes que somente atendam aos efeitos <strong>de</strong> sua própria<br />

ineficiência, tratan<strong>do</strong> os efeitos e relegan<strong>do</strong> as causas às gerações futuras,<br />

eximin<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> suas reais responsabilida<strong>de</strong>s.<br />

Todavia, reconhece o sistema judiciário vigente, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s,<br />

embora ainda poucos, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às críticas e às discussões travadas, <strong>de</strong> que seria<br />

im<strong>por</strong>tante realizar ações materialmente soluciona<strong>do</strong>ras para a geração <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

sistema capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às novas tendências e com elas as novas realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> da tecnologia.<br />

Ao traçar <strong>um</strong>a linha comparativa entre o regime Democrático e o regime da<br />

substancialização <strong>do</strong> sistema jurídico <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, é evi<strong>de</strong>nte<br />

que, <strong>por</strong> força <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a posição, o <strong>paradigma</strong> da Justiça judiciária<br />

representa <strong>um</strong>a sucessão <strong>de</strong> elementos e ações simétricas <strong>de</strong> alianças<br />

combinatórias <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo eleito, no qual <strong>–</strong> em ambos os contextos <strong>–</strong> a presença <strong>do</strong><br />

homem é marcante e <strong>de</strong>cisiva, <strong>por</strong>que a ele residualmente paira a responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>por</strong> dar as respostas finais.<br />

O arranjo que a História se encarregou <strong>de</strong> realizar quanto ao mo<strong>de</strong>lo<br />

media<strong>do</strong>r para a resolução <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong>monstra que a ruptura está acontecen<strong>do</strong>,<br />

pois a <strong>de</strong>manda a que é submeti<strong>do</strong> o Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>por</strong> não respon<strong>de</strong>r às<br />

contendas <strong>do</strong> cotidiano satisfatoriamente, afasta <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> seus usuários a<br />

obrigação <strong>de</strong> fazer o que <strong>de</strong>ve ser feito, exigin<strong>do</strong> <strong>um</strong>a ação inclu<strong>de</strong>nte para o<br />

nivelamento social no c<strong>um</strong>primento das ações legais <strong>de</strong> mecanismos alternativos.<br />

O contingenciamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> sua multiplicação exige que os<br />

atores contribuam <strong>de</strong> forma ativa em to<strong>do</strong>s os processos <strong>do</strong> procedimento<br />

existencial. Nesse aspecto, não há que sustentar a afastabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

suas atribuições e <strong>de</strong> suas responsabilida<strong>de</strong>s, ao contrário, a responsabilida<strong>de</strong><br />

somente existe e se constitui quan<strong>do</strong> as forças se encontram na convergência <strong>do</strong>s<br />

mesmos propósitos.


495<br />

A maturida<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo é pressuposto <strong>de</strong> que a reflexão e a compreensão<br />

<strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong> possam ser reconhecidas e exercitadas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a melhor forma.<br />

Melhorar a condição h<strong>um</strong>ana não se faz simplesmente ao ser conhece<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

seus Direitos, mas daqueles <strong>do</strong>s outros, bem como ser <strong>um</strong> ator ativo <strong>de</strong> suas<br />

obrigações para as realizações individuais e transindividuais.<br />

O pensamento <strong>de</strong> <strong>do</strong>minar pelo enfraquecimento das bases representa <strong>um</strong>a<br />

assistência, <strong>um</strong>a coor<strong>de</strong>nação e <strong>um</strong>a condução promovidas pela cegueira da<br />

ignorância.<br />

Pensar que os benefícios <strong>de</strong> tal estratégia pu<strong>de</strong>ssem gerar somente<br />

resulta<strong>do</strong>s positivos sem que pu<strong>de</strong>ssem promover gratuitamente reflexos negativos<br />

é romper com a lei da causa e efeito.<br />

O Direito, embora <strong>do</strong>gmático, exige que o indivíduo participe <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>,<br />

sob pena <strong>de</strong> ele não acontecer. São corpos que guardam suas peculiarida<strong>de</strong>s,<br />

<strong>por</strong>ém, no plano <strong>de</strong> eficácia e efetivida<strong>de</strong>, exigem <strong>um</strong>a comunhão <strong>de</strong> compreensão e<br />

<strong>de</strong> exercício em suas práticas, pois elas são válidas se pressupuserem em suas<br />

ações o respeito à <strong>do</strong>gmática anteriormente circunscrita. Essa é a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

homem <strong>do</strong> Direito e <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong> homem.<br />

Romper com tal <strong>do</strong>gmatismo representa <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> colocar o homem em<br />

contato com sua própria realida<strong>de</strong>, isso seria <strong>um</strong> afastamento da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa<br />

tipologia <strong>de</strong> Direito.<br />

A questão <strong>de</strong>monstra o divórcio <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s, ao mesmo tempo em que<br />

<strong>de</strong>nota que o homem <strong>de</strong>ve participar como agente cons<strong>um</strong>i<strong>do</strong>r e também construtor<br />

<strong>do</strong> seu Direito. Tal indivíduo, <strong>por</strong>ém, exige <strong>um</strong> Direito com regras claras e objetivas<br />

com carga social concreta.<br />

Em que as normas já estão valoradas em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a participação<br />

ativa <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>ntes. A casuística é evi<strong>de</strong>nte e<br />

dispensa interpretação para construção <strong>de</strong> <strong>um</strong> Direito <strong>de</strong>sconexo das i<strong>de</strong>ias<br />

originais, contrário à própria lei, <strong>por</strong>que se afasta <strong>do</strong> critério <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong>.


496<br />

As realida<strong>de</strong>s <strong>por</strong> esse prisma passariam a coexistir. Por outro la<strong>do</strong>, como já<br />

<strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>, <strong>um</strong>a vez que tal homem não participa <strong>do</strong>s processos essenciais da<br />

construção <strong>de</strong> seus próprios <strong>do</strong>gmas, confiar na imparcialida<strong>de</strong> e na neutralida<strong>de</strong><br />

daquele que buscará <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong>s meios eruditos <strong>de</strong> interpretação conferir a<br />

subsunção entre as realida<strong>de</strong>s para a fundição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça apresenta-se como<br />

algo irrealizável. Segun<strong>do</strong> Warat (1997, p. 142):<br />

É hora <strong>de</strong> não fechar os olhos e <strong>de</strong>nunciar que a falta <strong>de</strong> proteção abstrata,<br />

dada pela lei <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, lei da impunida<strong>de</strong>, permite que a teoria latinoamericana<br />

seja repetidamente estimada pelo horror; con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> aos que<br />

nela vivem a ser esqueci<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

A barbárie e as circunstâncias da caótica realida<strong>de</strong> registram que é preciso<br />

<strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong>. Os meios alternativos são simples tentativas para salvar <strong>um</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo que não mais aten<strong>de</strong> às necessida<strong>de</strong>s sociais como <strong>de</strong>veria, em <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>do</strong> contingenciamento não supera<strong>do</strong>, graças à <strong>de</strong>manda recorrente e à<br />

complexida<strong>de</strong> que a cinge. 305 Este méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> julgar não permite que o julga<strong>do</strong>r no<br />

ato <strong>de</strong> julgar não suprima (anule) em muitas vezes o anseio/<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> quem se<br />

<strong>de</strong>stina. Em que pese a estrutura <strong>do</strong>gmática que também é <strong>um</strong>a forma propositiva<br />

<strong>de</strong> fazer com que a Direito se realize na lei, tal mecanismo é comprometi<strong>do</strong> pela<br />

intervenção h<strong>um</strong>ana em to<strong>do</strong>s os seus aspectos.<br />

Percebe-se que nessa linguagem, ou melhor, nessa comunicação linguística,<br />

a função maior da comunicação está para colocar o homem em conexão com o<br />

mun<strong>do</strong> que habita bem como estabelecer em suas relações <strong>um</strong>a vinculação<br />

tecnológica capaz <strong>de</strong> colocá-los entre si, permitin<strong>do</strong>-lhes a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzirse<br />

socialmente.<br />

De <strong>um</strong>a outra maneira, a linguagem h<strong>um</strong>ana como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />

comunicação c<strong>um</strong>pre a singela missão <strong>de</strong> conectar o homem com o homem, e esse<br />

com o mun<strong>do</strong>.<br />

305<br />

Esclarece Warat: “Fazer referência ao recurso <strong>do</strong>gmático implica postular <strong>um</strong> lega<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

pres<strong>um</strong>ível saber como condição indispensável para o exercício da função <strong>de</strong> julgar. É dizer: a<br />

significação imaginária da magistratura, dada como <strong>um</strong>a busca <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> e não como <strong>um</strong> atributo <strong>do</strong><br />

que tem que julgar: A neutralida<strong>de</strong> como <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong> (<strong>de</strong>sejada) <strong>de</strong> que o que julga po<strong>de</strong><br />

controlar seus sentimentos. A famosa figura <strong>do</strong> Juiz neutro, vista com abstinência e não como <strong>um</strong><br />

sujeito sem <strong>de</strong>sejo. A abstinência como distância e não como falta <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> com o que se<br />

interpreta (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral aos <strong>direito</strong>s fundamentais: o <strong>direito</strong> não<br />

estuda<strong>do</strong> pela teoria jurídica mo<strong>de</strong>rna. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997. v. 3, p. 143)”.


497<br />

Por ser esse o fim último da comunicação, não parece impossível que a ela<br />

não possa ser estabelecida <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem tecnológica integrada<br />

<strong>por</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial sem prejudicar a realida<strong>de</strong> concreta <strong>do</strong> indivíduo e das<br />

mudanças recorrentes.<br />

A emancipação <strong>do</strong> indivíduo dá-se também a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a participação em<br />

outra linguagem e <strong>de</strong> outra forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a dialética ativa<br />

participativa, na qual o Direito passa a ser mais concreto <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a concreta<br />

participação <strong>do</strong> indivíduo na construção consciente da sua realida<strong>de</strong>.<br />

Tanto no campo da individualida<strong>de</strong> como no da coletivida<strong>de</strong>, para os quais o<br />

resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa dialética contribui <strong>–</strong> e não somente para a atualização <strong>de</strong>ssas<br />

relações como para a formação <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> estoque <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s conhecimentos<br />

nutri<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong> maior nivelamento <strong>cognitivo</strong> <strong>–</strong> também são participativas a<br />

integração, a unificação e a uniformização <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações. Esclarece<br />

Fernan<strong>do</strong> Coelho (1991, p. 82):<br />

A filosofia da linguagem acaba assim <strong>por</strong> <strong>de</strong>sembocar no pensamento<br />

crítico, ao ser visl<strong>um</strong>bra<strong>do</strong> seu objeto não como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

comunicação inter<strong>de</strong>scritiva, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> hipotético significa<strong>do</strong><br />

intrínseco e autônomo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior, mas como a primeira tecnologia<br />

<strong>por</strong> meio da qual o homem se separa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>de</strong>le se apropria para<br />

colocá-lo a seu serviço. 306<br />

A aglutinação <strong>do</strong>s valores fun<strong>de</strong> <strong>novo</strong>s mo<strong>de</strong>los jurídicos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a<br />

conceituação e a sistematização possam ser trans<strong>por</strong>tadas para outra base <strong>de</strong><br />

linguagem que seja a tecnologia linguística, linguagem inaugural que <strong>de</strong>ve<br />

transpassar a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> à ultramo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da Inteligência Artificial, embora<br />

outras que antece<strong>de</strong>ram mereçam consi<strong>de</strong>ração e as que se suce<strong>de</strong>rão também,<br />

que agora são sinalizadas.<br />

306<br />

E complementa o mesmo autor: “Segun<strong>do</strong> Luhmann, o sistema social é <strong>um</strong>a estrutura cuja<br />

complexida<strong>de</strong> envolve a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s com<strong>por</strong>tamentos possíveis <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>, com<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> variação, contradições e alternativas; mas ela po<strong>de</strong> ser reduzida pelo próprio<br />

sistema, <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> seletivida<strong>de</strong>, implican<strong>do</strong> a redução <strong>do</strong> âmbito das<br />

possibilida<strong>de</strong>s sem acabar com elas. Os critérios <strong>de</strong>ssa seletivida<strong>de</strong> são os valores, os quais estão,<br />

todavia, encerra<strong>do</strong>s nas instâncias <strong>de</strong> normativida<strong>de</strong> que constituem os meios pelos quais ocorre a<br />

participação <strong>de</strong>cisória <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>; quan<strong>do</strong> esta seletivida<strong>de</strong>, levada a efeito pelo <strong>po<strong>de</strong>r</strong> a partir <strong>do</strong>s<br />

valores e revelada pelas instâncias normativas recebe a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maioria grupal significativa,<br />

<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a ser erigida em pressuposto das próprias <strong>de</strong>cisões individuais, ocorre a concretização<br />

jurídica <strong>do</strong>s valores (COELHO, Luiz Fernan<strong>do</strong>. Teoria crítica <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. 2. ed. Porto Alegre: Fabris,<br />

1991, p. 202)”.


498<br />

Estan<strong>do</strong> a técnica e a cientificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema garantidas, se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> que<br />

a ciência jurídica não se enxergue comprometida simplesmente <strong>por</strong>que venha a ser<br />

substituí<strong>do</strong> seu <strong>por</strong>ta-voz, ator-media<strong>do</strong>r.<br />

A fixação <strong>–</strong> <strong>do</strong>gmática ou não <strong>–</strong> a fixação valorativa ou não, estan<strong>do</strong> atrelada<br />

a <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong>, faz <strong>de</strong>ssa união conceitos teóricos que preencham os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />

maneira que a linguagem tecnológica absorva.<br />

E, ao mesmo tempo, alcance o meio social a partir da alimentação e da<br />

retroalimentação fomenta<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> abastecimento <strong>do</strong> sistema, com <strong>um</strong>a nova<br />

categoria <strong>de</strong> linguagem organizacional para as relações sociais.<br />

Esse processo ocorre na fase inicial e perpetua-se cotidianamente pela<br />

complementação da corrente <strong>de</strong> coleta e atualização oriunda das funções <strong>de</strong><br />

funcionamento, como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alterações, dadas as <strong>de</strong>mandas que possam<br />

surgir.<br />

Essa concepção mo<strong>de</strong>lar tecnologizada <strong>do</strong> sistema jurídico, em que o Direito<br />

propõe-se a condicionar o com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e todas as suas ações <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> certa previsibilida<strong>de</strong> representa <strong>um</strong> ferramental meto<strong>do</strong>lógico que<br />

reconhece <strong>um</strong>a outra espécie <strong>de</strong> <strong>do</strong>gmática, dadas a transitorieda<strong>de</strong> e a<br />

simultaneida<strong>de</strong> das relações e das <strong>de</strong>cisões que trafegarão <strong>por</strong> intermédio das<br />

bases <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r tecnológico <strong>judicante</strong>.<br />

A interpretação e as a<strong>de</strong>quações normativas também serão reconceituadas,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que as referidas ações intelectivas no passa<strong>do</strong> eram ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

exclusivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> intelecto <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

Com a conservação e a manutenção das informações e da<strong>do</strong>s em base<br />

tecnológica <strong>do</strong> Direito em nada mudam a estrutura das obrigações legais, como<br />

pressupostos universais <strong>de</strong> quaisquer regras que <strong>de</strong>finam parâmetros<br />

com<strong>por</strong>tamentais previamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s pelas vias legítimas atuan<strong>do</strong> seletivamente.<br />

Um <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>judicante</strong> sem dúvida enfrentará o árduo e incessante<br />

processo <strong>de</strong> recapacitação <strong>de</strong> suas finalida<strong>de</strong>s normativas. Na experiência teórica e<br />

prática, o mo<strong>de</strong>lo tecnologiza<strong>do</strong> não <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> captar os <strong>novo</strong>s valores, os <strong>novo</strong>s<br />

posicionamentos, as novas tendências.


499<br />

As tendências e com elas as mudanças, são inevitáveis, conforme ilustra <strong>um</strong><br />

trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pela IBM, em que os estudantes criam <strong>um</strong> "advoga<strong>do</strong> virtual"<br />

basea<strong>do</strong> em <strong>um</strong> supercomputa<strong>do</strong>r da IBM. 307<br />

Em estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento avança<strong>do</strong>, a IBM já conta com a participação<br />

ativa da nova tecnologia realizan<strong>do</strong> testes e <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> que a tecnologia no meio<br />

jurídico veio para ficar, simplificar e agilizar as questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m paralegal e legal,<br />

como <strong>de</strong>staca o repositório jurídico nacional Conjur: “Estu<strong>do</strong> prevê que robôs farão<br />

trabalho <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s advoga<strong>do</strong>s e paralegais”. 308<br />

307<br />

“Um grupo <strong>de</strong> estudantes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Toronto criou <strong>um</strong> "advoga<strong>do</strong> virtual" com base no<br />

Watson, o supercomputa<strong>do</strong>r da IBM.Chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> Ross, o sistema está sen<strong>do</strong> apoia<strong>do</strong> pela própria<br />

IBM e será ofereci<strong>do</strong> para advoga<strong>do</strong>s e escritórios <strong>de</strong> advocacia como <strong>um</strong> serviço basea<strong>do</strong> na nuvem<br />

que po<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r questões jurídicas. / O usuário faz <strong>um</strong>a pergunta e o sistema gera <strong>um</strong>a resposta<br />

concreta, citan<strong>do</strong> <strong>um</strong> prece<strong>de</strong>nte, além <strong>de</strong> sugerir leituras relevantes ao tema e <strong>um</strong>a <strong>por</strong>centagem <strong>de</strong><br />

chances <strong>de</strong> que aquela resposta esteja certa.<br />

Se <strong>um</strong> <strong>novo</strong> caso que seja relevante entre no banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, o Ross irá alertar seu usuário no<br />

smartphone. / "Basicamente, o que nós construímos é o melhor pesquisa<strong>do</strong>r jurídico <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Ele é<br />

capaz <strong>de</strong> fazer em segun<strong>do</strong>s o que <strong>um</strong> advoga<strong>do</strong> levaria horas", afirma Andrew Arruda, <strong>um</strong> <strong>do</strong>s<br />

cria<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Ross. A IBM anunciou que irá dar aos estudantes livre acesso à plataforma <strong>do</strong> Watson e<br />

ainda estuda realizar <strong>um</strong> investimento na startup que eles formaram para ven<strong>de</strong>r o serviço.<br />

Para criar o Ross, a equipe da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Toronto alimentou o sistema da IBM com <strong>um</strong> gran<strong>de</strong><br />

vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>ntes jurídicos e leis <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteiro.Mas o que torna a máquina <strong>po<strong>de</strong>r</strong>osa é a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> computação cognitiva que possui, ou seja, <strong>de</strong> continuar apren<strong>de</strong>n<strong>do</strong> e melhoran<strong>do</strong> à<br />

medida que os advoga<strong>do</strong>s a usem. / Agora, a intenção <strong>do</strong>s estudantes é fazer acor<strong>do</strong>s com tribunais,<br />

para que eles alimentem o programa assim que <strong>novo</strong>s julgamentos e processos estejam disponíveis<br />

em seus sistemas”. Disponível em: .<br />

Acesso em: 29 jan. 15.<br />

308<br />

Por João Ozorio <strong>de</strong> Melo: No início <strong>do</strong>s anos 1970, <strong>um</strong>a célebre mensagem na <strong>por</strong>ta <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

banheiro na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília dizia: “Quer mais <strong>um</strong>a vaga para engenharia? Mate <strong>um</strong><br />

japonês”. A frase causou polêmica, mas era <strong>um</strong> reconhecimento à <strong>inteligência</strong> e à <strong>de</strong>dicação aos<br />

estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s nisseis. Houvesse “x” japoneses matricula<strong>do</strong>s no vestibular para cursos <strong>de</strong> ciências<br />

exatas, sabia-se que a mesma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vagas seria ocupada <strong>por</strong> eles. Cabia aos <strong>de</strong>mais<br />

vestibulan<strong>do</strong>s disputar as restantes. Existem situações em que a competição é “ingrata”. Dentro <strong>de</strong><br />

alguns anos, <strong>por</strong> exemplo, <strong>um</strong>a situação semelhante <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á se repetir para estudantes <strong>de</strong> Direito —<br />

em relação a emprego, <strong>por</strong>ém. A mensagem na <strong>por</strong>ta <strong>do</strong> banheiro da faculda<strong>de</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ser, então:<br />

“Quer criar <strong>um</strong>a vaga em <strong>um</strong> escritório <strong>de</strong> advocacia? Quebre <strong>um</strong> robô”.Uma outra possibilida<strong>de</strong> é<br />

aparecer escrito: “Mate o Watson”, o robô com <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong>, inventa<strong>do</strong> pela IBM. O site <strong>do</strong><br />

Watson explica que ele é, na verda<strong>de</strong>, é <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> computação cognitiva que enten<strong>de</strong> a<br />

linguagem natural e não precisa ser programa<strong>do</strong>: apren<strong>de</strong> com o uso, a cada dia.Ou então: “Mate o<br />

Ross”, o “primeiro advoga<strong>do</strong> <strong>artificial</strong>mente inteligente <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”. O Ross foi cria<strong>do</strong> <strong>por</strong> estudantes<br />

da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Toronto. Ele foi gera<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “costela” <strong>do</strong> Watson — isto é, criaram <strong>um</strong><br />

aplicativo que resultou em <strong>um</strong>a versão <strong>do</strong> Watson, <strong>um</strong> robô especializa<strong>do</strong> em serviços jurídicos.Para<br />

tornar a perspectiva ainda mais assusta<strong>do</strong>ra, o Ross foi “a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>” pela maior banca <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, a<br />

Dentons, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o jornal The Globe and Mail e o site Ars Techinica. “Como <strong>um</strong> ser <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, o<br />

Ross está passan<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> experiência em <strong>um</strong> escritório <strong>de</strong> advocacia, está apren<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

e fican<strong>do</strong> melhor a cada dia”, disse ao jornal o cofunda<strong>do</strong>r da Ross (que criou <strong>um</strong>a start-up com o<br />

nome <strong>do</strong> robô) Andrew Arruda.Qualquer que seja o nome, o fato é que, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos,<br />

praticamente to<strong>do</strong>s os serviços jurídicos executa<strong>do</strong>s hoje <strong>por</strong> advoga<strong>do</strong>s <strong>de</strong> primeiro ano <strong>de</strong> prática e<br />

<strong>por</strong> paralegais (ou auxiliares jurídicos) serão executa<strong>do</strong>s <strong>por</strong> robôs. Então, o Watson e o Ross<br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão ser peças <strong>de</strong> museu, <strong>por</strong> conta da velocida<strong>de</strong> em que a tecnologia evolui. Mas a certeza é<br />

que em cinco anos, robôs mais evoluí<strong>do</strong>s já darão sinais <strong>de</strong> vida.A previsão é para os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s<br />

e foi feita <strong>por</strong> administra<strong>do</strong>res ou “lí<strong>de</strong>res” <strong>de</strong> escritórios <strong>de</strong> advocacia, em <strong>um</strong>a pesquisa realizada


500<br />

Com semelhante processo ativo, a linguagem jurídica e a estrutura <strong>do</strong> Direito<br />

como sistema ganharão melhores resulta<strong>do</strong>s quantitativos e qualitativos, em<br />

<strong>de</strong>corrência da otimização pro<strong>por</strong>cionada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a base tecnológica em que a<br />

integração <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações seja realizada em tempo real.<br />

O <strong>po<strong>de</strong>r</strong> tecnológico <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> <strong>um</strong>a codificação em linguagem<br />

vinculada à Inteligência Artificial tem como objetivo contribuir e, em alg<strong>um</strong> momento,<br />

afastar o homem <strong>de</strong> <strong>um</strong> exercício no qual o <strong>limite</strong> <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s mentais<br />

começa a comprometer não somente seu <strong>de</strong>senvolvimento, mas seus próprios<br />

Direitos.<br />

Não concordar com tais condições é aceitar que a socieda<strong>de</strong> hiberne em <strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> razão cínica como verbaliza<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina harberniana. É necessário<br />

encarar as mudanças que a vida pro<strong>por</strong>ciona, registradas pelo processo histórico,<br />

que registra momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição e outrora <strong>de</strong> reconstrução.<br />

Quan<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> gira, o conhecimento fica para trás, é necessária <strong>um</strong>a nova<br />

base cognitiva para <strong>de</strong>scobrir e compreen<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, <strong>por</strong> isso, o homem<br />

está con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> até os seus últimos instantes “existenciais” a não titubear no ofício<br />

da pesquisa pela dádiva <strong>do</strong> conhecimento.<br />

A estrutura cognitiva tecnológica não exclui o homem nem tampouco está<br />

preocupada com a disputa <strong>de</strong> cargos e colações, pois, <strong>por</strong> tratar-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema<br />

fecha<strong>do</strong>.<br />

pela Altman Weil. To<strong>do</strong>s os anos, essa firma entrevista os “lí<strong>de</strong>res” das bancas americanas, para<br />

analisar as transições que estão a caminho <strong>–</strong> e que irão ocorrer — nas ativida<strong>de</strong>s cotidianas da<br />

advocacia, para se prever o futuro. Se concorrer com japoneses no vestibular para engenharia já é<br />

<strong>um</strong>a tarefa difícil, concorrer com o Ross po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a missão impossível. Ele po<strong>de</strong> “varrer” milhões<br />

<strong>de</strong> páginas <strong>de</strong> jurisprudência e legislação em segun<strong>do</strong>s, para respon<strong>de</strong>r questões jurídicas — ele<br />

ganhou <strong>um</strong> concurso no programa Jeopardy, <strong>de</strong> perguntas e respostas, nos EUA, fazen<strong>do</strong><br />

exatamente isso. / Nem to<strong>do</strong>s os “lí<strong>de</strong>res” da advocacia americana apostam no sucesso <strong>do</strong>s robôs.<br />

De to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s, 35% acreditam que o trabalho <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s advoga<strong>do</strong>s será feito <strong>por</strong> robôs<br />

no futuro. E 47% acreditam que os paralegais per<strong>de</strong>rão o emprego. Mas, em 2011, apenas 23%<br />

pensavam assim, em relação a <strong>novo</strong>s advoga<strong>do</strong>s, e 35%, em relação aos paralegais. Uma boa parte<br />

<strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s, em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, no entanto, ainda são resistentes à computação e à a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong><br />

novas tecnologias. Mas à medida em que os robôs se comprovarem eficientes, reduzirem os custos<br />

<strong>do</strong> escritório, trabalharem quantas horas <strong>por</strong> dia forem necessárias sem reclamar, eles <strong>de</strong>vem mudar<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia. A guerra <strong>do</strong> homem contra a máquina, pelo trabalho, não é nova, evi<strong>de</strong>ntemente. Teve<br />

gran<strong>de</strong> expressão na Revolução Industrial, como se sabe. A máquina sempre irá prevalecer. E o<br />

homem sempre encontrará <strong>um</strong>a saída, mesmo que seja pela tangente. A a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> Ross pela<br />

Dentons é <strong>um</strong> alerta para a classe e para as faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Direito se prepararem para a transição<br />

que virá — e estarem prontas para ajudar a salvar pelo menos os <strong>novo</strong>s advoga<strong>do</strong>s. As previsões são<br />

<strong>de</strong> que esses robôs vão invadir, primeiramente, o espaço <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> primeiro ano <strong>de</strong> prática;<br />

<strong>de</strong>pois <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> ano <strong>de</strong> prática; <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> terceiro. Quantos aos paralegais (ou auxiliares<br />

jurídicos), eles <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ão fazer parte, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> alg<strong>um</strong> tempo, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a classe em extinção”. Disponível<br />

em:<br />

.


501<br />

Exige-se muito mais <strong>do</strong> homem que <strong>de</strong>ve converter seu tempo em regime<br />

escravo/social, em que se tem muita aparência e pouca essência, para que o<br />

sistema jurídico possa ganhar qualitativamente a partir <strong>do</strong> aprofundamento obti<strong>do</strong><br />

através <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> efetivo <strong>do</strong>s institutos legais que regram as ações <strong>do</strong> indivíduo<br />

coletivo na socieda<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna.<br />

A integração em <strong>um</strong>a base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s virtuais <strong>do</strong> receituário jurídico das regras<br />

<strong>de</strong> relacionamento social em to<strong>do</strong>s os aspectos <strong>de</strong> forma categorizada representa<br />

<strong>um</strong> ferramental <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos (ultramo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> tecnologizada).<br />

É <strong>de</strong> se observar o presente com as vistas voltadas para o passa<strong>do</strong>. Como<br />

eram os relacionamentos pessoais, os meios <strong>de</strong> trans<strong>por</strong>tes, os sistemas <strong>de</strong><br />

telefonia. Será que somente o Direito, a Justiça e toda a sistemática que os<br />

envolvem seriam tomadas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a estrutura anacrônica ou petrificada pela<br />

imutabilida<strong>de</strong>?<br />

No processo <strong>de</strong> inovação, a produção intelectiva enfrenta sérios problemas<br />

quan<strong>do</strong> a socieda<strong>de</strong> em que germina <strong>um</strong>a “i<strong>de</strong>ia” enxerga a proposta como algo<br />

fundamentalista, <strong>de</strong>sconexa e até mesmo “louca”, todavia o que se encontra em<br />

conflito e em risco na área <strong>do</strong> Direito é próprio Direito.<br />

Seja no campo <strong>de</strong> sua aplicação ou no da busca pelo justo, em jogo estão os<br />

interesses inclusive <strong>do</strong>s resistentes em transformar a Justiça em algo melhor, a partir<br />

da instauração <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo que acompanhe os <strong>novo</strong>s tempos e que possa<br />

dar à socieda<strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s mol<strong>de</strong>s previstos na lei, sustentan<strong>do</strong> assim<br />

materialmente o adjetivo da “previsibilida<strong>de</strong> real”.<br />

A nova concepção <strong>de</strong> Justiça tem como base a unificação das regras, das<br />

<strong>de</strong>cisões, da justaposição <strong>do</strong>s casos, da organização e da divisão <strong>do</strong>s conflitos <strong>por</strong><br />

especialida<strong>de</strong>, catalogação, enfim, a categorização <strong>do</strong> Direito pelos meios<br />

tecnológicos contribuirá além <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> para que o Esta<strong>do</strong> possa andar à frente <strong>de</strong> seu<br />

tempo.<br />

Diferentemente da repressão, <strong>de</strong>ve promover políticas públicas com<br />

planejamento, pois, com as novas condições, será possível que os diagnósticos<br />

estejam sempre atualiza<strong>do</strong>s para a tomada <strong>de</strong> ações proativas, <strong>de</strong>cisões certas e<br />

coerentes, geran<strong>do</strong> maior credibilida<strong>de</strong>, confiança e pacificação social concreta.


502<br />

A comunicação integrada em tempo menor tem como campo <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong><br />

prática o atendimento aos conflitos com respostas mais rápidas, <strong>de</strong>volven<strong>do</strong> à<br />

socieda<strong>de</strong> a expectativa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça rápida, ou seja, bem mais célere que ao<br />

atual mo<strong>de</strong>lo.<br />

Com o nivelamento das estruturas públicas, privadas e sociais, em todas as<br />

classes, o conhecimento passa a ser obrigatório, participativo, integrativo e<br />

colaborativo.<br />

A estrutura normativa, em que as regras são estabelecidas pela<br />

acessibilida<strong>de</strong> consultiva, <strong>de</strong> formação e informação, também <strong>de</strong>verá passar <strong>por</strong><br />

mudanças, dan<strong>do</strong> à socieda<strong>de</strong> como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma clara e objetiva a noção <strong>de</strong><br />

proibitivida<strong>de</strong>, permissivida<strong>de</strong> e punição, conforme bem ilustra Fernan<strong>do</strong> Coelho<br />

(1991, p. 209):<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que as normas <strong>de</strong>vem ser intrinsecamente ligadas aos<br />

diretivos, e que a explicação <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> norma <strong>de</strong>ve possibilitar o<br />

fact<strong>um</strong> da existência <strong>de</strong> certas normas, como “<strong>um</strong> <strong>direito</strong> que se encontra<br />

em <strong>um</strong>a relação <strong>de</strong> correspondência com os fatos”. E assim, o discurso<br />

diretivo <strong>do</strong> <strong>direito</strong> é <strong>um</strong>a forma linguística que expressa <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>–</strong> ação<br />

concebida como forma <strong>de</strong> conduta. Isto é, não im<strong>por</strong>ta que a norma jurídica<br />

tenha si<strong>do</strong> primariamente expressada como imperativo; im<strong>por</strong>ta, isto sim,<br />

que ela seja aceita como imperativo; im<strong>por</strong>ta, isto sim, que ela seja, aceita<br />

como imperativo, isto é, que sua expressão linguística funcione como<br />

imperativo a nível pragmático.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Capella, se a condição da existência <strong>do</strong> Direito é ser<br />

formulável em linguagem, <strong>por</strong>que não em <strong>um</strong>a linguagem sistematicamente digital,<br />

em <strong>um</strong> sistema virtual, em que os da<strong>do</strong>s comunica<strong>do</strong>s via sistema ou o formulário<br />

digital <strong>de</strong> contendas possam ser planilha<strong>do</strong>s pela alterida<strong>de</strong> das normas ali<br />

sistematicamente organizadas e disponibilizadas.<br />

Contém, outrossim, redundância para a pendência <strong>de</strong> avaliação e resposta<br />

quan<strong>do</strong> houver falta <strong>de</strong> elementos concretos para <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s critérios da contenda<br />

relaciona<strong>do</strong>s com os critérios normativos.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, acredita-se que a linguagem utilizada seria simplificada, diz-se<br />

linguagem a <strong>do</strong> Direito, na medida em que a metalinguagem <strong>–</strong> tanto a normativa<br />

quanto a não normativa <strong>–</strong> seria englobada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a linguagem simples <strong>do</strong> Direito<br />

<strong>de</strong>scritivo <strong>por</strong> força da convenção <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>stinatários “cria<strong>do</strong>res, avalia<strong>do</strong>res,<br />

aplica<strong>do</strong>res e recebe<strong>do</strong>res” <strong>de</strong> suas próprias regras.


503<br />

Com isso, serão afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> risco maior da instabilida<strong>de</strong> interpretativa<br />

oriunda <strong>do</strong> <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> único homem/Juiz.<br />

A socieda<strong>de</strong> seria reeducada, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a conscientização para <strong>um</strong>a<br />

compreensão mais simplista e objetiva das formas, provan<strong>do</strong> que a atitu<strong>de</strong><br />

com<strong>por</strong>tamental <strong>do</strong> contrário senso foi gestada com o único e exclusivo propósito da<br />

<strong>do</strong>minação pela <strong>do</strong>minação, não mais concebível nos tempos atuais, que prima pela<br />

clareza, simplificação e objetivida<strong>de</strong>.<br />

Sen<strong>do</strong> o Direito <strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m racional nutri<strong>do</strong> <strong>por</strong> outra or<strong>de</strong>m em sua<br />

constituição estrutural, não é afastável. É, <strong>por</strong>tanto, plenamente possível que possa<br />

ser compreendi<strong>do</strong>, geri<strong>do</strong> e aplica<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong><br />

tecnologizada, <strong>por</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial.<br />

O Direito, após ser concebi<strong>do</strong>, passa a ter vida própria, sua própria<br />

racionalida<strong>de</strong>, e torna-se <strong>um</strong> corpo normativo <strong>de</strong> regras <strong>de</strong>scritivas <strong>de</strong> regulação<br />

positiva ou negativa.O homem, nesse processo, participa da criação e também <strong>de</strong>le<br />

mesmo, agente <strong>de</strong> Direito, <strong>por</strong> isso, sen<strong>do</strong> ambas as racionalida<strong>de</strong>s distintas, nada<br />

impe<strong>de</strong> que a primeira possa ser utilizada, quanto à sua base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, informações<br />

e aplicação em <strong>um</strong>a outra estrutura cognitiva.<br />

Uma plataforma racional tecnologizada para gestão e aplicação <strong>do</strong> Direito faz<br />

florescer a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> alcance prático e efetivo <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong> e<br />

imparcialida<strong>de</strong> falaciosamente incutidas no mo<strong>de</strong>lo em que o homem/Juiz é o<br />

representante central e opera<strong>do</strong>r.<br />

Essa nova forma <strong>de</strong> gestão para a aplicação <strong>do</strong> Direito tem eco na<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se teorizar a mente h<strong>um</strong>ana a partir <strong>de</strong> bases computacionais. Isso<br />

não seria o mesmo que fazer com que as máquinas se tornem homens ou viceversa.<br />

Mas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transferir às maquinas a operacionalização <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

sistema que <strong>por</strong> séculos esteve confinada ao monopólio da cognição h<strong>um</strong>ana.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, o trabalho científico sobre Representação Mental, publica<strong>do</strong><br />

pela primeira vez aos 30 dias <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000, com revisão substantiva em 11 <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012, é esclarece<strong>do</strong>r. 309<br />

309<br />

“A versão contem<strong>por</strong>ânea <strong>do</strong> lí<strong>de</strong>r representacional da mente, a teoria computacional da mente<br />

(CTM), afirma que o cérebro é <strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> computa<strong>do</strong>r e que os processos mentais são computações.<br />

De acor<strong>do</strong> com a CTM, esta<strong>do</strong>s <strong>cognitivo</strong>s são constituí<strong>do</strong>s <strong>por</strong> relações computacionais para<br />

representações mentais <strong>de</strong> vários tipos, e os processos <strong>cognitivo</strong>s são sequência <strong>de</strong> tais esta<strong>do</strong>s. /<br />

CTM <strong>de</strong>senvolve RTM <strong>por</strong> tentativa <strong>de</strong> explicar to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s e processos psicológicos em termos<br />

<strong>de</strong> representação mental. No <strong>de</strong>curso da construção, <strong>de</strong>talhadas teorias empíricas da cognição<br />

animal h<strong>um</strong>ana e outros, e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> processos <strong>cognitivo</strong>s implementáveis


504<br />

Tais critérios, quan<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong>s às regras, projetam no Direito <strong>um</strong>a ação com<br />

maior estabilida<strong>de</strong> e confiabilida<strong>de</strong> em to<strong>do</strong>s os aspectos; a transparência na<br />

aplicação <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> prescritivo normativo isentaria a racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito da<br />

racionalida<strong>de</strong> “irracional” subjetiva, ou melhor, da racionalida<strong>de</strong>-pessoalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisional. Neste contexto, as lições <strong>de</strong> Fernan<strong>do</strong> Coelho (1991, p. 324-325) são<br />

pontuais:<br />

O raciocínio <strong>do</strong> jurista, assim concebi<strong>do</strong>, vale-se principalmente <strong>do</strong>s<br />

arg<strong>um</strong>entos lógicos tradicionais, a maioria, a minoria, e a contrário, aos<br />

quais se atribui caráter apodítico, <strong>por</strong>que pressupõe os princípios da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> não contradição. / Ocorre todavia que a lógica jurídica<br />

igualmente consi<strong>de</strong>ra arg<strong>um</strong>entos para-lógicos, que não têm o caráter<br />

apodítico <strong>do</strong>s anteriores, mas assentam sua força <strong>de</strong> convicção na forma<br />

analítica <strong>de</strong> que se revestem, assim, o estabelecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> significa<strong>do</strong> à<br />

norma ou à conduta a partir <strong>do</strong> mero título ou súmula da lei (a rubrica); a<br />

referência à opinião <strong>de</strong> jurisconsultos e a autorida<strong>de</strong> da jurisprudência (ab<br />

autoritate); exame <strong>do</strong>s trabalhos preparatórios, para quacultara opinião <strong>do</strong><br />

legisla<strong>do</strong>r (pro subjecta materia); apego <strong>do</strong>gmático ao texto da lei (ration<br />

legis stricta); a ampliação <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> da lei, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a abranger<br />

situações não previstas (a generali sensu); a analogia; to<strong>do</strong>s esses<br />

procedimentos, largamente emprega<strong>do</strong>s na lógica <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, interferem na<br />

formação das premissas para estabelecer a racionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisional, cujo<br />

i<strong>de</strong>al seria entregar os julgamentos das ações h<strong>um</strong>anas a <strong>um</strong> computa<strong>do</strong>r<br />

que fosse absolutamente neutro em sua racionalida<strong>de</strong> pura.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o longo e arrisca<strong>do</strong> caminho <strong>por</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolve o<br />

raciocínio <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> para a realização <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> julgar, não parece coerente que as<br />

<strong>de</strong>cisões continuem a refugiar-se em bases instáveis e influenciáveis que justifiquem<br />

essa forma <strong>de</strong> posição como mo<strong>de</strong>lo inatingível ao questionamento e sua impossível<br />

substituição ao mo<strong>de</strong>lo orgânico <strong>do</strong> sistema judiciário.<br />

em sistemas <strong>de</strong> processamento <strong>de</strong> informações artificiais, os cientistas <strong>cognitivo</strong>s têm proposto <strong>um</strong>a<br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> representações mentais. / Embora alguns <strong>de</strong>stes possam ser a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para<br />

ser relato mental <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>s psicológicos, senso com<strong>um</strong>, alguns <strong>–</strong> os chama<strong>do</strong>s “subpessoal” ou<br />

“sub<strong>do</strong>xástica” não são representações. Apesar <strong>de</strong> muitos filósofos acreditarem que a CTM po<strong>de</strong><br />

fornecer as melhores explicações científicas <strong>de</strong> cognição e com<strong>por</strong>tamento, há divergências sobre se<br />

tais explicações vãoreivindicar as explicações <strong>do</strong> senso com<strong>um</strong> psicológicos da RTM precientífica. /<br />

De acor<strong>do</strong> com Stich (1983), “Teoria da Mente sintática”, <strong>por</strong> exemplo, as teorias computacionais <strong>de</strong><br />

esta<strong>do</strong>s psicológicos <strong>de</strong>vem se preocupar apenas com as formais proprieda<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s objetos. Esses<br />

esta<strong>do</strong>s são relações com compromisso com a relevância explicativa <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, no entanto, é para<br />

a maioria <strong>do</strong>s cientistas <strong>cognitivo</strong>s fundamentais (Fo<strong>do</strong>r 1981a, Pylyshyn 1984, Von Eckardt 1983),<br />

que os processos mentais são computações, que os cálculos são governa<strong>do</strong>s <strong>por</strong> regras sequências<br />

<strong>de</strong> objetos semanticamente avaliáveis, e que as regras se aplicam aos símbolos, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu<br />

conteú<strong>do</strong>, são princípios centrais da ciência cognitiva”. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 15.


505<br />

A estabilização <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir pela prática media<strong>do</strong>ra tecnológica passa a<br />

pro<strong>por</strong>cionar e representar mais <strong>do</strong> que <strong>um</strong> Direito universal a isonomia e a<br />

concepção fim <strong>de</strong> Justiça como <strong>um</strong>a forma concreta <strong>de</strong> equilíbrio na distribuição <strong>do</strong><br />

Direito.<br />

Um <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça, entretanto, ou <strong>um</strong> <strong>novo</strong> meio para sua<br />

realização, que promova o <strong>de</strong>senvolvimento váli<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> mecanismo pragmático <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisões estáveis que garantirão <strong>um</strong>a maior segurança em previsibilida<strong>de</strong> das<br />

<strong>de</strong>cisões e, com ela, a concretização <strong>do</strong> Direito, passa a ser mais relevante.<br />

É possível existir maior rapi<strong>de</strong>z no resgate <strong>do</strong> crédito ao sistema Judiciário<br />

pelo a<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> eficiência e pela eficácia <strong>do</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito<br />

no alcance da Justiça.<br />

A premissa normativa não se afeiçoa às influências sintáticas e semânticas da<br />

linguística. Caso isso aconteça, o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> cada resulta<strong>do</strong> será recepciona<strong>do</strong><br />

como <strong>um</strong>a caixa <strong>de</strong> surpresa, na medida em que se terão resulta<strong>do</strong>s diferentes para<br />

casos semelhantes <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à influência pessoal que afeta a objetivida<strong>de</strong> das<br />

premissas.<br />

Isso ocorre <strong>por</strong>que, na reconstrução <strong>do</strong>s fatos, na arrecadação das provas e<br />

em to<strong>do</strong> o processo, a interferência da interpretação passa a ser vítima <strong>do</strong>s atos<br />

volitivos pessoais e subjetivos da intervenção <strong>do</strong> homem, agente media<strong>do</strong>r e<br />

pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sistema jurídico.<br />

A interpretação como exercício prático da psique h<strong>um</strong>ana muitas vezes é<br />

golpeada pelas pseu<strong>do</strong>verda<strong>de</strong>s constituídas no tribunal da razão h<strong>um</strong>ana. Sen<strong>do</strong><br />

assim, a interpretação passa ser <strong>um</strong>a falsa erudição em busca da apuração da<br />

realida<strong>de</strong>, em vez <strong>de</strong> aliar-se à premissa normativa e contribuir para sua efetivida<strong>de</strong>:<br />

ao contrário, a corrói, chegan<strong>do</strong> muitas vezes a distorcer a essência da<br />

racionalida<strong>de</strong> objetiva da lei.<br />

A interpretação quan<strong>do</strong> no exercício racional em busca <strong>de</strong> realizar suas<br />

funções <strong>–</strong> ou as funções que se objetiva que ela realize <strong>–</strong> representa <strong>um</strong>a<br />

ferramenta psicológica fundada pelo <strong>po<strong>de</strong>r</strong> <strong>do</strong> mais forte (da<strong>do</strong> o seu conhecimento)<br />

para compreensão, interpretação e obtenção <strong>de</strong> <strong>um</strong> juízo <strong>de</strong>cisão.<br />

Tal fenômeno ocorre <strong>por</strong>que <strong>de</strong> <strong>um</strong> indivíduo para outro as diferenças são<br />

existentes, <strong>de</strong> fácil constatação, além <strong>de</strong> ser pressuposto que justifica o<br />

apontamento da instabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.


506<br />

Po<strong>de</strong>-se afirmar existirem “Justiças”, <strong>por</strong>que há “Juízes”, cada <strong>um</strong> fazen<strong>do</strong><br />

<strong>um</strong>a <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com seu livre convencimento e sua convicção. A <strong>de</strong>cisão final é a <strong>do</strong><br />

homem: nessa atmosfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s, a única coisa a ser tratada e dificilmente<br />

sedimentada é a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça estável, previsível e una.<br />

A espécie h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>tanto, é subdividida em <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> casta<br />

comunicativa a qual se subdivi<strong>de</strong> em níveis que na maioria das vezes não<br />

convergem, da<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>sníveis <strong>cognitivo</strong>s existentes entre cada nível.<br />

Tais distorções não somente <strong>de</strong>monstram serem os indivíduos distintos em<br />

capacida<strong>de</strong> cognitiva entre si, como também revelam que a racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana<br />

se <strong>de</strong>senvolve a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a logicida<strong>de</strong> bastante instável, sejam pelas condições<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada indivíduo, sejam pelos reflexos que o meio social em que ele<br />

se encontra refletem sobre ele.<br />

Sen<strong>do</strong> o sistema jurídico <strong>um</strong> complexo lógico com sua própria racionalida<strong>de</strong>,<br />

a tentativa <strong>de</strong> racionalizar a linguagem h<strong>um</strong>ana com suas peculiarida<strong>de</strong>s e com suas<br />

incompreensões, conflitos e disfunções com<strong>um</strong> <strong>de</strong> sua racionalida<strong>de</strong>, representa<br />

<strong>um</strong>a medida propositiva.<br />

A operação ofertada pela racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana na condução <strong>do</strong><br />

sistemajurídico é manipulada pelas i<strong>de</strong>ologias pessoais e subjetivas típicas da<br />

natureza <strong>do</strong> homem enquanto ser social, seja na individualida<strong>de</strong> ou na coletivida<strong>de</strong>.<br />

O Direito, quan<strong>do</strong> perpassa<strong>do</strong> <strong>por</strong> tal sistemática, não é aplica<strong>do</strong><br />

instantaneamente, ao contrário, é reconstruí<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> uso da linguagem, da<br />

interpretação e <strong>do</strong>s meios racionais <strong>de</strong> que a faculda<strong>de</strong> cognitiva se vale para<br />

realizar suas operações <strong>do</strong> conhecimento. Somente após to<strong>do</strong> esse percurso se<br />

verifica pela aplicação da lei a favor ou a <strong>de</strong>sfavor <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>.<br />

Observan<strong>do</strong> atentamente, <strong>de</strong> forma clara e distinta, a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>minante<br />

para a reconstrução <strong>do</strong> Direito não é reconstruída <strong>de</strong> forma coerente, na medida em<br />

que a atmosfera não assegura o resulta<strong>do</strong> prático pseu<strong>do</strong> assegura<strong>do</strong><br />

i<strong>de</strong>ologicamente na lei Maior.<br />

Não <strong>por</strong>que não exista a intenção, mas são os meios que impossibilitam a<br />

conclusão <strong>do</strong>s fins. Para isso é necessário que seja instituída <strong>um</strong>a nova concepção<br />

filológica e semiológica quanto aos meios que o Direito <strong>de</strong>ve trafegar para <strong>po<strong>de</strong>r</strong><br />

atingir <strong>um</strong> nível aceitável (previsível e certo) <strong>de</strong> Justiça.


507<br />

Afastar-se das i<strong>de</strong>ologias perversas da racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana para a<br />

reconstrução <strong>do</strong> Direito r<strong>um</strong>o à Justiça é <strong>um</strong>a nova condição. A socieda<strong>de</strong> existente,<br />

da<strong>do</strong> o grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e evolução, sente que a tecnologia da informação<br />

em comunicação po<strong>de</strong> realizar-se a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo em que a intervenção<br />

h<strong>um</strong>ana seja afastada, evitan<strong>do</strong>, com isso, as mazelas das intencionalida<strong>de</strong>s<br />

pessoais ou subjetivas.<br />

As resistências a mudanças dão-se <strong>por</strong>que as tradições <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo secular,<br />

no qual o a criatura h<strong>um</strong>ana é a gestora central, estremecem politicamente toda a<br />

estrutura <strong>do</strong> Judiciário, principalmente <strong>por</strong>que a estrutura nos órgãos <strong>de</strong> cúpula ou<br />

<strong>de</strong> sobreposição são politicamente vincula<strong>do</strong>s aos interesses <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>.<br />

Todavia, essa tensão tem forte tendência a dissipar-se, visto que o Esta<strong>do</strong><br />

po<strong>de</strong> reservar-se, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça em que Direito é media<strong>do</strong><br />

pela utilização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tecnologia <strong>de</strong> gestão das regras em <strong>de</strong>ter o controle tal como<br />

realiza junto às cortes constitucionalmente existentes.<br />

O <strong>de</strong>sconforto da mudança é <strong>um</strong> fenômeno imanente à espécie h<strong>um</strong>ana,<br />

além <strong>de</strong> que se apresenta mais acentua<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> atinge diretamente o interesse<br />

<strong>do</strong>s que se beneficiam <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los instituí<strong>do</strong>s.<br />

Passa<strong>do</strong>s alguns séculos,mais precisamente a partir <strong>do</strong> século XVIII, e<br />

observan<strong>do</strong> o com<strong>por</strong>tamentalismo sistêmico <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, é evi<strong>de</strong>nte a forma<br />

como se dá a gestão: <strong>por</strong> assenhoramento serviçal, acrítico em sua forma, estrutura<br />

e funcionalida<strong>de</strong>.<br />

O dirigismo <strong>do</strong>s atos <strong>de</strong>cisionais muitas vezes já se encontra pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> e<br />

contém o “estofamento” <strong>de</strong> <strong>um</strong>a fundamentação que justifica a posição tomada,<br />

ainda que contrária à lei, para evitar que os efeitos da nulida<strong>de</strong> não alcancem o ato<br />

<strong>de</strong>cisório.<br />

São <strong>de</strong>nunciantes as sessões nos Tribunais <strong>de</strong> Justiça, que já se arrastam<br />

<strong>por</strong> décadas, on<strong>de</strong> acontecem os julgamentos <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> recursos em menos<br />

<strong>de</strong> hora. Isso significa que a regra da massa exige a implantação da tecnologização<br />

<strong>do</strong>s meios, pois os Tribunais têm a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> como critério <strong>de</strong> padronização<br />

manualmente pratica<strong>do</strong> o uso da categorização <strong>do</strong>s casos, pela natureza da matéria,<br />

pelo rito e outros méto<strong>do</strong>s. 310 O rompimento com o mo<strong>de</strong>lo existente representa o<br />

310<br />

Nesse aspecto, é esclarece<strong>do</strong>r Fernan<strong>do</strong> Coelho: “A subsunção jurídica, embora se possa<br />

conceber que ela se reduza a ato <strong>de</strong>cisional, ao menos na sua forma escapa o fato <strong>de</strong> que a escolha<br />

das premissas não correspon<strong>de</strong> as mais das vezes a outras subsunções. O enuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong>ôntico ou


508<br />

afastamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça obsoleta, margean<strong>do</strong> <strong>um</strong>a “corrupção judiciária” (no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> entregar algo diferente <strong>do</strong> prometi<strong>do</strong> na carta Constitucional) como seria<br />

evi<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong> fácil prova.Caso o Judiciário fosse objeto não somente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

reforma em suas bases, mas também tivesse realiza<strong>do</strong> <strong>um</strong>a auditoria em todas as<br />

suas instâncias. Isso não seria autoriza<strong>do</strong> pelo próprio judiciário, seja pelo<br />

impedimento ou suspeição ou <strong>por</strong> outras justificativas que en<strong>do</strong>ssassem a posição<br />

negativa <strong>de</strong> abrir a racionalida<strong>de</strong> da Justiça (como funciona a máquina em sua<br />

internalida<strong>de</strong>).<br />

A concepção atual <strong>de</strong> Justiça é antiga e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Aristóteles era observada, pois<br />

o mo<strong>de</strong>lo se apresentava como <strong>um</strong> risco à sua não obtenção, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a<br />

condição relativa da personalida<strong>de</strong> da espécie h<strong>um</strong>ana como ilustra Gilissen (2003,<br />

p.77). “Aristóteles é <strong>um</strong> <strong>do</strong>s primeiros a admitir a relativida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana: <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong><br />

governo po<strong>de</strong> ser boa ou má conforme o grupo social ao qual se <strong>de</strong>stina”. 311<br />

indicativo da lei, resulta<strong>do</strong> da interpretação jurídica é isto muito mais complexo <strong>do</strong> que a <strong>de</strong>cisão em<br />

si, o mesmo se po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> dizer <strong>do</strong>s enuncia<strong>do</strong>s indicativos das situações sub-judice, em cujo processo<br />

<strong>de</strong> elaboração intervêm fatores coletivos e irracionais. Finalmente, o próprio silogismo judicial po<strong>de</strong><br />

significar que a <strong>de</strong>cisão concreta é anterior a to<strong>do</strong> raciocínio analítico, isto é, o enuncia<strong>do</strong> das<br />

premissas é somente <strong>um</strong> apoio lógico-formal que o próprio juiz elabora para fundamentar a posterior<br />

a <strong>de</strong>cisão que ele já tomara; <strong>de</strong>starte, ao invés <strong>de</strong> a subsunção traduzir a interpretação <strong>do</strong> caso<br />

concreto à luz da lei, o que po<strong>de</strong> ocorrer é <strong>um</strong> processo inverso, a interpretação da lei ser feita à luz<br />

<strong>do</strong> entendimento que o juiz tem a priori <strong>do</strong> caso concreto, embora tal entendimento possa até ser<br />

inconsciente (COELHO, Luiz Fernan<strong>do</strong>. Teoria crítica <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1991, p.<br />

335)”.<br />

311<br />

E para Bittar: “O Ilusionismo da razão figuran<strong>do</strong> como <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> cintilante sedutor <strong>do</strong>s<br />

espíritos mo<strong>de</strong>rnos, que se tornam criticamente cegos aos <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> suas próprias concepções, não<br />

afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> erro, apenas mascaran<strong>do</strong> a dimensão <strong>do</strong> que estaria para ser vivi<strong>do</strong> ainda<br />

na dimensão <strong>do</strong>s anos, em que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> começa a ser colocada em questão. Ao ser vangloriar<br />

a razão, cartesianamente não se sabia que ela seria capaz <strong>de</strong> criar a bomba atômica? Ao se<br />

vangloriar, a liberda<strong>de</strong> ética <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver, kantianamente, não se sabia que a liberda<strong>de</strong> ética é facilmente<br />

em subjetivismo ético? Ao se propugnar a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, rousseanamente, não se sabia que a<br />

igualda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser c<strong>um</strong>prida sem gran<strong>de</strong>s in<strong>justiça</strong>s perante aqueles que “são menos iguais que<br />

outros”? Ao se transformar o homem em instr<strong>um</strong>ento das máquinas, não se haveria <strong>de</strong> perceber que<br />

em certo momento seria substituí<strong>do</strong> <strong>por</strong> estas máquinas? Ao se transformar a natureza em objeto,<br />

baconianamente, não se <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia enten<strong>de</strong>r que haveria <strong>de</strong> ser colocada à mercê da ganância e da<br />

exploração exauriente h<strong>um</strong>ana? Ao se pensar na soberania e na centralida<strong>de</strong> unitária <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

hobbesianamente, não. Ter-se-ia previsto ser o povo completamente alija<strong>do</strong> <strong>de</strong> qualquer participação<br />

na construção da socieda<strong>de</strong>? Ao se pensar a criação <strong>do</strong> comunismo, não se estaria a correr o risco<br />

<strong>de</strong> o próprio Esta<strong>do</strong> <strong>–</strong> transitivo em direção ao comunismo se transformar, ele mesmo, no <strong>novo</strong><br />

<strong>de</strong>tentor <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> produção, o que faria, <strong>por</strong>tanto, da burocracia a nova classe burguesa,<br />

inverten<strong>do</strong> apenas o <strong>po<strong>de</strong>r</strong> econômico <strong>de</strong> mãos? É bem cabível aqui, após tantas perguntas, a<br />

afirmativa <strong>de</strong> Ba<strong>um</strong>ann “nós, <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s, somos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> que to<strong>do</strong>s precisam para tomar o<br />

caminho certo, que, <strong>um</strong>a vez escolhi<strong>do</strong>, será o mesmo para to<strong>do</strong>s. O sujeito <strong>de</strong> Descartes e o homem<br />

<strong>de</strong> Kant, arma<strong>do</strong>s da razão, não irradiam em seus caminhos <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s a menos que imprimi<strong>do</strong>s ou<br />

atraí<strong>do</strong>s para fora da reta trilha il<strong>um</strong>inada da razão (BITTAR, Eduar<strong>do</strong> C. B. O <strong>direito</strong> na pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

2. ed. ver. atual. e ampl. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 52)”.


509<br />

Os resulta<strong>do</strong>s da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> exteriorizam <strong>de</strong>silusão, <strong>por</strong>ém, ao mesmo<br />

tempo, apresentam indícios <strong>de</strong> superação diante <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong><br />

e <strong>do</strong>s aspectos que a envolvem, parafrasean<strong>do</strong> Ba<strong>um</strong>ann, a maior parte <strong>de</strong> sua<br />

história, a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> viveu naauto ilusão, sem tomar nota <strong>do</strong>s males <strong>de</strong> suas<br />

consequências.<br />

É necessário superar a cegueira mo<strong>de</strong>rna, <strong>um</strong>a continuida<strong>de</strong> da ida<strong>de</strong> média<br />

para que as condições da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> possam ser escritas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma mais<br />

positiva. No âmbito <strong>do</strong> Direito, não se questiona a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, mas a<br />

forma como ele é exercida. Para Bittar (2009, p. 85):<br />

Somos esmaga<strong>do</strong>s pelo gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> leis, saben<strong>do</strong>-se que as<br />

mesmas são, em sua boa parte, socialmente ineficazes <strong>de</strong> trazer, os<br />

reflexos concretos, as mudanças sociais necessárias e atingir a vida e as<br />

perspectivas reais nas quais se inscrevem os cidadãos. Eis a preocupação<br />

com a questão da lei na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, menos valida<strong>de</strong> e mais eficácia,<br />

menos forma e mais senti<strong>do</strong> prático social.<br />

A tendência a exigir <strong>um</strong>a nova forma para a conquista <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> senti<strong>do</strong> no<br />

âmbito jurídico apresenta-se evi<strong>de</strong>nte, quan<strong>do</strong> a fonte das respostas existentes não<br />

consegue dar <strong>um</strong>a resposta satisfatória às questões enfrentadas.<br />

A busca <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema compatível com as novas realida<strong>de</strong>s, as das massas<br />

que exigem para a sua pacificação respostas rápidas e eficazes, é <strong>de</strong>monstrativa <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a cultura diferente e em constante transitorieda<strong>de</strong>, <strong>por</strong>tanto, as bases <strong>de</strong><br />

integração <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações exigem o aparelhamento da tecnologização <strong>do</strong>s<br />

meios em toda a sua escala.<br />

Superar a pessoalida<strong>de</strong> no ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir representa o<strong>por</strong>tunizar o acesso<br />

efetivo <strong>do</strong>s fins através <strong>do</strong>s meios da tecnologização, pois a transposição das regras<br />

via sistema tecnológico e a categorização <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> pelos mesmos<br />

meios é possível, obten<strong>do</strong> <strong>do</strong> cruzamento <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong> lógico e objetivo <strong>de</strong><br />

c<strong>um</strong>primento ou não da lei.<br />

Parametrizar a linguagem aberta, <strong>de</strong> forma pre<strong>de</strong>finida isenta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a dialética<br />

da complementarieda<strong>de</strong> com<strong>um</strong> à espécie h<strong>um</strong>ana, distante das diversas teorias<br />

que se prestam a “infernizar” o Direito ou a torná-lo confuso, a ponto <strong>de</strong> o sistema<br />

jurídico ser <strong>de</strong>sacredita<strong>do</strong>, o que exige correção.<br />

Dessa forma, reestabelecida a coesão formal e material entre a or<strong>de</strong>m jurídica<br />

e a eficácia normativa, é evi<strong>de</strong>nte que a cada século encontremos <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo


510<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo sistema jurídico. 312 A valida<strong>de</strong> normativa no século XXI vem há tempos<br />

relegada à ineficácia da norma não <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à sua valida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à ausência <strong>de</strong><br />

efetivida<strong>de</strong> tem<strong>por</strong>al. O fenômeno fato e <strong>direito</strong> acontece tardiamente pela tentativa<br />

<strong>de</strong> sua reconstrução a cada caso.<br />

Com esse mo<strong>do</strong> rudimentar, busca incansavelmente aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda<br />

massificada <strong>do</strong>s interesses individuais coletivos, cujo objetivo paira na busca <strong>de</strong><br />

resulta<strong>do</strong>s eficazes a partir das leis existentes <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico,<br />

sen<strong>do</strong> que em qualquer <strong>um</strong>a das hipóteses é instr<strong>um</strong>entalizada artesanalmente pela<br />

elaboração h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong> homem/Juiz.<br />

Dadas as condições h<strong>um</strong>anas <strong>de</strong> seu opera<strong>do</strong>r, o não alcance <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s<br />

da eficácia representa <strong>um</strong>a condição natural <strong>do</strong> evento e gera in<strong>justiça</strong> pela<br />

qualida<strong>de</strong> da prestação jurisdicional ou pela via <strong>do</strong> represamento das litigâncias que<br />

aguardam anos <strong>por</strong> seu julgamento ou <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong><br />

impedimento legalmente gera<strong>do</strong>s para evitar o acesso <strong>de</strong>senfrea<strong>do</strong> em busca da<br />

Justiça.<br />

A simplicida<strong>de</strong> das formas e da concretização rápida <strong>do</strong>s reclamos exige e ao<br />

mesmo tempo gera a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo prepara<strong>do</strong> para aten<strong>de</strong>r<br />

objetivos primários. Na linguagem tecnológica, em que a Inteligência Artificial passa<br />

a dialogar e a mediar o Direito e a categorização das ações h<strong>um</strong>anas <strong>de</strong> forma<br />

sistematizada, o êxito da Justiça não somente se apresenta possível como a<br />

simplicida<strong>de</strong> e a concretização <strong>do</strong> Direito passam a acontecer efetivamente.<br />

312<br />

Segun<strong>do</strong> Fernan<strong>do</strong> Coelho: “Observa Perelman que, se o século XIX presenciou o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong><br />

formalismo no Direito, pari passu com <strong>um</strong>a concepção Estatal e legalista das normas jurídicas, o<br />

século XX é o século <strong>do</strong> relativismo e <strong>do</strong> pluralismo jurídico, on<strong>de</strong> os princípios gerais <strong>do</strong> Direito<br />

ass<strong>um</strong>em im<strong>por</strong>tância cada vez maior, mercê da influência <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> ín<strong>do</strong>le sociológica e<br />

meto<strong>do</strong>lógica; a teoria <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, característica <strong>de</strong>ste século, favorece a concepção tópica <strong>do</strong><br />

raciocínio jurídico, ontológico ao formalismo, conduzin<strong>do</strong> ao reconhecimento <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> juiz na<br />

elaboração <strong>do</strong> <strong>direito</strong> e a prevalência da norma sobre a sua valida<strong>de</strong> (COELHO, Luiz Fernan<strong>do</strong>.<br />

Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1979, p. 2)”.


511<br />

Seria isso o marco <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova Era <strong>do</strong> Direito: ele passaria a ser, além <strong>de</strong><br />

somente <strong>um</strong>a ciência h<strong>um</strong>ana com participação h<strong>um</strong>ana, <strong>um</strong>a ciência h<strong>um</strong>ana com<br />

participação tecnológica em seu processo <strong>de</strong> análise, avaliação e aplicação. O<br />

Direito passaria a ser media<strong>do</strong> não pela racionalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana, mas pela<br />

racionalida<strong>de</strong> lógica da tecnologia, promovida <strong>por</strong> intermédio da Inteligência Artificial.<br />

O Direito até então apropria<strong>do</strong> pelo processo racional <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>de</strong><br />

interpretação, criação, integração e complementarieda<strong>de</strong> <strong>–</strong> em que o trabalho<br />

hermenêutico nem sempre se concretiza <strong>–</strong> passaria a ser realiza<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> outro<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que conservadas as mesmas garantias legais<br />

secularmente conquistadas pela espécie h<strong>um</strong>ana e coligidas em seus diplomas<br />

legais.<br />

A socieda<strong>de</strong> ultramo<strong>de</strong>rna não almeja Justiça; o escopo da nova geração é a<br />

busca da prática útil <strong>do</strong> Direito, <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> rápi<strong>do</strong>, eficaz e <strong>de</strong>scomplica<strong>do</strong>, das<br />

<strong>de</strong>mandas que apresentam a logicida<strong>de</strong> e a racionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>novo</strong>s tempos.<br />

Na divergência conflituosa não está a esperar <strong>um</strong>a próxima “divergência”,<br />

necessita <strong>de</strong> solução antes mesmo <strong>do</strong> advento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a possível recorrência ou<br />

ocorrência, é preciso abrigar no mesmo recinto- “espaço” o Direito e Justiça.<br />

Do clássico silogismo <strong>de</strong>dutivo resta a estrutura <strong>de</strong> movimento que é<br />

trans<strong>por</strong>ta<strong>do</strong> para <strong>um</strong>a nova <strong>inteligência</strong> capaz <strong>de</strong> realizá-la “zás-trás”, rapidamente.<br />

As clássicas teorias tridimensionais <strong>do</strong> Direito, da arg<strong>um</strong>entação, <strong>de</strong>ntre outras<br />

foram frutos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a época romântica <strong>do</strong> Direito, nostálgica, incapaz <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a<br />

<strong>um</strong>a <strong>de</strong>manda pouco apaixonada da massificação individual ou coletiva.<br />

Em que o homem/Juiz é o opera<strong>do</strong>r e se vê rendi<strong>do</strong> ao não respon<strong>de</strong>r à<br />

altura, seja pelo <strong>limite</strong> <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> cognitiva ou da superior <strong>de</strong>manda<br />

“quantitativa” que lhe é submetida to<strong>do</strong>s os dias.<br />

A condição h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong> opera<strong>do</strong>r há tempos <strong>de</strong>smistificada vem levantan<strong>do</strong><br />

polêmica ante <strong>do</strong>s problemas comuns imanentes à espécie, cuja qualida<strong>de</strong> é<br />

inerente ao homem/Juiz, expon<strong>do</strong>-o às mesmas e suscetíveis fraquezas e<br />

<strong>do</strong>cilida<strong>de</strong>s, que fazem a espécie h<strong>um</strong>ana vulnerável aos <strong>de</strong>sejos e encantos <strong>do</strong>s<br />

tempos atuais.


512<br />

Sen<strong>do</strong> assim, o ato recriação <strong>do</strong> Direito não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> encargo livre <strong>do</strong><br />

homem/Juiz, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao risco da ilegalida<strong>de</strong> iminente e evi<strong>de</strong>nte a que sua condição<br />

<strong>de</strong> falibilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ex<strong>por</strong> o sistema. Não é necessário <strong>um</strong> segun<strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, o que<br />

se busca e o que se po<strong>de</strong> obter com a organização tecnológica é a fiel aplicação da<br />

lei consoante a perspectiva <strong>de</strong> civil law, manten<strong>do</strong>, assim, a clareza e a objetivida<strong>de</strong><br />

das leis.<br />

A relação é para<strong>do</strong>xal, até o advento <strong>do</strong> homem competir com <strong>um</strong> outro <strong>de</strong><br />

sua espécie; os critérios claros e pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s selecionam alguns <strong>de</strong>ntre a espécie.<br />

Neste caso, os mais bem prepara<strong>do</strong>s passam à frente das fileiras para coor<strong>de</strong>nar os<br />

<strong>de</strong>mais, bem como para orientá-los e julgá-los.<br />

A organização da socieda<strong>de</strong> é algo que funciona com essa lógica, <strong>um</strong>a<br />

<strong>do</strong>mesticação, <strong>um</strong>a <strong>do</strong>minação, <strong>um</strong>a <strong>do</strong>cilida<strong>de</strong> hereditária, que faz <strong>de</strong>ssa<br />

o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> a monopolização <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong>.<br />

Caricaturan<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma a se valer <strong>do</strong> pensamento foucauniano, o Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> locomove-se em <strong>um</strong> senti<strong>do</strong> diverso supera<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>po<strong>de</strong>r</strong> imperativo normativo, <strong>por</strong> <strong>um</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> disciplinar já naturalmente insemina<strong>do</strong><br />

en<strong>do</strong>genamente nas instituições que socialmente moldam os aspectos<br />

com<strong>por</strong>tamentais da socieda<strong>de</strong>.<br />

Para <strong>um</strong>a nova Justiça, é essencial que <strong>um</strong>a nova socieda<strong>de</strong> surja,<br />

impossível acabar <strong>um</strong>a e existir <strong>um</strong>a outra como em <strong>um</strong> passe <strong>de</strong> mágica. Salvos os<br />

eventos históricos impostos pela própria natureza (catástrofes), todavia, a transição<br />

é necessária, embora seja cediço que parte ficará inevitavelmente no fosso <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong>. 313 A realida<strong>de</strong> atual da estrutura social é essa e a <strong>do</strong> judiciário, <strong>por</strong> ser <strong>um</strong><br />

órgão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> simetricamente igual, tem como proposta o conhecimento-<br />

313<br />

Em tal senti<strong>do</strong>, as lições <strong>de</strong> Boaventura Santos são esclarece<strong>do</strong>ras: “A realização <strong>de</strong>ste equilíbrio<br />

dinâmico foi confiada a três lógicas da racionalida<strong>de</strong> atrás mencionadas: a racionalida<strong>de</strong> moral-crítica,<br />

a racionalida<strong>de</strong> estética expressiva e a racionalida<strong>de</strong> <strong>cognitivo</strong>-instr<strong>um</strong>ental. Vimos, <strong>por</strong>ém, que nos<br />

últimos duzentos anos a racionalida<strong>de</strong> <strong>cognitivo</strong>-instr<strong>um</strong>ental da ciência e da tecnologia se foi<br />

impon<strong>do</strong> às <strong>de</strong>mais. Com isto, o conhecimento-regulação conquistou a primazia sobre o<br />

conhecimento-emancipação: a or<strong>de</strong>m transformou-se na forma hegemônica <strong>de</strong> saber e o caos na<br />

forma hegemônica <strong>de</strong> ignorância. Este <strong>de</strong>sequilíbrio a favor <strong>do</strong> conhecimento-regulação permitiu a<br />

este último recodificar nos seus próprios termos o conhecimento-emancipação. Assim, o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

saber no conhecimento-emancipação <strong>passo</strong>u a esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> ignorância no conhecimento-regulação<br />

(solidarieda<strong>de</strong> foi recodificada como caos) e, inversamente, a ignorância no conhecimentoemancipação<br />

<strong>passo</strong>u a esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong> saber no conhecimento-regulação (o colonialismo foi recodifica<strong>do</strong><br />

como or<strong>de</strong>m) (SANTOS, Boaventura <strong>de</strong> Sousa. A crítica da razão in<strong>do</strong>lente: contra o <strong>de</strong>sperdício da<br />

experiência. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 79)”.


513<br />

emancipação em sobreposição ao conhecimento-regulação. É imperioso que isso<br />

aconteça no processo <strong>de</strong> mudança da socieda<strong>de</strong>.<br />

A solidarieda<strong>de</strong> cognitiva <strong>de</strong>ve ser instituída <strong>de</strong> forma hegemônica; para isso,<br />

na transição, compren<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>um</strong> certo nível <strong>de</strong> caos <strong>de</strong>corrente da negligência<br />

relativa <strong>do</strong> conhecimento-regulação passa a ser aceitável, com isso, promoven<strong>do</strong> a<br />

emancipação <strong>do</strong> indivíduo singular e/ou coletivo <strong>por</strong> força da solidarieda<strong>de</strong> cognitiva.<br />

A reconfiguração da forma <strong>de</strong> conhecimento e a reinterpretação <strong>do</strong>s sintomas,<br />

<strong>do</strong>s com<strong>por</strong>tamentos e <strong>do</strong>s conceitos, <strong>por</strong> meio das reconceituações, fazem com<br />

que o homem, mesmo em sua precária limitação, consiga enfrentar melhor seu<br />

espaço tempo social, como esclarece Boaventura Santos (2013, p. 57-58):<br />

A <strong>um</strong> nível mais profun<strong>do</strong>, esta sensação <strong>de</strong> insegurança tem as suas<br />

raízes na crescente assimetria entre a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir e a capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> prever. A ciência e a tecnologia a<strong>um</strong>entaram a nossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

seção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma sem prece<strong>de</strong>ntes e, com isso, fizeram expandir a<br />

dimensão espaço tem<strong>por</strong>al <strong>do</strong>s nossos atos.<br />

A tecnologização <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> Judiciário <strong>de</strong>ve atingir seu núcleo operacional,<br />

contribuin<strong>do</strong> em tal processo com o melhoramento <strong>de</strong> seus resulta<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong>s os<br />

aspectos, <strong>por</strong>ém sem arranhar o <strong>de</strong>senvolvimento e as conquistas amealha<strong>do</strong>s<br />

historicamente.<br />

Com isso, o século passa a ser marca<strong>do</strong> pelo uso da tecnologia em to<strong>do</strong>s os<br />

meios, c<strong>um</strong>prin<strong>do</strong> essa nova espécie <strong>de</strong> conhecimento e <strong>inteligência</strong> com sua<br />

missão <strong>de</strong> estar presente em to<strong>do</strong>s os momentos <strong>de</strong> forma positiva, inclusive na<br />

árdua e primorosa missão <strong>de</strong> conduzir a socieda<strong>de</strong> muito além das condições<br />

impostas <strong>por</strong> sua limitação cognitiva.<br />

É preciso que o Esta<strong>do</strong> volte a colocar cada <strong>um</strong> <strong>de</strong> seus órgãos a ass<strong>um</strong>ir seu<br />

verda<strong>de</strong>iro papel. Fenômenos como a Judicialização da Justiça e sua Politização<br />

somente privilegiam <strong>um</strong>a das partes, quan<strong>do</strong> a regra inicial, pactuada, colocava-as<br />

em condições <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as regras <strong>do</strong> “jogo”.<br />

A tecnologização <strong>do</strong> judiciário é condição para manutenção <strong>do</strong> próprio<br />

sistema da civil law, tornan<strong>do</strong> o conheci<strong>do</strong>, previsível e mais ágil. A gran<strong>de</strong>za maior<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é compreen<strong>de</strong>r a dimensão funcional <strong>do</strong>s seus órgãos, fiscalizá-los e<br />

colocá-los no efetivo funcionamento. Fazer Justiça social quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu surgimento<br />

se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> forma irregular pela pressa <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a <strong>um</strong>a agenda <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política e<br />

não jurídica.


514<br />

Foi in<strong>de</strong>vidamente apropriada pelo órgão <strong>do</strong> Judiciário, posicionan<strong>do</strong>-se<br />

contrariamente a seus propósitos, caricaturan<strong>do</strong> a Justiça brasileira. É possível<br />

ludiciza-la em <strong>um</strong>a espécie “Robin Hood” da lei, o que não contribui com a<br />

previsibilida<strong>de</strong> e com a certeza que <strong>um</strong> sistema jurídico exige, conforme ilustra o<br />

estu<strong>do</strong> feito <strong>por</strong> Castelar. 314<br />

Disso se observa que a falta <strong>de</strong> razoabilida<strong>de</strong> e pro<strong>por</strong>cionalida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a tomada <strong>de</strong> posição po<strong>de</strong> conduzir o próprio sistema a não resolver seus<br />

maiores e nefastos problemas. A polarização em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a posição<br />

(extremada po<strong>de</strong> somente inverter os la<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesma moeda. No caso <strong>do</strong><br />

Judiciário a invasão <strong>do</strong> Juiz sobre a lei, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionar <strong>um</strong>a Justiça<br />

social, vem a contrário senso, geran<strong>do</strong> <strong>um</strong>a In<strong>justiça</strong> social.<br />

A socieda<strong>de</strong> contem<strong>por</strong>ânea busca resulta<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> regras esclarecidas<br />

e com isso objetivas. As velhas discussões <strong>do</strong> livre convencimento, da motivação e<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a viagem <strong>de</strong>snecessária em busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> que já se faz presente<br />

somente po<strong>de</strong>m fazer o sistema voltar ao começo da mesma discussão.<br />

Com isso, <strong>um</strong>a ultramo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> jurídica apresenta-se condizente com os<br />

<strong>novo</strong>s propósitos, nos quais mediar, mais <strong>do</strong> que distribuir, é aplicar as regras<br />

pre<strong>de</strong>finidas aos prece<strong>de</strong>ntes já conheci<strong>do</strong>s.<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Habermas, sen<strong>do</strong> <strong>um</strong>a das funções da linguagem a lida <strong>do</strong>s<br />

problemas que surgem no mun<strong>do</strong>, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento torna-se essa mesma<br />

linguagem <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> criar o próprio mun<strong>do</strong>, <strong>por</strong>que ela é <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> tal <strong>po<strong>de</strong>r</strong>.<br />

314<br />

“A politização das <strong>de</strong>cisões judiciais foi originalmente pesquisada <strong>por</strong> Sa<strong>de</strong>k (1995), e <strong>de</strong>pois <strong>por</strong><br />

Vianna et alii (1997), na forma <strong>de</strong> <strong>um</strong>a não neutralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> juiz na interpretação das leis. Esses<br />

trabalhos revelam que o magistra<strong>do</strong> brasileiro vê-se como responsável <strong>por</strong> promover a mudança<br />

social e, em particular, reduzir as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, dispon<strong>do</strong>-se, com frequência, a ignorar não<br />

apenas os contratos mas também as leis na busca <strong>de</strong>sse objetivo.Pre<strong>do</strong>mina a visão <strong>de</strong> que esse é<br />

<strong>um</strong> papel <strong>do</strong> juiz singular, mais <strong>do</strong> que <strong>do</strong> Judiciário enquanto instituição, é que nesse papel o juiz<br />

<strong>de</strong>ve não apenas im<strong>por</strong> o <strong>direito</strong> feito pelo Legislativo, mas fazer ele mesmo o <strong>direito</strong>, buscan<strong>do</strong> mais<br />

a “<strong>justiça</strong>” <strong>do</strong> que a certeza jurídica. Como observam Vianna et alii (1997), ao contrário <strong>do</strong> que em<br />

geral se imagina, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o Brasil funciona em <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> civil law, o magistra<strong>do</strong><br />

brasileiro age em larga medida como <strong>um</strong> juiz <strong>do</strong> common law, ainda que não aceite limitar-se <strong>por</strong><br />

regras <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>ntes ou pelas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> tribunais superiores, que são os instr<strong>um</strong>entos que dão<br />

previsibilida<strong>de</strong> ao sistema <strong>de</strong> common law. Um resulta<strong>do</strong> im<strong>por</strong>tante <strong>de</strong>sta pesquisa é que a não<br />

neutralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>, que dá origem a <strong>de</strong>cisões enviesadas ou com pouca previsibilida<strong>de</strong>,<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong> problema, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da economia, tão im<strong>por</strong>tante quanto a morosida<strong>de</strong>. Um<br />

problema agrava<strong>do</strong> pelo pouco conhecimento que se tem <strong>de</strong>le (PINHEIRO, Arman<strong>do</strong> Castelar. Texto<br />

para discussão nº 966. IPEA. Rio <strong>de</strong> Janeiro, jul. 2003, p. 46. Disponível em:<br />

. Acesso em: 13 jul. 2015)”.


515<br />

No entanto, o risco <strong>de</strong> se ter nesse (<strong>po<strong>de</strong>r</strong>) <strong>um</strong>a perversão oriunda da razão<br />

h<strong>um</strong>ana exige que essa não somente seja <strong>de</strong>squalificada (da<strong>do</strong> risco), mas afastada<br />

das questões em que se coloque como objeto <strong>de</strong> análise o próprio homem.<br />

Em tal contexto, que sejam rompidas a tradição histórica <strong>do</strong> Direito e da<br />

Justiça, da sua linguagem, <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s, das formas e dasfórmulas, <strong>por</strong>que não é<br />

mais concebível que o cientista das ciências jurídicas tenha como parâmetro (o<br />

conhecimento que o orienta) as velhas e superadas lições que lastreiam os<br />

anacrônicos e insuperáveis problemas da Justiça.<br />

É necessário reconstruir o Direito e a Justiça em <strong>um</strong>a outra linguagem. O<br />

mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito e da Justiça, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem <strong>artificial</strong> (media<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

esta), passa a ser <strong>um</strong>a fonte <strong>de</strong> conhecimento contem<strong>por</strong>âneo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

ultramo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, em que o mun<strong>do</strong> passa a ser <strong>um</strong> outro <strong>por</strong>que respon<strong>de</strong> a <strong>um</strong>a<br />

nova linguagem.<br />

Para esses fins (a linguagem) <strong>do</strong> julgamento, dispensa-se a intervenção<br />

h<strong>um</strong>ana, mesmo que a Justiça seja para o (homem), como implicitamente é possível<br />

extrair <strong>do</strong>s dizeres da Gajar<strong>do</strong>ni em artigo <strong>de</strong> sua autoria - O livre convencimento<br />

motiva<strong>do</strong> não acabou no <strong>novo</strong> CPC 16/07/2015: “Para nosso bem, na Justiça <strong>do</strong>s<br />

homens o fator <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> é insuprimível. Por isso, enquanto os julgamentos forem<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s, a livre convicção <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as im<strong>por</strong>tantes balizas,<br />

sempre estará presente. ” (Destaques são nossos).


516<br />

19 ASPECTOS MACROCOGNITIVOS<br />

19.1 A relação profusora da Inteligência Artificial com as ciências físicas, neurofísica,<br />

neuroquímica e seus impactos no futuro <strong>do</strong> <strong>de</strong>stino <strong>do</strong> Direito e da Justiça<br />

A necessida<strong>de</strong> relacionada aos interesses e às circunstâncias sociais<br />

estabelecidas e concatenadas força-nos a enxergar que algo <strong>de</strong> diferente no<br />

contexto social reflete-se materialmente no mo<strong>de</strong>lo da Justiça existente, no senti<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> romper com o <strong>paradigma</strong> atual.<br />

Isso acontece <strong>por</strong>que a civilização da espécie h<strong>um</strong>ana evoluiu e nestas<br />

últimas décadas, após longo estágio em busca <strong>de</strong> especializar-se sobretu<strong>do</strong> na<br />

busca <strong>de</strong> conhecer mais sobre algo, tem percebi<strong>do</strong> que o conhecimento <strong>de</strong> tu<strong>do</strong><br />

encontra-se na via inversa. Conecta<strong>do</strong> nos aspectos macro<strong>cognitivo</strong>s.<br />

Isso se torna presente, na medida em que <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong> circunscrevese<br />

diante outras estruturas cognitivas já existentes em <strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za<br />

material e não somente abstrata, que possa superar a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana na<br />

condução <strong>de</strong> muitas outras realizações, <strong>de</strong>ntre elas <strong>do</strong> organismo judiciário e <strong>de</strong><br />

outros ambientes em que o homem se faz presente.<br />

A mudança que se po<strong>de</strong> ter em <strong>de</strong>terminada fase da experiência h<strong>um</strong>ana<br />

diante da evolução <strong>de</strong>ssa espécie po<strong>de</strong> dar-se <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mutabilida<strong>de</strong><br />

exercida pelos efeitos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ruptura <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los.<br />

No <strong>limite</strong> da <strong>inteligência</strong> <strong>do</strong> homem, parafrasean<strong>do</strong> Hawking, aquele <strong>de</strong>scobre<br />

que a próxima fronteira não é a busca incessante e lenta <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

biológico que faz parte imanente <strong>de</strong> sua condição.<br />

Infelizmente, isso se dá <strong>por</strong>que não po<strong>de</strong> ser concedi<strong>do</strong> ao homem, como<br />

<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> capaz <strong>de</strong> conduzi-lo à perfeição, salvo se essa for<br />

rompida <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a reconhecer seus <strong>limite</strong>s e, ao mesmo tempo, aceitar, <strong>de</strong> forma<br />

não velada, que a criação da Inteligência Artificial po<strong>de</strong> levá-lo além <strong>do</strong> seu estágio.<br />

Sob esse aspecto, tem-se <strong>um</strong> para<strong>do</strong>xo, ou seja, como <strong>um</strong>a limitada condição<br />

cognitiva po<strong>de</strong> respaldar <strong>um</strong> brilhante instante mutativo <strong>de</strong> valores, <strong>de</strong><br />

conhecimentos, critérios e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova realida<strong>de</strong>.


517<br />

A única forma <strong>de</strong> estatuir é reconhecer que a fadiga registrada pela ruptura <strong>do</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo vigente afasta ou simplesmente <strong>de</strong>ixa para trás a falibilida<strong>de</strong> e a insuficiência<br />

da estrutura cognitiva h<strong>um</strong>ana, passan<strong>do</strong> a ser preenchida em concomitância pela<br />

estrutura cognitiva da Inteligência Artificial e <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> que essa tecnologia como<br />

modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> po<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionar em evolução.<br />

No cenário <strong>do</strong> Direito e da Justiça, a ingerência <strong>do</strong> sistema faz-se presente,<br />

<strong>por</strong>tanto o mo<strong>de</strong>lo vigente não mais se sustenta diante da inefetivida<strong>de</strong>, o que se<br />

<strong>de</strong>duz pela atual crise <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

É <strong>um</strong> fato evi<strong>de</strong>nte, que atraiu a percepção das ciências cognitivas, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong><br />

aos efeitos e às amostras tão claras, a ponto <strong>de</strong> as <strong>do</strong>utrinas, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> seus<br />

escritores, não saberem mais o que escrever, se não mimeticamente repetir! Na<br />

árdua tentativa <strong>de</strong> resolver o sistema a partir <strong>de</strong> seus próprios elementos.<br />

Em rápida síntese, ten<strong>do</strong> como base os registros escritos nos pergaminhos<br />

<strong>do</strong>s diplomas processuais plasma<strong>do</strong>s nos CPC’s <strong>de</strong> 1939, <strong>de</strong> 1973 e no atual <strong>de</strong><br />

2015; a preocupação e a insatisfação voltam a repetir-se, diante das mesmas<br />

dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas secularmente pela Justiça.<br />

Os problemas da incerteza, da imprevisibilida<strong>de</strong> e da morosida<strong>de</strong>, juntas,<br />

contribuem para a não concretização Constitucional na entrega <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça<br />

material, vestutamente hibernada no plano i<strong>de</strong>ológico.<br />

Esses problemas ainda ecoam e assombram os mais experientes juristas.<br />

Isso é fato cristalino e inconteste; óbvio que é inegável que, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma,<br />

distante <strong>do</strong> ceticismo, se ouçam notícias <strong>de</strong> <strong>um</strong> avanço ou <strong>de</strong> outro no bojo <strong>do</strong><br />

sistema judiciário.<br />

A legislação processual, nessa <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira fase <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

reestrutura-se <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a reforma integrativa em que se agrega a<br />

conservação <strong>do</strong>s bons e efetivos institutos consagra<strong>do</strong>s há tempos.<br />

E se inova, ao integrar institutos advin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outros sistemas processuais,<br />

mas que foram experimenta<strong>do</strong>s e aprova<strong>do</strong>s diante <strong>de</strong> sua contribuição positiva,<br />

embora <strong>–</strong> faz-se necessário <strong>de</strong>stacar <strong>–</strong> em <strong>um</strong>a outra realida<strong>de</strong> social, <strong>por</strong>ém bemvin<strong>do</strong>s<br />

ao sistema processual.<br />

O trabalho da pesquisa científica foi <strong>de</strong>safia<strong>do</strong>r, cuida<strong>do</strong>so nos <strong>de</strong>talhes,<br />

finca<strong>do</strong> e obstina<strong>do</strong> pelas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> questões polêmicas encontradas,<br />

principalmente quan<strong>do</strong> a espécie h<strong>um</strong>ana em sua gran<strong>de</strong> maioria não está ainda<br />

preparada.


518<br />

O <strong>de</strong>safio encontra<strong>do</strong> foi o <strong>de</strong> enfrentar temas que envolvam a integração das<br />

cognições e o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que raiam pelos tempos futuros da Inteligência<br />

Artificial, em que as dificulda<strong>de</strong>s das línguas em se falarem ainda representam <strong>um</strong>a<br />

abissal travessia.<br />

Por isso, a essencialida<strong>de</strong> pedagógica das idas e vindas no trato da questão<br />

envolve o <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> da <strong>inteligência</strong> natural e a participação da Inteligência<br />

Artificial como media<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Direito para o alcance da Justiça, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />

conceito <strong>de</strong> Direito e Justiça que <strong>de</strong>ve perfazer a estrutura orgânica judiciária.<br />

Disso <strong>de</strong> <strong>de</strong>staca a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver o tema pela via <strong>do</strong><br />

microconhecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a única ciência, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> eleita a via macrocognitiva<br />

para a empreita teórica da pesquisa científica.<br />

Concomitantemente, contribuiu essa forma <strong>de</strong> pensamento para com a<br />

integração das adversida<strong>de</strong>s científicas, que fazem com que a profusão <strong>do</strong>s saberes<br />

produza <strong>novo</strong>s saberes.<br />

E esses proponham <strong>novo</strong>s instr<strong>um</strong>entos para espiar o mun<strong>do</strong> que a espécie<br />

h<strong>um</strong>ana habita e o <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> que habitará. Nesse contexto, as palavras <strong>de</strong><br />

Minayo são esclarece<strong>do</strong>ras (2010, p. 47):<br />

Defino pesquisa como a ativida<strong>de</strong> básica das Ciências na sua indagação e<br />

construção da realida<strong>de</strong>. É a pesquisa que alimenta a ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ensino.<br />

Pesquisar constitui <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> e <strong>um</strong>a prática teórica <strong>de</strong> constante busca e,<br />

<strong>por</strong> isso, tem a característica <strong>do</strong> acaba<strong>do</strong> provisório e <strong>do</strong> inacaba<strong>do</strong><br />

permanente. É <strong>um</strong>a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aproximação sucessiva da realida<strong>de</strong> que<br />

nunca se esgota, fazen<strong>do</strong> <strong>um</strong>a combinação particular entre teoria e da<strong>do</strong>s,<br />

pensamento e ação.<br />

Propôs o trabalho a questionar o mo<strong>de</strong>lo da Justiça judiciária vigente e os<br />

conhecimentos que a circundam, no intuito <strong>de</strong> aperfeiçoar e retraçar a cartografia <strong>de</strong><br />

seus próprios saberes, muitas vezes acometi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong> reducionismo<br />

aparentemente confuso, fugaz e irreconhecível, proposto pela conformida<strong>de</strong> da<br />

aceitação ou simplesmente não concilia<strong>do</strong> com a realida<strong>de</strong> vigente.<br />

A posição firme e consciente das dificulda<strong>de</strong>s a serem encontradas junto à<br />

comunida<strong>de</strong> cientifica e <strong>de</strong> enfrentar <strong>um</strong> <strong>do</strong>s temas em questão referente à limitação<br />

cognitiva da espécie h<strong>um</strong>ana.


519<br />

Propon<strong>do</strong> a sobreposição, ao menos restrita, da Inteligência Artificial como<br />

media<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Direito ao alcance da Justiça, atrelada somente a <strong>um</strong>a questão <strong>de</strong><br />

tempo, <strong>um</strong>a vez que a estrutura em gran<strong>de</strong> parte se encontra substituída pelos<br />

aparatos da tecnologia, on<strong>de</strong> os estu<strong>do</strong>s avançam em constantes aprimoramentos e<br />

testes.<br />

Por vezes, as causas pejorativas da evolução estão cultivadas nas<br />

proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sencorajantes não somente ao acesso pelo saber, mas da sua real<br />

im<strong>por</strong>tância na construção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, na <strong>de</strong>struição e em sua reconstrução,<br />

origina<strong>do</strong> <strong>por</strong> perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sombras causadas pelas nuvens <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconhecimento, em<br />

que a esterilida<strong>de</strong> cognitiva pre<strong>do</strong>mina, muitas vezes propositalmente.<br />

As ciências e a técnicas somente po<strong>de</strong>m ser concebidas se aliançadas em<br />

<strong>um</strong> paralelismo efetivo em nossa contem<strong>por</strong>aneida<strong>de</strong>; óbvio que com essa<br />

concepção o passa<strong>do</strong> da divisão, propulsor pelo atraso, somente se ilustrará no<br />

museu das memórias da História.<br />

Com seus méto<strong>do</strong>s e suas linguagens, as teorias ainda <strong>de</strong>vem ser<br />

reconhecidas como im<strong>por</strong>tantes, sem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar outras formas <strong>de</strong><br />

conhecimentos. É preciso unir tu<strong>do</strong>, pelo fato <strong>de</strong> o conhecimento ser <strong>um</strong> único corpo!<br />

A nova consciência social fundida na razão responsável <strong>por</strong> to<strong>do</strong>s,<br />

coletivamente e conscientes da maiorida<strong>de</strong> emancipatória, longe <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

menorida<strong>de</strong> infantilizada nos dizeres parafraseantes <strong>de</strong> Kant.<br />

Encontra correspondência em <strong>um</strong>a razão instr<strong>um</strong>ental tecnológica, gerada a<br />

partir <strong>de</strong>ssa mesma consciência que renasce em si mesma e reconhece a altivez <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a razão distinta da h<strong>um</strong>ana, tornan<strong>do</strong>-se <strong>um</strong>a outra forma <strong>de</strong> vivência.<br />

A autonomia está para a eficácia como a eficácia está para a autonomia,<br />

cultivadas e fertilizadas a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> capital intelectual inova<strong>do</strong>r. As raízes <strong>do</strong><br />

conhecimento fossiliza<strong>do</strong> <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> revelam que o homem tem história, é <strong>um</strong> ser<br />

tem<strong>por</strong>al que vive lentamente em seu espaço e, <strong>de</strong> tempos em tempos, dá <strong>um</strong> salto<br />

r<strong>um</strong>o a outro mun<strong>do</strong>. Isso é sinal <strong>de</strong> evolução!<br />

O recente conhecimento a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova estrutura cognitiva conce<strong>de</strong>-lhe<br />

<strong>um</strong>a nova mente, ele é, <strong>por</strong>tanto, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> homem que faz nova sua cultura, que, em<br />

nenh<strong>um</strong>a hipótese, po<strong>de</strong> criticá-lo ou sequer con<strong>de</strong>ná-lo: é a masmorra <strong>do</strong> passa<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a cultura infértil (da promessa) frente ao <strong>novo</strong> mun<strong>do</strong> (da inovação) em <strong>um</strong>a<br />

constante inovação em <strong>de</strong>trimento da renovação.


520<br />

Por isso, o fermento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias calcadas em <strong>novo</strong>s conhecimentos po<strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong>ve abrir <strong>novo</strong>s <strong>por</strong>tais no universo <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecimento ainda não<br />

<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionar a inevitável instabilida<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionada pela<br />

natureza <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma, contribui para a evolução.<br />

O estu<strong>do</strong> é nutri<strong>do</strong> <strong>de</strong> elementos que propulsionam o envolvimento <strong>do</strong><br />

sistema processual, pelo fato <strong>de</strong> a mediação <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> julgar ou <strong>de</strong>cidir encontrar-se<br />

encravada monopolisticamente nos últimos códigos processuais sob o cárcere da<br />

legislação processual, aliás, <strong>de</strong>cidir é parte integrante da teoria filosófica da mente<br />

em correlação com as teorias linguística, psicolinguística e a das neurociências. A<br />

espécie h<strong>um</strong>ana é <strong>um</strong> sistema orgânico, <strong>um</strong>a maquina biológica e disso não se tem<br />

dúvidas.<br />

Expiam-se os códigos <strong>de</strong> 1939, 1973 e 2015, nos quais o homem/Juiz fora<br />

outorga<strong>do</strong> como centro operacional <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito para o alcance da<br />

Justiça, <strong>de</strong>vidamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a política legislativa judiciária.<br />

Além <strong>de</strong>ssa questão, aos processualistas e ao processo ficou a<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar apta a administração, sem <strong>de</strong>longas, da Justiça como<br />

concretização Constitucional <strong>do</strong> Direito material.<br />

Portanto, a hipótese trazida pela pesquisa voltou os olhos para <strong>um</strong> problema<br />

secular existente no Po<strong>de</strong>r Judiciário, envolven<strong>do</strong> o ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir e sua correlação<br />

com a Justiça judiciária vigente e seus aspectos qualitativos.<br />

Isso po<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong> a partir da correlação entre o ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir <strong>–</strong> e a<br />

estrutura orgânica <strong>de</strong>sse <strong>po<strong>de</strong>r</strong> e sua função suprema <strong>de</strong> julgar, a qual, embora<br />

sempre aventada e remansosamente discutida, mas não resolvida <strong>de</strong> forma<br />

<strong>de</strong>finitiva, apenas vive-se da contem<strong>por</strong>ização i<strong>de</strong>ologicamente da profética<br />

promessa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça Constitucional sempre <strong>por</strong> acontecer.<br />

Avaliou-se, nos estu<strong>do</strong>s científicos, <strong>de</strong> forma multidisciplinar e com<br />

transversalida<strong>de</strong> cognitiva, que a ineficiência <strong>do</strong> sistema operacional <strong>do</strong> Direito ao<br />

alcance da Justiça tem seus sintomas relaciona<strong>do</strong>s não somente com os conceitos<br />

<strong>de</strong>sses institutos construí<strong>do</strong>s pelo homem como agente <strong>de</strong> competências e<br />

habilida<strong>de</strong>s intelectuais como também <strong>por</strong> tê-lo como agente responsável direto, na<br />

reconstrução <strong>do</strong> Direito no processo <strong>de</strong> entrega da Justiça, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua<br />

operacionalização.


521<br />

Esse fruto media<strong>do</strong>r é semelhante em sua natureza a <strong>um</strong>a concepção<br />

autoritária <strong>do</strong>s regimes políticos vigentes à época <strong>de</strong> seu surgimento <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong><br />

estatuto normativo, que marcaram suas épocas na história.<br />

Simetricamente, o Esta<strong>do</strong>/Juiz acabara sen<strong>do</strong> coroa<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>um</strong>a autorida<strong>de</strong><br />

imposta pela força oriunda <strong>do</strong> <strong>po<strong>de</strong>r</strong> que o legitimou, im<strong>por</strong>tan<strong>do</strong> dizer que sua<br />

autorida<strong>de</strong> não advém, <strong>por</strong> vários fatores, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a razão pura, visto ser essa razão<br />

i<strong>de</strong>ologicamente controvertida.<br />

Sen<strong>do</strong> esse agente público <strong>um</strong> media<strong>do</strong>r orgânico limita<strong>do</strong> <strong>por</strong> suas próprias<br />

condições racionais, natural <strong>de</strong> sua espécie, em que, tecnicamente <strong>de</strong>ntro da<br />

estrutura orgânica <strong>do</strong> sistema judiciário possui a outorga <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para o<br />

c<strong>um</strong>primento da função suprema <strong>de</strong> julgar, como alhures resvala<strong>do</strong>.<br />

A pesquisa exigiu aprofundamento e atenção teórica, quanto à possibilida<strong>de</strong><br />

efetiva <strong>de</strong> o sistema ser media<strong>do</strong> tecnologicamente <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

Inteligência Artificial, em caráter alternativo, em auxílio ao Esta<strong>do</strong> e aos interesses<br />

da socieda<strong>de</strong>, o que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser frente à tendência que se <strong>de</strong>staca pela<br />

cooperação e a colaboração.<br />

O <strong>paradigma</strong> proposto e não aventa<strong>do</strong> na literatura tem como escopo<br />

incor<strong>por</strong>ar ao sistema como <strong>um</strong> <strong>do</strong>s meios alternativos para a resolução <strong>do</strong>s conflitos<br />

<strong>um</strong> outro mo<strong>de</strong>lo, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a função magna <strong>do</strong> Direito no alcance da Justiça,<br />

nem que para isso a ruptura <strong>do</strong> sistema seja <strong>um</strong>a condição para inserir <strong>um</strong>a melhor<br />

solução ou reconhecer, no âmbito da ultramo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a via o<strong>por</strong>tunizada pela<br />

evolução da tecnologia em que o homem é partícipe.<br />

É exigi<strong>do</strong>, assim, o esforço pela reconstrução da estrutura organizacional <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário para sua função fim, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova gramática e <strong>um</strong>a nova<br />

semântica, ambas unificadas, afastan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s problemas da granularida<strong>de</strong> e da<br />

incomensurabilida<strong>de</strong> geradas pelas ciências que tratam da cognição como elemento<br />

essencial que cultiva o tribunal da razão da espécie h<strong>um</strong>ana.


522<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, exige atenção a passagem extraída fielmente da exposição <strong>de</strong><br />

motivos para eclosão <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>de</strong> 1973, senão vejamos:<br />

O processo civil é <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento que o Esta<strong>do</strong> põe à disposição <strong>do</strong>s<br />

litigantes, a fim <strong>de</strong> administrar a <strong>justiça</strong>. Não se <strong>de</strong>stina à simples <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s na luta privada entre os conten<strong>do</strong>res; atua, ao contrário, como já<br />

observa Betti, não no interesse <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ou <strong>de</strong> outra parte, mas <strong>por</strong> meio <strong>do</strong><br />

interesse <strong>de</strong> ambas. O interesse das partes não é senão <strong>um</strong> meio, que<br />

serve para conseguir a finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo na medida em que dá lugar<br />

àquele impulso <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a satisfazer o interesse público da atuação da lei<br />

na composição <strong>do</strong>s conflitos. A inspiração <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a das partes é a <strong>de</strong><br />

ter razão; a finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo é a <strong>de</strong> dar razão a quem efetivamente<br />

tem. Ora, dar razão a quem a tem é, na realida<strong>de</strong>, não <strong>um</strong> interesse priva<strong>do</strong><br />

das partes, mas <strong>um</strong> interesse público <strong>de</strong> toda socieda<strong>de</strong>.<br />

Assim entendi<strong>do</strong>, o processo é <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento jurídico eminentemente<br />

técnico, preor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> a assegurar a observância da lei; <strong>por</strong> isso, há <strong>de</strong> ter<br />

tantos quantos sejam necessários para alcançar a sua finalida<strong>de</strong>.<br />

Diversamente <strong>de</strong> outros ramos da ciência jurídica, que traduzem a ín<strong>do</strong>le <strong>do</strong><br />

povo através <strong>de</strong> longa tradição, o processo civil <strong>de</strong>ve ser <strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

exclusivamente <strong>de</strong> meios racionais, ten<strong>de</strong>ntes a obter a atuação <strong>do</strong> <strong>direito</strong>.<br />

As duas exigências antitéticas que concorrem para tecnicizá-los são rapi<strong>de</strong>z<br />

e a <strong>justiça</strong><br />

Observa-se que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tecnicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> tecnização, <strong>de</strong> tecnologia e<br />

tecnologização indica inescusavelmente <strong>um</strong>a <strong>de</strong>monstração clara e evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

afastar a participação h<strong>um</strong>ana <strong>do</strong> processo <strong>do</strong>s “meios” para o alcance da Justiça.<br />

Para isso, participa o Direito (como regra) e não o homem, principalmente no<br />

processo <strong>de</strong> mediação/pon<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>s critérios legais.<br />

O intuito <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r não teria outro senti<strong>do</strong> se não pensar em evitar a<br />

influência da pessoalida<strong>de</strong> e/ou subjetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> media<strong>do</strong>r e tornar os<br />

procedimentos <strong>por</strong> meio da técnica previsíveis e consequentemente estáveis.<br />

A participação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz na mediação <strong>do</strong> Direito já era antevista como<br />

prejudicial aos fins da Justiça: observe-se que já em 1973 na exposição e nos<br />

motivos daquele Código <strong>de</strong> Processo Civil pairava <strong>um</strong>a preocupação curiosa a esse<br />

respeito.<br />

A<strong>do</strong>rna<strong>do</strong> no trecho <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> da citação acima, é <strong>de</strong> observar-se que o<br />

processo “atua”, ao contrário, como já observa Betti, ” não no interesse <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ou<br />

<strong>de</strong> outra parte, mas <strong>por</strong> meio <strong>do</strong> interesse <strong>de</strong> ambas”. Para esse fenômeno<br />

prepon<strong>de</strong>rar, a imparcialida<strong>de</strong> e a neutralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> media<strong>do</strong>r são essenciais, o que<br />

não se coaduna em haven<strong>do</strong> a intervenção h<strong>um</strong>ana.


523<br />

A categorização processual é pressuposto embrionário da sua essência, em<br />

to<strong>do</strong>s os seus fundamentos (técnico, preor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> e simetricamente parametriza<strong>do</strong><br />

na lei). A instr<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> e sua complementarieda<strong>de</strong>, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

retroalimentação <strong>de</strong> informações e da<strong>do</strong>s, garantem a eficiência <strong>do</strong> instr<strong>um</strong>ento, em<br />

vista da completu<strong>de</strong> que traveste a condição <strong>de</strong> sistema, tornan<strong>do</strong>-o compatível com<br />

as necessida<strong>de</strong>s e exigências da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />

Os meios racionais, conforme ilustra<strong>do</strong>, com<strong>por</strong>tam análise, pois os “meios”<br />

são diversos em sua forma, natureza e essência, outrossim, “racionais” po<strong>de</strong>m<br />

também ser diversos em sua forma, natureza e essência também, pois visa como<br />

fim precípuo <strong>do</strong> sistema, à garantia e à eficácia <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong> Direito.<br />

São os meios racionais (efetivamente operacionais) os responsáveis <strong>por</strong><br />

atingir a rapi<strong>de</strong>z e a Justiça que, na contextualização da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, não se<br />

dissua<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tecnologização <strong>do</strong>s “meios” e da “racionalização” <strong>do</strong>s instr<strong>um</strong>entos,<br />

<strong>de</strong>ntre eles a forma pela qual se realizará a mediação <strong>do</strong> Direito.<br />

O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça judiciária esteve <strong>por</strong> séculos encapsula<strong>do</strong> em <strong>um</strong> padrão<br />

sociocultural limita<strong>do</strong> às suas condições <strong>de</strong> conhecimento, conhecidas e<br />

h<strong>um</strong>anamente manuseadas, que pro<strong>por</strong>cionaram <strong>um</strong>a resistência a tal mo<strong>de</strong>lo em<br />

não aceitar duas gran<strong>de</strong>s premissas elementares à aplicação das teorias<br />

normativas.<br />

Uma primeira é a <strong>de</strong> que sua inacessibilida<strong>de</strong> à Justiça ou resulta<strong>do</strong> justo não<br />

se faz presente em gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s casos e ao mesmo tempo ocultou em sua outra<br />

face que esse impedimento <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia ser dissipa<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> outro<br />

<strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> mediação, <strong>por</strong> <strong>um</strong>a outra força media<strong>do</strong>ra.<br />

No encastelamento, o mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> Direito para o alcance da Justiça e sua<br />

estrutura orgânica operacional <strong>de</strong> mediação para seus fins, geri<strong>do</strong>s pelo corpo <strong>de</strong><br />

homens “Juízes”, esteve <strong>por</strong> razões históricas, embora constantemente aponta<strong>do</strong>s<br />

os erros e equívocos <strong>do</strong> sistema, relega<strong>do</strong> ao esquecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a crítica<br />

acentuada no meio científico pelos próprios cientistas.<br />

Outrora, esses mesmos pensa<strong>do</strong>res estiveram foca<strong>do</strong>s em outras pesquisas<br />

voltadas para problemas diversos, nas quais o próprio sistema conspirou contra<br />

todas as outras possibilida<strong>de</strong>s da estrutura judiciária, nelas apontan<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong><br />

as causas da não concretização da Justiça.


524<br />

Parafrasean<strong>do</strong> Calamandrei, sen<strong>do</strong> a unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito <strong>um</strong>a forma não<br />

exclu<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>s sucessivas, reina o Direito em <strong>um</strong> espaço, até que não<br />

mais atenda, face à sua carga imperativa <strong>de</strong> critérios/regras <strong>de</strong>finidas pelas leis que<br />

ocupa, pre<strong>de</strong>finin<strong>do</strong> as ações sociais.<br />

O mo<strong>de</strong>lo da Justiça judiciária quanto à sua operacionalida<strong>de</strong> não somente<br />

não reconhece sua limitada condição para seus fins como nega a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

outros mo<strong>de</strong>los para executar os seus fins, além <strong>do</strong>s existentes, e <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s <strong>limite</strong>s<br />

impostos.<br />

Também não reconhece, pela incompatibilida<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionada pela<br />

linguagem, <strong>um</strong>a nova forma <strong>de</strong> estrutura capaz <strong>de</strong> superar, em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s, o<br />

mo<strong>de</strong>lo existente em que o Esta<strong>do</strong>/Juiz atua como ator interposto na mediação, no<br />

Direito, <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong>s <strong>de</strong>stinatários.<br />

Essa <strong>de</strong>formida<strong>de</strong> en<strong>do</strong>processual no sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão foi gestada <strong>por</strong><br />

décadas, <strong>por</strong> <strong>um</strong> Direito material ilusionário. Tais questões foram retomadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

2010 para evento <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>de</strong> 2015. Avalian<strong>do</strong> historicamente os<br />

CPC’s <strong>de</strong> 1939, 1973 e 2015, o grito <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s, o grito <strong>por</strong> celerida<strong>de</strong>, o grito <strong>por</strong><br />

Justiça material, como elementos seculares da mesma discussão são comuns em<br />

to<strong>do</strong>s esses diplomas.<br />

Observa-se que a organicida<strong>de</strong> e a coesão <strong>do</strong> sistema não se consolidam<br />

<strong>por</strong>que a mediação <strong>do</strong> Direito apresenta problemas estruturais envolven<strong>do</strong> a espécie<br />

<strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana, que não tem vocação para a conservação da neutralida<strong>de</strong> e<br />

da imparcialida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> outros atributos essenciais à convalidação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

Justiça concreta e rápida.<br />

Essa espécie <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> <strong>de</strong> formação empírica racional não opera <strong>de</strong><br />

forma objetiva, em integração, unificação, padronização e sistematização das<br />

informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s. Seus recursos biológicos neurais limita<strong>do</strong>s e essa<br />

ausência <strong>de</strong> suficiência globalizante compromete a estrutura judiciária, quan<strong>do</strong> tal<br />

espécie <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> natural opera como media<strong>do</strong>ra.<br />

Na exposição <strong>de</strong> motivos <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>de</strong> 2015, em<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> trecho, assim se assevera, “trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> tornar o processo<br />

mais eficiente e efetivo, o que significa, indubitavelmente, aproximá-lo da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em cujas entrelinhas se lê que o processo <strong>de</strong>ve assegurar o<br />

com<strong>por</strong>tamento da lei material”.


525<br />

Questão que diverge é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver fazer <strong>–</strong> assegurar o com<strong>por</strong>tamento da lei<br />

material <strong>–</strong> e exige observação é que to<strong>do</strong> o esforço hermético, retórico e<br />

arg<strong>um</strong>entativo volta<strong>do</strong> para os princípios <strong>do</strong> Direito no intuito <strong>de</strong> forçá-lo a garantir a<br />

materialida<strong>de</strong> é em vão, <strong>por</strong>que a instabilida<strong>de</strong> cognitiva da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana em<br />

sua origem sequer encontra no estatuto da física clássica ou da quântica <strong>um</strong>a<br />

resposta segura e funda<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a teoria <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> cérebro da espécie<br />

h<strong>um</strong>ana.<br />

A causa <strong>de</strong>terminante para que a materialida<strong>de</strong> se concretize é <strong>de</strong> “meio”, é<br />

preciso que os institutos e o sistema teórico processual como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> sejam<br />

transpostos em outra forma <strong>de</strong> tecnologia <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> com habilida<strong>de</strong> e<br />

competência para que a materialida<strong>de</strong> consiga atingir a operacionalização <strong>de</strong>sejada.<br />

Responsabilizar o processo ou qualquer outro ramo <strong>do</strong> Direito pelo<br />

c<strong>um</strong>primento da lei é algo arrisca<strong>do</strong> e que margeia a impossibilida<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a vez que,<br />

para haver semelhante convergência, o meio pelo qual ele é realiza<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve garantir<br />

o fim, o que não acontece, dada a interferência h<strong>um</strong>ana no processo, como sen<strong>do</strong> o<br />

primeiro a <strong>de</strong>sc<strong>um</strong>prir a própria lei, frustran<strong>do</strong>, assim, o plano <strong>do</strong> imperativo<br />

normativo que busca garantir a lei.<br />

Sen<strong>do</strong> o processo regras <strong>de</strong> parâmetro/procedibilida<strong>de</strong>, visa garantir que ao<br />

fim se concretize algo, <strong>por</strong>ém sua logicida<strong>de</strong>/racionalida<strong>de</strong> é comprometida <strong>um</strong>a vez<br />

que sua operacionalização é realizada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a dinâmica distinta <strong>de</strong> sua natureza, o<br />

que compromete a efetivida<strong>de</strong> da Justiça.<br />

A i<strong>de</strong>ologia encampada pelo legisla<strong>do</strong>r e <strong>por</strong> ele verbalizada é “boa”, rica em<br />

intenções <strong>de</strong> libertação, mas, na prática material, é parcialmente concretizada,<br />

<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à insuficiência <strong>do</strong>s meios.<br />

O media<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong>ntro da estrutura orgânica judiciária, o Esta<strong>do</strong>/Juiz,<br />

quan<strong>do</strong> da realização da operação, vê-se legitima<strong>do</strong>, <strong>por</strong> meio <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> livre<br />

convencimento motiva<strong>do</strong>, no qual não se po<strong>de</strong> garantir nem a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>stinatário, nem a Justiça que esse receberá. Isso <strong>por</strong>que a motivação e a<br />

fundamentação não garantem a legalida<strong>de</strong> da lei. Entre a motivação (interpretação)<br />

e a lei habita <strong>um</strong> abismo.


526<br />

Assegurar o c<strong>um</strong>primento da lei diante da multiplicação <strong>de</strong> conflitos é <strong>um</strong><br />

risco, visto faltar objetivida<strong>de</strong> entre ambas as racionalida<strong>de</strong>s. Para ter-se essa<br />

garantia <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong>, exige-se <strong>um</strong>a sincronização <strong>do</strong> sistema, entretanto, para<br />

isso, o sistema operacional precisa ser repensa<strong>do</strong> diante das circunstâncias da<br />

realida<strong>de</strong> futura já presente.<br />

A questão ainda consome o princípio da isonomia (igualda<strong>de</strong>) constitucional,<br />

pois, na medida em que a multiplicação das <strong>de</strong>mandas compromete a estabilização<br />

da Justiça, o sistema judiciário não consegue <strong>–</strong> ainda que sob a égi<strong>de</strong> <strong>de</strong> esforços<br />

hercúleos <strong>–</strong> renúncia e <strong>de</strong>dicação <strong>do</strong> homem/Juiz e o estabelecimento <strong>de</strong> plena<br />

integração, uniformização e padronização das informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s no universo<br />

<strong>do</strong>s Direitos e <strong>do</strong>s casos.<br />

Isso inevitavelmente gera <strong>um</strong>a mimética repetição <strong>de</strong> promessas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a<br />

Justiça materialmente eficaz, célere e previsível, dan<strong>do</strong> azo a <strong>um</strong>a voz <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>,<br />

que se faz constantemente presente.<br />

Nota-se que a vinda <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s institutos processuais, tal como: o que trata <strong>de</strong><br />

Instauração <strong>de</strong> Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva, diplomaticamente<br />

inseri<strong>do</strong> no <strong>novo</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil, não tira a competência <strong>do</strong> juiz, <strong>por</strong>ém a<br />

redireciona a <strong>um</strong> órgão central, cujo temor não somente aponta para o risco das<br />

<strong>de</strong>cisões conflitantes como para o <strong>de</strong>sc<strong>um</strong>primento da lei.<br />

Deseja o sistema judiciário com isso a efetivida<strong>de</strong> Constitucional, integração,<br />

padronização, uniformização e sistematização informática da Justiça, tu<strong>do</strong> em prol<br />

<strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s <strong>de</strong>stinatários.<br />

A supremacia da vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem <strong>–</strong> <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> Direitos <strong>–</strong> que espera <strong>por</strong><br />

Justiça em <strong>um</strong> <strong>novo</strong> contexto social, garante em especial a sobreposição <strong>do</strong>s seus<br />

interesses, inclusive em <strong>de</strong>trimento da vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz.<br />

Somada a <strong>um</strong>a funcionalida<strong>de</strong> pre<strong>de</strong>finida, essa maiorida<strong>de</strong> dispensada pelo<br />

sistema reconhecen<strong>do</strong> o pragmatismo pós-mo<strong>de</strong>rno é indiciária <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

categorização clara e objetiva das regras das regras (leis), e das regras das ações<br />

<strong>do</strong> homem; é a tecnologização da vida preconcebida, evitan<strong>do</strong>, assim, a vida <strong>de</strong><br />

incertezas e surpresas juridicamente legais, <strong>por</strong>ém esvaziadas <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong>.


527<br />

Paralelamente, o com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e o processo tecnológico da<br />

máquina, coexistem como já sustentava Abraham Kaplan. Também é <strong>de</strong> se observar<br />

que não se pensa em sustentar que exista <strong>um</strong> sistema tecnológico que <strong>de</strong>senvolva<br />

<strong>um</strong> senti<strong>do</strong> psicológico ou que, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consciência tecnológica, possam se<br />

traçar os senti<strong>do</strong>s subjetivos-objetivos ou vice-versa, o que também não <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong><br />

ser <strong>um</strong>a hipótese, caso cientificamente seja <strong>de</strong>senvolvida <strong>um</strong>a teoria da mente<br />

h<strong>um</strong>ana.<br />

No entanto, a catalogação da estrutura psicológica h<strong>um</strong>ana po<strong>de</strong> ser<br />

trans<strong>por</strong>tada em <strong>um</strong>a estrutura <strong>de</strong> sistema tecnológico capaz <strong>de</strong> dar <strong>um</strong> senti<strong>do</strong><br />

objetivo para questões universais tomadas e pré-formadas a partir <strong>de</strong> parâmetros<br />

universais consensualmente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s pelos indivíduos. Enten<strong>de</strong>m-se indivíduos<br />

para tal propósito o coletivo <strong>de</strong>sses, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> singular universal.<br />

Assim, a <strong>de</strong>monstração é das <strong>de</strong>ficiências e <strong>do</strong> colapso que se apresentam<br />

em nossos tempos, é mais que indício material, é prova clara, evi<strong>de</strong>nte e notória <strong>de</strong><br />

que o atual <strong>paradigma</strong> não aten<strong>de</strong> às essencialida<strong>de</strong>s, quiçá às necessida<strong>de</strong>s<br />

sociais <strong>de</strong> Justiça.<br />

Semelhantes improprieda<strong>de</strong>s incen<strong>de</strong>iam a busca <strong>por</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo capaz<br />

<strong>de</strong> suprir as crescentes <strong>de</strong>mandas para a contem<strong>por</strong>ização <strong>do</strong>s conflitos sociais, a<br />

partir da entrega da resolução das contendas, principalmente as comuns e rotineiras<br />

responsáveis pelo abarrotamento <strong>do</strong> sistema judiciário.<br />

A patologia <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça judiciária, <strong>por</strong>tanto, tem cura, no entanto, o<br />

movimento na estrutura será inevitável e alterará, se não o to<strong>do</strong>, gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo existente, <strong>por</strong>que inevitavelmente alterará a estrutura cognitiva da<br />

organização <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, ao menos em parte.<br />

No atual estágio, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os fatores conjecturais, sociais,<br />

econômicos e administrativos <strong>de</strong> gestão, é <strong>um</strong>a tendência diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>manda<br />

<strong>de</strong> massa a realização da padronização das relações sociais e <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> que exigir a<br />

participação da individualida<strong>de</strong> coletiva.<br />

Na medida em todas as ações <strong>do</strong> homem são realizadas com a participação<br />

<strong>do</strong> outro. Exige-se assim <strong>um</strong>a Justiça padronizada para as coletivida<strong>de</strong>s e não mais<br />

para as individualida<strong>de</strong>s.<br />

A participação tecnológica no centro operacional <strong>do</strong> sistema judiciário sinaliza<br />

para <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conceito <strong>de</strong> Justiça, em que pesem as razões e toda a engenharia<br />

cognitiva <strong>por</strong> trás <strong>de</strong>ssa <strong>inteligência</strong> auxiliar da <strong>inteligência</strong> natural.


528<br />

Para os visionários <strong>de</strong> <strong>um</strong>a solução efetiva o que im<strong>por</strong>ta é que seja possível<br />

superar as anomalias existentes na imprevisibilida<strong>de</strong>, na incerteza e na morosida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> sistema judiciário.<br />

É essencial, em <strong>um</strong>a posição radical, que o aban<strong>do</strong>no ao <strong>paradigma</strong><br />

ineficiente aconteça e com isso a atenção <strong>do</strong>s cientistas das ciências jurídicas se<br />

volte à nova proposta, <strong>de</strong> tal forma como se faz quan<strong>do</strong> existe o aban<strong>do</strong>no <strong>de</strong><br />

institutos quan<strong>do</strong> não mais existem razões a sustentá-los no or<strong>de</strong>namento jurídico,<br />

ante sua completa ineficácia.<br />

Um acontecimento <strong>de</strong>ssa magnitu<strong>de</strong> im<strong>por</strong>taria em alterar a léxico <strong>do</strong> sistema<br />

judiciário, seu organicismo e toda sua sistemática <strong>de</strong> coesão mantene<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> seu<br />

funcionamento.<br />

Nesse aspecto, é interessante a observação extraída da exposição <strong>de</strong><br />

motivos <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>de</strong> 1939, em que Francisco Campos coleciona<br />

<strong>um</strong>a citação <strong>de</strong> Roscoe Pound, como <strong>um</strong> comenta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> processo nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s.<br />

Nossa organização judiciária é arcaica e nosso processo atrasou-se em<br />

relação ao nosso tempo. Incertezas, <strong>de</strong>longas, <strong>de</strong>spesas e, sobretu<strong>do</strong>, a<br />

in<strong>justiça</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões fundadas exclusivamente em pontos <strong>de</strong> etiqueta<br />

judiciária <strong>–</strong> resulta<strong>do</strong> direto da nossa organização judiciária e <strong>do</strong> caráter<br />

antiqua<strong>do</strong> <strong>do</strong> nosso processo <strong>–</strong> criaram nos homens <strong>de</strong> negócio o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

cada vez mais se absterem <strong>de</strong> recorrer aos tribunais.<br />

A realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova sistemática judiciária, ou seja, <strong>um</strong>a nova<br />

organização, é marcada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a situação típica <strong>do</strong>s efeitos materiais existentes <strong>de</strong><br />

tempos em tempos, pela própria natureza das coisas. Do ponto <strong>de</strong> vista científico, o<br />

mun<strong>do</strong> material in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas relações com os seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s.<br />

É im<strong>por</strong>tante <strong>de</strong>stacar que o sistema <strong>de</strong> mediação <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong> pela ciência é<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e autônomo com relação ao homem, a quem resta consi<strong>de</strong>rar “o<br />

momento histórico” e aplicar as estratégias das práticas da pesquisa, a isso que<br />

serve a ciência e o laborioso trabalho <strong>do</strong> cientista.<br />

Circunstancialmente, a autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong> Direito está<br />

comprometida. Estan<strong>do</strong> a autorida<strong>de</strong> fragmentada, o grupo que a representa afasta<br />

a legitimida<strong>de</strong> da aceitação <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> Justiça exterioriza<strong>do</strong> nos mol<strong>de</strong>s<br />

existentes.


529<br />

Por isso os critérios <strong>do</strong> Direito e da Justiça validarão <strong>novo</strong>s conceitos, além <strong>de</strong><br />

erigir, a partir <strong>de</strong>sses <strong>novo</strong>s conceitos, <strong>um</strong> <strong>novo</strong> sistema media<strong>do</strong>r para garantir a<br />

legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s institutos.<br />

É im<strong>por</strong>tante validar o critério <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> como padrão <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, validar o<br />

mun<strong>do</strong> reifica<strong>do</strong>, classifican<strong>do</strong>-o, validar as normas e as instituições a que a<br />

socieda<strong>de</strong> se re<strong>por</strong>ta.<br />

Validar a subjetivida<strong>de</strong> das vivências e pretensões <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> classificatório,<br />

sen<strong>do</strong> que para cada critério <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> seja gera<strong>do</strong> <strong>um</strong> padrão, o que afastaria a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> justificar que os fatos que estarão em consonância com as regras,<br />

que são justas <strong>por</strong>que tanto elas já estão validadas como os fatos são váli<strong>do</strong>s <strong>por</strong><br />

força <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ética em que não se admite <strong>um</strong> agir senão pelo c<strong>um</strong>primento das<br />

condições postas <strong>por</strong> <strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m social. Essa cristalização das proprieda<strong>de</strong>s e<br />

das variáveis faz parte <strong>de</strong>ste processo informático jurídico.<br />

Para isso, o fortalecimento da cultura, das cognições, a participação e o<br />

envolvimento da socieda<strong>de</strong> passam a ser as únicas opções no senti<strong>do</strong> comunicativouniversal.<br />

Esse processo <strong>de</strong> comunicação, diálogo e interlocução é marca<strong>do</strong> pela<br />

validação <strong>de</strong> seus atores, <strong>um</strong>a vez que o discurso teórico é estabiliza<strong>do</strong> com a sua<br />

validação.<br />

O consenso entre os envolvi<strong>do</strong>s pressupõe a participação direta, ampla e<br />

significativa, <strong>de</strong>ntre outras regras condicionantes a garantir o processo participativo,<br />

parafrasean<strong>do</strong> Habermas, em <strong>um</strong>a situação linguística i<strong>de</strong>al.<br />

Universalizar, ou melhor, instituir a padronização <strong>por</strong> intermédio das regras é<br />

<strong>um</strong> princípio <strong>de</strong> universalização em que a padronização, <strong>de</strong> como seria apresentada,<br />

além <strong>de</strong> customizar as estruturas <strong>do</strong> aparato judiciário ou casa das leis, possa ser<br />

automatizada <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> que os indivíduos como construtores da socieda<strong>de</strong><br />

tornam-se protagonistas gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> seus resulta<strong>do</strong>s. 315<br />

315<br />

Citan<strong>do</strong> Rouanet: “O consenso em questões práticas será funda<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> a arg<strong>um</strong>entação for<br />

conduzida segun<strong>do</strong> <strong>um</strong>a regra <strong>de</strong> procedimento <strong>de</strong>rivada <strong>do</strong>s pressupostos pragmáticos <strong>de</strong> qualquer<br />

arg<strong>um</strong>entação, prática ou teórica. Essa regra é o princípio da universalização, o princípio “U”. É o<br />

seguinte o enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong> princípio da U: “todas as normas válidas precisam aten<strong>de</strong>r à condição <strong>de</strong><br />

que as consequências e os efeitos colaterais que pres<strong>um</strong>ivelmente resultarão da observação geral<br />

<strong>de</strong>ssas normas para a satisfação <strong>do</strong>s interesses <strong>de</strong> cada indivíduo possam ser aceitos não<br />

coercitivamente <strong>por</strong> to<strong>do</strong>s os interessa<strong>do</strong>s. / O princípio da universalização po<strong>de</strong> ser fundamenta<strong>do</strong>.<br />

Ele <strong>de</strong>riva <strong>do</strong>s pressupostos pragmáticos <strong>de</strong> toda e qualquer arg<strong>um</strong>entação discursiva. Cada pessoa<br />

que ingressa n<strong>um</strong> discurso prático se obriga intuitivamente a aceitar procedimentos que equivalem ao<br />

reconhecimento implícito <strong>do</strong> princípio da universalização não posso, sem contradizer pressupostos<br />

gerais da comunicação, aceitar, na arg<strong>um</strong>entação moral, que alguns interessa<strong>do</strong>s sejam excluí<strong>do</strong>s,


530<br />

Vencer a barreira da comunicação e da compreensão através <strong>do</strong><br />

entendimento <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s com to<strong>do</strong>s é <strong>um</strong> <strong>do</strong>s pressupostos <strong>de</strong> que a linguagem está<br />

aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos seus fins.<br />

A participação na eleição <strong>do</strong> conjunto teórico-normativo é <strong>um</strong> facilita<strong>do</strong>r a<br />

afastar o questionamento das próprias regras e <strong>de</strong>mais questões que possam gerar<br />

conflitos pela discordância ou resistência <strong>–</strong> estabelecer as regras <strong>do</strong> aceitável.<br />

O pronto e acaba<strong>do</strong> social não será encontra<strong>do</strong> em nenh<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong>; o<br />

avançar para melhorar pressupõe mudar as condições sociais para as atuais e<br />

futuras gerações alcançarem <strong>um</strong> nível mais avança<strong>do</strong>.<br />

Para isso, implantar <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo é convocar ao diferente (i<strong>de</strong>ias,<br />

pensamentos e ações), com isso fraturan<strong>do</strong>, com o apartheid gera<strong>do</strong> e geri<strong>do</strong> pelo<br />

sistema judiciário que não concretiza a pacificação social <strong>por</strong> intermédio da<br />

estabilização das normas, <strong>por</strong>que a elas faltam instr<strong>um</strong>entos(meios)capazes <strong>de</strong><br />

garantir a previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Justiça.<br />

A concepção evolucionista da supremacia é <strong>um</strong> contrassenso em relação ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, na medida em que não se tem <strong>um</strong>a cultura melhor. É da<br />

antropologia que se tem também <strong>um</strong>a voz pela comunicativida<strong>de</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> tirar<br />

<strong>do</strong> eixo os valores postos e reconduzi-los a <strong>um</strong>a plataforma certa: isso guiará <strong>um</strong>a<br />

produção discursiva crítica ao <strong>paradigma</strong> normativo e institucional posto, conduzin<strong>do</strong><br />

ao que Habermas e Weber <strong>de</strong>finem como <strong>um</strong>a ética <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

convicção.<br />

O mo<strong>de</strong>lo já efetivo, <strong>de</strong>scrito e imposto pelo Positivismo se enquadraria em<br />

<strong>um</strong>a arg<strong>um</strong>entação discursiva apontan<strong>do</strong> para <strong>um</strong> cenário <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong>. O<br />

Positivismo <strong>do</strong> posto, em que a teoria <strong>do</strong> sistema se justifica pelo i<strong>de</strong>ário hipotético<br />

referencial, já valida<strong>do</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong>, <strong>por</strong>ém, tem <strong>de</strong> justificar-se. Confronta-se a esse espírito<br />

com o critério <strong>de</strong> consensualida<strong>de</strong>, como gesta<strong>do</strong> na ética discursiva que supera a<br />

limitação <strong>do</strong> racionalismo crítico e <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo aponta<strong>do</strong>, em que é somente váli<strong>do</strong><br />

aquilo que é posto e aplica<strong>do</strong>.<br />

que alguns participantes sejam coagi<strong>do</strong>s, que outros não tenham a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> arg<strong>um</strong>entar em<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s seus interesses, que outros se arroguem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> não seguirem a norma (ROUANET,<br />

Sergio Paulo. Mal-estar na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003,<br />

p. 260)”.


531<br />

Na visão <strong>de</strong> Rousseau, seria possível <strong>um</strong>a Democracia Totalitária como <strong>um</strong>a<br />

instituição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ética coletiva. Nesse aspecto, a concepção <strong>de</strong> contrato social<br />

precisa ser repaginada, <strong>por</strong>que é perceptível que existe <strong>um</strong>a irregularida<strong>de</strong> abissal<br />

na forma como a socieda<strong>de</strong> é experenciada.<br />

A concepção <strong>de</strong> organicida<strong>de</strong> é concebida como <strong>um</strong> arranjo gregário. O<br />

nosso homem continua unitário e se revelaria essencial para esse <strong>novo</strong> propósito, se<br />

tiver <strong>um</strong> universal <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> animus <strong>do</strong> interesse social coletivo.<br />

Existe <strong>um</strong>a necessida<strong>de</strong> vital para <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>paradigma</strong> <strong>de</strong> que os <strong>de</strong>veres, os<br />

Direitos e as obrigações sejam universalizadas, mesmo que para isso a estrutura<br />

cognitiva emerja, rompen<strong>do</strong> e substituin<strong>do</strong> o atual mo<strong>de</strong>lo.<br />

Aceitar e, <strong>por</strong> consequência, submeter-se a <strong>um</strong> regime ou a <strong>um</strong> sistema é<br />

condição para <strong>um</strong>a universalização, com a linguagem instituída, a vonta<strong>de</strong> coletiva<br />

(pública-privada) <strong>de</strong>ve sobre<strong>por</strong> à vonta<strong>de</strong> coletiva privada (pública-individual).<br />

Assim, não há que estimular ou <strong>de</strong>ixar que a crítica imotivada <strong>do</strong> indivíduo possa<br />

abalar e questionar a própria teoria normativa a que ele a<strong>de</strong>riu e consensualizou.<br />

A liberda<strong>de</strong> irresponsável não po<strong>de</strong> ser reconhecida como <strong>direito</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

Democrática <strong>de</strong> manifestação. Essa liberação, essa liberda<strong>de</strong> apaixonante e<br />

apaixonada da natureza é <strong>um</strong> vício advin<strong>do</strong> <strong>do</strong> movimento da ilustração il<strong>um</strong>inista.<br />

A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se nivelarem as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s em <strong>um</strong> processo <strong>de</strong><br />

universalização para sistematizar-se e conduzir a <strong>um</strong> controle universal no senti<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> garantir as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s encontradas <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong> parece <strong>um</strong> embuste<br />

enfrenta<strong>do</strong> em qualquer mo<strong>de</strong>lo que se busque ser equânime em suas finalida<strong>de</strong>s.<br />

Não é <strong>de</strong> hoje que o cientista das ciências sociais <strong>do</strong> Direito tem visto na lei<br />

<strong>um</strong>a <strong>de</strong>formida<strong>de</strong> material dura <strong>de</strong> amoldar-se perfeitamente às <strong>de</strong>formida<strong>de</strong>s<br />

subjetivas das relações sociais, além <strong>do</strong>s problemas gera<strong>do</strong>s pelo isolamento <strong>de</strong> sua<br />

linguagem com relação às <strong>de</strong>mais ciências <strong>do</strong> conhecimento.<br />

A moldura rígida da lei criou no sistema da Justiça judiciária mecanismos<br />

cujos objetivos são <strong>de</strong> conduzir a Justiça ao seu nível máximo <strong>de</strong> valoração <strong>de</strong><br />

justeza, como verbaliza<strong>do</strong> <strong>por</strong> Tércio Sampaio Ferraz Junior, mas que não se<br />

concretiza, <strong>por</strong>que a reconstrução <strong>do</strong> Direito não acontece <strong>por</strong> si mesmo. 316<br />

316<br />

Segun<strong>do</strong> Ferraz Junior, “Em s<strong>um</strong>a, a <strong>justiça</strong> <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> julgar é comandada <strong>por</strong> duas percepções. /<br />

A primeira é <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> que organiza o conjunto das normas vigentes como <strong>um</strong>a relação que vai <strong>do</strong><br />

genérico ao particular, conforme graus <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>. Daí a relação entre lei e sentença. Essa<br />

relação é justa na medida em que consegue <strong>de</strong>limitar, conforme princípio da igualda<strong>de</strong>, as<br />

correspon<strong>de</strong>ntes competências da autorida<strong>de</strong> jurídica. Generalida<strong>de</strong> significa extensão normativa,


532<br />

Nessa trilha, a discricionarieda<strong>de</strong> atribuída ao Esta<strong>do</strong>/Juiz o tem coloca<strong>do</strong> na<br />

condição <strong>de</strong> parte, <strong>de</strong> ator gestor, em muitos casos flexibilizan<strong>do</strong> <strong>de</strong> todas as formas<br />

para fazer com que a entrega da Justiça seja feita em respeito às condições gerais e<br />

específicas <strong>do</strong> Direito, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> consagrar a finalida<strong>de</strong> social objetivada.<br />

Isso é realiza<strong>do</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong>s mecanismos hermeuticamente permiti<strong>do</strong>s,<br />

<strong>por</strong>ém irracionais da razão; a limitação cognitiva tem gera<strong>do</strong> <strong>um</strong>a instável e não<br />

confiável Justiça no ínterim <strong>do</strong> processo para seu alcance.<br />

Transforman<strong>do</strong>, ou melhor, revelan<strong>do</strong> a instabilida<strong>de</strong>, a insegurança e a falta<br />

<strong>de</strong> critérios objetivos para que as violações <strong>de</strong> Direitos tenham a real reparação <strong>do</strong>s<br />

Direitos lesiona<strong>do</strong>s, a assimetria <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> Justiça judiciária tem como base<br />

referencial a falibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> homem em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s, inclusive pelo uso da<br />

linguagem discursiva representada.<br />

Além <strong>de</strong> essa servir <strong>de</strong> <strong>um</strong> termômetro para mensurar suas condições,<br />

representa <strong>um</strong> elemento ou <strong>um</strong> pressuposto que o qualifica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong> cultural que o recebe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu nascimento. Ilustra<br />

Rouanet (2003, p. 285):<br />

Por mais que se diga que to<strong>do</strong>s os participantes são sujeitos da<br />

arg<strong>um</strong>entação, a mesma igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> estatuto não se verifica quanto à<br />

matéria da arg<strong>um</strong>entação, que é unilateral tanto na arg<strong>um</strong>entação teórica<br />

como na que visa à mudança, o objetivo é conhecer ou transformar <strong>um</strong>a das<br />

culturas e não as duas. Nos <strong>do</strong>is casos, se to<strong>do</strong>s são sujeitos <strong>–</strong> <strong>por</strong> isso a<br />

relação é simétrica <strong>–</strong> só alguns são objetos <strong>–</strong> <strong>por</strong> isso ela é assimétrica.<br />

Dessa forma, o que se visl<strong>um</strong>bra é <strong>um</strong>a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> genética <strong>de</strong>ntro da<br />

estrutura da linguagem. Por outro la<strong>do</strong>, como já verbaliza<strong>do</strong>, é pelo diálogo<br />

estabeleci<strong>do</strong> entre os atores que o sistema discursivo busca salvar as condições <strong>de</strong><br />

equilíbrio.<br />

sen<strong>do</strong> geral a norma que se dirige, pro<strong>por</strong>cionalmente, ao maior número <strong>de</strong> sujeitos: a <strong>justiça</strong> como<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s perante a lei ou o justo como justeza [...]. A segunda organiza o conjunto das<br />

normas vigentes como <strong>um</strong>a relação uniforme que vai <strong>do</strong> universal ao específico, conforme graus <strong>de</strong><br />

universalida<strong>de</strong>. Universalida<strong>de</strong> significa intenção normativa, sen<strong>do</strong> universal a norma que abarca, na<br />

sua abstração, a maior amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>. Assim, a or<strong>de</strong>m é justa na medida em que consegue<br />

<strong>de</strong>limitar os conteú<strong>do</strong>s normativos, conforme <strong>um</strong> princípio material abrangente <strong>de</strong> inclusão e exclusão<br />

(FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> filosofia <strong>do</strong> <strong>direito</strong>: reflexões sobre o <strong>po<strong>de</strong>r</strong>, a<br />

liberda<strong>de</strong>, a <strong>justiça</strong> e o <strong>direito</strong>. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 306)”.


533<br />

É <strong>um</strong>a relação processual montada em que as partes falam, ouvem,<br />

produzem provas, em que o Juiz ora é <strong>um</strong> mero especta<strong>do</strong>r, ora parte.<br />

Recepcionan<strong>do</strong>, valoran<strong>do</strong>, reprimin<strong>do</strong> e <strong>de</strong>cidin<strong>do</strong>, tem como escopo aproximar-se<br />

<strong>do</strong> referencial da lei com juridicida<strong>de</strong>.<br />

Esse intercâmbio <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> cultural e<br />

interculturalmente é marca<strong>do</strong> pela influência pessoal e subjetiva <strong>do</strong>s produtos<br />

produzi<strong>do</strong>s pelas partes.<br />

É nessas circunstâncias psicologizadas que o raciocínio intuitivo e toda a<br />

estrutura da razão cognitiva <strong>do</strong> homem que julga se revela ser insuficiente para<br />

trans<strong>por</strong> sua própria limitação, pois para <strong>um</strong> <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s sua vonta<strong>de</strong> pen<strong>de</strong>rá<br />

segun<strong>do</strong> suas regras e máximas <strong>de</strong> convencimento, caben<strong>do</strong> tão simplesmente<br />

justificar <strong>de</strong> forma fundamentada nos mol<strong>de</strong>s que a carta Maior <strong>de</strong>termina.<br />

Essa é, <strong>por</strong>tanto, é a única condição para a validação da assertivida<strong>de</strong> da<br />

<strong>de</strong>cisão, para que se refugie da nulida<strong>de</strong> ou <strong>do</strong> fantasma <strong>do</strong> questionamento. Se a<br />

linguagem nesse processo é <strong>um</strong> mecanismo, <strong>um</strong>a ferramenta <strong>de</strong> condução para<br />

estabelecer a comunicação, possível que seja realizada tecnológicaticamente.<br />

On<strong>de</strong> as regras possam ser produzidas e configuradas <strong>de</strong> <strong>um</strong> certo mo<strong>do</strong> <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem, é inafastável sua condição <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informação. Se<br />

o com<strong>por</strong>tamento é objeto das ciências, é <strong>por</strong>que é visível aos olhos <strong>do</strong> cientista sua<br />

observação e, consequentemente, sua racionalização em categorias.<br />

Nessas condições, as culturas po<strong>de</strong>m ser representadas <strong>por</strong> cenários. Suas<br />

regras po<strong>de</strong>m ser estabelecidas segun<strong>do</strong> critérios <strong>de</strong> padronização e validação<br />

pelos seus interessa<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> os polos das relações, em pares ou não, sejam<br />

pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s, diferentemente <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo atual em que a validação da norma após<br />

<strong>de</strong>bate, discussões e divergências acirradas é legitimada pela soberania da limitação<br />

cognitiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/juiz.<br />

Se essa é a maior condição <strong>de</strong> Justiça, é evi<strong>de</strong>nte que é <strong>um</strong>a representação<br />

frágil, inconsistente e superada <strong>de</strong> Justiça em seu âmago etimológico, <strong>por</strong>que as<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s tempos pós-mo<strong>de</strong>rnos exigem <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong> eficiente em<br />

to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> termo.O abuso na linguagem é que gera o <strong>de</strong>feito encontra<strong>do</strong><br />

na lei (Austin).<br />

A validação das condições <strong>de</strong> forma prévia é a representativida<strong>de</strong> real <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

igualda<strong>de</strong> que se estabelece <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong> discurso obti<strong>do</strong> das pessoas às quais<br />

as normas se <strong>de</strong>stinam.


534<br />

Trans<strong>por</strong>tar em discurso pela convencionabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem técnica<br />

padronizada é garantir que a psicologizada cultura h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir, <strong>de</strong>terminar e<br />

diferir possa ser padronizada e disponibilizada <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong><br />

comunicação em que os atores em consulta e participação possam obter resulta<strong>do</strong>s<br />

em seus conflitos, segun<strong>do</strong> as regras geradas e validadas consensualmente, mas<br />

que se encontram postas e dispostas ao livre acesso.<br />

É possível qualificar <strong>–</strong> padronizar <strong>–</strong> <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> recursos das<br />

tecnologias a linguagem, as práticas e as coisas, usan<strong>do</strong> os recursos da<br />

programação tecnológica. Observan<strong>do</strong> as adjacências, nota-se a facilida<strong>de</strong> com que<br />

isso acontece, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à tendência h<strong>um</strong>ana às adaptações.<br />

Nos últimos anos, os atos ordinatórios, os atos matemáticos <strong>de</strong> cálculo, os<br />

atos <strong>de</strong> c<strong>um</strong>primento e muitos outros vêm sen<strong>do</strong> substituí<strong>do</strong>s pelas Inteligências<br />

Artificiais, graças aos recursos pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong>s <strong>por</strong> essa forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>.<br />

Talvez estejamos na última fronteira em que a ficção <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> representa o futuro<br />

<strong>do</strong> presente. 317 A imprevisibilida<strong>de</strong> marcada pela pessoalida<strong>de</strong> e subjetivida<strong>de</strong><br />

h<strong>um</strong>ana po<strong>de</strong> ser contornada pela padronização da heterogeneida<strong>de</strong>, na medida em<br />

que se contempla a categorização e, <strong>por</strong> meio <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> organização, a<br />

classificação das adversida<strong>de</strong>s e das diferenças, geran<strong>do</strong> para elas <strong>um</strong>a<br />

catalogação <strong>de</strong> equivalência.<br />

Com isso a complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento é sempre complementada e<br />

não reavaliada em sua totalida<strong>de</strong>, mas sim em sua complementarieda<strong>de</strong>. Outrossim,<br />

a recombinação e a reconfiguração po<strong>de</strong>m ser realizadas segun<strong>do</strong> as regras <strong>de</strong><br />

parametrização <strong>do</strong> próprio sistema programa<strong>do</strong> para tal fim.<br />

Evitam-se, assim, as discussões infindáveis para o restabelecimento das<br />

novas diretrizes e <strong>do</strong>s padrões comuns às edições <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s diplomas, indica<strong>do</strong>r<br />

claro <strong>de</strong> que o legisla<strong>do</strong>r, ou melhor, o conselho legislativo é coator, não ator.<br />

317<br />

Segun<strong>do</strong> Minayo: “A linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis na abordagem fins<br />

neurológicos, <strong>um</strong>a vez que os significa<strong>do</strong>s são gera<strong>do</strong>s na interação social no quadro <strong>de</strong> referência<br />

fenomenológica, o mun<strong>do</strong> se apresenta ao indivíduo na forma <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema objetiva<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>signações compartilhadas e <strong>de</strong> formas expressivas. O marxismo clássico, <strong>por</strong> sua vez, interpreta a<br />

realida<strong>de</strong> como <strong>um</strong>a totalida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> tanto os fatores visíveis como as representações sociais<br />

integram e configuram <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida condiciona<strong>do</strong> pelo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção específico. Apesar da<br />

pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações das correntes <strong>de</strong> pensamentos ditadas, todas têm em com<strong>um</strong> o<br />

reconhecimento da subjetivida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> simbólico como partes integrantes da realida<strong>de</strong> social.<br />

Igualmente, todas passam para o interior das análises <strong>do</strong> indissociável embricamento entre subjetivo<br />

e objetivo, entre atores sociais e investiga<strong>do</strong>res, entre fatos e significa<strong>do</strong>s, entre estruturas e<br />

representações (MINAYO, Maria Cecília <strong>de</strong> Souza. O <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> conhecimento: pesquisa qualitativa<br />

em saú<strong>de</strong>. 12 ed. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 60)”.


535<br />

Portanto, a validação se dará a seu tempo. Semelhante cele<strong>um</strong>a <strong>de</strong>monstra<br />

com clara evidência a limitação <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça judiciária em toda sua<br />

extensão, da criação normativa à sua aplicação, <strong>por</strong>que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> sempre <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

exercício intelectual dispendioso e moroso, cerca<strong>do</strong> <strong>por</strong> vários pressupostos e<br />

fatores incertos para a concretização da lei.<br />

Estabelecer <strong>um</strong> <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo é perquirir a or<strong>de</strong>m interna da harmonização da<br />

própria socieda<strong>de</strong>. Nesse aspecto, os sábios, entre os quais professores, cientistas,<br />

opera<strong>do</strong>res práticos têm <strong>de</strong> sensibilizar-se diante das crises que a ingerência e o<br />

caos acometem à estrutura <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça vigente, ainda que a comunida<strong>de</strong><br />

busque salvá-lo. O reconhecimento da infuncionalida<strong>de</strong> é sinal ten<strong>de</strong>nte da sua<br />

superação.<br />

Se a mudança é <strong>um</strong> processo, a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novas alternativas é <strong>um</strong>a<br />

condição que não po<strong>de</strong> ser olvidada. Não é ingenuida<strong>de</strong>, mas capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o<br />

cientista reconhecer para distinguir e aceitar aos menos partes <strong>de</strong> algo <strong>novo</strong> que se<br />

apresenta como bom, ainda que contrarie o interesse <strong>de</strong> alguns membros da<br />

comunida<strong>de</strong> científica, sob pena <strong>de</strong> se registrarem retrocessos.<br />

A estrutura <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Justiça cultivou <strong>por</strong> séculos o senso da realida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certeza, <strong>do</strong> bom senso e da estruturação orgânica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Todavia essa forma ceifou da socieda<strong>de</strong> <strong>um</strong>a participação direta e <strong>um</strong> resulta<strong>do</strong><br />

material concreto.<br />

A Justiça elitizada somente se concretizou nas <strong>do</strong>utrinas, nos eventos<br />

paritários <strong>do</strong>s pensa<strong>do</strong>res, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> prática e elementar <strong>do</strong><br />

resulta<strong>do</strong> cuja nascente está além das expressões retóricas <strong>do</strong>s discursos<br />

positivistas.<br />

O ponto cego <strong>do</strong> sistema da Justiça judiciária é a não entrega <strong>de</strong> Justiça. O<br />

que se visl<strong>um</strong>bra é ter <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo em que mais <strong>do</strong> que fazer Justiça é possibilitar o<br />

acesso aos resulta<strong>do</strong>s da Justiça prometida.<br />

É preciso enxergar o sistema judiciário como <strong>um</strong> sistema, e para isso a<br />

estrutura <strong>do</strong> conhecimento que o faz <strong>de</strong>verá servir-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova base cognitiva,<br />

conforme ensina Minayo (2010, p. 137 / 138):<br />

[...] o pensamento sistêmico não está propon<strong>do</strong> teorias técnicas na verda<strong>de</strong>,<br />

ele se configura como <strong>um</strong>a visão epistemológica que permite o uso <strong>de</strong><br />

recursos <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> da ciência tradicional, mas<br />

esse exige algo muito <strong>novo</strong>, o exercício <strong>de</strong> <strong>um</strong> olhar e <strong>um</strong>a abordagem


536<br />

diferente que il<strong>um</strong>ina aquele ponto cego da visão unidimensional, fazen<strong>do</strong><br />

enxergar as interações, subverte a mente compartimentalizada, buscan<strong>do</strong><br />

fazer as diferenças e as oposições se comunicarem, e modificar a prática<br />

antiga que só valoriza regularida<strong>de</strong> e normas.<br />

Ao contrário, a visão multidimensional e integrativa mostra as coisas que<br />

permanecem e ressalta “o que” muda e “como” as diferenças e oposições se<br />

transformam <strong>por</strong> <strong>um</strong>a nova prática da Justiça.<br />

A reconstrução <strong>do</strong> sistema judiciário a partir da realida<strong>de</strong> computa<strong>do</strong>rizada a<br />

faz estrangeira! Transformam-na em <strong>de</strong>sconhecida, <strong>por</strong>tanto, não é mais acreditada,<br />

<strong>por</strong>que, diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> <strong>novo</strong>, o conhecimento velho, o mo<strong>de</strong>lo que ele<br />

sustenta passa ser ignorância.<br />

É preciso estabelecer <strong>um</strong>a reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perspectiva, <strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

objetivos e <strong>um</strong>a convergência na interpretação subjetiva <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s constructos <strong>de</strong><br />

primeiro nível. É na base que os laboratórios <strong>de</strong>vem ser estabeleci<strong>do</strong>s e<br />

estabiliza<strong>do</strong>s.<br />

A homogeneida<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionada pela linguagem tecnologia po<strong>de</strong> edificar <strong>um</strong><br />

sistema coerente e funcional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que previamente planeja<strong>do</strong>, estrutura<strong>do</strong> e<br />

programa<strong>do</strong>.<br />

O senti<strong>do</strong> pelo qual a história da h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong>monstra que<br />

os conhecimentos estão to<strong>do</strong>s miscigena<strong>do</strong>s e mescla<strong>do</strong>s entre si e, <strong>por</strong> essa razão,<br />

a sistematização tecnológica <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Justiça é mais que o reconhecimento das<br />

novas tendências: É a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que a realida<strong>de</strong> é composta <strong>de</strong> partes<br />

totalizantes e não <strong>de</strong> parcelas <strong>do</strong> saber.<br />

O conhecimento é o exercício das adversida<strong>de</strong>s cognitivas e é <strong>de</strong>ssa relação<br />

que os indivíduos <strong>de</strong>vem participar para que possam validar as regras regula<strong>do</strong>ras<br />

das realida<strong>de</strong>s estabelecidas.<br />

Isso feito, a transposição <strong>de</strong> tal estrutura para <strong>um</strong>a linguagem torna-se<br />

possível e legítima para a resolução <strong>de</strong> conflitos e sua consequente pacificação<br />

social, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem tecnológica.


537<br />

É preciso estabilizar objetivamente a complexida<strong>de</strong> social pelos critérios da<br />

classificação e da diferenciação em consonância, ou melhor, com as mesmas<br />

medidas <strong>do</strong> sistema teórico-normativo, comunican<strong>do</strong>-os e estabelecen<strong>do</strong> o<br />

funcionamento. No entanto, é funda<strong>do</strong> na reconstrução <strong>de</strong> <strong>um</strong> outro e <strong>novo</strong> conceito<br />

<strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça como padrão com<strong>por</strong>tamental <strong>de</strong> nova realida<strong>de</strong> social.<br />

Como discorri<strong>do</strong>, existe <strong>um</strong> encampamento material forte e incontestável que<br />

acirra o <strong>de</strong>smonte da mediação <strong>do</strong> Direito ao alcance da Justiça pela figura h<strong>um</strong>ana<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>/Juiz, em que, cientificamente, a pesquisa viabiliza sua <strong>de</strong>monstrabilida<strong>de</strong><br />

comprovan<strong>do</strong>, assim, a falibilida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana e sua insuficiência cognitiva na<br />

operacionalização <strong>do</strong> sistema judiciário.<br />

Todavia, em meio a to<strong>do</strong> arcabouço <strong>cognitivo</strong> e arg<strong>um</strong>entativo, paira <strong>um</strong><br />

silêncio no recôncavo <strong>de</strong> cada indivíduo <strong>–</strong> inclusive <strong>do</strong> que escreve e <strong>do</strong>s que em<br />

contato estão com o trabalho científico quanto a seu conteú<strong>do</strong> <strong>–</strong> <strong>de</strong> que efetivamente<br />

somos limita<strong>do</strong>s ou que em alg<strong>um</strong> momento nos limitaremos pelas condições<br />

biológicas <strong>de</strong> nosso sistema, como o sábio Sócrates já outrora verbalizava:<br />

“Somente sei que nada sei”.<br />

A tentativa <strong>de</strong> se manter é instintiva e vem pela reprodução em que nos<br />

perpetuamos. É muito gran<strong>de</strong> a luta que a espécie h<strong>um</strong>ana severamente se impõe,<br />

influencian<strong>do</strong> sua própria reprodução e a isso <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> “educação”.<br />

No entanto, o fatalismo da incompletu<strong>de</strong> pela perfeição gera o para<strong>do</strong>xo da<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a imperfeição evoluir <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da perfeição.A mutação nessas<br />

condições é <strong>um</strong>a incógnita <strong>de</strong> possível compreensão.<br />

Portanto, a primeira hipótese torna-se mais crível, coerente, confiável e<br />

previsível, na medida em que o <strong>limite</strong> totalizante da incompletu<strong>de</strong> faz com que o<br />

sistema venha a romper, atribuí<strong>do</strong> à Inteligência Artificial e à sua estrutura como<br />

sistema capaz <strong>de</strong> garantir <strong>um</strong> dinamismo cujos atributos possam conceber a<br />

perfeição em processamento, integração, unificação, padronização e sistematização.<br />

A relação entre o homem e a máquina é como vias paralelas que não se<br />

cruzam, são graus <strong>cognitivo</strong>s que não coli<strong>de</strong>m. Por isso, a nova forma <strong>de</strong><br />

Inteligência Artificial, mais <strong>do</strong> que auxiliar o homem, objetiva garantir-lhe <strong>um</strong>a via<br />

mais rápida e segura em <strong>um</strong> ambiente ultramo<strong>de</strong>rno com maior precisão e<br />

objetivida<strong>de</strong>.


538<br />

Essa nova estrutura cognitiva permite <strong>um</strong>a lida com simplicida<strong>de</strong> e<br />

simplificação das complexida<strong>de</strong>s oriundas da mutabilida<strong>de</strong> da vida h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s inteligentes <strong>de</strong>vidamente programadas. Em tal contexto, a razão<br />

<strong>artificial</strong> é superior pela própria natureza, ao ser <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong> e <strong>um</strong>a<br />

logicida<strong>de</strong> diferente da h<strong>um</strong>ana.<br />

A distinção da Inteligência Artificial quanto à natureza a isenta <strong>de</strong> qualquer<br />

comparação radical em relação à <strong>inteligência</strong> natural. Qualquer tentativa nesse<br />

senti<strong>do</strong> conduz as distinções e as diferenças a erro, <strong>por</strong>tanto os adjetivos seriam<br />

impossíveis <strong>de</strong> se correlacionarem, incorren<strong>do</strong> qualquer afirmação em ignorância,<br />

pela seara da ausência <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência diante da incompatibilida<strong>de</strong> terminológica da<br />

linguagem.<br />

Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> Inteligência Artificial, sua estrutura é em si e para si<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e autônoma: exige <strong>um</strong>a compreensão e <strong>um</strong> entendimento que<br />

somente se dão <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a literatura especializada a partir <strong>de</strong> então.<br />

Semelhante estrutura cognitiva é <strong>um</strong>a evolução registrada em <strong>um</strong> momento<br />

distinto no tempo; é perceptível a veracida<strong>de</strong> da informação, na medida em que<br />

existe <strong>um</strong>a incomensurabilida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rada com relação à cognição h<strong>um</strong>ana.<br />

O advento <strong>de</strong> semelhante mo<strong>de</strong>lo <strong>cognitivo</strong> <strong>de</strong>monstra <strong>um</strong>a ruptura entre<br />

<strong>inteligência</strong>s em que cada <strong>um</strong>a conserva sua natureza, seus <strong>limite</strong>s e suas<br />

logicida<strong>de</strong>s.<br />

No campo <strong>do</strong> Direito e da Justiça, com base nas ciências jurídicas e sociais,<br />

as razões, os conceitos, a linguagem, a estrutura, a dinâmica e to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais<br />

fatores corroboram com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema cunha<strong>do</strong> a partir da <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>ana.<br />

Isso se <strong>de</strong>u pelas condições históricas e evolutivas comuns ao<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa espécie biológica, no entanto, com a complexida<strong>de</strong> advinda<br />

<strong>de</strong> sua mutabilida<strong>de</strong>, o controle <strong>por</strong> intermédio da estabilização fez com que <strong>um</strong>a<br />

forma distinta <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> surgisse ou se tornasse perceptível aos olhos da<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> futuro já presente.<br />

No plano jurídico, a universalização exigirá <strong>um</strong>a mudança completa em toda a<br />

estrutura cognitiva, <strong>por</strong> isso, repensar <strong>um</strong>a nova forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> somente<br />

acontece quan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a estrutura não mais aten<strong>de</strong> à realida<strong>de</strong> estabelecida.


539<br />

A fadiga <strong>do</strong> sistema, consoante a proposta <strong>de</strong> Derrida, está correta em seu<br />

objetivo pela <strong>de</strong>sconstrução <strong>do</strong> Direito e da Justiça, aqui pela <strong>de</strong>struição <strong>do</strong>s<br />

conceitos e da forma substancial e operacional como outrora fora entalha<strong>do</strong>.<br />

O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Direito e Justiça existente há <strong>de</strong> ser historicamente cristaliza<strong>do</strong><br />

como <strong>um</strong>a criação <strong>do</strong> homem para aten<strong>de</strong>r à relação com<strong>por</strong>tamental da espécie em<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> estágio.<br />

A forma <strong>–</strong> i<strong>de</strong>ia <strong>–</strong> enquanto substância <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> ser mantida, <strong>por</strong>ém o Direito e<br />

a Justiça na literatura <strong>do</strong> <strong>paradigma</strong> da Inteligência Artificial <strong>de</strong>vem ser forja<strong>do</strong>s<br />

pelos critérios <strong>de</strong>ssa nova linguagem, em que a estrutura e a dinâmica convirjam<br />

para <strong>um</strong>a razão e <strong>um</strong>a lógica <strong>de</strong> natureza tecnológica, ou seja, a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

lógica informatizada em que se possam qualificar as proprieda<strong>de</strong>s e as variáveis <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem <strong>de</strong> programação.<br />

As mentes, e não a mente, <strong>por</strong>que a mente h<strong>um</strong>ana encontra na Inteligência<br />

Artificial <strong>um</strong>a outra forma <strong>de</strong> vida, nesse caso <strong>de</strong> natureza tecnológica. Ela reproduz<br />

o que a consciência da <strong>inteligência</strong> natural programa.<br />

O que a Inteligência Artificial <strong>de</strong>ve fazer a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a lógica tecnológica <strong>de</strong><br />

linguagem. Ambas divi<strong>de</strong>m o mesmo espaço, ingressan<strong>do</strong> na ultramo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, que<br />

é marcada pela vida entre homens e máquinas, que auxiliam aqueles em suas<br />

tarefas das mais simples às mais complexas.<br />

O ingresso nessa nova etapa é a aceitação da concomitância <strong>de</strong> vidas, <strong>de</strong><br />

consciências, <strong>de</strong> razões e <strong>de</strong> outras faculda<strong>de</strong>s que singularizam cada <strong>um</strong>a das<br />

estruturas cognitivas e suas respectivas funções e finalida<strong>de</strong>s.<br />

A dificulda<strong>de</strong> enfrentada neste momento é a falta <strong>de</strong> literatura a respeito,<br />

aliada às especulações futuristas <strong>de</strong>scalçadas <strong>de</strong> base científica. A tradição em tal<br />

cenário atua como <strong>um</strong> fantasma assombran<strong>do</strong> a espécie h<strong>um</strong>ana que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tenra<br />

data, sempre temeu o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> <strong>por</strong> <strong>de</strong>sconhecê-lo.


540<br />

Essa cultura com<strong>por</strong>tamental relativiza a própria im<strong>por</strong>tância <strong>do</strong><br />

conhecimento, o que evi<strong>de</strong>ncia o problema da limitação cognitiva da <strong>inteligência</strong><br />

h<strong>um</strong>ana, como ilustra Penrose (1991, p. 240): “Se a mente po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong>,<br />

usar elementos ñ-computáveis, então pareceria que tais elementos estão fora da<br />

física clássica”. E complementa o mesmo autor (1991, p. 166):<br />

A teoria quântica <strong>–</strong> <strong>um</strong>a teoria cheia <strong>de</strong> incerteza, <strong>de</strong> in<strong>de</strong>terminismo e <strong>de</strong><br />

mistérios, que <strong>de</strong>screve o com<strong>por</strong>tamento das moléculas, átomos e<br />

partículas subatômicas. A teoria clássica é, <strong>por</strong> outro la<strong>do</strong>, <strong>de</strong>terminista, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> que o futuro é sempre totalmente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> pelo passa<strong>do</strong>.<br />

A questão é que o problema da mente h<strong>um</strong>ana e, <strong>por</strong> consequência, <strong>do</strong><br />

cérebro <strong>de</strong>ssa espécie está atrela<strong>do</strong> ao nível das informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s que as<br />

leis da física têm oferta<strong>do</strong>, o que torna impossível <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os elementos<br />

condicionantes <strong>do</strong> seu funcionamento “a priori”.<br />

No entanto, superada a questão da limitação cognitiva <strong>do</strong> homem,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> inclusive as leis da física na explicação <strong>do</strong>s fenômenos condicionantes<br />

<strong>do</strong> funcionamento <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, e estan<strong>do</strong> plausivelmente revela<strong>do</strong> os<br />

aspectos gera<strong>do</strong>res da limitação <strong>do</strong> conhecimento.<br />

A pesquisa volta sua atenção, no tratamento da questão pertinente à<br />

operacionalização <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário e à sua real possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser o mesmo<br />

sistema em que contempla o Direito e a Justiça em ser mediada pela Inteligência<br />

Artificial.<br />

Para Capra (2012, p. 262), “[...] as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a máquina são<br />

<strong>de</strong>terminadas <strong>por</strong> sua natureza, a relação inverte-se no organismo, a estrutura<br />

orgânica é <strong>de</strong>terminada <strong>por</strong> processos”. Existentes ou correlaciona<strong>do</strong>s com a<br />

estrutura orgânica <strong>de</strong> que são comuns como partes, os <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s geram <strong>de</strong>ssa<br />

relação <strong>um</strong>a mutação em seu processo dinâmico metabólico.<br />

É nessa dialeticida<strong>de</strong> dinâmica que se perfazem toda a energia e a sinergia<br />

da vida h<strong>um</strong>ana, inclusive as relações sociais, responsáveis pela própria<br />

sedimentação da estrutura biológica mencionada.<br />

Essas relações, além <strong>de</strong> mutáveis conforme menciona<strong>do</strong>, e a diversida<strong>de</strong><br />

produzida em pro<strong>por</strong>ção geram <strong>um</strong>a complexida<strong>de</strong> estabilizada <strong>por</strong> intermédio <strong>do</strong>s<br />

condicionantes extraí<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s racionalizantes <strong>do</strong> próprio processo dinâmico oriun<strong>do</strong><br />

da natureza <strong>de</strong> que o homem representa <strong>um</strong>a das espécies.


541<br />

A estabilização é obtida através <strong>de</strong> regras <strong>–</strong> categorias <strong>–</strong> que classificam e<br />

organizam os com<strong>por</strong>tamentos e as relações sociais <strong>de</strong>ssa espécie. A classificação<br />

é cristalizada <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> leis que, <strong>por</strong> sua vez, representam em si a evolução <strong>do</strong><br />

com<strong>por</strong>tamento social.<br />

Elas passam a ser catalogadas em <strong>um</strong>a estrutura com o objetivo <strong>de</strong><br />

estabelecer mais <strong>do</strong> que simplesmente regras, mas comprometidas com o equilíbrio<br />

da complexida<strong>de</strong> existente em to<strong>do</strong> o processo produzi<strong>do</strong> pela estrutura orgânica<br />

h<strong>um</strong>ana.<br />

Quan<strong>do</strong> da eclosão das leis <strong>–</strong> consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o seu processo <strong>–</strong> nota-se que,<br />

em si, tal <strong>de</strong>senvolvimento alberga <strong>um</strong>a certa carga valorativa gerada pelas<br />

mudanças produzidas, cujo fim visa garantir a funcionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> plano<br />

com<strong>por</strong>tamental que nada mais é <strong>do</strong> que as leis geradas pelo dinamismo metabólico<br />

<strong>do</strong> organismo biológico.<br />

Essas regras (leis) sem dúvidas são categorias feitas a partir das relações<br />

orgânicas sociais, que cor<strong>por</strong>ificam o próprio com<strong>por</strong>tamento, com a diferença <strong>de</strong><br />

que, quan<strong>do</strong> categorizadas e codificadas <strong>–</strong> estágio posterior e exterior da evolução<br />

biológica <strong>–</strong> esten<strong>de</strong>m-se e se aplicam “erga omnes” a to<strong>do</strong>s da mesma espécie.<br />

Quan<strong>do</strong> criadas e existentes <strong>–</strong> as leis <strong>–</strong> no plano da vigência, sua<br />

aplicabilida<strong>de</strong> faz-se legal visto estar amparada pela aceitabilida<strong>de</strong> da aprovação<br />

legislativa. A partir <strong>de</strong> então, incor<strong>por</strong>am <strong>um</strong>a estrutura <strong>de</strong>nominada or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico.<br />

Em <strong>um</strong> cenário ultramo<strong>de</strong>rno, a Inteligência Artificial <strong>de</strong>staca-se como<br />

candidata ao <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo, pois representa <strong>um</strong> <strong>paradigma</strong> com atributos<br />

suficientemente prepara<strong>do</strong> para reorganizar a regulação da socieda<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

Para isso, a lei (regra) como categoria com<strong>por</strong>tamental passaria a ser<br />

absorvida <strong>por</strong> <strong>um</strong>a máquina, na medida em que a natureza <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento<br />

passe a ser categorizada em sua base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações.<br />

A socieda<strong>de</strong>, nesse estágio, teria <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finir-se quanto a suas ações,<br />

<strong>por</strong>que, com o uso da tecnologia, elas passariam a ser tecnologizadas, ou seja,<br />

haveria em curto espaço <strong>de</strong> tempo integração, unificação, uniformização e<br />

sistematização, que passariam a condicionar os valores <strong>de</strong> forma a universalizar a<br />

vida social.


542<br />

Em que pese o metabolismo com<strong>um</strong> ao sistema dinâmico da natureza<br />

biológica <strong>do</strong> homem, a nova estrutura passaria a estabelecer <strong>um</strong>a linguagem<br />

universal a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> conceito <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Justiça.<br />

As regras e os fins <strong>por</strong> elas estabeleci<strong>do</strong>s estariam previamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s, em<br />

premência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a reconstrução caso a caso <strong>–</strong> particularismo <strong>–</strong> em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a regra universal <strong>de</strong> alcance coletivo <strong>–</strong> fixação das proprieda<strong>de</strong>s e classificação e<br />

isolamento das variáveis não aceitáveis.<br />

Para isso, a racionalida<strong>de</strong> e a lógica categorial se apresentam como regras<br />

objetivas para ações pre<strong>de</strong>finidas que em si carregam valorações preestabelecidas.<br />

A estrutura previamente programada pela natureza não inibe que o dinamismo<br />

gera<strong>do</strong> pelo sistema tecnológico seja capta<strong>do</strong> e acresci<strong>do</strong> da relação dinâmica<br />

subsequente, <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem <strong>de</strong> programação.<br />

A Inteligência Artificial, <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consciência diferente da h<strong>um</strong>ana, em<br />

que a incerteza e a imprevisibilida<strong>de</strong> são suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, passaria <strong>por</strong> intermédio<br />

da primeira a garantir a certeza e a previsibilida<strong>de</strong> <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a categorização<br />

<strong>de</strong> situações <strong>de</strong> casos, previamente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s e estabeleci<strong>do</strong>s.<br />

A nova or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> Direito e da Justiça tem a pedagogia da precedência, da<br />

orientação e da <strong>de</strong>finição das condições prévias <strong>do</strong> jogo <strong>do</strong> agir com<strong>por</strong>tamental.<br />

São conceitos que exigem da socieda<strong>de</strong> <strong>um</strong>a mudança <strong>de</strong> hábito <strong>por</strong>que a razão e a<br />

lógica <strong>de</strong> funcionalida<strong>de</strong> passam a ser outras.<br />

Nessa nova estrutura, o <strong>paradigma</strong> judiciário tecnológico tem em si <strong>um</strong>a autoorganização<br />

sistêmica, em que a programação da máquina judiciária mantém a<br />

estrutura atualizada. Isso se dá <strong>por</strong> intermédio das convenções or<strong>de</strong>nativas e<br />

coor<strong>de</strong>nativas (processos), nas quais as ações <strong>do</strong>s indivíduos é a reprodução <strong>do</strong><br />

próprio Direito e da Justiça.<br />

O sistema tecnológico, além <strong>de</strong> categorizar, ainda integraria, unificaria e<br />

uniformizaria as próprias ações com<strong>por</strong>tamentais, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a ação seja igual à<br />

regra, todavia a <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> é infração <strong>de</strong>tectada e informada. A<br />

retroalimentação estrutural (categorizada), segun<strong>do</strong> <strong>um</strong>a classificação pre<strong>de</strong>finida,<br />

atualiza-se a partir das <strong>de</strong>cisões emitidas pelo próprio sistema.<br />

Não há que se questionar o <strong>de</strong>terminismo das máquinas, se elas po<strong>de</strong>m<br />

alcançar o dinamismo <strong>do</strong> homem ou <strong>um</strong> padrão aceitável para estabilizar <strong>um</strong> nível<br />

aceitável <strong>de</strong> Justiça que com<strong>por</strong>te a previsibilida<strong>de</strong> e a certeza em suas <strong>de</strong>cisões.


543<br />

O <strong>de</strong>terminismo está atrela<strong>do</strong> pela ética h<strong>um</strong>ana em or<strong>de</strong>nar o funcionamento<br />

<strong>do</strong> sistema, pois a consciência da máquina está <strong>de</strong>lineada <strong>por</strong> sua programação.<br />

Nesse <strong>limite</strong>, ela <strong>de</strong>tém <strong>um</strong> potencial ilimita<strong>do</strong>.<br />

Por isso, o coexistir da auto-organização entre o ambiente da Inteligência<br />

Artificial e das relações h<strong>um</strong>anas vê-se possível também <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> organismo <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Deve-se consi<strong>de</strong>rarque as <strong>de</strong>cisões e a sinergia produzidas pelos da<strong>do</strong>s e<br />

pelas informações garantam <strong>um</strong>a evolução extraída das <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong>s julgamentos<br />

<strong>do</strong>s homens pelas máquinas em <strong>um</strong> meta-<strong>artificial</strong>ismo.<br />

Em tal estágio da tecnologia da informação, a espécie h<strong>um</strong>ana tem <strong>do</strong><br />

sistema tecnológico <strong>de</strong>cisório <strong>um</strong>a certeza e <strong>um</strong>a previsibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seus Direitos,<br />

em que a Inteligência Artificial representa <strong>um</strong> meio <strong>de</strong> mediação ao acontecimento<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> valor <strong>de</strong> natureza h<strong>um</strong>ana <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linguagem tecnologizada.<br />

A tecnologização das informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vidamente categoriza<strong>do</strong>s<br />

garante <strong>um</strong>a flexibilida<strong>de</strong> e <strong>um</strong>a elasticida<strong>de</strong> a partir <strong>do</strong>s processos estabeleci<strong>do</strong>s<br />

pela integração, pela unificação e pela padronização <strong>de</strong>vidamente interliga<strong>do</strong>s <strong>por</strong><br />

processa<strong>do</strong>res que compõem <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> <strong>artificial</strong>. No âmbito da Inteligência Artificial,<br />

tal proposição é <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> conexionismo, conforme ilustra Poerch (2004, p.<br />

442). 318<br />

Nesse estágio, o Direito e a Justiça po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

sexta dimensão ou geração, ou seja, da universalização <strong>do</strong>s Direitos, <strong>de</strong> sua<br />

tecnologização, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a integrar todas as bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações,<br />

tornan<strong>do</strong> o acesso <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os meios tecnológicos possíveis, no<br />

plano mundial, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a racionalização e <strong>um</strong>a logicida<strong>de</strong> compreensiva da<br />

nova realida<strong>de</strong> social, como se tem na área da medicina com o projeto da IBM <strong>do</strong><br />

“Watson Medic”.<br />

318<br />

“Muitas <strong>de</strong>ssas re<strong>de</strong>s operam simultaneamente e <strong>de</strong> forma cooperativa no processamento das<br />

informações. Os neurônios <strong>de</strong>ssas re<strong>de</strong>s mais parecem comunicar valores n<strong>um</strong>éricos <strong>do</strong> que<br />

mensagens simbólicas, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como fazen<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong>r da<strong>do</strong>s n<strong>um</strong>éricos <strong>de</strong><br />

entrada com da<strong>do</strong>s n<strong>um</strong>éricos <strong>de</strong> saída. Dessa forma, a re<strong>de</strong> constitui <strong>um</strong> processa<strong>do</strong>r, totalmente<br />

distribuí<strong>do</strong>, mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a propensão natural para armazenar conhecimento experiencial e torná-lo<br />

utilizável. Assemelha-se ao cérebro sob <strong>do</strong>is aspectos: 1. O conhecimento é adquiri<strong>do</strong> pela re<strong>de</strong><br />

através <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> aprendizagem. 2. As forças da conexão interneuronial, conhecidas como<br />

pesos sinápticos, são utiliza<strong>do</strong>s para armazenar conhecimento”.


544<br />

Não se trataria <strong>de</strong> homem/máquina ou robô/homem ou vice-versa, pois os<br />

computa<strong>do</strong>res operam em <strong>um</strong>a simbologia <strong>de</strong> bits e bytes, cuja finalida<strong>de</strong> é o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> padrões rígi<strong>do</strong>s e, a partir <strong>de</strong>les, “símbolos” realizam o<br />

processamento. No conexionismo em explicação, o mesmo autor <strong>de</strong> simulações<br />

conexionistas: A <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> mo<strong>de</strong>rna (2004, p. 442) explica com requinte <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>talhes:<br />

[...] o conexionismo (processa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> distribuição em paralelo) tem origem<br />

diferente: procura projetar computa<strong>do</strong>res inspira<strong>do</strong>s no cérebro. O número<br />

<strong>de</strong> neurônios que integram <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada re<strong>de</strong> neuronial está<br />

intimamente liga<strong>do</strong> ao algoritmo <strong>de</strong> aprendizagem utiliza<strong>do</strong> para treinar a<br />

re<strong>de</strong>. To<strong>do</strong>s os algoritmos estão estrutura<strong>do</strong>s em (3) camadas: <strong>um</strong>a camada<br />

<strong>de</strong> neurônios <strong>de</strong> entrada liga-se à camada <strong>de</strong> neurônios <strong>de</strong> saída. Entre<br />

essas duas camadas, existem as unida<strong>de</strong>s intermediárias, responsáveis<br />

pelo processo <strong>de</strong> aprendizagem da re<strong>de</strong>.<br />

O <strong>paradigma</strong> <strong>cognitivo</strong> oferta<strong>do</strong> pela Inteligência Artificial representa <strong>um</strong> “X”,<br />

entre as <strong>inteligência</strong>s; a intersecção <strong>de</strong>ssa consoante <strong>de</strong>monstra que existe <strong>de</strong><br />

ambos os la<strong>do</strong>s <strong>um</strong>a distinção <strong>de</strong> linguagens, <strong>por</strong>ém <strong>um</strong>a equiparação ou<br />

comparação na comunicação <strong>do</strong> homem com o mun<strong>do</strong>, o que representa a<br />

incomensurabilida<strong>de</strong> lexical verbalizada <strong>por</strong> Kuhn em 1962.<br />

A participação <strong>do</strong> homem com o mun<strong>do</strong> é <strong>um</strong> exemplo <strong>de</strong> conexão. A<br />

linguagem Artificial é <strong>um</strong>a simbologia tecnológica capaz <strong>de</strong> reproduzir a<br />

comunicação h<strong>um</strong>ana em suas ações a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a literatura peculiar. Sua<br />

natureza é <strong>um</strong>a questão já superada pela evolução <strong>do</strong> homem e da própria<br />

Inteligência Artificial que, em sua fase <strong>de</strong> maiorida<strong>de</strong>, fala em si e <strong>por</strong> si.<br />

Para o Direito e a Justiça tecnologiza<strong>do</strong>s, o <strong>novo</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> catalogação,<br />

armazenamento <strong>do</strong>s conceitos regulatórios normativos, será dinamiza<strong>do</strong> em <strong>um</strong>a<br />

estrutura organizacional em que o resgate e o abastecimento aten<strong>de</strong>m aos<br />

propósitos fins <strong>de</strong> <strong>um</strong>a sistematização mais adquada e útil.<br />

O cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> realiza o procedimento <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> não computacional, isento<br />

da estrutura tecnológica. Por meio da mente, que gerencia a partir <strong>de</strong> suas<br />

faculda<strong>de</strong>s intelectuais as ações no cotidiano, tem-se a mente h<strong>um</strong>ana.<br />

A Inteligência Artificial tem o potencial <strong>de</strong> realizar as mesmas ações <strong>por</strong><br />

intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura tecnologizada <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema composto <strong>por</strong> algoritmos e<br />

toda <strong>um</strong>a programação preestabelecida <strong>–</strong> a mente computacional.


545<br />

O avanço da tecnologia tem ultrapassa<strong>do</strong> o campo <strong>do</strong> <strong>de</strong>terminismo das<br />

máquinas. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> replicarem conexionismo (similarida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

processamento) <strong>do</strong> cérebro permite que o dinamismo aconteça com efetivida<strong>de</strong>,<br />

<strong>por</strong>tanto, a animação <strong>–</strong> a sinergia <strong>de</strong> integração das informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s <strong>–</strong> gera<br />

<strong>um</strong>a mutabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> próprio sistema.<br />

A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> armazenamento advinda <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> integração, <strong>um</strong>a<br />

vez unificada, po<strong>de</strong> ser padronizada. Ofertan<strong>do</strong> condições <strong>de</strong> classificação,<br />

avaliação e com a categorização e seus <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bros, <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á aten<strong>de</strong>r a critérios e<br />

indica<strong>do</strong>res que a mente h<strong>um</strong>ana não alcança, <strong>por</strong>ém, como equiparação e não<br />

inspiração, equipotencializam a Inteligência Artificial. 319 Esse processo correspon<strong>de</strong><br />

ao processamento da <strong>inteligência</strong> natural, em semelhança, todavia com natureza<br />

distinta <strong>do</strong> clássico empirismo <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> aprendiza<strong>do</strong>, <strong>por</strong>que, nesse caso, a<br />

espécie h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Locke apren<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> acertos e erros advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />

estímulos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior.<br />

Para efeito da linguagem Artificial, o aprendiza<strong>do</strong> parte da inclusão e da<br />

exclusão <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e informações aceitos e valida<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> critérios<br />

pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema esquematiza<strong>do</strong>(simulação), o qual gera <strong>um</strong><br />

dinamismo em conformida<strong>de</strong> com os parâmetros <strong>do</strong> sistema.<br />

O empirismo <strong>cibernético</strong> basicamente propõe que a Inteligência Artificial é <strong>um</strong><br />

sistema, e o sistema é a “mente” da Inteligência Artificial. O saber é inseri<strong>do</strong>,<br />

compreendi<strong>do</strong> e complementa<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>novo</strong>s da<strong>do</strong>s e informações,<br />

diferentemente <strong>do</strong> homem em cuja mente a dialética empirica marca “impressão”,<br />

armazenan<strong>do</strong>-a em sua memória <strong>–</strong> faculda<strong>de</strong> interligada e sempre que precisa<br />

resgatada <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> exercício mental <strong>do</strong> relembrar.<br />

A Inteligência Artificial registra, armazena e resgata os da<strong>do</strong>s e as<br />

informações em <strong>um</strong> sistema tecnológico que opera tecnologicamente <strong>por</strong> intermédio<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a engenharia da linguagem tecnologizada <strong>de</strong>senvolvida em colaboração com<br />

a <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

319<br />

Para Lévy, “Um mun<strong>do</strong> molecular e conexionista resistirá melhor às maciças oposições binárias<br />

entre substâncias: sujeito e objeto, homem e técnica, indivíduo e socieda<strong>de</strong> etc. Ora, são estas<br />

gran<strong>de</strong>s dicotomias que nos impe<strong>de</strong>m <strong>de</strong> reconhecer que to<strong>do</strong>s os agenciamentos <strong>cognitivo</strong>s<br />

concretos são, ao contrário, constituí<strong>do</strong>s <strong>por</strong> ligas, re<strong>de</strong>s, concreções provisórias <strong>de</strong> interfaces<br />

pertencen<strong>do</strong> geralmente aos <strong>do</strong>sis la<strong>do</strong>s das fronteiras ontológicas tradicionais (LÉVY, Pierre. As<br />

tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu<br />

da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 185)”.


546<br />

Em meio às i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada <strong>inteligência</strong>, o trabalho <strong>de</strong> pesquisa tem<br />

como certa a falibilida<strong>de</strong> e a insuficiência da cognição h<strong>um</strong>ana, principalmente<br />

quanto à sua influencialida<strong>de</strong>, ponto este exaustivamente perfilha<strong>do</strong> e a<strong>do</strong>rna<strong>do</strong> em<br />

estu<strong>do</strong> científico extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong> nobel Judgment un<strong>de</strong>r uncertainty: Heurisctis and<br />

biases, <strong>de</strong> Kahneman, Slovic e Tversky.<br />

Publicada no Brasil e traduzida como “Rápi<strong>do</strong> e Devagar <strong>–</strong> duas formas <strong>de</strong><br />

pensar”, a obra retrata <strong>de</strong> forma profunda e substancial as condições <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cibibilida<strong>de</strong> da cognição h<strong>um</strong>ana e sua falibilida<strong>de</strong>, condições que vulneralizam e<br />

conduzem a espécie h<strong>um</strong>ana e sua tecnologia em <strong>inteligência</strong> pela via <strong>do</strong>s<br />

problemas da incerteza <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir. Na orla <strong>do</strong> judiciário, contribui<br />

<strong>de</strong>cisivamente para <strong>um</strong>a ruptura <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mediação/operacionalização <strong>do</strong><br />

Direito para o alcance da Justiça.<br />

Observa-se que a experiência da espécie h<strong>um</strong>ana no âmbito da compreensão<br />

das regras, tais como: as encontradas nas diretrizes e nos critérios normativos das<br />

leis que compõem o or<strong>de</strong>namento, vêm apresenta<strong>do</strong> sintomas <strong>de</strong> incertezas e <strong>de</strong><br />

imprevisibilida<strong>de</strong> com maior frequência, dada a exposição da espécie a <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>manda massiva, situação incompatível com a lenta evolução biológica que tarda a<br />

compensar as necessida<strong>de</strong>s circunstanciais, como bem ilustra Poersch (2004, p.<br />

447):<br />

O cérebro se apresenta como <strong>um</strong> computa<strong>do</strong>r em paralelo <strong>de</strong> alta<br />

complexida<strong>de</strong>. Ele é capaz <strong>de</strong> organizar os neurônios <strong>de</strong> maneira tal que<br />

consiga realizar certas computações muitas vezes mais rápi<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o<br />

mais rápi<strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r digital. O que lhe é característico é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

construir suas próprias regras a partir da experiência. Essa experiência<br />

correspon<strong>de</strong> ao aprendiza<strong>do</strong> que ele adquire através <strong>do</strong>s anos. Nos<br />

primeiros anos <strong>de</strong> vida essa aprendizagem é dramaticamente significativa<br />

produzin<strong>do</strong> bilhões <strong>de</strong> sinapses <strong>por</strong> segun<strong>do</strong>. 320<br />

320<br />

O mesmo autor ainda complementa explican<strong>do</strong> como as sinapses <strong>de</strong> com<strong>por</strong>tam: “As sinapses<br />

são elementos unitários tanto na estrutura quanto na sua função; elas me<strong>de</strong>iam a interação entre<br />

neurônios” (Hawkin, 1994, p. 2). Um processo pré-sináptico libera <strong>um</strong>a substancia transmissora que<br />

se espalha na função sináptica entre os neurônios e provoca <strong>um</strong> processo pós-sináptico. Dessa<br />

forma, <strong>um</strong> sinal elétrico pré-sináptico é converti<strong>do</strong>, na sinapse em <strong>um</strong>a reação química que, <strong>por</strong> sua<br />

vez, novamente produz <strong>um</strong> impulso elétrico. Admite-se que as sinapses são conexões que provocam<br />

<strong>um</strong>a ativação recíproca entre os neurônios. A plasticida<strong>de</strong> oferecida pelas sinapses constitui <strong>um</strong>a<br />

característica im<strong>por</strong>tante no cérebro. Essa plasticida<strong>de</strong> permite que o sistema neuronial se adapte ao<br />

meio ambiente. As sinapses instanciam-se <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>do</strong>is filamentos celulares: o axônio e o<br />

<strong>de</strong>ndrito (POERSCH, José Marcelino. Simulações Conexionistas: a <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> mo<strong>de</strong>rna. In:<br />

Revista Linguagem em Discurso. Santa Catarina, v.4, n. 2, 2004, p. 448. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 19 abr. 2013)”.


547<br />

A dicotomia sinalizada <strong>por</strong> Capra no que concerne ao <strong>de</strong>terminismo das<br />

máquinas e ao dinamismo <strong>do</strong>s processos que envolvem o organismo <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> no<br />

que tange à cognição é possível <strong>de</strong> se compatibilizar, a ponto <strong>de</strong> afastar a diferença<br />

quanto aos seus fins.<br />

Se não há dicotomia ou estan<strong>do</strong> essa superada, há o avanço da tecnologia e,<br />

com ele, o <strong>de</strong>svendamento <strong>do</strong> funcionamento <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>: nota-se o<br />

alcance <strong>de</strong> reproduzir seu funcionamento, com a isenção das influências que tornam<br />

a cognição h<strong>um</strong>ana instável, principalmente no ato <strong>de</strong> julgar. 321<br />

No cenário <strong>do</strong> Direito e da Justiça, o maior objetivo é que seja atingi<strong>do</strong> <strong>um</strong><br />

resulta<strong>do</strong> material e não meramente formal. A causa maior que impe<strong>de</strong> a<br />

concretização <strong>do</strong>s valores Constitucionais garanti<strong>do</strong>s é gerada pelo próprio homem.<br />

Na mediação, ele distancia-se das regras legislativas e cria suas próprias<br />

regras, a partir <strong>de</strong> interpretações hermenêuticas embasadas em sua experiência<br />

cognitiva. Este ator <strong>de</strong> duas <strong>um</strong>a: ou é a soma <strong>de</strong> todas as medidas ou o fruto <strong>do</strong><br />

meio e nessa parábola que vive são reais condições <strong>de</strong> conhecimento.<br />

Tal instabilida<strong>de</strong> se dá também <strong>por</strong>que os pesos sinápticos para o<br />

processamento das sinapses (conexões) variam <strong>de</strong> indivíduo para indivíduo, <strong>um</strong>a<br />

vez que a experiência cognitiva <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> é diferente <strong>de</strong> seu outro. Segun<strong>do</strong> Lévy<br />

(2011, p. 157),<br />

Segun<strong>do</strong> os conexionistas, os sistemas <strong>cognitivo</strong>s são re<strong>de</strong>s compostas <strong>por</strong><br />

<strong>um</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pequenas unida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m atingir diversos<br />

esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> excitação. As unida<strong>de</strong>s apenas mudam <strong>de</strong> esta<strong>do</strong> em função<br />

<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s das unida<strong>de</strong>s às quais estão conectadas.<br />

321<br />

Para Poersch: “Da mesma maneira como a plasticida<strong>de</strong> é essencial para o funcionamento <strong>do</strong>s<br />

neurônios no cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, também o é nas re<strong>de</strong>s neuroniais, construídas com neurônios<br />

artificiais. Po<strong>de</strong>-se afirmar que a re<strong>de</strong> neuronial constitui <strong>um</strong>a máquina projetada para simular a<br />

maneira como o cérebro realiza <strong>de</strong>terminada tarefa ou função. A re<strong>de</strong> normalmente é implementada<br />

<strong>por</strong> componentes elétricos ou simulada em software (programa algoritmo) capaz <strong>de</strong> realizar<br />

operações através <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> aprendizagem que utilize <strong>um</strong>a maciça interconexão <strong>de</strong><br />

unida<strong>de</strong>s simples <strong>de</strong> processamento. / “Uma re<strong>de</strong>, neuronial constitui <strong>um</strong> processa<strong>do</strong>r totalmente<br />

distribuí<strong>do</strong> em paralelo que tem <strong>um</strong>a propensão natural <strong>de</strong> armazenar conhecimento experiencial e<br />

torná-lo utilizável” (Hawkin, 1994, p.2). O procedimento utiliza<strong>do</strong> para processar a aprendizagem é<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> algoritmo <strong>de</strong> aprendizagem: sua função é alterar os pesos sinápticos da re<strong>de</strong> a fim <strong>de</strong><br />

atingir <strong>um</strong> objetivo proposto (POERSCH, José Marcelino. Simulações Conexionistas: a <strong>inteligência</strong><br />

<strong>artificial</strong> mo<strong>de</strong>rna. In: Revista Linguagem em Discurso. Santa Catarina, v.4, n. 2, 2004, p. 449.<br />

Disponível<br />

em:<br />

.<br />

Acesso em: 19 abr. 2013)”.


548<br />

Por outro la<strong>do</strong>, se os pesos sinápticos forem estabiliza<strong>do</strong>s, processa<strong>do</strong>s <strong>por</strong><br />

<strong>um</strong>a re<strong>de</strong> neuronial em que o conhecimento experiencial parte <strong>de</strong> <strong>um</strong>a base<br />

cognitiva pre<strong>de</strong>finida e o fim objetivo proposto está estrutura<strong>do</strong>, o resulta<strong>do</strong> útil<br />

passa a ser certo e previsível.<br />

Im<strong>por</strong>tante enfatizar que a tarefa ou a função <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário no que se<br />

refere à mediação <strong>do</strong> Direito (<strong>por</strong> meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a máquina projetada) <strong>de</strong>vidamente<br />

programada po<strong>de</strong> processar as regras e com elas evoluir, a partir <strong>do</strong>s algoritmos <strong>de</strong><br />

aprendizagem, que são diferentes <strong>do</strong> sistema serial sequencial <strong>do</strong>s simples<br />

computa<strong>do</strong>res. Para Poersch (2004, p. 449):<br />

Semelhantemente ao que acontece com os neurônios reais no cérebro, a<br />

ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> neurônio conexionista <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativação<br />

que o atinge. As sinapses entre os neurônios produzem excitações que<br />

variam n<strong>um</strong> contínuo que vai no máximo até o nulo. O nulo correspon<strong>de</strong> a<br />

<strong>um</strong>a situação inalterada, <strong>de</strong> repouso. O padrão <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

re<strong>de</strong> conexionista <strong>de</strong>termina a maneira como ela respon<strong>de</strong>rá à entrada <strong>de</strong><br />

informações vinda <strong>de</strong> outras re<strong>de</strong>s com as quais ela se comunica. 322<br />

Para melhor compreen<strong>de</strong>r como se dá o funcionamento <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s<br />

<strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los conexionistas, é necessário saber como é estrutura<strong>do</strong> o cérebro<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong> no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> conhecimento, conforme ilustra a explicação <strong>de</strong><br />

Anelise Leite. 323<br />

322<br />

No mesmo senti<strong>do</strong>, esse pesquisa<strong>do</strong>r esclarece que “Um aspecto im<strong>por</strong>tante das re<strong>de</strong>s<br />

conexionistas é sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem. A maioria <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>los conexionistas vem<br />

equipada com <strong>um</strong> algoritmo <strong>de</strong> aprendizagem que os habilita a apren<strong>de</strong>r a partir <strong>de</strong> suas<br />

experiências. Existe <strong>um</strong>a ampla varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> algoritmos <strong>de</strong> aprendizagem atualmente em uso. Esses<br />

algoritmos alteram a força das conexões na re<strong>de</strong> como respostas à ativida<strong>de</strong> neuronial pro<strong>por</strong>cionada<br />

<strong>por</strong> <strong>um</strong>a informação <strong>de</strong> entrada sobre outras re<strong>de</strong>s. A alteração <strong>do</strong>s pesos das conexões entre<br />

neurônios codifica (engrama), na re<strong>de</strong>, informações vindas <strong>de</strong> seu meio ambiente. / Os mo<strong>de</strong>los<br />

conexionistas se apresentam sob diversas formas, cada qual com sua própria arquitetura, com suas<br />

próprias regras e premissas <strong>de</strong> como o meio ambiente é apresenta<strong>do</strong> ao mo<strong>de</strong>lo. Todas essas<br />

variáveis restringem a atuação <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r <strong>do</strong> meio ambiente. Uma<br />

escolha judiciosa da arquitetura da re<strong>de</strong> e das regras <strong>de</strong> aprendizagem é tu<strong>do</strong> quanto é exigi<strong>do</strong> para<br />

assegurar <strong>um</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> efeito ao ser da<strong>do</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> experiências (POERSCH, José<br />

Marcelino. Simulações Conexionistas: a <strong>inteligência</strong> <strong>artificial</strong> mo<strong>de</strong>rna. In: Revista Linguagem em<br />

Discurso. Santa Catarina, v.4, n. 2, 2004, p. 449. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 19 abr. 2013)”.<br />

323<br />

A fim <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r como ocorre a aquisição <strong>do</strong> conhecimento <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o <strong>paradigma</strong><br />

(conexionista), é im<strong>por</strong>tante saber como o cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> está estrutura<strong>do</strong> e que reações e<br />

processos ocorrem nele. Inicialmente ele é dividi<strong>do</strong> em <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s hemisférios <strong>–</strong> o <strong>direito</strong> e o<br />

esquer<strong>do</strong>. Estes são uni<strong>do</strong>s <strong>por</strong> feixes <strong>de</strong> fibras nervosas conhecidas como corpo caloso. Segun<strong>do</strong><br />

Jersen (2002), cada hemisfério processa as informações <strong>de</strong> forma diferente <strong>–</strong> conhecer a biologia <strong>do</strong><br />

cérebro, também é im<strong>por</strong>tante para compreen<strong>de</strong>r como a língua é processada <strong>–</strong> segun<strong>do</strong> Christison<br />

(2002) é necessário, saber a estrutura biológica que compõe o cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>. Entre os principais<br />

elementos a serem consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s, encontram-se os seguintes: Tronco cerebral <strong>–</strong> responsável pela


549<br />

O mapeamento <strong>do</strong> cérebro e o surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> re<strong>de</strong> paralela<br />

que albergue <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo diferente <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> apresenta-se com potencialida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> concretização, como os experimentos laboratoriais e testes científicos têm feito<br />

provas.<br />

Tal conexionismo gera a possibilida<strong>de</strong> concreta e efetiva <strong>de</strong> estabelecer <strong>um</strong>a<br />

cognição e <strong>um</strong>a linguagem <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> seus algoritmos comprometi<strong>do</strong>s com<br />

<strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong> não h<strong>um</strong>ana, mas capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver funções ou tarefas, em si e<br />

<strong>por</strong> si, <strong>por</strong>tanto, isentas das faculda<strong>de</strong>s intelectivas h<strong>um</strong>anas.<br />

A Inteligência Artificial força que a linguagem seja refundada em seus próprios<br />

conceitos, ainda que para isso exista <strong>um</strong> auxilio <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>. Todavia, a partir <strong>de</strong> então,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e autônoma.<br />

É <strong>um</strong>a linguagem também reconhecida no meio científico, em <strong>um</strong>a das fases<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da linguagem informatizada, como linguagem <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entária<br />

diante da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>xação em sua estrutura, como atualmente já acontece<br />

em vários bancos <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e sistemas diversos.<br />

O acontecimento como <strong>um</strong> futuro inevitável, o léxico e to<strong>do</strong> o com<strong>por</strong>tamento<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong> serão repensa<strong>do</strong>s, reprograma<strong>do</strong>s para a<strong>de</strong>quarem-se a <strong>um</strong>a nova<br />

realida<strong>de</strong> na qual a mediação da tarefa jurídica passa a ser realizada pela estrutura<br />

tecnológica.<br />

regularização <strong>de</strong> funções essenciais no corpo (respiração e batimento cardíaco são alguns exemplos)<br />

e também responsável pela produção <strong>de</strong> substancias químicas, como a serotonina, que regula o sono<br />

e a vigilância; Cerebelo <strong>–</strong> responsável pela postura e <strong>por</strong> movimentos motores <strong>–</strong> também se acredita<br />

que traços <strong>de</strong> memória estão nele localiza<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong>, <strong>por</strong>tanto, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o centro <strong>do</strong> pensamento;<br />

Corpo Caloso <strong>–</strong> parte <strong>do</strong> cérebro composta <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> nervos que conectam os<br />

hemisférios; Neocortex <strong>–</strong> <strong>um</strong>a fina camada que cobre o cérebro, local on<strong>de</strong> ocorre o pensamento<br />

lógico e a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. Sistema límbico <strong>–</strong> localiza-se na zona central <strong>do</strong> cérebro. Ele é<br />

composto pela amídala, responsável pela emoção pelo hipocampo que está envolvi<strong>do</strong> no<br />

aprendiza<strong>do</strong> e na memória. Além disso, os cientistas também divi<strong>de</strong>m o cérebro em quatro gran<strong>de</strong>s<br />

áreas chamadas lobos frontais, parietal, tem<strong>por</strong>al e, occipital e cada <strong>um</strong> <strong>de</strong>les está relaciona<strong>do</strong> às<br />

seguintes funções. Lobo frontal (área anterior ao cérebro) <strong>–</strong> responsável pelas funções <strong>de</strong> resolução<br />

<strong>de</strong> problemas e planejamento; Lobo parietal (área superior da região média <strong>do</strong> cérebro) <strong>–</strong><br />

responsável pelo processamento da linguagem e <strong>por</strong> funções sensoriais mais elevadas; Lobo<br />

tem<strong>por</strong>al (área inferior da região média <strong>do</strong> cérebro) <strong>–</strong> responsável, pela audição, pela memória, pelo<br />

significa<strong>do</strong> e pela linguagem; Lobo occipital (parte posterior <strong>do</strong> cérebro) <strong>–</strong> responsável pela visão<br />

(LEITE, Anelise <strong>de</strong> Souza. O <strong>paradigma</strong> conexionista na aquisição lexical. In: Revista Revel. vol. 6, n.<br />

11, ago. 2008, p. 2. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 19 abr. 2013)”.


550<br />

Isso implica <strong>um</strong>a outra espécie <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> relações. O<br />

Direito como <strong>um</strong> fenômeno <strong>de</strong> condicionamento feito <strong>por</strong> regras que regulam o<br />

com<strong>por</strong>tamento social não estará imune. Por assim dizer, será reconstruí<strong>do</strong> e, com<br />

ele, a Justiça.<br />

A mutação <strong>do</strong> Direito e da Justiça em <strong>um</strong>a plataforma cognitiva tecnológica<br />

propõe que as relações sejam as próprias regras (objetivas), as quais sejam os<br />

com<strong>por</strong>tamentos materializa<strong>do</strong>s <strong>por</strong> si mesmas.<br />

Dispensa, com o avanço e os, testes, assim, a reconstrução ou a integração<br />

valorativa das “regras” como acontece no sistema vigente, em que se exige <strong>um</strong>a<br />

participação ativa da cognição h<strong>um</strong>ana, inclusive na mediação <strong>do</strong> Direito para o<br />

alcance da Justiça como ato <strong>de</strong>cisional e <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> outra dinâmica que também<br />

tem albergue operacional pelos trilhos da tecnologia.<br />

Por intermédio da Inteligência Artificial, ao integrar, unificar e padronizar, é<br />

possível produzir a universalização da natureza h<strong>um</strong>ana. A estrutura tecnológica e<br />

sua extensão cognitiva <strong>artificial</strong> propiciam tal feito.<br />

Semelhante concretização se dá à pro<strong>por</strong>ção que as naturezas se<br />

homogenizam (natureza <strong>do</strong> homem), <strong>por</strong>que a linguagem seria una, garantin<strong>do</strong> a<br />

universalida<strong>de</strong> da singularida<strong>de</strong> coletiva.<br />

A estrutura tecnológica, conforme já menciona<strong>do</strong>, dispõe <strong>de</strong> recurso apto a<br />

validar a uniformização da linguagem, da norma e das relações, pois todas se<br />

tornarão <strong>um</strong>a só, com isso, <strong>de</strong>sativan<strong>do</strong> as pessoalida<strong>de</strong>s e as subjetivida<strong>de</strong>s que<br />

conflitam e que relativizam as relações culturais. 324<br />

324<br />

Segun<strong>do</strong> Lévy, Todas as transformações na re<strong>de</strong> têm, <strong>por</strong>tanto, causas locais, e os efeitos se<br />

propagam pelas proximida<strong>de</strong>s. Para os conexionistas, o <strong>paradigma</strong> da cognição não é o raciocínio,<br />

mas sim a percepção. Seu mecanismo típico seria o seguinte: - Em <strong>um</strong> instante toda <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> se<br />

encontra em <strong>de</strong>terminada situação <strong>de</strong> equilíbrio; - No instante seguinte, as extremida<strong>de</strong>s da re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

contato com o mun<strong>do</strong> exterior (os capta<strong>do</strong>res) mudam <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>; - As mudanças no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

capta<strong>do</strong>res geram, <strong>por</strong> programação, mudanças <strong>de</strong> esta<strong>do</strong> em outras unida<strong>de</strong>s da re<strong>de</strong>; - As<br />

unida<strong>de</strong>s continuam a modificar os esta<strong>do</strong>s <strong>um</strong>as das outras, até que a re<strong>de</strong> atinja <strong>um</strong>a nova situação<br />

<strong>de</strong> equilíbrio. Este esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> equilíbrio global funciona como <strong>um</strong>a “representação” <strong>do</strong>s eventos<br />

exteriores ao sistema que ocasionaram a modificação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s capta<strong>do</strong>res. A percepção é o<br />

conjunto <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestabilização e <strong>de</strong> re-estabilização da re<strong>de</strong>”. E complementa o mesmo<br />

autor e trecho contínuo (2011, p. 158): É preciso também observar que, segun<strong>do</strong> as teorias<br />

conexionistas, cada nova percepção <strong>de</strong>ixaria vestígios na re<strong>de</strong>. Em particular, as conexões que<br />

seriam mais frequentemente percorridas pelo processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestabilização/estabilização seriam<br />

reforçadas <strong>por</strong> ele. Não haveria, <strong>por</strong>tanto, diferenças essenciais entre percepção, aprendizagem e<br />

memorização, mas sim <strong>um</strong>a única função psíquica que <strong>po<strong>de</strong>r</strong>íamos chamar, <strong>por</strong> exemplo, <strong>de</strong><br />

“experiência”, manten<strong>do</strong> toda a ambiguida<strong>de</strong> da palavra. A imaginação, ou a simulação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />

mentais, seria a ativação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pseu<strong>do</strong>percepção a partir <strong>de</strong> estímulos internos. Esta simulação<br />

utilizaria, evi<strong>de</strong>ntemente, os vestígios, mnésicos <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>s pelas experiências anteriores (a memória a<br />

longo prazo) (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong> pensamento na era da<br />

informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 157)”.


551<br />

Tal processo sinaliza <strong>um</strong>a transição social em <strong>de</strong>corrência da ruptura<br />

promovida pela mudança <strong>de</strong> <strong>paradigma</strong>. A Inteligência Artificial aplicada à transição<br />

da Inteligência h<strong>um</strong>ana induziria a socieda<strong>de</strong> a novas práticas. É preciso trans<strong>por</strong><br />

esse abismo como condição natural da manutenção da espécie h<strong>um</strong>ana, diante <strong>do</strong>s<br />

cenários atuais e <strong>do</strong>s que se projetam.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista das físicas <strong>–</strong> clássica e quântica <strong>–</strong> os problemas ainda<br />

persistem na espera <strong>de</strong> <strong>um</strong>a lei que possa mediar o atual estágio. Tal relação seria<br />

<strong>um</strong>a seara endógena da estrutura orgânica não aprofundada na pesquisa, no<br />

entanto, mencionada.<br />

No aspecto exógeno, a complexida<strong>de</strong> e o avanço têm feito o homem acelerar<br />

o entendimento teórico e prático da tecnologia, para futuras transições. Resta, é<br />

óbvio, aceitar essa evolução e nela confiar, sem per<strong>de</strong>r o controle.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> ser o cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> a se<strong>de</strong> da razão, o avanço para a<br />

compreensão da extensão da <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana para a Inteligência Artificial e a<br />

conjectura da real possibilida<strong>de</strong>, exige-se compreen<strong>de</strong>r em particular o<br />

funcionamento <strong>do</strong> cérebro, como esclarece Penrose. 325<br />

Estan<strong>do</strong> a estrutura <strong>de</strong> funcionamento esquematizada em <strong>de</strong>talhes e as<br />

fronteiras <strong>de</strong>limitadas, o estu<strong>do</strong> científico se conciliou interdisciplinarmente com<br />

ciências das mais variadas cognições ou não seria possível estabelecer <strong>um</strong> diálogo<br />

<strong>um</strong> pouco mais amplo.<br />

325<br />

“To<strong>do</strong> o processamento feito pelo cérebro (e também pela coluna vertebral e retina) é realiza<strong>do</strong>,<br />

pelas células notadamente versáteis <strong>do</strong> corpo, conhecidas como neurônios. Vamos ver com que se<br />

parece <strong>um</strong> neurônio. Na figura 9.8 há <strong>um</strong> <strong>de</strong>senho <strong>de</strong>le. Vemos <strong>um</strong> bulbo central, mais ou menos<br />

como <strong>um</strong>a estrela, muitas vezes como a forma <strong>de</strong> <strong>um</strong> rabanete, chama<strong>do</strong> soma, que contém o núcleo<br />

da célula. Esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se a partir da soma n<strong>um</strong>a das extremida<strong>de</strong>s, temos <strong>um</strong>a comprida fibra<br />

nervosa <strong>–</strong> <strong>por</strong> vezes muito comprida mesmo, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se que nós estamos nos referin<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a<br />

única célula microscópica (ten<strong>do</strong> <strong>por</strong> vezes vários centímetros <strong>de</strong> comprimento, nos seres <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s),<br />

conhecida como axônio, o “fio” através <strong>do</strong> qual o sinal <strong>de</strong> saída da célula é transmiti<strong>do</strong>. Partem <strong>do</strong><br />

axônio muitas ramificações neurais, bifurcan<strong>do</strong>-se ele várias vezes. Na ponta <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>ssas<br />

fibras nervosas, encontra-se <strong>um</strong>a pequena vesícula sináptica. No outro extremo da soma, com<br />

frequência esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se pelas ramificações <strong>por</strong> todas as direções, estão os <strong>de</strong>ndritos semelhantes<br />

a árvores, pelos quais os da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> entrada (os inputs) são leva<strong>do</strong>s ao soma. (Ocasionalmente há<br />

vesículas sinápticas também nos <strong>de</strong>ndritos, as chamadas <strong>de</strong>ndro<strong>de</strong>ntrícias entre os <strong>de</strong>ndritos. Não<br />

tomarei conhecimento <strong>de</strong>las em minha <strong>de</strong>scrição, já que as complicações que ac<strong>um</strong>ulam não são<br />

essenciais.) / Toda célula, sen<strong>do</strong> <strong>um</strong>a unida<strong>de</strong> completa em si mesma, tem <strong>um</strong>a membrana que<br />

envolve o soma, axônio, vesículas sinápticas, <strong>de</strong>ndritos e tu<strong>do</strong> o mais. Para que os sinais passem <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> neurônio para outro, é necessário que “saltem a barreira” entre eles. Isso é feito n<strong>um</strong>a função<br />

conhecida como sinapse, on<strong>de</strong> <strong>um</strong>a vesícula sináptica <strong>do</strong> neurônio ou então n<strong>um</strong> <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>ndritos<br />

(figura 9.9). Na realida<strong>de</strong>, há <strong>um</strong> espaço muito estreito entre a vesícula sináptica e o soma ou<br />

<strong>de</strong>ndrito a que está ligada, chamada <strong>de</strong> fenda sináptica (figura 9.10). O sinal <strong>de</strong> <strong>um</strong> neurônio para o<br />

seguinte tem <strong>de</strong> propagar-se através <strong>de</strong>ssa fenda (PENROSE, Roger. A mente nova <strong>do</strong> rei:<br />

computa<strong>do</strong>res, Mentes e as leis da física. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1991, p. 431)”.


552<br />

Em busca <strong>de</strong> afastar-se da sedução <strong>do</strong> afeiçoamento que enfeitiça os<br />

especialistas e que os leva a erros ou equívocos, face a conclusões precipitadas <strong>por</strong><br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar que a constelação <strong>de</strong> ciências existentes, direta e indiretamente<br />

interligadas, contribui para o melhoramento da ciência e <strong>do</strong> cientista.<br />

A performance a<strong>do</strong>tada foi integrativa, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o conhecimento é<br />

uno. Recorreu também às informações cognitivas da ciência química, para tecer<br />

breves consi<strong>de</strong>rações a respeito das substâncias que trafegam nos processos<br />

sinápticos <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

A atenção a tal <strong>de</strong>talhe explica <strong>por</strong> si só o reflexo e os indícios perceptivos <strong>por</strong><br />

todas as <strong>de</strong>mais ciências quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> em sua tomada <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisões, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que as ligações sinápticas não são somente correntes<br />

elétricas percorren<strong>do</strong> o sistema neural <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

Observou-se, com isso, que a natureza é muito mais exuberante e misteriosa<br />

<strong>do</strong> que se po<strong>de</strong> imaginar, faceia suas particularida<strong>de</strong>s e outras, não. Talvez essa<br />

dificulda<strong>de</strong> tenha como razão maior extrair a pedagogia <strong>do</strong> ensino e <strong>do</strong><br />

aprendiza<strong>do</strong>. 326 A <strong>de</strong>scrição levanta à hipótese <strong>de</strong> que, se consi<strong>de</strong>rarmos que a<br />

natureza é perfeita, o que com<strong>por</strong>ta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo oposição em contrário: a<br />

irregularida<strong>de</strong> marcada pela instabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> funcionamento <strong>do</strong> sistema da<br />

<strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada <strong>um</strong>a perfeição.<br />

Há razões fisiológicas para aceitar a perfeição apontada pelas linhas<br />

enviesadas e ainda <strong>de</strong>sconhecidas <strong>do</strong>s mistérios da mente h<strong>um</strong>ana, principalmente<br />

com relação ao funcionamento <strong>do</strong> órgão cerebral <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e toda a sua<br />

complexida<strong>de</strong>.<br />

326<br />

Para Penrose: “Uma fibra nervosa consiste basicamente <strong>de</strong> <strong>um</strong> tubo cilíndrico que contém <strong>um</strong>a<br />

solução mista <strong>de</strong> sal com<strong>um</strong> (cloreto <strong>de</strong> sódio) e cloreto <strong>de</strong> potássio, principalmente esse último, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> que há sódio, potássio e íons <strong>de</strong> cloreto <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> tubo (figura 9.11). Esses íons estão também<br />

presentes fora, mas em pro<strong>por</strong>ções diferentes, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que fora há mais íons <strong>de</strong> sódio <strong>do</strong> que<br />

potássio. No esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> repouso <strong>do</strong> nervo, há <strong>um</strong>a clara carga elétrica negativa <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> tubo (isto é,<br />

mais íons <strong>de</strong> cloreto <strong>do</strong> que <strong>de</strong> sódio e potássio juntos <strong>–</strong> lembremos que os íons <strong>de</strong> sódio e potássio<br />

têm carga positiva e os <strong>de</strong> cloreto, negativa) e <strong>um</strong>a clara carga positiva <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora (isto é, mais<br />

sódio e potássio <strong>do</strong> que cloreto). A membrana da célula que constitui a superfície <strong>do</strong> cilindro é <strong>um</strong><br />

tanto “vazante”, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que os íons ten<strong>de</strong>m a passar através <strong>de</strong>la e neutralizar a diferença <strong>de</strong><br />

carga. Para compensar isso e manter o excesso <strong>de</strong> carga, negativa no interior, há <strong>um</strong>a “bomba<br />

metabólica” que manda, muito lentamente, íons <strong>de</strong> sódio <strong>de</strong> volta através da membrana circundante.<br />

Isso também serve, em parte, para manter o maior vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong> potássio em relação ao <strong>de</strong> sódio no<br />

interior. Há outra bomba metabólica que em escala pouco menor manda íons <strong>de</strong> potássio <strong>de</strong> fora para<br />

<strong>de</strong>ntro, contribuin<strong>do</strong> com isso para o exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> potássio no interior (embora funcione contra a<br />

manutenção <strong>do</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio <strong>de</strong> carga) (PENROSE, Roger. A mente nova <strong>do</strong> rei: computa<strong>do</strong>res,<br />

Mentes e as leis da física. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1991, p. 432)”.


553<br />

Essa perfeição, no entanto, restringe-se à estética e à sua estrutura funcional,<br />

que ainda em gran<strong>de</strong> parte encontra-se eclipsada pelas nuvens <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconhecimento<br />

científico em diuturno estu<strong>do</strong> em anseio <strong>de</strong> dissipá-lo.<br />

Esse <strong>de</strong>sempenho <strong>–</strong> ausência <strong>de</strong> linearida<strong>de</strong> <strong>–</strong> cristaliza<strong>do</strong> pela instabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> funcionamento das re<strong>de</strong>s neurais é responsável pela incerteza e pela<br />

imprevisibilida<strong>de</strong> das ações <strong>do</strong> pensamento e <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento. Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

situação incontornável, <strong>por</strong> ser da natureza <strong>do</strong> sistema orgânico cerebral quanto a<br />

seu funcionamento.<br />

Nada impe<strong>de</strong>, <strong>por</strong>ém, que, no plano com<strong>por</strong>tamental <strong>–</strong> plano das ações <strong>–</strong>,<br />

estan<strong>do</strong> as regras estabelecidas e <strong>de</strong>finidas, a Inteligência Artificial e toda a<br />

estrutura sistêmica permitam classificar, integrar, unificar e padronizar, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a<br />

gerar na vida h<strong>um</strong>ana ações condicionadamente previsíveis, reservadas às ciências<br />

sensíveis, tais como a psicologia e suas escolas, a filosofia e a sociologia <strong>de</strong>ntre<br />

outras, em seu contínuo estu<strong>do</strong>.<br />

No plano da estrutura biológica, a imprevisibilida<strong>de</strong> e a incerteza das ações<br />

h<strong>um</strong>anas têm suas origens, restan<strong>do</strong> às <strong>de</strong>mais ciências catalogar e buscar, <strong>por</strong><br />

ausência <strong>de</strong> efetivo conhecimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a explicação <strong>do</strong> sistema neurológico<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.<br />

Será essencial criar escolas e/ou teorias capazes <strong>de</strong>, se não na origem, ao<br />

menos gerar mecanismos que possam moldar, modular e dar equilíbrio às ações<br />

h<strong>um</strong>anas no plano sensível das relações sociais. Esclarece Penrose (1991, p. 441):<br />

[...] há outro aspecto da libertação <strong>de</strong> neurotransmissores pelas vesículas<br />

sinápticas. Por vezes eles não ocorrem nas fendas sinápticas, mas entram<br />

no flui<strong>do</strong> intercelular geral, talvez para influenciar outros neurônios muitos<br />

distantes. Muitas substâncias neuroquímicas diferentes parecem ser<br />

emitidas <strong>de</strong>ssa forma <strong>–</strong> e há diferentes varieda<strong>de</strong>s possíveis das<br />

substancias químicas participantes. Certamente o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> cérebro po<strong>de</strong><br />

ser influencia<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira geral pela presença <strong>de</strong> substâncias químicas<br />

que são produzidas <strong>por</strong> outras partes <strong>do</strong> cérebro (como hormônios, <strong>por</strong><br />

exemplo).<br />

Disso se extraem as dificulda<strong>de</strong>s das escolas clássicas e mo<strong>de</strong>rnas da<br />

psicologia em fundar <strong>um</strong>a teoria que possa dar <strong>um</strong>a exata explicação <strong>do</strong><br />

funcionamento da mente e <strong>do</strong> com<strong>por</strong>tamento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>, <strong>por</strong> vezes, pouco<br />

reconheci<strong>do</strong>.


554<br />

Certamente essas escolas e seus signatários pensa<strong>do</strong>res tenham contribuí<strong>do</strong><br />

para tais explicações, <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> pesquisas científicas e estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> caso,<br />

inclusive com a participação <strong>de</strong> pessoas que comprovam a limitação cognitiva e a<br />

influenciabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema <strong>–</strong> <strong>inteligência</strong> h<strong>um</strong>ana.<br />

No campo da neuroquímica e neurofísica, <strong>por</strong>tanto, tem-se <strong>um</strong>a conclusão<br />

dicotômica e essencial ao estu<strong>do</strong>. Primeiro, <strong>de</strong> que a influência com<strong>por</strong>tamental <strong>do</strong><br />

homem é fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a combinação química e física que acontece em seu sistema<br />

cerebral, que ainda exige <strong>um</strong>a teoria que possa explicar em <strong>de</strong>talhes, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a<br />

precisar, antecipadamente o funcionamento cerebral.<br />

Se isso ainda não é presente, ou seja, a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a teoria da mente, é<br />

fato evi<strong>de</strong>nte que os neurônios responsáveis pelo funcionamento cerebral são<br />

influenciáveis, <strong>por</strong> isso, a cognição h<strong>um</strong>ana é imprevisível e incerta.<br />

E o que é ela, e como se faz isso? Po<strong>de</strong> tanto ser a combinação <strong>de</strong><br />

substâncias internas <strong>do</strong> próprio cérebro como a combinação <strong>de</strong> reflexos externos <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> internaliza<strong>do</strong>s/capta<strong>do</strong>s pelos senti<strong>do</strong>s que venham a gerar no cérebro<br />

reações diversas, inclusive a geração <strong>de</strong> substâncias que contribuam para o<br />

funcionamento <strong>do</strong> sistema <strong>cognitivo</strong> cerebral.<br />

A cognição h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>tanto, em nenh<strong>um</strong>a hipótese po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como<br />

certa e previsível em suas ações e reações, sen<strong>do</strong> possível afirmar categoricamente<br />

que a incerteza e a imprevisibilida<strong>de</strong> são imanentes à sua própria natureza<br />

neurofísica e neuroquímica.<br />

O que se tem, no mun<strong>do</strong> prático das ações, a título <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> em<br />

termos, é fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a convenção com<strong>por</strong>tamental <strong>de</strong> regras, sociais ou não, que<br />

sinalizam, ditan<strong>do</strong> o como agir.<br />

E em segun<strong>do</strong> lugar, concluin<strong>do</strong> o raciocínio dicotômico, a neuroquímica é<br />

complexa e complicada, <strong>por</strong>ém <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como elemento-combustível<br />

<strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> cérebro.<br />

O que gera <strong>um</strong> complica<strong>do</strong>r quase intransponível para a pesquisa científica,<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> replicar <strong>–</strong> <strong>por</strong> intermédio da Inteligência<br />

Artificial em <strong>de</strong>talhes <strong>–</strong> o funcionamento <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>.


555<br />

Antes <strong>de</strong> enfrentar a <strong>de</strong>nsa e complexa questão, talvez a mais difícil,<br />

principalmente pela falta <strong>de</strong> subsídios claros, seguros e evi<strong>de</strong>ntes <strong>–</strong> estágio da física<br />

e da química e das ciências cognitivas correlatas <strong>–</strong> somada à incerteza e à<br />

insegurança psicologicamente nutrida pelo homem quan<strong>do</strong> enfrenta o<br />

<strong>de</strong>sconhecimento <strong>do</strong> <strong>novo</strong>, ainda se exige <strong>um</strong>a compreensão rápida sobre<br />

plasticida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cérebro <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e no que ela implica. 327 O avanço das relações<br />

h<strong>um</strong>anas e suas complexida<strong>de</strong>s já <strong>de</strong>monstra que essa mutabilida<strong>de</strong> geralmente<br />

são partes comuns e repetidas <strong>de</strong> situações anteriormente realizadas.<br />

A incomensurabilida<strong>de</strong> entre as <strong>inteligência</strong>s é algo evi<strong>de</strong>nte. É possível,<br />

entretanto, possível valer-se <strong>de</strong> Kuhn, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> sustentar tal conceito em<br />

modulação fraca ou mo<strong>de</strong>rada da qual a linguagem conceitual em parte se<br />

aproveita.<br />

Torna-se possível a equiparação ou a comparação para fins <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s e<br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento. Aliás, toda posição radical ass<strong>um</strong>e riscos <strong>de</strong>masiadamente<br />

caros sob to<strong>do</strong>s os aspectos.<br />

As máquinas jamais serão h<strong>um</strong>anas ou vice-versa. São <strong>de</strong> naturezas<br />

distintas, razões, lógicas e consciências diferentes. Isso, caso seja possível utilizar a<br />

palavra consciência para as funções realizadas pelas sinapses neuroniais<br />

alicerçadas pela teoria conexionista que, atual estágio, tem <strong>de</strong>staque para as<br />

similarida<strong>de</strong>s sinápticas, bem como para a realização <strong>do</strong> armazenamento, da<br />

integração, da sistematização e da expansão <strong>do</strong> capital intelectual <strong>artificial</strong> produzi<strong>do</strong><br />

nos sistemas paralelos (<strong>inteligência</strong> computa<strong>do</strong>rizada).<br />

327<br />

Segun<strong>do</strong> Peronse: “Não é realmente legítimo consi<strong>de</strong>rar o cérebro simplesmente <strong>um</strong>a coleção fixa<br />

<strong>de</strong> neurônios liga<strong>do</strong>s. As ligações entre eles não são, na verda<strong>de</strong>, fixas, como aconteceria no mo<strong>de</strong>lo<br />

computa<strong>do</strong>riza<strong>do</strong> anterior, mas se modificam constantemente. Gran<strong>de</strong> parte da complicada “fiação”<br />

<strong>de</strong>stes tem suas linhas gerais estabelecidas no nascimento. Refiro-me às funções sinápticas on<strong>de</strong><br />

realmente ocorre a comunicação entre os diferentes neurônios. Por vezes elas acontecem nos<br />

lugares chama<strong>do</strong>s espinhas <strong>de</strong>ndríticas, pequenas protuberâncias nos <strong>de</strong>ndritos, nas quais se po<strong>de</strong><br />

fazer contato, com as vesículas sinápticas (ver figura 9.15) “contacto” significa apenas não tocar, mas<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>um</strong>a pequena fissura (fenda ou fissura sináptica) exatamente da distância certa <strong>–</strong> área <strong>de</strong> 40<br />

milionésimos <strong>de</strong> <strong>um</strong> milímetro. Dentro <strong>de</strong> certas condições, essas espinhas <strong>de</strong>ndríticas po<strong>de</strong>m<br />

encolher e romper o contato ou (elas ou outras novas) esten<strong>de</strong>r-se para fazer <strong>novo</strong> contato. Assim, se<br />

pensávamos nas ligações <strong>do</strong>s neurônios no cérebro como sen<strong>do</strong>, com efeito, <strong>um</strong> computa<strong>do</strong>r <strong>–</strong> é <strong>um</strong><br />

computa<strong>do</strong>r capaz <strong>de</strong> se modificar a to<strong>do</strong> tempo.De acor<strong>do</strong> com <strong>um</strong>a das principais teorias sobre a<br />

maneira pela qual são fixadas as recordações a longo prazo, é essa variação das conexões<br />

sinápticas que pro<strong>por</strong>ciona os meios <strong>de</strong> armazenar as informações. Se assim for, então a<br />

plasticida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cérebro não será apenas complicação inci<strong>de</strong>ntal, mas sim <strong>um</strong>a característica<br />

essencial <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> (PENROSE, Roger. A mente nova <strong>do</strong> rei: computa<strong>do</strong>res, Mentes e as leis<br />

da física. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1991, p. 439)”.


556<br />

Posteriormente, ainda restará tecer alg<strong>um</strong>as consi<strong>de</strong>rações a respeito da<br />

consciência h<strong>um</strong>ana, contribuin<strong>do</strong> para a primeira hipótese <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, dadas as<br />

limitações afetas ao conhecimento <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> <strong>–</strong> diante <strong>de</strong> sua própria natureza<br />

intrínseca e extrínseca.Com isso, <strong>de</strong>monstra que conhecimento exige <strong>um</strong>a<br />

concepção <strong>de</strong> macrocognição ante à nova realida<strong>de</strong>.<br />

No campo da plasticida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cérebro, tal com<strong>por</strong>tamento permite revelar que<br />

os canais sinápticos realizam operações gera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> outras conexões<br />

responsáveis <strong>por</strong> estabelecer o caminho <strong>de</strong> resgate das informações e <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s<br />

produzi<strong>do</strong>s bem como <strong>por</strong> realizar novas conexões em busca <strong>de</strong> produzir novas<br />

informações.<br />

Como esclareci<strong>do</strong>, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da neurofísica e da neuroquímica, a<br />

incomensurabilida<strong>de</strong> somente pro<strong>por</strong>ciona <strong>um</strong> espelhamento da estrutura <strong>de</strong><br />

funcionamento, o que po<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r à construção da estrutura computa<strong>do</strong>rizada em<br />

que resi<strong>de</strong> a Inteligência Artificial.<br />

Semelhante forma <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> dificilmente gozaria <strong>de</strong> <strong>um</strong>a reflexão <strong>do</strong> tipo<br />

que acontece na mente h<strong>um</strong>ana nem compartilharia da consciência <strong>de</strong>ssa espécie,<br />

<strong>de</strong>ntre outros fatores orgânicos comuns à espécie h<strong>um</strong>ana, <strong>por</strong>ém com produção,<br />

padronização e antecipação <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> intelectual assim como a possibilida<strong>de</strong> já<br />

existente <strong>de</strong> realizar programações em sistemas tecnológicos.<br />

As ações são meras reproduções em que a organização possa transformar<br />

<strong>um</strong>a ação não-algorítmica, após sua reprodução, <strong>por</strong> várias vezes: transmutar em<br />

<strong>um</strong>a ação algorítmica através <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> programação é plenamente<br />

possível.<br />

É possível, <strong>por</strong>tanto <strong>–</strong> à guisa <strong>de</strong> exemplos <strong>–</strong>, nas resoluções <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda<br />

repetitiva que fundam os (prece<strong>de</strong>ntes), o Direito ser media<strong>do</strong> pela Inteligência<br />

Artificial para o alcance da Justiça bem como nas áreas fiscais, previdênciárias e <strong>de</strong><br />

procedimentos em que a exigência são o abastecimento <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e as informações<br />

pre<strong>de</strong>finidas, <strong>de</strong>ntre outras situações em que os esta<strong>do</strong>s se transmutam pela<br />

plasticida<strong>de</strong> <strong>do</strong> entendimento, da compreensão e da conclusão. Para Penrose<br />

(1991, p. 458):


557<br />

Para isso, precisamos pensar e fazer <strong>um</strong> julgamento consciente. (Iremos ver<br />

<strong>de</strong>ntro em pouco <strong>por</strong>que esses julgamentos <strong>de</strong>vem, pelo menos alg<strong>um</strong>as<br />

vezes ser não algoritmos!). É claro que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter resolvi<strong>do</strong> gran<strong>de</strong><br />

número <strong>de</strong> problemas semelhantes, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> multiplicar ou dividir os<br />

números po<strong>de</strong> transformar-se n<strong>um</strong>a segunda natureza a ser realizada<br />

algoritmicamente <strong>–</strong> talvez pelo cerebelo. A essa altura, a consciência não é<br />

necessária e torna-se possível <strong>de</strong>ixar que vagueie e se ocupe <strong>de</strong> outros<br />

assuntos <strong>–</strong> embora <strong>de</strong> tempos em tempos talvez seja necessário verificar se<br />

o algoritmo não foi para <strong>um</strong> <strong>de</strong>svio, <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a maneira (talvez sutil).<br />

Existem estu<strong>do</strong>s no senti<strong>do</strong> da integração <strong>de</strong> muitas incomensurabilida<strong>de</strong>s e<br />

granularida<strong>de</strong>s geradas pelos primeiros cientistas. Os primeiros se diz: são to<strong>do</strong>s<br />

aqueles que geram o retrocesso da própria ciência, ao acreditar que o conhecimento<br />

teórico e prático que realiza seus estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pesquisa seja sempre o melhor, único,<br />

exclusivo e individual.<br />

As contradições e a diferenças são traços marca<strong>do</strong>s pelas diversida<strong>de</strong>s<br />

culturais, tributárias das linguagens diversas. Ciências como:<br />

neurociências,linguística e psicolinguísticas vêm, <strong>por</strong> intermédio da engenharia das<br />

linguagens, procuran<strong>do</strong> romper as fronteiras em busca <strong>de</strong> consolidar <strong>novo</strong>s<br />

<strong>paradigma</strong>s.<br />

Talvez as diferenças gerem em seus <strong>limite</strong>s a convergência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova<br />

linguagem. Universalizá-la po<strong>de</strong> trilhar três possibilida<strong>de</strong>s plausíveis,<br />

respectivamente:<br />

<br />

<br />

<br />

Refunda todas as linguagens em <strong>um</strong>a só e, como isso suplantaria a<br />

tentativa <strong>de</strong> outras tantas ciências; surge na tentativa <strong>de</strong> explicar os<br />

problemas existentes e, nesse exercício <strong>de</strong> ajudar, cria outros problemas,<br />

os quais se somariam aos primeiros;<br />

Cria <strong>um</strong>a linguagem universal, sobrepon<strong>do</strong> todas as existentes; relativiza<br />

todas as culturas e gera, a partir <strong>de</strong> então, toda <strong>um</strong>a estrutura e com ela<br />

<strong>um</strong>a literatura;<br />

Reconhece o <strong>limite</strong> <strong>cognitivo</strong> embrionário físico, químico e sistêmico da<br />

espécie h<strong>um</strong>ana; sobrepõe a essa <strong>um</strong>a Inteligência Artificial capaz <strong>de</strong><br />

classificar, catalogar, integrar, unificar e padronizar a vida da espécie<br />

h<strong>um</strong>ana.<br />

Essa última hipótese tem forte relação com a construção <strong>de</strong> sistemas<br />

paralelos, cujos avanços e resulta<strong>do</strong>s positivos têm-se mostra<strong>do</strong> surpreen<strong>de</strong>ntes.


558<br />

Não há <strong>um</strong>a extinção da espécie h<strong>um</strong>ana, salvo <strong>por</strong> caprichos particulares; há<br />

<strong>um</strong> auxílio complementar das máquinas ou simplesmente <strong>um</strong>a disjunção das tarefas<br />

ou das funções tipicamente realizadas pelo homem que, agora, passa a ser<br />

realizada pela Inteligência Artificial, o que já é com<strong>um</strong> em vários setores <strong>do</strong><br />

Judiciário, tratan<strong>do</strong>-se tão somente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova etapa da agenda <strong>de</strong> tecnologia e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> sistema.<br />

Não aceitar a tecnologia é quase impossível. O mais com<strong>um</strong> na relação entre<br />

homem e máquina é notar certo maniqueísmo parcial <strong>por</strong> parte <strong>do</strong> primeiro, ainda<br />

existente, exigin<strong>do</strong> que aquela explique como ele, “homem”, funciona, o que parece<br />

irracional, até <strong>por</strong>que as máquinas precisam ser treinadas e programadas pelo<br />

próprio homem.<br />

São <strong>inteligência</strong>s distintas, como já <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>, com capacida<strong>de</strong>s, habilida<strong>de</strong>s,<br />

competências, razões e lógicas peculiares <strong>de</strong> cada espécie. Por isso, a consciência<br />

da espécie h<strong>um</strong>ana não opera em or<strong>de</strong>m sequencial ou paralela, é reflexiva com<br />

<strong>de</strong>lay.<br />

Executam ou são projetadas para executar ativida<strong>de</strong>s: no caso da <strong>inteligência</strong><br />

natural, o cérebro da espécie h<strong>um</strong>ana parte <strong>de</strong> suas ações, são realizadas <strong>de</strong> forma<br />

inconscientes, <strong>por</strong> isso, não se po<strong>de</strong> cobrar consciência das máquinas em sua<br />

totalida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> que, na particularida<strong>de</strong>, a natureza das espécies se encarregam<br />

<strong>de</strong> diferenciá-las. Por consequência, as objeções e as indagações trazidas pelo<br />

trabalho <strong>de</strong> pesquisa são relevantes e preten<strong>de</strong>m, aliançadas a outros estu<strong>do</strong>s e a<br />

seu contínuo aprimoramento, <strong>de</strong>senvolver reflexões a respeito <strong>do</strong>s polos temáticos<br />

em compromisso da ciência pela ciência.<br />

Nesse palmilhar, parafrasean<strong>do</strong> Maltez, em obra <strong>de</strong> sua lavra Breviário <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

Repúblico, é elementar o vigor com que o conhecimento nos nutre, e o que po<strong>de</strong>mos<br />

extrair e fazer <strong>de</strong>le, para tornar a realida<strong>de</strong> social efetivamente melhor.<br />

A Pátria não po<strong>de</strong> ser apenas <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia que se faz da or<strong>de</strong>m imposta e<br />

estabelecida, ou sua subvertida utopia; em verda<strong>de</strong> ela é a alma <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> <strong>de</strong> nós,<br />

cobra-nos <strong>um</strong>a imaginação reflexiva para além da razão e da vonta<strong>de</strong>. É preciso que<br />

o homem <strong>de</strong> partes insignificantes integre-as para <strong>um</strong> propósito maior, aproveitan<strong>do</strong>,<br />

em si, todas as forças <strong>do</strong>s pensamentos que o antece<strong>de</strong>ram para tornar seu<br />

presente e seu futuro concretamente melhor.


559<br />

Para isso, é necessário que o homem faça valer sua consciência e, em alguns<br />

momentos, a resgate no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> restabelecê-la propositivamente. Disso se<br />

questiona saber se <strong>um</strong>a <strong>inteligência</strong>, para ser reconhecida, exige que se tenha <strong>um</strong>a<br />

consciência ou a consciência seja <strong>um</strong> atributo <strong>de</strong> si mesma, em que em cada<br />

<strong>inteligência</strong> se manifeste <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa forma e <strong>de</strong>tenha <strong>um</strong> certo significa<strong>do</strong>.<br />

Talvez a <strong>inteligência</strong> seja <strong>um</strong> centro em que as operações aconteçam<br />

sucessivamente <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a resolver <strong>de</strong>terminada situação, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura<br />

peculiar à sua natureza formal e substancial. Talvez seja <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> interface<br />

que conecte a espécie h<strong>um</strong>ana ao mun<strong>do</strong> e às <strong>de</strong>mais faculda<strong>de</strong>s da mente.<br />

Pensa-se que as faculda<strong>de</strong>s cerebrais neurais sejam diversas e que cada<br />

<strong>um</strong>a <strong>de</strong>las c<strong>um</strong>pra suas finalida<strong>de</strong>s. Quanto à <strong>inteligência</strong>, imagina-se que seja e<br />

se <strong>de</strong>fina como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolução daquilo que a nos submetemos a<br />

realizar.<br />

Também é <strong>de</strong> se elucidar que, para que isso exista, em sua base<br />

conhecimento, informações e da<strong>do</strong>s empiricamente coleta<strong>do</strong>s ou racionalmente<br />

existentes precisam ser produzi<strong>do</strong>s ou abasteci<strong>do</strong>s.<br />

O que difere as <strong>inteligência</strong>s entre si se dá quanto à forma, à estrutura e à sua<br />

natureza. É possível afirmar que a consciência não é condição da <strong>inteligência</strong><br />

<strong>por</strong>que até mesmo a <strong>inteligência</strong> natural tem ações em que se conclui<br />

cientificamente que a “<strong>de</strong>sconhecida” consciência não se faz presente. 328 Resolver é<br />

classificar e <strong>de</strong>cidir; categorizar é classificar e <strong>de</strong>terminar <strong>–</strong> prática milenar que<br />

remonta à Grécia antiga. A isso se tem como <strong>de</strong>cisão inteligente, <strong>por</strong>que a<br />

pre<strong>de</strong>finição e o cons<strong>um</strong>o <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> pretendi<strong>do</strong> foram alcança<strong>do</strong>s.<br />

Não se <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>ncia com isso o papel im<strong>por</strong>tante e essencial da consciência<br />

h<strong>um</strong>ana, todavia é preciso observar que a posição inteligente advinda <strong>por</strong> caminhos<br />

mais simplifica<strong>do</strong>s contém sua im<strong>por</strong>tância no estágio em que a socieda<strong>de</strong> se<br />

encontra.<br />

328<br />

Afirma Lévy: “Gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> módulos <strong>do</strong> sistema <strong>cognitivo</strong> são, <strong>por</strong>tanto, “encapsula<strong>do</strong>s”,<br />

automáticos e muito rápi<strong>do</strong>s. Isto significa, entre outros, que eles escapam à consciência. Seus<br />

resulta<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m muito bem chegar até a zona <strong>de</strong> atenção consciente <strong>de</strong> nossa mente, mas os<br />

processos realiza<strong>do</strong>s <strong>por</strong> estes módulos permanecem totalmente opacos para nós, e escapam a<br />

qualquer tentativa <strong>de</strong> controle (LÉVY, Pierre. As tecnologias da <strong>inteligência</strong>: o futuro <strong>do</strong><br />

pensamento na era da informática; tradução Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. 34,<br />

2011, p. 168)”.


560<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se que no contexto social existem universos <strong>de</strong> casos, soluções,<br />

discursos, proprieda<strong>de</strong>s e variáveis, sen<strong>do</strong> que essas po<strong>de</strong>m ser isoladas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> <strong>–</strong> padrão aceitável <strong>–</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à estabilização pro<strong>por</strong>cionada pela padronização<br />

das proprieda<strong>de</strong>s e das próprias variáveis. Semelhante contexto sinaliza para a<br />

tecnologização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> jurídico <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> sistemas informatiza<strong>do</strong>s.<br />

Outrossim, sen<strong>do</strong> a função da lei condicionar com<strong>por</strong>tamentos, significa dizer<br />

que a lei opera seletivamente no meio social, fornecen<strong>do</strong> com isso da<strong>do</strong>s e<br />

informações <strong>de</strong> como pro<strong>por</strong>cionar a concretização <strong>do</strong>s propósitos normativos <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema que <strong>de</strong>ve sistematizar tais operacionalizações.<br />

A <strong>inteligência</strong> natural como a responsável pela criação e a participação ativa<br />

nesse processo até o presente momento revela-se inquestionável, o que não po<strong>de</strong><br />

eclipsar o avanço <strong>h<strong>um</strong>ano</strong> e tecnológico <strong>de</strong> outras infinitas <strong>de</strong>scobertas no campo<br />

das tecnologias em <strong>inteligência</strong>s.<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Inteligência Artificial para auxiliar a<br />

Justiça no campo <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões, principalmente das que são massivas, em que<br />

as variáveis se encontram isoladas e em que existe <strong>um</strong>a padronização <strong>do</strong><br />

entendimento, corrobora com a plena acessibilida<strong>de</strong> ao Judiciário nos termos<br />

previstos na Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Manobrar medidas que inibem o acesso à Justiça como a apresentada em<br />

agosto <strong>de</strong> 2015, pela AMB (Associação <strong>do</strong>s Magistra<strong>do</strong>s Brasileiros) sob a<br />

nomenclatura “Não <strong>de</strong>ixe o judiciário parar” <strong>de</strong>monstra a fragilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em<br />

tratar das causas que geram os problemas da sua estrutura orgânica.<br />

Além <strong>de</strong> fazer prova contra si, <strong>de</strong>monstra faltar investir coerentemente em<br />

pesquisa em diversas áreas, inclusive na da tecnologia <strong>do</strong> Direito e da Justiça, como<br />

praticam países como os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América. 329<br />

Apontar os maiores litigantes <strong>do</strong> sistema judiciário e gerar mecanismos que<br />

inibem o acesso massivo <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> Direito seria muito mais coerente e<br />

<strong>de</strong>sestimulante para as gran<strong>de</strong>s cor<strong>por</strong>ações, se tivessem suas causas julgadas<br />

com brevida<strong>de</strong> com livre acesso e sem censuras.<br />

329<br />

Disponível em: ;<br />

. Acesso em: 15 jul. 2015.


561<br />

Se elas forem processadas e julgadas imediatamente como tendência prática<br />

da vida na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, revelaria o completo aparelhamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às adversida<strong>de</strong>s e às complexida<strong>de</strong>s quantitativa e<br />

qualitativamente.<br />

Com a transição <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong> Direito e <strong>um</strong>a nova Justiça, há <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>r<br />

nesse processo <strong>de</strong> metamorfose pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> pela combinação das ciências suas<br />

respectivas linguagens e cognições. A universalização <strong>de</strong> <strong>um</strong> código fonte <strong>de</strong>ve<br />

surgir para romper com as granularida<strong>de</strong>s e incomensurabilida<strong>de</strong>s geradas pelas<br />

próprias ciências e seus especialistas.<br />

É impossível interromper neste estágio a massificação social. A gestão <strong>do</strong>s<br />

esta<strong>do</strong>s exige <strong>um</strong>a resposta rápida e inteligente que somente <strong>um</strong>a Inteligência<br />

Artificial po<strong>de</strong> pro<strong>por</strong>cionar enquanto meio (ferramenta): a integração, a unificação, a<br />

padronização e a sistematização. É preciso o homem confiar em si mesmo, <strong>um</strong>a vez<br />

que as máquinas serão seus extensores.<br />

A algoritmização <strong>do</strong> Direito e da Justiça pro<strong>por</strong>cionará rapi<strong>de</strong>z ao<br />

funcionamento <strong>do</strong> sistema Judiciário; a Justiça <strong>do</strong>s números caóticos <strong>de</strong>ve ser<br />

convertida em <strong>um</strong>a agenda planejada com metas concretas e tangíveis. Prover a<br />

venda da especulação e da promoção das dificulda<strong>de</strong>s exige ações proativas no<br />

campo teórico-científico e prático <strong>de</strong> combate e redirecionamento estratégico e<br />

material.<br />

A Inteligência Artificial revela-se como o mecanismo a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, útil e<br />

compatível para estabelecer <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> funcionamento eficaz da Justiça. O<br />

avanço no <strong>de</strong>senvolvimento da engenharia <strong>de</strong>ssa modalida<strong>de</strong> cognitiva tem<br />

pro<strong>por</strong>ciona<strong>do</strong> a criação <strong>de</strong> algoritmos mais eficientes, conce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos<br />

programa<strong>do</strong>res a produção <strong>de</strong> máquinas cada vez mais eficientes para o auxílio das<br />

ativida<strong>de</strong>s h<strong>um</strong>anas. Essa condição <strong>–</strong> ou esse fato <strong>–</strong> é necessária à própria<br />

consciência. Aliás, é a própria consciência que leva o homem a reconhecer sua<br />

falibilida<strong>de</strong> e sua insuficiência.<br />

Isso o conduz a reconhecer que <strong>um</strong>a outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong> possa<br />

auxiliá-lo nas situações em que a consciência não se mostra mais necessária,<br />

conforme esclarece Penrose (1991, p. 461): “[...] boa parte da razão para se<br />

acreditar que a consciência é capaz <strong>de</strong> influenciar os julgamentos da verda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a maneira não-algoritmica vem <strong>de</strong> <strong>um</strong> exame <strong>do</strong> teorema <strong>de</strong> Go<strong>de</strong>l”. Isso é<br />

aceitável <strong>por</strong>que cientificamente comprovável.


562<br />

Embora a <strong>inteligência</strong> computa<strong>do</strong>rizada não <strong>de</strong>tenha a mesma natureza da<br />

<strong>inteligência</strong> natural, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tal modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>inteligência</strong>, em que a<br />

consciência tenha si<strong>do</strong> absorvida pela inconsciência psicomotora da repetibilida<strong>de</strong>, a<br />

classificação e a categorização <strong>do</strong> Direito permitem que esse seja mo<strong>de</strong>la<strong>do</strong><br />

tecnologicamente, fazen<strong>do</strong> emergir <strong>um</strong>a Justiça Artificial.<br />

Para isso, é chega<strong>do</strong> o momento em que os especialistas precisam juntos<br />

criar <strong>um</strong>a língua com<strong>um</strong> capaz <strong>de</strong> promover o entendimento e a compreensão das<br />

dificulda<strong>de</strong>s ainda não superadas. Não resiste a socieda<strong>de</strong> em ter os velhos e<br />

antigos problemas trata<strong>do</strong>s com méto<strong>do</strong>s ineficazes <strong>de</strong> outrora.<br />

O sistema Judiciário testemunha nos últimos anos para a <strong>de</strong>sjudicialização <strong>de</strong><br />

diversos institutos e a especialização <strong>de</strong> muitos outros na busca <strong>de</strong> dar o tratamento<br />

coletivo para as <strong>de</strong>mandas coletivas típicas <strong>do</strong>s tempos presentes, o que <strong>de</strong>nota a<br />

classificação categorizada <strong>do</strong>s casos e das soluções. Umbilicalmente representa a<br />

semente da tecnologização das ações e <strong>do</strong>s com<strong>por</strong>tamentos <strong>h<strong>um</strong>ano</strong>s.<br />

Ao Esta<strong>do</strong> inc<strong>um</strong>be reconhecer sua gran<strong>de</strong> parcela <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

quanto aos atuais problemas. Tanto falto político judiciário, quanto falta política<br />

pública em to<strong>do</strong>s os setores.<br />

A vida neste cenário é <strong>um</strong>a aventura incerta a <strong>um</strong> preço muito alto, ou seja,<br />

on<strong>de</strong> estamos é <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> que exige ação reflexiva, autônoma e soberana.<br />

Para Otaviano Pereira (2003, p. 63-74):<br />

[...] a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é expressão <strong>de</strong> <strong>um</strong> certo “cansaço” da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong> to<strong>do</strong> seu racionalismo, sua forma <strong>de</strong> organização, das regras <strong>de</strong> suas<br />

instituições, enfim, <strong>de</strong> seu gran<strong>de</strong> impulso <strong>de</strong> morte. Foi <strong>por</strong> isso que<br />

dissemos no início, que estamos <strong>de</strong>scen<strong>do</strong> os pesa<strong>do</strong>s far<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s ombros.<br />

Há <strong>um</strong> ritmo <strong>de</strong> vida que se acelerou, que nos exige <strong>um</strong>a produção <strong>de</strong><br />

ações e reações, <strong>um</strong>a atenção permanente, que não estamos dan<strong>do</strong> conta.<br />

A consciência <strong>do</strong> homem pós-mo<strong>de</strong>rno tem <strong>de</strong> captar isso e promover as<br />

mudanças necessárias aliadas às tecnologias, ou a fadiga a<strong>um</strong>entará até que será<br />

seu fim da espécie h<strong>um</strong>ana. 330 O homem não precisa <strong>de</strong>sfazer-se <strong>de</strong> sua razão ou<br />

330<br />

Otaviano Pereira ainda contribui, atacan<strong>do</strong> o cerne <strong>do</strong> problema: “Se a entrada na “ida<strong>de</strong> da razão”<br />

pô<strong>de</strong> res<strong>um</strong>ir o que esta era significou, ela também está espelhan<strong>do</strong> sua crise. A crise da<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é a crise da razão, mas não <strong>de</strong> toda razão, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a razão em que ela <strong>de</strong>positou toda<br />

sua crença. A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, que fora “cartesiana” em sua origem, não mais consegue ser cartesiana<br />

em sua continuida<strong>de</strong>. Esta constatação significa <strong>um</strong> apelo sem prece<strong>de</strong>ntes aos filósofos interpretes<br />

da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Aí, é natural, <strong>um</strong> conflito <strong>de</strong> interpretações se instala, no momento em que nem<br />

sempre percebemos que ter <strong>de</strong> abrir mão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a (etapa da) razão significa abrir mãos <strong>de</strong> toda a<br />

razão. É <strong>por</strong> isso que a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> está sen<strong>do</strong> chamada <strong>por</strong> alguns <strong>de</strong> era <strong>do</strong> irracionalismo ou


563<br />

interpretá-la como tola, mas é preciso aceitar que <strong>um</strong>a nova perspectiva o faz refletir<br />

em si mesmo. Suas condições h<strong>um</strong>anas são encarcera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> seu próprio<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, caso não faça <strong>de</strong> sua razão o motivo <strong>de</strong> outras razões e outros<br />

projetos para sua existência em melhores condições.<br />

Sua emancipação, ao que tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>monstra, não está mais alicerçada em sua<br />

razão em si com exclusivida<strong>de</strong>, mas em <strong>um</strong>a razão distinta, <strong>de</strong> natureza <strong>artificial</strong>. No<br />

campo <strong>do</strong> Direito e da Justiça, esse <strong>novo</strong> caminho para a resolução <strong>do</strong>s problemas<br />

tornar-se-á possível e eficaz, ao menos nesse estágio <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, com<br />

parcialida<strong>de</strong>, em que a razão natural passa a ser <strong>um</strong>a reprodução inconsciente <strong>de</strong><br />

suas próprias ações.<br />

É possível, <strong>por</strong>tanto, obter em semelhante contexto <strong>de</strong>cisões mais rápidas<br />

para problemas pre<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a razão e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a logicida<strong>de</strong> sem<br />

a participação da consciência. Sua presença não é mais im<strong>por</strong>tante, em <strong>um</strong>a<br />

estrutura tecnológica <strong>de</strong> informática <strong>de</strong>cisória que acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> é capaz <strong>de</strong> fazer<br />

com que o conhecimento c<strong>um</strong>pra sua verda<strong>de</strong>ira e soberana missão! A <strong>de</strong> convertêlo<br />

em <strong>um</strong>a ação útil promotora <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s efetivamente materiais.<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a “noite passageira da História” como quer o pensa<strong>do</strong>r Helmut Thielen (1998: 75ss) (PEREIRA.<br />

Otaviano. Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Afinal, on<strong>de</strong> estamos? In: Revista Profissão Docente,<br />

Uberaba, v. 3, n. 7, p. 63 <strong>–</strong> 74, jan/abr. 2003. Disponível em:<br />

. Acesso em: 29 jul. 2015)”.


564<br />

CONCLUSÃO<br />

Uma Tese não se conclui, mas se interrompe, como diria <strong>um</strong> admirável,<br />

brilhante e elíptico mestre <strong>do</strong> conhecimento em quem sempre me inspiro. O trabalho<br />

representa em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> linhas conclusivas <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia confiada a <strong>um</strong>a consciência<br />

crítica compromissada com <strong>um</strong>a constante emancipação que, em seu âmago,<br />

contém <strong>um</strong>a relação dialética com verda<strong>de</strong>s, critérios, <strong>de</strong>núncias, mudanças,<br />

<strong>de</strong>scobertas e revelações.<br />

Estruturada e combinada no <strong>passo</strong> a <strong>passo</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s sistemas <strong>do</strong><br />

conhecimento, em <strong>um</strong>a proposta <strong>de</strong> diálogos sem vence<strong>do</strong>res, tem o objetivo <strong>de</strong><br />

estabelecer <strong>um</strong>a linguagem distante da granularida<strong>de</strong> e da incomensurabilida<strong>de</strong> não<br />

tão comuns nas comunida<strong>de</strong>s científicas.<br />

Desse esforço, pelo unir pelas intersecções, nasceu <strong>de</strong> o arrebentar em que<br />

se permitiu <strong>um</strong> certo afastamento <strong>do</strong> <strong>do</strong>gmatismo radical que habita ainda a or<strong>de</strong>m<br />

jurídica, todavia, garantin<strong>do</strong> que não se rompessem os vínculos com a epistemologia<br />

<strong>do</strong> Direito e da Justiça como objetivo central da pesquisa e as <strong>de</strong>mais a acudi-la.<br />

Nesse palmilhar, sem quaisquer <strong>de</strong>magogias, houve críticas acirradas ao<br />

pequeno grupo social <strong>do</strong> sistema jurídico, cujo questionamento esteve atrela<strong>do</strong> a<br />

<strong>um</strong>a discussão técnica, pautada na <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s interesses insculpi<strong>do</strong>s na Carta<br />

Constitucional.<br />

Responsável pela proteção da própria espécie h<strong>um</strong>ana, em si a causa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong><br />

i<strong>de</strong>ológico projeto Constitucional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, <strong>de</strong>fendida pela<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cientistas das ciências jurídicas como gênero e pelos<br />

processualistas das ciências processuais enquanto ramo especializa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito<br />

inc<strong>um</strong>bi<strong>do</strong> pela instr<strong>um</strong>ental operacionalização e proteção substancial <strong>do</strong>s Direitos.<br />

A força <strong>de</strong>sse diploma e a emergência <strong>de</strong> c<strong>um</strong>pri-lo em seus aspectos<br />

materiais <strong>de</strong>svelam a essencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer com que o Direito e a Justiça se<br />

realizem <strong>por</strong> intermédio <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema processual nutri<strong>do</strong> <strong>de</strong> melhores habilida<strong>de</strong>s e<br />

competências em <strong>inteligência</strong> operacional.<br />

Urge que o “meio” possa adaptar técnicas cognitivas no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que to<strong>do</strong>s<br />

os interesses constitucionais das individualida<strong>de</strong>s e das coletivida<strong>de</strong>s possam ser<br />

atendi<strong>do</strong>s em tempo razoável, previsível e seguro, com eficiência e eficácia. E, se<br />

isso acontece, a lacuna axiológica <strong>do</strong> Direito e da Justiça <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> problema.


565<br />

Para isso, a trabalho <strong>de</strong> pesquisa buscou tornar evi<strong>de</strong>nte a limitação da<br />

capacida<strong>de</strong> cognitiva da espécie h<strong>um</strong>ana, sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista o <strong>de</strong>sejo trans<strong>um</strong>ano<br />

<strong>de</strong>ssa mesma espécie <strong>por</strong> si e pela produção realizada <strong>por</strong> força <strong>de</strong> suas técnicas <strong>de</strong><br />

conhecimento intelectual <strong>por</strong> novas <strong>de</strong>scobertas e invenções, traduzidas em favor<br />

<strong>do</strong> melhoramento <strong>de</strong> suas vidas e suas condições, na expectativa <strong>de</strong> gerar outra<br />

técnica <strong>de</strong> conhecimento com performances ampliativas <strong>de</strong> suas finalida<strong>de</strong>s e, ao<br />

mesmo tempo, sanean<strong>do</strong> ou sanan<strong>do</strong> efetivamente suas vicissitu<strong>de</strong>s causa<strong>do</strong>ras<br />

<strong>do</strong>s males ao seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Essa ruptura aqui é <strong>de</strong>marcada pela tecnologia intelectual da Inteligência<br />

Artificial (IA). A alteração proposta, <strong>por</strong>ém, não se circunscreve aos estu<strong>do</strong>s das<br />

lógicas ou <strong>de</strong>ssa inova<strong>do</strong>ra tecnologia intelectual produzida pelo homem, objetos <strong>de</strong><br />

pesquisas em outras divisas <strong>do</strong> campo meto<strong>do</strong>lógico. O <strong>de</strong>staque está em ass<strong>um</strong>ir<br />

teoricamente <strong>um</strong>a posição acentuada <strong>por</strong> <strong>um</strong>a informática jurídica processual<br />

<strong>de</strong>cisória, transpassan<strong>do</strong> as fases <strong>de</strong> armazenamento <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, informações e <strong>de</strong><br />

gestão já conhecidas pelas ciências jurídicas. O entendimento <strong>de</strong>ssa posição vem<br />

lastrea<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> estu<strong>do</strong> interdisciplinar empenha<strong>do</strong> na <strong>de</strong>fesa da i<strong>de</strong>ia<br />

fertilizada pelas ciências cognitivas.<br />

A técnica produzida pela Inteligência Artificial <strong>–</strong> velocida<strong>de</strong> em<br />

reconhecimento das transformações <strong>–</strong> permite captar a dinâmica social <strong>de</strong> forma<br />

mais rente à sua realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma estruturada <strong>por</strong> seus próprios mecanismos, com<br />

isso, minan<strong>do</strong> a resistência e a transformação típicas <strong>do</strong> Direito, em <strong>de</strong>corrência até<br />

então <strong>de</strong> “meios” que pu<strong>de</strong>ssem superar essa polarida<strong>de</strong> positivada pelas técnicas<br />

hermenêuticas <strong>de</strong> interpretação.<br />

No plano da lógica e suas ramificações, foi possível materializar<br />

i<strong>de</strong>ologicamente <strong>um</strong> fluxograma <strong>do</strong> funcionamento <strong>do</strong> Direito para o alcance da<br />

Justiça, como <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> lógica não exatamente <strong>de</strong>dutiva, pois, ausente o<br />

reforço à premissa antece<strong>de</strong>nte, a conclusão po<strong>de</strong> não ser a mesma, o que seria<br />

aceitável para <strong>um</strong> jurista o adágio <strong>de</strong> que o Direito não é <strong>um</strong>a ciência exata, cujo<br />

complemento afirmativo certamente seria <strong>de</strong> que o ato <strong>de</strong>cisório até a <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira<br />

hora <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia mudar.


566<br />

Por outro la<strong>do</strong>, foi <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> que a “razão” h<strong>um</strong>ana, ou melhor, seu<br />

sistema <strong>cognitivo</strong>, tem estu<strong>do</strong> baliza<strong>do</strong> não a partir das lógicas, mas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a corrente<br />

<strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>res que vinculam o pensamento a compreen<strong>de</strong>r a dinâmica <strong>de</strong><br />

funcionamento a partir da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> neural <strong>de</strong> funcionamento. Isso remete a quem<br />

julga ser possível criar <strong>–</strong> com o uso da Inteligência Artificial <strong>–</strong> <strong>um</strong>a conexão paralela<br />

com técnicas especializadas peculiares à sua estrutura, possibilitan<strong>do</strong> obter <strong>um</strong><br />

sistema que auxilie no processo <strong>de</strong> informática jurídica ou atue <strong>de</strong>cisoriamente.<br />

É possível, no entanto, efen<strong>de</strong>r <strong>um</strong>a posição total <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> espectro<br />

macro <strong>do</strong>s diversos ramos <strong>do</strong> Direito, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que parte <strong>do</strong> sistema jurídico,<br />

em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> uso das técnicas da Inteligência Artificial, possa permitir <strong>de</strong>cisões<br />

mediadas pelo uso <strong>de</strong> semelhante tecnologia. Isso <strong>por</strong>que, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> estágio,<br />

a compreensão sobre o Direito não exige interpretação hermenêutica, dispensan<strong>do</strong>,<br />

<strong>por</strong>tanto, as ativida<strong>de</strong>s da percepção e da consciência.<br />

Em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, a partir da emenda Constitucional 45/04, da<br />

edição da Lei 11.419/06, <strong>do</strong> artigo 5º,inciso LXXVIII da CF e no Novo Reforma<strong>do</strong><br />

Direito Processual Civil registra<strong>do</strong> pela Lei 11.305/2015 em seu artigo 4º, tem-se<br />

como legal a permissão legitimada <strong>do</strong> “meio” tecnológico ao atendimento das<br />

finalida<strong>de</strong>s individuais e/ou coletivas da espécie h<strong>um</strong>ana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não viole os<br />

Direitos e as Garantias Fundamentais na obtenção <strong>de</strong> Direito em tempo razoável.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que os aludi<strong>do</strong>s dispositivos asseguram que o Direito seja<br />

alcança<strong>do</strong> em tempo razoável, para isso, “os meios que garantam a celerida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

sua tramitação” são essenciais. Por essa razão, sen<strong>do</strong> tecnologia em Inteligência<br />

Artificial <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> “meio” distinto tão somente quanto a sua natureza, <strong>por</strong>ém<br />

apto para as realizações <strong>de</strong> meio e fim para os resulta<strong>do</strong>s em que essa espécie <strong>de</strong><br />

tecnologia é utilizada e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que compatível, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r da leitura<br />

<strong>um</strong>a interpretação diversa.<br />

No âmbito <strong>do</strong> Direito Processual Civil, a inovação que tem maior <strong>de</strong>staque e<br />

que ampara o objetivo da Tese objetivamente sinaliza para a substituição <strong>do</strong> Ator<br />

<strong>h<strong>um</strong>ano</strong> pelo Ator tecnológico no ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir resi<strong>de</strong> no instituto <strong>de</strong> Instauração <strong>de</strong><br />

Inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Resolução <strong>de</strong> Demanda Repetitiva.


567<br />

O aludi<strong>do</strong> instituto visa axiomatizar, a partir <strong>do</strong> firmamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tese<br />

jurídica <strong>–</strong> com base no Direito em questão e geran<strong>do</strong> <strong>um</strong> prece<strong>de</strong>nte <strong>–</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão,<br />

ou melhor, <strong>um</strong> entendimento pacifica<strong>do</strong> sobre <strong>de</strong>terminada questão <strong>de</strong> Direito que<br />

vincule to<strong>do</strong>s os casos que possuam a mesma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito cuja posição já<br />

tenha entendimento firma<strong>do</strong>.<br />

Nessa hipótese, o Direito não com<strong>por</strong>ta mais interpretação ou discussão<br />

(consciência ou percepção), salvo pelos dispositivos legais cujos critérios previstos<br />

forcem ter o prece<strong>de</strong>nte firma<strong>do</strong> pela tese modifica<strong>do</strong> seu entendimento.<br />

Destacan<strong>do</strong> tal possibilida<strong>de</strong>, o Direito passa a ser exatamente <strong>de</strong>dutivo<br />

diante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a conclusão pre<strong>de</strong>terminada pelo prece<strong>de</strong>nte judicial. Essa técnica<br />

processual exterioriza a efetiva possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir-se a programação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

sistema em que se or<strong>de</strong>ne o Direito <strong>por</strong> intermédio da tecnologia promovida pela<br />

Inteligência Artificial.<br />

O sistema iria receber, processar, analisar a causa e, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong>-a como<br />

sen<strong>do</strong> vinculada a <strong>um</strong> prece<strong>de</strong>nte, ele <strong>de</strong>cidiria automaticamente. Nessa hipótese,<br />

reproduziria <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão igual a casos submeti<strong>do</strong>s ao judiciário com a mesma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entendimento sobre o Direito.<br />

Sen<strong>do</strong> a questão i<strong>de</strong>ntificada como <strong>um</strong> prece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> caso, imediatamente<br />

aplica o entendimento firma<strong>do</strong> sobre aquela questão <strong>de</strong> Direito já firmada ao caso<br />

<strong>novo</strong>, distribuí<strong>do</strong> e vincula<strong>do</strong> ao prece<strong>de</strong>nte anterior <strong>por</strong>que possui <strong>um</strong>a tese<br />

firmada.<br />

Com isso, produzirá <strong>um</strong> Direito e <strong>um</strong>a Justiça <strong>de</strong> interesse ao acesso social,<br />

il<strong>um</strong>ina<strong>do</strong>s pelos garanti<strong>do</strong>s atributos <strong>de</strong> celerida<strong>de</strong>, previsibilida<strong>de</strong> e segurança<br />

imanentes à concepção <strong>de</strong> Direito e Justiça, o que representa <strong>um</strong>a efetivida<strong>de</strong><br />

material <strong>do</strong>s Direitos e das Garantias Fundamentais insculpi<strong>do</strong>s na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral.


568<br />

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fornecimento imediato <strong>de</strong> substância não inscrita como medicamento: risco <strong>de</strong><br />

dano grave à or<strong>de</strong>m e à economia públicas <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>; fornecimento <strong>de</strong><br />

medicamento sem registro em território nacional; plausibilida<strong>de</strong> das razões<br />

invocadas; pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong>feri<strong>do</strong>; acórdão em medida cautelar na petição 5.828 SP.<br />

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590


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ANEXO B <strong>–</strong> PESQUISA SOBRE O JUDICIÁRIO: VISÃO DO JUIZ<br />

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